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    C O N T R I B U I Ç Ã O  CRITICD ECONOMI POLÍTIC

    C O N T R I B U I Ç Ã O À CR Í T I C AD A E C O N O M I A P O L Í T I C A

    Tradução e Introdução deFlorestan Fernandes

    2a ediçãoEDITOR

    EXPRESSÃO POPUL RSão Paulo - 2008

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    Copyright © 2008, by Editora Expressão PopularTítulo original: Zur Kritik  er Poitischen  OekonomeTraduzido a partir de versões em inglês, francês e espanhol porFlorestan FernandesRevisão da tradução: Renado A.   arcanhooRevisão: Migue   avacanti Yoshda, Gerado Martins  de Azevedo   ilho eHarodo CevarooProjeto gráfico» diagramação e capa: ZAP Desgn.Impressão eacabamento: CromoseeArte da capa: A   orja, Dego Rvera,  Í908.

    D a d o s I n t e r n a c i o n a i s d e C a t a l o g a ç ã o - n a - P u b l i c a ç 5 o C I P )M a r x , K a r l , 1 8 1 8 - 1 8 8 3

    M 3 9 2 c C o n t r i b u i ç ã o à c r í t i c a d a e c o n o m i a p o l í t i c a / K a r l M a r x ;t r a d u ç ã o e i n t r o d u ç ão d e Fl o r e s t a n F e r n a n d e s . ~ 2 . e d . - S ã oP a u l o : E x p r e s s ã o P o p u l a r , 2 0 0 8 .2 8 8 p .I n d e x a d o e m G e o D a d o s - h t t p : / / w w w . g e o d a d o s . u e m . b r I S B N 9 7 8 - 8 5 - 7 7 4 3 - 0 4 8 - 2

    1 . E c o n o m i a . 2 . E c o n o m i a p o l í t i c a . 3 . E c o n o m i a m a r x i s t a .4 . Ca p i t a l E c o n o m ia ) . I . F e rn a n d e s , F lo re s t a n , t r a d . I I. T í t u l o .

    C D D 3 3 5 . 4C D U 3 3Bib l io tecár ia : E l iane M. S . Jovanovtch CRB 9 /1250

    Todos os direitos reservados.Nenhuma parte desse livro pode ser utilizadaou reproduzida sem a autorização da editora.Edição revista e atualizada conforme nova ortografia.Ia reimpressão: março de 2009EDITORA EXPRESSÃO POPULARRua Abolição, 197 - Bela VistaCE P 01319-010 - São Paulo-SPTelefone: (11) 3112-0941 ou 3105-9500vendas@expressaopopular.com.brwww.expressaopopular.com.br

    SUMÁRIO

    APRESENTAÇÃOINTRODUÇÃO 19 PREFÁCIO 45CAPÍTULO I - A MERCADO RIA 51

    A - Resenha histórica da análise da mercadoria 81CAPÍTUL O II - O DIN HE IRO OU A CIRCUL AÇÃO SIMPLES

    1- Medida dos valoresB - Teorias sobre a unidade de medida do dinheiro2 - Meio de circulaçãoa) A metamorfose das mercadorias 1b) O curso do dinheiro 1c) A moeda ou as espécies. O sinal de valor 13 - O dinheiro 1a) Entesouramento 1b) Meio de pagamento 1c) O dinheiro universal 14 - Os metais preciosos 1C - Teoria sobre os meios de circulação e sobre o dinheiro 1

    http://www.geodados.uem.br/mailto:[email protected]://www.expressaopopular.com.br/http://www.expressaopopular.com.br/mailto:[email protected]://www.geodados.uem.br/

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    ANEXOSINT RODUÇÃO À CONTRIBUIÇÃO À CRÍTICADA ECONOMIA POLÍTICA  37

    1. A produção em geral 2372. A relação geral da produção com a distribuição,a troca e o consumo 244a) A produção é também imediatamente consumo 246 b) Produção e distribuição 251c) Troca e circulação 256 3. O método da Economia Política 257 4. Produção. Meios de produção e relações de produção.Relações de produção e de distribuição. Formas do Estado e dapropriedade em sua relação com a produção e a distribuição.Relações jurídicas. Relações familiares 268

    COME NT ÁRIOS SOBRE A CONTRIBUIÇÃO À CRÍTICADA ECONOMIA POLÍTICA,  DE KARL MARX 273

    NOTA EDITORIAL

    A presente edição de Contribuição à crítica da Economia Políticafoi realizada a partir da edição preparada e traduzida por FlorestanFernandes para a editora Flama - dirigida pelo jornalista e dirigentedo Partido Socialista Revolucionário (PSR) Hermínio Sacchetta- lançada no ano de 1946.A tradução do texto foi realizada a partir das edições espanhola,francesa e inglesa, tendo o seu cotej amento com o original emalemão. A presente edição foi submetida a uma cuidadosa revisãotécnica do prof. dr. Reinaldo Carcanholo da Universidade Federaldo Espírito Santo. Acrescentamos também ao final do livro umaresenha da obra escrita por F riedrich Engels na primeira quinzenade agosto de 1859 - mesmo ano em que a obra foi originalmentepublicada por Karl Marx.Os termos que foram utilizados em outra língua, que não oalemão, no original, foram mantidos como tal seguidos por suatradução entre colchetes. N os anexos desse livro, a tradução estáassinalada entre colchetes com a indicação N .E . As inserções entrecolchetes nos anexos são do próprio original.

    Os editores

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     O resultado geral a que cheguei e que uma vez obtido, serviu-mede guia para meus estudos pode ser formulado, resumidamente, as-sim: na produção social da própria existência, os homens entram emrelações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade;e ^ relações de pfoduíio ço/respondem a.ym grau determinadode desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. A totalidadedessas relações de produção constitui a estrutura econômica da socie-dade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica épolítica e á qual correspondem formas sociais determinadas de cons-ciência. O modo de produção da vida material condiciona o processode vida social política e intelectual. Não ê a consciência dos homensque determina o seu ser; ao contrário, é o seu 'ser social que deter-mina sua consciência. Em uma certa etapa de seu desenvolvimento,as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradiçãocom as relações de produção existentes, ou, o que não é mais quesua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio dasquaiselasse haviam desenvolvido atéentlò. Deformas evolutivas dasforças produtivas que eram essas relações convertem-se em entraves.Abre-se, então, uma época-de revolução social. (Marx)

    AP RESENTAÇÃO

    H á algo de curioso em Marx. Sobre ele e sobre sua obra existi-ram ao longo do tempo e continuam a existir diferentes atitudes.Entre elas, consideramos, devem ser citadas três que talvez sejamas mais importantes. Está aquela dos que odeiam M arx e nunca oleram, ao lado de uma outra dos que o amam, mas também nadaleram de seus escritos. Finalmente a terceira atitude a ser mencio-nada é a daqueles que querem lê-lo, ou melhor, estudá-lo. E paraque isso? Por que estudar a obra de Marx nos dias de hoje?Claro que é possível estudá-la com objetivos exclusivamenteacadêmicos, mas não seria o mais importante. O estudo aprofun-dado da teoria de Marx, em particular de sua teoria sobre o capi-talismo, permitirá que encontremos respostas a algumas perguntasfundamentais para a humanidade. Mencionemos algumas delas.Sobreviverá o capitalismo por muito mais tempo? O que talsobrevivência reservaria para o futuro da humanidade? Ao con-

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    C O N I R 1 l i U I (, Ã O A C R Í T I C A D A L C O N O M 1 A R O 1 1 U C A

    trário, quais são as possibilidades e perspectivas de uma nova erapara a humanidade, organizada por meio de uma nova forma desociedade? Q ue características básicas deverá ter a possível fasede transição para essa nova era? Que sacrifícios serão impostos àhumanidade nessa fase?O utras perguntas mais específicas são também importantespara nós. Q ue papel jogamos, aqueles que vivemos nos países daperiferia, no capitalismo contemporâneo? Quais são as perspectivaspara os povos desses países em um capitalismo que se conserve pormuito mais tempo?Muitos, alguns até por ingenuidade, se satisfazem com respos-tas triviais a essas perguntas. G raças a uma. concepção metafísica,consideram que o ser humano é, por sua própria natureza transcen-dental, um ser egoísta e que o capitalismo é a forma mais perfeitade organização da sociedade, forma na qual o homem realizaria asua essência, o egoísmo. Para eles, a humanidade teve história, masnão mais a terá. O capitalismo é a realização do paraíso na terra e,por isso, a história chegou ao seu fim. Os males e as misérias queobservamos nos dias de hoje na humanidade, em certos espaços,não são o resultado desse sistema econômico e social, mas da suaausência. O s que defendem essa perspectiva são os neoliberais.E verdade que há muito de hipocrisia nesse pensamento e seusdefensores mais cínicos chegam até a admitir e a sustentar que apobreza é uma necessidade do sistema, na medida em que o riscoque ela representa, para cada um, é o motor a garantir que o serhumano desenvolva todo o seu potencial produtivo.Existem outros que acreditam que o capitalismo pode sobrevi-ver e resolver em grande parte seus males. Para isso, bastaria umaboa dose de vontade política. O Estado seria capaz, por meio deum conjunto de políticas adequadas, de solucionar ou no mínimoatenuar as contradições do sistema, de maneira a torná-lo maishumano. Aqueles um pouco mais lúcidos, dentro dessa visão,procuram encontrar, no meio da selvageria do capitalismo atual,

    K arl MARXalgum setor social que, por seus interesses objetivos, fosse capaz desustentar um projeto político desse tipo. Tendem algumas vezes aatribuir esse papel a um setor da "burguesia progressista", nacionaltalvez. No entanto, a verdade é que a evolução do capitalismo nasúltimas décadas tende a reduzir o número daqueles que aindaacreditam nessa quimera.Também existem aqueles que perderam totalmente as espe-ranças e não acreditam em nenhuma possibilidade de grandestransformações para a sociedade humana. O mundo capitalistaseria inevitável e a única coisa que podemos fazer é obter pequenasmudanças, por meio de lutas parciais e fragmentárias. De certamaneira, concordam com os neoliberais, pelo menos no sentidode que uma divindade superior teria decretado que o capitalismoé o fim da história. Q ualquer desejo de impulsionar grandes trans-formações na sociedade seria ilusório; toda tentativa de construiruma interpretação global que permita uma ação nesse sentido éfracassada; não há espaço para os metarrelatos. E a perspectivapós-moderna. N as sábias palavras, quase versos, de Néstor K ohan,trata-se da "legitimação metafísica da impotência política".Justamente ao contrário, a teoria de Marx é intrinsecamenterevolucionária, anticapitalista e humanista. E la é uma teoria quesustenta a esperança e nos entrega instrumentos para a ação trans-formadora. E la, estudada em toda a sua profundidade, estabelecebases sólidas para que construamos de maneira sistemática e cien-tífica, sem concessões à metafísica, respostas àquelas perguntas e amuitas outras importantes.É óbvio que não se encontrarão diretamente neste livro deMarx,  Contribuição ã crítica da Economia Política, as respostas ime-diatas às perguntas que nos preocupam. O livro trata de apresentarexclusivamente os elementos básicos e abstratos de um enormecorpo teórico, resultado da pesquisa cientí fi ca de Marx, corpoesse desenvolvido ao longo da extensa obra marxista, que inclui,entre outros textos importantes,  O capitai O aporte científico de

