adolf hitler - 1

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Sumrio1. Quando criana.........................................................................................................2 2. O desocupado...........................................................................................................5 3. Um cabo de exrcito................................................................................................10 4. O agitador................................................................................................................13 5. O revolucionrio......................................................................................................17 6. De prisioneiro a chanceler.......................................................................................22 7. Finalmente Fhrer...................................................................................................26 8. A construo do Imprio.........................................................................................33 9. O vitorioso: holocausto e conquistas......................................................................39 10. O fim do III Reich...................................................................................................47 Fonte............................................................................................................................52

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ADOLF HITLER

1. Quando crianaEm setembro de 1908, um rapaz entrou no magnfico edifcio da Academia de Belas-Artes de Viena. Ele sabia que as exigncias para ser aceito como aluno da escola eram grandes - principalmente porque j tentara ingressar nessa famosa instituio no ano anterior e no conseguira. Dos 112 candidatos que haviam participado do teste com ele apenas 27 foram aceitos. O jovem no era um artista de todo ruim, como provam suas pinturas remanescentes, mas nunca fizera nada de original, nem demonstrara grande criatividade. Era capaz de copiar fotografias ou gravuras e fazer desenhos precisos dos edifcios pblicos de Viena. No entanto, em 1907, seus testes haviam sido considerados "insatisfatrios", criticados no s por no inclurem suficientes figuras humanas, como tambm por no retratarem tais figuras nas propores corretas. Aps esse revs inicial, o rapaz trabalhara com afinco para melhorar sua arte e chegara a tomar aulas particulares de desenho. Muita coisa dependia de sua entrada na escola. Dissera famlia, quando estivera na pequena cidade onde vivia sua me viva, que estudava na Academia e que se mantinha com uma penso estatal para rfos, qual tinha direito por ser um estudante de tempo integral. Agora, precisava justificar sua vida em Viena. Saiu-se ainda pior na Segunda tentativa. O diretor da escola impressionou-se to pouco com os novos desenhos que nem lhe permitiu participar dos testes escritos. Sugeriu que tentasse a Escola de Arquitetura, j que gostava tanto de desenhar edifcios. "Voc nunca ser um pintor", disse ele. Mas, infelizmente, a escola de Arquitetura tambm estava fora de seu alcance. No podia ingressar numa instituio tcnica daquele nvel sem um abitur, o equivalente a um diploma de segundo grau, pois abandonara os estudos depois do primeiro ano, parecia haver chegado a um beco sem sada. Impedido de preparar-se para uma carreira artstica, o jovem no tinha perspectivas de escapar a uma vida de pobreza e cansativa rotina de um operrio.

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Durante os 35 anos seguintes, Adolf Hitler no esqueceu o golpe que recebeu no gabinete do diretor naquele dia de outono. Alimentou um forte ressentimento contra o elitismo educacional, mesmo aps ter sido nomeado chanceler (primeiroministro) da Alemanha e dirigente de um dos mais poderosos pases do mundo. Alguns historiadores, em interpretao posterior, argumentam at que a rejeio sofrida na Academia de Viena influenciou sua tentativa futura de refazer a cultura alem, de acordo com gostos e idias prprios. No entanto, examinando a infncia de Hitler, difcil compreender a intensidade dessa amargura. Embora seus escritos sobre a prpria juventude apresentem um quadro de pobreza cruel e humilhao, a evidncia atualmente disponvel mostra que ele teve uma educao austraca completamente convencional. Mas, se no houve nada de muito extraordinrio ou trgico no passado de Hitler, existiram, porm, alguns elementos negativos que, possivelmente deixaramlhe marcas, seu pai, Alois Hitler, foi o filho ilegtimo de Anna Schicklgrber, que mais tarde casou-se com um moleiro desempregado chamado, Hiedler. A identidade do pai de Alois nunca foi definitivamente esclarecida, mas ele tomou o nome do padrasto, que escreveu Hitler. Alois casou-se trs vezes, a ltima delas com Klara Plzl, 23 anos mais moa do que ele e a filha de seu primo-irmo. Desse casamento nasceu Adolf Hitler, em 1889.

Alois Hitler, Pai de Adolf Hitler

De acordo com as maiorias dos relatos, Alois Hitler foi um tirano que dirigia sua famlia to despoticamente quanto agia no escritrio alfandegrio, onde era inspetor chefe. Era "um decidido campeo da lei e ordem", como a notcia de sua morte o descreveu. Morreu quando Adolf tinha 14 anos. Sob a vigilncia constante do pai, o menino havia sido um bom estudante nos primeiros anos do curso, mas, quando chegou aos 12 anos, mesmo a presso paterna foi intil para mant-lo junto aos livros. E, depois da morte do pai, permaneceu na escola por apenas dois anos mais.

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Klara, Me de Hitler

As pessoas da cidadezinha austraca onde o menino Adolf cresceu lembram-se dele como um garoto independente, mas muito solitrio. Os livros que lia limitavamse a aventuras e histrias militares. Sobre essas leituras, ele escreveu mais tarde: "eu parecia viver as gigantescas batalhas no mais ntimo do meu ser". Esse trao militarista do carter de Hitler era visvel, mesmo quando ele brincava. Os nicos jogos que o atraam eram os jogos de guerra, nos quais ele mesmo nunca era um combatente, sempre estrategista. E era sempre o chefe. Um dos seus professores do colgio recorda mais tarde: "ele era teimoso, arrogante e irascvel... Alm disso, era preguioso... Reagia com indisfarvel hostilidade ao conselho ou punio". Nos dois anos que se seguiram de sua sada do colgio, Adolf levou a vida copiando desenhos e aquarelas e sonhando com sua carreira de artista. Embora convivesse intimamente com a me e a irm, Paula, socialmente tornou-se mais solitrio que nunca. No via os antigos colegas de colgio e no freqentava nenhum dos vizinhos. Seu nico amigo dessa poca foi August Kubizek, o filho de um tapeceiro. Gustl, como Adolf o chamava, era a companhia ideal para o jovem Hitler. Tambm abandonar os estudos, alimentava ambies artsticas - queria ser musico - e, o mais importante, era um ouvinte nato. Naquela poca, Dom natural de Hitler para a oratria j comeara a aparecer e Gustl ouvia as efuses do amigo durante horas. "No era o que ele dizia que mais me atraa", lembrou-se Kubizek muitos anos depois, "mas a maneira como dizia". Embora tivesse uma me que o amava, uma audincia atenta, nenhuma responsabilidade e a famlia estivesse estabelecida em Linz, capital da Alta ustria, Adolf continuava inquieto. Aquela era a maior cidade em que j vivera; mas essa capital provincial no poderia oferecer-lhe os canais necessrios sua realizao como artista. Foi assim, ento, que o jovem partiu para a cidade grande: Viena.

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Na primeira dcada deste sculo, a capital da ustria era uma das mais brilhantes cidades da Europa. Assemelhava-se a Paris, enquanto centro cultural. Msica, literatura e pintura floresciam ali e, aps algumas visitas, Hitler decidiu que aquele era o lugar para ele. Em 1907 completou 18 anos, herdou sua parte de dinheiro deixada pelo pai. Imediatamente tirou tudo do banco - 700 Kroen eram suficientes para viver confortavelmente durante um ano - e partiu para se tornar um estudante na famosa Academia de Belas-Artes de Viena.

2. O desocupadoA vida de Hitler em Viena comeou com insucesso. Quando sua admisso na Academia foi recusada pela primeira vez, sofreu um duro golpe. "Eu estava to certo de ser bem-sucedido", escreveu mais tarde, "que a notcia de minha reprovao pegou-me completamente de surpresa, como um raio vindo do cu". Mas o destino reservava-lhe ainda outro desastre: poucos meses depois em 21 de dezembro de 1907, sua me morreu. Gustl Kubizek continuou morando com o amigo em Viena por uns tempos, mas Hitler parecia ter pouca capacidade para relacionamentos pessoais. A Segunda rejeio da Academia foi a gota d'gua. Quando Kubizek viajou a Linz para visitar os pais, Adolf desapareceu sem deixar vestgio. Os seguintes cinco anos e meio viram o jovem Adolf Hitler torna-se cada vez mais isolado e excntrico. Ele tinha algum dinheiro mas vivia como um vagabundo, perambulando sem objetos pela cidade grande, dormindo em quartos baratos ou abrigos municipais, alimentando-se de po, leite e daquilo que conseguia arranjar nas sopas de cozinha de igrejas. Mesmo depois que sua pequena penso de rfo foi suspensa, em 1911, nunca teve um trabalho regular. Mantinha-se como artista autnomo, pintando cartazes de propaganda ou fazendo cpias de edifcios em aquarela para vender como carto-postal. Ocasionalmente aceitava empregos como limpador de neve ou para carregar bagagens na estao ferroviria e, como ltimo recurso, pedia dinheiro a tia solteira de Linz. Aparentemente no fez amigos durante esse perodo, nem se interessou por mulheres. Os outros desocupados que o conheceram nos abrigos da cidade recordam dele como indolente e mal-humorado, mas muito austero. Nunca fumou, bebeu, e parecia apreciar pouco os prazeres da vida. Seu nico entretenimento era a pera. No tinha gosto especial pela msica, mas amava o espetculo especialmente as grandiosas melodramticas obras de Richard Wagner, que glorificavam o passado mitolgico da Alemanha. Foi nessa poca que a honra da Alemanha e dos alems comeou a preocuplo de forma crescente e poltica tornou-se seu assunto preferido. Alm disso, Viena era uma das muitas cidades europias cheias de desajustados solitrios e infelizes, e de organizaes cujo membros imaginavam poder resolver os problemas do mundo. Por isso, no de surpreender que o jovem solitrio de Linz, sem amigos, sem ocupao, sem dinheiro e sem perspectivas fosse atrado por um desses grupos.

