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Universidade de Aveiro Ano 2009 Departamento de Ciências da Educação MARTA CRISTINA DE ASSIS FERREIRA DA SILVA AS CRIANÇAS CIGANAS E A ESCOLA – CAMINHOS PARA A MUDANÇA

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Page 1: MARTA CRISTINA DE AS CRIANÇAS CIGANAS E A ESCOLA ... · o suporte teórico-conceptual do projecto abordámos a noção de cultura, o tema da organização social das famílias ciganas,

Universidade de Aveiro Ano 2009

Departamento de Ciências da Educação

MARTA CRISTINA DE ASSIS FERREIRA DA SILVA

AS CRIANÇAS CIGANAS E A ESCOLA – CAMINHOS PARA A MUDANÇA

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Universidade de Aveiro Ano 2009

Departamento de Ciências da Educação

MARTA CRISTINA DE ASSIS FERREIRA DA SILVA

AS CRIANÇAS CIGANAS E A ESCOLA – CAMINHOS PARA A MUDANÇA

Projecto apresentado à Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Ciências da Educação na área de especialização em Educação Social e Intervenção Comunitária, realizada sob a orientação científica da Professora Doutora Maria Manuela Bento Gonçalves, Professora Auxiliar do Departamento de Ciências da Educação da Universidade de Aveiro

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Dedicatória À minha mãe, enquanto única. Ao Luís, sempre. A todas as crianças ciganas deste país, eternas esquecidas.

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o júri

presidente Professora Doutora Rosa Lúcia de Almeida Leite Castro Madeira Professora Auxiliar da Universidade de Aveiro

Doutora Dayse Cristine Dantas Brito Neri De Souza Investigadora Auxiliar da Universidade de Aveiro

Professor Dr. António Maria Martins Professor Auxiliar da Universidade de Aveiro

Professora Doutora Maria Manuela Bento Gonçalves Professora Auxiliar da Universidade de Aveiro

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agradecimentos

À Professora Doutora Manuela Gonçalves, orientadora deste projecto, sem a qual nada seria possível.

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palavras -chave

Criança, etnia cigana, relação escola família, educação multicultural

resumo

Estamos conscientes da importância que a escola deve representar na vida das crianças ciganas e também da necessidade urgente de estabelecer com as suas famílias uma relação de cooperação que conduza à melhoria da qualidade do ensino e ao desenvolvimento global dos alunos. No entanto, constatámos a existência de lacunas no modo como esta relação é efectivada. Face a isso, o objectivo deste projecto centrou-se na relação escola-família, escutando as vozes dos actores sociais desta minoria étnica, de forma a criar-lhes a oportunidade de realçarem os seus interesses, divergências e expectativas em relação à escola, tendo em vista uma maior e melhor integração destes na comunidade escolar que se assume cada vez mais multicultural. Sob o ponto de vista metodológico a investigação participativa realizada no 1º Ciclo, da Escola da Luz, assumiu uma natureza qualitativa e quantitativa. Para o efeito desenvolvemos conversas com as crianças e observámos os seus tempos livres, efectuámos entrevistas às professoras e aplicámos um inquérito por questionário às famílias. O trabalho realizado permitiu-nos constatar que face à diversidade e clivagem cultural é necessário actuar, porquanto as famílias ciganas mais jovens começam a mostrar receptividade à mudança Com este projecto esperamos ter contribuído para criar uma visão mais alargada por parte dos pais e dos seus filhos quanto à importância do percurso escolar na vida destes e, ainda, melhorar o conhecimento dos progenitores quanto às aspirações futuras das suas crianças. Pretendemos, também, que este trabalho possibilite ampliar o conhecimento sobre esta realidade e promova a elaboração de novos projectos que tragam maior visibilidade ao grupo cigano.

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keywords

Child, gipsy ethnia, school-family relation, multicultural education

abstract

We are aware about the importance that school should represent in the life of gypsy children as well as about the urgent need of establishing with their families a relation of cooperation in order to improve teaching quality and the global development of the students. However, we noticed the existence of some gaps in the way this relation is brought into effect. So, the objective of this project was focused in the school-family relation, paying attention to the voices of the social actors of this ethnic minority, in way to create for them the opportunity of highlighting their interests, divergences and expectations concerning school, having in mind their higher and better integration in the school community which is assumed to be more and more multicultural. From the methodological point of view, the participative investigation carried out in the Primary School, of Escola da Luz, assumed a qualitative and quantitative nature. With that purpose we developed conversations with the children and observed their leisure times, effectuated interviews to the teachers and applied an inquiry for questionnaire to the families. The fulfilled work has allowed us to notice that face to the diversity and cultural cleavage it is necessary to act, since younger gypsy families are beginning to reveal some receptivity to change. With this project we have contributed to a broader view of parents and their children about the importance of schooling in their lives and even improve the knowledge of parents regarding the future aspirations of their children. We also wanted to enable this work to increase knowledge about this reality and promote the development of new projects that bring greater visibility to the gypsy group.

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ÍNDICE

Considerações iniciais ................................................................................... 03

Capítulo I - Da problemática ao suporte metodológic o do projecto .......... 05

1. Apresentação e fundamentação do projecto ......................................... 05

2. Apresentação e caracterização do grupo participante ........................... 09

2.1. Escola e meio envolvente ............................................................... 09

2.2. As crianças ..................................................................................... 11

2.3. As famílias ...................................................................................... 18

3. Metodologia adoptada ........................................................................... 20

3.1. Método: investigação participativa.................................................. 20

3.2. Técnicas de investigação e procedimentos .................................... 22

Capítulo II - Enquadramento geral da problemática .................................... 27

1. Da noção de cultura à cultura cigana ..................................................... 27

2. A multiculturalidade ................................................................................ 31

2.1. Políticas educativas e modelos multiculturais ................................. 32

2.2. Práticas educativas inclusivas face à diversidade cultural .............. 35

3. Famílias ciganas: organização social e familiar ..................................... 39

4. Escola e família ...................................................................................... 46

4.1. Interacção escola, famílias e crianças ciganas .............................. 46

4.2. Factores condicionantes da integração escolar .............................. 49

Capítulo III - O desenvolvimento do projecto ............................................. 52

1. O trabalho exploratório .......................................................................... 52

2. A voz das crianças ................................................................................ 63

2.1. Conversas com as crianças – Os cantos da sala .......................... 63

2.1.1. Turma A ................................................................................... 63

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2.1.2. Turma B ................................................................................... 67

2.2. Tempos livres .................................................................................. 70

2.2.1. Na Escola ................................................................................ 70

2.2.2. Nos Bairros Ciganos ................................................................. 72

3. As professoras da Escola da Luz .......................................................... 73

4. A voz das famílias.................................................................................. 77

4.1. Perspectivas sobre a Escola da Luz ................................................ 77

4.2. Famílias Ciganas – perspectivas de futuro dos seus filhos ............. 80

5. Síntese do trabalho desenvolvido ......................................................... 84

Considerações finais .................................................................................... 87 Bibliografia ...................................................................................................... 91 Anexos ............................................................................................................ 98

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Considerações iniciais

O projecto, “As Crianças Ciganas e a Escola – caminhos para a mudança”,

foi elaborado no âmbito do Mestrado em Ciências da Educação, especialização

em Educação Social e Intervenção Comunitária.

A sua investigação dividiu-se em duas partes, sendo a primeira de

carácter teórico e a segunda de carácter prático.

Procurámos centrá-lo num conhecimento profícuo e alargado das famílias

ciganas, bem como de um conjunto de alunos de uma escola do 1º Ciclo da

região centro do país e ainda na abordagem de caminhos a percorrer para se

atingir uma maior e melhor integração dos alunos ciganos e das suas famílias na

comunidade escolar.

Neste contexto, a finalidade da nossa pesquisa incidiu na procura de

informação que pudesse clarificar e explicitar a situação de insucesso escolar

destes alunos.

Ao longo do nosso trabalho, pretendemos viabilizar os seguintes objectivos:

contextualizar a problemática, caracterizar as famílias dos alunos e,

fundamentalmente, percepcionar as perspectivas das crianças, seus dos

encarregados de educação e dos professores acerca da relação escola-famílias

ciganas, construir conhecimento sobre o problema de partida.

Quanto à metodologia utilizada, este projecto assentou na investigação

participativa por permitir uma participação no processo de investigação de todos

os actores sociais envolvidos.

No que respeita à estrutura do presente documento, referimos que esta se

compõe por três capítulos.

No primeiro capítulo, designado por “Da problemática ao suporte

metodológico do projecto”, desenvolvemos três secções através das quais

procurámos fundamentar o projecto, apresentar e caracterizar o grupo

participante (escola e meio envolvente, crianças e famílias), e ainda expor a

metodologia adoptada.

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No segundo capítulo, “Enquadramento geral da problemática”, que constitui

o suporte teórico-conceptual do projecto abordámos a noção de cultura, o tema

da organização social das famílias ciganas, a sua relação com a escola e a

multiculturalidade enquanto característica das sociedades actuais.

No terceiro capítulo, “O desenvolvimento do projecto”, referente ao

processo de investigação empírica, incluímos: o trabalho exploratório realizado, a

voz das crianças das duas turmas através de conversas mantidas com estas, as

actividades efectuadas nos seus tempos livres, a opinião das professoras sobre

os seus alunos ciganos, bem como as perspectivas das famílias.

Procedemos, posteriormente, às considerações finais.

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Capítulo I - Da problemática ao suporte metodológic o do projecto

1. Apresentação e fundamentação do projecto

Somos, actualmente, confrontados com uma nova concepção de Escola,

que não delimita as suas funções apenas ao pequeno espaço que a constitui mas

que ambiciosamente, e numa perspectiva de futuro, visa a expansão dos seus

horizontes procurando abraçar a comunidade onde está inserida.

De acordo com os novos diplomas que regulamentam a sua actividade e

com o pluralismo democrático e anti-discriminatório, a escola moderna passou de

um espaço estanque, mero difusor de uma cultura completamente fechada, para

se afirmar, cada vez mais, como uma comunidade educativa, procurando adaptar

atitudes inovadoras, abertas e receptivas, sem temer a participação de agentes

exógenos. Em termos da educação (inter)multicultural, caminha-se para o

sucesso, embora os seus pilares ainda sejam incipientes (cf. Matthews et al,

2009).

Para que ocorra uma viragem tão profícua quanto indispensável e cujos

efeitos benéficos revertem para a sociedade em geral, será necessária uma

reforma ampla. Esta só ocorrerá através de uma morosa modificação de

mentalidades, que envolva todos os agentes educativos, responsabilizando-os por

meio de mudanças que não sejam impostas unilateralmente, mas fruto de um

trabalho conjunto e perspectivadas por todos como imprescindíveis.

Neste contexto, a família assume um papel fulcral. A sua importância na

socialização, estimulação e transmissão dos primeiros conhecimentos sobre a

vida e o meio ambiente, assim como a sua colaboração contínua e harmoniosa

com a escola é inquestionável (cf. Almeida, 2005; Enguita, 1996).

No entanto, constatamos que a relação escola-famílias está ainda voltada,

quase exclusivamente, para o processo de ensino-aprendizagem do aluno, sem

que a família participe e colabore na elaboração e consecução do processo

educativo em geral.

Tal atitude evidencia-se quando nos centramos na comunidade cigana em

particular e no seu relacionamento com a comunidade escolar.

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As famílias ciganas não sentem como obrigação velar pela aprendizagem

dos educandos e, na medida do possível, incutir-lhes o gosto pelo estudo. Nem

consideram pertinente obter informações sobre o seu aproveitamento e

comportamento, uma vez que atribuem à escola a responsabilidade total na

gestão, adaptação e execução de programas, avaliações, controle disciplinar e

organização interna. Julgam que este domínio é demasiado técnico e

especializado, devendo ser da responsabilidade de profissionais. Esta ideia é

comum, aliás, a algumas famílias de baixo nível sociocultural, para quem o

professor é o “detentor do saber”, com todas as consequências que tal ideia

arrasta consigo.

Às famílias de etnia cigana não se afigura essencial que o aluno obtenha

aproveitamento e transite para um novo ano de escolaridade. É a componente

aprendizagem que é desvalorizada face aos seus valores culturais. Aliás, a falta

de tempo, o esquecimento e a falta de informação comandam a lista de

justificações que estas famílias utilizam para não participarem, quando para isso

são solicitadas. O absentismo escolar por parte dos seus filhos vem plasmar este

afastamento. Na realidade, também, não acreditam no seu próprio potencial.

Esquecem que tradição, modernidade e culturas podem, e devem, conviver sem

que o essencial se dilua.

Do professor, espera-se que ensine essencialmente a ler e a escrever,

porquanto outros conteúdos não se afiguram importantes. Esta visão limitativa da

Escola condiciona, obviamente, a participação das famílias ciganas em

actividades relacionadas com o processo de ensino-aprendizagem em geral.

Em consequência, verificamos que estas famílias não têm conhecimento, e

nem procuram ter, das potencialidades ao nível das instalações, dos

equipamentos, dos materiais didácticos e das condições de trabalho condignas

para todos – alunos, professores e pessoal auxiliar.

Por outro lado, a falta de recursos materiais essenciais para a escola

obriga alguns professores a lançar mão de iniciativas na tentativa de colmatarem

tais deficiências de modo a motivarem os alunos. No entanto, os resultados nem

sempre são animadores, porque as crianças ciganas muitas vezes apresentam

comportamentos disruptivos como consequência do mal-estar que sentem face às

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aprendizagens para as quais não estão minimamente preparadas. Primeiro,

porque as famílias também não o estão e, depois, porque vivem na sua

comunidade de uma forma livre, espontânea e natural em contraposição com a

rigidez dos horários e a disciplina inerente à escola. Embora não transpareça,

apercebemo-nos através de uma observação aturada que mesmo os mais

indisciplinados sofrem devido ao choque entre a sua educação cultural e a

educação formal a que possam estar sujeitos. São pássaros livres que de repente

se vêem numa “gaiola” que não se lhes afigura dourada.

Importa realçar que o quadro de distanciamento existente entre a Escola e

a família não denota pessimismo mas sim, uma visão objectiva do que se passa

no quotidiano escolar.

As causas do desinteresse das famílias ciganas pela vivência da

comunidade escolar não podem ser vistas por um prisma simplista e linear, assim

como a escola e os actores educativos não podem ilibar-se das suas

responsabilidades neste grave problema que, por assumir-se como um fenómeno

generalizado, põe em risco a prossecução de um dos objectivos fundamentais do

sistema educativo: a realização integral do aluno, pessoal e socialmente.

É pois imprescindível que a escola procure criar condições que permitam

despertar o interesse das famílias e minimizar o absentismo, conduzindo-as a

uma participação activa nas vertentes da vida escolar. É escutando as vozes dos

actores sociais, principalmente daqueles que pertencem a uma minoria étnica,

como é o caso dos alunos e das famílias ciganas, que lhes é dada a oportunidade

de realçar os seus interesses, divergências e expectativas em relação à escola.

Assim, o problema que serviu de fio condutor para o desenvolvimento do

nosso projecto de mestrado centra-se na seguinte questão: “Como criar

mecanismos e dinâmicas adequadas que possibilitem a ctuar de acordo com

uma maior e melhor integração dos alunos e das famí lias de etnia cigana na

comunidade escolar?”

Em termos de objectivos específicos deste projecto pretendeu-se:

• Promover a motivação dos educandos e dos encarregados de educação no

combate ao absentismo escolar.

• Analisar a importância do papel das professoras na integração dos alunos.

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• Valorizar a auto-estima dos alunos ciganos.

• Proporcionar a participação mais activa dos alunos em contexto escolar.

• Compreender a atitude das famílias ciganas com vista a uma maior

aproximação à escola e ao sucesso escolar.

O nosso interesse e motivação pela problemática em causa tinham já sido

despertados pelo facto de ao longo do nosso percurso profissional nos termos

deparado por diversas vezes com tais exemplos e confrontado, naturalmente,

com uma noção de cultura em permanente evolução que nos transporta para os

domínios da multiculturalidade e nos faz, nas escolas, percorrer os caminhos das

salas de aula multi-étnicas.

Temos vindo a leccionar a alunos ciganos, adultos e jovens, em turmas

predominantemente não ciganas. Tal facto trouxe ao nosso conhecimento as

dificuldades sentidas e vividas por estas minorias em contexto escolar, bem

como alguma informação, ainda que escassa, sobre a sua cultura e os seus

valores e afigura-se-nos que qualquer turma pode ser um “continente” se

atendermos à crescente mestiçagem (cf. André, 2005).

Deste modo, tendo constatado as grandes dificuldades destes alunos de

etnia cigana que apresentam um défice cumulativo de insucesso escolar, com

retenções repetidas, sentimos necessidade de avançar para este projecto que

pretende incidir sobre a clarificação dos factores decisivos para uma integração

bem sucedida. Fazer uma análise e reflexão sobre as vertentes que se revestem

de uma importância vital no processo evolutivo destes alunos: relação

professor/aluno, motivação e relação família/escola.

O nosso projecto incidiu sobre uma escola do 1º Ciclo do Ensino Básico, a

Escola da Luz, localizada na freguesia da Paz, distrito de Aveiro. O grupo

participante foi constituído inicialmente pelos alunos da Turma A, que

frequentavam o 3º e 4º anos de escolaridade. Posteriormente acabámos por

alargar o projecto aos alunos da Turma B, do 1º e 2º anos, por sugestão das

próprias famílias ciganas que pretendiam demonstrar-nos as diferenças

comportamentais e a aquisição de competências existente entre os alunos das

duas turmas.

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2. Apresentação e caracterização do grupo participa nte

2.1. Escola e meio envolvente

A Escola do 1º Ciclo da Luz situa-se no centro da localidade que lhe dá o

nome. Insere-se, mais propriamente, na freguesia da Paz, no concelho e distrito

de Aveiro, numa zona periférica industrial. Encontra-se ligeiramente recuada da

estrada principal, o que lhe retira visibilidade e dificulta o acesso.

O Agrupamento de Escolas da Paz, do qual esta faz parte, foi constituído

no ano lectivo 2003/04, pertencendo à rede pública do Ministério da Educação.

Integra como sede a E. B. do 2º e 3º Ciclos e abrange ainda quatro jardins de

infância e três escolas do 1º Ciclo, sendo uma delas a da Luz (da qual

passaremos a tratar).

Esta última é frequentada quase exclusivamente por crianças de etnia

cigana. Com efeito, das 33 crianças que a frequentavam, apenas 4 não eram

ciganas.

A escola é de pequenas dimensões, composta por um único edifício

envolvido por pinheiros e eucaliptos oferecendo um ambiente aparentemente

perdido no tempo, tranquilo e saudável.

O seu espaço está demarcado por um muro em cimento finalizado por uma

rede. O portão de entrada comunica com a porta de acesso ao edifício, através de

um estreito caminho.

Ao franquearmos a entrada do edifício, deparamo-nos com um átrio

espaçoso, que dá acesso a todas as outras divisões. Neste, ainda se encontram

expositores e um vestiário.

A escola comporta apenas duas salas, numa das quais funciona o 1º Ciclo

e na outra o Jardim de Infância. A iluminação natural destas é amplamente

conseguida através de cinco janelas em cada uma. Seguem-se duas casas de

banho, que embora bastante pequenas e antiquadas se revestem do material

indispensável.

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O átrio acima referido tem ainda uma porta que comunica directamente

com o refeitório. Este é há anos uma mera estrutura provisória de chapas

plásticas onduladas com cobertura de zinco e encontra-se num elevado estado de

degradação, porquanto o material se apresenta demasiado gasto e antiquado.

À entrada do dito refeitório surge um polibã destinado à higiene de algumas

crianças, predominantemente ciganas. Há ainda a possibilidade de lavar e secar

as roupas das crianças que façam a sua higiene na instituição, porquanto existe

uma máquina de lavar e outra de secar.

Na área circundante ao edifício encontra-se o espaço destinado ao recreio.

Aqui encontram-se implementadas duas balizas, uma caixa de areia e vários

pneus usados. Alguns canteiros de flores, árvores e arbustos compõem de forma

natural o que falta em equipamento lúdico-pedagógico.

Na escola exercem funções duas docentes do 1º Ciclo que pertencem aos

quadros do Agrupamento em causa. Ao nível do pessoal não docente, o serviço é

assegurado apenas por uma auxiliar da acção educativa contratada pela Câmara

Municipal.

Nesta escola, por insuficiência de salas, funciona o regime duplo. Assim, as

duas turmas que a frequentam dividem-se pelo turno da manhã (turma do 1º e 2º

anos) e pelo turno da tarde (3º e 4º anos).

A população residente na área afecta à escola caracteriza-se pela

diversidade cultural, social e étnica. No entanto, esta escola é frequentada quase

exclusivamente pelos alunos dos três bairros sociais de famílias de etnia cigana

situados em zona de pinhal e ainda três famílias numerosas que se encontram

mais afastadas instaladas em tendas situadas igualmente num pinhal. São

agregados que beneficiam do RSI (Rendimento Social de Inserção),

candidataram-se ao subsídio escolar e aos quais foi atribuído o escalão máximo.

Grande parte das famílias tem um fraco poder económico, verificando-se o

analfabetismo, carências alimentares, higiénicas e afectivas, e alcoolismo e outras

dependências1. Os problemas identificados nesta comunidade, com as

características referidas, são diversos.

No geral têm um deficiente acesso ao serviço de saúde. 1 De acordo com as informações recolhidas durante o trabalho exploratório (Cap. III, secção1) e através de conversa informais com as professoras da Escola da Luz.

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Os agregados familiares são quase todos compostos pela família nuclear

ou pela família alargada.

Possuem baixo nível de escolaridade. Há mães a frequentar o Ensino

Recorrente, 1º e 2º Ciclos. Há os que apenas sabem assinar o nome, os que não

sabem ler nem assinar mas também existe uma minoria que lê e escreve com

alguma facilidade. Salienta-se, no entanto, a encarregada de educação de uma

criança de etnia não cigana que tem a licenciatura.

Toda a informação aqui contida teve por base a observação directa,

conversas com as professoras, consulta de dados dos Projectos Curriculares das

Turmas, do Projecto Educativo e do Regulamento Interno do Agrupamento.

2.2. As crianças

Tal como foi referido no ponto anterior, a Escola da Luz, no ano lectivo de

2008/09, era frequentada quase exclusivamente por alunos oriundos de etnia

cigana. Para termos uma ideia mais concreta sobre essa tendência de

homogeneidade étnica, salienta-se o facto de neste caso, “ser o outro” implicar

uma inversão de papéis entre os actores.

Assim, neste contexto escolar, as crianças ciganas assumiam o papel

preponderante, porquanto constituíam o grupo maioritário. Em segundo plano,

surgiam, numericamente, as crianças não ciganas.

O nosso projecto incidiu sobre um grupo de 33 alunos, representando a

totalidade das crianças que frequentavam a escola. Destas, somente quatro não

tinham como grupo de pertença o factor étnico. No ano lectivo supra referido os

alunos encontravam-se distribuídos pelos quatro anos de escolaridade e por duas

turmas.

Ao lançarmos um primeiro olhar sobre estas últimas captámos, de

imediato, uma amálgama de factores que nos situavam face a dois grupos com

características distintas e diversificadas.

Atendendo a estas circunstâncias, procurámos recolher dados que nos

permitissem através de contactos informais junto das professoras titulares, bem

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como através da consulta de elementos dos respectivos Projectos Curriculares

das Turmas, e ainda, por observação directa, efectuar a caracterização de ambas.

Como já anteriormente foi referido, os agregados familiares de etnia cigana

apresentavam grande fragilidade económica beneficiando e, mais do que isso,

sobrevivendo do Rendimento Social de Inserção (RSI), bem como do Abono de

Família. Na generalidade, usufruíam do Subsídio Escolar.

As condições socioeconómicas tão precárias aliadas a factores como a

idade, o género e a assiduidade, conduziam a realidades complexas, revelando

retratos dos alunos ciganos diferentes, cujos reflexos culminavam nas suas

atitudes comportamentais.

Relembra-se que as histórias de vida familiares eram pautadas pelo

analfabetismo, carências alimentares, higiénicas e afectivas.

Paralelamente verificavam-se problemas de violência, alcoolismo e outras

dependências, factores de exclusão para um melhor enquadramento na vida

social.

Existiam ainda casos de marginalidade, que levavam, por exemplo, a que

dois pais e uma mãe se encontrassem detidos, com as consequentes

repercussões para estes alunos ao nível emocional e afectivo e obviamente, no

seu desempenho escolar.

De acordo com o Despacho Normativo n.º 19 575/2006, de 25 de

Setembro, a distribuição da componente lectiva semanal das turmas em causa

realizava-se do seguinte modo: cinco horas para a Língua Portuguesa (incluindo

uma hora diária para a leitura); sete horas para a Matemática; cinco horas para o

Estudo do Meio (metade para o Ensino Experimental das Ciências) e cinco horas

para serem geridas de forma flexível nas áreas das expressões e restantes áreas

curriculares.

Quanto ao Regime Educativo Especial, apesar das acentuadas

necessidades de apoio educativo e das diversas solicitações das professoras

titulares das turmas, não foram colmatadas as lacunas referenciadas junto dos

alunos.

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Quase todos almoçavam na cantina da escola, a qual se tornava o único

ponto de encontro das duas turmas, uma vez que uma preenchia o horário da

manhã e a outra o da tarde.

Os alunos frequentavam as actividades extra-curriculares da parte da

manhã ou da parte da tarde consoante o regime de desdobramento. Estas não

funcionavam na escola por falta de espaço, tinham lugar num contentor que se

encontrava a 1km da escola.

Turma A

Esta turma foi a primeira a ser contactada e com a qual iniciámos o nosso

projecto. Atendendo a esse facto e a alguma afinidade que se foi construindo com

a professora titular da turma, foi-nos possível efectuar um trabalho mais próximo e

mais duradouro com estes alunos.

A Turma A reportava-se a alunos que frequentaram o 3º e 4º anos de

escolaridade. Era composta por um total de 13 discentes, sendo 10 de etnia

cigana e 3 não ciganos. A amplitude de idades variava entre os 8 e os 12 anos,

com uma média que se aproximava dos 9,5 anos. Este grupo era constituído por

8 crianças do género feminino e 5 do género masculino.

A sua distribuição efectuava-se do seguinte modo: 9 alunos no 3º ano de

escolaridade, estando incluídos neste grupo os 3 alunos que não eram de etnia

cigana mas que tinham sido sempre respeitados pelos colegas e 4 alunos no 4º

ano de escolaridade, sendo 3 do género masculino e apenas 1 elemento do

género feminino.

A fim de melhor explicitar estes dados, apresentamos, seguidamente,

através do quadro I uma caracterização esquemática da turma.

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Quadro I – Turma A

Turma A

Alunos Idade Género Ano de Escolaridade Retenções Etnia Cigana

Anita 8 F 3º Ano

Arlinda 10 F 3º Ano x •

Bárbara 8 F 3º Ano •

Carlitos 12 M 4º Ano x •

Cristina 8 F 3º Ano

Cristiano 10 M 4º Ano x •

Gustavo 8 M 3º Ano

Luís 12 M 4º Ano x •

Margarida 10 F 4º Ano x •

Maria 11 F 3º Ano x •

Salomão 8 M 3º Ano •

Susana 8 F 3º Ano •

Tamára 10 F 3º Ano x •

De um modo geral, estes alunos ciganos manifestaram, no início do ano

lectivo, dificuldades no cumprimento das regras de funcionamento da sala de aula

e da escola. No entanto, com o tempo, foram adquirindo competências,

mostraram-se permeáveis e fizeram progressos.

Quando em grupo, apresentavam um comportamento interactivo,

integrando-se de forma positiva atendendo à sua faixa etária. Exceptuavam-se

três alunos que revelaram grande dificuldade de relacionamento e de convivência,

reflectindo agressividade, instabilidade e comportamentos conflituosos,

manifestando um tempo de atenção/concentração muito curtos. Ao nível do

grande grupo, foi necessário um acompanhamento contínuo por parte da

professora e estratégias motivadoras e promotoras do reforço positivo nas

aprendizagens.

Esta turma beneficiou do grande empenho e dedicação da docente às

crianças de etnia cigana, que não se sentiram ostracizadas nem diminuídas por

qualquer tipo de preconceito, pois aquela assumiu, neste contexto, um papel de

“professora étnica”.

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Já no âmbito familiar, com todas as implicações que por arrastamento se

reflectiam no universo escolar, faziam-se sentir grandes clivagens, pois se a

maioria das famílias era nuclear ou alargada, outras apresentavam-se

ostensivamente desestruturadas. A título de exemplo, citamos o caso do(a):

- Luís e do Carlitos (gémeos), que viviam com o pai e uma irmã porque a mãe se

encontrava detida por tráfico de estupefacientes;

- Salomão, de oito anos, que vivia, na altura, com o pai numa barraca, porque a

mãe tinha fugido e a família não a deixou levá-lo. O pai não lhe dava banho e

usualmente esquecia-se de o levar à escola. Nas raras ocasiões em que

frequentava as actividades extra-curriculares não tomava o pequeno-almoço e

apresentava-se cheio de fome. O aluno estava, assim, entregue a um pai que não

tinha capacidade para o proteger e tratar dele convenientemente;

- Arlinda, que estava a viver com a mãe e um irmão deficiente profundo. O

companheiro da mãe encontrava-se detido, assim como o pai da criança.

