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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Instituto de Filosofia e Ciências Humanas MARIA CLARA PEREIRA E SILVA A NOÇÃO DE RELAÇÃO NA TEORIA COGNITIVA DE DURANDUS DE ST. POURÇAIN CAMPINAS 2018

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

MARIA CLARA PEREIRA E SILVA

A NOÇÃO DE RELAÇÃO NA TEORIA COGNITIVA DE

DURANDUS DE ST. POURÇAIN

CAMPINAS

2018

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MARIA CLARA PEREIRA E SILVA

A NOÇÃO DE RELAÇÃO NA TEORIA COGNITIVA DE

DURANDUS DE ST. POURÇAIN

Dissertação apresentada ao Instituto de Filosofia e

Ciências Humanas da Universidade Estadual de

Campinas como parte dos requisitos exigidos para a

obtenção do título de mestra em Filosofia.

Orientador: Prof. Dr. Márcio Augusto Damin

Custódio

ESTE EXEMPLAR CORREPONDE À VERSÃO FINAL.

DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA MARIA

CLARA PEREIRA E SILVA, E ORIENTADA PELO PROF.

DR. MÁRCIO AUGUSTO DAMIN CUSTÓDIO.

CAMPINAS

2018

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação de Mestrado composta

pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 06 de

junho de 2018, considerou a candidata Maria Clara Pereira e Silva aprovada.

Prof. Dr. Márcio Augusto Damin Custódio

Profª. Drª. Fátima Regina Rodrigues Évora

Prof. Dr. José Antônio Martins

A ata de defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no

processo de vida acadêmica da aluna.

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Aos meus pais, Josilma e Silvano.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao CNPq pelo financiamento desta pesquisa.

Sou muito grata a todos que de algum modo colaboraram para realização desta

dissertação.

Agradeço ao professor Márcio Damin por me orientar, ensinar e incentivar desde o meu

primeiro semestre de graduação, sem o qual meu trabalho não existiria.

Agradeço ao professor Tadeu Verza e ao professor José Martins pelas arguições

valiosas e sugestões na ocasião de minha qualificação.

Agradeço à professora Fátima Évora e à professora Sueli Sampaio pelos ensinamentos e

palavras sempre certeiras.

Agradeço aos colegas do Grupo de Pesquisa Metafísica e Política pelos debates e pelas

oportunidades de discutir meus textos.

Agradeço aos queridos Evaniel Brás (que me adotou como sobrinha e eu adotei como

meu tio) e Matheus Pazos com os quais aprendi e aprendo muito e que sempre

acreditaram em mim. Sem vocês eu não teria esta dissertação.

Agradeço ao Matheus Monteiro pelas reflexões valiosas sobre o papel do historiador e

da historiadora da filosofia e ao Angelo de Oliveira pela ajuda de sempre e pela

amizade. Agradeço também à Eveline Diniz pelo companheirismo, à Andreia Araujo

pela inspiração e ao Odécio Barnabé Jr. por me ensinar a olhar além da razão.

Agradeço aos meus pais, Josilma e Silvano e meus irmãos Nickolas e Erick pela família

que somos. Aos meus avós Jorge, Maria, Rosa, Sebastião e Graça pelo amor e

sabedoria.

Ao meu esposo Lucas, não só meus agradecimentos, mas também todo meu amor e

admiração.

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Um filósofo

Um velho coqueiro

- interrogativamente –

mira-se no brejo.

(Oldegar Vieira)

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RESUMO

Esta dissertação tem por escopo analisar a noção de relação no interior da teoria

cognitiva de Durandus de St. Pourçain, no Comentário às Sentenças de Pedro

Lombardo I, d. 3, q. 5 e II, d. 3, q. 5. Para Durandus, quando o intelecto opera por meio

de um ato cognitivo, nenhuma entidade absoluta é adicionada a ele. A cognição, ou

pensamento, é tratada pelo autor como uma entidade relativa e não como algo que o

intelecto possui, ou que é adicionado a ele de maneira real. Nessa medida, a cognição é

entendida como o modo pelo qual o poder cognitivo se relaciona com outras coisas que

não ele mesmo. Ao determinar sua noção de relação, Durandus sustenta um processo

cognitivo independente das noções de espécies inteligíveis, universais e intelecto

agente. A presente investigação visa apresentar a maneira pela qual Durandus nega os

pressupostos necessários para a sustentação de uma teoria cognitiva baseada no

processo abstrativo e sustenta sua própria teoria cognitiva por meio da sua noção de

relação.

Palavras-chave: abstração, cognição, relação.

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ABSTRACT

This thesis aims to analyze the notion of relation inside of the cognitive theory of

Durand‟ of St. Pourçain Commentary on the Sentences of Peter Lombard I, d. 3, q. 5 e

II, d. 3, q. 5 [A] e [C]. For Durand, when the intellect acts by a cognitive act, no

absolute entity is added to it. The cognition, or thought, is treated by the author as a

relative entity, not as something that belongs to the intellect, or as something that is

really added to it. Therefore, the cognition is understood as the way through which the

cognitive power relates with other things different from itself. Determining his notion of

relation, Durand sustains a cognitive process independent from the notions of

intelligible species, universals and agent intellect. This investigation aims to present the

manner in which Durand denies the assumptions needed to sustain a cognitive theory

based on the abstract process and sustain his own cognitive theory through his notion of

relation.

Key-words: abstraction, cognition, relation.

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LISTA DE ABREVIATURAS

In Sent [A] – Corresponde à primeira versão do Comentário às Sentenças de Durandus

de St. Pourçain redigida em 1307-8.

In Sent [B] – Corresponde à segunda versão do Comentário às Sentenças de Durandus

de St. Pourçain redigida em 1310-12.

In Sent [A/B] – Corresponde à edição crítica do Comentário às Sentenças de Durandus

de St. Pourçain que une ambas as edições dispostas paralelamente.

In Sent [C] – Corresponde à terceira versão do Comentário às Sentenças de Durandus

de St. Pourçain redigida em 1327.

In I Sent [C] d. 3, q. 5, n. 6. – Corresponde ao Comentário às Sentenças de Durandus

de St. Pourçain, Livro I, distinção 3, questão 5, parágrafo 6.

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SUMÁRIO

Introdução .............................................................................................................. p. 12

1- A inviabilidade da operação de um intelecto agente no processo cognitivo.. p. 27

1.1- A inviabilidade da operação do intelecto agente sobre os fantasmas................ p. 31

1.2- A inviabilidade da operação do intelecto agente sobre o intelecto possível...... p. 44

1.3- A crítica Durandiana ao intelecto separado........................................................ p. 68

2- O processo cognitivo............................................................................................ p. 67

2.1- O intelecto angélico como experimento de pensamento: um panorama geral... p. 68

2.2- O conhecimento compreendido como a relação entre o objeto cognoscível e o

poder cognitivo para Durandus de St. Pourçain....................................................... p. 82

3- A tradução do Comentário às Sentenças de Durandus..................................... p. 94

3.1- Tradução do In I Sent [C], d. 3, q. 5................................................................... p. 97

3.2- Introdução à tradução do In II Sent [A], d. 17, q. 1.......................................... p. 115

3.3- Tradução do In II Sent [A], d. 17, q. 1............................................................. p. 118

Conclusão............................................................................................................... p. 126

Bibliografia............................................................................................................. p. 128

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa tem como objetivo investigar a maneira pela qual Durandus de St.

Pourçain constitui uma nova teoria cognitiva baseada no conceito de relação. Tal

constituição ocorre por intermédio da negação de que o intelecto agente atue abstraindo

das características individuantes do fantasma (ou imagem sensível) tendo em vista uma

essência universal. Para Durandus, a verdade não é a correspondência da universalidade

presente no singular com o conceito universal inteligido pelo intelecto. Isto porque,

segundo ele, não há universalidade independente do intelecto e ao singular só cabem

qualidades singulares. Como a existência de uma essência universal nos singulares é

negada não haveria o que abstrair e, assim, a abstração também deve ser rejeitada como

parte do processo cognitivo. Dado que a existência do intelecto agente só é afirmada

devido a sua função de abstrair a essência universal, sendo negada tal função, o intelecto

agente seria supérfluo e, por isso, deveria ser também negado como parte fundamental

da cognição. O intelecto agente é falso e desnecessário para a compreensão da cognição

humana. Este é um processo tão natural quanto a sensação, pois ambas são os atos

segundos do homem. Sensação e intelecção são consideradas como dois lados da

mesma moeda, quando uma ocorre a outra também ocorrerá necessariamente.

Durandus, portanto, nega que a cognição seja um processo abstrativo, contendo

mediadores entre objeto material e intelecto imaterial, e afirma que a cognição é

intuitiva e direta. O objeto de conhecimento tem a capacidade de ser conhecido e o

intelecto tem a capacidade de conhecer seu objeto, assim, estando presentes um ao

outro, a cognição intuitiva ocorre necessariamente.

