mata atlântica - manual de adequação ambiental

Upload: isabella-zanin

Post on 17-Jul-2015

529 views

Category:

Documents


4 download

TRANSCRIPT

Departamento de Conservao da Biodiversidade Ncleo Mata Atlntica e Pampa

Secretaria de Biodiversidade e Florestas

Ministrio do Meio Ambiente

Manual de Adequao Ambiental

Mata Atlntica

Braslia (DF) 2010

BIODIVERSIDADE 35

Textos - Maura Campanili, Wigold Bertoldo Schffer Colaborao nos textos e reviso - Miriam Prochnow, Joo de Deus Medeiros, Tatiana Rehder, Francisca Mendes de Menezes, Armin Deitenbach, Claudia Regina dos Santos Edio de Imagens - Miriam Prochnow, Wigold Bertoldo Schffer Fotos - As fotos publicadas neste manual foram cedidas sem custos pelos autores ou instituies mencionadas nas imagens. Agradecemos gentilmente a todos os fotgrafos e instituies que cederam fotos para compor este manual. Projeto grfico e editorao eletrnica - Fbio Pili Ilustraes - Skopein

Ministrio do Meio Ambiente MMA Centro de Informao e Documentao Lus Eduardo Magalhes CID Ambiental SEPN 505 - Lote 02 - Bloco B - Edifcio Marie Prendi Cruz - Trreo 70.730-542 - Braslia - DF Tel.: 5561 2028-2184 Fax.: 5561 2028-1980 E-mail: [email protected]

Apoio Projeto Proteo da Mata Atlntica II, financiado, a partir de Deciso do Congresso da Alemanha, com recursos da Iniciativa Internacional de Proteo ao Clima por meio do Ministrio do Meio Ambiente, Proteo da Natureza e Segurana Nuclear (BMU). A execuo do Projeto Proteo da Mata Atlntica II coordenada pelo Ministrio do Meio Ambiente MMA e conta com o acompanhamento da Cooperao Tcnica Alem - GTZ e com a contribuio financeira do KfW Entwicklungsbank, disponibilizada ao Atlantic Forest Conservation Fund -AFCoF II, administrado pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade Funbio. O projeto visa contribuir com os esforos brasileiros para a proteo, o uso sustentvel e a recuperao da Mata Atlntica, considerado um sumidouro de carbono de significncia global para o clima. O projeto trabalha nos seguintes componentes a) ampliao e consolidao do Sistema Nacional de Unidades de Conservao da Natureza, b) fortalecimento de sistemas de transferncia e mecanismos de pagamento de servios ambientais, c) disponibilizao de informaes relevantes para decises sobre a biodiversidade na Mata Atlntica e proteo do clima e d) desenvolvimento de capacidades e competncias.

Catalogao na Fonte Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis M425 Mata Atlntica: manual de adequao ambiental / Maura Campanili e Wigold Bertoldo Schaffer. Braslia: MMA/SBF, 2010. 96 p. ; il. color. : 29cm. (Srie Biodiversidade, 35)

1. Mata Atlntica. 2. Reserva Legal. 3. reas de Preservao Permanente. 4. Servios ambientais. 5. Conservao ambiental. 6. Recuperao Mata Atlntica. 7. Plano Municipal (gesto ambiental). I. Campanili, Maura. II. Bertoldo, Wigold. III. Ministrio do Meio Ambiente Secretaria de Biodiversidade e Florestas. IV. Ttulo. V. Srie. CDU (2.ed.)574(035)

A reproduo desta obra permitida, desde que citada a fonte. Esta permisso no se aplica s fotos, que foram cedidas exclusivamente para esta publicao. Esta obra no pode ser comercializada.

Sumrio1 Apresentao Captulo 1 O que a Mata Atlntica? Os diferentes tipos de vegetao da Mata Atlntica Mapa da rea de aplicao da lei no 11.428 de 2006 Captulo 2 Servios ambientais A perda da biodiversidade Escassez e diminuio da qualidade da gua As consequncias das mudanas climticas Importncia dos servios ambientais Belezas cnicas tambm so servios ambientais Investir no futuro Os clios que nos protegem O sumio das abelhas Captulo 3 A Mata Atlntica e a legislao Legislao geral Lei da Mata Atlntica A histria do Cdigo Florestal (Lei n 4.771, de 1965) Perguntas e respostas sobre a legislao ambiental Lei da Mata Atlntica Cdigo Florestal Reserva legal reas de preservao permanente Captulo 4 A importncia da paisagem no planejamento Planejamento da paisagem reas protegidas pblicas e privadas A responsabilidade dos municpios na conservao da biodiversidade Planos Municipais de Conservao e Recuperao da Mata Atlntica Adequao de ambientes urbanos - a cidade legal Importncia das reas verdes Relao entre reas de Preservao Permanente e reas de risco Captulo 5 A adequao ambiental de propriedades rurais Os aspectos da adequao ambiental Paisagismo rural Programa Mais Ambiente O que no se deve fazer na propriedade rural Recuperao e restaurao da Mata Atlntica Aes bem sucedidas na conservao da Mata Atlntica Bibliografia 2 6 6

12 16 17 18 19 21 22 24 25 26 28 30 32 34 34 40 40 47

52 54 56 60 62 66 68 69

70 72 74 75 76 78 86 90

Wigold B. Schaffer

ApresentaoA qualidade e a quantidade de gua podem ser o principal motivo para que um proprietrio rural, seja ele agricultor, fruticultor ou pecuarista, promova a adequao ambiental de seu imvel. Outro aspecto importante a proteo do solo contra a eroso, pois somente um solo bem conservado e frtil garante a produtividade da terra no longo prazo. Nesse contexto, a manuteno da Reserva Legal e das reas de Preservao Permanente, juntamente com a conservao do solo e a diversificao da produo so os principais pilares da sustentabilidade econmica e ambiental nos imveis rurais. A publicao Mata Atlntica - Manual de Adequao Ambiental se prope a ajudar quem precisa fazer esta adequao. Alm de trazer explicaes sobre Mata Atlntica e servios ambientais, responde as dvidas mais frequentes sobre a legislao ambiental aplicvel Mata Atlntica e as obrigaes e direitos dos proprietrios e posseiros em relao Reserva Legal e s reas de Preservao Permanente. A publicao trata da importncia dos servios ambientais, mostrando que a alterao ou reduo das reas naturais influencia a prpria sustentabilidade dos processos ecolgicos, afetando o fornecimento dos servios que so prestados pela natureza de forma silenciosa, gratuita e continuamente e que trazem uma srie de benefcios ao homem, mesmo que a maioria das pessoas sequer note ou saiba disso. Entre os servios ambientais esto a regulao do clima, amenizando desastres como enchentes, secas e tempestades; a manuteno do ciclo hidrolgico, absorvendo, filtrando e promovendo a qualidade da gua; a preveno da eroso do solo, mantendo sua estrutura e estabilidade, entre tantos outros. Para demonstrar que possvel respeitar a legislao ambiental e, ao mesmo tempo, obter alta produtividade e tima qualidade de vida, o Manual traz exemplos de propriedades legais e depoimentos de produtores que adequaram ambientalmente seus imveis e acreditam que valeu a pena. Alm disso, mostra que a legislao ambiental vale tambm para as reas urbanas, onde pode colaborar para minimizar tragdias e melhorar a vida dos moradores. Para tanto, o Manual traz os princpios que devem nortear os Planos Municipais de Conservao e Recuperao da Mata Atlntica, um instrumento de gesto municipal, complementar ao Plano Diretor Participativo e ao Plano de Saneamento Bsico. Sua elaborao promove a municipalizao da discusso a respeito da proteo e recuperao da Mata Atlntica, aspecto inovador e de grande importncia para uma gesto municipal ambientalmente responsvel. Esta publicao Mata Atlntica - Manual de Adequao Ambiental mostra tambm que existem vrias metodologias que podem ser utilizadas para a recuperao ou restaurao da vegetao nativa. Demonstra que o desenvolvimento de modelos de uso da terra que levem em conta o processo produtivo e a conservao dos ecossistemas de extrema importncia para se alcanar o desenvolvimento sustentvel e garantir a qualidade de vida no campo e nas cidades.

Maria Ceclia Wey de Brito Secretria de Biodiversidade e Florestas

Nome do Captulo

Mata Atlntica - Manual de Adequao Ambiental

3

O que a Mata Atlntica?

Miriam Prochnow

Introduo

Quando se fala em Mata Atlntica necessrio lembrar que estamos falando de um conjunto de formaes florestais, alm de campos naturais, restingas, manguezais e outros tipos de vegetao, que formam paisagens diferentes, belas e biodiversas.Quando os primeiros europeus chegaram ao Brasil, em 1500, a Mata Atlntica cobria aproximadamente 15% do territrio brasileiro1, rea equivalente a 1.296.446 km2. Sua regio de ocorrncia original abrangia integralmente ou parcialmente atuais 17 estados brasileiros: Alagoas, Bahia, Cear, Esprito Santo, Gois, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Paraba, Pernambuco, Piau, Paran, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, So Paulo e Sergipe. Um mapeamento encomendado pelo Ministrio do Meio Ambiente e divulgado em 2006 mostra que existem hoje 27% deAtualmente raro encontrar reas onde a Mata Atlntica est conservada da forma como os primeiros europeus a encontraram em 1500. Guaratuba - PR.

O que a Mata Atlntica?

remanescentes, incluindo os vrios estgios de regenerao em todas as fisionomias: florestas, campos naturais, restingas e manguezais2. Entretanto, o percentual de remanescentes bem conservados, de apenas de 7,26%, segundo o ltimo levantamento divulgado pela Fundao SOS Mata Atlntica e Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em maio de 20083. Por esse estudo, existem somente 97.596 km2 de remanescentes maiores de 1 km2. Esses dois dados apontam, por um lado, a capacidade da Mata Atlntica de se regenerar, e por outro, a situao crtica de isolamento em que se encontram os remanescentes em estgio avanado e primrio da floresta.

Miriam Prochnow

Mata Atlntica - Manual de Adequao Ambiental

5

Mesmo reduzida e muito fragmentada, estimase que a Mata Atlntica possua cerca de 20.000 espcies vegetais (algo entre 33% e 36% das espcies existentes no Brasil). At se comparada com a Floresta Amaznica, a Mata Atlntica apresenta, proporcionalmente ao seu tamanho, maior diversidade biolgica. Estudos realizados no Parque Estadual da Serra do Conduru, no sul da Bahia, mostraram uma diversidade de 454 espcies de rvores por hectare, nmero que superou o recorde de 300 espcies por hectare registrado na Amaznia peruana em 1986 e pode significar que de fato a Mata Atlntica possui a maior diversidade de rvores do mundo por unidade de rea. Em relao fauna, o que mais impressiona a enorme quantidade de espcies endmicas, ou seja, que no podem ser encontradas em nenhum outro lugar do mundo. o caso das 73 espcies endmicas de mamferos, entre elas 21 espcies e subespcies de primatas. Os levantamentos j realizados indicam que a Mata Atlntica abriga 849 espcies de aves, 370 espcies de anfbios, 200 espcies de rpteis, 270 de mamferos e cerca de 350 espcies de peixes. Vrias dessas espcies animais e vegetais, porm, esto ameaadas de extino. Comeando pelo pau-brasil (Caesalpinia echinata), espcie cujo nome batizou o Pas, so 276 espcies vegetais da Mata Atlntica na lista oficial de espcies ameaadas, entre elas o palmito juara (Euterpe edulis), a araucria (Araucaria angustifolia) e vrias orqudeas e bromlias. Entre os animais terrestres, so 185 vertebrados, dos quais 118 aves, 16 anfbios, 38 mamferos e 13 rpteis. H tambm 59 espcies de peixes ameaados nas bacias do Leste brasileiro, entre a foz do rio So Francisco e o norte de Santa Catarina. Grande parte dessas espcies ameaadas endmica, ou seja, s ocorre na regio da Mata Atlntica, como o muriqui-do-sul (Brachyteles arachnoides), o muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus) e o papagaio-da-cara-roxa (Amazona brasiliensis).Mapa da rea de Aplicao da Lei n 11.428, de 2006, escala 1:5.000.000 do IBGE. 2 Levantamento da Cobertura Vegetal Nativa do Bioma Mata Atlntica (MMA/Probio), 2006. 3 Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlntica, 20002005, SOS Mata Atlntica/INPE, divulgado em maio de 2008.1

Restam apenas 27% de remanescentes da vegetao nativa da Mata Atlntica, distribudos em mais de 200.000 fragmentos, a maioria muito pequenos. A fragmentao a principal ameaa biodiversidade da Mata Atlntica.