No contexto escolar, os alunos do 4° ano, devid o ao défice das

competências adquiridas (tenha-se em conta toda a envolvência familiar)

encontravam-se a desenvolver nas áreas curriculares da Língua Portuguesa, da

Matemática e do Estudo do Meio, os conteúdos dos programas definidos para o

perfil do 3° ano. O seu desempenho escolar veio, no entanto, a direccionar-se ao

longo do ano lectivo numa vertente mais autónoma e confiante. Verificou-se um

desenvolvimento significativo ao nível da leitura e da escrita, dos números e das

operações. Já ao nível da compreensão, abstracção e cálculo mental os alunos

ciganos revelaram algumas dificuldades. Na elaboração de trabalhos individuais

mostravam-se muito dependentes da professora, exigindo a atenção e o apoio

constante e sistemático desta na orientação dos mesmos.

Tivemos conhecimento que após avaliação diagnóstica os alunos da

Turma A apresentaram várias dificuldades, tais como:

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- O Salomão não sabia ler nem escrever e ainda não conhecia as cores. Sabia

contar até 20. Revelou limitações ao nível das operações, executando-as apenas

com concretização;

- A Bárbara revelou dificuldades de compreensão e de cálculo mental.

Necessitaria de um trabalho de apoio e de um reforço constante nas

aprendizagens com a finalidade de combater as lacunas nesta área. Tratava-se

de uma aluna pouco organizada e distraída. No ano lectivo anterior teve uma

assiduidade bastante reduzida e quase nunca realizou os trabalhos de casa,

situação que perdurava;

- A Maria, a Arlinda e a Tamára apresentaram grandes dificuldades ao nível da

Língua Portuguesa e da Matemática. Seria necessário um ensino individualizado

para combater as lacunas existentes. Tomámos conhecimento de que a Tamára,

por falta de assiduidade, esteve a frequentar o 1° ano durante três anos lectivos.

A Anabela ficou um ano retida pelo elevadíssimo número de faltas;

- O Carlitos, o Cristiano e o Luís necessitavam de um apoio constante da

professora, apesar de terem progredido ao nível da autonomia e adquirido maior

responsabilidade enquanto alunos. No entanto, ao nível comportamental,

perturbavam a comunidade escolar.

No fundo, todos os alunos ciganos da turma A, pela sua realidade e pelas suas

vivências socioculturais, apresentavam um percurso escolar mais lento, com um

ritmo próprio, necessitando de mais tempo para adquirir competências do que os

não ciganos.

Turma B

A Turma B era constituída por um grupo de 20 alunos com idades que

oscilavam entre os 6 e os 8 anos, sendo 11 deles do género feminino e 9 do

género masculino. Tratava-se de uma turma que reunia discentes do 1º e 2º anos

de escolaridade, formada por crianças de etnia cigana, à excepção de uma aluna

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que frequentava o 2º ano. No entanto, esta última encontrava-se bem integrada.

Aqui a situação invertia-se, visto que neste caso ela era a “outra”.

Reportando-nos ao 1º ano de escolaridade, assinalou-se, o equilíbrio

existente entre os géneros, uma vez que o grupo era constituído por 5 elementos

masculinos e 5 femininos. No caso do 2º ano de escolaridade, havia uma

diferença embora sem grande significado aparente. O sexo feminino tinha 6

elementos e o sexo masculino 4.

No quadro II, que passamos a apresentar, traduzimos a constituição desta

turma. Quadro II – Turma B

Turma B

Alunos Idade Género Ano de Escolaridade Retenções Etnia Cigana

Ana 6 F 1º Ano •

Camilo 7 M 2º Ano •

Carla 6 F 1º Ano •

Carmo 7 F 2º Ano •

Ester 8 F 2º Ano •

Filipa 6 F 1º Ano •

Inácio 7 M 1º Ano •

Jessie 7 F 2º Ano •

João 6 M 1º Ano •

Joca 6 M 1º Ano •

José 6 M 1º Ano •

Juvita 7 F 1º Ano •

Lito 7 M 2º Ano •

Lucas 7 M 1º Ano •

Lúcia 7 F 2º Ano •

Mariana 7 F 2º Ano •

Nestor 8 M 2º Ano •

Rafaela 8 F 2º Ano

Santiago 8 M 2º Ano •

Solange 6 F 1º Ano •

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Deparámo-nos com crianças que pela sua realidade social e pelo seu

quotidiano, evidenciavam um percurso mais lento, com um ritmo próprio, a

necessitar de mais tempo para a aquisição das competências previstas para o

seu ano de escolaridade.

Demonstravam deficiente articulação de vocábulos e um reduzido léxico

recorrendo, frequentemente, ao dialecto da etnia falado no seio familiar. Não

sabiam ler nem escrever. Para além disso, evidenciavam sinais de baixa auto-

estima, revelavam pouca persistência no trabalho e dificuldades de concentração.

Neste quadro apercebemo-nos que quer na sala de aula, quer no ambiente

familiar a sua criatividade e o seu raciocínio não estavam a ser suficientemente

estimulados, contribuindo em grande parte para a fractura das expectativas que

deveriam vir a ter aplicabilidade prática.

Estas crianças denotavam necessidades específicas e mantinham grande

dependência da professora, o que exigiria uma orientação individualizada,

constante e sistematizada que na prática não acontecia.

No ambiente escolar o seu comportamento entre pares apresentava-se

problemático porquanto tratava-se de crianças agitadas e com elevados níveis de

agressividade.

2.3 As famílias Os encarregados de educação dos alunos da Escola da Luz eram sempre

os seus progenitores, independentemente de se tratar do pai ou da mãe (anexo 1,

gráfico 1).

A maioria dos agregados familiares era constituída por famílias nucleares,

pais e irmãos dos alunos. No entanto, havia excepções, uma vez que dois

residiam somente com os progenitores, um pertencia a uma família monoparental

e três comportavam famílias extensas (anexo 1, gráfico 2).

O número de irmãos que vivia com os alunos em causa situava-se

maioritariamente entre dois a quatro ou, por vezes, até mais. Em geral era

bastante elevado (anexo 2, quadro A).

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Quanto à idade dos encarregados de educação verificou-se não haver

homogeneidade. No cômputo geral metade localizava-se na faixa etária dos 25

aos 35 anos. A outra metade distribuía-se de forma diversificada. As famílias de

etnia cigana eram jovens (anexo 2, quadro B).

As habilitações académicas dos encarregados de educação evidenciavam

que metade não tinha concluído nenhum nível de escolaridade e que a outra parte

apresentava graus académicos relativamente baixos, com excepção de uma

licenciada não cigana (anexo 1, gráfico 3; anexo 2, quadro C).

Apenas dois encarregados de educação tinham actividades profissionais

(guarda nocturno e, uma das encarregadas de educação não cigana, professora).

A maioria não trabalhava e usufruía do Rendimento Social de Inserção (anexo 2,

quadro D).

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3. Metodologia adoptada O objectivo deste projecto centrou-se na relação escola-família, escutando

as vozes dos actores sociais, designadamente daqueles que pertenciam a uma

minoria étnica, como era o caso dos alunos e das famílias ciganas, criando-lhes a

oportunidade de realçarem os seus interesses, divergências e expectativas em

relação à escola.

Assim, o nosso problema prende-se, como já referimos anteriormente, com

a seguinte questão “Como criar mecanismos e dinâmicas adequadas que

possibilitem actuar de acordo com uma maior e melho r integração dos

alunos e das famílias de etnia cigana na comunidade escolar?”

3.1. Método: investigação participativa

Este projecto foi construído com base numa investigação de tipo

participativo, integrada no paradigma interpretativo. Paradigma este que mais não

é do que um modelo ou um padrão conceptual pelo qual orientámos o nosso

projecto e que perspectiva a investigação como uma realidade participada.

De acordo com Heron (1996), referido por Soares (2006), trata-se de um

processo no qual todos os actores sociais envolvidos participam e cuja actuação

se revela em diversos níveis de cooperação, concorrendo e contribuindo para a

tomada de decisão final.

Consideramos que a metodologia que nos propusemos adoptar era a mais

adequada, porquanto tratando-se de um projecto assumia uma natureza

colaborativa ou cooperativa, uma vez que as actividades eram encimadas pelo

conjunto dos envolvidos que adquiriam o estatuto de parceiros.

Neste tipo de investigação assiste-se a um intercâmbio entre investigador e

investigado, de tal modo que um assume por vezes o papel do outro (ou seja, o

investigado é simultaneamente o investigador).

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Segundo Soares (2006: 29), “metodologicamente, a investigação é

considerada como um espaço intersubjectivo, para onde confluem múltiplas

formas práticas, conceptuais, imaginárias e empáticas de conhecimento, através

de processos partilhados de produção de conhecimento, entre investigadores e

investigados”.

A investigação participativa assume um carácter de maior complexidade

quando engloba uma investigação com crianças, tendo em conta que estas são

também actores do mesmo processo e que apresentam por vezes perspectivas

diferentes das dos adultos.

Por outro lado, a complexidade deste processo acentua-se devido aos

baixos níveis de escolaridade ou mesmo à iliteracia dos ciganos.

Estamos de acordo com Soares (2006: 30), quando refere que o “(…)

carácter qualitativo e interpretativo do trabalho desenvolvido com comunidades,

cujos níveis de literacia, fracas competências linguísticas e de relacionamento

com o poder, apelavam à utilização de técnicas mais vividas, mais gráficas e mais

concretas, de forma a reaver as suas representações e a sua participação”.

A finalidade prioritária da investigação em educação social é a sua

capacidade de transformação e mudança da realidade, objectivo que constitui e

justifica a sua razão de ser, principalmente se fizermos referência à investigação

participativa, porquanto esta centra o seu interesse no conhecimento,

interpretação e estruturação que cada pessoa realiza de forma diferente.

Para o investigador, a grande vantagem deste método está em analisar e

participar nos acontecimentos no próprio momento em que acontecem

(Christensen e James, 2005).

A investigação participativa desenvolve reflexões sistemáticas sobre a

acção, dada a importância de clarificar e definir para onde se caminha e até

onde se caminha. Proporciona, também, elementos que ajudam a redimensionar

as tarefas e a reformular os objectivos que se pretendem alcançar.

Esta investigação tem sobretudo a ver com a conquista de uma participação

democrática e de justiça social por parte dos actores sociais. A participação dos

agentes no processo de investigação é um factor decisivo e poderoso para

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compreender a exclusão ou inclusão dos cidadãos nos processos de negociação

e tomada de decisão acerca dos seus quotidianos.

Segundo Boarda e Reason, citados por Pereira (2004) a investigação

participativa visa a produção de conhecimento e o desenvolvimento de acções

capazes de transformar as condições de vida das pessoas desfavorecidas

envolvendo a investigação, a educação de adultos e o desencadear de acções

políticas.

3.2. Técnicas de investigação e procedimentos

Embora no âmbito das metodologias participativas se privilegie uma

abordagem qualitativa, neste trabalho optou-se pela combinação desta última com

uma abordagem quantitativa.

Ao efectuar-se uma investigação na área das Ciências da Educação, parece

de todo benéfico levar a cabo a utilização do método quantitativo e qualitativo

(triangulação), porquanto esta combinação diversificada poderá ser

enriquecedora, uma vez que permite ao investigador usufruir, por exemplo,

quanto à recolha e ao tratamento de dados, de um leque mais variado de

técnicas.

Atendendo a estes pressupostos metodológicos, utilizámos diferentes

técnicas de forma combinada durante o processo de investigação.

Desde logo, o método qualitativo identifica-se com uma visão menos formal,

logo, mais aberta e participativa da investigação. Para Olabuenaga (1996: 59) “a

abordagem qualitativa realça os valores, as crenças, as representações, as

opiniões, as atitudes e usualmente é empregada para que o pesquisador

compreenda os fenómenos caracterizados por um alto grau de complexidade

interna do fenómeno pesquisado”.

Daqui pode inferir-se que, no que toca às técnicas relacionadas com a

recolha de dados, estas passam por uma gradação bastante abrangente, uma vez

que não obriga à utilização específica de instrumentos e o investigador não é

necessariamente um mero observador externo.

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Segundo Demo (1986) os critérios internos de cientificidade nesta

metodologia são: coerência (discurso construído logicamente); consistência

(qualidade de argumentação ao nível do discurso); originalidade (contribuição do

conhecimento que se adquire) e objectivação (abordagem teórico-metodológica

de aproximação da realidade).

Na perspectiva de Bell (2004, 19-20) “os investigadores quantitativos

recolhem os factos e estudam a relação entre eles. Realizam medições com a

ajuda de técnicas cientificas que conduzem a conclusões quantificadas e, se

possível, generalizáveis”.

Nas observações quantitativas o investigador é o elemento externo (mero

observador). Os dados relacionam-se com a interpretação efectuada pelo

investigador a partir das estatísticas obtidas. Nesta investigação mais tradicional

funcionam de forma rígida, uma vez que se baseiam na estatística, voltam-se

somente para os dados e valores científicos.

Assim, na fase exploratória, utilizámos diversas técnicas, tais como

entrevistas exploratórias, efectuadas a técnicos, entidades e informadores

privilegiados. De algumas obtivemos o registo gravado, que posteriormente

transcrevemos, enquanto que noutras, por solicitação dos entrevistados, apenas

procedemos a um registo manuscrito dos dados obtidos.

Corroboramos a posição de Quivy e Campenhoudt (2005: 69) para quem

“as entrevistas exploratórias têm, portanto, como função principal revelar

determinados aspectos do fenómeno estudado em que o investigador não teria

espontaneamente pensado por si mesmo e, assim, completar as pistas de

trabalho sugeridas pelas suas leituras. Por essa razão é essencial que a

entrevista decorra de uma forma muito aberta e flexível e que o investigador evite

fazer perguntas demasiado precisas”.

Utilizámos também a observação directa junto do próprio grupo

participante e respectivas famílias de etnia cigana dos bairros comunitários.

Recorremos ainda, à pesquisa documental junto de várias entidades.

Ao longo do desenvolvimento do projecto foram, ainda, aplicadas

entrevistas às duas professoras titulares e à professora substituta da turma B da

Escola da Luz, as quais trabalhavam em interacção diária com os alunos ciganos

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(anexo 3). Estes acabaram por se traduzir em entrevistas semi-estruturadas,

realizadas através de gravação para posterior transcrição. Segundo Bell (2004:

137) "a grande vantagem da entrevista é a sua adaptabilidade. Um entrevistador

habilidoso consegue explorar determinadas ideias, testar respostas, investigar

motivos e sentimentos (…)”.

As entrevistas foram elaboradas de modo a criar um clima de confiança no

qual as professoras se sentissem à vontade para responder às questões

propostas.

O objectivo das mesmas prendeu-se com a aquisição de dados pessoais e

profissionais e com a obtenção de percepções e informações sobre o contexto

escolar.

Com vista a traduzir a informação recolhida em dados que pudessem ser

tratados qualitativamente, procedemos à sua análise do conteúdo (anexo 4).

Foi também aplicado um inquérito por questionário de administração

indirecta às famílias ciganas. Este foi precedido de um pré-teste com o objectivo

de efectuar as adaptações e as correcções necessárias. Assim, procedemos à

reformulação da pergunta sobre a actividade profissional dos encarregados de

educação e passámos a utilizar a forma interrogativa em todas as questões.

Podemos dizer que o questionário é um instrumento de recolha de dados,

que tem como objectivo fundamental o conhecimento de uma determinada

população, as suas condições e modos de vida, os seus valores e as suas

opiniões. Através do questionário interroga-se um grande número de pessoas

sobre as mesmas questões obtendo-se, assim, uma multiplicidade de dados que

podem ser quantificados de forma a proceder a numerosas análises estatísticas.

O questionário era composto por questões fechadas e abertas (anexo 5). A

organização e elaboração das questões apresentadas visaram recolher

informações sobre tópicos como dados pessoais e familiares e sobre o contexto

escolar.

Por último procedemos ao tratamento e à análise dos dados recolhidos

através de uma análise estatística muito simples2.

2 Apenas levantámos as frequências absolutas e relativas.

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Para além do exposto, mantivemos com as famílias ciganas, no decurso

das visitas aos seus bairros, conversa informais e tivemos a oportunidade de ser

observadores das suas vivências e processos de socialização no seu meio

ambiente (anexo 6).

É nosso entendimento que as crianças constituem actores sociais. Para

Oliveira-Formosinho (2008: 13), esta centralidade relativamente às “(…) crianças,

a forte crença nos seus direitos e competência, conduzem a algumas

considerações metodológicas que deveriam ser tidas em conta (…),

nomeadamente considerações acerca de procedimentos e acerca da

consistência e validade dos conteúdos (…)”.

Foi necessário ultrapassar a timidez inicial das crianças (natural em tais

circunstâncias) e o seu pouco à vontade para começar a dialogar. Paulo Freire

(1997), por exemplo, insiste no diálogo como sustentáculo da educação

libertadora.

Estrategicamente, resolvemo-nos, então, por uma abordagem, que as

conduzisse a participar de forma activa no processo de investigação e a “quebrar

o gelo”.

Na investigação com crianças é excelente a interligação do trabalho e da

brincadeira como forma de “quebrar o gelo”(Christensen e James, 2005).

Para tal utilizámos diversas técnicas que contemplaram várias conversas

orientadas (Direitos das Crianças, contexto escolar e não escolar e perspectivas

de futuro), observação participante e não participante durante os seus tempos

livres no recreio e nos bairros ciganos (anexos 7, 8 e 9).

Quanto à observação participante, autores como Lakatos e Marconi (2001:

194), definem-na como “(…) a participação real do pesquisador com a

comunidade ou grupo. Ele incorpora-se no grupo que está a estudar e participa

nas actividades normais deste”.

No que respeita à observação não participante, Carmo e Ferreira (1998:

106), referem-nos que “se o observador não interage de forma alguma com o

objecto de estudo no momento em que realiza a observação, não poderá ser

considerado como participante”.

Começámos por pedir um consentimento informado a todos os actores

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deste projecto de intervenção, tendo em consideração a salvaguarda do

anonimato dos participantes e a confidencialidade dos dados. Para esse efeito

debruçámo-nos sobre as questões éticas que, necessariamente, se colocam

aquando de uma investigação e, muito em particular, quando engloba crianças

(Bell, 2004; Soares, 2008). Assim, e em consonância, utilizámos designações

fictícias relativamente à identificação da escola em causa e do meio envolvente.

Apenas mantivemos o distrito de Aveiro como verdadeiro.

Como procedimento de apoio às técnicas utilizadas construímos alguns

materiais lúdico-pedagógicos tais como um livro gigante em cartolina alusivo aos

Direitos das Crianças e uma estrutura em cartão colorido representando uma

“escolinha aberta”, tratava-se da maquete propositadamente inacabada para que

os alunos pudessem a seu modo, gosto e interesses completá-la (anexo 10,

fotografias1, 2 e 3).

Elegemos, também, um símbolo de união através de uma grande estrela

amarela de peluche (anexo 10, fotografia 4).

Ao longo dos contactos e das conversas com as crianças fomos

registando os elementos obtidos em grelhas de observação (Bell, 2004),

contendo impressões descritivas e sensoriais (anexos 7, 8 e 9).

Um outro instrumento utilizado na realização do nosso projecto foi um

diário de campo, dado que este funciona como uma agenda cronológica do

trabalho realizado, no qual se registam as informações gerais que irão auxiliar a

análise posterior (cf. Barros e Lehefeld, 2000). O diário de campo também

definido por Bogdan e Biklen (1994:150) como “o relato escrito daquilo que o

investigador ouve, vê, experiencia e pensa no decurso da recolha e reflectindo

sobre os dados de um estudo qualitativo”.

No decurso das conversas com as crianças, solicitámos-lhes que

elaborassem desenhos através dos quais representassem os seus mundos

sociais e expectativas futuras. Com estes organizámos um portfolio tendo em

vista a sua divulgação pelas respectivas famílias ciganas. A voz das crianças

exprimiu-se através dos desenhos (anexo 11).

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Capítulo II - Enquadramento geral da problemática

1. Da noção de cultura à cultura cigana

De acordo com Cardoso (2001: 29), cultura numa perspectiva tradicional

pode entender-se por “um conjunto de características materiais e espirituais, mais

ou menos imutáveis, atribuídas a grupos de pessoas que as mantêm e

transmitem de modo semelhante de geração em geração”.

A cultura no seu sentido estático, fecha-se em si própria e não permite que

se aceda a outras formas culturais às quais por necessidade tem, forçosamente,

de se abrir.

No entanto, actualmente, nas sociedades mais desenvolvidas

tecnologicamente, principalmente nas ocidentais, os valores mudam a uma

velocidade vertiginosa conduzindo a um desfasamento entre estes e os valores

ancestrais, porquanto se apresentam cada vez mais complexas e heterogéneas.

A cultura surge assim como um conceito dinâmico e de mudança com a

capacidade de se virar para o futuro mas com a necessidade de pactuar com os

valores do passado, pois como afirma Fragoso (2005: 70), “(…) entre o tradicional

e o moderno a cultura está, de novo, em papel de destaque. Na nossa opinião, de

nada vale a teimosia dos que querem prender as populações a uma noção

antiquada de tradição”.

A cultura de uma sociedade é o conjunto dos seus saberes, das suas

regras, dos seus usos e costumes, e dos seus valores sendo estes, como diz Hall

(2002: s/p) “(…) ideias abstractas, enquanto as normas são princípios definidos

ou regras que se espera que o povo cumpra. As normas representam o permitido

e o interdito da vida social”.

Humanidade e cultura estão indissoluvelmente ligadas, de tal modo que

não existe uma sem a outra. Hall (2002: s/p), refere que “sem cultura, não

seríamos de modo algum humanos, no sentido em que normalmente usamos este

termo. Não teríamos uma língua em que nos expressássemos, nem o sentido da

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autoconsciência, e a nossa capacidade de pensar ou raciocinar seria

severamente limitada”.

Actualmente não se pode perspectivar a cultura apenas como uma

identidade nacional, mas sim como um todo global que assume um conceito de

diversidade cultural.

Neste contexto, citamos Cardoso (2001: 29) quando refere que “(…) cultura

deve ser entendida como uma elaboração colectiva, em transformação constante,

a partir de contributos das diversas culturas e comunidades em presença numa

sociedade. Este conceito de cultura pressupõe o respeito pelas diferenças e

valorização dos princípios e elementos comuns às diversas culturas que

interagem numa sociedade, dando origem a novos elementos culturais, sem os

determinismos baseados na tradição e na autoridade”.

Assim, referimo-nos, particularmente aos grupos étnicos possuidores de

uma cultura própria que se distingue pelos seus valores, práticas, saberes,

hábitos e costumes.

De acordo com Cardoso (2001), estamos perante um grupo étnico quando

nos reportamos a um conjunto de pessoas que, face aos padrões vigentes numa

sociedade envolvente e dominante, se apresentam em minoria mas com hábitos e

cultura diferenciados dos daquela.

Os grupos étnicos são minoritários face à sociedade alargada,

apresentando-se para esta com uma identidade negativa e cujos valores são, por

sistema, ignorados face aos dominantes.

Mas não se pode, nem se deve considerar que uma cultura é melhor ou

mais válida do que a outra. É apenas diferente.

De acordo com Mendes (2005: 17), “sendo Portugal uma sociedade

multicultural, a convivência de uma pluralidade de etnias e identidades conhece

um alento renovado (…), na medida em que esta população tem vindo a revelar

uma assinalável vulnerabilidade aos mecanismos de empobrecimento,

marginalização e ghettização.”

Qualquer grupo considera a sua cultura fundamental uma vez que cada

um defende os padrões (de vida) em que acredita e se baseia e é essa importâcia

que nos cabe atribuir-lhe a fim de não criarmos campos de exclusão.

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De acordo com a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural da

Unesco (2002), os direitos humanos e os direitos culturais estão absolutamente

interligados, sendo que a cultura de uma sociedade é imprescindível para

qualquer projecto que se pretenda desenvolver e pôr em prática.

Por outro lado, valorizar uma em detrimento da outra é não aceitar a

diversidade cultural, ou pelo menos, é conduzir-nos a discriminações que por

vezes nos levam por caminhos ambíguos de marginalização e de segregação, o

que aliás ainda hoje se verifica com alguma frequência.

Neste contexto, de acordo com Cardoso (2001: 29), “(…) as pessoas das

diversas etnias têm, evidentemente, características culturais próprias que as

identificam e distinguem, mas interagem, diariamente, entre si com base em

elementos culturais que lhes são comuns”.

No entanto, o aspecto cultural pode servir de instrumento justificativo para

distanciar e ignorar as minorias étnicas, como seja o caso dos ciganos, atendendo

a que se orientam por uma cultura ágrafa e baseada numa forte coesão de grupo

que os leva, ainda, a fecharem-se um pouco ao mundo, que por sua vez se vai

aproveitando dessa circunstância para os ostracizar.

Segundo Sousa (s/d: s/p), “(…) a família, converte-se na unidade base da

sua organização social, unidade económica e educativa do grupo. É com base

nas relações de parentesco que se constrói a identidade cultural da etnia cigana e

é neste sistema de parentesco que se edifica a personalidade social cigana”.

Montenegro (2003: 470), refere-nos a sua “(…), estrutura social coesa,

hierárquica e conflituosa, casamentos precoces, ocupação do espaço exterior,

respeito pelos idosos, cuidado extremo em relação às crianças, vigilância

apertada em relação à mulher”, que nós consideramos serem pilares integrantes

dos seus padrões culturais.

O romanó/caló (língua utilizada entre si pelos ciganos) é mais um dos

factores de união identificador e de pertença (nacional e transnacional) que nos

possibilita compreender a sua singularidade étnica que embora se pretenda

ignorar não pode ser desprezada.

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30

O grupo cigano, como qualquer outro pertencente às minorias, tem direito à

diferença de identidades culturais, o que nos transporta para os direitos culturais e

para o seu respeito na prática.

Sousa (s/d: s/p), escreve que “os sujeitos sociais têm consciência de

pertença a um grupo étnico - o cigano - que se diferencia dos outros grupos

sociais existentes na comunidade portuguesa e, simultaneamente têm

sentimentos de pertença a um todo nacional de que são parte”. Neste contexto

subscrevemos Costa (2003: 526), quando refere que “a comunidade cigana

passa, neste momento, por um dualismo entre a tradição e a modernidade,

dualismo este que confronta elementos heterogéneos e contraditórios entre si”.

Apesar da forte coesão do grupo e de alguma resistência oferecida à

aceitação do “outro” o cigano começa a abrir-se ao mundo combinando a tradição

com a inovação possibilitando, desde que haja um esforço de vontades, a sua

inclusão o que de acordo com Sousa (s/d: s/p) não significa "(…) aculturação,

assimilação, destruição dos traços culturais da etnia cigana que quer queiramos

ou não, faz parte na nossa paisagem cultural e que por isso destruí-la é destruir

uma parte de nós próprios”.

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31

2. A multiculturalidade

Identificamo-nos com Souta (1997) ao verificarmos que nas sociedades

multiculturais do mundo actual coexistem duas tendências, algo antagónicas: o

universalismo e o particularismo. Acontecimentos como a globalização3 e a

progressiva interligação entre povos e nações, correlacionam-se com o fenómeno

da fragmentação em torno de quezílias clássicas e históricas, como o ilustram a

Bélgica no campo linguístico e a Irlanda no da religião.

É neste contexto que, como afirma Souta (1997:35), “Portugal tem sido

considerado como um dos países mais monoculturais e monolingues da Europa”.

No entanto, actualmente em Portugal, face a uma diversidade cultural a que

se vem assistindo, já se registam correntes de mudança em determinadas

práticas e atitudes como por exemplo emancipação feminina, visões diferentes da

criança, adolescente e homossexuais.

Daí que se caminhe no sentido de confirmar cada vez mais a diversidade

cultural existente. Desta forma cada vez há mais representações de minorias de

diferentes nacionalidades, línguas e tradições, tanto por razão do nosso passado

histórico, como devido aos mais recentes movimentos migratórios. Assim,

coexistem no nosso país grupos minoritários estrangeiros que aqui procuram

trabalho, bem como portugueses, principalmente, os de origem e cultura cigana e

africana.

Assim sendo, importa clarificar os conceitos de multiculturalismo e de

interculturalismo com que nos deparamos frequentemente.

O multiculturalismo baseia-se na ideia da existência de várias culturas

num determinado espaço geográfico, social e cultural.

Na perspectiva de Torres Santomé (2008:19), “a defesa da multiculturalidade

assume-se como ponto de partida nos territórios habitados por diferentes raças e

etnias detentoras de uma rica herança cultural que há que respeitar, manter e

fomentar. Esta filosofia está na base das propostas de educação multicultural”.

