mark mazower-o império de hitler - a europa sob o domínio nazista-companhia das letras (2013)

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  • Em 1941 havia soldados alemes em ioda parte: a poucas lguas por mar da Gr-Bretanha, adm irando as runas de Atenas, na zona onde hoje fica o aeroporto de Moscou, marchando pela avenida dos Champs-lyses, em Paris. H itler, quase da noite para o dia, se viu senhor de um im prio maior que o de Napoleo.

    Depois do sucesso avassalador da campanha teutnica sobre a Europa ocidental (o general que ocupou a Dinamarca teria dito:"Tire este paiseco do meu cam inho, tenho algo mais im portante a conqu istar! ), o front leste comeou a acum ular sucessivas vitrias, e o Reich ganhava ares de invencib ilidade. Antes do comeo de 1942, o Exrcito alemo tinha fe ito mais de 2 m ilhes de prisioneiros russos, e Hans Frank, o governador geral da Polnia conquistada, baseado em Cracvia, se comportava como um prncipe renascentista, tirano e vaidoso, cego pelo poder a ponto de escrever um dirio em quarenta voumes, que acabaria lhe custando a vida.

    De repente, o avano alemo parou. A guerra se prolongaria ainda por mais de dois anos de conflitos sangrentos, at que os soviticos chegassem a Berlim, mas a mar se invertera definitivamente.

    Nesta obra a um tempo monum ental e inovadora e j indispensvel entre a historiografia do perodo , Mark Mazower demonstra que foi justam ente a estrutura pouco ortodoxa (seno bizarra) da ocupao o principa l componente da derrota nazista. A fa lta de planejam ento e o patente erro de clculo dos alemes,

  • incapazes de antever as tremendas dificu ldades de sua misso germanizadora", transparecem com regularidade impactante no vasto repertrio de fontes pesquisado pelo autor. Baseado numa iluso perene, o Terceiro Reich foi responsvel, em sua campanha brbara, no s por dezenas de m ilhes de mortes durante o conflito , mas por uma Europa dilacerada e decadente, e por um novo mundo.

    MARK MAZOWER professor de histria da Universidade Columbia, em Nova York. Escreve sobre assuntos internacionais para o Financ ia l Times. Entre seus livros esto Inside H itle r's Greece: The Experience o f Occupation, 1 9 4 1 -4 4 , The Balkans: A Short History, Continente som brio: A Europa no sculo XX e Salnica: Cidade de fantasmas, os dois ltim os publicados no Brasil pela Companhia das Letras.

  • MARK MAZOWER

    O imprio de HitlerA Europa sob o domnio nazista

    Traduo

    Cludio Carina L uda Boldrini

    Ia reimpresso

    C o m p a n h ia Da s L e t r a s

  • Copyright 2013 by Mark Mazower

    Grafia atualizada segundo 0 Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.

    Ttulo originalHider's Empire: Nazi Rule in Occupied Europe

    CapaKiko Farkas/ Mquina Estdio

    Imagem de capaTim e C Life Pictures/ Getty Images

    PreparaoSilvia Massimini Felix

    ndice remissivo Probo Poletti

    RevisoValquria D elia Pozza Isabel Jorge Cury

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (cip)(Cm ara Brasileira do Livro, sp, Brasil)

    M azower, MarkO im prio de H i t le r : a Europa sob o dom nio nazista / Mark

    M azow er ; traduo Cludio Carina e Lucia Boldrini. - 1* ed. - So Paulo - Com panhia das Letras, 2013.

    T tulo orig inal: H itlers E m pire: Nazi Rule in Occupied Europe. isbn 978-85-359-2271-4

    1. Alemanha - Relaes exteriores - Europa 2. Europa - Relaes exteriores - Alemanha 3. G uerra Mundial, 1939-1945 - Alemanha 4. G uerra Mundial, 1939-1945 - Aspectos sociais - Europa 5. G uerra M undial, 1939-1945 - Histria diplomtica 6. Nazismo - Aspectos sociais - Europa 1. Ttulo.

    13-03870 CDD-940.532

    ndice para catlogo sistemtico:

    1. Europa: Dom nio nazista : G uerra Mundial, 1939-1945 : Histria

    diplomtica 940.532

    [2013]Todos os direitos desta edio reservados E D IT O R A SC H W A R C Z S .A .

    Rua Bandeira Paulista, 702, q . 32 04532-002 So Paulo sp Telefone: (11) 3707-3500 Fax: (11) 3707-3501 www.companhiadasletras.com.br www.blogdacompanhia.com.br

  • Sumrio

    Lista de m ap as ............................................................................................................ 9Abreviaes e acrnimos ......................................................................................... 25Prefcio: O panoram a visto de V arzin ................................................................... 29

    In troduo ................................................................................................................... 37

    I . PE L A G R A N D E A L E M A N H A ............................................................................................................................ 5 1

    1. Alemes e eslavos: 1848-1918 .............................................................................. 532. De Versalhes a V ien a ............................................................................................. 703. Expanso e escalada: 1938-40 .............................................................................. 944. A partio da P o l n ia ........................................................................................... 1205. Vero de 1940 ......................................................................................................... 1466. G uerra de aniquilao: a invaso da Unio Sovitica .................................... 1837. Faa essa terra ser alem de novo para m im !................................................... 2298. A organizao da desordem: 1941-2 ................................................................... 276

    II . A N O V A O R D E M ...................................................................................................... 3139. A rentabilizao da ocupao..............................................................................31510. T rabalhadores.......................................................................................................353

  • 11. A diplomacia E rsa tz ............................... :........................................................... 38012. A Soluo Final: a Questo Ju d aica ..................................................................43113. A colaborao.......................................................................................................48114. Os ajudantes do Leste ........................................................................................51215. A oposio ............................................................................................................ 53816. Hitler Kaputtl .........................................................................................................591

    I I I . P E R S P E C T IV A S ........................................................................................................................................................ 6 2 1

    17. Ns, europeus .....................................................................................................62318. A Nova Ordem na histria m u n d ia l................................................................ 647

    A gradecim entos.........................................................................................................677Notas ............................................................................................................................679Bibliografia..................................................................................................................729Lista de ilustraes..................................................................................................... 757

    ndice remissivo..........................................................................................................759

  • Lista de mapas

    1. O desaparecimento da ustria e da Tchecoslovquia, 1939-40 ................... 11

    2. Polnia, 1939-40 ..................................................................................................... 12

    3. O Ocidente no final de 1940 ............................................................................... 144. reas de operaes e campos, outono de 1942 ................................................ 15

    5. A Europa em 1942 ................................................................................................. 16

    6. O imprio no auge: distribuio de tropas em dezembro de 1941 .............. 18

    7. O Plano Geral do L e s te ........................................................................................ 208. A partio do mundo: mapa naval alemo de 1942 ........................................ 21

    9. A queda do im prio ............................................................................................... 22

  • *Chemnitz

    *IT J A -

    XU

    -NIEDERDONAU-

    -L inzr

    rOBERDONA^ ^ " ! ^ -/= =V|f]L?

    m K

    Debrecen J t

    / R O M N I A

    H U N GjR I A50

    _ J __100 150 milhas

    __ _________ I

    100 200 km

  • Polnia, 1939-40 M a r B l t i c o Memel ,

    KnigsbergGumbinne

    \ P r s s i a O r i e n t aElbing Ltzcn

    Allenstifl^ o m e r n i 11'c ' cv i EyJauPrussiana * Grjewo.

  • Daugavpils

    L I T U A N I A

    , Kaunas

    Vilnius

    Suwalki

    Lida

    GrodnovNowogrodek

    Bialystok

    Rio Narew,

    Wolkowski

    Slonim'

    /Minsk

    Baranowicze

    V Slutsk

    | Reich Alemo

    I Territrios poloneses perdidos para I a Alemanha

    Unio Sovitica

    I Territrios poloneses perdidos para | a Unio Sovitica I Territrio cedido Litunia pela | Unio Sovitica em 28 de outubro de 1939

    Delimitao das esferas de interesse germano-sovitico (23 de agosto de 1939)

    Linhas demarcatrias militares, com a data de designao

    1 Fronteiras definitivas entre Alemanha e Unio Sovitica, 28 de setembro

    50 __ l_ 100 milhas

    50 100 150 km

    ' Kamieniec Litewski %

    Korosten

    Zhitomir

    U C R N I A

  • ------ ^ "Alemanha \' , Territrios anexados pela Alemanha

    | Territrios ocupados pela Wehrmacht

    | Territrios ocupados pela Itlia

    O Ocidente no final de 1940

  • reas de operaes e campos, outono de 1942

    --------1----- *----------|W U ^ V KronstadT^I^Len^^ado,Campos de extermnio G o l f o d a F M n d i a a j ^ ^ ^ ^ f ^

    f Narva

    Luga

    Principais campos de concentrao

    Ventspils(W indau)/

    Tallinn Lv XVaivara

    " l A j f t i ESTNIA

    C ? \ o Tartuff B a t

    d e R i g a

    LETNIA

    , Lago Novgorod Peipus ^

    Pskov

    i Liepaja Salaspfls

    W . y^// /Siauliai Daugavpils (D /^ Nevel

    IKlaipeda (Dunaburg) ^ REICHKOMMISSAR1AT T ^ v i t e b J ^

    S. LITUNIA - . \ ^ _ f a u n a s * Postav* , \ Smolensk

    Vilnius :- . # :pelO S T L A N D Maly ! r sa f '

    Trostenets ; BonsovMinsk J f ? M o g i l e v ) | R oslav l'

    / R E A lp P E R A C I O N . A L' t Brjansk

    A/* Trubcevsk

    Ersk Samy

    KorostenRovno

    Gomei lskyj . Uman # Dnepropetro^sk"3^*4^ Kirovgrad

    ^^^eiromajak' # krivc

    ^ V \ ' X\ *1 XTRANSNSTRIA^ Nikolajev / , .

    chisi^ i X ^ ^ V . ^ ovkaOdessa Alba <

    (Akkerman)M a r

    N e g r o

  • A Europa em 1942

    Reich alemo com os territrios incorporados

    Territrios sob administrao civil alem

    Territrios ocupados pela Alemanha

    Itlia/Albnia

    Territrios ocupados pela Itlia

    Aliados das potncias do Eixo

    Territrios ocupados por finlandeses, vsVk romenos, hngaros e blgaros

  • Cabo Norte

    y/M -:- Kirkenes

    4 ;^ i' i : \ / ' '^ X, im fi& y-y : i ; ^Murrransk /

  • Localizadas mais ao norte: a leste de Kirkenes perto de Alta

    j( Tornio

    Oulu^ '

    FINLNDIA

    Arkhangelsk

    * Vassa I Lago Onega

    Petrozavodsk

    100 200J ________ L

    300 milhasJ

    200 400 km

    rv Estocolmo

    ^ e ls in q u e ^ ^ -^ ^ /^ X ^ LaS Ladoa Leningradoi:

    ^Narvaft rTallin

    Estnia S 1 ^Novgorod** *...-H* Pskov m} Kalinin

    'V. v / v. U crn ia Kievv^

    & y o ~ ( \ ~ s s s a ~ - 7 - - -l S O V I T I C A

    " Smolensk \ v

    Brjansk ;