A Mata Atlntica um Hotspot, uma rea de alta biodiversidade e endemismo e ao mesmo tempo altamente ameaada de extino.

Andr Pessoa

Wigold B. Schaffer

Introduo

Os diferentes tipos de vegetao da Mata Atlntica A Lei n 11.428 (Lei da Mata Atlntica), de 2006, define que a Mata Atlntica contempla diferentes formaes florestais e ecossistemas associados os quais foram detalhados 11.428, de 2006, elaborado e publicado pelo IBGE.

pelo Decreto n 6.660, de 2008, e delimitados no Mapa da rea de Aplicao da Lei n

Mapa da rea de aplicao da lei no 11.428 de 2006

reas de tenso ecolgica Floresta ombrfila densa Floresta ombrfila aberta Floresta ombrfila mista Floresta estacional semidecidual Floresta estacional decidual Savana Savana-estpica Estepe reas das formaes pioneiras Refgios vegetacionais Limite estadualFonte: IBGE, 2008.

Mata Atlntica - Manual de Adequao Ambiental

7

Floresta Ombrfila DensaCaracterizada pela presena de rvores de grande e mdio portes, alm de lianas (cips) e epfitas em abundncia. Estende-se pela costa litornea desde o Nordeste at o extremo Sul. Sua ocorrncia est ligada ao clima tropical quente e mido, sem perodo seco, com chuvas bem distribudas durante o ano (excepcionalmente com at 60 dias de umidade escassa) e temperaturas mdias variando entre 22 C e 25o C.

Floresta ombrfila densa Paran.

Miriam Prochnow

Introduo

Floresta Ombrfila AbertaComposta por rvores mais espaadas e com estrato arbustivo pouco denso. Ocupa reas com gradientes climticos variando entre dois a quatro meses secos, identificados por meio da curva ombrotrmica, e temperaturas mdias entre 24 C e 25o C. Suas formaes apresentam quatro faciaes florsticas, resultantes do agrupamento de espcies de palmeiras, cips, bambus ou sororocas, que alteram a fisionomia da floresta de densa para aberta. encontrada, por exemplo, em Minas Gerais, Esprito Santo e Alagoas.Floresta ombrfila aberta Minas Gerais.

Caracterizada por uma rica mistura florstica que comporta gneros Australsicos (Drymis, Araucaria) e Afro-Asiticos (Podocarpus), com fisionomia fortemente marcada pela predominncia da Araucaria angustifolia (pinheiro) no estrato superior. Sua rea de ocorrncia coincide com o clima mido sem perodo seco, com temperaturas mdias anuais em torno de 18o C, mas com trs a seis meses em que as temperaturas se mantm abaixo dos 15o C. Seus ambientes predominam no Planalto Meridional Brasileiro (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paran), em terrenos acima de 500-600 metros de altitude, apresentando disjunes em pontos mais elevados das serras do Mar e da Mantiqueira.Floresta ombrfila mista (Floresta com araucrias) - Santa Catarina.

conhecida como Mata de Interior e condicionada por dupla estacionalidade climtica. Na regio tropical, definida por dois perodos pluviomtricos bem marcados, um chuvoso e outro seco, com temperaturas mdias anuais em torno de 21o C; e na regio subtropical, por um curto perodo de seca acompanhado de acentuada queda da temperatura, com as mdias mensais abaixo de 15o C. Essa estacionalidade atinge os elementos arbreos dominantes, induzindo-os ao repouso fisiolgico, determinando uma porcentagem de rvores caduciflias entre 20% e 50% do conjunto florestal.Floresta estacional semidecidual Minas Gerais.

Wigold B. Schaffer

Floresta Estacional Semidecidual

Wigold B. Schaffer

Floresta Ombrfila Mista

Miriam Prochnow

Mata Atlntica - Manual de Adequao Ambiental

9

Floresta Estacional Decidual tambm condicionada por dupla estacionalidade climtica, porm mais rigorosa, determinada por um perodo chuvoso seguido de um longo perodo seco, condicionado na regio tropical por mais de sete meses de estiagem e na regio subtropical por frio prolongado por mais de cinco meses com temperaturas mdias inferiores a 15o C. Ocorre tambm como disjunes em climas variados sobre litologia calcria ou solos pedregosos. Tais condies determinam um estrato predominantemente caduciflio, com mais de 50% das rvores do conjunto florestal perdendo as folhas na estao desfavorvel.

Floresta estacional decidual Piau.

EstepeOcorre na rea subtropical brasileira onde as plantas so submetidas a uma dupla condio de estacionalidade, cujas causas so o frio e a seca. A adoo do termo estepe para os campos do Brasil meridional baseia-se na fisionomia da vegetao, homloga estepe da Zona Holrtica, embora com florstica diversa daquela.Joo de Deus Medeiros

Estepe (Campo de altitude) Santa Catarina.

SavanaA vegetao de Savana (Cerrado) ocorre em variados climas, tanto os estacionais tropicais com perodo seco entre trs a sete meses, como os ombrfilos sem perodo seco. Sua distribuio est relacionada a determinados tipos de solos, na maioria profundos, com alto teor de alumnio e de baixa fertilidade natural, arenosos lixiviados e mesmo pedregosos. No Bioma Mata Atlntica, existem algumas disjunes de savana em meio a outros tipos de vegetao.

Savana-EstpicaConstitui uma tipologia vegetal estacional decidual, tipicamente campestre, em geral com espcies lenhosas espinhosas, entremeadas de plantas suculentas, sobretudo cactceas, que crescem sobre solos geralmente rasos e quase sempre pedregosos. As rvores so baixas, raquticas, com troncos finos e esgalhamento profuso. No Bioma Mata Atlntica ocorrem duas disjunes de Savana Estpica: no nordeste de Minas Gerais e em Cabo Frio, litoral norte do Estado do Rio de Janeiro.

Miriam Prochnow

Introduo

Formaes PioneirasConstituem os complexos vegetacionais edficos de primeira ocupao (pioneiras), que colonizam terrenos pedologicamente instveis, relacionados aos processos de acumulao fluvial, lacustre, marinha, fluviomarinha e elica. Englobam a vegetao da restinga, dos manguezais, dos campos salinos e das comunidades ribeirinhas aluviais e lacustres.Formao pioneira: manguezal Santa Catarina.

Formao pioneira: restinga Bahia.

Jean Franois

Joo de Deus Medeiros

Vegetao de restinga fixadora de dunas Rio Grande do Sul.

Miriam Prochnow

Mata Atlntica - Manual de Adequao Ambiental

11

Comunidade vegetal que difere e se destaca do contexto da vegetao clmax regional, apresentando particularidades florsticas, fisionmicas e ecolgicas. Em geral constitui uma comunidade relictual que persiste em situaes muito especiais, como o caso daquelas situadas em altitudes acima de 1.800 metros.

Refgio vegetacional Esprito Santo.Joo de Deus Medeiros

reas de Tenso EcolgicaConstituem os contatos entre tipos de vegetao que podem ocorrer na forma de ectono, quando a transio se d por uma mistura florstica, envolvendo tipologias com estruturas fisionmicas semelhantes ou claramente distintas; ou na forma de encrave, quando a distino das tipologias vegetacionais, ou mosaicos entre distintas regies ecolgicas, reflete uma transio edfica e resguarda sua identidade ecolgica.

rea de tenso ecolgica: contato entre campo de altitudefloresta ombrfila mista.

Miriam Prochnow

Refgio Vegetacional

Nome do Captulo

Mata Atlntica - Manual de Adequao Ambiental

13

Servios ambientais

Wigold B. Schaffer

Captulo 1

Servios ambientaisOs servios ambientais so prestados pela natureza de forma silenciosa, gratuita e continuamente e trazem uma srie de benefcios ao homem, mesmo que a maioria das pessoas sequer note ou saiba disso. Entre os servios prestados pela natureza esto:

A regulao do clima, amenizando desastres como enchentes, secas e tempestades. A manuteno do ciclo hidrolgico, absorvendo, filtrando e promovendo a qualidade da gua. A preveno da eroso do solo, mantendo sua estrutura e estabilidade. A produo de oxignio. O provimento de espaos para moradia, cultivos, recreao e turismo. A manuteno das condies dos recursos ambientais naturais, em especial a biodiversidade e a variabilidade gentica, das quais o homem retira elementos essenciais para a melhoria da agricultura, produo de medicamentos e cosmticos. A manuteno de processos que a tecnologia humana no domina e nem substitui como a polinizao e a decomposio de resduos. A regulao da composio qumica dos oceanos.Os remanescentes de florestas e outras formas de vegetao nativa da Mata Atlntica prestam um importante servio ambiental de proteo de nascentes e rios que abastecem 67% da populao brasileira.

Wigold B. Schaffer

Mata Atlntica - Manual de Adequao Ambiental

15

As consequncias causadas pela perda da natureza, muitas vezes no so notadas de imediato, mas so extremamente graves. A alterao ou reduo das reas naturais afeta a prpria sustentabilidade dos processos ecolgicos, comprometendo o fornecimento dos servios ambientais.

Os processos ecolgicos fazem parte das relaes das espcies entre si e com o meio que as cerca e so extremamente importantes, pois a alterao em qualquer elo do ecossistema tem consequncia nos demais. Sua fragilidade se d porque cada espcie tem um nicho ecolgico, que corresponde ao papel que o organismo (planta ou animal) desenvolve dentro de um ecossistema. Isso significa que no apenas o espao utilizado pela espcie que conta, mas tambm a sua posio na cadeia alimentar e sua relao com os fatores ambientais, que correspondem rea ideal para a ocorrncia da espcie dentro do gradiente ambiental de temperatura, umidade, luminosidade etc.

A polinizao feita pelos insetos fundamental para a manuteno da biodiversidade e tambm para garantir a produtividade de espcies utilizadas na agricultura e fruticultura.

De acordo com o Milenium Ecossystem Assessment (Relatrio das Naes Unidas sobre o estado dos ecossistemas mundiais), os servios ambientais so organizados nas seguintes categorias1: Servios de suprimento: so os que resultam em bens ou produtos ambientais com valor econmico, obtidos diretamente pelo uso e manejo sustentvel dos ecossistemas, como alimentos, gua e produtos florestais. Servios regulatrios: so os que mantm os processos ecossistmicos que garantem a regulao do clima, o ciclo hidrolgico, a reduo da eroso, o combate a doenas e contribuem para a polinizao. Servios culturais: so os associados aos valores e manifestaes da cultura humana, derivados da preservao ou conservao dos recursos naturais. Englobam a recreao, as belezas cnicas e a espiritualidade.