3 A globalização é o crescimento da interdependência de todos os povos e países.

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Nesta amálgama cultural e social, nem sempre se torna tarefa fácil distinguir,

segundo Iturra, citado por Souta (1997: 15), “(…) multiculturalidade, isto é, o que

resulta do convívio de ideias, mitos, ritos diferentes em convívio e o relativismo

etnocêntrico (…) ser eu um “eles” feito “nós” e a viver com “eles”. Um “eu” que

pensa e estuda uma outra multiculturalidade universal: a do adulto e a da

criança”.

Tendencialmente a multiculturalidade almeja abolir a estigmatização, como

no caso das minorias sem extinguir as suas tradições mais características. Tenta

integrar as diferentes culturas sem as destituir dos seus fundamentos, bases e

raízes. Uma sociedade multicultural será aquela que as preserva, mas não as

exclui, não as afasta, nem as segrega.

O interculturalismo, por sua vez, manifesta-se no processo de interacção

entre as várias culturas que se encontram num dado espaço.

Para Cardoso (2001: 16), “a educação intercultural é, portanto, uma

dimensão de um todo articulado de vertentes da educação para uma cidadania

global, democraticamente independente”.

Ainda de acordo com o mesmo autor (2001: 26), “(…) a utilidade da

educação intercultural revela-se, sobretudo, na qualidade dos contributos de cada

um, agora e no futuro, para a promoção da justiça social e de igualdade de

oportunidades”.

Analisando estes dois conceitos, verifica-se que ambos reconhecem a

existência de várias culturas; a necessidade de criar mecanismos democráticos

que facilitem a interacção e evitem o racismo, a xenofobia, a discriminação e o

etnocentrismo. Qualquer um deles preconiza a necessidade de alterar as políticas

culturais e os currículos ao nível dos sistemas educativos.

2.1. Políticas educativas e modelos multiculturais

A partir da década de 70, os governos dos países do Ocidente adoptaram

diferentes orientações para lidar com a diversidade étnica na sociedade e no

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33

sistema educativo. A educação multicultural insere-se assim na problemática da

política educativa para lidar com a diversidade cultural.

Num contexto de multiculturalismo deparamo-nos com três modelos

principais, que são o assimilacionismo, o integracionismo e o pluralismo (Peres,

1999; Correia, 2000; Wyman, 2001; Leite, 2005). Estes definem as principais

etapas da evolução histórica do multiculturalismo e subentendem diferentes

significados de igualdades de oportunidades.

O modelo assimilacionista foi uma corrente que prevaleceu durante longos

anos e cujas principais referências e prioridades eram a cultura nacional e os

valores do grupo dominante. A tolerância em relação aos grupos minoritários

situava-se em níveis que não afectavam as bases sociais e ideológicas dos

grupos maioritários que marginalizavam aqueles que não lhes reconheciam

direitos ou competências.

De acordo com estes pressupostos, o governo e a escola não promoviam a

manutenção das culturas de origem das minorias e portanto as oportunidades

educativas aconteciam no âmbito escolar e dos currículos existentes, que

permitiam a sua integração no sistema sociocultural do grupo dominante.

Assim sendo, os currículos eram ajustados à maioria reduzindo a

possibilidade de sucesso educativo das crianças pertencentes às minorias e a

possibilidade de terem igualdade de oportunidades sociais e económicas. Para

Torres Santomé (2008: 30), “o problema agravava-se quando esse povo ou

cultura não dispunham de um território específico e os seus habitantes tampouco

possuíam importantes recursos de poder económico, religioso, militar ou político.

Este é o caso do povo cigano (…)”.

No caso do modelo integracionista, segundo Peres (1999), este traduz um

processo social em que as minorias têm liberdade para afirmar a sua própria

identidade cultural, na medida em que tal não entre em conflito com a identidade

cultural dominante. No plano educativo, os defensores deste modelo evocam o

conhecimento e o respeito pelas diferenças culturais, de modo a combater

preconceitos, a promover o auto-conceito e a auto-estima dos alunos

pertencentes a minorias e a prepará-los para a vida em sociedade multiétnica.

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34

O integracionismo é também designado por teoria do “melting pot”.

Segundo Wyman (2001: 12), neste modelo “(…) todos os grupos envolvidos

desistem de alguns aspectos das respectivas culturas e ganham outros.”

Já para Torres Santomé (2008: 31), o integracionismo é perspectivado

como um pluralismo superficial porquanto apenas se afloram superficialmente

realidades sociais como as dos grupos ciganos: “este novo modelo de integração

foi o que orientou muitas vezes o trabalho curricular nas escolas centrado no

interior das novas autonomias, chegando a cair em fórmulas de trabalho que

podemos denominar como currículo turista”.

No que concerne ao pluralismo cultural e de acordo com Peres (1999),

estamos perante um modelo que defende e legitima a identidade cultural, partindo

do pressuposto que todas as culturas são iguais, podendo cada grupo étnico-

cultural desenvolver as potencialidades do indivíduo. Os grupos minoritários

manteriam as suas identidades e teriam plena liberdade de participar numa vida

cultural e social própria em circunstâncias iguais às das outras culturas.

Neste sentido, Torres Santomé (2008: 36) alerta para a necessidade de

haver uma educação multicultural crítica capaz de “(…) questionar o tipo de

políticas culturais, sociais e económicas que permite reconhecer identidades e

valorizar as diferenças que não atendem contra os direitos humanos”.

Em Portugal, podemos dizer que formalmente prevalece o pluralismo

cultural embora na prática seja o integracionismo que se aplica. Em teoria visa-se

a igualdade de oportunidades e promove-se a aquisição de conhecimentos e de

competências por parte das minorias para poderem participar numa cidadania

plena mas, na prática, dá-se a estas apenas o espaço e a liberdade necessários

para que a sua cultura se ajuste à dominante.

Importa ainda referir que a educação multicultural é indissociável do

conceito de pluralismo. No plano educativo, pode servir para fundamentar uma

maior democratização do sistema através de currículos abertos à diversidade e de

inovações pedagógicas.

Segundo André (2005: 50), “no que a este aspecto se refere, três

categorias poderiam traduzir aquilo que se joga na educação para o diálogo entre

as culturas: pluralismo, liberdade e tolerância”.

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2.2. Práticas educativas inclusivas face à diversid ade cultural

Em Portugal, o direito ao ensino no âmbito da igualdade de oportunidades

vem plasmado no número 1 do art.º 74 da Constituição da República Portuguesa

(revisão de 2005).

Por seu lado, o número 2 do artigo citado refere que “o ensino deve

contribuir para a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais,

habilitar os cidadãos a participar democraticamente numa sociedade livre e

promover a compreensão mútua, a tolerância e o espírito de solidariedade”.

Cardoso (1996: 5), no mesmo sentido, refere que “existem pressupostos

éticos universais desafiadores de políticas e práticas de educação multicultural,

sendo o primeiro, o direito de todas as crianças à igualdade de oportunidades no

acesso à escola e às condições necessárias para atingirem o sucesso educativo,

independentemente da sua origem étnica, social, em género ou outra”.

No entanto, a Lei de Bases do Sistema Educativo Português (1986) e a

reforma curricular a que deu origem não apontavam para desafios interculturais

que o contexto social da época já exigia, verificando-se nas zonas suburbanas

das grandes cidades do litoral uma significativa diversidade étnica e cultural.

Assim, reiteramos a posição de Souta (1997: 53-54) no que respeita à

Reforma Educativa quando diz “as mudanças étnicas no mundo e a importância

crescente da multiculturalidade na sociedade portuguesa são ignoradas pela

LBSE de 1986, apesar da revisão em 1997. A educação multicultural continuou

esquecida?”

A Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) determina nos seus

princípios, que o sistema deve “assegurar o direito à diferença, mercê do respeito

pelos projectos individuais de existência, bem como da consideração e

valorização dos diferentes saberes e culturas” (art.º 3º). No entanto, de acordo

com Araújo e Pereira (2003), não faz referência à crescente diversidade étnica e

cultural e à educação multicultural.

Na segunda alteração à LBSE (2005), um aspecto fundamental refere-se

ao ingresso no sistema educativo, isto é, à igualdade de direitos no acesso à

educação, o que na realidade nem sempre acontece.

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36

Se nem todas as crianças têm igual acesso à escola existem também

desigualdades dentro do sistema que impedem idênticas oportunidades no que

respeita à conclusão da escolaridade obrigatória.

O sucesso educativo não é, de forma alguma, para todos.

Apesar da crescente diversidade étnica, a maioria das políticas educativas

em Portugal não tem tido em consideração a diversidade das origens étnicas e

culturais dos alunos, oferecendo a todos o mesmo, sem questionar o impacto

diferenciado que determinadas políticas podem ter.

Apesar de tudo, o discurso da diferenciação do ensino tem corrido mais

velozmente do que as mudanças nas escolas. As práticas esperadas em matéria

de ensino diferenciado ficam, de facto, muito aquém dos princípios expressos nos

discursos formais. A acção educativa em contexto de diversidade exige rupturas

com estratégias anteriores e mobiliza sentimentos e perspectivas em relação a

aspectos sensíveis (raça, racismo, diferenças étnicas e culturais).

É necessário desenvolver políticas educativas que tenham em

consideração a diversidade étnica no sentido pluralista de justiça social, sendo a

escola vista como um contexto privilegiado, no qual a construção de identidade

deverá respeitar as diferenças e oferecer condições para que as pessoas de

origens minoritárias possam competir em igualdade de condições.

As minorias étnicas apresentam algumas condicionantes que as afastam

da realização efectiva da igualdade de circunstâncias no sistema educativo: a

natureza etnocêntrica do currículo; as ideologias assimilacionistas de muitos

professores; a sua falta de preparação para lidar com minorias; as baixas

expectativas em relação a esses alunos; a integração das crianças em grupos de

níveis diferentes em função da sua etnia e outros.

O Projecto Curricular de Turma, desenvolvido em função do contexto de

cada turma, pode ser um ponto de partida para diversificar o currículo escolar,

descobrindo conteúdos e estratégias que melhor respondam aos objectivos da

educação multicultural.

Os professores, colectivamente empenhados na multiculturalidade e no

anti-racismo, podem também influenciar mudanças institucionais significativas.

Eles são quem melhor conhece a situação social e escolar desfavorecida das

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crianças pertencentes às minorias. O fundamental da educação intercultural vai

sendo construído com práticas, conhecimentos, sentimentos e atitudes que os

professores promovem no contexto da sala de aula.

Cardoso (1996) refere que os professores interessados na

multiculturalidade podem introduzir mudanças significativas na escola, atendendo

a diversas etapas, as quais se podem sintetizar da seguinte forma:

- Definir o tipo de mudanças multiculturais que se pretendem promover;

- Clarificar os objectivos e as metodologias a usar para o processo de

mudança;

- Difundir o projecto na escola e procurar apoios juntos de outros

professores;

- Desenvolver a formação no âmbito da multiculturalidade;

- Proporcionar uma maior visibilidade ao projecto;

- Criar mecanismos de avaliação.

Ainda segundo Cardoso (1996), o processo de motivação dos professores

para as práticas multiculturais torna-se facilitado se, da sua parte, houver

conhecimento das principais características culturais das minorias étnicas e da

sua situação desfavorecida na sociedade.

Para além disso, afigura-se necessário desenvolver atitudes positivas face

às famílias, considerando os seus pontos de vista, bem como, o questionamento

acerca das práticas pedagógicas em turmas cultural e socialmente heterogéneas.

Relevante é, ainda, olhar a sociedade do ponto de vista das minorias, possuindo

expectativas positivas e afastando preconceitos e estereótipos.

Peres (1999), destaca na literatura da especialidade Cortesão e Stoer

(1996), Araújo e Stoer (1993), que referem dispositivos pedagógicos que poderão

servir para a construção progressiva da escola intercultural como sejam: a

“construção de genealogias” e “o recurso a jogos e brincadeiras”. Ainda dentro

deste contexto, salienta-se o “Código de Não – Discriminação em Educação”4,

que contem um conjunto de orientações concretas que destinadas a dar

4 Elaborado pelo Município Den Haag, na Holanda.

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visibilidade à participação da escola e da comunidade na defesa de princípios e

práticas interculturais.

A educação intercultural é um desafio para toda a sociedade. No ano em

que se comemorou o Ano Europeu do Diálogo Intercultural - 2008, a maioria das

escolas não manifestou nos seus Projectos Educativos e Curriculares,

preocupações com valores considerados multiculturais, sendo as suas acções

maioritariamente pontuais.

Não sendo referenciadas as questões da igualdade étnica e “racial” nas

políticas educativas, as escolas manifestam maior dificuldade no acolhimento e

inclusão, conduzindo os alunos de origens étnicas e minoritárias a menores

oportunidades educativas e profissionais.

Contudo, pensamos que as mudanças no sentido da multiculturalidade não

dependem exclusivamente da escola. São condicionadas por outros agentes

internos ou externos ao sistema educativo (por exemplo: comunicação social,

família, outras instituições), os quais desempenham um papel fundamental de

socialização.

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3. Famílias ciganas: organização social e familiar Os ciganos encontram-se em Portugal aproximadamente há cinco séculos

(cf. Gonçalves et al, 1995; Costa, 2003; Cortesão et al 1995; Mendes 2005).

Costa (2003: 504), refere que “os primeiros registos escritos da presença

dos ciganos em Portugal são conhecidos, mas não são, no entanto, pacíficos”.

São portugueses desde 1822, mas dificilmente assumem essa cidadania, na

medida em que se encontram genericamente dominados pelo preconceito e por

estereótipos, nomeadamente a linguagem, matrimónio precoce, actividades

ilícitas, tornando-se em função disso uma população de hábitos e de costumes

pouco conhecidos.

De uma forma geral este grupo étnico vive em situação de exclusão social,

mesmo quando confrontado com outros excluídos. Defende-se com uma cultura

muito própria e fechada o que se repercute, inclusivamente, numa certa

discrepância quanto ao número de ciganos em Portugal. As opiniões divergem e

torna-se difícil atingir um consenso. Cortesão (1995: 13-20) refere serem mais de

40 000. Para a Comissão Europeia Contra o Racismo (2002) reportam-se a 50 a

60 000 e o Projecto Satispen (2007) destaca que oscilam sensivelmente entre 30

a 90 0005.

Perante um grupo étnico com hábitos culturais tão diferentes do grupo

maioritário, as políticas aplicadas ao longo do tempo foram sempre no sentido de

uma certa negação em relação à figura do cigano. Estas políticas podem ser

agrupadas em três conjuntos: exclusão, reclusão e inclusão. No entanto, é

essencial aludir ao facto de estas poderem coexistir em termos de espaço e

tempo.

Assim, perante o medo e a falta de conhecimento sobre a etnia cigana,

surgiram políticas de exclusão, que acabaram por se revelar, em termos globais,

ineficazes. De acordo com Liégenois (2001) esta situação verificou-se por uma

falta de adaptação à realidade das dinâmicas sociais, não considerando a

5 Estes dados foram facultados por uma organização de carácter religioso de Aveiro, a qual

contactámos na fase do trabalho exploratório, Cap.III, secção 1.

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resistência dos ciganos e a sua consistente dinâmica social e cultural a nível intra-

grupal.

No entanto, na segunda metade do século XX desenvolveram-se uma série

de ideais de carácter mais humanista, que foram conduzindo a que o grupo

maioritário aceitasse melhor os ciganos. Em paralelo, surge uma forma de gestão

da sociedade mais tecnocrata, baseada em técnicos direccionados para serviços

sociais.

Estes dois aspectos conduziram a uma política de inclusão, que segundo

Machado citado por Mendes (2005: 185), “(…) significa que esses elementos

passarão a estar estruturalmente integrados na sociedade mais ampla”. Para o

efeito, foram concebidas algumas novas regulamentações relacionadas com os

diversos aspectos de vida dos ciganos.

Após a Revolução do 25 de Abril de 1974 e com a nova Constituição de

1976, afigurava-se que as discriminações teriam cessado. No entanto, de acordo

com Costa (1995: 17) citado por Mendes (2005: 52), tal não se verificou uma vez

que se manteve a regra “(…) que determina que a GNR exerça uma especial

vigilância sobre os nómadas, isto é, sobre os ciganos (art.º 81 do Regulamento da

GNR)”. O mesmo autor refere que este artigo foi submetido à apreciação do

Tribunal Constitucional, cujo acórdão nº 452/89 de 28 de Junho, decidia não ser

este artigo inconstitucional.

Na realidade subsistiam inúmeras contradições e a aplicação das leis não

era realizada de forma generalizada e justa, tanto mais que a polícia continuava e

continua a exercer uma forte vigilância sob o argumento de prevenção criminal.

Em consonância com as políticas de inclusão, emerge uma política de acção

social caracterizada pela atribuição de subsídios como o actual Rendimento

Social de Inserção (RSI) e o Abono de Família. Contudo, esta apenas vem

reforçar a necessidade de controlo por parte da sociedade maioritária e acaba por

ser uma barreira ao desenvolvimento e à integração. Para Liégenois (2001:41)

“esta acção é penosa para quem a suporta e a hipertrofia da assistência social é

muitas vezes, um entrave para o desenvolvimento de um apoio técnico que, em

sintonia com as dinâmicas sociais e culturais dos ciganos, lhe permitiria

adaptarem-se activamente (…)”.

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Para este autor as políticas de inclusão aplicadas não foram mais do que

uma reclusão numa óptica humanista, defendendo que independentemente dos

princípios orientadores adoptados “(…) o cigano nunca é definido tal como é, mas

sim tal como é necessário que seja, por motivos de ordem sócio-política”

(2001:42).

No que concerne à actualidade, a maioria dos países pretende uma

integração social dos ciganos. É, no entanto, do conhecimento geral que existe

uma discrepância entre uma vontade de integração respeitadora por parte dos

governantes e a sua aplicação na prática. Podemos dizer que entre a legislação e

a sua aplicação corre um abismo de vontades.

A socialização é um dos aspectos de particular importância na etnia cigana,

contudo é também bastante complexa. Por um lado, estamos perante um grupo

que é visto pela sociedade com uma conotação negativa e carregada de

preconceitos. Por outro, é a própria população geral que se afasta e tenta manter

a sua cultura intacta, acabando muitas vezes por sucumbir aos estereótipos

criados.

Segundo Enguita (1996: 15), “(…) os casos individuais são utilizados pelo

lado dominante como estigma para o grupo e como legitimação para estereótipos

culturais e atitudes discriminatórias”. Ainda de acordo com o mesmo autor (1996:

13) “a marginalização individual e grupal dos ciganos reforça a sua necessidade

de se voltarem para o grupo como fonte de identidade”.

Consideramos, ainda, de interesse mencionar que mesmo dentro da própria

etnia cigana, existem diferenças e algum afastamento entre os diversos clãs ou

grupos, na sua maioria precipitados pelas variadas condições de vida (tais como

factores de ordem económica e sociocultural) conduzindo a práticas diferentes em

diversos domínios.

Dentro deste grupo, a família assume um papel preponderante. Ela é a base

de todo o percurso existencial, fornece a segurança social e psicológica

necessária e é, também, a base da educação. De acordo com Liégenois (2001), o

grupo de educadores está dividido em três gerações: avós, pais e filhos.

Neste encadeamento, Cardoso (2001: 35), refere que “ a família converte-se

na unidade base da sua organização social, unidade económica e educativa do

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grupo (…). É com base nas relações de parentesco que se constrói a identidade

cultural da etnia cigana e é neste sistema de parentesco que se edifica a

personalidade social cigana”.

As famílias ciganas são normalmente bastante numerosas e a posição que

cada elemento ocupa na hierarquia do grupo é de grande importância e confina o

indivíduo às actividades que correspondem a essa mesma posição. A família é o

centro de identidade de cada um dos membros que a constituem, tornando-se a

base dos seus valores representativos morais e culturais, enquanto pilares do seu

quotidiano, posição corroborada por Sousa (s/d: s/p) quando refere que “são

nestes lugares estruturais que se constroem e se edificam cumplicidades que se

moldam hábitos, e costumes, que se constroem identidades e singularidades

culturais”.

O conjunto das famílias forma o grupo cigano, onde se potencia o sentido de

pertença, de coesão social e cultural face a uma sociedade exterior que por eles é

vista como sendo “o outro”.

Defende, também, esta posição Liégenois (2001:51), ao afirmar que “são em

geral grupos familiares alargados e o indivíduo será aquilo que a sua inclusão

neste ou naquele grupo determinar, ou seja, não será conhecido nem reconhecido

pela sua pessoa, mas sim pela sua posição no interior do grupo que definir a sua

identidade (…)”. Por sua vez, Cortesão (1995: 34), salienta que “(…) também se

pode descortinar a força aglutinadora da família alargada, e o papel proeminente

que assumem alguns elementos dessa família”.

Em termos de socialização familiar, há que atender à sua estruturação e às

regras rígidas no que diz respeito ao seu comportamento e acção.

Verifica-se uma grande distinção em função do género e da idade. Utilizando

a distinção de Parsons citado por Schilling (s/d: s/p) constatamos que ao homem

está reservado o papel instrumental, com excepção do contacto com organismos

públicos.

O homem é o chefe de família, cabendo-lhe a ele a protecção, segurança e o

sustento de todos os elementos. Contudo, em caso de prisão ou doença, é à

mulher que cabe esta função. É também a ele que compete resolver os assuntos

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pendentes, de “negociar e combinar” o casamento dos filhos e de decidir o futuro

da família (cf. Gonçalves et al, 1995).

A mulher e os filhos respeitam o homem e subordinam-se a ele como

autoridade máxima. No entanto, a mulher cigana assume um papel expressivo

Schilling (s/d: s/p), porquanto é ela quem ajuda o marido nas suas actividades,

transmite a cultura aos filhos e é também quem, segundo Costa (2003: 326) “(…)

se dirige aos organismos públicos ou sociais, é a educadora dos filhos pequenos

tal como das filhas até ao casamento”.

Ainda a este respeito é importante referir que, tal como acontece nas

comunidades islâmicas, se uma criança cigana se afastar das tradições, a mãe é

imediatamente responsabilizada pelo facto.

O chefe de família é sempre uma referência para os filhos do género

masculino, cabendo a estes últimos o papel de zelar pela integridade das suas

irmãs solteiras.

Embora a maioria dos ciganos já não encare de forma tão rígida as

tradições, estas ainda continuam a existir um pouco por toda a parte.

Um dos exemplos mais amplamente conhecido é o do casamento. A

expressão “parece um casamento cigano”, que tantas vezes utilizamos,

demonstra a grande celebração associada a este momento. A tradição cigana é

bastante inflexível no que diz respeito a este acto, que continua a revestir-se das

mesmas características desde há longos anos.

As raparigas são prometidas muito novas aos futuros maridos, sendo que

esta escolha é feita de acordo com laços familiares e condições económicas. Por

outras palavras, a maior parte das vezes não é um acto de amor mas sim uma

união entre famílias.

Um outro aspecto importante da estruturação familiar da etnia cigana é o

facto dos casamentos se realizarem muito cedo, em geral, entre os catorze e os

dezoito anos para as raparigas e entre os dezasseis e os vinte anos para os

rapazes. Esta situação faz com que as responsabilidades familiares sejam

assumidas prematuramente, o que implica, entre outros aspectos, o abandono

precoce dos estudos (cf. Cardoso, 2001).

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Antigamente era impensável a realização de casamentos entre ciganos e

“padjos” (não ciganos). No entanto, hoje em dia já se registam algumas uniões

entre homens ciganos e mulheres não ciganas. O inverso é que não pode

acontecer, correndo a cigana o risco de ser expulsa da comunidade para sempre.

Além dos aspectos já mencionados, o casamento é, ainda, muito importante

pois marca a entrada na vida adulta.

A pertença ao grupo familiar é de tal ordem significativa que “ (…) mesmo

depois de casar, se mudar de grupo, continuará a representar aquele a que

pertence. (…) na maioria dos casos, após o casamento a nora deixa a casa

paterna e passa a viver, com o marido, na casa dos sogros e só depois de

nascidos filhos, pelo menos o primogénito, irão passar a viver em casa separada”

(Cardoso, 2001:25).

Em relação ao matrimónio resta ainda mencionar que o marido e a mulher

vivem juntos até à morte, excepto em casos tidos por muito graves, nos quais um

“tribunal cigano” permita a separação.

Nestes tribunais, são os mais velhos que têm um papel decisivo, dado que

num clã ou grupo cigano o maior respeito e reverência lhes é concedido.

É importante ressalvar que o conjunto de elementos que vai tomar as

decisões é composto pelas mulheres ou pelos homens mais velhos da

comunidade, de acordo com o género do infractor e, ainda, que o castigo é

aplicado não só ao transgressor como a toda a sua família.

Há aqui que referir um elemento fundamental destas comunidades - o “Tio”,

também designado por patriarca. Esta figura proeminente assume uma relevância

primordial dentro da etnia cigana. O “Tio” representa a autoridade máxima, a

sabedoria, a experiência acumulada e a inteligência. É um homem cigano, já de

certa idade, que se impõe pela sua moral e que rege o grupo comunitário

segundo as leis vigentes no mesmo. É um homem de consensos, hábil e discreto,

justo e equitativo. Gere os conflitos e julga-os sempre segundos padrões morais e

as normas instituídas pelos usos e costumes ciganos, para Pinto (2003: 191),

“(…) procura manter a unidade e a coesão do grupo, julgando com rectidão e

gerindo os antagonismos através de processos de concertação e conciliação”.

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Outra figura de relevo para a comunidade cigana é a das crianças.

Normalmente os casais têm uma prole muito numerosa, e é com o nascimento do

primeiro filho que se consolida a família mas qualquer criança é bem aceite,

principalmente se for rapaz, porque vai permitir a continuidade do grupo.

A socialização primária pauta-se pela liberdade e pela ausência de

restrições. A criança embora sempre sob a vigilância da mãe, vive livre no seu

bairro. Cresce, aprende, brinca de forma natural e espontânea. Contudo, esta

vivência desenvolve-se num meio social tão fechado “o bairro cigano” que se

torna, de acordo com Enguita (1996: 10), “(…) fortemente protector porque todos

os adultos conhecem todas as crianças”.

Tanto a família como os restantes membros do grupo étnico procuram

incutir na criança sentimentos de estabilidade, segurança e protecção ao mesmo

tempo que lhes transmitem valores da sua cultura ágrafa. Para Sousa (s/d: s/p),

“as crianças aprendem por interacção com a família. A educação é permanente, o

que significa que para os ciganos não existem momentos para aprender, para

brincar ou trabalhar (…)”.

Enquanto que na infância os elementos da etnia cigana não fazem

distinção do género, o mesmo não acontece quando entram na juventude. Nesta

fase o rapaz liga-se ao pai e às suas actividades, ora lícitas, ora ilícitas. As

raparigas associam-se aos trabalhos domésticos junto da progenitora,

substituindo-a, por vezes, e preparando-se para um futuro de esposas e mães.

Em função destas vertentes, o acesso à escola e à continuidade de

estudos é muito mais acessível ao género masculino do que ao feminino. Neste

sentido, Costa (2003: 328), refere que o procedimento usual nas famílias ciganas

quanto às raparigas “(…) é impedi-las de prosseguirem os estudos, por mais

capacidade, ou ambição que as jovens demonstrem”.

Para Sousa (s/d: s/p), “a educação gira em torno da sua família unidade

básica de organização social, económica e educativa, onde os fracassos e/ou

insucessos são vividos como experiências a serem incorporadas nos seus

saberes (…)”.

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46

4. Escola e família

A formação e a educação das crianças são tarefas comuns à escola e à

família.

Na perspectiva de Diez (1994: 10) “escola e família têm, na educação da

criança, um lugar de encontro de acção e de relação coordenadas. A acção

educativa dos pais e da escola pode ser coincidente ou complementar (…)

contudo devem ser sempre incidentes, já que recaem no mesmo educando”.

As duas instituições intervêm no processo de socialização da criança. Esta

desenvolve, cresce e conquista a sua identidade, através da socialização

primária, inicialmente, em que a família desempenha um papel fundamental e

através da socialização secundária, mais tarde, onde a escola é o agente

socializador com mais impacto. No decurso deste processo uma e outra devem

estar associadas.

4.1. Interacção escola, famílias e crianças ciganas

O sistema educativo em geral, e particularmente a Escola, não podem

ignorar a realidade acima referida. Ambos têm um papel vital a desempenhar nos

processos de integração e de construção de uma cidadania para todos, como

resposta à diversidade étnica e cultural de quantos a frequentam ou a ela estão

ligados, como é o caso das crianças ciganas e das suas famílias.

Estamos de acordo com Sampaio (1996: 71) quando refere que é

necessário “(…) optimizar as relações entre os diversos intervenientes na

comunidade educativa, ou seja, falar de um triângulo fundamental, em que cada

um dos vértices simboliza o aluno, o professor e a família, em que é importante

que se estabeleça uma harmonia de funcionamento entre os três vértices e todos

participem no processo educativo”.

