sustentavel mata atlântica livro

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Sustentável Mata Atlântica A exploração de seus recursos florestais Organizadores Luciana Lopes Simões Clayton Ferreira Lino 2002 – 215p. São Paulo – Editora Senac São Paulo Contra capa A Mata Atlântica tem-se reduzido ao longo dos séculos devido ao extrativismo predatório, à ação transformadora da floresta em área agrícola e à especulação imobiliária, entre outras razões. Mas compõe ainda uma região de riquíssimo patrimônio, a reunir em seu entorno milhões de habitantes, muitos dos quais dependem da exploração dos grandes recursos naturais aí disponíveis. Este livro, organizado pela engenheira florestal Luciana Lopes Simões e pelo arquiteto, fotógrafo e espeleólogo Clayton Ferreira Lino, propõe a exploração por manejo sustentável da Mata Atlântica e fornece subsídios parra a adoção de uma nova política em seu benefício - e no benefício do país. Num trabalho pioneiro pelos dados inéditos que apresenta e pelo panorama que oferece, esta coletânea de que participam dezesseis autores inclui estudos de caso de várias espécies da floresta, entre as quais o palmito, o caju, a erva-mate, a araucária e plantas medicinais e ornamentais. Relevante para o Brasil, o tema resulta em mais uma obra de referência do SENAC de São Paulo, instituição voltada para o conhecimento também na área de educação ambiental.

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Page 1: Sustentavel mata atlântica livro

Sustentável Mata Atlântica

A exploração de seus recursos florestais Organizadores

Luciana Lopes Simões Clayton Ferreira Lino

2002 – 215p. São Paulo – Editora Senac São Paulo

Contra capa

A Mata Atlântica tem-se reduzido ao longo dos séculos devido ao extrativismo predatório, à ação transformadora da floresta em área agrícola e à especulação imobiliária, entre outras razões. Mas compõe ainda uma região de riquíssimo patrimônio, a reunir em seu entorno milhões de habitantes, muitos dos quais dependem da exploração dos grandes recursos naturais aí disponíveis.

Este livro, organizado pela engenheira florestal Luciana Lopes Simões e pelo arquiteto, fotógrafo e espeleólogo Clayton Ferreira Lino, propõe a exploração por manejo sustentável da Mata Atlântica e fornece subsídios parra a adoção de uma nova política em seu benefício - e no benefício do país.

Num trabalho pioneiro pelos dados inéditos que apresenta e pelo panorama que oferece, esta coletânea de que participam dezesseis autores inclui estudos de caso de várias espécies da floresta, entre as quais o palmito, o caju, a erva-mate, a araucária e plantas medicinais e ornamentais.

Relevante para o Brasil, o tema resulta em mais uma obra de referência do SENAC de São Paulo, instituição voltada para o conhecimento também na área de educação ambiental.

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Orelhas No período de dezembro de 1997 a fevereiro de 2000 desenvolveu-se o projeto Inventário dos

Recursos Florestais da Mata Atlântica, tendo em vista, examinar a exploração e utilização dos recursos, seus impactos socioeconômicos atuais e as potencialidades de manejo sustentável. Este livro, que reúne a colaboração de dezesseis autores (engenheiros, agrônomos, professores -de economia, ciências ambientais, educação ambiental, ciências florestais -, pesquisadores, biólogo e arquiteto), é parte integrante do projeto e apresenta-se como a súmula de suas análises e sugestões.

O que historicamente se verifica é a exploração predatória dos recursos da Mata Atlântica, do ponto de vista social econômico e ecológico, com a ameaça de extinção de algumas espécies aumentada devido ao extrativismo indiscriminado, à especulação imobiliária e à centenária prática de transformar floresta em área agrícola. A ausência de pesquisa e estímulo tem levado) à perda do conhecimento sobre técnicas de manejo e dos benefícios potenciais dos recursos. Com a falta de controle da exploração, vai-se substituindo a floresta por usos menos nobres e sustentáveis. 0 projeto e este livro representam uma contribuição para que se formulem e apliquem novas políticas públicas. nesse campo.

Procede-se aqui ao estudo de caso de diversas espécies vegetais da Mata Atlântica, como a piaçava, o palmito, o caju, a erva-mate, a araucária, as plantas medicinais (espinheira-santa, ginseng brasileiro, carqueja, chapéu-de-couro) e as ornamentais (xaxim, urucum, maracujá), num trabalho pioneiro pelos dados inéditos que apresenta e pelo panorama que oferece.

Na parte final, mapas apontam a área original do Domínio Mata Atlântica, sua área remanescente e também a de ocorrência natural e atual, quando disponível, de cada espécie estudada. SUMÁRIO Nota do editor............................................................................................................................................ 7 Apresentação............................................................................................................................................. 9 Clayton Ferreira Lino Introdução............................................................................................................................................... 13 Luciana Lopes Simões PARTE I - ESTUDOS DE CASO.......................................................................................................... 17 Exploração, manejo e potencial socioeconômico da erva-mate.............................................................. 19 Fabiana Maia de Andrade Exploração econômica de plantas medicinais da Mata Atlântica........................................................... 35 Ilio Montanari Junior O cajueiro: exploração, perspectivas e potencialidades no âmbito da Mata Atlântica........................... 55 José Jaime Vasconcelos Cavalcanti Piaçava — 500 anos de extrativismo...................................................................................................... 71 Luiz Alberto Mattos Silva Exploração, manejo e conservação da araucária (Araucaria angustifolia)............................................. 85 Miguel Pedro Guerra, Vanildo Silveira, Maurício Sedrez dos Reis e Lineu Schneider

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O palmiteiro (Euterpe edulis Martius) como recurso da Mata Atlântica.............................................. 103 Maurício Sedrez dos Reis, Rudimar Conte, Alfredo Celso Fantini e Miguel Pedro Guerra Bromélias.............................................................................................................................................. 119 João Vicente Coffani Nunes PARTE II - PERSPECTIVAS DO MANEJO SUSTENTÁVEL......................................................... 133 Aspectos sociais e culturais do uso dos recursos florestais da Mata Atlântica..................................... 135 Antonio Carlos Diegues Aspectos do manejo de recursos da Mata Atlântica no contexto ecológico, fundiário e legal............. 159 Maurício Sedrez dos Reis, Alexandre Mariot, Rudimar Conte e Miguel Pedro Guerra Economia do extrativismo em áreas de Mata Atlântica........................................................................ 173 Carlos Eduardo Frichnann Young Políticas proativas e processos participativos: necessidades para o bom manejo florestal da Mata Atlântica................................................................................................................................................ 185 Luciana Lopes Simões PARTE III – CARTOGRAFIA............................................................................................................. 193 Sobre os autores.................................................................................................................................... 209 Bibliografia complementar................................................................................................................... 215 Nota do editor

Desde os primeiros tempos de colonização do Brasil, a exploração dos recursos da Mata Atlântica tem-se exercido de forma predatória do ponto de vista social, econômico e ecológico. Nunca existiu no país uma política séria voltada para o manejo sustentável dos recursos florestais, disso resultando haver hoje apenas 7,3% da área original da Mata Atlântica.

Mas uma contribuição em favor da seriedade deu-se com o projeto Inventário dos Recursos Florestais da Mata Atlântica, desenvolvido por pouco mais de dois anos até fevereiro de 2000. Alguns dos estudos de caso e das análises efetuados no curso do projeto são monografias deste livro e constituem evidências indiscutíveis de que, não obstante o processo várias vezes secular de redução da floresta, ela apresenta uma das maiores biodiversidades do planeta e pode ser explorada por meio de manejo sustentável, em condições de mantê-la como fonte de medicamento, alimento e mesmo de renda para muitas pessoas.

O SENAC de São Paulo, ponto de referência em conhecimento na área de educação ambiental, lança este livro como argumento pela mudança de política para a Mata Atlântica. 7 Apresentação

Este livro é parte integrante do projeto Inventário dos Recursos Florestais da Mata Atlântica — a

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exploração e utilização dos recursos, seus impactos socioeconômicos atuais e potencialidades de manejo sustentável, coordenado pelo Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, em parceria com a Fundação SOS Mata Atlântica, o Instituto de Pesquisa jardim Botânico do Rio de Janeiro e o Centro Nacional de Recursos Genéticos (Cenargen/Embrapa), e com financiamento do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio). Os trabalhos foram conduzidos no período de dezembro de 1997 a fevereiro de 2000. A proposta de realização de um diagnóstico sobre a situação da exploração dos recursos naturais da Mata Atlântica surgiu devido à constatação de que a mesma tem sido, na maior parte dos casos, exercida de forma predatória do ponto de vista social, econômico e ecológico. A ausência de pesquisa e estímulo tem levado à perda do conhecimento sobre técnicas de manejo e dos benefícios potenciais desses recursos. Esse fato, aliado à falta de controle, tem possibilitado a substituição da floresta por usos menos nobres e sustentáveis. Perde-se o patrimônio genético nacional exatamente no momento em que a biotecnologia (e o patenteamento) ganham força no mercado globalizado. Em síntese, não existe no país uma política séria voltada para o manejo sustentável dos recursos florestais da Mata Atlântica, finalidade maior para a qual esse projeto visa contribuir.

Os principais objetivos do projeto foram:

� inventariar no Domínio da Mata Atlântica os recursos florestais cuja exploração representa significativo impacto econômico em âmbito local ou regional; � avaliar em que medida esses recursos florestais estão ou não sendo manejados de forma sustentável e qual sua potencialidade de gerar benefícios para a conservação e o desenvolvimento, a médio e longo prazos; � identificar os inibidores do processo, de forma a subsidiar políticas públicas para esse setor quanto a pesquisa, legislação, capacitação de recursos, organização de produtores, acesso ao mercado, licenciamento e certificação ambiental; 9 � divulgar, por meio de publicações, vídeos e banco de dados, experiências bem-sucedidas de manejo sustentável de recursos florestais nas três regiões da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (NE, SE, S); � identificar áreas de concentração de espécies nativas de interesse socioeconômico que devam ser protegidas como reservas genéticas nacionais.

A fim de conduzir o diagnóstico proposto, foram selecionadas algumas espécies florestais da Mata Atlântica. Os critérios utilizados para a seleção levaram em consideração a importância socioeconômica, as informações disponíveis na literatura e no conhecimento informal, bem como uma ampla distribuição geográfica buscando espécies originárias das três regiões da Mata Atlântica (NE, SE, S).

Todas as questões levantadas pelo projeto foram analisadas por meio de estudos de caso com as seguintes espécies: palmito (Euterpe edulis), caju (Anacardium occidentalle), erva-mate (Ilex paraguariensis), araucária (Araucaria angustifolia), Bromeliaceae (espécies mais comercializadas), plantas medicinais - espinheira-santa ou cancorosa (Maytenus ilicifolia), ginseng brasileiro (Pfaffia paniculata), carqueja (Baccharis trimera) e chapéu-de-couro (Echinodorus grandiflorus).

Também foram estudadas de forma preliminar algumas espécies ornamentais da Mata Atlântica, com destaque para aquelas comercializadas pela Companhia de Entrepostos e Armazens Gerais de São Paulo (Ceagesp), o xaxim {Dicksonia sellowiana) e Orquidaceaes, bem como o urucum (Bixa orelana) e o maracujá (Passiflora sp.).

A presente obra - com exceção do artigo sobre a piaçava, cuja pesquisa foi desenvolvida pela

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Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac) e dissertação de mestrado da Universidade Federal da Bahia (UFBA) - foi elaborada a partir dos dados levantados no âmbito do projeto, os quais foram organizados em três partes:

� A primeira parte discorre sobre os aspectos ecológicos e socioeconômicos de cada uma das espécies estudadas. � A segunda parte dedica-se a uma análise integrada dos aspectos sociais, econômicos, ecológicos, legais e fundiários, envolvendo o conjunto das espécies estudadas e fornecendo dados de caráter geral, fundamentais para o estabelecimento de políticas públicas 10 voltadas para o manejo de recursos florestais. Estimulando uma postura propositiva, procuramos também apresentar exemplos — alguns já encaminhados, outros ainda em fase de estruturação — de políticas criativas e inovadoras à utilização racional dos recursos florestais. São apresentados exemplos relativos à regulamentação do manejo florestal e a mecanismos de mercado para promover atividades e produtos que, além da preocupação com os aspectos ambientais do manejo, consideram igualmente aspectos sociais e econômicos. � Na última parte são apresentados mapas que apontam a área original do Domínio da Mata Atlântica, sua área remanescente, bem como a área de ocorrência natural e atual, quando disponível, de cada espécie estudada, além de informações como centros de extrativismo, cultivo, beneficiamento, comercialização e outros.

Este trabalho — pioneiro pelos dados inéditos que apresenta, pelo panorama que oferece e pela ampla parceria que propiciou sobre o tema do uso sustentável dos recursos florestais da Mata Atlântica - deve ser encarado como uma primeira contribuição das instituições envolvidas para a formulação de políticas públicas nesse campo.

Espera-se também que sirva de estímulo a novos estudos e parcerias. A aprovação pelo fundo de parceria Funbio/Fundação Ford para a continuidade do programa, por meio do projeto Sustentabilidade e Certificação Florestal na Mata Atlântica, representa um importante passo nesse proc e s s o . São Paulo, março de 2001. Clayton Ferreira Lino Presidente do CNRBMA Coordenador Geral do Projeto 11 Introdução

A EXPLORAÇÃO DOS RECURSOS FLORESTAIS NA MATA ATLÂNTICA Impossível falarmos na história do Brasil, da colonização aos dias atuais, sem nos referirmos à Mata

Atlântica e a todos os seus recursos. São muitas as citações: Pero Vaz de Caminha, padre Anchieta, Gabriel Soares de Souza.. Apesar de esses inúmeros relatos pertencerem ao passado, muitas espécies florestais da Mata Atlântica transformaram-se em produtos que há anos fazem parte do dia-a-dia do brasileiro, mas de que a maioria de nós desconhece a origem: maracujá, pitanga, erva-mate, pinhão, bromélias etc.

Vivem no entorno da Mata Atlântica, região de rico patrimônio étnico e cultural, aproximadamente 100 milhões de habitantes, os quais exercem enorme pressão sobre seus remanescentes, seja por seu espaço, seja por seus inúmeros recursos. Ainda que restem exíguos 7,3% de sua área original1 e que a maioria das espécies animais brasileiras ameaçadas de extinção pertençam a esse ecossistema, a Mata Atlântica apresenta uma das maiores biodiversidades do planeta, justamente pela ameaça que sofre e

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por sua imensa riqueza, traduzida em um alto grau de endemismo, a Mata Atlântica foi recentemente classificada como um dos 25 hot spots do mundo para conservação.2

A ameaça de extinção de algumas espécies ocorre porque existe pressão do extrativismo predatório sobre determinadas espécies de valor econômico e também porque existe pressão sobre seus hábitats, seja, entre outros motivos, pela especulação imobiliária, seja pela centenária prática de transformar floresta em área agrícola. A exploração dos recursos florestais da Mata Atlântica tem sido exercida de maneira predatória sob o ponto de vista ecológico, social e econômico, embora um grande número de pessoas dependa efetivamente da 1 - Fundação SOS Mata Atlântica et al., Atlas da evolução dos remanescentes florestais e ecossistemas

associados no Domínio da Mata Atlântica no período de 1990-1995 (São Paulo: 1998). 2 - R. A. Mittermeier et al., Hot Spots - Earth's Biologically Richest and Most Endangered Terrestrial Ecoregions (Cemex/Agrupación Sierra Madre; Cidade do México, 1999). 13 sua exploração, quer como fonte de medicamento e alimento, quer como fonte de renda.

O extrativismo predatório é uma realidade incontestável e viabiliza-se no fato de que existe uma forte demanda por produtos que hoje são extraídos de forma ilegal. Os constrangimentos para legalizar essa atividade em bases sustentáveis são muitos e por vezes bastante complexos. Exigem uma abordagem transdisciplinar que, se por um lado ainda requer experimentações e exercícios, por outro, já sensibiliza as pessoas sobre o avanço que essa discussão pode propiciar.

A mencionada demanda por várias espécies nos faz crer que o melhor caminho seja desenvolver mecanismos que, por várias vias, estimulem, o manejo sustentável. As possibilidades de ordenamento dessa exploração, sob preceitos apregoados pelo desenvolvimento sustentável, têm sido objeto de estudos em várias instituições de pesquisa e universidades, porém encontram-se dispersos. Ao mesmo tempo que populações tradicionais muitas vezes dominam a ecologia e o manejo de várias espécies florestais da Mata Atlântica, esse conhecimento é pouco integrado aos estudos formais e às políticas públicas. Além da necessidade de desenvolver e testar novos conhecimentos e identificar e sistematizar os já existentes, outros mecanismos se impõem à efetiva implementação do manejo sustentável. Dessa maneira, o incentivo à capacitação e à organização dos agentes envolvidos na exploração florestal - notadamente as comunidades tradicionais e os pequenos proprietários -, a estruturação da sua cadeia produtiva e o fomento às iniciativas de certificação bem como do mercado de produtos certificados ainda são tímidos, porém cada vez mais presentes na pauta dos financiadores de projetos, ONGs e órgãos de pesquisa.

O projeto Inventário dos Recursos Florestais da Mata Atlântica, em um esforço de sistematizaçao de informações sobre o assunto e na geração de novos dados, revelou que as comunidades tradicionais e os pequenos produtores/proprietários são de grande expressão no contexto e que a exploração de recursos florestais para eles é importante fonte de renda complementar, servindo muitas vezes como uma poupança verde. Esses valores, no entanto, não são apenas expressivos em âmbito doméstico, por assim dizer; algumas espécies foram e outras ainda são importantes produtos da economia de estados. 14

Esses dados, portanto, nos alertam de que a demanda pela exploração de inúmeros recursos florestais existe concretamente, sendo prementes e estrategicamente importantes seu ordenamento e incentivo em bases sustentáveis. E estrategicamente importante porque outros usos da terra e dos recursos florestais garantem retornos financeiros maiores ou mais rápidos, porém são ambientalmente inadequados.

Sabemos também que, além dos usos alternativos da terra, outras questões relativas à propriedade e

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à estrutura fundiária apresentam grande interferência e conseqüente importância no contexto estudado.

A riqueza de informações, abordagens e análises obtidas durante o projeto Inventário são muitas e estão detalhadas nos capítulos a seguir. Luciana Lopes Simões Engenheira Florestal do CNRBMA Programa Recursos Florestais Parte I – Estudo de Casos 17 EXPLORAÇÃO, MANEJO E POTENCIAL SOCIOECONÔMICO DA ERVA-MATE1 Fabiana Mata de Andrade INTRODUÇÃO

O extrativismo da erva-mate pelos portugueses teve seu início no século XVII (ano de 1610), com a chegada dos jesuítas na Companhia de Jesus do Paraguai (território das províncias do Paraguai, Buenos Aires e Tucumán), que passaram a estudar e orientar os indígenas no plantio, cultivo e extração da erva. Com o tempo, a forma desorganizada de sua exploração desencadeou uma instabilidade econômica na cultura, fazen 1 - Agradecimento especial a Baldo S.A. Com., Ind. e Exportação, nas pessoas dos srs. Arlindo Baldo e Leandro Beninho Gheno, que muito ajudaram na realização do trabalho. 19 do com que boa parte dos ervais nativos fossem erradicados junto com as florestas nativas onde vegetavam, dando lugar às lavouras. A continuidade dessa extração indiscriminada causou mais tarde a redução na oferta de matéria-prima às indústrias, provocando elevação nos preços; os produtores, motivados por essa alta, deram início aos reflorestamentos com erva-mate.

A erva-mate é encontrada no Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai, numa área total de aproximadamente 540 mil km2, se distribuindo naturalmente pelo Brasil - principalmente nos estados de Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul, e ainda um pouco em São Paulo, Minas Gerais e Rio de janeiro -, representando 450 mil km2 do total.

Sua exploração é uma atividade de grande importância econômica no sul do Brasil e demais países do Mercado Comum do Cone Sul (Mercosul). Por longo período, durante o século XIX e início do século XX, foi um dos principais produtos das exportações brasileiras. Apesar de sua importância, grande parte do ciclo da erva-mate ocorreu de forma extrativista e desorganizada. Esses fatores, aliados à intensa exploração madeireira e ao avanço das áreas de lavouras, causaram a erradicação de boa parte dos ervais com as florestas nativas e o desequilíbrio entre a oferta e a demanda do produto mate. Essa situação ocasionou a elevação nos preços, o que acabou por incentivar o início de plantios homogêneos com erva-mate.

Há pelo menos quinze anos, estudos com erva-mate vêm se aprofundando, contribuindo ao seu sistema de produção e exploração, visando a preservação, a qualidade, a produtividade e a renda do produtor. Técnicos, produtores, órgãos de pesquisa e indústrias do setor ervateiro tentam, em interesse comum, tomar o produto mais participativo no comércio nacional e internacional.

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ASPECTOS GERAIS Em 1822 o naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire classificou botanicamente a erva-mate como Ilex paraguariensis, planta típica do estrato inferior e médio da floresta ombrófila mista montana e da floresta estacionai semidecidual. Classificada como planta esciófila e umbrófila, a árvore atinge 70 cm de diâmetro e mais de 25 m de altura, e suas folhas 20 alcançam mais de 20 cm de comprimento e até 10 cm de largura no interior das florestas. De acordo com a região de ocorrência, floresce entre os meses de setembro e dezembro e sua frutificação pode ocorrer entre os meses de dezembro e abril.

A presença de Araucaria angustifolia e Ocotea porosa em geral garante maior freqüência da erva-mate. Além dessas, citam-se outras espécies que promovem um bom ambiente à formação das erveiras: Cedrella fissilis, Balfourodendron riedelianum, Cabralea canjerana, Podocarpus sp., Holocalyx balansae, mirtáceas, lauráceas, leguminosas diversas, entre outras.

Durante a época do pré e pós-descobrimento do Brasil, o consumo da erva-mate como chá já fazia parte do costume dos índios brasileiros, em sua região: Segundo a literatura, o mate é uma bebida estimulante, que elimina a fadiga e estimula as atividades física e mental, atuando beneficamente sobre os nervos e músculos. Os principais produtos consumidos são o chimarrão e o chá-mate.

A composição química de suas folhas proporciona, além dos usos tradicionais, algumas aplicações industriais que estão no fluxograma a seguir:

APLICAÇÕES INDUSTRIAIS E USOS ALTERNATIVOS PARA ERVA-MATE

21 EXPLORAÇÃO DA ERVA-MATE

O sistema de produção, a área dos ervais, a produtividade e a qualidade da matéria-prima são fatores que indicam o perfil dos produtores. Desses fatores, o sistema de produção tem forte influência sobre os retornos econômicos e/ou ambientais da propriedade. Os sistemas podem ser:

� extrativista: sistema rudimentar de produção da erva-mate nativa. As práticas silviculturais adotadas, total ou parcialmente, são: aquisição ou produção de mudas para adensamento de erval nativo;

� roçada para colheita; poda das erveiras com foice ou facão a cada dois ou três anos;

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� não tecnificado: as técnicas utilizadas referem-se basicamente a: aquisição ou produção das mudas; lâminas para proteção das mudas; plantio e replantio das mudas; roçada para colheita; poda com facão a cada dois anos;

� tecnificado: o produtor possui nível tecnológico adequado às exigências do mercado; constituem técnicas silviculturais básicas: aquisição ou produção das mudas; lâminas para proteção; adubação verde ou com esterco animal; plantio e replantio das mudas; eventualmente, aplicação de fertilizante químico; capina das linhas de plantio nos dois anos iniciais; emprego eventual de herbicida; poda com tesouras; controle de pragas com catação e queima do material; combate a formigas cortadeiras; corte bienal. Manejo para ervais

Entre os fatores considerados na prática do manejo em ervais, independentemente do estágio e estado em que se encontram, devemos considerar: concentração de plantas na área; época e tipo de poda e colheita adotada; idade do erval; intervenções silviculturais e atividades pecuárias; problemas fitossanitários; qualidade de mudas adquiridas em plantio.

Atualmente podemos caracterizar as áreas de ervais como: em ser (erveira virgem, nunca podada), nativas, homogêneas, consorciadas, adensadas e em transformação (ervais homogêneos sendo diversificados com outras espécies). Todas são submetidas a diferentes práticas silviculturais, e, em geral, com técnicas de manejo inadequadas (plantio, qualidade de muda, poda, colheita, controle de pragas e doenças). 22

O manejo em áreas nativas com elevada concentração natural, auxilia a regeneração e propicia a produção de sementes para reflorestamentos. Alguns produtores consorciam o erval nativo com a pecuária, mas a produtividade é menor, pois a colheita é dificultada pela altura das erveiras (± 2 m para protegê-lo da criação) e pouco se consegue com regeneração natural e adensamentos por causa do pisoteio de animais.

Nos ervais nativos encontramos plantas isoladas e/ou concentradas em agrupamentos de alta densidade. Para favorecer o desenvolvimento das plantas e melhor aproveitamento da mão-de-obra e rendimento há necessidade de tratos culturais e silviculturais:

� limpeza: roçada da vegetação de menor porte, que facilita a movimentação do produtor dentro do erval para a colheita, diminuindo a concorrência das erveiras com outras plantas. A capina e a roçada também propiciam a regeneração de novas mudas;

� raleamento: retirada, se necessário, de plantas de erva-mate que estejam muito próximas e de espécies arbóreas que reduzam muito a luz no interior da floresta (a luz incrementa á massa foliar);

� adensamento: plantio de erva-mate nas clareiras existentes para aumentar a produção do erval, e/ou plantio de mudas de outras espécies florestais que diversificam o ambiente e podem produzir lenha ou outros produtos;

� recuperação de plantas decadentes: decepam-se as erveiras velhas improdutivas, ou ainda se faz o rebaixamento das plantas quando muito altas, por dificultar a colheita.

Em área de erval com poucas espécies no ambiente ou caracterizadas como de transformações, recomenda-se o plantio de espécies nativas da região para uso múltiplo das áreas que produzam mel, fruto, folhas medicinais, madeira, alimentos para a fauna silvestre, que dão renda extra aos produtores e reduzem o ataque de pragas ou doenças.

Sendo as folhas e ramos matéria-prima comercializada, o rigor no controle das pragas e doenças é intenso. Não é permitido o uso de produtos químicos e recomenda-se o controle biológico através de inimigos naturais, inseticidas biológicos, coleta e queima dos insetos, limpeza e coroamento das

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plantas, corte e queima das partes infestadas de pragas. 23 Tipos de podas da erva-mate

A poda é realizada para fins de produção, isto é, colheita das folhas e dos ramos da erva-mate para beneficiamento; proporciona melhor formação das copas e aumento de massa foliar, pois a retirada dos galhos favorece a penetração de luz. Tanto em áreas nativas quanto plantadas, a poda segue os mesmos princípios. Os tipos de podas podem ser definidos como:

� de formação: corte de pequenos galhos entrelaçados ou tortos, além dos galhos internos que são eliminados ou reconduzidos para fora. A primeira poda de formação ocorre ao final do primeiro ou segundo ano após o plantio, deixando três ramos vigorosos e bem dispostos. Ao final do terceiro ano, geralmente, faz-se a segunda poda, retirando as brotações de cada galho, a uma distância de 10 cm a 40 cm de sua base para originar nova brotação. Dos novos brotos, dois são escolhidos em cada ramo e os demais são eliminados;

� de produção: esta poda tem melhor aproveitamento dos ramos e folhas do que a primeira poda, pois a planta está mais madura. A primeira colheita de produção ocorre a partir do quarto ou quinto ano de campo, sendo realizada preferencialmente a cada 18 ou 24 meses, para que a planta tenha tempo de se recuperar;

� outros tipos de podas de produção: apesar de pouco usuais, são feitas a poda de inverno e a poda de primavera. No inverno retira-se apenas a parte inferior da planta (chamada de saia), mantendo a superior, que irá proteger a planta durante o inverno. Na primavera, a poda é feita retirando-se a parte superior da planta (chamada de blusa).

Para a poda usam-se ferramentas que causam poucos danos às plantas: tesoura de poda, podão, serrotinho e motosserra (utilizada para decepa e rebaixamento de erveiras). O facão nunca deve ser usado, pois danifica a planta e propicia o ataque de organismos, além de prejudicar o desenvolvimento.

Há produtores e indústrias que praticam podas em qualquer época do ano, mas, em geral, dois períodos são caracterizados:

� safra: ocorre de maio a setembro, com maior concentração nos meses de junho a agosto; nesse período a planta está em repouso fisiológico e não sofre muito com as podas;

� safrinha: ocorre de dezembro a fevereiro; é pouco praticada, pois as novas brotações podem ser afetadas por geadas fora de época ou 24 insolação; é nesse período que as indústrias aproveitam para renovar seus estoques.

A condução dos ervais deve seguir uma linha mestra visando o meio ambiente, a qualidade, a produção e a rentabilidade. A erva-mate ainda requer muitos estudos nas suas diversas áreas; por isso, continuamos a engatinhar, tentando encontrar soluções para muitas dúvidas. A indústria busca e algumas vezes investe nessas soluções, ao contrário do produtor, que, em sua grande maioria fica à espera de informações, trabalhando dentro de seus conhecimentos e limitações.

Outro item a se observar é a característica umbrófila da erva-mate, isto é, tem-se1 que determinar o melhor grau de luminosidade que propicie qualidade e produção foliar e contribua para se evitar o raleamento excessivo, definindo quantas espécies devem ser retiradas. Em outro contexto, supõe-se que a manutenção de ervais nativos sob cobertura florestal propicie uma matéria-prima com excelentes características para beneficiamento e qualidade do produto final.

BENEFICIAMENTO E INDUSTRIALIZAÇÃO

Em nosso país, o ambiente organizacional ervateiro possui diferentes situações empresariais: empresas auto-sustentáveis que atuam na produção florestal, no processamento agroindustrial e na

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comercialização; empresas que adquirem, processam e comercializam a matéria-prima; empresas que adquirem mate argentino e o misturam com mate brasileiro; e empresas que participam de todas essas situações empresariais.2

O parque industrial no Brasil é constituído predominantemente por unidades de pequena capacidade operacional. Existem 725 empresas processadoras, com uma capacidade instalada de 405 mil kg/h e um desempenho variável de 32% a 42% no desfrute do processo de transformação/beneficiamento da erva-mate, apesar de uma ociosidade anual superior a 60%.3 2 - N. G. de A. Rucker, Mercomate: cooperação na competitividade (Curitiba; Emater-PR/Empresa Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural) (no prelo). 3 - L, Beltrão et al., Prospecçâo de demandas da cadeia produtiva da erva-mate: relatório prelimmar (Porco Alegre: Fepagro, abril de 1998); D. M. Da Croce, Cadeia produtiva da erva-mate em Santa Catarina (Chapecó: Epagri/CPPP, 1996); J. Z. Mazuchowski, Diagnóstico e perspectivas da erva-mate no Brasil (Chapecó: Epagri/CPPP, 1996). 25

Os processos industriais para a erva-mate pouco mudaram com o decorrer do tempo. Houve a adoção de engenhos e barbaquás automáticos com grande capacidade de processamento, mas, de maneira geral, a concepção é a mesma desde o início do ciclo do mate.

O regime de produção da erva-mate varia de acordo com a localidade, os aspectos ligados à tradição e os aspectos econômicos. A despeito dessas diferenças, três etapas são claramente definidas até a obtenção do produto final:

� sapeco: passagem rápida de ramos com folhas sobre as chamas de uma fogueira de lenha adequada para este fim ou em sapecador mecânico;

� secagem: feita no carijo (chamas atuam diretamente sobre a erva) ou no barbaquá (a erva recebe o calor da fornalha através de um canal subterrâneo) ou, ainda, em secadores mecânicos em que a secagem é rápida, de 8 a 10 minutos;

� cancheamento: trituração ou fragmentação da erva, normalmente feita por um triturador de madeira dura (nível de produtor) ou um cancheador metálico (nível de indústria), constituindo-se dessa maneira a matéria-prima para as indústrias de beneficiamento, especialmente para a preparação dos tipos comerciais (chá, chimarrão).

O beneficiamento da erva-mate é dividido em duas partes: o ciclo do cancheamento (trituração da erva), executado pelo produtor e pela indústria, e o ciclo da industrialização, feito somente peta indústria, que se resume em três operações fundamentais: a moagem (obtenção dos subprodutos: pó, goma, folha, talos, palitos), a mistura (de acordo com o hábito de consumo) e o empacotamento. ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS A erva-mate nativa e plantada é explorada economicamente em cerca de:

� 558 municípios dos estados do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul;

� 110 mil propriedades rurais, a maioria familiares; � 725 empresas.

Isso envolve cerca de 500 mil trabalhadores diretos, considerando-se mão-de-obra geral nas

indústrias (escritório, fábrica, freteiros/transporte) e propriedades rurais (família, funcionários permanentes e tarefeiros/ 26 temporários), com um volume de recursos da ordem de 180 milhões de reais por ano.4

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A tabela a seguir mostra por seus valores a importância do recurso na região Sul, que envolve uma parte significativa da comunidade regional, pelo número de municípios envolvidos, número de indústrias ou postos de trabalho que gera, demonstrando a necessidade de ampliação dos mercados para erva-mate.

Situação do setor ervateiro na região sul

Indicadores Total Paraná Rio Grande do Sul Santa Catarina Municípios* 537 151 273 113 Indústrias** 725 209 398 118 Mão-de-obra 495.950 262.000*** 165.000*** 6.950** Propriedades/famílias 110.700 51.000* 40.000* 19.700** Produção Total*** 550.000t 30% 48% 22%

18.700t 30% cancheada 30% cancheada 35% cancheada Importação efetiva*** 118.200t 43% beneficiada 43% beneficiada sem informação

3.000t 62% cancheada 12% cancheada 25% cancheada Exportações*** 23.300t 30% beneficiada 62% beneficiada 7% beneficiada

Fontes: *F. M. Andrade, Diagnóstico da cadeia produtiva da Ilex paraguariensis St, Hitl - erva-mate, relatório de consultoria ao Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, 1998. ** D. M. Da Croce, Cadeia produtiva da erva-mate, cit., 1996. ***L Beltrão et al, Prospecção de demandas..., cit., 1998; Jornal Zero Hora, "Chimarrão sem fronteiras", em Encarte Campo & Lavoura, n1 710, Porto Alegre, 7-8-1938. Devido a divergências nas estatísticas, foram usadas fontes diferentes para aproximar os dados o máximo possível da realidade.

Os estados da região Sul diferem em características do perfil de seus produtores basicamente na maneira de exploração dos ervais. A estrutura fundiária ervateira é predominantemente minifundiária nos três estados, mostrando que a erva-mate é uma cultura típica da pequena propriedade. Aproximadamente 80% dos produtores têm na erva-mate uma alternativa de renda, constituindo-se a atividade ervateira em uma prática de caráter permanente e de rendimento anual.5

4 - Congresso Sul-americano da Erva-mate, "1ª Reunião Técnica do Cone Sul sobre a Cultura da Erva-mate", em Anais da Reunião. Técnica do Cone Sul sobre a Cultura da Erva-mate (Curitiba; Embrapa/CNPF; 1997). 5 - Z. Mazuchowski & N. G. de A. Rucker, Diagnóstico e alternativas para a erva-mate Ilex paraguiariensis (Curitiba: Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento do Paraná, Departamento de Economia Rural, 1993). 27

Em linhas gerais, os produtores demonstram acreditar na cultura de erva-mate, porém estão insatisfeitos com a falta de apoio das indústrias e o descaso do governo. Levantam aspectos como:

� baixos preços pagos pela erva-mate: R$ 2,31/arroba;6 � descaso da assistência técnica, com a falta de informação para o desenvolvimento dessa cultura; � dificuldade no transporte da matéria-prima para as indústrias (distância, falta de transporte; � falta de recursos financeiros para melhor desenvolvimento da propriedade; � importação da erva-mate (in natura e cancheada) da Argentina: esta é misturada à nacional, um

problema que influi na qualidade e no preço, pois altera principalmente o sabor do produto final devido às diferenças fisiológicas existentes entre plantas de erva-mate cultivada (Argentina) e nativa (Brasil). ASPECTOS ECONÔMICOS

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Produção e comercialização da erva-mate A localização da zona produtora ervateira apresenta certa similaridade nas tendências

climáticas, mas por características próprias de cada uma e pelas diferenças no sistema de produção e de beneficiamento ocorrem diferenças no sabor do produto final, mais ou menos amargo, dependendo da origem da matéria-prima.

No Brasil, a região Sul responde por cerca de 97% da produção nacional, enquanto o Mato Grosso do Sul apresenta uma participação, embora crescente, de apenas 3%.

O consumo brasileiro de erva-mate tem potencial na forma de chimarrão, chás e outros derivados, fundamentando-se basicamente na tradição, como no caso do chimarrão. A região Sul é a maior consumidora de chimarrão - cerca de 80% do consumo; parte da matéria vem da produção paranaense, em média 90%. O Paraná e o Rio Grande do Sul são os

6 - Preço médio da erva-mate em folha entre 1991 e 1998 - Seab/Deral-PR, 1998, 28 tradicionais consumidores dessa bebida; os 10% restantes são utilizados para produtos como chás, mate solúvel etc.7

No início da década de 1970, o Rio Grande do Sul era o principal produtor, com 50% da produção nacional, mas reduziu sua produção em 1989 para 25%. Nesse período o Paraná assumiu a liderança, participando com 37%, e Santa Catarina com 36% da produção nacional.8

A queda na produção ocorreu devido à exaustão dos ervais pela exploração contínua e ao avanço das áreas de lavouras sobre as matas nativas. Porém, paralelamente à demanda interna, a externa aumentou, o que incentivou os plantios comerciais de erva-mate. EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS DE ERVA-MATE

A análise de evolução das exportações brasileiras demonstra, nos três estados produtores do Sul, que desde 1980 grande parte das exportações brasileiras dê erva-mate destinava-se ao Uruguai. A partir de 1988, as exportações para outros países tiveram alguma importância. Hoje atingem os mercados da Síria e Alemanha, e conquistam também o Japão e os Estados Unidos.9

O principal mercado comprador da erva-mate brasileira são os países que fazem parte do Mercado Comum do Cone Sul (Mercosul). Em 1998, o Uruguai recebeu cerca de 85,26% das exportações brasileiras de mate (cancheado e beneficiado), sendo o maior importador; o Chile, 11,35%; e os demais países, 3,39%.10

O crescimento das exportações de mate, principalmente do beneficiado, mostra também a maior agregação da renda em nível nacional, que retoma em benefícios para a cadeia produtiva do mate. 7 - N. G. de A. Rucker, op. cit. 8 - D. M. Da Croce, op. cit.. 9 - N. G. de A. Rucker, op. cit. 10 - Secretaria do Comércio Exterior/Departamento do Comércio Exterior, 1998. 29 Resumo da evolução das exportações brasileiras da mercadoria mate (volume), período de 1992-1998 Mercadoria. 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998

Cancheado 10.018.875 10.009.191 8.645.640 6.573.920 3.008.260 2.075.000 2.376.378

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Beneficiado 10.597.535 15.137.797 16.821.469 19.556.327 23.379.835 23.114.532 23.056.432

Extrato Essência Concentrados*

0 150 1.135 39.472 +

137 12.634 799

Total 20.616.410 25.147.138 25.468.244 26.169.719 26.388.232 25.202.166 25.438.609

Fonte: Secex/Decex. Serpro-PR, 1999. *Por ser muito pequena a produção destes, as empresas nacionais importam o que precisam para consumo IMPORTAÇÕES BRASILEIRAS DE ERVA-MATE

A zona produtora de erva-mate está dividida entre Brasil, Argentina e Paraguai. No quadro abaixo observamos a produção de folha verde dos países produtores. Região produtora Produção (toneladas.de folha verde)

Brasil 675.000

Argentina 260.000

Paraguai 87.000

Total 1.022.000 Fonte: L. Beltrão et al., Prospecção de demandas... cit.

Segundo Rucker,11 a economia ervateira tem-se mantido ao longo dos anos dentro de um processo de relações comerciais bricoladas entre Brasil e Argentina. O comportamento da demanda pela matéria-prima erva-mate determinou e determina a alternância das importações/exportações entre esses dois países produtores e parceiros comerciais.

A Argentina, que no início do ciclo da erva-mate era importadora do produto, passou a ser exportadora devido a extensas áreas de plantio que aquele país passou a cultivar, não só pela incapacidade do Brasil em atender a demanda argentina mas também como forma de colonização da fronteira pelo governo argentino. Com esse impulso, a Argentina investiu na pesquisa básica de erva-mate e nas técnicas modernas de comercialização, não só com os parceiros do Mercosul como também em

11 - N. G. de A. Rucker, op. cit. 30 mercados, a exemplo da República Árabe da Síria. Portanto, o país está centrado na tecnologia, na técnica de marketing institucional e nas negociações com terceiros mercados.12 Hoje encontramos na Argentina um produto de baixo custo de produção, tomando-se um forte concorrente do Brasil.

O Paraguai é um pequeno exportador dentro da cadeia da erva-mate, mas oferece a qualidade de seus ervais nativos e a possibilidade de crescimento de ervais cultivados, tanto em área como em produtividade, para se tornar mais competitivo.

A erva-mate é importada em todas as formas: in natura, cancheada, beneficiada e como extratos. O produto mate importado pelo Brasil origina-se em sua maior parte da Argentina. A escala das importações da erva-mate no Brasil ocorreu e ocorre devido a dois fatores fundamentais:

� a agressividade do setor ervateiro argentino, impulsionada pela alta produção de suas plantações com preços extremamamente competitivos;

� a desorganização do setor ervateiro brasileiro, caracterizado por falta de informações precisas a

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respeito de sua oferta centrada num modelo extrativista. A oferta da erva-mate in natura no Brasil é estruturada basicamente pela situação econômica de seus produtores, que reagem unicamente ao diferencial preço. Apesar de o Brasil ser o maior produtor de erva-mate in natura, ainda não tem uma estrutura ervateira organizada e sólida que controle seu estoque de matéria-prima para manter sempre sua oferta em relação à procura do produto.

O produto argentino que entra no Brasil nem sempre o faz de maneira formal; isso impossibilita a identificação do mesmo e o caminho que faz dentro de nosso mercado. Essa falta de organização não permite qualificar o produto brasileiro, tradicionalmente o mais caro. A erva-mate argentina possui caracteristicamente um sabor mais amargo, o que dificulta sua comercialização nos mesmos níveis de preço que o produto brasileiro. Esse problema poderia ser resolvido facilmente identificando o produto e colocando no mercado consumidor os produtos devidamente identifica- 12 - Ibiden. 31 dos com seus respectivos diferenciais de preço; assim procedendo estaríamos premiando o consumidor e estabelecendo nichos de mercado.

Porém, preferimos "entrar" o produto sem identificá-lo, misturá-lo ao produto brasileiro e vendê-lo como erva-mate brasileira, prejudicando o consumidor, que está sendo lesado, e o próprio setor. Assim posto, não se pode acreditar que a importação de erva-mate argentina seja nosso maior inimigo no momento. Surgem algumas questões:

� falta de conhecimento da oferta real de erva-mate brasileira; � altos custos de produção e baixa produtividade típicos do modelo extrativista; � descaso do governo e suas instituições a um setor de importância social como poucos; � necessidade de amadurecimento do setor em suas relações comerciais.

CONCLUSÕES

Para os pequenos produtores, a erva-mate é uma atividade da propriedade agrícola que auxilia na renda para subsistência familiar e que, se promovidos esforços conjuntos, poderá trazer resultados não só econômicos como sociais, auxiliando:

� a fixação do homem na zona rural, com ocupação de mão-de-obra; � o crescimento econômico com geração de empregos desde a produção até a comercialização; � a melhoria do padrão de vida rural; � a implantação de sistemas agrossilviculturais (diversificação); � a recuperação de terras marginais degradadas que se prestem ao cultivo; � a expansão industrial; � a geração de riquezas e receita tanto para o produtor como para o estado.

Dentro desse contexto e na busca de alternativas que maximizem a rentabilidade e, ao mesmo

tempo, preservem e recuperem os recursos naturais, observamos a necessidade, sobre a cadeia produtiva da erva-mate, de:

� manejar os ervais nativos, mantendo ou incrementando a produti 32 vidade com melhoria em sua qualidade, para áreas economicamente viáveis;

� realizar adensamento de florestas com mudas de erva-mate originárias da região, de modo a aumentar a oferta e a qualidade da matéria-prima;

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� incentivar os produtores a fazer plantios diversificados com outras árvores, pois é uma cultura rentável e que, devido à não-utilização de agrotóxicos, se toma menos agressiva ao meio ambiente do que outras culturas, além de a diversificação tomar o plantio de múltiplo uso;

� determinar alternativas ecológicas para controle de pragas e doenças; � determinar os mercados de alcance do recurso erva-mate; � incentivar e investir em pesquisas de usos alternativos para ampliação do mercado e modernizar

o processo industrial com vistas à melhoria da qualidade do produto em suas diferentes formas de consumo;

� fiscalizar a importação da erva-mate (in natura e cancheada) da Argentina e evitar que ela seja misturada com a brasileira, de maneira indiscriminada, o que pode afetar a qualidade do produto nacional.