Servios de suporte: so os servios que garantem todos os outros porque mantm as condies dos recursos ambientais naturais, em especial a biodiversidade, a conservao da variabilidade gentica, a formao de solo, a fotossntese e a ciclagem de nutrientes.Miriam Prochnow

A regulao da composio qumica dos oceanos e a manuteno do ciclo hidrolgico so importantes servios ambientais.1

Essa categorizao tambm utilizada no Projeto de Lei que Institui a Poltica Nacional dos Servios Ambientais no Brasil e que se encontra em tramitao no Congresso Nacional.

Joo de Deus Medeiros

Captulo 1 - Servios ambientais

A perda da biodiversidade A perda da biodiversidade um dos principais problemas ambientais do planeta. De acordo com um relatrio divulgado em maro de 2005 pelo secretariado da Conveno sobre Diversidade Biolgica, da ONU, a Terra est sofrendo a maior extino de espcies desde o fim dos dinossauros, 65 milhes de anos atrs. A diferena da poca dos dinossauros que agora o grande responsvel por essa extino em massa de plantas e animais o ser humano com suas atividades.No Brasil, quinto maior pas do mundo e primeiro entre pases megadiversos, com aproximadamente 20% das espcies existentes no mundo, a perda de biodiversidade tambm preocupante1. So 193 espcies de aves ameaadas, sendo 112 na Mata Atlntica, das quais 54 s existem nessa regio, ou seja, so endmicas da Mata Atlntica2. Quanto aos mamferos, 66 espcies esto ameaadas - 12,4% das 530 conhecidas para o Brasil. Entre os mamiferos ameaados de extino, 40% so primatas e a maioria endmica da Mata Atlntica3. Ainda, no Brasil esto ameaadas 20 espcies de rpteis, 17 de anfbios, 130 espcies de invertebrados terrestres e 471 espcies de plantas, a maoria (276 espcies) da Mata Atlntica4. Esse imenso patrimnio gentico, j escasso nos pases desenvolvidos, tem na atualidade valor econmico-estratgico inestimvel em vrias atividades, como no campo do desenvolvimento de novos medicamentos. Outro exemplo so os polinizadores, que encontram ambientes favorveis sua sobrevivncia e reproduo nas reas de vegetao nativa conservada, sem os quais diversas culturas agrcolas e frutferas teriam sua produtividade afetada. A perda de habitat a principal causa da diminuio da biodiversidade no mundo e a Mata Atlntica um exemplo extremo, onde umNa Mata Atlntica, existem 66 espcies de mamferos ameaados de extino, entre eles a ona-pintada (Panthera onca).

Calixto, J. B. *Biodiversidade como fonte de medicamentos * /Cienc. Cult./ vol.55 no.3 So Paulo July/Sept. 2003. Marini, M. A. & Garcia, F. I. 2005. Conservao de Aves no Brasil. Megadiversidade, v. 1, n. 1, p. 95-102. 3 Costa, L. P.; Leite, Y. L. R.; Mendes, S. L. & Ditchfield, A. D. 2005. Conservao de Mamferos no Brasil. Megadiversidade, v. 1, n. 1, p. 103-112. 4 Ministrio do Meio Ambiente, 2008. Livro Vermelho da Fauna Ameaada de Extino, v. I, 511 pag. e v. II, 907 pag., e Instruo Normativa no 6 de 2008).1 2

Bruno Ademar Prochnow

Mata Atlntica - Manual de Adequao Ambiental

17

fragmento, mesmo muito pequeno e isolado, pode ser o nico lugar propcio para uma determinada espcie. Um caso tpico a bromlia Dyckia distachya, que no Brasil ocorria apenas nas corredeiras do Rio Pelotas, entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina, hoje submersas pelos lagos de trs usinas Hidreltricas: It, Machadinho e Barra Grande. Com um nicho ecolgico to restrito, a espcie hoje considerada extinta na natureza em territrio nacional, embora tentativas de repovoamento da espcie estejam em andamento, at o momento sem sucesso.

A bromelia Dyckia distachya, que ocorria no Brasil apenas nas corredeiras dos rios Pelotas e Uruguai, foi extinta da natureza com a construo da Hidreltrica de Barra Grande.Wigold B. Schaffer

Mata ciliar preservada no Rio Pelotas, na divisa de Santa Catarina com o Rio Grande do Sul.

Escassez e diminuio da qualidade da guaA diminuio da qualidade e a escassez cada vez maior da gua necessria aos processos agrcolas, industriais, energticos e de abastecimento pblico outro grande problema ambiental. Segundo o GEO 4, um relatrio do Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma)5, o crescente peso da demanda de gua se tornar intolervel em pases com recursos hdricos escassos (e em outras regies secas, como o semirido brasileiro). No GEO 4, identifica-se como prioridade o cuidado para manter ou melhorar a qualidade e a quantidade de gua disponveis nos rios, nascentes e lagos, servio ambiental garantido e prestado gratuitamente pelos ecossistemas preservados.5

A reduo da qualidade e da quantidade dos recursos hdricos j problema em 53% dos municpios brasileiros, os quais tm problemas com assoreamento dos corpos dgua, resultante da supresso de vegetao ao longo dos rios (APPs), e 38% deles sofrem com a poluio da gua6. Proteger os recursos hdricos, mantendo ou recuperando sua qualidade e quantidade, estratgico para o Brasil, no s para o abastecimento das populaes humanas, mas tambm para a maioria dos setores econmicos, incluindo a agropecuria. Um exemplo significativo da importncia dos recursos hdricos est no campo energtico, onde a energia oriunda das hidreltricas responsvel por 84% da energia eltrica gerada no Pas.

The fourth Global Environment Outlook: environment for development (GEO-4) assessment is a comprehensive and authoritative UN report on environment, development and human well-being, providing incisive analysis and information for decision making. Disponvel em: http://www.unep.org/geo/geo4/media/ 6 IBGE 2002

Miriam Prochnow

Captulo 1 - Servios ambientais

As consequncias das mudanas climticasOutro grande problema ambiental do planeta e que j est afetando os servios ambientais so as mudanas climticas em curso. Os relatrios do Painel Intergovernamental de Mudanas Climticas (IPPC), rgo das Naes Unidas, apresentam previses sobre as futuras implicaes das mudanas climticas nos ecossistemas, dizendo que provvel que a resilincia de muitos ecossistemas seja superada neste sculo por uma combinao sem precedentes de mudana do clima, perturbaes associadas (por exemplo, inundaes, secas, incndios florestais, proliferao de insetos, acidificao dos oceanos) e outros fatores de mudana global (por exemplo, mudana no uso da terra, poluio, explorao excessiva dos recursos) e que aumente o risco de extino de aproximadamente 20% a 30% das espcies vegetais e animais avaliadas at agora se os aumentos da temperatura global mdia ultrapassarem 1,5 a 2,5C. Ou seja, as mudanas climticas afetam a biodiversidade e a maioria dos servios ambientais, estejam onde estiverem.Wigold B. Schaffer

O desmatamento e as queimadas so responsveis por cerca de 20% das emisses globais anuais no Brasil, representam 75% das emisses.

Assim, todos os motivos que levam necessidade de se recuperar a Mata Atlntica so ainda potencializados pela perspectiva da mudana climtica global. Com previso de temperaturas mais altas, secas mais intensas e chuvas torrenciais mais frequentes, a tantes, parece bvia.

proteo desse conjunto de ecossistemas, que nos prestam servios gratuitos e cons-

Uma das consequncias da elevao das temperaturas em funo das mudanas climticas o aumento de eventos climticos extremos como enchentes e secas.Wigold B. Schaffer

Mata Atlntica - Manual de Adequao Ambiental

19

Importncia dos servios ambientaisO conceito dos servios ambientais surgiu para demonstrar que as reas naturais cumprem funes essenciais nos processos de manuteno da vida e, portando, no so um obstculo ao desenvolvimento econmico. Isso significa que todo ecossistema (conjunto de organismos vivos - animais, plantas e homem e o ambiente fsico onde vivem) um sistema natural que produz benefcios dos quais o homem se apropria (como a gua, madeira, alimento) ou consome (como paisagem, regulao climtica, purificao do ar). Historicamente, no se pagava por esses servios, que a natureza presta s por existir. Sua falta, porm, traz prejuzos de toda ordem, como produtos agrcolas mais caros e menos saudveis, por conta de altos investimentos em produtos qumicos para compensar as perdas ambientais do solo e da gua. Atualmente, a escassez de alguns recursos j tem levado cobrana de alguns desses servios, como por exemplo, a cobrana pelo uso da gua, implantada em alguns Comits de Bacias Hidrogrficas, como o Paraba do Sul, em So Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Por outro lado, a manuteno desses servios traz oportunidades para alguns produtores, pessoas que conservam ou recuperam reas que protegem mananciais hdricos, capturam e estocam carbono ou fornecem polinizadores para culturas agrcolas ou fruticultura. Exemplos disso so apicultores especializados que levam suas colmias para polinizar ma nos estados do sul. No campo da proteo da gua tambm j existem programas de pagamento dos proprietrios, a exemplo do municpio de Extrema, Minas Gerais, onde a prefeitura remunera produtores rurais que mantm ou recuperam as reas de Preservao Permanente (APPs) nas microbacias do municpio. Outro exemplo est na Regio Metropolitana de So Paulo, onde a Fundao O Boticrio tem projeto que beneficia quem preserva a Mata Atlntica nas propriedades na rea de mananciais.Miriam Prochnow

Estudos apontaram que caf plantado prximo a remanescentes florestais tem produtividade at 15% superior, devido aos polinizadores, do que plantios localizados longe de reas com florestas nativas. A manuteno das reas de Preservao Permanente e das Reservas Legais nas propriedades rurais garante os servios ambientais de polinizao. Abaixo: pomar de ma.Edegold Schaffer

Captulo 1 - Servios ambientaisMiriam Prochnow

Alm de manter a biodiversidade de plantas e animais, proteger o solo e a gua, as florestas capturam carbono da atmosfera, minimizando os efeitos das mudanas climticas.

Os mercados de remunerao da fixao ou reduo de emisses de carbono tambm esto se consolidando rapidamente, beneficiando proprietrios ou instituies que recuperam reas alteradas da Mata Atlntica ou que evitam que reas de vegetao nativa sejam desmatadas. Um exemplo o projeto da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educao Ambiental (SPVS), desenvolvido em parceria com a organizao no-governamental The Nature Conservancy (TNC) e com empresas do setor eltrico e de automveis, atravs do qual foi adquirida uma rea de aproximadamente 19.000 hectares na regio da Serra do Mar no Paran, que est sendo conservada. Alm da captura de carbono, que contribui para a minimizao dos efeitos das mudanas climticas, as reas protegidas pela SPVS geram diversos outros servios ambientais, dentre os quais se destacam: a manuteno da diversidade biolgica de plantas e animais; a manuteno da qualidade de ecossistemas e dos processos ecolgicos da regio; o fornecimento de gua de qualidade para abastecimento da populao urbana de Antonina (18 mil pessoas) e comunidades de Ilha Rasa (600 pessoas), que captam gua nas reservas da SPVS. J existem, tambm, formas de pagamento pela conservao da biodiversidade, como o programa Bolsa Verde no Estado de

Minas Gerais. A conservao da beleza cnica da Mata Atlntica tambm comea a ser valorizada como servio ambiental, como no sul da Bahia, onde proprietrios de hoteis remuneram agricultores que conservam fragmentos da Mata Atlntica, reconhecendo-os como atrativos para incrementar o turismo. A importncia do conceito do pagamento por servios ambientais est na mudana de paradigma, onde estes deixam de ser percebidos como infinitos e gratuitos e passam a ser valorados de forma econmica. J se sabe que esses servios ambientais, se no forem adequadamente protegidos, diminuem e geram inmeras e graves consequncias ao ser humano. Nesse sentido, uma das formas de garantir os servios ambientais no longo prazo reconhecer o seu valor econmico e, dessa forma, poder remunerar aqueles que ajudam na sua conservao ou recuperao. O reconhecimento do valor e da importncia dos servios ambientais e todos os esforos que visam garantir a conservao ou recuperao dos ecossistemas e dos seus processos ecolgicos associados so fundamentais para o futuro da Mata Atlntica e da qualidade de vida dos brasileiros que vivem nessa regio.