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    Marx consiste, na verdade, em um enorme edifício teórico sobre ocapitalismo que precisa ser estudado e compreendido em toda a suaprofundidade. Nele aparecem descobertas e expostas as leis geraisdo funcionamento, desenvolvimento e dos limites da economiacapitalista, que demonstram que se trata de uma fase social tran-sitória no interior do processo de desenvolvimento da sociedadehumana. Conhecer essas leis é o que permite adquirir uma sólidabase para que cheguemos, com nosso esforço, a elaborar, tambémde maneira científica e não metafísica, respostas adequadas paraas perguntas que nos interessam nos dias de hoje.E a teoria do valor de M arx, em toda a sua amplitude (queengloba entre outras coisas a teoria do capital e da mais-valia, daexploração e do fetichismo, da desmaterialização da riqueza ca-pitalista e, inclusive, a teoria da tendência decrescente da taxa delucro), que nos permite entender a economia capitalista em suasdeterminações mais gerais. Compreender a fase atual que vivemos,além da necessidade de apropriar-se de maneira adequada dessateoria, pressupõe um grande esforço científico de nossa parte. N oentanto, tal esforço se vê em parte facilitado pelo método científicoque nos foi legado por M arx e que precisa ser estudado.A teoria marxista do valor permite-nos concluir, em primeirolugar, que a contradição principal da atual fase capitalista é a queexiste entre a produção e a apropriação da mais-valia, do excedenteeconômico em valor; que a atual expansão do capital especulativoe parasitário é a manifestação e o agravamento dessa contradição;que essa fase capitalista sobrevive até hoje, e o fez até agora, pormais de duas décadas, sobre a base de uma intensificação semprecedentes da exploração do trabalho. Tal exploração ocorre pormeio da mais-valia relativa e absoluta, da superexploração dostrabalhadores assalariados e não assalariados de todo o mundo,incluindo os dos países mais miseráveis do planeta. A teoria do valorde Marx permite entender que essa fase capitalista não é eterna eque não poderá sobreviver por muito tempo mais.

    Essa teoria, entendida em toda a sua profundidade, nos propor-ciona a convicção científica de que o capitalismo poderá sobreviverà destruição da sua fase atual especulativa, reformulando eventual-mente seu funcionamento; mas só poderá fazê-lo destruindo odomínio do capital especulativo. Não há dúvida de que isso só seráou seria possível, ao contrário do que se pode imaginar, por meiode uma adicional elevação da exploração do trabalho, exploraçãoessa que já se encontra em níveis exagerados. Tal situação impli -cará a intensificação e generalização da tragédia humana que já émanifesta em muitas partes do mundo contemporâneo. Pior queisso, a transição para uma eventual nova fase capitalista pressuporáperíodos ou momentos ainda mais terríveis.Entendida adequadamente, a teoria do valor de Marx leva-nos aconcluir que a relativa comodidade em que se vive nos países maisricos, mesmo uma parte de seus trabalhadores, não seria possívelsem a pobreza e a miséria encontrada nos países periféricos. Nessesentido, existe um excelente filme sobre o Norte da Áf rica, que nãoé um documentário mas uma ficção, cujo título em português é"A marcha", e que apresenta como lema o seguinte: "eles são ricosporque somos pobres". E poderíamos agregar: "nós somos pobresporque eles são ricos". Obviamente que isso não significa, de ne-nhuma maneira, pensar que os trabalhadores daqueles países sãoexploradores de seus homólogos dos demais.Finalmente, a teoria marxista permite entender que, ao mes-mo tempo em que é possível uma nova etapa capitalista sob basesmodificadas, justamente porque isso pressupõe um período oumomentos extremamente difíceis para a humanidade, abre-se apossibilidade da superação do próprio capitalismo. A transição parauma nova etapa capitalista ou para uma nova forma de sociedaderadicalmente dif erente, para o socialismo, é verdade, não consistiráem período dos mais belos da história. Ao contrário, será uma fasemuito difí cil para a humanidade. N o entanto, se essas dif iculdadesestiverem efetivamente dentro de um processo de construção do

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    socialismo, pelo menos se abriria a possibilidade de superaçãoda pré-história do homem e o início de sua verdadeira história.Abri r-se-iam, assim, as possibil idades de superação da violênciacontra a verdadeira natureza humana, de superação da alienaçãoe do trabalho alienado. V islumbrar-se-ia o surgimento de umasociedade a ser organizada sobre a base do trabalho criativo e quegarantiria a realização plena do ser humano.Se estamos na vizinhança de uma nova fase ainda mais vio-lenta e mais terrível do capitalismo ou nos albores de um novomundo, isso dependerá de cada um de nós. Para Marx, a históriaé uma construção do ser humano, limitada apenas pelas amplaspotencialidades de cada momento. A superação da pré-história dahumanidade será uma construção consciente ou não será.E indispensável estudar com profundidade a teoria marxistasobre o capitalismo e, em especial, suas determinações mais abs-tratas e essenciais. Este livro é fundamental para isso, embora,em nossa opinião, não deve ser o primeiro de Marx a ser lido. O

    núcleo central deste volume, ora publ icado pela Editora ExpressãoPopular, está constituído pelo que se conhece propriamente comoContribuição à crítica da Economia Política (3) de Marx (escrita nosúltimos meses de 1858 e janeiro do ano seguinte), imediatamenteantecedido pelo seu "Prefácio" (2)/ Esses escritos aparecem nestevolume acompanhados por outros textos relevantes. O que imedia-tamente segue a Contribuição... icouconhecido como "Introdução"à Contribuição à crítica da Economia Política \ ou simplesmente"I ntrodução" (4). Logo em seguida, encontramos dois artigos-resenha escritos (5) por Engels sobre a Contribuição....Além de tudo isso, este volume da Editora Expressão P opularnos brinda com um excelente texto (1) de Florestan Fernandes, queé o tradutor das obras aqui apresentadas. N ele, Florestan discute

    O número entre parêntesis indica a ordem em que os textos aparecem neste livro.Ou, em algumas versões: Prólogo. " Preliminar" nas palavras de Florestan Fernandes.

    aspectos relevantes do método marxista e apresenta, também, umaampla abordagem sobre críticas que são feitas a Marx por desco-nhecimento de sua obra, ao analisar a relação desse autor comoutros especificamente da área das ciências sociais, em particularcom sociólogos.A  Contribuição... (3) propriamente dita está dividida em duasgrandes partes. Na primeira, se estuda a mercadoria e, na segunda,o dinheiro. Ambos os temas reaparecem n'0 cap ital com uma novaredação, melhorada segundo M arx.O capítulo sobre a mercadoria n O capitalé, de fato, uma reda-ção mais elaborada e melhor estruturada do conteúdo da primeiraparte da Contribuição... Resume alguns aspectos, mas amplia otratamento de outros. Em particular, o estudo que Marx faz sobreo desenvolvimento dialético das formas do valor r i O capital, quevai da forma simples à forma dinheiro, tema extremamente impor-tante, é muito mais amplo e mais satisfatório que o tratamento daContribuição... N o entanto, no que se refere às categorias relativasao trabalho (trabalho abstrato, útil, privado e social) e à sua relaçãocom o valor, com o valor de uso e com a riqueza, o tratamento daContribuição... aparece muito mais desenvolvido e aprofundado.A simples leitura d'O   capital nesse aspecto, em nossa opinião, éinsuficiente e precisa se complementado com o que aparece nestevolume.H á uma dificuldade na Contribuição...  N ela, Marx não dis-tingue terminologicamente valor de valor de troca. Embora umaleitura atenta permita perceber essa distinção, o entendimentoadequado do conceito, da sua essência e da aparência do fenômeno,fica dificultado. O autor muitas vezes fala de valor de troca quandodeveria referir-se a valor. A terminologia mais precisa só virá à luzriO capitai  A lém disso, a exposição da passagem da aparênciapara a essência do valor, o que consideramos o salto mortal daanálise, o descobrimento do valor por detrás do valor de troca, sóaparece nesta última obra. E aparece de forma brilhante, embora