No intuito de compreender o processo segundo o qual Durandus estabelece suas

críticas e suas interpretações, segmentei meu trabalho em algumas etapas. Na

introdução procurei apresentar o contexto intelectual e de disputas filosóficas nas quais

Durandus se insere. No primeiro capítulo analisei o modo pelo qual Durandus

desqualifica os argumentos que sustentam a necessidade de postular a noção de intelecto

agente compreendido como constituinte da alma humana. Para tanto, dediquei-me à

investigação do Comentário às Sentenças de Pedro Lombardo [C] I, d. 3, q. 5. Além

disso, para compreender a extensão da negação da noção de intelecto agente feita por

Durandus, investiguei sua crítica feita às teorias que defendem a existência de uma

inteligência eterna, una e separada. Segundo Durandus, não é possível aceitar a

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existência de um intelecto agente seja unido, seja separado da alma humana. Durandus

não traça apenas uma distinção analítica entre intelecto agente e intelecto possível, a

negação é total: não se deve multiplicar princípios. Este ponto é defendido por

Durandus no Comentário às Sentenças de Pedro Lombardo [C] II, d. 17, q. 1, o qual me

propus a analisar. No segundo capítulo procurei determinar qual é, para Durandus, a

natureza própria do ato de conhecer. Para tanto, inicialmente exponho brevemente como

a questão do conhecimento era tratada por Tomás de Aquino, Henrique de Gant, Duns

Scotus e Guilherme de Ockham no intuito de disponibilizar um panorama geral no qual

Durandus se encontra. Assim, ao examinar como Durandus estabelece sua teoria da

cognição, as questões que ele procura evitar estão minimamente delimitadas e é possível

vislumbrar melhor os pontos de originalidade deste autor. Ressalto, neste último ponto,

o tratamento dos conceitos de relação e de causa sine qua non, eles serão

preponderantes para a compreensão das estratégias segundo as quais Durandus garante a

capacidade do viator de constituir um conhecimento verdadeiro. Esta capacidade pode

ser compreendida mais claramente quando Durandus se utiliza do intelecto angélico

como experimento de pensamento para a compreensão da operação de um intelecto em

condições ideais, separado das condições individuantes da matéria. Este experimento

revela os pressupostos metafísicos e epistemológicos fundamentais a partir dos quais

Durandus desenvolve toda a sua filosofia e, particularmente, sua teoria da cognição.

Privilegiei, neste capítulo, a análise de trechos do Comentário às Sentenças de Pedro

Lombardo [A] II, d. 3, q. 5 e 6. No terceiro capítulo apresento a tradução do In I Sent

[C], d. 3, q. 5 e In II Sent [C], d. 17, q. 1, com o objetivo de fornecer acesso ao texto

original de Durandus e possibilitar uma maior independência ao leitor. Ambas as

traduções correspondem a questões da versão [C] do In Sent de Durandus. Esta obra é

composta por quatro livros: o primero livro trata sobre Deus e o caráter científico da

teologia, o segundo livro trata sobre Criação, Angeologia e é onde podemos identificar

o tratamento do tema da cognição, o terceiro livro trata sobre Cristologia e o quarto

livro sobre os Sacramentos.

Analisei a bibliografia primária e secundária com a finalidade de contextualizar

Durandus em meio aos debates que ele iniciou e que tomou parte na história da

filosofia. Este estudo me possibilitou entrar em contato, não só com uma linha de

pensamento única e inovadora, até então pouco explorada, mas com toda uma dinâmica

de produção de conhecimento a partir de disputas filosóficas nas quais ele toma partido.

O pensamento de Durandus e sua repercussão foram determinantes para as teorias que

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estavam sendo produzidas no séc. XIV1e, reconhecidamente, influenciaram outros

pensadores que o sucederam2.

Em um momento no qual a ordem dos dominicanos procurava consolidar seu

pensamento unificando-o, Durandus começa a produzir suas obras nas quais defende

teses que contradizem os ensinamentos de sua ordem. Desde o início de sua formação

suas teses provocam conflitos com as autoridades dominicanas. Segundo Mulchahey “o

caso de Durandus eventualmente se tornou a disputa teológica mais duradoura na

história da ordem dos dominicanos3”. O conflito, gerado pelas teses de Durandus e

alimentado por seus seguidores, somadas às medidas tomadas contra ele pelas

autoridades da ordem, podem ser apontados como fatores responsáveis pela criação de

uma identidade dominicana.

O fato de que Durandus redigiu seu In Sent três vezes é um indicativo de que

suas ideias foram alvo de repressão durante toda a sua trajetória intelectual. A primeira

repressão vinda da ordem dos dominicanos aconteceu devido ao impacto da sua

primeira redação do In Sent [A] que foi divulgada sem prévia autorização. Redigido no

ano acadêmico de 1307-08, enquanto Durandus servia como cursor Sententiarum sob o

mestre dominicano Hervaeus Natalis em St. Jacques. A divulgação do seu In Sent [A]4

colocou seu pensamento no centro do debate de escolas locais e studia avançadas de

Paris sendo debatido por outros bacharéis e mestres em suas leituras, disputations e

recebendo tratados em resposta.

As inovações de Durandus foram sentidas como um impacto pelas autoridades

dominicanas que defendiam o pensamento de Tomás, não porque Durandus tivesse sido

o primeiro pensador a se diferenciar de Tomás, mas porque suas críticas representavam

um perigo à autoritas de Tomás. Desde que se levantaram em resposta às condenações

de 1277, as autoridades da ordem vinham se esforçando para fortalecer a imagem de

1 Um exemplo do impacto do pensamento de Durandus é o número de textos escritos pelos tomistas

da época, em especial por Herveus Natalis, com o objetivo de rebater (e corrigir) Durandus. Cf:

LOWE, 2003, p. 72-83. 2 O que é atestado pelo fato de as teorias de Durandus terem sido objeto de estudo na cátedra de

nominalismo na Universidade de Salamanca no séc. XV. GILSON [1947] aponta Durandus,

juntamente com Pedro de Auriol (1280-1322), como predecessor de Guilherme de Occam (1285-

1347). - Sobre a teoria cognitiva de Ockham cf. PANACCIO, 2004; PERINI-SANTOS, 2007;

GUERIZOLI, 2010; DE OLIVEIRA, 2013; PANACCIO, 2015. 3 MULCHAHEY, 1998, p. 159.

4 Em sua “Conclusio operis et modo ac tempore quo autor opus hoc prescripsit” Durandus afirma

que esta primeira redação de seu trabalho, o In Sent [A], fora divulgado por frades entusiastas de seu

trabalho e circulava pela ordem sem a sua autorização. Sobre este assunto recomenda-se conferir

VOLLERT, 1947, p. 165-166.

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Tomás como autoritas com o intuito de unificar o pensamento dominicano em torno da

filosofia do autor e criar uma coesão intelectual na ordem dos frades pregadores.

Mesmo em vida Tomás de Aquino possuía simpatizantes entre seus alunos e

colegas, além de uma série de críticos, inclusive entre dominicanos, como por exemplo

John Pecham, além de Henrique de Gant e Godfrey de Fontaines que atacavam

abertamente a sua concepção de ciência. Em 1277, apenas três anos após a morte de

Tomás, o bispo parisiense Ètienne Tempier reuniu uma comissão de dezesseis mestres

para examinar os erros da faculdade de Artes. Esta reunião teve como resultado o

banimento de 219 proposições consideradas erradas, dezesseis das quais teriam sido

retiradas dos escritos de Tomás. Esta lista foi seguida, 11 dias depois, pela condenação

de 30 teses controvérsias de Tomás, apontadas por uma comissão de mestres da

Universidade de Oxford convocada pelo arcebispo de Canterburry, Robert Kilwardby5.

A resposta dos primeiros seguidores de Tomás já começa a se delinear nos

Capítulos Gerais que se seguiram à condenação. Em 1279 o Capítulo Geral de Paris

declara que a ordem se posiciona de maneira favorável a Tomás:

Uma vez que a venerável memória do frade Tomás de Aquino, sua

louvável conversão e seus escritos tenham honrado muito nossa

ordem, não seja sustentando dele próprio ou de seus escritos ditos

desrespeitosos e inadequados. Deste modo fica determinado que as

províncias e conventos devem punir severamente e sem hesitação seus

vigários e visitantes caso se excedam nos itens acima mencionados.6

Além de determinar que o posicionamento intelectual da ordem deveria ser

seguido por seus integrantes, o Capítulo determina que ações disciplinarias deveriam ser

usadas caso algum membro falasse contra Tomás. Os frades poderiam manter suas

visões contrárias, desde que de modo privado, pois, caso se posicionassem abertamente

contra Tomás, teriam que enfrentar as punições previstas. A restrição da liberdade

intelectual é tratada como questão de disciplina necessária para não diminuir a memória

daquele que muito honrou a ordem com seus escritos. E esta restrição encontra um

5 Três das teses listadas tratavam da unicidade da forma substancial em matérias compostas.

6 Acta I (Paris, 1279) p. 204: “Cum venerabilis vir memorie recoldende fr. Thomas de Aquino, suo

converstione laudabili et scriptis suis multum honoraverit ordinem, nec sit aliquatenus tolerandum,

quod de ipso vel scriptis eius aliqui irreverenter et indecenter loquantur, eciam aliter sencientes, iniungimus prioribus provincialibus et conventualibus et eorum vicariis ac visitatoribus universis,

quod is quos invenerit excedentes in predictis, punire acriter non postponant”.