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Uma das opinies mais generalizadas entre os pobres e desesperanados de Viena - e tambm entre muita gente das classes mdia e alta - era a de que os problemas da ustria e da Alemanha decorriam da mistura racial. Hitler lia regularmente uma revista popular de Viena, chamada Ostara, que afirmava ser o louro povo alemo (os arianos, como ento eram chamados) uma raa superior, destinada a dominar a terra, e que todos os problemas da sociedade eram conseqncia da contaminao dessa raa por pessoas inferiores, mas escuras. Como resultado disso, ciganos, eslavos e principalmente judeus foram apontados como inimigos da pureza tnica da "raa ariana". O anti-semitismo - dio aos judeus - tinha uma longa histria na ustria. Na verdade esse era um preconceito comum naqueles dias, especialmente entre aqueles que se consideravam membros de uma "sociedade bem-educada" e modelos de respeitabilidade. O anti-semitismo tornou-se uma das obsesses de Hitler. Embora, nessa poca, Adolf falasse sobre poltica, a qualquer hora, com qualquer pessoa que escutasse, e tendesse a ficar particularmente histrico quando discutia o destino glorioso dos alemes e a terrvel ameaa representada por judeus e comunistas, no havia ainda pensado em abraar ativamente uma carreira poltica. Ainda se considerava um artista espera de reconhecimento. O Governo da ustria, no entanto via-o apenas como mais um jovem desempregado e como algum que estava na poca de prestar o servio militar. Hitler deixara de se inscrever em Linz e havia pedido todo o contato com a famlia. Por isso, a polcia seguira sua pista at Viena e, embora ainda no o houvesse localizado entre os vadios dos abrigos municipais, isso era apenas uma questo de tempo. Em 1913, o jovem Adolf decidiu que estava na hora de se mudar. Mais tarde ele escreveu que fora atrado por Munique, alm da fronteira com a Alemanha, por causa da vida artstica que ali se desenvolvia e pela esperana de encontrar melhores oportunidades para sua carreira. Alegava tambm ter sido "repelido pela mistura de raas" existentes em Viena, e que sempre tivera um ardente desejo de viver na ptria do povo alemo. Contudo, parece que sua principal razo para ir a Munique foi simplesmente evitar o servio militar no Exrcito austraco De qualquer forma, um ms depois de seu vigsimo quarto aniversrio, com todos os seus pertences numa maleta, Adolf Hitler deslizou silenciosamente atravs da fronteira. Durante cinco anos que vivera em Viena no fizera amigos, no ganhara dinheiro, no aprendera nenhum ofcio e no adquirira rumo na vida. O que Viena lhe havia ensinado s se tornaria visvel anos depois; ensinara-o a sobreviver. A vida na capital austraca endurecera-o aguara seus sentidos e, talvez o mais importante, fornecera-lhe argumentos para sua satisfao. As duas idias populares na capital austraca - o anti-semitismo e a gloria alem - acabaram por modelar seu destino. Em Munique, Hitler voltara ao seu circuito sem destino de quartos baratos e tentativas de vender seus desenhos em bares. Viveu assim por oito meses, at que, em janeiro de 1914, as autoridades austracas finalmente o localizaram e o prenderam como desertor do servio militar. Mas ele conseguiu sair da enrascada. Em vez de ser deportado para Linz e, muito provavelmente, posto na cadeia, foi

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perdoado e recebeu permisso para apresentar-se em Salzburgo, onde o mdico do Exrcito considerou-o inapto para qualquer tipo de atividade militar.

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No relatrio, o examinador afirmou que Adolf Hitler era fraco, incapaz de carregar armas. Depois desse episdio, e sem uma palavra para famlia ou conhecidos, Adolf imediatamente voltou a Munique e sua vida de artista faminto. Continuou lendo avidamente os jornais, apregoando suas crenas polticas a qualquer um que o escutasse, e dizendo que pretendia entrar numa escola de arte. Mas no fez nenhum esforo real nesse sentido. Se a vida pessoal de Hitler no mostrava possibilidade de mudana, o mundo sua volta estava em via de desintegrao. No dia 28 de junho de 1914, seis meses depois de ele ter voltado a Munique, a Europa foi abalada pela notcia que o arquiduque Francisco Ferdinando, o herdeiro do trono do Imprio Austro-Hngaro, fora assassinado por um terrorista srvio. Exatamente um ms depois, a ustria declarou guerra Servia. Era o incio da Primeira Guerra Mundial. Hitler entusiasmou-se. Aps uma vida montona de pobreza e humilhaes, ele via a oportunidade de se envolver ativamente em alguma coisa. Uma guerra na Europa transformaria tudo, talvez destrusse a ordem social existente e produzisse a ascenso daquele grande poder alemo que acreditava ser a esperana do mundo. Dez anos mais tarde, em seu livro Mein Kampf (Minha Luta), ele descrevia sua emoo quando soube que a guerra havia rebentado: "Tomado de um entusiasmo arrebatador, ca de joelhos e agradeci aos cus, com o corao transbordando, por ter-me concedido a fortuna de poder viver nesse tempo". Hitler no desejava lutar pela ustria - fugira de Viena para evitar isso - mas era apaixonadamente leal causa da Alemanha. Estava disposto a se engajar numa luta pelo nacionalismo alemo e pela antiga glria da "ptria". Por isso, mesmo no tendo sido convocado para apresentar-se ao servio militar - fora declarado incapaz na ustria e ainda no era um cidado da Alemanha - apresentou-se como voluntrio para servir no Exrcito alemo. Em tempo de guerra, os registros mdicos no eram rigorosamente conferidos e os exames fsicos eram quase fortuitos. Foi aceito sem comentrios e, em uma semana, era o soldado Hitler, do 16 Regimento de Infantaria da Reserva da Baviera.

Sentado da Esquerda para Direita, o segundo

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3. Um cabo de exrcitoAdolf Hitler foi um bom soldado. Mais tarde, seus inimigos polticos tentaram provar que havia sido covarde, mas os arquivos do Exrcito alemo mostram claramente que ele foi um homem de infantaria dedicado, leal e corajoso. Hitler lutava por uma causa e nenhum soldado luta to bem quanto aquele que realmente acredita em sua misso. Ele havia sonhado com batalhas, quando era apenas um garotinho e, agora, seu sonho de infncia tornava-se realidade. Um membro do regimento, lembrando-se de como o jovem Adolf reagiu ao receber seu primeiro fuzil, contou: "Ele olhou a arma com prazer, como uma mulher olhando jias". No entanto, a origem pobre, o sotaque do sul da ustria e a falta de instruo impossibilitaram-no de ascender muito no aristocrtico Exrcito alemo. Nos quatros anos da Primeira Guerra Mundial ele foi promovido apenas a cabo, embora recebese reconhecimento por sua coragem e dedicao, e fosse condecorado duas vezes com a cruz de Ferro. "Hitler nunca nos deixou na mo", contou um oficial, acrescentando que o jovem austraco foi "sempre voluntrio para os piores trabalhos". Hitler foi designado para uma tarefa perigosa e de grande responsabilidade: levar e trazer mensagens da frente de batalha. Como portador de informaes, ele estava sempre exposto na linha de fogo e, mais de uma vez, salvou a si mesmo e a seus companheiros com sua firme dedicao ao dever. Apesar do perigo e da excitao da luta, Hitler nunca perdeu o sangue-frio, pois ao contrrio da maioria dos soldados, sabia exatamente por que estava lutando. Seu amor pelo pas, seu desejo de "purific-lo" e cur-lo daquilo que considerava como uma doena do internacionalismo foram os motivos que o induziram a atos de grande coragem. Via inimigos no s nos campos de batalha, mas em toda parte. Os estrangeiros e sua influncia sobre a Alemanha eram para ele como um vrus, infectando o sangue puro da "raa ariana". Em outubro de 1916, lutando na Frana, foi ferido na perna e enviado de volta para a Alemanha. A situao que encontrou ao chegar a Munique serviu apenas para reforar seus preconceitos, j considerveis. Convenceu-se de que os judeus e os comunistas alemes estavam solapando o esforo de guerra do pas. Por isso, no via a hora de voltar aos campos de batalha. Seu desgosto era tanto que, quando algum lhe perguntava onde morava sua resposta era sempre a mesma: "No 16 Regimento". Mas apesar de herosmo de milhares de soldados comuns, to dedicados quanto Hitler, as batalhas se sucediam sem trazer um desfecho para o conflito. Como os estrategistas militares alemes haviam previsto, os russos no estavam bem preparados para a luta. Em compensao, a Frana e a Inglaterra, aliados da Rssia, escondiam um poder combativo muito maior que o esperado. Em 1918 j se tornara evidente que a Alemanha perderia a guerra. A afluncia de um grande nmero de tropas norte-americanas, para as foras aliadas, no ano anterior, fora um golpe mortal para as esperanas de vitria alem na frente ocidental. O povo esta desiludido e, em Berlim, 400.000 trabalhadores entraram em greve pela paz. Soldados como Hitler, furiosos com a falta de esprito de luta de seus compatriotas, queriam continuar no conflito at o fim, mas no podiam combater os inimigos nos campos de batalha e a subverso vinda de sua prpria sociedade.

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Depois de voltar aos combates por algum tempo. Hitler foi finamente posto fora de ao, em 14 de outubro de 1918. Intoxicado por gs, ele ficou temporariamente cego. Recuperou a viso em 9 de novembro, dois dias antes de a Alemanha assinar o armistcio que poria fim Primeira Guerra Mundial. Um imprio havia desmoronado. O apoio pblico ao governo desaparecera. Grupos de trabalhos promoviam revoltas em vrias cidades da Alemanha e, quando o governo ordenou s tropas para reprimir essas rebelies, os adeptos da volta do governo imperial e os grupos industriais foram afastados, a ditadura militar que se estabelecera durante a guerra desapareceu, e o pas tornou-se uma Repblica. Na confuso que se seguiu ao armistcio, muitas faces diferentes disputavam o poder na Alemanha. As tendncias mais conservadoras pediam a restaurao da famlia real, enquanto, no outro extremo das correntes polticas, os comunistas queriam seguir o exemplo da Rssia, onde a revoluo de 1917 derrubara a antiga ordem monrquica e estabelecera uma Repblica Socialista. Entre esses dois extremos, a maioria desejava uma repblica democrtica. Estourou, ento, uma insurreio generalizada. Em 3 de janeiro de 1919, o primeiro presidente da Alemanha aps a guerra, o social-democarata Friedrich Ebert, demitiu um chefe de polcia simpatizante dos comunistas e estes, ante o que consideram uma provocao do governo de Berlim, convocaram a revoluo imediata. Duzentos mil trabalhadores armados foram para as ruas. Em uma semana, no entanto, unidades da Corporao Livre, cujos membros eram ex-soldados direitistas, como Hitler, convergiram para Berlim e reprimiram brutalmente o levante. Dois dos lderes rebeldes, Rosa Luxemburg (conhecida como a "Rosa Vermelha") e seu companheiro Karl Liebknecht (que liderava vrias manifestaes contra a guerra e se opunha ao militarismo da Alemanha desde 1913) foram assassinados pelos oficiais da Corporao Livre encarregados de escolt-los at a priso. No final do ms, eleies estabeleceram um governo representativo moderado e, diante da violncia e da instabilidade que continuavam a agitar Berlim, os novos governantes escolheram a cidade de Weimar, no leste da Alemanha, como sua capital. As poucas formaes remanescentes do Exrcito assumiram ento a responsabilidade pela manuteno da paz e pelo aniquilamento dos movimentos revolucionrios. Espies militares, em trajes civis, infiltraram-se em reunies de grupos de esquerda e anotavam qualquer coisa que lhes parecesse particularmente ameaadora. O dio apaixonado de Hitler pelos estrangeiros e comunistas fez dele um candidato natural a essa atividade; em 1919 foi designado para a seo de espionagem de um regimento do Exrcito, em Munique. Classificado como oficial, seu trabalho consistia em promover o nacionalismo e desencorajar o socialismo entre os soldados, organizando reunies e fazendo palestras sobre os objetivos do governo. Tambm foi encarregado de observar e colher informaes sobre dezenas de organizaes polticas radicais, que nasciam como cogumelos no solo frtil do descontentamento pblico, da pobreza e da confuso que reinavam em Munique, Os vrios grupos representavam todos os tipos de opinio. A maior parte constitua sociedades de discusso sem eficcia - pouco mais que clubes sociais - nas quais os descontentes bebiam cerveja e conversavam. Mas, no dia 12 de setembro de 1919, Hitler foi enviado para investigar o encontro de um grupo que se autodenominava Partido dos Trabalhadores Alemes.