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    extremamente reduzida e, por isso, algumas vezes não percebidaem uma leitura mais apressada. Especialmente por todas as razõesapontadas, em nossa opinião, o estudo da mercadoria não deveiniciar-se pela Contribuição..., mas com a leitura do primeiro ca-pítulo d'O  capital ecomplementada depois.N ão deixa de ter interesse o estudo das questões apresentadasna segunda parte da Contribuiçãoa que trata do dinheiro, apesarde aparecerem com nova redação, em parte mais desenvolvida emais elaborada,  ri O capital, distribuídas no capítulo 3o do seulivro I e em diversas partes nos seus livros II e I I I .Por outro lado, o "Prefácio" (2), apesar de ser um texto de di-mensões reduzidas, poderia ser tratado como obra independente.Sua importância está no fato de apresentar, de um ponto de vistaabstrato, a concepção marxista sobre o desenvolvimento histórico,a concepção dialética e materialista sobre a história da humanidade.Por se tratar de texto reduzido, aqueles que desejarem encontrar aliuma visão mecanicista e determinista poderão sair até certo pontosatisfeitos, mas isso está longe de ser a real perspectiva de Marx.Uma leitura mais atenta pode desfazer essa interpretação.A "Introdução" (4) ou "Prólogo" não foi preparado por M arxpara publicação. Trata-se de um texto referido por seu autor no"Prefácio" (2) como "esboço" e foi dele suprimido por razõesexpositivas. O nome "Introdução" ou "Prólogo" à Contribuição àcrítica da Economia Política deve-se a K autsky, seu primeiro editor,e aparece também como texto inicial do que ficou conhecido comoGrundrisse y rascunhos de pesquisa escritos entre 1857 e 1858 porMarx. Talvez sua parte mais importante seja a de número três ("Ométodo da Economia Política"), texto profundo e de compreensãodif íci l, único em que Marx expõe de maneira algo sistemática suavisão sobre o método científico para o estudo da sociedade hu-mana. Assim, se a leitura da Contribuição... (3) deve ser, em nossaopinião, precedida pelo menos pelo estudo do capítulo sobre amercadoria d'O  capital, enfrentar as dificuldades do texto sobre o

    método contido na "Introdução" exige muito mais. A leitura dessaparte deve ser deixada para depois de bem avançado o estudo daobra maior de Marx,  O capital, em particular depois da leitura doprimeiro capítulo do seu livro III.F inalmente, as resenhas de Engels (5) publ icadas neste volumetambém não deixam de ter interesse, em especial algumas obser-vações suas sobre a questão do método marxista.Terminemos esta apresentação voltando à questão apresentadano início . H á certa razão naquelas atitudes, as de amor e as deódio, dos que nunca leram Marx. A perspectiva teórica marxista éintrinsecamente anticapitalista e é lógico que provoque sentimentoscontraditórios. M esmo exclusivamente por instinto, uns (os queobjetivamente possuem) e outros (os que não possuem interessena continuidade do sistema e dos privilégios que garante paraalguns em contraste com a miséria dos outros), respectivamente,têm razões para o ódio e o amor por esse autor.A dialética marxista é em si mesma revolucionária. Aqueles

    que são revolucionários por puro impulso do coração, por purohumanismo ou legítimo interesse objetivo, sairão fortalecidos nassuas convicções e muito mais eficazes na sua ação se, à sua emoção,adicionarem um sólido conhecimento científ ico sobre o capitalis-mo, sobre os seus determinantes e sobre os caminhos do processorevolucionário. Razão e coração juntos se completam.A teoria de Marx nos ensina que precisamos, mais que nunca,lutar contra o capitalismo, pela humanidade."H ay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás."

    Vitória, julho de 2007Reinaldo A. Carcanholo

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    I N T R O D U Ç Ã O

    A audácia desta introdução justifica-se como parte da tarefaatribuída pelos editores ao tradutor. Por isso, escrevo-a ao mesmotempo contrafeito e com certo orgulho, ambos muito compreensí-veis. Como os prefácios desse tipo são determinados pela naturezada obra, começarei pela própria crítica da economia pol ítica. De-pois abordarei algumas questões gerais suscitadas por este livro epassarei à análise sumária da contribuição de K arl Marx e FriedrichEngels às ciências sociais e de sua inf luência sobre alguns autorescontemporâneos. Por causa das dúvidas que estudos tendenciososou superficiais da obra científica de Marx transformaram em moedacorrente, senti-me obrigado a estender as indicações bibliográficase a abusar de citações. Isso, contudo, poderá até ser algo útil agrande parte dos leitores, fornecendo-lhes alguns elementos paraaprofundar seus estudos sobre as teorias de Karl Marx, que "tem nasciências sociais posição análoga à de Galileu nas ciências físicas",

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    de acordo com a opinião reconhecidamente justa do sociólogoestadunidense A lbion W. Small.A Contribuição à crítica da Economia Política tem uma impor-tância particular na produção científ ica de K arl Marx. E mboracertos autores, como H arold L aski,1 confusamente a considerem,ao mesmo tempo, entre os "folhetos secundários" e como fun-damento de  O capital e principal fonte de informações sobre osseus métodos, esta obra ocupa um lugar de destaque na históriada economia política, da sociologia econômica e da metodologiadas ciências sociais. O conteúdo do livro, porém, foi roubadopela excelência do prefácio; a maioria dos seus leitores e críticosnão tem passado daí. Todavia, como autoexposição, esse prefácioé o trabalho mais esquemático e condensado escrito por M arx.Por isso deu origem a inúmeros mal-entendidos, incompreensõese críticas injustas às suas concepções em geral, fora dos círculosestritamente marxistas.Tanto este livro quanto O capitai nasceram da necessidade queMarx sentiu de dar bases teóricas mais sólidas ao programa políticoestabelecido em o  Manifesto do Partido Comunista. E o próprioautor, no prólogo da primeira edição de  O capital, apresenta o pri-meiro volume deste trabalho como continuação da Contribuição àcrítica da Economia Política}  H á, todavia, diferenças essenciais nodesenvolvimento de certas questões nas duas obras, tornando-as defato reciprocamente complementares. O esboço da "Introdução àcontribuição à crítica da Economia Política" merece, contudo, umaexplicação. O manuscrito foi encontrado após a morte de Marx epublicado por K arl K autsky.3 Na segunda edição de  Zur Kritik derPolitischen Oekonomie> em 1907 - a primeira edição é de 1859 ->1  Laski, Harold J. Karl Marx,  Londres, 1922; tradução ao castelhano, México, 1935, pp.42 e 43.2  El capta,   ed. Fuente Cultural, tradução do prof. Manoel Pedrozo, México, s/d; I vol.,p. 63.3  Na revista Die Neue Zet,  em 1903.

    K autsky inseriu a "Introdução". Posteriormente, passou a fazerparte das melhores edições da obra.N a Contribuição à crítica da Economia  Política> M arx estuda amercadoria e o dinheiro ou a circulação simples, desenvolvendode modo sistemático e completo sua teoria do valor e sua teoriamonetária.4 E também, indubitavelmente, uma das fontes maisimportantes - a outra é  O capital  — para o estudo do seu pen-samento econômico. Porque a ampla bibliografia aproveitada ediscutida por M arx mostra muito bem quais são as proporçõesde sua ligação com a Escola Clássica, tão exageradas mesmo pe-los economistas mais cuidadosos e até pelos próprios marxistas.Verifica-se que principalmente aquela velha representação de Marxcomo um simples prolongamento de Ricardo não tem nenhumaconsistência. E porque os economistas que exerceram influênciamais forte, como Steuart, por exemplo, raramente são lembrados.Essa questão pode ser colocada nos devidos termos se considerar-mos que Marx recebeu a herança que a E conomia Política poderiadar-lhe no século 19, após uma longa evolução que começa no4  Sobre a contribuição da Contribuiçã àcríica da Economa Poíica às ciências econômicas,consultem-se: Mehring, Franz - The Life ofKarl Marx,   New York, 1936, cap. IX , item 5;qualquer história da economia, como: Gide, Charles - Hiso re des Doctrines EconomquesParis, 1920; Hugon, Paul —  lementos de hisória das doutrinas economcas  2a edição, sd, pp.265-303; V. I. Ulianov (Lenin) - I ntroduccon aMarxismo, in: El Capta, op. c t.,  pp. 25-60 (sobre a doutrina econômica de Marx, pp. 36-46) . E preciso tomar cuidado com certos"cientistas" muito apaixonados, como, por exemplo, Karl Worth Bigelow - Eco o mes  pp.367-373; cap. VII de The Hisory and Prospects of he Soca  cences  ed. por H. E. Barnes,New York, 1925. A introdução mais compreensiva, equilibrada e imparcial que conheço àobra de Marx - contendo, além disso, apreciável aproveitamento do material apresentadona Contribuiçã àcríica da Economa Poíica  - éa de Eric Roll: Hisoria de Las Doe rinas

    Económcas  tradução ao castelhano, México, 1942, Volume II, pp. 287-339. Analisandoo problema do método, Roll diz que é impossível entender  O capta   sem passar antespela Contr ibuiçã àcríica da Economa Poíica   (p. 297). Werner Sombart, economistae sociólogo alemão, submeteu à rigorosa crítica as teorias de Marx sobre a concentração,a acumulação, a proletarização crescente, as crises e a evolução catastrófica da economiacapitalista ocidental, usando os dados da economia política moderna, em grande parteos de sua própria investigação. Os resultados da verificação demonstram a exatidão dosestudos de Marx, pois Sombart só teve oportunidade de fazer retificações parciais (veja-se:El Soca ismoy e Movmento Soca ,  Santiago dei Chile, 1936, pp. 75-88).

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    mercantil ismo - relativamente a M arx podemos situar o iníciodessa evolução nas contribuições parciais dos gregos - e culminanos trabalhos de A dam Smith e de toda a Escola Clássica. E statambém era um produto direto da época que mais o interessava,motivo por que deu maior atenção aos seus representantes, à suacrítica, e ao seu desenvolvimento.D o ponto de vista metodológico , todavia, a obra de M arxrepresenta uma ruptura profunda com a orientação científica doseconomistas da Escola Clássica. As crí ticas mais severas que estarecebeu, e que têm sido utilizadas posteriormente contra pontosde vista semelhantes, foram na maior parte elaboradas por Marx,particularmente neste livro. O  homo economicus [homem econô-mico - latim] dos clássicos e as abstrações calcadas sobre ele porAdam Smith e D avid Ricardo são vio lentamente rebatidos como"robinsonadas",5 depois de uma minuciosa interpretação das suasraízes históricas e sociais. Contra essa concepção individualista,M arx antepõe um novo critério de realismo econômico, o qualsitua esta obra como a primeira contribuição séria aos estudos daSociologia E conômica:

    como os indivíduos produzem em sociedade, a produção de indivíduos,socialmente determinada, é naturalmente o ponto de partida (...)Este é o livro de suas frases famosas por excelência; a seguinte,porém, mostra que entidade econômica substitui aquele ser fan-tástico, quase "hoffmanniano", dos antigos clássicos:O homem, no sentido mais literal, é um  zoon politikon  [animal político- grego], não somente um animal sociável senão também um animal quesó pode se isolar dentro da sociedade.Eram, pois, os "indivíduos sociais", na expressão do próprioMarx, que substituíam aquele homem metafísico no cenário daE conomia Política. Ao mesmo tempo fazia severas restrições aos

    3  Veja-se "I ntrodução etc." em anexo; citações de Marx, sem referências bibliográficas, sãotiradas deste livro.

    métodos naturalistas dos clássicos, os quais davam uma perspectivafalsa das leis econômicas - transformadas em leis gerais e eternas,numa mal-entendida aplicação do conceito de lei científica, toma-do às ciências físicas da época. Marx evidencia que não se tratavaapenas de mostrar que a produção é determinada socialmente,mas que, exatamente por isso, era preciso considerá-la em sua di-ferenciação temporal e espacial. Como se restringira previamenteao estudo da organização capitalista da sociedade e da economiacapitalista correspondente, ajunta mais adiante que se devia estudara "produção em um grau determinado de desenvolvimento social".As leis da E conomia, por conseguinte, se tinham em comum comas leis das ciências físicas um duplo caráter de necessidade e degeneralidade, não se confundiam com aquelas quanto à forma e aofuncionamento. As diferenças pareciam-lhe evidentes. O problemanão era a natureza, como nas ciências físicas, mas o homem dianteda natureza e dos outros homens, isto é, de seres dotados de cons-ciência e de vontade, capazes de modificar, inclusive, a natureza ede orientar a sua ação em direções socialmente determinadas.Isso nos leva às questões metodológicas, onde se concentrao melhor da herança de M arx às modernas ciências sociais e àcontribuição substancial do presente livro. As leis a que as "ciên-cias históricas" - todas as ciências não naturais - podem chegarsão leis históricas, porque cada período histórico se rege por suaspróprias leis. Essa ideia já havia sido formulada com veemência napolêmica com Proudhon - as leis econômicas manifestam-se en-quanto duram as relações que exprimem. "São produtos históricose transitórios".6 Por isso, no estudo verdadeiramente científico doprocesso social e do mecanismo de desenvolvimento interno dassociedades, o que importa não é aquilo que é comum, simples-mente, que pode existir em todas as sociedades ou numa mesmasociedade durante sua evolução econômica e social. M arx não nega,6  Veja-se Miséia da   ilosoia , Editora Flama, S. Paulo, 1946, p. 103.

