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Maria Schaun (org) Editora da UESC

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Maria Schaun (org)

Editora da UESC

Maria Schaun (org.)

Editora da UESC

100 anos de um personagem dahistória política e cultural de Ilhéus

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

GOVERNO DO ESTADO DA BAHIACÉSAR BORGES - GOVERNADOR

SECRETARIA DE EDUCAÇÃOERALDO TINOCO MELO - SECRETÁRIO

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZRENÉE ALBAGLI NOGUEIRA - REITORA

MARGARIDA CORDEIRO FAHEL - VICE-REITORA

DIRETORA DA EDITUSMARIA LUIZA NORA

PROJETO GRÁFICO E CAPA:ADRIANO LEMOS

PESQUISA EM ARQUIVOS DE JORNAIS:JOÃO CORDEIRO DE ANDRADE

TRANSCRIÇÃO DE ENTREVISTAS GRAVADAS:GILBIA SAMPAIO LOPES

REVISÃO:NICOLAU E SOCORRO SCHAUN

© 2001 by MARIA SCHAUN

Direitos desta edição reservados àEDITUS - EDITORA DA UESC

Universidade Estadual de Santa CruzRodovia Ilhéus/Itabuna, km 16 - 45650-000 Ilhéus, Bahia, Brasil

Tel.: (073) 680-5028 - Fax (073) 689-1126http://www.uesc.br e-mail: [email protected]

EQUIPE EDITUS

COORD. DE DIAGRAMAÇÃO: CRISTIANO MAIA; DESIGN GRÁFICO: ADRIANO LEMOS; COORD.DE ARTE-FINAL: GEORGE PELLEGRINI;

SUPERVISÃO DE PRODUÇÃO: MARIA SCHAUN; REVISÃO: MARIA LUIZA NORA, DORIVAL DE

FREITAS; COORD. DE POLÍTICA EDITORAL: JORGE MORENO.

CONSELHO EDITORIAL:

ALTENIDES CALDEIRA MOREAU

DÁRIO AHNERT

DORIVAL DE FREITAS

FRANCOLINO NETO

HENRIQUE CAMPOS SIMÕES

JANE KÁTIA BADARÓ VOISIN

LURDES BERTOL ROCHA

MARIA DE LOURDES NETTO SIMÕES

MARIA LAURA OLIVEIRA GOMES

REINALDO DA SILVA GRAMACHO

PAULO DOS SANTOS TERRA

ROSANA LOPES

SEBASTIÃO CARLOS FAJARDO

Nelson Schaun, merece um livro... / [organização] Ma-ria Schaun. - Ilhéus : Editus, 2001.248p.

100 anos de um personagem da história política ecultural de Ilhéus

ISBN: 85-7455-031-0

1. Literatura brasileira - Coletânea. 2. Schaun, Nel-son, 1901-1968 - Biografia. I. Schaun, Maria.

N431

CDD - 869.08

Averiguar qual a existência das geraçõesque passaram, eis o mister da História.

Alexandre Herculano

Dedico este livro aVanja Kruschewsky Miguel Schaun,

esposa e companheira de Nelson - in memorian.

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Sou grataao Conselho Editorial da UESC

que acreditou no projeto

a Simone, Nicolau e Socorroque confiaram em nosso trabalho

aos parentes e amigos quenos auxiliaram de alguma maneira.

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Nota1: Ao serem revisados, alguns textos tiveram sua ortografia e acen-tuação atualizadas para facilitar a leitura. Entretanto, cuidamos paraque essas alterações não mutilassem ou deturpassem o sentido dadopelo autor.

Nota2: As crônicas e artigos de Nelson Schaun ou sobre ele ficamsuspensas no período de 1937 a 1945, devido ao momento políticoexistente no Brasil.

Nota3: Os exemplares do Diário da Tarde dos anos de 1940, 1948, 1950e do período de 1951 a 1957 foram destruídos por um incêndio na sededo jornal.

Nota4: Coleções de outros jornais, como O Momento e Tribuna do Sul,se perderam com as perseguições políticas ou com o próprio desgastedo tempo.

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SUMÁRIO

UM EXEMPLO - Soane Nazaré de Andrade .................................... 13UM SER INTEREXISTENCIAL - Simone Schaun ............................... 15NELSON ERA UM “CARA LEGAL” - Nicolau Schaun ........................ 17PARECE QUE FOI ONTEM... - Socorro Schaun ............................... 23

POR NELSON: artigos, crônicas e análises

MÉTODOS DE ENSINO ............................................................... 31A ATUALIDADE DE HUGO .......................................................... 34RECEITA DO MUNICÍPIO DE ILHÉUS ............................................ 38COMO VÃO OS INTELECTUAIS PELO MUNDO .................................. 45AS REIVINDICAÇÕES DA LAVOURA CACAUEIRA ............................. 46O APROVEITAMENTO DO CACAU NA ECONOMIA DOMÉSTICA ............. 59AS INVERSÕES INGLESAS NO MUNDO .......................................... 61AO POVO DE ILHÉUS ................................................................ 63A CISÃO NO COMUNISMO .......................................................... 66À MARGEM DE UM ENCONTRO .................................................... 70A PROPÓSITO DA ORTOGRAFIA .................................................. 74A ESCRITA NO PROCESSO HISTÓRICO DA LINGUAGEM .................... 78ESCRITA - Produto e fator de civilização ................................... 83COMECEMOS A TAREFA... .......................................................... 86PELA DIGNIDADE HISTÓRICA DE ILHÉUS ..................................... 88INQUIETAÇÃO DA JUVENTUDE ................................................... 91COMO EXPLICAR O ATRASO DE ILHÉUS?....................................... 94

DISCURSOS

SAUDAÇÃO AOS LAUREADOS DO CONCURSO DAS CHAVES DE OURO .. 99SAUDANDO A BARBOSA MELO ................................................. 113SAUDAÇÃO A JOAQUIM RIBEIRO .............................................. 117MOÇÃO DE APOIO À IMPRENSA ................................................ 129CONFERÊNCIA FEITA NO INSP .................................................. 131

SOBRE NELSON: homenagens e informações

NELSON SCHAUN ................................................................... 147NA UNIÃO PROTETORA ........................................................... 148

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AS COMEMORAÇÕES DA FESTA DA ÁRVORE ................................. 149ECOS DO DIA DO PROFESSOR .................................................. 150ESCRITORES REGRESSARAM ONTEM AO RIO DE JANEIRO .............. 152ACADEMIA DE LETRAS EMPOSSOU NOVO QUADRO DIRETOR ........... 154QUARTO DE HORA LITERÁRIO .................................................. 155NA ACADEMIA DE LETRAS ....................................................... 157UM CENTRO DE OPEROSIDADE E CULTURA ................................. 160O BOI - Plínio de Almeida ...................................................... 161A ACADEMIA DE LETRAS NO SEU PRIMEIRO LUSTRO DE VIDA ........ 162PATRONOS E OCUPANTES DAS 40 CADEIRAS DA A.L.I. .................. 166FOI MESTRE DOS MAIS COMPETENTES ....................................... 168ÚLTIMO ADEUS AO PROFESSOR NELSON SCHAUN ........................ 169POSSE NA ACADEMIA ............................................................. 170DESPEDIDA - João Alfredo Amorim de Almeida .......................... 171ELE ERA UM HOMEM BOM - Antonio A. Peres ............................ 174NELSON SCHAUN – Uma saudade - Ariston Cardoso .................... 176NELSON SCHAUN - Eusínio Lavigne .......................................... 178A PRESENÇA DO PROFESSOR NELSON NA A.L.I. - Francolino Neto .. 180PROFESSOR NELSON SCHAUN - Edgar Souza ............................... 182VOCÊ ESTÁ VIVO, NELSON - Ton Lavigne ................................... 183NELSON SCHAUN ................................................................... 185PARA VANJA NÃO LER - Durval Cardoso .................................... 186NELSON SCHAUN - Clarêncio Baracho ....................................... 188À BEIRA DO TÚMULO DO PROF. NELSON SCHAUN - Rubens Correia 189A ACADEMIA DE LETRAS DE ILHÉUS ......................................... 191O PARTIDO COMUNISTA QUE EU CONHECI - João Falcão .............. 197NELSON DE FERRO E DE FLOR - Antônio Lopes ........................... 199

DEPOIMENTOS: de amigos e companheiros

EDUCAÇÃO E IDEAL - Abel Pereira ........................................... 205O PRAZER DE CONVIVER COM NELSON - Zezito Pena .................... 209NELSON, UM MARXISTA CONSCIENTE - Hermano Penalva .............. 215MESTRE E CÚMPLICE - Zezé Kruschewsky ................................... 227NAS LUTAS POPULARES - Aristeu Nogueira ................................ 231BREVE E BEM HUMORADA CRÔNICA SOBRE DEUSES E SONHOS- James Amado .................................................................... 233DADOS BIOGRÁFICOS ............................................................. 243

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UM EXEMPLO

Ele, e suas circunstâncias, numa perspectivaorteguiana, já valeriam um livro. Numa perspectivamais ampla, do alto do seu centenário, não é apenasNELSON SCHAUN que merece um livro, somos nós, osseus contemporâneos que lhe sobrevivemos, que me-recemos um livro que o lembre, perenizando a liçãoque foi sua vida. Porque, todos nós, o que somos,senão a nossa gênese, a nossa ascendência cultural,a lição de vida do passado, os sustos e as certezasdas alvoradas que se fizeram crepúsculos e dos cre-púsculos que mergulharam em noites esquecidas ouinesquecíveis?

Só os povos incultos dispensam a força anímicada própria história, ou seja, a seiva das raízes remo-tas. E a história de um povo é constituída pela pala-vra, pelas escrituras, pelas ações e pelos exemplosdos homens simples dos mares e dos campos, tantoquanto pelos artistas, poetas, cientistas, artesãos,generais, governantes - todos os que pensam, criam,agem, decidem, na grande dinâmica trama da vidasocial.

A vida de NELSON SCHAUN - e eu o conheci pro-fessor de língua portuguesa - foi exemplo de dedica-ção ao estudo e ao ensino, de participação política,de doação cívica, tudo em tempo integral e de ma-neira brava e elegante.

Permito-me aqui uma recordação: os bacharelan-dos da primeira turma da Faculdade de Direito de Ilhéus,em 1961 - aqueles que inauguraram o ensino superiorentre nós - aclamaram-me seu paraninfo. Preparei o

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discurso, mas, antes do dia em que o pronunciaria,fui até a ruela onde residia o professor NELSON SCHAUNpara que o lesse, com inteira liberdade para sugeriralterações. E se pouco sugeriu, foi muito o que ga-nhei na conversa inteligente e amena que nos consu-miu o resto da tarde.

Era, assim, uma referência. Na família, nos cír-culos culturais, no entrechoque das idéias, nas esfe-ras do ensino e da educação. O seu centenário, comonão podia deixar de ser, reacende a chama do seuexemplo e retempera o aço dos caracteres que aindalutam para preservar o patrimônio de cultura e civis-mo da Nação Grapiúna. Saudosos dele, sim, mas paralevar avante o seu exemplo, na construção incessan-te de um futuro que só será digno dele se for fiel aosseus exemplos e digno das suas lições.

Soane Nazaré de Andrade

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UM SER INTEREXISTENCIAL

Este livro, de acordo com o respeito e a vontadedos filhos e dos leais amigos da pessoa de NelsonSchaun, é mais um trabalho de resgate à memória -espécie de trabalho de equipe - do autodidata, doeducador, do idealista, do sociólogo, do comunicador;enfim, do homem que deixou um traço marcante nasua passagem pela vida; valores que a nós foram pas-sados e dos quais não desejamos nos afastar.

Pelo que os leitores poderão perceber, nota-seuma atualidade de conceitos, de acordo com o estu-do e a vivência de Nelson, confirmados pelos artigosescritos naquela época e que, até hoje (2001), con-tinuam vivos e atuais.

Fizemos o possível para apresentar aos queridosleitores essa contribuição, à guisa de informação, emseu aspecto principalmente vivencial. E, por que nãodizer, interexistencial?

Nelson Schaun é um exemplo concreto do serinterexistente. É a comprovação existencial da reali-dade, é, simplesmente, uma afirmação, porque ele,apenas, não existiu, mas interexistiu, pois os seus atos,sempre verdadeiros, são demonstrados continuamen-te. Ele é, assim, uma espécie de experiência vivencial,uma espécie de forma expressiva do que é SER. Nel-son é um fenômeno estranho: ele se tornou popularsendo impopular.

Só quem não o conhece, quem nunca o obser-vou, quem não conviveu com ele algum tempo ounão manteve com ele relações durante alguns anos,não pode ver com os olhos a sua forma de existência.

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Este é um grito de alegria pelo ímpeto vital e tenazde Nelson. Um livro é impotente para conter um gri-to de alegria ou de revolta.

Impossível sintetizar tudo o que foi, realmente,Nelson Schaun. Entretanto, o presente livro, reunin-do seus escritos e os escritos de seus amigos, é umahomenagem a ele e o reconhecimento desta verdade.

Simone Schaun

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NELSON ERA UM “CARA LEGAL”

Raras vezes, como agora, tive tanta dificuldadede organizar as idéias para escrever um texto. É que,escrever sobre Nelson Schaun, no contexto deste li-vro, resultado de obstinada e rigorosa acuidade deMaria Schaun, de reunir e sistematizar retalhos davida de Nelson como educador, jornalista, político eintelectual, pareceu-me, a princípio, tarefa leve, fácile, sobretudo, fascinante. Leve porque, como seu fi-lho, e considerando a figura que ele era, a simplici-dade com que convivia em família, sempre me pare-ceu que não havia carga, com o peso que tivesseque ele não fizesse leve. Lêdo engano! Pensei que oque fosse leve para ele o fosse, também, para mim.Mas ele era muito maior. Fácil, dada a abundânciade fatos dos mais variados tipos que alimentaram,enriqueceram e permearam sua luta e sua convivên-cia em sociedade. Fascinante, porque cada um des-ses fatos e retalhos de que nos recordamos sempreconstitui estímulo instigante a utilizá-lo como re-ferência para uma reflexão mais profunda no âmbitoda Psicologia Humana e Social, da Sociologia, doJornalismo, da Teoria Política da Educação. Ninguém,entretanto, sabe a barafunda em que me meti, quandocomecei a alimentar essa primeira idéia. Daria umoutro ou outros livros. Descaracterizaria todo estetrabalho maravilhoso. Além disso, não seria tarefapara cumpri-la sozinho. A consciência logo me mos-trou que, além de ingênua seria uma pretensão qua-se cabotina. Nelson não merece isso, compreendi.

Os diálogos iniciais com Maria, a participação

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no exercício de revisão dos textos, os depoimentosobtidos e papos emocionantes com José Pena eHermano Penalva, as conversas com minhas irmãs,Simone e Socorro, rememorando a nossa vida compapai, registrando a sua profunda e sólida influênciaem nossa formação ética e moral, as manifestaçõessinceras e leais de Ton Lavigne, o depoimento emoci-onado de Antônio Lopes, meu querido “Paciência”,hoje jornalista e membro da Academia de Letras deIlhéus, deram-me a exata compreensão da dimensãoe do conteúdo do que deveria escrever sobre Nelson.

Com certeza, o meu e os outros depoimentos,contidos neste livro, não exaurem a contribuição deNelson para a construção de uma sociedade justa esolidária, mas são abundantes como exemplos de co-erência, de lealdade, de solidariedade, de coragem ede firmeza, características necessárias e indispensá-veis a quem decidir participar, como sujeito social epolítico, na construção de uma nova consciência co-letiva, onde a solidariedade e a confiança se resga-tem como principal argamassa na consolidação dessanova estrutura e que tenha a inclusão social e a ci-dadania como seus princípios básicos.

Ainda assim, não pretendo registrar aqui todosos fatos de que tenho memória sobre e com Nelson.Correria o risco de ser enfadonho, por muito exten-so. Vou limitar-me a, apenas, relatar dois episódiosda nossa vida em família que me parecem capazes desimbolizar algumas das suas características pessoais,principalmente nas relações afetivas. Deixo suas in-terpretações, tanto no âmbito da sociologia como dapsicologia humana e social, para quem, porventura,por elas queira interessar-se.

Sobre a sua luta política, um dos componentes

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mais fecundos da sua história e que absorveu maisda metade da sua vida útil, identifiquei relatos deJosé Pena, Hermano Penalva — que sempre viveu emnossa casa como verdadeiro irmão e filho — e deoutros, com tal nível de fidelidade que, como home-nagem e agradecimento a esses amigos, não penetreiem comentários mais detalhados.

Nelson, a Tribuna do Sul e Arsênio

Esse episódio aconteceu entre o fim de 1949 e oinício de 1950. Tinha eu, portanto, nove ou dez anosde idade.

A Tribuna do Sul era um semanário do PCB, edi-tado em Ilhéus e que saía aos sábados. Nelson Schaunera diretor e, também, redator chefe. Responsável peloseditoriais do jornal era, também, por coincidência,dirigente do partido na região cacaueira.

Arsênio Alves, delegado regional de Polícia, deextrema direita, reacionário de “quatro costados”,áulico do Estado, alimentava, portanto, uma obsti-nada decisão de destruir ou, pelo menos, desmorali-zar Nelson. Após uma investida de Arsênio e seus co-mandados no extremo sul, região de Porto Seguro,contra os índios ali localizados e que foram barbara-mente violentados, sendo obrigados a ficar de quatropés e, selados, com brida na boca, montados eesporados, Nelson recebeu a tarefa do partido de “ba-ter” em Arsênio, no editorial da Tribuna do Sul. As-sim feito, sai o jornal no sábado e é distribuído pelamanhã em toda a cidade. Nesse mesmo dia, por voltadas duas horas da tarde, encontrava-se Nelson no Barde Barral, na Marquês de Paranaguá, vizinho à Casa

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Brasil, de Isaac Albagli, numa tranqüila e saudáveltertúlia com outros intelectuais, amigos de sempre,quando é abordado por Barbosa, “pau mandado” deArsênio, um mastodonte, como o caracterizava Vanja,minha mãe. “Seu Nelson, vamos à delegacia que ocoronel Arsênio quer ter uma conversa com o senhor!”“Você tem, aí, o mandado de prisão?” “Não tenho enão precisa”! “Então não vou”, decidiu Nelson. Se-guro por Barbosa, braço torcido para trás, lá se foiNelson arrastado pela rua, como se fosse um animalraivoso. Ao passar pela porta do Diário da Tarde, ou-tro jornal de Ilhéus, Otávio Moura, seu diretor, saiu àrua para protestar contra aquela forma arbitrária eviolenta com que Nelson estava sendo conduzido àdelegacia. Barbosa não deu ouvido ao protesto e se-guiu arrastando Nelson. Otávio Moura foi a nossa casae relatou a minha mãe o fato que acabara de presen-ciar. Minha mãe, com roupa de casa e chinelo, comoestava, saiu à rua e foi direto para a delegacia. Su-biu as escadas e entrou de forma tão agressiva queprovocou uma rápida e imediata reação de estupor eperplexidade do grupo de Arsênio. “Meu velho, (as-sim ela o tratava) o que é que há? O que você estáfazendo aqui?” “É, o Arsênio decidiu que tenho decomer e engolir o jornal porque o texto do editorialnão lhe foi muito favorável!” “Vamos embora paracasa, meu velho!” Pegou papai pelo braço e saiu. Quan-do a jagunçada se recompôs da perplexidade, já Nel-son e Vanja estavam a caminho de casa.

Naquele dia, chovia muito e fazia muito frio, eraépoca de vento sul. Quando cheguei em casa, da es-cola, já tudo escuro, encontrei na cozinha, que eragrande e tinha um fogão de ferro, a carvão, Nelsontodo escoriado, muito dolorido, de cócoras ao lado

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do fogão para se aquecer e suportar melhor as dorese, à sua volta, tias, tios, primos, todo mundo com arde tristeza e sofrimento. Nesse momento, presenciei oseguinte comentário de Nelson: “Afinal, por que tantatristeza e sofrimento? O mundo ainda não vai acabar!”“Como você quer que estejamos aqui, vendo você nes-se estado, todo machucado e sem ter feito nada quemerecesse”, responderam. “Ora, ora! devemos estar aqui,agora, é comemorando com muita alegria este fato.Vejam vocês que quando minha velha chegou à dele-gacia eu estava num beco sem saída. Percebi, ali, queArsênio não descansaria enquanto eu não comesse eengolisse todo o jornal. Já estava articulando as idéiaspara tentar convencê-lo de que, comendo somente apágina do editorial eu já estaria bem castigado, quan-do chega minha velha e me salva até disto!” Risadageral, descontração total, voltou todo mundo à nor-malidade. Ele era assim. Às vezes tripudiava da pró-pria desgraça para não ver tristeza. Ele queria outromundo. Não tolerava solidão nem tristeza à sua volta.

Nelson Peixoto Ribeiro, ClovisMaranhão e o laudêmio

Clovis Maranhão vendeu dois imóveis de sua pro-priedade, construídos em terrenos que pertenciam aNelson. Fez a transação e não comunicou o fato, comose os lotes também lhe pertencessem. Avisado porum amigo, no dia da formalização da transação nocartório de Nelson Peixoto Ribeiro, à rua D. Pedro II,em cima da Farmácia Universal, aparece Nelson, de“sopetão” sem avisar e, também, sem ser convidadopara aquele evento. Ar de surpresa e perplexidade

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dos atores presentes. Eu estava com ele. O oficial docartório, Nelson Ribeiro, informa que, conforme a de-cisão de papai, aquela transação poderia ser formali-zada sem maiores problemas mas, se papai exigisse,tinha o direito de receber um valor proporcional à datransação, a que se dá o nome de laudêmio. O advo-gado de Clovis Maranhão, e o próprio, tentaram levarpapai na conversa para que ele dispensasse o tallaudêmio. Clovis Maranhão era bem de vida. Nelson,que se sustentava com um soldo do Partido, quandohavia alguma disponibilidade, estava “sem nenhum”viu, ali, a oportunidade de resgatar um compromissofeito comigo já há algum tempo, que era comprar-meuma bicicleta. Percebendo a possibilidade de serengabelado, simulou muita irritação e, no meio daconversa dirige-se a Clovis e seu advogado e questi-ona: “Acaso pensam vocês que sou algum néscio? Eusou Nelson, não sou néscio!” Endureceu, recebeu olaudêmio de, naquela época, nove mil cruzeiros, saí-mos, entramos na loja de Simon Rosenblit, na ruaMarquês de Paranaguá, compramos uma bicicletaMonark, vermelha, aro 28 x 11/2 , freio no pedal, porquatro mil e quinhentos cruzeiros. Feliz, fui para casae essa bicicleta, durante muito tempo, “dormia” nomeu quarto, encostada em minha cama.

Ele era assim, quando percebia que alguém que-ria fazê-lo de bobo, ironizava o desafeto a ponto decolocá-lo em ridículo. A forma simples com que elefazia as nossas vontades sempre nos provocava imensaalegria e felicidade. Ele era muito “legal!” Não con-sigo esquecer-me dele, nunca!

Nicolau Schaun

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PARECE QUE FOI ONTEM...

O tempo que convivi com meu pai – pouco maisde 17 anos – pode não parecer muito, para que, hoje,eu fale dele com tanta propriedade. Mas sua perso-nalidade marcante e seus exemplos de vida exerce-ram uma influência tão forte sobre mim, que essespoucos anos que passamos juntos foram suficientespara que eu formasse a minha personalidade dentrodos padrões éticos e morais adquiridos de NelsonSchaun, talvez geneticamente, mas principalmentepor ouvir as suas experiências de vida. Não é poracaso que hoje sou jornalista.

Tivesse meu pai se dedicado ao jornalismo – ati-vidade que começou a exercer antes dos 20 anos –por certo teria ultrapassado as fronteiras nacionais edeixado contribuições para os profissionais de comu-nicação de todo o mundo. Desde cedo, demonstrouvocação nata para a área das letras, pois, mesmo tendocursado apenas até a terceira série primária, sabiacomentar um fato, fazer uma crônica como ninguém.Era um mestre na arte da sátira, da ironia e da analo-gia. Isso eu pude constatar ao ler alguns artigos pu-blicados em jornais de oposição da época, alguns dosquais lhe valeram alguns dias ou meses de cadeia.

Lembro-me dele, como se fosse ontem, lendodiariamente o Jornal do Brasil, Globo e Última Hora.Lia diversos jornais simultaneamente, o que já erararo naquela época, em Ilhéus, creio que para anali-sar as várias linhas editoriais e tirar as suas própriasconclusões. Este procediemnto lhe dava mais condi-ções de escrever sobre qulquer assunto que lhe fosse

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solicitado. Por certo, teria sido um grande repórter,editor ou principalmente um editorialista.

Quantas vezes redigiu discursos para terceiros.Bastava lhe indicarem o assunto e ele atingia em cheioo pensamento do interessado. Na época da repressãoquase nunca assinava, para garantir a publicação doartigo. Meu pai foi o primeiro ghost writer que co-nheci.

E o mais importante é a atualidade dos seus tex-tos. O seu artigo “Inquietação da Juventude”, publi-cado em 1968, bem que poderia ser republicado, poisparece ter sido escrito hoje. Não só pelo tema, quecontinua comum à nova geração, mas, principalmen-te, pela maneira como o problema é enfocado, mos-trando a visão progressista do autor.

É muito difícil para um filho escrever sobre opróprio pai, sem parecer suspeito e excessivamenteelogioso. Por outro lado, ninguém melhor do que umfilho pode analisar a personalidade do pai.

Cresci em meio à sala de aula, pois meu pai,depois que se desligou do Partido Comunista, pas-sou a dar aulas particulares em nossa própria casa,para sobreviver com a família. Foi ali naquele salãoonde ele ensinava, que ao meio dia e à noite setransformava em sala de estar, onde ele ouvia diari-amente a Voz do Brasil na velha eletrola, que euaprendi as normas da boa escrita. Talvez já daí te-nha adquirido o gosto pelo jornalismo, profissão quevim a escolher, seis meses depois da sua morte.

De todas as características de Nelson, foi semdúvida a sua autenticidade, o seu espírito de solida-riedade, o seu compromisso com a verdade e, princi-palmente, a sua coragem, que mais me marcaram.Quando vejo hoje tantas pessoas vendendo a consci-

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ência em troca de um cargo político, pessoas calan-do a verdade para não se comprometer, sinto maisorgulho de ser filha de Nelson. Ele jamais almejouriqueza, bem estar social ou fama e nunca hesitouem denunciar as injustiças sociais temendo represá-lia. Sua vida foi marcada pela dificuldade, mas, comodisse Indira Gandhi: “É um grande privilégio viveruma vida difícil”.

E o que me chama mais a atenção é que, por trásdaquele pai íntegro, rígido nos seus conceitos dehonestidade e verdade, existia um homem de cons-tante bom humor e com incrível alegria de viver. Eledizia que se partisse antes dos 125 anos morreriadanado. Para tudo, nas situações mais sérias, ele ti-nha uma saída interessante, humorística até. Certavez, andando pela D. Pedro II – rua tradicional deIlhéus – escorregou e caiu. Havia algumas pessoasconversando perto, que nada fizeram para ajudá-lo alevantar-se. Não perdeu a “esportiva” – como se fa-lava naquela época- levantou-se, olhou para o grupoe falou: “É, caí mesmo!”.

Quando não tinha de quem gozar, gozava de sipróprio. Já havia deixado de fumar, por orientaçãomédica, após ter sofrido uma trombose, quando certodia, após retornar de um “forinha” - como costumavachamar as suas saídas vespertinas após um dia deaula – chegou com um cigarro de chocolate na bocacomo se estivesse fumando, ao que foi interpeladopor minha mãe, preocupada com a sua saúde. Ao cons-tatar a brincadeira, foi mais uma sessão de riso, comotantas outras que ele nos proporcionava.

Na verdade, falar sobre meu pai é uma das coisasmais agradáveis para mim. Eu poderia escrever um li-vro, uma enciclopédia sobre ele. Mas, no caso de uma

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introdução, como agora, optei por mostrar que, pordentro do político experiente, do educador competen-te, do homem culto que usava corriqueiramente ter-mos como nímio, desarrazoado, existia um outro, em-bora com visão de adulto consciente, com espírito decriança, coração de menino.

Quando, em 1999, fui participar do lançamentode O Elo Perdido, livro de Maria Schaun sobre a ori-gem de nossa família, e esta me falou: “Nelson mere-ce um livro”, senti que começava o resgate da memó-ria daquele que deixou grande contribuição, tanto naárea educacional, política, como social e cultural deIlhéus.

Certamente encontramos poucos escritos, talvezmesmo pela natureza da sua atividade – quase doisterços de sua vida dedicados ao Partido Comunistaque, por ser ilegal na época, impedia-o de externarsuas idéias, obrigando-o a viver na clandestinidadepor muito tempo. Aliado a isso, os rascunhos que eleguardava enrolados em forma de canudo e amarradoscom cordão, para o livro que publicaria sobre sua vida,foram queimados por parentes, talvez para livrá-lode mais uma prisão.

Mas, o que importa no momento, é apresentar àgeração mais nova, esse ilheense, amante da suaterra, que tanto lutou pelas causas sociais. Por váriasvezes declarou que Ilhéus era o melhor lugar do mun-do, mesmo tendo conhecido apenas duas capitais,Salvador e Rio de Janeiro. Já naquele tempo, ele ba-talhava por um mundo mais justo, mais humano emenos desigual, expressão hoje tão usada em todosos discursos que enfocam a cidadania. Era, por natu-reza, simples e modesto, ao ponto de adotar comopseudônimo Modesto da Silva.

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Quantas vezes ouvi escritores como Jorge Ama-do e Adonias Filho dizerem: “Nelson, você deve irembora de Ilhéus para se tornar um grande escritor”.E ele, destituído de qualquer espírito de ambição oufama, nunca se preocupou em ser famoso. Para meupai, Ilhéus era tudo e lhe bastava. Por isso, nadamais justo do que a homenagem que essa terra lhefaz, não só por ter nela nascido mas principalmentepor ter escolhido este lugar para viver até o fim dasua vida. Nelson Schaun merece o resgate. Deus aben-çoe todos aqueles que nos ajudaram a lhe render essahomenagem.

Carinhosamente,Socorro Schaun

Nelson e Vanja, 10.04.1935

Vanja, Nelson, Nicolau e Simone, 12.06.1947

Nicolau, Vanja, Nelson, Simone e Socorro, 1957 Vanja e Nelson, 1968

Nelson com Simone, 1939

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MÉTODOS DE ENSINOComo ensinar e como aprendera língua nacional

Diário da Tarde,15.07.38

Simples, claro, isento de todo férreo teoricismo,porém vivo, dúctil, como possível objetivo, deve deser, ou tem de ser o método para o ensino exato epara a exata aprendizagem da língua nacional.

Esse método, complicado e abstruso, sobretudoenfadonho e estéril, que consiste na exigência rigo-rosa do puro conhecimento de regras e normas gra-maticais, é, de todo ponto condenável e já hoje, con-denado por qualquer mediano raciocínio.

Com efeito, de que valem ao indivíduo noçõescompletas da gramática, se lhe não é dado saberconcatenar as idéias, coordenar os juízos, expor ospensamentos, usar, em suma, da linguagem, de modopreciso, com expressão nítida, com equilibrada con-cisão, com a correção muito pura observada e, sobre-tudo, com perfeita, necessária clareza?...

O que vemos, todavia, ainda praticado em quasetodos os estabelecimentos de ensino, primários ou se-cundários, do Brasil, é a errônea doutrina do ensino edo aprendizado abstratos, confusos, áridos, da lexicologiae da sintaxe com o horror inteiro da divisão e subdivi-são da gramática, sem absolutamente nada de objeti-vo, de útil, de intuitivo.

Incapaz de compreender e discernir, mete-se odesprevenido cérebro a decorrer superficialmente so-

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bre as regras, a crua terminologia, os exemplos, abem dizer, padronizados, estandardizados, para recitá-los, repetí-los passivamente.

E o resultado lógico de tal método é o ilogismode preparar alunos muito fortes na exposição de todaa gramática, hábeis mesmo na rigorosa discrimina-ção das regras, normas e divisões, subdivisões doscompêndios e, nada obstante, muito fracos, senão detodo negativos, nas comezinhas regras e princípiosdo falar e do escrever.

Essa não deve, não pode ser, entretanto, a fina-lidade do ensino, muito especialmente do ensino dalíngua.

Ninguém, de inteligência esclarecida, ignora quea linguagem é veículo supremo, ou fator por excelên-cia da função social de relação. Quanto mais aperfei-çoada e justa for essa função, mais integrados esta-rão os indivíduos nos seus humanos destinos e, pois,mais forte, mais digno e consciente será o povo cons-tituído de tais elementos.

Para que, então, corresponda eficientemente àexata utilidade social, o ensino da língua precisa serministrado através de orientação mais prática, decunho mais objetivo, de caráter mais intuitivo, demaneira mais viva e concreta.

Os professores se afincam, obstinadamente, nocumprir e observar os programas oficiais que man-dam imprimir a todos os alunos, de quaisquer cursos,classes ou graus, o seco teoricismo gramatical sobrelexicologia, fonologia, taxinomia, camponomia, emesmo sintaxiologia, história da língua, com os fa-tos todos, episódios, minúcias e leis que presidirama todos os fenômenos ou que determinaram todos oscasos relacionados com a formação, desenvolvimen-

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to e definição do idioma: tudo isso, porém, de modoabstrato, sem atender ao lado prático e utilitário daquestão. Como se todos, ao cabo de contas, houves-sem de ser, necessariamente, orientados para os des-tinos e ocupações de puros sábios da linguagem.

Mas, por desengano ou ironia, o comum dos quesaem das escolas é dos inadestrados no uso da lin-guagem, incapazes de redigir, com acerto, uma carta,narração, simples descrição ou dissertação, um ofício,um requerimento, uma petição, seja o que for, inclusi-ve de sustentar uma conversação mais ou menos lim-pa, expor um fato ou aventurar um ponto de vista, emlinguagem oral precisa, clara, compreensível.

Quais as conseqüências lógicas de todo essedespautério e de todo esse absurdo?

É que, dessa verdadeira teratologia pedagógica,decorre a necessidade de superar todo o atraso, toda adeficiência, toda a perda de tempo e esforço, para entãoconseguir, na vida prática, aprender a objetivar as idéiase vingar um estilo menos ou mais nítido, seguro, nosentido da propriedade, da correção, sobretudo, dajusteza da linguagem.

Que importa aos homens, pois, nas diversas,multifárias ocupações, saber quantas e quais foram asfontes lexiogênicas da língua nacional e todas as ou-tras noções abstratas, porventura ganhas nos estabe-lecimentos escolares, se, em verdade, são eles atira-dos para os rigores da existência real e trabalhosa,dominados pela imediata necessidade de exteriorizaras idéias, entender e compreender, comunicar os pen-samentos de maneira justa e concreta, exercer de fatoa suprema função social da relação?

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A ATUALIDADE DE HUGO

Revista Seiva,nº. 2, janeiro de 1939

De Victor Hugo podemos dizer, com inteira pro-priedade, que vive a existência imortal, através daidéia e do pensamento, que se projetam, reais e su-gestivos, pelos dias em fora e pelo futuro a dentro.

Aqui não cabe a expressão vazia e abstrata, o merodizer por dizer, para efeito literário ou fantasia doespírito. Senão que, em verdade, quanto a Hugo, éfalar à consciência e compreendê-lo, senti-lo com aconsciência: justa é, pois, e sobretudo exata, aconceituação de imortalidade aplicada a Victor Hugo.Porque Hugo palpita hoje, como viveu ontem e há defremir, atuar, poderosamente, e profundamente influirnos destinos dos povos, até quando e onde for a his-tória dos povos. Porque a obra de Hugo não pode serconsiderada acidente breve e fortuito; mas, realmen-te, obra definitiva, ampla, consistente e indestrutível.Porque Hugo não foi uma circunstância humana decaráter efêmero; porém, é um fenômeno contínuo, quese prolonga, que perdura e que, por igual, se eviden-cia numa interação inevitável e total, para que sejalei inequívoca de psicologia político-social.

Pensou com os homens e para os homens que,muito antes dele, tomaram papel na sombria tragé-dia da vida. Raciocinou, esclareceu, argumentou ediscerniu a suprema questão da existência e coexistêncasocial, e encontrou, para agitar, para viver por todo o

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sempre, a verdadeira fórmula capaz de concretizar o idealde harmonia entre os homens, por todo o minuciosocaminhar dos séculos.

Victor Hugo é vivido precisamente hoje, porqueagora, mais do que ontem, é ele sentido, como, semdúvida, será ele melhor e muito mais sentido ama-nhã, e vivido após, ainda mais longe, muito lá, nosâmbitos da possível felicidade humana e da possívelperfeição da sociedade.

Toda a intensa e fecunda obra de Hugo é traba-lhada nesse profundo senso do futuro sócio-políticoda humanidade.

Tomemos, por acaso, uma página de sua obra“mais” prima – Os Miseráveis: o capítulo IV do LivroSétimo da parte terceira:

Não deixemos de o repetir: cuidar antes de tudodas multidões deserdadas e dolorosas, aliviá-las,arejá-las, esclarecê-las, amá-las, alargar-lhesmagnificamente os horizontes, prodigalizar-lhesa educação sob todas as formas, oferecer-lhes oexemplo do trabalho, nunca o exemplo da ociosi-dade, diminuir o peso do fardo individual, au-mentando a noção do fim universal, limitar apobreza sem limitar a riqueza, criar vastos cam-pos de atividade pública e popular, ter, comoBriaréu, cem braços para estender para todos oslados aos aflitos e aos fracos, empregar o podercoletivo no grande dever de abrir oficinas paratodos os braços, escolas para todas as aptidões,e laboratórios para todas as inteligências, aumen-tar o salário, diminuir a fadiga, balancear o DEVEe HAVER, isto é, proporcionar o gozo ao esforço, e

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a saciedade à necessidade, numa palavra, desem-baraçar o aparelho social em proveito dos que so-frem e dos que ignoram; a maior claridade e a maiorcomodidade, não o esqueçam as almas simpáticas,é o que constitui a primeira das obrigações frater-nais; é, saibam-no os corações egoístas, a primei-ra das necessidades políticas.

E, digamo-lo, isso tudo não é mais que um começo.

A verdadeira questão é: - o trabalho não pode seruma lei sem ser um direito.

