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MARÇO 1978 S. PAULO ANOI N 1 FEABESP Ajude a manter o seu jornal. Colabore com Cr$ 5,00. nao e 0 para quem o faz) Real e triste fato. Como se não bastassem todas as outras medidas restritivas e discriminati- vas implantadas nestes últimos 30 anos da história do Carnaval de rua. No princípio uma manifesta- ção espontânea. que congregava toda população. Trabalhadores, É isso que donas de casa, o povo enfim , se contagiavam com a liberdade que o samba lhes podia oferecer. Havia o preconceito racista de ser o Carnaval «coisa de preto», e quem dele tomava parte «não prestava, era marginal». Virava prostituta, na boca da elite a «moça de família» que ousasse desfilar em uma escola de samba. Os tempos mudaram; após a perseguição e prisão de muitos sambistas (a violência policial continua nos dias atuais), o samba se mostra irreversível «mal» que contagia e alegra o coração do povo simples, começa a atrair gringos, dólares, etc.. Então, resol- o Pauliáfur nos dó? vem «moralizar» o Carnaval para melhor vender o produto turismo. surgiram os cadastramentos, autorização policial para ensaios e desfiles, corda e cordões policiais para «proteger» a escola da platéia, subvenções dos departa- mentos de turismo, ensaios em quadras e salões, divisão das escolas em grupos, surgiram as ricas fantasias da classe média, dirigindo e deturpando a festa do povo com seus valores e costu- mes. Depois de tudo isto, virou cultura brasileira o que era coisa de preto e marginal. Assim os doutores e as madames encheram as escolas. E agora, José... 7 Resolveram proibir o povo de assistir aos desfiles, não através de proibição expressa, o que criaria confusão maior do que aconteceu em São Paulo, além dos prejuízos eleitorais, etc.., e sim através da diminuição das verbas, poderíamos falar até de boicote. Agora, o pior mesmo foi o fecha- mento da Av. Tiradentes com arquibancadas e ingressos a Cr$ 150,00. Absurdo total, o povo pode mostrar sua arte, mas no carnaval, como em todo empreen- dimento comercial que se preza, quem faz não consome o que preduziu. Não chega ao sambista pagar sua fantasia, condução, apresentar-se gratuitamente, ainda tem que pagar pelo ingresso de seus familiares e amigos que quiser vê-lo. Festa do povo? Teatro popular? 0 presidente da Paulistur que o diga. Campinas é uma cidade exem- plar, mas começou copiar o Rio e São Paulo. Aqui as arquibanca- das custaram Cr$ 50,00. Não me lembro de ter assistido muitas peças por este preço. De qualquer forma, segundo uma autoridade, que disse ser os teatros da cidade, o Castro Mendes e o Centro de Convivência, de alto e altíssimo nível respectivamente, ou seja de alto e altíssimos preços, portanto caros demais para o povo assistir. Nada de Teatro Popular, amador, etç.. Para as novas introduções nos carnavais paulista e do inte- rior conseguimos apenas- duas explicações; ou pretende-se trans- ferir às escolas os custos de sua manutenção, mas controlada pelos podetes oficiais, é claro, ou muita gente, digo, pouca gente, faturando alto em cima das esco- las de samba. Em Rio Claro, as três maiores escolas não aceita- ram a insuficiente verba da Prefeitura; em Guarulhos, aconte- ceu o mesmo. Em Rio Claro boicotaram as «nativas», «Patrô», «Tamoio», «Samuca», mas concen- traram escolas de outras cidades. Estas estão certas, e vejam por que; fazer «show» para turistas, burgueses, incrementar e dffr lucro ao comercio local, ser víti- ma de jurados que nada enten- dem de samba que folclorizam e estão ali para julgar «Luxo», quan- do o mesmo não pode ser apre- sentado ao povo. É ridículo! Ao inferno fcpm as Riotur, Paulistur, o diabo-turl

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MARÇO 1978 S. PAULO

ANOI N 1

FEABESP

Ajude a manter o seu jornal. Colabore com Cr$ 5,00.

nao e 0 para

quem o faz) Real e triste fato. Como se já

não bastassem todas as outras medidas restritivas e discriminati- vas implantadas nestes últimos 30 anos da história do Carnaval de rua. No princípio uma manifesta- ção espontânea. que congregava toda população. Trabalhadores,

É isso que

donas de casa, o povo enfim , se contagiavam com a liberdade que só o samba lhes podia oferecer. Havia o preconceito racista de ser o Carnaval «coisa de preto», e quem dele tomava parte «não prestava, era marginal». Virava prostituta, na boca da elite a «moça de família» que ousasse desfilar em uma escola de samba. Os tempos mudaram; após a perseguição e prisão de muitos sambistas (a violência policial continua nos dias atuais), o samba se mostra irreversível «mal» que contagia e alegra o coração do povo simples, começa a atrair gringos, dólares, etc.. Então, resol-

o Pauliáfur nos dó?

vem «moralizar» o Carnaval para melhor vender o produto turismo. Aí surgiram os cadastramentos, autorização policial para ensaios e desfiles, corda e cordões policiais para «proteger» a escola da platéia, subvenções dos departa- mentos de turismo, ensaios em quadras e salões, divisão das escolas em grupos, surgiram as ricas fantasias da classe média, dirigindo e deturpando a festa do povo com seus valores e costu- mes. Depois de tudo isto, virou cultura brasileira o que era coisa de preto e marginal. Assim os doutores e as madames encheram as escolas. E agora, José... 7

Resolveram proibir o povo de assistir aos desfiles, não através de proibição expressa, o que criaria confusão maior do que aconteceu em São Paulo, além dos prejuízos eleitorais, etc.., e sim através da diminuição das verbas, poderíamos falar até de boicote. Agora, o pior mesmo foi o fecha- mento da Av. Tiradentes com arquibancadas e ingressos a Cr$ 150,00. Absurdo total, o povo pode mostrar sua arte, mas no carnaval, como em todo empreen- dimento comercial que se preza, quem faz não consome o que preduziu. Não chega ao sambista pagar sua fantasia, condução, apresentar-se gratuitamente, ainda tem que pagar pelo ingresso de seus familiares e amigos que quiser vê-lo. Festa do povo? Teatro popular? 0 presidente da Paulistur que o diga.