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De modo algum aquela podia ser considerada uma reunio importante. O partido fora fundado no incio daquele ano por um ferramenteiro chamado Anton Drexler e contava apenas com um punhado de adeptos. Encontravam-se de tempos em tempos em pequenos restaurantes baratos e discutiam a forma de salvar o mundo: os alemes eram uma raa superior destinada a dirigir o mundo; os judeus e os comunistas ameaavam a pureza dessa raa e, portanto, algo deveria ser feito a esse respeito. Falavam em "liderar" os trabalhadores do marxismo e impedi-los de desenvolver uma perspectiva internacional. Porm , no possuam um programa claro e ningum os levava mais a srio do que a qualquer das outras organizaes que lotavam as cervejarias de Munique. Na sua visita de investigao, Hitler acompanhou a parte formal da reunio e o incio dos debates livre, no qual vrias pessoas se levantaram para emitir suas opinies. Algumas tinham relao com os tpicos da reunio, outras no. Cada orador exps sua soluo favorita para os problemas do mundo, ou sua queixa contra o governo. Quando Hitler ouviu um homem pregando a necessidade urgente de a Baviera declarar-se independente a separar-se da Alemanha, pulou para discutir o assunto. A unidade de todo o povo alemo era um de seus temas favoritos. Ele acreditava que somente como um povo nico a "raa ariana" poderia dominar a terra, e defendeu essa opinio com sua paixo costumeira. Em seu novo trabalho ganhara alguma experincia em falar para audincias e, alm disso, tinha um talento natural para a oratria. Mas, nessa noite, Hitler mostrou-se particularmente eloqente, impressionado os seis membros do comit do partido. Drexler o cumprimentou, deu-lhe um folheto e insistiu para que voltasse na reunio seguinte. Hitler aceitou o folheto interessou-o mais do que julgara a princpio e, quando recebeu outro convite para uma reunio do comit do partido aceitou. Tecnicamente, era contra a lei um membro do Exrcito participar de um partido poltico, porm, neste caso, foi feita uma exceo. Os militares, ansiosos para reconstruir o despedaado Exrcito alemo, procuravam um movimento com as mesmas convices para apoiar. Hitler, ento recebeu ordens de se filiar ao Partido dos Trabalhadores Alemes.

Desfile do Partido Nazista

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4. O agitadorAdolf Hitler foi imediatamente eleito para o comit executivo do Partido dos Trabalhadores Alemes. Como o partido no estava atraindo contribuies em dinheiro, nem ateno do pblico, Hitler decidiu arriscar todo o fundo em caixa - a diminuta quantia de 7 marcos - em um anncio da prxima reunio. Para uma organizao pequena, como era a do partido, a receptividade foi sensacional. No dia 16 de outubro de 1919, setenta pessoas compareceram reunio - a maior audincia at ento - e o discurso de Hitler, com trinta minutos de durao, fez tal sucesso que o partido recebeu 300 marcos de contribuies. Houve alguns contratempos, mas Hitler, prevendo essa possibilidade, recrutara alguns antigos soldados para cuidar do assunto. Os desordeiros foram atirados escada abaixo, depois de terem suas cabeas rachadas a golpes. Contudo, o sucesso daquela reunio, e das outras que se seguiram, no foi fruto da fora. Foi resultado do magnetismo genuno de Hitler, de seu particular carisma, que j comeavam a se tornar bem evidente. Seus discursos comeavam a ser a grande atrao do cenrio poltico de Munique e o comparecimento s reunies do partido aumentou rapidamente. Para o Partido dos Trabalhadores Alemes, Hitler era um valor inestimvel. Suas apresentaes garantiam audincia e era possvel at cobrar ingresso para as reunies em que ele deveria discursar. Durante o ano que se seguiu, ele foi o orador principal em 31 das 48 reunies. O tipo de discurso que Hitler incorporou ao programa do partido era tanto novo como original. Ao contrrio dos oradores convencionais, graves e retricos, ele falava com um fervor e uma sinceridade fascinantes. Podia provocar uma exploso de risos com suas zombarias sobre os inimigos e, em seguida, criar uma atmosfera das mais pesadas com uma linguagem amarga e crua. Era capaz de despertar piedade ou terror, orgulho ou indignao. Hitler praticava sua tcnica de discurso deliberadamente, ensaiando gestos diferentes diante de um espelho, mas seu sucesso jamais teria sido to grande se no falasse com sinceridade, do fundo do corao, criando uma intensa harmonia entre as suas palavras e o estado de esprito da Alemanha daquela poca. Dotado de um compreenso autntica da condio dos alemes, ele podia falar da humilhao e do desespero de um povo derrotado e desmoralizado, pois eram emoes que vivera na sua experincia direta. Os discursos de Hitler, embora convincentes, continham poucos fatos e nenhuma lgica. Sua fala simplesmente se derramava sobre o pblico como as grandiosas modulaes da msica wagneriana, adormecendo a razo e acordando as emoes. Mas os intelectuais comeavam a tem-lo. Viam nele uma perigosa fora primitiva, hostil racionalidade. Hitler pregava para as pessoas ansiosas por acreditarem no que ouviam. Conhecia as frustraes do pblico porque participava delas e, quando falava, dava s pessoas exatamente o que elas queriam: um alvo para seus ressentimentos - algum para odiar e culpar pelos problemas da nao. A Alemanha no fora vencida numa frente de batalha, argumentava ele, fora apunhalada pelas costas. A derrota no fora culpa daqueles que o ouviam. Fora do Kaiser (imperador da Alemanha), que os trara abdicando; dos comunistas, que os traram trabalhando pelo comunismo internacional; e dos judeus, que os haviam trado usando sua fora econmica para solapar o esforo de guerra alemo.

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As dificuldades da Alemanha naquela poca eram bastantes srias. A derrota trouxera mais do que simples humilhao. Provocara um processo inflacionrio que crescia a cada ms e ameaava destruir a economia nacional. As pessoas eram obrigadas a vender seus bens - at objetos de estimao, herdados dos antepassados - apenas para garantir a sobrevivncia. Todos os problemas da nao germnica, tanto econmicos como psicolgicos, haviam sido agravados com a dureza dos termos do tratado de Versalhes, o acordo que os Aliados tinham forado os vencidos a assinar no final da guerra. Esses termos eram to cruis que, em protesto contra eles, diversos diplomatas ingleses e norte-americanos se retiraram das negociaes. Um funcionrio britnico chegou at a acusar profeticamente o tratado de conter "as sementes de guerras futuras". Essa dureza era deliberada. Os Aliados no confiavam na Alemanha e, por isso, numa tentativa de impedir o ressurgimento do poder alemo, mantendo a nao despedaada em um estado de debilidade que no lhe permitisse empreender uma nova guerra, haviam procurado priv-la de seus recursos naturais e mant-la dividida. O tratado proibia que os alemes possussem submarinos, avies militares ou um exrcito permanente numeroso. A Alemanha e ustria no seria mais permitido se unirem e, pior ainda, a posse de antigos territrios alemes passou para outros pases. A Alscia-Lorena voltou Frana, a Blgica tomou posse de Malmdy, a Polnia ficou com a Posnnia e parte da Prssia, enquanto a regio do Tirol passou para a Itlia e a rea dos Sudetos foi entregue Tchecoslovquia. Dantzig tornou-se um Estado livre. O antes grande Imprio Alemo ficou reduzido pobreza e a insignificncia. Os Aliados, ento uniram o insulto injria exigindo que a Alemanha pagasse todos os danos em propriedades civis causados pela guerra. Esta no uma clusula incomum para tratados de paz - os vencidos geralmente pagam reparaes - , mas a Alemanha foi forada a pagar somas to altas que sua economia mal conseguia sobreviver. Estima-se que cerca de 38% do capital total do pas foi exigido para esses pagamentos, o que significou uma media de 1.350 marcos por pessoa. Tendo diante de si um campo to frtil e com sua enorme dedicao causa do povo alemo, o sucesso de Hitler no foi surpresa. Sob sua liderana, o Partido dos Trabalhadores Alemes tornou-se uma fora poltica real e, em 1920, foram acrescentados as palavras "Nacional-Socialista" ao seu nome para demonstrar a ampliao de sua rea de influncia. No mesmo ano, Hitler deixou o Exrcito para dedicar todo o seu tempo ao Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemes ou, como foi popularmente abreviado, o Partido Nazi. Em 1920, o partido contava com 193 membros, sendo que mais da metade deles eram operrios. Os comcios sempre atraam milhares de pessoas e nenhum acontecia sem que algum sucumbisse ao fascnio de Hitler, aumentando assim os efetivos do movimento. O grande orador descobriu ento, que juntamente com a arte de falar, possua talento para dirigir grandes espetculos.

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Organizou marchas e demonstraes que deram ao partido , ainda pequeno, uma aparncia consideravelmente maior; desenhou muitos cartazes dramticos, sempre em vermelho vivo; copiou o smbolo da sustica usado por um grupo poltico obscuro (que havia tirado da arte devocional da antiga ndia Oriental), e instituiu a saudao nazista (o brao levantado e a mo esticada), gesto originalmente adotado pelos fascistas italianos, numa imitao dos legionrios da Roma Antiga. Esses detalhes deram aos nazistas uma aparncia de importncia e o povo comeou a lev-los a srio. Hitler tambm foi bem sucedido ao criar uma imagem de fora para os nazistas utilizando seus antigos companheiros de Exrcito como seguranas. Isso, achava ele, era o que o povo realmente queria - uma liderana forte - e no teve problemas para encontrar colaboradores. Ex-soldados, incapazes de se adaptarem vida civil, mostraram-se ansiosos para se unir aos nazistas, que, nessa poca, haviam assumido um carter paramilitar e passavam mais tempo dissolvendo reunies comunistas do que dirigindo as suas. Homens como Ernst Rhm, um capito do exrcito que fora comandante de Hitler, viviam para a violncia. Sentiamse perdidos em tempo de paz. Em 1921, poca em que Hitler afastara Drexler da direo do partido e tomara posse do cargo, Rhm ajudou-o a organizar uma militncia particular para os nazistas. A Sturmabteilung (Diviso de Assalto) possua uniforme especialmente desenhada para ela, do qual derivou seu apelido "camisas pardas". As ligaes de Rhm com o Exrcito permitiram que a milcia atuasse com impunidade e, logo, ela se tornou uma das mais poderosas e destacadas organizaes do Munique de ps-guerra, entre as muitas que lutavam pelo poder poltico, num cenrio desolador de desintegrao social. Quando a reputao do partido cresceu, outros oficiais do Exrcito rapidamente imitaram Rhm. Em novembro de 1922, um arrojado jovem heri de guerra, chamado Hermann Gring - antigo comandante de esquadrilha da extinta Fora Area Imperial e um portador das mais importantes medalhas da Alemanha -, ouviu Hitler discursar e ficou fascinado. Para Gring, um veterano inquieto e descontente procura de uma causa digna da sua devoo, o partido nazista apresentava uma resposta particularmente atraente: o ressentimento contra o Tratado de Versalhes, a concepo grandiosa da glria da Alemanha e o dio aos judeus e aos comunistas. Hitler percebeu imediatamente o valor de Gring e o transformou em comandante supremo da AS, as tropas de assalto.