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crescente, verificada pelas admoestações feitas aos frades dominicanos através do

Capítulo Geral de 1280, para que eles tratassem assuntos teológicos e morais em

detrimento de assuntos filosóficos em suas aulas e disputationes7.

A pressão externa à ordem também permanecia, sendo alimentada mais uma vez

pelo franciscano William de la Mare que, ocupando a cadeira de teologia franciscana

em Paris, escreve seu Correctorium fratris Thomere, onde critica 117 artigos da Suma

de Teologia, questões disputadas, quodlibets e o In Sent.8 Até 1284, seu Correctorium

foi respondido com, pelo menos, cinco Correctoria corruptorii fratris Thomere,

produzidas pelos dominicanos William Hothum, Robert Orford, Richard Knapwell,

William Macclesfiels e Rambert de Bologna9.

O Capítulo Geral de 1286 segue este movimento de defesa de Tomás afirmando

que os frades dominicanos deveriam conhecer, promover e defender a doutrina de

Tomás.

Todos os frades, e cada um deles, conforme souberem e puderem,

promovam de maneira eficaz a venerável obra e doutrina do mestre fr.

Tomás de Aquino, promovendo sua memória ou, ao menos,

defendendo a opinião dele. E, caso alguém faça o contrário [...] deve

ser suspenso de seu ofício próprio até que a ordem do mestre ou do

Capítulo Geral assim o restitua. 10

E a preocupação das autoridades da ordem se estende por todos os níveis da

hierarquia que a compõem. Pois não apenas os líderes, mas também os frades que

começavam seus estudos nas escolas conventuais deveriam ser ensinados por meio das

teses de Tomás e habilitados a defendê-las. A vigilância era feita de perto. O Capítulo

Geral de 1303 trata sobre as consequências do não cumprimento das regras estipuladas:

7 Acta I (Paris, 1280) p. 209: “Monemus. Quod lectores et magistri et fratres alii questionibus

theologicii et moralibus pocius quam philosophicis et curiosis intendente”. 8 MULCHAHEY, 1998, p. 146.

9 LOWE, 2013, p. 54.

10 Acta I (Paris, 1286) p. 235: “Ut fratres omnes et singuli, prout sciunt et possunt, efficacem dent

operam ad doctrinam venerabilis magistri fratris Thome de Aquino recolende memorie

promovendam et saltem ut est opinio defendendam. Et si qui contrarium facere. Attemptaverint

assertive; sive sint magistri sive bacallarii. Lectores. Priores et alii fratres eciam aliter sencientes, ipso facto. Ab officiis propiis et graciis ordinis sint suspensi. donec per magistrum ordinis vel

generale capitulum sint restituti”.

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Uma vez que a negligência da observância das ordens dos Capítulos

for demasiado notável, determinamos primeiro que todos os vicários

que observam de perto o que foi acima mencionado punam os

transgressores com diligência. Pois, por essa premissa, aqueles que

foram negligentes devem ser punidos pelos provinciais e visitantes. 11

A transgressão ao pensamento padrão da ordem representa um perigo à unidade

intelectual da ordem e deve ser punida pelos responsáveis do local e também pelos

frades designados para visitar e inspecionar as escolas dominicais. No entanto, todas as

precauções destes Capítulos Gerais não impediram a transgressão sentida com a

circulação do In Sent [A] de Durandus em 1308. Mulchahey tem como hipótese de que

Durandus não tenha sido severamente punido por suas teses, pois ele teria afirmado que

seu Comentário que começou a circular sem aprovação prévia do mestre geral da

ordem, fora disseminado sem a sua permissão. No entanto, o Capítulo Geral de 1309

trouxesse um aviso que pode ser interpretado como direcionado especificamente a

Durandus:

Determinamos e desejamos que todos os leitores e sub-leitores leiam e

concluam segundo a doutrina e a obra do venerável doutor e frade

Tomás de Aquino, e em suas escolas informem e estudem-no com

diligência. Quem, portanto, for encontrado evocando, notadamente,

admoestações contrárias, deve ser grave e rapidamente punido pelos

priores provinciais ou pelo mestre da ordem, para que seja feito de

exemplo. 12

Como o In Sent [A] de Durandus estava sendo amplamente discutido nos vários

níveis da ordem, as autoridades dominicanas temiam que as teses desviantes da doutrina

de Tomás crescessem entre seus membros, tornando ainda mais difícil a tarefa de

11

Acta I (Paris, 1303) p. 284: “Cum ex negligencia prelatorum regulares observancie et ordinaciones capitulorum nimis notabiliter negligantur iniungimus prioribus universis et vicariis

eorumdem quod circa observanciam predictorum et punicionem transgressorum curam adhibeant diligentem qui autem circa premissa fuerint negligentes per priores provinciales e visitores debite

puniantur”. 12

Acta II (Saragossa, 1309) p. 38: “Item. Volumus et districte iniungimus lectoribus et sublectoribus uniuersis, quod legant et determinent secundum doctrinam et operam venerabilis doctoris fratris

Thome de Aquino, et in eadem scolares suos informent, et studentes in ea cum diligencia studere

teneantur. Qui autem contrarium fecisse notabiliter inventi fuerint nec admoniti voluerint revocare, per priores provinciales vel magistrum ordinis sic graviter et celeriter puniantur, quod sint ceteris in

exemplum”.

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unificação de um pensamento dominicano. Assim, o Capítulo determina a promoção da

doutrina e obra de Tomás pelos lectores e sub-lectores, determinando que suas aulas e

suas leituras não poderiam desviar das do „venerável doutor‟.

Mulchahey encara a publicação do In Sent [B], como uma resposta desobediente

de Durandus13

às recomendações do Capítulo de 1309 e à hierarquia da ordem que

recebeu com desconforto a disseminação desautorizada e o grande debate sobre o In

Sent [A]. Embora seja possível argumentar em sentido contrário. O In Sent [B],

publicado em 1310-12, contém a mesma redação da versão [A], com exceção de suas

teses mais controversas localizadas no livro II14

que foram reformuladas para esta

publicação. Caso tal reformulação não fosse feita, seria muito difícil que Durandus

tivesse recebido o título de mestre em teologia em Paris em 1312. Contudo, apesar de

apesar de receber o título, Durandus ainda é encarado como um risco para a unidade

intelectual da ordem15

.

As transgressões de Durandus são motivo de preocupação e geram

recomendações específicas no Capítulo Geral de Metz de julho de 1313:

Uma vez que a doutrina do venerável doutor e frade Tomás de Aquino

é considerada senhora e universal, e nossa ordem deve segui-la

especialmente, determinamos que é proibido a qualquer frade quando

estiver lendo, determinando ou respondendo afirmar de modo

contrário a ela. Visto que a opinião do doutor supracitado é

considerada universal, não se deve recitar ou confirmar nenhuma

opinião singular contra o que foi dito pelo doctor communis, com a

finalidade de conhecê-la e considerá-la pertinente, mas apenas

13

MULCHAHEY, 1998, p. 154. 14

Na lista de 1314 que continha 93 testes censuradas do In Sent [A] e [B] de Durandus (o “Articuli

nonaginta tres extracti ex Durandi S. Porciano O.P. primo scripto super Sententias et examinati per magistros et baccalarios Ordinis”) podemos verificar algumas teses que os frades apontam como

erradas, falsas, irracionais, fictícias e que aparecem do comentário antiquo [A] mas não no novo [B].

Destaco, por exemplo, a proposição [19] que trata do ato imanente e causa sine qua non: “huiusmodi actus immanentes sunt a generante per se et ab obiecto solum sicut a causa sine qua non”; a

proposição [20] trata da intelecção de objetos “angelus intelligit alia a se non per essenciam suam nec per species sed per ipsarummet rerum presenciam in se vel in causis, quam presenciam facit

ordo, qui non est aliud quam proporcio intellectus angelici ad omne illud quod participat natura

entis”e as proposições [29] e [30] que tratam do pecado original ou as proposições [33] e [34] que

trata do ato moral e do apetite sensitivo. “Et ita scribit in suo antiquo, sed in novo revocat illud”. 15

Iribarren afirma que outro indício disto é o conteúdo produzido por Durandus em sua quodlibeta

que escreve no final deste mesmo ano em Avignon. Durandus reafirma e enfatiza, logo na primeira

questão da obra, suas posições sobre a essência divina e a relação entre as pessoas divinas e, por isso

é rapidamente respondido com as Correctiones de Natalis. Cf: IRIBARREN, 2005, p. 220-234.