Campinas é uma cidade exem- plar, mas já começou copiar o Rio e São Paulo. Aqui as arquibanca- das custaram Cr$ 50,00. Não me lembro de ter assistido muitas peças por este preço. De qualquer forma, segundo uma autoridade, que disse ser os teatros da cidade, o Castro Mendes e o Centro de Convivência, de alto e altíssimo nível respectivamente, ou seja de alto e altíssimos preços, portanto caros demais para o povo assistir. Nada de Teatro Popular, amador, etç.. Para as novas introduções nos carnavais paulista e do inte- rior conseguimos apenas- duas explicações; ou pretende-se trans- ferir às escolas os custos de sua manutenção, mas controlada pelos podetes oficiais, é claro, ou hã muita gente, digo, pouca gente, faturando alto em cima das esco- las de samba. Em Rio Claro, as três maiores escolas não aceita- ram a insuficiente verba da Prefeitura; em Guarulhos, aconte- ceu o mesmo. Em Rio Claro boicotaram as «nativas», «Patrô», «Tamoio», «Samuca», mas concen- traram escolas de outras cidades. Estas estão certas, e vejam por que; fazer «show» para turistas, burgueses, incrementar e dffr lucro ao comercio local, ser víti- ma de jurados que nada enten- dem de samba que folclorizam e estão ali para julgar «Luxo», quan- do o mesmo não pode ser apre- sentado ao povo. É ridículo! Ao inferno fcpm as Riotur, Paulistur, o diabo-turl

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anBNEEBn EDITORIAL

Este é um jornal da comunidade; é nosso portan- to. Suas páginas estão aber- tas a todos os leitores para críticas, sugestões, participa- ção nos debates propostos, enfim, para qualquer tipo de colaboração.

Este jornal nasceu da necessidade dfe termos um órgão que divulgue nossos assuntos e onde possamos debater nossos problemas a partir do nosso ponto de vista e do interesse da comunidade afro-brasileira. Não mais podemos ficar à mercê da industria da cultu- ra, que nos transformou em objeto, folclorizou nossa cultura, fazendo-a um simples produto de consumo.

Nossa imagem é apre- sentada ao bel-prazer de interesses alheios: a explora- ção do negro-moda, a negra-sexy, a boa sambista, mulatas do Sargentelli e tudo mais. Ou é a apresen- tação de meias verdades, fatos distorcidos incomple- tos, formando sempre uma imagem negativa do negro. Se aparece um anúncio de uma escola ou clube recrea- tivo, apresentam-se figuras de crianças gordinhas bran- cas, rosadinhas. Se o anun- cio é um apelo à caridade pública, ou advertência

Editorial quanto aos trombadinhas, então a figura é de uma criança negra.

Assim foi sempre a exploração dos rótulos como o do bom músico, do negro valente e leal, isto é, o.bom capanga, a boa criada, a boa cozinheira, o bom amante. Isto tudo por meios de livros, revistas, rádio, televisão, teatro, cinema, prosa, verso, ficção e pseu- dociência, enfim, por todos os meios de comunicação. Assim age a imprensa em relação ao negro aqui,,em todo o mundo.

Idi Amim, resumiu a queixa dos africanos em relação as agências noticio- sas ocidentais, apresentando na reunião da Organização para a Unidade Africana (OUA) uma proposta a cria- ção de uma agência pan- africana de Notícias. Ressal- ta Amim que «os meios de informação ~do Ocidente exploram as fraquezas, escondendo fatores positivos e causam conflitos entre as nações Africanas».

Ocorre que essa notícia nos chegou exatamente por essas mesmas agências das quais os africanos se quei- xam. E a forma como ela

apareceu na maioria dos jornais a imprensa comer- cial, a partir dos títulos até os comentários, já justifica o acerto daquela proposta.

Outro fato digno de' nota foi a forma como foram noti- ciados os saques ocorridos em Nova York, quando, por um defeito no sistema de distribuição de energia elé- trica a cidade ficou comple- tamente às escuras por 48 horas.

Nos jornais só se viam fotos de negros saqueando. Será què só negros saquea- ram? É o que sugerem as notícias e as fotos. Mas se somente negros saquearam, o fato demonstra a situação terrível em que se encontra o negro nos Estados Unidos, o que nos leva a desconfiar das intenções desse país quando se propôs a resolver o problema dos negros do Zimbabwe, da Namíbia e África do Sul. Os jornais, porém silenciaram sobre esse aspecto da questão.

Apenas se limitaram a marcar negativamente o negro.

Se houve ou não essa intenção não importa, o que contam são os efeitos, tremendamente prejudiciais.

Eis porque, a partir de hoje, existe este jornal, não o único, pois já há outros, e mais deverão haver.

*

Ola Balogum, cineasta nigeria- no, esteve no Brasil para dirigir um filme, a convite de Jece Vala- dão. Já concluiu seu trabalho, dirigindo «A Deusa Negra», inspi- rado no culto a lemanjá. Balogum concedeu entrevista a um jornal carioca, explicando as razões de seu interesse pelo Brasil, da qual extraímos alguns trechos:

«A idéia de dirigir um filme aqui, convidado por Jece Valadão, me agradou muito porque existem muitas ligações culturais entre a Nigéria e o Brasil. Foi uma opor- tunidade muito interessante de desenvolver um trabalho sobre as semelhanças e influências cultu- rais dos dois países, especialmente no que se refere à cultura nagô». COMO VÊ A APROXIMAÇÃO

ENTRE BRASILEIROS E NIGERIANOS?

—«O fato de ser artista é um passaporte internacional, pois ele

Balogum, o cinema nigeriano no Brasil

integra uma comunidade que não tem fronteiras. Além disso, romo já disse, há semelhanças relativa- mente grandes entre a herança cultural brasileira e africana. Esta simpatia já é antiga, os cultos africanos no Brasil sempre foram uma forma de comunicação com a África».

MAS ESTE NAO SERIA APENAS O LADO FOLCLÓRICO?

—«O fatores culturais não são apenas folclóricos, mas um inte- grante muito importante da vida dos seres humanos.

Balogu volta a falar d^ seu filme, explicando o que é «A Deusa Negra».

— O filme fala de um nigeria- no, descendente de negros brasi- leiros, escravos vindos da África que depois de livres retomaram ao seu país de origem. Esse nige- riano volta ao Brasil em busca de suas raízes. Caminho inverso daquele feito pelo personagem do livro Negras Raízes (o titulo origi- nal é somente «Raízes»), de Alex Haley, que saúda a América para encontrar suas origens na África».

OUVIU FALAR DO BLACK RJO,; O QUE ACHOU?

