maria sonaly 2008

Upload: patricia-oliveira-andrade

Post on 03-Mar-2016

108 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Dissertação Linguística

TRANSCRIPT

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIBA

    CENTRO DE CINCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LINGUSTICA

    MESTRADO EM LINGUSTICA

    MARIA SONALY MACHADO DE LIMA

    A TRADIO ORAL NO PROCESSO DE AQUISIO DA

    LEITURA E DA ESCRITA: PARLENDA

    Joo Pessoa PB

    2008

  • MARIA SONALY MACHADO DE LIMA

    A TRADIO ORAL NO PROCESSO DE AQUISIO DA LEITURA E

    DA ESCRITA: PARLENDA

    Dissertao apresentada ao programa de Ps-

    Graduao em Lingstica, da Universidade Federal da

    Paraba rea de concentrao: Lingstica e Ensino. Linha de pesquisa: Oralidade e Escritura descrio

    para obteno do ttulo de Mestre em Lingstica.

    Orientadora: Prof. Dr. Maria Claurnia Abreu de Andrade Silveira

    Joo Pessoa PB

    2008

  • MARIA SONALY MACHADO DE LIMA

    A TRADIO ORAL NO PROCESSO DE AQUISIO DA LEITURA E

    DA ESCRITA: PARLENDA

    Dissertao apresentada ao programa de Ps-

    Graduao em Lingstica, da Universidade Federal da

    Paraba rea de concentrao: Lingstica e Ensino. Linha de pesquisa: Oralidade e Escritura descrio

    para obteno do ttulo de Mestre em Lingstica.

    APROVADA EM ___/___/___

    BANCA EXAMINADORA DA QUALIFICAO

    ______________________________________________________

    Prof. D. Maria Claurnia Abreu de Andrade Silveira (Orientadora)

    Universidade Federal da Paraba

    ______________________________________________________

    Prof. Dr. Rosalina Maria Sales Chianca

    Universidade Federal da Paraba

    ______________________________________________________

    Prof. Dr. Marizete Fernandes de Lima

    Universidade Federal da Paraba

  • L732 LIMA, Maria Sonaly Machado de.

    A tradio oral no processo de aquisio da leitura e da

    escrita: parlenda/Maria Sonaly Machado de Lima Joo Pessoa, 2008.

    90p.:il.

    Orientadora: Maria Claurnia Abreu de Andrade Silveira

    Dissertao (mestrado) UFPB/CCHLA 1. Linguagem. 2. Parlendas Educao Infantil. 3. Aquisio

    da leitura e da escrita. 4. Letramento escolar.

    UFPB/BC CDU: 800.1 (043)

  • Severina, minha me pelo carinho que me

    proporcionou, ensinando-me a viver

    Srgio Ricardo, meu companheiro, com

    quem compartilho as alegrias e os obstculos de

    minha vida.

    todas as crianas que ingressam neste

    mundo fantstico da escrita e da leitura.

  • A meu esposo, Srgio Ricardo, agradeo pelo companheirismo e incentivo ao longo

    deste perodo de estudo.

    A professora Elsia e aos seus alunos do ano letivo de 2007 pela confiana e dedicao

    durante toda a pesquisa, compartilhando comigo o valioso dom do conhecimento.

    Aos Professores do Programa de Ps-graduao em Lingstica (PROLING) em

    especial s Profs. Drs. Rosalina Maria Sales Chianca, Marianne Carvalho Bezerra

    Cavalcante, pelo respaldo que tem dado aos meus projetos acadmicos.

    Prof. Maria Claurnia Abreu de Andrade Silveira, minha orientadora, por me

    conduzir de forma majestosa neste trabalho, com um borbulhamento de idias, que fluram

    nas orientaes, transcendendo suas funes acadmicas, tornando-se uma amiga mentora.

    Pelas leituras e observaes no exame de qualificao aos professores Rosalina Maria

    Sales Chianca e ao professor Onireves Monteiro de Castro.

    Gostaria de agradecer em especial a professora Marizete Fernandes de Lima pelas

    leituras, observaes e incentivos deste trabalho.

    s colegas do mestrado, Bianca e Mnica, bem como aos demais, pela felicidade de

    compartilhar de sua companhia durante esta caminhada.

    A todos que, direta ou indiretamente, me prestaram apoio na consecuo deste

    objetivo.

  • incomparvel a riqueza do folclore infantil: os jogos,

    as rodas, as canes, as adivinhas, as parlendas. So

    mensagens e recados () de povo a povo, de sculo a sculo,

    sem sair da perene onda infantil que os leva a ignorados

    destinos.

    Joo Ribeiro O Folclore

  • RESUMO

    O presente trabalho originou-se no desafio de comprovar e analisar na sala de aula a

    viabilidade da utilizao da parlenda no processo de letramento na educao infantil e assim,

    expandir atividades de leitura e escrita, atravs dos textos da tradio oral. A pesquisa

    analisou a experincia metodolgica vivenciada com a turma do nvel III (crianas com cinco

    anos), em uma escola da rede privada de ensino, durante a operacionalizao de um projeto de

    leitura no perodo de um semestre. Esse estudo possibilitou o acompanhamento gradativo da

    evoluo da escrita dessas crianas, atravs de atividades sistematizadas com o texto parlenda.

    A partir das parlendas, utilizadas em sala de aula pela professora, realizou-se pesquisa

    bibliogrfica sobre a multiplicidade de variantes de alguns desses textos, marcas de suas

    transformaes e permanncia na memria popular. Com base nos pressupostos tericos de

    Vygotsky, Ferreiro, Zumthor e Heylen objetivou-se, especificamente, investigar como a

    cultura oral, caracterizada neste trabalho pelas parlendas, pode contribuir no processo

    pedaggico da aquisio da leitura e da escrita num contexto de letramento em sala de aula.

    Palavras-chave: linguagem letramento parlendas

  • RESUMEN

    El presente trabajo se origin por el desafo de comprobar la viabilidad pedaggica del texto

    oral, especficamente, de los trabalenguas en una sala de clases de educacin infantil. La

    investigacin analiz la experiencia metodolgica vivenciada con una clase del tercer nivel

    (chicas con cinco aos), en una escuela da la enseanza privada, durante la operacionalizacin

    de un proyecto de lectura en el perodo de un semestre. Este estudio posibilit el

    acompaamiento paso a paso de la evolucin de la escrita de los nios, a travs de actividades

    sistematizadas con el texto trabalenguas. A partir de los trabalenguas, utilizados en la sala

    de clases por la profesora, se realiz una investigacin bibliogrfica sobre la diversidad de

    variantes de algunos de estos textos, marcas de sus transformaciones y permanencia en la

    memoria popular. Con base en los presupuestos tericos de Vygotsky, Ferreiro, Zumthor y

    Heylen, se tuvo como meta, especficamente, investigar cmo la cultura oral, caracterizada en

    este trabajo por los trabalenguas, puede contribuir en el proceso pedaggico de la

    adquisicin de la lectura, de la escrita en un contexto de letramiento en el saln de clases.

    Palavras-chave: linguagem letramiento trabalenguas

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 1 Hiptese de escrita das crianas ..................................................................... 57

    Tabela 2 2 Hiptese de escrita das crianas ..................................................................... 58

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: Conhecimento prvio dos alunos .......................................................................... 61

    Figura 2: Ordenao da parlenda por palavras ..................................................................... 64

    Figura 3: Parlenda caf com po ......................................................................................... 65

    Figura 4: Escrita espontnea ................................................................................................ 66

    Figura 5: Parlenda: ordenao por frases ............................................................................. 68

    Figura 6: Parlenda pula-pula ............................................................................................... 69

    Figura 7: Parlenda do sapato ............................................................................................... 74

    Figura 8: Jacar ................................................................................................................... 75

    Figura 9: Macaco ................................................................................................................ 76

    Figura 10: Parlenda avio .................................................................................................... 77

    Figura 11: Parlenda tropeiro ................................................................................................ 77

    Figura 12: Parlenda batatinha .............................................................................................. 79

    Figura 13: Parlenda do doce ................................................................................................ 79

    Figura 14: Parlenda Domingo .............................................................................................. 80

  • SUMRIO

    INTRODUO ................................................................................................................. 13

    APTULO I

    CONCEPO DE LINGUAGEM NA APRENDIZAGEM DA LNGUA .................... 17

    1.1 A CONCEPO DE LINGUAGEM E APRENDIZAGEM NA PESPECTIVA

    VYGOTSKIANA ............................................................................................................... 17

    1.2 ORALIDADE E PERFORMANCE NA SALA DE AULA ............................................ 21

    1.2.1 O ESPAO DA ORALIDADE E DA ESCRITURA ................................................... 25

    1.3 O PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM NA LEITURA E NA ESCRITA ..... 17

    APTULO II

    A TRADIO ORAL NO PROCESSO DE AQUISIO DA LEITURA E DA

    ESCRITA ........................................................................................................................... 36

    2.1 NAS TRILHAS DA ORALIDADE COM AS PARLENDAS ........................................ 37

    2.2 ESPAO DE LETRAMENTO ESCOLAR: AS PARLENDAS NA SALA DE

    AULA .................................................................................................................................. 46

    APTULO III

    ABORDAGEM TERICO-METODOLGICO DA PESQUISA .................................. 51

    3.1 CARACTERIZAO DOS DADOS DA PESQUISA ................................................... 51

    3.2 CRITRIOS PARA A ESCOLHA DA SALA DE AULA ............................................. 52

    3.2.1 A SALA DE AULA: ASPECTOS GERAIS ................................................................ 53

    3.3 O PROJETO DE LEITURA - CONTEXTUALIZAO ............................................... 54

    3.4 ANLISE E INTERPRETAO DOS DADOS ........................................................... 54

  • 3.5 OS ALUNOS: SUJEITOS DA PESQUISA .................................................................... 56

    3.6 NAS CIRANDAS DA PARLENDA .............................................................................. 59

    4. CONCLUSO ................................................................................................................ 82

    5. REFERNCIAS ............................................................................................................. 84

    ANEXOS

    ANEXO A - DIAGNSTICO DA ESCRITA DAS CRIANAS REALIZADO NO DIA

    27/08/2007 .......................................................................................................................... 88

    ANEXO B - DIAGNSTICO DA ESCRITA DAS CRIANAS REALIZADO NO DIA

    10/11/2007 .......................................................................................................................... 92

    ANEXO C COLETNEA DE TEXTOS PESQUISADOS NO MEIO FAMILIAR ........... 96

    ANEXO D IMAGENS DO LIVRO CONSTRUIDO PELAS CRIANAS ........................ 100

  • 14

    INTRODUO

    Os textos da tradio oral, relatos, causos, contos populares, parlendas, adivinhas,

    trava-lnguas, cantigas de rodas, entre outros, sempre estiveram presentes no imaginrio

    social. Esses textos caracterizam-se pela sua difuso atravs da oralidade e, recuperados pela

    memria, adquirem a funo de encantar, divertir, entreter e cultivar valores.