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19

reprovando-a e imediatamente respondendo-a com objeções. Portanto,

quem quer que, seja provincial ou vicário, queira inquirir sua doutrina,

e com plena ciência das premissas supracitadas for transgredi-las, será

legitimamente removido do seu ofício de leitor ou estudante. Se,

entretanto, o caso notado for outro, se por tais opiniões penetrar o

escândalo na ordem, determinamos uma punição vigorosa para

recordar o que não se deve fazer. Também os leitores da Bíblia

devem, além da leitura do próprio texto, proceder à leitura das

Sentenças, tratando de ao menos três ou quatro artigos da doutrina do

frade Tomás, evitando, entretanto, uma duração de tempo onerosa.

Ninguém deverá ser enviado a um estúdio Parisiense a não ser que

tenha estudado diligentemente durante três anos a doutrina do frade

Tomás. 16

O Capítulo Geral de Metz declara que a ordem dos Dominicanos é destinada a

seguir a doutrina de Tomás de Aquino. Ou seja, o Capítulo não apenas defende o

pensamento de Tomás, mas o assume como elemento de definição da identidade teórica

da ordem. Assim, um ataque ao pensamento de Tomás equivaleria a um ataque ao

pensamento da própria ordem dos dominicanos. Pensamentos diferentes são

interpretados como ilegais, como ataques que não ficariam impunes. “As punições para

o não cumprimento incluíam remoção do ofício de lector, e no caso de um estudante

envolvido no curriculum avançado, dispensa de seu studium17

”. Assim, os frades

dominicanos estavam proibidos de defender qualquer opinião contrária aos

ensinamentos de Tomás, não podendo sustentar afirmações contrárias a ele enquanto

estivessem ensinando, respondendo ou determinando uma disputatione. E é importante

16

Acta II (Metz, 1313) p. 64-65: “Cum doctrina venerabilis doctor fratris Thome de Aquino senior

et communior reputetur, et eam ordo noster specialiter prosequi teneatur, inhibemus districte, quod nullus frater legendo, determinando, respondendo dudeat assertive tenere contrarium eius, quod

communiter creditur de opinione doctoris predicti, nec recitare aut confirmare aliquam singularem

opnionem contra communem doctorum sentenciam in hiis, que ad fidem uel mores pertinere noscuntur, nisi reprovando e statim obiectionibus respondendo. Quicumque autem per provincialem

uel eius vicarium, qui super hiis inquirere teneantur, ex certa sciencia in aliquo premissorum inventus fuerit deliquisse, per eosdem, cum eis legitime constiterit, a lectoratus officio uel studio

absolvatur in penam; si tamen alias de huiusmodi sit notatus. Quod si ex talibus opinionibus

pertractatis scandalum sit subortum, volumus, quod acrius puniatur et ad revocandum nichilominus compellatur. Lectores quoque de texto biblie plus solito legant et in lectura de sentenciis ad minus

tres vel quatuor artículos de doctrina fratris Thome pertractet, prolixitate onerosa vitata. Nullus

eciam studium Parisiense mittantur, nisi in doctrina fratris Thome saltem tribos annis studuerit diligenter”. 17

MULCHAHEY, 1998, p. 155.

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notar, além disso, que o Capítulo declara o pensamento de Tomás como universal, ou

seja, deve ser útil e respeitado por todos, não apenas pelos dominicanos.

Segundo o Capítulo, ideias novas, „singulares‟, não eram permitidas na ordem, a

não ser que fossem introduzidas durante debates meramente como objeções a serem

refutadas rápida e imediatamente. Para que estas ideias fossem evitadas, e no intuito de

tornar todos os frades dominicanos familiares e capazes de defender os pensamentos de

Tomás, reformaram seu sistema educacional inserindo o Comentário às Sentenças de

Tomás no curriculum das scholae dominicais18

. Além das diárias aulas sobre a Bíblia e

sobre as Sentenças de Pedro Lombardo, as repetitio e disputatio diárias, o curriculum

deveria compreender também o estudo de três a quatro artigos do seu In Sent de Tomás,

em paralelo ao texto de Lombardo, por dia19

.

Além disso, o Capítulo tem um papel importante ao respaldar o monitoramento

do que era ensinado e escrito dentro dos domínios da ordem. Ele determina a retomada e

fortalecimento de uma medida seguida pelos frades desde 1256, a qual se refere à

submissão de textos para que fossem examinados e corrigidos pelo mestre da ordem

antes de se tornarem públicos.20

O Capítulo de 1313 determina que todos os textos

produzidos pelos frades sejam examinados pelo mestre geral e garante a este o poder de

vetar qualquer escrito e punir os autores, caso este seja o caso. Este poder permitia que o

mestre geral pudesse identificar materiais „singulares‟ ou que pudessem causar algum

desconforto à ordem, como os escritos de Durandus já haviam causado ao serem

disseminados sem prévio exame e aprovação. 21

18

A ordem dos dominicanos foi a primeira a pensar e estabelecer um curriculum fixo, com textos

base definidos para a formação de seus frades. A “ratio studiorum” dominicana se encontra no

capítulo geral de 1259. Foi estabelecida por uma comissão convocada por Domingos de Gusmão,

integrada por Tomás de Aquino, Alberto Magno, Bonhomme de Brittany, Florence de Hesdin e

Pedro de Tarentaise. A reforma que primeiro inclui o In Sent de Tomás ao curriculum conventual é

estabelecida no capítulo geral de 1313. Cf. Acta II (Metz, 1313), p. 64-65. Segundo Mulchahey:

“apenas uma adição formal foi feita ao curriculum conventual nos séculos medievais, e foi uma

adição no intuito de defender a abordagem das Sentenças de Pedro Lombardo [segundo o In Sent de

Tomás] pelos lectors Dominicanos”, p. 141. Sobre o curriculum dos Dominicanos cf:

MULCHAHEY, 1998, p. 130-183. (Especificamente sobre o capítulo geral de 1313, p. 141-142,

154-156). 19

Sobre o curriculum dos Dominicanos cf: MULCHAHEY, 1998, p. 130-177. 20

MULCHAHEY, 1998, p. 156. 21

Acta II (Metz, 1313), p. 65: “Proibimos escritos, tratados, compilações, respostas a questões ou o

que quer que nossos frades editem ou produzam para ser publicado fora da ordem até que sejam

examinados e corrigidos pelo venerável padre e mestre da ordem; determinamos que a verdade

comunicada para fora da ordem seja examinada pela mesma diligente correção”. “Inhibemus districte, ne scripta, tractatus, compilaciones, reportaciones questionum quarumcumque a fratribus

nostris edita vel edenda extra ordinem publicentur, quousque per venerabilem patrem magistrum

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Neste mesmo ano as ações do papa Clemente V e do novo mestre geral da ordem

dos dominicanos, Berendar de Landorra mostram visões bem diferentes no que dizem

respeito a Durandus. Por um lado, a competência de Durandus como pensador é

reconhecida pelo Papa ao convidá-lo para ensinar no studium da corte papal como

mestre do palácio sagrado de Avignon.22

Oferecendo-lhe, além de uma implícita

aprovação, uma posição ainda mais proeminente para falar. Por outro lado, Berengar de

Landorra aponta um comitê de 10 frades para examinar o corpus do trabalho de

Durandus, liderado por Hervaeus Natalis. Pierre Palude, regente de Paris, foi o

responsável pela maioria das descobertas do comitê, juntamente com Giovanni da

Napoli, lector em San Domenic em Naples e futuro mestre em St. Jacques. Após um

ano de trabalho, em 3 de julho de 1314, a primeira lista de proposições censuradas foi

produzida23

. Esta logo seria seguida por uma segunda lista produzida em 1317.

Em 1314 a lista24

produzida continha 93 teses categorizadas como heréticas,

falsas, perigosas ou meramente imprudentes, retiradas especialmente do In Sent [A], a

outra25

, produzida em 1317, continha 235 artigos nos quais Durandus se diferenciava de

Tomás. Estas listas foram enviadas para Durandus em Avignon. Por este motivo ele

redige sua Excusationes26

, apesar de enviá-las para o exame de Natalis, seu antigo

mestre continua apontando para potenciais perigos nas teses de Durandus, em uma

sequência de disputationes quodlibetales27

.