— Ah, já estive bailando com eles. Penso que são jovens que gostam da vida e desse tipo de música. Conheço jovens assim no mundo todo, nos Estados Unidos... Tinha mais alguma para achar?»

Desemprego atinge

um terço dos jovens

negros americanos

A taxa de desemprego entre a população negra nos Estados Unidos, na idade de 16 a 21 anos, alcançou o nível de 34,8% em julho do* ano passado, 4% a mais que em julho de 1976. Ao mesmo tempo a taxa de desemprego entro a população branca da mesma idade diminuiu ligeiramente, cain- do de 159% para 15,3% do mesmo período, conforme dados divulga- dos pelo Departamento do Traba-* Iho norte-americano. Segundo ainda as mesmas fontes, a taxa global de desemprego foi 6,9% em julho último de 13,2% entre os negros e outras minorias e 6,1% para os brancos Por outro lado, informou-se também -que vários dirigentes negros acusaram o presidente Jimmy Carter de se desinteressar pela sorte dos negros, «apesar de suas promessas eleitorais», o que levou o Governo a anunciar algumas medidas para enfrentar o problema..

COLABORAÇÕES O JORNEGRO está aberto ao rece- bimento de colaborações de todos os leitores. Qualquer material que a nõs chegar será alvo da total atenção dos responsáveis pelo jornal, e se considerado como proveitoso, para a coletividade negra será publicado em edição determinada pelo JORNEGRO. Desde já agradecemos as colabo- rações que forem enviadas para: CP. 13320 - CEP. - 01000 - São Paulo - SP.

Expediente % Jomegro è publicado pela

Federação das Entidades Afro- Brasileiras do Estado de São Paulo. Redação: Leonardo Ferreira, Francisco Marcos Dias, Odacir de Mattos, Francisco Carlos C. Santos (Tato), Tânia Regina Pedro. Foto- grafia: Luiz Paulo P. Lima. Ilus- tração: Jaques Felix Trindade. Produção e Diagramação: Ubiraja- ra Motta. Diretor Responsável:- Odacir de Mattos. Redação e Administração: Rua Maria José, 450 - São Paulo. Composto e Impresso nos Diários Associados S/A. Rua 7 de Abril 230 - 1' andar. Órgão de circulação inter- na da FEABESP. Protocolo de registro em andamento, protocolo 1.519/77. - Correspondência: Caixa Postal 13.320 - CEP 01000 - São Paulo - SP

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ARTE aüRNEEMI

Q^OS * | que sei

Maria Auxiliadora, pintora, já falecida, foi uma das maiores artistas plásticas que expunha na praça da República, antes de a praça ter sido invadida pelos comerciantes de artesanato, disfarçados de «hippies». Recente- mente uma editora italiana (Giulio Bolaffi editore) publicou um livro com os trabalhos de Maria Auxili- adora.

A obra, em termos gráficos, deixa muito a desejar, está péssi- ma, há coisas muito melhores no gênero.

O texto, de Pietro Maria Bardi, diretor do Museu de arte de São Paulo, acompnha a qualidade grá- fica do trabalho, muito ruim, um desrespeito à obra de Maria Auxi- liadora. Substitui os nomes dos quadros da pintora, omitindo os nomes dos orixás, colocando títu- los que nada significam. Um quadro em que Maria pinta Oxós- si, aparece com o absurdo título de «Candomblé Verde»; outro é «Orixá Rosa» «Orixá Branco», e assim por diante. Ignorância ou má-fé? De qualquer forma fica claro o desprezo do autor do texto pelo trabalho do negro. Num livro promovido com tanta badalação, não se pode admitir que quem não tenha conhecimento do assun- to possa se encarregar de comen- tá-la. Por isso ficamos com a segunda hipótese: má-fé, desprezo, na base do «pra ela qualquer coisa serve».

Na página 21 do volume, o editor estampa a .matricula de Maria Auxiliadora num curso de alfabetização de adultos. O que isso tem a ver com sua arte não entendemos, ou melhor, sabemos

trata somente de um apelo publicitário. Para Bardi a arte é privilégio de «letrados», o que é de outras culturas que não a euro- péia, é fenômeno raro, folclore, enfim, precisa de adjetivos.

Do mesmo nível os comentá- rios pela imprensa. Num linguajar de quem está convencido de estar dando uma «colher de chá» a uma pobre «pintora primitiva». Na abertura de um comentário na revista «Isto é» está escrito o seguinte: «Numa «Natureza Morta», de 1972, a mesa posta sobre uma toalha de renda branca mostra uma fartura que ela não teve; ao lado da feijoada, uma generosa travessa de macarrão, outra de frango com farofa, mais uma com carne assada; pimenta, molho, pão francês em fatias e uma insólita garrafa de vinho doce».

Tivemos a felicidade de conhe- cer Maria Auxiliadora e sua famí- lia, e sabemos que ela nunca passou fome. Por que essa suposi- ção? Isto realmente irritou os familiares da pintora. E o comen-

tário da revista segue nesta linguagem. Mais abaixo o (ou a) tal M. J., que assina o artigo, diz que «Maria Auxiliadora Silva era assim, cheia de extravagâncias».

O «Jornal da tarde» também publicou algo sobre Maria Auxilia- dora. Logo rio título ressalta que agora ela está no Museu de Naif de L'lle, na França, no mesmo tom que a revista promoveu o livro dos italianos e não a arte negra de Maria.

«Isto É» insiste: «A importância desse mundo colorido, bruto, culturalmente situado entre o Mobral e a história em quadri- nhos, é dada pelo álbum que Giulio Bolaffi editore, de Turim, Itália, está lançando em quatro idiomas, português, francês, inglês e alemão».

A linguagem pretensiosa da imprensa falando sobre artista de tal porte é simplesmente irritante. Como se a arte negro-africana precisasse do aval dos europeus. Como se precisasse que o europeu diga «sim» para a arte negra ser boa.

Ninguém disse nada sobre o que significava o trabalho de Maria Auxliadora, que retratava o dia-a-dia. Não somente o seu mas de toda a comunidade em que ela nasceu e viveu.

A SUBIDA Ubirajara Motta

Carregando na lata quadrada,

amassada Ou na lata redonda,

rotunda A água que lava a roupa que paga

O negro leva a vida. Ainda.

Descendo a ladeira de pedra

Subindo o morro de pobres

O importante é seguir

O importante é saber

que o imprescindível é subir

' Na vida. Subir

do modo que der Subir

até que a água lá suba sozinha

Subir até que a roupa

seja a sua Subir

até que o morro, como moradia,

desista. Não exista mais.