Actualmente caminha-se para uma mudança social e das relações entre

educação e multiculturalidade. Mudança que urge pôr em prática porquanto a

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perspectiva de aprendizagem ao longo da vida exige complementaridade e

continuidade. Posição que é corroborada por Sousa (s/d: s/p) ao referir que “a

escola tal qual a conhecemos, desenvolve relações de conflitualidade e não de

empatia com as crianças ciganas. São muitas vezes consideradas como intrusas,

não são compreendidas na sua diferença”.

O apoio da família interligado com a escola deveria ser contínuo e

coordenado, situação que não se verifica comummente no caso das famílias

ciganas.

Com efeito, nem sempre o educando é o ponto de encontro da relação

escola-família, sendo desta forma prejudicada a necessidade de comunicação

entre todos os actores sociais implicados no processo educativo. Assim sendo, a

comunidade cigana é a que apresenta maiores problemas escolares, como o

abandono precoce e o absentismo.

Passamos a invocar algumas razões que podem ajudar a compreender estes

problemas, salientando o binómio composto por um passado familiar constituído

por condições próximas da pobreza e pela necessidade da participação das

crianças, desde muito cedo, na economia de subsistência do seu agregado.

Perante isto, adoptamos a posição de Vieira (1992) quando defende que as

crianças devem ser crianças e que não devem ser obrigadas a tornarem-se

adultas de uma forma abrupta.

Por questões ligadas à tradição e à cultura ciganas, estudar não tem sido

entendido como um meio para atingir um futuro melhor. Segundo Sousa (2001:

40) “os pais de etnia cigana desconfiam da escola, da sua função educativa que

pode ser destrutiva da sua cultura”.

As crianças raramente passam do 1º Ciclo do Ensino Básico, principalmente

no que respeita ao género feminino, o que permite que as raparigas mais velhas

se ocupem dos irmãos mais novos, retirando essa sobrecarga às mães e

preparando-se para um casamento precoce.

De uma forma geral, a sociedade incute nas crianças ciganas a sua

incapacidade face à escola. É através da socialização secundária que estas

assimilam “que não são capazes de aprender”, que “não dão para os estudos”.

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São portanto, as competências que deveriam ser adquiridas na escola que

arbitrariamente são desvalorizadas diminuindo-lhes a auto-estima.

De acordo com Cortesão (1995: 30) “as crianças ciganas geralmente não

aprendem o que os currículos escolares exigem, ou aprendem mal, não gostam,

não se interessam, pelo que acontece na escola, embora muitas vezes nem

tenham consciência do seu tédio e até digam que gostam.”

Estas lacunas resultam em grande parte do facto destas crianças crescerem

e viverem em completa liberdade e serem subitamente confrontadas com normas,

horários, comportamentos e rotinas de aprendizagem quando chegam à idade

escolar e para as quais não estavam minimamente preparadas. Ainda, segundo

Sousa (s/d: s/p) “manifestam dificuldades em ver o docente como figura de

autoridade porque só respeitam a hierarquia familiar.”

Desta forma, as crianças ciganas ao longo do seu processo de escolarização

vão desenvolvendo conflitos quer de identidade, quer interpessoais, que muitas

vezes se revelam através de comportamentos disruptivos em ambientes

escolares.

Paralelamente, a diminuição do seu rendimento surge como consequência

da falta de sucesso nos processos de aprendizagem. Este aspecto resulta

essencialmente de dois factores. Em primeiro lugar, pela visão que os ciganos

têm da escola e, em segundo, pela desadequação da escola a este grupo

específico.

Com efeito, a etnia cigana relativiza o ensino formal e os seus saberes, pois

como diz Costa (2003: 328) “(…) a ausência de tradição do uso da palavra escrita

ajuda a clarificar a pouca valorização que, as mais das vezes, as famílias dão à

instituição denominada Escola”.

Por outro lado, a escola “regular” encontra-se desajustada da família cigana.

Este desajuste verifica-se no menosprezo dos seus saberes e vivências, na

condenação da sua língua, hábitos e tradições, considerando-os anacrónicos e

marginais.

Quando os valores das famílias não equivalem aos valores da escola

aumentam as barreiras no relacionamento entre as mesmas.

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Um princípio fundamental para ultrapassar essas barreiras é o entendimento

de que a comunidade educativa, em contextos multiculturais, deve perspectivar as

famílias como os seus parceiros privilegiados. Há que compreender e respeitar as

diferenças culturais existentes, estabelecendo relações simétricas entre família e

escola.

No entanto, assiste-se por um lado, a uma certa passividade da escola e, por

outro, a uma certa alienação e indolência dos ciganos. O quotidiano escolar

pauta-se por uma apatia tacitamente aceite entre os seus actores.

Na realidade, os grupos ciganos não querem abrir o seu leque de

perspectivas culturais, isolando-se num forte sentimento de pertença, de coesão e

de distanciamento em relação aos outros. Por sua vez, muitos professores

duvidam das vantagens da participação das famílias, talvez com receio de que

estas compliquem o funcionamento da escola, obrigando-os a tarefas adicionais.

No sistema educativo, a cooperação com as famílias é uma área muito

delicada. As crianças ciganas, de acordo com Cortesão (1995: 30) “(…) não vão à

escola ( …) porque não existe, nos seus grupos de pertença, grande (ou por

vezes nenhuma) pressão social para que cumpram a escolaridade obrigatória ou

até para que se alfabetizem, interiorizam a sua incapacidade face à escola, e

através desta socialização”.

Podemos registar, ainda, a utilização do analfabetismo como protecção

cultural, a não identificação entre a pedagogia dos ciganos e dos não ciganos, os

estereótipos culturais e sociais e também o facto de ser uma sociedade patriarcal

que não incentiva a escolaridade feminina.

Liégenois (2001: 71) sustenta que “para muitas comunidades ciganas, o

analfabetismo, acompanhado por uma reduzida percentagem de semi-

analfabetismo, representa ainda hoje uma opção na linha de uma tradição que

considera o código alfabético como um código próprio dos não-ciganos e cujo

conhecimento ou falta de conhecimento constitui um elemento de classificação

étnica”.

4.2. Factores condicionantes da integração escolar

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Constata-se, também, que o factor social e económico tem um enorme

impacto na vida desta população, com fortes repercussões na forma como o

cigano é representado na sociedade em geral.

Não é de esquecer que o grupo étnico cigano vive essencialmente de

actividades profissionais sem qualquer qualificação, como a do comércio

ambulante exercido em feiras e mercados.

Esta frágil situação social e económica conduz, dentro de uma sociedade

essencialmente consumista, a que o cigano seja relegado para um campo de

indiferença, de ignorância, e quantas vezes de menosprezo, atendendo a que não

cabe nos estereótipos actualmente em vigor, tais como o casamento precoce ou

combinado e a iliteracia.

Assim, as ideias estigmatizantes condenam a uma posição social frágil,

proporcionando uma visão cada vez mais negativa por parte da sociedade, que

conduz a atitudes de afastamento e até de violência.

Neste contexto, citamos Liégenois (2001: 46) quando afirma que “as

representações, feitas de preconceitos e estereótipos, que as pessoas que

contactam com Ciganos e Viajantes têm destes, revestem-se de uma importância

primordial, pois são elas, que, em grande parte, determinam as atitudes e os

comportamentos para com aqueles.”

É nestes grupos mais desfavorecidos onde se reflecte um menor grau de

escolarização, maiores dificuldades de aprendizagem e de integração. Para

Bautista et al (1997: 185) “é um facto constatado que aparecem maiores

dificuldades cognitivas, afectivas e emocionais, em indivíduos pertencentes às

faixas sociais mais pobres”.

De facto, os ciganos na escola não demonstram grandes aspirações e não

têm confiança nas suas próprias capacidades.

Os aspectos relativos à auto-estima e ao auto-conceito são primordiais para

qualquer ser humano, contudo adquirem maior importância quando nos referimos

a grupos étnicos minoritários.

Este facto pode ser explicado por diversas situações. Por um lado, estes

são grupos constantemente envolvidos em processos de marginalização,

xenofobia e exclusão. Situação esta que implica um constante afrontamento e

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crítica ao grupo do qual provêm, podendo destruir a imagem que têm de si

próprios.

Por outro lado a desvalorização da cultura minoritária, as dificuldades

inerentes à linguagem e as baixas expectativas da restante sociedade em relação

a estes grupos são factores que contribuem para uma maior fragilização.

De acordo com Pereira (2004: 36) “As condições que podem levar à

formação de um fraco auto-conceito num jovem podem ser agravadas com o facto

de esse jovem pertencer a uma minoria étnica.”

É evidente que esta situação provoca nessas minorias sentimentos de

revolta, de indignação face à sociedade em geral e de falta de autonomia.

Para terminar, referimos ainda outros factores que dificultam, de alguma

forma, a relação família-escola, tais como o horário de atendimento aos

encarregados de educação, a inexistência de um local apropriado para o efeito, a

linguagem técnica utilizada pelos professores, a falta de hábito dos pais para se

deslocarem à escola, e a falta de preparação e de formação no que respeita à

maioria dos professores quanto ao conhecimento da cultura cigana. Tais

elementos são factores impulsionadores de um maior afastamento entre a família

e a escola.

A atitude ética do professor é determinante na relação com os seus alunos,

pensamos que aquele nunca perderá tempo quando fala de valores, de princípios

e de igualdade de oportunidades. O docente deverá ter como meta uma

sociedade de maior partilha, de menor egoísmo e sobretudo de não violência. É

necessário, pois, que acredite no potencial dos seus alunos.

Estamos de acordo com Pinto (2003) quando salienta que há duas formas

de aprendizagem distintas que entram em confronto. Uma é a da cultura cigana,

que se transmite através dos seus usos e costumes a outra a da sociedade

envolvente na qual os saberes oficiais se adquirem nas escolas, onde nem

sempre são respeitadas as particularidades culturais dos alunos que a

frequentam.

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Capítulo III - O desenvolvimento do projecto

1. O Trabalho exploratório

O trabalho exploratório abarcou três fases. A primeira, junto de vários

técnicos e entidades, a segunda de informadores privilegiados e a terceira do

próprio grupo de participantes/famílias ciganas.

No decurso destas fases pautámo-nos sempre pela procura de mais amplos e

profundos conhecimentos que nos permitissem apreender as dinâmicas sociais

em que se movimentavam crianças e respectivas famílias de etnia cigana.

Após várias leituras alusivas à temática e que nos transmitiram algum suporte

teórico partimos à procura de esclarecimentos, dados e informações acerca da

realidade concreta sobre a população de etnia cigana. Iniciávamos, desta forma,

o trabalho exploratório. Almejávamos, acima de tudo, conseguir informações

úteis que nos fossem aproximando cada vez mais desta comunidade, no sentido

de nos facultarem uma compreensão da mesma.

Assim, desenvolvemos uma série de entrevistas exploratórias, através de

contactos diversificados com informadores privilegiados de diversas entidades,

parceiros sociais e famílias de etnia cigana dos bairros comunitários situados no

lugar do Caminho, freguesia da Paz, na cidade de Aveiro.

1ª Fase – Técnicos e Entidades

Nesta jornada detivemo-nos, inicialmente, nos contactos com a Câmara

Municipal de Aveiro, nomeadamente através da Directora da Rede de Acção

Social.

Procurámos alguma orientação inicial pois tínhamos conhecimento da

aproximação desta entidade à comunidade cigana de Aveiro e, particularmente,

aos bairros ciganos da Paz. Assim, numa primeira reunião expusemos e

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explicámos as linhas orientadoras do nosso projecto. Ficou estabelecido

agendar-se nova reunião com a Câmara Municipal de Aveiro e os demais

parceiros da rede social. Mas houve um encontro de vontades e para tal também

pesou o facto de alguns projectos, promovidos por uma organização de carácter

religioso de Aveiro, terem terminado. Tal facto permitiu-nos inferir, por maioria de

razão, que longe da problemática estar esgotada, seria não só importante, mas

também oportuno continuar e avançar a partir do que já estava feito.

Percebemos, então, a pertinência de consultar os referidos projectos e

saber o que já estava realizado. Esta seria uma das nossas próximas paragens.

Durante a primeira reunião, foi-nos fornecido um novo contacto, desta vez

o da Coordenadora do 1º Ciclo da Escola da Escola da Luz, do Agrupamento de

Escolas da Paz, em Aveiro, onde predominam crianças de etnia cigana.

Mais tarde, e após contactos já encetados com a mencionada

representante do 1º Ciclo, procurámos por diversas ocasiões, retomar a ligação

com a representante da Câmara Municipal de Aveiro. No entanto, por dificuldades

da parte desta reunimos com alguém que a substituiu.

Fomos informados que a reunião com os técnicos tinha sido agendada

para Abril e que teria lugar na Fundação, a qual apoia por delegação do Estado,

famílias carenciadas. Mais uma vez o nosso objectivo da reunião prendia-se com

a troca de informações sobre projectos já realizados e com a possibilidade de

nova intervenção junto das crianças da comunidade cigana.

Apesar de sentirmos que havia um desgaste e um desacreditar no diálogo

cultural, tomámos conhecimento que é nesta fundação, que desde 2005, assenta

a possibilidade de pôr em prática o protocolo com as famílias que usufruem do

Rendimento Social de Inserção (RSI), através da sua equipa técnica, constituída

por um Técnico de Segurança Social e uma Psicóloga. Tomámos conhecimento,

também, que na generalidade quase todas as famílias de etnia cigana

beneficiavam de apoio. Se havia alguma em relação à qual tal não se verificava

era porque “estava de castigo”. Apercebemo-nos que esta última situação de

penalização se devia nomeadamente a factos como a falta de entrega atempada

de documentação ou por motivos de absentismo escolar dos próprios, atendendo

a que estes são compelidos a frequentar o ensino básico.

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Percepcionámos, deste modo, que os valores culturais que muitas vezes

justificam tais atitudes estavam a ser esquecidos e que, de certa forma, havia

uma espécie de alheamento em relação aos valores culturais da “outra parte”.

Rumámos à procura de mais esclarecimentos, desta vez junto da referida

organização cívica de carácter religioso de Aveiro, através da Coordenadora dos

Projectos e da Psicóloga. Ressaltamos que de todos os parceiros sociais, só

estes não se importaram que efectuássemos o registo através de gravação.

Abordaram directamente os projectos, desenvolvidos entre 2003 e 2007, pela

instituição em articulação com parceiros sociais diversificados e cujo público-alvo

se focalizou na população de etnia cigana. Tomámos conhecimento de que o

primeiro projecto se direccionou para a intervenção sistematizada e de resposta

naqueles bairros, ao passo que o segundo valorizou o aspecto étnico nas suas

múltiplas facetas. No momento aguardavam novo financiamento para colocarem

em prática um terceiro projecto, uma vez que esta população ilustra grandes

problemas de integração social.

Afigurou-se-nos que enquanto entidade detentora da mais profícua

intervenção na área de etnia cigana se convertia, naturalmente, na nossa melhor

fonte de informação e esclarecimento. Foi elucidativo saber que dinamizaram

acções direccionadas para hábitos de higiene, cuidados primários de saúde,

regras básicas de alimentação e outros.

Não obstante, a falta de continuidade do financiamento dos projectos em

causa levou à suspensão dos mesmos e, em consequência, à intervenção no

terreno, tendo ficado goradas muitas das expectativas que tinham sido criadas às

famílias de etnia cigana.

Este conhecimento prático aproxima-nos de Mendes (2005: 44) quando

refere que o papel das instituições estatais se tem “pautado por uma atitude de

omissão ou de reduzida intervenção em relação à problemática (…) do grupo

étnico cigano. Para além disto, convém ainda destacar o “assistencialismo”

associado a intervenções pontuais e “interrompidas” de algumas instituições

particulares de solidariedade social que operam junto desta população em

contextos territoriais específicos”.

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Dando continuidade ao nosso trabalho exploratório, tentámos obter mais

dados e por isso voltámos à Câmara Municipal de Aveiro, onde contactámos a

Chefe de Divisão da Habitação Social. Procurámos indagar sobre dados

estatísticos relativos à população de etnia cigana no distrito, mais concretamente

sobre o público-alvo dos três bairros comunitários em causa. Apesar da boa

vontade demonstrada na altura, o momento não se mostrou o mais favorável

porquanto procediam à reestruturação informática dos dados que abarcavam os

fogos que eram propriedade da Câmara e dos respectivos agregados familiares

que os habitavam. Transmitiram-nos que outros fogos eram pertença do Instituto

de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU). De qualquer modo não eram estas

as informações que solicitávamos, apesar de versarem sobre o realojamento da

diversificada franja social vincada pela exclusão nas suas variadas formas mas

sim, e muito particularmente, aqueles que nos aproximassem da população dos

bairros ciganos, que habitavam nos pinhais, onde ainda nunca tínhamos estado.

2ª Fase – Informadores Privilegiados

Avançámos mais um passo através dos contactos estabelecidos

anteriormente. Contudo, nesta fase, nunca chegámos a encontrar-nos

pessoalmente com a professora da Turma B, a qual embora se mostrasse

disponível, nos remeteu para a sua colega que leccionava a alunos do 3º e 4º

anos, alegando que os seus pertenciam ao 1º ano de escolaridade.

Seguimos, assim, em frente e encetámos contacto telefónico com a outra

professora. Desta vez com mais êxito.

Voltámos a transmitir todas as informações e toda a nossa vontade de

iniciar o projecto com crianças e famílias ciganas. Nesta linha condutora,

explicitámos as ideias principais do nosso projecto, à professora da Turma A.

Foi uma agradável e grata surpresa verificar que a professora referida se

revelou, desde logo, interessada e disponível. Inclusivamente alguns dos seus

alunos já tinham estado na Universidade de Aveiro, no âmbito da “Maior Aula do

Mundo”, pensada no contexto da Campanha Global pela Educação (“Mais

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Educação, Menos Exclusão! Educação de qualidade para acabar com a

Exclusão”), no dia 23 de Abril de 2008.

Este último contacto proporcionou a marcação de uma reunião informal, da

qual registámos aspectos relevantes tais como a composição actual da sua turma,

características principais e impressões gerais num quotidiano de escolarização

marcadamente étnica. Apercebemo-nos que nas suas mãos o discurso assumia

uma postura de integração social.

Neste contexto e de forma a obter autorização formal seguimos em frente.

Contactámos a Presidente do Conselho Executivo do Agrupamento de

Escolas da Paz, a qual nos remeteu para o Vice-Presidente, uma vez que este

tinha sido professor do 1º Ciclo do Ensino Básico e, por tal, encontrava-se mais

entrosado no assunto. Perante tais circunstâncias acordámos em enviar-lhe o

resumo do projecto.

Em Fevereiro, os esforços acabam por ser compensados através de uma

carta de autorização para desenvolvermos o nosso projecto na Escola do 1º Ciclo

do Ensino Básico da Luz.

Procedemos a novo contacto telefónico com a professora da Turma A e à

marcação da primeira visita à escola.

Efectuámos, entretanto, uma entrevista semi-estruturada ao Vice-

Presidente do Conselho Executivo do Agrupamento de Escolas da Paz (anexo

12). Esta versou sobre dados pessoais, profissionais e sobre o contexto escolar.

A entrevista permitiu-nos perceber que num universo de 1166 discentes, o

número de alunos de etnia cigana reportava-se sensivelmente a uns 30 a 40

alunos (entre todos os níveis de ensino do agrupamento), com maior incidência

do género feminino. Tomámos contacto com a circunstância de que quase todos

já tinham sofrido, pelo menos, uma retenção, exceptuando os que frequentavam o

1º ano de escolaridade. Os que chegavam ao 2º Ciclo do Ensino Básico eram, por

norma, integrados nas turmas de Percursos Curriculares Alternativos (PCA).

A maioria dos encontros com os informadores efectuaram-se, de uma

forma espontânea e pouco estruturada, a fim de permitir que os entrevistados se

expressassem livremente sobre o que sentiam como mais significativo. Por outro

lado, esta aparente ausência de táctica organizativa ia-nos permitindo captar as

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suas respostas de forma a poder encaminhá-las, paulatinamente, para temas e

abordagens que tínhamos por fundamentais.

Foi o caso da entrevista (anexo 13) que efectuámos à única auxiliar de

acção educativa da escola e que possibilitou acedermos a outras informações

complementares resultantes do seu saber experienciado nos últimos cinco anos.

Assim, tomámos conhecimento de que a escola sempre foi frequentada

maioritariamente por crianças de etnia cigana atendendo à sua proximidade com

bairros ciganos6.

Apercebemo-nos de que esta funcionária detinha uma percepção diferente

sobre as duas turmas existentes em contexto de sala de aula.

Aliás, através da observação directa e das múltiplas conversas que se

foram desenrolando ao longo do tempo, demonstrou ser aceite e encontrar-se

perfeitamente integrada no seio das famílias ciganas. Inclusivamente, colaborava

com estas na leitura de muitas cartas e na explicitação dos respectivos

conteúdos. Veio, pois, a revelar-se uma mais valia durante o nosso projecto

porquanto serviu de mediadora na nossa aproximação aos bairros ciganos e

consequentemente às respectivas famílias das crianças escolarizadas.

Encetámos, posteriormente, contacto com a representante da Associação

de Pais e Encarregados de Educação. Esta era mãe de uma aluna não cigana e

de todos era a que possuía mais habilitações académicas, uma licenciatura.

Referiu-nos que as famílias ciganas na realidade não necessitavam de

representante pois resolviam as questões que consideravam pertinentes

directamente com a professora, situação que lhes era facilitada devido à

proximidade escola-residência. “Quando precisam não vão, estão na escola”. A

representante da Associação de Pais e Encarregados de Educação bem como

todos os outros partilhavam da opinião de que havia uma diferença de actuação

entre as duas professoras em relação aos alunos de etnia, se uma procurava

aproximação, a outra distanciava-se. Pelo que nos foi exposto inferimos que se

tratava de uma postura diferente perante as crianças e famílias ciganas.

6 A falta de algumas regras de higiene levava até a que algumas alunas tomassem duche

de roupa interior na escola. Muitas vezes era-lhes fornecida roupa alternativa.

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3ª Fase – Contactos com as famílias ciganas

A nossa fronteira mais difícil de ultrapassar foi o acesso aos bairros

ciganos.

Tínhamos informações contraditórias dependendo dos actores que as

disponibilizavam. A maioria convergia no sentido da difícil aproximação aos

bairros onde, diziam, se vivenciava uma forma de socialização num âmbito restrito

que limitava tanto quanto possível as relações com estranhos, como forma de

coesão do grupo étnico. Quem surgia do “exterior” não era em princípio bem-

vindo. Os ciganos preferiam ficar na penumbra em relação ao “outro”, atitude que

ressaltava com maior incidência no Bairro do Terreiro.

Também escutámos o contrário. Falaram-nos de aceitação para aqueles

que lá iam por bem.

Assim, percepcionámos que na perspectiva da equipa técnica da Câmara

Municipal de Aveiro não seria tarefa fácil e que o Bairro do Terreiro se

apresentava de longe como o mais problemático e perigoso, onde num circuito

fechado se corporizavam práticas vividas à margem da lei. Inclusive, os próprios

técnicos tinham sido expulsos numa das suas últimas tentativas de visita.

Alegadamente foram sujeitos a impropérios e ameaças. Ficámos alerta e

apreensivos mas não desistimos desta abordagem porquanto a entendemos

essencial para uma maior apreensão dos contextos sociais e afectivos das

crianças e respectivas famílias. De igual modo, a visão da Fundação não

melhorou o panorama étnico, perspectivando que não seria de todo fácil. Não

obstante, ficou a possibilidade de, eventualmente, se agendar uma primeira visita

aos bairros dos agrupamentos ciganos com a sua colaboração, com excepção do

Bairro do Terreiro. Em relação a este subsistia uma imagem de ilicitude e de

comportamento desviante, intimidativos para quem se apercebia ou conhecia esta

realidade social.

No entanto, o Bairro da Primavera e o Bairro do Souto foram objecto de

intervenções várias por parte da organização religiosa já referida, o que traria,

aparentemente, maior permeabilidade a contactos externos.

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Afigurou-se-nos, no entanto, fundamental que não poderíamos contactar

sozinhos os bairros ciganos atendendo a todos os constrangimentos inerentes a

uma exposição deste género e tendo em conta a nossa própria segurança. Assim,

a realização da primeira visita implicou o acompanhamento, pela sua

proximidade, de uma informadora privilegiada, a auxiliar de acção educativa da

escola, a qual estabeleceu a ponte, no papel de intermediária. Nessa função, e a

nosso pedido, apresentou-nos à comunidade cigana, pelo que passámos a

explanar sumariamente o projecto em causa.

É de referir que em todos os bairros a nossa abordagem inicial assumiu as

mesmas características.

O Bairro da Primavera e o Bairro do Souto situam-se bastante próximos,

quer da escola quer entre si e localizam-se em pinhais. Ambos são servidos por

um caminho em terra batida “decorado” por imensos buracos, o que transmite

uma sensação de desolação e de desconforto, principalmente durante o Inverno.

Já o Bairro do Terreiro encontra-se sediado, também, numa zona de pinhal um

pouco mais distante mas mesmo assim ainda próxima da escola. Esta

proximidade territorial e étnica não obsta à existência de notórias discrepâncias

entre todos os habitantes dos vários bairros. São contextos paralelos mas ilustram

realidades diferentes.

Bairro da Primavera

A nossa meta inicial foi o Bairro da Primavera. Quando nos apercebemos já

estávamos em frente a um grande portão que acedia a este. Procurámos o

detentor do estatuto mais prestigiado, o responsável pela autoridade e

organização do seu bairro. A fim de obtermos livre acesso ao bairro, solicitámos

consentimento ao chefe, o patriarca do bairro, a pessoa mais idosa do local,

trajado de negro e com uma enorme barba branca, que pelo peso dos anos já vai

passando as suas funções ao filho mais velho, para quem nos encaminha.

Aliado ao facto da sua forma de vida se pautar por uma sedentarização

relativamente recente (15-20 anos), acresce a circunstância de ocuparem

espaços sem licença de construção no meio de pinhais, que envolvem zonas

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industriais adjacentes, o que conduz a que algumas das condições mínimas de

habitabilidade não sejam observadas nestes acampamentos.

Este Bairro da Primavera mais não é do que um comprido e estreito

caminho cimentado que se calcorreia num instante e apenas a pé. As exíguas

habitações situam-se todas do lado direito e sem intervalos de privacidade. Os

tipos de alojamento que actualmente proliferam dividem-se entre barracas de

alvenaria e a construções de alvenaria acabada, em tudo semelhantes a anexos.

Acaba por ter um certo ar pitoresco.

Aqui se albergam dez agregados familiares, todos com relações de

parentesco.

Estas famílias ciganas embora inicialmente com alguma relutância e

desconfiança, acabaram por aceitar e permitir as nossas visitas quando se

consciencializaram que queríamos colaborar na relação escola-família.

Bairro do Souto

Voltámos ao caminho de terra. Metros à frente embrenhámo-nos no interior

do pinhal que se mantém em estado natural. Tínhamos alcançado o Bairro do

Souto. O lugar que parecia deserto alberga seis agregados familiares. É

composto por alojamentos concentrados no seu lado direito. Também aqui as

habitações se revelam precárias pois as construções são tipo anexo, distribuindo-

se entre barracas de alvenaria, construções de alvenaria acabada e uma espécie

de tendas já abandonadas. Para além disso, as habitações encontram-se sem

condições mínimas. Não possuem água canalizada, não existem casas de banho

e a energia eléctrica é fornecida por geradores, ao contrário do que acontecia no

Bairro da Primavera.

A paisagem que nos rodeia tem um aspecto mais degradado e decrépito

que no bairro anterior, as próprias portas das habitações encontram-se abertas

como se tudo tivesse sido abandonado. No entanto, de repente, eis que da última

habitação vão surgindo mulheres e crianças. A situação repete-se. Mais uma vez

é necessário quebrar barreiras de desconfiança e ansiedade. Elucidamos, ainda

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que sumariamente, sobre o projecto em causa. Para nossa estupefacção, nesta

ocasião o consentimento é recebido da chefe do bairro, a matriarca, a qual não é

a figura mais idosa mas a que foi adquirindo mais respeito e legitimidade após o

falecimento do anterior patriarca. É esta mulher jovem, mãe de seis crianças que

nos recebeu com aparente abertura. À guisa de despedida lança-nos o repto

“Pode vir cá sempre que quiser. Ninguém a vai tratar mal.”

Bairro do Terreiro

Para último lugar permaneceu o mais problemático dos bairros, o Bairro do

Terreiro. Encontra-se mais afastado dos restantes e muito embora o acesso por

estrada seja fácil, é considerado o mais perigoso devido ao enorme tráfico de

droga e de outras actividades ilícitas a que este bairro se encontra associado,

embora sem carácter de exclusividade.

Localiza-se na entrada do pinhal que se situa em frente à única fábrica

existente nessa rua. De resto nada mais se avista ou escuta. Ao avançarmos

sentimos que aqui não podíamos alimentar distracções.