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    ao contrário, a persistência de certos elementos, durante o processode desenvolvimento acumulativo da cultura. Apenas põe em dúvidao valor explicativo desses elementos comuns, considerados isoladae abstratamente, aos quais os economistas clássicos e os sociólogosorganicistas davam tanto valor, por causa de sua concepção na-turalista das ciências sociais. Utilizando-se de uma imagem, diz:"precisamente o que constitui seu desenvolvimento (dos idiomas)é o que os diferencia desses elementos gerais e comuns".Ora, o problema, no fundo, é uma questão de lógica: na con-cepção naturalista sacrifica-se a diferença essencial à unidade. Deoutro lado, se Marx fizesse somente o contrário, isto é, se sacrif icassea última à oposição, entraria em conflito aberto com sua concepçãoda realidade. O impasse foi resolvido dentro da lógica hegeliana:o próprio movimento da realidade estabelece uma lei de interpe-netração dos contrários, por meio da qual é possível compreenderinclusive o elemento comum e sua validade como fator explicativo.Sem os elementos comuns, o próprio desenvolvimento acumulativoda cultura e as transições bruscas de um período histórico paraoutro, com as correspondentes mudanças de organização socialmotivadas pelas transformações das relações de produção, seriaminexplicáveis. Marx deixa isso bem claro na primeira parte da fraseacima citada: "sem elas (as determinações comuns) não poderiaconceber-se nenhuma produção (...)".

    Dessa forma, o que havia de essencial e de fecundo no "métodonaturalista", que permite apanhar o que é geral nas coisas; e o quehavia de essencial no "método histórico", que permite captar ascoisas em sua singularidade - deram origem a um novo métodode trabalho científico, conhecido posteriormente sob o nomede "materialismo histórico". Esses resultados a que Karl M arxchegou marcaram uma nova etapa na história das investigaçõescientíficas, pois desdobraram diante das "ciências históricas" - ouciências sociais como dizemos atualmente - novas possibil idadesde desenvolvimento científico. Com o emprego desse método, a

    Economia Política tornou-se verdadeiramente uma ciência social,estando apta para dar uma explicação realmente científica e logi-camente válida da moderna sociedade capitalista, por exemplo,a cujo estudo se dedicara K arl Marx. A passagem da economiafeudal para a economia capitalista e a concomitante substituiçãodas leis que regiam a vida social nas sociedades feudais pelas leisque regem a vida social moderna puderam receber uma explica-ção científica. As diferenças, que afugentaram os clássicos e os"comtistas" - obr igando-os a lidar com elementos que, se expli-cavam a economia e a sociedade, não o faziam completamente -transformaram-se num dos elementos fundamentais, ao lado dosantigos critérios, da investigação e da explicação científica tantoda estática quanto da dinâmica social. Principalmente os erros deComte e dos "evolucionistas" eram postos de lado, pois as ciênciassociais abandonavam os projetos do filósofo f rancês - a busca deleis gerais do funcionamento da sociedade e do desenvolvimentoda humanidade - para estudar apenas um tipo de sociedade: asociedade europeia capitalista, num dado período de tempo, maisou menos delimitado entre o século 19 e toda a fase anterior deascensão e vitória da burguesia. Outras consequências do métodointroduzido por M arx, apenas implícitos nessa breve exposição,são: I o) as condições em que a generalização é legítima: as leissociais e econômicas só são válidas para determinadas formas so-ciais e durante um período determinado de seu desenvolvimento;2o) a noção de determinismo: existe regularidade nos fenômenossociais, mas a vontade humana intervém nos acontecimentoshistóricos - só na natureza ocorre o inevitável; em  O 18 brumáriode Luís Bonaparte escreveu a esse respeito: "os próprios homensfazem a sua história, mas não a fazem arbitrariamente, e sim emcertas condições determinadas"; 3o) a noção de interdependênciados fatos sociais: os fatos sociais articulam-se entre si por conexõesíntimas; a antiga noção de consensus [consenso - latim] de AugustoComte recebe uma formulação mais objetiva: "o resultado a que

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    chegamos não é que a produção, a distribuição, a troca, o consumosão idênticos, mas que todos eles são membros de uma totalidade,diferenças numa unidade"; 4o - existência de fatores dominantes:um fator desempenha a função de fator dominante - a produçãonas modernas sociedades capitalistas7  - atuando sobre os demaisfatores em termos de "relações recíprocas determinadas".8Isso não esgota, porém, tudo o que a C ontribuição à crítica daEconomia Política sugere do ponto de vista metodológico. Nesta obraé ainda possível estudar o método de Marx quando ele se apresenta naforma de processo geral de trabalho. Segundo M arx, pode-se estudar osfenômenos econômicos de duas maneiras - adotando-se um métodoanalítico ou um método sintético. No primeiro caso, fragmentamosprogressivamente a realidade, atomizando-a, e passando a conceitoscada vez mais simples. Quando se tem esses elementos, porém, é pos-sível uma espécie de viagem de retorno. Assim, pode-se substitui r umavisão caótica da realidade constituída de abstrações por um sistemade conceitos e de determinações logicamente sistematizados. Volta-mos, de novo, ao problema proposto acima, do conceito hegeliano:"o concreto é concreto porque é a síntese de muitas determinações,isto é, unidade do diverso", diz Marx. Por isso, o concreto aparece nopensamento como um resultado e não como um ponto de partida.O conhecimento obtido desse modo é uma verdadeira reproduçãoda realidade. Marx considera este o método cientif icamente exato; oprimeiro, entretanto, era e ainda é muito usado na Economia Políti-ca. Marx foi levado à escolha do método sintético por um problemamuito sério: a crítica da E conomia Política podia ser feita de duasmaneiras - historicamente ou logicamente.9 É evidente que as bases7  Porque Marx dá maior ênfase às instituições econômicas, Frank H . Hankins o situa entreos"deterministas culturais" (veja-se o cap. "Sociology", n: Hisory andprospects ofthesocascences op. ct ., p. 324).8  Destaque de Florestan Fernandes.9  Friedrich Engels: "Sobre el Materialismo y la Dialéctica de Marx", n: ntroduccon a afi losofia y a materiaismo daético, México s/d, p. 221; veja-se também Marx El capta ,op. c t., p. 64.

    para a sistematização lógica da Economia Política podem ser fornecidaspelo desenvolvimento histórico de sua literatura. Esta, todavia, só seriainteligível pelo estudo das sociedades capitalistas modernas.Isso compli ca sobremaneira a questão. Por isso, Marx preferiuo tratamento lógico, no fundo também um método histórico,por ser dialético. M uito importante a esse respeito parece-me oseguinte trecho de Engels:a cadeia de pensamento deve ter início com o que a história começa e oseu curso subsequente não deve ser outra coisa senão a imagem exata docurso histórico em uma forma teórica e abstrata, mas corrigida de acordocom as leis dadas pelo curso real da própria história, em que cada fatordeve ser considerado na completa maturidade de seu desenvolvimento emsua forma clássica.10Chegamos, pois, aos mesmos resultados anteriores. No campometodológico, Marx conseguiu fundir dois métodos aparente-mente antagônicos e contraditórios em um só método científico- o materialismo histórico. Mas, naquele momento, o principal

    objetivo era mostrar como Marx chegou à elaboração de um mé-todo novo, através da crítica da concepção naturalista em ciênciassociais (clássicos, " comtistas" etc.). N este passo da exposiçãopodemos compreender, entretanto, agora positivamente, porqueMarx chegara àqueles resultados. I sso de fato só foi possível graçasà sua concepção de dialética: possibil idade de um conhecimentosintético e completo da realidade - o conceito como reproduçãodo concreto, noção hegeliana - e a existência de um movimentodialético imanente às próprias coisas (desenvolvimento das formassociais, como movimento do real, no tempo, por exemplo), quenos afasta de Hegel.A barreira que tem afastado de M arx uma grande parte doscientistas sociais é ao mesmo tempo um dos elementos funda-mentais da teoria marxista do conhecimento. Trata-se das relações10  Idem  bdem.