Se a natureza se chama providência, a sociedadedeve chamar-se previdência.

O desenvolvimento intelectual e moral não é me-nos necessário do que o melhoramento material.Saber é um viático, pensar é de primeira necessi-dade; a verdade é tanto alimento como o pão. Umarazão em jejum de ciência e de saber, emagrece.Lastimemos, do mesmo modo que o estômago, osespíritos que não comem. Se há uma coisa maispungente do que o corpo agonizante por falta depão, é uma alma morrendo à fome de luz.

O progresso pende todo para o lado da solução.Um dia ficar-se-á estupefato. Elevando-se o gê-nero humano, as camadas profundas sairão natu-ralmente da zona da aflição. O desaparecimentoda miséria operar-se-á por uma simples elevaçãode nível.

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Será um erro duvidar desta solução abençoada.

Nós cremos – que podemos temer?As idéias não são mais susceptíveis de recuar deque os rios.Mas, pensem bem os que não querem nada dofuturo.Dizendo que não há o progresso – não é o futuroque eles condenam, mas a si mesmos. Adquirempor suas mãos uma doença sombria: inoculam-seno passado. Não há senão um modo de recusar oAmanhã – é morrer.O parto do futuro, o próximo nascimento do bem-estar universal é um fenômeno divinamente fa-tal.Os fatos humanos são regidos por imenso avançardo todo, que os conduzem, sem exceção de umsó, num tempo dado, ao estado lógico, isto é, aoequilíbrio, à equidade.

Que mais será necessário acrescentar para defi-nir a questão social que agita de presente, a huma-nidade inteira? E, que outra fórmula sensatamentepode levantar-se, para uma solução racional e justa?

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RECEITA DO MUNICÍPIO DE ILHÉUS

Revista Seiva,no 8, dezembro de 1940

Temos, no município de Ilhéus, um serviço deestatística que pode ser comparado aos melhores exis-tentes no país. Esse serviço de estatística vem tra-zendo excelentes resultados, Hoje, já se pode conhe-cer perfeitamente a verdadeira situação daquele mu-nicípio. Já existem dados capazes, também, de seproceder a uma analise objetiva sobre as suas possi-bilidades, como sobre as suas necessidades.

Agora mesmo foi publicada uma estatística com-parada da receita do município, com a receita de dezcapitais brasileiras. Esta faz a seguinte discriminação.

Vê-se clara e perfeitamente a superioridade dasrendas de nosso município, em relação às rendas destasdez capitais de Estados. Com efeito, se se tomar como

Municípios 1938 1939

Ilhéus 3.156:512$550 3.713:634$129Maceió 3.018:000$000 2.913:600$700Vitória 2.874:597$000 3.445:357$000Aracaju 2.263:884$700 2.536:933$300Natal 2.043:849$000 2.037:024$000Florianópolis 1.851;593$023 1.936:391$000João Pessoa 1.775:798$099 2.087:320$450Terezina 1.098:451$400 1.211:593$500Cuiabá 691:011$000 643:693$000Goiânia 627:681$000 851:439$000Rio Branco 453:119$500 519:684$700

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exemplo o ano de 1939, a receita de Ilhéus tem umadiferença para mais de 800:020$427 em relação aMaceió; de 268:277$129 em relação a Vitoria; de1.777:363$129 em relação a Florianópolis; de1.626:313$679 em relação a João Pessoa; de2.502:040$629 em relação a Terezina; de3.069:941$129 em relação a Cuiabá; de 2.862:194$429em relação a Rio Branco. No entanto, essas capitaistêm seus serviços de transportes desenvolvidos, têmcolégios; têm as suas faculdades superiores; têm per-feito serviço de água, esgoto, telefones, bondes eiluminação elétrica; têm, enfim, todos os requisitosde civilização, equivalentes à sua importância e aoseu desenvolvimento. Goiânia, por exemplo, tem umíndice de construção de dois prédios por dia. Em seisanos, apenas, possui 3.349 prédios urbanos. Mas, nãoprogrediu apenas no plano de construções. Diz certocomunicado telegráfico:

Ela se apresenta não só com avenidas modernas,artisticamente ajardinadas, como também osten-tando varias instituições de cultura histórica, fi-losófica, literária, educativa e em estabelecimen-tos modelares, culturais, esportivos, filantrópicos,artísticos e sociais.

Além disto obedece a um perfeito plano de ur-banização e de engenharia sanitária, tendo, também,“hospitais, leprosário, casas de saúde perfeitamenteaparelhadas, estabelecidas mais pelo interesse de servirbem, que pela vaidade de ostentar vistosos e carosinstrumentos”. Maceió tem a sua Faculdade de Direi-to e está com o seu porto quase concluído, com óti-mo aparelhamento. A Paraíba tem, em Cabedelo, um

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porto que satisfaz plenamente as suas necessidades,e Vitória falta pouco para terminar a construção doseu. Cada uma destas capitais se acha servida tam-bém por boas estradas de ferro e um parque industri-al em franco progresso.

E Ilhéus? Uma escola normal, um colégio secun-dário, algumas escolas primarias, sem o necessárioaperfeiçoamento, como também sem o devido mate-rial pedagógico. O serviço de iluminação é o piorpossível. O serviço de telefones também. Não há or-ganização de transportes urbanos. O serviço de águae esgoto ainda deixa muito a desejar. É servida poruma das piores estradas de ferro que existem no Bra-sil. A empresa exploradora é a The State of BahiaSouth Western Railway Co. Ltda. Tratando do proble-ma dos transportes no sul do Estado assim se expres-sou o sr. Tosta Filho sobre essa estrada de ferro:

o desenvolvimento dos transportes não foi alémde uma rudimentar ferrovia que se limitou a tocaiara produção em determinados pontos obrigados deconcentração, deixando nas faixas produtivas, cujocacau chegava às suas estações enormemente one-rados pelo custo do transporte primário, feito emlombo de burro, para depois ainda pagar fretesmais altos que em qualquer ferrovia do país.

Aliás, uma coisa que sempre desejamos foi fazeruma apreciação geral e minuciosa sobre essa empre-sa estrangeira. No entanto, nunca nos foi possívelfazê-lo. Nunca encontramos uma só publicação a res-peito dos balanços, como também de suas contas delucros e perdas. Sabemos que essas publicações fo-ram sempre feitas em Londres e por lá ficavam. Mas,

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agora, talvez a situação se modifique com a nova leisobre as sociedades anônimas. Essas empresas estran-geiras que estavam habituadas ao regime de duplacontabilidade, não poderão mais furtar-se ao deverde dar ao público todos os esclarecimentos necessá-rios sobre as suas atividades. Além disto, seria preci-so certas medidas no sentido dessa empresa melho-rar as condições de seu material de locomoção e di-minuir as suas tarifas. Ou então, proceder-se à resci-são do contrato e, por sua vez, a sua incorporação aopatrimônio nacional.

A situação do porto de Ilhéus é, talvez, aindamais lastimável. Cerca de 200.000 sacos de cacau seencontram depositados em armazéns onde se podedar a deterioração do produto, aguardando transpor-te. A barra se acha obstruída. E o comércio exporta-dor do sul do Estado está quase, por assim dizer, pa-ralisado. No entanto, dado o volume de exportaçãode cacau pelo porto de Ilhéus, era de se esperar queesse porto fosse um dos mais bem aparelhados nãosó do Estado, como do país. Veja-se que o cacau ocu-pa o terceiro lugar na balança comercial do Brasil.Mas agora que se acham em estudo alguns projetosde desenvolvimento dos portos do país, é de se espe-rar que o sul baiano seja olhado com o devido inte-resse. É preciso um porto modernamente aparelhadopara satisfazer às necessidades da região mais pro-gressista do Estado. É preciso que se observe que ocontrato de exploração do porto de Ilhéus já cadu-cou de há muito. As suas cláusulas nunca foram cum-pridas devidamente. Aliás, esta questão foi verificadapelo sr. José Américo, quando ministro da Viação. Épreciso, pois, uma reforma total e definitiva nesteproblema.

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Não há, tão pouco, no município, uma só escolatipicamente rural. No entanto, é uma necessidade.Trata-se de uma localidade que faz parte de uma re-gião essencialmente agrícola. E o preparo técnico pelasescolas rurais seria de ótimo resultado prático. Veja-se o exemplo de Blumenau, no Estado de SantaCatarina: agora mesmo inaugurou a sua Escola Agrí-cola Municipal. O município de Ilhéus, também, po-deria ter a sua. Essa escola poderia ter por finalidadedifundir o ensino agrícola em todo o sul do Estado.Sabendo-se o quanto é necessária a difusão do ensi-no especializado dos vários ramos da agricultura, po-deria ser instalada uma Escola Agrícola de Curso Pri-mário e Médio pelo Instituto de Cacau, com a coope-ração do governo estadual, dos prefeitos dos diver-sos municípios e das Associações e Sindicatos deAgricultores do Sul do Estado. Seria um empreendi-mento valioso para o mais amplo desenvolvimentoda agricultura no sul do Estado, como de seu maioraperfeiçoamento técnico. Isto não só em referênciaao cacau, como também para garantia no estabeleci-mento da policultura. Em se tratando do cacau, veja-se o que se tem feito em Cuba com um outro produtoagrícola. Sendo Cuba um país cujo produto principalé a cana de açúcar, hoje a grande maioria de seustécnicos em agricultura são técnicos especializadosem cana de açúcar. São agrônomos açucareiros. Nosul do Estado podia-se fazer o mesmo: formar técni-cos cacauicultores. É preciso que se observe o quediz o sr. Tosta Filho: “O Instituto de Cacau encontroua agronomia brasileira sem um só técnico de cacau,não obstante a ancianidade do Theobroma no país eo vulto crescente de sua exportação”. Acrescenta aindao mesmo técnico:

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Tirante o sr. Bondar e dois ou três estudiososlocais cuja capacidade pessoal permitiu-lhes acu-mular um grande acervo de conhecimentos, decerto cunho científico, os produtores, em geral,quando meditam sobre os aspectos técnicos docacau fazem-no na base de uma observação todasubjetiva, mercê da qual acreditam, não raro,nas mais absurdas normas a par de interessan-tes e talvez verdadeiríssimas observações, tudo,porém, sem sistematização e controle positivo.

Diante destas afirmações de um técnico reco-nhecido como o sr. Tosta Filho, vê-se que domina, nacultura do cacau, o mais triste empirismo. Portanto,não há outra solução, senão a fundação de uma es-cola para formar técnicos. Só assim se poderá chegarà “obtenção do melhor produto pelo menor preço, como máximo de vantagens assegurado aos legítimos pro-dutores que são os lavradores, os que amanham aterra”.

Mas, voltemos à nossa análise sobre a receita domunicípio de Ilhéus. Vimos que a sua receita em 1938foi de 3.156:512$550 e, em 1939, de 3.713:634$129.Durante esses dois anos a receita arrecadada no Es-tado foi de 109.579:400$000 para 38 e de106.840:000$000 para 39. Tomando-se, por exemplo,o ano de 1939 e dividindo-se o total da arrecadaçãopelos 150 municípios existentes no Estado, caberá,para cada um, uma receita de 712:266$666. Estamosfazendo uma divisão eqüitativa, somente para a com-provação dos dados estatísticos. Então, sabendo-seque Ilhéus contribui, como já observamos, com a re-ceita de 3.713:634$129, vemos que ele contribui comcinco vezes mais que aquela percentagem e ainda res-

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tando 152:300$791, quantia essa que é mesmo supe-rior à arrecadação de muitos municípios baianos. Ora,isto acontecendo, é justo que, pelo menos, os pro-blemas mais urgentes, a nosso ver, são os seguintes:o financiamento da lavoura, o escoamento da produ-ção de cacau, a orientação técnica da cultura, a cons-trução do porto, o melhoramento no sistema de trans-portes ferroviários e marítimos, e certa complacên-cia na arrecadação dos impostos. É de se ver que to-das essas medidas não têm caráter absolutamente mu-nicipal, mas um caráter regional. Todas elas vão aoencontro das necessidades imediatas de todo o sulbaiano. E não será exagero dizer-se que o sul do Es-tado até agora tem sido relegado ao mais exclusivoabandono. Sabe-se que somente cerca de 1 a 1,5 porcento das arrecadações estaduais e federais têm sido,até agora, revertidos em seu benefício. Há necessi-dade de que essa situação se modifique. Não podemesmo continuar. Satisfazer às reivindicações do sulbaiano, constitui o resgate de uma longa dívida doEstado e da Nação para com esta região que tem umpatrimônio que representa o maior sustentáculo davida econômica e financeira da Bahia.

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COMO VÃO OS INTELECTUAISPELO MUNDO

Revista Seiva,nº 8, dezembro de 1940

Procurando-se ver a posição dos intelectuais emface do conflito atual em todo o mundo, verificamosque ela é a pior possível. Em todos os países proces-sa-se um tolhimento completo da liberdade de pen-samento! Nos fascistas, há muito que ela não existe.Nos “democratas” diretamente envolvidos pela guer-ra, atualmente, este esmagamento chega às raias doabsurdo. Nos demais países, o fenômeno obedece aosentido dos bandos beligerantes, por isso que há umadependência forçada entre todos eles.

Na França e na Inglaterra, falando somente dospaíses “democratas”, a repressão aos intelectuais temsido extraordinária. Centenas deles encontram-se jo-gados nos campos de concentração ou nas prisões,quando não foragidos. Escritores que honram a cul-tura contemporânea consomem-se em cubículos, como pensamento enjaulado!

E, por que tudo isso?Será que a cultura é hostil à guerra? Será que só

há lugar para um?Será que esses intelectuais se tornam inconve-

nientes, dizendo coisas prejudiciais aos interessadosna guerra?

Que será?

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AS REIVINDICAÇÕES DALAVOURA CACAUEIRA

Revista Seiva,no 8, dezembro de 1940

Sabe-se que o cacau é a nossa maior riqueza. Sea Bahia pode dizer que exporta para mais de 100 pro-dutos, também não é menos verdade que o cacau é oúnico produto que pesa realmente em sua balançacomercial. Os outros produtos são, apenas, satélitesdeste grande astro. E baseamos as nossas afirmaçõesem dados estatísticos. É que o valor da estatística éinsofismável. Por ela pode-se perfeitamente avaliara situação de uma nação, o progresso de um povo.

O cacau em nossa balança comercial

Então cabe-nos fazer um paralelo, embora ligei-ro, para demonstrar a supremacia do cacau em nossocomércio exportador. E, portanto, como riqueza. Bastaum exemplo. E para isto escolhemos justamente trêsprodutos também agrícolas, o café, o algodão e acana de açúcar. O valor comercial da exportação des-tes três produtos em 1939, foi de 23.147.717$400para o café, com 230.102 sacos de 60 quilos; de1.561:005$000 para o açúcar, relativo a um total de151.93 sacos de 60 quilos.

Enquanto isto, o cacau contribuía com a expor-tação de 2.208.117 sacos, os quais, reunidos aos

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46.746 sacos industrializados no Estado perfazem umtotal de 2.254.863 sacos de 60 quilos. E, com refe-rência ao valor, essa exportação atinge a soma de223.907:635$300. Vê-se assim a desproporção notá-vel de um para outros produtos. É preciso notar ain-da que para aquele ano de 1939, três fatores já in-fluíam poderosamente sobre a lavoura cacaueira: asegunda guerra imperialista tirando-lhe todo o mer-cado europeu que absorveu ainda em 39 o total decerca de 741.029 sacos; a oscilação contínua dos preçosjá começou; os Estados Unidos, o maior comprador,com 1.451.900 sacos estão aproveitando as conse-qüências da guerra para impor preços ao seu livrearbítrio, por não haver mais concorrência no merca-do internacional. A este fator ajuntou um longo pe-ríodo de estiagem, que produziu uma redução globalde 350.000 sacos, tomando-se como referência a sa-fra de 1938 que foi de 2.230.803 sacos.

Não queremos dizer que esses fatores não ha-jam influído também naqueles outros produtos, como,aliás, em toda a produção baiana. Mas, em que nãoresta a menor dúvida é a predominância, quase ab-soluta, ou mesmo absoluta, do cacau em nossa ba-lança comercial de exportação. E assim como o ca-cau se tornou essa riqueza, assim também os outrosprodutos podiam se tornar. O nosso solo é, nesteparticular, de ótima qualidade. Que determina, en-tão, esse atraso? É preciso que se investigue. Nãose pode é continuar assim por toda a vida. Para alavoura cacaueira chegar ao que é hoje não contoucom nenhum auxílio, nem gozou de nenhum ampa-ro. Fez-se por si mesma. Fez-se pelo esforço titânicodos que desbravaram a terra. (1)

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O despertar das forças da lavoura cacaueira

Mas além desta exceção profundamente acen-tuada, há ainda outras que merecem a nossa aten-ção. Vejamos esta por exemplo: o despertar das for-ças da nossa lavoura que primeiro despertou no pre-sente para tratar de seus interesses e pugnar pelosseus direitos.

A lavoura da Bahia havia perdido mesmo a suavoz potente dos tempos passados. Não mais se viuuma exposição clara como aquela feita pelos princí-pios do século XIX e que passou para a história como nome da Cartas Econômicas e Políticas. As lutas daindependência se corporificaram e partiram dos nú-cleos açucareiros do Recôncavo. É preciso que se vejacom carinho o que representou a civilização da canade açúcar nas lutas pela nossa emancipação. Os nos-sos historiadores ainda se encontram muito preocu-pados com datas e nomes próprios. Achamos que osfatores históricos têm mais importância. E esses es-tão ainda aí à espera de uma interpretação honesta esincera. Só assim se poderá admirar, como é preciso,a nossa herança. E isto será um guia para o futuro. Éque representa um importante instrumento de com-preensão e de reconstrução da realidade nacional.

Mas, surge 1930. E desse ambiente de eferves-cência, iniciou-se uma renovação. E as nossas forçasda lavoura despertaram de seu longo sono. Já agorao movimento da lavoura baiana vem surgir no sul doEstado. São os lavradores de cacau que tomam a ini-ciativa de fundar uma organização de defesa. Depoisde muita luta foi criado o atual Instituto de Cacau.Estava assim vitoriosa a campanha.

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Novo movimento da lavoura

A lavoura parecia, com a vitória desse movimen-to, voltar à calma antiga. Mas aqui e ali, foram sur-gindo vozes descontentes. E isto foi se corporificando.Artigos em jornais. Debates nas associações de clas-ses. Conferências. Entendimento entre grupos. Comisto, todos vieram a saber que sentiam as mesmascoisas, os mesmos desejos e as mesmas necessida-des. Então, por fim, um novo movimento. Não sabe-mos se foi porque o Instituto não tivesse cumpridoas finalidades, ou se foi por outras razões. Razões éque deviam existir.

E o que é certo é que as associações levantaram asquestões e as questões foram unanimemente aplaudi-das pela lavoura. Dentre outras coisas trataram do pro-blema de transporte, do porto de Ilhéus, da moratória eda redução dos juros da carteira de Crédito Agrícola doBanco do Brasil. E conseguiram realizar, embora em parte,as suas aspirações mais sentidas, como a moratória eredução de juros do financiamento rural.

Um caso digno de nota é que essa Carteira deCrédito Agrícola até antes deste movimento de rei-vindicação, ainda não havia operado com a lavourade cacau. O que quer dizer: a Bahia ainda não haviasido contemplada com a proteção à lavoura. E o nú-mero de créditos rurais no país, no ano de 39 era de4.272, no montante de 315.000 contos. Aliás, é umaquantia insignificante para um país que ainda baseiaa sua economia na agricultura. Veja-se que o Bancodo Brasil é o maior estabelecimento de crédito exis-tente em todo o país. Observa-se isto: o Brasil tem aotodo 1.547 municípios. Divida-se o número de finan-ciamentos rurais e o valor dos empréstimos, pelo

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número de municípios. Caberá a cada município, res-pectivamente, cerca de dois financiamentos de 200contos e pouco. Mas, se soubermos que, conformeapurou o recenseamento de 1920, havia em todo opaís 648.153 estabelecimentos rurais, temos a im-portância de 490$566 para cada um. Podemos pre-ver que em 20 anos haja se dado uma certa divisãoda propriedade. Essas revelações servem, pelo me-nos, para se ter uma idéia de como estamos longede realizar um perfeito financiamento da lavoura.E, principalmente, em se tratando do norte. Segun-do as estatísticas, as percentagens em 38 e 39 paraesta região foram apenas de 28%.

Os efeitos da segunda guerra

Veio a segunda guerra mundial. Os seus efeitoslogo se fizeram sentir sobre todos os povos. É que elaé uma guerra internacional de luta por mercados. So-bre o nosso país os seus efeitos foram rápidos e ime-diatos, pesando sobre a nossa economia. O nosso co-mércio exterior ficou profundamente abalado. Perde-mos quase todos ou todos os mercados europeus. Pelomenos os melhores. Veja-se que foram vendidos pro-dutos nos oito meses do ano passado anteriores à guerrano valor de um milhão, 351 mil e 778 contos. Estesnúmeros dão uma perfeita compreensão dos nossos pre-juízos. Convém notar ainda que nos meios financeiros,não só nacionais como internacionais, calcula-se osnossos prejuízos, para este ano de 1940, em cerca de50 milhões de dólares. Isto mostra claramente que oBrasil ainda é um país essencialmente dependente. Aindasomos um povo exportador de matérias primas.

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Em se tratando da Bahia, a situação é realmentedesesperadora. O cacau entrou em crise. Além de perderos compradores europeus, caiu nas mãos de gruposfinanceiros norte-americanos. E esses grupos estãoaí no comércio exportador impondo os preços que bementendem. Estão se aproveitando admiravelmente danossa situação de dependência. E não somente isto.Mas, também, querendo intervir e mesmo deliberarsobre os nossos problemas. Veja-se a circular do dia29 de agosto deste ano, da Câmara Americana no Brasil.(2) E isto tudo é porque ainda existe uma chamadapolítica de boa vizinhança. Aliás, essa política estátomando um rumo que não nos parece interessante.Segundo o sr. Edward Jonhson, vice-presidente daWestern Newspaper Union, organização que controlanada menos de 15.000 jornais norte-americanos, osprincípios de boa amizade e de boa vizinhança, “sãoelementos essenciais ao desenvolvimento das rela-ções econômicas”.

Mas a crise não atingiu somente o cacau. O fumo,também, está em crise. Não encontramos comprado-res. Os maiores compradores eram os países europeus.No entanto, a Inglaterra fez um bloqueio econômicodizendo ser para “salvaguardar o destino dos povos”.Sabemos muito bem o que isto significa... O únicoresultado foi o que já esperávamos: todos os merca-dos importadores desapareceram. Hoje as dificulda-des dominam inteiramente a economia fumageira. Eisto não acontece somente com estes dois produtos.A crise atinge toda a lavoura. É uma situação agoni-zante. A asfixia é geral. É uma apreensão lastimávelque todos sentem e domina todos. Até onde vão osefeitos da guerra...

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Os lavradores de cacau querem um empréstimo

E, diante desta situação, os lavradores de cacauclamam por novas providências. De novo se movimen-tam. Querem um empréstimo para amparo da lavoura.E a questão já se acha bastante encaminhada. O mo-vimento é unânime. E com essa unidade de forças ede aspirações, cremos ser vitoriosa a pretensão. Sim,porque além de tudo é a mais justa. É a primeira vezque a lavoura do cacau, que já tem contribuído tantopara o progresso do Estado, exige um empréstimo.Vê-se que a situação é excepcional e nunca vista.Ora, assim sendo, não há como negar. Negar seria umcrime. Conceder, será o maior ato de justiça. E dedireito. E de humanidade. É salvar uma riqueza naci-onal. Proteja-se, pois, em todo o sentido, os nossoscapitais. Sim, amêndoa de cacau é capital. A lavouratambém. E a terra do mesmo modo. Veja-se ainda quese trata do terceiro produto da exportação brasileira.E os prejuízos registrados são realmente graves.

Mas, segundo consta, há um impasse: concede-se o empréstimo, mas com a condição de ser acresci-do um imposto de garantia. Os lavradores não se con-formam com esta medida. Alegam, muito justamente,que os impostos que pesam sobre a lavoura cacaueirasão bastante acentuados. E dessa maneira, vai so-brecarregar o produto. Na verdade não deixa de ha-ver motivos fortes. Sabe-se que cerca de 25% do va-lor da produção é absorvido anualmente pelos im-postos. Significa que, em quatro safras, uma safra élevada por conta da tributação. Ora, não resta a me-nor dúvida de que assim pode ser onerada profunda-mente a lavoura.

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Outras reivindicações da região cacaueira

Não ficam somente neste ponto as pretensõesdos agricultores de cacau. Vão mais além. Desejam aconstrução do porto de Ilhéus, com a desobstruçãoda barra. Um jornal da região assim se expressa:

O espetáculo de navios ancorados ao largo, espe-rando o bom tempo ou enchente da maré já écoisa bastante comum e fala por si mesmo, semprecisar de outros comentários. Esperamos atéagora a vinda de draga mais possante, obras fi-xas que nos livrem de estranho bloqueio que sótraz prejuízos de toda ordem.

É mais um problema a resolver. Mas, não ficanisto. Procuram a redução dos impostos. Há a ques-tão do imposto de cais. Em resposta a esse movimen-to, o Departamento Administrativo do Estado afirmao seguinte à Associação dos Agricultores de Ilhéus:

...Tenho a satisfação de participar-vos que, con-soante o deliberado por este Departamento, estapresidência, nesta data, teve entendimento pes-soal, com o interventor Federal no Estado, do queresultou a declaração, por sua excelência feita,de que a suspensão da cobrança referida se efeti-vará em 1o de setembro próximo.

Vê-se que mais uma nova reivindicação da la-voura deve ter sido satisfeita. Ainda há mais: toda azona cacaueira vem reclamando contra o fisco. Já foipermitido um decreto com fim de melhorar a situa-ção. Mas, enquanto isto, o clamor continua. Os co-

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merciantes desta zona, que são, em sua maioria, tam-bém agricultores, expressam a seguinte queixa domunicípio de Rio Novo:

Multas escorchantes impostas comércio praça Barrado Rocha e Dois Irmãos pelo fisco estadual, pres-te execução, ameaçam falência total comércio.Edizio Muniz multado mais de setenta contos deréis, Antônio Mota 120:000$000, Otávio Ribeiro30:000$000, Arnaldo Rocha 50:000$000, aindamuitos outros também quantias elevadas. Aten-dendo situação desesperadora atravessa comér-cio motivada principalmente diminuição produçãocacau e conseqüente desvalorização produto, ro-gamos na qualidade de sócios desta associação,valiosa intervenção junto governo a fim nos per-mitir pagamento imposto com dispensa multas.

A referida Associação imediatamente pediu pro-vidências ao governo estadual nestes termos:

Atendendo situação gravidade crise atravessa zonacacaueira, solicitamos governo vossência suspen-der executivos fiscais estão arrastando estadopenúria pequenos lavradores com perda suas pro-priedades, meios subsistência, efeito arremataçãopraça referidos bens, fato esse vem produzindopior impressão público.

O apelo é o mais justo. Merece ser levado emconsideração.

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A questão dos transportes no sul do Estado

Se não nos falha a memória o sr. Tosta Filho, emconferência realizada no Sindicato dos Agricultoresde Cacau de Ilhéus, afirmava, com a sua autoridade,que um dos principais problemas da zona cacaueiraera o problema dos transportes. E, na verdade, é istomesmo: os transportes na zona sul são deficientes ecaros. Há a questão do transporte marítimo. Em 1932,o Lloyd Brasileiro estudou a possibilidade de fazer,com a sua frota, a exportação direta do cacau. Noentanto, teve que afastar-se dessas cogitações, di-ante da impossibilidade da entrada de navios de grandecalado no porto de Ilhéus. Procurou-se, então, adotaro sistema de tráfego mútuo, com os navios da Cia.Bahiana. Mas, isto não foi avante e praticamente nãoresolvia. Hoje a situação é cada vez pior. Há o trans-porte rodoviário. Esse é o que, apesar de tudo, melhorsatisfaz às necessidades da zona. Há o antiquado trans-porte no lombo de burro. Mas, enquanto não se resol-ver coisa melhor, ele continua... Há ainda o transpor-te ferroviário. Este é deficiente, moroso e desorgani-zado. As tarifas são das mais elevadas. O material fer-roviário é pior do que se possa imaginar. Não se fazemmelhoramentos nas linhas, nem tão pouco se adqui-rem novos materiais de locomoção. Esse serviço está acargo da chamada Companhia Estrada de Ferro de Ilhéusa Conquista, mas que não passa de um dos muitosramos do grande trust inglês Western que explora es-tradas de ferro em quase todos os países do mundo. Assuas receitas são sempre crescentes, os lucros são ver-dadeiramente assombrosos, mas não se faz nenhum me-lhoramento. Todos os lucros são canalizados para oescritório central em Londres.

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Mas, agora, o governo vem nacionalizando váriasempresas estrangeiras que existem em todo o territó-rio nacional. Temos o caso da expropriação da Port OfPará que, além de tantas outras coisas, havia recebi-do indevidamente, do Tesouro Nacional a notável somade 354.934:381$000. Aí está a encampação da AmazonRiver, por não vir atendendo ao interesse público ehaver exposto “inexequibilidade de qualquer contra-to a que não fosse assegurada uma subvenção anualnunca inferior a 6.500:000$000 ou novo aumento defretes e passagens”. Agora mesmo, foram incorpora-dos ao patrimônio da União os bens e direitos exis-tentes, em território nacional da Brasil RailwayCompany. Assim acontecendo, não seria demais se pro-ceder um estudo da verdadeira situação da Estradade Ferro de Ilhéus a Conquista. Seria mais uma rei-vindicação conquistada, não só pela zona cacaueira,como também pelo próprio patrimônio nacional. Es-sas soluções, como bem afirma o sr. ministro Men-donça Lima, são as soluções convenientes à Nação. Élivrar o interesse coletivo das manobras de certosgrupos financeiros. Aliás, aqui em nosso Estado, te-mos mesmo o exemplo da Leste Brasileiro tomada deum grupo financeiro francês. Já é tempo de se dizer:basta de tanta especulação.

Classe que se organiza, é classeque reivindica direito

Está aí porque a classe produtora do sul do Esta-do vem conquistando as suas reivindicações mais sen-tidas: porque se organizou. Com efeito, há, na zonasul, uma das maiores organizações da lavoura em todo

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o país. Temos em Ilhéus uma Associação de Agricul-tores, um Sindicato de Agricultores de Cacau e duasCooperativas Agrícolas. Em Itabuna há uma Associa-ção, um Sindicato de Pequenos e Médios Agriculto-res. No município de Itapira há um Sindicato de Agri-cultores de Cacau e outro no município de Rio Novo.Canavieiras, Belmonte têm também as suas Associa-ções. E tudo isto ontem, como hoje, se movimentaunificado para defesa dos direitos da lavoura. Já com-preenderam que só no movimento e com o movimen-to pode haver vida. E dizer vida, é dizer realização, édizer melhoria de condições. Assim a lavoura de ca-cau é hoje um todo consciente de sua força. Só nascoisas que se acham a si mesmas, é que se conhece overdadeiro valor. E as forças vivas só se formam poresse processo.

Exemplo a ser imitado

Se isto acontece com a lavoura cacaueira, é jus-tamente o que não se dá com as outras forças dalavoura do Estado. Vemos os lavradores de fumo, de-pois que iniciou essa nova guerra imperialista, pas-sando pela maior crise conhecida. A cultura de man-dioca, que se desenvolvia rapidamente, já se encon-tra asfixiada com a brusca e injustificável reduçãode preço de 400 réis para 100 réis. E os plantadoresde cana? E a mamona? E os fazendeiros de café? E ospobres agricultores do Nordeste e do São Francisco?

Mas ninguém se organiza, ninguém se movimen-ta. Mesmo observando como estão sendo satisfeitasas reivindicações dos agricultores do cacau. Vão dei-xando para amanhã... E a situação vai piorando cada

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(1) Temos neste sentido, o depoimento insuspeito de um grande técnico,Gregório Bondar. “Não foram os efeitos de braço estranho, não o ourode abastadas bolsas, não foi o amparo de governos fortes, mas a cons-tância de modestos homens, a intrepidez do trabalhador patrício, cujoúnico capital constituía nos seus braços, quem a fez triunfante”.

(2) Levanta um apelo aos capitais americanos existentes no país, a fimde estarem atentos a “uma guerra econômica americana ocidental”.Em seguida, a Circular acrescenta ser um verdadeiro “dever patrióti-co” de toda firma, de toda empresa, de toda organização americanamandar representantes às sessões da referida Câmara do Comércio.

vez mais. Não vemos como não imitar os agricultoresdo sul do Estado. Basta tão somente imitar. É umexemplo a ser seguido. É um justo programa. É pro-grama que deve ser atacado imediatamente pelos pró-prios agricultores, a fim de que o governo fique real-mente ciente de suas necessidades para que possadar solução adequada a todos os grandes problemasda lavoura baiana. Isto se chama cooperação. E a“cooperação é”, agora, mais do que nunca, como jáafirmou certo jornalista baiano, “empenho de que oEstado precisa para o seu progresso e para a amplia-ção da órbita econômica”.

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O APROVEITAMENTO DO CACAU NAECONOMIA DOMÉSTICA

Revista Seiva,no 8, dezembro de 1940

O nosso país é o segundo produtor de cacau nomundo. O cacau ocupa o terceiro lugar em nossa ba-lança comercial e de exportação. A Bahia é o princi-pal Estado produtor.

Mas, não se compreende ainda de maneira ne-nhuma, o valor do cacau como alimento. Até agorasó se conhece o seu valor como produto comercial. Enada mais. Esta é a verdade. Principalmente em nos-so Estado. E de modo particular na própria zonacacaueira. A prova do que afirmamos é que quase nãoexiste o interesse pelo seu consumo. É muito poucoo seu aproveitamento na economia doméstica. Pode-se dizer que esse aproveitamento é mesmo de todoinsignificante. Só se pode compreender essa situa-ção por dois fatores: ou a falta de conhecimento, oua falta de iniciativa.

Muito poucos dos que se dedicam a esta lavourausam o chocolate e outros produtos do cacau. Em suamesa, o cacau não se encontra. São poucos, tambem,os que sabem se aproveitar de seus sub-produtos. Noentanto, esses sub-produtos são de alto valor e mes-mo de consumo assegurado. Onde se cultiva o chá,há sempre um grande consumo do produto. Onde existea erva-mate, encontra-se o chimarrão em cada casa,mesmo nas mais humildes. Nas fazendas de café, asua bebida é de todos a preferida. Porque não acon-

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tece o mesmo com o cacau? É um grande erro queisto se dê. Nem o chá, nem o mate, nem o café têm opoder alimentício do cacau. Portanto, vamos genera-lizar ou, melhor, popularizar o seu consumo. Em cadafazenda. Em cada cidade. Em cada casa. É precisoque se trate da fabricação caseira do chocolate. Épreciso que se fabrique a geléia, o doce, o licor decacau. São esses os seus principais produtos e sub-produtos. Procuremos fazer o seu aproveitamento naeconomia doméstica. É preciso que se aprenda aconsumí-los. E sempre e cada vez mais. O seu valornutritivo é inestimável. É preciso que se tome umnovo rumo. O que é perfeitamente determinado nãosó por esse alto valor nutritivo do cacau e de seussub-produtos, como também pela necessária amplia-ção do mercado interno. Será uma nova forma de con-sumo. Observe-se que essa segunda guerra imperia-lista paralisou quase completamente o nosso merca-do exportador. Os seus efeitos têm sido profundospara a nossa economia. Será uma maneira fácil e aces-sível para uma melhor alimentação no Estado, que,como na zona sul é ainda um problema. É a mais pre-cária possível. O cacau pode atenuar essa sub-ali-mentação. É uma valorização do produto. É umamelhoria nas condições de vida.

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AS INVERSÕES INGLESAS NO MUNDO

Revista Seiva,no 8, dezembro de 1940

Com o termo INVERSÃO designa-se o capital in-vertido em uma fábrica, nas obrigações de um em-préstimo, em ações, etc.

Nas relações internacionais, as inversões dasgrandes potências capitalistas em outros países de-sempenham um grande papel. Estas inversões podemser de diversas formas. Os capitalistas de um país,ou fazem um empréstimo a outro país, ou adquiremações em empresas do estrangeiro. As inversões decapitais de uma potência capitalista em outro paísficam ligadas à influência dos imperialistas estran-geiros na política desse país, nas suas relações in-ternacionais e, também, freqüentemente, no regimee na situação do povo.

A Inglaterra possui as maiores inversões de capi-tais no estrangeiro. Os imperialistas britânicos utili-zam suas inversões para exercer pressão sobre os go-vernos de outros países, para alentar uma política re-acionária, para arrastar os pequenos países à guerra.

A soma total de inversões inglesas no estrangei-ro, ascendia em começos de 1939 a três bilhões e292 milhões de libras esterlinas. O lucro dos capita-listas ingleses nestas inversões pode ser avaliado em165 milhões de libras esterlinas, em 1938.

A massa fundamental dos capitais ingleses noestrangeiro se encontra invertida em empréstimosestrangeiros a estados e municipalidades, chegando

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a um bilhão e 935 milhões de libras esterlinas.As inversões das sociedades inglesas que funci-

onam no estrangeiro somam 1.200.000.000 de librasesterlinas.

Finalmente, 685 milhões de libras esterlinas es-tão invertidas em sociedades estrangeiras nas quais aadministração não se acha inteiramente concentradaem mãos britânicas, porém, estão fortemente influen-ciadas pelos capitalistas ingleses.

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AO POVO DE ILHÉUS

Diário da Tarde,10.06.1947. Pág. 4

Primeira das quatro liberdades fundamentaisda democracia, na opinião de Roosevelt – o grandecidadão da humanidade -, a livre manifestação depensamento é um direito assegurado a todos ospovos civilizados. O parágrafo 5o do artigo 141 danossa Constituição garante a liberdade de impren-sa como conseqüência da liberdade de expressar opensamento. Qualquer atentado à liberdade de im-prensa representa, por conseguinte, um golpe con-tra a democracia.

O Momento, órgão da imprensa baiana nascidodesse clima de liberdade, é um dos jornais criados emantidos pelo povo para sua legítima defesa. Poucosforam, no nosso Estado, os que deixaram de contri-buir para a instalação e ampliação desse jornal. Ilhéus,mesmo, participou entusiasticamente, da sua campa-nha, a Campanha Pró-Imprensa Popular.