Mata Atlntica - Manual de Adequao Ambiental

21

Belezas cnicas tambm so servios ambientaisA presena de paisagens de grande beleza tambm um importante servio ambiental que, aliada proteo da diversidade biolgica, pode trazer benefcios para a Mata Atlntica e para o proprietrio da rea, atravs da criao de uma Reserva Particular do Patrimnio Natural (RPPN). Um exemplo a RPPN Emlio Fiorentino Battistella, localizada em Corup, Santa Catarina. So 1.100 hectares onde so trabalhados diversos aspectos ambientais, como gua, ar, solo, flora, fauna, resduos e as relaes com o ser humano. A RPPN aberta ao pblico e muito procurada pelo seu grande atrativo turstico: 14 belas cachoeiras ao longo de uma trilha de aproximadamente 2,9 km. O valor dos ingressos, neste caso, integralmente destinado Associao de Preservao da Rota das Cachoeiras, ONG responsvel pela manuteno no somente desta, mas de outras reas naturais na regio.A beleza das paisagens aliada proteo da biodiversidade traz benefcios para a Duas das 14 cachoeiras da RPPN Emilio Fiorentino Battistella SC. Mata Atlntica e para os proprietrios de terra, que podem desenvolver o ecoturismo.Miriam Prochnow Wigold B. Schaffer

Captulo 1 - Servios ambientais

Investir no futuro O futuro da Mata Atlntica est atrelado ao entendimento da importncia e valorizao 120 milhes de pessoas, que vivem em 3.410 municpios7. de seus servios ambientais para a grande parcela de brasileiros, aproximadamente

A arborizao urbana ameniza a temperatura, aumentando o conforto e a qualidade de vida das pessoas nas cidades. Blumenau - SC.

Preservar os remanescentes de vegetao nativa fundamental para manter as nascentes e fontes, para regular o fluxo dos mananciais de gua que abastecem as cidades e comunidades do interior, e para regular o clima, a temperatura do solo e proteger escarpas e encostas de morros. Da mesma forma, necessrio recuperar a Mata Atlntica enquanto seus servios ambientais no esto totalmente comprometidos, sob pena de prejudicarmos o futuro da vida nas cidades e no campo: sem as matas ciliares, os rios, lagos e represasA ocupao irregular das reas de Preservao Permanente, uma prtica ainda comum em muitas regies da Mata Atlntica, provoca assoreamento, poluio e diminuio das guas.

Miriam Prochnow

Miriam Prochnow

Mata Atlntica - Manual de Adequao Ambiental

23

Retirar a vegetao e ocupar as encostas ngremes e topos de morro aumenta os riscos de deslizamentos e enchentes. Na foto, deslizamento em Blumenau - SC (2008).

ficaro cada vez mais poludos e assoreados, inviabilizando a agricultura e o abastecimento de gua para a populao. Sem a vegetao nos topos de morro e reas muito ngremes, populaes inteiras ficam merc da sorte em pocas de chuvas, quando as encostas desprotegidas deslizam e vm abaixo, causando inmeros prejuzos econmicos, sociais e ambientais. Mesmo pequenas reas verdes nas propriedades rurais, os parques urbanos e at a arborizao das ruas colaboram para diminuir enchentes e o desconforto do calor nas cidades. Uma pesquisa realizada em bairros mais e menos arborizados de So Paulo mostrou que a presena de rvores nas caladas e nos quintais pode reduzir a temperatura em at 2C, pelo simples motivo que as rvores, principalmente as de grande porte, retm os raios solares8. Um estudo do WWF (2003) constatou que mais de 30% das 105 maiores cidades do mundo dependem de unidades de conservao para seu abastecimento de gua. Seis capitais brasileiras foram analisadas no estudo, sendo cinco na Mata Atlntica: Rio de Janeiro, So Paulo, Belo Horizonte, Salvador e Fortaleza. A tendn7

cia mundial se confirmou no Brasil, pois, com exceo de Fortaleza cujo abastecimento depende de audes e poos artesianos -, as demais cidades brasileiras pesquisadas dependem, em maior ou menor grau, de reas protegidas para o abastecimento de gua. A floresta e outras formas de vegetao nativa auxiliam no que se chama de regime hdrico permanente. Com seus vrios componentes (folhas, galhos, troncos, razes e solo), age como uma poderosa esponja que retm a gua da chuva e a libera aos poucos, ajudando a filtr-la e a infiltr-la no subsolo, alimentando o lenol fretico. Com o desmatamento e a retirada da vegetao nativa, surgem problemas como a escassez de gua, j enfrentada em muitas das cidades situadas na regio da Mata Atlntica. Alm disso, com a retirada da vegetao, a gua da chuva chega cada vez mais rpida aos rios, provocando enchentes e deslizamentos de encostas na poca chuvosa. Esses tambm so os principais motivos para se preservar e recuperar as matas ciliares, consideradas reas de preservao permanente pelo Cdigo Florestal Brasileiro9.

Nmero de municpios calculado a partir do Mapa da rea de Aplicao da Lei n 11.428, de 2006. Inclui todos os municpios que tem parte do seu territrio nos limites da Mata Atlntica. 8 Tese de doutorado da engenheira agrnoma Giuliana Del Nero Velasco, pela Universidade de So Paulo (USP) em Piracicaba. 9 Lei n 4.771, de 1965.

Miriam Prochnow

Captulo 1 - Servios ambientais

Os clios que nos protegemJoo de Deus Medeiros

Esse conjunto de rvores e outras espcies vegetais, com sua sombra, flores e frutos, muito importante para a proteo e preservao da diversidade da flora e fauna e para o equilbrio do ecossistema como um todo. Em uma regio to devastada como a Mata Atlntica, as matas ciliares tambm funcionam como corredores para que animais e sementes possam transitar entre as reas protegidas e garantir a alimentao, proteo e variabilidade gentica das mais diversas espcies.Joo de Deus Medeiros

A vegetao nativa nas reas de Preservao Permanente, alm de proteger as guas, um importante corredor ecolgico para a fauna e a flora.

A preservao das florestas e outras formas de vegetao nativa garante a perenidade das nascentes.

Miriam Prochnow

O nome mata ciliar vem de clios. Assim como os clios protegem os olhos, a mata ciliar protege rios, lagos e nascentes, cobrindo e protegendo o solo, deixando-o fofo e permitindo que funcione como uma esponja que absorve a gua das chuvas. Com isso, alm de regular o ciclo da gua, evita as enxurradas. Com suas razes, a mata ciliar evita tambm a eroso e retm partculas de solo e materiais diversos que, com a chuva, iriam acabar assoreando o leito dos rios.

Assim como os clios protegem os olhos, a mata ciliar protege as nascentes, rios e lagos, garantindo a quantidade e qualidade das guas.

Em toda a Mata Atlntica, muitas matas ciliares ao longo de rios, lagos e nascentes foram desmatadas e indevidamente utilizadas. As consequncias dessa destruio so sentidas diariamente, com o agravamento das secas e tambm das enchentes.

Mata Atlntica - Manual de Adequao Ambiental

25

O sumio das abelhasUm exemplo de servio ambiental ameaado em todo o mundo a polinizao, que a transferncia de plen das anteras de uma flor para o estigma da mesma flor ou de outra flor da mesma espcie, e essencial para a reproduo da maioria das espcies vegetais. As plantas no podem se locomover em busca de parceiros, dependendo de agentes abiticos e biticos para alcanarem a polinizao. Esses agentes, chamados agentes polinizadores, so o vento, a gua, e animais como morcegos, aves e insetos. Como os principais produtos agrcolas e industriais da maioria das plantas so os frutos e as sementes, nveis adequados de polinizao so necessrios para assegurar uma boa produtividade. Exemplos de culturas que dependem da polinizao por animais, em especial os insetos, so: ma, caf, pepino, melo, algodo, soja e feijo. Alm do incremento no nmero de frutos e sementes, a polinizao adequada tambm melhora a qualidade dos frutos, aumenta o nmero de sementes por fruto, melhora o teor de leos e outras substncias extradas das sementes de algumas espcies vegetais e conduz a um amadurecimento uniforme dos frutos. Com o sumio das abelhas, insetos que tm o importante papel de polinizar cerca de 75% das espcies vegetais consumidas pelos seres humanos, a polinizao de diversas espcies vegetais, inclusive de culturas agrcolas, fica prejudicada, comprometendo a produtividade e a perpetuao dessas espcies. O sumio generalizado das abelhas conhecido pela sigla em ingls CCD, que significa desordem de colapso de colnias. Para os pesquisadores, a razo da diminuio da quantidade de abelhas no mundo est relacionada a trs fatores: o emprego de pesticidas na agricultura, um caro parasita chamado Varroa jacobsoni e a diminuio de floradas no habitat. Os dados mais atualizados sobre a diminuio da populao mundial de abelhas vm de um congresso internacional apcola realizado em setembro de 2009 na Frana. Seus indicadores mostram que Europa, Estados Unidos, China e pases da Amrica Latina esto ameaados por perdas ecolgicas e econmicas com o desaparecimento das abelhas. Por enquanto, no um grande problema no Brasil, mas importante ficar atento. preciso promover a conservao e a diversidade de polinizadores nativos e naturalizados, alm de conservar e restaurar as reas naturais necessrias para otimizar os servios desses polinizadores em reas agrcolas e em outros ecossistemas terrestres.Carolina C. Schaffer Miriam Prochnow

Mata Atlntica - Manual de Adequao Ambiental

27

A Mata Atlntica e a legislao

Wigold B. Schaffer

Captulo 2

A Mata Atlntica e a legislaoLegislao geralAt a dcada de 1970, a finalidade principal da legislao ambiental no Brasil era prevenir o desabastecimento pblico de alguns bens de interesse, como madeira, peixes, fontes de gua, manter a navegabilidade de rios e evitar conflitos entre vizinhos pelo uso de determinado recurso natural. Foi apenas na dcada de 1980, seguindo a tendncia internacional, que a legislao brasileira comeou a se preocupar propriamente com a manuteno do equilbrio ecolgico e a reconhecer o direito humano fundamental de toda a sociedade em usufruir dos servios ambientais fundamentais a uma vida digna e de qualidade. Antes disso, em 1965, o Cdigo Florestal (Lei Federal no 4.771)1 considerou as florestas e demais formas de vegetao nativa do Pas bens de interesse comum a todos os habitantes e condicionou o exerccio do direito de propriedade sua utilizao racional. Essa lei, ainda em vigor, criou as reas de Preservao Permanentes (APPs), que incluem todas as formas de vegetao nativas situadas nas margens de corpos dgua, localizadas em topos de morro, encostas ngremes, entre outros. Nessas reas, proibido o desmatamento, com exceo de casos de utilidade pblica ou interesse social e atividades eventuais de baixo impacto. Criou tambm as Reservas Legais (RL), que so uma porcentagem dos imveis rurais que devem manter a vegetao nativa. Na Mata Atlntica, esse percentual de 20%. Os princpios fundamentais do direito ambiental brasileiro, porm, foram descritos com a Lei da Poltica Nacional do Meio Ambiente (Lei Federal no 6.938), de 1981, que trouxe conceitos, princpios e regras jurdicas muito avanados para a poca e criou a estrutura administrativa ambiental do Pas, atravs do SistemaWigold B. Schaffer Wigold B. Schaffer

As reas de Preservao Permanente, alm de sua inquestionvel importncia ambiental, em geral so reas frgeis e sujeitas a enchentes e deslizamentos, impondo risco iminente quando irregularmente ocupadas.