    C O N T H I  li  II I Ç  à O  A  C U  I I C A D A E C O N O M I A P O L Í T I C A K aul. MAUX

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    entre teoria e prática. A E conomia, a Sociologia etc. nasceram ese desenvolveram sob o signo da ação; o ideal de seus fundadoresera conseguir o controle da vida social para os homens, como jáhavia sido parcialmente realizado em relação às forças da natureza.Mais do que isso, pensavam em obter, por meio das ciências sociaisparticulares, técnicas sociais tão perfeitas que se poderia, no futu-ro, organizar racionalmente a sociedade, segundo planos sociais,econômicos etc., de modo a reduzir ao mínimo os desperdíciosde energia humana e os desajustamentos sociais. Todavia, apesarde toda a nostalgia da prática, teoria e ação são distanciadas de talforma, que afinal de contas tem-se o direito de perguntar a queespécie de aplicação aspiram e que eficiência prática pode ter umateoria cuja prova é sempre ministrada teoricamente. N os últimostempos, a posição de um M anheim e a de um Freyer indi camclaramente que essa atitude está se modificando, e que é possívelesperar maior coerência para o futuro; também, as ciências sociaistêm alargado as suas esferas de aplicação. E ntretanto, o progressoainda não foi bastante rápido a ponto de permitir : I o) uma rede-finição das relações entre teoria e prática; 2°  uma compreensão,pelo menos, da posição exata do problema em Marx. Por isso, ascríticas que lhe são dirigidas revelam em alto grau o caráter deconflito de concepções antagônicas; como muitas vezes nessesconf litos se descarregam fortes tensões emocionais, alguns autoresnão têm podido evitar o uso de certos recursos inconsistentes decrítica - saindo, assim, do campo estritamente científico. O métodomais seguido é o de afirmar enfaticamente que M arx não contémnenhuma novidade - é um simples erudito que se pôs a serviçode uma causa, o comunismo.11 O utros são mais circunspectos e,medindo a estatura do adversário , procuram provar que Marxnão é um  deus ex machina [pessoa que inesperadamente propiciauma solução para uma situação difíci l - l atim]; que, ao contrário,11  Paul H. Furfey: A hisory of oca hought, Nova York, 1942, p. 298.

    suas ideias remontam ao passado longínquo ou pelo menos eramcaracterísticos dos séculos 18 e 19.12  I sso, além de não esclarecernenhum problema na forma pela qual é feita a exposição, é umatautologia. Outros ainda acusam-no de racista, de germanista etc.,numa série de desafinamentos ao espírito de cordialidade inerenteao "desinteresse científ ico" . Tudo isso, porém, é lançado à maneirade exórdio, como uma fase preparatória ao objetivo final: a suaconcepção de ciência, das funções da teoria em relação à prática.Q uem não se aproxima corretamente de um problema, é claro,também não está em condições de resolvê-lo. Em consequência,os autores praticam distorções que só seriam possíveis após umaanálise mais meticulosa e objetiva. A mais elementar consiste emseparar os resultados obtidos dos métodos util izados por Marx emnome do benefício da ciência.13 Quanto às questões que tal condutalevanta: a) seria possível chegar aos mesmos resultados por meiode outros métodos?; b) que critérios são usados nas duas situaçõesdiferentes para evidenciar do verdadeiro e do falso?; c) os métodosnão estão obrigatoriamente conformados a diversas concepções devida e do universo fundamentadas em postulados distintos? etc.Quanto a tais questões, nada se pronuncia. A mais radical, porém,vai mais longe, oferecendo aparentemente muito menos: procuraisolar o fator explicativo usado por Marx e util izá-lo em sua purezaquase de laboratório. D esse modo, o "materialismo econômico" dálugar, por exemplo, a uma "interpretação econômica da história"(Seligman). O que esse autor faz é digno de nota, porque mostraexatamente como as coisas se passam. G. Sorel, no prefácio doseu trabalho, dá uma ideia clara do conteúdo e da finalidade dolivro:12  Pitirim A. Sorokin: Les héries socoogques contemporanes,  Paris, 1938, pp. 377-384;Edwin R. A. Seligman: L'i nterpreation éonomque de Lhsore  Paris, 1911, cap. IV; análisesequilibradas são as de Lenin, op.   t.-,  eWerner Sombart: El Soca ismo  y e MovmentoSoca , op. ct., cap III.13  Charles A. Ellwood: A hisory of oca philosophy; New York, 1939, p. 328.

    ( '. O N T I I I I I U I (,: Á D A r u i I I ( . A I ) A E C O N O M I A 1 O 1 J T 1 C A K aul, MARX

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    o teórico do método histórico que deseja escrever um tratado inspirando-senas ideias marxistas deve começar por afastar tudo aquilo que é especifi-camente revolucionário.14E como Seligman procura realizar os seus propósitos? De modobem simples. Primeiro, porém, vejamos duas citações que mostramo que entendia dos métodos e da concepção de ciência de K arlMarx: "a tendência do pensamento moderno é a de pôr em relevoas relações antes que as diferenças" e "é preciso contar com o fator

    histórico no econômico".15 O ra, o caminho escolhido, do pontode vista metodológico, é exatamente o contrário do percorrido porMarx; a concepção de história de Seligman é naturalista e o métodoque propõe seguir é um método generalizador. Em segundo lugar,é contraditório. Com o auxílio desses instrumentos de trabalho nãose poderia captar o fenômeno econômico nas situações típicas ousingulares. Essa contradição, como foi visto acima, já havia sidosuperada por M arx. Assim, Seligman tinha que chegar inevitavel-mente onde chegou: a uma estreita interpretação econômica dahistória que nada tem em comum com a teoria marxista. O fatoreconômico, stricto sensu [em sentido restrito - latim], determina avida social e explica o processo histórico. Pode-se, portanto, dizerque esse autor conseguiu separar o lado teórico do lado prático do"materialismo histórico"? E videntemente não, porque ambos osaspectos foram desprezados. A sua teoria é estranha em relação àprimeira e de fato não está em condições de responder à pergunta:é possível separar no "materialismo histórico" a teoria da prática,ao contrário do que formulara Marx? A inda assim, aceitou-se aexperiência como positiva. Muitos autores pensam que esse é umpressuposto sobre o qual tudo foi dito.

    Muito menos dif íci l que separar a teoria da prática deveria sera tentativa inversa. Af inal de contas, os preconceitos são menores.14  E. R. A. Seligman, op. ct..,  Prefácio, p. II I. Veja-se também p. XXVI II .^ Op ct.  pp. 2 e 155-156, respectivamente,

    No mínimo, estaríamos submetendo a ação a uma nova teoria. Essatarefa foi tentada por Werner Sombart. Por esquisito que pareça,Sombart, que é um dos sociólogos e economistas europeus que maisleram Marx, repete aqui algumas noções comuns, embora o façacom certa habilidade. Para ele, o problema consiste em separar osocialismo da ciência. M arx não se dedicou à construção do E stadofuturo ideal; por causa de "uma repugnância inaudita pelas utopias"e também por falta de imaginação, diz-nos. Isso tem sido fatal parao movimento social do proletariado, ajunta Sombart, porque excluios motivos ideais da ação iludindo e enfraquecendo sua vontadepela promessa do advento natural e inevitável do socialismo. Defato, ao contrário dos socialistas franceses que combateu por causadisso, Marx sabia muito bem que não podia construir a históriado futuro em sua cabeça; o caráter científico que procurou dar aosocialismo compreendia submissão à realidade e ação racional.Mas, submissão à realidade como meio e não como fim. Sombartequivocou-se.A liberdade consiste em compreender a necessidade. A necessidade só écega enquanto não é compreendida.Essas palavras de Engels definem maravilhosamente a orienta-ção que ele e Marx deram ao socialismo. Seria inúti l repetir aquio que já foi visto a respeito do papel do homem na história, e decomo persegue socialmente os ideais que também são socialmentenecessários. O socialismo, como movimento social de classes, deviaconformar-se, pois, a esses ideais; e realizá-los. Essa ideia meca-nicista de determinismo, levantada por Sombart, é ressuscitadaa cada passo e jogada diante de Marx, que, entretanto, ajudou

    a enterrá-la. Isso implica uma conclusão correspondente à docaso inverso anterior: ainda aqui não foi possível separar teoria eprática no pensamento marxista e portanto provar a viabilidadedessa separação.As confusões que um conhecimento apressado de sua obraengendra no espírito de certos autores podem ser apreciadas no

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    manual de sociologia de L. van Wiese. Esse autor situa Marx entreos organicistas e dá especial atenção às influências do positivismo(exemplif ica com C om te e Spencer), em seu pensamento científico.Dois lapsos graves, porque falseiam a sua localização na históriadas ciências sociais. O positivismo exerceu maior influência sobreMarx apenas como filosofia das ciências. Quando conheceu a obrade Comte, Marx já havia realizado aquela passagem do idealismohegeliano ao materialismo, através de Feuerbach; isso quer dizerque já estava senhor dos pontos fundamentais de sua concepçãodo mundo. Principalmente o que alguns autores chamam de "his-toricismo crítico" em sua obra já era algo bem definido nos seusestudos da época em que permaneceu na França. Porém, mesmono campo restrito da filosofia das ciências, a obra metodológicade Marx é a primeira reação no século 19 contra os métodos na-turalistas, em particular em sua forma positivista, e contra a ideiade sua aplicação pura e simples ao estudo dos fenômenos sociais.Essa aplicação, para ser fecunda, devia sujeitar-se às modificaçõesexigidas pela natureza do próprio objeto das ciências sociais. Issoabre a caminho para mostrar a improcedência de outra afirmação:Marx nunca poderia ser um organicista, negando-se a aplicar oscritérios de explicação e os métodos de investigação naturalista aoestudo da realidade social. A aceitação desses critérios e métodos,sem maiores reservas, é que levou muitos sociólogos seus con-temporâneos (L il ienfeld, Spencer, Scháeffle etc.) ao emprego deanalogias abusivas entre organismo humano e sociedade. Porquenão lhe dava a necessária perspectiva da especificidade do social, tãoviva e larga, ao contrário, em K arl Marx. A afirmação parece-memais estranha, todavia, porque o próprio Marx criticou diretamenteos "darwinistas sociais".As confusões relativas à filiação histórica de seu pensamen-to, entretanto, assumem proporções microscópicas diante dasviolentas distorções de caráter interpretativo, praticadas sem umconhecimento completo tanto da posição de Marx em relação aos

    problemas científicos do século 19, quanto de sua própria obra.Aqui aparece em maior dose um fator subjetivo - o que perturbaigualmente o entendimento de afeiçoados e de inimigos propon-do questões de raciocínio em termos de preferências afetivas e declasses. De fato, é difícil distinguir quem mais contribuiu para aincompreensão de Marx: se certos pretensos marxistas ou se seus"críticos burgueses". O s primeiros, em grande parte, por necessi-dades práticas; os segundos, por tomarem como ponto de partida efonte de informações exclusiva de suas críticas as esquematizaçõesfeitas pelos marxistas - ou pelo próprio M arx - ao sabor das lutaspolíticas. Isso não levaria a resultados tão graves se as críticas fos-sem proporcionais ao material utilizado ou se se conformassem aopróprio caráter prático desse material. Compreende-se que depoisde certo tempo tais autores lidam com fantasmas - com as ideiasa respeito de Marx e não com as deste mesmo. Esse mecanismoé facilmente perceptível num crítico como Pitirim Sorokin.16 Aanálise das críticas desse autor - apenas as duas primeiras, que têmum aspecto de seriedade - pode levar a conclusões interessantes,ensinando-nos também os atalhos que se devem evitar, para seconhecer Marx.A primeira observação que o seu esforço nos sugere é que a faltade trato com as obras de Marx o privou do conhecimento de suaterminologia. D aí apareceram algumas palavras com significadosambíguos, escolhidos pelo autor em seu estoque pessoal ou no dasmodernas ciências sociais, numa verdadeira orgia de violentaçõesverbais. Assim, por exemplo: atribui a "modo de produção" umaacepção restrita, sensivelmente no sentido que os clássicos tomavamo termo "produção". Porém, "modo de produção" não é a mesmacoisa que "produção" no sentido positivista, usado pelos clássicos,envolvendo a determinação dos caracteres gerais e a-históricos16  Les héries socoogques contemporanes  op  ct., pp. 384 e seg.; éútil esclarecer que o autornão passou do "prólogo" de Contribuiçã àcríica da Economa Poíica, chegando aquasereproduzi-lo.