Vinha O Momento cumprindo vigorosamente suatarefa no caso de Ilhéus e da zona cacaueira, todo opovo pode verificar o grande interesse com que OMomento vinha debatendo seus problemas vitais, comoa solução do angustioso problema do Porto de Ilhéus,a encampação, pelo governo, da Estrada de Ferro Ilhéus/Conquista, a melhoria dos serviços de luz e força, aparticipação dos cacauicultores na direção do I.C.B.e o desenvolvimento da industrialização do cacau naregião produtora, além do corajoso apoio a todas as

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campanhas reivindicadoras dos direitos dos trabalha-dores da cidade e do campo, no patriótico intuito demelhorar as condições de vida das classes mais hu-mildes.

No âmbito nacional, vinha O Momento defendendoa exploração de nossas riquezas no interesse do de-senvolvimento e independência econômica de nossaPátria, libertando-a do capital colonizador estrangeiro,interessado em nosso atraso e na manutenção dosrestos fascistas enquistados no governo, grupo inte-ressado na liquidação da democracia e implantaçãode uma ditadura em nossa Pátria, grupo esse respon-sável, desde há tempos, do Estado Novo, por estasituação de miséria em que se encontra o povo brasi-leiro, vítima da inflação que continua insolúvel antea incapacidade dos responsáveis pela administraçãopública.

Temporariamente estamos sofrendo um recuo nonosso processo democrático. Assim, é que assistimosa atos atentatórios à Constituição serem perpetra-dos. E, porque O Momento, como um órgão da im-prensa popular, vinha denunciando esses crimes, pro-vocou a sanha reacionária de alguns elementos dogrupo fascista já referido, que invadiram e depreda-ram esse vibrante órgão da imprensa bahiana, ferin-do a liberdade de imprensa e praticando, assim, maisum atentado à Constituição. Contra esse ato de van-dalismo, estão todos os democratas e toda a impren-sa do país.

Cumpre a todos os democratas, independente defiliação partidária, a tarefa de reconstruir O Momen-to. E, confiantes de que essa tarefa é compreendidapor todo o povo, apelamos para todos os fazendei-ros, comerciantes, industriais, donas de casa, inte-

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lectuais e trabalhadores em geral, enfim, todos osque sentem a necessidade de uma imprensa livre, paraque, por todas as formas ao seu alcance, contribuamorganizando listas e remetendo quantias às Comis-sões de Ajuda mais próximas para a mais breve re-construção do diário do povo O Momento.

Tudo pela imediata reconstrução de O Momento.

Aulo de CarvalhoCarlos Pereira FilhoAntônio Viana Dias da SilvaJ. Pery LimaNelson SchaunEuler Amorim de AlmeidaHorácio FariaPaulo Cardoso PintoHernani Lopes de SáWalter PiresJosé Rodrigues LeiteJoão FreireEmmo DuarteWalter da SilveiraJorge FialhoOsvaldo RamosGerino Passos FilhoRui PassosJ. Coêlho de AlbuquerqueRaul ParanhosHermilo FariaTito Carvalho

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A CISÃO NO COMUNISMORazões do Comitê Regional SulBahiano para se desligar do PCB

A Tarde, 25.07.57. Pág. 04

Noticiamos ontem que, em continuação ao pro-cesso de esfacelamento do Partido Comunista, o co-mitê sul baiano, um dos órgãos em atividade em nos-so Estado, rompera com o PCB.

A declaração expedida pelos dirigentes daquelecomitê é vasada nos seguintes termos:

O Comitê Regional Sul Bahiano do Partido Comu-nista do Brasil, em reunião ampliada, com o apoio detodas as organizações partidárias em funcionamentona região cacaueira, resolveu desligar-se das fileirasdo P.C.B.

Firmamos este documento, representando essasorganizações e vários elementos não organizados queestiveram, até agora, filiados ao P.C.B.

Esta decisão nos foi imposta pelo dever de con-tribuir para colocar o movimento socialista no Bra-sil à altura das suas responsabilidades históricas.

Definindo a nossa posição, hipotecamos o nossoapoio à Carta Aberta dos companheiros de Salvador,publicada n’A Tarde de 3 de julho de 1957, cujas te-ses centrais correspondem ao nosso pensamento, efazêmo-las nossas.

A reviravolta que se processa no pensamentomarxista internacional determinou a luta de opini-ões que se iniciou em nosso país. O contacto vivo

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com a realidade nos levou, dentro desse debate, àconclusão de que o PCB se burocratizou, transforman-do-se numa seita incompatível com as demais cor-rentes de esquerda e nacionalistas, dificultando aunidade dos trabalhadores, sem condições de assu-mir a liderança do movimento operário no Brasil. Porisso, seria uma incoerência permanecermos nas filei-ras do PCB.

Desvios sectários isolaram o PCB do povo e mi-naram a confiança das demais forças progressistas.Ligados que estávamos às deformações do partido,não éramos vistos por essas forças, como homens depensamento avançado que desejam contribuir, hones-tamente, para a solução dos problemas da região, aefetiva independência da pátria e a vitória da nobrecausa socialista. Ao contrário, encaravam-nos comoelementos impregnados de fanatismo, mania de agi-tação e confusão de exclusivistas. Assim, não erapossível contribuir para a mobilização e unificaçãodo profundo sentimento nacionalista generalizado emnossa região, oprimida economicamente pelos trustesque, através da Bolsa de Nova Iorque, ditam os pre-ços do cacau e impedem o comércio amplo e em péde igualdade com todos os países.

O isolamento do PCB se evidencia no decréscimode seus efetivos, no indiferentismo do povo pelosseus jornais, no retraimento das demais forças polí-ticas para com os acordos com os comunistas, na quedaprogressiva do seu coeficiente eleitoral. Isso ocorrenuma época em que as idéias socialistas influenciammilhões de brasileiros.

A insegurança e desconhecimento da realidadetêm estado sempre presentes na orientação do parti-do. A insistência na manutenção de um programa

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político condenado pela experiência demonstra quantoo PCB se encontra desligado da vida brasileira.

Assumimos, repetidas vezes, posições impopula-res como na absurda campanha anti-getulista mantidaaté o trágico desfecho da madrugada de 24 de agosto.

Levadas pelo raciocínio da “revolução a curtoprazo”, sempre quisemos colocar os camponeses e as-salariados agrícolas em função dos nossos interessespartidários em vez de nos colocarmos no verdadeiropapel de seus servidores. Desprezávamos as suas rei-vindicações imediatas considerando, na prática,reformismo tudo o que não estava dentro dos nossosesquemas idealistas. Queríamos incutir nas popula-ções do campo a luta por uma reforma agrária radicalcuja viabilidade elas não admitiam. Insistíamos naorganização de lutas de cunho aventureiro que de-terminaram não poucos prejuísos.

Assumimos a responsabilidade por esses errosporque fomos os seus principais veículos. Mas a úni-ca atitude conseqüente e justa é denunciá-los e corrigí-los com o apoio dos trabalhadores e do povo, nãopermitindo que nenhuma mística prejudique as trans-formações exigidas.

Ilhéus/Itabuna, 19 de julho de 1957.

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Assinam:

Carlos dos Santos Friederick – líder sindical;Ascendino da Silva Bina – ferroviário;Dilermando Pinto Souza – comerciante;Nelson Schaun – educador e jornalista;Humberto Vita – jornalista;Aurelino Neves – ferroviário;Afonso Pinto – funcionário público;João Custódio da Silva – assalariado agrícola;José Rodrigues da Silva – líder sindical;Noé Schaun – lavrador;Luiz Carilo – ferroviário;Lúcio Santa Rosa - lavrador;Simplício Pires Oliveira – feirante;Pompílio Santos – pedreiro;João Ramalho da Silva – sapateiro;J. Conrado – pedreiro.

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À MARGEM DE UM ENCONTRO

Diário da Tarde,16.08.1967. Pág. 2.

Do ponto de vista geral, valeu, e valeu suficien-temente, o 1o Encontro de Prefeitos, que o prefeitode Ilhéus acertou de realizar como parte central dascomemorações do 86o Dia da Cidade. Por três dias –de 28 a 30 de junho último – para mais de 50 repre-sentantes de comunas do nosso Estado, particular-mente da região cacaueira, discutiram teses interes-santes. E quando falamos, aqui, em teses, não quere-mos discernir sobre a definição clássica do termo,para significar os trabalhos menos ou maissubstanciosos que, assim como assim, apareceram eforam debatidos no decorrer do breve congresso, apesarde não termos logrado ouví-los todos, através do pre-cário recurso radiofônico de que nos utilizamos.

Não nos parece importante nem oportuno, comefeito, comentar se as chamadas teses observaramas regras do método analítico ou se as peças apre-sentadas teriam obedecido aos rigores da técnicaadequada, também se algumas ou diferentes conclu-sões a que chegaram certos autores não poderiammelhor denominar-se indicações ou meras sugestões.Propósito não é, porém, destas considerações, esgri-mir ou fomentar questões absolutamente formais depura estilística, de exegese gramatical nem de fun-damentos lingüísticos. Aliás, isso de preferir termosretumbantes para significar lá o que for é problemade senso comum, discernimento ou equilíbrio psico-

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lógico de quem adota ou emite os conceitos.Mas, insistamos, não é exatamente dentro desse

campo ou à luz desses princípios filosóficos, éticosou científicos que desejamos situar nossas modestasapreciações.

Queremos apenas reconhecer que, compreendi-das e relevadas as deficiências, sobretudo pelo cará-ter de improvisação de quase todo o cometimento,assim também pela confusão ou inconsistência des-te ou daquele trabalho, - na verdade o encontro ge-rou frutos positivos e forneceu lições que não é pos-sível desconhecer, muito menos subestimar.

Primeiro de tudo é preciso considerar como alta-mente significativo o próprio encontro em si. O fatode se reunirem dirigentes de mais de meia centena demunicípios, além de apoiados em assessores e técni-cos armados, bem ou mal, porém armados de elemen-tos estatísticos, de observações sociológicas e dadoseconômicos, animados de evidentes motivos e inspi-rações para discutirem os problemas do povo, cuida-rem dos assuntos concernentes à vida, ao bem-estar,ao desenvolvimento material e cultural, à valorizaçãonecessária da sociedade e, pois, da efetiva libertaçãohumana, - tudo isso é profundamente afirmativo. E,por menos que, de início, possa ter produzido a reali-zação em apreço, - há sempre resultados concretos epositivos, que ressaltam, não apenas da abstrata co-locação dos problemas, porém, sobretudo, de seu en-tendimento, da análise crítica, do esclarecimento,advindos necessariamente através da discussão.

Mas, discutir os problemas, não é só o que inte-ressa, é claro. Nem a importância das discussões con-siste nas simples discussões; contudo, é o primeiropasso. E desse primeiro passo é que decorre ou de-

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pende a maior ou menor justeza, tanto no equacionar,como, por conseguinte, no solucionar os problemas.

Assim, pois, embora possamos levantar algumasrestrições quanto ao método e à própria filosofia dotrabalho e dos trabalhos, - imperioso é reconhecerque o 1º Encontro de Prefeitos da Bahia na RegiãoCacaueira foi, realmente, um fato positivo e dele po-dem brotar conseqüências opimas, para Ilhéus e paraos demais municípios participantes, como, por ex-tensão, para a Bahia e para o Brasil.

Cumpre-nos, agora, esperar e, mais do que ape-nas esperar, cumpre-nos confiar em que as palavras,os intuitos e os objetivos do encontro não tenhamcaído no vazio. Porque não basta, a qualquer progra-ma, sobretudo de ação política, simplesmente deba-ter os problemas, agitar opiniões, discutir teses emesmo propor soluções. Se tudo isso não tiver con-seqüência, será mais um engodo, mais um palavrea-do abstrato para enfeitar incapacidade ou hipocri-sia, coroamento demagógico de planos mirabolantes.

Com efeito, é importante saber passar, com fir-meza e equilíbrio, da discussão e conclusão dos es-tudos, para a planificação e, logo, para a execução.Também, no processo da execução é necessário orga-nizar as soluções e funcionar o controle, com justezae tenacidade.

Para que, todavia, se atinjam os objetivos con-cretos da planificação, através da correta execução,imprescindível é a vigorosa e efetiva atuação da for-ça motriz que tem como elementos fundamentais ahonestidade administrativa e a capacidade realiza-dora. Fora disso, convenhamos, pelo menos no parti-cular do nosso pobre município de Ilhéus, não hácomo levantar desta situação marásmica, de atraso

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progressivo que nos está levando à mais triste con-dição de pauperismo.

Esperamos que sejam publicados, na íntegra, ostrabalhos apresentados, discutidos e aprovados no 1º

Encontro de Prefeitos na Região Cacaueira. Especial-mente os trabalhos sobre economia e, por excelên-cia, os que trataram dos problemas da industrializa-ção. Igualmente os relativos a transportes, além dosimportantes assuntos da educação, da saúde e do bem-estar social, - todos esses devem merecer cuidados eatenções de quantos realmente se interessam peloprogresso de Ilhéus e de toda a região.

Contamos poder voltar para novas considerações,se as circunstâncias no-lo permitirem.

Não por acaso, menos ainda por displicência,agora, exatamente um mês depois do encontro, é quenos dispusemos a estas observações. Valham, talvez,como advertência no sentido de que já é tempo deestar o nosso povo começando a experimentar os efei-tos daquele encontro.

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A PROPÓSITO DA ORTOGRAFIA

Diário da Tarde, 30.04.68. Pág. 2.

Nova reforma ortográfica está sendo forjada porfilólogos de Portugal e do Brasil.

No campo da ciência da linguagem como, em suma,de qualquer ciência ou categoria científica relacio-nada com a vida, não há como fugir ao imperativodas reformas periódicas. Porque a vida é movimento.E não é preciso ser profundo em ciência ou em filo-sofia para saber que tudo quanto esteja condiciona-do às leis da vida está, por isso mesmo, sujeito àsleis da evolução. Vem de longe a compreensão de quetudo se modifica e tudo se renova. Só o conservadorempedernido, falho ou carecente de visão mental, sóo que se afinca, estéril, no fixismo dos conceitos, -não compreende o incoercível poder das transforma-ções. E é por força desses contrários, aliás, que asmodificações e reformas, no sentido científico, as-sim como, sobretudo, na dinâmica social se operamcom dificuldade e lentidão. Verdade que, no âmbitoda economia e, por conseqüência, da política, os fa-tores dessa lentidão e dessa dificuldade respondempelo interesse fundamental das classes dominantes:é óbvio que as classes dominantes não entendem,muito menos podem aceitar as modificações de sis-tema, as reformas sociais, as transformações.

Aqui no Brasil, por exemplo, desde muito tempoe a todo instante, estamos ouvindo notícias de refor-mas: - reforma administrativa, reforma agrária, re-

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forma do ensino, reforma bancária, reforma disso,reforma daquilo... E todavia, como se arrastam nopuro formalismo, e que demora, que tardança diría-mos absurda, para produzirem qualquer fruto positi-vo, algum resultado concreto!...

Verdade que a reforma ortográfica difere de ca-tegoria, embora, como fato de linguagem, esteja con-dicionado nos fatos sociais.

Mas, do ponto de vista científico, igualmenteque no sentido prático, impõe-se-nos reconhecer queas reformas, no que concerne à ortografia, particu-larmente à ortografia portuguesa – através de todasas tentativas, a começar pela ortografia escrita em1534 – têm sido não apenas incompletas e falhas,também revestidas de complicações e inconseqüên-cia. Aliás, se quisermos encarar o fato com rigorismocientífico, temos de convir em que não há, propria-mente, ortografia. Não há nem nunca pôde haverortografia em qualquer língua ou para qualquer lín-gua – desde o advento da arte de escrever, com ossimples sinais pictográficos ou ideográficos com queo Egito penetrou na história pela escrita – mais detrês milênios antes da nossa era.

E, entretanto, não nos é possível buscar, no fundoda noite multimilenária que envolve as primeiras ci-vilizações humanas, - as origens da literatura. Pode-mos, nada obstante, remontar às notícias concretasde arte literária a longínquos marcos da história an-tiga, exatamente com a invenção da escrita. Mas, desdeali até agora, nenhum povo nem qualquer civilizaçãoconseguiu a verdadeira ortografia. Fácil, porém, é deentender o fato, se se tiver em vista que o termoortografia significa a correta escrita, isto é, comoparte da fonologia, rege a representação dos sons da

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linguagem para a exata grafia dos vocábulos. Quempois, se ativer aos rigores científicos dos termos,sentirá logo que não é possível, nem jamais alguémlogrou figurar com exatidão a infinita variedade desons e inflexões de graves, médios e agudos altos ebaixos, fracos e fortes, de férvidas e glaciais, bran-das e terríveis expressões fônicas da voz humana.

Eis porque o conceito de ortografia tem de sertomado no sentido puramente semântico, aliás, nasignificação que a linguística lhe atribui no restritocampo da gramática e, finalmente, consagrada pelouso. E nessa função de regulador dos elementos figu-rativos dos fonemas que constituem o vocábulo – aortografia deve, cada vez mais, simplificar as regras,tender para uma racionalização sempre mais efetiva.Donde esperamos que a reforma ora tentada seja tãocorajosa quanto possível para romper com anacronis-mos, derribar preconceitos e tabus sustentados porteóricos exegetas muito afincados em tradiçõesantinaturais, em nome, realmente, de um cientificismoenfatuado e cediço.

Não podemos é claro renegar a obra valiosa epertinaz dos veros lingüísticos e filólogos, foneticistase lexicógrafos que, desde séculos, observam os fenô-menos da linguagem e, assim como assim, têm esta-belecido leis e regras do falar e do escrever. Isso,porém, ao invés de excluir, pressupõe e exige o cons-tante exercício da crítica em função de necessáriasreformas periódicas.

Com estas considerações, queremos significar onosso ponto-de-vista de que, sendo a ortografia umafunção objetiva de arte, não pode submeter-se a ri-gores científicos. Assim, portanto, a reforma orto-gráfica em elaboração, para ser justa e autêntica,

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tem de contar com a cooperação valiosa e imprescin-dível de romancistas, cronistas, jornalistas, críticos,poetas e cantores. Porque, em contato mais íntimo emais vivo com a realidade popular, são os que inter-pretam e exprimem, sentem e vivem o espírito, a alma,a psicologia do povo.

Para suficiente clareza do juízo que, ora,expendemos, esperamos trazer oportunas achegas, es-pecialmente quanto à idéia da unificação ou uniformi-zação ortográfica entre portugueses e brasileiros.

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A ESCRITA NO PROCESSO HISTÓRICODA LINGUAGEM

Diário da Tarde,23.05.68. Pág. 2.

Organismo vivo de função social por excelência,a linguagem há-de necessariamente estar condicio-nada aos fenômenos de caráter sociopsicológico decada povo, de cada agregado humano. Isso, aliás, éverdade primária, de categoria, a bem dizer,axiomática, Porque a linguagem é, fundamentalmen-te, um fenômeno social. Eis porque o desenvolvimentoda linguagem, com a sua diversificação idiomáticaacompanha e reflete historicamente o desenvolvimentodas forças produtivas da sociedade.

Com efeito, enquanto o homem, dominado aindapelo instinto selvagem, vivia em mero estado de na-tureza, não tinha condições para a linguagem. Exa-tamente porque não sentia a necessidade das rela-ções sociais. E, assim, no longo estágio que marca apré-história até a vivência da horda primitiva, o ho-mem não podia exercer atividade senão isoladamen-te, isto é, sob as condições do individualismo zooló-gico. Longe ainda estava o advento da consciência.Através do processo histórico, entretanto, o ser hu-mano vai-se transformando, isto é, vai-se libertandoda condição animal à medida que consegue dominaras leis da natureza. O homem começa então, a dis-tinguir-se pelas atividades produtivas e é, natural-mente, levado a viver em sociedade: - já agora, sob oregime comunitário, não mais naquela condição do

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homem primitivo, entregue apenas à caça e à coletaque caracterizavam o individualismo zoológico, pu-ramente instintivo.

Surgem, pois, os primeiros vestígios, as primei-ras manifestações do pensamento – que entra a for-mar a consciência para iluminar sempre e sempre maisesplendidamente o espírito humano.

As atividades produtivas conduzem à comunida-de. A vida comunitária estabelece as relações sociaisque geram necessariamente as condições para a lin-guagem, como exigência lógica da própria função darelação entre os homens.

Compreende-se, portanto, que a consciência hu-mana se modifica, se aperfeiçoa e se afirma, ao calore em conseqüência das transformações e do desen-volvimento das forças produtivas. Porque, na verda-de, a consciência vai tomando a forma e a expressãoda vida, através do tempo e do espaço, de acordocom as condições históricas objetivas.

Assim, a linguagem tinha de ser, no seu início,puramente concreta, expressa por sons rudimentares,acompanhados de acenos ou gestos que ajudavam acompreensão das idéias. Era o nascimento da lingua-gem fonética associada à linguagem mímica.

O progresso do pensamento humano, como de-monstram as fecundas contribuições dos cientistasmais conseqüentes, vai-se positivando, exatamentena base de idéias abstratas que se criam e se formamatravés do processo histórico da própria sociedade.Como fenômeno social, de fato, a linguagem refleteo desenvolvimento da atividade produtiva do homeme aprimora-se até a mais elevada expressão do pen-samento abstrato. A diferenciação que começa com acriação de línguas novas e particulares – é conse-

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qüência lógica do próprio desenvolvimento comple-xo e desigual da sociedade.

Passa-se do homem primitivo à horda primitiva,desta ao clã primitivo e, daí, sucessivamente, - cadaestágio social resolvido numa síntese histórica de evo-lução, que abre novas perspectivas, até os dias atuais– que marcam expressivo grau de progresso da filoso-fia, das artes, da ciência e da tecnologia; mas tambémdefinem fase concreta de profunda transição social,política e econômica. Estas são algumas achegas quejulgamos oportuno trazer à questão da reforma orto-gráfica, ora em elaboração. Achegas, é claro, apenaspara melhor discernir o nosso ponto-de-vista de que aanunciada reforma, para ser conseqüente, há-de rom-per com as forças limitativas do conservadorismoramerramesco e apoiar-se, resoluta, nas verdades con-cretas e objetivas geradas através do processo mesmoda evolução social.

Não nos esqueçamos de que, só após muitos mi-lênios de exercício da palavra falada, - quando já ohomem era capaz de elaborar suas próprias idéias,quando já a consciência humana se afirmava em con-siderável progresso do pensamento abstrato, - é que,então, se tentaram as primeiras experiências da lin-guagem escrita. Justamente no regime do clã. E foi apictografia a forma primitiva da escrita: as idéias ouassociações de idéias eram figuradas por meio dedesenhos.

A escrita pictográfica produziu a cuneiforme dosbabilônios, criada realmente pelos sumerianos.

A evolução social, política e econômica dos po-vos determina a transformação da pictografia primi-tiva, na escrita egípcia que prevalece até os fins dahistória antiga. Mas a escrita hieroglífica, - assim

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denominada pelos gregos – não pára de desenvolver-se – não se fossiliza, porém, modifica-se a cada novopasso da organização social dos povos. Toma, então,a forma cursiva chamada de hierática e demótica, muitodepois, aliás no Século VIII antes da nossa era.

A significação histórica fundamental da escritaegípcia está em ter servido de base à experiência daescrita alfabética dos fenícios, cuja formação dataprovavelmente do segundo milênio anterior à era atual.

Se, pois, compreendermos que a escrita, comofato da linguagem é condicionada aos fatos sociaise, portanto, deve refletir as modificações da consci-ência determinadas pelas próprias transformações dasforças motrizes da sociedade – teremos entendido eexplicado o fato histórico de haver a escrita fenícianascido, não num ponto exclusivo e de forma única,apenas, porém, simultaneamente, em várias cidades.Assim, a cuneiforme serviu de modelo à escrita fenícia,no norte, mais precisamente em Ugarite, ao passoque a escrita fenícia, no sul, teve como base ahieroglífica egípcia, de expressão sônica.

Vemos, então, como da pictografia passamos pelacuneiforme; como aquela, denominada posteriormentehieroglífica, toma a forma hierática e demótica, echegamos à escrita alfabética dos fenícios, oriunda,ao mesmo tempo, da cuneiforme e da hieroglífica.

A verdade, contudo, é que a escrita alfabéticarepresenta significativa conquista da civilizaçãofenícia, contribuição importantíssima ao progressoda própria civilização humana. E tal conquista foipossível e necessária exatamente para marcar eleva-do estágio histórico e por exigência do desenvolvi-mento das forças produtivas: os progressos da nave-gação e do comércio impunham escrita mais adequa-

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da, mais simples, mais expungida das complicaçõesque pesavam nos cuneiformes e nos hieróglifos.

Reveste-se de singular importância a expressãohistórica dos caracteres alfabéticos dos fenícios pelofato de terem dado origem ao alfabeto grego, aramaico,latino e russo.

Em outro passo de nossa digressão, experimen-taremos trazer novas contribuições ao problema daescrita no processo histórico da linguagem. E chega-remos ao ponto crítico de nossa meditação sobre seé ou não um ilogismo pretender-se a uniformizaçãoortográfica, entre brasileiros e portugueses.

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ESCRITAProduto e fator de civilização

Diário da Tarde,11.06.1968. Pág. 4

Para reatar o nexo de nossa digressão através daescrita no processo histórico da linguagem, é interes-sante mencionar, ainda uma vez, a função cultural doOriente desde os primórdios da civilização egípcia.

Compreender-se-á a importância do estudo daescrita como produto e elemento da civilização ori-ental, se se souber que ali surgiram os primeiros ves-tígios do homem, e do Oriente é que vieram as primi-tivas formas da sociedade, exatamente da sociedadedividida em classes. É onde, sobretudo, foram lançadasas bases da cultura material e espiritual que, assimi-lada pelos povos da Grécia e de Roma, enriquecidaatravés da própria dinâmica da história, vem a trans-formar-se na esplêndida e complexa maravilha da ci-vilização moderna.

À luz da historiografia mais fecunda e conse-qüente, é justo considerar válidas três fontes em quese abeberam os cientistas nos estudos e pesquisasacerca do Oriente. E são elas: - os textos gregos elatinos, os vestígios arqueológicos e os textos emlínguas dos povos orientais.

Desses elementos, sem dúvida os mais positivose importantes para o estudo de amplitude e profun-didade, são os textos em línguas dos povos orien-tais, como o egípcio, o sumeriano, o arcádio, ourastuano e outros ainda. É claro, aliás, que a pró-

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pria arqueologia entra, nessa tarefa, com importan-tíssima contribuição, na coleta sistemática e perti-naz de material, através de escavações que trazemao conhecimento da Ciência os necessários documentosdefinidos nas inscrições rupestres, nos murais e nospapiros.

Convenientemente decifrados, esses escritos so-frem estudo e interpretação científica, e fornecerampreciosos ensinamentos em proveito da história cul-tural das sociedades humanas.

As conquistas do trabalho, conseqüentes ao de-senvolvimento das forças produtivas, determinam ocrescimento quantitativo que evolue para a síntesequalitativa do vocabulário, criam e vão aperfeiçoan-do a própria estrutura gramatical das línguas.

O desenvolvimento da produtividade do traba-lho leva às modificações sociais. Por interpenetraçãode fatores, a divisão da sociedade gera a divisão so-cial do trabalho. A evolução da economia vai trans-formando a realidade social objetiva e, nesse proces-so histórico, engendram-se as condições para a evo-lução do pensamento. A multiplicidade de formas so-ciais forja, no tempo e no espaço, as diferenciaçõesda consciência, a diversificação do pensamento e,também a variedade dos idiomas.

Dados que a historiografia vai colhendo de fon-tes autênticas revelam que a escrita hieroglífica doEgito consta de setecentos sinais, pouco mais oumenos. Muitos desses hieróglifos, porém, lá pelasalturas das primeiras dinastias, deixaram de ser sim-ples sinais e tomam o sentido silábico. E vinte e qua-tro desses caracteres apresentam consoantes modifi-cadas pelo pensamento e também há variedade deoutros sinais.

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Por outro lado, escavações na região daMesopotâmia descobrem textos da escrita cuneiformeem cujos caracteres figuram ângulos horizontais everticais. São ainda e sempre as decifrações e os es-tudos interpretativos e rigorosamente científicos oselementos que mostram como esses ideogramas, oriun-dos da pictografia, entram em processo de transfor-mação e se tornam, pouco a pouco, sinais silábicos.Isso, ali pelo terceiro milênio, antes da nossa era.Mas, enquanto alguns sinais figurativos e outros apa-recem exprimindo sons alfabéticos, a verdade é queo sistema cuneiforme acaba por complicar-se até di-ficultar-lhe o estudo. Tem-se a idéia de como difícile complexa é a escrita em apreço, sabendo-se que osistema cuneiforme consta de 600 caracteres, muitosdeles com diferentes e vários significados.

Vamos assim, entendendo, como surgiu a lin-guagem, fenômeno social que se desdobra continua-mente na multiplicidade de idiomas que nascem, mor-rem e se extinguem, enquanto outros aparecem, per-duram ou se modificam: tudo conforme as condiçõesobjetivas e concretas que o processo histórico dassociedades vai gerando.

Compreende-se, então, porque a escrita como ele-mento condicionado às leis sociais de linguagem, nãopode manter-se fossilizada nem pode, também, sub-meter-se ao rigor das uniformizações ilógicas artifi-ciais.

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COMECEMOS A TAREFA...

Diário da Tarde,22.07.68. Pág. 2.

Na honesta presunção de estarmos contribuindopara o processo de esclarecimento da consciênciasocial, - iniciamos, aqui e agora, a tarefa que o Diá-rio da Tarde nos atribui, de realizar, vez por outra,observações e análises, como possível, corretas eobjetivas, da realidade que vivemos.

Nosso trabalho, que esperamos não fuja ao ca-ráter eminentemente jornalístico, há-de ferir assun-tos ou temas de variado sentido. Assim, tanto pode-remos considerar os fatos, do plano social, como po-lítico. De economia, de cultura ou de educação. Tudo,porém, visando à utilidade prática e aos interessesgerais do desenvolvimento. Em função do povo, real-mente; mas alheio ao sectarismo e em guarda contrao extremismo. Que não podemos considerar justas nemfecundas as atitudes sectárias e extremistas. Pelocontrário: são incoerentes e nocivas, quando, onde ecomo quer que se manifestem. O sectarismo é de es-sência dogmática. E o dogmatismo conduz invaria-velmente ao obscurantismo. Ao passo que o extre-mismo leva sempre ao aventurismo. Porque, impulsi-onado apenas pelo subjetivismo da vontade abstra-ta, portanto, desligado da realidade objetiva, tendenecessariamente para o vazio de todas asinconsequências.

Estaremos, pois, conversando com a nossa gen-te. E conversando somente. Sem veleidades doutri-

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nárias. Sem aquela fatuidade repugnante dos que pro-curam autovalorizar-se como deuses da sabedoria. Mas,lisamente, buscando interpretar os fatos, discernir-lhes o conteúdo. A serviço da necessidade prática daluta contra o conformismo, contra a estagnação. Naluta contra as diferentes formas e os diversos fatoresde atraso.

Pelo conhecimento claro da realidade objetiva,de fato, é que estaremos em condições de interferir,de modo conseqüente, na dinâmica social, para in-fluir no processo de desenvolvimento, na marcha ade-quada aos imperativos do progresso e para as solu-ções justas dos problemas no campo social, político,econômico. E é necessário ser modesto, mas, sobre-tudo, honesto. Honestidade de pensamento na ho-nestidade de ação.

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PELA DIGNIDADE HISTÓRICADE ILHÉUS

Diário da Tarde,28.06.68. Pág. 8.

Daqui a treze anos a cidadania de Ilhéus marca-rá seu primeiro centenário.

Não vamos agora resolver os fracassos e adversi-dades que enchem a história da capitania, desde airônica indiferença do fidalgo donatário, até o com-pleto esfacelamento de sua integridade territorial e omelancólico de sua expressão política e econômica.

Meditemos, só por só, nas inconseqüências soci-ológicas desse quase século de nossa vida como sim-ples unidade municipal autônoma.

Os limites tecnicamente exigidos de um artigode jornal impõem-nos substituir a análise pela sínte-se possível. Baste-nos, pois, compreender com juízocrítico a verdade que o processo histórico de Ilhéus,- durante estes oitenta e sete anos apresenta, la-mentavelmente, muito mais aspectos negativos do queevidências de êxitos importantes.

Nem seríamos conseqüentes se nos conformás-semos com a pura atitude contemplativa a embalar-nos na ufania de glórias passadas ou de prodígiosapenas efêmeros.

Cumpre-nos, isto sim, reconhecer que temos sidoincapazes de dominar as possibilidades que se nostêm apresentado ao longo de nossa história, paratransformá-las em realidades positivas.

A nossa experiência política é um quadro cheio

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de altos e baixos, de erros primaríssimos, com rarossinais de eficiência, logo, porém, destruídos pordescontinuidade, mercê da influência nefasta das forçasretrógradas e obscurantistas ou simplesmente aven-tureiras. E tais são os fatores que determinam essesentraves na dinâmica social dentro de nossas condi-ções históricas.

Esse vergonhoso atraso progressivo em que nosdebatemos – funda-se nas causas de nossa anarquiaeconômica, em decorrência tanto do primarismo quenão queremos, como por conflitos e anacronismos dasforças produtivas.

Um organismo social formado de elementosvisceralmente egoístas, desprovidos daquela genero-sidade criadora que caracteriza as coletividades pro-gressistas, - não pode realmente aspirar a posiçõesde vanguarda nem a objetivos mais justos. Porque,sobretudo no seio das chamadas classes dominantes,cada qual cuida dos seus próprios interesses, nadalhe importando os interesses coletivos.

Desse jeito, dirigentes políticos vindiços ou ge-rados no ventre dessas condições históricas, - hão-de igualmente comportar-se de acordo com as regrasdo egoísmo. No comum, tais dirigentes se revelamapedeutas, sem a necessária visão econômica dosproblemas, sem suficiente capacidade para discerniras medidas mais justas, quanto mais para atacar osmétodos adequados de planificação político-adminis-trativa e de organização das soluções conseqüentes.

Verdade que no plano sócio-cultural, ainda al-guma coisa pode Ilhéus apresentar, embora muitopouco, a bem dizer, inexpressivo, comparado com ovalor do que devíamos estar sendo, - se houvéssemossabido ou querido aproveitar, com acerto e honesti-

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dade, as oportunidades que a própria história nos temcolocado diante da vida.

Chegamos, então, a quase um século de cidada-nia sem ter definida sequer uma infra-estrutura derelativa solidez e eficiência para suporte de uma su-perestrutura social condizente com a importância eas necessidades do desenvolvimento. Nem consegui-mos, por isso mesmo, formar uma consciência políti-ca. Porque, afinal, a consciência está condicionada àvida e a vida é, fundamentalmente, o que é a realida-de das condições econômicas.

Falar, então, com clareza, na crua realidade deIlhéus, neste 28 de junho de comemorações e algu-mas festas oficiais, - parece-nos a forma honesta emais justa de homenagear a data. Não para que con-tinuemos no indiferentismo, nem nos anulemos nasimples atitude contemplativa; mas, pelo contrário,para que procuremos ser dignos de nossa própria funçãosocial, interferindo nos fatos, com honestidade edecisão, no sentido, exatamente, de transformar estarealidade negativa; encará-la sensatamente, evigorosamente modificá-la.

Confiemos nos homens que, nesta fase da vidade Ilhéus, ainda se julgam capazes e dignos da im-portante tarefa. Mas, sobretudo, confiemos nas for-ças vivas da juventude que, bem orientada, superior-mente imbuída de sentimentos generosos e compe-netrada das atitudes conseqüentes, possa levar Ilhéusa um estágio econômico, político e social mais de acordocom a nossa dignidade histórica.

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INQUIETAÇÃO DA JUVENTUDE

Diário da Tarde,02.08.68. Pág. 2.

Na verdade, é bem complexo o problema relacio-nado com a inquietação da juventude. Mas toda essacomplexidade pode reduzir-se à simples verdade ob-jetiva de que a juventude, como encarnação e veícu-lo das idéias novas, há de necessariamente estar àfrente dos acontecimentos, impulsionada pelas pró-prias leis da dinâmica social. E é importante compre-ender que as idéias nada têm de abstrato: quando asidéias se manifestam é que já foram geradas concre-tamente nas condições materiais da sociedade, paratransformar-se em forças motrizes, pela necessidademesma do processo de desenvolvimento social.

Não querer admitir essa verdade é cair nas ati-tudes puramente idealistas inconseqüentes, afincar-se nas posições de simples negativismo. E, afinal,essa obstinada negação é, por essência, inconsisten-te, porque não tem o poder de modificar os fatos.

Há quem pense, e até mesmo quem afirme, que ajuventude está desajustada. Isso não passa de concei-to desenganadamente metafísico ou concepção, de todoponto, mecanicista. Pretende-se, com tal filosofia,desligar o efeito da causa, ou, quando nada, nega, naprática, a interação dos fatores, a interpenetração doselementos históricos da realidade social. Com efeito,por paradoxal que pareça, não é a juventude que estádesajustada. O que há, de evidente, é, sim, odesajustamento de toda a sociedade.

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Claro que não devemos tomar em sentido abso-luto aquele conceito de que a função de encarnar econduzir as idéias novas é própria da juventude, -nem queremos aqui significar que seja privilégio dajuventude o papel de agitar e organizar os elementosnecessários ao processo histórico da sociedade. Masé que as gerações novas, com mais ductilidade e tam-bém com mais vigor e decisão, sentem as influênciasdas transformações orgânicas da vida e da sociedadee, assim, vão formando a consciência, conforme osimperativos das próprias transformações, de acordocom a realidade concreta. A formação espiritual dasociedade há-de, efetivamente, refletir a situação ma-terial, no tempo e no espaço.

Eis porque a realidade de hoje não pode confor-mar-se com a realidade de ontem. E é exatamentepor isso que sempre se cometem erros grosseiros eterríveis, quando se tenta, sem crítica, sem análisesuficiente, sem objetiva adaptação, - transpor meca-nicamente, de um para outro, de uma para outra na-ção, daquele para este agregado social, - as regras,as leis e normas, o estilo, o método de vida e, igual-mente, as formas de organização e orientação doselementos dinâmicos da sociedade. Cada realidadeobjetiva tem as suas próprias condições concretas quegeram seus problemas peculiares, cujas soluções têmque ser específicas, isto é, vão ser encontradas, ne-cessariamente, no âmbito de suas próprias condições.