O valor das exportações do produto mate demonstra a possibilidade de avanço no sistema de relações comerciais com o Mercosul e a prioridade cada vez maior de adaptar-se às necessidades do mercado tanto nacional como internacional, no sentido de orientar a produção, a exploração, o beneficiamento e a comercialização da erva-mate em todas as suas formas. Um maior interesse em pesquisas visando aos usos alternativos para a erva-mate, demonstrando ser um produto ecológico, sem uso de agroquímicos, revertendo em menor agressão ao meio ambiente, e ainda um maior investimento nesse marketing dos produtos tendem a incrementar ainda mais esses valores. 33 FLUXOGRAMA DA CADEIA PRODUTIVA DA ERVA-MATE

34 EXPLORAÇÃO ECONÔMICA DE PLANTAS

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Ilio Montanari Junior INTRODUÇÃO

Nas duas últimas décadas houve uma acentuada revalorização mundo uso de plantas medicinais. Esse fenômeno pode ser explicado principalmente por três fatores:

a) a crescente aceitação do consumidor por medicamentos feitos a partir de plantas, por causa do sentimento, nem sempre justificado, de que tudo o que vem da natureza é mais seguro, saudável e ecologicamente correto do que os produtos sintéticos;

b) um renovado interesse da indústria farmacêutica na busca de compostos naturais que possuam atividade farmacológica, por causa de sua aceitação por parte dos usuários e também dos menores custos 35 envolvidos na pesquisa e no desenvolvimento de um novo produto obtido a partir de plantas;

c) as pesquisas científicas validando o uso de inúmeras plantas usadas popularmente e sendo incorporadas às farmacopéias de cada país, criando condições legais para que possam ser oficialmente transformadas era medicamentos por farmacêuticos e receitadas por médicos.

Acompanhando a revalorização mundial do uso de plantas medicinais no tratamento de inúmeras doenças, o consumo de fitoterápicos vem crescendo no Brasil à razão de 20% anuais (informação da firma Herbarium), e segundo o professor João Batista Calixto, da Universidade Federal de Santa Catarina (comunicação pessoal), acredita-se que represente 10% do mercado mundial, que é de quase US$14 bilhões anuais.1

Como conseqüência dessa revalorização, a pressão ecológica exercida sobre alguns desses recursos naturais tem sido grande nos últimos anos e a tendência é que esse quadro se agrave, pois a exploração comercial das plantas medicinais acena também como uma alternativa de renda para as populações que vivem em áreas de proteção ambiental. O apelo econômico dessas plantas aumenta os riscos de destruição do nicho ecológico de várias espécies, podendo levar à erosão genérica, colocando em perigo a sobrevivência de muitas plantas medicinais nativas. No caso da Mata Atlântica, isso já aconteceu com as espécies Psicotrya ipecacuanha (ipeca) e Ocotea odorifera (sassafrás), e vem acontecendo com as espécies Maytenus ilicifolia (espinheira-santa) e Pfaffia paniculata (ginseng brasileiro).

Quando se fala em exploração de plantas medicinais da Mata Atlântica, geralmente se busca conciliar um objetivo social (como alternativa econômica para seus habitantes), um objetivo ecológico (que ajude na preservação do ecossistema) e um objetivo medicinal (que traga saúde para as pessoas que se utilizam dessas plantas). Assim, a intenção deste capítulo é divulgar dados sociais, ecológicos e técnicos levantados no âmbito do projeto Inventário dos Recursos Florestais da Mata Atlântica, e fornecer subsídios que ajudem a elaborar planos de ação para a Mata Atlântica, para que a possibilidade de exploração econômica das suas 1 - J. Gruenwald, "La situación de mercado de los productos derivados de las plantas medicinales en Europa", em Prensa Aromática, n" 13, Buenos Aíres,1988, p, 11. 36 plantas medicinais tome-se de fato uma alternativa viável e duradoura, contribuindo para a melhoria de vida das comunidades locais e para a preservação do ecossistema. METODOLOGIA

O presente capítulo pretende analisar o comércio de plantas medicinais que serão usadas para a

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fabricação de medicamentos. O uso de plantas medicinais dentro de um contexto cultural não será abordado aqui.

Devido à extensão da Mata Atlântica, ao grande número de espécies medicinais e à variedade de ecossistemas presentes nessa biosfera, realizar um inventário dos seus recursos florestais usados para fins medicinais é tarefa que só pôde ser feita tomando-se uma amostra desses recursos. Esse potencial e tão grande que Born2 recolheu informações sobre o uso medicinal de 710 espécies utilizadas pela população da Estação Ecológica de Juréia-Itatins, para fazer cerca de 1.200 remédios/tratamentos que servem para curar, prevenir ou aliviar cerca de 147 doenças e sintomas diferentes; dessas espécies, 60% são nativas. Isso apenas em Juréia-Itatins, uma área de 80 mil hectares!

Mesmo cientes de que, ao eleger alguns de seus representantes para analisar e tentar extrapolar as conclusões para tantas espécies (as conhecidas e as que ainda estão por ser), situações ecológicas, sociais e tecnológicas tão diferentes, por melhor que sejam os critérios dessa escolha, corremos o risco de sub-representarmos o potencial exploratório das espécies medicinais, na tentativa de abordarmos os aspectos sociais, ecológicos, econômicos e técnicos, foram selecionadas quatro espécies como estudo de caso.

Os critérios utilizados para a escolha das espécies incluíram: a) espécies que representassem diversos tipos de habitat (capoeira, mata, várzeas, áreas

agrícolas etc); b) a disponibilidade de informações científicas (botânicas, etnofarmacológicas, ecológicas,

químicas, toxicológicas, farmacológicas); c) sua fenologia (tipo de reprodução, ciclo de vida e hábito de crescimento);

2 - C. C. G. Bom, Plantas medicinais: conservação e desenvolvimento na Mata Atlântica (São Paulo; Vitae Civilis, 1998). 37

d) a baixa necessidade de investimentos para sua produção (infraestrutura e tecnologia); e) seu valor comercial atual e a tendência do mercado.

Com base nesses critérios, as espécies escolhidas foram: Maytenus ilicifolia (espinheira-santa),

Pfaffia paniculata (pfáfia, fáfia ou ginseng brasileiro), Baccharis trimera (carqueja) e Echinodorus grandiflorus (chapéu-de-couro).

A coleta dessas informações e dos dados presentes neste capítulo foi feita por pesquisa bibliográfica e entrevistas com produtores e em firmas que comercializam plantas medicinais. Para o trabalho de campo foi escolhida a região da cidade de Registro, no Vale do Ribeira, por reunir algumas características: trata-se do maior remanescente em área contínua de Mata Atlântica; o comércio de grande parte das drogas vegetais provenientes do extrativismo é feito com plantas coletadas nessa região; e se trata de uma região onde os produtores (extratores e agricultores) são muito atuantes e politicamente organizados, possuindo até uma associação.

O quadro a seguir resume as características de cada espécie Maytenus ilicifolia Baccharis trimera Echinodorus

grandiflorus Pfaffia paniculata

Hábitat Mata/capoeira Áreas agrícolas/ áreas degradadas

Áreas alagadas/ várzeas

Mata/capoeira, áreas agrícolas

Disponibilidade de informações

Boa Boa Pequena Média

Fenologia Arbusto ou árvore pequena, propagação sexuada

Arbustiva, perene, propagação principalmente sexuada

Herbácea, perene, propagação sexuada e vegetativa

Escandente, perene, propagação sexuada e vegetativa

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Valor comercial (pago ao produtor, em R$)

0,60-6,00 0,50-2,50 0,80-6,00 3,00-15,00

Perspectiva de tornar-se de uso oficial a curto prazo

Alta Alta Média Média

Demanda do mercado Crescente Crescente Crescente Crescente 38 SITUAÇÃO ENCONTRADA NO VALE DO RIBEIRA

A região do Vale do Ribeira possui áreas com diversos graus de intervenção humana; assim, existem desde áreas praticamente intocadas, e que estão sob proteção ambiental, até áreas de agricultura intensiva, com sua flora original já completamente descaracterizada.

Cada povoado possui seu próprio repertório de plantas medicinais, e conhece as espécies por nomes populares que podem variar entre as comunidades locais. Também os usos e a maneira de preparação dos remédios podem variar de comunidade para comunidade. A confusão gerada pelos nomes populares é agravada pelo fato de muitos extratores serem imigrantes e conhecerem outras espécies com o mesmo nome popular local. Em Registro existe uma associação de produtores de plantas medicinais, a Associação dos Extratores e Produtores de Plantas Aromáticas e Medicinais do Vale do Ribeira (Aeppam), fundada em 1993, que reúne dezessete extratores/agricultores. Seus associados são produtores rurais que possuem cultivos tradicionais, como banana, mandioca, milho, e criações, e que vislumbram na exploração das plantas medicinais, provenientes de extrativismo, manejo ou cultivo, uma nova fonte de renda. Esses extratores são geralmente pessoas conscientes da questão ambiental, graças à fiscalização atuante de órgãos como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Departamento Estadual de Proteção aos Recursos Naturais (DEPRN), e ao trabalho de educação ambiental que a organização não-governamental Vitae Civilis vem realizando na região. Contudo, falta aos extratores um melhor entendimento do trabalho com plantas medicinais: em que parte da cadeia produtiva eles se inserem, qual a complexidade dessa cadeia, suas implicações legais e ecológicas, seu mercado e conhecimentos técnicos para que possam produzir com eficiência e qualidade.

As espécies que existem na região do Vale do Ribeira, e que o mercado atacadista de São Paulo requer regularmente são: Nome popular Nome científico Almécega Protium sp. Angico Piptadenia spp. Arnica Solidago sp., Porophyllum sp. Aroeirinha Schinus sp. Artemísia Artemisia vulgaris Caapeba Piper spp. Cana-do-brejo Costus sp. Caquera Senna multijuga Carobinha Jacaranda sp. Carqueja Baccharis spp. Cavalinha Equisetum sp.

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Cipó prata não identificado Chapéu-de-couro Echynodorus grandiflorus Cipó-mil-homens Smilax spp. Cipó-camarão Davilla sp. Congonha-de-bugre Cupania sp. Embaúba Cecropia spp. Erva-baleeira Cordia curassavica Espinheira-santa Maytenus sp., Sorocea bonplandii, Pachystroma iliscifolium, Zollernia sp. Fáfia Pfaffia spp. Feto não identificado Goiabeira Psidium sp. Guaçatonga Casearea silvestris Guaco Mikania glomerata, M. laevigafa Ipê Tabebuia spp. Jaborandi Piper spp. Jambolão Syzygium jambolanum Pariparoba Potomorphe sp. Pata-de-vaca Bauhinia forficata Pedra-ume não identificado Picão Bidens spp. Sete-sangrias Cuphea spp. Tanchagem Plantago spp.

As espécies e gêneros mostrados acima vêm sendo coletados dentro de um sistema extrativista. A produção encontra colocação principalmente em São Paulo, onde é comprada por firmas atacadistas, farmácias, laboratórios ou por empresas estrangeiras (americanas, alemãs e japonesas, principalmente).

Existe também a prática da bioprospecção,3 em que a compra é feita diretamente dos extratores pelos laboratórios. O preço pago por essas drogas 3 - Bioprospecção é o nome que se dá à prática de procurar na natureza espécies ou variedades de plantas, animais ou microrganismos com o objetivo de estudá-las para, no futuro, explorá-las economicamente. 40 vegetais, no entanto, não deve ser confundido com o valor de mercado. Nesse tipo de transação comercial compra-se por encomenda uma pequena quantidade, de poucos gramas a alguns quilogramas, esporadicamente, às vezes uma única vez, e paga-se muito. Isso porque nessa transação o mais caro é o conhecimento que o extrator tem das espécies da mata. Raízes de tiririca (Cyperus spp.) podem ser vendidas a R$ 75,00/kg e guanandi (nome científico não identificado) a R$ 50,00/100 g, não por tais plantas possuírem de fato tal valor de mercado, mesmo porque elas nem têm mercado estabelecido, mas por existir uma oportunidade de negócio e seus compradores estarem pagando pela

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segurança de que a espécie encomendada será de fato a espécie entregue e estará dentro do padrão desejado. ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DO MERCADO DE PLANTAS MEDICINAIS BRASILEIRAS

Existe uma crescente procura nos mercados interno e externo por plantas brasileiras, porém os produtores não têm conseguido oferecer plantas com o padrão e na quantidade e constância que o mercado exige. Os extratores conhecem as plantas apenas pelo seu nome popular e, como ele varia de região para região, muitas drogas vegetais são erroneamente obtidas a partir de espécies distintas de plantas. Um exemplo disso é o que ocorre com a espinheira-santa. Com esse nome popular podem ser encontradas muitas espécies, mas aquelas que possuem estudos toxicológicos e clínicos ainda não concluídos são apenas duas: Maytenus ilicifolia e Maytenus aquifolium. No entanto, outras espécies de Maytenus — inclusive plantas de outros gêneros botânicos como Zollernia sp., Pachystroma iliscifolium e Sorocea bonplandii - vêm sendo comercializadas sob o nome de espinheira-santa.

É comum o produtor de ervas envolver-se em vários tipos de negócios. Ele cultiva, extrai da mata, compra e revende para atacadistas e às vezes ele mesmo se encarrega da distribuição. Apenas alguns atacadistas/distribuidores envolvem-se com a produção de plantas propriamente dita. A maioria as compra em maiores quantidades dos produtores e as processa, revende e/ou distribui. Entretanto, parece ser uma tendência atual as firmas atacadistas e os laboratórios envolverem-se com a produção ou estarem muito próximos ao agricultor ou extrator, às vezes financiando-o. 41

Essa tendência é uma tentativa de as empresas garantirem o fornecimento e o padrão da matéria-prima com a qual trabalham.

Figura 1 – Visão esquematizada das relações comerciais entre os vários profissionais que trabalham com plantas medicinais

No fluxograma acima podemos notar que uma droga vegetal pode ir diretamente do extrator para o consumidor final, ou chega a ser revendida até cinco vezes antes de alcançá-lo. O preço final de um produto que chega ao consumidor varia conforme o número de agentes pelos quais ele passa e pelo modo como o produto e apresentado. Por isso, por exemplo, a carqueja, cujo preço médio por quilo

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pago ao produtor em 1999 situa-se em torno de R$ 1,00, pode chegar ao consumidor final por R$ 10,00/50 g em lojas de produtos naturais.

O controle de qualidade exercido pela maioria das empresas brasileiras que trabalham com plantas medicinais ainda considera como critérios que 'compõem a qualidade apenas as características organolépticas4 e de

4 - Organolépticas: diz-se das propriedades dos corpos ou substâncias que impressionam os sentidos. 42 pureza das drogas vegetais que comercializa, como intensidade da cor e do aroma, grau de fragmentação e porcentagem de material estranho. Os critérios de avaliação da qualidade de uma droga vegetal, porém, são muito mais amplos e incluem, além dos itens acima, a identificação taxonômica, a identificação macro e microscópica, o percentual de cinzas, de cinzas insolúveis em ácido clorídrico, de umidade, o nível de contaminação microbiológica, de metais pesados e a análise qualitativa e quantitativa dos princípios ativos e/ou marcadores, quando conhecidos (Brasil, 2000). Esses critérios acabarão por estipular o valor financeiro de uma droga vegetal quando o mercado estiver regulamentado, pois a qualidade faz o preço variar. Quanto melhor a qualidade, maior o seu valor. Qualidade da matéria-prima

Considerando-se que a qualidade de uma matéria-prima é dada pelo conjunto de critérios que a caracteriza para o uso ao qual se destina, a qualidade da matéria-prima vegetal é a determinante inicial da qualidade de um fitoterápico.5

A qualidade de uma droga vegetal é influenciada por quatro fatores: genético (características herdáveis); ontogenésico (estágio de desenvolvimento da planta); ambiental (tipo de solo, clima, ataque de pragas etc); pós-colheita (secagem e armazenamento, principalmente).

Desses quatro fatores, o genético deve ter atenção especial porque a quase totalidade dos princípios ativos das plantas são produzidos pelo metabolismo secundário, que por sua vez é regido pelo seu código genético. A exploração de populações selvagens, na maioria dos casos com ampla variabilidade genética, não pode resultar em matéria-prima padronizada, uma vez que o código genético dos indivíduos é variável. Indivíduos geneticamente diferentes produzirão, ainda que sob as mesmas condições ambientais, ontogenésicas e de pós-colheita, diferentes teores de princípios ativos, como demonstraram Delabays, Magalhães e Büter.6

5 - M. R. Ferias; "Avaliação da qualidade de matérias-primas vegetais", em C, M. O. Simões et al. (orgs.), Farmacognosia, da planta ao medicamento (Porto Alegre/Florianópolis: Editora da UFRGS/ Editora da UFSC, 1999), p. 197. 6 - N. Delabays, "Notes sur la stratégie de domestication d'une plante sauvage utilisée pour ses métabólités secondaires", em Revue Suisse Agric., 24 (2), Le Mont-sur-Lausanne, Bron-Marendaz, 1952, pp. 93-98; P. M, Magalhães et al., "New Hybrid Lines of the Antimalarial Species Artemisia annua L. Guarautee its Growth in Brazil", em Ciência e Cultura, 49 (5-6)., São Pado, 1997; 43 LEGISLAÇÃO PERTINENTE À UTILIZAÇÃO DE PLANTAS MEDICINAIS Da sua exploração na Mata Atlântica

O Decreto n° 750, de 10-2-1993, em seu artigo 2° diz que a explotação seletiva de determinadas espécies nativas nas áreas cobertas por vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica poderá ser efetuada desde que observados os seguintes requisitos:

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a) não promova a supressão de espécies distintas das autorizadas; b) devem ser elaborados projetos fundamentados em estudos técnico-científicos prévios de

estoques e de garantia de capacidade de manutenção da espécie; c) estabelecimento de área e de retiradas máximas anuais; d) prévia autorização de órgão estadual competente.

Com relação a dispositivos específicos, o Departamento Estadual de Proteção de Recursos

Naturais, na Portaria DEPRN-52, de 28-12-1998, lista sete gêneros (sem definir a espécie), 37 espécies (inclusive as quatro analisadas no estudo de caso que gerou este artigo), além de cipós em geral, samambaias, avencas e xaxins que são passíveis de licenciamento ambiental e podem ser exploradas mediante o atendimento dos seguintes requisitos:

a) inscrição em cadastro de extrator de produtos florestais múltiplos; b) aprovação de plano de manejo pelo órgão licenciador (DEPRN). A exploração de outras espécies que não constam nessa portaria, mas cuja demanda for

caracterizada, também poderá ser objeto de licença ambiental emitida pelo DEPRN nos termos da citada portaria. E interessante notar três pontos nessa portaria:

a) o nome atual da erva-baleeira é Cordia curassavica. Quanto à salsaparrilha, as espécies que ocorrem na Mata Atlântica do esta do de São Paulo pertencem ao gênero Smilax e não Herreria;

b) muitas espécies são designadas apenas pelo gênero (chá-de-bugre, capitiu, cavalinha etc); B Büter et al., "Significance of Genetic and Environmental Aspects in the Field Cultivation of Hypericum perforatum", em Planta Medica, n° 64, Nova York, Georg Thieme Verlag Stuttgart-Nova York, 1995, pp. 431-437. 44 sob o mesmo nome popular são comercializadas indistintamente várias espécies do mesmo gênero e não apenas uma espécie, como essa portaria descreve. Esse é o caso do guaco, da pfaffia, do chapéu-de-couro e da pariparoba, para citar algumas. Da normalização de fitoterápicos

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária, em Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n° 17, de 24-2-2000, afirma que medicamento fitoterápico, é medicamento farmacêutico e, portanto, são necessários estudos de segurança (testes toxicológicos), eficácia (testes farmacológicos) e qualidade, fixando um prazo de cinco anos para que se concluam os estudos de segurança e de mais cinco anos para a conclusão dos estudos de eficácia para poderem ser registrados definitivamente no Sistema Na-cional de Vigilância Sanitária.7 Sem esse registro um medicamento não pode ser comercializado.

Deve ser notado que a exploração dos recursos naturais possui uma legislação ambiental específica, porém, no caso das plantas medicinais, o emprego que se fará dos recursos naturais explorados da Mata Atlântica tem implicações na saúde pública e, portanto, seu uso é regulamentado pelas autoridades sanitárias. Apesar de a Resolução-RDC n- 17 ainda ser questionada, principalmente por parte dos laboratórios farmacêuticos, que não querem arcar com os custos dos estudos toxicológicos e farmacológicos necessários ao registro de um fitoterápico, a tendência brasileira é que seu uso seja normatizado, acompanhando a tendência mundial. Esse ponto é muito importante e deve ser considerado, pois em última análise é essa regulamentação que determina o potencial de mercado que uma espécie possui. Assim, a médio prazo, na atual tendência, o uso de plantas medicinais como matéria-prima para a fabricação de medicamentos só se firmará legalmente se forem conhecidos e puderem ser reproduzidos na matéria-prima, em doses quantificáveis, os fatores que promovem a cura de uma enfermidade. Embora essa resolução não diga respeito aos produtores de plantas medicinais,

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7 - Brasil, Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n° 17, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, 24 de fevereiro de 2000. 45 sua conseqüência é que o mercado será cada vez mais exigente quanto à qualidade da matéria-prima e também quanto à regularidade do seu fornecimento nas quantidades desejadas. PROPOSTAS DE AÇÕES PARA POSSIBILITAR O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DOS RECURSOS FLORESTAIS

A seguir são apresentadas cinco propostas de estudos, cada uma com . desdobramentos que dependerão da espécie em foco, e quatro propostas práticas. Acreditamos que a aplicação dessas propostas ajudará a combater problemas que já estão ocorrendo, além de fornecer conhecimentos indispensáveis à preservação do1 ecossistema e ao processo de domesticação de uma espécie. Propostas de estudos

a) Determinação da biologia de reprodução. Esta é uma informação fundamental, pois pode indicar as estratégias mais adequadas para, ao ser explorada, evitar-se a erosão genética da espécie manejada.

b) Estudo de possíveis polinizadores, dispersores de sementes e predadores. Este estudo é necessário para melhor estabelecer as interações ecológicas da espécie na mata.

c) Determinação da estrutura genética das populações. Esta determinação deve ser feita para que se possa acompanhar a evolução das espécies sob o sistema de manejo, se ele vier a ser adotado. O sistema de manejo será considerado adequado quando puder sustentar-se economicamente, sem provocar estreitamento genético das populações manejadas ou agredir espécies do mesmo ecossistema.

d) Estudos de técnicas de colheita em função das características fenológicas das espécies a serem manejadas. Para que se possa explorar uma espécie, é preciso conhecer sua fenologia e realizar estudos que determinem a época, a quantidade, a freqüência e a maneira com que a colheita pode ser praticada.

e) Análise química em amostras de produtos extraídos da mata. O resultado dessa análise é importante para que se possa inferir quais e em 46 que quantidade os nutrientes estão sendo exportados para fora do ecossistema manejado. Propostas práticas

a) Formação de recursos humanos. É importante que as pessoas que produzem plantas medicinais para a comercialização, por cultivo, manejo ou extrativismo, tenham conhecimento técnico do que estão fazendo e saibam qual a importância do seu trabalho. A criação de RH pode ser conseguida realizando-se cursos, encontros, reuniões técnicas, workshops e boletins técnicos sobre o tema.

b) Criação de associações. Muitos investimentos em infra-estrutura - como transporte, viveiros e secadores - podem ser de uso comum, o que reduziria os custos, e poderiam ser adquiridos por associações ou cooperativas.

c) Assistência técnica. A visita regular de extensionistas é fundamental para a divulgação de tecnologias.

d) Disponibilização de informações. Órgãos como Ibama e DEPRN contribuiriam muito para o entendimento da situação das florestas se disponibilizassem algumas informações, como número de multas aplicadas ou apreensões realizadas. A divulgação das pesquisas realizadas por ONGs e

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instituições de pesquisa também deveria ser facilitada porque, ao contrário do que supõem seus realizadores, essa é uma forma de impedir que alguém reivindique para si o que é de conhecimento popular, pois apenas o que é novo, resulte de atividade inventiva e tenha aplicação industrial pode ser patenteado, mas nunca um uso popular ou uma espécie vegetal (Lei da Propriedade Industrial, 1996; Lei de Proteção de Cultivares, 1997). A publicação é uma maneira inequívoca de comprovar a origem do conhecimento e assim evitar que outros, posteriormente, aleguem ser os criadores. PERSPECTIVAS

Dos três objetivos citados no início deste capítulo (social, ecológico e medicinal), o curar de maneira eficaz e segura, ou seja, trazer saúda, é em última análise a razão de ser de qualquer trabalho com plantas medicinais. 47

Supondo que algumas das espécies usadas para fins medicinais cumpram as etapas estabelecidas em lei (estudos biológicos, estudos químicos, estudos farmacológicos e estudos clínicos) e tomem-se matéria-prima para a fabricação de fitoterápicos, a principal maneira para se obter, num futuro próximo, matéria-prima de acordo com as exigências de mercado deverá ser o cultivo. Esse cultivo é aqui entendido como o manejo de populações aparentadas, ou seja, geneticamente próximas, podendo ser feito em qualquer ambiente, desde áreas abertas até dentro de uma mata.

O cultivo tende a se tornar necessário por duas razões: a primeira é que a mata pode não conseguir suprir a demanda por matéria-prima à medida que essas espécies forem atingindo maior importância econômica. A segunda é que as empresas de transformação, para poderem se planejar administrativamente, precisarão saber com que quantidade, regularidade e padrão poderão contar com a matéria-prima que irão processar.8 Pelo manejo nem sempre se pode conseguir a matéria-prima nas especificações que o comprador deseja, pois os fatores genéticos, ontogenésicos e ambientais dificultam sua padronização, além de responderem aos quesitos quantidade e regularidade de maneira menos previsível e elástica do que sob condições de cultivo. O caminho da domesticação, em maior ou menor grau conforme a importância econômica e social da espécie em questão, foi percorrido por todas as plantas medicinais ditas clássicas e continua a ser percorrido por inúmeras espécies exóticas. Podem ser tomados como exemplos recentes: Arnica montaria,9 Hypericum perforatum,10 Artemisia annua11 e Echinacea purpurea.12 Mesmo as nossas plantas nativas confirmam essa tendência: Psicotrya ipecacuanha, devido ao extrativismo, praticamente desapareceu da Mata Atlântica, mas foi domesticada por ingleses na índia e hoje é produto de exportação daque 8 - C. Franz, "Seleccion and Breeding Fundamentals of Medicinal Plant Quality", em Acies du Colloque Mediplant (Suíça: Conthey, 1990). 9 - A. Weyel, "Verbesserung der Domestikationseigenschaften von Wildpopulationen und Selektierten Genotypen von Amica montaria L", em Inaugural-Dissertation zur Erlangung des Doktorgrades (Giessen: Justus-Liebig-Universitaet Giessen, 1989); N. Delabays, op, cit. 10 - C. Franz, "Zuechtunsforschung und Zuechtung an Arznei — und Gewuerzpflanzen", em Arznei - und Gewuerzpflanzen, 1 (30-38), Stuttgart, Hippokrates, 1996. 11 - P. M. Magalhães et.al., op. cit. 12 - C. Franz, "Zuechtunsforschung...", cit. 48 le país:13 Recentemente a indústria farmacêutica Merck também domesticou a espécie Pilocarpus microphyllus e hoje a produção do fitofármaco pilocarpina vem principalmente de seus campos de cultivo.14 Ainda como exemplos de espécies brasileiras que estão sendo domesticadas e já são cultivadas em pequenas áreas podem ser citadas a Maytenus ilicifolia, Pfaffia paniculata, Pfaffia

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glomerata, Baccharis trimera, Cordia curassavica, Mikania glomerata, e M. laevigata. Por essas razões, a domesticação de espécies medicinais parece ser a maneira adequada para

conciliar as questões ecológicas sociais e de saúde, pois esta é uma forma de aliviar a pressão exercida na mata por interesses financeiros,15 ao mesmo tempo que oferece uma alternativa econômica viável e duradoura para as pessoas que habitam essas regiões e já possuem áreas de cultivo (ver situação encontrada no Vale do Ribeira). Além disso, o cultivo é um modo eficiente de produzir matéria-prima para a fabricação de medicamentos seguros e eficazes e que possam ser usados por um grande número de pessoas.16

No entanto, é preciso considerar que o sistema de manejo pode também ser um sistema de produção adequado em algumas situações especiais:

a) no caso de matérias-primas obtidas de árvores, cujo longo ciclo de desenvolvimento desestimula o cultivo, como o óleo do sassafrás (Ocotea odorifera), da resina da almécega (Protium sp.) e da casca do ipê (Tabebuia spp.) por exemplo;

b) quando uma espécie aparece espontaneamente cm altas densidades populacionais, como o chapéu-de-couro (Echinodorus granaiflorus), que ocorre em algumas várzeas numa densidade tão alta que se tem a impressão de se tratar de uma monocultura. Essa situação também é comum para outras espécies, como a macela 13 - L. O. Oliveiras & F. R. Martins, O desafio das plantas medicinais brasileiras (Campes dos Goitacases: Universidade Estadual do Norte Fluminense, 1998), p. 41. 14 - C. U. B. Pinheiro, "Jaborandi pilocarpus sp, (Rutaceae): a Wild Species and its Rapid Transformation into a Crop", em Economic Botany, 51 (1), Nova York, The New York Botanical Garden, 1997, pp. 49-58 15 - WHO/IUCN/WWF, "Chiang Mai Déclaration: Saving Lives by Saving Plants", em International Consulation on Conservation of Medicinal Plants (Chiang Mai: s/ed., 1988). 16 - C. Franz, "Wege, Ziele und Ergebnisse der Arzneipflanzenzuechtung", em Zeitschrift fuer Phytoherapie, n° 7, Stuttgart, Hippokrates, 1986, pp. 48-54; N. Delabays, op. cit, G. A. P., Guidelines for Good Agricultural Practice (G.A.P.) of Medicinal and Aromatic Plants, 1998. 49 (Achyrocline spp.) e a carqueja (Baccharis spp.), que podem ocorrer em altas densidades em extensas áreas;

c) quando a espécie explorada possuir outros usos além do medicinal, pois os produtos derivados não estarão sujeitos à legislação da vigilância sanitária. São exemplos o ginseng brasileiro (Pfaffia paniculata), que pode ser comercializado como complemento alimentar; o chapéu-de-couro (Echinodorus grandiflorus), que entra na composição de refrigerantes; o capitiu (Renealmia sp.), usado como condimento sucedâneo ao cardamono (Elletaria cardamomum); a carqueja (Baccharis trimera), comercializada como composto emagrecedor; e diversas piperáceas por causa dos seus óleos essenciais;

d) enquanto a demanda por matéria-prima puder ser satisfeita, tanto em quantidade como em qualidade. A medida que a demanda por uma; espécie cresce sua importância econômica também cresce, sendo que essa demanda está estreitamente relacionada com os resultados dos estudos científicos. Por sua vez, à medida que esses estudos progridem, os critérios de qualidade tornam-se mais exigentes, inclusive quanto à análise quantitativa e qualitativa de princípios ativos. Por causa das razões apresentadas acima a tendência no tempo para a exploração dos reçursos pode ser representada pelo fluxograma abaixo:

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Figura 2 – Tendência no tempo para exploração de recursos 50 CONCLUSÕES

a) O atual uso da maioria quase absoluta das espécies tidas como medicinais dificilmente justificaria preocupações ambientais. A grande maioria das espécies tem uso medicinal restrito, podendo esse uso ser considerado um traço cultural das comunidades que habitam a Mata Atlântica. E improvável que esse tipo de recurso natural, utilizado esporadicamente por poucas pessoas, possa trazer problemas ambientais. Entretanto, algumas espécies, apesar de ainda não serem oficialmente reconhecidas como plantas medicinais, já possuem valor comercial significativo e por isso vêm sendo explora das de maneira muito mais intensiva, como a caquera (Senna multijuga), o chapéu-de-couro (Echinodorus grandiflorus), a espinheira-santa (Maytenus ilicifolia), o ginseng brasileiro (Pfaffia paniculata) e o ipê-roxo (Tabebuia avellandae), para citar exemplos, o que justifica que para espécies comerciais sejam elaborados planos de manejo ou projetos de cultivo.

b) As estratégias preservacionistas para as espécies medicinais da Mata Atlântica devem ser adotadas caso a caso, para que possam se adequar às diferentes características biológicas e evoluir segundo o nível de pressão ecológica de que cada espécie é alvo em determinado momento. A intensidade da pressão ecológica exercida na mata no momento da colheita está diretamente relacionada a fatores como parte utilizada da planta, estágio fenológico, tipo de reprodução, habitat de ocorrência e também ao significado econômico que a espécie explorada possui em determinado momento, pois ele - o significado econômico - pode variar à medida que o conhecimento científico sobre a espécie vai sendo aprofundado e. também por outras características de mercado. No entanto, apesar de o interesse comercial pelas espécies medicinais poder ser visto como um fator de pressão ambiental preocupante, ao mesmo tempo ele fornece os argumentos para justificar e assim garantir os recursos financeiros que os estudos biológicos e científicos em geral demandam.

c) O mercado tem dificuldade em se expandir por falta de matéria-prima de boa qualidade. Apesar da crescente procura nos merca 51 dos interno e externo por plantas brasileiras, devido à falta de informações técnicas para os extratores, manejadores agricultores, a matéria-prima não tem conseguido chegar ao mercado com o padrão, na quantidade e regularidade com que ele a demanda. A questão da falta de qualidade da matéria-prima foi repetidamente tocada pelos comerciantes de ervas, laboratórios e farmácias de manipulação. São várias as razões para essas queixas, sendo as mais recorrentes: falsificação, alta contaminação micróbiológica, alta porcentagem de material estranho, uso de embalagens inadequadas, secagem inadequada e falta de padronização.

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d) O desenvolvimento de um fitoterápico, ou seja, de um medicamento farmacêutico obtido por processos tecnologicamente adequados, empregando-se exclusivamente matérias-primas vegetais,17 precisa ser visto como o desenvolvimento de um pacote tecnológico. Para se conseguir chegar ao final desse processo, ele precisa ser trabalhado de forma interdisciplinar, envolvendo principalmente profissionais das áreas química, farmacêutica, médica, biológica e agrícola. São os profissionais dessas áreas os responsáveis por garantir desde a produção da matéria-prima até o seu uso correto, trabalhando conjuntamente para que medicamentos produzidos a partir de plantas possam ser usados com eficácia e, se possível, sem riscos. Assim, para que uma planta possa ser comercializada na forma de um medicamento, cumprindo os requisitos exigidos por nossa legislação, ela deve perfazer as seguintes etapas, segundo Ferreira18 e Di Stasi:19 a) estudos biológicos; b) estudos químicos; c) estudos pré-clínicos d) estudos clínicos; e) registro; e f) mercado. e) A quase totalidade das nossas plantas medicinais, para ser oficialmente validada e poder ser comercializada como fitoterápico, ainda tem um longo caminho a percorrer. Estima-se que apenas 8% da 17 - l, Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n° 17, Agencia Nacional de Vigilância Sanitária, 24 de fevereiro de 2000. 18 - Ferreira, "A pesquisa de medicamentos a partir de plantas; estratégias para desenvolver a produção de medicamentos a partir de plantas medicinais", em' S. H. Ferreira et al (orgs), Medicamentos a Partir de Plantas Medicinais no Brasil, n° 77 (Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Ciências, 1998), pp. 31-37, 19 - Di Stasi, "A multidimensionalidade das pesquisas com plantas medicinais", em L. C. Di Scasi et al, (orgs.). Plantas medicinais: arte e ciência. Um guia de estudo multidisciplinar (São Paulo: Unesp, 1996), pp. 29-35. 52 flora brasileira foi estudada em busca de compostos bioativos,20 O emprego que se fará das plantas exploradas da Mata Atlântica, pelo fato de possuir uma legislação específica e ser regulamentado pelas autoridades sanitárias, deve ser considerado um ponto muito importante quando se avalia a possibilidade de êxito na exploração comercial de uma espécie medicinal, pois é essa regulamentação que determina o potencial de mercado que a espécie possui, ou possuirá, como matéria-prima para a produção de um fitoterápico.

f) A medida que as leis que regulamentam a fabricação de fitoterápicos forem observadas, podem vir a ser conflitantes os objetivos de preservação da diversidade genética intra-específica e a exploração direta dos recursos da Mata Atlântica para a fabricação de medicamentos. A variabilidade genética existente em populações naturais é um dos motivos que impedem a obtenção de matéria-prima padronizada, característica esta muito importante para a fabricação de medicamentos. O fato de populações selvagens possuírem geralmente uma ampla variabilidade genética dificulta a padronização da matéria-prima e pode não conseguir satisfazer nem as exigências legais, nem as de mercado. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os brasileiros são donos da biodiversidade brasileira, mas para que ela possa ser economicamente explorada existe uma imensidão de trabalho a ser feito, cuja realização demanda tempo e dinheiro. Estamos numa corrida científica e comercial internacional e esse trabalho não pode ser abraçado todo de uma só vez pelos pesquisadores brasileiros dada a sua complexidade e o número de espécies a pesquisar. Mas o Brasil pode avançar nesse processo dirigindo sua capacidade de pesquisa para etapas estratégicas, verdadeiros gargalos tecnológicos, de maneira que todas as etapas subseqüentes tenham que passar por eles e assim garantir para o país os benefícios financeiros advindos do uso das nossas plantas medicinais. Por exemplo, pode-se fazer isso com relativamente poucos investimentos e

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20 - Nodari e M. R Guerra, "Biodiversidade: aspectos biológicos, geográficos, legais e éticos", em C. M. O. Simões et al. (orgs.), Farmacognosia, da planta ao medicamento (Editora da UFRGS/ Editora da UFSC, 1999), p. 12. 53 em pouco tempo, registrando-se os usos populares, identificando-se moléculas novas produzidas por determinada espécie, registrando-se os resultados terapêuticos de ensaios pré-clínicos, desenvolvendo-se tecnologias de processamento da matéria-prima vegetal ou criando-se e registrando-se variedades de plantas medicinais nativas.

E também importante não perder a perspectiva de que o objetivo maior de qualquer trabalho de pesquisa com plantas medicinais é o de levar saúde às pessoas. A grande discussão de como fazer isso deve, portanto, ser conduzida e motivada mais por motivos filantrópicos que por econômicos. 54 O CAJUEIRO: EXPLORAÇÃO, PERSPECTIVAS E POTENCIALIDADES José Jaime Vasconcelos Cavalcanti CONTEXTO

A cajucultura nacional representa uma atividade de expressiva importância socioeconômica. Até a década de 1950, estruturou-se em torno da exploração extrativista com pouca, ou nenhuma organização dos produtores. A partir da década de 1960, ocorreu uma considerável expansão dos setores agrícola e industrial no Nordeste brasileiro em decorrência de incentivos fiscais e subsídios, oferecidos a produtores e industriais do setor.1 Entretanto, essa cultura caracteriza-se principalmente pelo baixo ní- 1 - L A. de S. A. Leite, A agroindústria do caju no Brasil: políticas públicas e transformações econômicas (Fortaleza: Embrapa/CNPAT 1994). 55 vel tecnológico, com manejo deficiente ou mesmo ausente nos pomares, e plantio por sementes de baixo potencial genético. Como resultado desse modelo de exploração, observa-se um decréscimo acentuado da produtividade ao longo dos últimos anos. Nem mesmo os incentivos fiscais e subsídios foram capazes de reverter esse quadro, sendo o aumento do volume da produção de castanhas decorrente exclusivamente do crescimento da área colhida.

A partir de 1987, o Estado reduziu drasticamente tais incentivos e passou a priorizar as ações de ciência e tecnologia, financiamento seletivo com incorporação de tecnologias no processo produtivo, normatização da castanha e da amêndoa e presença como agente conciliador dos conflitos entre os principais segmentos envolvidos na atividade.2

Apesar de sua importância sócioeconômica para a região, a agroindústria do caju passa, atualmente, por uma crise com sérias implicações nos níveis de emprego e renda, tanto na área rural como na urbana, com conseqüente queda do volume de exportações, de divisas e impostos. Na realidade, o setor agrícola vem atravessando uma fase de ajustamento após os incentivos fiscais, pois os aventureiros que ingressaram na atividade apenas para obtenção fácil dos recursos governamentais, não tendo o caju como seu negócio principal, devem dar espaço àqueles que realmente estejam inseridos agronegócios caju, promovendo a instalação de pomares com genótipos de qualidade superior e adaptados aos demais ecossistemas, proporcionando ganhos que viabilizam sua exploração. Além desse quadro, os preços pagos aos produtores, tanto para a castanha quanto para o pedúnculo, não são muito animadores e estão quase sempre abaixo do preço mínimo (R$ 0,50/kg) estabelecido pelo governo, o que tem acarretado desestímulo ao setor produtivo.

Por outro lado, há ótimas perspectivas para a cultura do caju no Brasil, em função da existência

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de diversos aspectos positivos, como: o Centro Nacional de Pesquisa de Agroindústria Tropical (CNPAT) está sediado na região Nordeste e tem o caju como seu principal objeto de estudo; o Brasil é o provável centro de origem do cajueiro e por essa razão possui grande variabilidade genética; ações governamentais de incentivos ao cooperativismo regional; e possibilidade de maior apro- 2 - ibidem 56 veitamento da castanha e do pedúnculo por meio do aumento do número de minifábricas. HISTÓRICO A Mata Atlântica, considerada de extrema importância do ponto de vista biogeográfico e ambiental, tem sido explorada indiscriminadamente com impactos diretos em seus recursos naturais. A floresta nordestina, onde se encontra inserida a maior parte dos cajueiros naturais, tem sido devastada desde a época da colonização, com impactos na fitofisionomia e nas condições ecológicas.

Essa transformação passou pela extração do pau-brasil e queimadas como estratégias deliberadas, no curso das freqüentes escaramuças bélicas entre tribos rivais,3 em lutas dos colonizadores contra os indígenas4 e no decorrer da expulsão de invasores estrangeiros, sobretudo os franceses e os holandeses. Gustavo Barroso,5 a propósito de combates entre indígenas no Nordeste, refere-se às batalhas intertribais e também às maiores reações dos colonizadores, em disputas pelo produto da frutificação dos cajueiros, no litoral. Nessas e em outras refregas constantemente se orientava a remoção e/ou queima de matas como estratégia militar. Não obstante o efeito devastador das queimadas, outras atividades de origem antrópica têm apresentado impactos consideráveis, pois colaboraram para as precárias condições ecológicas atuais, notadamente as de índole climática, edáfica e hidrológica, desencadeando um processo de desertificação assustador na região, com perdas imensuráveis da biodiversidade. Esse quadro trouxe graves conseqüências ao cajueiro, reduzindo sua população original e, conseqüentemente, sua variabilidade. Os impactos ambientais decorrentes dessa devastação são incalculáveis e a exemplo de outras fruteiras, além da perda de variabilidade, é também bastante preocupante o desaparecimento de outras espécies vegetais, bem como de animais, os quais dependem de seus frutos para sobreviver. 3 - J. C. de Abreu, Caminhos antigos e povoamento no Brasil (São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1989). 4 - G. A. B. da Fonseca, "The Vanishing Brazilian Atlantic Forest", em Biological Conservation, 39 (1), 1985, pp. 17.34 5 - Citado por A. Coimbra Filho & I. de G. Câmara, Os limites originais do bioma mata atlântica na região Nordeste do Brasil (FBCN, s/d.). 57

Até o início da década de 1950 a produção de castanha era essencialmente extrativista. As primeiras tentativas tentativas para estabelecer plantios de cajueiro com fins comerciais foram efetuadas no município de Pacajus no Ceará. Nesse município, no Campo Experimental de Pacajus, então pertence ao Ministério da Agricultura, em 1956, o governo federal estabeleceu uma coleção de matrizes de cajueiro para pesquisa agronômica. Posteriormente, houve a introdução de plantas do cajueiro anão precoce nessa estação, originadas de uma população natural no município cearense de Maranguape, área piloto da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, sendo considerado o marco histórico do melhoramento genético dessa espécie.

A partir dos incentivos fiscais da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), na segunda metade da década de 1960, o Estado passou a incentivar o direcionamento de recursos para o conjunto de atividades cultura-processamento do caju. Nesse período surgiram, ainda, os projetos de

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florestamento e reflorestamento, com a criação do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF). Assim, a agroindústria do caju foi favorecida por apresentar posição privilegiada devido ao fato de a atividade complementar a absorção de matéria-prima produzida no Nordeste a absorção intensiva de mão-de-obra e a promessa de provocar modernização de empresas agrícolas via transformação da atividade extrativa em cultivos racionais. Dessa forma a cultura do caju passou a ter importante papel econômico e soda1, pois, além de, empregar grande contigente de pessoas, participa de forma expressiva na geração de divisas externas.

O conjunto dessas medidas consolidou o parque processador de castanha, com a implantação de fábricas concentradas no estado do Ceará e algumas unidades nos estados dó Rio Grande do Norte e do Piauí. Para abastecer essas unidades ocorreu um notável crescimento da área plantada com cajueiros (gráfico 1). No período de 1961 a 1993 a área colhida na região Nordeste cresceu mais de doze vezes, evoluindo de 53.940 ha para 689.304 ha.6 6 - IBGE, Anuário Estatístico do Brasil, vários anos. 58

Gráfico 1 - Evolução da área cultivada com cajueiro no Nordeste, período de 1961 a 1993. Fonte: IBGE, Anuário Estatístico do Brasil, vários anos.