    Esse acervo oral por vezes no reconhecido como passvel de um trabalho

    pedaggico e permanece fora da escola. Os docentes ou por no conhecerem os textos da

    tradio oral ou por no reconhecerem neles o interesse que podem despertar nos seus alunos,

    ou ainda, por no saberem como abordar textos de carter oral na sua prtica pedaggica,

    deixam de explorar, na sala de aula, um material que pode garantir bom subsdio para suas

    aulas. Ao recitar uma parlenda ou contar um conto ou at mesmo cantar uma cantiga,

    expomos os nossos ouvintes a uma realizao textual linguagem oral em sua plenitude.

    A presente pesquisa tem como objetivo comprovar e analisar, na sala de aula, a

    viabilidade da utilizao da parlenda no processo de letramento na educao infantil e deste

    modo, expandir atividades de leitura e escrita, atravs dos textos da tradio oral. Os objetivos

    especficos que norteiam este trabalho so:

    Pesquisar a presena dos textos orais Parlendas na prtica docente em uma

    turma da educao infantil;

    Identificar e analisar gneros orais da infncia Parlenda em uma proposta de

    letramento;

    Classificar, por categoria, as Parlendas estudadas no universo da sala de aula;

    Descrever habilidades sociolingsticas desenvolvidas pelas crianas atravs trabalho

    com Parlendas;

    O trabalho trata o texto oral como objeto de ensino, que favorece a compreenso do

    processo de aquisio da leitura e da escrita nas sries iniciais. A hiptese que direciona este

    estudo a seguinte: Qual a contribuio da aplicao da parlenda como recurso didtico no

    processo de aquisio da leitura e da escrita. Embora as pesquisas nessa rea tenham crescido,

    diversificando o entendimento sobre os processos de aquisio de leitura e escrita, sentimos a

    necessidade de refletirmos sobre a iniciao da escolaridade e o papel da cultura popular no

    universo letrado. Por vezes, percebemos que atualmente, em nossa sociedade, os textos de

    tradio oral tem-se perdido no tempo, sobretudo, pelo modelo de sociedade existente, que

  • 15

    no favorece o contato das geraes, o que provoca a falta de oportunidade em vivenciar os

    contos orais, as brincadeiras da tradio popular, entre outras manifestaes de nossa cultura.

    Ao ingressar na escola, seja qual for sua idade, a criana traz consigo as marcas de seu

    meio cultural, carregando conjuntos de representaes simblicas que lhe foram transmitidas

    por seus pais, avs e amigos. sabido que a criana em idade pr-escolar adquire a maior

    parte de seus conhecimentos atravs da transmisso oral. Os adultos com quem convive so os

    que a introduzem no uso da palavra.

    Durante sculos, o conhecimento foi transmitido atravs da oralidade. Quando no

    existiam livros, escolas, nem a infncia como a concebemos hoje. Atravs dos mitos, dos

    contos, e de todas as formas possveis de comunicao oral e corporal, transmitiam-se valores

    e regras sociais.

    Com o passar dos tempos, a escola passou a valorizar de tal forma o livro e a letra

    impressa, que acabou subestimando a linguagem oral, sem levar em considerao que

    oralidade, leitura e escrita so atividades integradas e complementares. Contudo, no

    podemos negar que o primeiro contato da criana com o texto se d atravs da narrao oral,

    independentemente de estar ou no vinculada ao livro. Mas, apesar de muitos contos e outros

    textos populares terem chegado at ns pela escrita, sua sobrevivncia na histria deve-se

    tradio oral.

    Antigamente, era extremamente marcante na formao das crianas, a presena de

    certas manifestaes da cultura popular. Em uma sociedade predominantemente oral, os

    contadores de histrias, os pastoris, os livros cujos contedos estavam indissociavelmente

    ligados tradio popular, as festas de So Joo, carnaval e religiosas imprimiram-se com

    fora na memria dos narradores. Por este motivo, essencial que no cotidiano escolar

    planejem-se projetos em que os textos e os saberes da tradio popular estejam envolvidos no

    cotidiano das salas de aulas. neste sentido que a cultura e o folclore, em todo o seu sentir,

    pensar, agir, estejam constantemente permeando os planejamentos, deixando o conhecimento

    de nossa tradio penetrar na vida dos estudantes. Assim, o ensino no ser mera

    transferncia, mas uma constante criao de possibilidades para a prpria produo e

    perpetuao da cultura popular.

    Questes como essas nos instigaram a vislumbrar a problemtica desta pesquisa:

    Como expandir atividades de leitura e escrita, socialmente relevantes, na escola, integrando

    atividades que estimulem a oralidade com textos da tradio oral, pertencentes ao nosso

    acervo cultural? Neste contexto, optamos, por trabalhar com a aquisio da escrita das

    crianas atravs de atividades com texto parlenda considerada como Um conjunto de

  • 16

    palavras de arrumaes rtmicas em forma de versos que rimam ou no. Ela se distingue dos

    demais versos pelas atividades que acompanha, seja jogo, brincadeiras ou movimento

    corporal. Jaqueline Heylen (1987 p.13). Todo o trabalho encontra-se respaldados por

    propostas pedaggicas que defendem o alfabetizar e letrar como processos simultneos, ou

    seja, um ensino sistemtico da noo alfabtica com vivncia cotidiana de prticas letradas,

    que permitam ao aluno se apropriar das caractersticas e finalidades do sistema alfabtico e

    progressivamente, aprender e automatizar suas convenes. A alfabetizao passa a ser

    considerada parte essencial do processo de letramento, que se inicia antes mesmo da fase

    escolar e se estende por toda vida. Alis, no contexto concreto de uso social da lngua, que a

    alfabetizao se torna aprendizagem significativa para o aluno, pois permite que ele interaja

    ativamente com os textos e discursos em circulao e, a partir deles, formule hipteses sobre o

    sistema de escrita de nossa lngua.

    Observar o cotidiano da educao infantil e conhecer a relao da oralidade e escritura

    neste contexto, atravs de prticas onde o texto oral e escrito e cultura popular se entrelaam,

    estimulou-nos. Pois, como pesquisadora, vivenciei descobertas, acompanhei o processo em

    que as crianas construram sua compreenso sobre a linguagem/cultura.

    A pesquisa possibilita ainda, discutir as questes do popular no universo escolar no

    apenas como data comemorativa, mas como parte integrante do currculo escolar. A leitura da

    bibliografia sobre o tema torna ainda mais aguada essas questes, pois existem poucos

    materiais em nossa literatura que reflitam teoricamente sobre, a utilizao dos textos da

    tradio oral em sala de aula. O que encontramos so coletneas de textos na seo folclore.

    Somando-se a todos esses fatores, o trabalho com parlendas vivel, porque se caracteriza

    pelo aspecto ldico. Neste universo a oralidade se transforma em texto escrito e retornam

    como oralidade na voz das crianas que lem as parlendas. A ludicidade, neste trabalho no se

    resume a uma forma especfica, nem a um objeto especfico, uma vez que, o brincar se

    desenvolve no seio de uma cultura, em um contexto social especfico ele no uma atividade

    que surge espontaneamente na vida da criana aprende-se a brincar e seus efeitos oferece a

    quem dele faz uso, a construo de uma base slida para toda a vida, pois capaz de atuar no

    desenvolvimento cognitivo e emocional. Por isso, importante que atividades ldicas

    invadam as prticas docentes nas salas de aulas, aproveitando todos os momentos para

    proporcionar aos alunos o acesso ao desenvolvimento e ao conhecimento, porque ler e

    escrever so aes mentais decorrentes da funo simblica. Assim, o fato de que o objeto

    parlenda seria passvel de diversas anlises, apresentando uma multiplicidade de faces e

  • 17

    mostrando-se potencialmente rico para a aproximao e aprofundamento de questes que tm

    me acompanhado ao longo de minha trajetria acadmica, foi um fator decisivo na escolha.

    A pesquisa desenvolvida com base nas observaes realizadas durante a

    operacionalizao de um projeto de leitura que j faz parte do Projeto Poltico Pedaggico da

    escola, vivenciado em sala de aula. Como o universo de textos orais muito vasto, faz-se

    necessrio que delimitemos o campo de nossa pesquisa para o trabalho com o texto da

    oralidade Parlenda.

    Realizaremos um estudo buscando elucidar como se d a aquisio da lngua escrita

    atravs do uso sistemtico das parlendas, por meio da anlise das hipteses de escrita

    construdas pelas crianas durante o projeto de leitura. Tambm foram analisadas as prticas

    educativas que permeiam todo o processo de aprendizagem do alfabetizar letrando. medida

    que fomos realizando a anlise dos dados, iniciamos, mais sistematicamente, a escrita do

    texto, parte intrnseca prpria produo. Em todo o processo, as idas e vindas entre as vrias

    etapas descritas foram constantes. Os estudos sobre aquisio da leitura e da escrita, relao

    entre oralidade e letramento, as discusses em torno da performance, norteiam, terica e

    metodologicamente, a investigao.

    Passamos apresentao da estrutura geral deste trabalho. No primeiro captulo,

    apresentaremos as teorias sobre a concepo de linguagem na aprendizagem da lngua dentre

    elas: a concepo de linguagem e aprendizagem na perspectiva Vygotskiana, o Processo de

    Ensino e Aprendizagem de Leitura e Escrita, numa perspectiva scio-interacionista e

    Oralidade e Performance no espao escolar. Este captulo vem apresentar a concepo de

    aprendizagem que fundamenta esta pesquisa concebendo-a como processo pelo qual o

    indivduo adquire informaes, habilidades, atitudes e valores a partir do seu contato com a

    realidade, com o meio ambiente e com as pessoas, isto atravs da interao social.

    No segundo captulo, trataremos sobre o papel da tradio oral no processo de

    aquisio da leitura e da escrita, como esses textos podem contribuir para a prtica pedaggica

    em sala de aula. Compem um estudo enfocando a sua importncia no universo cultural, as

    suas transformaes e a permanncia destes textos na tradio oral. Tambm sero discutidas

    as questes do alfabetizar letrando, o desafio que se coloca para os primeiros anos de

    escolaridade conciliar estes dois processos, assegurando aos alunos a apropriao do sistema

    alfabtico e condies possibilitadoras do uso da lngua nas prticas sociais de leitura e

    escrita. Abordaremos os subitens Nas trilhas da oralidade, As Parlendas e as Parlendas na

    sala de aula: um contexto de letramento.