Se, com efeito, a superestrutura social assentana base econômica e reflete, portanto, a situaçãomaterial, - claro está que as transformações da supe-restrutura decorrem, como conseqüência inevitável,das transformações de base.

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Assim, toda essa inquietação, no plano interna-cional, na América Latina e, particularmente, no Bra-sil, não é mais do que sinais positivos de que as ve-lhas estruturas não correspondem mais às necessida-des do desenvolvimento sócio-econômico. As energi-as vitais da sociedade exigem, pois, as reformas jus-tas, as modificações, as transformações tendentes amanter ativo o processo histórico. É, afinal, a lei dasobrevivência que determina essa constante e fecun-da atividade renovadora dos organismos sociais.

Uma sociedade que não fosse animada, sempre,por esses movimentos de inquietação e que não ti-vesse capacidade de compreender, suportar e, conse-qüentemente, resolver tais crises que marcam a vita-lidade social, - seria, por certo, mera sociedade iner-te, estática e, então, estaria morta.

Através destas considerações cuidamos apenasexprimir o nosso modesto ponto-de-vista de que nãoé na Rússia, no Egito, na China, na França ou nosEstados Unidos, que devemos buscar a resolução dacrise econômica, política e social do Brasil. Porqueos problemas brasileiros encontram soluções preci-samente nos quadros da realidade brasileira.Aprofundar os fatores, coordenar os elementos paraorganizar as soluções, - tais devem ser as atividadespolíticas e o roteiro adequado ao grande objetivo.

O que cumpre, sobretudo, é fugir da imitaçãopura e simples, e evitar as posições do extremismo.

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COMO EXPLICAR O ATRASO DE ILHÉUS?

Diário da Tarde,13.08.68. Pág. 2.

Se algum fato relacionado com Ilhéus pudessecausar admiração, nada talvez lhe seria mais signifi-cativo do que o milagre da própria sobrevivência. Isso,é claro, se fosse possível acreditar em milagres.

A sobrevivência de Ilhéus com efeito, pode serironicamente atribuída a verdadeiro paradoxo sócio-econômico, se não quisermos admitir o absurdo daespontaneidade social, isto, é, do princípio e do pro-duto em si da sociedade. Porque tantos têm sido osfatores negativos em nosso processo histórico, ta-manha tem sido a prevalência de elementos nocivosna luta de contradições dentro da nossa realidade,que, francamente, Ilhéus teria já desaparecido se nãolhe sobrassem reservas materiais e espirituaisinalienáveis. Aliás, é preciso convir que Ilhéus so-brevive e se debate nesta situação marasmática, exa-tamente porque, submetido às leis de desenvolvimentodesigual da sociedade, os nossos elementos huma-nos, sobretudo os que entram na composição das clas-ses dirigentes, nunca se dispuseram nem se dispõema sustentar luta conseqüente pela transformação destarealidade.

Ora, pelas possibilidades econômicas e outrascondições históricas que já detivemos, - se conveni-entemente aproveitadas, - poderíamos ter chegado asituação muito mais importante, social e politicamente.De modo geral, no entanto, nem somente não nos

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desenvolvemos, mas, na verdade, fomos perdendo aspossibilidades, caindo a cada passo no conformismo,no fatalismo, nas frustrações que coroam o atrasopuro e simples.

E por que isso? Terá sido por obra e graça dodestino, pela força abstrata da fatalidade, esse po-der que tudo explica e tudo justifica, quando os ho-mens não sabem ou não querem encontrar explica-ções e justificativas concretas e objetivas para osfatos?

Nada disso. A verdade é que os homens de Ilhéussempre quiseram viver assim mesmo, sem maiores in-teresses ou preocupações de progresso. Nunca se es-forçaram, de modo efetivo e racional, para modificaros quadros de nossa realidade.

Para que a sociedade se renove, é necessário quese renove a superestrutura política. Mas, para que asuperestrutura política seja capaz de influir no pro-cesso histórico tendente ao surgimento de nova so-ciedade, isto é, substituição do velho pelo novo, épreciso que se transforme a base econômica.

Desenvolver a economia, portanto, modificar asformas econômicas, dar novo sentido aos fatores eco-nômicos, tais devem ser os objetivos da ação quecumpre a todos os elementos realmente empenhadosno progresso social, no aprimoramento das funções eda justeza do regime social.

Que fizeram, porém, ou que fazem ainda os ho-mens de Ilhéus, dentro dessa realidade?

É o que tentaremos discernir através das próxi-mas considerações.

Fundação da Academia de Letras de Ilhéus, em 14.03.1959: Clarêncio Baracho (Uruçuca),Nelson Schaun (Ilhéus), Plínio de Almeida (Itabuna), Abel Pereira (Ilhéus), Wilde de OliveiraLima (Itabuna), Nestor Passos (Itabuna) e Francolino Neto (Itajuípe).

Nelson e João Mangabeira, em 07.07.1960

Ariston Cardoso, Joaquim Ribeiro e Nelson saudando a esteúltimo, em 15.10.1960.

Leopoldo Campos Monteiro, Nelson, Joaquim Ribeiro, Abel Periera,Francolino Neto e Jorge Weyll Fialho Costa, em 15.10.1960.

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SAUDAÇÃO AOS LAUREADOS DOCONCURSO DAS CHAVES DE OURO,NA ACADEMIA DE LETRAS DE ILHÉUS

Poderíamos derramar, antes de mais nada, umasérie de considerações para concluir pelo inadequado,senão pelo erro que ora se comete, ao atribuir-se-nosa missão de saudar poetas, e poetas distintos.

Não somos poeta. E nenhuma linguagem melhornem mais expressiva que a poesia para falar de poe-tas e a poetas.

Como, todavia, o de que se trata, propriamente,é de uma saudação, e embora que se trate de saudara poetas, - de todo necessário não será, talvez, queesta seja uma linguagem de poesia ou a linguagemda poesia.

Basta que a Academia de Letras de Ilhéus digado seu júbilo e de seu apreço em relação ao fato elo-qüente desta realização.

Estamos conferindo aos conquistadores os prêmi-os que instituímos para o Concurso das Chaves de Ouro.

Saudar os vencedores dessa pugna luminosa, -eis a tarefa que nos cabe, neste momento.

Verdade que a nossa Academia tem poetas, eexcelentes poetas, aos quais caberia melhor a funçãode intérpretes do nosso pensamento frente aos trêspoetas que triunfaram neste Concurso.

Razões, porém, que fogem porventura à própriarazão, explicam o fato de estarmos, aqui e agora, nestepapel.

Quando lançamos o Concurso das Chaves de Ourocom o prêmio Cidade de São Jorge dos Ilhéus, tive-

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mos em consideração três objetivos, e dar-nos-íamospor suficientemente recompensados, se tais objeti-vos fossem atingidos. E atingimo-los?

Eis o que nos cumpre agora examinar.Primeiro de tudo, - visávamos a sacudir por aí,

neste imenso Brasil, o nome e os propósitos cultu-rais de Ilhéus, no sentido, particularmente, comemo-rativo de sua cidadania.

E os poetas, que são a alma do povo e a expres-são de toda a beleza, - vieram dizer-nos, com os seusversos encantadores, que este primeiro objetivo serealizou por inteiro.

Segundamente, mas também com principalidade,- quisemos, desde logo, mal começada de viver, - pro-jetar a nossa Academia de Letras, afirmando-lhe apersonalidade atuante, como o dinâmico espírito desua legenda – Patriae Litteras Colendo Serviam. Nãopor presunções estreitas ou ridículos propósitos deaparecer por aparecer; mas por mostrar a todo o Bra-sil que também Ilhéus decidira formar entre os quelutam, concretamente, pelas coisas da inteligência eda cultura.

E o objetivo de agitar essa verdade, nos pareceigualmente alcançado, através de todo o processo aque tem estado submetido o Concurso das Chaves deOuro, desde o seu lançamento, há seis meses, até oinstante memorável que se nos depara, da entregados Prêmios Cidade de Ilhéus.

O terceiro e não menos importante objetivo, -foi o de render culto de admiração e afetivo apreçoao grande poeta Guilherme de Almeida, levado, empleito luminoso de sentimento estético, às culminân-cias do principado da poesia no Brasil. E era neces-sária, culturalmente justa, essa homenagem a quem,

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como Guilherme de Almeida, está situado, definiti-vamente, como força viva das mais poderosas e bri-lhantes da poesia brasileira.

E também este objetivo com certeza estamosrealizando.

Assim, estávamos contribuindo para singular co-memoração do 79o aniversário da cidadania de Ilhéus,através da notícia de que Ilhéus tem a sua Academiade Letras e, o que era sobremaneira significativo, -tal comemoração e tal notícia se objetivavam à basede um elemento espiritual eloqüente, qual o da ho-menagem ao Príncipe dos Poetas Brasileiros, - cominstrumento adequado aos méritos inequívocos de suasensibilidade artística: os sonetos de vários poetasfechados pelas chaves de ouro que o poeta mestreimaginara.

De feito, apesar de bem conhecido o sistema dosconcursos literários, - este nosso nos tem o sabor decoisa absolutamente original, em que pese aos juízosda crítica excessivamente rigorosa. Mas, é como se,agitando as onze flâmulas de luz do vate emérito,nos fizéssemos de antessignano de novo ideal artís-tico, através destes Brasis, a convocar os aedos daestesia e da beleza.

E aqui está o em que resultou a nossa primeiraexperiência acadêmica travada no campo das bata-lhas florais do pensamento pela emulação da sensi-bilidade estética: foram 128 poetas, desde o Amazo-nas até o Rio Grande do Sul, que nos vieram em 1.408peças de expressão artística destinadas ao préliomagnífico. Os trabalhos desses concorrentes sofre-ram o julgamento criterioso e sereno de uma comis-são de autoridades incontestes nos domínios inte-lectuais do Brasil: Manuel Bandeira, o fino mestre de

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literatura, Álvaro Moreira, o delicioso cronista e po-eta, ambos da Academia Brasileira de Letras, e aindaAntonio Olinto, crítico e professor de literatura dosmais autênticos e excelentes do Brasil contemporâ-neo.

Mas é hora de indagar sobre cada um dos vitori-osos no concurso das Chaves de Ouro sob o prêmioCidade de São Jorge dos Ilhéus.

O terceiro colocado - Osório Dutra

Estreou na vida literária com o País dos Deuses,publicado em 1921. Seguiu-se-lhe uma obra ampla efecunda, de mais de vinte criações, não obstante osencargos diplomáticos, em cuja vida penetrou, atra-vés de brilhante concurso, em 1918. Como conse-qüência, porém, abandonou o jornalismo, em cujos la-bores se iniciara nas colunas de O Século, de BrícioFilho, e do Correio da Manhã, de Edmundo Bittencourt.Poeta de encantadora inspiração lírica, Osório Dutraconquistou, por duas vezes, os lauréis acadêmicos: -em 1929, com Castelos de Marfim - prêmio de poesia,e em 1946, pelo conjunto de obras, quando levantou oprêmio Machado de Assis, ambos da Academia Brasi-leira de Letras. Da sua excelente e volumosa biblio-grafia, podemos salientar Inquietação, Dentro da Noi-te Azul, Silêncio, doce Silêncio, Terra da Gente, TempoPerdido, Emoção, Sombras da Vida, Terra Bendita, e DesRoses Pour Margot. É membro dos mais ilustres da Aca-demia Carioca de Letras.

Quanto a nós, particularmente, somos levados aquerer bem e admirar Osório Dutra, quando por maisnão fosse, pelo culto indormido, de inspiração e be-

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leza, que o seu espírito de poeta sempre rendeu ànossa Bahia. Apesar de não ser baiano, tem pela Bahiaverdadeiro devotamento artístico, a ponto de lhe haverdedicado um dos livros mais importantes, como cria-ção lírica e estética: - Bahia dos Meus Pecados. Des-de o título da obra transparece o carinho, o afetivoenleio pela idéia da Terra, que ele, não satisfeito,acaba de cantar em versos recentes, tocados de emo-ção generosa e mística, e enviados a esta Academia,dentre uma coletânea de sete sonetos. Tomemos umdeles:

A MAIS BELA

Não falta na Bahia coisa alguma!Nem mesmo um dadivoso tom de opala!Quando com ela a gente se acostumaé um gosto francamente namorá-la.

Na transfiguração com que nos falaHá milagrosas pérolas de espuma.Vi cidades do golfo de Bengala,como a Bahia nunca vi nenhuma.

Para fazê-la em síntese a mais belafoi que inspirados com ardor profundotodos os santos se encontram nela.

E quanto mais as emoções confundo,mais sinto que a Bahia nos revelaos maiores prodígios deste mundo“.

Mas, se quisermos vê-lo psicologicamente,aprofundar a generosidade que lhe é, sem dúvida, aprópria essência da vida, ouçamo-lo neste magnífico

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soneto com que desenvolve a chave-tese de “a men-tira da vida e a verdade do sonho”, sétimo dos onzecom que se apresentou no concurso.

Quanta pureza de sentimento, quanto sentido desolidariedade humana... porém, sobretudo, quantodesprendimento de si mesmo!

Ouçamo-lo:

Não acuso ninguém, nem me queixo de nada.Vivo do meu trabalho e da minha esperança,contente por saber que em cada madrugadaum suspiro de amor as árvores balança.

No mistério da sombra ou à margem da estrada,não procuro jamais o que nunca se alcança.Tenho no coração uma noite estreladae não sei até hoje o que seja a vingança.

Desconhecendo a inveja, a cólera e a maldade,falo constantemente aos homens mais diversoscom profundo pudor e piedosa humildade.

Em tudo quanto faço o melhor de mim ponho,e envelheço, feliz, bendizendo em meus versos,“a mentira da vida e a verdade do sonho”.

Tivéssemos a capacidade de um ensaísta, ana-lista ou crítico literário, e seríamos levado a comportoda uma obra inspirada, somente, no estudo da es-sência, da forma e do conteúdo destes dois versos,magníficos de lirismo, de panteísmo, de simbolismo,do que seja, afinal, que a incapacidade de nossa lin-guagem não exprime, não pode definir: -

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Contente por saber que em cada madrugadaUm suspiro de amor as árvores balança.

Convenhamos que isso é coisa, apenas, para sentire que foge a qualquer esforço interpretativo: sente-se e não se define, e até para senti-lo é preciso quese tenha a capacidade de encarnar todo o amor etoda a beleza da vida.

Segundo colocado - Edmundo Costa

Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pelaFaculdade de Direito da Universidade do Rio de Ja-neiro, - é assistente do consultor jurídico do Bancodo Brasil.

Colaborou em prosa e verso, em O Malho e Fon-Fon. Colabora em Alterosa, de Belo Horizonte-MG,Brasilidade, de Santos-SP, além de em vários órgãosdo Rio e de outros Estados.

Apesar de suas atividades profissionais especí-ficas, absorvido, naturalmente, no estudo e aplica-ção dos postulados e leis das Ciências Jurídicas, - éum encantado da poesia, dentro de cujos domíniostem maravilhosas criações. Tanto que os frutos opimosde sua inspiração constituem material para várias obrasem versos, mas também conta produções em prosa,igualmente valiosas. Por modéstia ou por quaisqueroutras razões, - a verdade é que Edmundo Costa ain-da não decidiu editar-se em livro. Contudo, - exce-lências de sua criação artística se encontram em li-vros de diferentes e consagrados autores, - especial-mente suas traduções, como em: Poesias Escolhidasde Paul Verlaine, organizado por Onestaldo Pennafort;

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na Antologia de Poetas Franceses de R. MagalhãesJúnior; no livro O Soneto de Anvers, do escritor MeloNóbrega; no livro Nosso Senhor e Nossa Senhora naPoesia Brasileira,de Da Costa e Santos.

Tem colaborado com assuntos jurídicos em re-vistas especializadas.

Tomou parte em três concursos literários e foilaureado em todos.

1o lugar – com a tradução do soneto Parábolas,de Paul Verlaine, - concurso da Revista AABB.

1o lugar – no concurso de sonetos promovido pelaAcademia Petropolitana de Letras.

2o lugar – no concurso de sonetos das Chaves deOuro, este de sentido eminentemente filosófico, soba tese de “Tua essência que é tudo em meu todo queé nada”.

A RAZÃO

A Razão, como um facho esplêndido fulguraNo fundo do meu ser, que ela abrasa e ilumina,E, límpido clarão, rutilância divina,Valoriza e enobrece esta carcaça impura.

Faz da matéria bruta a sublime criatura,O animal superior, que pensa e raciocina;Põe no cérebro inerte a idéia cristalinaE a besta primitiva exalta e transfigura.

Bendita sejas tu, mirífica lanterna,Que na noite sem lua acendes a alvorada,Que pões a luz do sol na lúgubre caverna.

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Bendita seja, em mim, tua efusão sagrada;Em meu corpo mortal, tua presença eterna;“Tua essência que é tudo em meu todo que é nada!”

Primeiro colocado - Bruno de Menezes

Poeta, romancista e ensaísta, Bruno de Menezesé considerado pela crítica unânime, uma das maisvigorosas expressões da Amazônia. E a maneira comque toda a imprensa do Pará noticiou a vitória de seugrande poeta, nos dá a medida suficiente do júbiloimenso daquela gente, em face da expressiva ocor-rência. Folha Vespertina, O Liberal consagram colu-nas e colunas ao grande acontecimento, - ressaltan-do a vida e obra de Bruno de Menezes. Para dizer deBruno certamente não valem palavras simplesmentederramadas. Os títulos que lhe definem a personali-dade de intelectual militante e prestigioso, bastampara transmitir-nos uma compreensão, tanto quantopossível exata, acerca do valor exponencial do pen-sador patrício que conquistou o primeiro prêmio doConcurso da Cidade de São Jorge dos Ilhéus.

Bruno de Menezes pertence ao Instituto Históri-co do Pará e à Academia Paraense de Letras e partici-pa de outros institutos de cultura. É membro corres-pondente da Academia de Letras de Ilhéus. Intensa efulgurante é a sua bibliografia, - donde se distin-guem como obras realmente valiosas Batuque, emquatro edições, Bailado Lunar, Poemas para Fortale-za, Crucifixo, São Benedito na Praia, dentre muitasoutras criações.

A vitória de Bruno de Menezes no Concurso deChaves de Ouro é uma esplêndida coincidência, por-

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que as letras nacionais, especialmente a poesia e,em particular, o folclore do Pará e o espírito lumino-so e eterno da Amazônia festejam, neste 1960, os 40anos de poesia de Bruno.

É como diz um dos conhecedores da vida e daalma do poeta, jornalista, ensaísta e crítico: -

Bruno de Menezes é produto autêntico de seu pró-prio esforço. Proletário emancipado, tendo inicia-do a vida como gráfico, estreou nas letras em 1920,com Crucifixo, versos simbolistas.

Ao passo que O Liberal, de Belém do Pará, abrin-do a entrevista intitulada: - Bruno conta como se ins-pirou para os onze sonetos, assim notícia:

Continua tendo repercussão nos meios intelectu-ais de nossa terra, o prêmio obtido pelo poetaconterrâneo Bruno de Menezes, como primeiro co-locado no concurso instituído pela Academia deLetras de Ilhéus, denominado Prêmio São Jorgedos Ilhéus, ao qual concorreram as maiores expres-sões do poetismo brasileiro. Honrando as tradiçõesde nossa terra, o poeta Bruno de Menezes, que émembro da Academia Paraense de letras, apresen-tou onze sonetos com as chaves de ouro sugeridaspelo poeta Guilherme de Almeida, os quais recebe-ram os maiores elogios por parte da comissãojulgadora.

Bem, caros ouvintes, já é hora de terminar estalengalenga, sem qualquer mérito além do pobre es-forço para saudar Bruno de Menezes, Edmundo Costae Osório Dutra, em nome da inteligência e da própria

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alma de Ilhéus, - em nome da nossa Academia deLetras.

Aqui poderíamos dizer, como João Ribeiro, aoingressar na Academia Brasileira de Letras e ter defalar sobre Luís Guimarães Júnior, a quem sucedia:

Essa a minha grande alegria; mas, - para queocultá-la – ela está penetrada pela tristeza deuma grande humilhação – a quem me cabe desuceder àquele suave e melodioso poeta que foiLuís Guimarães Júnior. Sinto agora que este lu-gar deveria ser ocupado não por um estudioso nempor um espírito voluntarioso talvez, porém amar-go e rude – mas por outro grande poeta como elefoi, por outra grande estrela capaz de salvar docaos o seu sistema agora abismado na inércia in-sondável. Eu sinto que vou falar de poeta sem adignidade necessária, sem a capacidade mesmode senti-lo e compreendê-lo. Eis a minha primei-ra e grande humilhação.

Mas, nem eu sou João Ribeiro, - pobre de mim,nem se trata de que tenha eu de ocupar o lugar deum poeta, - embora me veja na terrível situação deencarar modernos êmulos de Luís Guimarães Júnior,embora tenha de saudar poetas.

Eis, pois, a minha, - primeira não, - como foi ade João Ribeiro, - porém toda a minha humilhação:falar de poetas e a poetas sem a capacidade de sentí-los e compreendê-los.

Vamos, pois, terminar.Permita-se-nos antes, porém, um honesto con-

selho: se quisermos penetrar melhor e mais profun-damente a alma e a sensibilidade estética de Bruno

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de Menezes, procuremos conhecer-lhe a obra, beber,com ele, o divino licor de sua inspiração, perquirir-lhe mais intimamente o vigor e a beleza da criaçãoadmirável.

Que pujança e que riqueza de expressão no rit-mo gingante de bamboleios onomatopaicos de fol-clore saracoteado, fremente, coleante, destes versosda Alma e ritmo da Raça, com que abre Batuque:

A luz morde a pele de sombra e os cabelosLustrosos quebrados da cor sem razão.E os seios pitingas, o ventre em rebôjo,As ancas que vão num remanso rolandono tombo do banjo......................- E mais adiante –E os braços se agitam, se afligem batendo,As coxas se apertam, se alargam, se roçamOs pés criam asas coando pousandoAs mãos vão palpando o balanço dos quartosSubindo pra nuca com os dedos fremindoRolando o compasso no fim da cadência.

E o branco sentindo xodó pela pretaAgüenta a marêta gemendo no fungo,Bem quer e não pode mas vai de teimosoSe acabar no rebôlo da bamba africana.

A luz morde a pele de sombra e os cabelosLustrosos quebrados da cor sem razão.Também se fartou de cheirar cumarúNos bicos dos peitos da preta inhambú.

São pedaços emotivos do Brasil enfeixados nosmaravilhosos poemas do Batuque.

Mas, se a gente quer ainda sentir o estro de Brunode Menezes, que não arrefeceu nem mesmo diminuiu a

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fecundidade de imaginação que continua vigorosa nosdias atualíssimos, apreciemos este quadro de lirismobucólico, de magnífico poder descritivo, como inefávelunção do poeta na hora por excelência da poesia. É osoneto com que ele encerrou a sua inspirada contribui-ção ao Concurso das Chaves de Ouro. E é também comesta chave de ouro de Bruno, através da última chavede ouro de Guilherme de Almeida, que vamos fecharesta sincera embora modesta saudação da Academia deLetras de Ilhéus, aos vencedores do nosso primeiro con-curso literário.

Admiremos a beleza destes versos:

O ouro do sol se faz violáceo e em nuances, descecromatizado, ungindo a verde paz dos campos.Hora em que vésper vem rezar etérea prece,ao lampejo fugaz da asa dos pirilampos.

Ilumina-se o palco astral nos céus escampos,Quando o sol-posto se incendeia e empalidece.Fendem-se os véus do poente em brilhos luci-lampos;e a Noite – olhar de monja – o crepúsculo tece...

Recolhem-se ao redil os rebanhos... Flutua,no ar balsâmico, a luz imprecisa da lua.Na pastoral do ocaso há visões de baladas...

E ao cerrar-se o cenário ao fim da alegoria,na face exul da Noite, impassível e fria,- “Cai o pano final das pálpebras fechadas...”

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SAUDANDO A BARBOSA MELO EM NOME DAACADEMIA DE LETRAS DE ILHÉUS

Ilhéus,

29.03.1960

Prezado Barbosa Melo:

Francamente, - se não fosse uma exigência, tal-vez puramente formal, embora, nem por isso, menosdigna de apreço, e se, do mesmo passo, a mim nãome houvesse a Academia de Letras de Ilhéus impostoa tarefa de saudar Barbosa Melo, e eu, com certeza,preferiria estar longe desta tribuna. Não estaria aquie agora a tomar as atenções de todo este auditório.Sim, porque não me parecem muito felizes e ade-quadas certas decisões da Academia, sobretudo quandoatribui determinados ofícios a elementos desajeita-dos. Com efeito, é preciso convir em que isso de le-vantar saudações, em boas vindas, em coisas assimcomo rapapés e salamaleques, - mesmo diplomáticosou acadêmicos...

Verdade que nem Barbosa Melo necessita de ra-papés nem seria para considerar salamaleque a sau-dação desta Academia a um dos seus novéis elemen-tos, a um seu membro correspondente. E tal é a rela-ção entre Barbosa Melo e a Academia de Letras deIlhéus.

Se, todavia, não é possível nem fora justo, aquie agora, dispensar uma palavra de saudação a Barbo-sa Melo, - que seja essa palavra dita exatamente pormim ou através de mim. Por mim ou através de mim,

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que o conheço há quantos e quantos anos, emboratambém há muitos e muitos anos tenhamos perdido aconvivência e, na verdade, vivemos, nós ambos, quala qual para o seu lado.

Mas é, exatamente, o meu conhecimento de Bar-bosa Melo, só por só, a razão deste papel, que orarepresento, em nome da jovem Academia de Letrasde Ilhéus.

Verdade que, quando eu conheci Barbosa Melo,vai para três décadas, não era ele, ainda, nem por som-bra, o que hoje é. Ele, com efeito, não tinha a impor-tância, não tinha a expressão que hoje tem. PorqueBarbosa Melo é, nos dias que correm, um dos maispositivos instrumentos humanos das forças produtivase espirituais, intelectuais e, conseqüentemente, ma-teriais, da sociedade brasileira. Instrumento consci-ente e, o que é mais importante, instrumento dinâmi-co dentro das forças motrizes, que são as idéias naci-onais em marcha, penetradas no seio das massas, parao futuro radioso e magnífico.

E o que a gente diz aqui de Barbosa Melo não é,certamente, simples elogio de encomenda, sem con-sistência, sem conteúdo e sem objetivo: - um dizerpor dizer, convencional e vazio, ou embrulhado nes-sa desmoralizada técnica de elogio mútuo, das “igre-jinhas”, ou da pura e ridícula demagogia, do crassocharlatanismo.

Não. Nada disso. Porque Barbosa Melo é um ele-mento de positiva expressão e de utilidade autênti-ca. Distingue-se pelo trabalho intelectual honesto epelo significativo trabalho material em favor das causasmais justas da nossa literatura, - sobretudo no senti-do da mais ampla divulgação no campo nacional, mastambém e especialmente, no campo internacional, -

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da nossa produção espiritual.Ninguém, pois, é claro, poderia negar-lhe o tí-

tulo, não o título abstrato, ou puramente formal, debenemérito das letras nacionais, porém, o título con-creto, afirmativo, de operário distinto da produçãointelectual e, por conseguinte, da produção materi-al, também, do Brasil contemporâneo.

Periodicista honesto, que nos fornece regular-mente este órgão de encantadora educaçãointelectualista – Leitura; editor limpo e caprichoso,que nos tem dado obras notáveis, a última das quaisé a editoração dessa Obra Poética, de Sosígenes Cos-ta, que é realmente poesia; - divulgador e propagan-dista sincero de nossa produção literária e artística,através desse maravilhoso Panorama Cultural del Bra-sil, - no que é eficientemente ajudado pelo trabalhode sua excelente companheira Iris Barbosa Melo, - onosso Barbosa Melo honra a literatura e todas as coi-sas do pensamento, no Brasil.

E é por isso que conceituamos Barbosa Melo, à luzdo mais autêntico e fecundo pensamento dialético, -um verdadeiro operário das forças produtivas da inteli-gência, neste nosso Brasil que vai caminhando paraobjetivos luminosos e magníficos.

Barbosa Melo, - que deixou esta cidade, legan-do-nos o Livro de Ouro de Ilhéus, - volta-nos agorarealizado e mais enriquecido de sonhos e de experi-ências, trazendo-nos as Obras Poéticas deste fabulo-so Sosígenes Costa.

Dele e deles é agora a cidade, esta cidade pe-quena e quase secular, a que tanto amamos.

Aceite, Barbosa Melo, o afetuoso aperto de mãoda Academia de Letras de Ilhéus, que se orgulha detê-lo como um dos seus mais ilustres representantes.

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E é justamente por isso que, nesta singela homena-gem, queremos significar o ato de sua posse comoum dos membros correspondentes desta Academia.

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CENTENÁRIO DE JOÃO RIBEIROSAUDAÇÃO AO SR. JOAQUIM RIBEIRO

Ilhéus,15.10.1960.

Exmas. SenhorasExmos. SenhoresIlustres AcadêmicosSenhor Joaquim Ribeiro

- Póiva pôca, chumbo inté a bôca!

De propósito, queremos iniciar esta desarrazoadalengalenga com um provérbio que a gente ouve nomeio de irmãos camponeses. Também eles, ou princi-palmente eles, nos âmbitos mais simples, talvez maisobscuros da sociedade, criam esplêndidos padrões desabedoria. E, paradoxal ou absurdo que se nos afigu-re, a verdade objetiva é que o povo constitue a fonteinesgotável e perene da sabedoria humana. É atentarna expressão magnífica deste autêntico aforismo –póiva pôca chumbo inté a bôca – e reconhecer a exa-tidão rigorosa de um pensamento moral e filosóficode rara beleza, mas, sobretudo, de rara sabedoria..Nem lhe falta, a esse anexim dos nossos irmãosmatutos, - a força psicológica do sentimento no ma-ravilhoso poder de síntese: “poiva pôca, chumbo intéa bôca!“ Se perguntarmos aos homens dos sertões oudas matas donde e como lhes veio esse adágio, - qual-quer deles responderá: “Num seio, moço, mas poréns

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que é certo é certo!”.De feito, quando o caçador tem pouca pólvora

supre a deficiência do explosivo com chumbo paraque fique a carga projétil aumentada consideravel-mente. – Pólvora pouca, chumbo até a bôca... até abôca da espingarda, é claro. E do sentido material dofato, generaliza-se-lhe a idéia, transmuda-se-lhe asignificação no campo social, político, econômico e,particularmente, moral... para atingir o filosófico.Assim nós, neste momento e nesta conjuntura -estamos desprovidos de inteligência e de sabedoria,suficientes para a tarefa que ora se nos impõe. Masentão é forçoso compensar essa deficiência. Como,porém? O problema se resolve através das indicaçõesluminosas do singular provérbio: - se é pouca a pól-vora do espírito, se é insuficiente o explosivo da ima-ginação criadora, força é carregar no simples dizer-por-dizer... contanto que as tonalidades objetivas dapalavra, os acentos da expressão, bem ou malplasticizada, consigam suprir a essência das idéias,o vigor do pensamento, a inspiração que falta. E, empura verdade, isso não é falsa modéstia como da pró-pria mentira. Somos, mesmo, dos que admitem comoperigosas as honras imerecidas. As honras imerecidassão sempre perigosas porque permitem desejar os bensimerecidos.

Por isso, então, é que tomamos na devida contae com especiais cuidados a análise do despautériotalvez desta atribuição que mal me cabe de interpre-tar os sentimentos da Academia nesta conjuntura.

Assim como assim, porém, se é dever que se nosimpõe, não há fugí-lo sem desonra, certo, mais in-conseqüente do que a honra imerecida.

Perigo por perigo, tomemos aquele porventura

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menos imoral: enfrentemos o perigo da honra imere-cida para não cairmos na indignidade da deserção,que seria a desonra.

Pelas artes e através da arte é que podemos co-nhecer intuitivamente a vida e o universo. Claro que,nesta afirmação, não havemos de confundir o con-ceito dialético de arte com o anti-natural e vazioconceito fixista de arte. Não se trata de estreita vi-são mental da arte pela arte. Nem por isso mesmo,queremos significar a supremacia da arte em relaçãoa todos os outros valores. Não se trata daquela esté-tica da vida de Graça Aranha, para quem o universosó pode ser entendido, interpretado como função es-tética do nosso espírito”... e para quem ”A filosofiaque não é arte não será vida”. Realmente, não é issoa verdade objetiva que desejamos exprimir quandoafirmamos que o conhecimento intuitivo da vida e douniverso, nos vem, exatamente, pela arte e atravésda arte.

Queremos, de fato, significar que a concepçãoda vida e do universo, isto é, a filosofia, se afirmaatravés da expressão artística, e, pois, da realidadeestética. E, é claro, se a filosofia, como um produtoda vida, não pode estar fora da própria vida, - tam-bém a estética – produto que é da vida – está natu-ralmente condicionada ao tempo e ao espaço, porconseqüência, às forças históricas da natureza e davida.

Verdade que a arte é valor de tal natureza sin-gular, expressão fenomênica realmente única, enti-dade espiritual tão inequiparável, que não compor-ta, não admite qualquer definição.

Mas a arte, que também não deixa de ser materi-al, porque é vida, embora não se defina, pode ser

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caracterizada. Caracterizada de acordo com as obrasque produz. E caracterizada, igualmente, pela verda-de histórica, de acordo com o valor, a expressão e opoder dinâmico de cada elemento na estrutura do fe-nômeno artístico: - o criador, a obra e o observador.

Eis porque a manifestação estética se torna sem-pre instrumento da psicologia objetiva na história: -psicologia objetiva de cada época, de cada momen-to, de cada região, de cada povo, - em síntese, decada realidade social.

Nem seria, por isso, autenticidade histórica desentido rigorosamente dialético, em relação à arte, otrabalho interpretativo ou simplesmente expositivoque fugisse das relações de tempo, de espaço, decausas e fatores vários que condicionam o fenômenoartístico.

Aqui, todavia, oportuno será advertir o espíritodo estudioso para uma verdade que se afigure para-doxal quanto ao processo histórico da arte: e é a deque nem sempre “determinados períodos doflorescimento da árvore estão, em absoluto, ligadosao desenvolvimento geral da sociedade, nem, porconseqüência, à base material, que é, de certo modo,o esqueleto de sua organização”. Este, como se vê,não é um conceito fixista, rígido e anti-natural, masum conceito rigorosamente ditado pelas fecundas leisdo pensamento dialético.

Com efeito, - se quisermos remontar à arte pré-histórica, - a arte dos tempos primitivos da humani-dade, vamos ver que, mesmo antes da própria escri-ta, floresceu a arte, através da pintura e da escultu-ra, que surgiram, talvez, simultaneamente. Emboratosco, rudimentar e porventura ingênuo, o estilo ar-tístico refletia já efeitos de claro realismo. Conside-

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remos, por exemplo, o célebre conjunto que decora aabóbada natural da caverna de Altamira, na Espanha.É arte da Época Glacial, mas revela notável beleza,vigor e esplêndido sentido realístico, sobretudo nodesenho, mas, igualmente, no colorido e no movi-mento. Apreciemos, na mesma ordem de considera-ções, agora pelos começos do ano de 5000 antes daEra Cristã, - o advento da prodigiosa arte egípcia, -que se desenvolveria por três brilhantes períodos –menfista, tebano e saíta, para ainda prolongar-se pelaépoca denominada dos Ptolomeus. Passemos pelas ma-nifestações da arte na Caldéia, na Assíria, na Pérsia.Contemplemos as sugestivas criações da arte chinesae japonesa. Detenhamo-nos no gênio de Hokusai, con-siderado “o mais célebre dos pintores nipônicos, e,provavelmente, um dos artistas mais notáveis de to-das as épocas”. Que diremos, porém, da arte pré-co-lombiana, que foi instrumento da inspiração maravi-lhosa e da sensibilidade estética dos povos que ha-bitaram este continente e que se estenderam ao lon-go de toda a civilização haua? Os toltecas, os astecase os maias? Os totonacas e huastecos? Os tarascos ezopotedas? Os huacos famosos que simbolizaram acivilização chimu e os incas, a realizarem uma arteque os torna irmãos dos gregos?

Indaguemos da história por que Fídias atravessaos séculos infinitos como símbolo genial de toda aarte grega.

Nessa magnífica sucessão de fatos e de observa-ções através de toda a evolução da arte, cheguemosaos nossos dias. E vejamos porque as manifestaçõesartísticas encerram elementos concretos da históriae da psicologia social da humanidade.

Se, porém, todos os valores artísticos refletem

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as condições históricas do povo, do momento e domeio em que se produzem, certo e claro também éque, não raro, se desliguem, ao menos quanto à per-cepção, do desenvolvimento geral da sociedade. Estãocomo desapoiados da base material que significa o es-queleto, aliás a infra estrutura da própria organizaçãosocial. E é em conseqüência dialética desse, como pa-radoxal contraste ou dessa contradição entre a obraartística e o período histórico em que se objetiva, emconseqüência dessa contradição aparente, que toda pro-dução artística encarna, sempre, o sentido de mensa-gem. Mensagem de inteligência, de cultura e de sensi-bilidade às gerações futuras. Mensagens luminosas eexcelentes, como as que nos herdou a fecunda menta-lidade de João Ribeiro.

Só a linguagem da arte convém ao espírito doartista.

Filólogo e didata, folclorista e mestre dedramatologia, - Joaquim Ribeiro é, sobretudo, um esteta.

E esteta da arte mais encantadora, mais difícil emais completa, - a arte da palavra, a estética da lin-guagem.

A sensibilidade artística de Joaquim Ribeiro seafirma, realmente maravilhosa e triunfante, segura econvincente, na arte de falar, isto é, na arte de bemfalar. E falar, bem, aqui e agora, não é falar compli-cado, difícil ou arrevesado, nem é o falar impenetrá-vel, o falar hermético dos preciosistas artificiosos epedantes. Falar bem é, fundamentalmente, falar cla-ro e preciso, vigoroso e harmônico. Propriedade enobreza, correção sem rebuscamentos inúteis, falarpara que todos sintam e vivam as expressões emoci-onais da palavra e penetrem fundo e logo a alma dopensamento que se exterioriza.