Indubitavelmente, o primeiro impacto é chocante. Os agregados familiares

perfazem uma lista de dez No que concerne ao tipo de alojamentos é o que

revela, no cômputo geral, maior estado de degradação. Proliferam construções do

tipo anexo, semelhantes aos outros bairros mas exteriormente ainda mais pobres

e decadentes. Estas repartem-se entre barracas de alvenaria incompletas,

algumas barracas de madeira e duas tendas de materiais adaptados. A ausência

de condições de habitabilidade é idêntica às do Bairro do Souto.

Procuramos o patriarca, homem que devido à sua estrutura física impõe

respeito. Veste-se de negro mas não adoptou a típica barba. De todas as pessoas

com quem fomos contactando é a única que se encontra a exercer uma

actividade profissional, como guarda-nocturno numa empresa. Não se revela uma

personagem propriamente afável, mas escuta-nos com atenção e permite a

realização do nosso projecto, principalmente quando percepciona não estarmos

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associados a parceiros da rede social, que lhes possam eventualmente retirar o

Rendimento Social de Inserção (RSI) ou o Abono de Família.

Com a intenção de efectuar um inquérito por questionário de administração

indirecta, deslocámo-nos, novamente, aos três bairros de etnia cigana. Pusemos

em prática um pré-teste que serviu de instrumento para aferir da aplicabilidade e

adaptabilidade dos inquéritos que posteriormente iríamos utilizar.

Nesta segunda visita, foram-se estabelecendo ténues conversas informais

que permitiram perceber que todas as crianças ciganas dos bairros frequentavam

a escola, muito embora isso nem sempre fosse sinónimo de assiduidade.

Evitámos tecer juízos de valor. A desconfiança inicial burilava-se lentamente,

ganhando contornos de aceitação. Indistintamente, as pessoas começavam a

aproximar-se e dialogavam connosco, filtrando e controlando os objectivos de

cada visita, após o que regressavam aos seus lugares ou permaneciam

curiosamente próximos.

Entretanto, começam a reconhecer-nos e a aceitar-nos. Algumas crianças

já nos identificavam e associavam à escola, desde que surgimos acompanhados

pela auxiliar de acção educativa da escola.

De um modo geral, percebemos que não obstante pertencerem a um grupo

étnico, detentores de uma história e de uma cultura comuns, os ciganos dos

bairros não deixavam de revelar as suas próprias divergências, perceptíveis

igualmente na sua fixação e distribuição no território, na sua condição

socioeconómica, na forma de funcionamento e organização do bairro e até nas

suas relações de vizinhança, o que se constatava através de uma forma própria e

independente de funcionamento. Cada um agia e actuava à sua maneira. Não

foram observadas grandes ligações entre os três bairros. Não havia coesão.

As observações efectuadas registaram-se em “Grelhas de Observação”

(anexo 6), contendo impressões descritivas e sensoriais e num “Diário de

Campo”7, tendo como objectivo permitir uma melhor análise de conteúdo.

7 Não faria sentido ser colocado em anexo.

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2. A voz das crianças 2.1. Conversas com as crianças – os cantos da sala

As visitas à Escola da Luz proporcionaram-nos encontros e múltiplas

conversas, com as crianças das Turmas A e B, sustentadas através de guiões

propositadamente elaborados para o efeito (anexo 7). Posteriormente, e à medida

que as conversas iam fluindo, elaborávamos um registo manuscrito que nos

permitiria construir grelhas de observação (anexo 8).

2.1.1. Turma A

Os contactos com os alunos da Turma A decorreram entre Março e Junho

de 2009 e tiveram lugar durante o seu tempo lectivo, pelo que as visitas foram

sempre concertadas com a professora titular da turma.

Na primeira abordagem, aparecemos sem os alunos esperarem,

pretendendo conhecer as crianças, divulgar o nosso projecto e dar-nos a

conhecer.

Pedimos-lhe que nos escutassem e muito embora com alguma curiosidade,

desconfiança, retracção inicial e ainda muitas questões à mistura, aprovaram-nos

depois de entenderem a ideia principal do projecto em causa.

Todo o trabalho preparatório envolveu uma organização que procurámos

fosse cuidada. Assim sendo, surgiram materiais como uma carta-convite nominal

com o intuito de oficializar a nossa presença na escola e requisitar o

consentimento e a adesão dos alunos ao projecto (anexo 14). Como forma de

quebrar o gelo levámos uma grande e sorridente estrela amarela de peluche, a

qual se tornaria num elemento de aproximação e símbolo das nossas actividades

no terreno (anexo 10, fotografia 4). Levámos ainda uma pequena surpresa,

constituída por uma caixinha com uma mensagem de amizade, um balão e um

mimo doce.

Marcámos nova visita, desta vez a turma colaborou na sua calendarização.

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Procurámos estreitar laços e criar mais empatia com as crianças. A fim de

divulgarmos alguns Direitos das Crianças e as motivarmos para as actividades em

conjunto, preparámos previamente alguns materiais que captassem a sua

atenção. Estes reportaram-se a um livro gigante que construímos em cartão e no

qual afixámos a banda desenhada alusiva aos direitos referidos, “Uma aventura

na terra dos direitos” (Guimarães, 2001), (anexo 10, fotografias 1 e 2).

Assim, num dos cantos da sala, escolhido pela turma como local para as

nossas reuniões, sentados em círculo no chão, iniciamos a leitura da respectiva

banda desenhada. Não lemos tudo. O interesse inicial tinha dado lugar a algum

alheamento por parte dos rapazes da turma, que revelavam sinais de

desconcentração. Optámos, então, por resumir a história da Convenção dos

Direitos das Crianças, levando-os a participar de forma activa na mesma

narrativa.

A inibição inicial deu lugar a uma certa flexibilidade e alguma abertura.

Todo o grupo acabou por participar. Ao sabor de um bolo caseiro, catalogado de

feio pelas crianças ciganas, dada a sua sinceridade, fomos desenvolvendo novas

plataformas de diálogo. Questões como “O que são? Quais conhecem? Qual a

sua importância?” afloraram naturalmente, permitindo-nos inferir que tinham

noção dos seus direitos “poder fazer coisas” (Susana) e que estavam informados,

pois através da escola já tinham tido contacto com estes. Todas as crianças

nomearam como fundamentais o direito “ a uma família, à escola, à saúde, à

liberdade e à higiene”.

Apercebemo-nos que gostavam da escola mas que esta não se

sobrepunha aos seus valores culturais enquanto crianças ciganas. Os rapazes

consideraram essencial aprender a ler e a escrever como meio de mais tarde

obterem a carta de condução. As raparigas trocaram a valorização da referida

carta pela aprendizagem de uma higiene cuidada.

De volta ao lugar escolhido pela turma para as nossas conversas (um dos

cantos da sala), sentimos que já havia maior entrosamento connosco. A estrela

de peluche era um símbolo que se tornava cada vez mais forte.

As conversas versaram sobre o quotidiano escolar. “O que fazem na vossa

escola? Qual é o horário da turma? O que pensam sobre a vossa sala de aula? E

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o espaço em geral? O que mais gostam de fazer na escola? O que menos

gostam? Costumam fazer trabalhos de casa? Qual a importância da escola?

Porquê? Há faltas na turma? Como resolver? Qual a escola ideal? Esta ou outra?”

Todos sabiam bem o horário da turma e as suas rotinas.

Os alunos ciganos eram aparentemente mais reservados mas iam

respondendo que “aprendiam letras, números, frases, tabuada, desenhos…” Na

realidade, ler foi valorizado por todos. As contas ficaram em segundo lugar.

Consideraram a escola fria por ausência de aquecimento na sala de aula e

na cantina.

Realçaram a falta de condições desta última embora aceitassem com

naturalidade os escassos meios neste espaço. Os rapazes gostavam, que no

recreio, as balizas tivessem novas redes.

No entanto, em geral, apreciavam a escola e, em particular, a sua sala de

aula. A escola era um assunto que interessava a todos. Revelaram gostos

diversificados quanto a esta e elegeram como alvo das suas preferências “os

livros” (Bárbara, Susana e Maria), “as contas” (Arlinda e Anita), “o comer” (Carlitos

e Salomão).

Foram unânimes na boa apreciação que fizeram da professora.

Salientaram, também, que gostavam das nossas visitas e da estrela à qual

atribuíram o nome de “Estrelinha”.

Tocámos num assunto sensível, especialmente para os elementos

masculinos da turma, a realização dos trabalhos de casa que, apesar de

demonstrarem efectivo interesse em cumprir o estabelecido pela sua professora,

nos informaram que muitas vezes a preguiça se sobrepunha. No entanto,

consideraram “a escola importante porque aprendem” (Cristiano, Luís, Gustavo,

Cristina e Bárbara).

A importância dos saberes escolares afigurou-se como meio de valorização

pessoal e social, uma vez que saber ler e possuir a carta de condução era e é

uma mais valia na comunidade cigana.

Aflorámos um assunto delicado para as crianças ciganas, o absentismo da

turma. Referiram que só faltavam quando estavam doentes. Disseram que os pais

os obrigavam a frequentar a escola “senão a polícia vai buscar-nos a casa”.

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Posteriormente, entre risos e agitação apreensiva, acabaram por contar que

também não iam à escola quando visitavam algum familiar preso ou quando havia

casamentos. Os valores da comunidade sobrepunham-se mais uma vez aos

interesses da escola. Situações de alegria e de tristeza traduziam-se em motivos

justificadores do absentismo escolar. Estas ausências eram desculpadas, a

maioria das vezes, pela professora, porquanto detentora de um saber alargado

das suas singularidades.

Pudemos inferir que consideravam a Escola da Luz ideal e valorizavam o

seu quotidiano. Esta apresentava-se importante para todos enquanto meio para

atingirem conhecimento (anexo 8).

Novo encontro, novas conversas. A amizade e o à vontade dos alunos

plasmou-se na alegria do reencontro. O final do ano lectivo aproximava-se. “Quais

seriam as suas expectativas quanto ao futuro? Qual o impacto da escola nas suas

vidas? Quais os seus projectos de vida?” Os três alunos mais novos, não ciganos,

manifestaram-se primeiro. No entanto, desta vez dialogámos sem reservas ou

inibições.

Quanto a um futuro próximo, todos pretendiam continuar os estudos. “Eu

cero estodari” (Salomão). Nenhum traduziu vontade de ficar em casa no novo ano

escolar. A escola é importante para todos num futuro imediato e um meio para

alcançarem uma melhor forma de vida num futuro adulto. Contudo, algumas

alunas ciganas desconheciam que os pais não as iriam autorizar a continuar os

estudos, informação que tínhamos obtido através das suas professoras e das

suas famílias aquando das nossas deslocações aos bairros ciganos.

A escola era tida como um meio para atingirem projectos de vida mais

ambiciosos que os dos seus progenitores. As crianças desta turma (turma A)

almejavam uma cultura de compromisso, suficientemente flexível para permitir

não só a continuidade das tradições étnicas mas também a aprendizagem de um

leque de competências que os tornassem polivalentes enquanto elementos da

diversidade e da mudança (Enguita, 1996; Casa-Nova, 2002; Mendes, 2005).

Os projectos de vida quanto a um futuro adulto ainda longínquo

assemelhavam-se aos de qualquer outra criança. Aspiravam a um futuro definido

que lhes permitisse estabilidade e que lhes possibilitasse formar uma família. Na

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generalidade ambicionavam trabalhar e ter uma profissão, tais como cavaleira,

veterinário, actriz, taxista, palhaço, professora, cantora, advogado, dançarina,

cabeleireira e médica. Riem-se do que vão dizendo. Os rapazes voltam a insistir

na importância de tirar a carta de condução.

A Escola da Luz assumia uma importância positiva nas suas vivências.

Tinham a noção de que esta era um meio para atingir determinados fins (saber

ler, obter a carta de condução ou ter um trabalho).

2.1.2. Turma B

Mais do que repetir todos os passos efectuados, destacaremos, aqui, as

singularidades e as divergências existentes nesta turma.

Os contactos com os alunos da Turma B, por não estarem inicialmente no

âmbito do nosso projecto, ocorreram mais tardiamente, já durante o mês de

Junho de 2009. As visitas foram sempre concertadas com a professora que se

encontrava a substituir a titular da turma (ausente por doença).

Em termos de estratégia, utilizamos uma abordagem semelhante àquela

que pusemos em prática com o outro grupo-turma. Mais a mais, estes alunos,

embora não o tivéssemos sabido inicialmente, também queriam que os

visitássemos. Tinham tido conhecimento das nossas conversas com a turma da

tarde pelo facto de terem irmãos ou primos a frequentá-la. Além disso, já nos

tinham observado aquando das nossas visitas aos bairros ciganos.

De acordo com o exposto na subsecção da caracterização das crianças,

tratava-se de uma turma com vinte alunos de etnia cigana, em que a excepção se

baseava numa única aluna não cigana.

Confrontámo-nos com um cenário completamente diferente relativamente à

turma A. No que diz respeito às atitudes e ao comportamento das crianças

ciganas em contexto de sala de aula, detectaram-se alguns problemas no

relacionamento entre pares, pois eram crianças agitadas, muitas vezes

desajustadas, que denotavam elevados níveis de agressividade. A professora,

com a colaboração da auxiliar educativa, tentava reverter a conduta da turma,

mas era flagrante a dificuldade com que se deparava em controlar sozinha os

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alunos. As regras mais elementares primavam pela ausência. A professora não se

importou que tivéssemos assistido à situação. Na prática, uma vez que tinha sido

bem informada pela professora da tarde sobre a nossa presença e sobre o nosso

projecto na escola, considerou importante que observássemos a atitude destas

crianças de seis a oito anos de idade que dominavam com rebeldia a sala de

aula.

No entanto, quando se aperceberam da nossa presença, as crianças

reagiram de forma similar às da outra turma.

Registámos a fácil distracção e por consequência a necessidade de captar

a sua atenção, tendo a fase do “quebra-gelo” assumido toda a sua utilidade. A

verificação de comportamentos desviantes agudizou-se, ainda, com o facto do

número de discentes ser maior nesta turma do que na anterior (mais sete alunos).

No segundo encontro agendado com as crianças, reunimos as cadeiras em

círculo, com o pretexto de conversarmos sobre os seus direitos. Usámos todos

placas de identificação com corações coloridos, por se tornar muito mais

agradável quando chamados pelo nosso próprio nome.

Quando observaram o livro gigante sobre os Direitos das Crianças, ficaram

entusiasmados mas, logo de seguida, arremessaram-nos literalmente com um

dos seus livros, somente para mostrarem que também os tinham. Entrou em

palco a falta de educação e o abuso por parte de alguns alunos. Testaram a

nossa reacção. Houve necessidade de mostrarmos a importância de haver

atitudes correctas entre todos.

Verificou-se que a seguir ao interesse inicial despertado pela curiosidade,

se instalou um grande alheamento, o qual constatámos ser motivado por

desinteresse, uma vez que não dominavam a leitura. Resolvemos, então, resumir

e teatralizar a história. Ficámos admirados ao percepcionarmos que alunos no

final do 1º e 2º anos de escolaridade do Ensino Básico ainda não tinham adquirido

competências básicas ao nível da leitura e da escrita pelo facto de não lhes terem

sido exigidas. O que explicava por um lado a sua angustia e desinteresse.

Regressámos à conversa sobre os Direitos das Crianças, o interesse e a

atenção inicial voltaram a surgir mas foram automaticamente precedidos de

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comportamentos incorrectos. Bateram-se, distribuíram pontapés, insultaram-se

em português e em caló.

Estavam pouco informados sobre os seus direitos, tinham, apenas, uma

vaga noção deles. Identificaram-nos como ”Poder fazer coisas” (Camilo), “Dirito a

estudar” (Ana), “Direito a trabalhar na escola” (Santiago), Direito a chamar Carmo”

(Carmo), (anexo 8).

A Escola da Luz não era uma referência para esta turma, exceptuando

para a aluna não cigana, pois desprezavam o tempo escolar.

Na terceira conversa que tivemos, procurámos elucidar-nos sobre o

impacto da escola no seu quotidiano, pois podíamos não ter captado a sua visão

em toda a sua extensão. No entanto, metade da turma não compareceu às aulas

naquele dia. Mesmo assim, a agitação e a agressividade entre eles era uma

constante dentro da sala de aula, apenas mais diluída atendendo ao número

reduzido de alunos (arrastavam os pés, batiam palmas, e tinham conversas

paralelas, agrediam-se com pontapés e insultavam os colegas). Apesar de sentir

que gostaram de estar connosco, experimentaram os nossos limites. Notámos

mais à vontade e confiança dos alunos que começaram a tratar-nos por “tu”.

A escola revelou-se como um assunto que pouco lhes interessava,

demonstrando grande desvalorização dos saberes oficiais. Respondiam a

primeira coisa que lhes ocorria ou seguiam a opinião de outros colegas líderes na

turma.

O insólito foi-nos transmitido por quatro alunos ciganos que afirmaram

gostar de escrever quando na realidade pertenciam ao grupo dos que não sabiam

sequer ler.

Salientamos que muito embora os argumentos para a falta de assiduidade

ilustrassem as mesmas justificações dadas pela outra turma, apresentaram

sugestões para colmatar essas faltas. Para todos estas prendiam-se com o

registar “no livro, no papel e na caderneta do aluno para lembrar os pais”. Apesar

de apresentarem as sugestões referidas, estas reportavam-se à transmissão do

que ouviam ou sabiam que acontecia nesses casos. Os valores culturais

sobrepunham-se aos da escola, mantendo-se a falta de assiduidade.

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Numa primeira abordagem afirmaram que a escola ideal seria outra. Na

realidade as opiniões dividiram-se. A Escola da Luz era a sua única referência,

comentando que “é uma seca” (Santiago), “não, não sei ler” (Joca), “temos que

fazer Matemática” (Lito), “não, porque obriga a trabalhos” (Lucas), “não sei ler

mas gosto dos jogos” (Inácio), (anexo 8).

A escola era importante para aprender mas tinham consciência que isso

não estava a acontecer com a maioria.

Na última conversa em sala de aula elucidaram-nos que se escolhessem,

num futuro imediato, não estudariam.

No entanto, todos desejavam um amanhã que lhes permitisse estabilidade

económica e familiar, embora não procurassem caminhos para tal e nem

encarassem a escola como um deles. Os rapazes desejavam, por exemplo, ser

camionistas, construtores civis ou jogadores de futebol. Acima de tudo pretendiam

tirar a carta de condução e conduzir um carro. As raparigas revelaram outro tipo

de aspirações como serem domésticas e mães de família ou cabeleireiras. Um ou

outro ainda não sabia.

Tal como na turma anterior, também nesta havia casos de alunas ciganas que

desconheciam que os pais não as deixariam continuar os estudos para além do 1º

Ciclo.

A título de despedida dedicam-nos, com alguma vergonha, uma dança

cigana.

2.2. Tempos livres

2.2.1. Na Escola

O tempo de recreio foi também objecto da nossa atenção. Recorremos a

essa observação cuidada a fim de podermos captar a actuação das crianças das

duas turmas quando em liberdade, ainda que no seu ambiente escolar (anexo 9).

Verificámos que se em sala de aula havia comportamentos díspares

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relativamente a cada uma das turmas, já no recreio assumiam comportamentos

similares.

Estivemos presentes em alguns intervalos. Assistimos, com agrado, à

euforia que se estabelecia indiscriminadamente entre as crianças da escola

conduzindo a que a nossa presença chegasse a ser esquecida ou que, por vezes,

nos convidassem até a tomar parte activa nas suas brincadeiras. Assim, de

simples observadores, rapidamente passávamos a assumir um papel participativo

quando a isso éramos pelos mesmos compelidos.

Estes trinta minutos eram o espaço de tempo mais ansiado. Os alunos,

durante este intervalo de liberdade, auto-organizavam as actividades lúdicas (os

seus jogos e as suas brincadeiras) de forma equitativa e espontânea. O recreio

era o local de convívio por excelência.

O espírito consumista e competitivo não assumia aqui qualquer papel de

relevo porquanto o consumismo lúdico não se fazia sentir na Escola da Luz. Não

havia brinquedos especiais e também não os traziam de casa, como é comum

observar-se em alunos não ciganos deste nível de ensino.

Constatámos que em ambas as turmas pairava um espírito franco, aberto,

de grande interacção despojado de qualquer competitividade a não ser a normal

nos habituais jogo e brincadeiras. A identidade cultural não cigana cindia-se,

neste contexto, com a da etnia cigana. O convívio era pleno assumindo aqui um

aspecto integrador. Brincadeiras e jogos (actividades lúdicas) apresentavam-se

como um dos grandes meios de inclusão, unindo e aproximando crianças não

ciganas das ciganas e o género feminino do género masculino. Tivemos ocasião

de observar que os próprios rapazes ciganos convidavam as colegas de turma

para participarem com eles nos jogos de futebol. Outras vezes corriam sem

destino, à volta do edifício escolar, pelo simples prazer de libertar a energia

acumulada na sala de aula. A brincadeira menos procurada relacionava-se com a

caixa de areia. Havia vários pneus que serviam para exercitarem o salto e para

empurrarem os colegas distraídos contra os mesmos. De quando em quando a

agressividade instalava-se e despoletavam-se brigas, que não ultrapassavam os

limites da sua idade.

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72

No entanto, no cômputo geral, as barreiras culturais cediam e eram apenas

crianças! Procuravam libertar as inibições, usufruir do prazer de se sentirem sem

imposições, de fruírem do improviso e de sentirem a sensação de liberdade.

O bilinguismo cultural fluía a um ritmo natural, português e caló, assumiam

rotas paralelas nos seus discursos, mas entendiam-se todos!

2.2.2. Nos Bairros Ciganos

Em cada uma das aproximações que efectuámos aos três bairros ciganos

pudemos observar que as suas crianças circulavam livremente pelo espaço

existente, embora sempre sob a supervisão das suas famílias (anexo 9). Espaço

e família confluíam na sua área de afectos, confirmando o entendimento de que

“as crianças e os adultos vivem juntos, trabalham juntos, sofrem juntos” (Sousa,

s/d: s/p.). Aqui permaneciam quando se encontravam fora do seu horário escolar

ou mesmo quando faltavam à escola.

O tempo livre era considerado um momento especial e importante para

todas as crianças ciganas. Dentro do possível, tinham autorização para fazer o

que mais lhe agradava como brincar, descansar e passear. Da lista das

actividades preferidas constavam jogar à bola, brincar com bonecas, ver

desenhos animados na televisão, andar de bicicleta, ir à praia ou ao rio, estar com

amigos ou fazer novos e comer guloseimas (anexo 8).

No topo da lista das actividades das quais não gostavam ou gostavam

muito pouco situavam-se a colaboração em algumas actividades domésticas

como fazer a cama, varrer, levar o lixo ao contentor ou ainda apanhar pinhas. Os

rapazes enumeraram, também, a colaboração com o pai para lavar o carro ou

limpar gaiolas (anexo 8).

No fundo o tempo livre é perspectivado com prazer quando dirigido para

actividades lúdicas.

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73

3. As professoras da Escola da Luz

As entrevistas realizadas às professoras ocorreram na escola no final do ano

lectivo e tiveram como objectivo a aquisição de uma maior compreensão da

realidade escolar (anexo 3). Estas, eram compostas por doze questões de

carácter aberto, foram gravadas, posteriormente transcritas e analisado o seu

conteúdo.

Das três professoras da Escola da Luz duas eram professoras titulares das

Turmas A e B e a terceira veio, posteriormente, substituir a docente da turma B,

por se encontrar de baixa médica por doença prolongada.

A partir da análise do conteúdo das entrevistas efectuadas às professoras

da Escola da Luz, e de acordo com o anexo 4, podem tirar-se as seguintes

conclusões:

- O percurso profissional das professoras apresentava experiências

diversificadas obtidas ao longo de mais de vinte anos de serviço efectivo.

Actualmente, todas eram quadros de escola no agrupamento em causa. No

entanto, o percurso de cada uma apresentava caminhos profissionais diferentes,

que convergiram apenas na Escola da Luz. De qualquer forma, por viverem no

distrito, todas tinham conhecimento da realidade sociocultural do Lugar do

Caminho e freguesia da Paz onde se inseria a escola em causa.

- O tempo de contacto que as professoras mantinham com as turmas

acima referidas variava. A docente da turma A conhecia bem os alunos de etnia

cigana uma vez que era professora destes há três anos. Era, sem dúvida, aquela

que mais envolvida se encontrava com estas crianças e, naturalmente, a que

melhor as conhecia. A professora da turma B (que englobava o 1º e o 2º anos),

era titular da mesma há dois anos. Durante o nosso trabalho de campo, e tal

como acima se referiu, esta, por se encontrar doente, foi substituída por uma

outra colega, que na altura em que a contactámos pouco conhecimento tinha da

turma em causa, por estar na escola apenas há uma semana. Como se pode

percepcionar, só as duas primeiras tinham experiência com crianças ciganas e

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mesmo assim, como mais adiante se verá, muitas vezes, de uma forma bastante

diferenciada.

- Foram referidos como obstáculos mais marcantes no relacionamento com

os alunos ciganos a falta de assiduidade, o abandono escolar, a preguiça mental

e física, a falta de concentração e de regras em contexto de sala de aula, bem

como de competências nas áreas da leitura e da escrita relativamente ao ano

escolar que frequentavam.

Como aspectos mais positivos foram distinguidos o facto daqueles alunos

se revelarem sensíveis à motivação e ao afecto que lhes era transmitido e

descobrirem valores na escola que não lhes eram inculcados no seu ambiente

social.

- Ao nível da aprendizagem durante o ano lectivo houve, por parte das

professoras, alguma divergência. A docente da turma A referiu que as crianças se

revelaram mais autónomas e confiantes, tendo obtido mais competências e uma

postura de aluno bastante mais consistente. A docente da turma B respondeu que

embora se notasse evolução, esta era demasiado lenta e “que não pode ser

comparada ao das outras crianças da nossa sociedade civil”. Já a substituta, que

também designaremos por terceira professora, disse que a evolução não era a

que se esperava.

- Quanto às actividades mais apreciadas pelos alunos, a professora da

turma A esclareceu-nos que, desde que motivados, participavam em todas as

tarefas com interesse. As outras professoras informaram-nos que eles reagiam

melhor às actividades lúdicas e desportivas, gostavam de dança e de música.

- A docente da turma A, reportando-se ao nível das suas preocupações

com os alunos no referente à sua integração e assiduidade, salientou que acima

de tudo não fazia qualquer distinção no grupo-turma. Todos eram iguais e

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tratados como tal, havia respeito mútuo, pelo que neste aspecto estavam

integrados. Já as outras esclareceram que, para além da turma ser grande

demais, havia bastante absentismo e falta de cumprimento dos horários. Uma

destas docentes, a da turma B, referiu, ainda, que procurava que os encarregados

de educação justificassem de maneira plausível as faltas dos seus educandos.

- Quanto à forma como perspectivavam o seu trabalho perante turmas

deste género, a docente da turma A, disse que o encarava como um desafio

profissional, perspectiva partilhada pela docente da turma B. A professora

substituta disse que não tinha experiência com turmas ciganas e que o tempo que

passou com esta era, ainda, muito escasso e que havia necessidade de

adaptação mútua.

- Relativamente à pergunta que se reporta à atitude dos pais em relação à

escola deparámo-nos, por parte das professoras, com respostas completamente

díspares. A docente da turma A salientou que os encarregados de educação se

preocupavam com a realidade escolar desde que encontrassem receptividade do

corpo docente em relação aos seus filhos. A outra, pelo contrário, entendia que

estes tinham uma atitude não participativa, não se preocupando minimamente

com o que se passava no âmbito escolar e não cumpriam os horários de

atendimento estabelecidos para os encarregados de educação. A professora

substituta não chegou a ter qualquer contacto com os pais destes alunos.

- Todas as professoras partilhavam da opinião de que o percurso escolar

relativamente aos rapazes e às raparigas era diferente a partir do 2º Ciclo,

porquanto as raparigas, de uma forma geral, não prosseguiam os estudos embora

já começasse a haver excepções.

- As docentes referiram que não existiam praticamente mecanismos de

apoio às professoras que lidavam com turmas ciganas.

- Em comparação com outros alunos do 1º Ciclo do agrupamento, a

docente da turma A entendia que os seus discentes adquiriram as competências

mínimas exigidas para o seu nível de escolaridade. O mesmo não acontecia,

segundo a sua professora, com os da turma B, posição partilhada também pela

sua substituta que entendia não terem adquirido competências sendo-lhes por

isso a todos aplicada uma avaliação específica.

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76

- Por fim, quanto à existência de estratégias por parte do Conselho

Executivo no que respeita à transição dos alunos do 1º para o 2º Ciclos, a

professora da turma A disse desconhecer qualquer medida nesse sentido. As

outras duas referiram a existência de turmas alternativas ao ensino regular, sendo

que a professora substituta valorizou ainda alguns meios institucionais, tais como

a Escola Segura ou o Tribunal de Menores.