  • 18

    O terceiro captulo ser dedicado s questes metodolgicas da pesquisa, momento em

    que apresentaremos o corpus parlenda, para a caracterizao, anlise e interpretao dos

    dados, espao dedicado a articulao do discurso com a prtica. Nesta etapa buscamos um

    enfoque mais amplo das atividades ligadas ao registro, divulgao, transformaes,

    utilizaes, permanncias dos textos orais parlendas, no que diz respeito prtica pedaggica

    na sala de aula.

  • 19

    APTULO I

    CONCEPO DE LINGUAGEM NA APRENDIZAGEM DA LNGUA

    Neste captulo, trataremos sobre algumas concepes de ensino e aprendizagem da

    lngua as quais fornecem embasamento terico para o presente estudo. As experincias e os

    estudos realizados em minha prtica pedaggica possibilitaram a reflexo e aplicabilidade das

    teorias de Piaget e Vygotsky sobre a aprendizagem do sujeito no processo de aquisio da

    leitura e da escrita. Somando a essas teorias as descobertas da pesquisadora Emlia Ferreiro

    quanto psicognese da lngua escrita, bem como, os estudos sobre letramento difundidos

    nestes ltimos anos em nossos sistemas de ensino. Diante destas concepes passamos a

    desenvolver trabalhos em sala de aula visando no s compreender como a criana aprende,

    mas a melhor forma de ensin-la elaborando e organizando situaes nas quais a criana

    seja motivada a pensar e construir hipteses sobre o que est aprendendo. Aliados a essas

    teorias, encontram-se os estudos do medievalista Paul Zumthor sobre oralidade e

    performance, que favorecem inclusive a atuao de professores, dentro do universo de sala de

    aula, expressando-se atravs de suas performances orais. Tambm ser observado o

    envolvimento das crianas pela potica da cultura oral atravs das atividades com o texto

    parlenda, como poderemos observar detalhadamente no terceiro captulo.

    1.1 A CONCEPO DE LINGUAGEM E APRENDIZAGEM NA PERSPECTIVA

    VYGOTSKIANA

    Desde o nascimento, a criana encontra-se em processo contnuo de desenvolvimento.

    Este marcado por aquisies significativas que ela vai incorporando atravs de sua relao

    com o seu meio fsico e sociocultural. Para o desenvolvimento da linguagem na criana,

    principalmente na primeira infncia, o que se reveste de importncia primordial so as

    interaes com os adultos, portadores de mensagens da cultura. Nessa interao, o papel

    essencial corresponde aos signos, aos diferentes sistemas semiticos, que tm funo de

  • 20

    comunicao e logo comeam a ser utilizados como instrumentos de organizao social

    (VYGOTSKY, 1988).

    Uma das contribuies mais importantes que fundamentam tais colocaes a

    vertente histrico-cultural. Um dos maiores expoentes dessa abordagem Lev Semenovich

    Vygotsky, que construiu sua teoria tendo por base o desenvolvimento do indivduo como

    resultado de um processo social e histrico, enfatizando o papel da linguagem e da

    aprendizagem nesse desenvolvimento. A questo central analisada em seus estudos foi a

    aquisio de conhecimentos pela interao do sujeito com o meio. Sua teoria aponta para

    mecanismos pelos quais a cultura torna-se parte da natureza de cada pessoa. O referido autor

    insistiu na concepo de que as funes psicolgicas so produtos da atividade cerebral.

    Suas concepes sobre o desenvolvimento humano, como processo scio-histrico,

    apresentam a mediao como tema central, pois ele entende que, como sujeito do

    conhecimento, o acesso do homem ao mundo dos objetos no direto e, sim, mediado atravs

    de recortes do real, operados pelos sistemas simblicos de que dispe. Assim, Vygotsky

    (1988) enfatizou a construo do conhecimento como uma interao mediada por vrias

    relaes, ou seja, o conhecimento no s est sendo visto como uma ao do sujeito sobre a

    realidade, mas principalmente pela interao com outros sujeitos. Nesse processo de mediao

    com o mundo, a linguagem tem importncia vital, pois, atravs desse sistema simblico que

    fornece os conceitos, as formas de organizao do real, as funes mentais superiores so

    socialmente formadas e culturalmente transmitidas. Portanto, sociedades e culturas1 diferentes

    produzem estruturas diferenciadas. Como afirma Rego (1995) em seus estudos sobre a teoria

    Vygostskyana:

    Vygotsky dedica particular ateno questo da linguagem, entendida como sistema

    simblico fundamental em todos os grupos humanos, elaborados no curso da histria

    social, que organiza os signos em estruturas complexas e desempenha um papel

    imprescindvel na formao das caractersticas psicolgicas humanas (REGO, 1995,

    p. 53).

    A maior mudana na capacidade das crianas para usar a linguagem como um

    instrumento para a soluo de problemas ocorre quando elas internalizam a fala socializada,

    1Cultura, entretanto, no pensada por Vygotsky como algo pronto, um sistema esttico ao qual os indivduos se

    submetem, mas como uma espcie de palco de negociao, em que seus membros esto num constante movimento de recreao e reinterpretao de informaes, conceitos e significado. Oliveira, Z. de M.R. de A natureza do ensino segundo uma perspectiva scio-interacionista In: Revista da Associao Nacional de Educao, ANDE, 18:37-40 1992.

  • 21

    aquela previamente utilizada para dirigir-se ao adulto usando a fala como instrumento para

    planejar a ao. A linguagem passa, assim, a adquirir uma funo intrapessoal, constituda no

    pensamento, alm de seu uso interpessoal. A interao social e a linguagem so fundamentais

    para a criana. O seu desenvolvimento cognitivo d-se pelo processo de internalizao da

    interao social com materiais lingsticos fornecidos pela cultura que lhe propiciam os

    sistemas simblicos de representao da realidade, ou seja, o universo de significaes que

    lhe permite construir a interpretao do mundo real.

    Para Vygotsky na () relao com o outro que a criana vai se apropriando das

    significaes socialmente construdas (FONTANA; CRUZ, 1997, p.61). Portanto, a partir

    das relaes com o outro que a criana vai reconstruindo internamente as formas culturais de

    ao e pensamento. Esse processo Vygotsky denominou internalizao. Ele construdo a

    partir da atividade social, completando-se com a vivncia individual dos fatos do cotidiano.

    Como afirma o prprio autor:

    Uma operao que inicialmente representa uma atividade externa reconstruda e

    comea a ocorrer internamente. () um processo interpessoal transformado num processo intrapessoal. () A transformao de um processo interpessoal num intrapessoal o resultado de uma longa srie de eventos ocorridos ao longo do desenvolvimento (VYGOTSKY, 1988, p.64).

    Nesse processo de interao2 com o mundo, a criana aprende e constri junto ao

    outro a produo de seu grupo social, a exemplo de valores, costumes, linguagem, jogos e

    brincadeiras e o prprio conhecimento popular. De acordo com Vygotsky (1988), a mediao

    na interao homem-ambiente se produz pelo uso de instrumentos e signos, desenvolvidos em

    geraes precedentes. Fontana e Cruz (1997, p. 58), concebem instrumento como () tudo

    aquilo que se interpe entre o homem e o ambiente, ampliando e modificando sua forma de

    ao. E acrescenta que para Vygotsky, () tudo o que utilizado pelo homem para

    representar, evocar ou tornar presente o que est ausente constitui um signo: a palavra, o

    desenho, os smbolos () (ibid, p.59).

    Os sistemas de signos (a linguagem, a escrita, o sistema de nmeros), assim como o

    sistema de instrumentos, so criados pelas sociedades ao longo do curso da histria

    humana e mudam a forma social e o nvel de seu desenvolvimento cultural

    (VYGOTSKY, 1988, p.8).

    2 Ao internalizar as experincias fornecidas pela cultura, a criana reconstri individualmente os modos de ao

    realizados externamente e aprende a organizar os prprios processos mentais. O indivduo deixa, portanto, de se

    basear em signos externos e comea a se apoiar em recursos internalizados (imagens, representaes mentais,

    conceitos etc.). Rego. T.C.R. Vygotsky: uma perceptiva histrico-cultural da educao. RJ. Vozes 1995.

  • 22

    Vygotsky (1998) considera a aprendizagem e o desenvolvimento como processos

    interligados, construdos em um contexto histrico-cultural. Ele ainda revela que entre esses

    dois processos existem relaes dinmicas e complexas. Para entender a relao entre

    desenvolvimento e aprendizagem, em Vygotsky, torna-se necessria a compreenso do

    conceito de zona de desenvolvimento proximal. Segundo este autor (1998, p.97):

    () a distncia entre o nvel de desenvolvimento real, que se costuma determinar atravs da soluo independente de problemas, e o nvel de desenvolvimento

    potencial, determinado atravs da soluo de um problema sob a orientao de um

    adulto ou em colaborao com companheiros mais capazes.

    Para a prtica pedaggica, o conhecimento do processo que o aprendiz realiza

    mentalmente fundamental, pois nem sempre significa uma operao mental bem realizada.

    O acerto pode significar, apenas, uma resposta mecnica de memorizao. Se o professor

    conhecer o caminho utilizado pelo aluno para chegar s solues dos problemas, ele poder

    intervir, provocar, estimular ou apoiar o aprendiz, quando ele demonstrar dificuldades num

    determinado ponto. De acordo com a perspectiva de aprendizagem vygotskiana, torna-se

    possvel trabalhar funes cognitivas superiores que ainda no esto de todo consolidadas.

    Quando no consideramos estas funes que se encontram em processo de consolidao,

    deixamos de atuar na zona de desenvolvimento proximal que a distncia entre o nvel de

    desenvolvimento real (aquele em que a criana consegue solucionar o problema os modos

    de agir e pensar sem a ajuda do outro) e o nvel de desenvolvimento potencial (aquele em que

    a criana precisa da ajuda do outro para resolver o problema). De acordo com o referido

    autor:

    () a criana resolve o problema depois de fornecermos pistas ou mostrarmos como o problema pode ser solucionado, ou se o professor inicia a soluo e a criana a

    completa, ou ainda, se ela resolve o problema em colaborao com as outras crianas em resumo, se por pouco a criana no capaz de resolver o problema sozinha a soluo no vista como indicativo de seu desenvolvimentos mental. Esta verdade pertencia ao senso comum e era por ele reforada. Por mais de uma dcada, mesmo os pensadores mais sagazes nunca questionaram esse fato; nunca

    consideraram a noo de que aquilo que as crianas conseguem fazer com a ajuda

    dos outros poderia ser, de alguma maneira, muito mais indicativo de seu

    desenvolvimento mental do que aquilo que ela consegue fazer sozinha

    (VYGOTSKY, 1988, p.96).