O desconhecimento das qualidades das plantas matrizes e polinizadoras, quando da obtenção de sementes para o plantio, acarretou pomares bastante desuniformes, tanto nos aspectos morfológicos quanto nos fisiológicos, resultando, conseqüentemente, em grande variação na produção, com valores médios muito abaixo do potencial da espécie. Essa desuniformidade manifestou-se também no peso da castanha, afetando a indústria de processamento em termos de rendimento e refletindo nas cotações de preço no mercado internacional.

No período de 1961-1987 o Brasil conseguiu dar um impulso significativo na produção de matéria-prima (média de 24-588 t/ano no triênio 1961-1963 para 115.895 t/ano no triênio 1994-1996) e na estruturação da indústria processadora de castanha, permitindo elevar substancialmente sua participação no mercado internacional de amêndoa de castanha de caju (ACC). Entretanto, esse crescimento ocorreu em decorrência dos benefícios concedidos pelo Estado, com ações envolvendo diretamente a implantação dos cultivos sistematizados de cajueiro e a formação da indústria beneficiadora.7 Por outro lado, o produto (castanha) explorado na forma extrativista representa menos de 5% da produção total,8 sendo pro 7 - LA. de S. A. Leite, op. cit. 8 - IBGE, Armário Estatístico do Brasil, 1993, 1994, 1995. 59

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veniente, principalmente, dos estados incluídos na Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, com concentração nos da região Nordeste, sobretudo nos estados da Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Norte. Essa forma de obtenção do produto tem sofrido uma acentuada redução ao longo dos anos, principalmente em função do constante desmatamento.

A partir da década de 1980, o Estado reduziu drasticamente os incentivos fiscais e passou a priorizar ações de ciência e tecnologia. Assim, resultados de pesquisa começaram a surgir, alterando o cenário da cajucultura. Uma tecnologia de custo baixo e impactos imediatos foi o lançamento dos clones de cajueiro anão precoce pela Empresa de Pesquisa Agropecuária do Ceará (Epace), oferecendo condições para uma fruticultura moderna e abrindo novas perspectivas para a cultura, pois esses clones permitem obter produtividade superior a 1.300 kg/ha de castanha em regime de sequeiro, ou seja, sem irrigação, contra os atuais rendimentos médios de apenas 220 kg/ha no Brasil. O potencial do cajueiro anão precoce para exploração dentro dos modernos sistemas de cultivo fez com que grande parte do esforço despendido no melhoramento se concentrasse nesse tipo. Entretanto, a maior variabilidade para os caracteres peso e qualidade do fruto e falso fruto, associada com a maior capacidade produtiva individual, recomenda a utilização do cajueiro do tipo comum em programas de cruzamentos com o tipo anão.9

Outra ação importante foi o desenvolvimento de minifábricas de beneficiamento da castanha. A flexibilidade no processamento possibilitou aos estados tipicamente produtores de matéria-prima induzirem agregação de valor e geração de empregos. São exemplos as ações nesse sentido implementadas nos estados da Bahia, Rio Grande do Norte, Piauí e Maranhão. Com isso tem ocorrido uma modificação no perfil da atividade na região Nordeste, que antes tinha basicamente o Ceará como parque processador. ORIGEM E DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA

O cajueiro encontra-se disperso em larga faixa do mundo tropical, compreendida entre os paralelos 27° N, no sul da Flórida, e 28° S, na 9 - L. de M. Barros, Caracterização morfológica e isoenzimática do cajueiro (Anacardium occidentale L.), tipos comum e anão precoce, por meio de técnicas multivariadas, tese de doutorado (Piracicaba: Esalq, 1991). 60 África do Sul.10 O principal centro de diversidade do gênero Anacardium é a região amazônica (florestas úmidas, matas de galeria e cerrado), com um centro secundário de diversidade nos cerrados (planalto Central). A maior diversidade de Anacardium occidentale L., única espécie cultivada e a de maior dispersão do gênero,11 ocorre no Nordeste brasileiro,12 onde pode ser encontrada em diversos ecossistemas, principalmente nas zonas, costeiras, fazendo parte da vegetação de praias e dunas, e nas formações de restinga.13 Toda a discussão sobre sua origem fundamenta-se em provas circunstanciais, tais como primeiras referências bibliográficas, distribuição geográfica, comportamento ecológico, padrões de variação da espécie, utilização humana e outras, que indicam o Brasil como centro de origem da espécie14 ou, pelo menos, todo o norte da América do Sul e parte da América Central.15

O cajueiro é cultivado em 26 países, embora em termos de importância sua exploração se restrinja a Índia, Brasil, Vietnã, Tanzânia, Indonésia, Moçambique e Guiné Bissau. Em conjunto, esses países são responsáveis por 81% da produção mundial, média do período de 1995 a 1997. A produção brasileira em relação à mundial é de 19%.16 No Brasil, a área ocupada corresponde a aproximadamente 700 mil ha, sendo encontrado em quase todos os estados, porém a região Nordeste responde por mais de 99% da área colhida e da produção nacional; as maiores concentrações localizam-se, principalmente, nas faixas litorâneas e de transição do Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte, que juntos possuem cerca de 88% da área de cultivo do país.17

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10 - P. C. E. Frota & J. I. G. Parente, "Clima e fenologia", em J. P. P. Araújo & V. V. Silva (org.), Cajucultura: modernas técnicas de produção (Fortaleza: Embrapa/CNPAT, 1995), pp. 43-54. 11 - D. Johnson, "The Botany, Origin and Spread of che Cashew Anacardium occidentale L.", em The Journal af Plantation Crops, 1 (1-2), Kerala, 1973, pp. 1-7; J. D, Mitchell & S. A. Mori, "The Cashew and its Relatives (Anacardium: Anacardiaceae)", em Memoirs of the New York Botanical Garden, 42 (1), Nova York, 1987, pp. 1-76. 12 - L. de M. Barras, Caracterização morfológica e isoenzimática do cajueiro..., cit. 13 - V P M. S. Lima, Fruteiras: uma opção para o reflorestamento do Nordeste (Fortaleza: BNB/Etene, 14 - J. B. Soares, O caju: aspectos tecnológicos (Fortaleza: BNB, 1986); L. de M. Barros et al. Recomendações técnicas para a cultura do cajueiro anão precoce (Fortaleza: Embrapa/CNPAT, 1993). 15 - L. de M. Baixos & J. R, Crisóstomo, "Melhoramento genético do cajueiro", em J. E E de Araújo &. V. V da Silva (orgs,), Cajucultura: modernas técnicas de produção, cit., pp. 73-96. 16 - Food and Agriculture Organization (FAO), Faostat Database, 1998. 17 - IBGE, Anuário Estatístico do Brasil, 1996. 61 ASPECTOS BOTÂNICOS E ECOLÓGICOS DO CAJUEIRO

O cajueiro pertence ao gênero Anacardium, composto por 21 espécies descritas pela botânica clássica (sistemática tipológica),18 Com o emprego da taxonomia numérica, esse número reduziu-se a nove no trabalho de Mitchell e Mori,19 sendo descrita ainda uma nova espécie, totalizando dez.

O cajueiro pode se propagar vegetativamente (reprodução assexuada) ou por sementes (reprodução sexuada). A polinização é predominante mente cruzada, efetuada por insetos, principalmente a abelha. O cajueiro do tipo comum apresenta ramificações baixas no caule e a copa atinge uma altura de 10 m a 15 m.20 A planta, quando adulta, apresenta envergadura de copa entre 12 m e 14 m.21 O tipo anão precoce diferencia-se pelo porte baixo, que pode atingir a altura de 5,4 m quando em plantio por semente, mas em geral não ultrapassa 4 m e possuí diâmetro da copa entre 6 m e 8 m.22

Apesar da adaptabilidade a uma faixa ecológica relativamente ampla, as maiores concentrações situam-se em áreas costeiras, tipicamente tropicais, da América do Sul, África e Ásia, entre os paralelos, 15° S e 15° N, o que não significa que essas sejam as melhores condições para seu desenvolvimento vegetativo e produção elevada. Os limites de altitude favoráveis à planta estão correlacionados com a latitude devido à sensibilidade da cultura às baixas temperaturas e às geadas. A maior concentração de cajueiros encontra-se nas regiões que apresentam altitude máxima de 600 m.23 O cajueiro é explorado em diversos tipos de solos, porém os mais apropriados são os profundos, bem drenados, com relevo plano a suave ondulado. Os solos rasos, compactados e de má drenagem devem ser evitados. Em relação ao pH, tem sido encontrado numa faixa de 4,5 a 6,5,24 sendo que a melhor encontra-se entre 5,4 e 6,5. 18 - D Johnson, op cit.; V. R M. S Lima, "Botânica", em A cultura do cajueiro no Nordeste do Brasil (Fortaleza: BNB/Etene, 1988), pp. 15-61. J. D. Mitchell & S. A. Mori, op. cit. 19 - J. G. Ohler, Cashew (Amsterdã; Koninklijk Institut Voor de Tropen 1979); 20 - J. B. Soares op. cit. 21 - L. de M. Barros & Q. M. S. Melo, "Alguns aspectos sobre a cultura do caju (Anacardium occidentale L.)", em Revista Brasileira de Fruticultura n° 9, Cruz das Almas, 1987, pp. 29-38. 22 - L. de M. Barros et al, Recomendações técnicas para a culatra cio cajueiro anão precoce, cit. 23 - P. C. E. Frota & J, I. G. Parente, op. cit. 24 - L. de M. Barros et al., A cultura do cajueiro anão, documento n° 3 (Fortaleza: Epace, 1984). 62 A cultura vem sendo explorada em diversas regiões, apresentando os mais variados tipos climáticos segundo Köpen (Af, Am, Aw, BSh e BWh), tendo se adaptado a uma faixa de regime pluvial de 500

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mm a 4.000 mm, embora seu melhor desempenho seja observado entre 800 mm e 1.500 mm, distribuídos entre cinco e sete meses, seguidos de uma estação seca definida coincidente com as fases de floração e frutificação. Quanto à temperatura, o cajueiro apresenta melhor desempenho em regiões com temperaturas altas e pequenas amplitudes térmicas, como por exemplo as zonas costeiras tropicais. A temperatura média de 27 °C é a mais favorável ao desenvolvimento e à frutificação. Suporta temperaturas máximas de até 38°C, porém mostra-se sensível a temperaturas abaixo de 16°C.25

ASPECTOS SOCIAIS

A cultura do caju no Brasil representa uma atividade de relevante importância socioeconômica. Emprega a mão-de-obra disponível no período da entressafra das culturas anuais, principalmente o feijão, o milho e a mandioca, com cerca de 16 mil empregos na zona urbana, nas. unidades de beneficiamento da castanha e do pedúnculo, e 36 mil empregos no meio rural.

Quanto à mão-de-obra utilizada, estudos realizados pela Embrapa (1989) nos estados do Ceará e Piauí, entre 128 produtores (pequenos e médios) que tinham o cajueiro como principal atividade, constataram que 61% dos estabelecimentos utilizavam a mão-de-obra familiar; em que crianças e mulheres eram responsáveis pela maior parte da castanha colhida.. Os homens desempenham tarefas mais pesadas como o roço e a poda. Com relação à mão-de-obra assalariada, 91% dos estabelecimentos a empregavam, sendo esta utilizada principalmente na época da colheita e limpeza dos pomares. Nas indústrias de processamento da castanha, tanto no sistema manual como no mecanizado, mais de 90% da mão-de-obra é composta por mulheres.

A condição do produtor no Brasil quanto à distribuição da produção e da área colhida apresenta-se da seguinte forma: a maior parte dos produtores são proprietários de suas terras, representando aproximadamente 25 - P C. E. Frota & J. I. G. Parente, op. cit. 63 90% da área colhida e da produção, contra 10% na situação de arrendatário, parceiro ou ocupante.26

As propriedades podem ser classificadas em função do tamanho (tabela 1). Observa-se que a maior concentração da área e da produção encontra-se nas pequenas propriedades. Pode-se verificar, ainda, que o rendimento é função do tamanho, decrescendo nos maiores estabelecimentos. Isso demonstra maior eficiência dos pequenos produtores, explicada pela utilização mais freqüente de tratos culturais, consorciação com outras culturas, como também decorrente do uso de mão-de-obra familiar. Por outro lado, devido às dificuldades do setor, as grandes propriedades têm praticado menos tratos culturais e em alguns casos encontram-se completamente abandonadas. Além disso, boa parte delas possui áreas total ou parcialmente impróprias à cultura, concorrendo para redução do rendimento. Tabela 1 - Distribuição da área colhida, da produção e do rendimento de castanha de acordo com a classificação da propriedade no Brasil, 1996. Classificação Tamanho da

propriedade Área colhida (ha)

% Produção (t)

% Rendimento (kg/ha)

Pequena até 50 ha 200.795 40,74 78.984 50,60 393,36 Média 51 a 500 ha 157.073 31,87 44.194 28,31 281,36 Grande maior que 501 134.977 27,39 32.930 21,09 243,97 Total 492.846 156.108 316,75 Fonte: IBGE, Anuário Estatístico do Brasil, 1996. ASPECTOS ECONÔMICOS

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A amêndoa da castanha do caju (ACC) constitui o principal produto de utilização do cajueiro; é considerada uma das nozes preferidas no mercado. Além da ACC, também são derivados de grande importância no aproveitamento do cajueiro: o líquido da casca da castanha (LCC), fonte de fenol, utilizado para diversos fins nas indústrias de plástico, vernizes, isolantes e tintas e na indústria automotiva, nas formulações das lonas de freio;27 e o pedúnculo, consumido in natura ou industrializado 26 - IBGE, Anuário Estatístico do Brasil, 1996. 27 - D. V. Johnson, O caju no Nordeste do Brasil: um estudo geográfico (Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil, 1974); M. K, Nair et ai, Cashew (Anacardium occidentale L.) (Kerala: Central Plantation Crops Research Institute, 1979); ]. B. Soares, op. cit. 64 sob a forma de sucos, sorvetes, doces diversos (compota, cristalizado, ameixa, massa), licor, mel, geléias, cajuína, refrigerantes gaseificados e aguardente. O alto valor nutritivo do pedúnculo revela-se sob a forma de vitaminas e sais minerais, encontrando-se vitamina C em nível quase ronco vezes maior que na laranja.

O mercado mundial de produtos da agroindústria do caju apresenta uma concentração em torno da ACC, comparativamente aos demais produtos/subprodutos. O LCC, por exemplo, aparece nas estatísticas de exportação, porém com percentuais pouco expressivos, em tomo de 3,5% do total de divisas.28 A ACC é basicamente um produto de exportação com valor estimado em 90% do total produzido. O Brasil destaca-se como o segundo maior exportador. No período de 1993 a 1996, do volume total exportado, 75% foram destinados aos Estados Unidos. Os demais produtos/subprodutos geralmente se destinam ao mercado interno.

Outro aspecto importante que deve ser considerado é a utilização de culturas consorciadas com a cultura do caju. Estudo realizado entre produtores pequenos e médios, que tinham o cajueiro como a principal atividade, constatou o seu cultivo consorciado principalmente com o feijão, com 73,44% dos estabelecimentos estudados, o milho, com 40,63%, e a mandioca, com 27,34%29 Atividades como a bovinocultura, a caprinocultura e a apicultura também têm contribuído para o aproveitamento da área, agregando ganhos aos produtores. No caso da apicultura, a consorciação é bastante benéfica, pois contribui para aumentar a produção do cajueiro, por serem as abelhas seu principal agente polinizador.

O agronegócio caju envolve vários segmentos nos seus diversos produtos, no entanto pode ser dividido em dois grandes ramos: o de beneficiamento da castanha e o de transformação do pedúnculo.

O segmento industrial processador de castanha é composto de 27 fábricas, localizadas nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Piauí, com capacidade de processar 280 mil t/safra.30 O beneficiamento é feito, predominantemente, pelos sistemas mecanizados e semimecanizados em grandes fábricas. Nos últimos anos tem-se dado ênfase a processos alter- 28 - L A. de S. A. Leite, op. cit. 29 - Embrapa/Centro Nacional de Pesquisa de Caju, Características tecnológicos dos produtores de castanha de caju nos estados do Piauí e Ceará (Fortaleza: Embrapa/CNPCa, 1989). 30 - L. A. de S. A. Leite, op. cit. 65 nativos, os quais são destinado a pequenas fábricas, ou seja aquelas com capacidade de processar até 1t/dia. Nesses sistemas, para produzir 1 kg, de amêndoa são necessários em média 4,35kg de castanha crua, ou seja, Um rendimento de 23%.31

Esse segmento tem obtido significativa participação na economia nacional. Nos últimos anos, as exportações têm gerado divisas da ordem de 146 milhões de dólares anuais.32 No estado do Ceará, a

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amêndoa tem alcançado o primeiro lugar na pauta das exportações, com participação de quase 40% do valor total exportado.33

A indústria de transformação do pedúnculo, por sua vez, possui segmentos na indústria de bebidas, doces, condimentos, farinhas, ração, entre outros. Existem oito empresas de grande porte com capacidade operacional de 80 mil toneladas de suco por ano,34 destinadas quase na sua totalidade ao mercado interno. As demais formas de aproveitamento são realizadas por estabelecimentos classificados como micro e pequenas produções, caseiras, cooperativas e associações de produtores.

O aproveitamento do pedúnculo sob a forma de sucos, doces, geléias, néctares, farinhas e fermentados não atinge 6% da produção.35 Uma das causas para o baixo aproveitamento relaciona-se ao pouco tempo necessário para a deterioração do pedúnculo, ocasionando excessivas perdas no campo e na indústria.36 Dessa forma, há necessidade de pesquisas no sentido de aperfeiçoar os processos de redução da adstringência, clarificação e concentração dos sucos, com vistas ao mercado externo, que não adquire suco com conservantes acima de padrões estabelecidos. Outra ação governamental, também importante para reverter esse quadro, seria o incentivo ao aproveitamento do produto na merenda escolar.

Quanto aos preços praticados nos diversos segmentos da cadeia produtiva do agronegócio caju, verifica-se que os preços pagos aos produtores para a castanha in natura, nos principais mercados, acarretam cons- 31 - Ibidem. 32 - Ibidem. 33 - Iplance, vários anos. 34 - F. M. C. França, Análise econômica da cajucultura no Brasil (Fortaleza: 1992). 35 - Embrapa, Programa Nacional de Pesquisa de Caju (Fortaleza: Embrapa/CNPCa, 1991); C. H. Moura, Qualidade de pedúnculo de clones de cajueiro anão precoce (Anacardium occidentale L. var. nanum) irrigados (Fortaleza: UFC, 1998). 36 - Embrapa, "Programa...", cit, 66 tantes frustrações em decorrência de freqüentemente se encontrarem abaixo do preço mínimo (R$ 0,50/kg) estabelecido pelo governo. Observa-se grande variação em função da distância do parque processador e do porte do produtor. Os menores produtores, em geral, vendem seus produtos a um menor preço (até R$ 0,25/kg), enquanto os maiores obtêm valores que podem alcançar até R$ 1,00/kg, dependendo da oferta do produto.

Por sua vez, os preços das amêndoas são bastante diferenciados em função dos seus diversos tipos (inteira especial, inteira, bandas, pedaços etc.), formados de acordo com tamanho, conformação e coloração. Quando se compara a inteira com a quebrada, essa diferença de preço em alguns casos chega a 130%.37 A obtenção de amêndoas inteiras, totalmente despeliculadas, de coloração alva ou marfim-pálida, sem manchas, deve ser o principal objetivo da indústria processadora de castanha, pois essas características são fundamentais na cotação dos preços internacionais. Em função disso, os preços da amêndoa no mercado internacional pagos ao setor industrial têm variado de US$ 1,79/kg a US$ 8,49/kg. Portanto, verifica-se que há necessidade de um melhor controle de qualidade no beneficiamento da castanha.

Em relação ao aproveitamento do pedúnculo, o valor da produção em 1996 alcançou R$ 40,2 milhões.38 Esse valor se refere a cerca de 100 mil t, que representam apenas 6% a 8% da produção total, estimada em torno de 1,2 milhão t/ano. O pseudofruto do cajueiro, uma das fontes mais ricas em vitamina C, além de ser consumido in natura possui inúmeras opções tecnológicas de industrialização. Entretanto, até o momento somente o suco integral possuí alguma importância econômica, embora se tenha observado que a utilização de pedúnculo in natura para consumo de mesa tem aumentado

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substancialmente a cada ano, tanto pela consolidação de mercados tradicionais (região Nordeste) como pelo surgimento de novos mercados (regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste).

O preço pago aos produtores para o pedúnculo diferencia-se em função da qualidade da matéria-prima e dos cuidados com a embalagem. Para o consumo in natura o preço tem variado de R$ 0,20/kg a R$ 0,40/kg. 37 - FNP Consultoria & Comércio, "Caju: boas chances de crescimento", em Agrianual 98, São Paulo, 1998. 38 - IBGE, Anuário Estatístico do Brasil, 1996. 67

O preço de venda da caixa de 20 kg de caju no mercado atacadista alcançou, em 1998, R$ 120,00 (R$ 6,00/kg). No mercado de São Paulo e do Rio de Janeiro, uma caixa de 3,5 kg com proteção individual atinge R$ 30,00 no início da safra e R$ 12,00 no pico de produção (agosto a outubro).39 Para o processamento industrial, o preço tem oscilado entre R$ 0,05/kg e R$ 0,10/kg. Isso em função da grande quantidade de pedúnculo demandada, sem seleção criteriosa do material e menor cuidado na embalagem e transporte. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar da significativa importância socioeconômica para a região Nordeste, a agroindústria do caju vivência atualmente uma crise com sérias implicações nos níveis de emprego e renda, tanto na área rural como na urbana, com conseqüente queda do volume exportado, divisas e impostos. Na verdade, o setor agrícola vem atravessando uma fase de ajustamento, após os incentivos fiscais, pois os aventureiros que ingressaram na atividade apenas para obtenção fácil dos recursos governamentais, não tendo o caju como seu negócio principal, devem dar espaço a outros que realmente estejam inseridos no agronegócio caju, promovendo a instalação de pomares com as tecnologias disponíveis, principalmente utilizando genótipos de qualidade superior e adaptados aos demais ecossistemas.

A maioria dos cultivos sistematizados, introduzidos nas últimas décadas e responsáveis pela ocupação de extensas áreas, não evoluiu para níveis satisfatórios no uso de tecnologias recomendadas pela pesquisa. Portanto, maior ênfase foi dada à expansão da área cultivada em detrimento do uso de tecnologias, ocasionando um declínio do rendimento dos pomares. Entre as principais causas das baixas produtividades podem se apontar: utilização de material genético de qualidade inferior; manejo e tratos culturais inadequados; implantação da cultura sem estudos de impactos ambientais; uso de áreas ecologicamente desfavoráveis ou com

39 - Informação concedida pelo engenheiro agrônomo Francisco Fábio de Paiva, pesquisador da Embrapa Agroindústria Tropical, ao engenheiro agrônomo José Jaime Vasconcelos Cavalcanti, pesquisador da Embrapa Agroindústria Tropical, em 18 de novembro de 1998. 68 restrições para a cultura; baixo preço da castanha pago ao produto; e ocorrência de freqüentes secas.

Os estudos desenvolvidos nas áreas de melhoramento, propagação, sistema de manejo e fítossanidade dão embasamento para o estabelecimento de. estratégias capazes de promover a recuperação e/ou renovação dos atuais pomares, assegurando produtividades elevadas e retorno econômico que viabiliza a exploração do cajueiro. Avanços alcançasdos para maior aproveitamento do pedúnculo — por meio de tecnologias de pós-colheita, processamento e utilização de clones com pedúnculo que apresentem maior resistência e conservação pós-colheita e melhor qualidade (cor, sabor etc.) — também têm tornado a cajucultura mais rentável economicamente. Entretanto, além das tecnologias disponíveis para o incremento do agronegócio caju, que representam apenas um segmento

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de sistema mais complexo, tornam-se necessárias ações a curto, médio e longo prazos, decisivas nas áreas da assistência técnica, crédito, financiamento e efetiva participação de produtores e industriais.

Em contrapartida, observa,se um cenário bastante promissor para a cajucultura nacional, pois, existem diversos pontos positivos que podem ser considerados, tais como: a região Nordeste é sede do Centro Nacional de Pesquisa de Agroindústria Tropical, onde o caju é o produto mais estudado, com diversas tecnologias já disponíveis, que constituem expressivas contribuições para a mudança do atual perfil da exploração do cajueiro; presença de grande variabilidade genética em razão de o Brasil ser o berço do cajueiro; revigoramento do cooperativismo regional por meio do Fundo institucional de Financiamento do Nordeste (FNE), com apoio do Banco do Nordeste, entre outros programas; possibilidade de agregar maior valor à cultura, por meio do aumento do número de minifábricas de processamento de castanha e maior aproveitamento do pedúnculo.

Em suma, observa-se uma tendência de maior atuação governamental, mediante políticas públicas, mais atinadas com a consolidação do agronegócio e não somente com segmentos produtivos independentes. Nesse caso particular, há de avançar no aproveitamento mais diversificado e integral do caju (castanha e pedúnculo), como alternativa de tornar mais atrativa e rentável a atividade.

Torna-se importante, também, destacar a urgência no combate à crescente desertificação registrada em todos os ecossistemas do Nordeste bra 69 sileíro. Nessa região, pelas suas características edafoclimáticas, há necessidade de espécies com adaptabilidade suficiente para suportar as alterações verificadas periodicamente no seu regime pluvial, principal causa do baixo nível sócio econômico da sua população. Outra vantagem é a possibilidade de consorciação ou uso múltiplo com outras espécies animais, frutíferas e/ou madeireiras, criando alternativas sociais, econômicas e ambientais para a região.

Diante do exposto, a utilização do cajueiro como recurso florestal em áreas degradadas, no âmbito da Mata Atlântica, constitui grande alternativa, podendo colaborar para reduzir a pressão antrópica nos seus remanescentes. 70 PIAÇAVA – 500 ANOS DE EXTRATIVISMO Luiz Alberto Mattos Silva INTRODUÇÃO

Há quinhentos anos, quando Pero Vaz de Caminha escreveu uma longa carta dirigida ao rei de Portugal, teceu comentários sobre a vegetação Brasil e, em alguns trechos, comentados por Andrade-Lima,1 já apareciam referências sobre a piaçaveira. Gabriel Soares de Sousa, no seu Tratado descriptivo do Brasil, escrito em 1587,2 diz: "[...] em que se contêm imitas castas de palmeiras que dão fruto pela terra da Bahia, algumas. 1 - D. Andrade-Lima, A botânica de Pero Vaz de Caminha, 36 (58), Rio de Janeiro, 1984, pp- 5-8. 2 – 2 - Apud G. C. E Pinto & H. P. Bautista, "Flora da Bahia: Palmae", em Anais do Congresso Nacional de Botânica (Brasília: Ibama, 1990), pp. 137-154. 71 junto ao mar". Referia-se na época, possivelmente, àquela palmeira muito utilizada pelos índios como alimento (palmito) e nas coberturas das ocas, popularizando-se atualmente por meio da fabricação de vassouras.

Nas pesquisas sobre o extrativismo vegetal no Brasil, citadas por Pinto e Bautista,3 verificou-se que as palmeiras contribuem com 36% do total explorado. Dentre as palmeiras que produzem fibra, a piaçaveira é considerada a de maior importância econômica, sobretudo pela qualidade da fibra e a boa aceitação no mercado internacional. A palmeira Attalea funifera Martius, conhecida por piaçava,

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piassava ou piaçaba, é uma espécie nativa e endêmica do litoral do estado da Bahia. Estende-se numa faixa de no máximo 50 km de largura, desde a região do Pirado - aproximadamente 17a 20' Sul, limite sul da espécie - até a fronteira com o estado de Sergipe - aproximadamente 11° 30' Sul, limite norte (figura 1). A maior concentração está no município de Cairu. Em 1980, somente esse município tinha uma participação de 40% da produção total de piaçava do sul do estado, seguido pelos municípios de Nilo Peçanha, com 27%, Canavieiras, com 10%, e Ilhéus, com 5%.4 Estudos realizados por Silva e Vinha5 e Vinha e Silva6 mostraram que essa palmeira ocupa áreas significativas nos municípios litorâneos, associada à vegetação secundária, sob mata ou em áreas abertas. Uma de suas características importantes é ser uma planta bem adaptada a solos ácidos e de baixa fertilidade, considerados impróprios para outras culturas.

Conquanto seja uma espécie de valor econômico para a região litorânea da Bahia, o método utilizado para sua exploração é o extrativismo. Os piaçavais, em geral, são constituídos de palmeiras com diferentes estágios de desenvolvimento, associadas com espécies arbóreas e com um sub-bosque herbáceo-arbustivo denso. Como não há cultivos perfeitamente racionalizados, grandes áreas já degradadas e com as condições edafoclimáticas ideais para o plantio dessa palmeira ainda não são aproveitadas. 3 - Ibidem 4 - A C. C. Zugaib & D. A. M. Casca, Comercialização da piaçava {Ilhéus: Ceplac/Deade, 1988). L. A. M. Silva & S. G. da Vinha, "A piaçaveira (Attalea funifera Matt) e a vegetação associada no município de Ilhéus, Bahia", em Boletim Técnico, n° 101, Ilhéus, 1982; L. A. M. Silva & S. G. da Vinha, "Ocorrência da piaçaveira e a vegetação associada no município de Canavieira, Bahia", era Boletim Técnico, n° 132, Ilhéus, 1985. 5 - S. G. da Vinha & L. A. M. Silva, A piaçaveira da Bahia (Ilhéus: Editus/Uesc, 1998). 72

Figura 1 - Mapa do estado da Bahia, mostrando a ocorrência natural da piaçaveira.

Uma preocupação é a forte erosão genética que vêm sofrendo as populações naturais de piaçava, principalmente por influências antrópicas causadas por empreendimentos-imobiliários nos municípios com potencial turístico, a exemplo de Ilhéus, Valença, Itacaré e Porto Seguro. Daí a necessidade de serem desenvolvidos consistentes trabalhos de conservação de germoplasma desse

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importante produto. Até agora, poucos são os trabalhos científicos que dão respaldo à difusão e à racionalização de técnicas sobre o cultivo da piaçaveira, sobretudo para sanar o principal fator restritivo ao desenvolvimento e à expansão dos piaçavais, uma vez que ainda estão sendo utilizados pelos produtores rurais métodos empíricos de germinação de sementes. Os estudos mais recentes estão relacionados com o levantamento de densidade populacional, biologia floral, comercialização e melhoramento genético. Visando atender à expectativa dos agricultores, já que se trata de uma excelente alternativa para a diversificação principalmente das áreas degradadas do litoral baiano, a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), por meio do seu Centro de Pesquisas, e a Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc) 73 estão investigando o melhor método de germinação em condições de laboratório e de campo, bem como realizando uma coleta do material botânico para a formação do banco de germoplasma, visando a uma futura seleção do material para estabelecer, por meio de trabalhos de melhoramento genético da espécie, a raça mais produtiva. USOS E VALOR ECONÔMICO

Por serem longas, não-elásticas, com alta flexibilidade e impermeáveis, as fibras retiradas das piaçaveiras são usadas, tanto no mercado interno como no externo, para a fabricação de vassouras de uso caseiro e industrial, isolantes térmicos e cordas para amarração de navios. No mercado local, um subproduto da extração da fibra, a borra, é bastante procurado para a cobertura de casas, choupanas ou quiosques e enchimento de estofados, além de sua utilização pelos artesãos, que fabricam, por exemplo, o samburá. Atinge, em algumas épocas, valor comercial maior que a própria fibra c o mercado interno utiliza cerca de 95% da produção. Ultimamente, os principais países importadores de fibras da piaçava são Portugal, Alemanha e Holanda, seguidos dos Estados Unidos, Inglaterra e Bélgica.

Além da fibra, o fruto pode apresentar algum valor econômico em função da quantidade de óleo presente nas sementes. Hoje, porém, apresenta pouca utilidade, já que outros produtos de origem vegetal (soja, milho, gergelim, girassol) são facilmente adquiridos. Durante a Segunda Guerra Mundial, os frutos da palmeira foram utilizados para a produção de carvão pela marinha mercante. Do mesocarpo do fruto faz-se a farinha de satim, empregada pelos nativos no feitio de cuscuz e mingaus. ASPECTOS BOTÂNICOS O nome genérico de Attalea foi proposto em 1816 por Humboldt, Bompland e Kunth e dado em homenagem a Attalus I (197 a.C.), rei de Pérgamo, Ásia. São conhecidas 22 espécies de palmeiras desse gênero, que ocorrem desde a América Central até o centro-sul do continente sul-americano. Das quinze espécies de Attalea encontradas no Brasil, pelo menos oito são citadas para o estado da Bahia: Attalea barrreirensis, A. 74 burretiana, A. funifera, A. geraensis, A. humilis, A. pindobassu, A. salvadorensis e A. seabrensis, além de dois híbridos: A. x piassabossu e A. x voeksii, sendo este último descrito recentemente como novo para a literatura.7 Entre todas, a mais importante é a Attalea funifera, descrita por Martius em 1825. A piaçaveira é uma palmeira solitária, sem espinhos, ereta, caulescente no sul da Bahia e praticamente acaule no norte do estado. A altura média da planta varia entre 8 m e 15 m e o diâmetro, em torno de 20 cm e 25 cm. Apresenta oito a dez folhas, com arranjo espiralado, disposição quase vertical, retas e com ápices ligeiramente arcados, com aproximadamente 9 m de comprimento total; as margens do pecíolo apresentam libras rígidas (piaçava) de até 3,5 m de comprimento. As inflorescências podem ser hermafroditas ou andróginas (constituídas por flores femininas e masculinas na mesma ráquis), ou podem apresentar apenas flores masculinas ou somente femininas. Os frutos, quando maduros, são de

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cor esverdeada no ápice a dourada na base, medem 10 cm a 15 cm de comprimento e 5 cm a 9 cm de diâmetro, pesam entre 200 g e 270 g e estão reunidos em cachos com até quatrocentos cocos cada. As fibras produzidas podem atingir mais de 2 m, têm grande resistência à ruptura e variam de 2,5 kg a 7,5 kg por planta (valor médio de 5,3 kg); a elasticidade varia 'entre 1,75% e 9,0%, e o diâmetro, em torno de 1,1 mm. SOLOS, CLIMA E VEGETAÇÃO Em seu estado nativo, a piaçaveira é normalmente encontrada ao longo da faixa litorânea. Segundo Moreau e colaboradores8 esta faixa é formada basicamente por quatro unidades de solos, a saber:

a) solo com horizonte argílico, pobre, com teor de argila abaixo de 10% no horizonte A e o pH em torno de 5,0;

b) solos com horizonte óxico, pobre, de textura mediana a argilosa, profundos e bem drenados; o conteúdo de argila é superior a 60% 7 - L R, Noblick, The Indigenous Palms of the State of Bahia, Brazil (Chicago; University of Illinois, 1991). 8 - M. S. Moreau et al., "Ocorrência natural e viabilidade de expansão da piaçaveira {Attalea funifera) nos municípios de Ilhéus, Una e Canavieiras — Bahia", em Anais do IV Seminário de Pesquisa (Ilhéus: Editus/Universidade Estadual de Santa Cruz, 1998), pp. 135-146. 75 nos horizontes inferiores e o pH varia de 4,5 a 5,5;

c) solo com horizonte spódico, pobre, de textura arenosa, drenagem rápida, pH inferior a 4,0; d) solo pouco desenvolvido, arenoso, muito pobre, com mais de 85% de areia, baixo teor de

matéria orgânica e com pH acima de 5,5. Sobre eles estão os maiores maciços desta palmeira. O clima da região onde se cultiva a piaçaveira é do tipo Af, caracterizado por ser quente e

úmido, sem estação seca definida. A temperatura média mensal está entre 20 °C e 26 °C, com média anual em torno de 24 °C, e a umidade relativa do ar encontra-se freqüentemente acima de 80%. A precipitação é relativamente uniforme ao longo do ano, e varia de 1.600 mm — ao sul de Canavieiras até o Prado (limite sul da espécie) - a 2.000 mm - de. Ilhéus à região de Valença, área de maior concentração da espécie.

A piaçaveira é encontrada predominantemente na mata de restinga e na mata higrófila, sobre os tabuleiros próximos ao litoral. Ambas as vegetações são pertinentes ao ecossistema Mata Atlântica. Na mata de restinga, a piaçaveira forma o dossel superior da vegetação, enquanto na mata sobre os tabuleiros vai aos poucos desaparecendo, não sendo mais encontrada nas partes densas dessa vegetação. Dentre as espécies herbáceas e arbustivas associadas à piaçaveira predomina a tiririca (Rhynchospora splendens — família Cyperaceae), cuja biomassa representa cerca de 77% da biomassa total dessa vegetação. As espécies arbóreas mais comuns, com DAP acima de 5 cm, são o mundururu (Miconia calvescens) e a quaresmeira (Tibouchina francavillana), ambas da família Melastomataceae, além de várias espécies de Mirtáceas e Leguminosas. FLORAÇÃO, POLINIZAÇÃO E FRUTIFICAÇÃO

As primeiras flores aparecem quando as plantas têm aproximadamente 8 anos de idade. A floração pode ocorrer durante todos os meses do ano, porém com maior incidência durante os meses de verão. A relação é da ordem de vinte inflorescências masculinas para três femininas e uma hermafrodita. Pela quantidade de pólen produzido, acreditava-se que a polinização era anemófila. No entanto, Voeks9 observou, uma grande quan

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9 - R A. Voeks, "Preliminary Observation on the Reproductive Ecology of the Piassava Palm {Attalea funifera), em Anais da Academia Brasileira de Ciências, n° 57, Rio de Janeiro, 1985, pp. 524-525, 76 tidade de insetos que visitavam regularmente as flores, principalmente Apis mellifera, Trigona sp., Drosophila sp, e duas espécies de Curculionidae. A fim de estudar o efeito desses insetos na polinização, o autor recobriu várias inflorescências femininas com sacos plásticos, de forma a não permitir a entrada de insetos, e, após vários dias, observou-se que somente 4% das flores femininas tinham sido fecundadas. Já nas inflorescências às quais os insetos tinham livre acesso o número de flores fecundadas foi cerca de 100%, o que caracteriza a polinização como entomófila. GERMINAÇÃO E PROPAGAÇÃO

As práticas agrícolas utilizadas pelos produtores de piaçava são bastante empíricas e baseadas em crendices, faltando informações com base científica. Até bem pouco tempo acreditava-se que a propagação da piaçaveira era provocada pela ação do fogo - após a derrubada e queima da vegetação -, induzindo a germinação pela quebra da dormêcia das sementes.

Trabalhos realizados por Voeks e Vinha10 na Estação Ecológica do Pau-brasil, em Porto Seguro, mostraram que o fogo tem pouco ou nenhum efeito sobre a quebra de dormência das sementes dessa espécie. Naquela Estação foram plantadas sementes em quatro tipos de tratamentos. No primeiro, as sementes despolpadas foram plantadas em uma capoeira de aproximadamente 12 anos de idade; no segundo, após a derrubada de parte da mesma capoeira, toda a vegetação foi retirada manualmente, deixando o solo exposto ao sol e, logo após, foram plantadas as sementes; no terceiro, após a derrubada, plantaram-se as sementes e queimou-se a capoeira; no quarto tratamento, a capoeira previamente derrubada foi queimada e em seguida plantaram-se as sementes. Observou-se que as sementes plantadas na capoeira tiveram índice de germinação de aproximadamente 60%, bem superior aos outros tratamentos, onde esse índice não atingiu 40%, sendo que o tratamento em que se plantaram as sementes antes da queima foi o que apresentou pior resultado, pois, além de retardar a germinação, esse índice foi inferior a 30%. 10 - R A. Voeks & S. G. da Vinha, "Fire Manegement of the Piassava Fiber Palm (Attalea funifera) in Eastern Brasil", Conference of Latin Americanist Geographers (Aubum: Department of Geography & Anthropology, 1998). 77

A germinação de sementes de palmeiras, em geral, é bem peculiar. Desde a germinação até o

aparecimento da primeira folha na superfície do solo pode demorar até sete meses. Nesse estágio, o sistema radicular já se encontra bastante desenvolvido. Com o objetivo de aumentar o índice de germinação, efetuaram-se alguns testes na casa-de-vegetação, utilizando frutos com e sem o mesocarpo, submetidos a uma temperatura constante de 40 °C durante 7,14, 21, 28 e 35 dias. Os resultados mostraram que a exposição a 40 °C durante sete dias foi a que apresentou melhor resultado, porém o intervalo de germinação foi de 161 dias, ou seja, do 257° ao 418° dia.

A distribuição da piaçaveira em condições naturais sempre foi atribuída a pequenos roedores, que utilizam o mesocarpo na sua alimentação, ou às enxurradas que transportam os frutos. Como os roedores já são escassos e existe o ataque normal dos frutos maduros pelos bruquídeos, destruindo as sementes, a dispersão natural da piaçaveira é, hoje, praticamente impossível e só pode ocorrer com a intervenção do homem. DENSIDADE DOS POVOAMENTOS

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Por ser uma espécie espontânea, o número de piaçaveiras por unidade de área varia consideravelmente de um local para outro. Essa variabilidade está relacionada com a distribuição natural da espécie e com o grau de interesse dos proprietários rurais na sua exploração. Com o objetivo de conhecer o número de piaçaveiras por unidade de área nas regiões tradicionais de produção, bem como caracterizar os ecossistemas onde as piaçaveiras ocorrem, foram feitas prospecções nos municípios de Ilhéus, Canavieiras e Cairu. No município de Cairu, tradicional produtor de fibras, foi encontrado o maior povoamento - com 2.690 palmeiras por hectare-, seguido pelo município de Ilhéus com 1.626 e o de Canavieiras com 700.11

Entretanto, quando se comparou o número de piaçaveiras produtivas dentro das áreas estudadas, observou-se que a diferença entre os locais estudados nos três municípios não foi tão grande, variando de 870 plantas/ha no município de Cairu a 620 plantas/ha no município de Canavieiras; 11 - L. A. M. Silva & S. G. da Vinha, "A piaçaveira (Attalea funifera Mart.)...", cit. e "Ocorrência da piaçaveira e vegetação associada...", cit. 7 isso por ter sido incluído na média o número de piaçaveiras encontradas na mata. Em áreas abertas desse município, o número de piaçaveiras em produção foi de 840 plantas/ha, enquanto na mata foi de 400 plantas/ha. PRODUÇÃO

Os dados de produção de piaçaveira são desencontrados devido ao sistema extrativista de colheita. Bondar12 indica uma produção de 8 kg a 10 kg de fibras/planta/ano. Num experimento instalado na Fazenda Barra do Manguinhos, município de Ilhéus, foram marcadas 25 palmeiras con-sideradas jovens, sem nunca terem apresentado floração, e outras 25 consideradas adultas, que já haviam lançado inflorescências e apresentavam estipe com altura superior a 1,5 m. A produção média das 25 plantas jovens foi de 1.815 g por planta, 40% acima das plantas adultas, as quais alcançaram uma produção média de 1.282 g por planta. O comprimento das fibras também foi superior nas plantas jovens em cerca de 36%, porém o diâmetro não apresentou diferenças significativas. Como a produção de fibras está diretamente relacionada com a produção das folhas, a maior e. melhor quantidade de fibras nas plantas jovens foi atribuída ao fato de que nestas toda a energia é alocada na produção vegetativa, enquanto na planta adulta uma grande parte da energia obtida é alocada para a produção de flores e frutos.

As fibras classificadas como de primeira representam aproximadamente 60% do peso total, as fibras de segunda 25% e a borra 15%. PRAGAS E DOENÇAS Por ser uma espécie pouco estudada, quase nada se conhece sobre as pragas que atacam as plantações de piaçava. Com uma distribuição geográfica bastante restrita, é possível que o equilíbrio biológico impeça o aparecimento de pragas que venham a inviabilizar sua sobrevivência. Esse equilíbrio, entretanto, pode ser rompido a qualquer momento com o excesso de povoamento da espécie e o rápido desaparecimento da vegetação a ela associada. 12 - G Bondai; "A piaçaveira e outras palmeiras Attaleaineas na Bahia", em Boletim, n° 13, Salvador, 1942. 79

Todos os insetos encontrados nas piaçaveiras são comuns a outros tipos de palmeiras, principalmente as dos gêneros Orbignya e Cocos. Entre os mais conhecidos está o Aspidiotus

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destructor, cochonilha que ataca as palmeiras em geral; não provoca a sua morte, mas o ataque dessa praga definha a planta, provocando o atraso no seu desenvolvimento. O Rhynchophorus palmarurn, conhecido como broca-da-ferida, comum em coqueirais, também ataca a piaçaveira através dos ferimentos que aparecem no estipe e pode causar a morte da palmeira. O adulto desse besouro é de cor negra, com aproximadamente 5 cm de comprimento e de hábito diurno. A fêmea, ao ser atraída, faz a postura nas axilas das folhas mais jovens ou nas regiões do ferimento.