Apesar da produção de listas de censura, das admoestações e punições previstas

nos Capítulos Gerais, Durandus continuava a ensinar em Avignon e seus escritos

continuavam a despertar interesse entre os estudantes dominicanos. A primeira e a

segunda versão do seu In Sent continuavam circulando, mantendo algumas de suas

ideias mais questionáveis, e as discussões que elas fomentavam, vivas.

ordinis examinata fuerint et correcta; communicata vero extra ordinem per eumdem examinari et

corrigi volumus diligenter”. 22

Ver KOCH, 1927, p. 396-409. 23

Sobre a diferença entre censura e condenação cf: IRIBARREN, 2005, p. 184-185. 24

“Articuli nonaginta tres extracti ex Durandi S. Porciano O.P. primo scripto super Sententias et examinati per magistros et baccalarios Ordinis”. 25

“Articuli in quibus magister Durandus deviat a doctrina venerabilis doctoris fratris Thome”. 26

O pouco que conhecemos sobre sua Excusationes, o sabemos por meio das referências feitas por

Hervaeus Natalis em seu Reprobationes contra excusationum Durandi, redigido logo após o

recebimento do primeiro. Cf: IRIBARREN, 2005, p. 5. Além isso, Durandus escreve também uma

quodlibet, contra as censuras que lhe foram feitas durante sua estadia na cúria papal. Sobre a

Quodlibet I de Avignon cf: IRIBARREN, 2005, p. 220-229. 27

Cf: IRIBARREN, 2005, cap. 6: “Hervaeus‟s Quodlibetal disputations”.

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É provável que este tenha sido o motivo para a determinação de um

policiamento local mais rigoroso feito pelo Capítulo Geral 1316, que pede, inclusive

que as províncias criem estratégias para trazer a atenção de estudantes e professores de

volta à „comum e benéfica doutrina‟28

. De acordo com Mulchahey algumas províncias,

como Tolouse, apenas repetiram as determinações do Capítulo, aconselhando que seus

lectores expusessem seus materiais de acordo com Tomás. Outras províncias, no

entanto, registraram em suas atas as punições que deflagraram contra os frades que

desobedeceram às determinações estabelecidas29

.

As punições não eram, no entanto, a única medida tomada no intuito de

consolidar o pensamento de Tomás na ordem e diminuir a ocorrência de desvios. A

circulação das listas de correção de 1314 foi intensificada. Assim, mesmo que os frades

continuassem a explorar os escritos de Durandus, havendo o conhecimento dos 235

pontos nos quais Durandus se desviava da doutrina de Tomás os professores poderiam

identificar e apontar para seus alunos os problemas da leitura de Durandus, e a solução

correta no texto de Tomás30

.

As autoridades da ordem rebateram as teses de Durandus com uma série de

textos, quodlibetal, quaestiones, disputationes, e alcançavam um bom número de

membros da ordem, haja vista os espaços públicos de direito de mestre e professores

como os já citados Hervaeus Natalis, Giovanni de Napoli e Pierre Palude. Natalis foi,

inclusive, preponderante para a realização do processo de canonização de Tomás, apesar

28

Acta II (Montpellier, 1316), p. 93-94: “Uma vez que certo tratado, escritos e respostas teológicas

dos frades da nossa ordem foram compilados sem o exame e aprovação da ordem e foram publicados

contrariamente à ordem, frades que desviam da comum e benéfica doutrina podem somente dar

ocasião ao erro, queremos e desejamos que os priores provinciais em seus capítulos provinciais

aconselhem definitavamente aos estudantes a discernir tal antídoto”. “Cum quidam tractatus, scripta sive reportaciones theologie a fratribus nostri ordinis compilati sine examinacione et approbacione

ordinis contra constituciones publicati, fratres a communi et salubre doctrina retrahant et possint

saltem simplicibus dare ocasionem errandi, volumus et ordinamus, quod priores provinciales in suis capitulis provincialibus de consilio diffinitorum studeant de tali remedio providere”. 29

A província Romana foi uma das quais adotou as prescrições do capítulo. Assim, puniu o frei

Umberto Guidi, que havia estudado junto de Durandus em Paris, por ter defendido, enquanto

bacharel na studium generale em Provença, uma série de teses que iam contra os ensinamentos de

Tomás em suas respondens em uma disputatio pública, em 1315. Pela sua “má conduta e audácia”

teve que se retratar publicamente pelo que propagou publicamente contra a doutrina de Tomás. Além

disso, foi proibido de ensinar e disputar em qualquer faculdade ou servir como mestre de estudantes

ou realizar qualquer outra função acadêmica por dois anos. Foi removido de St. Maria Novella e

mandado para um convento menos importante de San Domenico em Pistoria além de permanecer

durante dez dias em penitência a pão e água. Cf.: Acta provinciae Romanae (Arezzo, 1315), p. 197.

30 MULCHAHEY, 1998, p. 158-159: “Uma cópia tardia do In Sent de Durandus, manuscrito em

espanhol de proveniência dominicana, ilustra as técnicas que os lectores provavelmente adotaram na

sala de aula, uma vez que possuíam o material de correção em mãos. Nesse manuscrito em particular

as 1314 correções foram escritas à margem do texto de Durandus nos pontos apropriados, alertando

ao leitor a solução de acordo com Tomás”.

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de ter morrido pouco antes de ver a conclusão do processo, que se deu em 1323. Além

da consequente elevação da doutrina de Tomás, pronunciada ortodoxa em 1325, dois

anos depois da canonização.

Apesar disso, Durandus ainda respondia a Natalis após a morte deste e após a

ordem ter reconhecido a ortodoxia da doutrina de Tomás. A terceira versão do seu In

Sent [C], terminada em 1327, enquanto servia como bispo em Meaux, é uma

reafirmação de todo o seu pensamento, primeiramente apresentado no In Sent [A]. O

texto desta última versão permanece o mesmo quando comparado com o In Sent [A] e

[B], apenas o livro II, que havia sido alterado para a aprovação da versão [B], sofre

novas modificações e reafirma os argumentos já presentes na primeira versão da obra.

A turbulência do período e do processo de busca de identidade dominicana é

atestada também pelas disputas geradas pelas suas produções, entre outros frades do

período. Bernardo Lombardi, bacharel dominicano, é um dos que pode ser identificado

como partidário de Durandus pelas suas leituras sobre as Sentenças durante o ano

acadêmico de 1327-28, que atacavam Tomás abertamente31

. Sua ousadia não passou

despercebida do Capítulo Geral de 1329 que declara que todos os estudantes e os

professores de teologia devem estudar diligentemente a doutrina de Tomás que é “útil

para o mundo todo32

”.

A crítica mais detalhada ao In Sent [A]33

de Durandus foi produzida por um

frade conhecido como Durandellus34

e foi publicado com o nome Evidentiae contra

31

Vollert aponta que tanto a teologia quanto a filosofia de Bernardo foram influenciadas pelo

pensamento de Durandus e também pelos Tomistas de sua época. Mas aponta que a influência de

Pedro de Palude pode ter sido responsável por Bernardo se opor a Durandus no que diz respeito à

sua doutrina do pecado original. Cf: VOLLERT, 1947, p. 137-138. 32

Acta II (Sisteron, 1329), p. 191: “Uma vez que a doutrina de Santo Tomás seja útil para todo o

mundo e honre a ordem, desejamos e ordenamos que todos os estudantes de teologia estudem

diligentemente sua doutrina e que os leitores e cursores, ao examinarem uma opinião singular em

suas lições e disputas, declarem e concluam de acordo com a doutrina do próprio doutor e alunem o

quanto puderem e do modo eficaz a opinião contrária, e se induzirem contra a doutrina da razão

sejam destituídos”. “Cum doctrina sancti Thome toti mundo sit utilis et ordini honorabilis, volumus et ordinamus, quod omnes studentes theologie in dicta doctrina studeant diligenter, lectores autem

et cursores ipsam doctrinam in suis lectionibus et disputacionibus pertractent singulariter et declarent et conclusiones eiusdem doctoris finaliter teneant, et si contra ipsius doctrinam raciones

adducant, illas teneatur solvere, et quantum poterunt, contrarias efficaciter annullare. Quicumque

autem contrarium inventus fuerit atentasse, per priores provinciales vel eorum vicários privetur officio lectorie”. 33

Apesar de ter se tornado público pouco depois da publicação do In Sent [C], Mulchahey defende a

teoria de que se trata de uma crítica ao In Sent original que ainda circulava entre os estudantes de

teologia da época. MULCHAHEY, 1998, p. 160. 34

Sobre o frade com o codinome Durandellus ver VOLLERT, 1947, p. 138-140 e p. 186-189.

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Durandum35

. Neste texto, o autor examina cada proposição na qual há divergência entre

Durandus e Tomás. Durandellus expõe primeiro o argumento de Durandus, depois o de

Tomás e, então, refuta a tese do primeiro36

. O Evidentiae se torna, assim, uma

ferramenta importante para que os frades e professores dominicanos não apenas

identifiquem os pontos nos quais Durandus se distingue de Tomás, mas que possam

defender a teoria que representa o pensamento dominicano e argumentar contra todos os

pensamentos que dela desviem. O texto será ainda bastante usado nas escolas

dominicais e na promoção deste tomismo emergente.