  • 23

    A linguagem3 constitui a criana e tambm a insere no mundo, permitindo a interao

    com diferentes universos. Ao experimentar o mundo atravs da linguagem, as crianas

    ampliam seus conhecimentos apoiando-se na cultura4, dando significado s vivncias e

    tambm ao que observa no mundo em que vive. O papel da cultura nesse universo tambm

    permitir que as crianas se apropriem das significaes construdas socialmente. Atravs da

    linguagem e das significaes que, de acordo com Fontana e Cruz (1997, p.61), ()

    possibilita o acesso a formas culturais de perceber e estruturar a realidade. Neste sentido,

    tanto a oralidade como a escrita so objetos culturais por excelncia, frutos da construo

    social.

    1.2 ORALIDADE E PERFORMANCE NA SALA DE AULA

    Durante o seu desenvolvimento, a criana aprende diversas formas de interagir com o

    ambiente onde est inserida. A primeira delas , sem dvida, a linguagem corporal. Muitos

    dos acontecimentos relacionados com o discurso da fala, como os sons, alteraes de

    volumes, ritmos ou funcionamentos dialgicos nas situaes de conversao, risos, choros,

    expresses faciais so utilizados pelas crianas mesmo antes de falar. Concomitantemente a

    esta expresso, a linguagem oral vai sendo desenvolvida, tornando-se um poderoso

    instrumento de comunicao. No processo de aquisio da linguagem, essa habilidade

    converte-se em uma parte integrante das estruturas psquicas do indivduo (a evoluo da

    linguagem). Porm, existe algo mais: as novas aquisies de origem social, que operam em

    interao com outras funes mentais, por exemplo, o pensamento. Neste encontro nascem

    funes novas, como o pensamento verbal. Segundo Vygotsky, a linguagem representa um

    marco no desenvolvimento do homem:

    A capacidade especificamente humana para a linguagem habilita as crianas a

    providenciarem instrumentos auxiliares na soluo de tarefas difceis, a superarem

    as aes impulsivas, ao planejarem a soluo e a controlarem seu prprio comportamento. Signos e palavras constituem para as crianas, primeiro e acima de

    tudo, um meio de contato social com outras pessoas. As funes cognitivas e

    comunicativas da linguagem tornam-se, ento, a base de uma forma nova e superior

    de atividade nas crianas, distinguindo as dos animais. (VYGOTSKY, 1988, p.31).

    3 Para um estudo mais aprofundado das idias de Vygotsky sobre a questo da linguagem e suas relaes com o

    pensamento, ver o livro Pensamento e linguagem (VYGOTSKY, 1987). 4 Cultura compreendida como um conjunto complexo de saberes, as crenas, a arte, os modos, o direito, os

    costumes assim como toda a disposio ou uso adquirido pelo homem vivendo na sociedade. (TYLOR, 1871).

  • 24

    A linguagem oral, portanto, no consiste apenas em memorizar sons e palavras. A

    aprendizagem da fala pelas crianas no se d de forma desarticulada com a reflexo, o

    pensamento, a explicitao de seus atos, sentimentos, sensaes e desejos. A anlise de

    Vygotsky sobre as relaes entre desenvolvimento e aprendizagem5 no campo da aquisio da

    linguagem nos leva a definir que o desenvolvimento caracteriza-se por um processo natural e

    a aprendizagem se apresenta como um meio que fortalece esse processo, atravs dos

    instrumentos criados pela cultura que ampliam as possibilidades do indivduo e reestruturam

    suas funes mentais. O papel dos adultos, enquanto representantes da cultura no processo de

    aquisio da linguagem pela criana, nos leva a descrever um novo tipo de interao que

    desempenha um papel determinante na teoria de Vygotsky. Com efeito, alm da interao

    social, h nesta teoria uma interao com os produtos da cultura. Esses tipos de interao

    manifestam-se em forma de interao sociocultural.

    A construo da linguagem oral no linear e ocorre em um processo de aproximao

    sucessiva com a fala do outro. Muito antes de entrar na escola, a criana, tem muitas

    experincias com o universo lingstico e faz leituras de sua prpria realidade. Ela escuta

    histrias, participa de conversas com os parentes e pessoas prximas, escuta rdio e msicas,

    v TV entre outras situaes vividas de linguagem; atravs desses mecanismos, a criana vai

    construindo a estrutura da linguagem oral. Nas inmeras experincias com a linguagem oral,

    as crianas descobrem as simetrias de nossa lngua e seguem criando formas verbais,

    expresses e palavras, na tentativa de apropriar-se das convenes da linguagem.

    O desenvolvimento da fala e da capacidade simblica ampliam os recursos

    intelectuais, pois na produo do discurso oral a criana levada a escutar, a dar opinio e a

    refletir sobre o discurso produzido dentro do contexto em que ele se organiza e dentro da

    variedade de possibilidades desse discurso. Contudo, preciso deixar bem claro que a

    capacidade de comunicao oral ocorre gradativamente, por meio de um processo de idas e

    vindas que envolvem tanto a participao das crianas nas conversas cotidianas, em situaes

    de escuta, cantos de msicas, parlendas e jogos verbais, rimas e brincadeiras etc.,

    (Referenciais Curriculares Nacionais para a Educao Infantil, 1998, p. 127). atravs de

    brincadeiras com os textos da oralidade infantil, por exemplo, que as crianas comeam a

    interagir e a aprender como a lngua funciona, no s como forma de comunicao, mas como

    objeto de representao cultural, produzido e compartilhado pelos membros da comunidade.

    5 Segundo Vygotsky, o aprendizado pressupe uma natureza social especfica um processo atravs do qual as

    crianas penetram na vida intelectual daqueles que a cercam. (Vygotsky, 1984. p.99), A formao social da

    mente.

  • 25

    Esse universo da oralidade, que envolve contos, lendas, adivinhas, ditos populares, parlendas

    entres outros textos, refletem os costumes e o saber de um determinado lugar. Portanto, so

    elementos valiosos que necessitam ser reconhecidos e vivenciados cotidianamente no s nos

    espaos informais, mas principalmente no formal aqui caracterizado pela instituio escolar.

    O papel da oralidade no universo escolar, especialmente na Educao Infantil, muitas

    vezes limita-se a atividades de contar histrias. Nesse contexto, uma vez as crianas

    alfabetizadas, as atividades que envolvam a oralidade vo sendo substitudas pelas atividades

    de leitura e escrita, afastando-se das prticas que explorem as habilidades de ouvir e falar. O

    fato de o aluno saber falar a lngua parece ser suficiente para determinadas instituies

    educativas, no desenvolverem, sistematicamente, atividades que explorem a expresso oral.

    Destarte, uma proposta pedaggica que inclua os textos da tradio oral na sala de aula

    oportuniza aos alunos reconhecer o saber que tem permanecido afastado da escola. Os textos

    do nosso acervo oral esto vivos na memria popular e muitas vezes mantm-se distante de

    nossas crianas por falta de sensibilidade da escola em valoriz-lo.

    Em se tratando de oralidade, convm delimitar, ou pelo menos precisar, alguns termos

    essenciais para o seu entendimento. De acordo com Paul Zumthor, a expresso oralidade

    abrange um campo semntico maior e mais complexo do que o simples conceito de

    "transmitido pela palavra". A palavra, ento, seria a manifestao mais evidente da oralidade,

    mas no a nica nem a mais importante. Nesse sentido, a oralidade no decorrer de sua obra

    considerada como toda comunicao potica em que, pelo menos, transmisso e recepo

    passam pela voz e pelo ouvido. As variaes das outras operaes modulam esta oralidade

    fundamental. (ZUMTHOR, 1997, p.34). Nesta perspectiva, v a voz como imagem criadora,

    e estruturadora das possibilidades simblicas que se integra performance (emanao da voz

    no corpo), colocando como indissociveis o gesto e a palavra. Isto porque o texto pronunciado

    constitui, primeiramente, um sinal sonoro, ativo como tal, e s secundariamente mensagem

    articulada, produzindo conexes e intervenes na escritura.

    Quando um professor se rene com seus alunos est dispondo de um espao da

    performance. Os alunos postam-se em torno dele, ou se no voltados para ele, permitindo que

    o professor exera um lugar de destaque. Neste universo da sala de aula, participar da

    performance envolve as condies de conversa, de uma troca de idias. Esse acontecimento

    inclui a presena integral de quem oraliza o texto com os seus ouvintes. O olhar do educador

    volta-se ao mesmo tempo para o texto que esta sendo compartilhado e para os ouvintes, a fim

    de perceber os efeitos desse encontro. Ao se tratar de uma performance oral, mesmo no se

    expressando atravs da fala, os alunos sinalizam com a expressividade do seu olhar, em

  • 26

    interao com o professor. este que d vida ao texto pronunciado. A oralidade no se reduz

    ao da voz. Expanso do corpo, embora no o esgote. A oralidade implica em tudo o que,

    em ns, se enderea ao outro: seja gesto mudo, um olhar (ZUMTHOR, 1997 p. 2003).

    A performance est vinculada completa interao entre intrprete, texto e ouvinte. A

    memorizao e o prazer do leitor/ouvinte e/ou professor/aluno esto vinculados, assim como o

    contexto scio-cultural em que est inserido o ato de ler ou de ouvir. Nossa memria faz um

    registro eterno quando compreendemos o que est sendo lido ou dito de forma espontnea e

    prazerosa. O ouvinte/aluno e o texto sofrem adaptaes medida que se estabelece uma

    relao entre eles, logo, as alteraes da performance vo alterar a reao do ouvinte.

    Na performance, eu diria que ela o saber ser. um saber que implica e comanda

    uma presena e uma conduta, um Daein comportamento coordenadas espaos-temporais e fisiolgicas concretas, uma ordem de valores encarnados em um corpo

    vivo (ZUMTHOR, 2000, p. 35).

    Desse modo, os estudos sobre a oralidade e performance no universo escolar deveriam

    permear os encontros pedaggicos, objetivando auxiliar atividade de ensino-aprendizagem.

    Alm de oportunizar aos alunos interpretarem textos orais e/ou escritos, desenvolvendo assim,

    sua prpria performance. Assim, a capacidade interpretativa seria pensada enquanto

    experincia vivida de cada sujeito cognoscente. preciso garantir atividades significativas,

    para que os alunos possam compreender, explicar e aplicar seus conhecimentos de acordo

    com o seu contexto e espao temporal, ou seja, levar em conta sua capacidade interpretativa

    autnoma, possibilitando a ampliao deste universo oral atravs da participao do aluno na

    socializao dos saberes trazido do seu universo para a escola.