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    de uma das esferas da economia. Ao contrário, na terminologiamarxista, "modo de produção" implica todo um complexo socio-cultural, extremamente típico e variável; compreende as noçõesde forma social e de conteúdo material em sua correspondênciaefetiva. Contra Adam Smith e Ricardo, K arl Marx emprega umconceito sintético, contrapondo-o, como uma "reprodução darealidade", ao primitivo conceito analítico. Por isso, compreendenele três elementos essenciais, em geral considerados isoladamen-te por seus críticos: a) as forças materiais de produção (as forçasnaturais e os instrumentos de produção como máquinas, técnicas,invenções etc.); b) um sistema de relações sociais, que definema posição relativa de cada indivíduo na sociedade através do seustatus econômico; c) um sistema de padrões de comportamento,de que depende a preservação ou transformação da estrutura so-cial existente. Esses elementos são interativos. Q ualquer mudançanuma das esferas provoca mudanças concomitantes nas demais. Asduas últimas, nas sociedades capitalistas europeias, esclarece Marx,dependem da forma imediata da primeira, que assim constitui abase material do "modo de produção". M as a articulação das trêscom o sistema social geral não é uni forme - a das duas últimasé muito maior. Por isso o que é efeito num momento torna-se acausa em outro (modificações no sistema social geral em função domodo de produção). D eixando tudo isso de lado, Sorokin maneja oconceito defeituosamente - reduzindo-o implici tamente à sua pri-meira esfera como se fosse possível lidar com os fenômenos sociaiscomo o químico lida com os corpos simples nas experiências delaboratório. Entretanto, indo um pouco mais longe, procura des-cobrir aí a relação causal mecanicista. Satisfeito com a descoberta,endereça a Marx todas as restrições que este fizera, no século 19,ao conceito de relação causal unilateral e irreversível, que suprimea possibilidade da transformação do efeito em causa. A confusãoé evidente. Sorokin pretende estudar as correlações entre os diver-sos fenômenos sociais; e os métodos que indica nos mostram em

    que consiste a sua confusão. Onde M arx enxerga uma totalidadeem processo, Sorokin vê um sistema de forças interrelacionadas.Assim, enquanto para o primeiro importava descobrir as leis queexplicavam a sociedade capitalista europeia do século 19, queexplicariam também a transitoriedade do capitalismo, o segundoquer saber que relações existem entre o fenômeno religioso e oeconômico, o fenômeno religioso e o polí tico etc., tomando umdos termos como variável independente e o outro como função. Asconclusões de Marx indicavam-lhe que essas relações são variáveisde sociedade para sociedade e numa mesma sociedade ao longodo seu desenvolvimento histórico; mas Sorokin pensava em certaforma muito sua de funcionalismo, capaz de fornecer-lhe verdadesuniversais, leis válidas para qualquer tipo de sociedade. N ovamentenos defrontamos com o problema metodológico: Sorokin, ao con-trário de Marx, tem uma concepção naturalista das ciências sociaise defende por conseguinte um método quantitavo e generalizador.Entretanto, salta sobre essas diferenças, atacando a obra de Marxde uma perspectiva falsa.A segunda crítica de Sorokin está impregnada de acentuadosensacionalismo científico. Todavia, no fundo é um simples prolon-gamento do equívoco anterior. A sua principal dificuldade, aqui, é oprincípio de contradição. Parece-lhe que o "fenômeno econômico"é concebido ao mesmo tempo como uma coisa e o seu contrário:o que negaria a noção científica de relação uniforme de causa eefeito, isto é, a noção do determinismo científico. Existem aí nãoum, mas dois equívocos. As confusões de Sorokin desenvolvem-sesegundo uma progressão geométrica. Primeiro, seria de fato umacoisa extraordinária encontrar-se um hegeliano autêntico capaz depensar a realidade de acordo com os princípios da lógica formal.Segundo, Marx não nega a noção de regularidade dos fenômenossociais, como foi visto acima.Verifica-se, pois, que os principais obstáculos à compreensão deMarx pelos autores que encaram as ciências sociais como ciências

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    naturais são de natureza metodológica. Todavia, os autores quetêm uma perspectiva histórica estrita, que concebem as ciênciassociais ou culturais como eminentemente particularizadoras - aocontrário das ciências naturais - não revelam melhor entendimentoem relação à sua obra. A análise superf icial da abordagem marxistaimpede-lhes uma visão adequada e profunda do problema meto-dológico em K arl Marx. Por isso, a síntese conseguida entre osmétodos generalizadores, das ciências naturais, e particularizadores,das ciências históricas, através do materialismo histórico, assume asproporções irreais de um naturalismo exagerado. H eimsoeth, porexemplo, situa corretamente a posição de Feuerbach na filosofiaalemã do século 19.17 Vê muito bem que, embora as transforma-ções operadas no hegelianismo por esse filósofo correspondessema um progresso do pensamento ocidental, a questão tal como ele adeixava colocada conduzia à negação do lugar do homem no cos-mos e na história. E vê, também, como os perigos implícitos nessaposição foram concretizados pela ciência da época, que dissolveua liberdade e a responsabilidade do homem num sistema meca-nicista. São duas formulações preciosas para o entendimento dopapel muito particular de K arl Marx no pensamento europeu. Nãoobstante, pouco depois o autor evidencia a nenhuma importânciaque dá aos seus próprios conhecimentos. N a análise da rupturametodológica e ontológica com o naturalismo, operada no seioda Sociologia, considera naturalista o conceito de sociedade deMarx. N o fundo, explica, o fato econômico leva em seus flancostoda uma teoria naturalista do ser. O mesmo raciocínio, de caráterexclusivamente dedutivo - não fundamentado na obra de Marx - éfeito por Heinrich Rickert18 que, aliás, se define de modo muitovago diante do materialismo histórico. Para esse autor, os movi-17  Heinz Heimsoeth: "O homem e a história", n: A i losofia no éuo  20,  S. Paulo, 1938,pp. 95-155. Vejam-se: pp. 95-96 e 135-137.18  Cêca cultura y cêca natura ,   Buenos Aires, 1943, pp. 183-186.

    mentos econômicos permitem um grau de abstração muito maiselevado que os demais fenômenos estudados pelas outras "ciênciasculturais". Por isso, o conhecimento do típico ou do particular cedeo primeiro plano, na Economia, aos conceitos relativamente uni-versais. O materialismo histórico, portanto, transforma a históriaem história natural generalizadora, por interpretá-la em funçãodo econômico. As restrições ao materialismo histórico, propria-mente ditas, são formuladas após esse exórdio. Rickert simplificao problema à escolha do fator explicativo: separação do que é es-sencial do que é acessório na história.19 O ra, essa escolha é sempreproblemática, diz, pode depender do capricho ou da políti ca. Nocaso do materialismo histórico a seleção do fator explicativo é denatureza política. Os valores econômicos são colocados de modoabsoluto, de tal forma que tudo que não for cultura econômica éreduzido a reflexo. Desenvolve-se, daí, uma concepção metafí sicae os valores econômicos são hipostasiados como verdadeira e únicarealidade. "Com a seguinte diferença apenas: que, em lugar dosideais da cabeça, colocavam-se os ideais do estômago".20 O valor domaterialismo histórico é de ordem puramente complementar: supreuma velha lacuna, dando maior importância à vida econômica,considerada indevidamente pelos antigos historiadores.V indo de onde vêm, essas restrições são espantosas. Rickertcaracteriza-se por sua intransigência na fundamentação históricadas ciências culturais; em relação à Economia, por exemplo, a únicacoisa que recusa com ênfase é que ela proceda exclusivamente porgeneralização. E stamos pois, no âmbito de Marx e do materialismohistórico. O combate irrefletido a uma teoria que tem vários pontosde contato - e alguns, como este, essenciais - com a sua mesma,19  Algumas passagens desse trecho fazem pensar em explosão de recalques; por meio de umanota de rodapé, fica-se sabendo, também, que o sociólogo alemão Ferdinand T õnniescriticou Rickert de maneira crepitante, sentindo-se "pessoalmente irritado com o acentodepreciativo de sua exposição".20  Op.ct.,  p 185.

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    torna-o de fato bastante contraditório. Deixando de lado essa ques-tão, todavia, há outros reparos a fazer. O fenômeno econômico étomado abusivamente num sentido restrito e não em sentido lato.Isso tem uma importância particularíssima, agora, por causa daprópria noção de historicidade do econômico. Se quiséssemos fazeruma comparação, a ideia de histórico de Marx está para a de Rickertcomo o masculino se opõe ao feminino. O fato econômico nãoé histórico apenas porque se pode apresentar de um modo típico(Rickert), mas ele existe de um modo típico exatamente porqueé social (M arx). O seu caráter histórico depende diretamente datotalidade das ligações que o articula à estrutura e à cultura deum povo em uma fase determinada de seu desenvolvimento notempo. Pondo de lado aquelas considerações obsoletas a respeitodos ideais e da reificação da cultura econômica no materialismohistórico, mais que rebatidas, constata-se que a única objeção sériaé a que se dirige às bases valorativas dessa teoria. Mas é verdadeiroque Marx escolheu pré-determinadamente o fator econômico eatribuiu- lhe de modo antecipado a sua validade explicativa? D eacordo com o testemunho do próprio Marx - que se dedicara aoestudo da Economia depois de passar pelo campo da Filosofia, daL iteratura, do D ireito etc. - esse foi o ponto de chegada e não oponto de partida, conforme indicado no prólogo deste livro.