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Filho e, além de tudo, discípulo do grande JoãoRibeiro, o luminoso espírito que a Academia de Le-tras de Ilhéus ora apresenta à cultura, à inteligênciae à sensibilidade emocional de nossa terra, - Joa-quim Ribeiro tem uma obra, talvez sem maiores pre-tensões, mas sincera, honesta e efetivamente muitoprestimosa, dentre suas excelentes produções. É osugestivo estudo sobre a Estética da Língua Portu-guesa, curioso trabalho de pesquisa e interpretação,através do qual expõe tanto quanto informa, contri-bui para a erudição como para a cultura da línguaque falamos e bem-queremos. Um trabalho valioso,de importância inquestionável para mestres e estu-diosos, trabalho, sobretudo, que abre esplêndidas pers-pectivas ao campo da linguística. Pelo menos no queconcerne à língua portuguesa.

E é Joaquim Ribeiro que nos vem falar, exata-mente, da vida e da obra de João Ribeiro, sem dúvidados espíritos mais vigorosos e claros de quantos temo Brasil produzido. Gramático, historiador, filólogo,criador fecundo e eminente exegeta, é notável comocrítico e também como poeta. Os variados laboresintelectuais de João Ribeiro trouxeram preciosa con-tribuição à literatura nacional. Nasceu em Laranjei-ras, de Sergipe, a 24 de maio de 1860. Eis porque oBrasil realiza comemorações do seu centenário denascimento. Viveu 74 anos, menos um mês e onzedias. Tempo suficiente para produzir obra magnífica,embora não tenha deixado criações de que era capaza sua inteligência, a sua cultura, o seu espírito deesteta admirável. Dele se publicaram: EstudosFilológicos, Gramática Portuguesa, A Língua Nacional,Autores Contemporâneos, História do Brasil, FrasesFeitas, Páginas de Estética, O Fabordão, Floresta de

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Exemplos, Versos, Cartas Devolvidas e alguma coisamais.

Graças a esse poder criador e a essa fecunda ori-ginalidade é que tudo quanto o espírito de João Ri-beiro produzia tomava logo as características de ver-dadeiras mensagens. Suas produções eram, realmente,mensagens de ciência, de arte e de filosofia. E de to-das as mensagens que o pensamento audaz e radiosode João Ribeiro nos transmitiu e nos legou, - nenhu-ma talvez com a profunda significação da que levan-tou a bandeira da libertação da língua nacional.

Não podem, sem mentira e sem mutilação pernici-osa, sacrificar a consciência das nossas própriasexpressões. Corrigí-las pode ser um abuso que afe-te a sensibilidade imanente a todas elas. Os nos-sos modos de dizer são diferentes e legítimos, e, oque é melhor, são imediatos e conservam, pois, operfume do espírito que os dita.

Assim é o magistral conceito de João Ribeirosobre a língua nacional. E, mais adiante, para corro-borar:

Em geral, todas as mutilações por amor davernaculidade (ou antes, de portuguesismo) en-volvem qualquer sacrifício d’alma, destróem osmeios-tons e os matizes criados sob a luz e o céuamericano.

Assim é João Ribeiro, a reivindicar a soberaniada língua nacional, a autonomia do idioma que fala-mos no Brasil. Autonomia tanto mais justa e necessá-ria quanto melhor exprima as idéias, os pensamentos,

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as emoções do povo brasileiro, de acordo com o espí-rito, o gênio, a autenticidade psicológica de nossagente. Autonomia, sobretudo, no aspecto sintático,estilístico, porque, inclusive, concorde com as leisincoercíveis da semântica ou semasiologia. Autono-mia cultural que se forja ao calor da própria vida e dadinâmica social.

Nisso, como em tudo que de progressista, clari-vidente e fecundo, em filologia e linguística, o espí-rito de João Ribeiro criou, - combinam as nossas opi-niões, os nossos pontos-de-vista filosófico, científi-co e patriótico.

Somos, realmente, decididamente, pela necessi-dade da gramaticalização dos nossos termos, dos nossosmodismos, das peculiaridades espirituais, artísticase culturais da palavra brasileira, através da línguaque herdamos, porém que modificamos e enriquece-mos. Somos pela definição e regulamentação da sin-taxe brasileira da língua portuguesa. Porque não épossível, de fato, que a língua de menos de 10 mi-lhões de indivíduos, numa estreita faixa territorialde menos de 100 mil quilômetros quadrados, em con-dições de meio, de povo, de história peculiares e, abem dizer, estratificadas porque milenares, - possatal língua exatamente como funciona dentro na rea-lidade social e psicológica de Portugal, - servir deinstrumento à expressão ideológica e cultural de umpovo de 70 milhões de indivíduos, em laboratóriodemográfico e espiritual verdadeiramente dinâmico,em clima diverso, numa complexa vastidão geográfi-ca de 8 milhões e 500 mil quilômetros quadrados. Emrealidade social histórica diferente, ainda mais umidioma aqui sensivelmente modificado por fatoresprosódicos, ortoépicos e, particularmente, sintáticos

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e estilísticos. Não é possível que o idioma portuguêsde Portugal se use e se realize no Brasil, pelo menosem função do pensamento brasileiro, da coincidên-cia, da alma e das emoções do povo brasileiro.

Não se trata, é claro, de destruir a língua portu-guesa. Seria despautério ou pura necedade. Pelo con-trário – trata-se de vitalizar a língua, adequar, forta-lecer e aprimorar o idioma dentro na realidade cultu-ral da gente brasileira.

Sim, porque assim como a pintura e a escultura,a arquitetura e a música, também a literatura é arte.

E a literatura é, talvez, no domínio da arte, oelemento mais excelente, mais vivo, sobretudo maisdinâmico.

Literatura é arte: - arte que se exprime por meioda palavra-falada ou escrita.

Mas, para ser arte, é preciso que a palavra nãoatenda só à idéia, ao pensamento, senão também, eprincipalmente, considere a forma, o sentimento, aemoção, o amanho artístico, - o estilo, portanto.

Assim, em sentido restrito, é justo definir a li-teratura como “o conjunto de produções intelectuaisdestinadas a despertar o sentimento do belo pelaperfeição da forma ou excelência das idéias”.

Eis que cada povo tem a sua literatura, - porque,o fundamental, a literatura é o repositório de docu-mentos da mentalidade, aliás das produções intelec-tuais de um povo.

A literatura, como elemento dinâmico, reflete,com efeito, os sentimentos, a psicologia, o espíritoou a consciência do povo, isto é, a alma nacional dopovo.

E é precisamente essa verdade científica o queexplica o fato de haver diferentes literaturas nacio-

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nais expressas numa só linguagem ou idioma. Sãoexemplos, a literatura argentina, a literatura cuba-na, a literatura mexicana e tantas outras que, sendoexpressas na língua espanhola, não se confundem coma literatura espanhola, e, mesmo, diferem historica-mente, psicologicamente, emocionalmente entre si.Assim, as literaturas de língua inglesa e norte-ame-ricana, para não falar em tantas outras literaturas delíngua inglesa. Se naquele como neste caso a línguaé a mesma, diferentes são os sentimentos, as emo-ções, o sentido de certas palavras, o espírito de mui-tos termos.

Significa, tudo isso, que a literatura de um povoestá, necessariamente, condicionada aos fatores his-tóricos, econômicos, sociais, morais, psicológicos domesmo povo: - os usos, os costumes, os elementosdinâmicos de sua história, a situação geográfica, oclima, os elementos étnicos, o caráter nacional decada população.

Por isso, os fatores essenciais da literatura: -língua, língua estilizada pela arte, alma nacional,mentalidade nacional contínua podem fundir-se natrilogia de Taine: - raça – meio – momento, - claroque encarada dialeticamente essa trilogia.

Eis porque julgamos da mais alta importância ede profunda significação, o sentido nacionalista, na-cionalista no sentido exato, - dinâmico e progressis-ta, dos labores artísticos, literários e científicos deJoão Ribeiro, - no campo da linguística e, particular-mente, no domínio da literatura, em relação à reali-dade histórica da alma e da vida brasileira.

Agora mesmo, temos a notícia da última e valio-sa obra de Joaquim Ribeiro: obra, sobretudo, de cul-tura, de sistematização e de definição sobre um dos

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mais apaixonantes e esplêndidos setores dos conhe-cimentos linguísticos – História da Romanização daAmérica é obra destinada a prestar inestimáveis ser-viços aos estudiosos dos problemas culturais da lín-gua latina em relação à América. É um trabalho ver-dadeiramente original, e tem o mérito de ser o pri-meiro, neste campo de conhecimentos e nessa en-cantadora especialidade, em toda a América.

Confessamos, honestamente, embora contristados,que ainda não estamos em condições de emitir opi-nião, modesta, mesmo, como não, aliás, todas as opi-niões dos apedeutas... não podemos falar sobre Histó-ria da Romanização da América, visto como ainda nãotemos a felicidade de conhecê-lo.

Mas, atencioso auditório, - não é para tais di-gressões que estamos aqui e agora.

Sugere-nos estas considerações o espírito dohomem e da obra, cujo mais vivo conhecimento nosvem trazer a palavra magnífica e primorosa de Joa-quim Ribeiro. De Joaquim Ribeiro que, como o paiinsigne – é artista da palavra e palinuro, também,dos novos ideais linguísticos e literários.

É operário ilustre e especializado, sobretudo ca-paz no trabalho de construção da sintaxe estilísticabrasileira. Digno da empresa histórica, eminentementesociológica e cultural em que se distinguiu o espíri-to singular de João Ribeiro, seu pai e mestre, nossoeminente professor e amigo da grandeza e do radiosofuturo do Brasil.

Que nos fale do grande João Ribeiro o excelentemestre Joaquim Ribeiro!

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MOÇÃO APRESENTADA EM SESSÃODA ACADEMIA DE LETRAS DE ILHÉUS

Ilhéus,27.06.1961

A função social da imprensa e, dentro da im-prensa, a importante função do jornalismo, - signifi-ca elemento fundamental na dinâmica de toda a su-perestrutura ideológica, - política, jurídica, cultural,filosófica dos povos e das nações.

Não é, pois, mera conseqüência abstrata, a ca-pacidade, que se encara positiva nos órgãos de im-prensa, de refletir as condições objetivas e as reali-dades históricas da sociedade a que servem e dentroda qual militam e se definem.

Como reflexos ou encarnações de idéias, os jor-nais participam ativamente da elaboração efetiva daconsciência social. Porque os jornais são elementosda vida social e a consciência é produto da vida.

E é, exatamente, por isso que os jornais, melhordo que quaisquer outros órgãos da imprensa, funcio-nam como categorias eficientes das forças motrizesda sociedade, tanto mais autênticas e vigorosas, quan-to, com justeza, conseguem realizar a obra de veícu-los através dos quais as idéias penetram o seio dasmassas e vão, assim, formar a própria consciênciadinâmica e poderosa das massas humanas.

Verifica-se, então, dialeticamente, aquilo do fi-lósofo genial e claro sociólogo na afirmação de quetoda idéia se transforma sempre em força motriz quandopenetra a massa.

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Assim, devemos considerar, de fato, como ne-cessidade social precípua a função da imprensa au-têntica e de jornais realmente capazes de refletir asverdades objetivas e as justas aspirações do povo,sobretudo equilibrados na atitude permanente de in-térpretes e sustentáculos das idéias supremas da hu-manidade.

Esta a essência do nosso pensamento, ao ter emvista os importantes fatos históricos expressos nos60 anos de existência do Correio da Manhã e nos 10anos de vida da Última Hora, órgãos que, qual a qualfiel à sua própria filosofia, realizam ambos o exercí-cio e a defesa das liberdades democráticas.

Eis, em síntese, a significação, que desejamosrigorosamente compreendida nos justos termos, des-ta moção que a Academia de Letras de Ilhéus, comointérprete do pensamento cultural de toda regiãocacaueira, levanta neste momento, a propósito dasduas gratas efemérides que a imprensa nacional re-gistra e festeja neste ano de 1961.

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CONFERÊNCIA PRONUNCIADA EM REUNIÃO DAASSOCIAÇÃO DE PAIS E MESTRES DO INSP*

Ilhéus,abril de 1966

Sr. presidente da Associação de Pais e Mestresdo Instituto Nossa Senhora da PiedadeRevdas. Madres São Luis de Gonzagae Maria Teresa do Menino JesusDignas Irmãs UrsulinasSenhores e SenhorasPais e Mestres.

Primeiro de tudo, oportuno é dizer de nossa ad-miração, de nosso justo respeito pela obra social fe-cunda e magnífica de alto valor espiritual masigualmente de inestimável expressão material queedificam e que mantêm, que cuidam e que dinamizamem Ilhéus, e nesta região, estas abnegadas, valentese dedicadas Irmãs Ursulinas.

Realmente, só aos que tivemos a felicidade deviver a história de Ilhéus, neste meio século – é dadoconhecer e bem discernir a concreta significação datarefa educacional e, pois, de sentido eminentemen-te econômico, social, rigorosamente moral e cultu-ral, desempenhada por este esplêndido Instituto daPiedade. E é bem que nos lembremos, aqui e agora,dessa figura iluminada de bênçãos, cheia de dina-mismo construtivo e da santa humildade cristã, quefoi a madre Thaís, de imperecível memória para o Brasil,

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para a Bahia, mas particularmente, para Ilhéus, - porgáudio e ventura dos que a conhecemos e dos que,em toda a região nos abeberamos de suas lições ma-ravilhosas. É a essa obra pioneira de frutos opimosque devemos a madre Thaís, seguida de perto por es-soutra admirável batalhadora, madre Teresa do Meni-no Jesus, colaboradora eficientíssima e digna suces-sora, - é a essa obra, - acentuemo-lo devidamente, -que nos cumpre saudar hoje e sempre, com as verastodas de nossa consciência.

Certo, não há de caber nos exíguos limites destadigressão, um estudo alentado de toda a história des-te estabelecimento de educação e ensino.

Baste-nos, porém, a só e exata consignação ob-jetiva, concreta de que a história de Ilhéus e de todaesta região, pelo menos neste século, pode e deveestar dividida em dois períodos distintos – o períodoanterior às Ursulinas e o período conseguinte ao ad-vento do colégio da Piedade. É, pois, o instituto daPiedade o marco histórico de grande passo da nossaevolução social.

E, na verdade, não é preciso grande esforço depesquisa sociológica e de análises profundas paraverificar como o instituto da Piedade, abrindo e mo-vimentando a era do ensino secundário, significouimportante elemento da nossa superestrutura socialque, por interação dos atores, começou a influenciardecisivamente na própria infraestrutura econômica,e, assim, condicionando fatos sociais, se tornou emforça motriz das mais vigorosas na dinâmica social,política e econômica de Ilhéus. Não foi o único, éclaro, mas se tornou dos mais eficientes.

É, portanto, no campo da realidade sócio-políti-ca da região, que se tem comprovação dos fatores

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que determinam o fenômeno, segundo o qual as cau-sas se transformam em efeitos, os efeitos se trans-formam em causas, e assim, sucessivamente, ao lon-go de todo o processo vital das sociedades, sob oimpulso das forças que dirigem e condicionam o pro-gresso.

Não vamos analisar os fatos que marcam a his-tória de Ilhéus neste meio século – para interligá-lose relacioná-los com a vida e a obra deste InstitutoNossa Senhora da Piedade.

Mas, será justo, se não um estudo substanciosoe desenvolvido, ao menos uma ligeira enumeração,para corroborar a assertiva de que a este Instituto sedeve grande parte do desenvolvimento social, parti-cularmente, cultural, moral e, sobretudo, de sentidoeconômico desta região.

O ensino secundário e o pedagógico ou normal,aqui ministrado cuidadosamente, desde os primeirostempos, - abriu para Ilhéus a aurora de radiosos co-metimentos, que se têm objetivado em passos e me-tas da mais concreta significação, refletidos no pró-prio desenvolvimento do espírito, da alma e das ati-vidades multifárias do nosso povo. Sabemos, por exem-plo, que turmas e turmas de professoras, despejan-do-se sucessivamente no organismo social, entraramde exercer influência positiva em toda a vida dosagregados humanos existentes e dos que surgiram, eque todos se desenvolveram e vêm se desenvolvendocada vez mais. Não seria estulto reconhecer, então,que do trabalho produtivo do Instituto da Piedadedecorreram condições materiais e psicológicas inte-ressantes para o surgimento e crescimento desta vastarede de estabelecimentos secundários e profissionais,- como a Escola Técnica de Comércio, o Instituto

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Municipal de Educação, o Ginásio Diocesano, o pró-prio Seminário, os Ginásios de Itabuna, Itajuípe, Coaraci,Uruçuca, Ibicaraí, a vitoriosa Faculdade de Direito deIlhéus, as promissoras Faculdades de Filosofia e deCiências Econômicas de Itabuna, e a de Sociologia ePolítica de Ilhéus, - tudo isso criando condições parao advento que não deve demorar, da Universidade doSul da Bahia, - em que se concentrem novos estabele-cimentos de ensino profissional técnico e científico,de acordo com as necessidades sociais e os imperati-vos de nosso próprio desenvolvimento econômico. E,neste ponto, não queremos esquecer um dos primeirosestabelecimentos de ensino secundário que, sob ins-peção federal, funcionou nesta cidade, durante poucomais de um lustro, - tempo, entretanto, suficiente paraformar uma turma completa de ginasianos quando ociclo era de um quinquênio. Foi o Ginásio Castro Alves,que prestou inestimáveis serviços à causa do ensinosecundário, reunindo alunos daqui e de outros nú-cleos populacionais da região, e onde se prepararampara vestibulares vários jovens que se fizeram bacha-réis, médicos, engenheiros, agrônomos, industriais, co-merciantes, agricultores. E quando se escrever a his-tória de Ilhéus, sobretudo, no particular de seu movi-mento de educação e de cultura, não será possível deixarde mencionar a figura de Ananias Pereira Rabelo, grandebatalhador nos combates do ensino, cujos sonhos ecuja capacidade de realização, de mistura com o po-der da renúncia de si mesmo, não conseguiram ambi-ente, apoio nem ajuda nem produtiva continuidade nascondições históricas iniciais da chamada Revolução deTrinta.

Assim, pois, é válida, dialéticamente iniludível,a asserção de que desde o advento do colégio das

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Ursulinas, em Ilhéus, sentimos a notável constanteelevação do nível cultural de toda a região, acentua-damente nas cidades matrizes, a começar pela me-lhora do padrão do ensino primário, decorrência ló-gica do sempre mais abundante e competente mate-rial humano especializado saído dessas admiráveisforjas de sabedoria.

A cultura do elemento social assim melhorandoprogressivamente, entrou a influir nos fatores sócio-econômicos, determinando a crescente elevação donível de bem estar com a criação e o desenvolvimen-to de condições de trabalho em todos os setores, aponto de, assim como assim, já se experimentar atendência para as especializações em vários camposde atividade e no caminho da industrialização, ver-dadeiro fator de emancipação econômica do povo.

Pena é que não tenhamos encontrado sempreem eficiente continuidade e em comunhão de esfor-ços com a iniciativa particular, - governos esclare-cidos, orientados pela exata visão econômica e so-cial dos problemas político-administrativos, sobre-tudo, animados de rigorosa probidade funcional edo calor patriótico, suficiente à planificação e exe-cução das tarefas pertinentes à obra pública.

Entremos, porém, na outra parte deste discretearmodesto e despretencioso.

Não sabemos por que fados, bons ou mais, en-tenderam de cometer-nos a tarefa árdua de apresen-tar a este auditório nossa palavra sobre coisas deinteresse, é claro, da Associação de Pais e Mestres.Que falar, entretanto? Que aspecto encarar, dentre acomplexidade de noções, categorias, elementos e re-lações implícitas na própria idéia fundamental destainstituição? Demais disso, caros ouvintes, será que a

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pouquidade de nossos conhecimentos, a própria in-capacidade de compreensão e de expressão nossaconsegue algo dizer de útil como contribuição, in-significante por ventura, ao grandioso programa detrabalhos que se propôs e já realiza vitoriosamenteesta Associação?

Eis aí está porque, temendo perder-nos nas ge-neralidades, acabamos por perder-nos confusos nosâmbitos de angustiosa inibição, talvez emparedadosna compacta ignorância a que nos têm levado os aza-res da vida.

Valha-nos contudo, a oportunidade que buscá-vamos ansiosamente, para cumprir, embora mal, umadívida de longo tempo – qual a de reconhecer, publi-camente, e publicamente proclamar as excelências eos valores inquestionáveis deste Instituto Nossa Se-nhora da Piedade.

Permita-se-nos, todavia, que antes converse al-guma coisa sobre como entendemos certos pontos doprograma da ação da A.P.M.

Por definição, é difícil conceber ou encontrarinstrumento mais útil ou mais importante da vida sociale do progresso da sociedade do que uma Associaçãode Pais e Mestres.

Pois que, se a família é a célula da sociedade e aescola é o prolongamento, ou melhor, um dos órgãosmais importantes da sociedade, claro está que o mo-vimento, a campanha ou a corporação que reúna paise mestres, para trabalhar-lhes o espírito, esclarecer-lhes e orientar-lhes a missão, em recíproco esforçode valorização crescente do objeto fundamental, queé a educação e a instrução, desempenha função porexcelência no destino e, sobretudo, na dinâmica dasociedade.

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Ora sabe-se que a finalidade precípua da Associ-ação de Pais e Mestres é o aperfeiçoamento do edu-cador encarnado no conceito de pai e professor, paramelhor rendimento de sua ação educacional conjuntaem proveito do educando, isto é, filho e aluno.

Cumpre-nos, pois, dentre as medidas ou iniciati-vas tendentes à busca e concretização desse objeti-vo, ressaltar, como principais, de acordo com o pró-prio espírito desta Associação:

1o despertar entre os associados o mais vivo inte-resse pelos problemas que dizem respeito à or-ganização da família e à educação em todos osaspectos.

2o atuar na opinião pública por meio de todos osórgãos de difusão do pensamento: imprensa, rá-dio, cinema, teatro etc, no sentido de interessartodos no amplo e complexo trabalho educacio-nal.

Por isso, acrescentaríamos, aqui:

- deve a A.P.M. atuar, não apenas no espírito dosassociados, mas em tantos espíritos e tão largaórbita de ação quanto possível. E, ainda, por meiode visitas familiares e outros meios e métodosque a discussão dos problemas e das necessida-des for indicando.

Se, com efeito, conseguirmos manter e vitalizaro mútuo entendimento entre professores e pais, en-tre a escola e a família, e assim, aplicar a tática deluta educativa de dentro, isto é, da escola para o lare do lar para a escola, dos âmbitos colegiais para a

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sociedade e da sociedade para os colégios, então,começaremos a sentir, desde logo, os resultados maispositivos. O rendimento escolar entra em ascensão,a sociedade movimenta-se melhor, transforma-se e vaitomando orientação cada vez mais justa.

E teremos, também nisso, exemplo interessanteque, tomado na devida conta, por outros e outras mais,produzam resultados excelentes. Devem, pois, estreitar-se cada vez mais, interpenetrar-se e fortalecer-se asrelações entre pais e mestres, através dos propósitossempre mais iluminados de aperfeiçoamento moral ecultural da escola, da família e da sociedade.

Agora, é preciso aproveitar a oportunidade paraalgumas considerações quanto a outro importante as-pecto do problema, que é parte mesmo do programadesta Associação. É o que concerne às relações entreprofessores e alunos. E aqui falamos, particularmen-te, aos mestres. Impõe-se como condição fundamen-tal para o máximo rendimento dos trabalhos, - que seobservem as leis da pedagogia; que, igualmente, sevalorizem, cada vez mais, em adequada aplicação, asregras da boa metodologia e, evidentemente, que seaprimorem e se enriqueçam continuamente as nor-mas da didática.

Não vamos derramar-nos em considerações teó-ricas, nem pretendemos aprofundar suficientementeo problema, na contingência desta reunião que, é claro,não deve, não pode ter caráter eminentemente téc-nico ou científico.

Valha-nos apenas a verdade objetiva, consolida-da através da experiência, - de que só em plano derelações compreensivas, psicologicamente equilibra-das, sobretudo harmônicas e amistosas entre profes-sores e alunos, é possível haver progresso e lograr-

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se proveito justo na complexa tarefa de ensinar eaprender.

Um ambiente sadio de entendimento, de mútuacompreensão, animado por sentimento puro de ami-zade e de respeito à personalidade entre educadorese educandos, eis o elemento que condiciona a efici-ência, a útil produtividade do trabalho educativo. Isso,aliás não representa qualquer novidade para quantosobservam as leis da psicologia aplicadas à educação.

Parece-nos, portanto, desnecessário advertir, pelomenos aqui, neste estabelecimento que tem sidomodelo de correção moral e de justa orientação edu-cacional entre professores e alunos, parece-nos des-necessário advertir que a noção de ambiente sadio,de compreensão e de amizade não implica, absoluta-mente, a idéia de subestimar os conceitos e noçõesde responsabilidade funcional e decência e honesti-dade no trato das coisas do ensino.

Afigura-se-nos em absoluta justeza o conceitode que a educação tem como objetivo fundamentaltornar o ser humano biológica e sociologicamente útil.

Com efeito, a higidez física, a saúde e a perfeitacapacidade funcional do corpo condicionando a vidamental do indivíduo, para que exerça, com plenitudesua utilidade biológica, eis um lado da questão funda-mental.

Verdade primária aliás, muito antes dos gregos,mas notadamente dos gregos.

Elemento gregário por excelência, o ser humanosubmetido às leis da evolução, há de estar sempreaperfeiçoando-se, armando-se de conhecimentos su-ficientes e de capacidade cada vez maior para cum-prir o seu papel na sociedade. É, pois, a função soci-al, a utilidade sociológica do indivíduo, o outro as-

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pecto da questão.Impõe-se, desse jeito, como verdade concreta, a

conclusão de que o homem é tanto mais educado quan-to mais útil biológica e sociologicamente. Por conse-qüência, é tanto mais altamente desenvolvida a so-ciedade quanto mais ampla, mais elevada e mais pro-funda lhe for a densidade de elementos biológica esociologicamente úteis.

Eis, portanto, a significação importante dos es-tabelecimentos e órgãos de ensino e de educação, ea excelência de instituições ou associações como estade Pais e Mestres.

Nesta altura de nosso raciocínio, queremos refe-rir, especialmente, um dos mais necessários instru-mentos sociais e que precisa ser tratado cuidadosa-mente e educado com atenção especial.

Aludimos à linguagem. Linguagem no sentido latodo termo, como faculdade humana, e só humana, decomunicar o pensamento, exteriorizar as idéias. Lin-guagem, pois, como elemento essencial da função derelação, que é precípua na vida social. E aos mestres,a quem particularmente falamos neste ponto de nos-sas despretensiosas considerações, aos mestres in-cumbe o dever de curar da linguagem, assim, em re-lação a si mesmos como em relação aos alunos. Paraque bem exerça as funções de instrumento ou veícu-lo das idéias, a linguagem há de ser clara e precisa.Mas a linguagem no sentido restrito, na função pe-culiar de linguagem de cada povo, isto é, no papelda língua ou idioma, tem de ser, necessariamente,correta, além de clara e precisa.

Não é, por conseguinte, fora de propósito oude oportunidade ressaltar sempre a necessidade hu-mana e patriótica, social por excelência, do justo

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emprego da língua, do exercício adequado e do usoexato do idioma.

Assim, com a devida vênia dos ilustres professo-res deste estabelecimento e com os meus respeitos,particularmente, a essa esclarecida cultora e mestrado nosso idioma, - que é a digna irmã Santo Inácio,queremos lembrar os imperativos de acuradas aten-ções no sentido de aprimorar, sempre mais, a didáti-ca da língua portuguesa.

Como o idioma é organizado vivo, a sua didáticahá de conseqüentemente participar da vida, estar emfunção da vida. Se, pois, como elemento vivo, a lín-gua está submetida às leis da evolução, claro é que adidática está em contínua transformação, a sofrermodificações impostas pela sua própria dinâmica.

Infelizmente, porém apesar de muito já se terprogredido no Brasil, no campo dos estudos e da apli-cação, das conquistas das leis e normas da linguística,- força é reconhecer, nada obstante, que do ponto devista prático, objetivo do ensino, vale dizer, da di-dática, ainda estamos bem atrasados e muito aindaprecisamos realizar, para atingir situação razoável noque concerne ao domínio do idioma.

E para demonstrar essa verdade, não há misterde muita argumentação. Basta o fato concreto, la-mentavelmente verdadeiro, de que a maioria, a imensamaioria dos que completam os cursos secundários,assim como os chamados clássicos, técnicos e cientí-ficos, é constituída de elementos ainda incapazes dedominar a sua língua, no fundamental das própriasnecessidades.

Que idéias ou que conclusões nos sugere estarealidade? Não há fugir da verdade terrível que nosleva a observação direta, objetiva dos fatos. E é a de

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que esta situação de evidente despreparo, de quaseinapetentismo de nossa juventude em relação ao idi-oma nacional, tem de ser levada à conta da inade-quada e, talvez, anti-natural aplicação didática, emparticular, no campo do ensino secundário. Nem épor acaso que os famigerados vestibulares, por todoeste Brasil, topam, de ano para ano, exemplos mons-truosos, ridículos uns, desconcertantes outros e la-mentáveis todos, da absurdeza que tem sido, e repre-senta ainda hoje, a didática da língua.

Sim, porque não seria racionalmente possível,nem justo, atirar sobre toda a maioria de rapazes emoças a responsabilidade por esse clamoroso estadode coisas. É imperioso convir em que o principal fa-tor negativo determinante desta monstruosidade está,exatamente, nos métodos didáticos até agora vigen-tes no Brasil.

Com efeito, há muito verbalismo, árida teoria emdetrimento da prática da linguagem. Claro que não se-ria também curial adstringir a didática do idioma, aosmeros limites da prática. Importa, sobretudo, compre-ender que a prática tem de estar sempre iluminada pelateoria: é o equilíbrio dos fatores para utilidade maispositiva. Nem o puro teoricismo nem o cego praticismo,porém, ambos atuando harmonicamente para comple-tar-se nos frutos opimos do correto, preciso e claro exer-cício da linguagem, na expressão adequada do pensa-mento, na utilidade prática e objetiva do idioma.

Já vamos bem longe nesta lenga-lenga. Os mi-nutos avançam. E a paciência tem limites.

Terminemos por aqui.Mas levantemos antes, nova saudação ao Insti-

tuto da Piedade: agora, na pessoa de sua atual priora,a madre São Luis de Gonzaga, que, com a cooperação

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* Texto publicado no jornal Presença - órgão do Grêmio Literário Sta.Úrsula, INSP, Ilhéus, junho e julho de 1966(ano do cinqüentenáriodo colégio), pags. 2, 3, e 4, a pedido do dedicado DD. presidente daAssociação de Pais e Mestres, sr. José Silveira Mota.

luminosa e eficiente destas irmãs devotadas, há decontinuar a obra grandiosa de madre Thaís e madreMaria Teresa do Menino Jesus.

E afinal, lancemos veemente apelo às forças vi-vas de Ilhéus e de toda a região, no sentido de queintensifiquemos ainda mais e muito mais o calor dasolidariedade para com este magnífico Instituto NossaSenhora da Piedade. Que o marco de seu cinqüentenárioseja início de novos passos avançados em direção aobjetivos superiores do bem moral, social e materialda Pátria e da Humanidade.

Diário da Tarde, 09.12.1960

Diário da Tarde, 15.07.1938

Diário da Tarde, 22.07.1968

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*A ortografia original foi mantida neste texto.

NELSON SCHAUN*

Correio de Ilhéos,25.03.1926

Transcorre, hoje, o aniversário natalício do nos-so distinto amigo Nelson Schaun, redator chefe donosso vespertino.

Organização viva, inteligêncialúcida e esclarecida, o dignoanniversariante, nesta terra que lheserviu de berço vem conquistando assympathias daquelles que privam desua intimidade.

Na imprensa, a sua penna ful-gurante e cheia de esplendor vemluctando dia a dia trabalhando sem-pre ao lado da colectividade, zelan-do as causas nobres de um povo emprol de um ideal digno e edificante.

Amigo sincero a toda a prova temmerecido a confiança que lhe depo-sitam os elementos do partidosituacionista local, que tem a frentedos seus destinos, a figura venerandado senador Antonio Pessôa.

Nós do Correio de Ilhéos nestasincera homenagem, pedimos aoCreador a reproducção de tão glorio-sa data que é o caminho de interminasesperanças, ao lado de um futuro ri-sonho e cheio de prosperidade.

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NA UNIÃO PROTETORAA comemoração solene do 13o

aniversário de sua fundação

Diário da Tarde,26.06.1935. Pág. 1

Teve numerosa assistência de representantes dasclasses e organizações proletárias do nosso meio, alémde exmas famílias, autoridades e pessoas gradas asessão solene realizada ontem na sede da SociedadeUnião Protetora dos Artistas e Operários de Ilhéuspara a comemoração do 13o aniversário de fundaçãodaquela agremiação trabalhista e posse dos seus no-vos dirigentes, eleitos há dias passados.

Assumiu, a convite, a direção dos trabalhos, o cel.Álvaro de Mello Vieira, elemento de alto relevo nos nossoscírculos sociais, secretariado pelos professores NelsonSchaun e Camilo Lélis de Matos.

Após a solenidade de posse da nova mesa admi-nistrativa da instituição operária, usaram da palavraos srs. dr. Vito de Carvalho Filho, advogado em nossomeio, o professor Nelson Schaun, novo presidente daAssembléia Geral da União Protetora, pouco antesempossado. Os discursos de ambos causaram excelen-te impressão, pela oportunidade com que foram de-senvolvidos, abordando temas palpitantes da magnaquestão social.

Por fim o cel. Álvaro Vieira, encerrando a ses-são, congratulou-se com a União Protetora e agrade-ceu a comparecência de todos aqueles à expressivasolenidade.

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AS COMEMORAÇÕES DA FESTA DAÁRVORE REUNIRAM, ONTEM, NESTACIDADE, CENTENAS DE CRIANÇASDE ILHÉUS E ITABUNA

Diário da Tarde,23.09.1935 Pág. 1.

... a oradora oficial do banquete, professora ElzaPinheiro de Mello, que ofereceu o almoço, em nomedo professorado local, aos colegas de Itabuna. Aindausaram da palavra o jornalista Otávio Moura, do Diá-rio da Tarde, o dr. Aziz Maron, delegado escolar deItabuna e o representante de A Época, o professorNelson Schaun e por fim um dos assistentes que pro-feriu veementes palavras a Ilhéus e Itabuna.

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ECOS DO DIA DO PROFESSOR

Diário da Tarde,6.12.1935. Pág. 1

O Grêmio do professorado de Ilhéus que promo-veu as expressivas comemorações aqui efetuadas noDia do Professor recebeu entre outros votoscongratulatórios os seguintes das principais autori-dades bahianas:

Do Governador do Estado:Nelson Schaun, Grêmio Professorado, Ilhéus:congratulo-me êxito comemorações Dia Profes-sor Ilhéus.Cordias saudações(a)Juracy Magalhães

Do Secretário do Interior:Nelson Schaun, Ilhéus. Agradeço-lhe e a TemístoclesRocha telegrama comunicando justas festas co-memorativas Dia do Professor.Afetuosos cumprimentos(a)João Santos

Do Secretário de Educação e Saúde Pública:Nelson Schaun, Grêmio Professorado, Ilhéus. Acu-sando telegrama prezado amigo participando co-memorações sessão solene Dia Professor agrade-

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ço gentileza comunicação louvando gesto Grêmioprofessorado interesse ... desenvolvimento ensi-no nosso Estado.Cordiais saudações (a)Barros Barreto

Do Diretor de Instrução:Prof. Nelson Schaun, Ilhéus. Agradeço sobremo-do, penhorada gentileza comunicação festaeducativa, cívica digna todos aplausos.Saudações cordiais (a)Agrippino Barbosa

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ESCRITORES REGRESSARAM ONTEMAO RIO DE JANEIROA sessão de terça-feira na Academia.

Diário da Tarde,02.04.1960. Pág. 01.

...realizou-se terça-feira a sessão que a Acade-mia de Letras programara em homenagem à ilustrecaravana de escritores que visitou essa cidade a con-vite do prefeito Henrique Cardoso. Ao abrir a sessão,o sr. Abel Pereira congratulou-se com a presença deAdonias Filho, Sosígenes Costa e Jorge Medauar, osquais se apresentavam pela primeira vez à Academia,como ocupantes das cadeiras patrocinadas porBernardino de Souza, Arthur Sales e Junqueira Freire,respectivamente. Congratulou-se ainda pelo reencontrode Barbosa Melo com a cidade de Ilhéus, e depois feza apresentação nominal dos demais escritores visi-tantes, mencionando os seus valores.

O escritor Barbosa Melo, eleito correspondente,tomou posse, e as palavras de saudação, escritas peloacadêmico Nelson Schaun, foram lidas pelo acadêmi-co Jorge Fialho, também incumbido de saudar a cara-vana. Barbosa Melo agradeceu, relembrando a sua vidapassada em Ilhéus, e aproveitando o momento paradizer de sua atividade no setor da propagação dacultura brasileira na América Latina. O acadêmico JorgeMedauar focalizou o prestígio da Academia no Rio e,principalmente, em São Paulo, revelando nomes ilus-tres, como o baiano Fernando Gois. Desejosos de fi-

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gurarem como membros correspondentes da Acade-mia, e também da grande repercussão do Concursodas Chaves de Ouro, dizendo que o próprio Guilhermede Almeida é constantemente procurado por cartas etelefonemas, parabenizando-o.

O ponto alto da sessão foi a palestra do escritore professor Antônio Olinto. Perfeito didata, grandeexpositor, sabe dizer com profundeza de conhecimentoso assunto de que se ocupa. Apreciando apenas umângulo da literatura brasileira, focalizou pelos fun-damentos da língua brasileira, para que ela saia dosnossos lábios, naturalmente, sem nenhum artifício.

Mostrou com fartos argumentos que uma regiãoé sempre responsável pelo aparecimento dos seus gran-des vultos, pois eles aparecem em conseqüência daforça que a sua civilização apresenta. E referindo-seà zona do cacau, disse que essa força cresceu tantoem economia e em civilização, que não poderia dei-xar de produzir um Jorge Amado, um Adonias Filho,um Sosígenes Costa e um Hélio Pólvora, valores vi-vos da região.