De todo o conteúdo extraído a partir das entrevistas podemos inferir que as

duas professoras titulares da Escola da Luz demonstraram perspectivas

diferentes perante a mesma realidade, ou seja, a forma de lidar com os alunos de

etnia cigana e as suas famílias. Optámos por não tecer comentário em relação à

professora substituta dado o seu reduzido contacto com a turma.

Transpareceu, pois, que a escolarização dos alunos ciganos ocorria no

âmbito “(…) de uma política educativa (…) ausente no que diz respeito a

orientações relativas à construção de práticas pedagógicas contextualizadas e

que atendam à diversidade cultural” (Casa-Nova, 2002: 121).

A professora da turma B apresentava uma posição mais tradicionalista

relativamente aos alunos de etnia cigana e às suas famílias com as inerentes

consequências no quotidiano da sala de aula e no seu meio social.

Já a professora da turma A revelava um grande entrosamento com as

crianças ciganas e as respectivas famílias, assumindo um importante papel na

área sócio-afectiva dos seus alunos, demonstrando sempre respeito e

reconhecimento pela diversidade étnica. Incentivava a auto-estima e a confiança

daqueles através de uma capacidade natural de entrega. Os seus alargados

horizontes permitiram que se despojasse da imagem estereotipada do professor.8

8 Aquele que não atende à diversidade na sala de aula e se distancia dos seus alunos.

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4. A voz das famílias ciganas

4.1. Perspectivas sobre a Escola da Luz

Aplicámos aos pais e encarregados de educação, quase exclusivamente

de etnia cigana, um inquérito por questionário com o intuito de obter dados

alusivos aos agregados familiares e percepcionar a opinião daqueles sobre o

contexto escolar dos seus filhos na Escola da Luz. Embora se tratasse de 33

crianças, 4 destas não eram ciganas. Na prática aplicámos 20 questionários e não

33, uma vez que 7 das crianças ciganas eram irmãos dos restantes, logo tinham

como denominador comum os mesmos progenitores e 6 encarregados de

educação não se encontravam presentes aquando da aplicação do inquérito.

O inquérito por questionário de administração indirecta decorreu entre 26

de Junho e 13 de Julho de 2009. Teve lugar quer na escola, no dia da entrega

das avaliações, quer nos três bairros ciganos. Aliás, ressalta-se o facto de apenas

os encarregados de educação dos alunos não ciganos e um cigano terem

comparecido naquele dia na escola.

Na elaboração do questionário, a nossa preocupação inicial prendeu-se

com uma nota introdutória para informar os inquiridos sobre a salvaguarda do

anonimato, uma vez que as questões versavam sobre dados pessoais, familiares

e o contexto escolar. O inquérito era constituído por vinte e uma questões, das

quais oito eram de resposta aberta. A necessidade de se elaborar um

questionário essencialmente fechado ficou a dever-se ao facto de nos termos

apercebido do baixo grau de escolaridade dos inquiridos, do meio social onde

gravitavam e das inevitáveis dificuldades que por arrastamento surgiam.

Enquanto investigadores procurámos ter “em atenção que o nosso objecto

de estudo era de difícil apreensão dado estarmos a investigar sujeitos-actores que

não partilhavam, pelo menos parcialmente, da nossa racionalidade, dos nossos

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códigos culturais sendo necessário um esforço maior de compreensão e de

“tradução cultural” (Casa-Nova, 2002: 71-72).

Terminado o tratamento dos dados (anexos 1 e 2), desenvolvemos uma

reflexão que nos possibilitou extrair algumas ilações.

Mais do que proceder a uma observação pontual de cada questão,

passaremos a transmitir as ilações extraídas.

Nesse contexto, concluiu-se que:

A escola, dentro da cultura cigana, assumia, para 13 dos inquiridos, a

maioria, um papel muito importante e importante para os restantes 7 (anexo 2,

quadro E).

A totalidade das crianças em idade escolar frequentava a escola (anexo 2,

quadro F).

Os objectivos da escola revelaram-se muito significativos, porquanto 13

avaliaram-nos entre o muito importante e o importante (anexo 1, gráfico 4).

Metade, 10, dos encarregados de educação referiu ter sido contactado três

ou mais vezes pela escola (anexo 2, quadro G).

Todos os inquiridos referiram que o motivo principal para os contactos

estabelecidos pela escola se prendeu com a comunicação do aproveitamento. O

segundo motivo, para 12 daqueles, envolvia a participação em convívios ou festas

da escola (anexo 1, gráfico 5).

A maioria dos encarregados de educação, em número de 11, destacou que

nunca sentiu necessidade de ir à escola desde o inicio do ano lectivo em causa

(anexo 2, quadro H). Contudo, durante a aplicação do inquérito tomámos

conhecimento através dos inquiridos que assim como levavam os filhos às aulas

também resolviam os assuntos de que necessitavam, sem respeitar o horário de

atendimento.

As razões principais apresentadas pelos pais que necessitavam de se

deslocar à escola, por iniciativa própria, foram diversificadas. Destes, 4,

pretendiam saber informações sobre o aproveitamento dos educandos; 2 iam

expor problemas, outros 2 apresentar reclamações e por último 2 referiram

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motivos diversos não especificados. Em segundo plano destacaram-se participar

em festas e convívios ou outras causas (anexo 1,gráfico 6).

Quase todos, 15 encarregados de educação, referiram que o Agrupamento

de Escolas não se preocupava com as suas necessidades pois não se

consideram informados, nem tão pouco escutados (anexo 2, quadro O).

Quanto à utilidade da Associação de Pais, 17 dos inquiridos revelou

desconhecer por completo a sua existência (anexo 1, gráfico 8).

Quase todos, 12, sentiam que eram recebidos com amizade na escola, 5

com satisfação, 2 considerassem que eram atendidos com indiferença e 1 com

desconfiança (anexo 1, quadro I).

Quanto à forma como os seus filhos eram tratados na escola, 16 tinham a

opinião de que os seus educandos eram bem tratados. As razões apresentadas

baseavam-se na ausência de castigos corporais, no apoio e no respeito que lhes

era dado ou, simplesmente, por terem o estatuto de alunos. Os restantes 4

afirmaram que as crianças não aprendiam e que lhes batiam (anexo 1, gráfico 7).

A maior parte dos encarregados de educação, 12, tinha diariamente

conhecimento das actividades desenvolvidas em contexto escolar porque as

crianças contavam o que se passava na escola ou, simplesmente, porque os pais

perguntavam. Os 8 restantes referiram que não tinham conhecimento das

actividades porque as crianças não explicavam, porque a escola não informava

ou ainda porque os seus filhos eram muito pequenos (anexo 2, quadro J).

A maioria, 14, considerou que os seus educandos aprendia as matérias

leccionadas. Os 6 que discordaram justificaram o seu ponto de vista com o facto

da escola não ensinar (anexo 2,quadro L).

A grande parte, 12, assumiu que não colaborava nas tarefas escolares. As

razões apresentadas foram diversas, nomeadamente “não precisa, não tem

tempo, são só desenhos e não sei ler”. Os que colaboravam, 8, efectuavam-no

através de apoio nos trabalhos de casa ou oralmente (anexo 2, quadro M).

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O percurso escolar dos seus educandos, era conhecido da grande maioria,

15, enquanto que os restantes, 5, afirmaram que não tinham sido informado sobre

aquele (anexo 2, quadro N).

A maioria, 16, revelou interesse na continuação dos estudos por parte dos

seus educandos, justificando-o com a necessidade de uma maior aprendizagem,

de um futuro mais promissor ou com a finalidade de obter a carta de condução.

Aqueles que não autorizavam que os seus educandos continuassem a estudar, 4,

reportavam-se exclusivamente às raparigas e era resultado das convenções

culturais mais arreigadas relativamente à mulher (anexo 1, gráfico 9).

4.2. Famílias Ciganas – perspectivas sobre o futuro dos seus filhos

Direccionados para visualizarmos no papel aquilo que tínhamos escutado

ao longo das conversas com as turmas, solicitámos aos alunos ciganos que

elaborassem desenhos representativos das suas impressões sobre três vertentes:

a do contexto escolar, a do contexto não escolar e a do futuro, como forma de

complemento às ideias já auscultadas.

Os alunos da Turma A aceitaram com naturalidade esta actividade.

No caso da Turma B, a situação inverteu-se. Demonstraram pouca vontade

de participar, embora enquadrassem estas tarefas no âmbito das mais apreciadas

na escola. Notámos-lhes à vontade para desenhar mas relutância para escrever a

sua identificação no trabalho (nome, idade, turma e ano de escolaridade).

Subentendemos que tal situação era despoletada pelo facto da maioria não saber

escrever.

Compilámos, no final, todos os desenhos e agrupámo-los num portfolio9

(designado por “livrinho”), uma vez que era nossa pretensão divulgar aos

encarregados de educação os mundos sociais dos seus educandos através deste

meio. Antes do final do ano lectivo tínhamos sido, para nossa satisfação,

convidados pelas crianças para as visitarmos durante as férias nos seus próprios

bairros. Optámos por aceitar e fomos recebidos por estas com alegria. 9 Atendendo ao facto de ser composto por 70 desenhos, segue em anexo uma amostra deste (anexo 11).

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Aproveitámos a oportunidade para proceder à distribuição dos referidos portfolios

pelas suas famílias e para as convidar a participar, no dia seguinte, numa

conversa informal sobre o conteúdo dos mesmos. Explicámos-lhes que se tratava

de representações do quotidiano e principalmente das perspectivas almejadas

pelos seus filhos para o futuro.

Conforme combinado, no dia seguinte fomos auscultar a sua opinião10

sobre a forma como encaravam as ideias das suas crianças e em que medida

elas eram ou não coincidentes com as dos pais.

Verificámos através desta interacção que se alguns se identificaram com

as tendências dos filhos, outros não se reviram nas mesmas, como se pode

constatar pelo quadro que se segue.

Quadro III – Opinião dos Pais e Encarregados de Educação sobre o futuro escolar dos seus filhos

Categoria

Excertos O(s) meus filho(os)

continuarão a estudar

Sim

“A escola é bom. É mais esperto. Aprendeu a falar mais. Vai tirar a carta de carro.” - Rosalina, 48 anos, viúva, 4 filhos

“Os rapazes podem ir mais.” - Maria, 45 anos, casada, 3 filhos

“Pode ajudar no futuro. Se eu tivesse ido à escola escusava de ir à noite. O que aprendem connosco não é suficiente. Aprendem em dois mundos diferentes. Tinha gosto que o meu filho fosse jogador de futebol. É o que ele quer.” - Sara, 32 anos, casada, 6 filhos “Podem estudar para ter bom futuro (…). Os mais novos podem continuar (…). Os meninos não faz mal.” - António, 44 anos, casado, 6 filhos “Os meus filhos vão continuar a estudar. O rapaz e as raparigas. É para terem um bom futuro, não são burros. Vão ser aquilo que querem.” André, 25 anos, casado, 3 filhos

Não

“A nossa cultura não dá para as raparigas. Vou ter problemas de tirar a filha da escola, mas vai casar. Quando é para casar ou estão pedidas, os sogros não gostam que andem sozinhas. Já ontem ouvi do meu marido.” - Maria, 45 anos, casada, 3 filhos

“As raparigas temos um bocado de medo que haja um malandro que leve (…). A mais velha vou tirar. Tenho medo que aconteça alguma coisa.” - António, 44 anos, casado, 6 filhos

10

Este encontro foi registado por escrito, dada a impossibilidade de gravar a conversa, por resistência dos participantes. Efectuámos a análise de conteúdo dos discursos de acordo com as categorias apresentadas no quadro III.

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82

Enquanto as crianças, pelo menos algumas, já se encontravam

socializadas pela cultura escolar, sem que tal implicasse a perda da coesão

étnica, os pais ainda se mantinham fortemente vinculados às suas tradições

culturais, o que os conduzia a fechar o leque das possibilidades dos seus filhos.

As perspectivas de futuro nem sempre se afiguravam convergentes. Apesar da

forte e arreigada cultura cigana, também aqui se fazia sentir de certa forma o

conflito intergeracional.

Assim, como antes referimos, as perspectivas das crianças abriam-se num

feixe de profissões que iam desde actriz, taxista, palhaço, professora, cantora,

advogado, dançarina, médica, camionista, construtor civil, jogador de futebol,

domésticas, “mães de família” e cabeleireira (anexo 8). Se alguns pais encaravam

algumas destas profissões como o futuro profissional dos seus filhos, outros

declinavam-nas liminarmente. O argumento utilizado para tal recusa apelava a

factos como: “é pequeno, é criança, não sabe o que diz…”

Muito embora a escolarização se afirmasse como importante para todos os

pais os saberes oficiais pautavam-se pela relatividade face aos saberes culturais,

pois não se sobrepunham a estes. Estudar era apenas sinónimo de aquisição de

competências básicas (aprender a ler, a escrever e saber fazer contas).

Contudo, na generalidade, as famílias evidenciaram-se mais permeáveis às

aspirações e trajectórias dos rapazes do que das suas filhas. A importância das

diferenças de género é marcante, na medida em que o papel da mulher continua

a ser perspectivado como quase exclusivamente ligado à família, ao casamento e

à maternidade. Nessa medida, o percurso escolar das raparigas era

frequentemente marcado por descontinuidade e ruptura, desembocando no

abandono escolar. Pelos mais velhos e de escolaridade reduzida, a escola era

vista, muitas vezes, como um hipotético meio ameaçador da sua coesão grupal,

face a uma espécie de receio perante tudo o que vinha do “exterior”.

Não obstante, os pais mais jovens e detentores de maiores habilitações

literárias, consideravam que a escola era um passaporte para os seus filhos

participarem na sociedade, permitindo que se abrissem ao mundo sem perderem

a sua identidade étnico-cultural. Os grupos parentais mais jovens tinham

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adquirido uma visão mais ampla e actualizada, porventura devido aos efeitos que

também a socialização escolar propiciou naqueles.

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5.Síntese do trabalho desenvolvido

Antes de qualquer abordagem inicial, sentimos necessidade de conhecer

previamente a realidade ligada à cultura cigana. No entanto, à medida que fomos

penetrando no seu conhecimento percepcionámos ser oportuno efectuar uma

revisão de literatura mais direccionada para os participantes do projecto e adoptar

uma posição mais dirigida para a diversidade com que nos deparámos.

Desde logo, afigurou-se-nos prioritário para a realização do trabalho reflectir

sobre a nossa postura enquanto investigadores, a qual se baseou na

compreensão da diferença e na aceitação dos seus valores culturais e éticos.

Uma das maiores dificuldades, inicialmente experienciadas, foi a do acesso

aos bairros ciganos, pelo que nos socorremos de uma intermediária até

atingirmos a aproximação necessária para sermos aceites. A partir de então

tivemos livre acesso aos mesmos, o que nos permitiu, através de conversas

informais, observar o seu quotidiano.

Verificámos, ao nível da socialização primária, o facto das crianças ciganas na

infância viverem em plena liberdade dentro dos seus bairros.

Ao nível da socialização secundária constatámos a existência de dificuldades

de adaptação da maioria dos alunos ao quotidiano escolar, marcadas por um forte

absentismo.

Por outro lado, a rigidez dos horários e o peso da componente lectiva semanal

conduziam a uma maior resistência dos discentes relativamente à escola.

De uma forma geral as famílias ciganas atribuíam uma importância relativa à

escola face ao peso das tradições culturais, pois para a grande maioria esta era

apenas sinónimo de aquisição de competências básicas como ler e escrever.

Em contexto de sala de aula constatámos comportamentos distintos entre os

alunos das duas turmas. Enquanto que os da turma A apresentavam já um certo

nível de integração, os da turma B revelavam uma elevada desmotivação e falta

de expectativas relativamente à aprendizagem, o que conduzia a comportamentos

desadequados exteriorizados através de agitação e de agressividade.

No entanto, o recreio era um dos grandes meios de inclusão, onde as crianças

ciganas e não ciganas, interagiam livremente sem distinção do género.

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Os alunos ciganos da Escola da Luz demonstravam um conhecimento

deficitário relativamente aos seus pares, o que se traduzia numa aprendizagem

mais lenta e, em consequência, na necessidade de criar estratégias que

conduzissem a uma maior motivação.

Com o tempo, as crianças da turma A, foram adquirindo novos conhecimentos

o que lhes proporcionou uma valorização da sua auto-estima, um maior grau de

confiança em relação a si próprios e uma forma mais positiva de encararem a

escola. Já ao nível das da turma B o mesmo não estava a acontecer.

Apercebemo-nos, ainda, que as perspectivas das crianças e dos seus

progenitores nem sempre eram coincidentes no que respeitava ao percurso

escolar.

Quase todos os alunos da turma A demonstraram entender que a escola era

um meio para concretizarem projectos de vida que passavam pela estabilidade

económica e familiar adquirida através de uma profissão. Os da Turma B, embora

desejassem o mesmo, não a encaravam como um caminho para tal.

Com efeito, algumas crianças manifestavam vontade de continuarem a

frequentar a escola, com meio de alcançarem um percurso de sucesso mas,

apesar das perspectivas das crianças ciganas e da sua abertura a novos

horizontes, ainda hoje se verifica um distanciamento das suas famílias em relação

à escola em função do género. A maioria das raparigas abandona-a no final do 1º

Ciclo do Ensino Básico, por imposição dos progenitores face à pressão grupal,

tendo em vista os casamentos precoces ou o receio da interacção com rapazes

não ciganos. No entanto, por sua vontade, muitas continuariam os estudos, pois

pretendiam quando jovens adultas ter a oportunidade de virem a exercer uma

actividade profissional qualificada.

Assim, podemos dizer que as famílias ciganas, de uma forma geral, não se

revêem na escola e não a encaram como um valor acrescido na vida futura dos

seus filhos. Já para as camadas mais jovens, cuja mentalidade adquire novos

contornos, o ensino é perspectivado como um meio privilegiado para novas e

melhores oportunidades de vida.

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Salientamos ainda a importância do perfil do professor para estas famílias, o

qual se deve preocupar com a diversidade cultural promovendo um ensino (inter)

multicultural.

Percepcionámos a abertura das famílias ciganas à existência de um mediador

escolar, desde que este conheça a sua cultura e seja reconhecido por elas.

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Considerações finais

Nas sociedades multiculturais contemporâneas as relações sociais

encontram-se estruturadas em princípios fundamentais como a comunidade, o

estado e o mercado de trabalho. Nesta teia de relações, nem sempre pacíficas,

que traduzem a actualidade é preciso atender ao papel preponderante da

educação, a qual, apesar de muitas vezes “escravizada” pela prepotência dos

sistemas político-económicos, tenta emergir como fenómeno universal que é.

As constantes mutações que caracterizam estas sociedades exigem, por

parte das escolas, uma grande capacidade de adaptação e reestruturação.

Neste contexto, a concepção de escola como um mero serviço de estado,

isolada do contexto envolvente e voltada, exclusivamente, para a transmissão de

conhecimentos está decididamente condenada à extinção.

Os desafios que se colocam actualmente não podem ser perspectivados

apenas como novos desafios, mas também como desafios - consequência, cujo

principal mérito é o de estabelecer a ponte entre as culturas do passado, do

presente e as vindouras. Este fenómeno cultural é um dos mais significativos em

qualquer sociedade que quanto mais culta, mais evoluída e mais assertiva revela-

se mais dirigida para o diálogo intercultural.

Nesta óptica, pressupõe-se uma escola aberta à participação activa dos

alunos. Entre os diferentes actores que povoam a cena escolar assumem

preponderância as famílias que, sendo os primeiros agentes socializadores na

vida das crianças, deveriam estabelecer uma relação participada com a escola,

para continuarem a acompanhar o processo educativo dos seus educandos.

Contudo, esta relação participada é quase inexistente, no caso das famílias

ciganas uma vez que quando as suas crianças entram para a escola não

reconhecem autoridade ao professor, mas tão só aos seus progenitores.

Ao iniciarmos o nosso projecto partimos não só do reconhecimento da

importância de uma participação activa e efectiva das famílias e das crianças

ciganas na escola, como também da necessidade de descobrir formas múltiplas e

diversificadas de construir caminhos para essa integração.

Page 95: MARTA CRISTINA DE AS CRIANÇAS CIGANAS E A ESCOLA ... · o suporte teórico-conceptual do projecto abordámos a noção de cultura, o tema da organização social das famílias ciganas,

88

São estas crianças quem apresenta maior grau de absentismo e de

abandono precoce uma vez que os seus valores culturais fortemente enraizados

se encontram desadequados relativamente aos valores do ensino formal.

Observámos esta cisão quando percorremos os bairros ciganos, ao dialogarmos

com as famílias dos alunos, quando conversámos com as suas crianças e as

observámos durante os tempos livres e a partir do momento em que conseguimos

criar empatia com as mesmas.

Não foi fácil obter a colaboração de todos os actores sociais, uma vez que

o assunto em causa apresentava-se delicado e tocava aspectos que era mais fácil

deixar cair no esquecimento. Por outro lado, os grupos ciganos e a sua forte

coesão cultural dificultaram inicialmente a aproximação e o diálogo.

Contudo, através dos diversos contactos estabelecidos e de uma

aproximação feita de respeito e de diplomacia fomos ao longo do tempo

angariando a atenção e confiança dos grupos ciganos bem como das suas

crianças, podendo dar, assim, continuidade ao trabalho em que nos

empenhamos.

Apercebemo-nos que embora a maioria dos ciganos refira em teoria que a

escola é para si importante, revelam na prática o contrário.

Por seu lado, a escola adopta uma atitude similar face à sua dificuldade em

lidar com a diversidade e com as representações sociais dos grupos ciganos.

Percepcionámos que para estes era, apesar disso, importante aprender a ler e a

escrever, tratava-se de uma mais valia na cultura cigana, principalmente porque

possibilitava que os rapazes tirassem a carta de condução.

Ainda que de forma incipiente, estas famílias ciganas dos bairros da

freguesia da Paz demonstraram, nas camadas mais jovens e um pouco mais

escolarizadas, abertura a uma trajectória escolar mais prolongada como forma de

ascender socialmente entre pares. Assim sendo, parecem emergir novas

mentalidades em ruptura com a tradição sem que se pretenda perder a identidade

e a integração no grupo de pertença. Neste sentido consideramos que os ciganos

actualmente vivem num dualismo entre a tradição e a modernidade.

Conscientes da realidade e da fragilidade dos alunos ciganos nas escolas,

uma vez que também leccionamos e nos deparamos com turmas multiétnicas,

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89

encontrávamo-nos sensibilizados para abordar a problemática que se tem gerado

à volta do triângulo crianças, famílias e escola. Da escuta de todos os actores

sociais concluiu-se ser necessário encontrar percursos que contribuíssem para

uma maior e melhor integração das crianças ciganas e das suas famílias no

contexto escolar.

Nenhum dos participantes inseridos no processo educativo, desde a

escola, enquanto instituição, até aos professores, alunos e famílias, se encontra

inocente. Para uma interacção efectiva torna-se necessário que haja um encontro

de vontades, que até agora tem primado pela ausência. Afigura-se fundamental

que todos aprendam a escutar e a dialogar, respeitando-se mutuamente, o que

implica tempo, que não há, e sensibilidade que nem todos sentem. Este é, sem

dúvida, o primeiro passo para uma plataforma de entendimento, a partir da qual,

então, se poderá edificar novas pontes entre todos.

Afigura-se-nos que devem ser implementadas medidas de carácter

compensatório na escola e esta deverá utilizar todos os meios ao seu alcance

para a resolução eficaz da problemática do insucesso escolar com o objectivo de

tornar seres humanos mais competentes, felizes e autónomos.

É importante que o professor sinta que também tem o dever de estar mais

disponível para estes alunos, procurando criar-lhes estímulo, motivação e vontade

de regressar à escola que lhes pertence de pleno direito.

O docente deve assumir uma postura de humildade e perceber que pode

aprender com estes. Urge caminhar para uma concepção de profissão docente,

orientada para um maior humano, solidário e conhecedor da cultura cigana. Este

conhecimento pode e deve ser adquirido através de formação orientada e

direccionada para o efeito.

Sugerimos, ainda, aulas com carácter mais prático capazes de fomentarem

maior motivação, utilização de uma linguagem mais facilitadora e programas mais

adequados à população em causa.

Face às dificuldades de adaptação dos alunos em causa aos horários

rígidos da escola, sugere-se a implementação de um sistema mais flexível que

permita a existência de mais intervalos diários ao nível do 1º Ciclo do Ensino

Básico.

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90

Outra das medidas que nos merece atenção é a necessidade de

implementar o respeito entre todos os alunos (ciganos e não ciganos) e não a

competição.

Destaca-se a necessidade da existência de um mediador escolar, que

reúna no seu perfil condições para estabelecer o intercâmbio e o diálogo

intercultural, fazendo a ponte entre as crianças ciganas, as suas famílias e a

escola aquando do insucesso escolar.

Afigura-se-nos relevante acompanhá-los desde cedo num percurso que os

impeça de terem repetências que lhes baixem a auto-estima e que se possam

repercutir mais tarde na continuação dos seus estudos.

Concluímos referindo que não pode haver apenas tolerância, tem que

haver respeito. Esse respeito está associado ao grau cultural de cada povo. Não

se entende o que não se conhece e mesmo que exista uma só verdade ou um só

facto, há muitas abordagens e caminhos que levam a essa verdade ou a esse

facto. Isso não significa que um determinado aluno seja melhor que os demais, ou

que os métodos ou filosofia desse aluno sejam superiores aos dos outros. SÃO

APENAS DIFERENTES.

Torna-se necessário criar modelos de atracção para as crianças de etnia

cigana conducentes a uma maior justiça social e adoptar em relação às mesmas

uma melhor consciencialização e uma posição mais positiva para o futuro.

Quanto mais cedo lhes podermos proporcionar a ideia da escola positiva e

de que esta é algo muito válido para a sua vida efectiva mais cedo teremos

pessoas com maior escolarização.

“Por isso mesmo, todos os percursos de inclusividade são sempre percursos

de muitos, caminhos partilhados, porque não se conseguem construir sozinhos”

(Rodrigues, 2003: 146).

Page 98: MARTA CRISTINA DE AS CRIANÇAS CIGANAS E A ESCOLA ... · o suporte teórico-conceptual do projecto abordámos a noção de cultura, o tema da organização social das famílias ciganas,

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Anexo 1. Gráficos de análise do questionário dos pais e E.E

I – Dados Pessoais e Familiares

Gráfico 1

Gráfico 2

1050%

1. Relação familiar do encarregado de educação com

0

2

4

6

8

10

12

14

1-Pai ou Mãe

1

2. Pessoas que habitam com o(a) aluno(a)

98

Anexos - organização dos anexos

Gráficos de análise do questionário dos pais e E.E

Familiares

1050%

00%

1. Relação familiar do encarregado de educação com o(a) aluno(a)

2-Pai e Mãe 3-Pai Mãe e Irmãos

4-Pai Mãe, Irmãos e Avós

2

14

3

2. Pessoas que habitam com o(a) aluno(a)

Gráficos de análise do questionário dos pais e E.E .

1. Relação familiar do encarregado de educação com

1-Pai

2-Mãe

3-Outro

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Gráfico 3

II – Contexto Escolar

Gráfico 4

7

5- Ensino Secundário

4- 3º Ciclo do Ensino Básico

3- 2º Ciclo do Ensino Básico

2- 1º Ciclo do Ensino Básico

1- Não concluiu nenhum nível de escolaridade

4. Habilitações académicas do Encarregado de

7.5-Promover a colaboração escola/família

7.4-Ocupar o tempo das crianças

7.3-Ensinar o(a) aluno(a) a ser educado (a)

7.2-Preparar o(a) aluno(a) para um emprego bem pago

7.1-Proporcionar a aquisição de muitos conhecimentos

7. Opinião sobre os objectivos da escola

99

Contexto Escolar

0 2 4 6

8- Outros

7- Curso Superior

6- Curso Médio

Ensino Secundário

3º Ciclo do Ensino Básico

2º Ciclo do Ensino Básico

1º Ciclo do Ensino Básico

Não concluiu nenhum nível de escolaridade

0

1

0

0

3

2

4

4. Habilitações académicas do Encarregado de Educação

0 2 4 6 8 10 12 14

Promover a colaboração

Ocupar o tempo das crianças

Ensinar o(a) aluno(a) a ser

Preparar o(a) aluno(a) para um

Proporcionar a aquisição de muitos conhecimentos

0

0

0

1

0

3

3

0

2

0

9

9

11

12

7

8

8

9

5

13

7. Opinião sobre os objectivos da escola

1-Muito importante

2-Importante

3-Pouco importante

4-Não é importante

8 10

10

4. Habilitações académicas do Encarregado de

7. Opinião sobre os objectivos da escola

Muito importante

Importante

Pouco importante

Não é importante

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Gráfico 5

Gráfico 6

6- Comunicação de factos positivos sobre o seu educando

5- Informações sobre os planos e actividades da escola

4- Convite para participar em convívios ou festas na escola

3- Convite para participar em actividades da escola

2- Comunicação do aproveitamento

1- Problemas de comportamento

10. Quais as razões que motivaram os contactos

10

9- Pedir informações sobre os programas

8- Apresentar sugestões

7- Apresentar reclamações

6- Falar com a professora

5- Participar em actividades promovidas

4- Participar em festas/convívios

3- Participar em reuniões

2- Expor problemas do(a) educando(a)

1- Pedir informações sobre o

12. Quais as razões dessa(s) visita(s)?

100

0 5 10 15 20

7- Outras

Comunicação de factos positivos sobre o seu educando

Informações sobre os planos e actividades da escola

Convite para participar em convívios ou festas na escola

Convite para participar em actividades

Comunicação do aproveitamento

Problemas de comportamento

4

1

2

12

0

0

1

0

0

0

0

0

0

10. Quais as razões que motivaram os contactos estabelecidos pela escola?

0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 3,5 4

10-Outras

Pedir informações sobre os programas

Apresentar sugestões

Apresentar reclamações

Falar com a professora

Participar em actividades promovidas …

Participar em festas/convívios

Participar em reuniões

Expor problemas do(a) educando(a)

Pedir informações sobre o …

0

0

0

0

1

0

1

0

2

0

0

2

0

0

0

0

2

12. Quais as razões dessa(s) visita(s)?

20

10. Quais as razões que motivaram os contactos

1º Motivo

2º Motivo

4

4

4

4

1º Motivo

2º Motivo

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Gráfico 7

Gráfico 8

3

19%

2

12%

2

13%

14. Sente que o(a) seu (sua) educando(a) é bem

3- A A. P. é útil na resolução de situações diversas

2- A escola é muito pequena para ter uma A. P.