    Stalingrado 4

    l \ L Cracvia > Lviv ' ' ' - 4 " V . " _ " L . \ /

    sLO V Q U IA ^ ' \ . _ DnepropetrovlD

    .y -* Kosice ..... ^ v C X'........VIL Cemauti \ v f W

    HUNGRIA N. T V paraa a / mf Budapeste / Transilvnia Iasi \ ^Rom nia Jy Mar de( / paraaH ungria\ ^ Azov () Szeged j S N ^ \ v^/Odessa r^r~?'v Krasnodarl ' \

    ROMNIA

    Crimeia^

    Sebastopol( L devemos reconquistar o solo estrangeiro que no passado foi alemo,L tem de haver um novo comeo. Alemes, armem-se e escutem este refro!1

    Em fevereiro de 1933, reservadamente, Hider perfilou assim seus objetivos futuros: Talvez lutar por novas possibilidades de exportao; talvez, e provavelmente melhor, a conquista de um novo Lebensraum no Leste e sua germaniza- o implacvel .2 De fato, novas possibilidades de exportao se abriram pouco depois sem a necessidade de lutar graas a acordos bilaterais de comrcio firmados entre a Alemanha e os Estados balcnicos. Mas, depois do Anschluss, o

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  • foco no Lebensraum e na germanizao tornou-se aos poucos mais evidente. No ano crtico que se seguiu ocupao dos Sudetos em outubro de 1938, o Terceiro Reich ocupou o restante das terras da Bomia e da Polnia e, medida que fazia isso, passou da apropriao de territrios com populao preponderantemente alem tomada de outros habitados sobretudo por eslavos. Esses acontecimentos fizeram o resto do mundo questionar se a busca pelo Lebensraum pretendia de fato apenas garantir o direito da Alemanha autodeterminao, como Hitler afirmara tantas vezes no passado. Os alemes, por sua vez, viram-se cara a cara com o problema do imprio ou, em outras palavras, de descobrir maneiras de governar maiorias no alems, o que se tornou um problema mais agudo devido ao empenho cada vez maior do Terceiro Reich em utilizar a teoria racial como base da lei e da administrao. Muitos austracos e alemes dos Sudetos haviam recebido os soldados da Wehrmacht como libertadores. Certamente no foi o caso dos tchecos, ainda que no tenham lutado. Quanto aos poloneses, sua resistncia feroz assumiu a forma de uma defesa tenaz e corajosa, embora estrategicamente suicida, contra circunstncias avassaladoras. Por conseguinte, a experincia militar alem em 1938-9 abarcou desde um passeio pacfico de 24 divises da Wehrmacht pelos Sudetos at uma invaso da Polnia em escala total, em diversas frentes, por 57 divises, ao longo de cinco semanas de pesados combates durante os quais 16 mil alemes morreram e 28 mil ficaram feridos, sem contar as 66 mil baixas fatais no Exrcito polons e os milhares de civis poloneses executados.

    O expansionismo voraz do Terceiro Reich chocou a Europa. Mas no devemos supor que os alemes o apoiassem incondicionalmente. Pelo menos um alto oficial da ss criticou reservadamente a marcha sobre Praga como expansionismo. A opinio pblica, relatou Von Hassell s vsperas da campanha na Polnia, considerava a guerra como uma espcie de projeto do partido. Quando o prprio Hitler compreendeu at que ponto se estendia a passividade da populao do Reich, viu confirmada a opinio que mantinha havia muito tempo de que a guerra era necessria, e no apenas para a conquista do Lebensraum e a segurana do Reich, mas para testar e endurecer os prprios alemes.3

    os s u d e t o s : o u t u b r o d e 1 9 3 8

    Antes mesmo do Anschluss, os tchecos estavam muito preocupados com o que o futuro lhes reservava. Em fevereiro de 1938, Hitler mencionou publica

    95

  • mente os "10 milhes de alemes" que viviam em Estados vizinhos e advertiu que o Reich no assistiria "passivamente perseguio deles". E, enquanto Goe- ring tranqilizava os tchecos, Hitler assegurava confidencialmente a Konrad Henlein, o lder do Partido Alemo dos Sudetos, que a Alemanha iria em seu socorro. Henlein (cuja me tivera em solteira o sobrenome nada alemo Dvorcek) era um convincente defensor da causa dos alemes tnicos no exterior, e depois do Anschluss um grande nmero de alemes de outros partidos correu para se abrigar sob sua bandeira. Conscientes de que sua antiga identidade como sditos dos Habsburgo a de "alemes da Bomia" era coisa do passado, eles se identificaram cada vez mais com a causa do nacionalismo da Grande Alemanha. Em sua mente, a velha fronteira imperial que separara o Imprio Habsburgo do Reich de Bismarck havia se dissolvido, e em suas concentraes ouvia-se o brado entusiasmado Ein Reich, ein Volk, ein Fhrer/".* O governo tcheco aprovou um novo Estatuto da Nacionalidade para ampliar a autonomia da minoria e promover o uso do idioma alemo, mas no foi suficiente nem poderia ter sido: Hider e Henlein, ao se encontrarem, haviam concordado em que, nas palavras do segundo, "devemos sempre exigir tanto que nunca possamos estar satisfeitos". Aos tchecos restavam poucos amigos: at mesmo Churchill acreditava que os alemes dos Sudetos, ao clamar por "autogoverno", s estavam exigindo o que os prprios tchecos haviam reclamado antes de 1914.4

    Quando Hitler exigiu a cesso imediata dos Sudetos, em setembro de 1938, em Munique, os britnicos e os franceses concordaram. Mas a capitulao de Neville Chamberlain no significou a "paz para o nosso tempo", como ele anunciou: foi um desastre para os tchecos e uma catstrofe para todos aqueles que esperavam pr um freio escalada blica alem. Despojada de mais de um tero da Bomia e da Morvia e abandonada por seus aliados, a Tchecoslovquia com sua vital indstria de armamentos e sua localizao estrategicamente crucial, no corao da Europa se viu cercada por foras hostis e praticamente indefesa. Um desiludido presidente Benes deu lugar a Emil Hcha, um eminente advogado que sobreviveu no cargo at 1945 como uma figura trgica e alquebra- da. Hitler havia apostado e ganhara. O Exrcito alemo, que mal possua quarenta divises, desafiara no apenas 35 divises tchecas bem equipadas e entrincheiradas ao longo de linhas bem fortificadas, mas tambm uma fora francesa de

    * Um Reich, um Povo, um Fhrer.

    96

  • cem divises potencialmente esmagadora no Oeste. Apesar disso, tanto os franceses quanto os britnicos se deram conta de que precisavam de muito mais tempo para se rearmar e temiam ser vulnerveis ao poderio areo alemo numa guerra prolongada. Assim, entregaram os Sudetos sem lutar. Os soldados tche- cos na fronteira simplesmente abriram caminho, e os alemes no encontraram resistncia. Quando Helmuth Groscurth, um oficial da Abwehr,* visitou a regio no incio de outubro, encontrou os alemes dos Sudetos eufricos. Do ponto de vista deles, aquilo era uma doce vingana pelas humilhaes de 1918. Para celebrar a queda do efmero Estado tcheco, foram realizadas homenagens militares plenas no tmulo de 56 alemes mortos em combate contra soldados tchecos no fim da Primeira Guerra Mundial, e uma coroa de flores foi depositada tambm na tumba do fundador do Partido Nazista dos Sudetos.5

    Groscurth notou o comportamento disciplinado das tropas alems que chegavam, bem como as relaes geralmente boas e at amveis entre os oficiais com suas contrapartes tchecas. Mas pequenos destacamentos agressivos e mal treinados da ss estavam causando problemas, assim como bandos paramilitares de alemes tnicos vidos por se vingar de seus vizinhos tchecos. O s d enviou vrios milhares de judeus e antinazistas para Dachau. Nos bastidores, as relaes entre os militares e os administradores civis, e tambm entre os alemes do Reich e os partidrios de Henlein, eram confusas e tensas. Um funcionrio do Estado- -Maior escreveria mais tarde que foi nos Sudetos que "a incapacidade do Estado de governar surgiu em grau to extremo pela primeira vez. A cooperao harmoniosa que os militares haviam previsto nos planos elaborados na poca de paz para a administrao da ocupao nunca chegou a se materializar, e os oficiais que ainda imaginavam estar no mundo do Exrcito do Kaiser ficaram escandalizados com a concesso de tanto poder a organismos civis e ao partido.6

    Nada disso impediu que os alemes dos Sudetos fossem digeridos pelo Reich ainda mais depressa do que os austracos haviam sido. Wilhelm Stuckart, o especialista do Ministrio do Interior que supervisionara a incorporao da ustria, foi chamado, enquanto Henlein era nomeado comissrio do Reich para os Territrios Ocupados dos Sudetos. Depois que o Exrcito transferiu suas responsabilidades administrativas, ele foi nomeado Gauleiter para o novo Reichsgau

    * Defesa.

    97

  • Sudetenland.* Em 21 de novembro, os Sudetos foram anexados formalmente, e pouco depois novos deputados ocuparam cadeiras no Reichstag em Berlim. Obviamente, a unificao poltica trouxe os resmungos inevitveis daqueles que haviam imaginado que ela seria o fim de todos os seus problemas: os alemes dos Sudetos queixavam-se da falta de investimento interno, da convocao de seus jovens para o Exrcito no qual eram ridicularizados por causa do sotaque , de sua dominao pelos "arrogantes e autoritrios alemes do Reich e da presena contnua de tchecos perto deles. Mal sabiam que seus problemas estavam apenas comeando.7

    A TOMADA DE PRAGA: MARO DE 1 9 3 9

    Munique marcou o momento em que o Terceiro Reich substituiu os britnicos, os franceses e a Liga das Naes como rbitros regionais da Europa Central. Estados menores aprovaram novas leis antissemitas um modo simples de expressar seu desejo de agradar ao Reich e a partir de 1938 muitas das fronteiras estabelecidas pelos pacificadores em Paris foram redesenhadas em Berlim. A poderosa coalizo de Estados antinazistas que poderia perfeitamente ter detido a expanso alem implodiu de forma catastrfica com a fraqueza de nimo de britnicos e franceses. At mesmo a Polnia se banqueteou com o cadver do Estado tcheco. Uma regio fronteiria ao sul da Eslovquia e da Rutnia foi entregue Hungria, que deu incio assim ao processo de se ressarcir pelas imensas perdas territoriais que sofrer depois da Primeira Guerra Mundial: em quatro anos, contando com as graas de Berlim, tambm recuperou terras da Romnia e da Iugoslvia. Os tchecos foram obrigados a conceder autonomia Eslovquia e aos Crpatos Orientais (Ucrnia), enquanto os alemes remanescentes em terras tchecas ganharam direito cidadania do Reich. Praga teve de engolir at mesmo o projeto de um sistema extraterritorial alemo de rodovias que atravessaria o pas de um extremo a outro para garantir o controle da Alemanha (que na realidade nunca chegou a ser construdo). Enquanto um novo governo autoritrio assumia o poder e punha em prtica medidas contra judeus e opositores do nazismo, o revelador hfen inserido no nome do pas que era agora oficial

    * Suprema Corte dos Sudetos.