    A sala de aula um lugar bastante apropriado para a atuao da performance e da

    oralidade, mas para que de fato isso acontea, preciso que o professor tenha claro em seu

    fazer pedaggico os princpios e a importncia da performance e da oralidade no espao

    escolar. Pensar a performance como objeto pedaggico, propiciar momentos em que a criana

    possa vivenciar a potica da cultura oral, deveriam ser objetivos concretos no Projeto Poltico

    Pedaggico das escolas.

  • 27

    1.2.1 O ESPAO DA ORALIDADE E DA ESCRITURA

    Para Zumthor (1993, p. 220), a performance se realiza na obra potica por trazer em

    sua forma elementos que ultrapassam as limitaes textuais. Entre um texto escrito e uma

    palavra pronunciada h uma certa diferena, pois a segunda porta um signo global e nico,

    to abolido quando percebido. Na performance a transmisso de boca a ouvido transforma o

    texto em arte ultrapassando a linha do pensamento racional e mergulhando-o na sinuosidade

    da imaginao humana.

    A oralidade interioriza, assim, a memria do mesmo modo que a especializa: a voz se estende num espao, cujas dimenses se estendem pelo seu alcance acstico,

    aumentada ou no por mecnicos, que ela no pode ultrapassar. A escrita

    evidentemente tambm espacial, mas de uma outra maneira. Seu espao a

    superfcie de um texto: geometria sem espessura, dimenso pura (exceto nos jogos

    tipogrficos de certos poetas), enquanto a receptividade indefinida da mensagem, em

    sua identidade intangvel, lhe d a garantia de vencer o tempo. O resultado

    maneabilidade perfeita o texto: eu leio, releio, divido, junto, deso ou subo

    vontade o seu percurso (ZUMTHOR, 1997, p.42).

    Ele ainda defende a possibilidade de que, em funo do momento histrico, o texto vai

    depender ou de uma oralidade que funcione na zona da escritura ou de uma escritura que

    funcione na oralidade. O fato que o manuscrito mantm a caracterstica ttil-oral e a escrita

    vai adquirir mais efeito a partir do surgimento da imprensa. Para este autor o fato do domnio

    da escrita ser extremamente difcil e de no ser estimulado entre todas as camadas sociais:

    escrever um ofcio rduo, cansativo, um artesanato organizado (1993, p.100). Essas

    dificuldades vo sendo minimizadas com o passar dos anos e o incentivo escrita vai ocorrer

    somente a partir do sculo XX. O trabalho do escriba era restrito a uma elite: chancelaria

    pontifcia, de bispados, de prefeituras. As oficinas dos copistas adquiriam, inclusive,

    celebridade pelo exerccio desse ofcio tamanho o seu grau de dificuldade. Essas dificuldades

    inerentes escritura, determinada pelo perodo histrico, vo influenciar a sua decodificao,

    pois muitos sabiam escrever, mas no ler: eram dois aprendizados distintos.

    Estudos sobre a histria da escrita6 demonstram que a mesma exerceu e exerce at os

    6Escrita uma representao da lngua falada por meio de signos grficos. Trata-se de um cdigo de

    comunicao de segundo grau com relao a linguagem que por sua vez um cdigo de comunicao de

    primeiro grau. A fala se desenrola no tempo e desaparece; a escrita tem como suporte o espao, que conserva. O

    estudo dos diferentes tipos de escrita elaborados pela humanidade tem, portanto intima relao com o estudo da

    lngua falada, assim como com o das civilizaes nas quais elas de aperfeioaram. Um estudo da escrita deve

    desenvolver-se em dois planos paralelos: de um lado um estudo histrico da escrita, e dos outro lado um estudo

    lingstico. Dubois, Jean et alli, Dicionrio de lingstica. 1997.

  • 28

    dias atuais um poder a quem se apropria. A palavra, afinal, o meio pelo qual o homem se

    manifesta plenamente. A voz est presente na escrita e vice-versa: o verbo encarnado na

    escritura (ZUMTHOR, 1993, p.113). A passagem do vocal para o escrito repleta de

    confrontaes, tenses, oposies conflitivas e muitas vezes contraditrias. O texto da

    tradio oral neste contexto ter seu registro assegurado muito provavelmente bem depois de

    sua criao, perdendo assim o rigor de sua transcrio. O texto oral desfaz e recria

    permanentemente o seu sentido, o que no ocorre to rapidamente com a escritura.

    sabido que nas sociedades grafas, todo o saber era transmitido oralmente. A

    memria humana, essencialmente a auditiva, era o nico recurso de que dispunham as

    culturas orais para o armazenamento e a transmisso do conhecimento s futuras geraes. A

    inteligncia, portanto, estava intimamente relacionada memria. Os mais velhos eram

    reconhecidos como os mais sbios, j que detinham o conhecimento acumulado. A

    memorizao, nica forma existente de arquivamento at o surgimento da escrita, continua a

    cumprir seu ofcio ainda que margem do arquivo.

    Toda fonte histrica derivada da percepo humana subjetiva, mas apenas a fonte oral permite-nos desafiar essa subjetividade: descolar as camadas de memria, cavar

    fundos em suas sombras, na expectativa de atingir a verdade oculta (THOMPSON,

    2002, p. 197)

    Toda sociedade tem um saber cumulativo oriundo da memria, e que so reconhecidos

    na linguagem. As tradies orais so fundamentais para a manuteno dos costumes e

    serviro de alicerce para a constituio da histria de uma sociedade. Ainda que o destino

    dessas tradies seja incerto; podem sobreviver incompreensivelmente ou desaparecerem, a

    reminiscncia, entretanto, impedir o extermnio da edificao das passarelas entre um

    passado fabuloso e nosso pobre presente, entre este e um futuro que s tem por fim um Outro

    Mundo (ZUMTHOR, 1997, p.33/34). Culturas s se lembram esquecendo (ZUMTHOR,

    1997, p.15). A seleo nos permite desconectar com a histria no momento em que a

    vivemos. A memria coletiva vai recuperar ou manter o que pode permanecer funcional. S

    registramos o que nos interessa. A teia de percepes de costumes e de idias a responsvel

    pelo desenvolvimento e perdurao das tradies orais.

    Os textos da oralidade garantem que a cada vivncia de expresso cultural, se criem e

    recriem novos espaos atravs das performances. Ela vai encontrar sua plenitude na sua

    relao com obras anteriores e posteriores. esta movncia que vai garantir a manuteno das

    tradies de uma sociedade. A memria coletiva captura os fragmentos significantes e os

  • 29

    transforma em elementos de tradio. A manuteno da tradio oral, inclusive, se d pela

    reminiscncia, pelo costume e pelo esquecimento, permitindo ao passado permanecer vivo.

    Sendo a tradio uma colaborao que pedimos ao nosso passado para resolver nossos

    problemas atuais (ORTEGA; GASSET, apud ZUMTHOR, 1997, p. 13), o esquecimento

    necessrio a partir do momento em que nenhuma compreenso total e toda interpretao

    fragmentria, os vazios tornam-se, pois, primordiais para a continuidade da histria. um

    ritual aderir tradio e submeter a ela o seu discurso. A vontade de esquecimento um

    mecanismo utilizado para excluir da tradio certos elementos da memria coletiva,

    indesejveis para ela. Memria e esquecimento so instrumentos conjuntos e indissociveis

    de toda ao. (ZUMTHOR, 1997, p. 20). A memria fruto de uma constante tenso entre o

    que mantm a tradio e o que ela preferiu esquecer. No podemos pensar em manuteno

    das tradies sem pensarmos em memria, nas suas formas de registro e na seleo do que se

    vai registrar.

    A oralidade, tratada por Zumthor, genericamente, como poesia oral, a partir da funo

    do intrprete/narrador e do ouvinte, fonte primeira de toda forma de comunicao,

    convivendo com a escrita, que nasce com outro propsito e assume como vimos, papel

    diferenciado da linguagem oral, mas tambm de indiscutvel primazia para a evoluo da

    humanidade.

    Tanto a oralidade como a escritura so condies sine qua non para a existncia da

    tradio. Zumthor (1997) coloca a oralidade e a escritura como objetos da cultura, que so

    constitudos de valores culturais revelados em manifestaes do povo. Como o caso do texto

    da tradio oral infantil parlenda foco de nossa pesquisa ao mesmo tempo em que

    pertence literatura oral histrico pela tradio e transmisso de gerao em gerao. As

    parlendas so expresses da cultura popular e conseqentemente trazem uma marca de

    sabedoria do povo. () so patrimnio cultural da famlia, da comunidade, do estado, da

    nao, do universo (HEYLEN, 1987, p. 154).

    No universo escolar, a oralidade e a escritura deveriam caminhar juntas, mas os textos

    da tradio oral no so utilizados pela escola em suas possibilidades de desenvolver as

    aptides de ouvir, falar, ler e escrever. Fala-se tanto em prticas sociais de leitura e escrita,

    contudo, ao observamos o cotidiano de nossas escolas percebemos que os professores no

    levam em considerao a riqueza dos textos existentes na prpria comunidade, expressados,

    por exemplo, nas brincadeiras das crianas.

    O trabalho com a escritura dos textos de nossa tradio oral pode ser um caminho

    eficaz para motivar os alunos a desenvolverem diversas habilidades que fomentam as

  • 30

    capacidades de expresso oral e escrita. A experincia de vrios anos letivos com a utilizao

    do texto oral em sala de aula me garante subsdio para afirmar que o texto da tradio oral,

    constitui um material de grande riqueza no s para ser compartilhado, mas tambm para

    motivar e desenvolver a aprendizagem de uma variada gama de aspectos da linguagem.

    1.3 O PROCESSO DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM NA LEITURA E NA

    ESCRITA

    Durante muito tempo, pensava-se que ser alfabetizado era conhecer o cdigo

    lingstico, ou seja, conhecer as letras do alfabeto. Atualmente, sabe-se que, embora seja

    necessrio o conhecimento das letras isso no suficiente para ser competente no uso da

    lngua escrita. A lngua no um mero cdigo para comunicao. E sim, um fenmeno social

    estruturado de forma dinmica e coletiva, a escrita tambm deve ser vista sobre o prisma

    sociocultural.

    Convivemos por muitas dcadas e talvez ainda hoje no espao de muitas escolas, com

    trs tipos fundamentais de mtodos: os Sintticos7, Analticos

    8 e os Analtico-sintticos

    9,

    embora houvesse divergncias entre os trs, ambos concebiam a aprendizagem do sistema de

    escrita alfabtica como uma questo mecnica, uma tcnica de deciframento. Estas prticas

    seguiam a progresso clssica: primeiro as vogais, depois combinaes de consoantes, at

    chegar s formaes das primeiras palavras por duplicao dessas slabas. A concepo

    tradicional de alfabetizao acreditava que se aprendia a ler e a escrever memorizando sons,

    slabas e letras. Para as crianas se expressarem atravs da escrita era necessrio que elas

    conhecessem as letras e famlias silbicas.