OBRIGADO, MINHA TERRA

Obrigado rios de São Pedro pela água em meu remo.

Feitorias do linho-cánhamo obrigado loiro trigo

pelo contraste comigo. Obrigado lavoura

pelas vergas no meu couro. Obrigado charqueada

por minhas Feridas Salgadas. Te agradeço Rio Giumle

o doce e o amargo. Pelos quais te fiz meu pago

e as fronteiras fraternas por onde busquei outras terras.

Agradeço teu peso em meus ombros müsculos braços e lombo.

Oliveira Silveira

Por ser linha de frente no perigo. Laceando teus inimigos.

Muito obrigado pelo ditado.

«Negro em posição é encrence no Galpão».

Obrigado pelo preconceito com que até hoje me aceitas.

Muito obrigado pela cor do emprego

Que não me dás porque sou negro.

E pelo torto direito de ter nomear pelos defeitos.

Tens o lado bom também- terra natal sempre tem.

Agradei?) de todo coração. E sem nenhum-perdõo.

Em Porto Alegre mais um jornal

Em Porto Alegre um grupo de pessoas, no qual estão incluídos alguns jornalistas, se reuniram visando estruturar um movimento para debater os problemas da comunidade negra daquele Esta- da

Para concretização desse obje- tivo o grupo promete lançar, em breve, um jornal. Jorge Freitas, um dos membros desse grupo, disse em entrevista a uma revista que «o racismo é muito forte no Rio Grande do Sul». O Tiçào — diz Freitas — vai expor as razões

pelas quais os negros são discri- minados em amplos setores da população gaúcha. O jornal, segun- do ainda Jorge aglutinara jornalistas negros e brancos, destinando-se fundamentalmente

à conscientização dos marginaliza- dos.

O jornal, porém, não é a úni- ca atividade do grupo. Em agosto passado realizou-se um espetáculo com artistas populares,no clube Mardlio Dias, que reuniu, segun- do seus organizadores, uma platéia de mais de mil pessoas.

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■HDBNEEBII PESQUISA PESQUISA

O favelado é um marginaliza- do. Sem concretas possibilidades de disputar melhores posições na sociedade em que vivemos sua única saída foi a favela.

A «Ordem e Progresso» é uma favela a mais, das muitas existen- tes na periferia de São Paulo. Sua população é formada por uma maioria de crianças, sem nenhu- ma assistência básica (alimenta- ção, higiene, ensino, lazer, etc). Fechadas num mundo sem nenhu- ma esperança de melhora ou mudanças. Os adultos procuram sobreviver em subempregos no centro da grande cidade. Sem nenhuma qualificação profissional, suas possibilidades de uma vida melhor se reduzem ao mínimo. Acrescida de uma série de preconceitos que dificultam a obtenção de bons empregos, prin- cipalmente nas grandes empresas.

Outro problema é o de mora- dia. Vivem precariamente, em casas feitas com a sobra de mate- rial (madeiras, latas, papelão etc.) de construções ou industriais. Sem qualquer possibilidade de uma esquematização racional, cons- tróem dentro de suas condições e com o material conseguido. A madeira é básica, são simples divisões para se protegerem do frio,, da chuva, do sol, do mundo. Sem um saneamento básico, suas condições de saúde estão perma- nentemente em perigo.

Dentro desta roda-viva, o favelado praticamente fica distan- ciado da possibilidade de melho- rar seu padrão de vida. Tornar-se uma situação permanente, sem opção. Soma-se a tudo isto a falta de um mínimo de instrução bási- ca. Geralmente são pessoas vindas de outros lugares, outras favalas, outras regiões do pais. Este é um exemplo claro da situação do negro dentro da sociedade. É o resultado extremo de longos anos de preconceito, de marginalização imposta e, determinando, em conseqüência o afastamento de todo progresso da humanidade. Esta é a situação do negro favela- do, não uma escolha natural, mas uma imposição social.

A FAVELA

Atualmente a maior concen- tração de negros é na favela, onde vive considerável parcela da população negra. Para sentirmos isso fomos visitar a favela «Ordem e Progresso».

Carregávamos as seguintes dúvidas: o que é favela? Como vivem seus habitantes? Como se organizam? Enfim, as clássicas perguntas de que sempre se fazem.

Mas o que vimos, foi um povo consciente de sua situação de favelado, um povo que assu- miu essa condição e a vive cada dia como uma luta. Uma luta pelo pão, pela água e pela própria vontade de viver.

PRIMEIRO CONTATO

Durante semanas ficamos estudando uma maneira para fazer um contato, sem o paternalismo que é característico em trabalhos, desta espécie. Fala- mos com "Berinjela", um rapaz de aproximadamente 17 anos, que conhecemos num papo num boteco qualquer. "Berinjela", (nome de guerra, pois na favela não existem nomes, existem apeli- dos, por motivo de segurança do próprio favelado), concordou em nos levar à favela e nos apresen- tar algumas pessoas. Porém ainda existia um problema: a segurança. Haveria a possibilidade de ocorrer uma hostilização?

Quando chegamos fomos olha- dos com uma certa naturalidade pelo pessoal, pois tanto eles, comp nós, fazíamos parte de uma gran- de tribo. Fomos à casa de "Berin- jela": um cômodo e cozinha, coita aproximadamente 8 metros quadrados. Espaço esse ocupado por sete pessoas, quatro adultos e três crianças.

A mãe, com aproximadamente, cinqüenta anos, duas filhas, sendo uma casada e a outra menor, o genro, "Berinjela" e duas netas. A ausência dos pais não foi questio- nada.

A primeira pergunta partiu do cunhado, pessoa arredia: "Vocês são da Prefeitura?" Com nossa negativa as coisas tomaram-se amenas, apesar da falta de espa- ço, pois agora éramos onze pessoas ocupaftdo uma área de pouco mais de quatro metros quadrados. Começamos a conver- sar, como se fossemos velhos amigos.

A velha mãe se desculpava pelas más condições para a nossa recepção, porém, se prontificando a nos ajudar no que estivesse ao seu alcance. Primeiro nos contou do problema da remoção da fave- la, por parte da Prçfeitura, que através dos mais variados méto- dos, os obrigam a sair dali. Méto- dos que variam desde a oferta de material para a construção de um. cômodo e cozinha, num lote adquirido pelo favelado; como a proibição de qualquer construção de um novo barraco ou melhoria dos já existentes. Lá os barracos são cadastrados e quando alguém muda seu casebre é destruído. Se alguém tenta construir um novo, o fiscal acompanha sadicamente . a construção, que leva pouco menos de um dia. No dia seguinte, auxi- liado por outros funcionários, vem e derruba diante dos protestos dos moradores.