Ernest Rhm (esq) e Rudolf Hess (dir)

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Outro ex-oficial que se juntou a eles logo nos primeiros tempos foi Rudolf Hess, um homem de classe mdia que, depois da guerra, tambm procurava desesperadamente alguma causa qual aderir. Embora viesse de uma famlia de comerciantes, no se interessava pelo mundo dos negcios, mas possua uma enorme capacidade de dedicao. Quando, em 1921, ouviu um discurso eletrizante de Hitler, aderiu aos nazistas. Conhecido no partido como o "rato pardo", Hess tornou-se o secretrio de Hitler e seu servidor mais leal. Apoiado pelos sucessos anteriores, Adolf Hitler, cada vez mais confiante, comeou a aspirar a uma meta mais significativa do que a mera liderana de uma organizao poltica radical, numa cidade provinciana como Munique. Seus sonhos estavam na glorificao da nao e do seu povo. Em 1921, quando arrancara a liderana das mos de Drexler, fora acusado de ser "vido e de ambio pessoal", mas, na verdade, era realmente quase um abnegado em suas aspiraes de salvao da Alemanha. E, para isso, via o partido como o nico instrumento capaz de realizar seu sonho. Mas no era simplesmente como um partido poltico que Hitler via os nazistas. Era como uma legio, um exrcito. Ele no acreditava em reformas parlamentares graduais. Queria ao. Acreditava que o pas s realizaria seu destino quando todos os alemes, de toadas as partes, se unissem para esmagar o dbil governo de Weimar, abolissem o odioso Tratado de Versalhes, removessem os judeus e os estrangeiros, e devolvessem Alemanha todo o seu legtimo poder e sua perdida glria. Confiante de que seu partido realmente representava o povo alemo e de que sua prpria vontade era da Alemanha, Hitler avanou resolutamente para a prxima etapa de seu programa de libertao nacional: O Putsch de Munique, sua primeira tentativa de chegar ao poder.

General Erich Ludendorff foi, como Hitler preso depois do Putsch de 1923, Heri da Primeira Guerra Mundial, ele intimidou o juiz do seu julgamento e conseguiu a absolvio

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5. O revolucionrioEm 1923, a Baviera estava em conflito com o governo central de Berlim. Alguns bvaros queriam que a provncia se tornasse um Estado independente, outros que formasse uma coalizo com a ustria. Mas quase todos desejavam ver a fraca administrao liberal de Berlim substituda por um governo nacional forte, capaz de reconstruir o Exrcito e desafiar o Tratado de Versalhes. Alm disso, a situao na Alemanha, como um todo, ia de mal a pior. A inflao alcanava nveis intolerveis o marco alemo, avaliado em cerca de 4 centavos de dlar, em janeiro de 1919, cara para menos de 1/70 de um centavo em janeiro de 1921 - e, naquele ano, Os Aliados exigiram 33 bilhes de dlares em reparaes. O sistema monetrio entrou em colapso e levou com ele a indstria. A lista dos agravos germnicos no parava de crescer. Dois anos depois, a Liga das Naes aprovou a doao de uma extensa rea da Silsia para a Polnia e, em janeiro de 1923, em represlia por um atraso no pagamento das reparaes, os franceses ocuparam a rica regio industrial do vale do Ruhr. Em julho do mesmo ano, o marco passou a valer 1/40.000 de centavo de dlar. O pas estava em completa bancarrota. Privada das regies que abrigavam o grosso de sua indstria pesada e dos recursos naturais, a Alemanha parecia no Ter esperana de recuperao. O povo no sabia o que fazer, o que dizer. Mas, algo precisava ser feito e algum precisava assumir o controle da situao para levar o pas de volta prosperidade. Hitler acreditava que ele e o partido nazista eram os nicos capazes de realizar essa tarefa. Apesar do crescente sucesso de sua carreira poltica, Hitler, que algumas vezes se auto-intitulava "O rei de Munique", continuava levando uma vida pessoal modesta, sem o brilho normalmente cultivado pelos homens que aspiram a posies de importncia. Como muitos outros membros de seu partido, ele vivia sem renda fixa. Na verdade, parecia quase indiferente ao dinheiro. Ocupava um minsculo quarto mobiliado, sem aquecimento, num bairro podre da cidade, e seu guardaroupa consistia em um velho e mal cortado terno azul e uma capa de chuva barata. Hitler poderia no participar dos brilhos do poder, mas o governo de Weimar sabia que ele teria de ser includo em suas equaes polticas. Em 1922, ele passou um ms na cadeia por liderar um ataque nazista a uma reunio poltica rival. Na ocasio, alguns funcionrios do governo sugeriram que ele fosse deportado para a ustria (ainda estava registrado como cidado austraco), mas outros foram contrrios a essa medida: desconfiavam de que a poderosa combinao de sua personalidade magntica com as milcias que controlavam provaria sua utilidade no inevitvel confronto que estava por vir. Esses funcionrios tambm estavam seguros de que um homem to desprovido de experincia poltica convencional seria facilmente contido se, porventura, a situao ameaasse fugir do controle. Hitler e seu partido receberam apoio substancial de muitos industriais importantes como o presidente da Unio dos Trabalhadores do Ao, Fritz von Thyssen que, em 1923, doou 25.000 dlares ao partido nazista.

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Outros contriburam mais modesta e discretamente, mas o montante das doaes foi o suficiente para manter o partido em ao. O general Erich Ludendorff venervel comandante supremo do Exrcito alemo durante a guerra e nacionalista fervoroso - emprestou seu importante nome para a causa nazista, embora fosse abertamente pouco entusiasta com o prprio Hitler. Em sua contnua procura de caminhos para engrandecer a imagem pblica do partido, Adolf Hitler j havia aproveitado vrias idias do lder fascista italiano Benito Mussolini, que, em outubro de 1922, acenara com a ameaa de que ele e seus partidrios, os "camisas pretas", marchariam sobre Roma, e tomariam o poder. Diante de uma situao que poderia facilmente se transformar numa guerra civil, o rei Vtor Manuel terceiro rendeu-se s exigncias de Mussolini tornou-se ento o governante incontestvel do pas, sem que um nico voto lhe tivesse sido dado. Hitler estava convencido de que essa subverso da democracia italiana era uma slida evidncia do acerto de sua prpria percepo poltica: um movimento de massa sob forte liderana poderia ignorar, com sucesso, o processo parlamentar. Conseqentemente, organizou suas tropas de assalto de forma muito semelhante s utilizadas por Mussolini com seus "camisas pretas". O "passo de ganso" nazista foi inspirado na marcha de passos altos das milcias fascistas. Mais uma vez, a poca parecia propcia para os nazistas seguirem o exemplo de Mussolini, e Hitler decidiu que era tempo de agir. Comeou a organizar um Putsch, um levante que lhe asseguraria o controle da Baviera. Esse seria o primeiro passo para a deposio do governo de Berlim. Ele argumentava que se todos os germnicos se reunissem em um Grande Reich Alemo - uma nao nica, que inclusse a Alemanha a ustria e todos os outros territrios de lngua alem -, conseguiriam recuperar o poder que lhes pertencia por direito de seu herico passado. A raa ariana poderia, ento, romper as cadeias do humilhante e repressivo Tratado de Versalhes e tomar seu legtimo lugar de governante da Europa. Qualquer alemo que no se unisse a esta grande causa, dizia ele, merecia ser esmagado. O poder e a liberdade s poderiam ser conquistados pela fora. Em 7 de novembro de 1923, Hitler e seus colegas de partido, que pretendiam desencadear o Putsch no dia 11 de novembro, souberam que uma grande manifestao patritica estava programada em Munique, e que a ela compareciam trs principais homens do governo da Baviera. Os nazistas julgaram que aquele acontecimento era a oportunidade ideal de concretizar o golpe, apesar dos riscos envolvidos numa antecipao da data, em prazo to curto. Foi a deciso poltica mais crtica tomada por Hitler at ento. Naturalmente, estava extremamente nervoso e at chegou a tomar alguns copos de cerveja, coisa que raramente fazia. Para um empreendimento cujos fins eram to srios, o Putsch degenerou em algo semelhante a uma pera-econmica. Ningum tinha certeza do que estava acontecendo, nem de quem estava em qual lado. As mensagens no chegavam aos seus destinos, figuras-chave perdiam a calma e as ordens era modificadas a cada minuto. Como a maioria dos acontecimentos polticos de Munique, o comcio foi realizado no salo de uma cervejaria, e a multido j estava tanto embriagada quando chegou o momento do incio oficial da revoluo.

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Hitler subiu em uma mesa e deu um tiro para o teto. No silncio que se seguiu sua intempestiva interveno, ele anunciou que a insurreio havia comeado e que o governo de Berlim, haviam sido derrubados. Ludendorff estava agora no comando do Exrcito e ele, Adolf Hitler, era o chefe do novo governo. Mandou os trs representantes da Baviera para um quarto nos fundos da cervejaria e ameaou fuzil-los se no declarassem seu apoio ao golpe. Os homens rapidamente concordaram com a exigncia. Ao mesmo tempo, Gring cercava o salo com os "camisas pardas", enquanto outras tropas da AS, sob a chefia de Rhm, ocupavam postos-chave da cidade. Parecia que o golpe havia funcionado. Na manh seguinte, Hitler, Gring, Ludendorff e outros lideres do partido nazista marcharam juntos para assumir os postos governamentais, convencidos de que contavam com o macio apoio do povo. No entanto, logo ficou claro que o "Golpe da Cervejaria" fracassara. Os trs ministros do governo bvaro que haviam concordado publicamente em apoiar o levante receberam permisso para deixar o edifcio e, imediatamente, voltaram atrs em suas declaraes. Como os contingentes da AS se haviam apossado de todos os edifcios militares da cidade, com exceo do centro de comunicaes, oficiais do Exrcito leais ao governo puderam chamar tropas de distritos vizinhos. Por outro lado, os presumveis beneficirios da revoluo nazista, o povo, no tinha a menor idia do que estava acontecendo. O que viriam foi apenas alguma confuso: nazistas prendendo policiais que impediam seus desfiles e policiais prendendo nazistas por estarem marchando. Nunca ficou bem claro quem traiu quem, mas quando os nazis se aproximaram dos escritrios governamentais, foram recebidos pela polcia armada. Hitler e Ludendorff logo descobriram que haviam cometido um erro fatal ao imaginar que alemes jamais atirariam contra outros alemes, especialmente se estes liderassem uma revoluo popular. Dezesseis nazistas foram mortos e muitos outros ficaram feridos. Gring, embora atingido por uma bala, conseguiu escapar. Hitler deslocou fortemente o ombro. O general Ludendorff foi preso. Na confuso, Adolf Hitler conseguiu fugir, mas foi detido no dia seguinte, na casa de um amigo. Vestindo apenas um roupo de banho, no qual pregou um de suas medalhas do tempo da guerra, foi atirado na priso e informado de que seria julgado por traio. Mas, demonstrando mais uma vez seu talento para a sobrevivncia, ele conseguiu transformar um aparente desastre numa grande oportunidade de divulgar suas idias. O julgamento, realizado durante fevereiro e maro de 1924, ofereceulhe uma tribuna melhor do que algumas de seus memorveis comcios. Com sua eloqncia caracterstica, ele fez a prpria defesa, argumentando que agira por amor ao pas e que sua misso na vida era levar a Alemanha de volta posio que lhe era devida no mundo. Hitler transformou sua defesa em mais um ataque aos "criminosos" do governo de Weimar que haviam "apunhalado a Alemanha pelas costas e ainda a oprimiam".