Ontem, pelo avião de carreira da Cruzeiro do Sulretornaram ao Rio de Janeiro os escritores viajantes.

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ACADEMIA DE LETRAS EMPOSSOUNOVO QUADRO DIRETOR

Diário da Tarde,05.04.1961 Pág. 4

A secretaria da Academia de Letras de Ilhéuscomunicou-nos, por ofício, ter sido solenementeempossado o novo quadro diretor dessa entidade, parao biênio 1961/1962.

A diretoria ficou assim constituída:

- Presidente: Abel Pereira- Primeiro vice-presidente: Halil Medauar- Segundo vice-presidente: Osvaldo Ramos- Secretário geral: Nelson Schaun- Primeiro secretário: Francolino Neto- Segundo secretário: José Nunes de Aquino- 1o Tesoureiro: Jorge Fialho- 2o Tesoureiro: Washington Landulfo- Diretor da biblioteca Adonias Filho: Nilo Cardo-

so Pinto- Diretor da revista: Plínio de Almeida- Diretor do museu Jorge Amado: Leopoldo Cam-

pos Monteiro

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QUARTO DE HORA LITERÁRIO (ONTEM) NAACADEMIA DE LETRAS

Diário da Tarde,31.05.1961. Editorial

Em sua reunião ordinária de ontem, em verdadebem concorrida, recebeu, a Academia de Letras deIlhéus, visita do ilustre deputado federal dr. WaldirPires de Souza, ora em visita política a esta cidade eregião, cujos interesses vem brilhantemente defen-dendo no Congresso Nacional. Em nome da Acade-mia, saudou-o o acadêmico Carlos Pereira Filho.

Após vários assuntos de rotina, coube ao pro-fessor e acadêmico Nelson Schaun, proferir o Quartode Hora Literário. O ilustre acadêmico, que é, entrenós, um estudioso das coisas da língua, prendeu oauditório com um paralelo entre Ruy e Carneiro Ri-beiro na memorável polêmica travada em prol da re-dação do Código Civil, estudando com apaixonadointeresse de cultor do vernáculo, as excelências deambos na disputa, porém encarando o velho Carnei-ro, como mais técnico, mais profundo, o filólogo nosentido amplo.

Esse trabalho do professor e acadêmico NelsonSchaun será retransmitido no próximo sábado pelaRádio Cultura, no programa Ad Imortalitatem, às 16:15horas.

Ao término da sessão, coube a palavra ao ilustrevisitante dr. Waldir Pires que, com a sua palavra fácile elegante, disse de tal satisfação de estar em con-tato com os acadêmicos de Ilhéus, muitos dos quais

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velhos amigos e companheiros. Disse do interesse comque vem acompanhando a marcha da Academia comopoderosa força de cultura na região e, por isso,doravante fazia-a ligada aos seus interesses tanto noparlamento como em qualquer setor de suas ativida-des intelectuais.

Como convidados especiais estiveram presentesos doutores Izaías Fraga de Almeida, Soane Nazaréde Andrade, diretor da faculdade, Walter Pires de Souzae os vereadores dr. Antônio Cruz e Mofon LourivalSeixas.

Compareceram os seguintes acadêmicos: AbelPereira, Nelson Schaun, Joaquim Lopes Filho,Francolino Neto, Jorge Fialho, Paulo Cardoso Pinto,Halil Medauar, Carlos Pereira Filho e Nilo Cardoso Pinto.

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NA ACADEMIA DE LETRAS: A IMPORTANTESESSÃO DE TERÇA-FEIRA ÚLTIMA

Diário da Tarde,30.06.1961. Pág. 04

Presidida pelo acadêmico Abel Pereira, realizou-se, terça-feira, com regular freqüência, a sessão se-manal da Academia de Letras de Ilhéus, aliás, bemmovimentada em face dos importantes assuntos tra-tados. O acadêmico Nelson Schaun, a propósito dossessenta anos da fundação do Correio da Manhã e doprimeiro decênio de Última Hora, apresentou signifi-cativa e oportuna moção de aplausos àqueles órgãosda imprensa brasileira. Como velho jornalista que é,salientou de modo conciso e elegante os verdadeirospostulados da imprensa.

O acadêmico Carlos Pereira Filho trouxe para osanais da casa, o falecimento, no último sábado, doeminente sacerdote e cientista pe. Camilo Torrend,cuja vida quase meio século na Bahia, outra coisanão fizera, senão servir ao Brasil nos postulados daciência e da religião. Propôs ainda o acadêmico CarlosPereira filho que o deputado Juracy Júnior, ora nasub-chefia da Casa Civil da Presidência da República,seja especialmente convidado a tomar parte na ses-são do dia 4 de julho quando estará nesta cidade,para assuntos ligados aos interesses de Ilhéus e daregião.

O acadêmico Abel Pereira apresenta e entrega àcasa, o livro de poemas Rosa da noite, do poeta

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paraense Georgenou Franco e no fazê-lo, tece elogiosasreferências ao brilhante e fecundo homem de letrasdo grande estado planiciário e membro dos mais bri-lhantes da Academia Paraense de Letras.

Por proposta firmada pelo presidente Abel Pe-reira e subscrita ainda pelos acadêmicos NelsonSchaun, Francolino Neto e Plínio de Almeida, porunanimidade, foi eleito o renomado escritor e poetaluso Antônio de Souza para membro correspondenteem Lisboa, consoante indicação de Maria Helena, aadmirável poetisa luso que integra a nossa Acade-mia, e bons serviços de divulgação vem prestando àmesma em Portugal.

Em virtude de terem cumprido as condições exigidasforam regimentalmente empossados membros corres-pondentes em Portugal, os escritores João Ameal,Fernando Namora e Antônio de Souza. Os dois primei-ros, eleitos em sessão de 25 de abril, indicados tam-bém por Maria Helena, e o último eleito na presentesessão. Os três novos correspondentes da Academiade Letras de Ilhéus, em Lisboa são considerados comoexpressões da mais alta cultura lusa. Participam devários institutos literários e científicos de Portugal edo estrangeiro, considerando-se ainda que o escritorFernando Namora faz parte da mais alta entidade dacultura portuguesa que é a Academia de Ciências deLisboa.

O Quarto de Hora Literário foi admiravelmentepreenchido pelo acadêmico Plínio de Almeida e postode magnífico e substancioso trabalho sobre a consa-grada mestra e poetisa Amélia Rodrigues. O trabalhoque a todos encantou, pela harmonia, pela concisão,pela forma, e sobretudo, pelo entusiasmo do oradortambém da mesma querecência da grande educadora

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baiana – Santo Amaro – a contribuição da Academiade Letras de Ilhéus à memória de Amélia Rodriguesneste primeiro centenário de seu nascimento.

Como convidado especial, o dr. Adauto Sales Bra-sil, ilustre promotor público desta comarca e cultordas boas letras.

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UM CENTRO DE OPEROSIDADE ECULTURA: ACADEMIA DE LETRASDE ILHÉUS

Diário da Tarde,10.02.1962. Pág. 4. Editorial

Tudo quanto concorre para o crescentealevantamento social, econômico, artístico, financeiroe espiritual de nossa Ilhéus, fica a merecer desta fo-lha, apreço, dedicação e aplauso.

A Academia de Letras de Ilhéus é um cenáculosério, onde se trabalha pelo desenvolvimento inte-lectual de Ilhéus, de todos os modos cabíveis a ins-tituições dessa espécie. conferências, quartos de horaliterários, pesquisas históricas e folclóricas, tudo enfimquanto se relaciona com a vida de uma academia.

Ilhéus, no estrangeiro, hoje, não é cidade co-nhecida só porque exporta cacau. É também conheci-da através de sua Academia de Letras, obra meritó-ria, fundada por um homem modesto, que encontrouo imediato apoio de um Nelson Schaun, de um JoséNunes de Aquino, de um Plínio de Almeida, o primei-ro a ser consultado, quando Abel Pereira sonhou coma fundação deste nosso hoje já vitorioso filólogo.

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O BOI

Plínio de Almeida

Diário da Tarde,28.12.1962. Notas Sociais

À Nelson Schaun, afetuosamente

Passo tardo, olhar frio abismado em distânciasVagueia filosofando, a sós, pelas Campinas,De onde flui, sonolento as vivas fragrâncias,O boi, amigo fiel das gentes Campesinas.

Escravo paciente e bom, sem discrepâncias,Sob o jugo, no carro, em manhãs purpurinas,Num pesado lidar, em arrancos e em ânsias,Vive a canga a arrastar através das ravinas.

Boia no seu olhar tranqüilo e quase humano,Uma saudade, um quê de causas ancestrais,Um como que pesar do seu labor insano...

Mas, depois, pachorrento, à sombra do arvoredo,Sob o condão da luz dos dias estivais,Ei-lo então, querençoso, a cismar, triste e quêdo.

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A ACADEMIA DE LETRAS DE ILHÉUSFESTEJOU CONDIGNAMENTE O SEUPRIMEIRO LUSTRO DE VIDA ATIVA

Edgar Souza

Diário da Tarde,04.05.1964. Pág. 2

Fundada em 14 de março do ano de 1959, porum grupo de abnegados, amantes e cultores das le-tras em nossa região, a Academia de Letras de Ilhéusfestejou, com uma brilhante festa de arte e cultura,o seu primeiro lustro (cinco anos) de atividademarcante, no dia 14 de março de 1964.

Por tão jubiloso motivo, altas personalidades,das mais autênticas, do mundo das letras e das artesem Ilhéus, acorreram ao amplo e majestoso auditóriodo Bancrelar, para prestigiarem, com as suas presen-ças, as solenidades das entregas das medalhas de ouroe dos artísticos diplomas aos vencedores, num con-curso realizado para exaltar e festejar de modo maisexpressivo os seus cinco anos de vida cultural, que areferida Academia instituiu sob o tema: Príncipes daPoesia e da Prosa baianas, sendo os eleitos em pleitolivre de votação: Príncipe dos Poetas baianos – o po-eta e professor Flávio de Paula e o Príncipe dos Pro-sadores baianos, o eminentíssimo prosador não so-mente de âmbito baiano, mas nacional e internacio-nal, o escritor e historiador e Magnífico Reitor daUniversidade do Brasil, o dr. Pedro Calmon.

A festa de arte e poesia, que foi irradiada poremissora local, teve como oradores, pela ordem pro-

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gramada, os seguintes acadêmicos: dr. Ramiro Berbertde Castro, cuja oração foi um belíssimo histórico agra-decendo a homenagem que a Academia acabava deprestar do seu saudoso pai, o cel. Ramiro Ildefonsode Araújo Castro, um dos pioneiros e desbravadoresda região cacaueira e também homem de letras, cujocentenário coincidia com a data da fundação daquelaagremiação de intelectuais que, justamente naqueledia, completava o seu primeiro lustro de fundação.

O segundo orador da noite foi o acadêmico, jor-nalista e professor Plínio de Almeida que, em bri-lhante discurso, saudou o Príncipe dos Poetas baianose, também acadêmico daquele sodalício o professorFlávio de Paula que, sendo o terceiro orador, agrade-ceu sensibilizado, em palavras simples munificentese harmoniosas como o próprio canto singelo eapoteótico do poeta, aquela homenagem que lhe to-cava fundo o coração.

O quarto orador foi o advogado, escritor e acadê-mico dr. Francolino Gonçalves Neto que, em vibrante eerudita alocução, fez o panegírico do consagrado his-toriador dr. Pedro Calmon, nome nimiamente conheci-do nas letras pátrias e agraciado com o galardão dePríncipe, não somente dos Prosadores mas, a meu ver,da poesia e da oratória.

No seu agradecimento, como quinto e últimoorador da festa da cultura e da inteligência, o egré-gio mestre dr. Pedro Calmon a todos emocionou eempolgou com a mestria do seu verbo e o encanto desuas palavras que eram verdadeiros poemas de teste-munha. O aspecto sombrio e sereno da sua atitude deorador, a expressão singela e simples de sua grati-dão, profundo em observações históricas e conceitoscívicos, começou a sua brilhante aula de oratória as-

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sim falando: “Aqui estou, venho de longe, venho demim mesmo, venho do meu passado”.

E continuou fazendo um cônscio e histórico re-lato do que sentiu e observou naquela festa, onderecebia tantas demonstrações de carinho e de civili-dade, mesmo, dizia ele, reconhecendo o seu demérito,concluindo por esclarecer certos fatos que o levarama ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Le-tras e da honra de estar presente à festa do primeirolustro da Academia de Letras de Ilhéus, a qual consi-derava com todo o afeto, como sendo a de casa, porser baiana, e foi às raias da mais pura eloqüência.

Todos os oradores foram efusivamente aplaudi-dos, principalmente o Magnífico Reitor da Universi-dade do Brasil, o dr. Pedro Calmon, que foi delirante-mente aplaudido por toda a assistência de pé, que osaudava com calorosas salvas, e lágrimas vieram aosolhos do mestre.

O imortal poeta dos escravos, Castro Alves, que épatrono da Academia, cuja data do seu nascimento ocor-ria naquele mesmo dia, foi também exaltado por todosos oradores, que o situaram como uma das maioresvozes da poesia das Américas.

Os escritores, Abel Pereira idealizador, fundadore atual presidente da Academia de Letras de Ilhéus,Halil Medauar, Osvaldo Ramos, Nelson Schaun,Francolino Neto, Francisco de Paulo Teixeira, JorgeFialho, Eusínio Lavigne, Clarêncio Baracho, Plínio deAlmeida, Carlos Pereira Filho, dom Caetano Lima dosSantos, Leopoldo Campos Monteiro, Joaquim LopesFilho, Flávio de Paula, Camilo de Jesus Lima, FlávioJarbas e tantos outros, também fundadores da Aca-demia, estão de parabéns, não somente pela magní-fica noitada de arte e beleza que ofereceram ao culto

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povo de Ilhéus e Itabuna e aos visitantes de outrascidades, através da Academia, como também peloscinco anos de vida de tão importante entidade dearte e cultura, que houvera sobremaneira os foros decivilização da terra cacaueira.

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PATRONOS E OCUPANTES DAS 40CADEIRAS DA ACADEMIA DELETRAS DE ILHÉUS

Diário da Tarde,02.12.1965. Pág. 2

A Academia de Letras de Ilhéus, que tem comopresidente o poeta Abel Pereira, funciona provisoria-mente no edifício da Associação Comercial desta ci-dade, tendo a sua secretaria instalada à rua Viscondede Ouro Preto, 45.

Os nomes dos acadêmicos e seus patronos sãoos seguintes:

PATRONOS OCUPANTES

Afonso Costa Carlos Marques MonteiroAfrânio Peixoto Francolino NetoAlmáquio Diniz Fernando DinizAnísio de Carvalho Wilde de Oliveira LimaAnísio Melhor Clarêncio BarachoAntônio Pessôa C. e Silva Leones da FonsecaArlindo Fragoso Flávio JarbasArthur de Sales Sosígenes CostaBernardino de Souza Adonias FilhoCarlos Chiachio Camilo Jesus LimaCarlos Ribeiro Washington Landulfo (vaga)Carneiro Ribeiro Nelson SchaunCastro Alves Jorge AmadoCiridião Durval Abel PereiraDomingos Guimarães Gileno AmadoEduardo Ramos Nilo Cardoso PintoEpaminondas B. de Castro Raimundo de Souza BritoFernando Caldas Joaquim Lopes FilhoFerreira da Câmara Eusínio lavigneFilinto Bastos Jorge FialhoFrancisco Borges Barros Paulo Cardoso PintoFrancisco Mangabeira João Mangabeira

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Gutemberg B. de Castro Ramiro Berbert de CastroJoão Florêncio Gomes Otávio MouraJoão B. Silva Campos Plínio AlmeidaJosé Bastos José Nunes de AquinoJosé de Sá Nunes Heitor DiasJunqueira Freire Jorge MedauarManoel Quirino dom Caetano Lima SantosMarquês de Paranaguá Leopoldo Campos MonteiroNapoleão Level Amilton Ignácio de CastroPethion de Vilar Flávio de PaulaRui Penalva Francisco Paula TeixeiraSá Oliveira Carlos Pereira FilhoSimões Filho Milton SantosTeodoro Sampaio Halil MedauarVasconcelos Queiroz Fernando Natan CoutinhoVirgílio de Lemos Nestor PassosVisconde Cairu José Cândido de C. FilhoXavier Marques Osvaldo Ramos

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FOI MESTRE DOS MAIS COMPETENTES

Diário da Tarde,13.08.68. Pág. 1

Causando profunda consternação nos meios so-ciais e educacionais ilheenses, faleceu ontem, de-pois do meio dia, o professor Nelson Schaun, educa-dor dos mais abalizados e pessoa das mais benquis-tas de nossa cidade. O professor Nelson Schaun veioa falecer em consequência de doença cardio vascular,do que já vinha sofrendo, tendo a sua morte ocorridono Hospital São José.

O ilustre extinto, deixou viúva a sra. Vanja MiguelSchaun e filhos Nicolau Schaun, estudante de Agro-nomia, Simone e Maria do Socorro, ambas professo-ras. O seu enterro será na manhã de hoje no cemité-rio local.

O professor Nelson Schaun faleceu aos 67 anosde idade, prestando relevantes serviços à nossa terrano setor educacional como mestre de Português e Ma-temática que foi dos mais competentes.

Por coincidência vai publicado na edição de hojeum artigo do professor Nelson Schaun, que recebe-mos precisamente no dia em que o autor sofreu acrise de que veio ontem a sucumbir.

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ÚLTIMO ADEUS AOPROFESSOR NELSON SCHAUN

Diário da Tarde,14.08.1968 Pág. 4

Com grande acompanhamento que reuniu pessoasde todas as classes sociais ilheenses, foi sepultadoontem no cemitério da Vitória, cerca de meio dia,após encomendação do corpo na catedral de São Jor-ge, o professor Nelson Schaun, figura das mais ben-quistas e com grande folha de bons serviços prestadosà causa da educação em nossa terra, como mestre dosmais ilustres e eficientes.

À beira do túmulo falaram o sr. Rubens Correa eo professor Plínio de Almeida, presidente da Acade-mia de Letras de Ilhéus, de onde o extinto era mem-bro dos mais destacados pela sua inteligência e cul-tura, ressaltando-lhe os méritos e as qualidades, quefaziam do mestre um devotado à causa da educação eum cidadão útil a Ilhéus.

A sua morte causou profunda consternação nosmeios sociais e educacionais de Ilhéus, tendo váriosestabelecimentos de ensino suspenso suas aulas emrespeito à sua memória.

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POSSE NA ACADEMIA: SETEMBRO

Diário da Tarde,14.08.1968

Segundo informações prestadas pelos acadêmi-cos Plínio de Almeida e Francolino Neto, presidentee secretário geral eleitos, a posse da nova diretoriada Academia de Letras de Ilhéus está definitivamen-te marcada para o dia 10 de setembro, Dia da Im-prensa, quando será prestada homenagem de sauda-de ao acadêmico Nelson Schaun e tomará posse oacadêmico eleito, professor Dorival de Freitas.

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DESPEDIDA

João Alfredo Amorim de Almeida

Diário da Tarde,21.08.1968 Pág. 2.

O velho mestre não pertence mais a este mundo.O antigo professor já não priva mais conosco. Perdemo-lo para sempre. E com ele se foi manancial insuperá-vel de conhecimentos; uma avalanche de sabedoria;uma verdadeira cachoeira de erudição a serviço damocidade e cultura ilheenses e dos grandes destinosda nossa terra.

Do velho mestre, na sua simplicidade e até mes-mo na sua introversão bem compreendida pelos seusamigos mais chegados, emanava a preocupação pelodestino das terras de São Jorge dos Ilhéus. Porémmuitas vezes ele fugia da condição imposta pela suasaúde para uma ligeira palestra com amigos pelas ruasda cidade, expondo o seu estoicismo ardoroso, la-mentando tristemente o retrocesso político-adminis-trativo e sócio-econômico espelhados a todo instan-te e a olhos vistos das coisas de Ilhéus.

Preocupava-se assim, o meu antigo mestre, oprofessor da minha primeira infância, na antiga ruado Sapo, de todos os aspectos fundamentais atinentesao processo de desenvolvimento não só de Ilhéus masde toda uma região riquíssima. E hoje me lembro quan-do em companhia de Halil, no seu leito de dor, hátempos passados, eu lhe apresentava um estatuto deuma nova sociedade a ser criada em Ilhéus, compos-ta de jovens desejosos intransigentes do crescimen-

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to da nossa terra, quer vertical quer horizontalmenteabrangendo os vários setores de produção. E o velhomestre, lendo de relance o meu trabalho, com a suaalta sabedoria e rapidez de julgamento, dizia-me:“Muito bem, porém xenófobo. Tome cuidado com es-tas coisas porque a sensibilidade humana pode pre-judicar o seu idealismo”.

E realmente ele estava certo. Por mais que quei-ramos explodir o nosso afeto de amor à terra em quenascemos é preciso sermos estóicos. A humanidade,pela sua condição heterogênea, caracteriza-se real-mente em certas ocasiões dentro daquela expressãodo dramaturgo Plauto: - Homo homini lupus.

Leio o seu artigo, justamente no dia de sua mor-te, quando ele havia reiniciado as suas lidesjornalísticas, após um afastamento de muitos anos.Apenas poucos trabalhos preciosos foram publicadosnessa nova fase de atividade literária. Havia lhe dadoos meus parabéns dias antes, porque estávamos ansi-osos pela leitura de suas preciosas letras. A mocida-de de hoje irá encontrar nos seus trabalhos algo deacalentador e estimulante.

Perdemo-lo, é bem verdade, e perdemo-lo comuma despedida das mais preciosas de Ilhéus.

“Como explicar o atraso de Ilhéus?”. Eis o seuúltimo artigo, o qual em outra oportunidade o mes-tre prometia “tentar discernir através de próximasconsiderações”. Não poderá fazê-lo jamais, entretan-to, deixou para os ilheenses e aqueloutros que aquimourejam a grande pergunta. Que cada um de nós,examinemos, nos estudemos, nos critiquemos para,em conjunto, em algum dia próximo, darmos a res-posta ao querido professor e em seguida marcharmospara as nossas grandes conquistas como homenagem

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post mortem àquele que na sua simplicidade, foi umautêntico idealista, ótimo conselheiro e finalmenteum bom amigo. Amigo de verdade.

Meu caro e saudoso professor Nelson Schaun.Guardaremos com carinho o seu último trabalho. Eleservirá para a posteridade. Jovens e velhos abrirãouma nova etapa. Ilhéus tomará outros rumos. Novasperspectivas se abrirão diante de nós.

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ELE ERA UM HOMEM BOM

Antonio A. Peres

Diário da Tarde,22.08.1968 Pág. 2.

Naquela tarde de junho de 1923, quando já iacaindo a noite, atracando no cais das docas de Sal-vador o navio Iris - eu era um dos passageiros. Vinhapara Ilhéus, queria enfrentar a vida em uma terra dericos. Uma turma de rapazes no tombadilho do barcocontava anedotas, pilheriava e discutia política; eraum bando alegre contagiando todos com aquela ale-gria que sabem ter os jovens. Um apito rompeu osilêncio da noitinha. Lenços acenavam para bordo eos de bordo acenavam para terra; era o adeus de quemvai e a saudade de quem fica. As gorras e pesadascorrentes largaram-se do cais e o monstro de ferrofoi se distanciando de terra, as luzes da cidade iamficando para trás e uma onda de espumas nascia dapoderosa hélice do navio.

Entre aquela turma alegre um jovem polido, olharpenetrante, testa ampla e a conversa de uma inteli-gência transparente meteu as mãos no bolso e sacouvárias moedas de cobre que na época circulavam naterra de Thomé de Souza.

Os tempos rolaram, fui para o interior, somentetempos depois reencontrei o moço e fiquei sabendoo seu nome: Nelson Schaun.

Tornamo-nos conhecidos, tornei-me seu amigo eadmirador. Nas minhas vindas de Pirangi, isto naque-la época, sempre o procurava para conversarmos; sentia

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na sua palavra fluente, como ele era idealista e an-tes de tudo humano.

Amava Ilhéus e certa vez me disse que aqui eraa cidade melhor do mundo. Professor, macejador danossa língua com uma robusta felicidade e conheci-mento, para cada frase tinha um termo adequado ebelo. Podemos dizer que foi educador de gerações ecresceu na estima de muitos. Jornalista sereno, coe-rente com suas atitudes e respeitador dos seus ad-versários. Viveu na humildade do seu lar, porém, fe-liz ao lado de uma esposa dedicada. Nos maiores transesde sua vida se tornou grande na estima de todos queo conheceram e o admiraram. Agora ele passa para ooutro lado da vida, deixando na lembrança de todosa memória de um homem bom e de bem.

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NELSON SCHAUN – UMA SAUDADE

Paulo Sergio(Pseudônimo usado por Ariston Cardoso)

Diário da Tarde,26.08.1968 Pág. 2.

Dos homens que eu conheci posso considerá-loum puro. Puro, sem qualquer tolice, despido de todamaldade, e nobre. Nobre como poucos existem, igualna adversidade – que foi sua companheira inseparável,longos anos – o mesmo no pleno exercício de suavocação de professor, dos mais sérios, competentes eprobos. Probo ante tudo, medindo os homens peloque eles valiam realmente, sem lhes dar nem lhesretirar a feição valorosa ou a caricatura inexpressiva,valor pelo valor mesmo, negação por medida exata.

Exata foi a medida de todos os seus dias deemérito professor de português, íntimo da língua,freqüentador de seus segredos, recebido sempre bemnum convívio que o enobrece, último dos grandesmestres ilheenses duma geração. Geração que teveque optar entre a mudança violenta das instituiçõescarcomidas e a aceitação dos novos dias que a demo-cracia oferece como um desafio. Desafio dos mais sériosque a muitos perturba e a todos é uma oferta. Ofertade dias tranquilos, que não podem sobrevir enquantopoucos tudo desfrutem e a imensa maioria nada pos-sua, deserdada pelos séculos em fora, desprotegida esó, gemido imenso que se não quer escutar, inquie-tador, contudo, até para os que são felizes, desas-sossegados na sua grandeza. Grandeza, posso afirmá-

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lo, foi a tônica da vida do mestre pranteado.Pranteado não porque a sua fosse a grandeza

comum que vem do status social, da posição econô-mica ou política, a tola grandeza dos vaidosos. Vai-dosos duma vaidade vazia. Vazia por si e em si, pormais que se queira grande. Grande era a grandeza dovelho professor, igual no tempo que a simplicidadesempre revestiu sem um gesto de inferioridade nummundo de tantos inferiores, sem uma atitude mes-quinha, ante tanta mesquinhez. Mesquinhez de quempodia ser nobre, justo e sereno. Sereno, para que omundo fosse menos agressivo. Agressivo e injusto comonão convém ao ser humano. Humano que grita porhumanidade. Humanidade que se procura, que se de-seja, que se anseia e parece perdida.

Perdida para muitos não para o velho mestredesaparecido, que nela sempre acreditou, sofredor quejamais se maldisse, lutador que não esmoreceu, fiela si mesmo, puro e nobre. Nobre como poucos o po-dem ser, puro sem pretensões, porque era inteligentedemais para ser igual à maioria dos homens com queconviveu, dos quais sorriu e não maldisse.

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NELSON SCHAUN

Eusínio Lavigne

Diário da Tarde,31.08.1968 Pág. 2.

Foi com profundo pesar que recebemos a notíciada morte do professor Nelson Schaun, um dos maisesclarecidos intelectuais de Ilhéus, em todos os tem-pos. Ao lado das suas excelentes virtudes morais – bomfilho, bom esposo, bom pai, bom amigo e homem ho-nesto e de caráter – avultava a sua visão exata dosfenômenos sociais e, pois, uma inteligência penetran-te. Era um escritor correto. Não é o elogio de amigoque aqui fazemos. É a verdade dos fatos. Basta leia-mos os seus últimos artigos, neste querido e tão lidoDiário da Tarde: Inquietação da Juventude e Como ex-plicar o atraso de Ilhéus, pelos quais se sente que Nel-son Schaun era um sociólogo, era um humanista, cha-mejado pelo espírito do progresso.

E foi isso na luta pelo ideal, sofrendo até pri-sões e mal compreendido, que o levou ao abalo dasaúde, de cujas conseqüências veio a falecer aindarelativamente moço.

Seu gosto pela educação – a chave dos problemasespirituais – fê-lo dedicar-se ao ensino, depois de anosatrás ter sido militante jornalista na imprensa de Ilhéus.E foi, ainda, para comprovação do nosso asserto umdos ardorosos fundadores da Academia de Letras deIlhéus, para o funcionamento da qual, em falta de sedeprópria (que precisamos disso cuidar), concedera umasala de sua residência.

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Sugerimos, pois, que um ilheense desse porte, detão elevado e profícuo espírito público, se preste, alémde outras a que faz jus, a homenagem da mudança donome da rua onde ele morava de Visconde de OuroPreto, para Nelson Schaun – até porque, na nomencla-tura das ruas devemos dar preferência aos cidadãosque prestaram serviços de suma importância à terraonde viveram. E o nome de “Visconde de Ouro Preto”não foi dado porque tivesse sido ministro do Império,senão teríamos de homenagear, analogamente, todosos demais ministros, mas por motivos de partidarismolocal, que aquele político estadista prestigiou comoutros nomes, pelos mesmos motivos injustificáveis,constam em ruas de Ilhéus. A nomenclatura das ruasnão deve ter origem puramente pessoal, mas educativaou de pessoas que valeram pelos seus grandes sacrifí-cios e serviços à ciência, à Pátria ou à cidade natal,ou de datas históricas que relembrem esses mesmossacrifícios e serviços.

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A PRESENÇA DO PROFESSORNELSON NA ACADEMIA

Francolino Neto

Diário da Tarde,04.09.1968 Pág. 4.

Está bem viva na memória de todos os compo-nentes do quadro da Academia de Letras de Ilhéus, otrabalho desenvolvido por Nelson Schaun, eleito desdeos primeiros momentos, secretário daquele sodalício.

Exercendo tal função, o fez dentro de um critériode seriedade e amplitude tais que as outras tarefasdiretivas, inclusive a de presidente, passou a sofrer ainfluência de sua personalidade. Nelson, portanto, exer-ceu em todos os acadêmicos, atuantes ou não, açãodecisiva e norteadora no que concerne aos propósitosgeradores daquela casa.

Embora conhecesse Nelson Schaun fazendo jornalde debate ideológico nos começos da década de 50,orientando as massas obreiras e combatendo as injus-tiças sociais, condição que o tornava gigante einvencível, passei depois a conhecê-lo mais de perto,quase que na intimidade, vendo, daí sua singular eapaixonada vocação para o magistério, sobrepujandotudo. Era inconfundível.

Professor de Português, tendo sua cultura for-mada no tradicional estudo das letras, vivendo numafase, como a atual, de mudanças constantes de ori-entação pedagógica e inovação metodológica, Nel-son Schaun sempre soube integrar-se no processo dedesenvolvimento da Língua Portuguesa, acompanhan-

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do, atento, o debate havido entre gramáticos, filólogose lingüistas.

Em várias e inesquecíveis ocasiões, discuti comele os pontos da temática saussuriana, tendo em vis-ta as mudanças fonéticas, mórficas, semânticas eléxicas do processo diacrônico, vendo, também, oencadeamento dos fatos da língua num dado momen-to histórico, preso às correlações e oposições. E, aoinvés de encontrar nele, um professor bitolado e cheiode argumentos comuns aos gramatiqueiros, NelsonSchaun sobrepunha-se como um professor evoluído econhecedor profundo da Língua Portuguesa.

Não só na vida da gente, mas, sobretudo, na dascomunidades, vêem-se os ideais identificados no com-portamento das pessoas que as constituem. Uns sãofrágeis, vaporizam ante os primeiros sopros dos ven-davais. São falsos. Outros ideais, sinceros e puros,suportam todos os choques e partem irredutíveis paraa eternidade das realizações. São úteis. A utilidadede Nelson Schaun foi tanta, que ele será, sempre, afigura representativa do ideal da Academia de Letrasde Ilhéus, e, como seu secretário geral perpétuo, vi-verá nas nossas lembranças, professorando entre osseus confrades.

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PROFESSOR NELSON SCHAUN

Edgar Souza

Diário da Tarde,05.09.1968 Pág. 3. Notas Sociais

Ele foi em vida um bom e arauto da imprensa,Um arauto por fim, em todos os sentidos;O seu estro plasmava em bem da causa imensa,Do sofrimento atroz dos povos exauridos.

Quando em horas de paz chegavam aosteus ouvidos,Os lamentos do povo, em ais, em desavença;Esses ecos então, esses roucos gemidos,Te causavam tristeza e tamanha descrença...

De vir um dia feliz todo o povo da terraQue este mundo constrói, num labor incessante;E por que tanto mal, por esta esfera erra...?

Que o teu gênio de luz imortal, retumbante,De excelso professor, de alto cabo de guerra.Clame a Deus pela paz do mundo trepidante!

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VOCÊ ESTÁ VIVO, NELSON

Ton Lavigne

Diário da Tarde,11.09.1968 Pág. 3. Notas Sociais

Nelson SchaunVocê morreu.Seu corpo sem vida,Levamos para a Vitória.Lá carinhosamente o guardamos.

Mas este acontecimento de dor,Nelson,Não foi uma vitóriaDa Morte sobre a Vida!

Você não morreu, Nelson.Você está vivo:

vivo na chama do seu amorque arde no peito puro de Vanja,sua companheira;vivo porque permanece vivaa sua carne, na verdadeiracontinuação da Vida emNicolau, Simone e Socorrinho;Vivo, você Nelson, noSeu inteiro e puroIdeal de Justiça.

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Você não morreu, Nelson.Não

Você está vivoNa luz e no vento.

O pensamento claroDa claridade da luz

sem segredo.

O espírito livreNa liberdade do ventoNo musicar dos eucaliptos

em embalode folhas perfumadasque dão sombra generosaao túmulo branco

onde repousa seu sofridocorpo

e onde humildea Natureza ante a Inteligência

se ajoelha e derramalágrimas de dor em orvalho.

Você está vivo, Nelson.

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NELSON SCHAUN

Diário da Tarde,12.09.1968. Nota

Foi apresentado um projeto de resolução deno-minando de prof. Nelson Schaun à atual rua Viscondede Ouro Preto, nesta cidade. Autor: João Alfredo que,em outro requerimento, solicita ao governo do Esta-do que não mais permita a saída, de Ilhéus, de ór-gãos estaduais, aqui sediados.

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Nelson e Vanja ficaram escondidos neste local entre 1940 e 1945.

PARA VANJA NÃO LER

Durval Cardoso

Diário da Tarde,19.09.1968 Pág. 2.

Muito antes de Cristo, na velha Grécia, berço deuma das civilizações mais ricas do pensamento huma-no, Solon já reconhecia que as leis eram como teiasde aranha, onde só aos pequenos ela segurava, poisos grandes sempre encontravam jeito de rompê-las.Infelizmente os milênios de civilização não fizeramarrefecer o tão velho conceito, ao contrário, cada vezmais ele se afirma. Tristes histórias que se repetem namarcha inexorável do tempo.

Entre tantos, relembro a do jovem professor, emperegrinações constantes com a sua Vanja, pelo he-diondo crime de pedir mais amor aos desprotegidosda sorte. Com que estoicismo cumpriram o degredona pequena palhoça de beira no chão, em meio à matavirgem, caçados como almas espúrias, tendo apenascomo elo humano,um braço amigo queos alimentava e decujo segredo depen-dia a liberdade deambos, se isso era li-berdade.

Com que com-paixão o jovem es-poso sentia os arre-pios de terror da sua

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companheira ao cair mais brusco de uma folha ou aobater mais violento das asas de uma tururim arisca.Que noites longas, onde só o cri-cri dos grilos e ocoaxar dos sapos feriam o silêncio, intercalado nãoraro pelo gargalhar de uma coruja.

Unidos, contra a incompreensão humana, quantasvezes se julgaram felizes, mesmo molhados e tiritantesde frio depois de uma noite invernosa, ao saudaremauroras, sempre bem vindas, assistindo as pequenasrendeiras saltitantes de rama iniciarem a sua fainacanora, assim como ao sabiá, que bom cantador eleera, entoar seu mavioso canto, como um constante“boas vindas”, àqueles novos companheiros. Ao mes-tre, o silêncio, a prisão, o desejo incontido de cerce-ar a liberdade, no aviltamento cívico de uma socie-dade carcomida, às avezinhas a imensidão dofirmamento para voarem sem rumos, a comida farta,a água cantante das ribeiras encachoeiradas, o cantolivre nas madrugadas ou a seresta vadia nas noitesenluaradas, num ensinamento da mãe Natureza, queos homens não querem aprender.

Recordações tristes, bem sabemos, Vanja, maselas traduzem toda expressão de amor de duas almas,contra as injustiças do mundo. É o cabedal que lheresta, da riqueza imensa distribuída por Nelson, amancheias à mocidade da sua terra. Como esperança,os seus exemplos hão de servir à nossa juventude,para que num amanhã bem próximo os “cães não la-drem mais nem as caravanas circulem nos salões”evitando a cólera do Senhor dos Mundos para quenão haja novas Sodomas e novas Gomorras.

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NELSON SCHAUN

Clarêncio Baracho

Diário da Tarde,28.10.1968 Pág. 3. Notas Sociais

Baixa o silêncio...Venho com o olhar dilaceradoNa dor que é o dilema da saudadePairando onde os teus olhos vão fulgindoÀ luz da eternidade.Não trago flores, chego sufocadoNas lágrimas que espargiram pelos ermos...Trago-te o embalsamamentoDas assembléias místicas de crentes.Revejo aqueles passos taciturnos,Sob o teu peso imortal da enciclopédia.Além, a mocidade pressurosa,Sugando o mel que brota dos teus lábiosSigo teus passos, chego à tua porta,Os róseos canteiros perpetuamA tua imagem heroicamente simplesPontificando sobre um mar de escolhos.A tua casa, ó paladino augusto,Lembra o fastígio de uma Academia!

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À BEIRA DO TÚMULO DOPROFESSOR NELSON SCHAUN*

Rubens Correia

Diário de Itabuna,11.01.1969 Pág. 3.