    Geralmente as opiniões sobre o valor científ ico da obra de Marxdividem-se muito. Atualmente, entretanto, essa questão não padecedúvidas. E muitos autores, que nada têm de marxista, como Freyer,Oppenheimer, P lenge etc., têm situado em Marx uma das raízes dasciências sociais modernas - pelo menos em seu desenvolvimento naA lemanha. Assim, J oham Plenge escreve a seu respeito:

    nunca se encarecerá bastante a posição espiritual de Marx na história doséculo 19. Marx como teórico tem, além disso, um tríplice significado na

    história do espírito alemáo e, por conseguinte, na do pensamento em geral.Representa um ponto crítico na História da Filosofia, um ponto crítico naHistória da Teoria Econômica eum ponto crítico na História da Sociologia.Isso além de sua transcendência sobre a política interna e externa, acercada qual é bem expressivo o fato do bolchevismo (...)A inf luência de Marx, contudo, é muito variável de país parapaís.Mais do que nunca, este é o momento de K arl Marx nas ciênciassociais. O agravamento da crise metodológica recoloca o proble-ma do método nas ciências sociais tal como M arx o formulara.Isso pode ser entendido se se considerar que Hegel foi o pontode parti da, na A lemanha, de duas orientações diferentes - umamaterialista e outra, digamos, empiricista, ambas historicistas. Aprimeira, conforme foi analisada acima, é constituída pela correntede Marx. A segunda, especialmente com Wilhelm D ilthey, procedeà  sistematização das ciências do espírito, enfrentando, até certoponto, a mesma problemática de Marx - em particular quanto ao

    problema da natureza do conhecimento nas ciências do espírito- que implicava igualmente um aproveitamento, uma crítica e umaruptura com o hegelianismo, de um lado, e com o positivismo, deoutro. Por isso, escreve H ans Freyer que:o sistema das ciências alemãs do espírito é filosofia hegeliana do espíritofeita empírica e transformada em ciências particulares.Para o mesmo autor, o retardamento com que essa transiçãose opera teoricamente nas ciências do espírito, comparada à rapi-dez com que se realiza historicamente no materialismo dialético,explica-se em termos do tempo que se operou a superação do

    hegelianismo nas duas orientações. O fato essencial, contudo, éque os problemas que se apresentaram a K arl Marx se colocaramnovamente aos neo-hegelianos e neokantianos, que precisaramsubmeter a uma crítica rigorosa a antiga concepção naturalistade sociedade e a aplicação de métodos naturalistas ao estudo dosfenômenos sociais. Os marcos na discussão desses problemas são

    C  O N T H l B U I Ç Ã O  A  C K I T ) C A D A V C O N O M I A I ' O L í T 1 C A K A R L M A R X

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    Dilthey, Hermann Paul, F. Tõnnies, K arl Menger, Windelband, Ri-ckert, G. Simmel, Max Weber, Georges Gurvitch e K arl M annhein.Embora não se possa falar em unidade de pontos de vista, umacoisa é clara: os fenômenos sociais são apreciados como produtose como motivos da atividade humana, ao mesmo tempo. Por isso,esta é entendida de uma dupla maneira: I o) sujeita a determinadascondições, criadas pelo próprio viver em comum, que a tornamcompreensível e lhe dão um sentido característico; 2o) os fenôme-nos sociais, por serem humanos, escapam ao mecanismo rígido dasleis naturais. Explicar a ação e a conduta humana em termos dascondições e dos fatores sociais quer dizer outra coisa que negá-lasimplesmente. Vida em sociedade e indeterminação constituemexpressões incompatíveis: tanto a ideia do determinismo mecanicis-ta quanto a ideia de contingência foram postas de lado. Chega-se,assim, a uma noção nova de processo social completamente livredo seu primitivo teor naturalista. O que é comum interessa apenasà medida que se refere a situações típicas, à medida que permiteentender a passagem de uma forma social a outra numa sociedadedeterminada (cf. Max Weber: aparecimento de condições favorá-veis ao desenvolvimento de uma mentalidade capitalista numasociedade de organização social pré-capitalista). M as é óbvio, nãocomo fonte de um conhecimento geral, universalmente válido.Daí a reabil itação do método histórico, meio por excelência decaptação do que é característico e específico de uma sociedade ouforma social dadas. Os referidos autores discordam nos limites ena validade de generalização nas diversas ciências sociais. O u seja,exatamente naquilo em que Marx mostrava maior segurança, esten-dendo os limites da generalização até onde eram compatíveis, coma explicação cientificamente válida de uma situação particular (ocapitalismo) e, mais minuciosamente ainda, dos diversos aspectoscompreendidos pela situação particular (as fases do desenvolvi-mento do capitalismo, as formas sociais correspondentes etc.).Max Weber, com o método tipológico, precisou o problema na

    direção proposta por M arx. I sso se torna mais evidente, todavia,num sociólogo como Georges G urvitch, em cujas mãos o métodotipológico sofre uma modificação substancial:O método tipológico é um ponto de encontro, ou, antes, de entrelaçamento,do método individualizador e do método generalizador.21N ão se chegou, entretanto, com a mesma rapidez às outrasconclusões de Karl M arx. P articularmente os neo-hegelianos e

    neokantianos, como Windelband e Rickert, de um lado, D iltheye seus discípulos, de outro, bem como Weber, G urvitch etc., mos-tram muito bem como as diferenças podem neutralizar qualquerespécie de parentesco. Restringindo-me ao essencial, o ponto dedivórcio está no aspecto prático do materialismo histórico, que im-plica unidade de teoria e ação e, em consequência, resposta positivaà pergunta da possibilidade de se conhecer de antemão, dentro decertos limites e de acordo com os dados da situação vivida, a suapossível tendência de desenvolvimento. O s autores que pensamo contrário, Tõnnies, M annhein e Freyer, se acham todos sob ainf luência direta de Marx. A qui, apesar do alcance da obra dos doisúltimos - particularmente de Freyer, que chega a afirmar que "sóquem quer socialmente algo vê algo sociologicamente" a verdadeé que ninguém conseguiu repor o problema da unidade de teoriae ação, em ciências sociais, de modo tão profundo e com tantaforça como K arl Marx. A mesma coisa não acontece relativamentea outros aspectos. Ferdinand Tõnnies, por exemplo, não se limitouao aproveitamento do material fornecido pelos estudos de Marxsobre a economia burguesa, como afi rma Floyd Nelson H ouse.Tõnnies aprof undou de maneira incomum entre os sociólogoseuropeus a análise do materialismo histórico e da interação das trêscategorias sociais - economia, polí tica e espírito - segundo M arx.Além disso, enriqueceu de modo sugestivo a teoria da transição dasformas sociais, sob o aspecto da passagem dos tipos comunitários

    1  Las formas de la sociabilidade  Buenos Aires, 1941, p. 11.

    c; O  N  I Kl I.  C  1 < A O  A C  U í  I I C A D A  1  C  O  N  O M  IA I '  O 1 I I 1 C A K  A U I  M  A R X

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    a tipos societários e as suas sugestões sobre a separação da cidadee do campo. A rigor, toda uma parte do manual de Tõnnies - adesignada sob o título geral de estruturas de referência22 - giraem torno das contribuições de Marx. Manhein, atualmente, éconsiderado, de uma forma um tanto simplista, a mais produtivasíntese de Karl Marx e M ax Weber.23  Foi, de fato, o primeiroautor que compreendeu o alcance das descobertas de Marx sobrea natureza social do conhecimento em geral e dos processos deestandardização do pensamento humano, um dos temas principaisda "Introdução" [nos anexos] deste livro. O s seus trabalhos abri-ram o caminho para as tentativas de fundamentação filosófica dasociologia, levadas a efeito por Hans Freyer, que mostram até ondepode se estender consequentemente, na Sociologia, a atividadecrítica do conhecimento: ao seu próprio objeto, encarado tambémcomo um produto cultural. Freyer desenvolveu, além disso, umateoria da cultura,24 que consiste - foi o que me sugeriu a exposi-ção que conheço - numa nova formulação da teoria marxista dacultura e das formas sociais. Aproveitamentos mais restritos, quemereçam certo destaque, são os de Franz Carl Muller-L yer e os deFrançois Simiand. O primeiro tentou conciliar as duas orientaçõesque vinham do evolucionismo e do materialismo histórico, emum novo método que chamou faseológico,25 por meio do qualprocurou descrever e correlacionar as distintas fases atravessadaspela humanidade. François Simiand26 tenta não só introduzir umponto de vista sociológico no estudo dos fenômenos econômicos,principal característica da reação de Marx contra os clássicos, mas2 2  Princípios de Sociologia,  M éxico, 1942, pp. 291 e seguintes.23  Al bert Salomon: German sociology; in: op.  citp.  603.2/ |  Teoria do espírito objetivo,  1928; resenhada por C. Jesinghans,  in: la cultura moderna,  Univ.

    N ac. de la Plata, 1943, pp. 89- 106.2S  Go ttfried Salomon: artigo  in: Encyclopedia of social sciences,  vol. XI, pp. 83-84.2,1  Lesalaire, Involution socialet la  monaie>3 vols. Paris 1932. Veja-se especialmente o posfácio

    do segundo volume.

    também, indo mais longe, traz uma contribuição original à teoriamarxista da interação de produção e consumo (o movimento geraldo salário segue o ritmo das necessidades sociais de cada classe). Isso,por si só, não colocaria Simiand em uma posição tão especial, poisMaurice Halbwachs também mostrara a mesma coisa sob outroponto de vista: as despesas dos indivíduos dependem, na modernasociedade capitalista de classes, das representações sociais das classesa que pertencem. O grande valor de Simiand está na resposta quedeu a toda crí tica que visa a defesa da antiga concepção naturalistada Economia, por meio dos recentes resultados da investigação so-ciológica. Simiand recusa validade às críticas evolutivas, segundo asquais a correlação dos diversos fatores sociais (econômico, pol ítico,religioso etc.) se apresenta de maneira diferente, conforme se consi-derem povos não naturais, em que os fatos sociais se entrelaçam de talforma que constituem verdadeiros fatos totais, ou os povos históricosde organização social diferente. A evidência, responde Simiand, éque de fato não se pode provar conexão histórica e a continuidadedas experiências desses diversos tipos de sociedade. A objeção, aocontrário, dá inesperadamente uma força nova ao critério de isolaros fatores sociais de acordo com os casos concretos, isto é, tal comose manifestam nos sistemas sociais estudados.Relativamente às conexões dos fenômenos sociais nas socie-dades capitalistas, entretanto, como mostrara A. Cuvil lier, M arxantecipou-se em  O capital as investigações de "M ax Weber sobreas afinidades da Reforma e do espírito protestante com o desen-volvimento do capitalismo". O ito anos antes, todavia, neste livro,Marx já dedicara algumas páginas a esse problema. M arx procuraexplicar o entesouramento pela mentalidade desenvolvida com oprotestantismo. Por isso, aponta os seguintes atributos no ente-sourados ascetismo reforçado pelo trabalho árduo, zelo religioso,sendo "eminentemente protestante de sua religião e, ainda mais,puritano", e desprezo pelos gozos temporais e transitórios em trocada felicidade eterna da vida celeste.