Já os frutos são atacados por insetos dos gêneros Caryoborus, Caryobruchos e Pachymeros da família Bruchidae, principalmente através das amêndoas. Esses insetos de hábitos noturnos ovipositam em frutos caídos e as larvas atacam diretamente as amêndoas, inviabilizando a coleta de sementes e frutos maduros já no solo. A coleta das sementes deve ser feita preferencialmente quando os frutos ainda estão nos cachos e os primeiros começam a cair, fase esta conhecida como de frutos sapateiros. PRODUTIVIDADE E RENDIMENTO DA PIAÇAVA

A produtividade da piaçava foi medida por Moreau13 em três sistemas de manejo: mata, pastagem e cultivo (tabela 1).

Tabela 1 – Produtividade e rendimento da piaçava em três sistemas de manejo Sistema de Manejo

Produção média (Kg/pl)

N° de piaçaveiras/haa

Produção @/ha Valor brutob (R$)

Mata 2,13 1.672 223 2.676,00 Pastagem 3,35 960 201 2,412,00 Cultivo 3,32 1.110 230 2.760,00 Fontes: M. S. Moreau, Ocorrência, manejo, produtividade e canais de comercialização da piaçaveira Attalea funifera Mart.) em Ilhéus, Una e Canavieiras - Bahia (Cruz das Almas: UFBA/Escola de Agronomia, 1997); L A. M. Silva & S. G. da Vinha, "A piaçaveira (Attalea funifera Mart.)..." e "Ocorrência da piaçaveira e a vegetação associada...", cit. a Média dos municípios de Ilhéus, Cairu e Canavieiras. b Valor considerado para cálculo: R$ 12,00/@.

A maior produtividade foi a das palmeiras vegetando em pastagem e em área plantada, e a menor em mata densa, isto é, em ambiente fecha-

13 - M. S. Moreau, Ocorrência, manejo, produtividade e canais..., cit. 80 do. Se agregarmos os rendimentos de outras culturas presentes num sistema agroflorestal, provavelmente esse será o mais rentável, por unidade de área, além de preservar outros recursos naturais como água e solo. Ressalva-se que a mata com piaçaveiras, apesar de apresentar menor pro-dutividade, é de grande importância ecológica, podendo até mesmo tornar rentáveis reservas legais e outras matas mantidas conservadas, que tenham piaçaveiras ou possam ser enriquecidas com elas. Essa ressalva é feita para que os produtores não pensem que necessariamente tenham que derrubar as matas para plantar piaçaveira. Essa iniciativa provocaria muitas conseqüências negativas no futuro, tanto em termos econômicos como em ambientais, em decorrência do desequilíbrio biológico comum em plantios isolados. BENEFICIAMENTO

A exploração das piaçaveiras na Bahia é uma atividade puramente extrativista, daí a importância social na geração de empregos diretos e indiretos nas fases de colheita, beneficiamento e comercialização. Também tem a sua importância no resgate da cultura indígena, que é mantida pelos

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seus descendentes, os caboclos, verdadeiros artesãos na utilização da borra da piaçava. No campo, as fitas — conjunto de fibra e borra — produzidas ao longo do pecíolo da folha passam por um processo manual de separação, normalmente utilizando a mão-de-obra familiar.

No depósito, procede-se a outra limpeza da fibra para classificação, com o auxílio de um pente ou ancinho metálico. Posteriormente, os produtos primários - fibra e borra — são enfardados em unidades de 50 kg para a comercialização. COMERCIALIZAÇÃO

A produção da fibra é uniforme durante todo o ano, mantendo a continuidade no abastecimento da fibra no mercado. Além disso, a piaçava é um produto não-perecível, podendo ficar longos períodos na planta ou armazenada. O processo de comercialização inicia-se com a colheita ou extração da fibra, feita pelos piaçaveiros. A quantidade de fibra exportada diminuiu no decorrer dos últimos anos devido, entre outros fatores, à 81 substituição de fibras naturais por fibras de náilon, à substituição dos piaçavais por outras atividades agrícolas e à devastação da Mata Atlântica, na qual a palmeira é nativa.

De acordo com Moreau,14 os ganhos obtidos pelas diferentes classes da cadeia comercial variam de acordo com os seis caminhos possíveis a serem, seguidos até chegar ao consumidor (tabela 2). O pagamento do produto geralmente é feito na balança, ou seja, no ato da pesagem. Tabela 2 - Percentuais da renda bruta obtida pelas diferentes classes na comercialização da fibra da piaçaveira em relação ao consumidor final CAMINHOS CLASSES 1 Piaçaveiro

contratado* 2 Piaçaveiro meeiro

3 Extração por empreiteiro

4 Piaçaveiro contratado

5 Piaçaveiro contratado (venda direta)

6 Extração p/ proprietário

Piaçaveiro 15 25 15 15 15 50

Empreiteiro - - 10 - - -

Dono da terra 35 25 25 45 85 -

1° comprador 10 10 10 - - 10

2° comprador 40 40 40 40 - 40

Consumidor 100 100 100 100 100 100

Fonte: M. S. Moreau, op, cit. *Difere do caminho 4 pela presença de um intermediário a mais.

A melhor solução é comercializar o produto por meio de uma cooperativa formada pelos agricultores ou buscar o mercado e tentar a comercialização indicada no caminho 5, pelo qual o piaçaveiro recebe 15% do valor final da piaçava. Nesse caso, o proprietário se beneficia vendendo o produto diretamente às indústrias e aos exportadores, ganhando 85% do valor final da fibra.

Os intermediários vendem o produto principalmente para o Espírito Santo, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Sergipe, Rio Grande do Norte e Ceará.

Em resumo, para contornar os problemas no processo de comercialização, é necessário que o produtor tenha acesso às informações do mercado e que busque orientação sobre quando, onde, como e

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a quem deve vender seu produto, aumentando assim, a curto prazo, sua renda líquida.

14 - Ibidem 82 CONCLUSÃO

A piaçaveira (Attalea funifera) é uma palmeira nativa e endêmica, principalmente na zona de transição entre a restinga e a mata higrófila — ecossistemas do bioma Mata Atlântica -, ao longo do litoral da Bahia. Por se tratar de uma espécie bastante adaptada a solos ácidos e de baixa fertilidade natural, pode ser considerada uma excelente opção de diversificação, podendo ser empregada no repovoamento florestal e na implantação de novos piaçavais tanto em áreas degradadas como em sistemas agro florestais.

A espécie fornece fibras e subprodutos para diversos usos e é de fácil comercialização. Os frutos, anteriormente comercializados para a confecção de botões, cabos de canivetes, maçanetas de portas etc, hoje alcançam o valor de R$ 60,00/milheiro, representando uma renda adicional ao produtor de cerca de R$ 800,00/ha/ano.

Ressalta-se, finalmente, que a exploração não predatória das piaçaveiras, por meio do manejo florestal, além de preservar o meio ambiente, pode vir a ser um modelo de exploração sustentável, considerando que a planta não é "sacrificada" durante o processo de obtenção da matéria-prima. Daí a importância social na geração de empregos diretos e indiretos nas fases de colheita, beneficiamento e comercialização. Acrescenta-se a tudo isso a sua importância no resgate da cultura indígena, que é mantida pelos seus descendentes, os caboclos, verdadeiros artesãos na utilização da borra da piaçava. 83 EXPLORAÇÃO, MANEJO E CONSERVAÇÃO DA ARAUCÁRIA (ARAUCARIA ANGUSTIFOLIA) Miguel Pedro Guerra, Variado Silveira, Maurício Sedrez dos Reis e Lineu Schneider INTRODUÇÃO

A floresta de araucária é reconhecida como um conjunto vegetacional com fisionomia característica recebendo denominações diversas: floresta de pinheiros, pinhais, zona de pinhais, mata de araucária, entre outras. Atualmente emprega-se a terminologia floresta ombrófila mista, proposta pelo IBGE,1 que é adequada a um sistema de classificação da vegetação intertropical. 1 - H. E Veloso & L. Góes-Filho, "Fitogeografia brasileira: classificação fisionômico-ecológica da vegetação neotropical", em Boletim Técnico do Projeto Radambrasil, série Vegetação, n° 1, Rio de Janeiro, 1982, pp. 3-79. 85

A origem desse termo vem, em parte, da mistura de duas floras distintas: a tropical afro-brasileira e a temperada autro-brasileira, cada qual com elementos característicos. Essa mistura ocorre devido a condições peculiares observadas no planalto Meridional Brasileiro, onde fatores associados à latitude e às altitudes planálticas criam uma situação única na região Neotropical.

A floresta ombrófila mista faz parte do Domínio da Mata Atlântica, o qual é constituído por várias outras formações florestais: floresta ombrófila densa (Mata Atlântica stricto sensu), floresta estacionai semidecídua (matas do interior) e ecossistemas associados (manguezal, vegetação de restinga e campos de altitude).

As utilizações mais comuns da araucária estiveram associadas à obtenção de madeira para tabuados, vigamentos, pranchões, caixas, móveis, cabos de vassouras e ferramentas, palitos de dente e

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de fósforo, fabricação de compensados, pasta mecânica e celulose, papel, matéria plástica, lã e seda artificiais, instrumentos musicais, instrumentos de adorno, artigos de esporte, separadores para acumuladores, caixas de ressonância de piano, tacos de nós, mourões, telhas de tabuinhas etc. Os galhos e refugos, e especialmente o nó de pinho, servem para lenha e combustível de caldeiras, e os pinhões servem de alimento para o homem e para os animais. ÁREA DE OCORRÊNCIA NATURAL

A araucária é a única espécie de seu gênero com ocorrência natural no Brasil, e suas florestas, concentradas, ocupavam originalmente cerca de 20 milhões de ha,2 distribuídas nos estadas do Paraná ,(40%), Santa Catarina (31%) e Rio Grande do Sul (25%) e como manchas esparsas no sul de São Paulo (3%), internando-se até o sul de Minas Gerais e Rio de Janeiro, em áreas de altitude elevada (l%).3

A floresta ombrófila mista está circunscrita a uma região de clima pluvial subtropical, ocorrendo abaixo do trópico de Capricórnio, limitada entre as latitudes 19° 15' S e 31° 30' S e entre as longitudes 41° 30' W e 2 - R. Reitz & R, M. Klein, Araucariáceas: flora ilustrada catarinense (Itajaí: Herbário Barbosa Rodrigues, 1966). 3 – J. R. Mattos, O pinheiro brasileiro (2° ed. Lages; Artes Gráficas Princesa, 1994). 86 54° 30' W Ocorre em altitudes que vão de 500m a 1.200m nos estados do Sul do Brasil. Áreas disjuntas de floresta ombrófila mista ocorrem nos estados de São Paulo e Minas Gerais, em pontos mais elevados da serra da Mantiqueira e suas ramificações. EXPLORAÇÃO E DISPONIBILIDADE DO RECURSO

No início do século XX cerca de 35% da cobertura vegetal dos estados do Sul do Brasil estavam representados pela floresta ombrófila mista. O intenso processo de exploração predatória fez com que as reservas naturais dessa espécie estejam atualmente limitadas a valores estimados entre 2% a 4% da área original.

Já no final da década de 1940 pesquisadores levantavam preocupações quanto à expansão do processo exploratório da araucária. De acordo com Laboriau e Mattos Filho,4 a exploração e a devastação dessa espécie ocorriam em três etapas consecutivas. A primeira consistia no desbaste exclusivo das árvores de valor comercial. A segunda, no corte das árvores - numerosas e de madeira excelente - que restaram após a primeira devastação. A terceira, no incêndio do que sobrou, visando transformar em agrícola ou pecuária uma região que era madeireira por força da natureza. Muitas vezes, porém, o fogo realizou o processo inteiro de destruição, queimando o pinhal sem aproveitamento. Destacaram os autores que "somente há pouco iniciaram-se plantios sistemáticos do que o fogo e as serrarias destruíram sem método".

A exploração da araucária foi componente importante na economia dos estados do Sul até o final da década de 1970. Por um longo período foram exportadas madeiras serradas e laminadas para vários países. Essa exploração intensificou-se a partir de 1934 e teve seu auge entre as décadas de 1950 e 1970.5 Tal exploração fez com que as reservas de araucária fossem praticamente exauridas no estado de São Paulo no período entre 1930 e 1940. Ho estado do Paraná, em 1977 as matas remanescentes representavam apenas 4,3% da área original.6 Estima-se que entre 1958 e

4 - L. E G. Laboriau & A. Mattos Filho, "Notas preliminares sobre a 'Região da Araucária'", em Anuário Brasileiro de Economia Florestal, São Paulo, 1948, pp. 1-17. 5 - J. R. Mattos, AP. cit.

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6 - J. Y. Shimizu & Y. M. M. Oliveira, "Distribuição, variação e usos dos recursos genéticos da araucária no sul do Brasil", era Documentos, n°4, Curitiba, 1931. 87 1987 foram exportados mais de 15 milhões de m3 de madeira, fazendo com que a araucária fosse o produto madeireiro mais importante do Brasil até a década de 1970.7

Entre 1985 e 1990 foi desmatado um total de 144 mil hectares somente no estado do Paraná, sendo a maior parte nas áreas de ocorrência de remanescentes da floresta ombrófila mista.8 Conseqüentemente, as áreas remanescentes dessa formação passaram a sofrer forte pressão exploratória.

No estado de Santa Catarina, nos anos de 1992 e 1993, antes da proibição do corte e exploração pelo artigo 1° do Decreto n- 750, de 10-2-1993, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) autorizou o corte de 251.658 araucárias, representando oficialmente 62.966,7 ha. A partir de 1997 foram retomadas as autorizações com base na Portaria Interinstitucional Ibama n° 001/96, de 4-6-1996, que em seu artigo 1° permite a exploração dessa espécie por meio de Planos de Manejo Florestal Sustentável ou Requerimento de Corte Seletivo.

Devido ao intenso desmatamento e consumo, sem preocupações com o reflorestamento das áreas exploradas, a produção madeireira tendeu ao esgotamento das reservas naturais, prejudicando o abastecimento de matéria-prima para a indústria e alterando a fisionomia de extensas regiões no Sul do Brasil. Para contornar a falta de matéria-prima, iniciaram-se programas de reflorestamento utilizando essências exóticas, especialmente as do gênero Pinus, que passaram a ocupar as áreas originalmente cobertas com a floresta ombrófila mista.

O reflorestamento com araucária foi realizado primeiramente pelo governo federal e por um número reduzido de empresas privadas. Cerca de 90.000 ha foram plantados até 1979, declinando drasticamente até uma taxa inferior a 300 ha por ano, no início da década de 1980.9 Não existem hoje dados precisos sobre a área remanescente desses reflorestamentos, mas se estima que parte ínfima dessa área progrediu. Hoje sabe-se que esses reflorestamentos foram planejados e conduzidos de maneira incorreta.

7 - R. Reitz & R. M. Klein, op. cit. 8 - Fundação SOS Mata Atlântica & Inpe, Atlas da evolução dos remanescentes florestais e ecossistemas associados no Domínio da Mata Atlântica no período de 1985-1990 (São Paulo: 1993). J. 9 - Y. Shimizu & Y. M. M: Oliveira, op. cit. 88 LEGISLAÇÃO INCIDENTE SOBRE A ARAUCÁRIA

Com a entrada em vigor do Decreto-lei n° 750, prevendo a exploração sustentada das espécies da floresta Atlântica, os estados do Sul do Brasil normatizaram a exploração da araucária com base em estratégias de manejo sustentado. Mas para a maior parte das situações as espécies madeireiras são tratadas de forma homogênea, ou seja, praticamente não há critérios específicos por espécie. Contudo, alguns aspectos específicos para a araucária são contemplados nas legislações do Paraná e do Rio Grande do Sul (mostrados na tabela 1). Nesse sentido há a necessidade de uma melhor compatibilização entre as normas e legislações nos três estados do Sul no que tange a exploração, manejo e conservação da araucária, e há a necessidade de um maior intercâmbio e atuações conjuntas dos órgãos normatizadores e fiscalizadores. Tabela 1 -Análise comparativa das legislações estaduais para exploração e manejo da araucária no Domínio da Mata Atlântica Critério Estados

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PR SC RS Instrumento legal Resolução 038/98 Sema Portaria Interinstitucional

Ibama Seduma 01/96 Decreto Estadual 33.335, de 1-4-1998

Instrumento de execução (*) manejo em regime jardinado

PM em Regime de Rendimento Sustentado

PM Florestal Sustentável PM em Regime Sustentado (*)

Previsão de corte de árvores isoladas (*) exigência de manutenção 10 porta-matrizes/ha

Até 10 indivíduos (DAP> 40 cm) (*)

Até 20 indivíduos ou 15 m3

Até 10 m3

Previsão de reposição (mudas/árvore) 10 Não previsto 15

Manutenção de matrizes - número mínimo (/ha)

Mínimo de 10/ha (para o corte isolado) Implícito nos PM

Não previsto Mínimo de 8/ha (para o corte isolado) Implícito nos PM

Regeneração natural mínima (número/ha)

Necessária para a continuidade do PM

Necessária para a continuidade do PM

Necessária para a continuidade do PM

Diâmetro limite de corte (DAP mínimo) (cm) (*) pode ser definido a partir dos dados do inventário

40 40 (*)

Previsão de inventário contínuo com parcelas permanentes (*) sistematizado

Sim Sim (*) Sim

Erro admissível no inventário 10% 10% Limite não. previsto

Exigência de averbação da reserva legal

Sim Sim Sim

(cont.) 89 PR SC RS Previsão de processo simplificado para pequenas propriedades (tamanho limite da propriedade)

50 ha 30 ha Limite não previsto

Órgão licenciador e fiscalizador

IAP Fatma/lbama Órgão florestal estadual

PM. Plano de Manejo; IAP: instituto Agronômico do Paraná; Ibama: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis; Fatma: Fundação de Amparo à Tecnologia e Meio Ambiente de Santa Catarina. Fonte: elaboração dos autores. EXPLORAÇÃO E MANEJO DA ARAUCÁRIA Diagnóstico do setor - Recursos e agentes

Levantamentos feitos ao longo do ano de 1998 no âmbito do projeto Inventário dos Recursos Florestais da Mata Atlântica, com os principais agentes envolvidos com a exploração da araucária, permitiram traçar um perfil representativo desses agentes que foram classificados no setor de papel e celulose, setor madeireiro, grandes proprietários, pequenos proprietários, e pequenas serrarias. Para o levantamento de dados foram realizadas visitas técnicas e entrevistas, e aplicados questionários em empresas do setor, madeireiras, produtores e pesquisadores. Os principais agentes envolvidos de uma forma ou de outra com esse recurso nos três estados do Sul foram contatados, procedendo-se à aplicação de questionários e entrevistas.

a) Setor de papel e celulose - Neste setor estão agrupadas as grandes empresas do setor de papel

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e celulose e que atuam em todas as fases, desde o reflorestamento até a comercialização do papel. São empresas gigantes do setor, como a Klabin, a Rigesa e a Celucat, cujas áreas estão acima dos 50 mil ha. Suas relações diretas com o produto araucária foram muito mais importantes no passado do que no presente. Essas empresas adquiriram grandes áreas no passado e exploraram intensamente a araucária: num primeiro momento para a madeira e num segundo momento para á indústria de papel e celulose. Hoje elas têm sua atividade econômica centrada na exploração e industrialização do Pinus elliottii, P taeda e Eucalyptus spp. e mantêm suas reservas com araucárias intocadas, em limites bastante superiores àqueles determinados no âmbito das reservas legais. 90

Algumas empresas como a Klabin e a Tedesco utilizam a araucária derivada dos desbastes de seus reflorestamentos para a composição de um mix. para a produção de papel com maior resistência, como é o caso do papel Kraft e do papel de imprensa. Nesse caso a araucária é empregada em uma porcentagem que varia de 3% a 10%. Nesse particular a araucária apresenta características de alto valor, como a fibra longa — que confere maior resistência ao papel — e de cor clara — que necessita de menor branqueamento químico no processamento da indústria, sendo com isso ambientalmente mais adequada.

Com relação à industria de papel e celulose, destaque especial deve ser dado à empresa Araupel S. A., de Quedas do Iguaçu (PR), que possui mais de 15 mil ha de área reflorestada com araucária, a maior do Brasil. Essas empresas respeitam plenamente a legislação para o setor, quanto aos critérios de conservação e implantação e corte de áreas reflorestadas, e enfatizam que a legislação em vigor não traz prejuízos nem é impeditiva ao reflorestamento, manejo e exploração dessa espécie.

b) Setor madeireiro — Este setor está associado a um grupo de empresas, normalmente de

origem familiar, que ainda exerce pressão moderada sobre os remanescentes de araucária e que por contingências de legislação aceitam o que consideram um zelo exagerado em relação à espécie. Essas empresas possuem áreas médias de 5 mil ha e construíram sua trajetória baseadas na exploração da araucária, tanto pela exploração de áreas próprias quanto pela compra de terceiros. Historicamente essas empresas possuíam grandes serrarias e foram as principais responsáveis pelo processamento de toras e araucária para a produção de madeira e laminados no chamado ciclo do pi-nheiro. Na década de 1970, muitas dessas empresas passaram a reflorestar suas áreas com Pinus e diversificaram suas atividades, mantendo a exploração da araucária até o limite previsto pela le-gislação.

Essas empresas normalmente processam os produtos originados dos planos de manejo ou autorizações de corte seletivo de produtores regionais ou de suas próprias reservas, aspecto este que acentua a 91 pressão sobre os remanescentes. Eventualmente processam material de desbaste de seus reflorestamentos, iniciados na década de 1970. O preço médio pago aos produtores é de R$ 60,00/m3 de tora com mais de 50 cm de diâmetro.

c) Grandes proprietários — Este setor está associado a proprietários típicos dos campos de araucária dos estados do Sul do Brasil. São propriedades com área média de 2 mil ha que já foram no passado intensamente exploradas no que tange ao recurso araucária. Esses proprietários têm hoje sua atividade central na agropecuária, principalmente associada à bovinocultura e mais recentemente com a produção de frutíferas, notadamente a macieira. No estado do Paraná, além dessas atividades, há um componente de produção de grãos. Os proprietários que conseguiram modernizar sua produção obtêm hoje bons rendimentos e exercem menor pressão sobre os remanescentes com araucária, e nesse caso

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são sensíveis às práticas de conservação dos relictos existentes. Naquelas propriedades onde o processo de modernização não ocorreu, como em algumas regiões serranas do planalto de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, ainda há uma pressão considerável sobre os remanescentes, e seus proprietários ainda mantêm relictos, contudo as novas gerações exercem pressões familiares consideráveis para a exploração econômica desses remanescentes, que são vistos como uma espécie de "reserva-poupança" a ser acionada em caso de necessidade. Assim como no caso do setor de papel e celulose utilizou-se como. estudo de caso a situação da Araupel S. A., para o setor de grandes propriedades merece destaque o caso da fazenda Guamirim Gateados, em Campo Belo do Sul, planalto de Santa Catarina, que apresenta 40 mil araucárias com diâmetro, à altura do peito (DAP), acima de 40 cm. Parte da área da fazenda encontra-se averbada como Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). A área reflorestada com araucária é de 1,1 mil ha e esses plantios se iniciaram em 1966. Nessa área, que contém 8 mil árvores, 5 mil delas apresentam um DAP acima de 20 cm. Nas outras áreas o reflorestamento foi feito a partir de 1978. Os levantamentos e inventários feitos demonstram incre-mentos no DAP que podem atingir 1,5 cm a 2,0 cm por ano. Na área reflorestada em 1978 existem árvores com mais de 40 cm de DAR 92

d) Pequenos proprietários - Faz parte deste setor o número quantitativamente mais expressivo de agentes nos três estados do Sul do Brasil. São propriedades com áreas médias de 50 ha, que têm na agricultura e pecuária suas atividades principais. A modernização dessas propriedades com a inserção de culturas de alta densidade econômica tornou parte delas altamente rentáveis, diminuindo com isso a pressão sobre os remanescentes com araucária. Aqueles proprietários que não modernizaram sua produção exercem significativa pressão sobre os remanescentes e em caso de necessidade, como é o caso de doenças na família, tendem a explorar a chamada reserva-poupança.

Esses proprietários vêem com restrições a legislação, que, na maior parte das vezes, é entendida como restritiva à exploração de um recurso de propriedade particular. Também, esses agentes tendem a negociar com pequenas serrarias que compram clandestinamente as árvores em pé por metade do preço praticado pelo mercado normatizado, ou então tendem a fazer associações com as serrarias, de tal maneira que uma porcentagem fique com a serraria e outra parte retorne ao proprietário, que utiliza a madeira para a melhoria de benfeitorias na propriedade.

Há entre esses proprietários a percepção de que a araucária valoriza suas propriedades, e além do potencial de exploração de madeira utilizam o recurso de produção de pinhões, empregados na alimentação da família, de vizinhos e animais. Não raramente essas propriedades obtêm renda com a venda de pinhão.

e) Pequenas serrarias — Normalmente localizadas em pequenos municípios, têm relação direta com os pequenos e, menos freqüentemente, com os grandes proprietários. Exercem uma pressão considerável sobre os remanescentes e não raras vezes apresentam problemas com a legislação e fiscalização por processamento de toras cortadas sem autorização ou por utilização inadequada de autorizações para cortes seletivos ou planos de manejo. Esse setor opera por meio de negócios com os pequenos proprietários, que trocam o serviço de desdobramento de toras em madeira por parte do produto resultante. O setor não apresenta interesse em reflorestamento, opera com margens reduzidas de lucratividade e 93 exerce também pressão sobre outras espécies da floresta ombrófila mista, como a canela-imbuia, outras canelas e o cedro, entre outras. Opera no mercado local e regional, e uma rigorosa fiscalização nesse setor poderia promover uma redução considerável na pressão sobre os remanescentes. Exploração e rendimento

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De acordo com as informações obtidas com a Associação Brasileira de Produtores de Madeira (ABPM), a madeira de primeira (sem nós) de araucária era vendida em tábuas de 4,20 m x 0,30 m, no varejo, no ano de 1998, a R$ 160,00/dúzia; a de segunda (pequenos nós de um lado) era vendida a R$ 140,00/dúzia; a de terceira (nós com diâmetro de até 1 cm) era vendida a R$ 120,00/dúzia; a de quarta (nós com diâmetro de até 3 cm) era vendida a R$ 70,00/dúzia; e a de quinta (restante) era vendida a R$ 40,00/dúzia. Como termo comparativo, a melhor madeira de Pinus, equivalente à de primeira de araucária, era vendida a R$ 85,00/dúzia.

As informações levantadas com as empresas do Paraná revelam que, nos reflorestamentos com araucária, o incremento médio anual, incluindo os volumes dos desbastes, é de 13 m3/ha/ano. No corte final aos 45 anos, espera-se a produção de 280 m3/ha de madeira. O preço da madeira, comparativamente à de Pinus, atinge até 85% a mais dependendo do diâmetro das toras. Para madeira processada o preço atinge até 36% a mais em relação à de Pinus. Incrementos médios de até 20 m3/ha/ano, em bons sítios de produção, são possíveis de ser obtidos com essa espécie, em comparação com incrementos médios de 30 m3/ha/ano, observados para Pinus. Em 1998, os preços médios recebidos pelos produtores por m3 de tora de primeira variavam entre R$ 60,00 e R$ 80,00 para a araucária e de R$ 30,00 e R$ 40,00 para Pinus. A proporção m3 tora/m3 tábua é de 1,6 para araucária e de 2,3 para Pinus. Assim, a viabilidade econômica para a araucária é alcançada quando o incremento médio é de 17 m3/ha/ano, enquanto para Pinus esse valor só é alcançado em áreas com incremento médio de 35 m3/ha/ano.

Considerando os dados disponíveis nas autorizações de manejo do Ibama nos três estados do Sul do país no ano de 1998, pode-se estimar o valor da exploração da araucária. Nesses estados, estimou-se uma exploração média 94 de 9 mil ha para Santa Catarina, 6 mil para o Paraná e 5 mil para o Rio Grande do Sul. Considerando que cada hectare produz 15 m3 de tora e um fator de correção de 25%, obtém-se o valor de 225 mil m3, que equivalem a 562,5 mil dúzias de tábuas. O valor médio da dúzia de segunda é estimado em R$ 140,00, chegando-se ao valor total da exploração, estimado em R$ 78.750.000,00. Estima-se também um valor de R$ 7.875.000,00 para a celulose de araucária, valor este que tende a se elevar a cada ano com a entrada em funcionamento da Araupel S. A., que processa celulose apenas de araucária.

Ainda segundo informações obtidas com os agentes envolvidos no setor, a tendência de exportação de madeira de araucária é de redução progressiva em virtude da redução dos estoques existentes e da pressão dos mercados importadores para a certificação florestal. Somente aquelas empresas que iniciaram o reflorestamento há mais de trinta anos, como é o caso da Araupel e da Klabin, terão araucárias a ser exploradas com certificado ou selo verde. A Araupel foi uma das maiores exportadoras de madeira de araucária serrada e processada, tendo como importadores preferenciais o Reino Unido, a Itália, a Argentina e o Uruguai. Os dois primeiros países foram historicamente os maiores importadores europeus e os dois últimos, no âmbito do Cone Sul, sempre tiveram grande interesse nesse recurso. Essa empresa especializou-se nos últimos anos na produção de madeira processada para a produção de degraus de escadas para os mercados da Inglaterra e Itália, chegando a obter US$ 800,00/m3 de madeira processada nessa forma. Exploração e manejo da produção de pinhão em Savana Parque

Os estados do Sul do Brasil apresentam extensas áreas classificadas como de savana, onde, em meio aos campos nativos, ocorre a presença de árvores isoladas de araucária. Essas árvores são chamadas de araucárias de gralha, pela suposição de que a dispersão das sementes é feita por esse pássaro. Nessas áreas a araucária apresenta uma grande produtividade de pinhas, comparativamente à produção em remanescentes florestais. Além disso, a maior facilidade de coleta dessas pinhas faz com

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que essa condição permita um manejo sustentado no que tange à produção de pinhões. 95

Essa atividade tem proporcionado rendas apreciáveis para aqueles que ainda possuem alguns remanescentes de áreas nativas. Em São Joaquim (SC), região de temperaturas mais baixas c altitudes acima de 1.000 m, com predominância de cambissolos, a exploração de pinhões pode ser economicamente mais importante do que a exploração para a produção de toras.

Em áreas de Savana Parque, as araucárias crescem em campo aberto e formam uma galhada maior pela ausência de competição por luz e atingem menor estatura do que em capões fechados. Na maioria das vezes essas plantas produzem uma tora limpa de 4,40 m de comprimento, mesmo que tenham um DAP maior que 40 cm. Quando o atingem, a madeira é de menor qualidade por apresentar muitos nós. No entanto, são próprias para a produção de pinhões. Em algumas fazendas do planalto serrano de Santa Catarina, em áreas de remanescentes a partir do corte de árvores de diâmetro acima de 40 cm realizado em 1978, obteve-se uma média de vinte pinhas por planta ao longo dos anos.

Quanto à oferta e à qualidade do pinhão, o Ibama permite a comercialização do produto somente a partir de 15 de abril, para garantir o replantio natural. Isso também contribuí para que seja ofertado um produto de melhor qualidade. O maior volume de comercialização ocorre nos meses de junho e julho, quando o pinhão é componente obrigatório das festas do Sul do país, principalmente. Observando a variação estacional dos preços, o pico ocorre durante as festas juninas.

No planalto catarinense, entre os anos de 1996 e 1998, o preço médio do pinhão praticado pelo produtor oscilou entre R$ 15,00 e R$ 50,00/saco de 50 kg, com uma produção média de 1,5 saco/planta em produção/ano, com a renda obtida pelo agricultor nesse período oscilando entre R$ 22,50 e R$75,00/planta/ano.

Em um estudo de caso, uma araucária na área de Savana Parque com. 70 cm de DAP e 4,40 m de tora limpa produziu trinta sacos (50 kg/saco) de pinhão em um período de vinte anos, cuja renda corrigida do período, a um preço médio de R$25,00 por saco, e considerando juros de 12% ao ano, foi de R$ 3.026,20. Essa mesma árvore, se derrubada, produziria 1,69 m3 de madeira que, ao preço de R$ 150,00/m3, resultaria em uma renda de R$ 253,50. Considerando-se novamente juros de 12% ao ano, ao final de vinte anos obter-se-ia um valor corrigido de R$ 2.445,34. Caso fosse plantada outra árvore após o corte, ao final de vinte anos, em 97 Savana Parque, a planta atingiria um DAP aproximado de 25 cm e 4,40 m de tora limpa, resultando em 0,22 m3 que, a R$ 150,00/m3, representaria uma renda complementar de R$ 33,00 com a exploração da madeira, totalizando uma renda de R$ 2.478,34. Assim, a renda total corrigida para a exploração do pinhão de R$ 3.026,20 seria 22% maior que a renda obtida num sistema de exploração de madeira, mostrando que em Savana Parque a exploração dos pinhões a longo prazo é mais rentável do que a exploração da madeira, ao mesmo tempo que reduz a pressão de corte sobre os relictos existentes.

Um sistema de exploração que integra a exploração da pecuária, apicultura, beneficiamento dos produtos agrícolas e produção de pinhão na região de Savana Parque pode apontar para a sustentabilidade ecológica, econômica e social. A industrialização poderá agregar valor aos produtos de origem vegetal e animal de qualidade biológica excepcional. Esse sistema de exploração sustentável tem dois componentes que até então não eram explorados adequadamente: a apicultura e a produção de pinhão. Com isso a renda média das propriedades agrícolas dessa região pode quadruplicar em relação ao sistema de exploração até então baseado principalmente na exploração da pecuária extensiva. CONSERVAÇÃO DE GERMOPLASMA

Dinerstein10 fez uma avaliação do estado de conservação das ecorregiões terrestres da América Latina e do Caribe, identificando 178 ecorregiões. A floresta ombrófila mista foi considerada em estado

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crítico em termos de conservação, e juntamente com as restingas do Nordeste brasileiro apresentaram a pontuação máxima neste item. A Biodiversity Support Program11 fez um estudo similar também considerando a floresta ombrófila mista em estado crítico. Em ambos os casos, com o intuito de definir prioridades para conservação dessas regiões, somou-se a esse item uma avaliação da biodiversidade, no que diz respeito à diversidade tanto de espécies como de comunidades biológicas e ecossistemas. Em ambos os 10 - E. Dinerstein et al. Una evaluoción del estado de conservación ds Ias ecerregiones terrestres de América Latina y el Caribe (Washington: Fondo Mundial para la Naturaleza, 1995). 11 - Biodiversity Support Program, A Regional Analysis of Geographic Priorities for Biodiversity Conservation in Latin America and Caribbean (Washington: WWF/World Bank, 1995). 97 estudos a biodiversidade dessa floresta foi considerada baixa, não apresentando níveis mais elevados em termos de prioridade de conservação. Observa-se que há um erro nessa avaliação, devido ao caráter geral desses estudos e principalmente pela falta de uma base de dados ambientais mais precisa, subestimando a análise desse item para essa formação.12

A floresta ombrófila mista apresenta alta diversidade tanto em termos de espécie como de comunidades, apresentando-se em condição de vulnerabilidade ao se considerarem os poucos remanescentes existentes e a continuidade do processo exploratório. Contudo, considerando os escassos estudos sobre esse bioma, ele não tem merecido a devida atenção por parte dos organismos nacionais e internacionais vinculados à questão ambiental.

A atual condição da floresta ombrófila mista enseja a necessidade de estabelecer, com base na pesquisa e nos processos educativos, políticas públicas que possam manter intactos os poucos remanescentes existentes desse bioma único. Informações básicas a partir de estudos ecológicos da vegetação, avaliação da biodiversidade e caracterização da população local são fundamentais para o desenvolvimento de práticas de manejo e uso múltiplo da floresta, bem como de políticas públicas que permitam a sua conservação.13

A conservação genética eficiente requer o conhecimento da biologia da espécie e da dinâmica e estrutura das populações e, além disso, um manejo adequado que proporcione à espécie e ao ecossistema a expressão de seu potencial evolutivo. Para a araucária a estratégia de conservação de germoplasma deve se basear na manutenção de um conjunto de populações em diferentes locais, com a utilização de critérios de seleção por meio de programas de melhoramento genético. MELHORAMENTO GENÉTICO

Atualmente, os reflorestamentos com a araucária são normalmente realizados com sementes coletadas na própria região em que se pretende plantar. Muitas vezes, pela ausência de semente nas populações locais, 12 - Instituto Ambiental do Paraná (IAP), Conservação do Bioma Floresta de Araucária (Curitiba: IAP, 1998). 13 - Ibidem. 98 utiliza-se a semente coletada em outras regiões, sem uma criteriosa seleção, o que permitiria melhor adaptação e crescimento. Como a variação geográfica é ampla, justifica-se um cuidado no sentido de escolher as procedências que melhor se adaptam a determinado local.

Poucas são as tentativas de se estabelecer um programa de melhoramento genético em

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araucária. Uma das primeiras tentativas nesse sentido foi o experimento instalado em 1953 no Horto Experimental de Santa Rita do Passa Quatro (SP), com o objetivo de verificar a existência de ecotipos ou raças geográficas, a partir de sementes coletadas em Campos do Jordão e Capão Bonito (SP) e Lages (SC). Dados coletados até o ano de 1967 revelaram que as procedências de Campos do Jordão e Lages apresentaram DAP inferior ao observado para a procedência de Capão Bonito, sugerindo a existência de raças geográficas.

Com base nesses resultados preliminares instalou-se um amplo teste com 24 procedências em nove locais: quatro em São Paulo, três no Paraná, um em Santa Catarina e um no Rio Grande do Sul. Por uma série de razoes, ao longo dos anos restou apenas o ensaio instalado no Horto Florestal da Klabin, em Telêmaco Borba (PR). Foi realizada uma coleta de dados quando o experimento completou trinta anos, avaliando-se os diâmetros e as alturas das árvores. Com esses dados, foram calculados os volumes cilíndricos individuais. A análise dos volumes cilíndricos, individuais indicou que as procedências próximas ao local do experimento, como Pinhão, Ponta Grossa e Irati, todas no Paraná, e a procedência local Telêmaco Borba encontraram-se entre as procedências de maior volume. Esses resultados mostraram a importância da escolha de procedências adaptadas para o plantio de reflorestamentos. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A exploração predatória da araucária reduziu os estoques naturais dessa espécie a níveis que a ameaçam de extinção. Estima-se que a área remanescente situa-se em torno de 2% da sua área original.

Atualmente há uma tendência para a diminuição no ritmo de exploração dessa espécie; isso pode ser atribuído aos seguintes aspectos:

a) as restrições legais à exploração dos remanescentes; b) a preocupação com a opinião pública e grupos ambientalistas que imputam aos madeireiros a

responsabilidade sobre o desmatamento; 99

c) as grandes empresas e serrarias adaptaram seus equipamentos para toras de Pinus. Contudo, é importante lembrar que as pequenas serrarias ainda trabalham com serras de grande

porte e estão situadas em municípios menores e com fiscalização deficiente. Essas serrarias devem estar processando, segundo estimativas feitas no levantamento citado anteriormente, em torno de oitocentas dúzias de tábuas de araucária de 4,20 m x 0,30 m, equivalentes a 300 m3 de madeira/mês, somente na região de Lages.

No âmbito da pesquisa, os poucos trabalhos realizados com essa espécie evidenciam a existência de variabilidade genética para o estabelecimento de um programa de melhoramento. Em condições edafoclimáticas favoráveis, o incremento da araucária atinge até 30 m3/ha/ano. Comparando-o com o das espécies de Pinus, para estes os incrementos dos reflorestamentos variam de 15 m3 a 40 m3/ha/ano. Assim, a araucária apresenta o maior incremento médio das espécies que ocorrem na floresta ombrófila mista e na floresta estacional decidual. Situa-se também entre as cinco espécies nativas do Brasil com maior crescimento.14 A viabilização de recursos para a instituição de programas de melhoramento genético é uma alternativa promissora para a exploração da araucária em reflorestamentos competitivos às espécies exóticas. Nos últimos anos, para os pequenos proprietários rurais, a exploração e a comercialização do pinhão passaram a ser um componente mais importante do que a exploração da madeira. Contudo, há a necessidade de um melhor ordenamento dessa exploração. Há a necessidade de serem estabelecidos estudos para quantificar o número de famílias envolvidas com essa atividade, o volume explorado e comercializado e seus impactos ecológicos sobre a dispersão, regeneração e alimentação da fauna

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associada. Até abril de 2000, apenas uma empresa do setor foi certificada em conformidade com os

princípios e critérios estabelecidos pelo Forest Stewardship Council (FSC) para o manejo sustentável dos seus reflorestamentos com araucária. Contudo, o sistema FSC apresenta princípios e critérios gerais para o manejo de florestas, desenvolvidos para uso em diferentes condições ambientais, sociais e econômicas. Nesse sentido, a utilização das informações existentes e a realização de pesquisas que per

14 - Eng. Ftal. Paulo Roberto Emani, comunicação pessoal, Embapa/Colombo, 1999 100 Editam o estabelecimento de princípios e critérios específicos para o manejo sustentável da floresta ombrófíla mista poderão otimizar futuros processos de certificação florestal ou qualquer outra ação destinada à manutenção da sustentabilidade nessa importante tipologia florestal,

A implementação de incentivos fiscais à conservação dos remanescentes e a adoção de medidas que garantam a fiscalização nas regiões onde continua a ocorrer a exploração predatória dessa espécie são aspectos essenciais para a manutenção dos remanescentes naturais. Somando-se a realização de pesquisas que especifiquem critérios e direcionem a exploração pelo manejo sustentado, poderá ser possível o uso eficiente e otimizado dos produtos florestais, assegurando a viabilidade econômica e benefícios ambientais c sociais.

Em função desses aspectos, e considerando a existência de poucos remanescentes de populações naturais dessa espécie na sua região de ocorrência original, seria recomendável o estabelecimento de uma moratória em toda e qualquer exploração desses remanescentes, exceto para a coleta criteriosa de pinhões. Na vigência dessa moratória seriam feitos os estudos que permitiriam a eventual exploração futura em regime de manejo de rendimento sustentável. O principal foco desses estudos deverá estar relacionado ao efeito da fragmentação dos remanescentes sobre a estrutura genética dessas proporções. 101 O PALMITEIRO (EUTERPE EDULIS MARTIUS) COMO RECURSO DA MATA ATLÂNTICA Maurício Sedrez dos Reis, Rudimar Conte, Alfredo Celso Fantini e Miguel Pedro Guerra INTRODUÇÃO

O palmito proveniente da palmeira Euterpe edulis Martius (palmiteiro) tem se constituído ao longo dos anos como um dos mais importantes produtos não madeiráveis explorados na floresta Atlântica. A espécie é também conhecida como ençarova, juçara, içara, ripa, entre outras denominações populares. Por ser um produto de elevado valor econômico, a espécie tem sofrido uma expressiva redução na área de sua ocorrência por conta da exploração predatória praticada pelo homem.

A utilização comercial da espécie teve início de forma intensa no século XX. Originalmente o palmiteiro era extraído num processo com re 103 tomo a cada área. a médio ou longo prazo. Mas a pressão da produção industrial de palmito introduziu a extração intensiva e em larga escala já na década de 1930, segundo Cervi.1 A abundância de palmiteiros na região, a forte demanda pelo produto e a facilidade inicial da exploração e do processamento ofereceram suporte para a rápida proliferação de fábricas de palmito em conserva.

Ao longo da década de 1970 a exploração tornou-se tão intensa (com, corte das matrizes e das plantas jovens) que a regeneração da espécie não mais atendia à necessidade de matéria-prima das empresas, fazendo com que várias delas quebrassem ou se transferissem para a região Norte (especialmente na região do baixo Amazonas, próximo a Belém, no estado do Pará) para explorar o

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açaí (Euterpe oleracea Martius). Com a redução alarmante da área com cobertura florestal no âmbito do Domínio da Mata

Atlântica, a necessidade de restrições legais e de desenvolvimento de tecnologias racionais e mais eficientes de exploração intensificou-se. Os estudos realizados pelo Instituto Agronômico de Campinas e pelo Instituto Florestal de São Paulo, desde a década de 1970,2 e os estudos do Núcleo de Pesquisas em Florestas Tropicais da Universidade Federal de Santa Catarina, a partir da década de 1980,3 foram de grande importância para a criação de uma massa crítica que permitisse fundamentar políticas, ações e legislações, visando à obtenção mais racional do produto. EXPLORAÇÃO PREDATÓRIA E O PROCESSO CLANDESTINO

A facilidade de extração e comercialização estão entre os principais responsáveis pelo processo predatório. Segundo depoimento de cortadores de palmito e empresários, um homem é capaz de cortar e transportar até um ponto de agrupamento em média setenta plantas por dia (podendo chegar a mais de duzentas em alguns casos), empregando apenas um facão ou uma foice. Com a utilização de mulas para transporte esse número pode dobrar ou triplicar. 1 - C. E. Cervi, O mercado de palmito, relatório para o Conselho Britânico (São Paulo, 1996), mimeo. 2 - M. L. A. Bovi et al., "Pesquisas com os gêneros Euterpe e Bactris no Instituto Agronômico de Campinas", em Anais do I Encontro Nacional de Pesquisadora em Palmito, Curitiba, 1987, pp. 1-43. 3 - A. Reis &. M. S. Reis (orgs.), Euterpe edulis Martius: biologia, conservação e manejo (Itajaí: HBR, 2000). 104

Tomando-se por base os dados disponíveis,4 é possível estabelecer um referencial do número de indivíduos com estipe maior que 1,3 m por hectare, bem como do número de indivíduos com DAP superior a 9 cm (diâmetro limite de corte proposto na legislação para a maioria das situações) para populações naturais de Santa Catarina e para o Vale do Ribeira em São Paulo: 556 ind./ha e 185 ind./ha para Santa Catarina e 514 ind./ha e 113 ind./ha para São Paulo (tabela 1). Além disso, empregando as relações de estimativa do rendimento em palmito com o DAP propostas era Fantini e colaboradores5 e Ribeiro e colaboradores,6 é possível, a partir das distribuições diamétricas, estabelecer o rendimento esperado com o corte de todas as plantas (processo predatório) ou apenas daquelas com DAP maior que 9 cm, como previsto na legislação: 195,4 kg/ha e 117,1 kg/ha para Santa Catarina e 100,8 kg/ha e 55,7 kg/ha para São Paulo.