Contou-nos ela que um desses funcionários já tinha tomado umas "corridas", mas que sempre voltava, acompanhado de um grande aparato policial.

Com respeito ao pohciamento, ele às vezes é ostensivo, com as famosas operações "tira-da- cama", onde os policiais, com

u^mi -]

Aqui ninguém tem nome Bairro Central

vida dura

de quem talvez já comeu rapadura vitimas do urbano e do social vitimas do preconceito racial

excluídas da oportunidade nacional

Negro, pinga é mato criança, fome

madeira servindo de esteira descalços da dura vida

Favela Pimenta sobre caixote

feijão resto de feira vivem

tapando sol com peneira todo dia é quarta-feira

Por nome ninguém conhece ninguém todo mundo é mineirinho

é zé das quantas talvez branca é também preta

No boteco bombril

pinga e limão exploração

Falta pão falta feijão

tem criança, tem negrão Favela

culpa dos competentes de uma civilização

forte aparato, cercam toda a fave- la e vão de barraco em barraco, tirando os moradores. É feita uma triagem e as pessoas sem docu- mento são "gentilmente" convida-

das, a tapa, para os acompanhar. Os policiais vasculham os barra- cos e tudo que for de valor é reti- rado e só é devolvido se o favela- do apresentar comprovante de

compra de tal objeto (note o absurdo).

Tinha outro problema, esse, porém, crucial: a água, pois para consegui-la é necessário andar

uma longa distância, levando um tambor, para trazer um pouco para o uso diário. Num local onde 60% da população são crianças, onde toda espécie de detritos são

atirados pelas diversas empresas (agora, principalmenle, por uma especializada em diversões, que ali descarrega todo o madeira- mento utilizado em suas tempora- das), a água se faz urgente. Porém a Prefeitura, não se preo- cupa em instalar ali um ponto de água. Um poço pois quem pagaria a água utilizada? Quem contribui- ria para os cofres da grande cida- de, mesmo porque não interessa à Prefeitura fazer ali melhoria algu- ma, mas sim dificultar cada vez mais a vida do favelado, obrigan- do-o a abandonar a favela. Mas o favelado não se aperta, vive com pouca água, com restos de feira, mas não arreda pé da favela.

Lá todos são pais e mães, pois" a fome é uma só. A solidariedade e a roubo caminham juntos. A mesma mão que ajuda para colo- car uma tábua no telhado, para que não chova dentro do barraco (mas inevitavelmente chove), poderá levar algum pertence, caso o proprietário descuide.

Enquanto a velha ia descre- vendo as mazelas da favela , lá fora as crianças, alheias a tudo, brin- cavam nos montes de detritos, junto às moscas, ao mau cheiro e à infinidade de cachorros exis- tente.

A EXTINÇÃO DA FAVELA A favela «Ordem e Progresso»

está num processo de remoção, tendo em vista a necessidade da construção do Hospital Júlio de Mesquita, da Santa Casa. Outras tantas favelas passam por um processo semelhante, tendo em vista as execuções de obras públi- cas, especulação imobiliária ou situações de emergência, tais comoi perigo de desabamento ou enchente.

Para a remoção existem as seguintes opções: favela adensá- vel, representa a melhoria de habitação, como um barraco novo, construído com piso de cimento, em dimensões que variam de 18 a 22 metros, cober- tura de telha, pontos de água e a construção de sanitários para cada duas famílias.

Há uma doação de 5 a 6 mil cruzeiros para as despesas de cada família em terreno prfiprio; desde que a pessoa possua área disponível. A Prefeitura incentiva a família com uma verba de, aproximadaraente, 10 mil cruzei- ros para a compra do material e a orientação na construção das «moradias econômicas» de 35 a 40 metros quadrados. Com plan- tas aprovadas pela Administração Regional.

Quando os assistentes sociais acham que a família tem condi- ções para pagar um aluguel e não quer deixar a região, há um auxílio de, aproximadamente, 3 mil cruzeiros. Em geral- essas moradia são em cortiços.

Caso a família arrume um emprego, tal como, caseiro de

uma propriedade privada, a Prefeitura doa uma importância de 6 mil cruzeiros como auxílio (ou bota fora?)

O retomo ao local de origem (a maioria vem de outros Estados) é uma das alternativas menos incentivadas, pois já se registra- ram casos de volta da família a São Paulo e que foram residir em outra favela. Isso ocorrendo, essa família não receberá nenhuma ajuda numa futura remoção.

Mas quem poderá fazer uso desses beneficies. Primeiro sabe- mos como funciona a nossa buro- cracia; segundo que quanto menor o grau de instrução maior a difi- culdade para lidar com ela (buro- cracia).

E como um cidadão que mora na «Ordem e Progresso» (Marginal Tietê) e trabalha na Lapa, se arranjará (em termos de emprego) se for transferido para outra fave^ Ia, mesmo sendo de cimento, em local bem distante do atual?

Quanto à ajuda em dinheiro, vemos que as importâncias ofere- cidas mal dão para cobrir a quan- tia que os proprietários de corti- ços exigem para garantia de aluguel).

A TRISTE REALIDADE

-O negro, que da condição de liberto, passou à condição de favelado, hoje está cercando a cidade grande. A população das favelas começam a atingir índices assustadores, pois em recente contagem, estimou-se um total de 38.764 barracos e uma população de 208.936 favelados, somente na Grande São Paulo.

Ao negar todas as possibilida- des de ascensão social são criadas infinidades de barreiras, tendo em vista a sua condição de ex- escravo, agora passa por um processo de remoção para- regiões mais distantes.

Tenta-se tapar o sol com a peneira. Não se parou para perguntar: Porque o favelado?

Será que com a doação de uns «trocados», se resolverá o proble- ma do favelado?

Será que com a construção de melhores barracos, porém longe dos locais de trabalho, impossibili- tando a sua locomoção, irá melho- rar a situação? Essas respostas já sabemos.

Mas perguntamos: Até quando tentaremos resolver problemas com paliativos, prorrogando sempre sua solução definitiva?