1- Não sabe qual a utilidade

18. Considera útil que haja uma Associação de Pais e Encarregados de Educação (A. P.) na escola?

101

9

56%

14. Sente que o(a) seu (sua) educando(a) é bem tratado(a) na escola?

1

2

3

4

0 2 4 6 8 10 12

4- Outra

A A. P. é útil na resolução de situações diversas

A escola é muito pequena para ter uma A. P.

Não sabe qual a utilidade

0

2

1

18. Considera útil que haja uma Associação de Pais e Encarregados de Educação (A. P.) na escola?

14. Sente que o(a) seu (sua) educando(a) é bem

1 - Apoiado(a)

2 - Respeitado(a)

3 - Por ser aluno(a)

4 - Não batem

14.1 - SIM

14 16 18

17

18. Considera útil que haja uma Associação de Pais e Encarregados de Educação (A. P.) na escola?

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Gráfico 9

10

63%

1

6%

21. Tem interesse na continuação dos estudos após

102

5

31%

21. Tem interesse na continuação dos estudos após terminar o 1º Ciclo?

1 - Futuro melhor

2 - Aprender mais

3 - Tirar a carta de condução

21.1

21. Tem interesse na continuação dos estudos após

Futuro melhor

Aprender mais

Tirar a carta de condução

21.1 - SIM

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103

Anexo 2. Quadros de análise do questionário dos pai s e E.E.

Quadro A – Irmãos que habitam com o aluno(a) Número de irmãos que habitam

com o (a) aluno (a) Alunos (as) %

0 2 10% 1 3 15% 2 7 35% 3 3 15%

4 ou + 5 25%

Quadro B – Idade do encarregado de educação Faixa etária E. E. %

< 25 anos 1 5% 25 – 29 anos 5 25% 30 – 35 anos 5 25% 36 – 40 anos 2 10% 41 – 45 anos 2 10% + 45 anos 5 25%

Quadro C – Habilitações académicas do(a) encarregad o(a) de educação

Escolarização dos E.E. E. E.

%

a) Não concluiu nenhum nível de escolaridade

10 50%

b) 1º Ciclo do Ensino Básico 4 20% c) 2º Ciclo do Ensino Básico 2 10% d) 3º Ciclo do Ensino Básico 3 15% e) Ensino Secundário - - f) Curso Médio - - g) Curso Superior 1 5% h) Outros - -

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104

Quadro D – Actividade profissional Exercício de actividade profissional

Sim Nº 2 % 10% Guarda-nocturno e Professora

Não Nº 18 % 90% RSI Sim Nº 14 % 77,8%

Não Nº 4 % 22,2%

Quadro E – Impacto cultural da escola Importância cultural da escola EE %

Muito importante 13 65% Importante 7 35% Pouco Importante - - Não é importante - -

Quadro F – Crianças escolarizadas Frequência da escola pelos filhos menores EE %

Sim 20 100% Não - -

Quadro G - Contactos estabelecidos pela Escola da L uz com os Encarregados de Educação

Número de contactos estabelecidos pela escola com os EE EE %

Nenhum 2 10% Um 2 10% Dois 6 30%

Três ou + 10 50%

Quadro H - Contactos estabelecidos pelos Encarregad os de Educação com a Escola da Luz

Número de contactos estabelecidos pelos EE com a escola EE %

Nenhum 11 55% Um 2 10% Dois - -

Três ou + 7 35%

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105

Quadro I – Recepção dos Encarregados de Educação na Escola da Luz

Recepção na escola EE %

Com satisfação 5 25% Com amizade 12 60% Com indiferença 2 10% Com desconfiança 1 5% Outras - -

Quadro J – Actividades realizadas diariamente na es cola Conhecimento das actividades diárias na escola

EE % Opções Razões EE % 12 60% Sim As crianças contavam tudo 10 50%

Os pais perguntavam 2 10% 8

40%

Não

As crianças não explicavam 4 20% A escola não informava 1 5% As crianças eram muito pequenas 3 15%

Quadro L - Aprendizagem dos conteúdos leccionados Opinião sobre a aprendizagem das matérias na escola

EE % Opções Razões 14 70% Sim (Não se aplica)

6 30% Não A escola não ensina

Quadro M - Apoio nas tarefas escolares Colaboração nas tarefas escolares

EE % Opções Razões EE % 8 40% Sim

Apoio nos trabalhos de casa 7 35% Oralmente 1 5%

12

60%

Não

Não precisa 5 25% Não tenho tempo 5 25% São só desenhos 1 5% Não sei ler 1 5%

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Quadro N – Conhecimento do percurso escolar a segui r Conhecimento do percurso escolar do aluno dentro do Agrupamento

EE % Opções Razões 15 75% Sim (Não se aplica)

5 25% Não Não informam

Quadro O – Preocupação do Agrupamento com as necess idades dos Encarregados de Educação

Preocupação do Agrupamento com as necessidades dos Encarregados de Educação

EE % Opções Razões 15 75% Sim (Não se aplica)

5 25% Não Não informam

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Anexo 3. Guião de entrevista às professoras

Universidade de Aveiro Departamento de Ciências da Educação

Guião - Entrevista às Professoras

Data: __/__/2009

Esta entrevista insere-se num trabalho de investigação que conduzirá à elaboração de um projecto de intervenção no âmbito de um mestrado na área de Educação Social e Intervenção Comunitária.

As suas respostas têm como finalidade levantar elementos esclarecedores sobre como promover uma integração de sucesso dos alunos de etnia cigana no agrupamento tendo em vista a continuação dos estudos.

Agradecemos, desde já, a sua colaboração.

I

Dados Pessoais e Profissionais

Idade: ____ anos. Situação profissional: _______________ Tempo de serviço: ____ anos Tempo de serviço nesta escola: ____ anos.

II

Contexto Escolar

1. Como caracterizaria o seu percurso profissional, em breves palavras? (explorar experiência com crianças de etnia cigana)

2. Há quanto tempo trabalha com esta turma em particular? (Quando contactou pela primeira vez a turma, os alunos de etnia cigana, já sabiam ler e escrever?)

3. No que respeita ao relacionamento com alunos de etnia cigana. Quais os obstáculos e quais os aspectos positivos com que se depara no seu quotidiano?

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108

4. Ao longo deste ano lectivo nota alguma evolução positiva ou negativa em termos de aprendizagem?

5. Na sua opinião o que mais cativa os alunos? (Quais as actividades mais apreciadas)

6. Quais as suas preocupações como professora nesta turma? (Explorar as questões da integração e da assiduidade)

7. O que sente relativamente a uma turma como esta?

8. Qual a atitude dos pais destes alunos em relação à escola? (Visão, contactos, participação, TPC)

9. O percurso escolar almejado pelos encarregados de educação é idêntico para os rapazes e para as raparigas? (Explorar as razões)

10. Existe algum mecanismo de apoio às professoras desta escola? (reuniões regulares ou outras formas de comunicação)

11. Tem alguma ideia do nível em que se encontram os alunos do 1º Ciclo da Quinta do Simão relativamente aos seus pares de outras escolas do agrupamento?

12. A passagem dos alunos ciganos do 1º para o 2º Ciclo parece apresentar alguns problemas, nomeadamente com muitas desistências. O Conselho Executivo encontra-se atento a esta situação? (Tenta promover estratégias ou solucionar as questões)

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109

Anexo 4. Tabela de análise do conteúdo das entrevis tas às professoras

2 – Tempo de contacto com as turmas

Categorias Excertos

1

Conhecimento

Ent. 1 – “Com esta turma trabalho há 3 anos. Apanhei-a no 1º ano de escolaridade e estou a acompanhá-la. Neste momento estão no 3º e 4º anos. Ah...a turma…eu apanhei alunos do 1º e apanhei alunos do 2º ano. Eu constatei que os alunos do 2º ano já tinham várias…várias retenções e não sabiam ler e escrever. Portanto a situação teve que ser resolvida imediatamente…e…e acompanhei-os até à data”. Ent. 2 - “Com esta turma trabalho há 2 anos. Embora não se possa dizer propriamente que é esta turma porque a turma todos os anos tem elementos diferentes devido a…a concentrar pessoas, miúdos com vários anos de escolaridade. Portanto esta turma concretamente tem meninos que estão este ano pela primeira vez, tem outros com quem eu já trabalho há dois anos”. Ent. 3 – “Nenhuma, esta é a primeira vez. Foi para mim uma grande novidade e uma preocupação porque eu ia tendo alguns contactos com colegas mas ah…não fazia verdadeiramente a ideia ah…tinha só uma breve caracterização (…) é totalmente diferente. Pronto com esta turma estou apenas há uma semana, como disse em substituição (…) e como eu estava com dispensa da componente lectiva, professora avaliadora, portanto, acabei por vir então a ter esta experiência com a etnia”.

Análise das entrevistas realizadas às professoras d a Escola da Luz

1 – Características do percurso profissional

Categorias Excertos

1 Diversidade

Ent. 1 - “(…) estive no inicio da minha carreira em sítios, locais…meios piscatórios, meios…aldeias…mineiros. Portanto tive a oportunidade de contactar várias realidades. Depois estive na Suíça e tive a oportunidade de ter alunos com dificuldade…durante 6 anos. (…) Depois estive no Luxemburgo a dar aulas também aos alunos portugueses (…) esta é mais uma experiência que não é diferente…é…ela só é, só se torna diferente porque é de etnia cigana”. Ent. 2 - “(…) situações sociais complicadas e difíceis (…) com a população considerada franjas da… sociedade, grande parte do meu percurso tem sido nessa área visto que eu trabalhei muitos anos (…) inclusivamente no distrito de Setúbal (…)”. Ent. 3 - “(…) logo que saí do Magistério Primário, trabalhei num ATL, numa Instituição de Solidariedade Social. Depois mais tarde fui colocada num Jardim de Infância (…). Mais tarde trabalhei na Telescola e depois desde aí tenho exercido vários cargos. Portanto, Coordenadora de Escola, Coordenadora de Ano e actualmente Coordenadora de Ciclo.”

2 Homogeneidade

Ent. 1- “Estou aqui…no Agrupamento há 3 anos”. Ent. 2 – “Este é o terceiro ano nesta escola do Agrupamento”. Ent. 3 - “Ah…tenho passado por diferentes escolas ah…mas ultimamente tenho estabilizado mais. Portanto já trabalho (…) neste Agrupamento há 3 anos”.

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110

3 – Relacionamento com alunos de etnia cigana

Categorias Excertos

1

Obstáculos

Ent. 1 – “Claro que é a falta de assiduidade…a desistência (…)”. Ent. 2 – “Portanto as…as crianças ciganas não têm uma cultura que valorize (…) as aprendizagens escolares (…) são crianças que facilmente se desconcentram e (…) revelam muita preguiça (…) mental e…e física, aos dois níveis, ah…que vêm de questões culturais”. Ent. 3 – “Pronto, eu verifiquei que poucas são as crianças que em contexto de turma, sabem ler e escrever. Porque verifico que é, em 20 alunos, 4 estão a acompanhar o 2º ano mas os restantes ah…embora já tendo frequência do ano lectivo anterior, não têm as competências nestas áreas da leitura e a escrita. Ah… também o relacionamento com eles nem sempre é fácil devido a factores que se prendem com…por exemplo com a sua falta de assiduidade, a falta de regras, comportamentos que revelam um pouco falta de educação, de cidadania (…)”.

2

Facilidades

Ent. 1 – “(…) temos que pensar que são como são e…tentar através dos conhecimentos deles desenvolve-los. Portanto só com a parte afectiva e a motivação que é a parte mais importante para estes alunos. Ent. 2 – “(…) eles acabam por gostar de vir à escola e até se sentem motivados para determinadas actividades”. Ent. 3 - -------

4 – Evolução da aprendizagem dos alunos de etnia cigana

Categorias Excertos

1

Aspectos positivos

Ent. 1 – “Noto que estão mais autónomos…e mais confiantes. Já conseguem…ser persistentes e, e já (…) têm mais competências e que…têm uma atitude da posição de aluno muito mais coerente”. Ent. 2 – “Há sempre uma evolução positiva (…) evoluem…nos aspectos sociais…ah…e cognitivos também. Ent. 3 – -------

2 Aspectos negativos

Ent. 1 – ------- Ent. 2 – “Eles evoluem (…) embora seja a um ritmo bastante lento e que não pode ser comparado ao das outras crianças…ah… da nossa sociedade civil (…)”. Ent. 3 - “É assim, a evolução em termos de aprendizagem, pelo aquilo que eu deparo aqui e pelas reuniões que tenho feito com as colegas de Ciclo…ah…não é desejável. Portanto, reconhece-se que há muita, muita falta de assiduidade e portanto isso reflecte-se, quer queiramos quer não, na sua aprendizagem”.

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111

5 – Actividades mais motivadoras para os alunos

Categorias Excertos

1

Actividades apreciadas

Ent. 1 – “Eles gostam de tudo desde que o professor os motive…e que os situe…que eles sejam o centro também …e que saibam o que estão a fazer na escola, que tenham um objectivo para estar na escola”. Ent. 2 - “(…) as crianças reagem bem a quase todas as actividades. É evidente que eles gostam das actividades lúdicas e desportivas. Muitas vezes pedem realmente para fazer jogos”. Ent. 3 – “Olha, pelo pouco tempo que tenho estado aqui, portanto, verifiquei que uma das actividades que eles gostam de realizar é música, música e a dança para eles realmente é o que os atrai”.

6 – Preocupações relacionadas com as turmas étnicas

Categorias Excertos

1 Integração

Ent. 1 – “(…) nesta turma não considero ter alunos de etnia cigana, eu tenho alunos de etnia cigana e não cigana, mas para mim são alunos. E, e…independentemente das suas características, o que eu quero é dar-lhes o máximo de nível escolar…e portanto há o problema da integração. Nesse aspecto eles estão integrados, eles sentem que são tratados (…) igualmente e com respeito…o meu problema é dar-lhes, conseguir dar-lhes sempre o máximo de nível escolar…para que eles sejam mais autónomos”. Ent. 2 – “(…) nesta turma há várias dificuldades, neste momento é uma turma demasiadamente grande (…) porque há crianças com dificuldade de aprendizagem, algumas já identificadas outras não (…)”. Ent. 3 – “Olha, principalmente cativá-los… ah …para que concentrem a sua atenção, o seu interesse (…). Mas sobretudo também estabelecer algumas regras de comportamento, porque isso ainda não está implícito neles”.

2

Assiduidade

Ent. 1 – ------ Ent. 2 - “(…) muita falta de pontualidade visto as aulas começarem às oito e um quarto da manhã e até…ah…portanto…até às nove horas é que a turma começa a ficar composta, por volta das nove horas e às vezes até mais. E também a falta de assiduidade e (…) os pais não sentem necessidade muitas vezes em justificar essas faltas e também as justificações muitas vezes não correspondem aquilo que para nós seria razoável”. Ent. 3 - “(…) melhorar a sua assiduidade e pontualidade”.

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112

7 – Impressões sobre a turma

Categorias Excertos

1

Impressões

Ent. 1 – “Sinto um desafio e…e como todos os desafios…temos que conseguir, temos que dar essa força (…). O professor tem que acreditar na turma que tem. E…eu acredito que todos somos capazes, eu e os alunos”. Ent. 2 – “ Portanto…trabalhar com estas turmas é um enorme desafio…eu sempre senti isto apesar de achar que muitas vezes é um trabalho que não é valorizado pela nossa própria classe…ah…à vezes as pessoas não conseguem…ah…não conseguem avaliar a dificuldade (…) porque é uma luta diária…ah…conseguir algum sucesso com este tipo de população”. Ent. 3 – “ Bom, sinto muito honestamente que conheço mal a turma e que não tenho grande experiência de trabalho com, com esta etnia cigana. O que acaba por criar alguns obstáculos na medida em que ainda não há uma adaptação mutua. Ah…eu sinto que eles têm pouca motivação para aprender e revelam até uma grande falta de interesse, de atenção e até de persistência”.

8 – Percepção da atitude dos encarregados de educação ( EE) face à escola

Categorias Excertos

1

Posição dos EE

Ent. 1 – “(…) os pais, por aquilo que eu verifico (…) gostam…que os filhos façam os trabalhos de casa. Eles observam. Eu estou a ser observada…e ao mesmo tempo eu sinto - eles são pessoas que falam pouco – mas o sorriso deles e a forma como falam comigo, eles sentem que esta trata bem os seus filhos. Os filhos são bem tratados e há um prazer grande de verificar que…de ver em casa…eles…a mexer nos livros, nos lápis, a fazer os trabalhos de casa. (…) estas pessoas de etnia cigana ao contrário daquilo que se diz, eles querem saber da escola”. Ent. 2 – “(…) em relação ao apoio dado em casa, ao apoio escolar e académico, os pais não dão qualquer tipo de apoio escolar e académico. Ah…não…por vontade própria não vêm muito à escola…ah…nem vêm falar com o professor nas horas estipuladas, têm alguma coisa para falar com o professor acham que devem ser atendidos em qualquer altura, pode ser mesmo no meio da aula…ah…e não respeitam os horários que estão estipulados para o efeito (…)”. Ent. 3 – “(…) ainda não tive qualquer contacto com eles. Porque eles, os que vêm, nem sempre são os mesmos (…). Portanto não têm contactado a escola”.

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113

9 – Perspectivas do percurso escolar almejado pelos enc arregados de educação (EE) face ao género

Categorias Excertos

1

Planos futuros

Ent. 1 – “Eu penso que…é diferente, eu penso que é diferente…portanto, em geral as raparigas são mais empenhadas mas eu não gosto de generalizar porque também tenho rapazes empenhados. Portanto…mas só se pode ver essa parte…no aspecto cultural…na ida para o Ciclo para as raparigas mas já…essa situação não pode ser vista desta maneira porque já há os que também já querem que os filhos vão para o 2º Ciclo (…). Ent. 2 – “(…) Mais tarde (…) na pré-puberdade, na altura dos 11, 12, 13 anos…que é muito normal que estas crianças ainda estejam muitas vezes até no 1º Ciclo…ah…já se começa a notar alguma…ah… diferenciação (…) os pais esperam que as crianças do sexo masculino…ah…continuem na escola durante mais tempo…ah….só acabam por desistir normalmente com o casamento. As crianças do…do sexo feminino…ah…muitas vezes são…ah…portanto são levadas a desistir ainda mais cedo…da escola”. Ent. 3 – “Não, de modo algum. (…) mentalidade desta etnia cigana. De modo que também por aquilo que eu sondei aqui junto da, da comunidade educativa…ah…há mesmo essa ideia fixa, portanto, junto das crianças, que os rapazes não são para trabalhar. Só as raparigas”.

10 – Mecanismos de apoio às professoras

Categorias Excertos

1

Ausência de apoio

específico às docentes

Ent. 1 – “Pouco, o apoio é pouco e sentimo-nos um bocado sós”. Ent. 2 – “(…) por acaso temos o caso de um professor do Conselho Executivo já ter trabalhado naquela escola…portanto… revela…ah…alguma sensibilização para o efeito…ah… por isso como…uma turma como a minha de 20 crianças…ah…precisar de apoio individualizado e sem qualquer tipo de professor de Apoios Educativos ou da Educação Especial acabou por ser ele próprio, professor do Conselho Executivo, que veio dar algumas…alguns tempos por semana (…)”. Ent. 3 – “Ora bem, o apoio que é prestado às professoras desta escola…ah…é portanto feito em reuniões que fazemos ao longo do ano, periodicamente uma por, por mês, em que se reúnem os mesmos docentes de grupo de ano e aí travam algumas, algumas ideias e portanto trocam trabalhos ou algumas experiências. De resto o apoio é, é pouco. Não há assim grande apoio nesse aspecto do…do agrupamento…não. Portanto esta escola vive um pouco isolada”.

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114

11 – Nível de aprendizagem dos alunos em relação aos seu s pares de outras escolas

Categorias Excertos

1

Diferenças

Ent. 1 – “Portanto…eu…eu só falo da minha turma, não posso falar das outras turmas…eles podem-se considerar nos objectivos mínimos do ano em que estão inseridos”. Ent. 2 – “Portanto os alunos de etnia cigana não acompanham...ah...o…as programações curriculares que são feitas ao nível das diferentes reuniões de ano do agrupamento…ah…portanto, os alunos não fazem o mesmo tipo de testes de avaliação, por exemplo…nem atingem…as…as mesmas competências”. Ent. 3 – “(…) é uma escola muito específica com características muito próprias…ah…que deveria ser considerada uma escola de intervenção prioritária. (…) estes alunos não fazem Provas de Aferição porque não têm competências adquiridas. É isso que, que eu sei. E têm sempre também uma avaliação específica, pronto…ah …os textos que são elaborados, de avaliação são sempre adaptados, portanto às suas aprendizagens”.

12 – Mecanismos de combate ao absentismo e ao abandono escolar na transição de Ciclos

Categorias Excertos

1

Estratégias do Conselho

Executivo

Ent. 1 – “Não tenho conhecimento para poder falar sobre isso”. Ent. 2 – “Eu penso que sim…portanto é natural que há medida que a idade vai avançando nestas crianças, eles vão ficando (…) susceptíveis à desistência, digamos assim, das aulas. Mas…ah…este agrupamento tem algumas estratégias, inclusivamente, muitas vezes estas crianças quando ingressam no 2º Ciclo vão para turmas...específicas…ah…dos PCA”. Ent. 3 – “Colabora na integração destas turmas normalmente em turmas chamadas de PCA, Percursos Curriculares Alternativos e até também nos Cursos CEF, Cursos de Educação e Formação. Ah…estão apontados para outras medidas que não a de percurso curricular normal…ah…têm tomado também medidas na redução do abandono escolar, nomeadamente através da…da intervenção da Escola Segura, junto dos encarregados de educação e até também muitas das vezes junto da Protecção do Tribunal de Menores. Para combater precisamente este problema da…da falta de assiduidade e do abandono mesmo”.

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Anexo 5. Questionário dos Pais e E. E.

Universidade de Aveiro Departamento de Ciências da Educação

Questionário Pais e Encarregados de Educação

Data: __/__/2009

Este questionário insere-se num trabalho de investigação que conduzirá à elaboração de um projecto de intervenção no âmbito de um mestrado na área de Educação Social e Intervenção Comunitária.

As suas respostas têm como finalidade ajudar a promover uma integração de sucesso dos alunos de etnia cigana no agrupamento tendo em vista a continuação dos estudos.

Os questionários serão anónimos e as respostas confidenciais.

Agradecemos, desde já, a sua colaboração.

Assinale com uma cruz (X) a resposta que corresponde ao seu caso.

I – Dados Pessoais e Familiares

1.Relação familiar do encarregado de educação com o ( a) aluno (a)

Pai Mãe Outro

2. Pessoas que habitam com o (a) aluno (a)

Pai ou Mãe

Pai e Mãe

Pai, Mãe e Irmãos

Pai, Mãe, Irmãos e Avós

2.1. Número de irmãos que habitam com o(a) aluno(a)

0 1 2 3 4 ou +

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3. Idade do Encarregado de Educação

< 25 anos 25 - 29 anos 30 - 35 anos 36 - 40 anos 41 - 45 anos + 45 anos

4. Habilitações académicas do Encarregado de Educaç ão

a) Não concluiu nenhum nível de escolaridade

b) 1º Ciclo do Ensino Básico

c) 2º Ciclo do Ensino Básico

d) 3º Ciclo do Ensino Básico

e) Ensino Secundário

f) Curso Médio

g) Curso Superior

h) Outros

5. Actualmente, desempenha alguma actividade profis sional? Sim Não

5.1.Se respondeu SIM, diga-nos qual é a sua acti vidade profissional?

5.2. Se respondeu Não, diga-nos se recebe o Rendime nto Social de Inserção?

Sim Não

II – Contexto Escolar

6. Na vossa cultura, a escola é importante?

Muito importante Importante Pouco importante Não é importante

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7. Opinião sobre os objectivos da escola

Avaliação

Muito importante

Importante Pouco importante

Não é importante

a) Proporcionar a aquisição de muitos conhecimentos

b) Preparar o(a) aluno(a) para um emprego bem pago

c) Ensinar o(a) aluno(a) a ser educado (a)

d) Ocupar o tempo das crianças

e) Promover a colaboração escola/família

8. Todos os seus filhos em idade escolar frequentam a escola? Sim Não

8.1. Se respondeu NÃO, refira a razão.

9. Quantas vezes foi contactado(a) pela escola dura nte este ano lectivo?

Nenhuma Uma Duas Três ou mais

10. Quais as razões que motivaram os contactos esta belecidos pela escola? (Assinale os 2 motivos mais importantes com 1 e 2)

a) Problemas de comportamento

b) Comunicação do aproveitamento

c) Convite para participar em actividades da escola

d) Convite para participar em convívios ou festas na escola

e) Informações sobre os planos e actividades da escola

f) Comunicação de factos positivos sobre o seu educando

g) Outras

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11. Quantas vezes sentiu necessidade de ir à escola desde o início do ano lectivo?

Nenhuma Uma Duas Três ou mais

12. Quais as razões dessa(s) visita(s)? (Assinale os 2 motivos mais importantes com 1 e 2)

a) Pedir informações sobre o aproveitamento do(a) educando(a)

b) Expor problemas do(a) educando(a)

c) Participar em reuniões

d) Participar em festas/convívios

e) Participar em actividades promovidas pela escola

f) Falar com a professora

g) Apresentar reclamações

h) Apresentar sugestões

i) Pedir informações sobre os programas

j)Outras

13. Como é recebido na escola? (Escolha só 1 opção)

a) Com satisfação

b) Com amizade

c) Com indiferença

d) Com desconfiança

e) Outras

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119

14. Sente que o (a) seu (sua) educando (a) é bem tr atado (a) na escola?

Sim Não

14.1. Se respondeu SIM, refira a razão.

14.2. Se respondeu NÃO, refira a razão.

15. Conhece as actividades diárias realizadas na es cola? Sim Não

15.1. Se respondeu SIM, refira a razão.

15.2. Se respondeu NÃO, refira a razão.

16. Considera que o(a) seu (sua) educando(a) aprend e as matérias na escola?

Sim Não

16.1. Se respondeu NÃO, refira a razão.

17. Colabora com o(a) seu (sua) educando(a) nas tar efas da escola? Sim Não

17.1. Se respondeu SIM, refira quais.

17.2. Se respondeu NÃO, refira a razão.

18. Considera útil que haja uma Associação de Pais e Encarregados de Educação (A. P.) na escola? a) Não sabe qual a utilidade

b) A escola é muito pequena para ter uma A. P.

c) A A. P. é útil na resolução de situações diversas

d)Outra

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19. Sabe qual o percurso escolar do seu educando (e m relação ao Agrupamento de Escolas)?