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Em seu conjunto o tribunal mostrava-se simptico e o pblico tambm. Ento, com as constantes manifestaes nazistas ressoando na sala a corte, o Ministrio Pblico desistiu de ser muito rigoroso com o caso. Em 1 de abril de 1924, Hitler recebeu a pena mnima de cinco anos, e, quase com as desculpas do tribunal, foi recomendado para uma prxima liberdade condicional. Flores e presentes chegaram de todos os lados. Adolf Hitler tornara-se um heri de Munique. De acordo com o Times, de Londres, o julgamento provou "que um atentado contra a Constituio, na Baviera no considerado um crime grave". Hitler cumpriu apenas nove meses de pena, confinado na fortaleza de Landsberg, que era mais um hotel do que uma priso. Tinha um quarto s seu, amplo e ensolarado, quase duas vezes maior do que o minsculo apartamento que alugava em Munique. Recebia alimentao regular e decente. As autoridades da priso permitiam-lhe a leitura de livros e a visita de seus amigos, todos nazistas envolvidos no Putsch. O interldio foi como umas frias para Hitler ele usou esse perodo de descanso forcado para planejar o futuro. Tinha aprendido uma grande lio: os alemes jamais tolerariam uma derrubada violenta do governo. Por mais que aplaudissem seus discursos, eles acreditavam na lei e na ordem. Por isso, a revoluo teria que ser realizada por meios legais e pacficos. Para clarear as idias e continuar a propaganda do partido, Hitler decidiu escrever um livro. Ento, ditou Mein Kampf (Minha Luta). Rudolf Hess, que tinha uma pequena educao universitria, assumiu o encargo de escrever a maior parte das auto-justificativas biogrficas de Adolf Hitler. Embora seu autor visse Mein Kampf como um tratado social e econmico, na realidade apenas um panfleto contra comunistas e judeus. Os vermelhos, explica o livro, provocam a inflao que arruinou a Alemanha, e os judeus conspiraram contra o pas visando seu prprio ganho financeiro. Segundo o autor, eles eram a fora demonaca por trs de todos os problemas na Europa. No havia nada de novo em tudo isso. Tais preconceitos j haviam sido populares na Europa alguns anos antes e os alemes tinham voltado a cultiv-los outra vez, porque a situao do pas era muito pior do que em qualquer outro lugar do continente. Mein Kampf apenas tornava verossmil a teoria da "punhalada nas costas" para um povo que, de qualquer forma, desejava acreditar nela. Hitler tambm advogava uma aliana entre Alemanha, Itlia e Gr-Bretanha, tendo como objetivo a formao de um superestado militar, suficientemente forte para enfrentar qualquer agresso da Unio Sovitica. E, como meio de ao poltica, recomendava o uso sistemtico da fora bruta. "O nico meio de obter uma fcil via". Palavras como esmagar, fora, cruel, terror e dio aparecem com freqncia. De fato Mein Kampf pode ser lido como a transcrio de um dos discursos pblicos de Hitler: por obscura que seja a linguagem e complicada a sua gramtica, a histeria poltica permeia todo o texto. Por trs das grades, Hitler continuava sendo um poderoso agitador de massas com seu apaixonado anti-semitismo, mostrando-se to violento na palavra impressa quanto em seu discurso nos comcios.

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Em alguns aspectos, Mein Kampf chega a ser um manual para ditadores. Hitler d conselhos do tipo "quando for mentir, diga uma grande mentira". Tambm sua opinio sobre a mente dos alemes est claramente exposta: "Os poderes receptivos da massa so muitos limitados e seu entendimento fraco". Pode parecer surpreendente que um livro to insultuoso aos seus leitores tenha sido to popular. No entanto, foram vendidos 300.000 exemplares na Alemanha, antes que Hitler chegasse ao poder. Enquanto a maior parte do mundo repudiava Mein Kampf como absurdo, algumas pessoas foram suficientemente perspicazes para reconhec-lo tal qual era: um projeto para a conquista do mundo.

O Chanceler Hitler cumprimenta o Presidente Paul von Hindenburgm, Fevereiro de 1934

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6. De prisioneiro a chancelerEm dezembro de 1924, quando Hitler saiu da priso, ainda mais decidido a promover suas idias - embora estivesse proibido de falar em pblico - a Alemanha havia passado por uma srie de mudanas. O partido nazista tinha sofrido uma grave deteriorao. A falta de uma liderana forte o fragmentara em faces rivais e suas mensagens j no tocavam to fortemente o sentimento do povo. Rendendo-se presso norte-americana, o governo francs institura um esquema mais razovel para o pagamento das reparaes. Alm disso, com a introduo de uma moeda nova, mais estvel, a economia alem comeara a se reanimar. A Alemanha orna-se um pas mais calmo e j no existia o ambiente de intenso caos social to propcio para o florescimento da poltica pregada pelos nazistas. Embora a sobrevivncia do governo liberal de Weimar no estivesse de forma alguma assegurado, ele representava um notvel afastamento do sistema poltico altamente militarista e nacionalista que o precedera. Refletindo essas tenses entre o passado e o futuro, a Alemanha dos nos 20 tornou-se um campo de batalha intelectual. A liberdade de expresso, garantida pela nova Constituio, permitiu um florescimento cultural muito diferente de qualquer outra coisa acontecida anteriormente naquele pas. A Repblica de Weimar significou no s uma experincia mais ampla de governo progressista, mas tambm um abrigo para um movimento esttico de vanguardas, isso , o modernismo artstico. Ainda que milhares de ex-militares com tendncias romnticas esperassem sai grande oportunidade e se consolassem com obras de escritores nacionalistas, tais como Erns Jnger, que ansiava por ver a nao transformada num superestado governado como uma caserna prussiana, a Alemanha via nascer uma gerao de artistas que provocavam uma revoluo nos campos da msica, da pera, do teatro, do desenho, da literatura, das ates plsticas e do cinema.. Com Tambores Noturnos, encenada pela primeira vez em 1922, o dramaturgo Bertolt Brecht mostrou ao mundo um teatro completamente novo, no qual manifestava seu compromisso com o comunismo e seu dio contra a conduta e a moral da classe mdia, usando propostas estticas originais, que se opunham s concepes do teatro clssico. Em 1928, se revolucionrio drama musical, pera dos trs Vintns, com msica de Kurt Weill, foi apresentado 4.000 vezes na Europa. Berlim se tornou uma Meca para o teatro. Os jovens escritores revolucionrios apresentavam suas criaes ao lado de produtores com grande reputao, entre os quais o famoso Max Reinhardt. O brilho e o esplendor destas produes e a qualidade de seus atores garantiam platias atentas, que assim tornavam contato com um teatro deliberadamente proletrio, marxista e materialista. Mas isso no passou despercebido para os grupos de direita: o sucesso do novo teatro revolucionrio comeou a ser usado como pretexto para aumentar o medo irracional ao comunismo. Berlim tambm se tornou o maior centro da indstria cinematogrfica.

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Filmes como Metropolis, de Fritz Lang, O Anjo Azul, de Joseph von Wilder, tornaram-se clssicos do cinema. Nascia o movimento que seria conhecido como "Expressionismo alemo". Estes filmes convidaram o povo a examinar o lado escuro da natureza humana e sugeriam que um fracasso nesse sentido poderia conduzir a um desastre jamais visto. Compositores como Alban Berg e arquitetos como Walter Gropius estavam colocando em evidncia as posies de suas respectivas artes. O gnio demonstrando por Berg em sua perturbadora e invulgar pera Wozzeck, apresentada pela primeira vez em Berlim, no ano de 1925, foi brilhantemente correspondido pela generosidade criativa do homem que dirigiu a estria. Erich Kleiber pagou tributo aos mritos de Wozzeck autorizando a realizao, sem precedentes, de 130 ensaios antes da noite de abertura. Sob a liderana de Walter Gropius, os artistas de Bauhaus, uma escola considerada o "santurio" do modernismo, lutaram para realizar o conceito revolucionrio de Gesamthkunswesk (arte total), combinando pintura, escultura, arquitetura e desenhos de mveis e tecidos. Todos esses avanos na arte eram o resultado natural do trabalho numa sociedade livre. Na verdade, a Repblica de Weimar constituiu um projeto de sistema de governo e sociedade democrtica ideal. No entanto, a Alemanha ainda no estava preparada para tal decolagem sem experincia prvia. Sem medo dessas transformaes, Hitler simplesmente desprezou o que classificou como liberalismo decadente e "bolchevismo cultural" que afligiam temporariamente sua ptria. Comeou a reconstruir seu partido e a vender sua imagem e suas idias polticas tanto para os grandes homens de negcios, que sempre tinham favorecido sua poltica anti-sindical, como para a classe mdia, o segmento mais importante, que ainda se lamentava pela perda da posio e das economias provocadas pela hiperinflao destruidora. Gradualmente, seus esforos persistentes comearam a apresentar resultados. Os lderes nazistas do norte da Alemanha comearam a sofres sua influncia. Por volta de 1926, embora ainda submetido ordem do tribunal que o impedia de falar em pblico, Hitler j estava outra vez em evidncia e seu partido era tido como uma fora considervel. Tudo que ele e sua organizao precisavam era da ocasio certa, no momento certo. Os efeitos da quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em novembro de 1929, foram sentidos em todo o mundo. A depresso que se seguiu atingiu a Alemanha to duramente quanto a Amrica. Mais uma vez, o dinheiro quase perdeu todo o valor, e o sofrimento a que o povo alemo foi submetido, forneceu o cenrio perfeito para o crescimento da agitao nazista. Dessa vez, Hitler passou a atuar mediante os canais eleitorais, constitucionais. Livre da proibio de falar em pblico, sua oratria inflamada e emocional inundou as praas repletas de gente desesperada que desejavam uma soluo para pr fim a seus sofrimentos. medida que esse desespero aumentava, o partido ficava mais unido e a fora dos nazistas crescia. Em 1930, eles conseguiram 6 milhes de votos, ocupando a Segunda posio entre os muitos partidos que disputavam o poder.

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Contudo, embora crescendo em influncia a cada dia, Hitler recusava firmemente as numerosas ofertas para formar alianas com outros partidos polticos. Mesmo a oferta de um cargo de ministro, em troca do apoio nazista, no conseguiu convenc-lo. Em 1932, candidatou-se para presidente contra Paul von Hindenburg. Tudo o que o velho general prussiano e heri de guerra , que ocupava o cargo de presidente no perodo de 1925 a 1932, desejava nos seus 85 era aposentar-se; mas seus amigos convenceram-no a se candidatar novamente. Hindenburg derrotou Hitler por uma estreita margem de votos. A depresso se agravou. Em 1932 havia 6 milhes de desempregados na Alemanha e a violncia nas ruas tornou-se um fato comum. As reunies do partido nazista passaram a ser instrumento de aes e desordens, com a AS lutando contra a polcia e contra os comunistas. Alguns membros do governo pediram que a organizao fosse proibida. Outros, no entanto, temiam que tal atitude pudesse provocar violncias futuras, e muitos acreditavam que as milcias de Hitler poderiam ser utilizadas para a manuteno da ordem, na eventualidade de uma insurreio da esquerda. Diversamente dos comunistas pr-soviticos, os nazistas e suas tropas de assalto ainda eram considerados teis para a Alemanha, apesar de sua tendncia para encararem a fora bruta como um instrumento poltico legtimo. Era responsabilidade do presidente da Alemanha a indicao de um chanceler, o homem que realmente iria governar a nao. Esse era o cargo que Hitler pretendia. Mas Hindenburg no estava disposto a nome-lo. O velho general afirmava que no pretendia "transformar esse cabo austraco em chanceler". Queria um homem seguro e civilizado, algum pertencente a sua prpria classe. No dia 31 de maio de 1932, Franz von Papen, um aristocrata rico e elegante, tornou-se o chanceler da Alemanha. "Polido e tolo", conforme o descreveu o historiador Norman Stone, o novo chanceler alemo nunca sofreu contratempos srios, mesmo porque jamais se colocava em situaes de risco. Adolf Hitler, no entanto, no perdeu tempo para esclarecer que seu apoio ao novo governo era apenas provisrio. conseqentemente, ordenou que o partido se alinha-se e marchasse para e assumir as atividades que eram sua marca registrada. Durante o vero de 1932, os nazistas comearam a atacar os grupos comunistas e socialistas em todas as grandes cidade da Alemanha. Em conseqncia, muitos militantes da esquerda morreram. Mas no houve represso contra os nazistas. A vida pessoal de Hitler, durante esses perodo, anulou-se quase totalmente ante os acontecimentos de sua carreira poltica. "O Partido Hitler e Hitler o Partido", observou certa vez Hess. Hitler nunca tivera uma relao prolongada com uma mulher e conjeturava-se muito se ele seria capaz de estabelecer tal ligao. Nessa poca da sua ascenso ao poder, a coisa mais prxima de um romance que ele viveu foi a misteriosa relao com uma sobrinha, Geli Raubal, filha de sua meiairm Angela. Rumores de uma unio entre Hitler e Geli comearam a circular quando a famlia da moa se mudou para o mesmo prdio em que Hitler vivia, em Munique. As especulaes sobre a natureza da relao entre os dois aumentaram incrivelmente at 1931, quando a jovem suicidou-se com um tiro de revlver.