Será que não existe uma solu- ção para o caso? Uma solução que integre efetivamente esse elemen- to à sociedade? Escondê-lo não resolverá.

O que se faz é criar condições para a morte lenta e certa do favelado, do negro, afastando-o cada vez mais de tudo o que lhe é devido. Mas, creia, existe sempre o otttro lado, o negro está ali, estará ali sempre, exigindo o troco, querendo à volta.

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6 NOSSA GENTE

Pele continua o mesmo. Quem mudou? Surpreendéu-nos a inusitada

gritaria feita pela imprensa, rádio e televisão a propósito de uma entrevista do Pele. Causou surpre- sa por dois motivos: primeiro porque o Pele sempre disse bestei- ras; segundo porque a todo dia e a toda hora deparamos com um monte de besteiras que se diz por aí. É só abrir qualquer jornal ou assistir qualquer canal de TV. O jornal «O Estado de S.Paulo» sempre disse essas mesmas bestei- ras que o Pele falou. Com pala- vras mais duras, até, tachando sempre o povo de não-preparado para votar, falando em «massa ou plebe ignara» e daí para fora, toda a vez que a finada UDN perdia uma eleição, e nunca houve tanta gritaria, nem com tanta violência.

Houve uma pessoa, esqueci o nome, que declarou que o Pele devia fazer como sapateiro e «não ir além dos sapatos», e deixar a política para os políticos. Ao declarar isso não fez mais que endossar as opiniões do Pele. Reconheceu, implicitamente, que o povo é incapaz mesmo para exer- cer a política.Mas se formos espe- rar que políticos profissionais resolvam nossos problemas esta- remos fritos. Todo povo deve participar. E quem defende com tanto ardor a democracia «sem adjetivos» tem que reconhecer ao

Pele o direito de tomar o partido que quiser. Governo ou Oposição.

Note bem, porém, o leitor, não estamos defendendo o Pele. Ele nunca teve valor algum para a comunidade. Sempre teve posições ruins, sempre foi Pai João. Apenas é preciso que se preste atenção nas razões dessa ira toda, e que este caso sirva de exemplo para nos mostrar que não devemos embarcar em qualquer canoa, muitas estão furadas.

Quando a comunidade cobrava a «negritude» de Pele, isto é, que ele fizesse algo pela comunidade negra, esses mesmos que hoje o atacam o defendiam. Achavam que ele estava certo, que não há problemas, quem o questionasse nesse sentido era tachado de complexado ou de racista.

Mas agora ele não é mais Pele, é o sr. Edson Arantes do Nascimento, ameaçando competir no mundo dos negócios. Então, através do provérbio do sapateiro e outras insinuações lhe mostram o «seu lugar». Portanto deixemos Pele de lado, como ele sempre fez questão de querer ficar, não embarquemos nessa canoa. Isso é um problema dele e dos seus ex-fãs.

Pele não mudou nada, conti- nua o mesmo; quem mudou são aqueles que o criaram, usaram, abusaram e agora jogam fora, e querem destruir.

Ref avela revela o negro Gilberto Gil, surge agora para

os negros, com o símbolo de negritude, que para ele é a mani- festação de uma raça nas suas conservas culturais, visão ideoló- gica. Seu trabalho musical sempre foi dirigido ao negro, mas depois de ir à Aftica, conseguiu afirmar seus valores e verbalizá-los em suas músicas.

Prova disso, é Refavela que revela a estrutura geral da condi- ção do negro. É um manifesto em seis estrofes sobre a nossa situa- ção, nossps sentimentos — sonho e realidade, oportunidades e valo- res. É o trabalho de uma raça para todas as raças. E de um negro para todos os negros, para nossa auto-afirmação. «Branco se você soubesse o valor que o preto tem, tu tomava banho de pixe e ficava preto também».

Essa conceituação que aparece em Refavela, mostra sua proposta de luta e os caminhos que para ele devem ser seguidos. É uma luta por equiparação — dar ao negro a medida que ele contribui (pagar os atrasados), e não uma cultura isolada, um quilombo ou um movimento racista. Mas...

«Nós temos que tomar muito cuidado com todas essas manifes- tações de lutas populares. Nós temos a responsabilidade de zelar pelo encaminhamento do nosso próprio problema, exatamente para que brancos manipuladores do contexto político, não venham e queiram utilizar do movimento da gente. Temos que fazer só o

que serve aos nossos interesses». «A luta de classes está aí. Tem

muito a ver ctüín nossos proble- mas, é a luta operária, estudantil, emancipação econômica, mas é preciso separar as coisas, para que não caia sobre nós, de repen- te, a violência toda da repressão». Para Gil, a nossa luta embora faça parte da realidade brasileira, não deve se misturar com a luta geral da população.

Explica seu ponto de vista dizendo que não devemos nos anular politicamente, mas não é copiando modelos brancos de forma de luta que conseguiremos o nosso reconhecimento. Nossa luta deve ser com nossa cultura, arte, forma de expressão, estrutu- ra de pensamento e concepção, psíquica e de alma, que vem da religião negra.

Completa, «a gente conta com a gente mesmo, então temos que lutar com a nossa força, que está aí mais ligada ao prazer, à liber- dade a níveis psicológicos». A fome existe, e o que vai terminar com ela é a redemocratizaçâo, a maior socialização, o equilíbrio, a justiça na distribuição das rique- zas no mundo, a maior abertura* cultura internacional global. É preciso ter consciência que sempre haverá doenças novas para curar.

«Eu lamentaria muito que toda essa movimentação do negro no Brasil,' acabasse numa coisa racis- ta, revanchista de preto contra branco».

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VARIEDADES ülIRNEERn

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com nada-

/^ÍSTONAO SE FA2 jj l OGli ESTÁ VENDO TUDO. / CM DIA EU CHEGO ATE" \ MINHA ESTRELA I DAFELlCIpADE

QUE RAIVA M£ DA'. A/ÃO eS7?WA COMBINADO,

VENDSK s^s. PRlS/ONEIRDSÍfZl DE euEfí^

-^//y

B AINDATIVERAM 0 DESPLANTE DE DIZER: 'GUERRA ÉGUERRAÍ'

E'. VOU TER QUE DAR fM DURO DANADO PRA ^TV CONSTRUIR ESTE PAÍS. fY\ O QUE ME CONSOLA,E' [ ) j SABER QUE MEUS DESCEU??—\S DeNTêS SBRÂO

QUERIDOS.ETC.