Durandus afirma na terceira versão do seu In Sent [C]37

, por intermédio de uma

afirmação retórica, que não pretendia contradizer Tomás, seu trabalho era feito com o

único objetivo de buscar a verdade. Lowe aponta para esta questão ao tratar das disputas

entre Durandus e Hervaeus Natalis, o mestre que fora responsável por Durandus durante

seus estudos em Paris. Segundo Lowe, Durandus rebate a crítica de Natalis de que a

rejeitação dos pensamentos de Tomás de Aquino e Aristóteles o levaram ao erro

dizendo que quando o pensamento de outre, age por necessidade, não para mérito

próprio, mas porque toma para si o papel de amigo da verdade38

. No intuito de

comprovar sua afirmação, Lowe aponta para um trecho do Comentário às Sentenças [C]

de Durandus, ao qual se refere como “Prólogus”. No entanto, não é possível encontrar

tal trecho apontado por ela no Prólogo de nenhuma das três versões existentes do texto.

Também é possível encontrar uma referência a tal citação em Vollert, que cita o

manuscrito de Venice correspondente à versão de 1571. Assim, tendo em vista

determinar a veracidade da citação e a sua análise, busquei entre o manuscrito citado,

além do manuscrito de Lyon de 1563 e pude localizar este trecho, que não tem a função

de introduzir a obra, mas de proporcionar um desfecho. O trecho em questão se trata da

Conclusão da terceira e última versão do seu Comentário, que pode ser encontrado logo

35

Não se sabe ao certo a data de sua redação e de sua posterior circulação, mas ocorreu em torno de

1330. O texto citado também é conhecido como “Solutiones, responsiones, et reprobationes

rationum et oppositionum domini Durandi”: “Frater Durandellus, magister in teologia. Scripsit

solemne scriptum contra Durandum, sive contra corruptorem, reprobans positiones eius quas ponit contra sanctem Thomam, ex dictis sancti Thomae, et ex iisdeni solvit omnia argumenta quae

Durandus fecit contra sanctum Thomam, et vocatur Corruptorium corruptorii. Incipit vero: „Sedens adversus fratrem tuum loquebaris et adversus filium matris tuae ponebas scandalum; haec fecisti et

tacui. Exisitimasti inique etc”. Catalogus Pragensis, in Institutum Hist. FF. Praed. Dissertationes

Historicae II, p. 99. Apud: VOLLERT, 1947, p. 187. 36

Durandellus produz uma análise consistente, não apenas aponta para os erros argumentativos de

Durandus, mas também é capaz de dizer em quais pontos Durandus é acusado de se desviar de

Tomás, mas, na realidade, não o faz. VOLLERT, 1947, p. 188. 37

Ver nota 39. 38

LOWE, 2013, p. 74.

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após a última questão do livro IV. Esta parte do texto de Durandus é intitulada por ele

como “Conclusio operis et modo ac tempore quo autor opus hoc prescripsit”. Nela

Durandus se remete ao trabalho que desenvolveu no decorrer desta obra e de toda a sua

trajetória intelectual, pontuada por inúmeras críticas e repressões. Seu argumento de

comprometimento com a verdade pode ser verificado na conclusão do seu Comentário

às Sentenças [C]:

Se, no entanto, alguém se dignar a elogiar o que foi escrito nesta obra,

o faça apenas para honra e glória daquele a quem se deve dar graças e

para a manifestação da verdade. Se, na verdade, este escrito for pouco

digno de elogios, o será pela minha inexperiência e não por malícia,

visto que meu desejo sempre foi buscar a verdade. Entretanto, como o

homem é pequeno, ingênuo e efêmero, não duvido, mas de fato

presumo verdadeiramente, que poderão encontrar o que julgando

melhor poderão corrigir e melhorar. O que oro e quero que seja feito

por aqueles que amam a verdade e não a repressão, de modo que tanto

o meu trabalho quanto a sua correção seja para a honra de Jesus Cristo

que diz: “Eu sou a verdade”... 39

Tendo vivido em um ambiente repleto de controvérsias e repressão, o argumento

da liberdade intelectual necessária ao fazer filosófico é reivindicado por Durandus na

conclusão do seu In Sent [C]. Ele se coloca como aquele que busca a verdade enquanto

se posiciona contra a hierarquia da ordem dos dominicanos que cerceou sua liberdade

intelectual, desde a circulação do seu primeiro trabalho, o In Sent [A], sem a aprovação

prévia do mestre geral da ordem. A identificação do fazer filosófico com a busca pela

verdade, realizada por Durandus, apesar de ser um recurso retórico, revela dois

pressupostos segundo os quais Durandus fundamenta sua filosofia: (1) o caráter de

nobreza da filosofia e (2) o caráter acumulativo do conhecimento humano. (1) No que

diz respeito à nobreza da filosofia, Durandus defende que a busca pela verdade deve ser

39

In IV Sent. [C], 12-22, “Conclusio operis et modo ac tempore quo autor opus hoc prescripsit” : “Si

autem in hoc opere aliquid digne laudabiliterque scriptum sit, illi soli sit laus et gloria, per quem

munda data est gratia, et veritas patefacta. Si vero aliquid minus digne laudabiliterque scriptum sit, meae ascribatur imperitiae et non malitiae, quia studium meum semper fuit inquirere veritaem. Sed

quia homo sum parvi ingenii et exigui temporis, non dubito, immo verissime praesumo, quod in

dictis meis multa poterunt inveniri quae meliori iuudicio poterunt corrigi et melius emendari, quod opto et oro fieri per talem quis it veritatis amator et non aemulus reprehensor, ut tam opus meum

quam correctio operis cedat ad honorem Ieus Christi, qui dicit, Ego sum veritas...”

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o objetivo maior do conhecimento humano. Tal busca não pode ser prejudicada ou

impedida por determinações autoritárias, ela deve estar acima dos jogos de poder dos

homens, o que é verificado por Durandus alegar que seu trabalho busca honrar a Cristo

que diz “Eu sou a verdade”. (2) Sobre o caráter acumulativo do conhecimento humano,

Durandus argumenta que um único homem pode ser ingênuo ou pequeno demais para

alcançar a verdade, no entanto, vários homens podem alcança-la quando trabalham de

maneira cooperativa e livre. Deste modo, parece ser correto afirmar que, para Durandus,

a repressão daqueles que estão comprometidos com a verdade corresponde a um

empecilho real ao desenvolvimento da filosofia. Resta determinar, no entanto, se

Durandus repudiava apenas a repressão que sofrera ou repudiava toda repressão que se

voltasse em direção a qualquer um empenhado no fazer filosófico40

.

Pelo tratamento dado ao tema, na conclusão do seu In Sent [C], não parece ser o

caso que Durandus defenda apenas a sua própria liberdade de filosofar. A afirmação de

que ele deseja que seu trabalho seja corrigido, caso seja necessário, com o intuito da

manifestação da verdade e não por simples ato de repressão parece confirmar que

Durandus não defendia apenas a sua própria liberdade de filosofar, mas a liberdade de

todos aqueles que, como ele, estivessem em busca de conhecer a verdade. Todos

aqueles que se ocupam da filosofia, com o intuito de contribuir com o conhecimento

humano, deveriam estar livres de repressão. Contudo, a análise de sua trajetória

intelectual parece demonstrar o contrário. Em 1326, Durandus integrou a comissão

responsável pelo exame das teses de Ockham no intuito de produzir uma lista de erro41

.

Tal acontecimento aponta para o fato de este recurso ser apenas retórico e não se

concretizar efetivamente. De fato, Durandus desempenha ações contrárias à letra de seu

texto e realiza o mesmo procedimento de repressão do qual fora alvo.

40

Cf: GARBER, 2003, p. 205-224. O problema da liberdade é entendido por Daniel Garber como

problema da história da filosofia. Por isso, apesar de Garber tomar autores do século XVII como

estudo de caso para o seu trabalho, seu argumento parece se estender para toda a história da filosofia.

Segundo ele, embora atualmente a liberdade nos pareça obviamente boa, ao analisar as palavras de

Mersenne, Descartes, Bacon e Spinoza podemos notar que nem sempre foi assim. Mersenne defende

abertamente a censura, até de textos considerados verdadeiros, caso estejam sendo usados como

instrumentos para a constituição de heresias. Bacon e Descartes, ao contrário, defendem a liberdade

de filosofar, mas não para todos, apenas para eles próprios. Segundo Garber é possível afirmar pela

análise do texto de ambos que a liberdade generalizada é considerada perigora por eles. Por fim,

segundo Garber, Spinoza trata da temática de maneira muito geral, não faz uma grande defesa da

liberdade de filosofar e por mais sofisticada que sua argumentação possa parecer, ainda é falha em

responder questionamentos como os de Mersenne. 41

Cf: FUMAGALLI, 1969, p. XIII.

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1 - A INVIABILIDADE DA OPERAÇÃO DE UM INTELECTO AGENTE NO

PROCESSO COGNITIVO

Desde o primeiro livro do seu In Sent [A] Durandus inicia o estabelecimento dos

princípios da cognição humana. Durandus compreende as dificuldades de afirmar que o

objeto cognoscível, que é material, pode ser conhecido pelo intelecto, que é imaterial.