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Depois de um perodo de luto, Hitler reatou seu relacionamento com uma jovem que conhecera em 1929 - Eva Braun, uma tranqila balconista de loja, de cabelos louros. Eva, 23 anos mais nova que Hitler, descreveu-o irm como o "cavalheiro mais velho", que ocasionalmente enviava-lhe flores e, sem duvida alguma, parecia apreciar sua companhia. Quaisquer que fosse seus sucessos ou fracassos no mbito domstico, Hitler fazia firmes progressos em sua carreira poltica. Nos cinco anos que se seguiram s eleies de 1928, os nazistas se tornaram dominantes em toda a Alemanha. Adolf Hitler, finalmente, atingira a preeminncia poltica indispensvel para a conquista do poder. Papen queria o seu apoio. Na verdade, o governo precisava do suporte do chefe nazista e de seus partidrios. Mas, quando o chanceler ofereceu-lhe o cargo de vice-chanceler, Hitler no aceitou. Nessa poca, entendia seus adversrios muito melhor do que eles podiam compreend-lo. Aprendera muito sobre negociao poltica e queria o poder supremo ou nenhum outro. Usando sua influncia, jogou toda a fora da imprensa nazista contra o chanceler e seu "ministrio de bares", que, ridicularizado nos jornais, e atacado no governo pelos partidrios de Hitler, foi forado a aceitar um sucessor. Contudo, Hitler tambm se recusou a aprovar Kurt von Schleicher, o sucessor de Papen. Ento todo o governo teve de capitular, pois no podia enfrentar a fora do partido nazista e a extenso da popularidade de Hitler entre o povo alemo. Humildemente, o governo perguntou ao lder nazista o que pretendia para que seu partido apoiasse a administrao de Schleicher. A hora de Hitler chegara. Ele exigiu o cargo de Schleicher - a chancelaria, com todos seus poderes. Os aristocratas engoliram seu orgulho e concordaram. Em 30 de janeiro de 1933, com a condio de que Papen permanecesse como vice-chanceler, o velho general Hindenburg, o "ltimo smbolo da grandeza da Prssia e do seu declnio", nomeou o "cabo austraco", Adolf Hitler, como chanceler da Repblica da Alemanha. O menino do interior da ustria havia vencido. Abrira seu caminho para o alto. O nazismo chegara ao poder.

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7. Finalmente FhrerAdolf Hitler assumiu o poder, no como ditador, mas como chefe de um governo de coalizo, no qual os nazistas s detinham trs dos onze votos cargos ministeriais. At ento, sua carreira apresentara um paradoxo: a combinao de um movimento correspondendo a um apelo por transformaes brutais, mas com a insistncia em chegar ao poder por meios constitucionais. Porm, uma vez no poder, Hitler no tinha nenhuma inteno de se limitar s regras do jogo poltico convencional. Seu primeiro passo foi decreto que suspendia todas as garantias de liberdades individuais, sob pretexto de que o incndio do Reichstag (o Parlamento Alemo), em 27 de fevereiro de 1933, era o sinal de uma sublevao comunista. A seguir, a AS, incorporada polcia, utilizou sua imunidade leal para prender e espancar opositores polticos e judeus, eliminando assim os deputados comunistas que poderiam impedir o avano nazista em nvel parlamentar. Dessa maneira, em 23 de maro, Hitler garantiu uma votao favorvel para o chamado Ato de Autorizao, por meio do qual a Constituio foi colocada de lado, dando ao chanceler o poder de decretar leis, durante quatro anos sem a aprovao parlamentar. Mas Hitler tambm sabia que, para atingir seus objetivos polticos, teria de chegar a um acordo com as Foras Armadas da nao, o Reichswehr. O Exrcito, entre tanto, ainda estava em poder dos conservadores, que durante geraes haviam dirigido as Foras Armadas do pas e a maioria deles possua uma viso negativa dos polticos. Tal atitude, relquia do perodo imperial, tornara-se ainda mais dominante durante a Repblica de Weimar. Os homens da cpula militar, enquanto proclamavam sua total indiferena aos polticos, no faziam segredo de sua hostilidade contra aquele governo liberal e pacifista No rastro das conseqncias da Primeira Guerra Mundial, o general Hans von Seeckt encorajara o corpo de oficiais a transferir sua lealdade para a cpula militar, j que o Kaiser havia fugido do pas. Em 1933, Hitler procurava estabelecer um novo relacionamento entre o governo e Exrcito. No ms de fevereiro, dias aps sua nomeao como chanceler, ele fez um discurso para o Alto Comando, experincia qual se referiu , mais tarde, como "falar para uma parede". Muitos oficiais mais velhos e a maioria dos presentes sempre haviam encarado os nazistas com desagrado. No entanto, Hitler conseguiu assentar as bases precisas do tipo de relao que desejavam manter com os militares. Prometeu-lhes rearmamento e "endurecimento da juventude e fortalecimento do desejo de defesa em todos os nveis". Insistiu tambm em esclarecer que "a luta no interior do pas no seria assunto do Exrcito mas das organizaes nazistas". Em troca da garantia de rearmamento, pediu ao Exrcito que fechasse os olhos para qualquer coisa que acontecesse fora dos portes dos quartis. Suas palavras encontraram a aprovao de dois oficiais que, idealmente colocados, podiam assegurar a participao do chanceler na poltica do Exrcito Werner von Blomberg, ministro do Reichswehr, e Walter von Reichenau, seu conselheiro-chefe. Esses homens venderam, com sucesso, a idia de um novo tipo de neutralidade para o Exrcito. Pouco depois do discurso de Hitler, Reichenau disse a um grupo de oficiais: "Temos de reconhecer que estamos no meio de uma revoluo. O que est podre tem de cair e isso s pode ser conseguido por meio do terror. O partido (nazista) agir sem piedade contra o marxismo. A tarefa do Exrcito

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armar-se. No socorram se qualquer dos perseguidos buscar proteo das tropas. Em seu livro A face do Terceiro Reich, o historiador alemo Joachim C. Fest apresentava uma interpretao de como o Exrcito alemo foi levado a essa posio: "Nesse momento, a velha frmula... do soldado apoltico foi usada mais intensamente do que nunca, como uma mscara ideolgica na qual se ocultava o medo elementar de tomar decises... Sob a Repblica de Weimar, essa atitude havia levado o Exrcito a retirar sua lealdade ao Estado, ao passo que, sob o poder crescente de Hitler, foi para as vtimas do Estado que este recusou ajuda. Em outras palavras, quando antes o Exrcito se recusara a dizer sim, agora recusa-se a dizer no". Durante os anos seguintes, o Exrcito alemo - que em 1935 recebeu novo nome de Wehrmacht, ou Foras Armadas - tornou-se instrumento da poltica nazista. Em 1938, Werner von Blomberg foi demitido do cargo sob a acusao forjada de desvios sexuais e substitudo pelo general Walter von Brauchistsch. Esse general, que descrevia a si mesmo como "pronto para qualquer coisa", foi eco de Hitler. Afirmava sempre que tornaria a Wehrmacht mais leal do que nunca ao nacional-socialismo. O Exrcito alemo comeava a se tornar o tipo de fora de combate que Hitler queria. Os militares alemes estava sendo treinados para cumprir ordens a ponto de dispensarem todas as regras de conduta convencionalizadas para as situaes de guerra. No comeo de 1934, Hitler decidiu enfrentar um problema que ganhara dimenses crticas. A AS tornara-se demasiado independente e provocava controvrsias dentro do partido. Trs ano antes, Ernst Rhm, um dos fundadores da milcia nazista, havia sido chamado da Bolvia (onde trabalhava com conselheiro militar) para reassumir o comando da organizao. No final de 1933, como os efetivos da AS tinham chegado a 2 milhes, Hitler, preocupado com o gigantismo da organizao, comearam a transferir seu apoio para um grupo menor, a Schutzstafel (Destacamento da Guarda). Formada em 1928, como guarda de elite particular de Hitler, a SS como era chamada, tinha uniforme prprio, que lhe valeu o apelido de "Camisas pretas", e uma caveira como smbolo.

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Heirich Himmler

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O Comandante da SS era Heirich Himmler, um dos mais leais partidrios de Hitler. Ex-padre do Exrcito, Himmler participara do Putsch de 1923, mas na poca, no foi considerado bastante importante para ser preso. Agora, aos 33 anos, alm do comando da SS, ele recebia um atribuio de grande importncia: foi nomeado chefe do Geheime Staatspolizei (Polcia Secreta do Estado). Organizaes que ficou conhecida como Gestapo. Em sua nova posio, Himmler transformou-se nos "olhos e ouvidos de Hitler" - talvez o homem mais temido do pas (seu apelido passou a ser "O aougueiro"). Junto com Gring - que deixara a AS depois do Putsch de 1923 - e alguns outros membros de confiana do partido, ele compilou metodicamente a lista dos membros da AS e de outras organizaes nazistas que deviam ser liquidadas. Como explicou mais tarde, a sade do partido exigiam um "expurgo de sangue". Na noite do dia 30 de junho de 1934 - a "Noite dos Punhais" - mais de mil homens de Rhm foram cercados e sumariamente chacinados. Os grupos de execuo agiram to rapidamente que poucas vtimas souberam o que estava acontecendo. Foram atiradas na priso e fuziladas em poucas horas. O Exrcito alemo - assim como Hitler - considerou o fato uma ao lamentvel, porem necessria. O presidente Hindenburg, j com 87 anos, ficou confuso com as notcias do banho de sangue. Em primeiro de agosto, dirigiu-se a Hitler com "Sua Majestade". No dia seguinte estava morto. Hitler no perdeu a oportunidade e acumulou o ttulo de presidente ao de chanceler. Em 1934, para deixar claro o seu controle absoluto sobre o governo, Hitler sugeriu que lhe fosse conferido um ttulo nico de Fhrer (Lder), demonstrando como em muitos outros aspectos do nazismo - que sua inspirao provinha da terminologia do fascismo italiano, pois o ttulo de Mussolini, Il Duce, tambm significa "O Lder". Quando essa proposta foi colocada em votao, 90% dos eleitores apoiaram-na, provando assim que ele era, indiscutivelmente, o homem mais popular da Alemanha. fato incontestvel que Hitler cumpriu muito do que havia prometido. As reformas que empreendeu foram amplamente bem-sucedidas, resolvendo muitos dos grandes problemas do pas. Em apenas trs anos de governo, a renda nacional dobrou, o desemprego quase desapareceu e a produo aumentou em cerca de um tero. Apesar da terrvel violncia oficial, muitos alemes, que aferiam a histria do pas exclusivamente pelos perodos de glria, viram os primeiros anos do governo de Hitler como incio auspicioso da nova era que o Fhrer lhes havia prometido. O Sacro Imprio Romano-Germnico, que durara de 962 a 1806, era considerado o primeiro Reich (ou Imprio) alemo. Em 1871, Otto von Bismarck, estadista conhecido como Chanceler de Ferro, estabelecera o Segundo Reich, um novo Imprio que durara at a derrota da Alemanha em 1918. Em 1933, Hitler conhecendo o amor dos alemes pelos grandes gestos, proclamou o incio do Terceiro Reich. O primeiro durou 844 anos, os segundo apenas 47. O glorioso Terceiro Reich, prometeu o Fhrer, duraria no mnimo, mil anos.