Nacional do Meio Ambiente (Sisnama). Criou tambm o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), o rgo consultivo e deliberativo do Sisnama, formado por um colegiado representado por rgos federais, estaduais e municipais, setor empresarial e sociedade civil. Atravs do Conama, representantes de vrios setores da sociedade podem participar da elaborao da poltica ambiental do Pas, determinando a realizao de estudos de alternativas de projetos pblicos e privados, estabelecendo normas e padres relativos ao controle e manuteno da qualidade do meio ambiente e acompanhar a implementao do Sistema Nacional de Unidades de Conservao da Natureza (SNUC), entre outras funes. Entre os princpios da Poltica Nacional do Meio Ambiente, esto conceitos como: os recursos naturais devem ser utilizados de forma sustentvel, evitando o desperdcio, o mau-uso ou a sua completa depleo; e todos os ecossistemas existentes em territrio nacional merecem ser protegidos e preservados, o que demanda a criao de unidades de conservao. Mas foi em 1988, com a promulgao da Constituio Federal, que o Brasil consolidou seus princpios e determinou que: Todos tm o direito fundamental a um meio ambiente ecologicamente1

Ver Box A histria da Lei Federal n 4.771, de 1965

De acordo com o Cdigo Florestal (Lei no 4.771/1965), os topos de morros, montes, montanhas e encostas com mais de 45 de declividade so reas de Preservao Permanente.

Mata Atlntica - Manual de Adequao Ambiental

29

equilibrado, cabendo ao Estado e sociedade, em regime de cooperao, preserv-lo para as presentes e futuras geraes, o que ser efetuado, dentre outros meios, pela criao de reas protegidas, pela elaborao de Estudo Prvio de Impacto Ambiental (EIA) para obras e projetos de significativo impacto ambiental, pela proteo da fauna e da flora e pela promoo da educao ambiental. A Constituio determinou, ainda, que a Mata Atlntica, a Floresta Amaznica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-grossense e a Zona Costeira so patrimnio nacional, e sua utilizao dever ser fei-

ta dentro de condies que assegurem proteo especial ao meio ambiente. Para que os princpios e diretrizes constitucionais fossem implementados, eles foram regulamentados atravs de diversas leis e decretos, nos nveis federal, estadual e municipal. Na rea ambiental, uma das principais leis a do Sistema Nacional de Unidades de Conservao da Natureza, conhecida como SNUC (Lei Federal no 9.985), de 2000. At ento, o Pas no tinha uma lei especfica que regulamentasse a criao e a gesto das unidades de conservao (UCs).

A Constituio Federal determina que todas as unidades da federao (estados e municpios) devem ter espaos territoriais especialmente protegidos. As Unidades de Conservao (UCs), institudas pela Lei no 9.985/2000, so um dos tipos de espaos territoriais especialmente protegidos. O Brasil assumiu o compromisso de transformar pelo menos 10% da Mata Atlntica em UCs, mas at agora s alcanou 6%. Na foto, Parque Nacional da Serra das Confuses, no Piau.

Andr Pessoa

Captulo 2 - A Mata Atlntica e a legislao

Lei da Mata AtlnticaWigold B. Schaffer

O projeto foi alvo de acaloradas discusses, campanhas de ambientalistas pela sua aprovao e tentativas de impedir que fosse aprovado da parte de sancionada em 22 de dezembro de 2006.A primeira norma legal especifica para a Mata Atlntica foi o Decreto no 99.547/1990, que proibiu toda e qualquer supresso de vegetao nativa na Mata Atlntica, substitudo em 1993 pelo Decreto n 750, que definiu legalmente o domnio, incluindo diferentes formaes florestais e ecossistemas associados, e determinou a proteo dos remanescentes da vegetao primria nativa, bem como da vegetao secundria em regenerao. Com as mesmas diretrizes deste decreto, foi formulado um projeto de Lei da Mata Atlntica, apresentado em 1992, pelo ento deputado federal Fbio Feldmann. O projeto foi alvo de acaloradas discusses, campanhas de ambientalistas pela sua aprovao e tentativas de impedir que fosse aprovado da parte de ruralistas durante 14 anos, at a sua aprovao, como Lei Federal no 11.428, sancionada em 22 de dezembro de 2006. Durante este perodo, o Decreto no 750 continuou em vigor, a despeito das vrias tentativas de modific-lo ou simplesmente invalid-lo. A lei define como Mata Atlntica um conjunto de formaes florestais e ecossistemas associados e determinou que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) os delimitasse em mapa.

ruralistas durante 14 anos, at a sua aprovao, como Lei Federal no 11.428,

Em 21 de novembro de 2008, foi assinado o Decreto no 6.660, que regulamentou a lei e detalhou os tipos de vegetao protegidos, os quais foram delimitados pelo IBGE no Mapa da rea de Aplicao da Lei n 11.428, de 20062. O objetivo da Lei preservar o que resta de remanescentes de vegetao nativa da Mata Atlntica no Pas e criar meios para que a floresta e os ecossistemas associados voltem a crescer onde hoje esto praticamente extintos. Assim, regula a conservao, proteo, regenerao e utilizao no apenas dos remanescentes de vegetao nativa no estgio primrio, mas tambm nos estgios secundrio inicial, mdio e avanado de regenerao. A lei no probe definitivamente o corte de vegetao ou ocupao de reas, mas cria critrios rgidos para tanto. O princpio por ela adotado de que as reas mais conservadas devem ser mais protegidas, as reas degradadas devem ser enriquecidas e os usos mais intensos devem se restringir s reas abertas, para evitar o avano sobre os remanescentes de vegetao nativa em melhor estado de conservao. Neste sentido, um dos objetivos de mdio prazo voltar a ter entre 35% e 40% de cobertura vegetal nativa na Mata Atlntica, considerando as reas de Preservao Permanente (APPs), as Reservas Legais dos imveis rurais, unidades de conservao pblicas e privadas e outros remanescentes.2 3

Ver mapa na pg. 6 Ver Capitulo 3 pg. 34

Mata Atlntica - Manual de Adequao Ambiental

31

A Lei da Mata Atlntica protege os remanescentes de todos os tipos de vegetao nativa, a exemplo das florestas (ao lado no alto), campos de altitude (no centro) ou manguezais (embaixo).

O Decreto n 6.660, de 21 de novembro de 2008, que regulamentou a Lei da Mata Atlntica e mais um passo na consolidao da legislao protetora da Mata Atlntica, estabelece o que, como e onde pode haver interveno ou uso sustentvel nos remanescentes de vegetao nativa3. Qualquer um que queira desmatar ou suprimir alguma rea de vegetao nativa da Mata Atlntica deve pedir autorizao para o rgo ambiental competente, que s autorizar em casos excepcionais, verificado o interesse social ou utilidade pblica e desde que no exista outro local para a obra ou empreendimento. Para contrabalancear as restries estabelecidas, a lei diz que o poder pblico dever criar incentivos econmicos para aqueles que desejam proteger ou usar sustentavelmente os remanescentes de vegetao nativa. O Decreto tambm detalha os tipos de vegetao protegidos pela Lei da Mata Atlntica, os quais esto delimitados no Mapa da rea de Aplicao da Lei 11.428, de 2006, que contempla as configuraes originais das formaes florestais e ecossistemas associados, bem como os encraves florestais e brejos interioranos que integram a Mata Atlntica.Miriam Prochnow

Wigold B. Schaffer

Miriam Prochnow

Captulo 2 - A Mata Atlntica e a legislao

A histria do Cdigo Florestal (Lei n 4.771, de 19654) H um clamor nacional contra o descaso em que se encontra o problema florestal no Brasil, gerando calamidades cada vez mais graves e mais nocivas economia do pas.A agricultura itinerante continua se desenvolvendo segundo os mtodos primitivos dos primeiros anos do descobrimento. Chega o agricultor, derruba e queima as matas, sem indagar se elas so necessrias conservao da feracidade do solo ou do regime das guas. Depois de alguns anos de explorao, renovando anualmente a queimada, como meio de extinguir a vegetao invasora, o terreno esgotado entregue ao abandono e o agricultor, seguindo as pegadas do madeireiro que adiante derrubou as rvores para extrair as toras, inicia novo ciclo devastador idntico ao precedente. (...) Urge, pois, a elaborao de uma lei objetiva, fcil de ser entendida e mais fcil ainda de ser aplicada, capaz de mobilizar a opinio pblica nacional para encarar corretamente o tratamento da floresta. Tendo em conta este quadro, surgiu a compreenso da necessidade de atualizar-se e de dar, ao Cdigo Florestal, as caractersticas de lei adequada exigida por panorama to dramtico. (...) Assim como certas matas seguram pedras que ameaam rolar, outras protegem fontes que poderiam secar, outras conservam o calado de um rio que poderia deixar de ser navegvel etc. So restries impostas pela prpria natureza ao uso da terra, ditadas pelo bem-estar social. Raciocinando deste modo os legisladores florestais do mundo inteiro vm limitando o uso da terra, sem cogitar de qualquer desapropriao para impor essas restries ao uso. (...) O Anteprojeto seguiu a regra internacionalmente aceita. A funo protetora da floresta no restrio indenizvel, mas decorrncia da prpria natureza que preparou terras mais teis e outras menos. como se uma lei declarasse que as terras roxas podem produzir caf. A lei que considera de preservao permanente as matas nas margens de um rio est apenas dizendo, mutatis mutandi, que um pantanal no terreno adequado para plantar caf. Com esse entendimento foi elaborado o Anteprojeto, eliminando a controvrsia sobre esta matria que o Cdigo atual suscita e que tantas dificuldades tem criado para exigir-se a permanncia das florestas necessrias.

O dilema este: ou impe-se a todos os donos de terras defenderem sua custa a produtividade do solo, contra a eroso terrvel e crescente, ou cruzam-se os braos, ante a incapacidade, pela pobreza do Poder Pblico, na maioria dos Estados do Brasil, para deter a transformao do Pas num deserto, em que as estaes se alternem entre inundaes e secas, devoradoras de todo o esforo humano. (...) Todavia, o Anteprojeto no se encerrou em nenhuma esfera hermtica. Abriu ao Poder Pblico a possibilidade de derrubar florestas permanentes em reas previamente fixadas, quando for necessria a execuo, por rgos oficiais, de trabalhos de utilidade pblica, inclusive quando o abastecimento da regio no se puder fazer sem aproveitamento de terras marginais, e desde que no prejudiquem a proteo das barrancas. (...) Recomendou aos Poderes Pblicos a formao de parques e de florestas, inclusive para o reflorestamento pela regenerao natural e, nos planos de loteamento e de reforma agrria, a excluso das mos de particulares das reas florestadas de preservao permanente, bem como as necessrias ao abastecimento de madeiras, de modo a livrar os mesmos particulares desse nus e atribuindo ao Estado o encargo da conservao. (...) Entretanto, os limites mnimos de preservao permanente fixados na norma legal no excluiro medidas mais drsticas quando o Poder Pblico Federal ou o Estadual considerarem insuficientes, na regio, os preceitos comuns. (...) At aqui, o madeireiro tem extrado as rvores adultas e em seguida o lavrador ateia fogo ao que resta, processando-se a agricultura itinerante, em que o homem procede devastadoramente. (...) Encaminhando este Anteprojeto ao Congresso Nacional, estou certo que merecer a devida ateno pelos benefcios que ir trazer ao Povo Brasileiro em geral e sobretudo s geraes vindouras que tanto menos pagaro pelos nossos crimes contra a floresta, quanto melhor cuidarmos desse bem indispensvel vida.