    98

  • mente chamado Tcheco-Eslovquia pressagiava mais fragmentao. Ao todo, Munique despojou o pas de um tero de seu territrio e populao, de suas fronteiras naturais e de vrias posies defensivas valiosas, bem como de 40% de seu parque industrial, de 55% de todo o seu carvo e, no menos importante, de toda a sua populao tnica alem, com exceo de 4,5% .8

    J para a Alemanha, o ano trouxe ganhos extraordinrios, e no Ano-Novo de 1939 o Fhrer dirigiu-se aos alemes em clima de jbilo: "Quem pode deixar de se comover profundamente vendo o Grande Reich alemo de hoje [...] ao refletir sobre a situao que enfrentvamos apenas seis anos atrs?. Em sua ordem do dia aos soldados, ele agradeceu aos seus homens por realizar "um sonho de muitos sculos o nascimento da Grande Alemanha: "Eu agradeo a vossa lealdade obediente. Acredito firmemente que no futuro tambm estareis dispostos a proteger o direito da nao vida diante de qualquer tipo de agresso. O significado dessas palavras para os vizinhos da Alemanha estava se solidificando gradualmente em sua mente. Teria de haver presso crescente sobre a Polnia para que Danzig o porto alemo que fora declarado cidade livre em 1920 e estava vinculado Polnia por uma unio aduaneira voltasse a fazer parte do Reich. Em si mesmo, era um argumento para ocupar o restante do Estado tcheco, o que possibilitaria esmagar os poloneses a partir de trs flancos. Mas, com essa guerra j na cabea, uma invaso de Praga teria de ser a menos complicada e mais rpida possvel. Suas instrues ao Exrcito determinavam que "externamente se deve fazer ver de forma bastante clara que [a ocupao] apenas uma ao pacfica e no um empreendimento blico. Publicamente, Hitler emitia sinais contraditrios. No fim de janeiro, pronunciou ante o novo Reichstag da Grande Alemanha o titnico discurso de duas horas e meia que hoje em dia lembrado principalmente por sua profecia sinistra de que os judeus da Europa seriam aniquilados no caso de haver uma guerra mundial. Mas na verdade ele se dedicou fundamentalmente a louvar a nova Grande Alemanha. Destacou que o Volk continuava a precisar de mais Lebensraum; por outro lado, declarou: "Podemos considerar que esse processo de formao da nao alem chegou sua concluso.

    Os tchecos no tinham se rendido totalmente. Na realidade, davam sinais de que levavam a srio as garantias dadas em Munique a respeito de suas fronteiras e exigiram saber se a Alemanha se comprometia a respeit-las. No fim de fevereiro, eles tiveram a resposta que esperavam no ter de escutar: as garantias haviam "sido dadas de forma prematura, j que a regio se encontrava, "acima

    99

  • de quaisquer consideraes, dentro da esfera dos mais altos interesses do Reich alemo. Os planos alemes para a liquidao do que restara do Estado tcheco foram acelerados. Os eslovacos foram forados a exigir a independncia imediata, e o golpe final aconteceu quando soldados tchecos entraram na capital eslo- vaca em maro para reprimir essa reivindicao. Apoiado por Hitler, o sacerdote e poltico eslovaco monsenhor Jozef Tiso declarou a independncia da Eslovquia. No mesmo dia, Emil Hcha, o infeliz presidente tcheco, foi chamado a Berlim, onde Hitler lhe disse que o Exrcito tinha ordem de invadir. Submetido a uma enorme presso psicolgica e ante a ameaa de Goering de bombardear Praga com seus avies, o idoso Hcha desmaiou e teve de ser reanimado pelo mdico de Hitler antes de se resignar a assinar um memorando redigido pelos alemes que punha seu pas sob a proteo do Reich. Homens da ss Leibstan- darte Adolf Hitler j haviam cruzado a fronteira, e na manh seguinte, quando os tchecos despertaram, o general Blaskowitz encabeou a entrada dos primeiros alemes numa Praga coberta pela neve. s 9h30, canhes alemes j tinham a cidade sob sua mira desde as alturas do castelo de Hradcany. Exceto por alguns pneus rasgados e bolas de neve lanadas contra caminhes e tanques alemes, no houve resistncia.

    Em Berlim, ningum sabia realmente o que significava a proteo alem, a no ser o fato de que os tchecos seriam forados a cumprir os desejos da Alemanha em tudo o que se relacionasse a sua poltica externa. Hitler decidira fazer o nome da Tchecoslovquia desaparecer do mapa e criar um novo Estado o Protetorado da Bomia-Morvia. Wilhelm Stuckart, o diligente especialista do Ministrio do Interior em incorporao de territrios ocupados, foi chamado para redigir uma nova Constituio. Encerrados no castelo de Hradcany nas noites de 15 e 16 de maro, enquanto um triunfante Hitler ali dormia, Stuckart e seus colegas acertaram os detalhes. O decreto redigido por eles que criava o Protetorado justificava a ocupao historicamente, baseando-se no fato de que os pases da Bomia e Morvia haviam pertencido durante um milnio ao Lebensraum do povo alemo, e politicamente, j que o prprio Estado tcheco havia se mostrado incapaz de garantir a ordem. O Reich estava supostamente ameaado por uma nova e monstruosa ameaa paz europeia, e apenas por um ato em conformidade com a lei da autopreservao que o Reich alemo est decidido a adotar medidas firmes para o restabelecimento das bases de uma ordem cen- tro-europeia .9

    ioo

  • De fato, o regime que os alemes estavam instaurando guardava uma bvia semelhana com os protetorados estabelecidos pelas potncias coloniais pelos tratados franceses com a Tunsia e o Marrocos, por exemplo. Assim como os nominalmente independentes Egito, Iraque e Cuba, o Protetorado da Bomia- -Morvia conservava muitos atributos de soberania, mas no todos. Mantinha um presidente e um governo, uma milcia de 7 mil homens e uma administrao pblica interna que permanecia relativamente intacta. Mas o poder deveria ser exercido "em conformidade com os direitos polticos, militares e econmicos do Reich", e a interpretao destes ficava nas mos de um defensor do Reich nomeado por Berlim com seus prprios administradores regionais civis e foras policiais e militares, bem como o poder de confirmar ou de negar cargos a membros do governo tcheco. Tambm remanescente da prtica colonial era o estabelecimento de um sistema de leis dual de modo muito semelhante ao que acontecia na Arglia francesa pelo qual os alemes com cidadania tcheca podiam se inscrever automaticamente para obter a cidadania do Reich, enquanto os demais continuavam sendo cidados do Protetorado. Desse modo, desenvolveu-se uma jurisdio extraterritorial paralela para os 250 mil alemes do Protetorado.

    Mas o fa it accompli nazista tambm trazia alguns aspectos novos. O primeiro e mais evidente era o fato de que, pela primeira vez na era moderna, tais medidas estavam sendo aplicadas por um Estado europeu a outro Estado europeu. Era realmente uma extraordinria reverso de muitas das suposies sobre as quais havia sido construdo o edifcio do direito internacional e de todo o sistema mundial de Estados do sculo xix, e o racismo era evidente tanto nas manifestaes de indignao antinazistas como na poltica nazista. "Nunca antes se impuseram condies semelhantes a nenhuma nao pertencente raa branca", escreveu Eugene Erdely. "Isso constituiu o primeiro estatuto colonial alemo na histria moderna para uma nao branca e civilizada."10

    Havia um detalhe no menos significativo: Hitler emitira a proclamao do Protetorado como um decreto pessoal e no como lei do Reich, o que era uma formidvel indicao de como a expanso do Reich estava aumentando o poder pessoal do Fhrer. De acordo com um eminente comentarista alemo de direito constitucional, "est claro que a implementao da promessa do Fhrer [...] depende inteiramente dele [...] Mediante o ato de Hcha, a autoridade para proporcionar uma estrutura para a organizao poltica do povo tcheco foi integralmente transferida para o Fhrer". A doutrina do Poder Executivo ilimitado

    IOI

  • converteu o decreto de 16 de maro num documento que Hitler podia interpretar vontade. O que nele se entendia por soberania permanecia obscuro, assim como a definio de seus poderes como defensor do Reich. E a relao do Prote- torado com o Reich no era menos ambgua. De modo bastante confuso, o Pro- tetorado era declarado "independente sob a lei constitucional, mas "parte integral do Grande Reich alemo .11

    Essas ambigidades refletiam um dilema ideolgico real. Dado que aquela era a primeira conquista alem de um "povo estrangeiro, ningum sabia verdadeiramente como integrar os tchecos na "rea do Reich de modo a concordar com os princpios da jurisprudncia nazista. Para os lderes de um Estado que at o momento baseara suas polticas de nacionalidade no princpio da expulso de vrias centenas de milhares de no alemes, a acomodao de vrios outros milhes deles apresentava graves problemas: era preciso admitir que eles eram eslavos, no judeus, mas o tema continuava a preocupar os peritos raciais do Reich.12

    No obstante, na primavera de 1939, Hitler continuava plenamente consciente de que tinha os olhos do mundo sobre si e queria que seu novo enclave tcheco funcionasse o melhor possvel como propaganda dos benefcios da hegemonia alem. Assim, o Fhrer nomeou o velho Von Neurath como defensor porque, como ex-chanceler, ele enviava ao exterior um sinal tranquilizador de que a Alemanha havia decidido "no despojar os tchecos de sua vida racial e nacional. "De acordo com os desejos do Fhrer, disse Stuckart a funcionrios civis no fim de maro, "os tchecos devem ser tratados de maneira conciliadora, embora com a maior severidade e com firmeza implacvel [...] A autonomia do Prote- torado s deve ser restringida se for claramente necessrio. Depois ele acrescentou, reservadamente, que o novo regime na Bomia-Morvia, "como primeira materializao do conceito alemo de protetorado, deve evitar tudo o que sirva para dissuadir outras naes que mais tarde poderiam expressar o mesmo desejo de se agregar ao Reich alemo como protetorados. Um perspicaz observador estrangeiro, um jovem diplomata americano em Praga chamado George Kennan, j havia entendido isso: a ideia do protetorado, escreveu ele em abril,

    foi concebida num momento no qual muitos dos alemes, segundo todas as indicaes, esperavam ser capazes de ampliar sua hegemonia pacificamente e dentro de pouco tempo Hungria e a outros pases da Europa Central. Portanto, os termos do Protetorado tcheco tinham importncia como um precedente, em especial

    102

  • como um estmulo para que outros pases pensassem que a absoro pela rbitaalem no significaria necessariamente o fim de sua existncia nacional.13

    Os alemes esperavam que sua poltica eslovaca tambm enviasse o sinal de que davam apoio a outros movimentos nacionais. Depois que o Exrcito alemo ocupou temporariamente a Eslovquia para bloquear qualquer intento de oposio dos tchecos, o governo eslovaco assinou seu prprio tratado de proteo com a Alemanha. Observadores deleitaram-se com o incongruente espetculo de um destacamento da ss servindo como guarda de honra para um padre catlico quando o veterano defensor da autonomia eslovaca, monsenhor Jozef Tiso, aterrissou no aeroporto Tempelhof de Berlim para as negociaes que desembocaram na independncia de seu pas. Por sua trajetria, Tiso podia parecer um vira-casaca: ao longo do tempo, passara-se por defensor leal da Hungria, da monarquia e da Igreja, antissemita violento, integrante pragmtico do sistema republicano tcheco no entreguerras e defensor do autoritarismo. Mas ele sempre se mantivera fiel s suas razes provincianas eslovacas e jamais acalentara iluses sobre at que ponto um povo to indefeso como o eslovaco poderia sobreviver num mundo em transformao constante sem protetores e aliados mais poderosos. Quando Hitler chegou ao poder, ompreendeu a necessidade de obter o apoio da Alemanha, ainda que apenas para garantir que, quando a Tchecos- lovquia se visse ameaada, os eslovacos conservassem de algum modo sua autonomia para agir.14 Mas os eslovacos devem ter se perguntado de que valia realmente a proteo alem quando, uma semana mais tarde, o Exrcito hngaro invadiu de repente o leste de seu pas e ocupou o que restava da Rutnia eslovaca os hngaros haviam agido com o consentimento dos alemes. No exterior, a Eslovquia gozava dos paramentos da soberania e era internacionalmente reconhecida por 27 governos (incluindo a Frana, a Gr-Bretanha e a Unio Sovitica). Na prtica, havia uma forte presena consultiva alem e uma grande misso alem que controlavam o comrcio, a economia e a poltica interna.