Para populações de palmiteiros já exploradas mas em recuperação, são encontradas em torno de cem a duzentas plantas com altura da estipe superior a 1,3 m e poucas ou nenhuma planta com DAP superior a 9 cm. Nesses casos o rendimento esperado com o corte total das plantas fica em torno de 25 kg de palmito/ha. Tabela 1 - Referências de produtividade de palmito para populações naturais de palmiteiro de Santa Catarina e de São Paulo Local Número de

plantas/ha Número de plantas DAP > 9 cm/ha

Rendimento* corte predatório kg/ha

Rendimento sob manejo kg/ha

São Pedro Alc. (SC) 500 195 145,2 86,3

Ibirama (SC) 609 202 239,6 147,7 Blumenau (SC) 560 157 201,3 117,4 Média SC 556 185 195,4 117,1 Sete Barras (SP) 514 113 100,8 55,7 Média SC/SP 535 149 148,1 86,4 *Rendimento (g) = 4,191 DAP2 (Fantini et al, "Sustained Yield Management in the Tropical Forest. A Proposal Based on

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the Autecology of the Species", em Sellowia, vol, 42-44, 1992, pp. 25-41, para Santa Catarina). Rendimento (g) = 27,249- 19,015 DAP + 4,454 DAP2 (Ribeiro et al, "O manejo sustentado do palmiteiro no Vale do Ribeira", em Florestar Estatístico, 1 (3), 1994, pp, 15-16, para São Paulo). 4 - R. J. Ribeiro et al, "O manejo sustentado...", cit.; R. Conte, Manejo do palmiteiro (Euterpe edulis M.) na estado de Santa Catarina (Florianópolis: UFSC, 1997); M. S. Reis et al., "Caracterização do incremento em diâmetro de Euterpe edulis Mart. e implicações para o seu manejo em formações florestais secundárias", em Árvore, 23 (4), São Paulo, 1999, pp. 413-422. 5 - A. C, Fantini et ai., "Sustained Yield Management...", cit. 6 - R. J. Ribeiro et al., "O manejo sustentado...", cit. 105 Fantini e colaboradores7 apresentam alguns dados já disponíveis de pesquisas relativas à dimensão do extrativismo predatório; ainda que alguns dados possam ser contestados, esse levantamento dá uma idéia da importância da atividade. Romeiro e colaboradores,8 em amostragem em onze municípios da região do Vale do Ribeira (SP), apontam a existência de 585 fabriquetas ilegais de palmito, enquanto em todo o estado de São Paulo existem somente 31 fábricas registradas no Ibama.9

Muitas fábricas de palmito legalmente registradas no Ibama compram palmito clandestino juntamente com aquele produzido legalmente.10 O desafio, se possível, é estimar quanto do palmito comprado por elas vem de projetos de manejo devidamente licenciados e quanto é clandestino. Alguns proprietários de fábricas de palmito dizem que a compra de palmito ilegal é essencial não somente para baixar seus custos e manter seu produto competitivo no mercado, como também para viabilizar o funcionamento constante da fábrica.

Para reduzir a clandestinidade, a inspeção em bares, restaurantes e churrascarias, além de estabelecimentos de revenda de palmito ao consumidor, deveria ser a ação mais agressiva das agências ambientais e da polícia florestal, em conjunto com o serviço de fiscalização sanitária, para conter o consumo de palmito clandestino. Essa estratégia tem sido apontada como uma importante alternativa para reduzir a ação clandestina por Resende11 e Fantini e colaboradores.12

Por outro lado, a existência de uma rede de computadores, por exemplo, permitiria a criação de um banco de dados que poderia ser utilizado simultaneamente pelas agências ambientais e pelas polícias florestais de todos os estados. O cruzamento de informações entre essas organizações, que ainda não acontece, daria de forma completa a situação de todos os fornecedores, fabricantes e comerciantes de palmito 7 - A. C. Fantini et ai., "Produção de palmito (Euterpe edulis) na Floresta Atlântica: potencial, problemas e soluções", em A. Reis & M, S, Reis (orgs,), Euterpe edulis Martius: biologia, conservação e manejo, cit. 8 - A. R. Romeiro et aí., Projeto, a exploração do palmito na Mata Atlântica na região do Vaie do Ribeira (Campinas: Fecamp, 1996). 9 - C. E. Cervi, op. cit. 10 - A. C Fantini et al. "Produção de palmito...", cit. 11 - R. U. Resende, "Aspectos do licenciamento e fiscalização da produção de palmito (Euterpe edulis) em São Paulo", em Anais Fortest 96, Belo Horizonte, 1996, p. 213. 12 - A. C. Fantini et al, "Produção de palmito...", cit. 106

Da mesma forma, a existência de referências nas agências fiscalizadoras é outro aspecto de grande importância, pois pode maximizar os esforços de fiscalização, na medida em que poderiam ser priorizadas as ações de fiscalização quando as informações fugissem a esses referenciais. Referências similares àquelas da tabela 1 podem ser facilmente obtidas a partir dos próprios projetos de manejo que já vêm sendo fiscalizados.

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O combate à produção clandestina de palmito, conforme concluem Fantini e colaboradores,13 só vai ser realizado eficientemente quando os governos assumirem, por meio de suas agências ambientais, a responsabilidade sobre a conservação produtiva dos recursos florestais. Assumir essa responsabilidade significa dar estrutura adequada e cobrar das agências uma ação efetiva, envolvendo mudanças na legislação, estímulo à produção legal, uso de rede de informações e perseguição incansável aos produtores ilegais, MANEJO SUSTENTÁVEL DO PALMITEIRO

As potencialidades e possibilidades de manejo sustentado para o palmiteiro têm sido bastante estudadas pelo Núcleo de Pesquisas em Florestas Tropicais (NPFT) da Universidade Federal de Santa Catarina.14 Tais estudos fundamentam-se na necessidade de se conhecer a autoecologia da espécie, especialmente no que se refere à dinâmica demográfica e à biologia reprodutiva, para o estabelecimento de estratégias de intervenção (manejo ou maneira de realizar a exploração de forma necessariamente controlada e desejavelmente sustentável) que permitam o estabelecimento de um sistema sustentável. Adicionalmente, a econo 13 - Ibidem. 14 - R. R Floriano et al, "Análise preliminar no inventário do palmiteiro em floresta ombrófila densa Montana", em Anais do I Encontro Nacional de Pesquisadores em Palmito, Curitiba, 1937, pp. 159-165; A. C. Fantini et al., "Estimativa da produção de palmito (Euterpe edulis Martius) a partir de características fenotípicas", em Árvore, 21 (1), 1997, pp. 49-57; A. Reis et al., 'Aspectos sobre a conservação da biodiversidade e o manejo da Floresta Tropical Atlântica", em Anais do Congresso Nacional sobre Essências Nativas, n° 4, São Paulo, 1992, pp. 169-173; M. S. Reis et al.-, "Caracterização do incremento em diâmetro de Euterpe edulis Mart, e implicações para o seu manejo em formações florestais secundárias", em Árvore, 23 (4), 1999, pp. 413-422; A. C. Fantini et al., "Sustained Yield Management..,", cit.; R. Cotue, op. cit. M. S. Reis et al., "Escudos preliminares da biologia reprodutiva do palmiteiro (Euterpe edulis) em mata residual do estado de São Paulo", em Anais do Congresso Florestal Brasileira, Curitiba, 1993, pp. 358-360. 107 micidade do processo tem sido analisada15 de modo que caracterize as possibilidades de obtenção de renda para o proprietário da terra, critério básico para as possibilidades de utilização efetiva do sistema. Nesse contexto, a manutenção de plantas matrizes/reprodutivas (porta-sementes) nas áreas a ser exploradas tem sido o aspecto mais importante para garantia de manutenção das estruturas genética e demográfica das populações naturais,16 ou seja, garante quantitativa e qualitativamente a regeneração natural, bem como disponibiliza alimento para a fauna. O número de matrizes a ser mantido deve ser entre cinqüenta e setenta por hectare.17 A manutenção das estruturas genética (maneira pela qual a variação genética está organizada) e demográfica permite a reposição natural dos estoques a ser explorados, garantindo a perpetuação do processo de exploração.

A produtividade dos palmitais é muito variável, uma vez que está relacionada com o estoque de indivíduos e o estádio da floresta em que este ocorre. Em uma floresta ombrófila densa Montana (Blumenau-SC), de formação primária, obteve-se um rendimento de 161 kg/ha.18 Para formações secundárias, em uma área de 30 ha de floresta em São Pedro de Alcântara (SC), foi estimado um rendimento de 86,3 kg/ha de palmito no primeiro ciclo de exploração.19 Da mesma forma, para uma floresta secundária no município de Ibirama (SC), obteve-se um rendimento de 147 kg/ha no primeiro ciclo de exploração,20 o que também demonstra o potencial de rendimento da espécie sob manejo.

Para os ciclos de corte subseqüentes, a estimativa de rendimento é obtida por equações de crescimento da espécie, pelo acompanhamento do crescimento periódico dos indivíduos. Para São Pedro de Alcântara

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15 - L. B. Pereira, "Palmito: manejo sustentado e viabilidade econômica", em Florestar Estatístico, 2 (4), 1994, pp, 13-15; R. Conte, op. cit.; R. Conte et al., "Viabilidade técnica e econômica do manejo do palmiteiro da Flona de Ibirama-SC", em Anais do Congresso e Exposição Internacional sobre Florestas, Forest 99, Curitiba, 1999. 16 - A. C. Fantini et al., "Sustained...", cit.; A. Reis et al., Dispersão de sementes de Euterpe edulis Martius (Palmae) em uma floresta ombrófila densa Montana da encosta atlântica em Blumenau-SC (Campinas: Unicamp, 1995); A. Reis et al., "Aspectos...", cit.; M. S. Reis, Distribuição e dinâmica da variabilidade genética em populações naturais de Euterpe edulis Martius, tese de doutorado (Piracicaba: Esalq/USP 1996). 17 - M. S. Reis, Distribuição e dinâmica, cit. 18 - R. O. Nodari et al, op. cit. 19M. S. Reis e: al., "Caracterização do incremento...", cit. 20 - R. Conte et al., op. cit. 108 (SC), foi estimado um rendimento de 11 kg/ha, 14,9 kg/ha e 20,7 kg/ha para ciclos de cortes subseqüentes de quatro, cinco e seis anos, respectivamente21 Dessa forma, conforme a opção desejada para o ciclo de corte, a área seria dividida em talhões, de modo a explorar um talhão anualmente, é o retomo, à mesma área seria feito após quatro, cinco ou seis anos, fechando o ciclo de corte.

Os resultados obtidos nos estudos mencionados permitiram fundamentar a legislação para o manejo sustentável da espécie. Assim, nos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul já existe legislação específica.

Dessa forma, todo o palmito produzido no Domínio da Mata Atlântica deveria ter origem em uma área manejada de acordo com a legislação vigente específica para a espécie e devidamente licenciada pela agência ambiental competente.

Para o Paraná, segundo os dados obtidos por Fantini e colaboradores22 no Instituto Ambiental do Paraná (IAP), entre os anos de 1996 e 1997, foram aprovados vinte projetos, totalizando uma área, de 14.855 ha, com 132 plantas por ha em média, predominando projetos com área acima de 400 ha.

Em São Paulo, os projetos aprovados até 1998 variam de 3 ha a 1.660 ha. Foram feitas 51 autorizações de corte, sendo três em áreas de cultivo, quatorze processos simplificados (áreas menores que 50 ha, totalizando 167,3 ha), 27 planos de manejo (totalizando 14.440,5 ha) e seis solicitações de corte adicional em áreas de planos de manejo (4.653 ha), totalizando uma área de 14.607,5 ha sob manejo. As autorizações são de, em média, 136 plantas por hectare, dado compatível com o referencial de literatura para o estado (113 plantas — tabela 1).

Em São Paulo não há uma predominância em relação ao tamanho dos projetos (tabela 2), havendo grande diversidade de dimensões: quatorze projetos com área inferior a 30 ha, treze projetos com área entre 30 ha e 500 ha e quatorze projetos com área superior a 500 ha. A existência de projetos com tal diversidade de tamanhos de floresta sob manejo sugere que a produção de palmito pode ser uma boa alternativa para o produtor 21 - M. S. Reis et al. "Caracterização do incremento...", cit. 22 - A. C. Fantini et al., "Produção de palmito...", cit. 109 rural independentemente da escala de produção, o que normalmente não é verdade para grande parte das culturas anuais e mesmo perenes. Tabela 2 - Área e número de projetos de manejo do palmiteiro (Euterpe edulis) aprovados de 1996 a 1998, em SP e SC, por tamanho do projeto Tamanho do projeto (ha) São Paulo Santa Catarina < 10 6 15 10-30 8 17 30-100 6 2

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100 -500 7 1 > 500 14 1 fonte: M, S. Reis & M. P. Guerra, "Euterpe edulis (palmiteiro)", em projeto Inventário dos Recursos Florestais da Mata Atlântica/Funbio, 1998.

As autorizações realizadas no estado de Santa Catarina são em média de 668,8 plantas por hectare, o que é certamente um valor absurdo, decorrente da inexistência de uma amostragem apropriada nos requerimentos de corte seletivo e da falta de um referencial por parte do Ibama. Analisando apenas as duas áreas maiores (um plano de manejo e uma área de incentivo fiscal, ambos com amostragem satisfatória), a média de plantas autorizadas é de 274,5. Também se forem analisados apenas os projetos, com área superior a 20 ha, a media (281,8 plantas) é compatível com o referencial de literatura para o estado (185 plantas).

Nesse estado, onde caracteristicamente as propriedades rurais são pequenas, nos anos de 1996 a 1998 foram aprovados 36 projetos, dos quais somente um era plano de manejo (1318 ha com 725 ha a ser manejados), 33 tinham áreas menores que 35 ha e quinze, áreas inferiores a 10 ha.

Ainda em relação a Santa Catarina, um projeto aprovado tem um custo fixo mínimo de R$ 635,50 (taxas de fiscalização e liberação do projeto - Ibama e Fatma: Agência Ambiental de SC) ,23 independentemente do tamanho da área a ser explorada, e cresce com a área do projeto. Esse investimento inicial pode ser insignificante para grandes projetos, mas se torna um ponto de estrangulamento para pequenos produtores. Contudo, há uma predominância de pequenos projetos (32 dos 36 - tabela 2), indicando sua viabilidade, mesmo com o peso dos tributos mencionados. 23 - Conforme R. Conte, op. cit. 110 CONSUMO E PREÇO DO PALMITO DE Euterpe edulis

Os dados oficiais sobre a produção e o consumo de palmito no Brasil são escassos e pouco confiáveis.24 As estimativas realizadas a partir de pesquisas apontam para um consumo interno de 40 mil toneladas anuais,25 correspondentes a um mercado interno de mais de 400 milhões de dólares, uma cifra alcançada por poucos produtos no Brasil. Apesar de que somente 10% desse total são produzidos a partir de Euterpe edulis, segundo Fantini e colaboradores,26 essa estimativa é um bom indicativo do potencial quase ilimitado para a colocação do palmito da floresta Atlântica.

Considerando essa estimativa de 4 mil toneladas anuais, e que apenas recentemente (1993 em diante) estão em andamento projetos de manejo sustentado, é possível estimar a área de corte anual de palmiteiros entre 27.009 ha (populações pouco alteradas da espécie, com rendimento médio em torno de 148,1 kg de palmito por hectare - tabela 1) e 160.000 ha (populações já alteradas, com rendimento médio em torno de 25 kg/ha).

O volume comercializado somente na capital de São Paulo é estimado em mais de 6 mil toneladas por ano,27 em termos totais, ou, supondo 10% provenientes de E. edulis, 600 toneladas/ano (o que representa o corte de uma área entre 4.051 e 24.000 ha, apenas para atender a capital paulista), sendo este o maior mercado consumidor. Outros 500 mil kg são consumidos em Curitiba,28 ou aproximadamente 50 mil kg de E. edulis, equivalendo ao corte de uma área entre 340 ha e 2.000 ha por ano.

Para Santa Catarina, poucos dados são disponíveis. Uma pesquisa de mercado no início de 1998, em Florianópolis, foi realizada por Fantini e colaboradores.29 Foram amostrados vários tipos de compradores de palmito, desde supermercados até restaurantes e pastelarias. Um supermercado vende, em média, 8,7 mil kg de palmito por ano, o que daria Uma

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24 - C. E. Cem, op. cit.; A. C. Fantini et al., "Produção de palmito...", cit. 25 - C. E. Cervi, op. cit. 26 - A. C. Fantini et al, "Produção de palmito...", cit. 27 - C. E. Cervi, op. cit. 28 - Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental, O cone do palmito: uma atividade em extinção (Curitiba: SPVS, 1995). 29 - A. C. Fantini et al., "Produção de palmito...", cit. 111 quantidade total vendida em Florianópolis de pelo menos 200 mil kg por ano. Desse total, 62% são palmito de Euterpe edulis, sendo o complemento palmito de açaí, vindo da Amazônia. Para os padrões de produtividade de populações naturais da espécie em Santa Catarina (195,4 kg/ha), isso representaria o corte de uma área entre 634 ha e 4.960 ha anuais para abastecimento da cidade.

O preço médio de venda do palmito no varejo em Florianópolis é de US$ 4,97 por vidro de 300 g, com variação entre US$ 3,47 e US$ 8,41 por vidro. O palmito de açaí é vendido em média por US$ 3,75 por vidro, variando entre US$ 2,96 e US$ 4,24. Nas feiras livres ainda é possível encontrar palmito produzido pelo próprio agricultor, ao preço médio de US$ 2,47 por vidro (todos os preços com base no palmito em toletes, em vidros de 300 gramas).30

A grande variação no preço da planta não reflete necessariamente uma variação na qualidade do produto. Os fatores determinantes do preço ao consumidor são uma função dos custos de produção e das estratégias de venda. Assim, o palmito produzido clandestinamente força para baixo o preço do produto no varejo. O mesmo papel tem o palmito de açaí trazido da Amazônia: chegando ao mercado do Sul do país com preços bem mais baixos que o do palmito (em tomo de US$ 1,00 o vidro), o palmito de açaí torna-se uma alternativa para o consumidor de mais baixa renda. CERTIFICAÇÃO

As possibilidades de certificação para projetos de manejo de palmiteiro são bastante favoráveis. Três questões são especialmente relevantes nesse sentido: os critérios técnicos estabelecidos na legislação para o manejo da espécie são fundamentados em conhecimento da auto-ecologia da espécie e/ou experiências consistentes; o reduzido impacto (comparativamente a espécies de dossel e/ou produtoras de madeira) da exploração; e o mercado (incluindo o internacional) de alta demanda.

Contudo, aparentemente o mercado não tem sinalizado com a possibilidade de ganhos devido à certificação. Atualmente nenhuma em 30 -Ibidem. 112 presa ou produtor envolvidos com o palmito têm buscado a certificação florestal.

Entretanto, a alta demanda do mercado interno implica espaço para um produto diferenciado (estratégia já empregada por algumas empresas: rótulo com o selo "palmito proveniente de manejo sustentado"). Possivelmente estratégias de marketing e/ou educação ambiental poderiam ampliar esse mercado diferenciado.

O mercado internacional, também com uma boa demanda, tem sido suprido com o palmito de açaí ou com o de pupunha. Contudo, mercados mais exigentes têm começado a se abrir (especialmente Alemanha e Japão, segundo alguns empresários) e, nesses casos, o processo de certificação pode ser de grande valia, conforme posição explicitada por alguns empresários.

Um caso bastante interessante é o da Indústria e Comércio de Conservas Juriti Ltda., sediada no município de Guararnirim (SC). A empresa iniciou a implantação de um programa de Sistema de Gestão Ambiental, visando à certificação ISO 14000. Paralelamente investiu "na aquisição de matéria-prima proveniente exclusivamente de planos de manejo sustentado. Iniciativas como essa demonstram

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o potencial de mercado e certificação da espécie. Além disso, a maioria das empresas/propriedades que comercializam o produto a partir de um

plano de manejo bem conduzido (considerando a legislação1 de qualquer um dos quatro estados que a possuem) apresentam características desejáveis para a certificação e poderiam, com pequenos ajustes, ou mesmo nenhum, candidatarem-se à certificação.

Nesse contexto, e seguindo as recomendações dos documentos "Forest Stewardship Council — princípios e critérios para o manejo de florestas" e "Padrão para certificação da caixeta na Mata Atlântica",31 os seguintes aspectos/critérios devem ser considerados para o palmito:

a) Respeito à legislação nacional e acordos internacionais: De maneira geral as legislações estaduais em vigor respeitam (ou ao menos não ferem) as

legislações federais e os acordos internacionais, de modo que esse aspecto fica contemplado na maior parte dos planos de manejo. 31 - Marquesini, s/d., mimeo. 113

Adicionalmente, as legislações estaduais são bem-aceitas pelos proprietários, técnicos e demais agentes envolvidos, no que tange às questões de ordem técnica (definição de um DAP limite para o corte =~ 9 cm, manutenção de matrizes, avaliação da regeneração etc). Os pontos de discordância (e eventual desrespeito) estão relacionados ao excesso de burocracia e de taxas cobradas, especialmente para as pequenas propriedades. Outro ponto de conflito, especialmente nas pequenas propriedades, é a exigência de averbação da reserva legal.

b) Manejo do recurso na floresta Conforme mencionado anteriormente, as legislações estaduais, no que se referem ao palmiteiro, têm incorporado critérios bastante consistentes de sustentabilidade, fundamentados em farta literatura, de modo geral. Os planos de manejo necessariamente não apenas incorporam critérios de sustentabilidade (manutenção de porta-sementes e da estrutura demográfica e estoque de regeneração) mas ainda implicam também reavaliações periódicas, com possibilidade de redefinição da intensidade de extração e ciclos de corte.

Assim, as questões imprescindíveis (manutenção das estruturas genérica - diversidade da espécie e fluxo gênico - e demográfica e previsão de reavaliações periódicas) estão previstas nas legislações. Também parece razoável exigir que sejam especificadas formas de integração com instituições de pesquisa (universidades e institutos) de maneira a estimular a incorporação de avanços envolvendo não só estratégias de manejo sustentado mais eficientes, como também aspectos relativos à conservação.

c) Direitos e responsabilidades sociais No que se referem aos benefícios e às responsabilidades sociais, as legislações estaduais

apresentam poucos aspectos relacionados (ou nenhum). Assim, alguns critérios adicionais podem ser arrolados. Populações tradicionais e/ou locais devem ter prioridade na ocupação de empregos, oportunidade de treinamento e realização de serviços eventuais. Sendo um item básico, as condições de trabalho devem ser saudáveis e seguras, seguindo normas e leis trabalhistas. Muitas vezes os 114 cortadores e vigilantes trabalham em situações bastante precárias, tanto em termos de segurança como de salubridade. Adicionalmente os salários devem ser condizentes com os padrões locais.

d) Qualidade ambiental Nas áreas de preservação permanente as matrizes existentes não devem ser exploradas; no

entanto, mantidos os demais critérios de manejo, as demais plantas podem ser exploradas, devido ao

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reduzido impacto do processo. A exploração predatória, bem como a caça e outras atividades degradativas, deve ser prevenida,

mantendo-se um intenso sistema de vigilância, e) monitoramento e avaliação Devem ser realizadas reavaliações um ano após o corte e outras bianuais posteriormente,

visando ao estabelecimento de práticas corretivas e/ou à redefinição da intensidade e do ciclo de corte. Devem ser incorporados os avanços tecnológicos decorrentes de estudos científicos ao longo do processo.

Os resultados das avaliações periódicas devem ser de domínio público, visando aprimorar o processo de manejo a partir das experiências desenvolvidas. CONCLUSÕES, PERSPECTIVAS E RECOMENDAÇÕES

Três conclusões principais podem ser estabelecidas: a) Atualmente, o palmito é o mais importante produto não madeirável extraído da Mata

Atlântica. A importância está relacionada não apenas às questões econômicas (que por si só já são expressivas), como ainda às questões sociais envolvidas e ao papel ecológico da espécie.

b) A espécie tem um grande potencial de uso sustentado, com boa fundamentação teórica, viabilidade econômica e amparo legal, sendo uma realidade em várias situações.

c) O maior problema está associado à exploração predatória e clandestina, institucionalizada há décadas. Esse processo compete de forma desigual com o produto proveniente do manejo sustentado, sustenta especuladores e gera inúmeros problemas sociais. Além 115 disso, está levando ao esgotamento as populações naturais da espécie e, conseqüentemente, comprometendo o futuro da atividade.

Além disso, várias frentes de ação devem ser implementadas simultaneamente com o objetivo de trazer a produção de palmito da clandestinidade para a produção legal, conforme sugerem Fantini e colaboradores.32 Mudanças na política de atuação das agências ambientais são provavelmente a medida mais urgente para a necessária adaptação do setor florestal brasileiro, A aproximação de agências governamentais, universidades e ONGs tem um grande potencial para o desenvolvimento de programas dessa natureza no Brasil.33 Os programas podem ser iniciados em nível local, em pequenas comunidades de produtores. Membros das ONGs trabalhariam em contato direto com os produtores, com assessoria de pesquisadores de universidades e com apoio das agências ambientais.

Os produtores de palmito em larga escala também podem participar de programas de conservação florestal. Como proprietários de florestas de grande extensão, podem ser engajados em programas regionais de conservação, envolvendo a formação de grandes ilhas de florestas, bem como de corredores para a sua conexão com as florestas das unidades de conservação já existentes. Propostas de emissão de certificados de conservação ambiental podem ser estudadas e conduzidas em conjunto com ONGs e agências ambientais locais. O palmito produzido com certificado de origem (selo verde, ou outra forma de identificação) pode ter uma campanha publicitária favorável e disputar uma boa fatia do mercado com preços melhores.

Além de estimular o produtor a adotar medidas mais conservacionistas de produção, um programa de combate à produção clandestina de palmito deve envolver a questão do roubo. Uma das formas mais eficientes de combater essa prática é restringir o mercado para o palmito roubado. Com esse objetivo, as polícias florestais, juntamente com as agências ambientais, têm desenvolvido um bom trabalho nos últimos anos, haja vista a quantidade de palmito clandestino que tem sido apreendida.34

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Entretanto, es 32 - A. C. Fantini et d., "Produção de palmito..." 33 - Ibidem, 34 - Ibidem. 116 ses resultados ainda não são suficientes para pôr fim à clandestinidade.

A fiscalização com aplicação de multas pesadas para fábricas, restaurantes e churrascarias que compram palmito de origem ilegal ainda é uma das medidas com maior potencial de sucesso. Uma equipe de vigilantes ou policiais que gasta todo um dia para percorrer uma grande distância na floresta poderia visitar uma dezena de restaurantes no mesmo período de tempo e ser mais efetiva no seu trabalho.35

A criação de um banco de dados que possa ser utilizado pelas agências ambientais e polícias florestais de todos os estados é uma necessidade imediata. O cruzamento de informações entre essas instituições e entre os estados agilizará a identificação dos produtores clandestinos de palmito e facilitará a tomada de decisão por parte das autoridades, conforme indicam Fantini e colaboradores.36

Outra medida de grande eficiência para acompanhar a produção de palmito e gerar estatísticas mais confiáveis sobre a produção seria estender, a todas as empresas que de alguma forma compram ou vendem palmito, a obrigação de enviar relatório mensal ao Ibama sobre a quantidade, o tipo de palmito (in natura, conserva, espécie etc.) e a origem do produto comercializado. Além disso, nenhuma empresa poderia realizar transações comerciais com palmito antes de ter o seu registro permanente no Ibama, e todo palmito comercializado deveria apresentar no rótulo a espécie a partir da qual foi produzido.

Uma importante alternativa para reduzir a clandestinidade seria um forte programa de aquisição de sementes para enriquecimento de áreas secundárias e recuperação das áreas já exploradas nas Unidades de Conservação, Esse programa inicialmente poderia envolver toda a comunidade, em especial os cortadores de palmito, pois o estímulo à compra de sementes obtidas por estes últimos reduziria a pressão de corte clandestino sobre as matrizes, permitindo continuidade da produção de sementes. Nesse programa poderiam atuar os próprios policiais florestais, com recursos dos municípios (especialmente em São Paulo, onde as Unidades de Conservação são as principais fontes de roubo de palmito) ou de programas específicos. 35 - Ibidem. 36 - Ibidem. 117 BROMÉLIAS João Vicente Coffani Nunes INTRODUÇÃO

Antes de Colombo fazer sua segunda viagem para o Novo Mundo, as bromélias eram desconhecidas pelos europeus. Muitos exploradores dessa época estavam, primeiramente, interessados em descobrir novas rotas comerciais e adquirir objetos de valor. Embora muitas vezes nós relacionemos a exploração portuguesas e espanhola com a subjugação religiosa dos nativos e um implacável interesse por metais e gemas preciosos, novas plantas comestíveis também foram itens importantes para favorecer ou recompensar a volta para casa.l

1 - D. H. Benzing, The Biology of the Bromeliads (s/l.: Mad River Press, 1980). 119

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Não provoca surpresa o fato de que, dentre todas as bromélias que Colombo e sua tripulação

provavelmente encontraram nas índias Ocidentais, o abacaxi foi a única que realmente lhes chamou a atenção. Eles descreveram o fruto como "maior que um melão, cheiroso e de sabor muito adocicado".2

As espécies de bromélias ornamentais permaneceram desconhecidas na Europa até que Guzmania ligulata (L.) Mez foi introduzida nesse continente em 1776. Depois disso, outras espécies vistosas começaram á chegar, em número sempre crescente, na Inglaterra, França, Alemanha e em outros países do oeste da Europa. O cultivo de bromélias continuou a ganhar adeptos na Europa Central e Ocidental até o início do século XX, quando as condições políticas e econômicas culminaram na Primeira Guerra Mundial, provocando uma falta de estímulo na horticultura em geral. Após 1945 o interesse pelo cultivo de espécies de bromélias voltou a aumentar não só na Europa, mas também nos Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia e em outros países.3

No Brasil, o interesse pelo cultivo de espécies de Bromeliaceae como plantas ornamentais para a comercialização é muito recente, datando principalmente do começo da década de 1990. A partir desse período elas se tornaram populares, tendo aparecido em cenários, aberturas de novelas e, até mesmo, em samba-enredo de escolas de samba. Devido a esse interesse crescente, surgiram horticultores que atualmente investem na produção e comercialização de bromélias, visando atender ao mercado. Todavia, houve também um considerável aumento no extrativismo ilegal, que vem reduzindo drasticamente muitas populações de espécies oriundas principalmente da floresta Atlântica. A FAMÍLIA BROMELIACEAE A família Bromeliaceae compreende 56 gêneros e cerca de 3,5 mil espécies. São ervas perenes que combinam uma grande variação de formas, cores e tamanhos. São encontradas praticamente em todos os ambientes, desde o nível do mar aos elevados altiplanos da cordilheira dos 2 - lbidem. 3 - Ibidem. 120

Andes, em locais úmidos como a floresta Atlântica ou regiões áridas como a Caatinga. Podem ser terrestres, terrestres ocasionais, rupículas, saxícolas ou epífitas, mas nunca parasitas. Nas epífitas as raízes têm função apenas de fixação, enquanto nas terrestres atuam na fixação e na absorção de água e nutrientes. As folhas são vistosas, com coloração, forma e tamanho muito variados. São espiraladas com bainhas amplas e flexíveis, que freqüentemente formam um recipiente designado cisterna, no qual ocorre acúmulo de água e detritos orgânicos.

Uma das características mais marcantes das espécies dessa família é a presença de tricomas, que ocorrem principalmente na superfície foliar. Esses tricomas são estruturas altamente especializadas, que recebem o nome de escamas foliares ou escamas absorventes. Estão diretamente relacionados com ã absorção de água e nutrientes da atmosfera ou da cisterna. Também protegem as plantas contra perda excessiva de água e insolação intensa. As escamas foliares são responsáveis pela coloração prateada das folhas, muito freqüente nas espécies de bromélia.

As inflorescências originam-se do centro da roseta ou a partir de gemas axilares entre as folhas. Podem ser sésseis, ficando as flores confinadas dentro da roseta, ou escaposas, simples ou ramificadas, com brácteas reduzidas ou muito desenvolvidas e vistosas.

As flores são sempre trímeras, com cores que variam entre o azul, violeta, vermelho, amarelo, branco ou verde. Os frutos podem ser do tipo cápsula ou baga. As sementes são pequenas, aladas, plumosas ou desprovidas de apêndices.

Quanto ao período de florescimento, em qualquer época do ano é possível encontrar espécies

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em flor. Contudo, é o verão a principal estação para observar bromélias floridas. A dinâmica reprodutiva varia de acordo com a espécie, mas todas apresentam reprodução sexuada, com formação de sementes, e a grande maioria das espécies também possui reprodução assexuada ou vegetativa, com a formação de brotos laterais durante o período de florescimento.4 4 - J. V. Coffani-Numes Estudo florístico e fenomorfológico de Tillandsioideae — Bromeliaceae na serra do Cipó, MG (São Paulo: Instituto de Biociências/USP, 1997); R. C. Forzza, Pitcairnioideae (Bromeliaceae) na serra do Cipó, Minai Gerais, Brasil (São Paulo: Instituto de Biociências/USP 1997 121

Bromeliaceae está entre as poucas famílias de Angiospermas em que predomina a polinização por vertebrados. Os principais agentes, que auxiliam na reprodução das espécies de bromélias, carregando o pólen entre as flores, são beija-flores e morcegos. Todavia, encontramos na literatura alguns casos em que os vetores são abelhas, borboletas ou besouros.5

A dispersão das sementes esta diretamente relacionada aos dois diferentes tipos de frutos ocorrentes na família: quando os frutos são cápsulas, as sementes são providas de apêndices especializados na dispersão pelo vento; quando são bagas - coloridas e suculentas -, as sementes são Usas, desprovidas de apêndices, sendo a dispersão feita por animais, principalmente pequenos mamíferos e roedores.6

DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA E DIVERSIDADE

Até 1938, Bromeliaceae era considerada um grupo exclusivamente neotropical. Entretanto, nessa data, Harms e Meldbraed reconheceram uma espécie pertencente ao gênero Pitcairnia ocorrendo no continente africano. Nas Américas a família apresenta como limite norte de ocorrência os estados de Virgínia, Texas e Califórnia, nos Estados Unidos, e como limite sul a Argentina.7

A maior diversidade encontra-se na América do Sul, estimando-se que 40% das espécies e 73% dos gêneros ocorram no Brasil.8 Dentro da família podemos encontrar gêneros com ampla distribuição geográfica como Tillandsia, que ocorre desde os Estados Unidos até o sul da América do Sul, e gêneros com uma distribuição mais restrita, como Encholirium e 5 - L. M. Bernardello et al., "Floral Nectar, Nectary Structure and Pollinators in Some Argentinean, Bromeliaceae", em Ann. Bot, n° 67, 1991, pp. 401-411; S. Buzato, Estudo comparativo de flores polonizadas por beija-flores em três comunidades da Mata Atlântica no sudeste do Brasil (Campinas: Instituto de Biologia/Unicamp, 1995); E. A. Fischer; Polinização, fenologia e distribuição espacial de Bromeliaceae numa comunidade de Mata Atlântica, litoral sul de São Paulo (Campinas: Instituto de Biologia/Unicamp, 1995); G. Martinelli, Reproductive Biology of Bromeliaceae in the Atlantic Forest of Southeastern Brasil (St. Andrews: University of St. Andrews, 1994); I. Sazyma et al, "Bat Pollination of Encholirium glaziovii, Terrestrial Bromeliad", em Plant Systematic Evolutionary, n° 168, 1989, pp. 167-179; "The Saw-billed Ramphodon naevius and its Flowers in Southeastern Brasil", em Journal of Ornotology, n° 136, 1996, pp. 195-206. 6 - E. A, Fischer, op. cit. 7 - R. Reitz, "Bromeliáceas e a malária - bromélia endêmica", em Flora Ilustrada Catarinense, parte 1, fascículo Bromeliaceae, 1983. pp. 1-518. 8 - E. M. C. Leme & L. C. Marigo, Bromélias na natureza (Rio de Janeiro: L. C. Marigo, 1993). 122 Orthophytum, que são exclusivamente brasileiros; Puya, que está confinado à região dos Andes; e Hechtia, encontrado quase exclusivamente no México.9

A costa leste do Brasil e o escudo das Guianas são considerados os dois centros de diversidade genérica da família Bromeliaceae. A floresta Atlântica abriga muitos gêneros e espécies e, por isso, é considerada um dos centros de diversidade da família Bromeliaceae, sendo que muitos desses gêneros e

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espécies ocorrem exclusivamente nesse ecossistema, ou seja, são endêmicos, como os gêneros Canistrum, Nidularium e Wittrockia, dentre outros. Além de poder ser exclusivos da floresta Atlântica, muitas vezes podem estar limitados a áreas extremamente reduzidas.

Os levantamentos florísticos em áreas da floresta pluvial tropical atlântica são escassos, razão pela qual alguns dos trabalhos de florística desenvolvidos nesse ecossistema exigem a descrição de espécies e, até mesmo, de gêneros novos. E sabido que a taxa de endemismo é elevada, ao nível de 55% para espécies arbóreas e 40% para espécies de famílias não arbóreas. Isso significa que uma em cada duas espécies encontradas na Mata Atlântica ocorre exclusivamente nessa formação. No caso de palmeiras e bromélias esse percentual sobe para duas em cada três espécies.10 Esse fato aumenta consideravelmente o risco de extinção de muitos táxons, seja pelo desmatamento, seja pelo extrativismo indiscriminado. BROMÉLIAS NA ORNAMENTAÇÃO

Quando pensamos em espécies vegetais a ser utilizadas na ornamentação, aspectos como durabilidade e beleza são os mais considerados. Nesse contexto, as bromélias atendem muito bem a esses pré-requisitos básicos da horticultura. As inflorescências apresentam brácteas e flores vistosas que podem durar vários meses. Outra característica a ser mencionada é que muitas espécies de bromélias têm nas folhas um grande apelo visual, não havendo necessidade de estarem em flor para que sejam admiradas e 9 - L. B. Smith & R. J. Downs, "Pitcairnioideae (Bromeliaceae)", em Flora Neotropica, 14 (1), Nova. York, 1974; "Tillandsioideae (Bromeliaceae)", em Flora Neotropica, 14 (2), Nova York, 1977; "Bromelioideae (Bromeliaceae)" em Flora Neotropica. 14 (3), Nova York, 1979. 10 - C. A. Joly et al, "O patrimônio, florístico", em Mata Atlântica (São Paulo: Index/SOS Mata Atlântica, 1991). 123 comercializadas. Esse fato as favorece em detrimento de outras plantas utilizadas na ornamentação. O arranjo formado pelas folhas, brácteas e flores faz das bromélias um conjunto de rara beleza. Se não bastassem os atributos estéticos já mencionados, outros relacionados a suas dimensões variadas, plasticidade, resistência, durabilidade e versatilidade têm colaborado ainda mais para o crescente interesse da utilização desse grupo como plantas ornamentais. ORIGEM DO PRODUTO COMERCIALIZADO

Em função da distribuição geográfica das espécies e da grande diversidade que a família Bromeliaceae apresenta, discutir a origem das plantas comercializadas, o valor inicial e agregado a cada uma delas e, conseqüentemente, o perfil dos atores envolvidos nesse processo é bastante complexo. Essa caracterização sofre variações ao longo de toda a área de domínio da floresta Atlântica, estando diretamente relacionada ao perfil socioeconômico de cada região a ser analisada.

Como já referido anteriormente, o interesse comercial pelas bromélias no Brasil é relativamente recente, e são poucos os produtores efetivos que atendem ao mercado consumidor, havendo uma procura maior que a oferta. Dessa forma, com a crescente demanda e com o custo de produção ainda alto, surge uma lacuna que é preenchida com o comércio ilegal de espécies de bromélias provenientes do extrativismo. Em função da clandestinidade da atividade extrativista, a obtenção de dados sobre a comercialização do produto, da origem até sua negociação final,-torna-se bastante complexa.

A falta de informações não se restringe somente ao comércio extrativista. Essa lacuna de dados também ocorre em relação aos horticultores, uma vez que não existe um cadastro ou uma associação nacional, ou mesmo regional, de produtores de bromélias.

Dentro desse contexto, de ausência quase completa de informações, este trabalho objetivou fornecer um pouco mais de conhecimento sobre o comércio e a produção das bromélias, principalmente

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no eixo Rio-São Paulo. Foi possível reconhecer claramente duas origens para as espécies comercializadas: o

extrativismo e o cultivo. 124

a) Extrativismo — Os atores envolvidos no extrativismo podem ser separados em dois grupos: � Oportunistas: nesta categoria estão incluídas aquelas pessoas que comercializam as plantas à

beira de estradas em quantidades relativamente pequenas, na época da floração de algumas espécies, para auxiliar na renda familiar. Dependendo da região de comercialização, a retirada dos espécimes é feita em áreas de preservação ambiental.

� Efetivos: nesta categoria estão incluídas pessoas que têm no extrativismo a principal fonte de renda. Estes possuem pontos de venda definidos, como a Companhia Entreposto e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp) ou a região de Guaratiba (RJ). Retiram plantas de vários locais ao longo de todo o ano, normalmente em grandes quantidades e de forma devastadora. Procuram atender a uma demanda fixa com espécies em que a folhagem é o maior atrativo na planta, além de comercializarem espécimes em flor de acordo com a sazonalidade de cada uma delas.

Em ambos os casos as plantas apresentam as folhas com algum tipo dê dano, em função da coleta extrativista, do transporte ou mesmo porque a planta em seu ambiente natural sofre agressões naturais. E importante ressaltar que, das plantas comercializadas na região de Guaratiba, provenientes do extrativismo, ocorre uma perda de cerca de 20% do produto durante a venda. Esse fato se deve principalmente à falta de cuidados com as plantas durante a retirada, o transporte e o armazenamento. Há, ainda, o "aprimoramento" da técnica de comercialização ilegal, fruto do extrativismo, que é a venda de plântulas. Dessa forma, mascara-se o produto da atividade extrativista como sendo produção a partir de sementes.

Muitas vezes, as plantas provenientes do extrativismo são "beneficia' das" de forma a dissimular sua procedência. As principais formas de mascaramento são o envasamento ou a confecção de arranjos florais. Ambos promovem agregação de valor ao produto, aumentando assim a margem de lucro.

b) Cultivo — Também os atores envolvidos no cultivo podem ser separados em dois grupos: 125

� Grandes produtores: enquadram-se neste grupo cultivadores que produzem plantas em grande escala comercial. Normalmente utilizam tecnologia mais avançada e laboratórios para realizar a reprodução por meristemas. Nesse caso busca-se valorizar o padrão de qualidade e a homogeneidade nas plantas a ser comercializadas. O maior produtor brasileiro tem uma produção mensal de aproximadamente 48 mil plantas, abrangendo diferentes espécies e cultivares que são distribuídos por meio da Cooperativa de Holambra ou da sua própria empresa, ambas na região de Campinas (SP). Atualmente, como reflexo de um mercado promissor, esse empresário almeja ampliar sua produção para 200 mil plantas/mês.

� Médios e pequenos produtores; enquadram-se neste grupo cultivadores que têm nas bromélias uma paixão e tentam fazer delas também uma fonte de renda. A produção é realizada a partir do ciclo natural da espécie, favorecendo a reprodução vegetativa ou por semeadura. Nesse caso valorizam-se não só a qualidade do produto final, mas também a diversidade de espécies cultivadas e comercializadas.

Em ambos os casos as plantas têm uma apresentação melhor do que aquelas provenientes do

extrativismo estão menos danificadas, mais lustrosas e com referências da procedência na embalagem. Vale ressaltar que a produção por meristemas só tem sido realizada para espécies ou cultivares de pequeno e/ou médio porte, ou seja, para plantas envasadas. Dessa forma, as plantas de grande porte

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utilizadas principalmente em projetos paisagísticos são provenientes, na sua grande maioria, do extrativismo predatório. Com raras exceções encontramos produtores que investem no cultivo de plantas de grande porte, uma vez que estas demoram um tempo relativamente alto para serem colocadas no mercado.