Por um lado, afirmar que o objeto causa o ato intelectivo ocasionaria o problema de

explicar como algo menos nobre pode afetar algo mais nobre. Por outro lado, afirmar

que o intelecto tem a capacidade ativa de conhecer seu objeto ocasionaria o problema de

explicar como tal operação seria possível sem ocorrer um contato entre estas duas

instâncias incompatíveis. Devido a estes problemas, filósofos como Tomás de Aquino,

Henrique de Gant e Duns Scotus defenderam a existência de mediadores, especialmente

o fantasma, sobre o qual um intelecto agente cumpriria a função de operar separando as

qualidades singulares, abstraindo a essência universal. Durandus, no entanto, nega a

existência de tais mecanismos:

Ainda que nós não pensemos que qualidades sensíveis e objetos

sensíveis sejam menos nobres do que sentidos e percepções sensoriais,

quase todos, Agostinianos e Aristotélicos, iriam concordar que

qualidades materiais e objetos materiais são menos nobres do que

intelectos e atos intelectivos, pois os últimos são imateriais. Logo,

quase todos afirmaram uma lacuna entre o material e o imaterial, e

quase todos afirmaram um intelecto agente com a função de, ao

menos, explicar como o menos nobre pode afetar o mais nobre ou

proporcionar uma forma mais nobre. (...) Durandus, no entanto,

acredita ser difícil de compreender como afirmar um intelecto agente

poderia, simplesmente, permitir que o menos nobre afete o mais

nobre. Ele examina inúmeras teorias diferentes neste contexto e

conclui que nenhuma delas pode realmente explicar o que necessita de

ser explicado. 42

Para Durandus, a relação entre objeto cognoscível e poder cognitivo não é

explicada pela ação de um suposto intelecto agente. Portanto, em sua determinação do

processo cognitivo humano nega, não apenas a existência de um intelecto agente, mas

também de tudo o que este pressupõe: essências universais nos particulares, espécies

sensíveis, fantasmas e abstração.

42

HARTMAN, 2012, p. 41-42.

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As duas listas de proposições censuradas de 1314 e de 1317 contém proposições

relativas à teoria cognitiva43

de Durandus e apontam como equivocada sua crítica ao

conceito de intelecto agente. As listas foram redigidas a partir do exame da primeira

versão do In Sent [A] de Durandus, apontando para o fato de que a defesa da falsidade

do intelecto agente já estava presente em sua obra desde o início de sua trajetória

intelectual. Na lista de proposições censuradas de 1314, composta por 93 teses

categorizadas como heréticas, falsas, perigosas ou imprudentes, a posição de Durandus

sobre a o intelecto agente é apontada como falsa pela comissão de frades reunidos por

Berengar de Landorra.

E sobre o que é dito em In I Sent. [A], d. 3, q. 4, sua posição deve ser

reprovada, o que pode ser lido, diz do seguinte modo: “ a razão que

fez isso não é hábil, uma vez que ainda não é certo que o intelecto

agente faça parte da alma e tenha, nela ou em qualquer outro lugar, o

seu local supremo. Nem Agostinho o fez alguma vez, nem é próprio

ocorrer a alguém que seja necessário afirmar um intelecto agente”.

Falso, fragiliza o princípio da teologia, embora use o nome de

Agostinho. 44

Entendo que, subjacente a esta crítica de que as afirmações de Durandus são

falsas se encontra uma preocupação com a metafísica tal qual constituída pelo autor. Ela

determina toda a sua compreensão e estruturação do mundo, assim influencia também

toda a sua obra, desde a determinação dos processos cognitivos humanos, até mesmo a

teologia. Além disso, é interessante notar que apesar de Durandus anunciar uma

pretensa subserviência à autoridade de Agostinho, ele é censurado justamente por ir

contra Agostinho. Sua crítica a respeito da noção de intelecto agente não ressalta apenas

sua visão crítica aos ensinamentos da ordem dos dominicanos, mas também os da

ordem dos franciscanos, pautados pelos ensinamentos de Agostinho.

43

As listas são extensas e, além de tratarem sobre a cognição, apontam para muitos outros temas.

Podemos destacar, entre eles, a essência divina, o modo pelo qual se dá a intelecção angélica, a

relação entre as pessoas divinas, o pecado original e etc. 44

“[2] d. 3 q. 4 et ultima primo articulo posicionis reprovando unum modum dicendi, quem recitat,

dicit sic: “secundum motivum non valet, quia nondum est certrum quod intellectus agens inter partes anime teneat locum aupremum vel aliquem locum, nem Augustinus fecit unquam de eo

mencionem, nec forte oportet aliquem intellectum agentem ponere”. Falsum, enervans principia

theologie, quamvis Augustini hic utatur nomine”. In: KOCH, 1973. p. 54. (Articuli nonaginta tres

extracti ex Durandi S. Porciano O.P. primo scripto super Sententias et examinati per magistros et

baccalarios Ordinis).

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Na lista de 1317, composta por 235 artigos nos quais Durandus se diferenciava

de Tomás, consta também a mesma tese de Durandus que afirma que o intelecto agente

não deve ser afirmado como parte da alma. Neste caso, tal tese é apontada como sendo

contra a doutrina comum, contra Tomás de Aquino, Agostinho e Aristóteles.

Diz no In I Sent. [A], d. 3, a. 4, que “não é certo que o intelecto agente

faça parte da alma nem que tenha, nela ou em qualquer outro lugar,

seu local supremo; nem Agostinho o fez alguma vez, nem é próprio

ocorrer a alguém que seja necessário afirmar um intelecto agente”,

como será exposto a seguir (cf. I 2). Contra a doutrina comum e

contra o filósofo em De anima III e Tomás de Aquino em ST. I q.79

a.3.45

Para compreender a crítica que Durandus faz à noção de intelecto agente se faz

necessário analisar o Comentário às Sentenças de Pedro Lombardo I, distinção 3,

questão 5 [C]46

. Na presente questão, Durandus afirma que o intelecto agente é incapaz

de operar, seja sobre os fantasmas, seja sobre o intelecto possível47

.

Durandus reconhece que a dicotomia entre o material e o imaterial representa

uma dificuldade considerável na compreensão de como nosso intelecto poderia perfazer

um processo de aquisição de conhecimento das coisas materiais. Segundo ele, a função

da noção de abstração seria explicar como o processo cognitivo pode ocorrer, mas, para

ele esta noção não é adequadamente elucidada pelos filósofos que a defendem, e nem é

capaz de vencer a dificuldade de explicar como algo menos nobre, material, poderia

afetar o mais nobre, imaterial. Além disso, o objetivo da abstração seria acessar a

quididade universal existente no singular, mas, para Durandus, o universal é produto da

45

“[8] d. 3 a. 4 dicit, quod non est certum quod intellectus agens inter ceteras partes anime teneat

supremum locum nec aliquem locum; nec Augustinus unquam de eo fecit mencionem, nec forte oportet aliquem intellectum agentem ponere, ut infra patebit (cf. I 2). Contra communem doctrinam

et philosophi 3 de anima et Thome ubique p. I q. 79 a. 3”. In: KOCH, 1973, p. 73. (Articuli in quibus

magister Durandus deviat a doctrina venerabilis doctoris fratris Thome). 46

As censuras de 1314 foram produzidas a partir do exame do In Sent [A] de Durandus que foi

redigido em 1308. Entretanto, eu analiso o texto da última versão, o In Sent [C], terminada em 1327,

para analisar o problema apontado pelas censuras. Isto porque, a edição crítica do Prólogo e das três

primeiras distinções do In Sent [A] ainda não foi finalizada. A terceira versão da obra, no entanto,

está disponível. Além disso, pelo exame das proposições censuradas referentes à primeira versão e

do conteúdo relativo ao In I Sent. [C], d. 3, q. 5 é possível identificar que não há discrepância os

conteúdos disponíveis e o conteúdo apontado do In I Sent. [A], d. 3, q. 4. Portanto, procedendo deste

modo, é possível perfazer o propósito do presente trabalho. 47

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 4 “nec in fantasmata nec in intellectum possibilem habet aliquam

actionem”.

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operação intelectual, nada de universal poderia ser no singular: ao singular só cabem

qualidades singulares48

.

Ademais, Durandus adiciona mais um argumento contra a noção de abstração: a

impossibilidade da existência de fantasmas. Para ele, uma vez que o homem é um ser

composto de corpo e intelecto, os sentidos são parte inegavelmente importante para o

conhecimento humano. Disto não se segue, entretanto, que seja correto afirmar um

fantasma produzido pelo órgão da imaginação sob o qual o intelecto agente deva agir

abstraindo. Para Durandus se existissem fantasmas eles seriam produzidos por um órgão

interno a partir da reunião das afecções dos sentidos externos, ainda carregariam

características individuantes próprias da matéria e, assim não poderiam representar ou

conter uma forma ou quididade49

e nem mesmo o intelecto agente poderia operar sobre

ele.