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Por algum tempo, pareceu que sua promessa seria cumprida. Na verdade, a recuperao da Alemanha era algo espetacular. Hitler proclamara que o to esperado rearmamento do pas seria a soluo para o desemprego, dando trabalho para o povo e, ao mesmo tempo , poder para a nao. No entanto, a recuperao da Alemanha realmente aconteceu, devido, principalmente, aos macios programas pblicos de trabalho - por exemplo, a construo de uma ampla rede de rodovias, que, por sua vez, encorajou o crescimento da indstria automobilstica. A construo de estradas tambm empregou cerca de 750.000 homens e as fbricas de motores por elas estimuladas proporcionaram trabalho para mais de 1,5 milho. Os grandes edifcios pblicos, projetados deliberadamente para competir com as pirmides de Egito, tanto deram trabalho aos desempregados como alimentaram as aspiraes de grandeza dos alemes. Durante a primeira metade da dcada de 30, Hitler satisfez seus prprios sonhos de esplendor, superando todos os espetculos anteriores do partido nazista. No tendo afinidades humanas reais de importncia, ele esbanjava seus sentimentos em exibies pblicas. Seu principal arquiteto, Albert Speer, foi, provavelmente quem melhor compreendeu a exploso da emoo humana que as gigantescas manifestaes nazistas representavam, encorajavam e exploravam.

Hitler e Albert Spper, 1937, logo aps Spper ser nomeado inspetor-geral de arquitetura.

Speer vinha de uma antiga e respeitada famlia de mestres construtores e chamara a ateno da cpula do partido pela primeira vez em 1933, quando supervisionava detalhes tcnicos da preparao de um comcio em Berlim. Na organizao desses espetculos, Speer demonstrava uma compreenso da psicologia de massas to profunda quanto a de Hitler. Em suas mos capazes, a viso do Fhrer tornava-se realidade. As muralhas de bandeira, as deslumbrantes exibies de luz - tudo isso era criao de Albert Speer, o tipo de artista que Hitler, com sua orgulhosa estima s prprias habilidades, afirmou certa vez que teria sido, se no houvesse se tornado um soldado na Primeira Guerra Mundial. Para a ideologia do Estado nacional-socialista, Speer era o profissional perfeito. Trabalhava para o governo, afirmando que a poltica desse governo no lhe dizia respeito.

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No se pode negar, porm que Speer foi um arquiteto brilhante. Esforou-se ao mximo na busca do "caminho certo", como ele mesmo disse, para aumentar a eficincia e vencer obstculos aparentemente insuperveis. Estava empenhado em encontrar respostas "tcnicas" para os problemas criados pelo regime para o qual trabalhava. A anlise de Speer feita pelo historiador Joachim C. Fest situa este homem talentoso como "um tipo de indivduo sem o qual nem o nacional-socialismo, nem qualquer outra variedade de totalitarismo moderno poderiam Ter obtido sucesso: o especialista que procurou assegurar para si uma existncia impecvel, refugiando-se na posio ostensivamente apoltica de sua profisso... Homens como Speer nada fizeram para impedir a desonra por terem se recusado a assumir sua responsabilidade no que acontecia. Pois ningum pode se sentir isento de responsabilidade num Estado em que se usam fardas, praticam-se atos de violncia, e onde se prendem e assassinam pessoas. Os grandes comcios nazistas dos anos 30 eram assistidos por centenas de milhares de pessoas, todas levadas a um fervor e uma excitao extremos, diante dos cenrios espetaculares. Um crculo de potentes holofotes dirigia fachos de luz para um ponto central mais elevado, no centro da multido. Para essa "catedral de luz", o Fhrer marchava solenemente frente de uma grande procisso. Uma testemunha assim relatou um desses espetculos: "Saudaes estrondosas encobriam a msica das grandes bandas. Ele subia... e ficava l esperando, at que o silncio fosse completo. Ento de repente, apareciam na distncia uma massa vermelha que avanava. Eram as 25.000 bandeiras das organizaes nazistas". O Adolf Hitler pblico, o impressionante orador e lder central desses espetculos grandiosos, parecia ter pouca relao com o homem formal e distante que surgia quando as paradas terminavam e os holofotes se apagavam. Em seu gabinete, Hitler tendia agitao, sempre rearranjando objetivos sobre a escrivaninha ou atormentando seus auxiliares por fumarem ou comerem alimentos inadequados. Era vegetariano, nunca fumava, nem bebia, mas se empanturrava de chocolate e comia enormes pores de bolo. Estes traos pessoais de simptica gulodice dificilmente poderiam sugerir uma personalidade que, em pouco tempo, iria trazer morte e devastao para milhes de pessoas. Para muitos observadores, no entanto, o perigo que Hitler representava era bem evidente e constitua motivo de grande inquietao. Percebiam que a conquista do poder, dentro do pas, fora apenas o comeo de uma empreitada e que o conceito de Terceiro Reich, uma "Grande Alemanha", significava para Hitler conduzir o pas para uma herica e gloriosa posio de supremacia na Europa. E isso, inevitavelmente, acabaria por levar a revoluo nacional-socialista para alm das fronteiras da sua ptria. Em 1933, Engelbert Dollfuss havia tomado o poder na ustria. No ano seguinte, Dollfuss foi assassinado e, em meio confuso que se seguiu ao atentado, a Alemanha tentou assumir o controle da ustria. Contudo, por causa da interveno diplomtica da Itlia, a tentativa de Hitler fracassou. Mas as pessoas comearam a perceber seus planos.

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Quando em 1935, ele anunciou que estava estabelecendo o servio militar obrigatrio para reconstruir o Exrcito e a Fora Area da Alemanha, ficou claro que havia "rompido o Tratado de Versalhes", como os jornais da Europa e dos Estados Unidos anunciaram. A Inglaterra e a Frana protestaram, mas Hitler, corretamente sups que os Aliados, quase vinte anos depois da ltima guerra, no iriam se unir para opor-se ao crescimento alemo. A tentativa de invadir a ustria e a ampliao do Exrcito foram apenas duas das indicaes que Hitler pretendia ampliar sua "Grande Alemanha Imperial" por toda Europa, absorvendo qualquer pas que se interpusesse no seu caminho. Mein Kampf continha sugestes claras a esse respeito e os discursos do ditador alemo nunca deixara de repisar p destino do glorioso pas. Muitos norte-americanos olhavam-no como a um bandido. "Um cara chamado Hitler manda na Alemanha como Capone manda em Chicago", disse o humorista Will Rogers. Os ingleses consideravam-no um homenzinho vulgar, com ridculas iluses de grandeza. Apesar das evidncias em contrrio, grande nmeros de europeus continuavam a crer que Hitler no era algum para ser levado muito a srio e imaginava que ele poderia ser facilmente controlado se, alguma vez, tentasse exceder os seus limites. Mas Hitler nunca respeitara limites. Possua uma incrvel capacidade de resistncia, completa indiferena ao perigo e era excepcionalmente corajoso ante o sofrimento fsico. Esses desprezo pelo sofrimento, seu ou de outras pessoas, permeou toda sua vida pblica. Alm disso, desde a primeira juventude sempre demonstrara presteza para arriscar tudo em um nico lance. Parecia impenetrvel s provveis conseqncias do fracasso. Mais de uma vez observou que, se o partido nazista casse, traria o mundo abaixo com ele. Por outro lado, o sucesso do seu programa de recuperao econmica tornava sua posio inatacvel. Muitos alemes comeavam a encar-lo como um predestinado. Ento Hitler colocou em marcha o restante dos seus planos.

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8. A construo do ImprioHitler desejava transformar seu pas em um Imprio, a Grande Alemanha, um Estado unificado de todos os territrios de lngua alem. Ele j tivera uma idia de como seria tal unio quando da aliana entre a Alemanha e a ustria durante a Primeira Guerra Mundial. Mas tambm testemunhara a destruio das expectativas dos dois pases, quando o Tratado de Versalhes proibiu a continuidade poltica daquele pacto militar. A partir do momento em que o punho de ao daquele tratado comeou a abrandar seus golpes, Hitler voltou-se inteiramente para a expanso territorial. Entre suas primeiras iniciativas, em 1933, alinhavam-se esforos para o rearmamento da Alemanha. Ele fez o que pde para construir um exrcito e uma fora area. O fracasso em se apoderar da ustria, em 1934, foi apenas um contratempo e, j no ano seguinte, iniciou um amplo recrutamento de soldados. Por volta de 1936, o pas estava suficientemente forte para fazer seu primeiro desafio direto s potncias aliadas e aos termos do tratado com o qual haviam humilhado. Hitler mandou ento duas divises de soldados para a Rennia, regio a oeste do rio Reno, onde os aliados haviam proibido a permanncia de tropas. Os Aliados tinham estabelecido a desmilitarizao da regio, a fim de garantir a segurana da fronteira com a Frana, no caso de uma futura agresso alem. Naturalmente, os franceses ficaram alarmados com o movimento de Hitler. A volta de tropas alemes para a Rennia despertava-lhes desagradveis lembranas da facilidade e da rapidez com que a ofensiva alem de 1914 desabara sobre eles, sem que tivessem a menor chance de calcular seu tamanho ou direo. O governo de Paris protestou, mas no recebeu apoio. Os ingleses julgaram no Ter nada a ver com o que os alemes faziam em seu prprio territrio; os italianos estavam ansiosos por manter boas relaes com a Alemanha; e o governo dos EUA, s voltas com graves problemas econmicos, no mostrou disposio para se envolver numa disputa que considerava assunto exclusivamente europeu. Dessa forma, o primeiro movimento agressivo de Hitler - uma clara declarao de intenes - teve amplo sucesso e passou despercebido para muitas naes que, mais tarde, descobririam o alto preo que pagaram por manter essa poltica externa baseada numa viso imediatista e na indiferena. Embora nenhum governo houvesse realmente feito oposio a Hitler, este praticamente no tinha apoio na Europa, a no ser de Mussolini, seu nico aliado, que perseguia os prprios sonhos de glria. Por isso, o apoio da Itlia era importante para Hitler e ele apreciava muito a boa vontade pessoal do lder daquele pas. Benito Mussolini eram um poltico rude e agressivo, com grandes ambies e uma viso um pouco mais clara do que a de Hitler. Esse ex-jornalista, de eloqncia carismtica e cheia de promessas romnticas de uma volta gloria da Roma Antiga, conquistara a posio de ditador incontestvel da Itlia, em 1922. Despertara as esperanas dos pobres e dos famintos da mesma forma como Hitler haveria de fazer na Alemanha onze anos depois. Mussolini tambm criara gigantescos projetos de obras pblicas e construiu grandes rodovias.