A obtenção de matrizes pode se dar pela importação, principalmente no que diz respeito aos híbridos. Entretanto, em relação às espécies nativas, muitas vezes as matrizes são provenientes diretamente do seu ambiente natural ou de coleções particulares. 126 COMERCIALIZAÇÃO

Em geral, dos produtos vegetais comercializados oriundos da floresta Atlântica, apenas parte da planta (flor, fruto, folhas etc.) é utilizada para fins comerciais, como é o caso, por exemplo, do caju (Anacardium occidentale) e da erva-mate (Ilex paraguariensis). Entretanto, no caso das bromélias, normalmente a planta inteira é comercializada, o que aumenta ainda mais os efeitos danosos do extrativismo predatório.

Essa potencialização de destruição ocorre de forma semelhante com o xaxim (Dicksonia sellowiana) e o palmito (Euterpe edulis), Existe, no entanto, um agravante em relação às bromélias. Estas diferenciam-se pelo fato de o extrativismo não atingir apenas uma espécie, mas um conjunto de espécies distintas com uma mesma denominação popular: Bromélias ou Gravatás.

Outra forma de comercialização é feita por meio das bromélias de corte ou plantas de corte. Esse é o caso de algumas espécies de Ananas, gênero do abacaxi, que é produzido e comercializado para a alimentação humana. Há ainda algumas outras espécies desse gênero que começam a ser produzidas para a comercialização de suas inflorescências/infrutescências para a confecção de arranjos florais. Outras plantas que podem ser consideradas de corte são Bromelia balansae e B. antiacantha; os frutos dessas espécies são vendidos por drogueiros em feiras e praças para utilização na medicina popular. De forma geral, as bromélias podem ser comercializadas para os seguintes fins:

a) Plantas para ambiente externo: neste grupo encontram-se as plantas de grande porte e que são utilizadas em projetos paisagísticos para decorar entradas de edifícios, praças e jardins, centros comerciais, entre outros. Nesse caso as plantas não precisam estar florescendo na época da comercialização, sendo os principais atrativos a folhagem e o porte.

b) Plantas para ambiente interno: grupo caracterizado por plantas de pequeno a médio porte, comercializadas em vasos. São utilizadas principalmente para decorar interiores. Nesse caso é importante que a planta esteja florida no momento da comercialização. 127

c) Arranjos: neste tipo de comercialização as plantas são vendidas em conjunto combinando várias espécies de pequeno e médio porte, em arranjos de folhagens e inflorescências exuberantes. Nesse tipo de produto geralmente agrega-se outro elemento originário da Mata Atlântica - o xaxim -, onde as bromélias são fixadas. Os arranjos são verticais ou horizontais e podem ser utilizados tanto nos ambientes internos como nos externos.

d) Plantas para coleções: neste grupo estão incluídas plantas que, independentemente do porte ou beleza, são de interesse para colecionadores. Atende a um público mais especializado, que tem no cultivo de bromélias uma paixão e que tenta fazer com que suas

coleções contemplem o maior número de espécies possível. A comercialização apresenta aspectos peculiares, independentemente de estar organizada dentro de uma instituição como a Ceagesp ou em uma região de comércio livre de plantas, como o caso de Guaratiba. Em ambas as situações podemos encontrar exemplares provenientes do cultivo ou do

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extrativismo sendo comercializadas conjuntamente. Cada comerciante apresenta suas características particulares. Alguns dão preferência para

plantas de pequeno porte, outros para as de grande porte, outros ainda para arranjos que combinam várias espécies. As plantas de grande porte, que em geral são utilizadas em projetos paisagísticos, são oriundas principalmente do extrativismo, como é o caso de Alcantarea imperialis, que vem sendo explorada de forma intensa e abusiva. Quando provenientes do extrativismo, as plantas de pequeno porte apresentam uma inconstância na oferta ao longo do ano, diferentemente daquelas provenientes do cultivo, que são colocadas no mercado, em flor, ao longo de todo o ano.

Segundo o depoimento de alguns horticultores, 90% das plantas envasadas comercializadas são oriundas do cultivo. Todavia, tal fato não se confirma quando se visita um local de venda de plantas ornamentais, pois se constata uma participação quase que igualitária na comercialização de plantas provenientes do extrativismo e do cultivo. Apesar desse fato notório, é alarmante a ausência quase que absoluta de fiscalização nas áreas de comercialização. 128 ÁREAS DE EXTRATIVISMO INTENSO

São muitas as regiões da Mata Atlântica em que as bromélias encontram-se ameaçadas, merecendo portanto maior atenção. Dentre elas podemos citar:

a) A região da serra dos Órgãos (RJ), caso específico de Alcantarea imperialis, onde o local de extrativismo corresponde à área total de distribuição da espécie.

b) As rodovias que cortam a extensa mancha de Mata Atlântica entre Rio de Janeiro e São Paulo, em especial a Rio-Santos, a São José dos Campos-Caraguatatuba e outras que ligam a via Dutra ao litoral, são importantes vias de acesso para os extratores, sendo também, muitas vezes, pontos de comercialização desses vegetais.

c) Os remanescentes de floresta Atlântica do sul do estado de São Paulo e norte do Paraná também vêm sofrendo pressões em função da especulação imobiliária, atualmente impulsionada pela duplicação da BR-116 (Curitiba-São Paulo).

d) A BA-099, que liga Salvador a Mangue Seco (BA), tem sido um local muito visado pelos extrativistas e também pela especulação imobiliária. A destruição e a coleta de bromélias tomaram-se muito acentuadas após a construção dessa rodovia.

e) A região sudeste da Bahia, onde a Mata Atlântica tem sofrido um processo acelerado de destruição devido à grande queda na produção cacaueira. Vale ressaltar que muitas espécies novas de Bromeliaceae têm sido descobertas nessa região. Entretanto, a degradação parece estar vencendo os interesses conservacionistas e científicos mais uma vez.

f) No Espírito Santo, a região serrana é um dos poucos locais onde a vegetação nativa desse estado ainda pode ser encontrada. Dessa forma, as bromélias ficaram restritas aos poucos remanescentes de Mata Atlântica e a afloramentos rochosos. A comercialização ocorre principalmente nas estradas, em especial na BR-101 {Rio-Bahia).

Pelo acima exposto podemos perceber que, em toda a costa leste do Brasil, principalmente nas regiões próximas aos grandes centros urbanos, remanescentes de floresta Atlântica sofrem grande pressão e, portanto, 129 correm sério risco de desaparecer, podendo causar a extinção de muitas espécies vegetais e animais. LEGISLAÇÃO

O Brasil possui uma boa legislação ambiental. Contudo, a estrutura de fiscalização é

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extremamente precária e o valor das multas é relativamente reduzido perto dos lucros. Além disso, os processos ficam parados no poder público durante anos. Não existe nenhuma lei específica para proteger as espécies de Bromeliaceae. As leis que as protegem são as mesmas que deveriam estar protegendo a floresta: Atlântica e os emais ecossistemas brasileiros como um todo. A única regulamentação que existe é a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção denomindada Cites (Convention International Trade in Endangered Species of Wild Fauna and Flora). Nela são citadas. três espécies de bromélias brasileiras pertencentes ao gênero Tillandsia. Esses táxons indicados no Cites apresentam distribuição geográfica muito reduzida, são de pequeno porte e utilizados como plantas ornamentais. Contudo, pelo quadro que se apresenta podemos inferir que muitas outras espécies de Bromeliaceae deveriam estar incluídas nessa lista. CONCLUSÕES

As bromélias são um importante recurso florestal da Mata Atlântica, mas até o momento não há notícia de nenhum manejo florestal registrado para elas.

O incentivo a projetos de manejo florestal ou de pequenas produções pode ser de grande auxílio no desenvolvimento socioeconômico das pessoas envolvidas e uma das principais armas contra o extrativismo predatório.

A atual produção comercial caracteriza-se por atender ao mercado local, regional. Tal fato deve estar sendo mantido pela falta de investimento no setor. Apesar do crescimento na produção comercial, o extrativismo continua sendo uma fonte considerável das plantas comercializadas. 130

A oferta das espécies comercializadas, provenientes do extrativismo, sofre variação ao longo do ano em função do período de floração, o que não é observado nas plantas provenientes do cultivo, visto que nestas a floração é controlada.

A Ceagesp é o principal ponto de comercialização de plantas ilegais, provenientes do extrativismo, do eixo Rio-São Paulo.

E notório que, ao discutirmos os problemas de conservação e preservação desse grupo de plantas, estaremos discutindo os problemas de conservação e preservação da própria floresta Atlântica como um todo.

Deve haver um esforço acentuado por parte dos colecionadores de bromélias para não introduzir espécies em um ambiente onde elas não são originárias, pois isso poderia pôr em risco as espécies nativas da localidade.

Os profissionais que trabalham com paisagismo são extremamente importantes na cadeia comercial das bromélias. Ao utilizar plantas provenientes do extrativismo predatório, esses profissionais auxiliam a formação de um mercado de comercialização ilegal, pois criam a necessidade do consumo e ao mesmo tempo consomem todas as espécies oferecidas, mantendo um ciclo vicioso de relações. Lista de espécies comercializadas, observadas durante levantamento na Ceagesp, em Guaratiba (RJ) e no viveiro Mania de Bromélias (RJ), Na listagem não estão incluídos os cultivares: Aechmea blanchetiana (Baker) L. B. Sm. A. callichroma Read & Baensch A. capixabae L. B. Sm. A. chantini Baker A. coelestis Morr.

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A. correia-araujoi Pereira & Moutinho-Neto A. fasciata Baker A. orlandiana L. B. Sm. A. ramosa Mart. ex Schult & Schuk. f. Ananas ananassoides (Baker) t. B. Sm. A. aff. bracteatus Baker Alcantarea geniculata (Wawra) J. R. Grant A. imperialis (Carriere) Harms A. odonata (Leme) J. R. Grant Billbergia amoena Lindl. Cryptanthus acaulis Beer C. bahianus L. B. Sm. 131 C. bivittatus Regei C. fosterianus L. B. Sm. C. zonatus Beer Guzmania ligulata (L.) Mez G monostachia (L.) Rusby C sanguinea (André) André G. scberzeriana Mez G. wittmackii (André) André Hohenbergia correia-araujoi Pereira & Moutinho-Neto Neoregelia carolinae (Beer) L. B. Sm. N. compacta (Mez) L B. Sm. N. correia-araujoi Pereira & Penna N. johannis (Carr.) L. B. Sm. N. kautskyi Pereira N. marmorata (Baker) L. B. Sm. N. macwilliamsii L. B. Sm. N. olens (Hook f.) L. B. Sm. N. pauciflora L. B. Sm. N. princeps (Baker) L. B. Sm. Nidularium innocentii Lem. Orthophytum gurkenii Hutchinson Portea alatisepala Philcox P. leptantha Harms P. petropolitana Mez Quesnelia arvensis Mez Tillandsia cyanea Lindl. T. geminiflora Brong. T. stricta Sol. T. usneoides (L.) L. Vriesea altodaserrae L. B. Sm. V. bituminosa Wawra V. carinata Wawra V. erythrodactylon (Morr.). Morr. ex Mez V. gigantea Gaud.

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V. hieroglyphica (Carr.) Morr. V. incurvata Caud. V. inflata (Wawra) Wawra V. jonghei (Koch.) Morr. V. neoglutinosa Mez V. pastuchoffiana Glaziou ex Mez V. rodigasiana Morr. 132 Parte II Perspectivas do manejo sustentável 133 ASPECTOS SOCIAIS E CULTURAIS DOS RECURSOS FLORESTAIS DA MATA ATLÂNTICA Antonio Carlos Diegues

O presente capítulo tem por objetivo analisar os componentes sociais e culturais do extrativismo dos recursos florestais no Domínio, da Mata Atlântica, bem como fornecer indicações de como esses componentes poderiam ser mais bem integrados nas análises sobre o tema.

Nos itens 1 e 2 são apresentadas uma tipologia dos tipos de extrativismo, manejo e cultivo e uma breve descrição das diversas populações tradicionais que realizam o extrativismo como parte importante de seu modo de vida. Nos itens 3 e 4 apresenta-se um detalhamento do extrativismo, do conhecimento e do 'manejo tradicional dos ecossistemas da Mata Atlântica pelas populações tradicionais indígenas e não indígenas. No item 5 analisam-se aspectos sócio culturais existentes nos demais capítulos, centrados no estudo da exploração das espécies florestais selecionadas pelo projeto Inventário dos Recursos Florestais da Mata Atlântica. Finalmente, são feitas algumas conclusões e recomendações no sentido de integrar os aspectos socioculturais em trabalhos posteriores sobre o tema em questão. TIPOLOGIA DE EXTRATIVISMO

O extrativismo, no sentido amplo, inclui uma gama de atividades, desde a coleta de espécies nativas da mata até o manejo dessas espécies pelos pequenos produtores e o cultivo dessas espécies (ainda que este último não possa ser considerado, a rigor, uma atividade extrativista). Podem ser consideradas as seguintes atividades extrativistas: Extrativismo-coleta

Realizado por pequenos produtores ou comunidades rurais como uma das várias atividades que compõem o leque de atividades rurais: pequena agricultura, pesca, coleta aquática etc. 135

No extrativismo-coleta, a atividade extrativista, em grande parte dos casos, não é a única, nem sempre a mais importante e que toma mais tempo nas atividades econômicas do pequeno produtor rural. Em muitos casos, no entanto, ela é fundamental na aquisição do dinheiro necessário à compra de produtos no mercado, transformando-se, às vezes, numa reserva de recursos da mata, que é explorada quando preciso.

O extrativismo-coleta é realizado por pessoas que participam de modos de vida próprios das culturas caiçara, caipira/cabocla, açoriana, de sertanejos e pescadores artesanais-jangadeiros residentes

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no Domínio da Mata Atlântica. Essas populações não só conhecem esses recursos que extraem da Mata (cipós, ervas

medicinais, pinhão, erva-mate, palmito etc.) como praticam, em muitos casos, o manejo tradicional, marcado pelas restrições oriundas de períodos do ano, fases da lua, locais etc. Quando essas comunidades humanas entram num período de desorganização social, segundo Mourão,1 o extrativismo torna-se a atividade principal, respondendo exclusivamente a uma demanda do mercado. Nesses casos, o manejo baseado nas restrições acima referidas perde sua força cultural, ocorrendo um extrativismo não sustentável.

Esse extrativismo pode ser realizado nas pequenas propriedades, em terras de uso comum, geralmente terras devolutas ou ecossistemas tais como manguezais e caxetais, identificados como de domínio público. O extrativismo raramente é uma atividade única ou especializada. O importante nessa alternativa é que esse extrativismo se realiza no interior do remanescente da Mata Atlântica e está profundamente inserido no modo de vida de populações como a caiçara e a caipira/cabocla.

Quando, todavia, ocorre uma especialização, pela qual o produtor passa a depender quase exclusivamente da atividade extrativista, pode haver uma alteração brusca do complexo calendário de atividades tradicionais em que aquelas mais ligadas à subsistência (por exemplo, roça ou pesca) podem ser abandonadas, ficando o extrator cada vez mais dependente das flutuações de mercado.

Uma parte desse extrativismo pode ser também realizada de forma ilegal, sendo que uma parte dessa população extrativista pode morar em

1 – F. Mourão, Os pescadores do litoral sul do estado de São Paulo (São Paulo: USP 1971). 136 bairros semi-urbanos ou periurbanos. Um exemplo dessa atividade ilegal é a dos palmiteiros.

Um dos grandes problemas dessa forma de extrativismo é que, em geral, os extrativistas não têm a posse legal da terra; por exemplo: comunidades caiçaras e o extrativismo da caxeta, do mangue, de ervas medicinais, palmito, plantas ornamentais, samambaias etc.

Nessa forma de extrativismo, como já dito, o produto extraído é somente um dos componentes da renda familiar, em geral responsável por parte da renda monetária desses pequenos produtores. Além disso, ele gera também uma parte da renda não monetarizada. Um exemplo é a extração de ervas medicinais, usadas tanto como remédio como em rituais, tais como no candomblé. Extrativismo manejado

Pode ser considerado uma etapa mais elaborada do extrativismo, em que se realiza uma gestão baseada em práticas tradicionais ou em práticas fundamentadas num enfoque técnico-científico, este último em geral introduzido por técnicos. O extrativismo manejado pode ser realizado por processos como adensamento, introdução de outras espécies etc. Ainda que possa continuar sendo realizada no interior da mata, como o palmiteiro manejado, essa modalidade pode ser feita fora da cobertura vegetal original, em quintais onde se reúnem várias espécies, por exemplo, de ervas medicinais.

O extrativismo manejado pode ser realizado no âmbito das comunidades tradicionais ou de pequenos produtores rurais. Dado o investimento a ser feito, muitas vezes em trabalho e conhecimento especializado, o produtor tende a adotá-lo quando tiver a terra regularizada legalmente, sob a forma de propriedade particular ou reserva extrativista. Tanto no extrativismo-coleta como no manejado, algumas dessas espécies podem ser consideradas localmente como reservas de recursos a ser coletados e comercializados no caso da necessidade de dinheiro. Cultivo

O cultivo de espécies não madeireiras da Mata Atlântica é em geral realizado por produtores

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especializados ou por firmas. Em ambos os casos, 137 esse cultivo tende a ser feito fora da mata, por exemplo, em estufas, que requerem investimento e práticas especializadas, e em que muitas vezes se utiliza a reprodução em laboratório (clonagem). Nesse caso, o produtor tem a. posse da terra garantida legalmente. É o caso da erva-mate cultivada ou de orquídeas, bromélias e ervas medicinais. A totalidade da produção é comercializada, ao contrário do extrativismo-coleta, cujos recursos são, muitas vezes, utilizados diretamente pelos pequenos produtores e comunidades locais. Tipos de extrativismo/manejo/cultivo e sua relação com a Mata Atlântica Sistemas extrativistas/cultivo Relação com a Mata Atlântica Extrativismo-coleta Direta, no interior da Mata Manejo extrativista No interior da Mata ou em área adjacente Cultivo Em geral, em área adjacente ou exterior à Mata

AS POPULAÇÕES TRADICIONAIS DA MATA ATLÂNTICA E O EXTRATIVISMO

O extrativismo-coleta e, em alguns casos, o manejado são realizados por pequenos produtores que fazem parte das populações tradicionais da Mata Atlântica, tanto indígenas como não indígenas. As populações tradicionais não indígenas

As atividades extrativistas são, em grande parte, exercidas pelos pequenos produtores rurais e comunidades conhecidas como tradicionais, pois têm seu modo de vida, em grande parte, associado ao uso e manejo dos recursos naturais exercidos ao longo de sua permanência histórica na Mata Atlântica e ecossistemas associados, que incluem mangues, restingas e zonas costeiras. Dentre esses grupos culturais - alguns totalmente inseridos na Mata Atlântica, outros apenas parcial ou tangencialmente a esse Domínio -, destacam-se os seguintes: Caiçara Entende-se por caiçaras aquelas comunidades formadas pela mescla da contribuição étnico-cultural dos indígenas, dos colonizadores portu 138 gueses e, em menor grau, dos escravos africanos. Os caiçaras apresentam uma forma de vida baseada em atividades de agricultura itinerante, da pequena pesca, do extrativismo vegetal e do artesanato. Essa cultura desenvolveu-se principalmente nas áreas costeiras dos atuais estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e norte de Santa Catarina. Alguns autores2 consideram que as comunidades caiçaras se formaram nos interstícios dos grandes ciclos econômicos do período colonial, fortalecendo-se quando essas atividades voltadas para a exportação entraram em declínio. A decadência dessas atividades, principalmente as agrícolas, incentivou as atividades de pesca e coleta em ambientes aquáticos, principalmente os de água salobra, como estuários e lagunas. No interior desse espaço caiçara surgiram cidades como Parati, Santos, São Vicente, Iguape, Ubatuba, Ilhabela, São Sebastião, Antonina, Paranaguá, que em vários momentos da história colonial funcionaram como importantes centros exportadores. As comunidades caiçaras sempre mantiveram com essas cidades, em maior ou menor intensidade, contatos e intercâmbio econômico e social, também dependendo delas para o aprovisionamento de bens não produzidos nos sítios e nas praias. Esse contato se manteve por vias terrestre (caminhos), fluvial e marítima, tendo-se destacado, do século XIX até as primeiras décadas do século XX, as chamadas canoas de voga, onde se transportavam produtos agrícolas, peixe seco, aguardente etc.

A maioria desses centros e áreas rurais litorâneas correspondentes entrou em decadência no

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final do século XIX, principalmente com o fim da escravatura, levando ao declínio determinadas atividades agrícolas de exportação, como o arroz. As comunidades caiçaras mantiveram sua forma tradicional de vida até a década de 1950, quando as primeiras estradas de rodagem interligaram as áreas litorâneas com o planalto, ocasionando o início do fluxo migratório.

As comunidades caiçaras passaram a chamar a atenção de pesquisadores e de órgãos governamentais mais recentemente em virtude das ameaças cada vez maiores à sua sobrevivência material e cultural e pela contribuição histórica que essas populações têm dado à conservação da biodiversidade, por meio do conhecimento sobre a fauna e a flora e os sistemas tradicionais de manejo dos recursos naturais de que dispõem. 2 - Ibidem; A. Diegues, Pescadores, camponeses e trabalhadores do mar (São Paulo: Ática, 1983), 139 Essas comunidades encontram-se hoje ameaçadas em sua sobrevivência física e material por uma série de processos e fatores.

Uma das ameaças a essas comunidades e ao exercício de suas atividades tradicionais provém do avanço da especulação imobiliária, iniciada já nas décadas de 1950 e 1960, sobretudo com a construção de residências secundárias ao longo do litoral. A especulação imobiliária privou uma grande parte dos caiçaras de suas posses nas praias, obrigando-os tanto a trabalhar como caseiros, pedreiros, quanto a mudar suas casas para longe de seu lugar de trabalho, dificultando as atividades pesqueiras. Além disso, o turismo de massa, sobretudo no litoral norte do estado de São Paulo, contribui para a desorganização das atividades tradicionais, criando uma nova estação ou safra nos meses do verão, quando muitos caiçaras se transformam em prestadores de serviços.

Outro processo responsável pela desorganização da cultura caiçara é o fato de uma grande parte de seu território ter se transformado em áreas naturais protegidas. Essa transformação de seu espaço de reprodução material e social em parques e reservas naturais resultou em graves limitações a suas atividades tradicionais de agricultura itinerante, caça, pesca e extrativismo, contribuindo para a emergência de conflitos com os administradores dessas unidades de conservação e para uma migração ainda maior para as áreas urbanas, onde os caiçaras expulsos de seus territórios passaram a viver em verdadeiras favelas e fadados ao desemprego e subemprego.

Apesar das restrições ambientais e do reduzido acesso às áreas de extrativismo, as comunidades caiçaras ainda hoje são dependentes dessa atividade, exercida tanto na mata quanto nos estuários e no mar.

Um estudo realizado pelo Núcleo de Pesquisa sobre Populações Humanas e Áreas Úmidas Brasileiras (Nupaub)3 mostra que, dos trabalhos publicados sobre caiçaras, de um total de 104, cerca de 63,5% indicam ser o extrativismo uma atividade realizada por essa população tradicional. Além disso, cerca de 23% dos trabalhos indicam a importância das ervas medicinais nessa cultura. O extrativismo caiçara se dá, de um lado, no mar, em restingas e estuários e está associado à pesca e à coleta de 3 - A. Diegues & R. Arruda, Comunidades tradicionais e biodiversidade, relatório (São Paulo: MMA/ Nupaub, 1999). 140 crustáceos e moluscos, e, de outro lado, na mata. Nesta última, um grande número de espécies de árvores, arbustos, flores, frutos, cipós e frutas é utilizado para uso tanto doméstico quanto comercial. Com os recursos florestais são fabricados equipamentos de pesca, instrumentos de lida na lavoura, de uso doméstico e artesanato, este último para venda. Alguns desses equipamentos e instrumentos são fabricados pelos homens, ao passo que outros itens, que incluem cestarias, cerâmicas, remédios caseiros, são, em grande parte, responsabilidade feminina.

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Os jangadeiros Os jangadeiros são, essencialmente, pescadores-marítimos que habitam a faixa costeira situada

entre o Ceará e o sul da Bahia, pescando com jangadas. Para efeito deste relatório, apesar dessa área geográfico-cultural, chamada por Maynard de jangada em oposição à área litorânea sulina, chamada por ele de ubá (canoa de um tronco só), muitos dos trabalhos coletados e analisados se referem à pesca com canoas, nos estuários dessa região, ou com botes, que muitas vezes sucederam as jangadas, sobretudo a partir dos anos 1950 no Nordeste.

Apesar de a jangada ser utilizada pelos índios brasileiros (chamada peri-peri), a embarcação que hoje conhecemos, utilizando vela e leme para a pesca em alto-mar, foi fruto de várias adaptações introduzidas pelos europeus e pelos africanos. Já no início do século XVI existem registros de que essas embarcações eram utilizadas para a pesca pelos escravos africanos na capitania de Pernambuco.4 Até a década de 1950 havia no Nordeste um número maior de jangadas do que botes e lanchas a motor,. mas a partir dessa década o número de jangadas e de jangadeiros começou a diminuir principalmente em virtude da dificuldade em se encontrar o pau-de-balsa (piúba) de que eram feitas jangadas. Nas décadas de 1970 e 19S0 começam a surgir as jangadas feitas de tábua, que passam a substituir gradativamente as de pau. Hoje pode-se constatar que somente em alguns lugares, como no sul da Bahia, onde ainda se encontram áreas de mata nativa, encontra-se o pau-de-jangada. 4 - A. T. Silva et al., As várzeas ameaçadas: um estudo preliminar das relações entre comunidades humanas e os recursos naturais da Várzea da Marituba no rio São Francisco (Alagoas) (São Paulo: Nupaub/USP, 1990). 141

Os jangadeiros utilizam as jangadas de alto para pesca em alto-mar, ao passo que os paquetes e botes, pequenas jangadas, servem para a pesca costeira e estuarina.

Esses pescadores detêm um grande conhecimento da arte de navegação e identificação dos locais de pesca situados longe da costa pelo sistema de triangulação pelo qual linhas imaginárias são traçadas a partir de acidentes geográficos situados no continente. Também os vários ambientes pesqueiros são definidos a partir de determinadas características ecológicas e nomeados localmente como tassos, corubas, altos e rasos, segundo a profundidade em que se situam as rochas onde se pesca com linha de mão. Os jangadeiros têm demonstrado um grande conhecimento da diversidade das espécies de pescado que capturam, conhecendo a sazonalidade, os hábitos migratórios e alimentares de um grande número de peixes, sobretudo os de fundo.

Essas comunidades de jangadeiros ainda são importantes em certas áreas, como o litoral do Ceará, onde pescam principalmente a lagosta, e na costa do Rio Grande do Norte, onde, além da lagosta, pescam outros peixes com a ajuda de redes.

As comunidades de jangadeiros sofrem hoje a concorrência dos pescadores de botes motorizados e também os impactos do turismo, principalmente o de residência secundária.

Em estados como o Ceará, mas de forma geral nos demais estados nordestinos, os jangadeiros. vêm perdendo o acesso às praias, uma vez que suas posses nesses locais estão sendo compradas ou expropriadas pelos veranistas que aí constroem suas residências secundárias.

As atividades em terra são menos importantes que a pesca para essas comunidades de pescadores marítimos. No entanto, extraem dos coqueiros uma fonte complementar de renda, realizando também, algumas vezes, roças de mandioca, da qual extraem a farinha.

O extrativismo baseia-se principalmente nas espécies de palmeiras das quais se retiram fibras para confecção de instrumentos de lida, tanto na pesca quanto na vida doméstica. O artesanato voltado para a venda é uma atividade principalmente feminina, baseado não só em cestaria, mas também em bordados. 142

No estudo de Diegues e Arruda5 constata-se que somente 24,4% dos trabalhos sobre jangadeiros

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mencionam atividades extrativistas fora da pesca e 11% citam o uso de ervas medicinais. Sertanejos/vaqueiros

Os sertanejos/vaqueiros ocupam a orla descontínua úmida do agreste bem como as enormes extensões semi-áridas das caatingas. Mais além, penetrando no Brasil Central, elevam-se em planalto como campos cerrados que se estendem por milhares de quilômetros quadrados. Toda essa área se compõe de vegetação rala, confinada de um lado pela floresta da costa atlântica e do outro pela floresta Amazônica, e fechada ao sul por zonas ,l matas e campinas :n:"aturais,

No agreste, depois nas caatingas e por fim nos cerrados desenvolveu-se economia pastoril associada à produção açucareira como fornecedora de carne, couro e bois de serviço.

As atividades pastoris, nas condições climáticas dos sertões cobertos de pastos pobres e com extensas áreas sujeitas a secas periódicas, conformaram não só a vida, mas a própria figura do homem e do gado. Assim associados, multiplicando-se, o gado e os homens foram penetrando terra adentro, até ocuparem, ao fim de três séculos, quase todo o sertão interior. No curso desse movimento de expansão todo o sertão foi sendo ocupado e cortado por estradas abertas pela batida das boiadas. Estas marchavam de pouso em pouso, que se transformariam mais tarde em vilas e cidades, célebres como feiras de gado, vindo de imensas regiões circundantes. Mais tarde, as terras mais pobres dos carrascais, onde o gado não podia se desenvolver, foram dedicadas à criação de caprinos, cujo couro encontrou amplo mercado. Esses caprinos, crescendo junto com o gado, transformam-se mais tarde na única provisão de carne ao alcance do vaqueiro. Assim, os currais se fizeram criatórios de gado, de bode e de gente: os bois para vender, os bodes para consumir, os homens para emigrar.6 5 - A. Diegues & R, Arruda, op. cit. 6 - Rachel de Queiroz, "Sertão, sertanejo", em Monteiro, S. & Vaz, L, Caatinga, sertão, sertanejo (Rio de Janeiro: Alumbramento/Livroarte,1994). 143 Em Diegues e Arruda,7 cerca de 29,6% dos trabalhos descrevem o extrativismo como atividade exercida por essa população. Os caipiras

Os caipiras são, hoje, em grande parte sitiantes, meeiros e parceiros que sobrevivem precariamente em nichos entre as monoculturas do Sudeste e Centro-Oeste, em pequenas propriedades em que desenvolvem atividades agrícolas e de pequena pecuária, cuja produção se dirige para a subsistência familiar e para o mercado.

Para Darci Ribeiro,8 a área cultural caipira é um modo de vida que se difunde paulatinamente a partir das antigas áreas de mineração e dos núcleos de produção artesanal e de mantimentos que a supriam de manufaturas, de animais de serviço e outros bens. Esparramou-se, ainda segundo Darci Ribeiro, por toda a área florestal e campos naturais do centro-sul do país, desde São Paulo, Espírito Santo e estado do Rio de janeiro, na costa, até Minas Gerais e Mato Grosso. O único recurso com que conta essa economia decadente é a vasta mão-de-obra desocupada e terras virgens despovoadas e sem valor. Com essa base, instala-se uma economia natural de subsistência, dado que a comercialização era limitada. Difunde-se, desse modo, uma agricultura itinerante, a derrubar e queimar novas glebas de mata para a roça, combinada com a caça, pesca e coleta. Dada a dispersão do povoamento, há de um lado a existência de famílias vivendo isoladas e, de outro, alguns bairros rurais.

Essas populações desenvolvem formas de convívio e ajuda mútua nas atividades agrícolas, bem como formas de religiosidade peculiares, em torno de capelas e igrejas, onde em domingos e feriados é reverenciado o santo padroeiro.

Esse mundo caipira é desarticulado pelo advento da monocultura de café e cana, no centro-sul, e

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pelas fazendas de gado, assim como pela urbanização crescente e pela luta e grilagem das terras. A pequena propriedade caipira acabou, em grande parte, sendo incorporada pela grande propriedade, e somente conseguiu subsistir em nichos onde a mecani 7 - A. Diegues & R. Arruda, op. cit. 8 - Darci Ribeiro, O povo brasileiro: a formação e a sentido do Brasil (São Paulo: Cia. das Letras, 1995). 144 zação agrícola não pôde avançar, como nas áreas montanhosas da Mata Atlântica e da serra do Mar. Em Diegues e Arruda,9 cerca de 62% das publicações pesquisadas sobre caipiras revelam, a existência do extrativismo, ao lado das atividades agrícolas e artesanais, apesar da redução constante da área florestada nas pequenas propriedades rurais. Cerca de 31% desses trabalhos falam do uso de ervas medicinais pelos caipiras. Os açorianos

São descendentes dos imigrantes açorianos e também dos madeirenses e portugueses continentais, que se estabeleceram no litoral catarinense e rio-grandense a partir de meados do século XVIII, guardando traços culturais próprios, fruto da miscigenação com negros e índios. Esses colonos eram agricultores e pescadores em seus lugares de origem e, quando se fixaram no litoral sul do Brasil, também passaram a combinar a agricultura com a pesca. Segundo Franklin Cascaes,10 os açorianos começaram a pescar tainha entre maio, e agosto, quando abandonavam suas atividades agrícolas para se dedicar à pesca. Como grande parte deles vivia isolada, de início garantiu sua subsistência emprestando técnicas e espécies cultivadas dos indígenas, como a mandioca. O óleo para iluminação era retirado de peixes e baleias. As igrejas eram o ponto de encontro, para onde iam aos domingos, usando carroças e carros de boi.

Na pesca, ainda no século XVIII, eles se dedicaram à captura da baleia, com uma embarcação chamada baleeira, que se tomou fundamental também para os outros tipos de pesca realizados até hoje.

Essa situação começou a se alterar na metade do século XX com a expansão urbana de Florianópolis e da orla marítima entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A partir desse momento começou uma especialização nas atividades pesqueiras, em detrimento da agricultura, apesar de que, até recentemente, na maioria das vezes, os açorianos exerciam conjuntamente a pesca e a lavoura. Esta última é o domínio do trabalho da mulher, principalmente no preparo da farinha de mandioca, e a pesca é domínio masculino. 9 - A. Diegues & R. Arruda, op. cit. 10 - F Cascaes, O fantástico na ilha de Santa Catarina (Florianópolis; Editora da UFSC, 1989) 145

Os pescadores de origem açoriana ficaram conhecidos como excelentes profissionais da pesca, migrando sazonalmente entre o Rio Grande do Sul e São Paulo, onde eram conhecidos como pescadores-andorinhas. Muitas artes de pesca novas foram introduzidas por esses pescadores nos locais para onde migravam em suas campanhas. A partir de 1970, a indústria de pesca ganhou grande impulso em Santa Catarina, com a política de incentivos fiscais. No entanto, em menos de dez anos fizeram-se sentir os sinais da sobrepesca e algumas dessas empresas catarinenses migraram para outros lugares, como o litoral norte amazônico, levando seus barcos e pescadores. No litoral catarinense ficaram sobretudo as comunidades de açorianos que se dedicam à pequena pesca, e mais recentemente ao cultivo de mexilhão.

As décadas de 1970 e 1980 também trouxeram outras mudanças importantes no litoral catarinense, com a introdução do turismo e das residências secundárias. Muitos desses pescadores, como resultado da expansão urbana e da diminuição dos estoques, transferiram-se para o setor de

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serviços, atendendo ao grande contingente de turistas-nacionais e estrangeiros que passam a temporada de verão no litoral catarinense e rio-grandense.

Em Diegues e Arruda,11 cerca de 40% das publicações revelam que os açorianos praticam o extrativismo. Varjeiros (ribeirinhos não amazônicos)

Varjeiros ou varzeiros são consideradas aquelas populações tradicionais que vivem às margens dos rios e várzeas, sobretudo às margens do rio São Francisco. Essa denominação é também aplicada a ribeirinhos e caboclos de outros rios, como o Paraná.

O rio São Francisco e sua gente foram descritos já por Saint-Hilaire, no início do século XIX,12 e por Spix e Martius, também nesse período.13 O livro clássico sobre os varjeiros do São Francisco é o de Donald Pierson,14 em que descreve o modo de vida dos varjeiros, que combinava 11 - A. Diegues & R. Arruda, op. cit. 12 - A. de Saint-Hilaire, Viagem às nascentes do do São Francisco e pela província de Goiás (São Paulo: N.,-1 1937) 13 - Spix & Martius, Viagem pelo Brasil (1817-1820) (São Paulo: Melhoramentos, 1968). 14 - D. Pierson, O homem do Vale do São Francisco (Rio de Janeiro: Ministério Interior/Suvale, 1972). 146 as atividades agrícolas (principalmente o plantio do arroz), extrativistas da mata (de onde retiravam mel, ervas medicinais e madeira para as célebres canoas - ubás - e barcas, movidas a remo e a vela) e também as atividades de pesca, pecuária e cerâmica. Anterior ao trabalho de Pierson, é necessário citar a obra de Von Ihering,15 que na década de 1930 percorreu o rio São Francisco, e descreve sobretudo as atividades pesqueiras.

Em 1978, Mangabeira Unger escreveu Sertão do Velho Chico.16 Em 1991, Zanoni Neves apresentou sua dissertação de mestrado,17 em que descreve a herança social dos remeiros e lameiros que navegavam comas canoas e barcas, bem como o conhecimento que tinham do rio e de seus recursos naturais.

Outro conjunto de trabalhos diz respeito aos varjeiros do Baixo São Francisco, próximo à foz do rio. Esses trabalhos abordam as transformações por que passa o rio depois da construção das hidrelétricas e seu impacto sobre o modo de vicia dos varjeiros. Tania Elias Alves18 enfoca as transformações em duas comunidades de varjeiros a partir das alterações no regime hídrico, do avanço da cana-de-açúcar e do arroz irrigado implantado pela Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf) em áreas vizinhas. José Geraldo Marques19 faz uma análise do conhecimento dos varjeiros da Marituba sobre os recursos naturais dentro da perspectiva da etnoictiologia e da etnobotânica.

No entanto, os caboclos ribeirinhos existem em outras áreas do Brasil, como o rio Ribeira de Iguape, o Paraná, o Tietê e outros, mais diretamente incluídos no Domínio da Mata Atlântica. Em Diegues e Arruda,20 constata-se que cerca de 40,0% dos trabalhos sobre essa população revelam a existência de atividades extrativistas e que 35,5% indicam o conhecimento e o uso de ervas medicinais. 15 - R. von Ihering, Ciência e belezas nos sertões do Nordeste (Fortaleza: Ministério do Interior, 1983). 16 - R. M. Unger, Sertão do Velho Chico (s/l: s/ed, 1978). 17 - E. R. Zanoni Neves, Os remeiros do rio São Francisco: trabalho e posição social, tese de doutorado (Campinas: Unicamp/Dep. Antropologia, 1991). 18 - A. T. Silva et al., op. cit. 19 - J. G. Marques, Pescando pescadores: etnoecologia abrangente do Baixo São Francisco alagoano (São Paulo: Nupaub/USP 1992). 20 - A. Diegues & R. Arruda, op. cit. 147

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Os quilombolas

Os quilombolas são descendentes dos escravos negros que sobrevivem em enclaves comunitários, muitas vezes antigas fazendas deixadas pelos antigos grandes proprietários. Apesar de existirem, sobretudo após o fim da escravatura, no final do século XIX, sua visibilidade social é recente, fruto da luta pela terra, da qual, em geral, não possuem escritura. A Constituição de 1988 garantiu seu direito sobre a terra da qual vivem, em geral de atividades vinculadas à pequena agricultura, ao artesanato, ao extrativismo e à pesca, segundo as várias regiões em que se situam. Assim os quilombos da Amazônia, muitas vezes situados ao longo dos rios e igarapés, garantem sua subsistência com a pequena pesca, o extrativismo e a pequena agricultura. Em outras regiões, as atividades são quase exclusivamente agrícolas. Apesar de alguns trabalhos de pesquisa terem sido feitos antes da década de 1980, a maioria deles é mais recente e surgem no bojo da luta pela afirmação dos quilombolas como um grupo que apresenta uma cultura e uma história particulares, marcadas pela influência negra não só nas atividades agrícolas como também nas religiosas.

Em Diegues e Arruda,21 constata-se que cerca de 72,0% dos trabalhos analisados revelam a prática do extrativismo pelos quilombolas e 22,2% indicam também o conhecimento e uso de ervas medicinais. O pastoreio (campeiro)

O termo pastoreio, utilizado por Darci Ribeiro,22 refere-se à população sulina dos gaúchos que vivem nos pampas e coxilhas sulinas. No interior do Rio Grande do Sul existe uma expressiva região campestre com cerca de 60 mil km2, formando, em termos gerais, os pampas gaúchos, que podem ser divididos em duas regiões: a planície gaúcha — os pampas verdadeiros que ocupam uma parte considerável do nordeste da Argentina - e as coxilhas - uma paisagem marcada por montanhas baixas, intercaladas por vales, com vegetação campestre entremeada por pequenos capões florestais. 21 - Ibidem. 22 - Darci Ribeiro, op. cit. 148

Os gaúchos constituem-se num grupo pastoral de cavaleiros e trabalhadores rurais vinculados à pecuária extensiva da região do pampa, vi' vendo no local onde trabalham, nas grandes estâncias voltadas à produção de gado de corte e de lã. As famílias vivem em pequenos vilarejos, identificados como las casas, nos limites das grandes propriedades rurais.

Eles são fruto da miscigenação entre os habitantes originais, os guaranis, e os colonizadores espanhóis e portugueses, especializando-se na exploração do gado, alçado e selvagem, que se multiplicava, muito nas pradarias naturais das duas margens do rio da Prata. Darci Ribeiro23 descreve esses gaúchos como uniformizados culturalmente pelas atividades pastoris, bem como pela unidade de língua, costumes e usos comuns, tais como o chimarrão, o tabaco, a rede de dormir, a vestimenta peculiar — o poncho -, as boleadeiras e laços de caça e de rodeio, as candeias de sebo para alumiar e toda a tralha de montaria e pastoreio feita de couro cru, aos quais se acrescentaram as carretas puxadas por bois, os hábitos de consumo do sal como tempero, da aguardente e do sabão e a utilização de artefatos de metal.

Deu-se então uma divisão social em que, de um lado, existe o estancieiro, com sua casa confortável e, de outro, o peão gaúcho, que mora na palhoça, tomando conta do gado. Hoje, muitos deles deixaram as estâncias, mudando-se para os terrenos baldios. Transformam-se assim os gaúchos em reserva de mão-de-obra, em que o estancieiro recruta os homens de que necessita quando vai bater os campos, esticar um aramado ou nas épocas de tosquia. Ainda segundo Darci Ribeiro,24 parte deles se fazem lavradores de terrenos alheios, ainda não engolidos pelo pastoreio, pelo regime de parceria. São

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os autônomos rurais do Sul contrapostos à peonagem das estâncias. A população das rancharias compõe-se, ainda segundo esse autor, de velhos desgastados nas lidas pastoris ou na parceria, e de crianças que se iniciam nas mesmas labutas. A maior parte da gente jovem migra para outras áreas rurais, dentro e fora do estado. Em Diegues e Arruda25 existe um número muito reduzido de publicações sobre essa população, mas ainda aí se revela a existência do extrativismo em 50% dos estudos realizados. 23 - Ibidem. 24 - Ibidem. 25 - A. Diegues & R. Arruda, op. cit. 149 Os pescadores

Essa categoria de população tradicional está espalhada pelo litoral, pelos rios e lagos e tem um modo de vida baseado principalmente na pesca, ainda que exerça outras atividades econômicas complementares, como o extrativismo vegetal, o artesanato e a pequena agricultura. Apesar, de poderem, sob alguns aspectos, ser. considerados uma categoria ocupacional, os pescadores, particularmente os chamados artesanais, apresentam um modo de vida particular, sobretudo aqueles que vivem das atividades pesqueiras marítimas. Freqüentemente, mesmo alguns grupos como os jangadeiros e praieiros identificam-se primordialmente como pescadores. Alguns deles, mesmo vivendo em espaços e lugares definidos neste trabalho como os de jangadeiros e caiçaras, são classificados como pescadores. Por exemplo, mesmo na região costeira, onde historicamente se concentraram os jangadeiros, existem pescadores que não utilizam jangada e sim canoas em estuários, lagunas e rios. Nesse caso,, foram classificados com o termo mais genérico de jangadeiros. O mesmo se aplica aos que utilizam os botes — embarcações que freqüentemente substituíram as jangadas — no Nordeste.