Armando Monteiro Filho, ministro da Agricultura do Brasil, em 1962, sobre o anteprojeto de lei que daria origem ao atual Cdigo Florestal.

Mata Atlntica - Manual de Adequao Ambiental

33

O Cdigo Florestal (Lei no 4.771/1965) considerado um marco na legislao ambiental brasileira. Ao consagrar as figuras da rea de Preservao Permanente e da Reserva Legal, conferiu proteo legal aos principais bens ambientais, independentemente de sua localizao, seja no ambiente rural ou urbano, em reas privadas ou pblicas.Miriam Prochnow4

Texto do folheto PROJETO DE LEI FLORESTAL, editado na SRIE DOCUMENTRIA n. 23, publicada pelo Servio de Informao Agrcola do Ministrio Agricultura. Rio de Janeiro, em 1962.

Nota 1: Este texto um resumo da exposio de motivos assinada pelo Ministro da Agricultura Armando Monteiro Filho ao encaminhar em fins de 1962 ao Primeiro Ministro do Brasil o Anteprojeto de Lei do Cdigo Florestal Brasileiro. O texto base do Anteprojeto de Lei havia sido elaborado por grupo de trabalho constitudo em 1961. Dos sete integrantes do GT, trs eram advogados e trs eram engenheiros agrnomos. O Novo Cdigo Florestal Brasileiro foi sancionado em 15 de setembro de 1965. Composio do Grupo de Trabalho que elaborou a proposta do Cdigo Florestal: Osny Duarte Pereira (Presidente e Coordenador do Grupo de Trabalho) Advogado, Magistrado do Estado da Guanabara e autoridade mundialmente reconhecida em direito florestal; Adelmy Cabral Neiva, Advogado, Professor de Direito Internacional Pblico e Direito Comparado e Procurador do Instituto Nacional de Imigrao e Colonizao; Bernardo Pain, Advogado e Consultor Jurdico Substituto da Consultoria Jurdica do Ministrio da Agricultura; Alceo Magnanini, Engenheiro Agrnomo, Botnico do Ministrio da Agricultura e Chefe do Setor de Ecologia Florestal do Centro de Pesquisas Florestais e Conservao da Natureza do Estado da Guanabara e Conselheiro do Conselho Florestal Federal; Roberto de Mello Alvarenga, Diretor do Servio Florestal e Vice-Presidente do Conselho Florestal do Estado de So Paulo; Henrique Pimenta Veloso, Engenheiro Agrnomo do Ministrio da Sade e Chefe da Seco de Ecologia do Instituto Oswaldo Cruz; e, Victor Abdennur Farah, Engenheiro Agrnomo ento Presidente do Conselho Florestal Federal. Nota 2: Este resumo desmente afirmaes de setores ruralistas da atualidade de que o Cdigo Florestal teria sido elaborado por ambientalistas ou setores ligados conservao, sem nenhuma participao do setor agrcola. Pelo contrrio, toda a discusso foi capitaneada pelo Ministrio da Agricultura e teve forte participao de profissionais de agronomia.

Captulo 2 - A Mata Atlntica e a legislao

Perguntas e respostas sobre a legislao ambiental Dvidas mais frequentes sobre a legislao ambiental aplicvel Mata Atlntica e as obrigaes e direitos dos proprietrios e posseiros em relao Reserva Legal e reas de Preservao Permanente: Lei da Mata Atlntica1 - O que diz a legislao da Mata Atlntica?A Lei n 11.428, de 2006, regulamentada pelo Decreto n 6.660, de 2008, dispe sobre conservao, proteo, regenerao e utilizao da vegetao nativa, tanto das formaes florestais, como dos ecossistemas associados que integram a Mata Atlntica.1

Alm da Lei n 11.428 e do Decreto n 6.660, existem resolues do Conama que definem vegetao primria e secundria e do os parmetros para identificao da vegetao primria e da vegetao secundria nos estgios inicial, mdio e avanado de regenerao, tanto das formaes florestais quanto da vegetao de restingas e de campos de altitude1.

Mais informaes: http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=202&idConteudo=8467&idMenu=8999 http://www.mma.gov.br/port/conama/legiano.cfm?codlegitipo=3

Vegetao primria em rea de transio restinga/floresta.

Miriam Prochnow

Mata Atlntica - Manual de Adequao Ambiental

35

2 - Em que casos possvel utilizar ou suprimir a vegetao nativa de Mata Atlntica?

A utilizao ou supresso da vegetao nativa de Mata Atlntica s poder ser autorizada em casos excepcionais, observando ainda restries diferenciadas, para vemdio ou avanado de regenerao2.Vegetao primria o corte e a supresso somente podero ser autorizados em carter excepcional, quando necessrios realizao de obras, projetos ou atividades de utilidade pblica (desde que destinada rea equivalente desmatada para conservao)3, e para pesquisas cientficas e prticas preservacionistas4. Vegetao secundria em estgio avanado de regenerao o corte, a supresso e a explorao somente sero autorizados em carter excepcional, quando necessrios realizao de obras, projetos ou atividades de utilidade pblica, minerao, loteamentos e edificaes (desde que destinada rea equivalente desmatada para conservao), e para pesquisas cientficas e prticas preservacionistas5. Vegetao secundria em estgio mdio de regenerao vale o mesmo que para o estgio avanado, mas tambm pode ser autorizado o corte quando necessrio ao pequeno produtor rural e populaes tradicionais para o exerccio de atividades ou usos agrcolas, pecurios ou silviculturais imprescindveis sua subsistncia e de sua famlia, respeitadas as reas de Preservao Permanente e Reserva Legal6. Vegetao em estgio inicial de regenerao O corte, a supresso e a explorao podero ser autorizados pelo rgo estadual competente, nos estados em que houver mais de 5% de cobertura vegetal nativa da Mata Atlntica remanescente7.

getao primria ou secundria, neste caso, levando-se em conta os estgios inicial,Miriam Prochnow

Remanescente de vegetao primria em rea de floresta ombrfila densa.Miriam Prochnow

Art. 8 da Lei n 11.428, de 2006. Arts. 26 e 27 do Decreto n 6.660, de 2008. 4 Art. 20 da Lei n 11.428, de 2006. 5 Arts. 21 e 22 da Lei n 11.428, de 2006. 6 Arts. 23 e 24 da Lei n 11.428, de 2006. 7 Arts. 25 e 26 da Lei n 11.428, de 2006.2 3

Remanescente de vegetao secundria em estgio avanado de regenerao em rea de floresta ombrfila densa.

Captulo 2 - A Mata Atlntica e a legislao

3 - O que proibido na Mata Atlntica? proibida a supresso de vegetao primria ou nos estgios avanado e mdio de regenerao quando a vegetao8: Abrigar espcies da flora e da fauna silvestres ameaadas de extino e a interveno puser em risco a sobrevivncia dessas espcies9. Exercer a funo de proteo de mananciais ou de preveno e controle de eroso. Formar corredores entre remanescentes de vegetao primria ou secundria em estgio avanado de regenerao. Proteger o entorno das unidades de conservao. Possuir excepcional valor paisagstico. Tambm proibida a supresso de vegetao em todos os casos em que o proprietrio ou posseiro no cumprir a legislao ambiental, em especial as exigncias do Cdigo Florestal em relao s reas de Preservao Permanente e Reserva Legal.O palmito (Euterpe edulis) acima, o pinheiro-brasileiro (Araucaria angustifolia) abaixo, e o xaxim (Dicksonia sellowiana) ao lado, esto na lista de espcies ameaadas de extino, sendo permitido o seu corte ou supresso em reas naturais apenas em carter excepcional, quando necessrio realizao de obras, projetos ou atividades de utilidade pblica, pesquisas cientficas e prticas preservacionistas.

8 9

Art. 11 da Lei n 11.428, de 2006. Art. 39 do Decreto n 6.660, de 2008.

Miriam Prochnow

Wigold B. Schaffer

Mata Atlntica - Manual de Adequao Ambiental

37

Miriam Prochnow

Captulo 2 - A Mata Atlntica e a legislao

4 - O que pode ser feito com a Mata Atlntica?

O Decreto n 6.660, de 2008, descreve as regras de uso sustentvel da vegetao nativa de Mata Atlntica:* livre a explorao eventual10, sem propsito comercial direto ou indireto, de espcies da flora nativa provenientes de formaes naturais, para consumo nas propriedades rurais, posses das populaes tradicionais ou de pequenos produtores rurais, respeitadas a vegetao primria, as espcies ameaadas de extino e os seguintes limites: - 15 m de lenha por ano por propriedade ou posse. - 20 m de madeira a cada trs anos por propriedade ou posse.Wigold B. Schaffer

O corte de at 15 m de lenha por ano para uso na propriedade ou posse livre e no precisa de autorizao dos rgos competentes.Wigold B. Schaffer

* permitido o enriquecimento ecolgico com espcies nativas visando a recuperao da biodiversidade nos remanescentes de vegetao secundria11. * permitido o plantio e reflorestamento com espcies nativas sem necessidade de autorizao dos rgos ambientais12.O reflorestamento com espcies nativas (abaixo) e o plantio de espcies nativas para enriquecimento de vegetao secundria (ao lado) permitido.Edinho Schaffer

10 Art. 2 e 3 do Decreto n 6660, de 2008. 11 Arts 4 a 11 do Decreto n 6660, de 2008. 12 Art. 12 e 13 do Decreto n 6.660, de 2008. 13 Art. 14 e 18 do Decreto n 6.660, de 2008. 14 Arts. 35 a 38 do Decreto n 6.660, de 2008. 15 Arts. 22 a 25 (pousio) e 33 e 34 (estgio inicial de regenerao) do Decreto n 6.660, de 2008. 16 Art. 28 do Decreto n 6.660, de 2008. 17 Art. 29 do Decreto n 6.660, de 2008.

Mata Atlntica - Manual de Adequao Ambiental

39

* permitido o corte e explorao comercial de espcies nativas comprovadamente plantadas, desde que estejam cadastradas e tenham autorizao de corte do rgo ambiental13. * permitida a explorao de espcies nativas pioneiras em vegetao em estgio mdio de regenerao com presena superior a 60% em relao s demais espcies do fragmento florestal14. O corte ou explorao deve ser autorizado e as espcies que podem ser exploradas esto definidas na Portaria MMA no 51, de 2009. * permitido o corte ou supresso de vegetao em estgio inicial de regenerao - e para o pousio - em reas de at 2 hectares por ano, mediante procedimento simplificado para pequenos produtores rurais e populao tradicional15. * livre a coleta de folhas, frutos e sementes, desde que observados os perodos de coleta e poca de maturao dos frutos e sementes. permitida tambm a prtica do extrativismo sustentvel por intermdio da conduo de espcies nativas produtoras de folhas, frutos ou sementes, visando a produo e comercializao16. *As seguintes atividades de uso indireto no necessitam de autorizao dos rgos ambientais, observadas as regras especficas relativas s reas de Preservao Permanente17: - abertura de pequenas vias e corredores de acesso; - implantao de trilhas para desenvolvimento de ecoturismo; - implantao de aceiros para preveno e combate a incndios florestais;Pinho, semente do pinheiro-brasileiro (Araucaria angustifolia) e marcela-do-campo (Achyrocline satureioides).Miriam Prochnow

A bracatinga (Mimosa scabrella) uma espcie pioneira da Mata Atlntica.Miriam Prochnow

- construo e manuteno de cercas ou picadas de divisa de propriedades; - pastoreio extensivo tradicional em remanescentes de campos de altitude, nos estgios secundrios de regenerao, desde que no promova supresso da vegetao nativa ou introduo de espcies vegetais exticas.