Olapalá Xangô

Olapalá Aganjü

Um velho costume brasileiro, ainda bastante comum, é o de não valorizar o «Santo» de cada, quan- do uma personalidade estrangeira vem aqui e diz que o «santo» merece ser cultuado, a sua imagem vai então para a igreja; s"e o santo for preto e rebelde a coisa fica pior ainda. O santo é Pedro Arcanjo (Ojuobá). A perso- nalidade é o etnologo, antropólo- go, etc. Americano recém-chegado na Bahia para estudos; eles são personagens do filme Tenda dos Milagres dirigido por Nelson Pereira dos Santos, adaptação do romance (de mesmo nome) de Jorge Amado.

Pedro Arcanjo, figura bastante conhecida pela população baiana e completamente esquecida pela história oficial brasileira, é o mulato bedel e cientista, sem títu- lo que luta ardorosamente pela integração racial igualitária no Brasil em todos os niveis. Em outras palavras ele luta por uma miscigenação que não tenha como

produto a extinção gradual das características negras de nossa cultura. Ele percebe com bastante clareza (e por isso foi um dos maiores etnólogos) que a miscige- nação no Brasil vêm ocorrendo de tal forma que o elemento branco é quem sempre predomina; e junto com isso um total desprezo por toda herança negra, desprezo este manifesto, pela repressão aos ritu- ais negros em Salvador e pelo não reconhecimento de antescentes negros por parte dos brancos que repudiavam qualquer espécie de contato com os negros.

Além desses aspectos o filme mostra algumas formas de como se apresenta o problema racial hoje no Brasil, como por exemplo a modificação radical sofi-ida pelo" programa de comemoração à memória de Pedro Arcanjo. O filme mostra outras coisas não relacionadas diretamente ao problema racial, mas mesmo assim consegue ser uma das poucas obras claras e diretas sobre ò racismo no Brasil.

Bahia esconde o Museu de Arte Negra.

Vergonha? sendo disputado pela- classe medi- ca, para instalação de suas asso- ciações. A solução poderia ser o Museu usar apenas parte do pré- dio, mas o presidente da Acade- mia de Medicina da Bahia é contrario e diz que não queria que o Museu Afro-Brasileiro vies- se a «ocupar depedências como o salão nobre, sala dos lentes, a diretoria e biblioteca, áreas que devem ser preservadas historica- mente e destinadas, por justiça, a abrigar entidade voltadas para interesses socio-culturais da classe (médica)».

As obras para reforma do local onde seria instalado o museu chegaram a ser iniciadas mas foram logo depois paralisadas. E ninguém sabe explicar o por que. E as razões para a não instalação do museu seria apenas a falta de local? Está pergunta continua no ar.

Em março de 1974, através de convênio entre os governos do Estado da Bahia, do Município de Salvador e Universidade Federal da Bahia foi criado o Museu Afro-Brasileiro. Mas até hoje a iniciativa ficou no papel, ou pior, nos caixotes. As peças para insta- lação do museu existem, mas estão todas amontoadas numa pequena sala do Centro de Estu- dos Afro-Orientais. O diretor do Centro queixa-se de que apesar da indiscutível participação da cultu- ra africana na formação do povo brasileiro, o País tem se mostrado, muitas vezes, descuidado em rela- ção a essa herança. Essa a razão, segundo ele, por que passados quatro anos de sua criação ainda não efetivou o museu. Nem se tomou ainda decisão final sobre quando e onde ele será-instalado, pois o prédio destinado a esse fim, inicialmente, o antigo prédio da Faculdade de Medicina, está

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8 MIBMEEBII EXTERIOR

Todos querem salvar a África. Por què? A situação no Sul da África

continua agitadíssima e cheia de contradições. O conflito de inte- resses das grandes potências (ev- metropoles das colônias africanas, URSS e EUA) armou um intrinca- do jogo no qual os reais interesses dos africanos é posto em plano secundário.

E, para complicar as coisas, nós, no Brasil, recebemos um confuso noticiário filtrado pelas agências internacionais e que aqui ainda passa por jum novo filtro, sendo publicado de acordo com as tendências de cada jornal, ou mesmo de redatores. Por exemplo o caso do envio de armas para a Tanzânia, um jornal noticia que Washington se negou a atender o pedido de Nyerere; outro diz que a Tanzânia não pediu armas aos EUA, ç, mesmo as rejeitou. No caso de um plano inglês para a Rodésia, um jornal noticia que Nyerere condicionava qualquer solução à saida de Iam Smith, enquanto o outro, publicando o mesmo texto, afirmava no título que Nyerere aderira ao plano britânico, omitindo suas exigên- cias.

ZIMBABWE No Zimbabwe (chamada Rodé-

sia pelos brancos) o regime de minoria branca queima os últimos cartuchos para se manter. E para sustentar esse regime, bem como o da África do Sul e Namíbia, ingleses, franceses e norte- americanos estão fazendo o que podem para encontrar uma saída que não prejudique os seus negó- cios. Temem, vejam só, que «após exemplos de Guiné-Bissau, Angola e Moçambique, a região venha a ser presa pelo comunismo». Então a solução (para elas, as potências) s'eria o estabelecimento de um regime de coalização, com negros e brancos, isto é, «uma democra- cia racial» conforme os modelos conhecidos. Ou, na pior da hipóte- se, um regime de maioria negra," mas evidentemente, com africanos nacionalistas «moderados», forma- dos nas antigas metrópoles, que garantissem uma abertura para o neocolonialismo.

A África do Sul, entretanto, acusa as potências ocidentais de estarem fazendo muita^ conces- sões à Frente Patriótica, liderada por Robert Mugab e Joshua N'Ko-

mi, reconhecida pela Organização para a Unidade Africana,-OUA7 e que dirige as guerrilhas, propondo a libertação completa do Zimbab- we, pela força, se necessário. Como pela força se estabeleceram na região, por volta de 1880, os bandos ingleses comandados por Cecil Rhodes e seu lugar tenente Baden Powell (o patrono dos esco- teiros) e pela força se mantém no poder Iam Smith.