No trabalho de Diegues e Arruda,26 consta que, dos trabalhos analisados, cerca de 25,8% deles revelam a existência do extrativismo, além das atividades pesqueiras. Os sitiantes A semelhança da categoria dos pescadores, a dos sitiantes é bastante ampla, cobrindo aquelas populações que, apesar de basearem seu modo de vida na agricultura, desempenham também outras atividades complementares, como a pesca, o artesanato, o trabalho assalariado. Podem ser considerados pequenos produtores rurais, morando em pequenas propriedades rurais - os sítios -, nos interstícios da grande propriedade ou em bairros rurais, como aqueles descritos por Maria Isaura P. de Queiroz, no caso paulista. 26 - Ibidem 151

Em algumas regiões eles se confundem com os caipiras ou caboclos. Em alguns estudos essas populações aparecem como caboclos-sitiantes ou sitiantes-caipiras, ou ainda pescadores-sitiantes. Ainda que muitos deles dediquem parte de sua produção, sobretudo a agrícola e a da pequena pecuária, para o consumo familiar, eles estão também intimamente vinculados ao mercado, para o qual dirigem parte importante de sua produção. São também dependentes de fragmentos de mata, quando existe em sua propriedade, para a retirada do mel, de ervas medicinais, cipós e fibras para o artesanato, barro para a cerâmica etc.

A mão-de-obra dos sítios é principalmente familiar, apesar de, em alguns momentos do ciclo agrícola, utilizarem alguma força de trabalho assalariada ou, ainda, em alguns poucos casos, cada vez

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mais raros, a cooperação dos vizinhos, por meio do mutirão. Nessa categoria, muitas vezes também podem ser incluídos os posseiros e meeiros.

Em Diegues e Arruda,27 cerca de 50,0% das publicações indicam o extrativismo como atividade complementar no modo de vida dos sitiantes e que 35,7% deles possuem o conhecimento e fazem uso de ervas medicinais. As populações tradicionais indígenas da Mata Atlântica

Entre os principais grupos indígenas residentes no Domínio da Mata Atlântica podem-se citar: Guarani, Kaingang, Xocleng, Pataxó, Tupiniquim, Krenak e Terena. EXTRATIVISMO DE ESPÉCIES COLETADAS PELAS POPULAÇÕES TRADICIONAIS NÃO INDÍGENAS DA MATA ATLÂNTICA As comunidade tradicionais não indígenas e o extrativismo

Na tabela 1 estão resumidos os dados sobre extrativismo, analisados a partir das publicações feitas sobre populações tradicionais não indígenas que constam do trabalho de Diegues e Arruda.28 Na tabela constata-se. 27 - Ibidem. 28 - Ibidem. 151 que, dos 104 trabalhos analisados sobre caiçaras, cerca de 63,5% falam sobre extrativismo (botânica de espécies coletadas) e 23% revelam que esse grupo possui conhecimento e faz uso de espécies medicinais. O extrativismo é uma atividade também muito importante nos trabalhos sobre quilombolas (72,2%), que possuem o conhecimento e fazem uso de ervas medicinais em 22,2% dos casos. Esse trabalho mostra também que o extrativismo é uma atividade importante entre os caipiras (62,1%), ribeirinhos não amazônicos/caboclos (41,2%) e sitiantes (50,0%). Além disso, mais de 30% dos trabalhos sobre essas três populações tradicionais possuem conhecimento e fazem uso de espécies medicinais. Tabela 1 - Grupos de populações tradicionais não indígenas da Mata Atlântica e publicações relativas à atividade extrativista

N° de publicações/%* Tipo de populações tradicionais

Extrativismo Bot. Esp. coletadas

Farmacologia/ ervas medicinais

Total publicações/ população Açorianos 4 1 10

40,0 10,0 Caiçaras 66 24 104 63,5 23,1

Caipiras 13 9 29 62,1 31,0 Jangadeiros 11 5 45 24,4 11,1 Pastoreio 2 0 4 50,0 0,0 Pescadores 8 5 31 25,8 16,1 Quilombolas 13 4 18 72,2 22,2

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Rib. não-amaz. 7 6 17

41,2 35,3 Sertanejos 8 3 27 29,6 11,1 Sitiantes 7 5 . 14 50,0 35,7 TOTAL 144 62 299 48 21 * Porcentagem relativa ao total de publicações de cada população. Forte: A. Diegues & R. Arruda, Comunidades tradicionais e biodiversidade, relatório (São Pauloj MMA/. Nupaub, 1999). 152 Populações tradicionais indígenas e o extrativismo

Analisando-se os principais grupos indígenas da Mata Atlântica, sobre os quais há trabalhos publicados, constata-se que 50,0% e 37,5% dos trabalhos sobre os Guarani e Kaingang, respectivamente, indicam que esses grupos possuem conhecimento e praticam manejo tradicional.

Pela tabela 2, nota-se que mais de 60,0% dos trabalhos sobre populações indígenas indicam a presença de atividades extrativistas. Além disso, observa-se que mais de 50,0% dos índios Kaingang e Terena fazem uso de ervas medicinais. Tabe|a 2 - Extrativismo e farmacologia entre as populações tradicionais indígenas Populações N° de publicações/%* Total de indígenas Extrativismo Farmacologia publicação por população

Guarani 6 2 8 ES/SC/RS/Paraguai) 75,0 25,0 Kaingang 5 4 8 62,5 50,.0 Pataxó (BA) 1 0 2

66,7 33,3 Terena (MS) 0 1 2

0,0 0,0 1 0 1 Pataxó

Hã-Hã-Hãe (BA)

100,0 0,0 Tupiniquim (ES) 0 0 1

0,0 0,0 Xokleng (SC) 1 1 1 100,0 100,0 Krenak (MG) 0 0 0 - - Total 14 8 23

60,9 34,8 * Porcentagem relativa ao totaI de publicações de cada população. Fonte: A. Diegues & R. Arruda, op. cit.

O CONHECIMENTO TRADICIONAL E O MANEJO EXTRATIVISTA TRADICIONAL

Existe uma polêmica em torno da palavra manejo. Alguns cientistas associam-na à manipulação das espécies das florestas, resultante da apli 153 cação de conhecimentos e técnicas baseados na ciência clássica (botânica, biologia, ictiologia). Esse tipo de manejo é realizado com a ajuda dos cientistas naturais baseados no conhecimento da

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distribuição das espécies, de seu ciclo de vida etc. Outros pesquisadores afirmam que as populações tradicionais também praticam o manejo. Este

é entendido como a manipulação de componentes inorgânicos ou orgânicos do meio ambiente que traz uma diversidade ambiental líquida maior que a existente nas chamadas condições naturais primitivas, em que não existe presença de grupos humanos tradicionais.29 Esse manejo faz parte do etnoconhecimento das populações tradicionais, resultante de seu convívio com a mata e com as necessidades de seu modo tradicional de vida, em que a acumulação de capital é reduzida e o conhe-cimento c transmitido de geração em geração, de forma não escrita. Tabela 3 - Etnoconhecimento c grupos de populações tradicionais não indígenas N° de Publicações/%* Total SIM NÃO Açorianos 1 9 10 10,0 90,0 100,0 Caiçaras 50 54 104

46,1 51,9 100,0 Caipiras 12 17 29

41,4 58,6 100,0 Jangadeiros 19 26 45 42,2 57,8 100,0 Pastoreio 0 4 4 0,0 100,0 100,0 Pescadores 15 16 31

48,4 51,6 100,0 Quilombolas 9 9 18 50,0 50,0 100,0

9 8 17 Ribeirinhos não amaz.

52,9 47,1 100,0 Sertanejos 9 18 27 33,3 66,7 100,0 Sitiantes 8 6 14

57,1 42,9 100,0 * Porcentagem relativa ao total de publicações de cada população. Forte; A. Diegues & R. Arruda, op. cit. 29 - W, Balée, Footprints of the Forest: Ka'apor Etnobotany: the Historical Ecology of Plant Utilization ES an Amazonian People (Nova York: Columbia University Press, 1993). 154

Na tabela 3, constata-se que, nos trabalhos publicados sobre essas populações tradicionais, cerca de 20,2% indicam que há manejo tradicional de recursos dos ecossistemas florestais e costeiros da Mata Atlântica entre os caiçaras. Dos trabalhos sobre caipiras, cerca de 13% indicam que há manejo tradicional; dos trabalhos sobre jangadeiros, 26,7% indicam que há manejo tradicional. Entre os trabalhos sobre quilombolas, caboclos não amazônicos, sertanejos e sitiantes, as porcentagens são 22,2%, 17,6%, 14,8% e 28,6%, respectivamente. UMA TIPOLOGIA DE EXTRATIVISMO-MANEJO-CULTTVO E SUAS CARACTERÍSTICAS

Dentre os vários componentes dos aspectos sociais do extrativismo, este trabalho pretende contemplar alguns considerados relevantes para a análise do tema: o extrativismo como prática social, envolvendo variáveis culturais ligadas ao modo de vida das populações tradicionais e de pequenos produtores rurais; a força de trabalho e sua organização; e, finalmente, a organização da produção

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propriamente dita.

Tabela 4 Tipos de extrati- vismo

Tipo de produtor. coletor

Hábitat Espécies principais

Proprie- dade da terra

Subsistén- cia/venda

Conheci- mentos e práticas

Tipo de mercado

Predominante nos dados do projeta Inventário dos Recursos Florestais da Mata Atlântica

Coletor Comuni dade/ pequeno produtor

Interior da Mata

Ervas medicinais, palmito, caxeta, cipós, pinhão

Terras comunais, públicas, sem título definido ou áreas protegidas

Parte subsistência, parte venda

Tradicionais Local Palmito/ bromélia/xaxim/ espinheira-santa/ carqueja/pfaffia/ araucária

Manejado Pequeno produtor

Interior da Mata

Palmito, ervas medicinais;, piaçaba

Terras comunais com título/ propriedade privada

Maior parte para o mercado local, regional nacional

Tradicionais e introdu- zidos

Local/ regional

Palmito/pfaffia/ erva-mate

Cultivo Pequeno produtor e em~:resas.

Fora da Mata

Orquídeas, caju, ervas medicinais .

Propriedade privada, ev. reserva extrativista

Venda Introduzidos Regional/ nacional/ interna- cional

Bromélia/ orquídea/pfaffia/ erva-mate/caju

Fonte: elaborada pelo autor. 155

A tabela 4 resume as principais características de cada tipo de atividade extrativista e cultivo, a partir dos trabalhos de consultoria analisados. Na primeira coluna estão assinalados os tipos de extrativismo considerados. Nas demais colunas estão as variáveis selecionadas, que foram: tipo de produtor-coletor, habitais onde o extrativismo é realizado, as espécies principais, a propriedade da terra e regimes de acesso, o destino da produção (consumo familiar e mercado), tipo de tecnologia/conhecimento envolvido, tipo de mercado e relatórios de onde as informações foram extraídas.

Pode-se verificar que essas características variam muito em função do tipo de extrativismo e cultivo. Alguns recursos podem ser explorados em mais de um tipo, mas o importante é que podem ser visualizadas formas distintas de explotação de recursos, tipos diferentes de mercado, de tecnologia e habitat em que o extrativismo é exercido.

Assim, o extrativismo-coleta é realizado principalmente por pequenos produtores rurais e comunidades locais, ao passo que o cultivo é realizado principalmente por pequenas empresas; o habitat em que se exerce a atividade extrativista-coletora é no interior da Mata, ao passo que o cultivo é feito fora da Mata; o extrativismo-coleta é feito principalmente em terras públicas, comunais, sem título definido, ao passo que o cultivo é realizado em propriedade particular; parte da produção extrativista-coletora é consumida no interior da unidade de produção, ao passo que a totalidade do produto do cultivo é comercializada fora da região; no extrativismo-coleta existem o conhecimento e o manejo tradicionais, ao passo que no cultivo existe a aplicação da ciência e da tecnologia modernas.

Como decorre da análise anterior, o extrativismo não pode ser considerado, muito freqüentemente, uma atividade autônoma c independente das outras atividades econômicas que compõem um complexo calendário de muitas comunidades rurais e costeiras da Mata Atlântica. Deve-

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se lembrar que, à medida que se passa do extrativismo para o cultivo, sobretudo de espécies florestais, exigindo capital e técnicas de produção e reprodução em grandes quantidades, (via clonagem, biotecnologia etc), o processo foge das mãos dos extrativistas tradicionais, passando para empresas e grandes produtores diretamente vinculados ao mercado. 156 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

1. Uma primeira conclusão: a. preocupação coma conservação da Mata Atlântica deve levar à priorização de atividades extrativistas centradas em produtos não madeireiros, isto é, cuja extração se faz sem a destruição da cobertura vegetal. Uma conseqüência desse pressuposto: a conversão dos remanescentes de floresta Atlântica em lenha e carvão deve ser fortemente coibida, tolerando-se somente a extração de lenha para carvão para uso doméstico da pequena propriedade. Por outro lado, existe, por parte de comunidades tradicionais, o uso de recursos madeireiros, em pequena escala, de certas espécies utilizadas geralmente para produtos de artesanato, instrumentos de trabalho etc. (caxeta, cipós e fibras etc.), que constituem uma fonte de renda local importante.

2. A segunda conclusão é que se deve incentivar o extrativismo de espécies não madeireiras, que pode apresentar as modalidades de extrativismo-coleta, extrativismo manejado e cultivo.

Essas modalidades se realizam em diversos sistemas de produção que implicam, no geral, formas de vida diferenciadas das pessoas neles envolvidas. Nesse sentido, o extrativismo é uma atividade integrada num calendário de outras atividades da pequena produção dos moradores da Mata Atlântica que inclui a pequena agricultura e pecuária, o artesanato, a pesca etc.

3. A terceira conclusão é que, com exceção do modo de cultivo, no extrativismo-coleta e no manejado o enfoque do estudo não deveria ser o produto isolado, mas o conjunto de recursos extrativistas explotados no interior do sistema de produção. Nos dois últimos, em geral, o extrativismo não é uma atividade única, e freqüentementenão a principal, mas uma das atividades econômicas do pequeno produtor e sua comunidade.

A análise por produto é justificável sobretudo no sistema-cultivo, em que, usualmente, a espécie é produzida fora da Mata por populações não tradicionais que visam exclusivamente ao mercado.

4. Quarta conclusão: a utilização de vários recursos da Mata Atlântica tem importância local e regional e muitas vezes não constam das estatísticas, mesmo quando comercializados localmente. Além 157 disso, muitos desses recursos têm grande importância na economia doméstica, sendo utilizados em medicina, como ornamentos e utensílios de trabalho, constituindo parte da renda que não é desem-bolsada para a compra no mercado.

5. A quinta conclusão/recomendação: em vista das limitações da análise por produto anteriormente assinaladas, sugere-se que, numa próxima etapa do projeto sejam escolhidas duas ou mais áreas diversificadas sob o ponto de vista regional e também sociocultural em que se pudesse propor uma análise mais integrada do extrativismo no interior das economias locais e regionais. Entre as questões a ser respondidas por esse estudo estariam: Qual o regime de acesso aos recursos extrativistas? Qual a importância do extrativismo dentro da possível variedade de outras atividades exercidas pelo produtor rural? Qual a relação entre extrativismo-coleta, manejado e o cultivo em relação ao mercado, à composição da renda familiar e às possibilidades de conservação da Mata Atlântica? Como pode ser definida a sustentabilidade no interior das várias subculturas locais (caiçara, sertaneja etc.) ?

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158 ASPECTOS DO MANEJO DE RECURSOS DA MATA ATLÂNTICA NO CONTEXTO ECOLÓGICO, FUNDIÁRIO E LEGAL Maurício Sedrez dos Reis, Alexandre Mariot, Rudimar Conte e Miguel Pedro Guerra INTRODUÇÃO

No Domínio da Mata Atlântica os fragmentos com cobertura florestal secundária predominam em toda a sua extensão, refletindo um processo de ocupação e exploração desordenada. Tais áreas apresentam em sua maioria vocação tipicamente florestal, implicando a necessidade de manutenção ou recuperação da cobertura original. A conservação desses remanescentes envolve necessariamente alternativas de uso que permi tam retorno econômico.1

Alternativas que propõem a obtenção de produtos que possam ser repostos pelo próprio ecossistema num ciclo definido podem possibilitar renda aos proprietários da terra e, ao mesmo tempo, manter o equilíbrio desejado desses ecossistemas. Tal abordagem permite a obtenção de matéria-prima mesmo daquelas espécies não domesticadas ou mesmo de difícil domesticação.2

Dessa forma, este capítulo procura discutir os principais aspectos da ecologia e as possibilidades de obtenção de alguns dos principais produtos florestais da Mata Atlântica, como palmito, erva-mate, caju, piaçava, araucária, bromélias e plantas medicinais. 1 - R. A. Godoy et al, "A Method for the Economic Valuation of Non-timber Tropical Forest Products", em Economic Botany, 47 (3), 1993, pp, 220-233; M. S. Reis &. A. Mariot, "Diversidade natural e aspectos agronômicos de plantas medicinais", em C. M. O. Simões et al (orgs.), Farmagnosia: da planta ao medicamento (Porto Alegre: Editora da UFSC/Editora da UFRGS, 1999). pp. 39-60. 2 - M. S. Reis & A. Mariot, op. cit. 159 USO E DOMESTICAÇÃO DA DIVERSIDADE VEGETAL

A obtenção de produtos da Mata Atlântica envolve estratégias de extrativismo, manejo e cultivo. Assim, é razoável examinar essas estratégias sob a ótica das alterações provocadas por esses processos na estrutura genética das espécies empregadas, bem como na paisagem.

As espécies pioneiras ou secundárias iniciais no processo de sucessão secundária permitem o uso de estratégias de cultivo e plantios homogêneos (monoculturas) ou Heterogêneos (policulturas) como alternativas razoáveis para obtenção dos seusprodutos.3

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No entanto, verifica-se como maior dificuldade a exploração intensiva das espécies cujas características ecológicas dificultam sua domesticação e seu cultivo convencional. Diversas espécies atualmente em uso são tipicamente climácicas, o que torna o seu cultivo de forma convencional muito difícil. Dessa forma, seu manejo dentro do ecossistema, e não o cultivo, passa a ser a alternativa mais razoável para obtenção dos seus produtos.4

Nesse contexto, a domesticação das plantas pode ser entendida como um processo co-evolutivo em que, pela seleção, alguns tipos mais apropriados para as necessidades ou interesses do homem são favorecidos com o objetivo de tornar essas populações mais úteis para o mesmo, conforme discute Clement.5

Paralelamente à domesticação de uma determinada espécie, o homem produz alterações na paisagem visando torná-la mais produtiva ou conveniente para sua ação. Essa alteração da paisagem, referenciada como domesticação da paisagem,6 é parte do processo de domesticação como um todo.

Dessa forma, a domesticação pode ser considerada como um processo gradativo que vai desde as populações naturais de plantas em seu ambiente original até uma monocultura com um único genótipo, passando 3 - Ibidem. 4 - Ibidem. 5 - C. Clement:, "1492 and the Loss of Amazonian Crop Genetic Resources, I. The Relation Between Domestication and Human Population Decline", em Economic Botany, 53 (2), 1999, pp.188-202. 6 - Ibidem. 160 por várias situações intermediárias ou diferentes intensidades de alterações genéticas e da paisagem, como menciona Clement.7

O processo extrativista, executado em intensidade reduzida e praticamente sem seleção, não altera as freqüências fenotípicas ou genotípicas das populações de plantas. Contudo, a extração realizada em grande intensidade pode afetar seriamente as populações, comprometendo a reprodução dos indivíduos, podendo levar ao desaparecimento daquela espécie naquele local. Por outro lado, se houver escolha de um determinado tipo, mesmo com intensidade reduzida, pode haver uma erosão genética expressiva pela seleção negativa devido à retirada sistemática dos melhores indivíduos.

No caso de espécies não madeireiras, o processo de extrativismo não produz alterações expressivas na paisagem, portanto a estrutura do componente biótico não fica significativamente alterada.

Para as espécies madeireiras, como a araucária, o processo de extrativismo, além de ser extremamente seletivo, provoca uma alta erosão genética com seleção negativa e produz uma grande alteração na paisagem. Nesse caso a estrutura do componente biótico fica profundamente alterada.

Assim, o extrativismo tem impactos mais ou menos expressivos, dependendo da intensidade como é realizado e principalmente do fato de ser explorado um produto madeireiro ou não.

Em relação ao manejo de populações naturais, essa estratégia pode ser entendida como a exploração controlada das populações de uma dada espécie, visando à obtenção de um produto direto (madeira, palmito, flores, frutos) ou indireto (metabólitos secundários a partir das folhas ou casca, ou outro órgão da planta). Contudo, tal manejo só é sustentável no tempo na medida em que a retirada de um número de indivíduos (ou partes destes), a cada ciclo de exploração, puder ser reposta pelo próprio dinamismo da espécie. Assim, implica o aproveitamento da regeneração natural da mesma, a partir do desenvolvimento dos indivíduos remanescentes e da contínua reposição de propágulos para manutenção do banco de plântulas.

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7 - lbidem. 161

Para garantia da exploração cíclica deverão ser observados aspectos da demografia e da biologia reprodutiva da espécie a ser manejada. Dessa forma, a avaliação da biomassa existente e de suas taxas de incremento, bem como a dinâmica da regeneração natural e o número de, indivíduos reprodutivos necessários para manutenção da estrutura populacional original, torna-se imprescindível para a perpetuação do processo. Ou seja, uma proposta de manejo deve exigir uma abordagem mais dinâmica, prevendo a exploração baseada na auto-ecologia de cada espécie a ser explorada, considerando-a dentro da - ou em consórcio com a - floresta como um todo.8

Além disso, a garantia de continuidade de qualquer processo exploratório está relacionada à manutenção da estrutura genética das populações naturais das espécies sob manejo, a qual tem implicações na reposição do estoque pela regeneração natural, garantindo a sustentabilidade.9 Assim, a definição do número e da distribuição dos porta-sementes (ou matrizes) incluí aspectos genéticos e ecológicos.

Em termos econômicos, para a exploração de recursos das florestas tropicais, a diferença de tempo necessária para que se complete o ciclo de vida das espécies que podem fornecer produtos que não madeira (espécies medicinais, ornamentais e alimentícias) é a chave para intercalar o ingresso de renda ao longo período de rotação das espécies madeireiras.

Assim, o conjunto de espécies não fornecedoras de madeira e outras atividades, como turismo ecológico, complementarão a renda por unidade de área possível de ser manejada nessas comunidades.10

Contudo, a perspectiva de estabelecimento de estratégias que viabilizem o manejo sustentado de uma determinada espécie em seu ambiente natural implica a recuperação e sistematização de conhecimentos tradicionais e/ou a geração de conhecimentos relativos a sua auto-ecologia, bem como o repasse dessas estratégias (tecnologias) para os produtores/extratores envolvidos. 8 - E. P. Floriano et al, "Manejo do palmiteiro: uma proposta", em Anais do I Encontra Nacional de Pesquisadores em Palmito, Curitiba, 1987, pp. 187-191; A. C. Fantini et al., "Sustained Yield Management in Tropical Forest: a Proposal. Based on the Autoecology of Species", em Sellowia, vol. 42-44, 1992, pp. 25-33. 9 - M. S, Reis, "Manejo sustentado de plantas medicinais em ecossistemas tropicais" em L. C. Di Stasi (org.), Plantas medicinais: arte e ciência. Um guia de estudo interdisciplinar (São Paulo: Unesp, 1996), pp. 199-215. 10 – M. S. Reis &. A. Mariot, op. cit. 162

A maioria dos sistemas de manejo desenvolvidos e empregados por comunidades tradicionais contempla, de forma empírica, vários dos aspectos que favorecem a manutenção da estrutura das populações naturais sob extrativismo. Entretanto, na maior parte dos casos, tal conhecimento vem se perdendo pelo desinteresse das gerações mais jovens e, principalmente, pelos processos de aculturação a que são submetidas tais comunidades.11

O sistema de manejo em regime de rendimento sustentado12 mostra-se apropriado a esse contexto, pois inclui aspectos que favorecem a sistematização/regulamentação do extrativismo tradicional e/ou a inclusão de avanços no conhecimento científico no processo de obtenção de matéria-prima de interesse medicinal.

No caso do cultivo, obviamente há uma forte alteração da paisagem e, na maioria dos casos, uma alteração genética expressiva. O exemplo do caju anão precoce, cujas características de tamanho e precocidade da colheita foram objeto de alterações expressivas pelo melhoramento genético, é o mais ilustrativo. Entretanto, a maior preocupação não está relacionada ao uso predatório de remanescentes florestais, pois supostamente as espécies da. Mata Atlântica domesticadas ou semidomesticadas em paisagem de cultivo deveriam reduzir a pressão do extrativismo predatório.

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Contudo, o risco está relacionado com a expansão das fronteiras agrícolas, ou seja, com o aumento da área de pecuária e principalmente plantio à custa de remanescentes florestais. Por outro lado, os remanescentes florestais podem ser encarados como fonte de germoplasma dessas espécies. Assim, para as espécies domesticadas ou semidomesticadas, os remanescentes florestais apresentam grande importância como fonte de coleta de germoplasma para conservação ex situ ou como locais importantes para conservação in situ.

Considerando as características de cada espécie e o grau de domesticação podem-se estabelecer três categorias principais: selvagens em paisagem natural, selvagens em paisagens alteradas e domesticadas ou em processo de domesticação. 11 - L. C. Di Scasi (org.), op. cit. 12 - M. S. Reis, op. cit; M. S. Reis & A. Mariot, op. cit; 163

Na primeira categoria (selvagens em paisagem natural) enquadram-se as espécies cujos produtos são obtidos por extrativismo ou manejo sustentado em seu ambiente natural. Podem ser incluídas nesse grupo todas as espécies; contudo, apresentam importância econômica e social neste contexto: palmiteiro, xaxim, araucária, várias espécies de plantas medicinais e a maior parte das espécies de bromélias, por exemplo.

Na segunda categoria (selvagens em paisagem alterada) estão as espécies cujos produtos são obtidos preferencialmente por extrativismo ou manejo, mas em sistemas em que a vegetação matriz é alterada para o favorecimento dessas espécies ou provocando uma maior densidade de ocorrência das mesmas. Nessa situação, dentre as espécies estudadas, podem ser incluídas: erva-mate, piaçaveira, araucária e algumas espécies de plantas medicinais. Para as espécies desse segundo grupo também são prioritários estudos da auto-ecologia e sistematização de etnoconhecimento visando à implementação de sistemas agroflorestais mais eficientes e que permitam um maior aproveitamento da diversidade existente.

Na terceira categoria (domesticadas ou em processo de domesticação) estão as espécies cuja intenção de cultivo é clara. A paisagem é totalmente alterada para um ambiente agrícola e genótipos específicos são encolhidos para cultivo. Em geral há um programa de melhoramento ou bem estabelecido, ou já iniciado, juntamente com um programa de pesquisa de técnicas de condução de lavouras. Nessa situação estão o caju, o maracujá, a erva-mate, várias espécies de bromélias e de uso medicinal.

O sucesso dessas espécies no processo de cultivo depende da possibilidade de maximizar a produtividade das lavouras e reduzir a pressão de expansão das fronteiras agrícolas sobre os remanescentes. Para tal, programas de melhoramento genético devem ser eficientes, o que só é possível com variabilidade genética disponível.

Assim, no caso das espécies domesticadas ou em processo de domesticação, os remanescentes florestais representam fontes inestimáveis de germoplasma, imprescindíveis para o melhoramento genético dessas espécies, de forma que a recomendação principal, relacionada à conservação dos remanescentes florestais, é a realização de estudos básicos que maximizem as estratégias de conservação in situ. 164 CONTEXTO FUNDIÁRIO E POSSIBILIDADES DE CONSERVAÇÃO

Considerando as informações levantadas no âmbito do projeto, na sua maioria referentes às regiões Sul e Sudeste, podem-se estabelecer três situações básicas; regiões onde predominam pequenas propriedades, regiões onde predominam grandes propriedades e regiões onde predominam unidades de conservação.

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Nas regiões onde predominam as pequenas propriedades (especialmente a maior parte dos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, parte do Paraná e parte da Bahia), os remanescentes florestais predominantes são pequenos fragmentos que compõem a paisagem da propriedade agrícola. Predominam as formações florestais secundárias em fases intermediárias ou formações empobrecidas, em termos de diversidade, pela exploração seletiva. Geralmente esses remanescentes encontram-se em áreas de relevo bastante acidentado.

Nessas áreas o remanescente florestal é visto como uma área improdutiva da propriedade ou como uma área que pode fornecer, eventualmente, madeira, palmito, piaçava ou caça. Em muitas situações, especialmente no Vale do Itajaí (Santa Catarina), esses fragmentos possuem palmiteiros em alta densidade e funcionam como uma forma de "poupança" dos agricultores.

Em outras áreas os fragmentos florestais fazem parte do sistema de pousio adotado pelos agricultores e funcionam como fornecedores de lenha e madeira para mourões e construções rústicas.

A legislação que restringe o desmatamento ou corte seletivo é vista como entrave ao modo de vida do pequeno agricultor, até mesmo por alguns órgãos do governo e agentes fiscalizadores. Nessas situações o uso da mão-de-obra familiar é intenso e, aparentemente, os problemas de exploração clandestina por terceiros (roubo) podem ser substancialmente minimizados, na medida em que os recursos florestais passarem a ter valor de uso para os agricultores.

Nas regiões com predominância de grandes propriedades podem-se encontrar duas situações principais: 165

a) Propriedades de uso agrícola mais intensivo (por exemplo: região oeste do Paraná e a maior parte do estado de São Paulo) ou intensamente exploradas num passado recente (por exemplo: uma parte considerável dos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia), resultando em poucos remanescentes florestais.

b) Propriedades com grandes remanescentes florestais (litoral norte de Santa Catarina, litoral do Paraná e litoral sul de São Paulo).

Nas situações em que predominam grandes propriedades com poucos fragmentos florestais, estes estão localizados em áreas de relevo bastante acidentado e representam as áreas de preservação permanente das propriedades. Em geral o proprietário não tem interesse ou intenção de explorar ou extrair recursos dessas áreas.

Em muitos casos, o proprietário permite que seus empregados extraiam recursos dessas áreas e/ou não mantêm vigilância, de modo que são intensamente exploradas por terceiros. Em outras situações, especialmente em propriedades de grandes empresas, essas áreas são conservadas e utilizadas como marketing ecológico. Essa situação é bastante freqüente em áreas de empresas de papel e celulose no Sul do país.

Nas áreas com predominância de grandes propriedades com grandes remanescentes florestais observa-se um desinteresse pela possibilidade de extração de recursos florestais por parte dos proprietários — em função dos custos de implantação de projetos desse tipo em áreas maiores -, associado, especialmente, a questões legais.

Contudo, o número de projetos de manejo sustentado tem crescido nos últimos anos (especialmente no Sul e Sudeste) e pode ampliar as possibilidades e o interesse nessas situações. Nesses/casos, a ampliação das espécies regulamentadas para manejo, especialmente as não madeireiras, pode favorecer a adoção de tecnologias de manejo sustentável.

Em parte considerável de regiões com esse perfil existe um grande número de famílias e/ou comunidades envolvidas no processo de exploração florestal, seja realizando extrativismo de subsistência, seja participando do extrativismo predatório, seja ainda estabelecendo contratos para

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atuação em projetos de manejo. Em situação similar encontram-se as regiões com predominância de unidades de conservação

(nordeste do Rio Grande do Sul e sudeste de 166 Santa Catarina, norte do litoral do Paraná, litoral de São Paulo, litoral sul do Rio de Janeiro, litoral da Bahia). Em parte considerável das situações as unidades de conservação funcionam corno principal fonte de extração de recursos florestais, especialmente não madeireiros.

A situação socioeconômica precária das comunidades no entorno das unidades de conservação, a falta de programas de educação para cidadania, educação ambiental e planejamento participativo favorecem a continuidade do extrativismo predatório dentro das unidades de conservação. Além disso, a falta de recursos para um aparelhamento apropriado nessas unidades impossibilita iniciativas efetivas de preservação da diversidade nessas áreas.

Assim, pode-se observar que a estrutura fundiária em cada região implica peculiaridades que refletem diferentes necessidades e estratégias associadas à conservação dos remanescentes florestais. Contudo, essa análise é ainda superficial e pode ser substancialmente aprofundada para um diagnóstico regional mais preciso. LEGISLAÇÃO SOBRE OS RECURSOS DA MATA ATLÂNTICA

Desde o advento do Decreto-lei n° 750 (DL 750) as ações relativas ao Domínio da Mata Atlântica necessitam de normalização específica, a qual deve contemplar princípios conservacionistas.

A Portaria n° 10/93 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) estabelece critérios para que cada estado defina e estabeleça abordagens específicas para classificação dos estádios sucessionais nas diferentes formações florestais existentes. Assim, a maioria dos estados apresenta critérios específicos definindo as situações onde é permitida a supressão da vegetação (estádio inicial de sucessão) ou não (demais estádios). Em todas as situações em que a vegetação ultrapassou o estádio inicial, a exploração poderá ser realizada apenas em sistema de manejo sustentado, definindo espécie por espécie, com base em estudos técnico-científicos (DL 750).

Contudo, poucos estados (RS, SC, PR e SP) estabeleceram tais critérios e para poucas espécies. Na maioria dos casos, sem estudos ou critérios técnico-científicos. Nos demais estados o DL 750 não está re 167 gulamentado quanto à possibilidade de manejo das espécies da Mata Atlântica.

No caso da araucária em Santa Catarina, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) exige o censo nas áreas a ser exploradas, contudo não há exigência de manutenção de porta-sementes. A manutenção de porta-sementes para araucária está contemplada na legislação do Rio Grande do Sul (8/ha) e do Paraná (10/ha).

Em Santa Catarina, os critérios para exploração de bracatinga contemplam peculiaridades da espécie e permitem uma exploração sustentada. O mesmo se pode dizer da legislação para o jacatirão no estado de São Paulo. Em São Paulo também está regulamentada a exploração da caxeta (Tabebuia cassinoides). Tal regulamentação está bem fundamentada em trabalhos realizados pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP) e Associação de Caxeteiros do Vale do Ribeira.

No caso do palmiteiro, a análise comparativa das legislações de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul mostra que os sistemas previstos nas legislações estaduais contemplam a necessidade de manutenção de porta-sementes, critério básico para manutenção da sustentabilidade nas populações naturais manejadas. Também prevêem a manutenção de um estoque mínimo de regeneração natural, exceto a, do Paraná. Contudo, esta última prevê que a exploração só será admitida

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em áreas que apresentarem estoque que garanta a perpetuação da espécie. Assim, a preocupação com a manutenção das populações naturais está contemplada em todos os casos. Aparece também, com exceção da legislação do Rio Grande do Sul, a preocupação em estabelecer um processo simplificado para as pequenas propriedades. Tal preocupação tenta viabilizar a aplicabilidade da legislação para os pequenos proprietários e contempla aspectos peculiares da estrutura fundiária, nos estados em questão.

No caso do xaxim, as legislações do Paraná e Santa Catarina contenham especificidades, contudo os índices técnicos existentes carecem de uma comprovação científica, funcionando apenas como referenciais gerais para o manejo da espécie. 168

A regulamentação para manejo de plantas medicinais e várias plantas ornamentais está contemplada na Portaria n° 052 do Departamento Estadual de Proteção aos Recursos Naturais da Secretaria do Meio Ambiente (DEPRN/SMA) (28-12-1998) para o estado de São Paulo. Essa portaria traz uma abordagem nova e extremamente interessante na regulamentação do manejo de espécies florestais. Ela prevê a possibilidade de uma autorização de manejo provisória (sujeita a relatórios periódicos e acompanhamento) , a partir de uma proposta de manejo estabelecida pelo interessado, contemplando peculiaridades da espécie e dando oportunidade de legalizar sistemas de manejo de comunidades tradicionais. Essa regulamentação estimula a proposição de novas estratégias de manejo e a realização de mais estudos contemplando essa perspectiva.

Dessa análise pode-se perceber que as iniciativas de regulamentação ainda são poucas. Para as espécies madeireiras, de modo geral, os critérios não são específicos nas legislações dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, e não se fundamentam em estudos prévios. Assim, são apenas regulamentações para corte seletivo, legalizando o processo de exploração. Em relação às espécies não madeiráveis, as legislações apresentam peculiaridades relacionadas às diferentes espécies. RECOMENDAÇÕES E AÇÕES PRIORITÁRIAS

Tanto para estratégias de manejo quanto para estratégias de conservação em espécies tropicais, as interações existentes indicam que o ecossistema deve ser considerado como um todo. Mesmo que o alvo sejam espécies vegetais, a fauna deve ter especial atenção, principalmente em decorrência da sua atuação na mediação do fluxo gênico, responsável pela manutenção da diversidade existente.

O estabelecimento de estratégias de manejo de espécies de interesse e conservação dos remanescentes florestais é uma prioridade em qualquer situação. Nesse contexto, a geração, recuperação e sistematização de conhecimentos sobre auto-ecologia, uso e manejo de populações naturais das plantas nativas estão entre as principais ações.

Vale ressaltar que o uso dos recursos ocorre de maneira múltipla (ou seja, vários recursos são empregados conjuntamente numa região) ou integrada (com outros componentes de renda da propriedade), de forma 169 que uma análise conjunta dos vários recursos empregados em nível regional, para várias regiões, pode trazer contribuições adicionais à definição de estratégias de manejo sustentável.

Outra ação de grande importância é a disponibilização do conhecimento gerado ou recuperado e sistematizado para os potenciais usuários e demais agentes envolvidos no processo (extensionistas rurais, por exemplo). Esse retorno dos conhecimentos sistematizados deve ser prioritariamente direcionado para as comunidades tradicionais e produtores rurais, como opção adicional de obtenção de renda na propriedade, sem degradação da floresta.

Nesse contexto, a organização dos produtores (comunidades tradicionais) e do processo de produção no sentido de aumentar o poder de barganha dessas comunidades e eliminar os intermediários na cadeia produtiva é outra ação de grande importância, pois contribui diretamente para o aumento do

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valor agregado aos produtos e, portanto, favorece o uso de estratégias de manejo sustentável. Ações de educação em vários níveis (para a cidadania, ambiental, formal) devem ser

implementadas, tanto no sentido da mudança de paradigmas sobre o significado dos recursos florestais e formas de sua exploração quanto no sentido da formação de recursos humanos qualificados para atuar nessa área.

Outras formas de remuneração, como isenção do Imposto Territorial Rural (ITR) ou emprego do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) ecológico em todos, os estados, podem contribuir positivamente para aumentar a disposição de proprietários e do poder público local (municipal) em atuar em favor da conservação dos remanescentes florestais.

Outro aspecto importante são as ações relacionadas a modificar a situação de exploração clandestina de vários recursos. Modificações na política de atuação das agências ambientais estão entre as medidas de maior urgência para atuar nessa linha.

A certificação florestal é outra estratégia que pode trazer grandes contribuições. Programas de certificação envolvendo produtores/extratores, ONGs, universidades e agências ambientais podem contribuir para o uso mais racional dos recursos florestais e também com a organização dos produtores, localmente, e do próprio processo de produção. Os produtos 170 certificados podem ter seu mercado ampliado, inclusive internacionalmente, com vantagens adicionais para produtores e processo mais racional de produção. Entre os recursos estudados pelo projeto Inventário dos Recursos Florestais da Mata Atlântica, aqueles pertencentes à Floresta Ombrófila Mista estão em situação crítica. A área remanescente dessa formação florestal situa-se entre 1% e 2% da área original. Assim, recursos como a araucária (Araucaria angustifolia), imbuia (Ocotea porosa), xaxim (Dicksonia sellowiana) e espinheira-santa (Maytenus ilicifolia), além de remanescentes naturais de erva-mate (Ilex paraguariensis), estão em situação bastante vulnerável. Dessa forma, os remanescentes de Floresta Ombrófila Mista merecem atenção prioritária nas ações futuras.

Para que ocorra uma mudança efetiva no. sentido da conservação dos remanescentes da Mata Atlântica, entretanto, é preciso que os governos também assumam a responsabilidade de desenvolver uma política para o uso sustentável dos recursos florestais no Brasil. Estabelecer legislações restritivas e regulamentações específicas não significa um compromisso efetivo no processo de conservar esses recursos para as gerações futuras. Políticas públicas efetivas, com objetivos e metas de curto, médio e longo prazos, têm que ser traçados para que todos os segmentos da sociedade possam entender, apoiar ou contestar, e fiscalizar a utilização desses recursos. 171 ECONOMIA DO EXTRATIVISMO EM ÁREAS DE MATA ATLÂNTICA Carlos Eduardo Frickmann Young INTRODUÇÃO

Historicamente, a estrutura social e o modo de produção relativos à atividade agrícola brasileira sempre estiveram intimamente ligados a atividades predatórias ao meio ambiente sendo insustentáveis sob os pontos de vista ambiental, econômico e social. Os impactos que a expansão da fronteira agrícola vem apresentando sobre áreas ocupadas originalmente por florestas, principalmente no que concerne à Mata Atlântica, coincidem com a própria história do Brasil pós-descoberta.l Com o desmatamento, percebem-se a perda de biodiversidade em uma das áreas de maior endemia no planeta a redução da disponibilidade de recursos hídricos ao mesmo tempo que situações extremas como secas e inundações tornam-se cada vez mais freqüentes; o enfraquecimento nutricional do solo; e outros problemas ambientais, sem o benefício de alcançar solução definitiva para os problemas sociais do campo

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brasileiro. A destruição gradativa das áreas de Mata Atlântica é fruto de dois grupos de pressão econômica, que são inter-relacionados e geralmente atuam em conjunto continuo avanço da fronteira agrícola, até mesmo em áreas proibidas pela legislação, como matas ciliares e mata de nascentes. Primeiro, a exploração predatória dos recursos naturais, em uma visão "curto-prazista" e não sustentável leva à degradação da floresta e, em particular, à pressão sobre determinadas espécies de elevado valor 1 - O próprio nome do país deriva de um recurso florestal, o pau-brasil (Caesalpinia echinata), cujo ritmo de extração foi tão predatório que já em 1558 as melhores reservas da árvore só podiam ser encontradas a mais de 20 km da costa — no primeiro século de exploração, estima-se que cerca de 2 milhões de árvores foram derrubadas, [ Cf. Eduardo Bueno, Náufragos, traficantes e degredados: as primeiras expedições ao Brasil, Coleção Terra Brasilis, vol II (Rio de janeiro: Objetiva, 1998).)] Segundo a mesma fonte, a escassez de pau-brasil foi tão acentuada que em 1605 a Coroa portuguesa já solicitava ações contra o corte indiscriminado, e espalhou guardas florestais pelas zonas de maior extração no litoral brasileiro. 173 econômico. Segundo, a demanda por terra para uso agropecuário resulta na perda de hábitats de floresta, convertidos em pastagens ou áreas de cultivo. Usualmente a preocupação dos ambientalistas recai sobre o primeiro tipo de problema, mas como será mostrado ao longo deste texto, é necessário também integrar a outra forma de pressão sobre a terra florestada. EXTRATIVISMO E SILVICULTURA EM ÁREAS DE MATA ATLÂNTICA: VISÃO GERAL

De acordo com o Censo Agropecuário 1996, a área predominantemente dedicada a atividades de silvicultura, extração vegetal e produção de carvão vegetal é bastante inferior à dedicada para pecuária e lavoura. Isso é conseqüência da pressão historicamente exercida sobre as áreas de floresta, a fim de convertê-las para uso agropecuário. Outra informação relevante é que as atividades econômicas compatíveis com manejo florestal apresentam concentração em grandes propriedades em proporção superior à média brasileira (que por sua vez é consideravelmente concentrada em comparação com a de outros países). Esse resultado sugere que a prática de manejo é pouco difundida em pequenas propriedades, sendo concentrada em grandes propriedades usualmente dedicadas ao monocultivo de espécies madeireiras exóticas.

Este último ponto é bastante relevante, pois existe em todo o Brasil uma preferência pelo cultivo de espécies madeireiras exóticas (eucalipto e pinus) em. detrimento do cultivo de espécies nativas. Entre os fatores que explicam esse comportamento destacam-se maior velocidade de crescimento, maior adaptabilidade para plantations homogêneas, desconhecimento técnico do manejo de espécies nativas e especificações técnicas das serrarias já desenhadas de acordo com os padrões das espécies exóticas. Deve-se também considerar uma relativa inércia dos silvicultores em seguir padrões já estabelecidos, evitando os riscos e custos do aprendizado do manejo com outras espécies com as quais ainda não estão acostumados a lidar deforma sustentável. Por fim, é importante mencionar que o setor público foi também responsável por essa tendência, investindo em pesquisa e desenvolvimento tecnológico para o cultivo de pinus e eucalipto, e transferindo para o seu plantio. 174

As áreas dedicadas a silvicultura, extração vegetal e produção de carvão vegetal são, proporcionalmente ao tamanho dos estabelecimentos, menores no Nordeste do que no Sul e Sudeste. Contudo, a concentração dessas atividades em grandes propriedades é consideravelmente menor no Nordeste do que nas outras regiões. Isso sugere que as atividades econômicas ligadas às florestas nativas no Nordeste são proporcionalmente mais importantes para pequenos estabelecimentos. Outro elemento explicativo pode ser a menor prática de monocultivo em larga escala de espécies florestais cultivadas.

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A maioria das áreas de florestas naturais identificadas pelo Censo Agropecuário localiza-se em estabelecimentos cuja atividade principal é a pecuária, lavoura temporária e produção mista (lavoura e pecuária). Esses números confirmam a grande ameaça que a expansão de atividades agropecuárias representa para a preservação da Mata Atlântica. Por outro lado, a pequena participação de áreas de matas e florestas plantadas sugere que a maior parte da extração de madeira e produção de carvão vegetal se dá de forma não sustentável, pela sobre exploração de florestas nativas, em vez de manejo florestal.