    No decorrer do tempo outras teorias sugiram, para abordar a linguagem escrita. Tanto

    os estudos de Vygotsky, quanto os de Emlia Ferreiro tm muitos pontos em comum, entre

    eles podemos salientar que ambos consideram a escrita como um sistema de representao

    cultural, e o processo de alfabetizao como o domnio progressivo desse sistema. Para eles a

    alfabetizao um processo dinmico e ativo, no uma mera aquisio de uma habilidade

    7 Sintticos centrava a interveno didtica no ensino das partes menores para depois partir para as unidades maiores. 8 Analticos centrava o ensino na memorizao de unidades maiores para depois chegar as unidades menores. 9 Conduzia atividades de anlise e sntese das unidades maiores e menores no mesmo perodo letivo.

    Coutinho. M. L. Psicognese da lngua escrita: O que ? Como intervir em cada uma das hipteses? Uma

    conversa entre professores. In Alfabetizao: apropriao do sistema de escrita alfabtica. Org. Morais. A. G.

    Autentica, 2005.

  • 31

    mecnica que permite fazer a correspondncia letra-som. No espao escolar a criana deve ter

    oportunidade de escrever diariamente, mesmo sem dominar a conveno ortogrfica, e no seu

    ritmo, perceber que texto uma forma de dizer coisas que se quer ou precisa dizer, em

    determinadas situaes com inteno e destinatrio especficos. A aquisio da linguagem

    tanto da fala quanto da escrita - uma conquista marcante. Quando aprendemos a ler e a

    escrever, descobrimos que os sinais da escrita reproduzem, ou melhor, representam o som da

    fala. importante percebermos, que ao lermos um texto, estabelecido um dilogo entre tudo

    o que sabemos e aquilo que o texto traz de novo.

    Por trs de cada prtica pedaggica existem teorias, concepes e idias que

    fundamentam o trabalho em sala de aula. Nesta pesquisa, partimos de uma abordagem que

    acredita na aquisio da leitura e da escrita como processo que se inicia muito antes da

    criana chegar escola e estende-se por muitos anos.

    Os resultados da pesquisa pioneira de Emlia Ferreiro e Ana Teberosky, descrevendo a

    psicognese da lngua escrita a partir de referencial piagetiano, provocaram significativas

    alteraes na fundamentao terica do processo ensino-aprendizagem da leitura e da escrita,

    deslocando seu eixo de "como se ensina" para "como se aprende" a ler e a escrever. A

    psicognese da escrita, caracterizada como uma descrio do processo atravs do qual a

    escrita se constitui em objeto de conhecimento para a criana colocou assim a escrita, no

    lugar que lhe cabe - objeto sociocultural de conhecimento. neste centro de aprendizagem,

    um sujeito que pensa, que elabora hipteses sobre o modo de funcionamento da escrita,

    esforando-se por compreender para que serve e como se constitui esse objeto.

    As crianas adquirem o conhecimento da linguagem escrita porque, em interao com este objeto, aplicam a ele esquemas sucessivamente complexos, decorrentes do

    seu desenvolvimento cognitivo. O desdobramento que se segue o estabelecimento de diferentes momentos de aquisio, articulados sistematicamente, constituindo um

    modelo de aquisio em nveis, fases ou perodos. Estes se sucedem em graus

    crescentes de complexidade e aproximao da escrita convencional. (FERREIRO apud AZENHA, 1994, p. 37).

    Portanto, a aprendizagem um processo de apropriao do conhecimento que s

    possvel com o pensar e o agir do sujeito sobre o objeto que ele quer conhecer. Contudo, ainda

    nos deparamos com posturas pedaggicas que concebe a criana como uma espectadora do

    processo de aprendizagem; elas sentam-se em suas cadeiras e apenas reproduzem aquilo que o

    professor acredita ser importante. A aquisio da escrita no apresentada a este aluno como

    algo importante e significativo que pode lhe dar oportunidade de posteriormente intervir na

  • 32

    realidade. A criana quando est em meio ao processo de aquisio da escrita formula teorias,

    metodologia e gramticas prprias, num processo lgico e coerente que imagina ser a lngua e

    executa algo real e compreensvel para todos.

    Desta concepo de ensino, imprescindvel compreender como as crianas elaboram

    suas hipteses durante a aquisio da escrita. Desta forma, os possveis erros cometidos pelas

    crianas no sero mais vistos como simples erros, uma vez que as crianas constroem seu

    conhecimento e os erros so tentativas de acertos. Esses erros so na verdade caractersticos

    da fase em que a criana se encontra dentro do processo da aquisio da escrita, so hipteses

    que a criana sugere ao escrever, e so eles que daro ao professor o caminho para o

    estabelecimento da escrita na criana. Por meio deles o educador desafiar a criana levando-

    a ao conflito cognitivo, ou seja, forando-a a modificar seus esquemas assimiladores frente a

    um objeto de conhecimento no assimilvel. Como poderemos observar no capitulo trs

    quando estaremos analisando as atividades observadas com o texto parlenda.

    Segundo Emlia Ferreiro (2001, p. 16):

    Quando a criana escreve tal como acredita que poderia escrever certo conjunto de

    palavras, est nos oferecendo um valiosssimo documento que necessita ser

    interpretado para poder ser avaliado (). Aprender a l-las isto , a interpret-las um longo aprendizado que requer uma atitude terica definida.

    Nesta concepo a criana busca a aprendizagem na medida em que constri o raciocnio

    lgico. O processo evolutivo de aprender a ler e escrever passa por nveis de conceitualizao

    que demonstram as hipteses a que chegou a criana. Os estudos sobre a psicognese da

    lngua escrita realizados pelas autoras supracitadas caracterizam-se pela sucesso de etapas

    cognitivas que, sem a instruo direta vinda dos adultos so, de forma original, formuladas

    pelas crianas em processo de conhecimento a partir da interao com o meio social e escolar.

    Os nveis estruturais da linguagem escrita explicam as diferenas individuais e os diferentes

    estgios dos alunos. Emlia Ferreiro e Ana Teberosky (1989) apresentam uma anlise dos

    nveis de conceitualizao da escrita. Destacaremos as principais caractersticas que marcam

    os perodos principais do processo de construo da escrita. Nvel da hiptese pr-silbica,

    hiptese silbica, hiptese silbico-alfabtica e hiptese alfabtica. A seguir falar-se- de

    cada um deles detalhadamente.

    No nvel da hiptese pr-silbica a criana no estabelece relao entre a pauta sonora

    e a escrita. A escrita uma reproduo dos traados tpicos da escrita, a criana no

    demonstra inteno deliberada de registrar a pauta sonora da linguagem. Escrever

  • 33

    reproduzir os traos tpicos da escrita que a criana identifica como forma bsica de escrita

    Teberosky e Ferreiro (1989, p.183). A diferenciao entre a grafia de uma palavra e outra

    inexistente, pois os traos so muito semelhantes entre si. Diante deste fato somente o autor

    desta escrita capaz de interpretar o que fez.

    Sendo assim, a leitura desta escrita bastante instvel, pois se o produtor voltar a fazer

    nova interpretao, poder atribuir aos grafismos novos significados. De acordo com

    Teberosky e Ferreiro (1989, p. 183), ... a inteno subjetiva do escritor conta mais que as

    diferenas objetivas do resultado.... Outro dado interessante no processo de aquisio da

    escrita o fato de as crianas diferenciarem seus grafismos pelas caractersticas do objeto

    referido. Por exemplo, se a criana representa escrita das palavras elefante e passarinho, os

    traos maiores representaro o elefante e os memores o passarinho. Segundo Ferreiro (2001,

    p. 185) A escrita uma escrita de nomes, mas os portadores desses nomes tm, alm disso,

    outras propriedades que a escrita poderia refletir, j que a escrita do nome no ainda a

    escrita de uma determinada forma sonora. Essa necessidade de explicitar o objeto requerido

    por meio de suas caractersticas garante o momento da leitura, ou seja, o desenho uma clara

    estratgia de remisso ao contedo registrado. Sintetizando o que foi apresentado acima no

    Nvel da Hiptese Pr-silbica a criana:

    no estabelece deliberadamente vnculo entre a fala e a escrita;

    supe que a escrita outra forma de desenhar ou de representar

    coisas e usa desenhos, garatujas e rabiscos para escrever;

    demonstra inteno de escrever atravs de traado linear com

    formas diferentes;

    supe que a escrita representa o nome dos objetos e no os

    objetos: coisas grandes devem ter nomes grandes, coisas pequenas

    devem ter nomes pequenos;

    usa letras do prprio nome ou letras e nmeros na mesma

    palavra;

    pode conhecer ou no os sons de algumas letras ou de todas

    elas;

    faz registros diferentes entre palavras modificando a quantidade

    e a posio e fazendo variaes nos caracteres;

    caracteriza uma palavra com uma letra inicial;

  • 34

    tem leitura global, individual e instvel do que escreve: s ela

    sabe o que quis escrever;

    supe que para algo poder ser lido, precisa ter no mnimo de

    duas a quatro slabas, geralmente trs (hiptese de quantidade mnima

    de caracteres);

    supe que para algo ser lido, precisa ter grafias variadas

    (hiptese da variedade de caracteres).

    As autoras Teberosky e Ferreiro (1989, p.193) descrevem o nvel da hiptese silbica

    como nvel caracterizado pela tentativa de dar um valor sonoro a cada uma das letras que

    compem uma escrita. A criana inicia a tentativa de estabelecer relaes entre o contexto

    sonoro (o que ouve) e o contexto grfico (escrita). Nesta tentativa a criana da mais

    importncia em determinar o seguinte valor: cada letra vale por uma slaba.

    De acordo com Azenha (2001, p. 72), O saldo qualitativo representado por esta

    estratgia leva a criana superao global entre a forma escrita e a expresso oral, fazendo

    com que, pela primeira vez, se trabalhe com a hiptese de que a escrita representa partes

    sonoras da fala. Desta forma, as principais caractersticas que a criana apresenta nesta fase

    so:

    j supe que a escrita representa a fala;

    tenta fonetizar a escrita e dar valor sonoro s letras;

    pode ter adquirido, ou no, a compreenso do valor convencional

    das letras;

    j supe que a menor unidade da lngua seja a slaba;

    supe que deve escrever tantos sinais quantas forem as vezes que

    mexe a boca, ou seja, para cada slaba oral corresponde uma letra ou

    um sinal;

    em frases, pode escrever uma letra para cada palavra.