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    Essas notas que podiam ser estendidas com a análise da contri-buição dos marxistas - especialmente dos bolchevistas - ao estudoda teoria do E stado, das revoluções sociais, das técnicas sociais etc.dão uma ideia em conjunto do papel de Marx na história das ciên-cias sociais e da importância deste livro em sua obra. Elas seriam in-completas, entretanto, se não contivessem os meus agradecimentosaos editores, que dispensaram ao tradutor uma assistência técnicaeficiente, ajudando-o inclusive na comparação com os textos deedições diferentes de Contribuição a crítica da Economia Política. Aessa assistência deve-se a supressão de muitas lacunas, que seriaminevitáveis com o uso de uma das edições apenas, e grande partedas prováveis qualidades desta tradução.Florestan Fernandes

    PREFÁCIO

    Examino o sistema da economia burguesa na seguinte ordem:capital, propriedade, trabalho assalariado; Estado, comércio ex-terior, mercado mundial. Sob os três primeiros títulos, estudo ascondições econômicas de existência das três grandes classes nasquais se divide a sociedade burguesa moderna; a relação dos trêsoutros títulos é evidente. A primeira seção do primeiro livro, quetrata do capital, se compõe dos seguintes capítulos: 1. a mercadoria;2. o dinheiro ou a circulação simples; 3. o capital em geral. Os doisprimeiros capítulos formam o conteúdo do presente volume. Tenhosob os olhos o conjunto dos materiais sob forma de monografiasescritas com largos intervalos, para meu próprio esclarecimento,não para serem impressas, e cuja elaboração subsequente, segundoo plano indicado, dependerá das circunstâncias.Suprimo uma introdução geral que esbocei porque, depois derefletir bem a respeito, me pareceu que antecipar resultados que

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    estão para ser demonstrados poderia ser desconcertante e o leitorque se dispuser a me seguir terá que se decidir a se elevar do par-ticular ao geral. A lgumas indicações, ao contrário, sobre o cursode meus próprios estudos político-econômicos não estariam forade propósito aqui.M inha área de estudos era a jurisprudência, à qual, todavia,eu não me dediquei senão de um modo acessório, como umadisciplina subordinada relativamente à Filosofia e à H istória. Em1842-1843, na qualidade de redator da RheinischeZeitung (GazetaRenana), encontrei-me, pela primeira vez, na embaraçosa obrigaçãode opinar sobre os chamados interesses materiais. O s debates doLandtag  [parlamento - alemão] renano sobre os delitos florestaise o parcelamento da propriedade fundiária, a polêmica oficial queo sr. Von Schaper, então governador da província renana, travoucom a Gazeta Renana sobre as condições de existência dos campo-neses do Mosela, as discussões, por último, sobre o livre-câmbioe o protecionismo, proporcionaram-me os primeiros motivospara que eu começasse a me ocupar das questões econômicas. Poroutro lado, nessa época, em que o afã de "avançar" sobrepujavaamiúde a verdadeira sabedoria, faz-se ouvir na Gazeta Renanaum eco entibiado, por assim dizer filosófico, do socialismo e docomunismo francês. Pronunciei-me contra essa mixórdia, mas, aomesmo tempo, confessei, claramente, em uma controvérsia comaAllgemeine Augsburger Zeitung (Jornal Geral de Augsburgo), queos estudos que eu havia feito até então não me permitiam arriscarum juízo a respeito da natureza das tendências francesas. A ilusãodos diretores da Gazeta  Renana, que acreditavam conseguir sustar asentença de morte pronunciada contra seu periódico, imprimindo-lhe uma tendência mais moderada, ofereceu-me ocasião, que meapressei em aproveitar, de deixar a cena pública e me recolher aomeu gabinete de estudos.O primeiro trabalho que empreendi para resolver as dúvidasque me assaltavam foi uma revisão crítica da Filosofia do Direito,

    de H egel, trabalho cuja introdução apareceu nos Anais franco-alemães, publicados em Paris em 1844. M inhas investigações meconduziram ao seguinte resultado: as relações jurídicas, bem comoas formas do Estado, não podem ser explicadas por si mesmas, nempela chamada evolução geral do espírito humano; essas relaçõestêm, ao contrário, suas raízes nas condições materiais de existência,em suas totalidades, condições estas que H egel, a exemplo dosingleses e dos franceses do século 18, compreendia sob o nome de"sociedade civil". Cheguei também à conclusão de que a anatomiada sociedade burguesa deve ser procurada na Economia Polí tica.Eu havia começado o estudo desta última em Paris, e o continuaraem Bruxelas, onde eu me havia estabelecido em consequência deuma sentença de expulsão ditada pelo sr. Guizot contra mim. Oresultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, serviu-mede guia para meus estudos, pode ser formulado, resumidamen-te, assim: na produção social da própria existência, os homensentram em relações determinadas, necessárias, independentesde sua vontade; essas relações de produção correspondem a umgrau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivasmateriais. A totalidade dessas relações de produção constitui aestrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se ele-va uma superestrutura jurí dica e pol íti ca e à qual correspondemformas sociais determinadas de consciência. O modo de produçãoda vida material condiciona o processo de vida social, política eintelectual. N ão é a consciência dos homens que determina o seuser; ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência.Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivasmateriais da sociedade entram em contradição com as relaçõesde produção existentes, ou, o que não é mais que sua expressãojurídica, com as relações de propriedade no seio das quais elas sehaviam desenvolvido até então. D e formas evolutivas das forçasprodutivas que eram, essas relações convertem-se em entraves.Abre-se, então, uma época de revolução social. A transformação

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    que se produziu na base econômica transforma mais ou menoslenta ou rapidamente toda a colossal superestrutura. Q uandose consideram tais transformações, convém distinguir sempre atransformação material das condições econômicas de produção -que podem ser verificadas fielmente com ajuda das ciências físicase naturais - e as formas jurídicas, polí ticas, religiosas, artísticasou filosóficas, em resumo, as formas ideológicas sob as quais oshomens adquirem consciência desse conflito e o levam até o fim.Do mesmo modo que não se julga o indivíduo pela ideia que desi mesmo faz, tampouco se pode julgar uma tal época de trans-formações pela consciência que ela tem de si mesma. E preciso,ao contrário, explicar essa consciência pelas contradições da vidamaterial, pelo conflito que existe entre as forças produtivas sociaise as relações de produção. Uma sociedade jamais desaparece antesque estejam desenvolvidas todas as forças produtivas que possaconter, e as relações de produção novas e superiores não tomamjamais seu lugar antes que as condições materiais de existênciadessas relações tenham sido incubadas no próprio seio da velhasociedade. Eis porque a humanidade não se propõe nunca senãoos problemas que ela pode resolver, pois, aprofundando a análise,ver-se-á sempre que o próprio problema só se apresenta quandoas condições materiais para resolvê-lo existem ou estão em viasde existir. E m grandes traços, podem ser os modos de produçãoasiático, antigo, feudal e burguês moderno designados como outrastantas épocas progressivas da formação da sociedade econômica.As relações de produção burguesas são a última forma antagônicado processo de produção social, antagônica não no sentido de umantagonismo individual, mas de um antagonismo que nasce dascondições de existência sociais dos indivíduos; as forças produtivasque se desenvolvem no seio da sociedade burguesa criam, ao mes-mo tempo, as condições materiais para resolver esse antagonismo.Com essa formação social termina, pois, a pré-história da socie-dade humana. F riedrich E ngels, com quem (desde a publicação,

    nos Anais franco-alemães, de seu genial esboço de uma crítica dascategorias econômicas) eu mantinha constante correspondência,por meio da qual trocávamos ideias, chegou por outro caminho- consulte-se a Situação das classes trabalhadoras na Inglaterra - aomesmo resultado que eu. E quando, na primavera de 1845, eletambém veio domiciliar-se em Bruxelas, resolvemos trabalhar emcomum para salientar o contraste de nossa maneira de ver com aideologia da filosofia alemã, visando, de fato, acertar as contas coma nossa antiga consciência filosófica. O propósito se realizou sob aforma de uma crítica da filosofia pós-hegeliana. O manuscrito  [Aideologia alemã\, dois grossos volumes em oitavo, já se encontravahá muito tempo em mãos do editor na Westphalia, quando nosadvertiram que uma mudança de circunstâncias criava obstáculosà impressão. A bandonamos o manuscrito à crítica roedora dosratos, tanto mais a gosto quanto já havíamos alcançado nosso fimprincipal, que era nos esclarecer.Dos trabalhos esparsos, que submetemos ao público nessaépoca e nos quais expusemos nossos pontos de vista sobre diversasquestões, mencionarei apenas o Manifesto do Partido Comunista,redigido por Engels e por mim e o  Discurso sobre o livre-comércio,publicado por mim. O s pontos decisivos de nossa maneira de verforam, pela primeira vez, expostos cientificamente, ainda que sobforma de polêmica, no meu trabalho aparecido em 1847, e dirigidocontra Proudhon: Miséria da Filosofia. A impressão de uma disser-tação sobre o  Trabalho assalariado, escrita em alemão e compostade conferências que eu havia proferido na União dos TrabalhadoresAlemães de Bruxelas, foi interrompida pela Revolução de Fevereiro,e pela minha expulsão subsequente da Bélgica.A publicação da Nova Gazeta Renana y  em 1848-1849, e osacontecimentos posteriores interromperam meus estudos eco-nômicos os quais só pude recomeçar em Londres, em 1850. Aprodigiosa quantidade de materiais para a história da economiapolítica acumulada no British Museum,  a situação tão favorável que

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