Sim Não

19.1. Se respondeu NÃO, refira a razão.

20. O Agrupamento de Escolas preocupa-se com as nec essidades dos Encarregados de Educação?

Sim Não

20.1. Se respondeu NÃO, refira a razão.

21. Tem interesse na continuação dos estudos após t erminar o 1º Ciclo?

Sim Não

21.1. Se respondeu SIM, refira a razão.

21.2. Se respondeu NÃO, refira a razão.

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Anexo 6. Grelha de observação dos Bairros Ciganos

Bairros Ciganos

Observação Descritiva (o que aconteceu)

Observação Sensorial

(o que senti)

Localizados em zona de pinhal. Caminho de terra com buracos. Bairros próximos entre si mas independentes. Bairros de pequenas dimensões. A maioria das casas estava habitada. Entendimento entre as famílias de cada bairro. Sedentarização recente (15-20 anos). Figura do patriarca enquanto chefe do bairro. Necessidade da sua autorização. No Bairro do Souto era uma mulher. Bairro Primavera – 10 famílias. Caminho comprido e estreito com cimento. Casas à direita (barracas e construções de alvenaria). Chão em terra ou em cimento. Bairro Souto – 6 famílias. Casas à direita (barracas, construções de alvenaria e tendas abandonadas). Chão em terra ou em cimento. Condições de habitabilidade muito deficitárias.

Desconforto e desolação inicial Pouca ou nenhuma ligação entre os bairros. Permanência e integração da maioria das famílias. Desconfiança inicial. Grande importância do patriarca. Admiração por haver uma matriarca. Agradável Percepção de limpeza. Bairros organizados. Local aparentemente abandonado. Precariedade.

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Bairros Ciganos

Observação Descritiva (o que aconteceu)

Observação Sensorial

(o que senti)

Bairro Terreiro – 10 famílias. Mais afastado dos outros bairros. Maior conotação negativa. Prática de actividades ilícitas. Maior degradação - barracas de alvenaria incompleta, algumas barracas em madeira e 2 tendas. Chão em terra ou em cimento. Condições de habitabilidade muito deficitárias. Depois do patriarca são os homens quem autoriza as mulheres a nos aceitarem e a conversarem connosco. Os homens participam apenas quando os assuntos lhes interessam. As mulheres fazem o trabalho doméstico e tratam dos filhos. Informação de que todas as crianças frequentam a escola (1º Ciclo). Crianças em liberdade nos bairros.

Acesso ao Bairro do Terreiro mais difícil. Isolamento. Receio. Observação de situações irregulares ainda que camufladas pelos próprios. Desconfiança e curiosidade. Desde que nos começaram a conhecer e a aceitar passaram a receber-nos com alguma naturalidade. Grande divisão das tarefas em função do género. Importância relativa da escola. Algumas crianças estavam a faltar às aulas simplesmente porque lhes apetecia. Alegria e felicidade das crianças. Naturalidade nas reacções e mais à vontade.

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Anexo 7. Guiões de orientação das conversas com as crianças

Turmas A e B

1º - Guião de orientação das conversas com as crianças

Primeiro contacto com os alunos na sala de aula do 1º Ciclo Objectivos: Conhecer as crianças Divulgar o projecto Preparação e organização: Materiais Carta-convite nominal Pequena surpresa (caixinha: mensagem, balão e mimo) Estrela Partilha de chocolates com os alunos Nomes (papéis coloridos) Organização Apresentação/ Explicação dos objectivos – questão ética (consentimento) Entrega da Carta-convite Elaboração de um registo manuscrito Construção da Grelha de Observação

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Turmas A e B

2º - Guião de orientação das conversas com as crianças

Primeira conversa com os alunos Local: canto da sala de aula do 1º Ciclo Objectivos: Criar mais empatia com as crianças Divulgar (alguns) Direitos das Crianças Motivar para as actividades em conjunto Preparação e organização: Materiais Livro gigante com a banda desenhada alusiva aos Direitos das Crianças Estrela Partilha de chupa-chupas Placas de identificação com corações coloridos Organização Leitura da banda desenhada sobre os Direitos das Crianças Conversa com as crianças Elaboração de um registo manuscrito Construção da Grelha de Observação Questionário Direitos das Crianças: 1 – O que são? 2 – Quais conhecem? 3 – Qual a sua importância?

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Turmas A e B

3º - Guião de orientação das conversas com as crianças

Segunda conversa com os alunos Local: canto da sala de aula do 1º Ciclo Objectivos: Saber qual o impacto da escola no seu quotidiano Motivar para as actividades em conjunto Preparação e organização: Materiais Folhas coloridas e lápis Estrela Partilha de bolachas Placas de identificação Organização Elaboração de um guião com questões a considerar Conversa com as crianças Elaboração de um registo manuscrito Construção da Grelha de Observação Questões a considerar: Contexto Escolar

1- O que fazem na vossa escola? 2- Qual é o horário da turma? 3- O que pensam sobre a vossa sala de aula? E o espaço em geral? 4- O que mais gostam de fazer na escola? 5- O que menos gostam? 6- Costumam fazer trabalhos de casa? 7- Qual a importância da escola? Porquê? 8- Há faltas na turma? Como resolver? 9- Qual é a escola ideal? Esta ou outra?

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Turmas A e B

4º - Guião de orientação das conversas com as crianças

Terceira conversa com os alunos Local: canto da sala de aula do 1º Ciclo Objectivo: Contexto não escolar - Relação dos alunos com o meio ambiente Preparação e organização: Materiais Folhas coloridas e lápis Estrela Partilha de bolachas Placas de identificação Organização Elaboração de um guião com questões a introduzir. Conversa com as crianças Elaboração de um registo manuscrito Construção da Grelha de Observação Questionário: Contexto não escolar 1 - O que fazem quando não estão na vossa escola?

2 - O que mais gostam de fazer? 3 - O que menos gostam de fazer?

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Turmas A e B

5º - Guião de orientação das conversas com as crianças

Quarta conversa com os alunos Local: canto da sala de aula do 1º Ciclo Objectivos: Expectativas quanto ao futuro: Saber qual o impacto da escola no seu futuro Saber quais os projectos de vida Motivar para as actividades em conjunto Preparação e organização: Materiais Folhas coloridas e lápis Estrela Partilha de gelados Placas de identificação Organização Elaboração de um guião com questões a introduzir Conversa com as crianças Elaboração de um registo manuscrito Construção da Grelha de Observação Questões: Expectativas quanto ao futuro

1- O que pensam fazer no futuro próximo, no novo ano escolar, em Setembro? 2- O que pensam fazer no futuro, quando já forem adultos?

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Anexo 8. Grelhas de observação das conversas com as crianças

Turma A

Turma A - Grelha de Observação – nº1 (11/03/09)

Observação Descritiva (o que aconteceu)

Observação Sensorial (o que senti)

Dificuldade em encontrar a escola.

Isolamento.

Boa receptividade da professora.

Ambiente estranho mas não hostil.

Alunos não estavam avisados.

Alguma curiosidade e desconfiança inicial.

Necessário captar a atenção dos alunos (“quebra-gelo”).

Utilidade do “quebra-gelo”.

Aceitação depois de compreenderem.

Interesse em saberem qual o meu objectivo.

Aceitaram participar depois de entenderem a ideia principal do projecto.

Marcação de nova visita para trabalhar em conjunto.

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Turma A - Grelha de Observação – nº2 (18/03/09)

Observação Descritiva (o que aconteceu)

Observação Sensorial (o que senti)

Reunião em círculo num canto da sala (sentados no chão).

Curiosidade dos alunos. Boa recepção.

Leitura da B.D. sobre os Direitos das Crianças. (Não lemos tudo. Resumi a história.)

Interesse inicial, seguido de algum alheamento por parte dos rapazes. Dificuldade de concentração.

Partilha do bolo. Consideraram-no “feio” mas saboroso.

Sinceridade nos comentários.

Diálogo à volta dos Direitos das Crianças:

- O que são?

- Quais conhecem?

- Qual a sua importância?

Alguma inibição inicial mas depois todos participaram.

Conclusão:

- Têm noção dos direitos (Susana - “Poder fazer coisas”).

- Já tinham conhecimento deles através da escola.

- Todos consideraram importante ter direito “à escola, a uma família, à saúde, à liberdade e à higiene”.

Conclusão:

- Alunos informados.

- Gostam da escola mas para os ciganos não se sobrepõe aos seus valores culturais.

- Rapazes: consideram essencial aprender a ler, escrever e poder tirar a carta de condução.

- Raparigas: consideram essencial aprender a ler, escrever e a ter uma higiene cuidada.

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Turma A- Grelha de Observação – nº3 (20/03/09)

Observação Descritiva (o que aconteceu)

Observação Sensorial (o que senti)

Reunião em círculo num canto da sala (sentados no chão, cadeiras ou janela).

Mais à vontade dos alunos. Mais confiança em mim.

Partilha de bolachas e de folhas para desenharem a sua escola

Mais à vontade para desenhar do que para comer as bolachas.

Diálogo à volta da vida escolar: 1-Aprendem letras, números, frases, tabuada, desenhos… Ler foi valorizado por todos. Contas ficaram em segundo lugar.

Alguma inibição inicial mas depois todos participaram. Os alunos ciganos são aparentemente mais reservados.

2-Todos sabem bem o horário e as suas rotinas. ------

3-Consideram a escola fria. Falta aquecimento na sala e na cantina. No entanto, em geral gostam da sua sala e da escola.

Conhecem bem a sua escola.

4-Revelam gostos diversificados quanto à escola: livros (Susana, Bárbara, Maria), contas (Anita, Arlinda), comer (Carlitos, Salomão)… -Apreciam a sua professora. -Dizem gostar das minhas visitas e de falar comigo.

A escola é um assunto que interessa a todos.

5-Todos se referem à área ocupada pela cantina. Gostavam de ter uma cantina nova mas aceitam a que têm de forma natural.

6-Realizam os TPC quase sempre (excepto quando a preguiça é grande).

Interesse em cumprir o estabelecido pela professora.

7-Consideram “a escola importante porque aprendem” - Gustavo, Luís, Cristiano, Cristina e Bárbara. -Os rapazes voltam a insistir na importância de tirar a carta de condução.

Importância dos saberes escolares como meio de valorização pessoal (saber ler e possuir a carta de condução é uma mais valia na comunidade cigana).

8-Referem que só faltam quando estão doentes. -Dizem que os pais os obrigam senão a polícia vai buscá-los a casa. -Depois acabam por contar que também acontece quando vão visitar algum familiar preso ou quando há casamentos.

Os valores da comunidade sobrepõem-se aos interesses da escola muitas vezes.

9-Consideram a sua escola ideal. Gostam do seu quotidiano.

Conclusão: - A escola é importante para todos pois é um meio para atingirem conhecimento.

Conclusão: - Gostam da escola mas para os ciganos não se sobrepõe aos seus valores culturais.

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Turma A - Grelha de Observação – nº4 (04/06/09)

Observação Descritiva (o que aconteceu)

Observação Sensorial (o que senti)

Reunião em círculo num canto da sala.

Amizade.

Alegria em nos reencontrarmos.

Diálogo à volta do contexto não escolar :

1- Quando não estão na escola costumam descansar, brincar e passear.

Todos participaram.

2 - Actividades preferidas:

- Rapazes e raparigas: brincar, jogar à bola, ver televisão (bonecos), andar de bicicleta, ir à praia, estar com amigos ou fazer novos amigos e comer guloseimas.

- Rapazes: pescar.

- Raparigas: ler.

O tempo livre fora da escola é importante para todos. Dentro do possível, têm autorização para fazer o que mais lhes agrada.

3 – Actividades que não gostam:

- Não gostam de tarefas domésticas como: fazer a cama, levar lixo ao contentor, varrer ou apanhar pinhas.

- Alguns rapazes referem ainda os TPC.

Colaboram em algumas actividades domésticas mas sem grande vontade.

Os rapazes ciganos revelam menos vontade de realizar TPC da escola, embora os vão fazendo.

Partilha de bolachas e de folhas para desenharem actividades relacionadas com o contexto não escolar.

Aceitaram a tarefa com normalidade. Alguns foram para os seus lugares para melhor desenharem.

Conclusão:

- O tempo livre é visto com prazer, especialmente se os pais não os solicitarem para pequenas tarefas.

Conclusão:

- O tempo livre é considerado um espaço especial e importante para todos.

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Turma A - Grelha de Observação – nº5 (05/06/09)

Observação Descritiva (o que aconteceu)

Observação Sensorial (o que senti)

Reunião em círculo num canto da sala (alunos sentados à vontade).

Amizade e à vontade dos alunos.

Alegria em nos reencontrarmos.

Diálogo acerca do futuro:

1- Todos pretendem continuar os estudos.”Eu cero estodari” – Salomão.

Os alunos não ciganos manifestam-se primeiro.

Todos participam sem inibições. Algumas alunas ciganas não sabem que os pais não as deixarão continuar os estudos.

2 – Quase todos desejam trabalhar e ter uma profissão no futuro. Ex: cavaleira, veterinário, actriz, taxista, professora, cantora, advogado, cabeleireira, médica.

Um ou outro ainda não sabe.

Riem-se do que vão dizendo.

Os rapazes voltam a insistir na importância de tirar a carta de condução.

Todos desejam ter um futuro definido que lhes permita estabilidade e poderem formar uma família.

Partilha de folhas para desenharem o seu futuro. Os gelados ficam para o intervalo.

Aceitaram a tarefa com normalidade. Alguns foram para os seus lugares para melhor desenharem.

Conclusão:

- A escola é importante para todos num futuro imediato e um meio para alcançarem uma melhor forma de vida num futuro adulto.

Conclusão:

- A sua escola tem uma importância positiva nas suas vivências. Têm noção que esta é um meio para atingir determinados fins (saber ler, obter a carta de condução ou ter um trabalho).

Gostam da escola mas para os ciganos não se sobrepõe aos seus valores culturais.

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Turma B

Turma B - Grelha de Observação – nº1 (03/06/09)

Observação Descritiva

(o que aconteceu)

Observação Sensorial

(o que senti)

Os alunos encontravam-se agitados e faziam barulho.

A professora e a funcionária encontravam-se na sala de aula.

Dificuldade da professora em controlar sozinha os alunos.

Não se importou que eu tivesse assistido à situação.

Boa receptividade da professora. Tinha sido bem informada sobre a minha presença e o meu projecto.

Alguns alunos já sabiam que eu iria contactar a turma mas outros não estavam avisados.

Alguns já me conheciam por causa das visitas aos bairros ciganos ou por terem irmãos na turma da tarde.

Algum interesse misturado com uma certa curiosidade e desconfiança inicial.

Necessário captar a atenção dos alunos (“quebra-gelo”).

Utilidade do “quebra-gelo”.

Aceitação depois de compreenderem.

Distraem-se com muita facilidade (balões).

Dificuldade em seguir regras de comportamento em contexto de sala de aula.

Interesse em saberem qual o meu objectivo.

Aceitaram participar depois de entenderem a ideia principal do projecto.

Marcação de nova visita para trabalhar em conjunto.

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Turma B - Grelha de Observação – nº2 (05/06/09)

Observação Descritiva (o que aconteceu)

Observação Sensorial (o que senti)

Reunião em círculo num canto da sala (sentados nas cadeiras).

Curiosidade dos alunos. Boa recepção.

Leitura da B.D. sobre os Direitos das Crianças.

A maioria começa a dizer que não sabe ler. Dificuldade em ler o título.

(Não lemos quase nada. Resumi a história.)

Dificuldades de concentração.

Querem mostrar que também têm livros, então atiram-me com um livro.

Interesse inicial, seguido de grande alheamento.

Desinteresse pelo que não dominam (leitura).

Admiração/indignação por alunos do 1º e do 2º ano no final do ano lectivo não saberem ler.

Falta de educação e abuso por parte de alguns alunos. Testam a minha reacção.

Diálogo à volta dos Direitos das Crianças:

1 - O que são? “Poder fazer coisas” Camilo.

2 - Quais conhecem? “Direito a estudar”Ana, “Direito a trabalhar na escola” Santiago, “Direito a Chamar Carmo” Carmo.

3 - Qual a sua importância?

Alguma inibição inicial mas depois a maioria participa.

Interesse e atenção inicial seguida de agitação.

Comportamentos incorrectos: batem, distribuem pontapés, insultam os colegas e tentam mexer nos meus objectos.

Necessidade de impor regras aos alunos.

Ausência de regras em contexto de sala de aula.

Estupefacção pelo facto de alunos desta faixa etária estarem habituados a não ter regras de funcionamento.

Partilha de chupa-chupas. Contentamento das crianças.

Conclusão:

- Têm noção vaga dos direitos, exceptuando a aluna não cigana (“Poder fazer coisas”).

- A escola não é uma referência para esta turma.

Conclusão:

- Sinceridade nos comentários.

- Alunos pouco informados.

-Desprezo pela escola (exceptuando a aluna não cigana).

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Turma B - Grelha de Observação – nº3 (09/06/09)

Observação Descritiva (o que aconteceu)

Observação Sensorial (o que senti)

Reunião em círculo num canto da sala (sentados nas cadeiras).

Mais à vontade dos alunos (tratam-me por tu).

Mais confiança em mim.

Diálogo à volta da vida escolar:

1-Aprendem a ler e a escrever (mas a maioria diz que não o sabe fazer).

Alguma inibição inicial mas depois todos participaram.

Gostariam de saber ler e escrever mas não aprenderam.

2-Todos sabem bem o horário e as suas rotinas.

------

3- As opiniões dividem-se: “ a sala é antiga”, “não presta”, “gosta”... Em geral gostam da sua sala e da escola.

Respondem a primeira coisa que lhes ocorre ou seguem a opinião de outros colegas líderes na turma.

4- Revelam gostos diversificados quanto à escola. Desenhar e pintar é comum. A aluna não cigana prefere a leitura.

- Todos gostam do intervalo.

-Dizem apreciar as minhas visitas e falar connosco.

A escola é um assunto que pouco lhes interessa.

5- Estudar. A escola é desvalorizada.

6-Vão realizam os TPC, excepto quando a preguiça é grande.

- Os TPC com maior adesão envolvem o desenho e a pintura.

- Quatro alunos ciganos gostam de escrever (um deles pertence ao grupo que não sabe ler).

Interesse em cumprir o estabelecido pela professora.

7-A maioria não considera a escola importante.

Não justificam.

Sobreposição dos valores culturais.

Grande desmotivação em relação à escola.

8-Referem que há muitas faltas dadas pela turma. Todos vão faltando (doença, não

Sobreposição dos valores culturais.

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apetecer…).

- A aluna não cigana refere que só falta quando está doente.

- Dizem que este problema deve ser resolvido apontando “no livro, no papel” e “na caderneta do aluno para lembrar os pais” – todos os alunos.

Pouca importância atribuída à escola.

Desvalorização do papel da assiduidade.

9-Como primeiro impacto afirmam que a escola ideal é outra. Na realidade as opiniões dividem-se. Esta é a sua única referência (“é uma seca” Santiago, “não, não sei ler”Joca, “temos que fazer Matemática” Lito, “não porque obriga a trabalhos” Lucas, “não sei ler mas gosto dos jogos” Inácio…).

Não se interessam grandemente pelo quotidiano escolar.

Partilha de bolachas e de folhas para desenharem a sua escola.

Mais à vontade para desenhar do que para identificarem o trabalho (nome, idade, ano e turma). Muitos não sabem escrever.

Conclusão:

- A escola é importante para aprender mas sabem que isso não está a acontecer com a maioria.

Conclusão:

- Gostam pouco ou nada da escola. No caso dos alunos ciganos não se sobrepõe aos seus valores culturais.

Notas:

- Metade da turma não compareceu às aulas neste dia.

- Mesma atitude quanto ao comportamento, apenas mais diluída atendendo ao número reduzido de alunos.

- A agressividade entre eles é uma constante dentro da sala de aula (batem, dão pontapés e insultam os colegas).

- Agitação: arrastam os pés, batem palmas, conversas paralelas…

- Necessidade de impor regras e ordem desde o inicio.

- Dificuldade de concentração da maioria.

- Apesar de sentir que gostam de estar comigo, em cada conversa, experimentam os limites permitidos.

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Turma B - Grelha de Observação – nº4 (15/06/09)

Observação Descritiva (o que aconteceu)

Observação Sensorial (o que senti)

Reunião em círculo num canto da sala.

(alunos sentados nas cadeiras).

Amizade.

Alegria em nos reencontrarmos.

Diálogo à volta do contexto não escolar :

1- Quando não estão na escola costumam descansar, brincar e passear.

Todos participaram.

2 - Actividades preferidas:

- Rapazes e raparigas: brincar e ir ao rio.

- Rapazes: jogar à bola e ir à praia.

- Raparigas: brincar com bonecas.

O tempo livre fora da escola é importante para todos. Dentro do possível, têm autorização para fazer o que mais lhes agrada.

3 – Actividades que não gostam:

- Não gostam de tarefas domésticas como arrumar a casa ou trabalhar com o pai. Ex: limpar gaiolas ou lavar o carro.

- Alguns referem que não apreciam corre ou andar a pé.

Colaboram em algumas actividades domésticas mas sem grande vontade.

Partilha de bolachas e de folhas para desenharem actividades relacionadas com o contexto não escolar.

Alguns foram para os seus lugares para melhor desenharem.

Vários continuam com dificuldades ou sem saber escrever o nome.

Aceitaram a tarefa com normalidade mas sem grande vontade.

Conclusão:

- O tempo livre é visto com prazer, especialmente se os pais não os solicitarem para pequenas tarefas.

Conclusão:

- O tempo livre é considerado um espaço especial e importante para todos.

Notas:

- Mesma atitude quanto ao comportamento mas com menos frequência. - Necessidade de impor regras e ordem desde o inicio.

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Turma B - Grelha de Observação – nº5 (16/06/09)

Observação Descritiva (o que aconteceu)

Observação Sensorial (o que senti)

Reunião em círculo num canto da sala (alunos sentados nas cadeiras).

Amizade e à vontade dos alunos.

Alegria em nos reencontrarmos.

Diálogo acerca do futuro imediato:

1-Se escolhessem não estudavam.

Todos participam sem inibições.

Diálogo acerca do futuro imediato:

2 – Todos desejam um bom futuro.

- Os rapazes, por ex: camionista, construtor civil ou jogador de futebol.

Acima de tudo pretendem tirar a carta de condução e conduzir um carro.

- As raparigas, por ex: doméstica e mãe de família ou cabeleireira.

Um ou outro ainda não sabe.

Riem-se do que vão dizendo.

Todos desejam ter um futuro que lhes permita estabilidade e poderem formar uma família embora não procurem caminhos para tal (aprender a ler/escrever).

Algumas alunas ciganas não sabem que os pais não as deixarão continuar os estudos mas isso também não lhes interessa para já.

Partilha de folhas para desenharem o seu futuro. Os gelados ficam para depois do almoço.

Aceitaram a tarefa com normalidade mas sem grande vontade. Alguns foram para os seus lugares para melhor desenharem.

Conclusão: - A escola é importante para todos num futuro imediato e um meio para alcançarem uma melhor forma de vida num futuro adulto.

Conclusão: - A sua escola tem uma importância positiva nas suas vivências. Têm noção que esta é um meio para atingir determinados fins (saber ler, obter a carta de condução ou ter um trabalho). Gostam da escola mas para os ciganos não se sobrepõe aos seus valores culturais.

Notas: - Mesma atitude quanto ao comportamento - A ausência de regras continua embora seja menos frequente (atiram lápis pelo ar para emprestar, levantam-se sem ordem, ainda distribuem alguns pontapés). - Necessidade de impor regras e ordem desde o inicio. - Pedem para estar comigo nas férias.

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Anexo 9. Grelha de observação dos tempos livres das crianças

Turmas A e B

Grelha de Observação – Tempos Livres

Observação Descritiva Observação Sensoria l

Tempos Livres na Escola – o Recreio

Euforia.

Camaradagem.

Organizam as suas actividades lúdicas.

Interacção entre as crianças ciganas e não ciganas.

Não existe distinção do género nas brincadeiras.

Grande energia.

Preferências – jogar à bola, correr e jogo dos pneus.

Algumas brigas ligeiras.

Convidam-nos para participarmos nas brincadeiras.

Falam português e caló.

Atitudes semelhantes das 2 turmas.

Liberdade.

Autenticidade.

Imaginação.

Alegria.

Bem-estar.

Confusões próprias da idade.

À vontade e amizade.

Mistura cultural.

Crianças a brincarem naturalmente.

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Grelha de Observação – Tempos Livres

Observação Descritiva

Observação Sensorial

Tempos Livres nos Bairros

As crianças movimentam-se com grande à vontade nos bairros.

Liberdade para brincar, passear ou descansar.

Supervisão familiar.

Todos do bairro colaboram na educação das crianças quando necessário (ausência dos pais).

Prestam atenção a tudo o que se passa no bairro, revelam curiosidade e satisfação sempre que aparecemos.

Alegria

Felicidade

À vontade

Respeito pela família e pelo bairro.

À vontade das crianças em relação à nossa presença.

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Anexo 10. Fotografias

Fotografia 1 – Livro com os Direitos das Crianças

Fotografia 2 – Livro com os Direitos das Crianças

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Fotografia 3 – Escolinha de cartão

Fotografia 4 – Estrela de peluche

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Anexo 11. Desenhos do Portfolio - Livrinho

Contexto Escolar – Turma A

Contexto Não Escolar – Turma A

Futuro – Turma A

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Contexto Escolar – Turma B

Contexto Não Escolar – Turma A

Futuro – Turma B

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Anexo 12. Guião de entrevista ao Vice-Presidente do Agrupamento

Universidade de Aveiro Departamento de Ciências da Educação

Guião de Entrevista

Vice-Presidente do Conselho Executivo

Data: __/__/2009

Esta entrevista insere-se num trabalho de investigação que conduzirá à elaboração de um projecto de intervenção no âmbito de um mestrado na área de Educação Social e Intervenção Comunitária.

As suas respostas têm como finalidade levantar elementos esclarecedores sobre como promover uma integração de sucesso dos alunos de etnia cigana no agrupamento tendo em vista a continuação dos estudos.

Agradecemos, desde já, a sua colaboração.

I

Dados Pessoais e Profissionais

Nível de ensino: _____________ Tempo de serviço: ____ anos Tempo de serviço neste agrupamento: ____ anos. Tempo de serviço neste cargo: ____ anos.

II

Contexto Escolar

1. Quantos alunos de etnia cigana frequentam o agrupamento neste ano lectivo? (Em cada ciclo de estudos)

2. Como caracteriza esses alunos? (Género, idade…)

3. Como foi realizada a distribuição por turmas?

4. O Conselho Executivo tem-se preocupado com a promoção da colaboração escola/família com a comunidade cigana? (De que forma?)

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5. Os programas curriculares encontram-se no 1º Ciclo adaptados à comunidade cigana?

6. Como actua o agrupamento ao nível da assiduidade na comunidade cigana?

7. O agrupamento encontra-se inserido em algum programa/projecto de combate ao insucesso escolar? (Porque razão a escola do 1º Ciclo da Quinta do Simão não é considerada de intervenção comunitária, apesar de reunir condições para tal?)

8. Actualmente várias escolas são objecto de modernização. Em termos de requalificação das escolas, como se encontra a referida escola?

9. Como é que o Conselho Executivo perspectiva o sucesso destas crianças do 1º Ciclo? (Explorar semelhanças/ diferenças entre as duas turmas; outras escolas do agrupamento)

10. Notam “racismo oculto” dos professores em relação a estes alunos?

11. Existe algum mecanismo de apoio às professoras desta escola? (reuniões regulares ou outras formas de comunicação)

12. Qual o interesse destes alunos em relação à escola e quais as suas maiores dificuldades?

13. A passagem dos alunos ciganos do 1º para o 2º Ciclo parece apresentar alguns problemas, nomeadamente com muitas desistências. O Conselho Executivo encontra-se atento a esta situação? (Tenta promover estratégias de ou solucionar as questões)

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Anexo 13. Guião da entrevista à auxiliar de acção e ducativa

Introdução

- Identificação - Explicação do projecto - Consentimento Dados Pessoais Nome: Idade: --------------------------------------------------------------------------------------------------------- Profissão: Auxiliar de Acção Educativa Local de trabalho: Escola da Luz

Questionário

1- Há quanto tempo trabalha nesta escola?

2- A escola sempre teve alunos de etnia cigana?

3- E alunos não ciganos?

4- Na sua opinião porque é que esta escola é frequentada por alunos de etnia cigana?

5- Trabalhar com crianças ciganas e não ciganas é igual ou há

diferenças? Se sim, quais?

6- Qual a sua opinião sobre o modo de funcionamento ou comportamento dos alunos ciganos nas aulas? E nos intervalos?

7- Os pais e encarregados de educação costumam vir à escola? Quando?

Porquê Como?

8- Os alunos nesta escola faltam muito ou pouco? Se sim, quais as razões?

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Anexo 14. Carta-Convite

Convite

Olá, ___________!

Sou a M…. e tal como tu frequento uma escola. Só que é uma

escola para alunos mais velhos e chama-se Universidade de Aveiro.

Tenho que realizar um trabalho para as minhas aulas e por isso

venho saber se te posso contar algumas histórias e convidar a participar

em várias actividades que vou organizar.

Também gostaria de conversar contigo e com os teus colegas

sobre vários temas tais como os direitos das crianças, a melhor forma de

motivar os alunos e os pais em relação à escola e, ainda, sobre outros

assuntos que consideres importantes.

Obrigada

Beijinhos