    Mesmo assim, sob o governo de Tiso os polticos catlicos conservadores da Eslovquia exploraram com habilidade o pouco espao de manobra que obtiveram. Tirando vantagem da relutncia de Berlim em abandonar sua postura de libertador, eles criaram um sistema poltico mais autoritrio do que propriamente nazista e marginalizaram sua extrema direita. Obrigaram os alemes a duras negociaes antes de permitir que usassem a Eslovquia para

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  • deslocamentos contra os poloneses e, embora representassem de bom grado uma legislao antissemita alinhada com o exemplo alemo, nem por isso se interessaram em implementar um cunho racial em suas leis internas. Dessa forma, a Eslovquia tornou-se um modelo da Nova Ordem de vrias maneiras. Os alemes nunca se sentiram to seguros quanto gostariam a respeito dos eslovacos. Embora a maioria visse a Eslovquia como um Estado fantoche, alguns dirigentes de Berlim consideravam o pas um exemplo do que poderia acontecer quando se permitia que "pequenas naes" tivessem liberdade demais.15

    Os alemes tinham boas razes para manter o interesse nas atenes internacionais. A invaso de Praga e a criao do Protetorado alarmaram o restante da Europa bem mais que Munique, e levantaram novas suspeitas quanto aos planos de Hitler. Em seu dirio, o ministro do Exterior italiano, Ciano, se perguntou: "Que peso pode ser dado no futuro a essas declaraes e promessas [alems] que nos dizem respeito mais diretamente?". Em pblico, o primeiro-ministro britnico, Neville Chamberlain, indagava o que acontecera com o princpio de autodeterminao que os alemes tanto haviam defendido. "Os eventos que tiveram lugar esta semana", continuava, "em completo desacordo com os princpios declarados pelo prprio governo alemo, parecem cair numa categoria diferente e devem fazer com que nos perguntemos: "Ser este o final de uma antiga aventura ou o comeo de uma nova?'."

    A descomprometida resposta de Hitler veio com o lanamento do encoura- ado Tirpitz. fA Providncia no criou o Volk alemo para atender obedientemente a uma lei, aplaudida pelos ingleses e pelos franceses, mas sim para realizar seu direito vida", bradou. A Inglaterra estava falando de virtude "em sua velhice". Assim como a Alemanha ficou fora da Palestina, tambm "a Inglaterra no tinha nada a ver com o Lebensraum alemo". Com que direito os ingleses disparavam contra os rabes da Palestina "s por eles terem se erguido para defender sua ptria", enquanto os alemes, ao contrrio, "tentam regular seus negcios com calma e em ordem"? No era uma declarao de apoio aos anticolonialistas rabes, e sim uma exigncia de que se permitisse Alemanha certa discrio em sua prpria esfera de influncia. Ressaltando que a Alemanha no tinha nada contra os tchecos, Hitler afirmou que o Reich "no intencionava atacar outras naes". E se mostrou esperanoso com o surgimento de uma comunidade ideolgica da Itlia fascista com a Alemanha nazista para demonstrar interna

    104

  • cionalmente o que j era evidente na Espanha: que seu direito era superior em poder e vontade s foras da "Gr-Bretanha democrtica e da Rssia bolchevi- que. Depois disso, Hitler passou alguns dias navegando ao largo de Helgoland num novo cruzador. Foi uma viagem que ficou entre as mais felizes lembranas de sua vida.16

    GUERRA DOS POVOS

    Enquanto Hitler apreciava o ar fresco do mar do Norte, uma intensa atividade diplomtica entre Londres, Varsvia, Paris e Bucareste estava transformando o humor poltico na Europa, e foi nesse estgio que o momentum para uma guerra mais ampla a guerra que Hitler no esperava ter de lutar por mais vrios anos se tornou afinal incontrolvel. Em janeiro de 1939, os poloneses tinham mais uma vez se fechado ante as exigncias do Fhrer. Agora, o firme rufar de tambores das reivindicaes alems prenunciava um conflito. Hitler insistiu publicamente na anexao de Danzig e Poznan, enquanto a Litunia era forada por Berlim a devolver a faixa de terra que pertencera anteriormente Prssia e era conhecida como Memel. Finalmente, os britnicos e franceses abandonaram a poltica de apaziguamento e ofereceram Polnia uma garantia de apoio militar. Quando os italianos invadiram a Albnia, eles emitiram outra garantia para a Grcia e a Romnia.

    Quanto esses apoios valiam era uma questo em aberto. Nem o governo britnico nem o francs queriam lutar, esperando ardentemente que aquelas garantias j funcionassem como elemento de persuaso. Mas Hitler no se deixou enganar e reagiu intensificando o relacionamento da Alemanha com a Itlia fascista. Firmemente ligados pela unidade interna de suas ideologias e pela solidariedade abrangente de seus interesses, entoava o prembulo do acordo,

    os povos alemo e italiano esto determinados tambm no futuro a se postar lado

    a lado e a empreender seus esforos para assegurar seu Lebensraum e a manuten

    o da paz. Dessa forma, como foi prescrito pela histria, a Alemanha e a Itlia

    desejam, num mundo de desassossego e desintegrao, conduzir sua misso de

    salvar as fundaes da cultura europeia.

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  • Por trs dessa postura pacfica, as preparaes para a guerra na Alemanha se aceleravam. Os dois lderes tinham concordado (ou ao menos assim pensava o Duce) que a melhor poca para a guerra seria o ano de 1943. Mas a aliana talo- -germnica a mais importante para a Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial nunca foi uma relao baseada na confiana, e, no dia seguinte assinatura do acordo, Hitler disse a seus generais que planejava atacar a Polnia na primeira oportunidade. Munique o convencera da fraqueza dos poderes ocidentais e do fato de que as armas, os cavalos, o ouro e as terras da Tchecoslo- vquia reforariam em muito a capacidade do Exrcito alemo, permitindo que este aumentasse o equivalente a outras dez divises. No querendo se envolver precocemente numa guerra em que estava convencido de que a Gr-Bretanha e a Frana interviriam, o Duce fez com que Hitler o liberasse de suas obrigaes dos termos da aliana. Na ltima semana de agosto, porm, isso importava menos para Hitler do que poderia ter importado antes, pois ele j tinha chegado a um acordo extraordinrio com Stlin sobre a Polnia, no que talvez tenha sido a maior jogada diplomtica de sua carreira. O Pacto Molotov-Ribbentrop, que estabelecia a diviso do pas, pavimentou o caminho para a Alemanha invadir.

    Ao contrrio de Mussolini, Hitler acreditava que a Frana e a Gr-Bretanha ficariam de fora e tambm que a Polnia logo seria esmagada. Segundo todos os relatos, Hitler ficou realmente surpreso com a notcia de que os ingleses entrariam na luta. Mas, de uma forma ou de outra, ele acreditava como declarou em meados de agosto que a grande guerra deve ser travada enquanto ele e o Duce ainda so jovens.17No dia 22 de agosto, enquanto Ribbentrop voava para Moscou para assinar o pacto de no agresso, Hitler estava em sua fortaleza de Berchtesga- den fazendo um discurso para seus principais comandantes militares. Anotaes feitas na poca indicam exatamente o tipo de guerra que ele antecipava:

    Uma luta de vida e morte [...] A destruio da Polnia tem prioridade. O objetivo eliminar fras ativas, no alcanar uma linha definida [...] Darei uma razo propagandstica para comear a guerra, no importa que seja plausvel ou no. O vitorioso no ser interpelado depois se disse ou no a verdade. Quando se comea uma guerra, no a razo que importa, mas a vitria. Fechem seus coraes compaixo. Ajam com brutalidade. Oitenta milhes de pessoas podem obter o que lhes de direito. A existncia dessas pessoas tem de ser assegurada. O homem mais forte o que tem razo. A maior rispidez.18

    10 6

  • No dia l2 de setembro, com quase 2 milhes de soldados alemes atravessando a fronteira com a Polnia vindos do oeste, do norte e do sul, o Fhrer fez a seguinte proclamao:

    Para a Wehrmacht!O Estado polons rejeitou a regulamentao pacfica das relaes de vizinhana

    qe tentei conseguir e apelou para as armas. Os alemes na Polnia esto sendo perseguidos pelo terror sanguinrio e sendo expulsos de seu lar. Uma srie de violaes fronteirias, de natureza no tolervel para uma grande potncia, demonstra que os poloneses no esto mais querendo respeitar as fronteiras do Reich alemo. Para pr um fim a essa loucura, no h outro caminho para mim seno enfrentar a fora com a fora.

    Dentro do Reich, Goebbels vinha insuflando sentimentos antipoloneses, contando histrias assustadoras sobre o sofrimento dos alemes tnicos. Em 11 de agosto, ele declarou aos editores de jornais que "a partir de agora, a primeira pgina deve conter notcias e comentrios sobre as ofensas da Polnia ao Volks- deutsche e todos os tipos de incidentes que mostrem o dio dos poloneses a tudo o que alemo". Essa ofensiva propagandstica teve enorme impacto numa populao vida por recuperar as terras que haviam sido perdidas em 1918. Todos os dias os jornais nos apresentam novos relatos sobre o tratamento cruel dispensado aos alemes na Polnia, sobre as ameaas contra Danzig e comentrios vergonhosos e insanos feitos sobre o Reich por provocadores poloneses", escreveu um tenente. Nenhum de ns se surpreendeu, portanto, quando, no dia 25 de agosto, s seis horas da tarde, recebemos ordens de nos prepararmos para a partida." E um outro escreveu: O Volk regressa ao lar para o VoZfe". Onde esto aqueles que j quiseram estabelecer fronteiras ao redor desta terra? Onde esto aqueles que demonstraram dio e escrnio voz do povo e acharam que poderiam aprisionar as comunidades deslocadas de um povo nas correntes de Versalhes?"19

    No havia nada de especificamente nazista em enaltecer uma guerra para reparar as mgoas de Versalhes, pois a maioria dos alemes apoiava essa atitude. O que era caracterstico do regime e alis dos que apoiavam os militares era o extremismo de seus planos para transformar o conflito numa dura luta racial contra os poloneses. Manuais de treinamento apresentavam aos soldados um retrato negativo dos poloneses, e agora seus superiores confirmavam aquilo.