A extração vegetal é uma atividade de grande relevância social, e os pequenos produtores devem merecer atenção privilegiada na formulação de políticas voltadas ao incentivo do manejo florestal, em particular as comunidades tradicionais instaladas em áreas de floresta. Outra demanda importante é aumentar a diversificação dos produtos comercializáveis advindos do manejo. Existe grande concentração do valor da produção em um conjunto relativamente reduzido de produtos, sendo a lenha e o carvão vegetal, de longe, as atividades economicamente mais importantes e particularmente concentradas em pequenas e médias propriedades. A demanda por carvão vegetal e lenha é forte incentivador da exaustão de florestas nativas, e sobra aos demais produtos extrativos — incluindo todos os produtos não madeireiros da Mata Atlântica - uma parcela relativamente pequena do valor total da extração vegetal.

Uma das causas dessa importância relativa muito reduzida ê que, para produtos de maior valor econômico, é financeiramente mais rentável adotar o cultivo do que incentivar o extrativismo. Esse é, por exemplo, o caso do caju, fruta de grande relevância econômica no Nordeste e nativa da Mata Atlântica, mas cuja extração (castanha e fruto) contribui com ape 175 nas 0,2% do valor total da extração vegetal da região. Isso é resultado da expansão acelerada das áreas de cultivo, contrastando com a redução crescente das áreas de extrativismo da fruta. Esse contraste sugere que a expansão do cultivo do caju no sertão nordestino, embora tenha ocupado predominantemente pastagens abandonadas, pode também ter ocorrido em áreas remanescentes de matas nativas, principalmente de caatinga. A expansão da produção de erva-mate no Sul é ainda predominantemente resultado da extração, mas aponta tendência semelhante de cultivo no médio e longo prazos.

A produção da silvicultura está concentrada nas grandes propriedades e nas regiões Sudeste e Sul, mas a demanda por espécies lenhosas é ainda atendida em grande parte por extração em matas nativas, usualmente de forma não sustentável - o crescimento recente da silvicultura é pouco confortador, dado que as áreas remanescentes de mata nativa são bastante escassas. Mesmo quando a madeira não é oriunda de matas nativas, existem impactos indiretos sobre o desmatamento: embora cultivadas, essas plantações representam aumento da demanda de terra (logo, do seu preço) e, conseqüentemente, aumento da conversão de florestas nativas para fins agropecuários. RECURSOS FLORESTAIS

Os estudos específicos sobre recursos florestais da Mata Atlântica apresentados anteriormente, nos demais capítulos, confirmam as linhas gerais apontadas acima. Existe diversificação de características regionais e por tipo de produto. Contudo, alguns elementos comuns podem ser enunciados. Os produtos analisados podem ser divididos em três grupos: produtos obtidos essencialmente do extrativismo e de dimensão econômica importante, produtos obtidos essencialmente do extrativismo e de dimensão econômica restrita, e produtos que também podem ser obtidos do extrativismo, mas cuja fonte principal de oferta é o cultivo. O primeiro grupo engloba a erva-mate e, em menor dimensão, a araucária e a piaçava; o segundo grupo inclui palmito, plantas ornamentais (bromélias, orquídeas) e plantas medicinais; e o terceiro grupo pode se referir primordialmente ao caju

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e talvez no futuro à erva-mate. Essa classifi 176 cação não deve ser vista, contudo, como estanque: existe permeabilidade entre esses grupos, e essa categorização visa simplesmente auxiliar na discussão sobre os principais problemas enfrentados pelo extrativismo e pela mata que o permite.

Contudo, conclui-se que, isoladamente, nenhum desses recursos nativos da Mata Atlântica será suficiente para reverter o atual quadro de desmatamento. Embora a extração de alguns produtos tenha importância econômica, o próprio fato de esse produto ser comercialmente atraente induz à transformação do seu espaço de obtenção. No limite, o monocultivo desse produto torna-se uma opção perfeitamente adequada às necessidades do mercado sem, contudo, garantir a preservação da floresta do qual ele foi originário.

O problema por trás dessa questão não está em dificuldades específicas dos produtos analisados, mas do uso alternativo da terra. Esse tem sido o grande dilema por trás do desmatamento no Brasil: não é porque a floresta não gera produtos de importância econômica que ela acaba sendo destruída, mas sim porque existem outras formas de uso da terra que garantem retornos financeiros maiores ou mais rápidos para os que promovem o desmatamento. Esses ganhos de curto prazo podem se revelar desastrosos no médio e longo prazos para a comunidade como um todo (ou mesmo para o indivíduo que hoje desmata), mas o imediatismo econômico impede que esses elementos sejam considerados nas ações cotidianas. E o que é mais importante, grande parte desses agentes têm consciência das conseqüências dos seus atos, mas acabam não mudando suas ações, seja porque argumentam que outro fará do mesmo jeito (problema da indefinição dos direitos de propriedade nas florestas de acesso aberto), seja por dificuldades econômicas no presente (problema da pobreza que causa encurtamento do horizonte temporal). Assim, só é possível resolver a questão do desmatamento se conseguirmos impedir a reprodução dos mecanismos que levam à extensificação continuada das áreas de fronteira agropecuária, e a compreensão desses usos alternativos da terra - ou seja, por que ocorre o desmatamento - é tão importante quanto saber quais os usos potenciais que alguns produtos florestais podem gerar. A próxima seção discute a importância das políticas públicas no Brasil para a perpetuação desse processo. 177 DESMATAMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS

A literatura sobre desenvolvimento econômico no Brasil tem enfatizado consistentemente as conseqüências perversas da estrutura fundiária no país. Na raiz do problema está o contraste entre minifúndios, insuficientes para garantir a subsistência de todos os membros da família, e latifúndios, que concentram a maioria das terras mas que são pouco intensivos em trabalho. A demanda sazonal por mão-de-obra é atendida pela contratação de trabalhadores temporários (bóias-frias), resultando em um mercado de trabalho rural instável e restrito, incapaz de atender ao excedente de mão-de-obra no campo. A migração para áreas florestadas, por meio de invasões e outras formas de conflito de terra, acaba sendo uma das poucas opções para os trabalhadores sem terra que não desejam arriscar a sorte nos centros urbanos.

Portanto, a expansão da fronteira agrícola em áreas de floresta tem sido usada historicamente como válvula de escape para acomodar esse excedente populacional. Desse modo, inicialmente a Mata Atlântica e depois o cerrado e a floresta Amazônica têm sido reduzidos para que se possam acomodar os conflitos de terra sem que uma reforma agrária seja efetuada nas áreas já ocupadas. Contudo, nas novas áreas ocupadas reproduz-se o mesmo padrão de concentração fundiária. Assim, após algum tempo, a incapacidade de absorção de novos excedentes recria as condições para um novo fluxo de migração pára áreas de floresta ainda não convertidas.

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Políticas que incentivam o aumento da produção agrícola têm tido uma influência decisiva na extensificação das áreas de cultivo e conseqüente desmatamento. O setor exportador tem sido particularmente importante, como comprovam historicamente as experiências da cana-de-açúcar e do café. Mais recentemente, com o esgotamento das áreas de fronteira de Mata Atlântica, a expansão da fronteira tem se concentrado no cerrado e nas áreas ao sul da Amazônia. A mecanização também afeta indiretamente o processo, uma vez que reduz ainda mais a demanda de trabalho rural: as regiões com maior grau de mecanização agrícola apresentaram taxas negativas de crescimento populacional rural nos períodos 1960-1970 (Sudeste) e 1970-1980 (Sudeste e Sul).

Ao mesmo tempo, incentivos para exportação e expansão da produção comercial resultaram em um aumento considerável dos preços da terra 178 no Sul e Sudeste. Isso gerou um ciclo especulativo com preços da terra, incentivando que mais áreas de floresta fossem convertidas para uso agrícola, inclusive no cerrado e na Amazônia (onde agricultores podiam comprar propriedades muito maiores do que as que originalmente possuíam no Sul e Sudeste).

Políticas de crédito subsidiado e outros incentivos à produção desempenharam papel similar. O crédito subsidiado representou uma maneira pela qual o proprietário destruía a floresta original para "produzir" alguma atividade (geralmente pecuária extensiva) cujos rendimentos eram antieconômicos, mas cuja única razão era a busca dos benefícios fiscais concedidos. Outra forma particularmente perversa de incentivar o desmatamento era atribuir a categorização fiscal de improdutivas às áreas onde se optava pela preservação da floresta - com isso, a tributação sobre a propriedade era maior do que quando convertida, por exemplo, em pastagens. Foi também perversa a forma pela qual os incentivos ao "reflorestamento" foram criados - de tal modo que o monocultivo de espécies exóticas era amplamente privilegiado, não havendo nenhum benefício para a recuperação das vegetações nativas.

Também deve-se destacar o papel que a abertura de rodovias tem representado para incentivar o desmatamento. Os impactos são duplos; diretamente porque aumenta a possibilidade de penetração em florestas antes preservadas é reduz o custo de transporte que antes tomava antieconômica a conversão para uso agropecuário; e indiretamente porque incita o processo especulativo que culmina no desmatamento para a futura venda das terras de floresta (já que a simples expectativa de uma estrada próxima é suficiente para elevar o preço da terra).

Outro elo importante, já mencionado, é a prática relativamente bem-aceita na sociedade brasileira de que as áreas remanescentes de floresta devem ser usadas para acomodar os conflitos de terra. Por trás está a idéia de que as florestas são improdutivas, terras de pouco valor e que pouco contribuem para o desenvolvimento socioeconômico do país. Assim, projetos de colonização acabam consumindo o restante das áreas de floresta, sem contudo dar solução definitiva ao problema. Devido à escassez crescente de áreas preservadas de Mata Atlântica, essas práticas têm sido relativamente abandonadas no Sudeste e Sul, mas foram muito importantes no passado e até hoje são a base da política agrária (se é que há uma!) de ocupação da Amazônia. 179

As políticas macroeconômicas também têm influência sobre o processo de desmatamento. As políticas monetárias que elevam a taxa de juros têm influência decisiva no encurtamento dos horizontes temporais dos produtores rurais, levando-os a privilegiar cada vez mais atividades que garantam resultados de curto prazo, em detrimento do longo prazo. Esse imediatismo é visceralmente oposto aos objetivos do desenvolvimento sustentável, que têm na garantia de condições futuras adequadas um dos seus pilares. Outras políticas que afetam a preservação dos recursos florestais são as que acabam reduzindo as oportunidades de emprego e níveis de salário. Com menores perspectivas de ser absorvidos no mercado de trabalho urbano, e sem condições de encontrar ocupações permanentes nos cultivos comerciais, os trabalhadores sem terra acabam deslocando-se espontaneamente para as áreas

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de fronteira, a fim de ocupar "terras de ninguém" (florestas). Esse problema acentua o já discutido tema de ausência de reforma agrária é formas permanentes e efetivas de ocupar essa massa de trabalhadores sem reproduzir o ciclo da concentração fundiária.

Outra política de natureza macroeconômica que tem impacto fundamental na preservação das florestas é a contenção de gastos públicos. Como a preservação florestal está longe de ser prioridade efetiva (e não meramente retórica) na perspectiva de quase todos os governos (federal, estaduais e municipais), os cortes de gasto impedem a adequada vigilância e fiscalização sobre áreas protegidas. A desproporção entre a disponibilidade de guardas florestais (e recursos adequados para seu trabalho) e a área a ser controlada favorece a invasão e a degradação dessas áreas.2

CONCLUSÃO

A conclusão mais importante deste texto é que, isoladamente, nenhum recurso nativo da Mata Atlântica será suficiente para reverter o atual quadro de desmatamento. Embora a extração de alguns produtos tenha importância econômica, o próprio fato de esse produto ser comer

2 - A situação é ainda mais dramática na Amazônia. Estudo do Banco Mundial estimou, no início dos anos 1990, que existia, em média, um guarda florestal pata cada 6.161 km2. World Bank, Brazil: an Analysis of Environmental Problems in the Amazon, Report n° 9104-BR (Washington: World Bank, 1992). 180 cialmente atraente induz à transformação do seu espaço de obtenção. No limite, o monocultivo desse produto torna-se uma opção perfeitamente adequada às necessidades do mercado sem, contudo, garantir a preservação da floresta da qual ele foi originário.

Outra face do problema é o elevado custo de oportunidade da terra, que é um importante acelerador do desmatamento. O "curto-prazismo" inerente à decisão de converter a floresta em área de uso agropecuário reflete a busca por maior retorno financeiro, agravada ainda mais quando situações de probreza extrema levam à necessidade de ganhos imediatos no presente ainda que as perdas no longo prazo sejam maiores. Os efeitos são ainda mais fortes quando não há definição adequada dos direitos de propriedade, e o desmatamento surge como "comprovação" de trabalho sobre a terra e, dessa forma, condição necessária (mas não suficiente) para a consolidação de sua posse ou propriedade.

Logo, políticas que visam conservar as áreas remanescentes de Mata Atlântica não podem estar isoladas do contexto mais amplo de formulação de políticas públicas. Em particular, as falhas institucionais são muito importantes para explicar o relativo fracasso da preservação. Têm ocorrido algumas mudanças significativas na legislação, em particular no que diz respeito ao uso da terra: a aceitação das áreas de floresta como produtivas, reduzindo o imposto sobre a terra; as restrições à concessão de subsídios creditícios e fiscais; procedimentos de zoneamento; a nova lei de crimes ambientais; e, mais recentemente, a concessão de redução na cobrança do imposto sobre a propriedade rural em função da opção por preservar florestas.

Entretanto, dados os interesses econômicos e políticos envolvidos, não é surpreendente que grande parte desse arcabouço institucional não tenha ainda sido implementada (se é que, em algum momento, virá a sê-lo em sua plenitude). Em particular, o problema da indefinição de direitos de propriedade cria problemas sociais e ambientais bastante complexos, pois a tendência tem sido atenuar (sem resolver) o aspecto social pela perda de áreas florestais. É preciso que se adote uma nova perspectiva, na qual a floresta seja valorizada como um todo, e não por seus componentes, para ao menos tentar uma reversão no atual quadro de destruição gradual de nosso patrimônio florestal. 181

Dentro dessa perspectiva, é possível apresentar uma série de sugestões de instrumentos voltados a incentivar o manejo sustentável dos recursos:

� certificação de produtos para torná-los mais atraentes em merca dos ambientalmente

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conscientes, uma vez que são oriundos do manejo florestal sustentável; � incentivo à comercialização direta dos produtos, gerando maior

valor agregado; � bolsas para comercialização de produtos da Mata Atlântica; � subsídio às práticas consideradas sustentáveis por meio de linhas de crédito e incentivos fiscais; � captura de recursos pelo pagamento por serviços prestados pela floresta enquanto reguladora de

fluxos hídricos, mantenedora de biodiversidade e estoques de carbono; � ecoturismo.

Por fim, cabe lembrar que alguns pontos não cobertos pelo presente estudo ainda necessitam maior

investigação. Um elemento pouco estudado é a possibilidade de convívio entre formas predatórias e não predatórias de extrativismo. O caso da erva-mate exemplifica esse problema: o produto pode ser obtido de forma sustentável, mas o caminho alternativo do adensamento pode levar à eliminação gradual da mata nativa ao redor do erval. Assim, qualquer estratégia de ação deve escapar da estratégia tradicional de incentivo ao recurso em si, sem atentar para a forma de obtenção (o que torna a implementação de programas de apoio uma atividade muito mais custosa e complexa).

Também é fundamental integrar estratégias para controlar o extrativismo de produtos madeireiros (madeira e subprodutos, lenha e carvão vegetal), que são atividades de grande interesse econômico e emprego de mão-de-obra, e que são muito importantes na dinâmica do desmatamento. Como visto, a dimensão comercial desses produtos é muito maior do que a de qualquer outro produto nativo, havendo forte indução ao extrativismo não manejado. Assim, é muito pouco provável que se obtenha êxito na resolução de questões do extrativismo dos produtos não madeireiros sem alterar as condições de extração de madeira, lenha e carvão vegetal.

Reforçando esse problema, cabe destacar que o país está passando por uma alteração significativa na estrutura de oferta de energia. A redução 182 dos investimentos em eletrificação rural e a escassez crescente de recursos hidroelétricos apontam para o aumento no uso de fontes térmicas de geração de energia. Embora as biomassa tenham perdido importância relativa na composição da matriz energética brasileira, é possível que em um futuro próximo ocorra um boom de demanda por lenha e carvão vegetal, com impactos perversos sobre a Mata Atlântica e demais composições florestais nativas do país.

Do mesmo modo, é preciso envolver também as populações não tradicionais, em particular as oriundas de fluxos migratórios recentes e de regiões com características ecológicas muito distintas das áreas de assentamento. Esses grupos são os mais importantes para o processo de desmatamento; entretanto, a atenção das análises sociais tende a enfocar apenas as comunidades tradicionais. Deve-se portanto estudar como a educação ambiental, a maior integração com as populações previamente estabelecidas, a difusão de tecnologias apropriadas ao novo ambiente e outras estratégias podem reverter o papel desses agentes, tornando-os interessados e aptos a adotar formas de convívio com a floresta que não resultem em sua destruição.

Por fim, não se podem ignorar as condições macroeconômicas do país. Mais especificamente, a crise do Estado tem significado escassez crescente de recursos para proteção ambiental, bem como dificuldades maiores para alocação do excedente de mão-de-obra rural nos mercados de trabalho. Juntos, esses aspectos da crise, econômica contribuem para aumentar a pressão sobre os recursos naturais, já que para os governos eles são forma de aumentar a geração de receitas, c as áreas de fronteira agrícola são vistas como bolsões capazes de absorver os trabalhadores excluídos (argumento de duvidosa consistência, pois a concentração fundiária tende a se repetir nas áreas de fronteira, gerando novos fluxos de expulsão e, conseqüentemente, um moto-perpétuo de desmatamentos mais a

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frente). Essa visão "curto-prazista" tem impactos perversos não só para a preservação florestal mas também para todos os demais elementos de longo prazo essenciais para o desenvolvimento sustentável. 183 POLÍTICAS PROATIVAS E PARTICIPATIVOS: NECESSIDADES PARA O BOM MANEJO FLORESTAL MATA ATLÂNTICA Luciana Lopes Simões

Neste artigo gostaria de apresentar e comentar algumas idéias e exemplos nas áreas legal e econômica que indicam uma postura propositiva em relação às questões do ordenamento da exploração de recursos florestais. São temas como legislação e mercado, corriqueiramente destacados quando discutidas as circunstâncias que levam ao sucesso ou ao fracasso do manejo florestal sustentável. Temos visto que, independentemente do ecossistema abordado, as dificuldades e possibilidades são praticamente as mesmas, diferindo apenas na intensidade e em algumas especificidades inerentes a cada ecossistema. Se por um lado isso parece desanimador, por outro lado nos leva a crer que devemos trabalhar por uma política nacional de desenvolvimento sustentável a partir de nossos recursos florestais.

Devido à complexidade das questões envolvidas no extrativismo, está claro que apenas um conjunto de medidas que contemplem aspectos ecológicos, sócio culturais, legais e econômicos será capaz de reverter o quadro atual de desânimo para um cenário de estímulo ao manejo sustentável. E muito importante estarmos atentos para que possamos direcionar nossos esforços de maneira a criar situações que estimulem a conservação e que não sejam defensivas.

O manejo sustentável é uma das alternativas que irão compor os vários cenários que devem ser vislumbrados na questão da conservação. Os pontos de constrangimento para a efetiva adoção das práticas do manejo sustentável de recursos florestais apontados são muitos e geralmente passam por: competição em condições desiguais com produtos obtidos de forma ilegal; falta de conhecimento da legislação; falta de orientação e assistência técnica sobre a possibilidade legal de exploração por planos de manejo, 185 conforme as especificações legais; lentidão dos órgãos licencia dores; falta de regularização fundiária; dificuldade de acesso ao mercado, pois geralmente os produtores encontram-se isolados, dispersos, e esses fatores ou restringem seus mercados, ou os jogam na forte dependência de intermediários; dificuldade do produtor de gerenciar seu negócio e falta de crédito e/ou incentivos fiscais para atividades de manejo florestal.

Em vários casos faltam conhecimentos técnico-científicos que embasem as práticas sustentáveis, sendo que, quando existentes, são de difícil acesso aos interessados, pois se encontram restritos aos meios acadêmicos. Algumas instituições, no entanto (governamentais, não-governamentais e universidades) , têm se comprometido de maneira bastante atuante em relação ao público-alvo dessas informações e aos poucos têm conseguido resultados muito positivos por meio de projetos demonstrativos. Esse é um aspecto da extensão florestal que historicamente está atrelada aos órgãos governamentais de extensão voltados muito mais para a agricultura e a pecuária, pouco considerando as atividades desenvolvidas em ecossistemas naturais.

Como em qualquer outra atividade, a exploração de recursos florestais requer conhecimento, planejamento e investimento. Em qualquer outra atividade econômica esses pré-requisitos não são questionados. Culturalmente, no entanto, não se encara a exploração florestal como uma dessas atividades. A outrora abundante disponibilidade de recursos parece fazer as pessoas crer na impossibilidade do esgotamento.

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O instrumento legal que disciplina a exploração seletiva de espécies nativas na Mata Atlântica é o Decreto n- 750, de 1993, em seu artigo 2°, o qual é regulamentado por outros diplomas federais e estaduais. Apesar de a legislação ambiental brasileira ser considerada uma das mais avançadas do mundo, dois pontos são freqüentemente questionados: o primeiro diz respeito à dificuldade de aplicação e fiscalização dessas diretrizes e, o segundo, ao fato de as nossas leis terem um caráter defensivo. Na verdade, elas não são proativas, pois não são capazes de mudar o modelo tradicional de uso dos recursos naturais que vem sendo adotado até hoje e que, comprovadamente, não viabiliza o uso sustentável do ambiente.1 No caso da exploração de recursos florestais, por exemplo, o caráter restritivo é muito mais forte do que o de incentivo. 1 - J. P. R, Capobianco, "Políticas públicas e desenvolvimento sustentável na Mata Atlântica", em Anais do I Seminário Nacional sobre Recursos Florestais, da Mata Atlântica (São Paulo: Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, 1999), pp, 124-127 186

De qualquer forma é importante salientar que alguns paradigmas, quando analisados de forma mais cuidadosa, não se sustentam. Resende,2 analisando a aplicação da legislação florestal no Brasil, mais especificamente no Vale do Ribeira, conclui que, principalmente nessa região, raramente a legislação se impõe como uma condição impeditiva do desenvolvimento, como é comumente apregoado. Acrescenta ainda que a forma como o Estado faz e aplica as leis é mais determinante a esse processo do que o conceito de controle em si.

Gostaria aqui de apresentar dois exemplos bem-sucedidos de regulamentações proativas no estado de São Paulo. A Portaria n° 52 do Departamento Estadual de Proteção aos Recursos Naturais da Secretaria do Meio Ambiente (DEPRN/SMA) (28-12-1998) já citada no capítulo "Aspectos do manejo de recursos da Mata Atlântica no contexto ecológico, fundiário e legal", é considerada por muitos técnicos um grande avanço, no sentido de incentivar o manejo sustentável de algumas espécies não madeireiras, pois estabelece que o plano de manejo terá função experimental e os dados gerados a partir de sua condução e seu monitoramento deverão propiciar uma base para a reavaliação das medidas adotadas no projeto inicial, além de serem disponibilizados ao público, embasando assim novas iniciativas. No entanto, pelo mesmo motivo, essa portaria sofre críticas daqueles que acreditam não haver conhecimento técnico suficiente para se permitir a exploração das espécies listadas nesse instrumento. De qualquer forma, essa estratégia permite que, mesmo na ausência de parâmetros técnico-científicos consolidados, a exploração racional de várias espécies com demanda de licenciamento e controle pelos órgãos públicos seja concedida desde que seja feito Um monitoramento das práticas apresentadas no plano de manejo e as mesmas sejam revistas anualmente, a fim de garantir a manutenção da espécie. Dessa forma esse instrumento apresenta um caráter não impeditivo nem punitivo, mas de estímulo.

Em consonância com essa mesma portaria, em Ilha Comprida (SP) foi estabelecida uma parceria entre a prefeitura local e a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) que possibilitou o desenvolvimento de um plano de manejo para a samambaia (Rumohra adiantiformis). Nesse processo, toda a prática e o conhecimento acumulado pelos extratores, 2 - R. Resende, As regrai do jogo: legislação florestal e desenvolvimento sustentável no Vale do Ribeira, dissertação de mestrado (São Paulo: Procam/USP, 2000). 187 além de levantamentos realizados, foram sistematizados por especialistas, resultando assim em um plano de manejo para a espécie. Esse documento foi aprovado tendo como pressuposto a geração de dados a partir da sua condução e seu monitoramento, fundamentando assim sua sustentabilidade.

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Atualmente o mesmo processo está sendo desenvolvido com outras duas espécies: taboa (Typha angustifolia) e veludo (Sphagnum spp.).3

Igualmente importante foi o processo de revisão da Resolução SMA 11/92, que normatiza a exploração da caxeta (Tabebuia cassinoides) no estado de São Paulo sob o "regime de rendimento auto-sustentado". Em 1995, durante o II Workshop "Padrões para a Certificação de Caxetais na Mata Atlântica", foi formado um grupo de trabalho para revisar e aprimorar a legislação, por meio de um processo participativo com que puderam contribuir os diversos grupos de interesse. Segundo Marquesini,4 o processo participativo garantiu uma transparência que contribuiu para assegurar a legitimidade da proposta, uma vez que propiciou a representatividade de diferentes grupos de interesse.

Vemos então que o manejo sustentável deve ser visto como uma possibilidade de valorizar áreas florestais. Florestas são consideradas um obstáculo ao desenvolvimento econômico. Essa idéia surge do fato de que a mesma exclui as possibilidades de uso da terra com atividades de retorno mais rápido e rentável. Sabe-se, no entanto, que a contabilidade desses projetos não considera os serviços ambientais dos ecossistemas, o que sem dúvida os coloca em desvantagem com outros usos da terra em que não se imprime esse caráter. Fearnside5 alerta para a necessidade de novos critérios para avaliar opções de desenvolvimento. O autor cita que o critério normalmente usado para comparar investimentos, o critério monetário, não considera o bem-estar das gerações futuras. Nesse caso, atividades de longo prazo, como o manejo florestal, acabam sendo preteridas em função de outras atividades de curto prazo, com retorno mais rápido. Segundo Pearce,6 o cálculo de custo/benefício de um madeireiro, por exemplo, não 3 - Maurício Sedrez dos Reis, comunicação pessoal. 4 - M. Marquesisni et al., "Revisão participativa no aprimoramento tia legislação sobre caxeta (Tabebuia cassinoides) no estado de São Paulo", em Florestar Estatístico, 5 (13), São Paulo, 1997, pp. 25-35. 5 - R Fearnside, "Forest Management in Amazonia: the Need for New Criteria in Evaluating", em Forest Ecology and Management, n° 27, Amsterdã, 1989, pp. 61-79. 6 - D. Pearce et al., "A Sustainable Forest Future", em Working Paper GEC 99-15, 1999. 188 é o mesmo que o da sociedade. Assim sendo, os autores concluem que uma análise econômica total, ou seja, aquela englobando externalidades ambientais e sociais, somente será levada em consideração se houver medidas regulatórias ou algum tipo de compensação para os agentes privados da diferença dos rendimentos de uma análise financeira tradicional.

Outro aspecto que também merece maior atenção diz respeito ao mercado desses produtos. Maretti,7 relatando sua experiência no fomento às alternativas de uso sustentável dos recursos naturais, diz que essa utilização sustentável não se transforma em instrumento sistemático pela sociedade porque não é incorporada pelo mercado, e não é incorporada pelo mercado porque o enfoque não abrange toda a sua cadeia produtiva e sim apenas partes dela. O autor acredita na necessidade de uma integração entre as partes econômica e comercial, sem o que fica difícil uma real sustentabilidade, ficando assim comprometidos os objetivos sociais e ambientais. Como exemplo, cita que nos estudos da cadeia produtiva devemos levar em conta também a parte relativa à comercialização, ao estudo de mercado, à administração da produção, à planilha de preços, às estratégias de marketing etc.

Muitas das propostas usualmente citadas para estimular o manejo florestal sustentável passam pela esfera de uma política governamental facilitadora, como por exemplo incentivos financeiros e fiscais. Precisamos trabalhar, no entanto, para que esses incentivos sejam incorporados pelo sistema vigente, tornando-se resultado de uma prática sistemática e não apenas servindo a iniciativas pontuais. Esse trabalho exige esforços muito grandes, pois o nosso sistema financeiro e tributário está solidamente voltado ao fomento de um modelo tradicional de uso dos recursos naturais (agricultura

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extensiva, atividade industrial sem controle etc), o qual, sabemos, leva ao uso predatório do ambiente.8 Mas, e no que concerne à esfera privada? Seria possível esse setor se mover em direção a uma

alternativa que não a atual? Algumas iniciativas indicam que sim. A certificação florestal, por exemplo, é vista como um mecanismo de mercado que catalisa ações em prol da utilização racio 7 - C, C. Maretti, "Ação dos órgãos governamentais no fomento ao uso sustentável dos recursos naturais", era Anais do I Seminário Nacional sobre Recursos Florestais da Mata Atlântica, São Paulo, Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, 1999, pp, 115-122. 8 - J. E R. Capobianco, op. cit. 189 nal dos recursos florestais e, portanto, constitui-se como uma importante ferramenta para valorizar atividades e produtos ambientalmente adequados, socialmente justos e economicamente viáveis. A sua forma abrangente de verificação, ou seja, desde o manejo da floresta até o caminho percorrido pelo produto até o consumidor (cadeia de custódia) induz a necessidade de uma articulação entre as várias etapas da cadeia produtiva, reduzindo ou até eliminando o indesejável enfoque pontual citado anteriormente. A certificação florestal pode promover também, além de uma melhor imagem, benefícios econômicos, tais como: preço mais alto, melhor acesso a fontes de financiamento e aumento ou manutenção de fatias de mercado, incentivando assim que o manejo de florestas se torne mais atraente em termos econômicos que outros usos da terra.9

Outro movimento nesse sentido é a proposta de uma bolsa de commodities ambientais promovida pelo projeto Consultant Traders and Advisers - Sindicato dos Economistas do Estado de São Paulo (CTA-Sindecon), cujo planejamento está em fase de amplo debate pela sociedade por meio de fóruns estaduais e trocas de informações pela internet, via rede de comunicação do Universo Jurídico do estado de Goiás. O conceito de commodities ambientais surgiu entre as décadas de 1980 e 1990, a partir da reflexão de um grupo de gestores financeiros, sobre os ganhos imediatos nos mercados futuros e os rombos sociais e ambientais resultantes desses ganhos. De acordo com documento do projeto CTA Sindecon, apresentado no site www.sindecon-esp.org.br, as commodities ambientais são "mercadorias originárias de recursos naturais produzidas em condições sustentáveis e que constituem os insumos vitais para a indústria e a agricultura". A proposta visa à organização de um mercado ambiental com geração de emprego e renda para as populações carentes. Nesse caso, mecanismos do mercado financeiro seriam utilizados para captar recursos que seriam dirigidos de forma a financiar iniciativas que contemplem a conservação ambiental. Sua principal característica, no entanto, é possibilitar que apenas aquelas pessoas que não têm acesso ao sistema financeiro hoje vigente - que, como já vimos anteriormente, é moldado para as atividades econômicas tradicionais — possam viabilizar 9 - V. M. Viana, "Certificação Florestal e desenvolvimento sustentável", em Boletim Agroecológico 3 (14), 1999, p. 12. 190 suas atividades lastreadas nas commodities ambientais e dentro dos preceitos da sustentabilidade.10 E importante salientar que no desenho dessa proposta há a preocupação de que os financiamentos sejam adequados aos prazos de uma produção sustentável. Todos sabemos que, devido às taxas de juros aplicadas nos cálculos financeiros, as atividades de longo prazo, notadamente as florestais, acabam por se tornar inviáveis, resultando assim pouco atrativa uma produção sustentável.

Por fim, a próxima etapa de trabalho do Programa de Recursos Florestais do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica está estruturada no projeto Sustentabilidade e Certificação Florestal na Mata Atlântica. Esta nova fase (outubro 2000-julho 2002) é uma parceria com a Fundação SOS Mata Atlântica, Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e Instituto de Estudos Socioambientais do Sul da Bahia (Iesb), com apoio do fundo de parceria Fundo Brasileiro para

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a Biodiversidade (Funbio) - Fundação Ford, tendo como seu objetivo promover o uso sustentável de recursos florestais da Mata Atlântica como forma de diminuir a pressão do extrativismo predatório dos mesmos, ou a substituição da floresta por outros usos do solo. Esse projeto se concretizará, pela definição de diretrizes para a certificação florestal na Mata Atlântica, pelo desenvolvimento de processos de certificação florestal, pela qualificação de instituições e indivíduos para implementá-los e pela capacitação de comunidades locais para a prática do bom manejo, ou seja, aquele realizado considerando as melhores técnicas disponíveis. A certificação florestal tem sido vista como um agente catalisador de ações em prol do bom manejo. El Khalili, comunicação pessoal. 191 PARTE III CARTOGRAFIA 193

Com o objetivo de sintetizar de forma gráfica as principais informações obtidas para cada espécie estudada foram elaboradas onze cartas temáticas a partir de diversas fontes, datas e escalas. Esses documentos reúnem dados sobre:

� área dos remanescentes do Domínio da Mata Atlântica (DMA); � área de ocorrência natural das espécies (dentro e fora do DMA); � área de ocorrência atual das espécies; � centro de ocorrência natural de maior destaque; � centro de cultivo; � centro de comércio; � centro de extrativismo; � centro de beneficiamento; � área de extrativismo; � área de extrativismo intenso; � área de risco; � área de alto risco; � banco de germoplasma.

Cabe aqui ressaltar que no caso das bromélias, por apresentarem como área de ocorrência o próprio

DMA, as informações apresentadas no trabalho cartográfico representam apenas informações indicativas e restritas aos estudos de caso incluídos no projeto Inventário dos Recursos Flores tais da Mata Atlântica.

O trabalho cartográfico resultou em onze cartas temáticas, elaboradas de acordo com as informações disponíveis para cada espécie, sendo uma sobre erva-mate, uma sobre plantas medicinais, duas sobre caju, uma sobre bancos de germoplasma, duas sobre araucária, duas sobre palmito, uma sobre bromélias e uma síntese da área de ocorrência das espécies estudadas. Esta última não será apresentada aqui, pois a leitura, devido à , escala, fica dificultada. Além do material citado acima também é apresentado o mapa dos Remanescentes da Mata Atlântica.

As fontes utilizadas para a elaboração dos mapas foram; � Malha municipal digital do Brasil IBGE/DGC/Departamento de Cartografia (Decar). � Hidrografia principal extraída das folhas do mapeamento sistemático 1:250.000, realizado pelo

OBGE/Diretoria do Serviço Geográfico - Ministério do Exército (DSG). 195

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� Domínio da Mata Atlântica segundo Decreto Federal 750/93, extraído do Mapa de Vegetação do Brasil, FIBGE, 1993, digitalizado pelo Instituto Sociambiental.

� Remanescentes da Mata Atlântica da região Nordeste, no ano-base 1990, organizados para o workshop Prioridades para Conservação da Mata Atlântica do Nordeste, pela Sociedade Nordestina de Ecologia/Conservation International/Fundação Biodiversitas, 1993.

� Remanescentes da Mata Atlântica no estado da Bahia extraídos do Atlas de evolução dos remanescentes florestais e ecossistemas associados do Domínio da Mata Atlântica no período de 1985-90, da Fundação SOS Mata Atlântica e Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, 1992.

� Remanescentes da Mata Atlântica extraídos do Atlas de evolução dos remanescentes florestais e ecossistemas associados do Domínio da Mata Atlântica no período de 1990-95, da Fundação SOS Mata Atlântica e Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, 1998.

� Remanescentes da Mata Atlântica do litoral norte da Bahia: sem informação. Observações:

� As áreas de ocorrência atual são apresentadas somente para aque las espécies para as quais tal informação é disponível.

� Para o palmito não são apresentadas as ocorrências existentes nas regiões de contato entre a floresta ombrófila mista e as demais formações florestais (principalmente nas matas ciliares). O palmito ocorre com maior freqüência em altitudes inferiores a 800m. A organização dos dados e a produção cartográfica realizada couberam a ArcPlan Geo Processamento S. C. Ltda., sob coordenação da Fundação SOS Mata Atlântica, a partir de dados gerados e compilados por: Fabiana Maia de Andrade - para erva-mate; Ilio Montanari Júnior — para plantas medicinais; José Jaime Vasconcelos Cavalcanti — para caju; Miguel Guerra e Maurício Sedrez dos Reis - para araucária; Maurício Sedrez dos Reis e Miguel Guerra - para palmito; João Vicente Coffani-Nunes — para bromélias; Wílton Duarte e Consolación Udry - para banco de germoplasma. 196 SOBRE OS AUTORES Alexandre Mariot Engenheiro agrônomo e mestre em recursos genéticos vegetais pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pesquisador do Núcleo de Pesquisas em Florestas Tropicais (NPFT). Tem trabalhado com manejo sustentado de espécies da Mata Atlântica desde 1994. É autor de diversos artigos. Alfredo Celso Fantini Doutor em ciências florestais pela Universidade de Wisconsin (EUA). Professor da Universidade Federal de Santa Catarina, onde pesquisa a conservação e o manejo de recursos de florestas tropicais. Antonio Carlos Diegues Professor da Universidade de São Paulo no curso de pós-graduação em ciências ambientais e no Departamento de Economia e Sociedade Rural da Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz

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(Esalq/USP). É coordenador científico do Núcleo de Pesquisa sobre Populações Humanas e Áreas Úmidas Brasileiras (Nupaub). E autor de vários livros, entre eles: Ecologia humana e planejamento costeiro (Nupaub, 2001); Etnoconservação: novos rumos para a conservação da natureza (Nupaub/ Hucitec, 2000); A imagem das águas (Nupaub, 2000); Comunidades tradicionais e manejo dos recursos naturais da Mata Atlântica, com o professor Virgílio Viana (Nupaub, 2000); O mito moderno da natureza intocada (Nupaub/Hucitec, 2000). 209 Carlos Eduardo Frickmann Young Professor de economia da Universidade Federal do Rio de janeiro. Doutor em economia pela Universidade de Londres (UCL) com a tese Environmental Consequences of Economic Adjustment Programmes: a Case Study of Brazjl, Mestre e bacharel em economia (UFRJ) e pós-graduação em políticas públicas pelo Instituto Latino americano e do Caribe de Planificação Econômica e Social da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Ilpes/Cepal, Chile). Co-autor de Contabilidade social: o novo sistema de contas nacionais no Brasil e Measuring Sustainable Development: Macroeconomics and the Environment, Publicou diversos artigos sobre economia do meio ambiente e desenvolvimento econômico. Presidente da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica no período 1996-1999. Clayton Ferreira Lino Arquiteto, fotógrafo e espeleólogo, com especialização em patrimônio ambiental urbano e em manejo de áreas naturais. Ex-presidente da Sociedade Brasileira de Espeleologia e ex-diretor do Instituto Florestal. Membro de várias ONGs. Autor de diversos livros e publicações sobre cavernas e Mata Atlântica. Atualmente, preside o Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica. Fabiana Maia de Andrade Engenheira florestal e mestranda em silvicultura do curso de pós-graduação em engenharia florestal da Universidade Federal do Paraná (UFPR), desenvolve sua pesquisa com produção de erva-mate. Atuou profissionalmente na empresa de erva-mate Baldo S. A., como consultora para o Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e em Convênios entre a UFPR, Fundação de Pesquisas Florestais do Paraná (Fupef)) Empresa Brasileira de Agropecuária (Embrapa) e empresas associadas. 210 Ilio Montanari Júnior Engenheiro agrônomo formado pela Esalq/USP em 1985. Em 19934994, especializou-se em fitotecnia de plantas medicinais como bolsista da Fundação Humboldt na Universidade Justus-Liebig, em Giessen (Alemanha). Trabalha desde 1992 como pesquisador do Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA/Unicamp), desenvolvendo estudos de aclimatação, domesticação e cultivo de plantas medi João Vicente Coffani-Nunes Professor de educação ambiental do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (UniFMU) e de ecologia humana no programa de pós-graduação lato sensu de educação ambiental da Universidade de Santo Amaro (Unisa). Mestre em ciências biológicas, na área de taxonomia vegetal, pelo Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB/USP), em que apresentou a dissertação Estudo florístico e fenomorfológico de Tillandsioideae-Bromeliaceae na Serra do Cipó (MG). Doutorando pela mesma-universidade.

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José Jaime Vasconcelos Cavalcanti Engenheiro agrônomo pela Universidade Federal Rural de Pernambuco, 1986. Mestre em genética e melhoramento de plantas pela Universidade Federal de Lavras-MG, 1997. Pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Centro Nacional de Pesquisa de Agroindústria Tropical (CNPAT), desde 1989, onde tem desenvolvido projetos de pesquisa na área de genética e melhoramento de fruteiras, principalmente com o cajueiro. Publicou 37 trabalhos técnico-científicos, sendo quinze na condição de autor principal, e dois capítulos de livros na condição de co-autor. Atualmente encontra-se em curso de doutoramento na área de genética molecular na Universidade de Reading, Inglaterra. 211 Lineu Schneider Professor adjunto do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Santa Catarina. Engenheiro agrônomo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com mestrado em fitotecnia. Áreas de atuação: sustentabilidade da produção agrícola, mercado de hortigranjeiros, diversificação da produção agrícola, produção "agrossilvopastoril" Luciana Lopes Simões Engenheira florestal formada pela Esalq/USP, mestre em conservação e manejo de florestas tropicais pela Universidade Agrícola de Wageningen (Holanda) e professora de sistemas agro flores tais do curso de gestão ambiental do Centro de Educação Ambiental do SENAC de São Paulo. Atua como coordenadora do programa de recursos florestais do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, em que gerenciou os projetos Inventário dos Recursos Florestais da Mata Atlântica e Sustentabilidade e Certificação Florestal na Mata Atlântica. Luiz Alberto Mattos Silva Biólogo formado pela Universidade de Santa Cruz (Uesc/Ba) e pós-graduado pela Universidad de Costa Rica. Foi pesquisador do Centro de Pesquisas do Cacau, tendo trabalhado por vinte anos com fotointerpretação, mapeamento da Vegetação e levantamentos florísticos. Exerceu também os cargos de curador do herbário Cepec e diretor da divisão de botânica. Atualmente coordena a rede de laboratórios da Uesc, além de coordenar o subcomitê da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, no sul da Bahia. Maurício Sedrez dos Reis Agrônomo formado pelo Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com mestrado em fitotecnia pela 212 Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e doutorado em genética e melhoramento de plantas pela Esalq/USP Desde 1985, é professor do Departamento de Fitotecnia e do curso de pós-graduação em recursos genéticos vegetais da UFSC. Autor de mais de trinta artigos publicados em periódicos de circulação nacional e internacional. Autor e editor de vários capítulos do livro Euterpe edulis Martius - biologia, conservação e manejo (Herbário Barbosa Rodrigues, 2000). Desenvolve estudos com manejo e domesticação de espécies da Mata Atlântica. Miguel Pedro Guerra Professor titular do Departamento de Fitotecnia do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Engenheiro agrônomo, doutor em fisiologia vegetal (USP) e pós-

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doutor em biologia celular pela Universidade da Califórnia - Davis. Atua no Núcleo de Pesquisas em Florestas Tropicais da UFSC e é coordenador do curso de pós-graduação em recursos genéticos vegetais da mesma universidade. Rudimar Conte Engenheiro agrônomo e mestre na área de recursos genéticos vegetais pela UFSC. E doutorando pela Esalq/USP em genética e melhoramento de plantas e pesquisador do Núcleo de Pesquisas em Florestas Tropicais da UFSC. Autor de um trabalho com manejo de espécies da Mata Atlântica e de vários artigos. Vanildo Silveira Engenheiro agrônomo pela UFSC, mestre em recursos genéticos vegetais pela UFSC e doutorando em biotecnologia pela USE Atua na área de recursos genéticos florestais. 213 BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR BARROS, L. de M. et al. A cultura do cajueiro anão, documento n° 3, Fortaleza: Epace, 1984. BRASIL Lei da Propriedade Industrial Lei n° 9.279, Cap. II, Seção I, Am. 8° e 10°/IX, 14-5-1996. ______ Lei de Proteção de Cultivarei. Lei n° 9.456 de 25-4-1997, Seção III, Art. 5% regulamentada pelo DecretoV 2.366, 5-11-1997. CÂMARA CASCUDO, Luís da. Os jangadeiros. Rio de janeiro: MEC,-1957. DIEGUES, A. O mito moderno da natureza intocada. São Paulo: Hucitec, 1996. FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION. State of the World's Forests, 1997, http://www.faoinfo/forestry/publclst.htm "Chimarrão sem fronteiras", em Zero Hora, n° 710, Encarte Campo & Lavoura: Porto Alegre, 7-8-1998. 215

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