No alto da Vitória – cemitério local: - saudosomestre Nelson Schaun, dizem que, “ninguém éinsubstituível neste confuso planeta”. Todavia, o dr.João Batista Soares Lopes – na medicina ou assistên-cia social; coronel Manoel Misael da Silva Tavares – nosetor econômico, industrial e urbano; coronel AvelinoFernandes da Silva – na liderança da lavoura; coronelAntônio Pessôa da Costa e Silva – na política; o agri-cultor José Ninck – na valentia; aquele “Perigo”- nafiscalização sanitária; dr. Eusínio Lavigne – na admi-nistração municipal e o coronel Arquimedes Farias –no termo policial, ainda não foram substituídos nestacidade!

Eu gostaria de perguntar a esta multidão queacaba de acompanhar os derradeiros passos destegrande homem: quem irá substituir o professor Nel-son Schaun no ensino de Ilhéus?

Beneméritos de fato

Querido mestre: aproveitando o que aprendi comvocê – durante aquelas setenta e cinco aulas, estouescrevendo – Coisas e Fatos de Ilhéus. No terceirocapítulo deste meu modesto volume, você já está re-

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* Prof. Nelson Schaun, após 67 anos de idade e 45 de ensino, deixouuma lacuna nos meios culturais de Ilhéus.

gistrado como um dos seus beneméritos de fato, en-tre nós – ilheenses. E no décimo quarto capítulo domencionado livro, em marcha, você, na qualidade depolítico idealista, é o maior sofredor em toda estaregião do cacau.

Inesquecível orientador Nelson Schaun, a nossaeterna saudade.

Causando emoção e surpresa nos ouvintes, en-contra-se nos tópicos acima, o nosso ligeiro discursode improviso naquela sombria manhã de 12 de agos-to de 1968, à beira do túmulo do professor NelsonSchaun.

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A ACADEMIA DE LETRAS DE ILHÉUS

Ilhéus Jornal,05.12.1976, pág. 05 e 06

Entrevista com o acadêmico Francolino Neto

IJ - De quando data a fundação da Academia de Le-tras de Ilhéus?

FN - 14 de março de 1959

IJ - Quem foi o seu idealizador e quem deu execuçãoà idéia?

FN - O poeta Abel Pereira, que, juntamente, com oprofessor Nelson Schaun, deram início à execu-ção da idéia, tendo logo após, a adesão de domCaetano Antônio Lima dos Santos, então, bispode Ilhéus, do professor Osvaldo Ramos, do jor-nalista Octávio Moura, dos poetas Plínio deAlmeida e Clarêncio Baracho e eu.

IJ – Quais os patronos das cadeiras da Academia e osseus primeiros ocupantes?

FN – PATRONOS OCUPANTES

Cadeira no. 1Afonso Costa Carlos Monteiro (vaga)

Cadeira no. 2Afrânio Peixoto Francolino Neto

Cadeira no. 3Almáquio Dias Fernando Diniz

Cadeira no. 4Aloisio de Carvalho (Lulu Parola) Wilde de Oliveira Lima

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Cadeira no. 5Anísio Melhor Clarêncio Baracho

Cadeira no. 6Antônio Pessôa da Costa e Silva Leones da Fonseca (vaga)

Cadeira no. 7Arlindo Fragoso Flávio Jarbas (vaga)

Cadeira no. 8Artur Sales Sosígenes Costa (vaga)

Cadeira no. 9Bernardino de Souza Adonias Filho

Cadeira no. 10Carlos Chiachio Camilo de Jesus Lima(vaga)

Cadeira no. 11Carlos Ribeiro Washington Landulfo(vaga)

Cadeira no. 12Carneiro Ribeiro Nelson Schaun(vaga)

Cadeira no. 13Castro Alves Jorge Amado

Cadeira no. 14

Ciridião Durval Abel Pereira (1º Presidente)

Cadeira no. 15Domingos Guimarães Gileno Amado

Cadeira no. 16Eduardo Ramos Nilo Cardoso Pinto(vaga)

Cadeira no. 17Epaminondas Berbert de Castro Raimundo Brito

Cadeira no. 18Fernando Caldas Joaquim Lopes Filho(vaga)

Cadeira no. 19Ferreira Câmara Eusínio Lavigne(vaga)

Cadeira no. 20Filinto Bastos Jorge Fialho

Cadeira no. 21Francisco Borges Barros Paulo Cardoso Pinto

Cadeira no. 22Francisco Mangabeira João Mangabeira(vaga)

Cadeira no. 23Gutemberg Berbert de Castro Ramiro B. de Castro (vaga)

Cadeira no. 24João Florêncio Gomes Octávio Moura

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Cadeira no. 25João da Silva Campos Plínio de Almeida(vaga)

Cadeira no. 26José Bastos José Nunes de Aquino

Cadeira no. 27José de Sá Nunes Heitor Dias

Cadeira no. 28Junqueira Freire Originariamente sem ocupantes

Cadeira no. 29Manuel Quirino d. Caetano Antônio L. dos Santos

Cadeira no. 30Marquês de Paranaguá Leopoldo Campos Monteiro

Cadeira no. 31Napoleão Level Amilton Ignácio de Castro

Cadeira no. 32Pethion de Villar Flávio de Paula(vaga)

Cadeira no. 33Rui Penalva Francisco Paulo Teixeira

Cadeira no. 34Sá e Oliveira Carlos Pereira Filho

Cadeira no. 35Simões Filho Milton Santos

Cadeira no. 36Teodoro Sampaio Halil Medauar

Cadeira no. 37Vasconcelos de Queirós Natan Coutinho

Cadeira no. 38Virgílio de Lemos Nestor Passos

Cadeira no. 39Visconde de Cairu José Cândido de Carvalho Filho

Cadeira no. 40Xavier Marques Osvaldo Ramos

A relação supra citada refere-se aos MembrosEfetivos da Academia, os quais foram consideradosfundadores. Além desses, a Academia tem um Quadrode Membros Correspondentes.

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IJ - Em que época a A.L.I. foi mais atuante?

FN - Nos quatro primeiros anos, quando era seu pre-sidente o poeta Abel Pereira

IJ - A A.L.I. já publicou alguma obra dos seus mem-bros ou promoveu movimentos culturais?

FN - Publicação, não. Entretanto, promoveu váriosmovimentos culturais, salientando-se o 1o Festi-val de Escritores Regionais (1962) e um cursosobre Castro Alves (1971). Ministraram o referi-do curso os seguintes professores: Antônio Lou-reiro, da Universidade Federal da Bahia; HalilMedauar, da Faculdade de Direito de Ilhéus; Plíniode Almeida, na época, presidente da Academia;Raimundo de Almeida Gouveia, da UniversidadeFederal da Bahia; Nestor Passos, da Faculdadede Filosofia de Itabuna; Francolino Neto, da Fa-culdade de Direito de Ilhéus; e Adonias Filho,do Conselho Federal de Cultura.

IJ - Quais os acadêmicos falecidos?

FN - Carlos Monteiro, Leones Fonseca, Sosígenes Costa,Camilo de Jesus Lima, Washington Landulfo, Nel-son Schaun, Gileno Amado, Nilo Cardoso Pinto,Joaquim Lopes Filho, Eusínio Lavigne, JoãoMangabeira, Ramiro Berbert de Castro, Plínio deAlmeida e Flávio de Paula.

IJ - Quantas cadeiras estão vagas atualmente?

FN - Quinze cadeiras

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IJ - Quando ocorre o preenchimento das cadeirasvagas?

FN - Tão logo ocorra a publicação de Editais, na for-ma de regimento da A.L.I., ensejando inscriçõesde candidatos e, a seguir, a eleição regimental.

IJ - A A.L.I. recebe algum auxílio dos órgãos gover-namentais?

FN - Atualmente não.

IJ - Que planos tem, atualmente, a A.L.I. no sentidode renovação e revitalização?

FN - Primeiramente, a recomposição; a seguir, refor-ma do regimento. Neste particular, há uma gran-de corrente que espera com a reforma, admitir amulher como membro efetivo da A.L.I., à formaadotada pela Academia de Letras da Bahia. É queo modelo usado por ocasião da fundação da A.L.I.foi o da Academia Brasileira de Letras, que, atéhoje mantém impedimento para o ingresso damulher como acadêmica.

IJ - Quem, no momento, é o presidente da Academiade Letras de Ilhéus, e até quando vai o manda-to?

FN - O professor Amilton Ignácio de Castro, cujo man-dato irá até o dia 14 de março de 1977. Peloregimento da A.L.I., em homenagem a CastroAlves, a 14 de março de cada ano, os trabalhosda A.L.I. têm início; e justamente nesta data,

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bienalmente, ocorrerá eleição para a diretoria.Também, em homenagem a Ruy Barbosa, a A.L.I.encerra, anualmente, seus trabalhos no dia 5 denovembro. A última eleição ocorreu, extraordi-nariamente, no dia 17 de dezembro de 1975,quando, por seu turno, a A.L.I., empossou seusnovos membros, dentre os quais o poeta TelmoPadilha.

IJ - Algum ou alguns acadêmicos efetivos deixaramde tomar posse?

FN - Pouquíssimos. Lembro-me apenas do professor eescritor Milton Santos, por se encontrar ausentedo país.

IJ - Jorge Amado também tomou posse?

FN - Sim, inclusive assinou a ficha de acadêmico.

IJ - A A.L.I. pretende realizar, ainda este ano, al-gum curso?

FN - Transcorrente este ano o centenário de nasci-mento de Afrânio Peixoto, patrono da cadeiranúmero 2 da A.L.I., pretendemos realizar um cursoa respeito do festejado escritor, à maneira comoa Academia fez sobre Castro Alves.

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O PARTIDO COMUNISTA QUE EU CONHECIPCB e Governo caminham para o interior

João Falcão*

“(...)O prefeito Mário Pessoa e a populaçãoilheense receberam em festas o governador e sua co-mitiva. Notava-se um grande regozijo na cidade, oca-sionado por presenças tão ilustres: o presidente daCorte de Apelação, o prefeito de Salvador, engo. DurvalNeves da Rocha, os secretários da Agricultura e deViação e Obras Públicas, o presidente da AssociaçãoComercial da Bahia, homens de negócios, jornalistas,etc. Mas, em meio a tudo isso - reuniões, audiênciase festanças -, eu aproveitava o tempo para realizar aminha tarefa. De acordo com a credencial recebida,meu primeiro contato seria com um combativo diri-gente comunista, o professor Nelson Schaun, que nãoteria dificuldades em me identificar, pois era corres-pondente de Seiva. Ele, porém, encontrava-se foragi-do. Aconselhado por amigos a fugir para não ser pre-so, embrenhou-se pelas matas do sul baiano, à pro-cura de abrigo e segurança. O segundo contato seriacom o motorista Bernardirno de tal, que me recebeucauteloso e reticente. Apresentei-lhe a credencial paraSchaun. Negro, baixo, forte, aparentava 45 anos eestava fardado de branco. Por incrível coincidência,era o chofer do prefeito. Ele, a princípio, fez-se dedesentendido, mas chegamos a um clima de confian-ça, e a conversa fluiu. O companheiro Nelson Schaunrealizara um bom trabalho, e ainda existia uma célu-la na cidade. Pedi a Bernardino que organizasse uma

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* FALCÃO, João. O Partido Comunista que eu conheci. Civilização Brasi-leira, Rio de Janeiro, 1988. P. 85.

reunião para que eu pudesse transmitir as diretivasdo Comitê Regional e restabelecer os meios de comu-nicação, interrompidos há muito tempo. Dois dias de-pois, à tarde, nos reunimos com mais quatro compa-nheiros. A casa situava-se num lugar paradisíaco, emmeio a uma praia e a um coqueiral imensos, perto deuma vila de pescadores. Aí chegamos numa pequenalancha, após a travessia de Ilhéus a Pontal, àquelaépoca um simples lugarejo. Minha intervenção, emnome do Comitê Regional, abrangeu desde a situaçãonacional e internacional, até a guerra imperialista.Informei-lhes, ainda, acerca da atuação do Partidoem Salvador e da luta pela liberdade do nosso líderPrestes, preso há mais de quatro anos e condenado àpena de 30. Um companheiro da região, talvez secre-tário da célula, nos colocou a par do trabalho alidesenvolvido e da situação do companheiro Schaun,que vinha recebendo assistência financeira, inclusi-ve de alguns amigos seus. Pedi que lhe transmitis-sem a tarefa de escrever, para a nossa revista, umartigo sobre a situação dos trabalhadores na zona docacau. A reunião não poderia se alongar, sob pena dechamar a atenção da vizinhança. (...)”

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NELSON DE FERRO E DE FLOR

Antônio Lopes

Jornal Agora,Itabuna, 3 de março de 2001

Um não identificado repentista nordestino, fa-lando de Gregório Bezerra, saiu-se com estes versos:“Mas existe nesta terra/Muito homem de valor/Que ébravo sem matar gente/E que luta em seu favor:/ComoGregório Bezerra/Feito de ferro e de flor”. O educa-dor ilheense Nelson Schaun (um autodidata que con-seguiu ser filólogo, sociólogo, jornalista, latinista eprofessor de português) também era feito de ferro ede flor. E tinha outros pontos comuns com o comu-nista pernambucano. Militante do PCB, tal qualGregório no Recife, Nelson foi arrastado pelas ruasde Ilhéus, tendo no comando da operação um certocoronel Arsênio Alves. Presos ambos, manietados,amarrados como se bichos ferozes fossem, humilha-dos, enxovalhados, exibidos como troféus, caças deduas ditaduras diferentes no tempo e iguais no com-portamento.

O Nelson-flor que eu conheci na rua do Sapo no.45 era filho da resistência, o caráter forjado na lutapolítica, homem que absorvera as iniqüidades e asexorcizara, não se permitindo cicatrizes perceptíveis,nele ou na família. Se as tinha, era no íntimo, paraconsumo doméstico. Jamais ouvi os Schaun comentaresse passado de sofrimento, quer fosse como vanglória,quer para tornar público oculto rosário de lamentações.Nelson Schaun não pousava de herói ou vítima, não

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transformava sua vida num romance sujo ou poema ba-rato, e sua família (à frente d. Vanja, esposa e compa-nheira de fugas e esconderijos) fazia o mesmo.

Ele apenas usava sua experiência para, balizadopor princípios humanistas, ler e traduzir o país que orodeava. E, é lógico, manter a capacidade de indig-nar-se com o que via. Tendo os pés e a cabeça no seutempo, passava a impressão de que o passado, im-portante como farol do presente e do futuro – nãofosse ele versado na dialética marxista – não é maté-ria-prima de choro nem vela. Quando conheci NelsonSchaun, eu era um tímido adolescente, incapaz delhe apreender a grandeza ou fazer esta interpreta-ção, que só me ocorre neste momento.

Não fui seu aluno, a não ser por via indireta. Nacasa da rua do Sapo, hoje Visconde de Ouro Preto,seu filho Nicolau, Hermano, Sandoval e eu, nos reu-níamos para estudar as matérias do currículo do Ins-tituto Municipal de Educação (IME), mas, principal-mente, coisas amplas e variadas, que incluíam nossadescoberta de Marx, Rosa Luxemburgo, Máximo Gorki,Trotsky, e por aí vai, além, naturalmente, de embalarsonhos e prescrever soluções para tirar o Brasil dabeira do abismo. Havia no quintal, se bem me lem-bro, uma mangueira, primeira e única sede dessa con-fraria dos quatro, que imaginávamos como uma coisafechada, uma espécie de maçonaria (o que digo?),que ganhou com rapidez a noite dos tempos e neladesapareceu. Parênteses, para dizer que debaixo dessamangueira dos Schaun, pouco antes, em 1959, nas-cera a Academia de Letras de Ilhéus. Note-se que ainstituição veio à luz sob evidente espírito de tole-rância, na casa de um comunista, abrigando o bispodiocesano, alguns integralistas e, naturalmente, os

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indefectíveis do tipo “nem contra nem a favor, muitopelo contrário”. Fecha parênteses.

Mas ninguém pense que o velho comunista ti-nha alguma influência nessa nossa leitura “perigo-sa”. É de justiça dizer que jamais presenciei de Nel-son Schaun qualquer ação de proselitismo, algumatentativa de nos influenciar no que líamos, no quefazíamos ou no que queríamos ser na vida. Com Nicolau,seu filho, o comportamento era o mesmo, até porqueele nos equiparava a todos, como se fôssemos tam-bém seus filhos. Nelson Schaun era um comunistaliberal, se é que posso ser entendido.

O sustento da família era tirado das aulas deportuguês e latim, que dava em sua casa, ao ar livre,sob a mangueira, cercado pelas flores de d. Vanja.Além de professor, era incorruptível fiscal da línguaportuguesa, sempre pronto a, com clareza e bonda-de, explicar os motivos de acentuar ou não uma pala-vra, trocar um termo por outro, suprimir uma redun-dância, melhorar um texto, aclarar uma sentença.

Além de ter copidescado (anonimamente) textospara O Renovador, jornalzinho do Grêmio Castro Alves(IME), que eu dirigi, concordou comigo que “plangen-te violão” encontrado num clássico da MPB, era umaimensa bobagem. Aquela aprovação do mestre, maisdo que me envaidecer, avalizou minha nascente ojerizaaos adjetivos.

Não era um comunista durão, ortodoxo, dos queexpelem seriedade burguesa pelos poros. Nunca o vicomer uma criancinha sequer, em qualquer das trêsrefeições. Ao contrário, era um Nelson simples, aber-to, bem humorado, de bem com a vida, chegado auma cerveja, capaz de dar boas risadas, se a piadavalesse a pena. Uma de suas leituras habituais era o

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jornal Última Hora e, nele, a coluna de Stanislaw PontePreta. Tinha ele 62 anos quando o conheci e aindaera dono de raciocínio vivo e rápido. Num certo do-mingo, à porta da casa, filosofava sobre a vida e amorte com um motorista de táxi e, a certa altura,este lhe perguntou:

Professor, qual é o nome daquelas mulheres quechoram...

Carpideiras! – Ele respondeu de chofre, deixandopálido de espanto o pobre homem, que, antes de serecuperar do susto e cair na risada, esteve a ponto dedesembestar rua do Sapo afora, tão inusitada lhe pa-receu, não a resposta, mas a compreensão da pergun-ta. Mais tarde, no almoço com d. Vanja, Nicolau, Si-mone, Socorro e Sônia (e eu), o assunto foi muito co-mentado, com o “velho”, entre um e outro copo decerveja, se divertindo muito com a impressão que cau-sara àquele homem, para quem, dali em diante, Nel-son Schaun não só era um “porreta” em língua portu-guesa, mas também uma espécie de bruxo, capaz deler e ouvir pensamentos. E do que sabe este escribaoutonal para dizer que o motorista não estava cer-to?...

Este é o Nelson que guardo (mais no peito es-querdo do que na cabeça), com base em cortes e tra-ços de uma já pouco confiável memória. Única certe-za certa: me orgulho de, mesmo que não compreen-desse o significado do momento, ter convivido comum dos homens mais dignos, incorruptíveis, sofridos,honrados e lúcidos que Ilhéus conheceu: NelsonSchaun, um que era feito de ferro e de flor.

Antonio Schaun, Nelson, desconhecido e João Schaun (Salvador, 1930)

Com familiares no Campo Grande (Salvador, 1930)

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EDUCAÇÃO E IDEAL

Abel Pereira*

Rio de Janeiro,outubro de 1997

Conheci Nelson Schaun lá pelos idos de 1923.Eu morava numa localidadezinha próxima a Ilhéus, eele foi lá a serviço do Correio de Ilhéus, do qual eraredator-chefe. Desde esta época, eu já andava que-rendo ser poeta e mostrei-lhe um soneto meu. Tem-pos depois, já em Ilhéus e colaborando com poesiase artigos para jornais, passamos a ser amigos. Ambosfazíamos parte do Grêmio Olavo Bilac. E esta amiza-de durou ao longo de quase 30 anos, até minha idapara Porto Alegre, onde morei dois anos, de onde saípara morar, definitivamente, no Rio de Janeiro.

Nelson era uma pessoa extraordinária, um gran-de caráter e uma inteligência privilegiada. Era umidealista e um lutador em prol da Educação. Foi elequem instituiu a campanha ABC, demonstrando aopovo humilde a necessidade de aprender a ler. Paraensinar alguém, Nelson nem queria saber se ela po-deria pagar-lhe ou não. Ele se dedicava ao ensinocom toda a sua integridade.

Era um homem profundamente ligado ao estudo,um autodidata de alto nível. Na Campanha do ABC,era incansável nos comícios em praça pública, incen-tivando o povo a estudar. Era combativo. Mas se filiouao PC. E isto foi a sua ruína, econômica e social.

Minha vivência com Nelson Schaun mantinha-seem plano mais agradável, literário e intelectual, in-

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tegrantes que éramos do Grêmio Olavo Bilac e fun-dadores da Academia de Letras de Ilhéus. Tenho re-cordações do tempo em que José do Patrocínio Fi-lho – o mirabolante Zeca Patrocínio – chegou à Ilhéuspara realizar um série de conferências. Que orador!Corria o ano de 1926, depois do trabalho íamos parao bar Vesúvio. O Nelson Schaun chegava, junto comamigos e intelectuais, para fazermos uma roda emvolta do Zeca Patrocínio. Nós acreditávamos em tudoque ele dizia.

Nelson Schaun saía cedo destas rodas. Como eutambém. Tínhamos trabalho no dia seguinte. Nelsonera professor de inúmeros colégios. Lembro que foimestre do colégio da Piedade. E graças ao depoimen-to de uma freira – madre Maria Thaís – foi solto, cer-ta vez, em uma das prisões injustas a que o submete-ram. Questionada, pelos fanáticos, se Nelson Schaunandava pregando idéias absurdas no colégio da Pie-dade, madre Thaís respondeu, duramente:

“-Disto não sei. O que eu sei é que Nelson Schauné um excelente professor e está fazendo falta à Edu-cação deste país”.

Com este depoimento, Nelson foi posto em li-berdade. Nelson Schaun foi injustamente perseguidopelas suas idéias. Era um homem extraordinário egeneroso. Infelizmente, não deixou nenhuma obra. Etinha condições de realizar um grande trabalho, so-bretudo no campo da Educação. Mas o tempo quepassou foragido atrapalhou-lhe a vida e os estudos.Nelson foi vítima de seu próprio ideal. Pelo ideal,sacrificou-se, sacrificou a família e o seu próprio fu-turo. Deixou tudo pelo ideal, viveu grande parte deseu tempo perseguido, foragido, na clandestinidade,longe da família. Digo isto porque, se ele não hou-

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* Abel Pereira foi criador e fundador da Academia de Letras de Ilhéus eseu primeiro presidente. É membro do Instituto Histórico da Bahia,Associação Brasileira de Imprensa, Sociedade de Homens de Letras doBrasil. Academia Maçônica de Letras (RJ) e Ordem dos Velhos Jorna-listas. É autor de Colheita (1957), Mármore Partido, Quando o OutonoVoltar..., Bahia nos meus haicais, Assim é o haicai e Poesia até Ontem.

vesse se prendido tão fortemente a um ideal, teriasido – e reconhecido, hoje – como um dos maioresprofessores de Língua Portuguesa que a Bahia jamaisteve.

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O PRAZER DE CONVIVER COM NELSON

Zezito Pena*

São Sebastião do Passé,08 de janeiro de 2001.

Lembrar de Nelson Schaun é lembrar dos meusverdes 20 anos. Eu morava em São Sebastião do Passée trabalhava como caixeiro de uma loja que recebiatodos os jornais de Salvador, começo da década de1930, até a década 1940. Eu era menino, de uns dezanos, e me habituei a ler os jornais que chegavam: OImparcial, A Tarde, o Diário de Notícias, O Estado daBahia, depois veio o Diário da Bahia, pelo menos sãoos de que me lembro.

Assim sabia as notícias da guerra e ouvia falardo Exército Vermelho, da Queda de Paris, de Luis CarlosPrestes, Agildo Barata Ribeiro... Isso começou a des-pertar a minha curiosidade e eu terminei me ligando,simpatizando com as idéias do Partido Comunista. Daí,fui morar em Catu, e em 45, aos quatorze anos deidade, fui para Salvador onde comecei a militar noPartido Comunista. Em 1949/1950, eu era da Juven-tude Comunista, já na ilegalidade. Nesta época, co-mecei a ir a Ilhéus.

Entretanto, através dos jornais O Momento e Tri-buna do Sul, que chegavam a Salvador, já admirava afigura do professor Nelson Schaun, - meu ídolo, alémde Luis Carlos Prestes e Agildo Barata. Quando eu fuia Ilhéus, pela primeira vez, foi uma alegria muitogrande conhecer Nelson, conviver com Nelson. Alémda sua firmeza ideológica, além de sua coragem fora

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do comum, Nelson era a cara legal do partido, (porquetinha o subterrâneo do partido e tinha a frente legal).Nelson sempre militou na frente legal e, por isso, eraquem recebia todas as pancadas do governo. Era quemescrevia os artigos e batia de frente com a repressão eera uma repressão violenta; Nelson foi preso muitasvezes. Toda vez que a Tribuna do Sul saía, Nelson iapreso, pois era o redator chefe do jornal.

Tive uma convivência muito grande com Nelsone tenho saudade desse tempo. Ele conseguia ser ummilitante duro, ativo, firme ideologicamente, mas eraum figura profundamente carinhosa. Isso me emocio-na! Porque existiam aqueles militantes duros, semsingeleza, sem delicadeza e Nelson tinha essas qua-lidades. Quando vi aquela famosa frase de Che Guevara:“Hay que endurecer-se, pero sin perder la ternurajamás...” Nelson era exatamente isso. E, às vezes,como era um homem muito querido, fora das frontei-ras do partido, a própria direção partidária não o va-lorizava, pois não era um homem do aparelho, elenunca aceitou ser do aparelho, perder as ligações coma comunidade, com o povo. Vivia normalmente e fre-qüentava as rodas intelectuais de Ilhéus.

Então esse tipo de militante não era valorizado,pela circunstância de não se adaptar à luta armada,à militância dentro do aparelho, pois o partido sevoltava para dento e iniciava ações, tentava ações,até de luta armada... mas sem nenhuma condiçãoobjetiva. E Nelson era isso, um militante ativo, umintelectual da maior qualidade, escrevia brilhante-mente, usava muita ironia e isso enraivecia as lide-ranças políticas. Num episódio da vinda da Virgem deFátima, aquela imagem portuguesa de Nossa Senhorade Fátima, a Ilhéus, houve uma passeata da comuni-

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dade religiosa de Ilhéus, que tinha uma tradição re-ligiosa muito grande. Várias faixas foram colocadasnas ruas e uma delas dizia assim: “Virgem de Fátimaficai conosco que é noite!” Nelson pegou esse gan-cho e escreveu um artigo muito duro, mas não nosentido de atacar a alguém, esta era outra qualidadeda interação de Nelson - ele não fazia ataques pes-soais, ele fazia artigos duros, mas sempre no terrenoideológico.

Essa postura impunha respeito. Então, publicouum artigo que dizia assim: É noite para os inimigosdo povo. E isto lhe custou mais um período na pri-são. Desta vez, usamos a amizade com umdesembargador para libertar Nelson. Sei também deseu valor como professor no sul da Bahia, sobretudoem Ilhéus, onde ele era uma figura respeitadíssima.Não só escrevia muito bem, mas como nós gostáva-mos de ouvir Nelson falar... Ele era, realmente, umafigura extraordinária na política, como professor, umser humano de primeiríssima grandeza... e, mesmono tempo do partido duro ideologicamente, daquelesectarismo violento, ele conseguia manter uma rela-ção muito boa com a comunidade de Ilhéus, sobretu-do com a comunidade intelectual.

Tem um outro episódio que também lhe custou aprisão. Na região tinha um coronel Arsênio Alves, eraa época da Guerra da Coréia, e o general MacArthurera o comandante dos exércitos americanos, sediadoslá no Sudeste da Ásia. O MacArthur declarou, umavez, que utilizava “estratégias”, “recursos estratégi-cos”, e o Arsênio, querendo imitar o general MacArthur,numa luta com os índios, em Corumbau, na região sulda Bahia, - onde a Polícia Militar precisou intervir...só que saiu um batalhão de Ilhéus, para combater os

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índios e uma outra força militar, de um outro local,sobre a qual ele não tinha conhecimento, foi tam-bém com a mesma finalidade - as duas guarnições sechocaram. No retorno, o Arsênio deu uma entrevistapara o jornal A Tarde dizendo: “Nós fizemos contatocom os inimigos, mas tivemos que fazer uma retiradaestratégica”, imitando os termos que o generalMacArthur utilizava. Então, Nelson escreveu: O ridí-culo MacArthur de Corumbau. Rapaz, o homem enlou-queceu! Aí, outra cadeia!

Como Nelson era uma figura respeitada, nuncafoi espancado. Ele costumava dizer: “Pelo menos merespeitam”. Desde 1935, Nelson foi preso muitas ve-zes. Numa das vezes, ficou por quatro anos e teveproblemas sérios de saúde. Nesta época, houve umretorno da democracia no Brasil, depois da ditaduraVargas, e Mangabeira foi o governador de 45 a 50. Oregime endureceu, depois de Régis Pacheco, por cau-sa de Laurindo Régis que era o secretário de segu-rança pública, mas existiam algumas figuras que elesnão mexiam por causa das próprias relações com osintelectuais, a repressão tinha mais cautela, pega-vam brutalmente, mas não torturavam.

Outros companheiros foram torturados, submeti-dos ao pau de arara. Mas Nelson, eles respeitavam muito,apesar de que, qualquer coisinha, cadeia, porque Nel-son nunca foi para a clandestinidade, eu o conhecisempre na frente legal do partido. Nelson era conside-rado a frente legal, pelo seu prestígio, por suas rela-ções pessoais e pelo seu valor intelectual como ho-mem de jornais, jornalista. Rompemos com o partidoem julho de 1957 e, nesse momento, saiu todo o co-mitê regional sul baiano, todos os componentes assi-naram um documento que foi publicado n’A Tarde. E

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* José Valdomiro Pena (23.02.1931) nasceu em São Sebastião do Passée aos 14 anos ingressou na UJC (União da Juventude Comunista).Sempre trabalhou no comércio, na iniciativa privada. De 1945 a 1949morou em Catu onde mantinha, com o irmão, uma empresa de ônibus.Em 1957, quando se desligou do PC, ingressou na área de Comunica-ção do IAPC. Militou no Movimento Trabalhista Renovador e em 1958filiou-se ao PTB de Ferrari. Depois do golpe de 64 filiou-se ao MDB.Em 1990, se aposentou do IAPC e voltou para São Sebastião do Passé,onde se elegeu deputado estadual pelo PSDB, em 1994. Em 1996, foieleito prefeito de São Sebastião pelo PMDB, sendo reeleito em 2000.

aquele texto foi cunhado por Nelson. Ali temos o esti-lo claro dele.

Nelson foi submetido a muitas restrições dentrodo partido nos 30 anos de estrada. Porque ele era umcara que postulava, na sua própria consciência ideo-lógica, a liberdade e a verdade como valores univer-sais, ele compreendia que só se constrói uma socie-dade socialista a partir da liberdade plena de opi-nião – e essa era a principal característica dele, seugrande valor está nisso. Tenho Agildo Barata e CarlosMariguella também como belos exemplos dentro dopartido, figuras humanas, populares... Agildo Barataesteve com bastante freqüência em Ilhéus, se fossevivo daria boas informações... Mariguella também foimuito na casa de Nelson. Estas visitas se davam pelaimportância do comitê regional sul baiano, pois ha-via o partido e os comitês regionais, ligados direta-mente a um comitê central e, na Bahia, havia o co-mitê regional da Bahia, sediado em Salvador, e o co-mitê regional sul baiano, sediado em Ilhéus, e é pelaimportância desse comitê que as estrelas do partidovisitavam a região.

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NELSON, UM MARXISTA CONSCIENTE

Hermano Penalva*

São João do Panelinha,12 de janeiro de 2001

Nos últimos tempos, sempre que penso em Nel-son eu me lembro de Tom Jobim falando sobre a mor-te de Vinícius de Moraes: “Não, Vinícius não morreu,ele está em Londres”.

Aspectos curiosos

Conheci Nelson por volta dos anos sessenta emdecorrência das minhas relações de amizade comNicolau, seu filho, e lembro perfeitamente da primeiravez que eu entrei naquela casa, na rua do Sapo, emfrente à rua do Dendê, essas são referências interes-santes na vida de Ilhéus, como foi na vida dele e naminha. Eu o conheci ali, quando um dia entrei, repen-tinamente, e ele dava aula para alguns rapazes. Nossarelação foi se aprofundando pouco a pouco e de re-pente eu já tinha mais um motivo para ir àquela casa,já não era Nicolau, meu amigo de correrias, deestripulias, mas a presença do próprio Nelson e foiatravés dele que dei os primeiros passos para conhe-cer realmente o que era filosofia dialética, foi atravésdele que eu consegui meu primeiro livro sobre o as-sunto A Dialética da Natureza, de Engels. Esta foi aprimeira manifestação direta de Nelson para comigo –o estímulo à busca bibliográfica.

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Assim eu dava os primeiros passos no sentido deconhecer mais profundamente o marxismo, e a militânciaativa que vim a exercer, posteriormente, devo, ao exem-plo que Nelson significou para mim. Lembro que, quandocomeçamos a tratar desses assuntos, ele o fazia commuita cautela, porque me considerava muito jovem,mas a minha inquietação me levou a estabelecer al-guns contatos fora de Ilhéus e fui descobrindo quenovas organizações políticas e marxistas acenavam nocenário político nacional vislumbrando, através delas,a possibilidade de vir a ter uma militância que nãotrouxesse os vícios do Partido Comunista.

Apresentei os primeiros documentos da organi-zação, à qual estava me vinculando, a Nelson - ele sesurpreendeu, pois eu estava mais avançado do queele pensava e talvez ele tenha tido a idéia exata deque eu estava muito mais avançado do que ele ima-ginava exatamente pela ação dele junto a mim. Essesdocumentos o impressionaram tanto que ele me dis-se: “tivesse eu menos idade retomaria toda a minhamilitância em cima desses postulados”. Essa foi a se-gunda grande manifestação de Nelson comigo quan-do me mostrou que estava no caminho certo, que euhavia interpretado bem as primeiras lições.

Impressionava-me muito a maneira como Nelsonse relacionava com as pessoas em geral e, mais ain-da, com algumas pessoas em particular. Pessoas dedestaque da sociedade de Ilhéus e pessoas que esta-vam muito distantes, no extremo oposto da posturaideológica assumida por ele. Certa vez, encontrei emcima de sua mesa um livro que tratava do humanismo,mas não era o humanismo concebido do ponto de vistamarxista e sim um humanismo gratuito e, esse livro,foi dedicado a Nelson por aquele que seria seu ad-

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versário político ideológico na cidade, a dedicatóriame chamou a atenção e é um referencial em minhavida, dizia o seguinte: “A inquietação identifica oshomens, o ideal os aproxima”, isso partindo de umvelho integralista, para um velho combatente comu-nista é extraordinariamente interessante... duas pes-soas apreciáveis pelo interesse intelectual pela vida,pela cultura, enfim duas pessoas, duas expressõesculturais de Ilhéus, daquela época, e, ambas, bemdefinidas ideologicamente. Esse foi um dos aconteci-mentos singulares que aconteceram nas visitas quefazia à casa de Nelson.

A faceta de Nelson que mais me interessava eraa sua militância política. Disso, na verdade, poucoconversamos, pois ele se limitava a apenas transmi-tir ensinamentos, falava pouco de si mesmo. Nelsonera aquele indivíduo que encontrou o equilíbrio en-tre o emocional e o racional, ele tinha gestos de ca-rinho comigo como se eu fosse um filho e, em com-pensação, era rígido como se eu fosse seu discípulo,mas tudo isso feito de uma forma tão discreta quechegava a ser comovente.

Outra curiosidade desses contatos com Nelson,foi com relação ao esporte, ao futebol: “Hermano,você pensa que futebol aliena, isso é ingenuidade, ofutebol bem apreciado é um excelente balé”, dizia.Eu tinha um respeito profundo pelo conhecimento queele demonstrava pela língua portuguesa, ele tinhamuito conhecimento de cultura geral e eu o respeita-va pelo seu histórico político, então, tudo isso faziacom que eu o visse um pouco como ídolo.

Acordar às cinco horas da manhã, naquela ida-de, depois de uma farra durante a noite e enfrentar oserviço militar, não era nada agradável, mas quis fa-

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zer o serviço militar, achava que iria aprender sobrearmamento e a postura de Nelson, frente a isso, foi aseguinte: “Rapaz, o serviço militar orienta, discipli-na e você precisa de disciplina, é conveniente quevocê faça esse troço”.

Nelson era excelente, foi com ele que eu ouvi,pela primeira vez, a palavra semântica, foi atravésdele que eu comecei a entender como se formam aspalavras. Nelson orientava sem dirigir, mostrava queera preciso aprender as coisas, que devíamos enfren-tar as dificuldades, que devíamos buscar sempre parater um conhecimento mais profundo do idioma, e apesarde todo esse conhecimento, de toda a exigência, poiscobrava de todos uma linguagem correta, ele própriousava o mais simples e o mais correto linguajar

Quando ele foi convidado a dar aulas no IME, foiaplaudido pelos estudantes, sobretudo pelo que talmedida continha de inovador, pois pela primeira vezna vida do colégio um autodidata assumia uma disci-plina. Foi um período curto, mas o suficiente paraque os alunos sentissem profundamente sua faltaquando deixou o cargo. Fato idêntico ocorreu comrelação à Academia de Letras de Ilhéus: como se nãobastasse toda a contribuição que havia dado à cultu-ra local, encontrou fôlego para, ao lado de Abel Pe-reira e outros intelectuais da região, fundar aquelaAcademia: outra vez o autodidata se impunha e asociedade aplaudia.

O segredo da admiração por Nelson é muito sim-ples: ele não conseguia dizer bobagens, se estivessenuma mesa de bar conversando, contando piadas, ja-mais contaria uma piada vazia, era sempre com con-teúdo. Isso é uma característica marcante dele, so-bretudo, porque foi um intelectual de alto nível, um

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conhecedor profundo de filologia, que tratava as pes-soas com um linguajar corriqueiro e comum, mas nuncaequivocado. Esse era o maior dom de Nelson, todomundo que o conheceu o admirava.