    Nesta hiptese de escrita os alunos j tem como conhecimento que a escrita representa

    a pauta sonora da palavra. Valendo-se das reflexes, os alunos comearo a perceber que

    internamente slabas possuem partes menores e que embora isso no fique claro em todos

    os seus escritos pois ainda h oscilaes entre a grafia da slaba com um ou dois caracteres

    as crianas comeam a representar algumas slabas das palavras com mais de um grafema,

  • 35

    fazendo correspondncia sonora. Neste momento podemos considerar que os alunos

    encontram-se na fase de transio chamada pelas autoras silbica alfabtica.

    Na hiptese silbica alfabtica a escrita oscila entre a correspondncia silaba-letra e

    fonema-letra, descobre a necessidade de fazer uma anlise para alm da slaba.

    A criana abandona a hiptese silbica e descobre a necessidade de fazer uma

    anlise que v mais alm as slabas pelo conflito entre a hiptese silbica e a exigncia de quantidade mnima de grafias (ambas exigncias puramente internas,

    no sentido de serem hipteses originais da criana) e o conflito entre as formas

    grficas que o meio lhe prope e a leitura dessas formas em termos de hipteses

    silbica (conflito entre uma exigncias interna e uma realidade exterior ao prprio

    sujeito) (TEBEROSKY; FERREIRO, 1989, p.196).

    Nesse estudo pode-se perceber, mais uma vez, que o conflito da passagem de um nvel

    para outro gera na criana o amadurecimento da aprendizagem e, no professor, um novo olhar

    no processo de alfabetizar. Nesta etapa da linguagem escrita os alunos tm hipteses muito

    prximas da escrita alfabtica, uma vez que eles j conseguem fazer relao entre grafema e

    fonema na maioria das palavras que escrevem.

    A interpretao da escrita infantil nesta perspectiva possibilita ao professor um aparato

    terico que lhe permite observar o processo natural que as crianas vivenciam e deste modo,

    possa planejar atividades que promovam aos alunos reflexes significativas sobre a lngua.

    Simplificando o que Teberosky e Ferreiro, as principais caractersticas so:

    inicia a superao da hiptese silbica;

    compreende que a escrita representa o som da fala;

    combina s vogais ou s consoantes, fazendo grafia equivalentes

    para palavras diferentes;

    pode combinar vogais e consoantes numa mesma palavra, numa

    tentativa de combinar sons, sem tornar, ainda, sua escrita socializvel;

    passa a fazer uma leitura termo a termo .

    Abordaremos o ltimo nvel de estgio da escrita a hiptese alfabtica. Nesta etapa a

    criana est na fase final da evoluo da escrita. Ela compreende que cada um dos caracteres

    da escrita corresponde a valores sonoros menores. Quando dizemos que um aluno esta neste

    nvel, estamos afirmando que ele capaz de fazer todas as relaes entre grafema e fonema,

    embora ainda possua problemas de transcrio da fala e cometa erros ortogrficos. Como os

  • 36

    alunos sabem que a escrita a representao da fala, eles tm tendncia a escrever exatamente

    como se pronuncia as palavras.

    A presena dos erros ortogrficos um indicador da forma pela qual as crianas

    chegaram a descobrir as funes da escrita, a representao que esta realiza e a sua organizao... Essas inconsistncias com a ortografia, no so no entanto, fatos

    permanentes e a superao das falhas dependem do ensino sistemtico (AZENHA,

    2001, p. 85).

    Como se pode perceber, a criana nesta fase da aquisio da escrita j realizou muitos

    processos e sua produo pode ser usada como fonte de comunicao, ou seja, o receptor de

    sua produo entender o contedo da sua mensagem escrita.

    No intuito de facilitar o entendimento do leitor, passar-se- s caractersticas desta

    fase. A criana:

    compreende que a escrita tem uma funo social: a comunicao;

    compreende o modo de construo do cdigo da escrita;

    compreende que cada um dos caracteres da escrita corresponde a

    valores menores que a slaba;

    conhece o valor sonoro de todas as letras ou de quase todas;

    pode ainda no separar todas as palavras nas frases;

    omite letras quando mistura as hipteses alfabtica e silbica;

    no tem problema de escrita no que se refere a conceito;

    no ortogrfica nem lxica.

    Diante do exposto observamos que, em cada nvel, a criana elabora suposies a

    respeito dos processos de construo da escrita, baseando-se na compreenso que possui

    desses processos. Assim, a mudana de um nvel para outro s ir acontecer quando ela se

    deparar com questes que o nvel em que se encontra no puder explicar. Conclui-se que a

    aquisio da escrita passa por fases de acomodao, assimilao, conflito cognitivo e

    novamente assimilao, e, este processo permite criana um constante crescimento

    intelectual.

    Neste captulo, vimos algumas concepes de ensino e aprendizagem oralidade e

    escritura as quais fornecem embasamento terico para o presente estudo, visto que, a pesquisa

    busca tambm estabelecer relaes entre teoria e prtica, levando os profissionais da educao

    a refletirem sobre suas concepes de ensino da lngua, interagindo, construindo e permitindo

  • 37

    criana ser agente interativo na construo do seu prprio conhecimento. Tambm

    consideramos que os textos da oralidade infantil so elementos que fazem parte do contexto

    scio-histrico das crianas e, portanto, deveriam estar presentes no cotidiano da sala de aula,

    especialmente, nas sries iniciais, onde dever ocorrer o processo sistemtico de iniciao

    leitura e escrita.

  • 38

    APTULO II

    A TRADIO ORAL NO PROCESSO DE AQUISIO DA LEITURA E DA

    ESCRITA

    Os textos da oralidade dependem, basicamente, de sua finalidade social. Por isso

    que, no passado e at em dias atuais, eles so transmitidos de uma gerao para a outra pela

    tradio oral. So diversos os povos que expressam seus pensamentos e idias por meio de um

    processo oral muito peculiar, sem valer-se da linguagem escrita. Ao estudarmos seus aspectos

    histrico-culturais, percebemos o papel importante que essa oralidade exerceu em suas

    estruturas superficiais e/ou profundas. Luiz da Cmara Cascudo em sua obra Literatura Oral

    no Brasil (1984, p. 23). Nos revela que o termo literatura oral foi criado por Paul Sbillot no

    ano de 1881, La litteraires orale comprend ce qui, pour le peuple qui ne lit pas, remplace les

    producions lihrares. Embora se reconhecesse a riqueza de sua diversidade, tais textos eram

    considerados como expresses singelas de pessoas incultas como podemos observar na

    definio de Paul Sebillot sobre literatura oral.

    Muitos trabalhos de pesquisas sobre a literatura oral surgiram com a finalidade de

    registrar os textos da oralidade, evitando o desaparecimento na memria dos indivduos e

    revelando a preocupao pela diminuio do nmero de pessoas que detm a capacidade de

    manej-lo. Estudiosos, entre folcloristas e etnlogos interessam-se pela riqueza de aspectos

    que se multiplica nestes textos orais, os costumes, o saber de uma determinada comunidade

    so elementos que se revelam atravs da cultura oral. Os pesquisadores registravam os textos,

    mesmo no havendo interesse em teorizar sobre essas manifestaes. Se analisarmos o

    cotidiano das instituies educativas constataremos que so raros os momentos dedicados ao

    ensino e/ou anlise com profundidade da potica popular. De acordo com Cascudo Essa

    literatura, que seria limitada aos provrbios, adivinhas, contos, frases feitas, oraes, cantos

    ampliou-se alcanando horizontes maiores. Sua caracterstica a persistncia pela oralidade

    (CASCUDO, 1984, p.23).

    A literatura oral rene conto, lenda, mito, adivinhaes, provrbios, parlendas, cantos,

    oraes, frases feitas e tornadas tradicionais, enfim, todas as manifestaes culturais

    transmitidas de gerao a gerao atravs da oralidade. Cascudo ainda acrescenta:

  • 39

    O termo genrico (oralidade) que tanto se popularizou e consagrou, deve ser

    esclarecido. As formas conservadas escritas e mesmo registradas so sempre

    minoria, como meio de circulao oral. Assim Literatura Oral compreende dana e

    canto e mesmo os autos populares, conservadas pelo povo oralmente, embora

    conheamos fontes impressas. Um baile popular, participando da etnografia,

    literatura oral pelo canto pela coreografia, que ensinada por quem sabe e, em

    percentagem altssima, jamais foi marcada em letra de forma ou sinalao

    convencional (1984, p.515).

    A tendncia dos costumes de povos diferentes , quando estes se relacionam de modo

    ntimo, construir expresses hbridas, ou seja, suas culturas se misturam, resultando em novas

    expresses de manifestao popular. Como os grupos humanos influenciam uns aos outros,

    podemos dizer que os textos orais no so estticos, mas atualizados na fala atravs da

    performance. Eles so dinmicos, pois alm de pesquisar esto atentos s transformaes do

    presente.

    Lus da Cmara Cascudo, folclorista brasileiro, pesquisou e estudou as mais variadas

    fontes de expresso, sabedoria e criatividade popular. Seus estudos inclusive levaram-no a

    publicar um dicionrio do folclore brasileiro entre outras obras importantes. Neste mesmo

    perfil de trabalho, muitos outros pesquisadores e seguidores do prprio Cmara Cascudo vm

    publicando obras, o que constitui um registro importante para a memria do povo. Contudo,

    neste universo literrio percebe-se pouca publicao sobre a utilizao dos textos da tradio

    oral no universo escolar. O que encontramos so coletneas de textos transcritos sem

    nenhuma abordagem pedaggica.

    Apresentaremos a seguir algumas contribuies sobre a amplitude e a riqueza desses

    textos da tradio oral parlenda, considerando-a como elemento ldico-pedaggico

    essencial para a educao e iniciao das crianas no processo de alfabetizao.

    2.1 NAS TRILHAS DA ORALIDADE COM AS PARLENDAS

    De acordo com Jaqueline Heylen (1987 p.13), A parlenda :

    Um conjunto de palavras de arrumaes rtmicas em forma de versos que rimam

    ou no. Ela se distingue dos demais versos pelas atividades que acompanha, seja

    jogo, brincadeiras ou movimento corporal.

  • 40

    A parlenda um rico enunciado ldico pedaggico que diverte, ensina pela sua forma

    rtmica sonoro - motora que desenvolve as condies lingsticas e scio-culturais do

    homem. Este texto da tradio oral utilizado, especialmente, na fase infantil como

    ferramenta de interao e divertimento. Pode ser utilizada em grupo, individualmente ou em

    dilogos. Segundo Verssimo Mello (1997, p. 37).