A implantao de trilhas para o desenvolvimento do ecoturismo permitida na Mata Atlntica.

Wigold B. Schaffer

Captulo 2 - A Mata Atlntica e a legislao

Cdigo FlorestalReserva Legal 5 - O que Reserva Legal?A Reserva Legal (RL) uma rea localizada no interior da propriedade ou posse rural, que deve ser mantida com a sua cobertura vegetal nativa, por ser a vegetao necessria ao abrigo e proteo da fauna e flora nativas, conservao da biodiversidade, reabilitao dos processos ecolgicos e tambm para viabilizar o uso sustentvel dos recursos naturais .

7 - Como definir a localizao da Reserva Legal?A Reserva Legal deve incluir os remanescentes de vegetao nativa bem conservados existentes no imvel rural e, se possvel, estar prxima (conectada formando corredor ecolgico) com outras reas de Reserva Legal (dos vizinhos), reas de Preservao Permanente, Unidades de Conservao ou outras reas legalmente protegidas. Uma vez escolhida pelo proprietrio, a rea do seu imvel a ser transformada em Reserva Legal, esta deve ser aprovada pelo rgo ambiental estadual competente ou por outra instituio devidamente habilitada e depois ser averbada margem da matricula do imvel no cartrio. A Reserva Legal de um imvel pode ser constituda por mais de uma gleba, dentro do mesmo imvel, ou em imveis diferentes, desde que observados os requisitos mnimos e o percentual previsto em Lei.As Reservas Legais e as reas de Preservao Permanente proporcionam os servios ambientais necessrios sustentabilidade das atividades agropecurias dos imveis rurais.Wigold B. Schaffer

6 - Quanto de Reserva Legal deve ter em cada propriedade ou posse rural?A rea de Reserva Legal varia conforme a regio do Pas19. I 80% na propriedade ou posse rural situada em rea de floresta localizada na Amaznia Legal; II 35% na propriedade ou posse rural situada em rea de cerrado localizada na Amaznia Legal. III 20% na propriedade ou posse rural situada em rea de floresta ou outras formas de vegetao nativa localizada nas demais regies do Pas; IV 20% na propriedade ou posse rural em rea de campos gerais localizada em qualquer regio do Pas.

Mata Atlntica - Manual de Adequao Ambiental

41

Independentemente do seu tamanho, do tipo de vegetao nativa existente ou da atividade desenvolvida, todos os imveis rurais devem ter Reserva Legal.

8 - possvel incluir reas de Preservao Permanente para compor a rea de Reserva legal?Sim, possvel, mas apenas nos casos em que as APPs somadas com a Reserva Legal ultrapassam os seguintes percentuais do imvel, e desde que autorizado pelo rgo ambiental competente20: I 80% da propriedade rural localizada na Amaznia Legal; II 50% da propriedade rural localizada nas demais regies do pas; III - 25% da pequena propriedade21. A incluso das APPs na Reserva Legal no pode ser utilizada como subterfgio para desmatar ou suprimir vegetao nativa de novas reas no imvel visando o uso do solo para agricultura ou pecuria. Nota 1 - Nas pequenas propriedades com at 30 hectares, situadas na regio da Mata Atlntica, sempre que as APPs ultrapassarem 5% da rea do imvel, podero ser integralmente incorporadas na Reserva Legal. Nota 2 - Nas propriedades acima de 30 hectares, situadas na regio da Mata Atlntica, as APPs somente podero ser utilizadas para compor a Reserva Legal se ultrapassarem 30% da rea do imvel. Nota 3 Em qualquer caso, a parcela da APP computada como Reserva Legal no muda de regime jurdico, ou seja, continua sendo tratada como APP.

Art. 1, 2o, inciso III, da Lei n 4.771, de 1965. Art. 16 da Lei n 4.771, de 1965. 20 Art.16, 6o, incisos I, II e III, da Lei n 4.771, de 1965. 21 Na Mata Atlntica a Pequena Propriedade aquela com at 30 hectares, conforme definido pela alnea c, inciso I, 2o, art.1 da Lei n 4.771, de 1965.18 19

Wigold B. Schaffer

Captulo 2 - A Mata Atlntica e a legislao

9 - Uma vez escolhida e delimitada a rea de Reserva Legal, o que deve ser feito?1 passo: Solicitar a aprovao da localizao da Reserva Legal no rgo ambiental estadual competente ou outra instituio devidamente habilitada. 2 passo: Promover a averbao da Reserva Legal margem da matrcula do imvel no Registro de Imveis (cartrio). 3 passo: Recuperar as reas da Reserva Legal que eventualmente estejam desprovidas de vegetao nativa. 4 passo: Zelar pela conservao da vegetao nativa da Reserva Legal, um patrimnio ambiental que valoriza muito o imvel rural.

11 - O posseiro tambm tem que averbar a Reserva Legal?Sim. Na posse, a Reserva Legal assegurada por Termo de Ajustamento de Conduta, firmado pelo possuidor do imvel com o rgo ambiental estadual ou instituio devidamente habilitada. No Termo de Ajustamento de Conduta deve constar no mnimo, a localizao da reserva legal, as suas caractersticas bsicas e a proibio de supresso de sua vegetao, aplicando-se, no que couber, as mesmas disposies previstas na legislao vigente para a propriedade rural23. O Termo de Ajustamento de Conduta de Manuteno da Reserva Legal dever ser registrado no Cartrio de Registro de Ttulos e Documentos.

10 - O que a averbao da Reserva Legal?Averbao da rea de Reserva Legal significa incluir a informao sobre os limites da Reserva Legal margem da inscrio da matrcula do imvel, no Registro de Imveis competente. A averbao da Reserva Legal em carter permanente (perptuo) e vedada a alterao de sua destinao, nos casos de transmisso, a qualquer ttulo, de desmembramento ou de retificao de rea22.

12 - Quem deve pagar pela averbao da Reserva Legal?A averbao da Reserva Legal gratuita apenas para a pequena propriedade ou posse rural familiar, devendo o Poder Pblico prestar apoio tcnico e jurdico quando necessrio24.

13 - Qual a documentao necessria para averbar a Reserva Legal?Para aprovao da localizao da Reserva Legal pelo rgo ambiental ou instituio devidamente habilitada, o interessado deve apresentar as seguintes informaes: A - Identificao do proprietrio/posseiro com endereo, estado civil, nmero da Carteira de Identidade ou CNPJ; B - Identificao do imvel por meio da respectiva matrcula ou transcrio no Registro de Imveis ou comprovao da posse; C - Mapa do imvel, com memorial descritivo contendo a indicao das coordenadas geogrficas: I - do permetro do imvel; II - do permetro da Reserva Legal; III - da localizao dos remanescentes de vegetao nativa; IV - da localizao das reas de Preservao Permanente.Art.16, 8o, da Lei n 4.771, de 1965. Art.16, 10, da Lei n 4.771, de 1965. 24 Art.16, 9, da Lei n 4.771, de 1965.22 23

Nas regies de campos naturais, tambm necessrio conservar a Reserva Legal e as reas de Preservao Permanente.Joo de Deus Medeiros

Mata Atlntica - Manual de Adequao Ambiental

43

14 - Qual a documentao necessria para averbar a Reserva Legal na pequena propriedade ou posse rural familiar?Para aprovao da localizao da Reserva Legal pelo rgo ambiental ou instituio devidamente habilitada, o agricultor dever apresentar as seguintes informaes: A identificao do proprietrio ou posseiro do imvel; B desenho (croqui) do imvel indicando a rea e a proposta de localizao da Reserva Legal; C indicao e localizao de remanescentes de vegetao nativa; D identificao do imvel por meio da matrcula no registro de imveis ou comprovao de posse, com indicao dos principais pontos de referncia como estradas, rios, benfeitorias/sede do imvel, nome dos proprietrios vizinhos. So considerados documentos hbeis comprovao da posse o Certificado de Cadastro de Imvel Rural (CCIR), termos de concesso ou cesso de imveis ou qualquer outro documento comprobatrio atualizado, devidamente reconhecido por rgo ou entidade pblica.

A Reserva Legal, juntamente com as reas de Preservao Permanente, permite a formao de corredores ecolgicos de fauna e flora, como mostra esta paisagem no Sul da Bahia.Jean Franois

Captulo 2 - A Mata Atlntica e a legislao

A averbao da Reserva Legal j obrigatria desde 1965, quando foi aprovado o Cdigo Florestal (Lei n 4.771). No entanto, tendo em vista que muitos proprietrios ou posseiros no vinham averbando e conservando a Reserva Legal em seus imveis, o Governo Federal atravs do Decreto n 6.514, de 2008, estabeleceu um prazo at 11 de dezembro de 2009 para que todos os imveis rurais tivessem a Reserva Legal averbada, sob pena de multa diria. Este prazo foi prorrogado at o dia 11 de junho de 2011. Portanto, at 11 de junho de 2011, todos os proprietrios ou posseiros rurais que ainda no averbaram a Reserva Legal de seus imveis, devero faz-lo, sob pena de serem autuados e multados25.

16 - Quais as penalidades para quem no tiver a Reserva Legal averbada?Aps 11 de junho de 2011, todo o proprietrio ou posseiro que no tiver sua Reserva Legal devidamente averbada e conservada de acordo com a legislao, ao ser fiscalizado, ser advertido para, num prazo de at 120 dias, regularizar sua situao. Ateno: Quem no regularizar a situao no prazo de advertncia (120 dias) ser multado com multa diria que poder variar de R$ 50,00 a R$ 500,00 por hectare ou frao da rea de Reserva Legal no averbada.Recuperar a Reserva Legal um excelente negcio e valoriza o imvel rural.

18 - Como proceder para recompor ou recuperar a Reserva Legal?A recuperao da rea de Reserva Legal poder ser feita pelos seguintes mtodos: I - conduo da regenerao natural de espcies nativas; II - plantio de espcies nativas (mudas, sementes, estacas); e III - plantio de espcies nativas conjugado com a conduo da regenerao natural de espcies nativas. As orientaes para os procedimentos necessrios esto na Instruo Normativa MMA n 05, de 08 de setembro de 200926 .

17 E quem no tiver vegetao nativa suficiente para compor a Reserva Legal na propriedade ou posse, o que pode fazer?O Cdigo Florestal, em seu artigo 44, indica trs alternativas para quem no tem vegetao nativa no percentual exigido para a Reserva Legal. So elas: recomposio mediante plantio de espcies nativas, regenerao natural de espcies nativas, compensao em outra rea privada, ou ainda, aquisio e doao ao poder pblico de rea localizada no interior de unidade de conservao que no tenha sua situao fundiria regularizada.