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  • Soldados da 21- Diviso! Isto pela honra e pela existncia da ptria, proclamou um general s vsperas da invaso.

    A Prssia Oriental est em perigo [...] Marcharemos pela antiga terra alem que nos foi arrancada pela traio de 1919. Nessas antigas regies do Reich nossos irmos de sangue sofreram uma assustadora perseguio! Este o espao vital do povo alemo.20

    O alto-comando do Exrcito no deve ter se surpreendido quando Hitler reescreveu as regras da guerra. Quando a invaso comeou, o comandante em chefe do Exrcito, general Von Brauchitsch, enfatizou que os civis no eram inimigos e que as tropas alems deveriam obedecer s provises da lei internacional. Embora tenha alertado para o fato de que sabotadores, partisans e franco- -atiradores poloneses teriam de ser enfrentados com firmeza, ele se mantinha coerente com a poltica militar da Primeira Guerra Mundial, o que inclua a priso de refns para garantir a obedincia da populao civil. Mas Hitler j havia emitido um sinal a seus comandantes superiores de que seus planos requeriam a aniquilao fsica da populao polonesa e que planejava eliminar milhares de membros da elite intelectual, social e poltica do pas. Incerto e com razo, como se verificaria quanto vontade do Exrcito de obedecer a tais ordens, ele pediu ss de Heinrich Himmler que as executasse.

    Como j fizera em campanhas anteriores, a ss reuniu os Einsatzgruppen, grupos de Operaes Especiais, muitos deles liderados por veteranos das guerras de fronteira de 1919. Oficialmente, sua fimo era assegurar a retaguarda do Exrcito, conduzir tarefas polticas e combater insurgentes. Mas suas instrues eram vagas e enervantes: depois de discusses com o Exrcito, ficou acordado que eles combateriam todos os elementos em territrio estrangeiro e na retaguarda das tropas em luta que sejam hostis ao Reich e ao povo alemo. Em meados de agosto, eles foram informados sobre atrocidades dos poloneses contra civis alemes e advertidos sobre planos de organizar uma resistncia por meio de organizaes secretas de sabotagem. (O movimento clandestino de Pilsudski na Primeira Guerra Mundial forneceu o modelo.) Para esvaziar essas organizaes preventivamente, o delegado de Himmler, Reinhard Heydrich, foi instrudo pelo prprio Fhrer a organizar a liquidao de vrios crculos da liderana polonesa, que chegavam aos milhares. Ao transmitir essas ordens aos seus ho

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  • mens, Heydrich enfatizou que a fora motriz do movimento de resistncia podia ser encontrada na intelligentsia polonesa e esmagada na medida em que, no contexto dessa luta, tudo era permitido. As leis da guerra ou qualquer interpretao delas estavam sendo deixadas para trs.21

    Tendo aprendido com as campanhas tchecas, o alto-comando do Exrcito exigiu completo controle de todas as foras na Polnia. Queria ser capaz de controlar a ss em particular, assim como os administradores civis que assumiriam o governo regional medida que a frente avanasse. Mas no logrou xito. A questo de saber se a ss e as unidades policiais que acompanhavam as tropas estariam inteiramente sob o controle do Exrcito continuava sem soluo. Embora tivesse muito cuidado para no antagonizar os generais, Heydrich viu a campanha da Polnia como uma oportunidade para demonstrar o valor da ss. A falta de confiana de Hider nos militares era tambm evidente: suas ordens pouco antes da invaso tornavam os administradores civis mais independentes dos militares que no passado. Tudo isso alimentou a apreenso dos militares e, embora a evidncia seja circunstancial, parece que a ansiedade sobre o que Hider tinha autorizado a ss a fazer levou o Exrcito a pedir novas reunies com Heydrich. Em 29 de agosto, eles finalmente assinaram os planos dos Einsatzgruppen para prender 30 mil poloneses.

    Invadida por trs lados e tendo se mobilizado muito tarde, a Polnia estava numa situao sem esperana: a Alemanha tinha duas vezes mais soldados e trs vezes mais tanques e aeronaves. Alm disso, havia mais de 800 mil soldados soviticos na fronteira leste do pas. Baseando sua estratgia na esperana de que os britnicos e franceses viessem em seu auxlio, os poloneses logo se desiludiram: nenhum dos dois parceiros planejava atacar a Alemanha durante o incio da invaso, esperando que a luta se estancasse na lama, como na guerra anterior. Desfrutando do domnio dos ares, a Luftwaffe bombardeou cidades e aldeias da Polnia e disparou em trens e contra colunas de refugiados. Mesmo assim, os poloneses se defenderam com obstinao e infligiram pesadas baixas aos alemes. Em 9 de setembro, o governo convocou uma resistncia armada geral, e, mesmo depois de as tropas se renderem, os civis continuaram a lutar, promovendo exatamente o tipo de combate irregular que sempre provocou as piores reaes dos soldados alemes. Pela primeira vez desde que Hider chegara ao poder, suas tropas se viram diante de um inimigo imprevisvel e muito determinado.

    O choque foi palpvel desde o incio. Teve incio uma difcil batalha com bandos [poloneses] [...] que s pode ser interrompida com o uso de medidas se

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  • veras", observava j em 3 de setembro o general da Intendncia Eduard Wagner. O problema do policiamento tornou-se ainda mais grave por causa da extraordinria velocidade do avano alemo: policiais uniformizados encontravam-se de repente numa zona de guerra, com a responsabilidade de pacificar" uma grande rea com pouca inteligncia ou preparao prvia. No mesmo dia, Himmler, o chefe da ss, emitiu uma ordem para que os insurgentes" fossem fuzilados onde estivessem".22

    Na verdade, nem os homens da ss nem os soldados chegaram a esperar por tais ordens, j que, desde o dia 2 de setembro, civis poloneses de todas as idades foram vitimas das tropas do front, s vezes como retaliaes por ataques de par- tisans, enquanto outros eram simplesmente assassinados, de forma aleatria. A pequena cidade de Zloczew foi uma das primeiras a sentir o que dezenas de milhares de outras sofreriam por toda a Europa nos seis anos seguintes: foi totalmente queimada, e cerca de duzentas pessoas foram mortas, inclusive crianas. Em outro caso, um investigador militar relatou que vinte poloneses, definidos como criminosos", haviam sido fuzilados sumariamente. Alguns dos mais clamorosos abusos foram investigados, pois o Exrcito ainda no estava acostumado a esse nvel de violncia, o que s aconteceria um ou dois anos mais tarde. Um soldado das tropas de assalto e um sargento da polcia foram presos pela polcia militar por terem matado cinqenta judeus. Porm, em vez de ser condenados pena de morte, receberam uma sentena leniente baseada em que, por causa das numerosas atrocidades cometidas pelos poloneses contra os alemes tnicos, eles estavam num estado de irritabilidade".23

    Essas atrocidades no eram puramente imaginrias. Na verdade, o tratamento dos poloneses aos alemes tnicos teve um papel importante para inflamar a guerra dos povos". Preocupados com organizaes clandestinas fundadas pelos nazistas e com suas milcias de 'legtima defesa", os poloneses fecharam muitas instituies culturais e religiosas alems depois da invaso da Tchecoslovquia, e, quando comeou a invaso da Polnia, a polcia prendeu entre 10 mil e 15 mil membros da minoria com base em uma lista previamente preparada e os despachou para as linhas de frente. Atacados pela populao polonesa e por soldados, entre 1778 e 2200 alemes morreram, alguns de exausto ou maus- -tratos, outros em fuzilamentos em massa.24

    Ao descobrirem evidncias dessas mortes, os invasores alemes foram levados a uma resposta ainda mais violenta. Em Bydgoszcz o caso mais notrio ,

    no

  • centenas de alemes locais foram mortos por conta de rumores de que franco- -atiradores estavam disparando em soldados poloneses. Entre setecentas e mil pessoas foram mortas, e alguns dos corpos estavam horrivelmente mutilados.25 Quando a infantaria alem entrou na cidade e os encontrou, os soldados prenderam milhares de poloneses, inclusive professores, padres, advogados, funcionrios pblicos e outros membros da intelligentsia, e qualquer pessoa apontada por um alemo local como envolvida em atividades antigermnicas era fuzilada imediatamente. Embora tenha sido estabelecida uma corte marcial na prefeitura da cidade para julgar os prisioneiros, ela logo foi descartada.

    O prprio Hitler ficou indignado com os relatos de que civis alemes haviam sido mortos no "Domingo Sangrento de Bydgoszcz e exigiu uma resposta mais firme. Nos dias que se seguiram, o Exrcito enviou mais de quinhentos prisioneiros ss para ser executados, e uma batida num dos bairros da cidade prendeu outros novecentos, dos quais 120 foram fuzilados nos bosques e campos ao redor. Cinqenta estudantes de uma escola local foram executados depois de um deles ter atirado num oficial alemo; o Exrcito fuzilou outros cinqenta "padres, professores, funcionrios pblicos, ferrovirios, funcionrios do correio e proprietrios de pequenos negcios. Novas instrues determinaram que qualquer civil encontrado de posse de uma arma deveria ser fuzilado no ato. Ao todo, estima-se que mil civis poloneses tenham sido mortos na cidade entre os dias 5 e 13 de setembro, chegando a 5 mil na regio.26

    Esse episdio, um dos mais violentos de toda a campanha, indica diversas motivaes para a brutalidade dos alemes durante a invaso. Muitos dos que foram mortos eram refns mantidos por diretrizes draconianas embora fossem padro entre os militares para ser fuzilados em retaliao. Foram vtimas do modo como a Wehrmacht combatia a guerrilha e no da polcia racial nazista, pois a Alemanha e as tropas dos Habsburgo tinham agido da mesma maneira em 1914 quando foram atacadas por guerrilheiros e franco-atiradores. Mas os soldados tambm se viam como vingadores numa guerra entre os povos alemo e polons. Acima de tudo isso, instrumental e dando o tom, estava o prprio Hitler. Foi o Fhrer quem insistiu para que os crimes dos alemes no fossem punidos e que uma violncia cada vez maior fosse a resposta para qualquer oposio polonesa.