    As parlendas constituem aspectos do folclore das crianas inteiramente

    caracterizado, distinto, no se confundindo, em absoluto, com nenhuma outra

    manifestao folclrica desse perodo da existncia. Desde as mais simples, ditas ou citadas pelos pais, para entreter meninos, at as mais complexas, j recitadas pelas

    prprias crianas, conservam em comum estes dois pontos de contato: so sempre

    rimas ou ditos instrutivos ou satricos.

    As crianas expressam atravs dos textos da oralidade, situaes importantes do seu

    desenvolvimento, pois desde cedo os olhos e os ouvidos esto expostos, a uma diversidade de

    textos orais compartilhados no meio familiar. Esses tipos de textos desempenham funes que

    vo muito alm do mimo, do acalanto, eles esto filiados a uma inteno comunicativa ou

    mesmo educativos. O ritmo, associado ao jogo corporal (performance) identifica unidades

    meldicas, equipara e d evidncia a fragmentos por meio da rima e da repetio.

    Cmara Cascudo divide as parlendas em duas sees: parlendas propriamente ditas e

    mnemnicas. As primeiras com o fim exclusivo de divertir a criana. As segundas com o fim

    de ensinar-lhes alguma coisa. Contudo, Verssimo de Melo subdividiu as parlendas

    propriamente ditas em duas sees: a primeira considerada as mais simples ditas, com fim de

    entreter ou ninar crianas. E as demais recitadas ou ditas pelas prprias crianas com fim

    especial. Desta maneira ele classificou as parlendas em trs sees: brincos, mnemnicas e

    parlendas propriamente ditas (MELO, 1985, p. 38).

    Brincos As mais fceis, as primeiras que ouvimos na infncia, ditas ou recitadas,

    para entreter ou aquietar meninos. De acordo com este mesmo autor, depois dos

    acalantos, cuja funo ninar as crianas, seguem-se os brincos, nos quais as crianas

    participam de modo menos passivo, cabendo, todavia, aos pais a iniciao de realiz-

    los. Estes primeiros e ingnuos mimos infantis, que os pais carinhosamente utilizam

    para entreter o menino ou a menina que est sem sono ou que acordou mais sorridente,

    fazem parte da cultura popular oral e esto presentes no cotidiano do povo brasileiro.

  • 41

    importante salientar que os textos da oralidade se multiplicam e se transformam na

    medida que vai sendo utilizados.

    Como exemplo, desse brincar: Pe-se a criana montada numa das pernas e imita-se o

    galope do cavalinho.

    Ca-va-li-nho,

    Ca-va-li-nho,

    Ca-va-li-nho,

    Existem muitas outras parlendas de colo, simples, feitas para esses momentos em

    que a criana, ao mesmo tempo em que domina alguns movimentos, comea a descobrir uma

    lngua em versos, com ritmos e rima.

    Outro parlenda que depende inteiramente da interao do outro e a do Dedo

    Mindinho. Brinco bastante conhecido. Pega-se a mozinha da criana e segurando cada

    dedo, nesta ordem: auricular, anular, mediano, ndex e polegar, oralizando a parlenda:

    Dedo mindinho,

    Seu vizinho,

    Maior de todos,

    Fura-bolos,

    Cata-piolhos.

    Esse diz que quer comer,

    Esse diz que no tem qu,

    Esse diz que vai furtar,

    Esse diz no v l,

    Esse diz que Deus dar.

    Paca,

    Cutia, tatu, Trara, muu.

    Aps oralizar todo brinco procura-se um bolinho imaginrio na palma da mo

    perguntando para a criana:

    Cad o bolinho que estava aqui?

    O rato comeu. (responde-se).

  • 42

    Ento, procura-se o ratinho, subindo o dedo pelo brao da criana, a partir da palma da

    mo dizendo:

    Saiu por aqui, por aqui, por aqui e descansou aqui. (pra-se o dedo na articulao do

    cotovelo). Continua subindo, foi por aqui at chegar nas axilas da criana, fazendo ccegas.

    importante salientar que este brinco foi recolhido em Natal, por Verssimo de Melo

    e registrado em sua obra Folclore Infantil (1985, p.43). Foram tambm encontradas muitas

    variantes e formas de brincar.

    Mnemonicas assim so especificadas parlendas que tm por fim ensinar alguma

    coisa aos meninos. Exemplo:

    As mnemnicas fixam na retentiva infantil os dados imediatos do pequeno mundo ambiental. So as frmulas divulgadoras dos primeiros princpios, do real imediato,

    nomenclaturas indispensveis para as conhecenas indispensveis, nmeros, dias da

    semana, meses, etc. (CASCUDO, 1984, p. 61).

    Uma mnemonia bastante conhecida a Parlenda do Feijo, oralizada por adultos e

    crianas esta sem dvida um texto de nossa tradio que ensina as crianas a memorizarem

    a seqncia numrica de forma divertida com uma inteno pedaggica.

    Um, dois, feijo com arroz,

    Trs, quatro, feijes no prato,

    Cinco, seis, falar ingls,

    Sete, oito, comer biscoito,

    Nove, dez comer pastis.

    Outra mnemonia conhecida a semana preguiosa:

    Na segunda fiz nada;

    Na tera nada fiz;

    Na quarta nada farei;

    Na quinta formei tenso;

    Na sexta fui passear;

  • 43

    No sbado que voltei;

    E no domingo fiz as contas

    Do que gastei

    Como podemos observar as mnemonias com sua simplicidade e ludicidade, apresenta

    finalidades teis educao das crianas. Elas aprendem atravs da interao do texto oral

    nomenclaturas imprescindveis para o seu cotidiano.

    Parlendas propriamente ditas fazem parte das brincadeiras de iniciativa das

    prprias crianas. Diferem dos brincos porque, nestes ltimos, a iniciativa dos pais.

    Lembramos por exemplo, do dedo mindinho: no a criana que inicia e desenvolve a

    brincadeira. As crianas acompanham passivamente o desenrolar da parlenda.

    Diferentemente as parlendas propriamente ditas so iniciadas e organizadas pelas

    crianas. Como por exemplo, para saber com quem vai se casar a velha brincadeira de

    contar os botes do casaco ou da tnica da farda.

    Rei,

    Capito,

    Soldado,

    Ladro.

    Esta parlenda sofreu alteraes, atualmente as crianas brincam pulando corda

    recitando a parlenda. Esta dinmica entre texto e ouvinte favorece a sua permanecia no

    imaginrio social. Os textos da oralidade oportunizam situaes de criao e recriaes, pois

    este rico acervo pertence ao povo e explorado e adaptado de acordo com as situaes

    cotidianas.

    O folclore dinmico e as suas manifestaes revelam uma fora transformadora e

    criadora. O que vem a circular entre o povo, seja de carter cultural ou tcnico, este

    o aceita, o adapta e faz coisa sua. () a criao folclrica se faz no meio da comunidade folk. Nas manifestaes da literatura, em especial, na linguagem das parlendas, encontramos estes vestgios (VERSSIMO, 1985, p.46).

    Com que voc pretende se casar?

    Com o loiro,

  • 44

    Moreno,

    Careca,

    Cabeludo,

    Rei

    Capito,

    Soldado,

    Ladro,

    Qual a letra do seu corao?

    Uma outra parlenda bastante utilizada pelas crianas a:

    Bem me quer,

    Mal me quer,

    Bem me quer,

    Mal me quer, etc.

    Esta parlenda realizada com uma flor. Ao mesmo tempo em que se vai despetalando-

    a, a menina ou mocinha medita no seu namorado. Atualmente esta parlenda encontra-se

    adormecida, acreditamos que o principal motivo caracteriza-se pela proteo ao meio

    ambiente de no retirar as flores do seu habitat natural.

    Neste universo da oralidade tambm encontramos um tipo curioso de parlenda, de

    fcil identificao as chamadas trava-lnguas:

    Consiste em um verso, palavra ou expresso, na maioria das vezes de pronunciao

    difcil e cuja repetio depressa provoca sempre deturpaes dos termos e

    conseqentemente o seu sentido de origem. () No h denominao fixa, prpria para este tipo de parlenda. Amadeu Amaral e Alcides Bezerra denominavam-na,

    simplesmente, travalnguas. Alexina de Magalhes Pinto estudou a parlenda sob o

    ttulo geral de Exerccios de dico. Ceclia Meireles preferiu cham-las Parlendas com Obstculos. Para Rodrigues de Carvalho so Problemas para desenferrujar a lngua. Fora do pas, Maria Cadilla de Martinez utiliza denominao especial para essas rimas, dizendo textualmente: ellas tienem por objeto el corregirles dificuldades enunciativas (MELO 1985. p. 72).

    Como podemos observar, a parlenda um texto universal que faz parte da tradio

    oral. Ela caracteriza-se por uma expresso lingstica de transmisso oral, que ocorre em

    situaes variadas, passando de boca em boca, percorrendo o tempo e os espaos. Ao observar

  • 45

    o cotidiano das crianas na escola campo observamos que nas brincadeiras infantis elas no

    utilizavam a parlenda como instrumento ldico, para brincar. Como afirma Cascudo, as

    crianas so cercadas pelas tradies culturais:

    () a multido dos brinquedos tradicionais, todos gratuitos, trazidos pela memria, alguns com msica, facilitando a decorao, outros com os ritmos que substituem a

    msica, fcil, bonita, inesquecvel. Primeiro os processos para escolher que inicia o

    brinquedo, quem vai correr, cantar ou dirigir a fila neste ou naquele ponto. A

    escolha feita por meio de frmulas que indicam, fortuitamente, o iniciador. Na

    roda dos meninos e meninas, o mais esperto emprega as frmulas, acatadas e

    indiscutidas (CASCUDO, 1984, p.58).

    No sabemos quem inventou a parlenda, o que podemos afirmar que ela do

    domnio popular, pois nelas esto expressos maneiras de pensar, sentir e agir de um povo. A

    comunidade que vivencia as parlendas considera aspectos relevantes sua construo: o

    espao onde vive, a ideologia dos indivduos, os pretextos de seu uso, a inteno ldica, a

    dinamicidade das palavras, a incertezas das verdades contidas no meio.

    As habilidades que os profissionais da educao podem explorar a partir de uma

    parlenda so variadas, sejam elas explorao oral, rtmica, auditiva, o conhecimento cultural,

    a socializao atravs dos jogos cantados, a explorao da compreenso do sistema escrito, as

    aptides artsticas.

    sintomtico o valor biolgico, psicolgico e social, pois as parlendas e os jogos

    que as acompanham favorecem e estimulam um desenvolvimento biopsicossocial.

    Pelo uso do corpo, o indivduo e, em primeiro lugar, a criana,, desenvolve o seu

    crescimento, refora a musculatura e aumenta a agilidade. O corpo em movimento

    alm de provocar prazer, torna a pessoa dinmica