Minha fonte inspiradora

Na primeira aula formal de política (início dadécada de sessenta) ele fez um comentário comigoem três níveis - primeiro me explicou o que estavaacontecendo no nível internacional, pois, a essa al-tura, a União Soviética se cristalizava como um paísem progresso acelerado (Nelson já estava afastadodo Partido Comunista e possuía uma concepção maisclara do desmembramento da União Soviética), nin-guém nunca falou com tanta clareza, pra mim, sobreisso, senão Nelson, e, é impressionante, se compa-rarmos a situação de hoje, com a União Soviética jádestruída, a história do muro de Berlim já ultrapas-sada, como, naquela época, ele me ensinou o quesignificava a teoria da cortina de ferro ou, mais pre-cisamente, a teoria do socialismo, num só país.

Nelson percebia claramente que aquele isolamentoda União Soviética não tinha nada a ver com a con-cepção original marxista do socialismo universal. As-sim, ele me fez as primeiras observações sobre isso,comentou sobre a conjuntura internacional em que omundo vivia; o que o Brasil significava dentro dessaconjuntura e os reflexos que isso poderia ter interna-mente, inclusive dentro da nossa cidade e, é verdade,ocorreram todas essas coisas. A história comprovouaquelas teorias que ele tentava esclarecer para mim: aUnião Soviética se desmembrou, o Brasil sofreu as

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conseqüências desse desmembramento e, até mesmona região aonde vivíamos, os resultados foram visí-veis, pois, a partir daquele momento, houve uma polí-tica na região cacaueira, que fazia parte desse com-plexo analítico de Nelson, de estabelecer preço míni-mo para a venda do cacau, houve toda uma agitaçãoregional em relação à cacauicultura visando a estabi-lizar a região cacaueira. Depois desses acontecimen-tos é deslanchada uma série de ações em nível local,nacional, e internacional que gera um novo mundo, apartir dos anos sessenta e que, por conseguinte, geratambém o golpe militar de 1964.

De tal forma Nelson se tornou um referencial pramim... que depois de toda a agitação estudantil naBahia, depois da necessidade de me refugiar no Chilee, posteriormente, na Suécia, devo considerar que meutrabalho de militância no Chile me credencia a fazeralguns comentários que podem ter importância paraa interpretação do comportamento de Nelson ou, pelomenos, da influência que ele pode ter sobre mim esobre outras tantas pessoas. Eu não o conheci notempo de militância e sim depois, mas sua personali-dade era tão forte e seu apego à ideologia marxistaera tão grande!

Nelson não era um comunista, era um marxistaconsciente, não tenho nenhum pecado a registrar porparte dele e, exatamente por isso eu o segui, trateide trilhar esse caminho, pode ser até um pouco devaidade da minha parte, mas sinto que Nelson nãoabandonou a luta, ele me entregou a bandeira e eume sinto um continuador de todo o trabalho políticode Nelson. Então, lembro, perfeitamente, de quandovivi a crise chilena com a morte do presidente Salva-dor Allende, quando tudo era uma questão de sobre-

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vivência, se fugia ou morria no Chile, ainda que deforma ligeiramente inconsciente, refletia nestes ter-mos: “Que faria Nelson nesse momento?” e sei lá porque, que fonte inspiradora é esta, aliás, os segredosdo universo são incontáveis... mas o fato é que sem-pre consegui sair bem das situações e Nelson era minhafonte inspiradora.

De outra vez, recebi uma lição que foi muito in-teressante, o Brasil vivia uma convulsão social. Ogoverno de Jânio Quadros se havia posto numa en-cruzilhada: ou se transformava numa ditadura ou sedemocratizava de vez. Quando se dá a renúncia deJânio Quadros, Jango que era o vice e que deveriaassumir, estava na China. Nelson não perdeu a opor-tunidade de me dar ensinamentos nesse momento fa-zendo os comentários adequados da conjuntura in-ternacional - acreditava que Jango iria voltar, masque retardaria o seu retorno para fazer algunsconchavos internacionais, particularmente porqueestava na China, que era um país acessível às postu-ras de esquerda e, quem sabe, traria uma situaçãoabsolutamente nova.

Nelson, sempre Nelson, ele fez o seguinte comen-tário sobre esse fato - que a situação que se geraria apartir da renúncia de Jânio seria uma situação de caose tratou de me explicar o sentido grego da palavracaos - significa que tudo ou nada poderia acontecer apartir daquele momento -, a sua previsão era de quehaveria uma tendência para a esquerda e que o Brasilentraria em uma crise profunda, porque haveria dispu-ta entre as elites, disputa pelo poder, mas que a iden-tificação do governo de Getúlio Vargas, já passado,com o governo de Jango que se anunciava, permitiriauma correlação de forças capaz de estabelecer um go-

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verno de esquerda no Brasil. Seria só um embrião deum governo de esquerda, ele não esperava grandescoisas... é tanto que quando Jânio se estabelece etrata de promover as reformas, Nelson se transformanum entusiasta defensor das reformas, não pensandoque com isso chegaria à revolução, mas pensando quecom isso se daria um passo importante na evoluçãopolítica revolucionária do Brasil. Então, vem o golpede sessenta e quatro.

Outra coisa que eu devo a Nelson é a compreen-são da frase de Engels: “O espírito é o estágio supe-rior da matéria”, ou seja, o próprio marxismo admiteque haja um estado superior. E isto é uma questãocuriosa em relação a ele, pois, naquela época, já fa-lávamos de questões transcendentais de filosofia, dereligião, etc. E, hoje, com o conhecimento de FísicaQuântica, isso me reporta a Nelson Schaun, porqueeu queria ter uma noção de como é que Nelson via aquestão da metafísica, porque a gente já estava mui-to familiarizado com as questões de dialética, já ti-nha posto de lado a lógica formal, e, de certa forma,utilizávamos a lógica dialética, mas a questãotranscendental, a questão metafísica mesmo da pró-pria origem do homem, da essência do homem, isso agente não tinha comentado.

Nelson já manifestava os primeiros problemascardíacos e havia adotado uma buginganga, uma pul-seira de cobre o que, segundo as crenças, facilitariaa circulação sangüínea. O fato dele adotar esse troçome parecia, absolutamente, descabido, pois era umindivíduo com formação dialética, científica e mar-xista. Quando perguntei por que usar aquilo ele res-pondeu de forma meio jocosa, colando uma parte doaro à outra e mostrando que havia uma atração, como

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se houvesse um imã entre as duas partes. Essa atitu-de me lembra Nills Bohr, da Física Quântica, quandoum dia um amigo encontrou uma ferradura com setefuros, na porta de sua casa e questionou: “Mas você,um cientista de Física Quântica, com essa ferraduraaí na porta?” e Nills Bohr disse: “Eu não sei se éverdade não, mas que está dando certo, está”. Res-posta similar me deu Nelson, naquela época, quandoquestionei: “Oh! Nelson, você acredita nisso?”, elerespondeu: “Rapaz, eu não sei não, mas que uma pegana outra, pega!”

Com a esposa e os filhos

A relação de Nelson com a família era algo queme encantava. Imagina, naquela época, ninguém tra-tava o pai de você, Nicolau tratava, é preciso se si-tuar na época pra ver a importância que isso tem nacabeça de um jovem adolescente. E chamava a aten-ção uma contradição latente, que era incompreensí-vel, para mim - o tipo de relacionamento de Nelsoncom Vanja, sua esposa. Eu não alcançava a dimensãodo relacionamento de Nelson com os filhos, Socorrinho,aos doze anos, continuava no colo de Nelson, quealimentava este tipo de relacionamento de uma for-ma absolutamente fantástica. Quanto a Vanja, Mãe-zinha como era chamada, ah, Mãezinha, como eu te-nho saudade de você! era mais difícil ainda entenderaquela relação, mas, quem sabe, tudo isso não tenhacontribuído para formar, na minha consciência, o queé realmente a contradição entre pessoas ou contra-dição entre idéias.

Mãezinha era uma mulher rude, muito sensível,

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delicada, cativante, mas não tinha formação cultu-ral. Nelson era exatamente o oposto, e o que me im-pressionava, na época: como manter um relaciona-mento dentro de um conceito marxista, que era oconceito base de Nelson, como manter um relaciona-mento de não dependência? de não submissão damulher? pois a essência do marxismo está na igual-dade entre os seres humanos. Como Nelson adminis-trava isso nesse relacionamento? Pensar que Vanja,aquela mulher rude, e ao mesmo tempo submissa,preocupada com os afazeres da casa, uma mulher ca-paz de cultivar bredas (figos) – frutos raros na Bahia,maturados e protegidos em saquinhos de sal -, parapresenteá-lo. Como podia compatibilizar sua vida comele? Ele administrava essa relação de uma forma mag-nífica, porque, na verdade, Vanja não passou de umamulher tradicional, submissa ao seu homem e issofoi tratado como se fosse um fenômeno natural, elenão forçou em nenhum momento sua libertação, estaera uma contradição difícil de compreender e assimfoi Mãezinha ou Vanja. Eles viviam uma relação desubmissão, mas dentro de uma aceitação dialética emque também não se pode violentar os valores, rom-per uma estrutura, quando o indivíduo é apenas oelemento de um conjunto social ao qual ele respon-de. Mãezinha! você foi fantástica! Nelson foi fantás-tico! Socorrinho era aquela menina dengada no colo,Nicolau o filho varão, o homem de quem se esperavatudo, mas que Nelson jamais induziu a fazer qualquercoisa que fosse, e Simone, a mais velha, aquela queo apoiava nos trabalhos intelectuais, aquela que co-piava delicadamente seus discursos para a Academiade Letras de Ilhéus.

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O relacionamento com o partido

Nelson Schaun com sua grandeza espiritual, comtanta disciplina ideológica, ficou restrito ao PartidoComunista Brasileiro da região cacaueira, porque asituação da União Soviética, da conjuntura interna-cional que levou à criação da cortina de ferro, à op-ção entre o socialismo em um só país e à expansãodo socialismo levou a isso. Por exemplo, na substi-tuição do Lênin, só se contava com Stálin e Trotski ea sociedade russa da época não dispunha só dessesdois indivíduos, mas havia um trabalho subterrâneopara impedir que outras lideranças aparecessem. Eisto se refletiu no Brasil.

E, voltando a falar da situação do PCB na re-gião cacaueira: jamais Nelson faria isso, pelo con-trario, ele seria um profundo criador de líderes, en-tão, o leque de opções para escolher uma liderançaespecífica seria muito grande, só que, essas defor-mações aplicadas ao marxismo da época fizeram comque se tivesse um número cada vez menor de alter-nativas. Sabemos da triste história da polícia secre-ta soviética que teve que eliminar lideranças po-tenciais, uma marca essencial do stalinismo - nãopermitir que aparecessem muitos líderes para que acentralização do poder fosse cada vez maior, e esseera um princípio que a União Soviética utilizou, quepermitia o domínio absoluto do poder. Nelson tevepotencial para ser uma liderança estadual e nacio-nal e isso não foi possível, por conta dos conceitosstalinistas da época, de impedir que aparecessemlideranças como a dele.

Nelson agüentou o quanto pode, se tivesse op-ções de ruptura teria feito essa ruptura, só que o

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* Hermano José Penalva da Silva nasceu em 05/07/1940, na fazendaRialta, na Região Cacaueira; estudou em Ilhéus, onde chegou a diri-gir o Grêmio Castro Alves, do Instituto Municipal de Educação EusínioLavigne. Participou da formação da Associação de Pequenos Agricul-tores de Camacã (ATAC), nos anos 60, e foi conduzido à clandestini-dade em razão dos movimentos decorrentes da renúncia de Jânio Qua-dros. Por essa época conheceu e conviveu com Nelson Schaun, dequem aprendeu muito sobre filosofia e política. Exilado no Chile, em1969, foi colaborador do governo Salvador Allende, e ali permaneceuaté a sua queda, em 1975. Expulso do Chile, foi para a Suécia ondeviveu até 1979. De volta ao Brasil, se dedicou ao estudo e pesquisade tecnologias alternativas. Atualmente, de volta às origens, vive nafazenda Feliz Vitória (município de Camacan) desenvolvendo pesqui-sas de cacau para a Universidade do Estado da Bahia – UNEB -, epresta assessoria ao Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST).

comunismo, na época, absolutamente centralizador...ele, simplesmente, não teve opção... ou ia para oostracismo ou ia para um confronto direto.

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MESTRE E CÚMPLICE

Zezé Kruschewsky*

Salvador,março de 2001

Tenho excelentes recordações de meu curto con-vívio com o professor Nelson Schaun. Precisava estu-dar mais português e literatura, para o vestibular quese avizinhava naquele final de ano de 1962; sabia doCurso Particular do Professor Nelson, como tambémouvia dizer o quanto era severo e rigoroso. Deveriapoliciar minha inquietude!... controlar meu espíritobrincalhão!...

Meu pai, Alcides Kruschewsky, grande amor deminha vida, contava que havia tido, na mocidade,divergências políticas com o professor, quase beiran-do a agressão física, tendo sido contidos por amigos;mas reconhecia seu valor e sua hombridade, não seopondo a que eu o buscasse como mestre.

A escola, ou melhor dizendo, o Curso do Profes-sor Nelson Schaun funcionava em sua casa, no seular, ladeado por um jardim florido, multicolorido,cuidado por sua gentil e amada esposa Vanja. Na mi-nha chegada ao curso, fui surpreendida pela carinhosaacolhida do homem sério, de aparência fechada eaustera, de olhos brilhantes e irrequietos, cheios desabedoria, inteligência e bondade. Gostamos muitoum do outro, à primeira inspeção. Eu, “cheia de de-dos”; ele derramando a sua vontade de ensinar, deconhecer cada novo aluno, de ajudá-lo a aprender,custasse o que custasse!...Nelson Schaun queria passarpara os alunos o que pudesse do seu incomensurável

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saber literário e gramatical. Queria vê-lo “crescer” enão mantê-lo mentecapto; e muitas vezes, severo,utilizava com energia a voz firme, chamando de voltaos desatentos ou os que não demonstravam vontadede saber: “Ô seu mentecapto!...dessa forma você nãoacompanha Gil Vicente...não saberá fazer valer o di-nheiro que seu pai está desembolsando comvocê!...vamos seguir juntos!...

E o repreendido reingressava na viagem prazerosa,através de suas narrativas, permeadas de fatos inte-ressantes, sobre os grandes homens da literatura luso-brasileira, por exemplo.

Com muita ansiedade eu freqüentava as aulas deprofessor Nelson. Nós nos entendíamos e nos achá-vamos cúmplices de situações engraçadas; éramos per-sonagens vivas daqueles embrólios literários que elenos ia fazendo vivenciar como se lá estivéssemos,vivendo aqueles amores, sofrendo algumas desventu-ras, sonhando grandes utopias. Nós estávamos nasletras e nas vidas dos livros de literatura, ou dos ro-mances e versos de renomados escritores e poetas.Ele viajava conosco! Quem não embarcasse “naquelanave”, era, inegavelmente, pelo menos momentanea-mente, um mentecapto! Sem dúvida.

Preparando-nos para as provas orais dos examesvestibulares, cuidava de nossa expressão, de nossoportuguês e nos alertava sobre erros corriqueiros co-metidos, possivelmente, pelos que não o tiveram comomestre!!! Lembro-me de que recomendava: “Olhem bem,Almeida Garrett não se pronuncia como se fosse francêso seu sobrenome!...Almeida “Garrete”, alemão, grafiacom dois “t”, não vão fazer o morto estremecer!...”

Estava eu, um dia, no curso, em rebuliço, mos-trando um livro de história que havia comprado para

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* Maria José Kruschewsky Pedreira da Silva é Pedagoga formada pelaFaculdade Santa Úrsula - RJ (1966) e orientadora educacional comcurso de complementação na Universidade Católica de Salvador. Foiprofessora de Psicologia, Sociologia e Pedagogia do Instituto NossaSenhora da Piedade, em Ilhéus (1967/1968); professora concursadado Estado para as disciplinas de Sociologia e Psicologia (1970/1975)e orientadora educacional do Instituto Nossa Senhora da Piedade (1983/1987).

presentear, no Dia dos Namorados, meu recém-namora-do, Fernando, meu marido, enquanto ele corrigia osexercícios no “quadro negro”, quando fui surpreendi-da por sua voz grave: “Maria José, o que trouxe pradividir conosco, hoje?” e eu, pouco à vontade, masconhecendo o que havia sempre nos seus olhos astu-tos e cúmplices, disse, sem pestanejar: “-Um livroque comprei para o meu novo namorado!...” risossufocados dos demais alunos, alguns com a mão naboca, em suspense... E ele, leve e curioso: “E qual éo problema???...” respondi brejeira: “A dedicatóriaprofessor, a dedicatória!...” E o professor Nelson in-dagou-me: “Qual o título do livrinho de história paraseu namorado?” Eu, dessa vez, já meio sem graça,diante da insignificância do assunto para aquele mo-mento, disse-lhe: “Seu lobo e os seus lobinhos...”Então, o grande mestre, de olhos da cor da bondadee da cumplicidade, cheios de travessura, falou: “An-tes lobo do que urso, muito melhor lobinho...” Sóhoje Fernando soube quem fez aquela dedicatória!...Olivrinho já não deve existir. Mas existe na minha me-mória, no meu coração e no meu ser pedagógico, muitodaquele grande homem transbordante de sabedoria econhecimentos. Severo e austero para alguns. De almae olhos de menino para tantos! Um legado de Deuspara Ilhéus.

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NAS LUTAS POPULARES

Aristeu Nogueira*

Irará,março de 2001

Quando eu conheci Nelson, ele era do partido hámuito tempo, em Ilhéus, onde já havia liderado váriaslutas pelos colonos e índios daquela região.Comunicávamo-nos com freqüência, porque eu era dadireção do partido e orientava os trabalhos em Ilhéuse Itabuna. Ele trabalhou pela emancipação daqueleslugarejos que pertenciam a Ilhéus e foram se liber-tando. Trabalhamos juntos na emancipação de Coaraci,Itajuípe e Uruçuca (1945/1955), mas, de uma ma-neira geral, lutávamos muito pelo povo. Como mem-bro da direção estadual do partido, posso falar queNelson era um dos companheiros mais respeitados entrenós. Era uma pessoa que tinha uma sensibilidade muitogrande e foi um grande lutador pelos direitos doscidadãos.

Essas lutas na região sul da Bahia em defesa doscolonos e dos índios são episódios importantes dahistória, mas foram muito antes de nos conhecermose, como tudo era feito na ilegalidade, não guardáva-mos papel, não tomávamos notas de nomes, tudo fi-cava na memória.

O Partido Comunista do Brasil (PCB) foi criado,em Niterói, em 25 de março de 1922, foi registrado elegalizado, mas em de junho do mesmo ano, o presi-dente da República colocou o partido na ilegalidadee permaneceu ilegal até a década de 1940, quandonós travamos a luta pela constitucionalidade do Bra-

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* Aristeu Nogueira nasceu em 21 de janeiro de 1915, formou-se emDireito em 1939 e foi funcionário do Tribunal de Contas do Estadoaté 1970, quando se aposentou. Filiou-se ao PCB em 1938, do qualnunca se desligou. Hoje está filiado ao PPS e, atualmente, vive emIrará.

sil. Ingressei no partido, em março de 1938, com oobjetivo de lutar contra o Estado Novo. Criei umacélula dentro da Faculdade de Direito que, nessa época,eu cursava e, daí, viajei muito pelo interior. Dirigi OMomento, jornal do partido, durante dez anos, e, maistarde, tive uma certa participação na direção nacio-nal, mais ligado à intelectualidade daquela época.

O partido se chamou Partido Comunista do Bra-sil até o VI Congresso, em 1960. Nesse congresso, opartido estava na ilegalidade e, apesar de haver umprocesso de democratização no país, o tribunal nãoaceitava o registro de partido, porque estava na ile-galidade, estava, juridicamente, numa posição quenão podia ser legalizado com o nome de Partido Co-munista do Brasil (PCB). Nesse congresso, então,passou a chamar-se Partido Comunista Brasileiro (PCB).Naquele momento, houve uma cisão, porque nós jácombatíamos o Stalinismo. Stalin lutou pela revolu-ção de 1917, mas mudou o sentido marxista da luta,e João Amazonas aproveitando-se dessa troca de no-mes, criou o Partido Comunista do Brasil (PCdoB)apoiado pelos comunistas da Albânia.

Depois as coisas tomaram outros rumos com ogolpe de 1964. Mas esse trabalho que vocês estãofazendo sobre a biografia de Nelson, o resgate dahistória de Nelson Schaun, é elogiável, porque foium grande homem neste país!

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BREVE E BEM HUMORADA CRÔNICASOBRE DEUSES E SONHOS

James Amado*

Salvador,março de 2001

Duas personalidades que se marcaram no perfildo mundo cultural sul-baiano, Sosígenes Costa e Nel-son Schaun, têm centenário de nascimento este ano.Seus trabalhos e paixões impõem-se à rememoração.

Sosígenes Costa, que teve a poesia por destino,imaginou uma mítica história de sua terra e sua gen-te, mas datou-a “do tempo do onça, em que o rio nãotinha cacau” e misturou nesse enredo os deuses doOlimpo e os que ele criou na sua mitologia indígena,aboliu o néctar e a ambrosia do banquete dos gregose os substituiu pelo suco da polpa do cacau:

E o cacau foi chamado o alimento do céu.

A origem divina dessa lavoura se mostra, comclareza, quando nasceram Sosígenes e Nelson, e porsobre a imensidão da floresta que ia da foz do rioCachoeira à barra do Jequitinhonha, terá havido acimeira dos deuses. Não somente os locais, mas to-dos eles num congresso de ventos. Maravilhados coma beleza do mar e da mata virgem, deitaram sobre elauma bênção consensual.

Ei-la, em termos concisos:

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1. A floresta seria substituída por uma lavoura, feitapela mão do homem e com o suor de seu rosto ea planta dos deuses cobriria rapidamente o chãoainda virgem e esta teria as seguintes caracte-rísticas: de três sementes mandadas de fora poragentes divinos, nasceria a muda que, sem re-querer trato, além da sombra das grandes árvo-res de copa larga e madeira de lei, reservadas naderruba da mata, deitariam seus primeiros fru-tos aos cinco anos, e esses frutos subiriam pelotronco e pelos ramos, atropelando-se como ja-buticabas, e essa floração continuada, todos osdias da vida útil da planta, que seria de 100 anos.E, finalmente, o produto da lavra seria converti-do imediatamente em moeda farta e forte, aoalcance de todos.

2. Esse presente dos deuses, como igual não sesoubera jamais haver existido, estaria ao alcan-ce dos eleitos, aos quais chegaria a notícia, eseriam de todos os cantos do mundo, e ali sejuntariam, e se misturariam por baixo dos ga-lhos do arbusto novo, e formariam uma gentenova, virgem de crimes antigos, para melhor go-zar tanta benesse, bem comum desse vivente, decada um e de todos, e ele seria chamado grapiúna,palavra cunhada na reunião celestial e sem ou-tra raiz etimológica.

A bênção divina foi rapidamente levada à práti-ca e dois novos elementos se juntaram ali: um odordenso, moreno, cobriu toda a região, encheu todosos peitos do mesmo anseio, todas as cabeças do mes-mo e único sonho.

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Nelson Schaun e Sosígenes Costa, dois legíti-mos grapiúnas, nasceram no primeiro ano do últimoséculo do milênio. O cacaueiro, que nenhum delesplantou, até já teria deixado de produzir, mas seustrabalhos e paixões são ainda palpáveis, mesmo que,para alguns, possam parecer de duvidosa utilidade.Neste relato, que agora se faz pedestre, retomo damemória suas figuras num mesmo dia-a-dia sem aven-tura, diferentes uma da outra mas que se aproximame se assemelham no lastro comum que animou seupensamento.

Nelson nasceu em Ilhéus, Sosígenes chegou deBelmonte aos 16 anos. Nunca saíram dali, a não serpor raros e breves dias, Ilhéus era o núcleo urbanocentral do mundo cacaueiro, dali a lavoura subira osrios para o interior. Num movimento inverso, a elachegavam as cargas de amêndoas secas, nos vagõesde brinquedo da ferrovia dos ingleses, transferidasem alvarengas aos cargueiros estrangeiros que anco-ravam diante da avenida da praia, pois o porto so-mente recebia embarcações de pequeno calado. Ilhéusera o centro nervoso do processo de produção, cofredos primeiros bancos, comprava e pagava à vista, comseus agentes por todo o interior, o cacau miúdo dosposseiros e burareiros e as safras numerosas dos gran-des fazendeiros. Era bela com seu mar e suas colinas,e era nova em folha, ao tempo de Nelson e Sosígenes;de discutível antigüidade tinha apenas a igrejinhade São Jorge; dispensava fortes coloniais que lhe re-cordassem antigos canaviais, donatários ou senhoresde engenho. Renascera capitalista, por seus cami-

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nhos corria dinheiro vivo, nada lhe perturbava a ri-queza, tanta e tão acessível. No imaginário popular,Deus fora rebaixado a simples corretor da esperançaque levaria o alugado à eminência da estátua doura-da do Coronel, figura emblemática da bem-aventurança.

Nelson Schaun e sua cidade eram amantes e con-tentes. Ele a tratava com a intimidade alegre e semrestrições do namorado nascido, criado, vivido e dis-posto a morrer ali onde bate seu coração e seu sanguereconhece cada esquina e seu rosto é reconhecido emtodos os momentos por todas as pessoas. Os dois, acidade e aquele seu produto, que não se afasta delapara viver no interior o sonho geral de riqueza, quenada lhe reclama além desse aconchego de contem-plar a festa de cores enlouquecidas, no fim de cadatarde, incendiando toda a vista, ou imergir no infinitodo mar, à noite, água morna com cheiro de cacau, ousubir suas colinas e sentir o apelo da imensidão de luzexultante da alegria de viver. Nelson e sua cidade dosilhéus, contentes um do outro.

De acordo com sua vocação de figura pública,ele se fez professor. Sua escola estava em toda par-te, estava no mestre sempre disposto à lição. Na salade sua morada com Vanja (nome raro, suave sussur-ro) primeira casa da rua do Sapo, a das moças semmaridos, mas com filhos, aos quais ele ensinou gra-tuitamente a “ler e escrever corretamente a línguaportuguesa”; assim, também, as meninas do interna-to das freiras ursulinas aprendiam com ele a recitaros românticos e parnasianos, embevecidas com a pre-sença de um homem na semi-clausura e impregnavamdele seus olhares sornas e arteiros. Mais informal-mente, nas mesas do bar de antes do almoço, pontode reunião àquela hora de advogados, comerciantes,

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fazendeiros, caixeiros-viajantes e oficiais dos naviosno porto, o professor comentava as notícias da re-gião e do mundo, captadas nos primeiros aparelhosde rádio, explanava a discordância dos pontos de vistadiversos, apontava os sinais dos novos tempos e mo-vimentos, e com sua platéia improvisada bebia à ale-gre camaradagem, nos cálices de aguardente de en-genho de barro e conhaque francês, nos copos altosdo whisky-and-soda que os ingleses da ferrovia e osexportadores europeus acrescentavam aos hábitosassentes. No bar do fim de tarde, era onde se tornavaaluno da intimidade, apenas murmurada, com um sor-riso maroto, dos segredos que todos saboreavam: oMaraú, do comandante italiano, havia chegado e api-tara longamente para avisar à Cremilda, no alto deSão Sebastião, que seria seu parceiro-coronel para anoite de amor; ou o afundamento do iate no gargaloda barra, de onde escapara a professorinha de Itapira,beata e virgem, passando graxa de sapato em todo ocorpo para esgueirar-se pela vigia estreita - e a garo-tada se assanhara com a visão. Nelson estava na cida-de toda, com toda gente e acontecia marcar encontroconsigo próprio na sessão do tribunal do júri, quandopromotor e advogado de defesa liam as razões finaisdo processo, escritas por ele na madrugada preceden-te; no seu artigo sobre a eterna crise do cacau queestava no Diário da Tarde, assinado pelo filho do coro-nel; na intervenção, enérgica e flamejante, do verea-dor dos bairros pobres.

À noite, Nelson Schaun era visto na sede da so-ciedade de ajuda mútua dos artesãos e oficiais devários misteres, reciclando-os nos conhecimentosgerais, aprendendo com eles, como costumava dizer.Em toda parte e a todo instante ele era presente e

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participante com sua lição necessária, clara e frater-na. Onde não era visto, mas estava, sombra debaixodo chapéu de baeta, era na cabeceira das pontes en-tre estivadores, no vagão abandonado perto da esta-ção ferroviária, nas casinhas dos bairros distantes,entre homens e mulheres cansados e atentos, a todoseles o mestre Nelson falava da esperança.

Sosígenes Costa nasceu na ponta sul da região,foz do Jequitinhonha e trouxe para Ilhéus todo o seucabedal: o conhecimento dos sinais do sistema morsee uma bela caligrafia, bens úteis e requeridos dostelegrafistas. Aprendeu o Boudot, que imprimia emfitas estreitas de papel as mensagens telegráficas.Estes eram os laços mais estreitos que Sosígenes Costamantinha com a comunidade, pois a ele cumpria ler,corrigir, cortar e colar nos formulários cumprimen-tos, ordens, pedidos, declarações sucintas, nascimentose óbitos e quanto mais lhe revelasse, na brevidadedessas comunicações, a vida da cidade. Ele preserva-va, rigorosamente, sem concessões, seu direito à pri-vacidade, sua necessidade de comunicação tinha ca-nais próprios, dispensava o contato físico e a con-versação, câmbio de sentimentos e pensamentos.Raramente era visto em locais públicos. A caminhoda agência do telégrafo, transitava por ruas poucofreqüentadas e, assim, quando retornava ao seu quarto-e-sala, improvisado num edifício comercial, sua ofi-cina de trabalho noturno, onde fazia e refazia, numaescala de tempo muito particular, seu verso maravi-lhoso. Ilhéus era, também, a sua cidade, e ele seuproduto, ali aprendeu, com rara percepção crítica, osmotivos de sua poesia tão especial, sem parentescoa não ser, pela excelência da qualidade, com os pou-cos grandes poetas universais da língua. Ali apren-

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deu os ritmos populares das festas de largo, ereinventou a linguagem dos alugados. Sobre o longopoema da origem mítica da lavoura, esclarece: “Co-meça com versos livres, soltos como menino no pas-to, pula num samba, emenda por um coco, cai denovo no samba e termina falando como a gente fala”.

Às tardes, na Associação Comercial, secretariavae reportava em atas formais, com sua letra cuidada eclara, as semanais reuniões da Diretoria. Nos outrosdias, ele supervisionava o cuidado dos jardins da casaimponente, que ornamentava com flores raras, e tra-tava pessoalmente de algumas dezenas de gaiolas depassarinhos canoros, que os meninos da redondezapegavam e lhe traziam, em troca de algumas moedas.A casa e a praça enchiam-se de trinados de canários,cardeais e pintassilgos. Um pássaro preto, que imita-va o canto dos demais e repetia a primeira frase doHino Nacional, andava atrás dele, esvoaçava pelassalas do andar superior e às vezes pousava na mesagrande das reuniões. À noite, quem passasse pela praçae os jardins diante da Prefeitura, ouvia, vindo do sa-lão de festas da Associação Comercial, o som dasmúsicas que o poeta tirava no piano de meia-cauda,entremeando peças clássicas e populares. Sua soli-dão, tão grande quanto desejada, não comportava tris-teza ou depressão. Sua poesia era uma festa afinadacom a vida:

fonte, fonte do amor queridaó fonte boa em que mergulho a mão.

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O mal dos deuses é terem fé nas criaturas que oscriaram. Na região cacaueira, o sonho único da rique-za geral foi rapidamente burlado: o lavrador estabele-cia a sua posse no meio da mata, plantava sua rocinha,vivia com a família, da caça e da pesca abundantes.Certo dia, aparecia o fazendeiro, que havia compradodo governo, ao preço de um centavo o hectare, a terradevoluta. Pagava ao posseiro a benfeitoria feita aochão, contratava-o para fazer uma roça muito maior e,quando a plantação começava a produzir, assumia asua propriedade, pagando ao lavrador um tostão porárvore. A “operação” repetia-se muitas vezes, o lavra-dor alugava seu braço e sua intimidade com a lavra,vivia e morria miserável, sem dinheiro e sem terra,proibido de comer cacau, perdido de seu sonho.

Nelson Schaun e Sosígenes Costa, grapiúnas ur-banos, sem machado ou foice para derrubar pau e ciscaro solo, um deles professor e extrovertido, o outro po-eta e introvertido, pareciam não cruzar seus caminhosno espaço exíguo da cidade pequena. Uma vez, aomenos, estiveram juntos.

Nelson Schaun reuniu seus poucos companhei-ros e, sem os cuidados que a situação de clandestini-dade impunha ao seu sonho, estruturou o primeirocomitê do movimento comunista em toda a imensaregião cacaueira. Durante algum tempo aquela míni-ma unidade orgânica foi sozinha na cidade de Ilhéus,sozinha no mundo inteiro. Vista desde hoje, sete dé-cadas passadas, tão longínqua, é um pequeno e sin-gelo momento da mais alta grandeza humana. O so-

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nho era devolvido à população grapiúna, sonho anti-go e desgastado, mas renovado em termos modernos,um século antes. Nelson Schaun gostaria de haverencerrado o ato simples com o verso oratório de umpoeta de sua predileção (mas ainda por escrever):

Um fantasma assombra a Europa, o mundo(1)

Nós o chamamos Camarada.

Sosígenes Costa, infenso a reuniões de quais-quer tipos, soube do ocorrido e fez um pequeno poe-ma, como se fosse ele o professor:

DUAS FESTAS NO MAR

Uma sereia encontrouum livro de Freud no mar.Ficou sabendo de coisasque o rei do mar nem sonhava.

Quando a sereia leu Freudsobre uma estrela do martirou o pano de prataque usava para escondera sua cauda de peixe.

- e o mar então deu uma festa.

No outro dia a sereiaachou um livro de Marxdentro de um búzio do mar.Ficou sabendo de coisasque o rei do mar nem sonhavanem a rainha do mar

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Tirou então a coroaque usava para dizerque não era igual aos peixinhos.Quebrou na pedra a coroa

- e houve outra festa no mar.

Depois, muito depois, aqueles deuses simpáti-cos e benfazejos, que doaram aos grapiúnas a bên-ção do cacau, aborrecidos com tanto caxixe, fizeramuma breve reunião de controle da situação e resolve-ram mandar a praga da vassoura de bruxa dar fim àhistória.

* James Amado é escritor grapiúna.(1) Abertura do texto do Manifesto Comunista (1948) de Engels e Marx.

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DADOS BIOGRÁFICOS

Nelson Schaun (10.04.1901/12.08.1968) nasceuem Ilhéus.

Filho de Luís Napoleão Schaun e Elvira Bárbarada Silva Schaun. A família Schaun chegou ao Brasilno início dos anos 1800 fixando-se em Ilhéus, ondedeixou numerosa descendência. Luis Napoleão foi desua terceira geração e o casamento com Elvira Bárba-ra, descendente de portugueses, gerou 10 filhos: João(1893), Luiz Napoleão Filho (1895), Helena (1896),Almerinda (1898), Eulina (1899), Maria Izabel (1900),Nelson (1901), Noé (1902), Edson (1902), Heloysa(1905).

Cedo, Nelson demonstrou idéias extravagantese, ainda na terceira série primária, ao ser castigadopor alguma indisciplina, enquanto apanhava, foi pu-xando a gravata do professor até quase enforcá-lo.Foi expulso e não voltou mais aos bancos escolares.

Membro do Grêmio Olavo Bilac, na década de 1920.Presidente da Sociedade União Protetora dos

Artistas e Operários de Ilhéus, em 1922.Em 1926, seu nome já despontava no jornalismo

regional, como redator chefe do Correio de Ilhéos e,posteriormente, em outros jornais, O Momento, Diá-rio da Tarde, Diário de Itabuna, Revista Seiva.

Casou-se em 10 de abril de 1935 com VanjaKruschewsky Miguel, que passou a chamar-se VanjaKruschewsky Miguel Schaun, com quem teve três fi-lhos: Simone Miguel Schaun, Nicolau Miguel Schaune Maria do Socorro Miguel Schaun.

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Instituiu o Curso Especial de Nelson Schaun, em1938, para o ensino da Língua Nacional e CiênciasPropedêuticas.

Correspondia-se com gramáticos portugueses, dosquais adquiriu grande parte de sua cultura.

Desde jovem, interessado pelas causas sociais,estudou com afinco a filosofia marxista, cujo con-teúdo teve grande influência na instalação do Parti-do Comunista do Brasil (PCB) na região cacaueira daBahia, em 1927. Filiado ao PCB por 30 anos, saiu em19 de julho de 1957.

Foi candidato a deputado estadual pelo PCB naseleições de 1947, quando obteve o segundo lugar,atrás apenas de Eusínio Lavigne.

Professor do Instituto Nossa Senhora da Pieda-de, Ordem das Ursulinas, em Ilhéus.

Professor do Instituto Municipal de EducaçãoEusínio Lavigne, no período de1958/1959.

Membro fundador da Academia de Letras de Ilhéus,criada em 14 de março de 1959, onde ocupou o cargode secretário geral, desde a fundação até 12 de agos-to de 1968, quando faleceu.

Na Academia de Letras de Ilhéus ocupou, comoimortal, a cadeira de número 13, cujo patrono é ErnestoCarneiro Ribeiro.

Reativou o Curso Especial de Nelson Schaun nadécada de 1960 para o ensino da Língua Portuguesae de outras disciplinas.

Pseudônimo que utilizou – Modesto da Silva

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Pelas artes e através da arte é que

podemos conhecer intuitivamente a vida

e o universo. Claro que, nesta afirmação,

não havemos de confundir o conceito

dialético de arte com o anti-natural e va-

zio conceito fixista de arte.

Queremos, de fato, significar que a

concepção da vida e do universo, isto é,

a filosofia, se afirma através da expres-

são artística, e, pois, da realidade estéti-

ca. E, é claro, se a filosofia, como um pro-

duto da vida, não pode estar fora da pró-

pria vida, – também a estética – produto

que é da vida – está naturalmente condi-

cionada ao tempo e ao espaço, por con-

seqüência, às forças históricas da natu-

reza e da vida. (N.S., 1960)