Decreto n 6514, de 2008, estabelece as penalidades para quem no averbar a Reserva Legal: ... Art. 55 Deixar de averbar a reserva legal: Penalidade de advertncia e multa diria de R$ 50,00 a R$ 500,00 por hectare ou frao da rea de reserva legal. 1 O autuado ser advertido para que, no prazo de cento e vinte dias, apresente termo de compromisso de averbao e preservao da reserva legal firmado junto ao rgo ambiental competente, definindo a averbao da reserva legal e, nos casos em que no houver vegetao nativa suficiente, a recomposio, regenerao ou compensao da rea devida consoante arts. 16 e 44 da Lei n 4.771, de 15 de setembro de 1965. 2 Durante o perodo previsto no 1 a multa diria ser suspensa. 3 Caso o autuado no apresente o termo de compromisso previsto no 1 nos cento e vinte dias assinalados, dever a autoridade ambiental cobrar a multa diria desde o dia dalavratura do auto de infrao, na forma estipulada neste Decreto.25 26

Disponvel em: www.mma.gov.br

Miriam Prochnow

15 - Qual o prazo para averbar a Reserva Legal?

Mata Atlntica - Manual de Adequao Ambiental

45

Uma das formas de recompor ou recuperar a Reserva Legal o plantio ou reflorestamento com espcies nativas.

19 - Como proceder para conduzir a regenerao natural de espcies nativas?Em muitas regies, esse o mtodo mais simples e barato para se recuperar a Reserva Legal. O mtodo s eficaz quando na vizinhana existem remanescentes de vegetao nativa que possam fornecer (dispersar) sementes atravs do vento, da chuva ou dos animais. Para utilizar esse mtodo, basta deixar de fazer uso agrcola ou pecurio e, quando houver gado, cercar a rea. Tambm importante fazer controle da eroso e cuidar para que a vegetao em regenerao no seja atingida por fogo ou dominada por espcies exticas invasoras.

ecossistema e ainda estar localizada na mesma microbacia hidrogrfica27. Na impossibilidade de compensao da Reserva Legal dentro da mesma microbacia hidrogrfica o rgo ambiental estadual competente pode autorizar a compensao na mesma bacia hidrogrfica e no mesmo Estado, aplicando o critrio de maior proximidade possvel entre a propriedade desprovida de Reserva Legal e a rea escolhida para compensao28.

21 Quem pode compensar a Reserva Legal mediante aquisio e doao de rea no interior de unidade de conservao?Esta alternativa pode ser utilizada pelos proprietrios rurais que no tenham remanescentes de vegetao nativa no prprio imvel em tamanho suficiente para atingir o percentual exigido pelo Cdigo Florestal.

20- Em que casos possvel compensar a Reserva Legal em outra rea? possvel compensar a Reserva Legal em outra rea quando no h remanescentes de vegetao nativa no prprio imvel em tamanho suficiente para atingir o percentual exigido pelo Cdigo Florestal. A compensao da Reserva Legal deve ser em rea equivalente em importncia ecolgica e extenso e pertencer ao mesmo27 28

22 - O que Reserva Legal em regime de condomnio? uma Reserva Legal instituda para um grupo de imveis rurais, num dos imveis do condomnio ou, caso no haja vegetao suficiente nos imveis do condomnio, numa rea preservada adquirida em outro imvel, desde que localizado na mesma bacia hidrogrfica e no mesmo estado. Neste caso o tamanho da Reserva Legal deve ser equivalente em tamanho, soma das Reservas Legais de todos os imveis envolvidos no condomnio.

Art. 44, inciso III, da Lei n 4.771, de 1965. Art. 44, 4, da Lei n 4.771, de 1965.

Wigold B. Schaffer

Captulo 2 - A Mata Atlntica e a legislao

23 - A Reserva Legal pode ser utilizada para fins econmicos?Sim. Na Reserva Legal pode haver utilizao sustentvel dos recursos naturais. No caso da Reserva Legal na regio da Mata Atlntica a utilizao da vegetao nativa deve observar o disposto na Lei n 11.428, de 2006 e no Decreto n 6.660, de 2008. (Ver Resposta da Pergunta 4 Mata Atlntica)

24 - permitido manter o plantio de rvores frutferas e espcies exticas na Reserva Legal?Sim, na pequena propriedade ou posse rural familiar podem ser computados os plantios de rvores frutferas ornamentais ou industriais, compostos por espcies exticas, cultivadas em sistema intercalar ou em consrcio com espcies nativas.

25 - H algum benefcio fiscal relacionado s reas de vegetao nativa na propriedade rural?Sim. reas de Preservao Permanente e de Reserva Legal so isentas de Imposto Territorial Rural, devendo o proprietrio providenciar o Ato Declaratrio Ambiental (ADA), cujo formulrio est disponvel na pgina do Ibama: www.ibama.gov.br servios on-line - ato declaratrio Ambiental ADA.

Na recomposio da Reserva Legal, podem ser utilizadas espcies frutferas intercaladas com outras espcies nativas.Wigold B. Schaffer

Na recomposio da Reserva Legal, permitido utilizar, nos primeiros anos, espcies agrcolas nas entrelinhas das espcies nativas plantadas, como estratgia de manuteno e proteo das espcies nativas plantadas.

Miriam Prochnow

Mata Atlntica - Manual de Adequao Ambiental

47

reas de Preservao Permanente26 - O que so reas de Preservao Permanente (APPs)?So reas cobertas ou no por vegetao nativa, com a funo ambiental de preservar os recursos hdricos, a paisagem, a estabilidade geolgica, a biodiversidade, o fluxo gnico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populaes humanas29. So reas de grande importncia ambiental e ao mesmo tempo reas frgeis que se destrudas prejudicam o bem estar da populao e se ocupadas colocam em risco os ocupantes. Entre as APPs esto as margens de nascentes, riachos, rios e lagos (tambm conhecidas como matas ciliares), os topos de morros e reas de alta declividade (acima de 45). Nessas reas, a supresso da vegetao nativa s pode ser autorizada em casos de utilidade pblica, de interesse social ou para atividades eventuais de baixo impacto ambiental30. So consideradas atividades eventuais e de baixo impacto ambiental, em APP: I - abertura de pequenas vias de acesso interno e suas pontes e pontilhes, quando necessrias a travessia de um curso de gua, ou a retirada de produtos oriundos das atividades de manejo agroflorestal sustentvel praticado na pequena propriedade ou posse rural familiar; II implantao de instalaes necessrias captao e conduo de gua e efluentes tratados, desde que comprovada a outorga do direito de uso da gua, quando couber; III implantao de corredor de acesso de pessoas e animais para obteno de gua; IV implantao de trilhas para desenvolvimento de ecoturismo; V construo de rampa de lanamento de barcos e pequeno ancoradouro; VI construo e manuteno de cercas de divisa de propriedades; VII - pesquisa cientfica, desde que no interfira com as condies ecolgicas da rea, nem enseje qualquer tipo de explorao econmica direta, respeitados outros requisitos previstos na legislao aplicvel; VIII - coleta de produtos no madeireiros para fins de subsistncia e produo de mudas, como sementes, castanhas e frutos;Uma das funes ambientais da vegetao nativa na margem de rios preservar os recursos hdricos.

NOTA: As atividades consideradas eventuais e de baixo impacto ambiental no podem ocupar mais de 5% das APPs existentes no imvel. A lei permite tambm as atividades de manejo agroflorestal sustentvel praticadas na pequena propriedade ou posse rural familiar31.Art. 1, 2, inciso II, da Lei n 4.771, de 1965. Art. 11 da Resoluo Conama no 369, de 2006 31 Art. 9 da Instruo Normativa MMA n 5, de 200929 30

Wigold B. Schaffer

Captulo 2 - A Mata Atlntica e a legislao

27 - Quais so as reas de Preservao Permanente e como elas so medidas?So de preservao permanente as florestas e demais formas de vegetao natural situadas:32 I - ao longo dos rios ou de qualquer curso dgua desde o seu nvel mais alto em faixa marginal cuja largura mnima ser: Largura do rio ou curso dgua inferior a 10 metros de 10 a 50 metros de 50 a 200 metros de 200 a 600 metros superior a 600 metros Largura mnima da faixa de APP em cada lado do rio 30 metros 50 metros 100 metros 200 metros 500 metros III - Ao redor de lagos e lagoas naturais, em faixa com metragem mnima de: a) 30 metros, para os que estejam situados em reas urbanas consolidadas; b) 100 metros, para os que estejam em reas rurais, exceto os corpos d`gua com at 20 hectares de superfcie, cuja faixa marginal ser de 50 metros; IV - Em veredas, a faixa marginal, em projeo horizontal, ter largura mnima de 50 metros a partir do limite do espao brejoso e encharcado; V - Em topo de morros, montes, montanhas e serras; VII - Em encostas ou partes destas, com declividade superior a 45o, equivalente a 100% na linha de maior declive;

II Nas nascentes, ainda que intermitentes, e nos chamados olhos dgua, num raio mnimo de 50 metros;32

Art. 2o da Lei n 4.771, de 1965Miriam Prochnow

A vegetao nativa preservada nas margens evita a eroso e o assoreamento de lagos ou lagoas.

Mata Atlntica - Manual de Adequao AmbientalA rea no entorno de nascentes num raio mnimo de 50 metros APP.Miriam Prochnow

49

VIII - Nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 metros em projees horizontais; IX - Nas restingas: a) em faixa mnima de trezentos metros, medidos a partir da linha de preamar mxima; b) em qualquer localizao ou extenso, quando recoberta por vegetao com funo fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues; X- Em altitude superior a 1.800 metros, qualquer que seja a vegetao. XI - em manguezal, em toda a sua extenso; XI - em duna; XII - nos locais de refgio ou reproduo de aves migratrias; XIII - nos locais de refgio ou reproduo de exemplares da fauna ameaados de extino que constem de lista elaborada pelo Poder Pblico Federal, Estadual ou Municipal; XIV - nas praias, em locais de nidificao e reproduo da fauna silvestre.Os topos de morros, montes, montanhas e serras so APPs.

A vegetao de restinga fixadora de dunas APP.

Miriam Prochnow

Wigold B. Schaffer

Captulo 2 - A Mata Atlntica e a legislao

28 reas urbanas tambm devem respeitar as reas de Preservao Permanente?Sim. As APPs no esto relacionadas especificamente s propriedades rurais, mas a todo o territrio. Portanto, devem ser respeitadas em toda parte, incluindo reas urbanas e unidades de conservao, observando os mesmos parmetros e metragens.

33 - O proprietrio obrigado a recuperar suas reas de Preservao Permanente?Todos os proprietrios ou posseiros que tenham APPs em seus imveis que em algum momento tiveram a vegetao nativa retirada e que estejam sendo utilizadas para atividades agropecurias ou outras atividades econmicas, devem promover a recuperao das reas.

29 possvel compensar uma rea de Preservao Permanente irregularmente ocupada, por outra preservada em outro imvel ou regio?No. Todas as APPs irregularmente ocupadas devem ser recuperadas no prprio local.

34 - Qual a forma mais simples para fazer a recuperao de reas de Preservao Permanente?A forma mais simples parar de fazer uso agrcola ou pecurio da rea e permitir ou conduzir a regenerao natural das espcies nativas. Se for uma rea de pastagem, necessrio cercar a rea para que o gado no pisoteie ou prejudique a regenerao. Dessa maneira, protege-se a vegetao originada pela regenerao natural (brotao de razes de espcies arbreas e partes vegetativas no mais utilizadas pelo gado). importante lembrar que este mtodo s eficaz quando na vizinhana existem remanescentes de vegetao nativa que possam fornecer (dispersar) sementes atravs do vento, da chuva ou dos animais. Na recuperao de APPs e RL dever ser utilizado o maior nmero possvel de espcies (maior diversidade) de ocorrncia regional. A rea de APP ou RL recuperada dever ser cuidada para evitar incndios e outros danos (extrao de espcies sem autorizao, caa, incidncia de espcies invasoras, eroso no solo e outras) e, conseqentemente, destruio da flora e fauna (biodiversidade). Na Inst