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Hitler aprendera e copiara muita coisa de Il Duce e acabara por consider-lo como um modelo. Embora, s vezes parecesse um tanto ridculo, o italiano empertigado, de linguagem empolada, sabia claramente o que estava fazendo e, ainda que, pessoalmente, rejeita-se os alemes, reconhecia que eles vinham crescendo em influncia e sabia quais eram seus prprios interesses. Era um oportunista tranqilo que s arriscava naquilo que considerava como proposta segura. Em outubro de 1936, acreditando que um dia controlariam todo o continente europeu, os dois homens firmaram uma aliana. Visualizaram o poder na Europa como raios que partiam de uma linha entre as suas capitais e chamaram essa linha de Eixo Roma - Berlim. O "Eixo do Poder" logo iria agitar e aterrorizar o mundo. Mussolini e Hitler desejavam a mesma coisa: mais territrios. Os alemes davam a isso o nome de Lebensraum (Espao Vital). Mussolini queria transformar o Mediterrneo em um lago italiano e pretendia cerc-lo pela conquista de territrios na frica. Em 1935 desencadeou-a invaso, por terra, mar e ar, contra o antigo e independente reino africano da Etipia. Quando a Liga das Naes protestou, a Itlia simplesmente deixou a organizao. Para Hitler, o precedente estabelecido por Mussolini era especialmente encorajador. Se o ditador italiano sara inclume, no poderia ele, Adolf Hitler, conduzir a poltica exterior da Alemanha com impunidade anloga?. Por muitos anos havia sonhado com o Anschluss (unio poltica) com a ustria. Em 1938, apoiado em vem organizadas manifestaes nazistas, pressionou Kurt von Schuschnigg, o chanceler austraco, para que reconhecesse oficialmente o partido nazista da ustria e para que colocasse nazistas em cargos importantes do governo. Quando Schuschnigg pediu um plebiscito sobre a anexao da ustria, o Fhrer imediatamente mandou tropas invadirem e ocuparem sua terra natal. Finalmente, Hitler voltava triunfante a Viena, onde tivera uma vida to solitria e difcil. Os nazistas austracos receberam-no com entusiasmo, dando boas-vindas ao Anschluss e acreditando que, longe de estar conquistando o pas, o ditador alemo havia simplesmente aberto as portas do Reich a um de seus filos. Na verdade, porm, era o sonho do Imprio da Grande Alemanha que estava se tornando realidade, e Hitler o conquistavam com menos oposio do que a revelada aps a ocupao da Rennia. Como um mau pressgio, a SS e a Gestapo colocaram rapidamente a polcia nazista em ao na ustria. Muitos observadores estrangeiros notaram que a situao se precipitara, pois aquilo que havia levado anos para acontecer na Alemanha levara somente algumas semanas na ustria. A anexao que Hitler fez de sua terra natal estabeleceu um modelo para as invases futuras. Atrs das tropas, chegava a Nova Ordem, o mito da supremacia racial, os campos de concentrao para judeus e intelectuais, e o esmagamento de qualquer oposio poltica. A anexao da ustria aconteceu em fevereiro de 1938. No vero do mesmo ano, diante da pouca ou nenhuma resistncia encontrada na invaso daquele pas, Hitler atacou outra reivindicao territorial: pediu de volta a regio dos Sudetos, uma faixa de terra fronteiria com a Tchecoslovquia, que fora tomada da Alemanha nas condies do Tratado de Versalhes. Desde ento, essa perda vinha irritando os alemes, no s porque historicamente a rea era alem, ou por ser rica em recursos naturais, mas tambm porque os alemes haviam sido por muitos anos, o grupo populacional dominante na regio.

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A ascenso da Alemanha tornava-se rapidamente um fato incontestvel na vida poltica da Europa e, embora muitos pases reconhecessem a gravidade da situao, nenhum deles estava preparada para correr o risco de um confronto direto. Em setembro de 1938, delegados da Frana e da Inglaterra viajaram Alemanha numa tentativa de encontrar uma soluo pacfica para o problema. Em Munique, fizeram uma proposta qual Hitler no pde resistir: se concordasse em no invadir a Tchecoslovquia, seus governos apoiariam a reivindicao alem sobre a regio dos Sudetos. Hitler enfrentara o mundo e conseguira o que deseja, sem disparar um nico tiro. Como havia previsto, os ingleses e os franceses j estavam bastantes intimidados para se arriscar a um confronto com a Alemanha. O primeiro-ministro ingls, Neville Chamberlain, era um poltico firme mas pouco inspirado, conhecido por sua prudncia, e freqentemente acusado por colegas e oponentes de Ter fraca percepo. Este bem intencionado, mas ineficiente, primeiro ministro tornou-se um heri em seu pas, do dia para a noite. Voltou Inglaterra agarrado a um pedao de papel que, supostamente, continha os termos de um novo tratado e gabando-se de haver assegurado a "paz de nosso tempo". Sua conquista fora negociar parte da Tchecoslovquia a fim de apaziguar o ditador de Berlim. Chamberlain no se deixara abalar pelo fato de que a Frana, o aliado mais seguro dos ingleses, estava comprometida, por tratado, a ajudar a Tchecoslovquia em caso de invaso. Sem dvida, a sua conscincia sentiu-se consideravelmente aliviada pelo fato de que a Frana tambm havia preferido esquecer o compromisso particular. Hitler acabava de constatar que a Inglaterra e a Frana no lutariam para apoiar seus aliados e, com os Sudetos sob seu controle, o resto da Tchecoslovquia seria presa fcil. A propaganda alem encorajou o descontentamento entre as minorias tchecas, forando o governo a conceder autonomia para vrias regies. Sob a presso de Berlim, no dia 14 de maro de 1939, a Eslovquia declarou-se independente. Imediatamente, no dia seguinte, Hitler forou o governo tcheco a permitir que as provncias da Bomia e da Morvia se tornassem protetorados alemes. Assim, apenas seis meses depois de afirmar que pretendia apenas os Sudetos, ele riscava a Tchecoslovquia do mapa da Europa, sem recorrer guerra aberta, usando nada mais do que uma hbil intimidao. "Eu vi aqueles vermes em Munique", zombaria ele mais tarde. Embora a destruio da Tchecoslovquia parecesse um inigualvel triunfo de Hitler, o fato de os embaixadores da Inglaterra e da Frana terem apresentado em Berlim o protesto de seus respectivos governos era uma indicao efetiva de que os dias de conquistas fceis do ditador alemo estavam contados. Nos dois pases, o apoio ao pblico para uma conciliao evaporou-se em poucos dias, depois do avano alemo sobre Praga. A partir de ento , a poltica exterior dos ingleses e dos franceses foi obrigada a levar em considerao a crescente hostilidade pblica contra a Alemanha.

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Aps os triunfos na ustria e na Tchecoslovquia, Hitler voltou a ateno para os territrios que sempre haviam ocupado lugar de destaque em seus planos de expanso: a Polnia e outros pases da Europa oriental.

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Entretanto, o sucesso de qualquer ao alem nesse sentido dependeria no s de uma capacidade militar adequada, mas tambm de uma efetiva atividade diplomtica prvia. Hitler necessitava de um negociador que pudesse obter, no exterior, a segurana poltica que a Alemanha necessitava, algum suficientemente expressivo para capacit-lo a conduzir uma operao de grande porte sem desencadear uma guerra mundial. Hitler encontrou esse homem em Joachim von Ribbentrop. Este levava uma vantagem em relao maioria dos conselheiros de Hitler e at sobre o prprio Fhrer. Era um homem do mundo. Sua educao e seu trabalho como negociante de vinhos o haviam levado Frana e aos Estados Unidos. conseqentemente, sabia duas lnguas a mais do que a maioria dos membros da cpula nazista. Ribbentrop no era um diplomata sagaz, mas, como a maioria dos fiis do partido, o que lhe faltava em inteligncia sobrava em lealdade. Depois de dois anos como embaixador na Inglaterra, em 1938 tornara-se o ministro das Relaes Exteriores da Alemanha. Ajudara a executar a absoro da ustria e da Tchecoslovquia pelo Reich, e em 1936 desempenhara um papel modesto nas negociaes da aliana com a Itlia. Suas mais importantes negociaes diplomticas foram as que resultaram no pacto de no-agresso firmado entre a Alemanha nazista e a Unio Sovitica, em agosto de 1939. A invaso a Polnia, ocorrida poucos dias depois da assinatura do pacto, foi a concluso de tudo aquilo que a argumentao expansionista de Hitler j indicara. Cada to pblico do partido, desde que ele assumira o cargo de chanceler, havia preparado a nao para isso. Sua propaganda bombardeara continuamente a cabea dos alemes com o conceito de Lebensraum. Seu ministrio da Propaganda, Joseph Goebbels, dissera em 1936 que a "guerra mais simples afirmao de vida". Nascido com um p torto, esse "homenzinho coxo, de orelhas cadas e boca solta", como o descreveu um jornalista norte-americano, foi o nico oficial superior do partido nazista que se mostraria mais cruel e anti-semita do que Himmler ou o prprio Hitler. sempre difcil definir com preciso a extenso da influncia pessoal de um indivduo sobre as decises coletivas transformadas em poltica governamental, mas algumas das mais horrorizantes aes polticas do partido nazista podem ser atribudas a Joseph Goebbels,. Hitler inspirou e ordenou a famosa "soluo final para a questo judaica". A SS de Himmler forneceu os homens que realizaram o terrvel trabalho, e um oficial da Gestapo, Adolf Eichmann, cuidou dos detalhes administrativos. Mas foi o quieto, metdico e bem-educado dr. Goebbels quem definiu o significado da "soluo". De acordo com o historiador Robert Herzstein, "Goebbels sempre havia sido o nico alto lder nazista a insistir na necessidade de realmente se promover o extermnio dos judeus". Goebbels era um mestre da propaganda, um veterano ator que se vangloriava de poder fazer o pblico acreditar em qualquer coisa. Convencido, como o seu Fhrer de que a Alemanha necessitava de Lebensraum, dedicou-se a preparar o povo alemo para lutar por isso. "chegou a Hora", disse ele, "de a Alemanha exigir seu direito histrico na Europa. O elevado destino da raa superior se aproxima. O povo tem que desejar sacrificar-se pela glria do Reich. Qualquer conforto deve ceder lugar necessidade de armas".

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"Antes as armas, depois a manteiga" tornou-se a palavra de ordem de Goebbels. Embora vivesse cercado pela prodigalidade ele repisou a necessidade de os alemes viverem sem luxo. A partir de ento, deviam viver de acordo com as restries de uma economia de guerra, pois toda a produo passaria a ser canalizada em uma nica direo e teria um alvo nico: a reconstruo do Exrcito. "Podemos viver sem manteiga", afirmou em um discurso de 1936, "no sem armas. No se pode atirar com manteiga, com pistolas sim". At Gring, na poca chefe da Fora Area e sempre em conflito co