    Houve sinais de inquietao entre os militares. De incio, a ordem de fuzilamentos imediatos dada por Himmler em 3 de setembro no era do conhecimen

    iii

  • to de muitos oficiais e acabou sendo rescindida. Mas os generais se preocupavam com a crescente falta de disciplina e com a brutalizao de seus homens. Como observou um chefe de diviso,

    os primeiros dias da guerra j mostraram que os soldados e parte dos oficiais sem experincia em guerras no foram instrudos, ou foram mal treinados [...] O nervosismo instintivo e a insegurana e os correspondentes fuzilamentos e atos incendirios envergonham a disciplina e a reputao do Exrcito, destroem desnecessariamente quartis e provises e levam a dificuldades para a populao que sem dvida poderiam ter sido evitadas.27

    Alguns comandantes comeavam a perceber quanto eram extremas as intenes de Hitler para com os poloneses e a se preocupar com a reputao do Exrcito e com o possvel impacto no tratamento dos soldados alemes por exrcitos estrangeiros no futuro caso eles se envolvessem numaexterminao tnica [volks- tmliche Ausrottung]. Mas no conseguiram o apoio de seus superiores. No dia 7 de setembro, Heydrich emitiu ordens secretas aos seus esquadres da morte determinando que a liquidao dos lderes poloneses deveria ser completada at o incio de novembro. Cinco dias depois, quando ele tentou acelerar a matana da nobreza, do clrigo catlico e dos judeus, o almirante Canaris, comandante da Abwehr, expressou seu horror. Por esses mtodos o mundo responsabilizar a Wehrmacht, sob cujos olhos essas coisas estariam acontecendo, preveniu o general Wilhelm Keitel, chefe do alto-comando das Foras Armadas. Mas o complacente Keitel respondeu simplesmente que a poltica era de Hider e que, se o Exrcito no quisesse se envolver, a misso seria confiada ss e aos administradores civis que a sucedessem. Depois de outras reunies, inclusive uma entre o general Brauchitsch e o Fhrer, Brauchtisch disse aos seus comandantes seniores de campo que os Einsatzgruppen haviam sido instrudos para conduzir certas tarefas tnico-polti- cas nas reas ocupadas, de acordo com diretrizes do Fhrer, e que estas permaneciam fora das responsabilidades dos comandantes locais. As mais altas patentes do Exrcito simplesmente lavaram as mos a respeito de tudo aquilo.

    Era tudo o que o Fhrer queria. No incio de outubro, Hider decretou uma anistia geral para todos os soldados alemes condenados por crimes durante a invaso uma medida sem dvida corretamente interpretada como uma luz verde para futuras severidades por parte das tropas. Seu ajudante de ordens observou

    112

  • que ele estava cansado do "sentimentalismo moroso da Wehrmacht; depois criticou o general Von Blaskowitz, comandante militar da Polnia, por sua "atitude infantil ao decretar punies rigorosas para homens da ss por crimes de guerra e ao se queixar abertamente contra graves violaes de normas internacionais.28

    Em meio violncia, o formato do faturo que a Polnia esperava demorou a se delinear. Como um intrprete do Fhrer observou mais tarde: "Os nazistas continuavam falando sobre um Reich de 2 mil anos, mas no conseguiam pensar cinco minutos frente!. O rpido avano da Wehrmacht fez com que, j no dia 8 de setembro, unidades alems tivessem tomado o corredor, chegando periferia de Varsvia e isolando um grande nmero de foras polonesas ao redor de Poznan. Porm, em meados de setembro, com Varsvia ainda resistindo e com Mussolini forando um acordo negociado, Hitler e seus assessores hesitavam diante dos inmeros cenrios possveis. Um deles era a chamada "quarta partio entre a Alemanha e a Unio Sovitica; outro era permitir a existncia de um pequeno e enfraquecido Estado polons depois da anexao de seus territrios ocidentais pela Alemanha; e um terceiro era dividir at mesmo esse pequeno Estado (na verdade, era a soluo tcheca) e estabelecer um pequeno Estado ucra- niano no sudeste da Polnia. Mas todas essas propostas encontravam dificuldades do ponto de vista alemo, e no havia esperana de esta ltima ser aprovada por Stlin. (Tendo j fechado a questo polonesa, a ltima coisa que Stlin queria era reabrir o caso da Ucrnia.)29

    O fator russo acabou sendo decisivo. Alarmado com a facilidade do avano alemo, o Exrcito Vermelho marchou sem cerimnia para o leste da Polnia a meio caminho da invaso alem, fazendo uma desagradvel surpresa com a velocidade de sua ocupao. Tropas soviticas e alems se encontraram ao longo da linha demarcatria, quase sempre de forma pacfica, e em Brest-Litovsk, o local do momento triunfal alemo vinte anos antes, eles organizaram uma parada em conjunto para comemorar a vitria antes que a Wehrmacht se retirasse. Mas agora o Exrcito Vermelho estava prximo demais e causava intranqilidade. Hitler continuava segurando um ramo de oliveira para os britnicos, e os italianos tambm queriam que ele tratasse a Polnia de uma forma que no exclusse uma soluo diplomtica com Londres e Paris. Em 19 de setembro, num discurso surpreendentemente moderado, Hitler enfatizou que "nossos interesses so de natureza muito limitada e elogiou "o soldado polons, ainda que lamentando o assassinato de "milhares de Volksgenossen chacinados.

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  • Por outro lado, Stlin no queria a sobrevivncia de nenhum Estado polons. Ademais, ofereceu aos alemes territrios adicionais no leste da Polnia, ao redor de Lublin, em troca do reconhecimento da Litunia dentro de sua esfera de influncia, e isso era atraente para os alemes, que comearam a pensar naquilo como uma possvel "reserva para os judeus. Quando setembro chegou ao fim sem sinais de interesse britnico num acordo, as conversas privadas de Hitler sugeriam um resultado abrangente. A Polnia desapareceria do mapa, e o territrio sob controle alemo seria dividido em trs zonas etnicamente homogeneizadas, com os poloneses no meio servindo como amortecedor entre os territrios expandidos do Reich a oeste e uma pequena reserva judaica na fronteira sovitica:

    1. Entre o Vstula e o Bug: isso seria para todos os judeus [tambm os do Reich], assim como para todos os outros elementos no confiveis. Construir uma inexpugnvel muralha no Vstula ainda mais forte que a do Oeste. 2. Criar um largo cordo territorial ao longo da antiga fronteira a ser germanizado e colonizado. Isso seria uma grande tarefa para toda a nao: criar um celeiro alemo, um campesinato forte, para reassentar bons alemes de todo o mundo. 3. Entre eles, uma espcie de Estado polons.30

    Assim, o oeste da Polnia se tornava um setor crucial para a expanso do Reich. A Alemanha recuperaria as antigas terras da Prssia e muito mais, podendo povo-las com colonos. Poloneses "racialmente valiosos seriam germanizados, enquanto "os encrenqueiros entre "os intelectuais poloneses seriam eliminados. "Num perodo de trinta anos, comentou seu ajudante de ordens, Hider queria que "o povo atravessasse o pas e no se lembrasse de que houvera um tempo em que essas regies tinham sido tema de disputas entre alemes e poloneses.31

    Essa tarefa assassina que ia bem mais longe do que se pedira de conivncia durante a prpria invaso era nitidamente algo com que o Exrcito no queria se associar. A Wehrmacht manteve uma forte presena na Polnia, particularmente auxiliando a esmagar as ltimas resistncias espordicas e guarnecendo a divisa com a Unio Sovitica. Mas a administrao da ocupao foi posta nas mos de civis fora da cadeia de comando militar, e a prpria Polnia Ocidental foi preparada para a anexao. Demorou mais de um ms para Hider e seus assessores decidirem at onde iria o papel da Alemanha alm das fronteiras da velha Prssia. Os mais sensatos se preocupavam com a ocupao de terras habi

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  • tadas por uma maioria polonesa: eles temiam que fosse difcil demais germaniz- -las. Por outro lado, vrios Gauleiters das regies fronteirias queriam expandir seus feudos, enquanto Goering exigia um fcil acesso cidade industrial de Ldz. E havia ainda razes estratgicas para empurrar as fronteiras da Alemanha para muito alm do leste tambm. Afinal, depois de discusses que ocuparam a maior parte de outubro, Hitler decretou uma nova fronteira cortando fundo a Polnia pr-guerra. O destino de Ldz foi decidido depois de uma visita feita cidade por Himmler, Goebbels e o ministro do Interior, Wilhelm Frick. Dois novos Reichs- gaue foram estabelecidos um ao redor da cidade de Danzig e outro afinal incluindo Poznan e Ldz , e as fronteiras das provncias da Alta Silsia e da Prssia Oriental foram ampliadas. Era a fantstica verso expandida de Hitler do projeto da muralha fronteiria da Primeira Guerra Mundial. Claramente ele no receava o desafio frente: no territrio a ser anexado ao Reich viviam 8,9 milhes de poloneses, 603 mil judeus e apenas 600 mil alemes.32

    Para germanizar essas terras conquistadas o mais depressa possvel, Hitler passou por cima do Exrcito e dos ministros civis e escolheu camaradas do partido que s respondiam a ele. Dois eram ferrenhos rivais que haviam organizado a mquina de guerra nazista antes de Danzig: Albert Forster, o Gauleiter do partido na regio, e Arthur Greiser, que rumou para o sul a fim de estabelecer um novo quartel-general em Poznan. Greiser estava ansioso para se mostrar digno de seu prestigioso novo cargo e, no menos importante, por ter ingressado relativamente tarde no Partido Nazista e, muito pior aos olhos de Hitler, por j ter sido maom e adotou o programa do Fhrer. "Ele liquidava os intelectuais poloneses sempre que achava justificado, confidenciou Hitler a um de seus ajudantes, aprovando a medida. "Eles nos mataram primeiro, e no se deve fugir da tarefa se for para se livrar de encrenqueiros.33

    Parece que Hitler ainda tinha a esperana de persuadir os poderes ocidentais de que o governo alemo na verdade traria estabilidade Europa Oriental. Em 6 de outubro, um dia depois de sua triunfal visita s runas bombardeadas da recm-conquistada Varsvia, o Fhrer fez um longo discurso de vitria para o Reichstag. Ainda falando em termos de um enfraquecido Estado polons (Rest- staat) embora fosse apenas pro form a , Hider insistiu em que as prioridades estabelecidas por Berlim teriam de ser cumpridas: fronteiras alems estveis, uma nova ordem econmica e, o mais importante de tudo, "um rearranjo de nacionalidades para pr fim a "uma causa de persistente atrito internacional.

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  • Para quem o ouvisse, ele s queria aperfeioar o Tratado de Versalhes e trazer a paz Europa Oriental. As revises do Tratado de Versalhes que eu implementei, continuou, no provocaram caos na Europa. Ao contrrio, constituram pr-requisitos para a criao de condies ntidas, estveis e acima de tudo tolerveis ali. Levantando a possibilidade de uma conferncia de paz com a Inglaterra, ele enfatizou que a Alemanha e a Rssia estavam estabilizando essa zona de inquietao. Para o Reich alemo, essa misso, que no pode ser considerada imperialista, representa uma ocupao por cinqenta a cem anos [...] No final, tudo isso beneficia a Europa.34

    Era uma concepo muito bizarra do que os britnicos considerariam algo tranquilizador. Da maneira como as coisas estavam, eles no confiavam em nada que Hitler dissesse, e deixaram claro que no estavam interessados em nenhum tipo de acordo. Qualquer possibilidade de entendimento agora desapareceu", observou o ministro do Exterior italiano, Ciano, num estado de esprito sombrio. Havia duas conseqncias imediatas. Primeiro, Hitler se preparava para uma ofensiva contra a Frana; segundo, estava tomando uma atitude a respeito da Polnia. No dia seguinte ao de seu discurso, ele encarregou Himmler de uma nova tarefa: reforar a germanidade trazendo alemes tnicos de volta para o Reich de forma que pudessem ser reassentados nos territrios recm-conquista- dos. A Polnia acabou, declarou o ministro da Propaganda, Goebbels (que estava entre os mais anti-Polnia dos ministros de Hitler), em 10 de outubro. Ningum mais fala sobre uma restaurao do velho Estado polons. Hitler criou um Estado debilitado conhecido como Governo-Geral, sob o comando de seu ex-advogado particular, Hans Frank, na parte do pas entre Varsvia e Cracvia que no estava programada para a anexao. No final de outubro, quatro meses antes do planejado, a Polnia ocupada pela Alemanha encontrava-se totalmente sob controle civil. Os militares so muito moles e conciliadores, escreveu Goebbels em seu dirio, acrescentando mais tarde uma conversa com Frank: [Eles] esto tentando uma poltica burguesa covarde, e no uma poltica racial. Mas Frank vai seguir seu caminho. O alto-comando do Exrcito ficou feliz em lavar as mos em relao Polnia e voltar sua ateno futura ofensiva ocidental.35