Para conseguir seu intento as potências ocidentais contam com a colaboração dos africanos do Zimbabwe. Enquanto os presiden- tes de Zâmbia, Tanzânia, Angola e Moçambique lutam por conseguir condições concretas para aplicar na prática uma política que proporcione a libertação da África do racismo e do neocolonialismo, no Zimbabwe alguns nacionalistas «moderados», sob a liderança do pastor Nadabanigi Sithole, fundam um novo movimento,- incluindo chefes tribais e dissidentes de outros movimentos, também «moderados», como o bispo Abel Muzorewa. Iam Smith (primeiro- ministro branco) gostou e prome- teu negociar com os líderes moderados após as eleições de 31 de agosto, convocadas por ele para obter um mandato que lhe autorize tais negociações. E é impressionante a cara de pau desse Iam Smith. Teve o desplan- te de declarar a um jornal de Nairobi (Quênia) que o pais cairia no caos se o governo perder as eleições e que «a discriminação racial em vigor na Rodésia benefi- cia mais aos negros que aos bran- cos». Por sua vez, o ministro da segurança, Roger Hawkins, infor- ma que a Rodésia não pode acei- tar eleições no sistema «um homem um voto», fórmula propos- ta por norte-americanos e ingle- ses. O ministro não admite que o voto de um africano vaíha tanto que o de um branco, e acrescenta que «esse sistema só trouxe o caos à África».

As potências ocidentais, porém, não querem se arriscar demasiado e prometem a Nyere- - re o reconhecimento das forças da Frente Patriótica como o futuro Exército de Zimbabwe. (Enquanto não se tem claro quem vai ganhar, é melhor ficar com um pé lá outro cá).

Por outro lado, a URSS é acusada por alguns analistas políticos de desenvolver uma ação muito tímida na região; e especu- la-se onde se concentrariam os seus interesses na África. A EXPLICAÇÃO QUE NÁO FOI DADA

Em meio a tudo isso, o chan- celer francês, Louis Guringaud, se aventurada uma viagem pela Áfri ca para explicar a «política africa- na da França». Porém, parece que já passou o tempo em que líderes africanos apenas ouviam e obede- ciam. Guringaud, ofendidíssimo com as vaias e faixas com «slo- gans» anti franceses com que os

■estudantes tanzanianos o recebe- ram no aeroporto de Dar-es- Salaam, exigiu do ministro das Relações Exteriores da Tanzânia, Ben NKapa, que acabasse imedi- atuamente com as manifestações. N'Kapa recusou-se a atender o pedido e houve troca de ríspidas palavras entre os dois ministros. Mais tarde o chanceler francês exigiu desculpas oficiais do gover- no-da Tanzânia pelo incidente; o governo recusou-se a isto também. Irritadíssimo, «monsi- eur», Guiringaud arrumou as malas e voou para Paris.

As vaias dos estudantes, porém,, foram apenas a gola que transbordou o copo, ou melhor, a desculpa que «pintou» para justifi- car a interrupção de sua desagra- dável visita, fugindo assim, à impossível missão de explicar o inexplicável.

Por onde andou, o chanceler, foi-lhe dito claramente o que os africanos pensam da política fran- cesa para a África. Em Maputo (Moçambique), ao recebê-lo, Samora Machel, presidente da República, disse: «Fizemos uma guerra de libertação para livrar nosso povo da opressão. O Ociden- te, inclusive a França, dizia que Moçambique era uma província portuguesa e que era problema interno de Portugal. Atualmente a posição do Ocidente, e também da França, em relação ao Zimbabwe não é clara; o mesmo acontece no caso da Namíbia e da guerra de exterminaçào na África do Sul, que nos faz relembrar o nazismo. O Ocidente esta do lado do crime».

A França forneceu à África do Sul reatores nucleares; a URSS acusa que tais equipamentos permitirão a fabricação de bombas atômicas. Guiringaud desmentiu as acusações, embora ele próprio, dias depois, em Paris, anunciasse que o governo francês estava informado de que a África do Sul realizaria uma explosão nuclear e ameaçava represálias, salientando que norte-americanos e ingleses tomariam medidas idên- ticas. A França anuncia embargo de armas para Pretória, mas um jornal francês, «Le Monde», reve- la que uma empresa francesa exporta munições para lá, através da Alemanha Federal. Além disso, a África do Sul possui fábricas de material bélico, inclusive tanques e aviões Mirage, usando tecnolo- gia francesa. QUEM DIZ O QUE QUER...

Com estas e outras contesta ções africanas o chanceler francês se engasgou. O diário tanzaniano, «Daily News», (editado em inglês) afirma em editorial: «É muito difí- cil entender o que o chanceler da França nos veio explicar. O lucro — e não a humanidade — é a base do sistema que ele represen ta. Por isso, ele vai nos oferecer alguma coisa para quo esqueça- mos as atividades assassinas da França na África do Sul». E, comentando declarações de Guiringaud, anunciando e suspen- são do fornecimento de armas à África do Sul, diz o mesmo jornal: «essa é uma história repetida todas as vezes em que a França é apanhada em fiagrante, armando o regime racista de Vorster. Entretanto, as vendas recomeçam tão logo diminui a reação interna- cional.»

Outro jornal o «Uhuru» (liber- dade, em suahili, língua em que é editado) órgão oficial do governo da Tanzânia, afirma: «A França tem cometido atos inamistosos em relação à África (...) essa visita não terá sentido se Paris não parar de fornecer ajuda militar aos regimes racistas.

Depois de tudo, Michel Debré, que foi o primeiro-ministro no governo de De Gaulle, ainda diz: «A França não deve se deixar insultar».

E ainda há quem diga que o Idi Amim é que é palhaço!

O uso do cachimbo faz a boca torta Parece que os portugueses

ainda não se deram conta de que não existem mais «províncias ultramarinas». Não percebem que, apesar dos neocolonialismos ainda existentes, os tempo são outros. O

jornal «Mundo Português» editado pela colônia portuguesa e luso- brasileira, em uma edição de fins de .1977, berra em manchete: «África põe em perigo a. Língua Portuguesa». Isso por causa da contratação de professores cuba- nos para escolas moçambicanas. Ora vejam sói Portugueses, e outros europeus, vão á África, não

só põem em perigo, a língua, como desestruturam toda'a socieda- de africana e ainda vêm se fazer de vitimas. Como se a África tivesse alguma obrigação com a língua e a cultura portuguesas. E ainda querem tirar as castanhas do fogo com as nossas mãos. Acham que o Brasil, por ser o maior pais de Língua Portuguesa,

tem obrigação de exercer o papel de guardião da cultura lusitana no mundo e, portanto, de chamar Angola, Moçambique e Guiné Bissau às falas. Um articulista da «Folha de S Paulo» encampa essas idéias em artigo publicado naque- le jornal, idéias, aliás, de há muito defendidas pelo sociólogo Gilberto Frpyre.