    Embora os alemes tambm tivessem estabelecido um governo-geral na Polnia durante a Primeira Guerra Mundial, este no servia de modelo para o que Hitler tinha em mente. Havia toda a diferena do mundo entre uma ocupao tradicional, socialmente conservadora e conduzida de acordo com os princ

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  • pios das leis da guerra, e a verso muito mais violenta dos nazistas, voltada para mudanas sociopolticas e demogrficas radicais para durar "cinqenta ou cem anos". O governador-geral do Kaiser era um militar, o general Hans von Beseler, enquanto Hans Frank era um arrivista partidrio. Von Beseler estabeleceu uma assembleia de aristocratas poloneses e prometeu uma forma de independncia ao pas; Frank presidia os assassinatos em massa da elite polonesa e representava a alternativa a qualquer tipo de autonomia. Os poloneses seriam convertidos numa desinformada fora de trabalho escravo para os alemes e no precisariam de seus prprios polticos no futuro. "O Fhrer no tem inteno de assimilar os poloneses", escreveu Goebbels. "Eles devem ser isolados em seu Estado truncado e deixados por conta prpria [...] Ns conhecemos as leis da hereditariedade racial e podemos lidar com as coisas de forma adequada." Uma rgida demarcao racial apoiada numa base "cientfica" apropriada era, de acordo com os nazistas, a nica maneira de chegar a uma "paz perptua" entre os dois povos.36

    Esse destino funesto, porm, era dirigido mais especificamente aos poloneses que aos eslavos como um todo. Apesar da retrica nazista, na teoria, e cada vez mais na prtica, cientistas raciais e assessores polticos faziam distino entre diferentes grupos de eslavos. Os eslovacos tinham permisso de se autogovernar, e at mesmo o Protetorado da Bomia-Morvia era governado pelos alemes atravs de uma burocracia tcheca e um presidente tcheco decorativo algo negado aos poloneses. "Os princpios conferidos ao espao da Bomia-Morvia no podiam ser aplicados ao espao polons por causa do descontrole do carter polons, que se revelou claramente durante a campanha polonesa como um elemento que exige um mtodo de dominao diferente", explicou mais tarde um jornalista alemo na Polnia. Em outras palavras, a fora da resistncia polonesa durante a invaso foi decisiva na precluso da soluo poltica tcheca na regio. Mas difcil imaginar que os alemes chegassem a tratar os poloneses da forma como tratavam os tchecos, tendo em vista as dcadas de rixas sangrentas entre eles.37

    Ainda que depois da derrota da Polnia alguns integrantes da ss tenham brincado com a ideia de fuzilar tambm a intelligentsia tcheca, isso nunca foi explorado sistematicamente. Em novembro de 1939, prises em massa de acadmicos foram efetuadas tanto na Cracvia como em Praga, e muitos milhares foram mandados a campos de concentrao. As universidades dos dois pases foram fechadas por tempo indeterminado, de acordo com a deciso nazista de eliminar a educao superior em toda a Europa Oriental. Em Praga, no entanto,

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  • Von Neurath se fez ouvir por Hider enquanto tomava uma atitude mais moderada. Ele era um conservador da velha guarda, no um nazista, e Hitler se contentou em permitir que fizesse o que quisesse para manter a paz poltica e as fbricas funcionando. O governo conseguiu continuar financiando a Academia de Artes e Cincias da Tchecoslovquia, e as raes tchecas continuaram igualmente generosas, se no ainda mais generosas que as do prprio Reich. Greves parciais foram sufocadas com banhos de sangue relativamente pequenos. Quando visitou o Protetorado, Hans Frank percebeu com surpresa que

    havia cartazes vermelhos em Praga anunciando que hoje sete tchecos foram fuzilados. Eu disse a mim mesmo: se eu fosse pendurar um cartaz para cada sete poloneses fuzilados, nem todas as florestas da Polnia seriam suficientes para produzir o papel necessrio para esses cartazes.38

    Como sugere esse comentrio, o destino do Govemo-Geral era muito mais sombrio. A primeira nova "colnia alem seria governada a partir de Berlim mais um exemplo de como a guerra e a conquista estavam expandindo o alcance do poder pessoal do Fhrer e encolhendo o alcance do que um estudioso chamou de "mundo conceituai jurdico da administrao alem. Como escreveu um jornalista do partido, era "um tipo totalmente novo de unidade administrativa dentro da rea protetora do Grande Reich alemo. O advogado da ss Wemer Best, fundador do Gabinete Central de Segurana do Reich (r s h a ) , que deveria coordenar a poltica de segurana do sempre crescente imprio nazista, via o Govemo- -Geral como "o primeiro constituinte bsico num novo Grossraum continental. O prprio Frank ambicioso, inteligente, histrinico e profundamente corrupto estabeleceu seu minigovemo na Cracvia com suas prprias reunies de gabinete, ministros e secretrios de Estado. Ficou logo conhecido, de forma irreverente, como "o Rei da Polnia, e seus domnios eram chamados de Frankreicli.39

    s vezes Frank referia-se ao Govemo-Geral como "um protetorado, uma espcie de Tunsia, e em outras como uma "reserva de vida para "o povo polons. Mas o prprio termo Polnia deveria desaparecer, e qualquer referncia aos "territrios poloneses ocupados como ficaram conhecidos em setembro era desencorajada para que isso no sugerisse que o pas gozava de uma meia- -vida legal. A teoria internacional de ocupao militar, tal como surgira durante o sculo anterior, havia claramente estabelecido a natureza provisional da auto

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  • ridade de ocupao de'um povo e afirmava a continuao da soberania do inimigo derrotado; s um tratado de paz do ponto de vista formal teria o poder de transferir a soberania de um Estado para outro. Por isso o Ministrio das Relaes Exteriores aconselhava cinicamente que se descartassem quaisquer referncias aos "territrios ocupados" no ttulo do Governo-Geral, pois isso poderia implicar compromissos legais "com os quais sem dvida no queremos estar ligados".

    Os advogados do Exrcito foram os mais relutantes em descartar as normas legais internacionais. Em meados de abril de 1940, durante os preparativos para a guerra no Oeste, o Comando Supremo das Foras Armadas ( o k w ) perguntou se a Polnia ainda existia de ju re uma questo relacionada ao tratamento de quaisquer prisioneiros poloneses que pudessem ser capturados na Frana. O Ministrio das Relaes Exteriores respondeu que no: a guerra com a Polnia havia terminado com a deciso de Hitler de encerrar a administrao militar no pas. Tratados com a Unio Sovitica e com a Eslovquia referiam-se ao "at ento existente Estado polons" ou ao "ex-Estado polons". Os suecos, que aceitaram proteger os interesses dos poloneses, foram duramente informados de que a Polnia no existia mais. Mesmo assim, os diplomatas no se sentiam muito confiantes na proposta, pois pediram que seus pareceres no fossem divulgados publicamente.40

    Depois da queda da Frana, com a perspectiva de mais ocupaes militares pairando no Norte e no Oeste da Europa, os advogados voltaram ao tema. Na Academia de Direito da Alemanha, tradicionalistas atreviam-se a argumentar que a anexao unilateral do territrio polons e a subsequente ocupao do Govemo-Geral eram ilegais. Outros discordavam, seguindo a linha nazista de que o Fhrer fazia as leis. Os que ficavam em cima do muro sugeriam com prudncia que o status legal preciso do Governo-Geral ainda no estava claro. Mais uma vez foi recomendado que no se usasse referncia alguma aos "territrios ocupados" no ttulo do Governo-Geral, por temor de que comparaes prejudiciais fossem extradas a partir do tratamento mais convencional dado aos franceses e aos belgas sob a Wehrmacht. Como resultado, ao se reunir com Frank em Berlim pouco depois da queda da Frana, Hitler exigiu a mudana do ttulo e, a partir do vero de 1940, a Polnia alijada ficou conhecida simplesmente como "o Governo-Geral". Hitler disse a Frank que dessa forma ficaria claro que o territrio do Governo-Geral permaneceria sendo parte do "territrio do Reich alemo [deutsches Reichsgebiet]" para sempre. A Polnia tinha desaparecido.41

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  • 4. A partio da Polnia

    A guerra atual oferece Alemanha a oportunidade, talvez pela ltima vez

    na histria mundial, de assumir decisivamente sua misso colonizadora no

    Leste [...] Ela no deve se deixar dissuadir por palavras; em vez disso, deve se engajar com ao decidida; isso [nos] exigir, no devido tempo, que nos acostumemos ideia de um reassentamento de grandes massas de pessoas.

    \

    Essas sentenas poderiam facilmente ter sido escritas em 1939 ou 1940. Mas na realidade fazem parte de um conjunto muito mais antigo de planos elaborado em 1915 sob o ttulo "Terra sem Homens (Land ohne Menschen) a estratgia concebida em Berlim durante a guerra para empurrar a fronteira racial entre alemes e eslavos para o leste e criar um muro de agricultores alemes em territrio polons. Como vimos, essa era uma ideia que atraa muitos dos responsveis pela formulao das polticas alems e muitos intelectuais e planejadores, e s a derrota impediu sua concretizao.1

    Os nazistas, portanto, no foram os primeiros nacionalistas alemes a pensar em solues radicais para resolver o problema polons mediante colonizao e expulso. Mas os funcionrios do Terceiro Reich no buscaram muita inspirao nesses debates anteriores para planejar o que fariam uma vez que a Polnia

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  • fosse derrotada. Era evidente que antigos territrios prussianos seriam reincor- porados ao Reich. Mas o que fazer com suas populaes majoritariamente polonesas? E o que fazer tambm ante a sbita deciso do Fhrer de anexar uma enorme extenso de terras que jamais pertencera Prssia (uma deciso que dobrava imediatamente o nmero de poloneses includos na nova fronteira alem)? Antes da guerra, alguns especialistas acadmicos haviam especulado sobre como melhorar os poloneses libertando-os da dominao judaica. Mas tal poltica era demasiado pr-polonesa para o que Hitler tinha em mente. Ele queria destruir completamente a classe dirigente polonesa, e seus debates em agosto e setembro concentravam-se na faxina poltica necessria para alcanar esse objetivo. Como resultado, aproximadamente 50 mil poloneses e 7 mil judeus foram executados durante a invaso. Mas no havia um plano ou assim parecia sobre o que fazer com os milhes de habitantes poloneses que restavam, nem o que mais surpreendente para identificar os colonos alemes que deveriam chegar para constituir o novo muro fronteirio contra eles. Era como se, em comparao com o entusiasmo com que Hitler e seus colegas haviam planejado os aspectos destrutivos de suas tarefas, tudo o mais pudesse meramente ser deixado para se resolver por si mesmo.2

    Embora os nazistas se recusassem firmemente a enfrentar o fato, o dficit demogrfico fundamental continuara o mesmo por ao menos um sculo. Simplesmente no havia alemes em nmero suficiente dispostos a ser reassentados em territrio polons. Esse problema era especialmente agudo para os nazistas, dados seu extremado racismo biolgico e sua averso ideia de transformar poloneses em alemes por meio de assimilao cultural. De acordo com estimativas polonesas, mais de 90% da populao nos territrios anexados pelo Reich era polonesa (as estimativas nazistas eram s um pouco mais otimistas). Para piorar as coisas, os alemes estavam migrando para o oeste em nmeros cada vez maiores, mudando no apenas dos territrios poloneses do entreguerras como tambm dentro do prprio Reich. Em 1937-8, a emigrao alem dos territrios do leste da Prssia disparou, e semelhantes tendncias migratrias podiam ser observadas na Silsia, na Baviera e, ironicamente, at mesmo nos Sudetos. Do ponto de vista do regime, a conquista ocorreu bem a tempo de impedir que os prprios alemes trassem o interesse nacional com seu abandono das terras de fronteira.

    Quanto s comunidades tnicas alems que viviam alm das fronteiras do Reich, a poltica nazista depois de 1933 tinha sido a de mant-las onde estavam e

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  • us-las, quando desejado, como quintas-colunas; a alegada preocupao de Berlim com os problemas enfrentados pelas grandes minorias na Europa Central permitia que se intrometesse nos assuntos hngaros e romenos. Mas tambm impossibilitava o reassentamento das minorias no oeste da Polnia. Apenas num nico caso diplomaticamente delicado essa poltica no foi seguida. Depois que o Anschluss levou o Reich at a fronteira com a Itlia, Hitler estava ansioso para assegurar a Mussolini que no pretendia usar a minoria alem na Itlia contra ele, e em 1938 deu incio a negociaes com Roma para "transferi-la" ao Reich. Um acordo bsico foi assinado em junho de 1939 um elemento central para consolidar a aliana do Eixo e Himmler foi encarregado de repatriar o primeiro grupo de 9 mil a 10 mil cidados do Reich alemo enquanto prosseguiam as negociaes sobre o destino dos demais, que eram em sua maioria antigos sditos dos Habsburgo.3

    As conversaes com a Itlia se arrastaram, e os nmeros envolvidos no eram altos, mas criaram um precedente. E s poucos meses mais tarde a ideia de repatriar sistematicamente os alemes tnicos ganhou uma urgncia inteiramente nova, graas ao Pacto Molotov-Ribbentrop e invaso sovitica no leste da Polnia. Isso provocou nervosismo nas repblicas blticas, especialmente porque Moscou comeava a exigir que suas tropas estacionassem ali tambm. Os aterrorizados lderes alemes no Bltico temiam cair nas mos no Exrcito Vermelho e lembraram a Himmler os massacres perpetrados pelos bolcheviques em Riga no fim da Primeira Guerra Mundial. Em meio a uma atmosfera de quase pnico em Berlim, Hitler decidiu fazer arranjos para que eles fossem "trazidos de volta para casa, para o Reich", ainda que apenas para assegurar que no houvesse conflito com os russos. Assim, somente um ms depois de sua momentosa primeira visita a Moscou, Ribbentrop foi enviado outra vez para organizar esse procedimento. Graas aos soviticos ou, mais exatamente, ao medo que os alemes do Bltico tinham deles , um novo suprimento de colonizadores para o oeste da Polnia havia sido repentinamente encontrado. O regime tentou fingir que tinha planejado tudo aquilo, quando na verdade estava apenas reagindo aos acontecimentos.4

    No incio de outubro, navios alemes partiram para os portos blticos de Riga, Tallinn e Liepaja. Ainda estavam a caminho quando Hitler fez seu discurso de "oferta de paz" no Reichstag. Mas, luz desses eventos, podemos ver que suas palavras reconfortantes no eram dirigidas apenas a Londres. Sua afirma

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  • o de que os "fragmentos da nao alem" seriam retirados do Leste e do Sudeste da Europa e levados de volta ao Reich para evitar novos conflitos tambm se destinava claramente a tranqilizar Stlin e evitar um choque desnecessrio com a Rssia.

    Os primeiros navios atracaram em portos blticos em 7 de outubro para repatriar todos os alemes que desejassem partir, no mesmo dia em que Himm- ler foi nomeado chefe do Comissariado do Reich para o Fortalecimento do Povo Alemo (r k f d v ). "As conseqncias do Tratado de Versalhes na Europa agora esto abolidas", comeava o decreto que o nomeou. "Como resultado, o Grande Reich alemo agora pode trazer e assentar, em seu territrio, alemes que at aqui eram obrigados a viver no estrangeiro, e pode tambm providenciar o assentamento de grupos populacionais em sua esfera de interesse de modo a separ-los uns dos outros de forma mais adequada. Esse foi o verdadeiro comeo da nova poltica populacional para a Polnia ocupada. No havia um grandioso plano mestre; foi simplesmente uma resposta impulsionada pelo pnico a uma crise regional, algo que o regime depois apresentou de maneira distinta, como uma iniciativa poltica importante. Mas Himmler conseguiu converter isso brilhantemente em uma forma de expandir o poder da ss na Polnia e em outros lugares. Em muitos sentidos, esse foi o comeo real da transformao da ss num Estado dentro do Estado durante a guerra.5

    A r k f d v tinha trs tarefas: supervisionar a repatriao dos alemes tnicos vindos do estrangeiro; manter poloneses e judeus da Polnia ocupada sob vigilncia para "eliminar sua "influncia daninha; e, expulsando-os em nmero suficiente, permitir o reassentamento dos alemes que chegavam, especialmente aos territrios do Oeste. Comeando nos Estados blticos, no leste da Polnia e na Rssia para evitar choques com o aliado sovitico da Alemanha, o programa de reassentamento cresceu sob a liderana de Himmler at se transformar num vasto projeto de engenharia populacional que terminou expulsando centenas de milhares de poloneses e judeus de suas casas no oeste da Polnia, alimentando a dinmica que levou ao genocdio, ao mesmo tempo em que trazia centenas de milhares de alemes tnicos como colonos. Aos nazistas pouco importava que os recm-chegados especialmente os da Rssia mal falassem o alemo, vestissem roupas esquisitas e tivessem dentes "catastroficamente ruins, raquitismo e alto grau de senilidade prematura: eles eram alemes, pareciam ter preservado sua pureza racial e podiam ser usados para colonizar "o Leste recm-recupera-

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  • do. Num discurso no dia 6 de outubro, Arthur Greiser, o Gauleiter da nova provncia do Warthegau, resumiu a misso que acabara de receber de Hitler:

    Em dez anos, no haver um pedao de terra que no seja alemo; todas as propriedades pertencero a colonos alemes. Eles j esto chegando de todas as provncias do Reich, dos Estados blticos, da Litunia, da Romnia, da Rssia e do Tirol para se fixar nesta regio. Eles vieram para c, todos e cada um, para travar uma luta impiedosa contra o campesinato polons.6

    Nos Estados blticos, agentes alemes pintavam um panorama cor-de-rosa do que estava por vir para aqueles que embarcassem para o Reich. Textos de propaganda descreviam granjas asseadas, mas aparentemente desabitadas, que esperavam seus novos proprietrios. Na realidade, os que aguardavam a repatria- o no eram enganados, e vrios deles sabiam muito bem que os poloneses estavam sendo expulsos para lhes abrir espao. Seu motivo para partir no era o comprometimento com a causa nazista, mas o medo de ficar ali caso os soviticos tomassem o poder. Chegar a um acordo sobre as reivindicaes econmicas dos governos blticos levou algum tempo, e pelo menos 7 mil alemes recusaram-se categoricamente a partir. Mas a maioria estava ansiosa para ir embora e fez isso no intervalo de dois meses. O terror diante da aproximao do domnio sovitico fez com que muitos letes e estonianos tambm se candidatassem a partir, muitas vezes alegando que possuam famlia ou outras conexes alems. O terror era ainda maior entre os alemes da Volnia que viviam no leste da Polnia. Muitos haviam sido deportados pelas autoridades tsaristas durante a Primeira Guerra Mundial e estavam familiarizados com as deportaes ocorridas nas zonas fronteirias soviticas nos anos 1930. Quando se anunciou que tambm seriam reassentados, eles ficaram felicssimos. No momento em que os primeiros grupos partiram, no final de dezembro, trs meses de governo sovitico s haviam aumentado seu desejo de ir embora. De fato, muitos no alemes incluindo poloneses, ucranianos e at judeus arriscaram a vida implorando que fossem includos nesses comboios: uns poucos ucranianos e poloneses foram aceitos. Judeus, no.7

    Os navios provenientes do Bltico atracaram nos portos da Prssia Ocidental em meados de outubro, onde bandas tocavam e discursos celebravam a "volta para casa dos recm-chegados. Enquanto equipes da Juventude Hiderista acena

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  • vam bandeiras para saud-los, expulses "selvagens rapidamente abriam espao nos apartamentos a eles destinados, pondo para fora os proprietrios poloneses. As vtimas tinham pouco tempo para juntar suas coisas e s eram autorizadas a levar uma nica mala, uma muda de roupa, um pouco de comida e duzentos zltis* cada. Expulsa de Gdynia, a senhora J. K. recorda que os policiais alemes que lhe deram poucas horas para partir disseram "que, alm de me aprontar, eu tinha de varrer o apartamento, lavar os pratos e talheres e deixar as chaves nos armrios para que os alemes que iam viver na minha casa no tivessem nenhum problema. Ela e outras pessoas na mesma posio foram ento transportadas para o Governo-Geral em vages nos quais tinham apenas palha para se aquecer.8

    Os poloneses foram as principais vtimas desse programa de despejo e expulso. Mas isso tambm mudou o destino dos judeus da Polnia. Desde a invaso, eles eram rotineiramente escolhidos para sofrer castigos e humilhaes. Lojas e residncias judias eram alvo dos soldados alemes que passavam por elas, e os oficiais da Gestapo foravam os judeus a "limpar praas e ruas como expia- o por sua presena contaminadora. O Terceiro Reich transformara jovens recrutas alemes em ardentes antissemitas que gostavam de ridicularizar publicamente esses "inimigos da raa, raspando-lhes a barba ou esmurrando-os quando estes no os saudavam com a devida rapidez. Apesar da onda de violncia antiju- daica organizada que se desatou na Polnia antes da guerra, muitos poloneses levaram um tempo para entender o novo esprito e perceber quem o endossava. "Todas as brutalidades devem ser toleradas, disse um major alemo a um novo grupo de policiais recrutas poloneses em outubro de 1939, pois haviam sido ordenadas "pelas altas instncias.9

    No obstante, a conquista da Polnia complicou imensamente as tarefas dos "especialistas em judeus do Reich. Entre 1933 e 1939, suas polcias de emigrao forada haviam derrubado mais da metade da populao judaica do Reich, indo de 503 mil para 240 mil. E, embora as conquistas de 1938 e 1939 tivessem incorporado novas reas de assentamento judaico s suas reas de responsabilidade 180 mil judeus na ustria, 85 mil na antiga Tchecoslovquia , a mesm