Assim, o objetivo deste capítulo é analisar a crítica de Durandus segundo a qual

o intelecto agente é incapaz de operar tanto abstraindo sobre os fantasmas, quanto

influindo sobre o intelecto possível. A conclusão é a de que, como o intelecto agente

não perfaz nenhuma operação,50

não deve ser admitido como parte da alma humana. Ele

é excessivo e postular sua existência não contribui em nada com o processo cognitivo.

48

IRIBARREN, 2008, p. 53: “Sublinhando esta afirmação está a maneira nominalista de Durandus

compreender os universais, pela qual o universal é formalmente o resultado de um ato do intelecto:

nada real é um universal, e o que quer que exista na realidade extramental é, de fato, singular”. 49

In I Sent. [C], d. 36 q. 3: “quidditates rerum secundum suas rationes specificas et perfectiones

earum secundum modum specificum quo eis conveniunt, non sunt ideo formaliter et proprie sed solum metaphorice, nec aliquid formaliter in Deo existens correspondens eis secundum

similitudinem. Ergo, res creatae quantum ad suas quidditates secundum rationem earum

specificam… non habent essentiam divinam propter idea”. 50

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 26: “Portanto, o intelecto agente não age nos fantasmas nem

imprimindo algo, nem abstraindo algo, nem segundo a coisa, nem segundo a razão. Nem age no

possível, nem sem fantasma, nem com fantasma”. “Cum ergo intellectus agens non agat in fantasmata aliquid imprimendo uel aliquid abstrahendo, neque secundum rem neque secundum

rationem, nec agat in intellectum possibilem, nec sine fantasmate nec cum fantasmate”.

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1.1- A DEMONSTRAÇÃO DE QUE O INTELECTO AGENTE NÃO OPERA

SOBRE OS FANTASMAS

A questão quinta do Comentário às Sentenças [C], Livro I, distinção 3, é a

questão na qual Durandus pretende provar que o intelecto agente é falso e não deve ter

sua existência afirmada. Sua argumentação será desenvolvida a partir dos conceitos de

universal e fantasma. Ele defende a premissa de que o universal é produto da cognição

humana e, por isso, é totalmente dependente do intelecto, não existindo antes da

intelecção. O universal não existe no objeto singular, assim o fantasma não pode ser

uma similitude dele. Além disso, Durandus defende que o fantasma é particular e não

poderia conter ou representar nenhum universal. Para defender este ponto, no início da

questão Durandus utiliza as noções de ato e potência. Durandus compreende que a

noção de forma é relacionada à noção de ato e, do mesmo modo, a noção de matéria é

relacionada à noção de potência. Como forma do homem, o intelecto e suas operações

são caracterizadas pela sua atualidade e o corpo, seus órgãos e operações pela

potencialidade51

. Como o fantasma é entendido como uma imagem sensível produzida

na imaginação, que é órgão corporal, tem potencialidade inerente a si. Por isso,

Durandus defende a inviabilidade de uma ação intelectiva sobre os fantasmas, visto que

nos fantasmas há potencialidade, não há nenhuma ação.

Sellés aponta um suposto erro de Durandus no que diz respeito à caracterização

da noção de fantasma:

Estes argumentos do mestre de St. Pourçain incluem um equívoco ao

fundo, a saber, que os fantasmas sejam corporais, pois eles não são.

Com efeito, são imateriais, pois na imaginação só é corpóreo o suporte

orgânico da faculdade (o cérebro), mas não o são os objetos

conhecidos ou fantasmas (e tão pouco os atos cognitivos). Com tudo,

apesar dos fantasmas serem incorpóreos, são particulares, não

universais (como são os objetos do intelecto possível). 52

Acredito que seria útil traçar uma divisão mais clara do que a feita por Sellés

neste parágrafo. É preciso identificar o que é compreendido como corporal e o que é

51

In II Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 4: “Pois a essência da alma é o ato do corpo”. “quia essentia anime est actus corporis”. 52

SELLÉS, 2011, p. 350-351.

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compreendido como intelectual. Os universais são o produto dos atos cognitivos e,

assim, objetos do intelecto possível. Já os fantasmas, considerados de modo hipotético

por propósitos argumentativos, apesar de tidos como imateriais, não fariam parte deste

registro. Os fantasmas seriam considerados como constructos resultantes das percepções

sensíveis do homem, produtos da imaginação que é órgão corporal. Durandus não

afirma que o fantasma seja compreendido como corporal, mas como um algo corporal:

“fantasma autem est quid corporeum”. 53

Por “algo corpóreo”, Durandus entende que o

fantasma possuiria características individuantes próprias da matéria, tais como a sua

particularidade. É devido a esta característica que o fantasma poderia existir na

imaginação e não poderia existir no intelecto. Se universal e particular são noções

incompatíveis, sendo a primeira compreendida no âmbito intelectual e a segunda no

âmbito corporal, o fantasma deve ser compreendido como pertencente a este último

âmbito, por ser particular, mesmo que não seja propriamente um corpo. Usar o nome

“cérebro” para designar o suporte orgânico da faculdade pode tornar a análise confusa.

A imaginação é órgão corporal e o intelecto é órgão intelectual. Estas designações são

suficientes para compreender que os fantasmas pertenceriam à imaginação e os atos

cognitivos ao intelecto. A partir destes pressupostos, Durandus defenderá que por conta

de tal significação dos fantasmas eles não poderiam conter ou representar o universal ao

intelecto. Para ele, os fantasmas não são objetos do intelecto, pois, por um lado, os

fantasmas seriam particulares, por outro o intelecto agente não seria capaz de operar

nem abstraindo algo deles, nem imprimindo algo neles.

A demonstração da inviabilidade de uma ação intelectiva sobre os fantasmas é

feita através da refutação das duas vias por intermédio das quais o intelecto poderia

operar sobre os fantasmas. Se o intelecto operasse, o faria imprimindo algo nos

fantasmas ou abstraindo algo deles54

.

Toda virtude que é recebida no corpo, nem por si, nem segundo

espécie pode ser senão no corpo, é completamente corpórea, não

53

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 6 “fantasma autem est quid corporeum” 54

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 4: “Do mesmo modo, se é necessário afirmar um intelecto agente, este

será por aquela operação que é necessária ao ato de inteligir. Entretanto, a operação do intelecto

agente não pode inteligir senão nos fantasmas ou senão no intelecto possível. Mas nem nos

fantasmas nem no intelecto possível [o intelecto agente] perfaz alguma ação, como será declarado.

Portanto, é falso afirmar um intelecto agente.”. “Ideo si necessarium est ponere intellectum agentem,

hoc erit propter aliquam operationem eius necessariam ad actum intelligendi; operatio autem

intellectus agentis non potest intelligi nisi in fantasmata uel nisi in intellectum possibilem, set nec in fantasmata nec in intellectum possibilem habet aliquam actionem, ut declarabitur; ergo fictitium est

ponere intellectum agentem”.

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obstante ela seja efetivamente um espírito criado ou incriado.

Ademais, qualquer virtude impressa nos fantasmas pelo intelecto

agente é no corpo, como é evidente. E ela, nem por si mesma, nem

segundo espécie, pode ser senão no corpo, visto que no corpo e no

espírito não há nenhuma propriedade comum de maneira una e

unívoca. Logo, esta virtude, se assim fosse, seria meramente corpórea.

Mas, por tal virtude a imaginação não pode mover o intelecto

possível, ser puramente corpórea é a razão pela qual não pode movê-lo

por si. Logo, tal virtude refuta que a razão mova o intelecto possível,

seja por si, seja por meio de fantasmas. 55

A primeira demonstração de que o intelecto não imprime nada nos fantasmas é

estruturada tendo em vista a dicotomia entre corpo e intelecto. O fantasma possui em si

um traço derivado da materialidade, ele é um particular, enquanto o intelecto é forma, é

imaterial. O corpóreo, entretanto, não pode atuar sobre o incorpóreo. Assim, não é

possível aceitar que o fantasma possa mover o intelecto. Entretanto, por fins

argumentativos, Durandus supõe que o intelecto agente fosse capaz de imprimir algo no

fantasma. Isso porque, se afirmamos um intelecto agente o fazemos pela sua função56

,

neste caso, o intelecto agente imprimiria uma virtude no fantasma para que este último

movesse o intelecto possível da passividade para atualidade em relação ao

conhecimento. Contudo, mesmo que o intelecto agente fosse capaz de imprimir uma

virtude no fantasma, qualquer virtude impressa no fantasma seria no corpo, uma vez que

os fantasmas são produzidos na imaginação que é órgão corporal. Deste modo, se a

operação do intelecto agente fosse tal que procedesse imprimindo algo nos fantasmas

com o objetivo de mover o intelecto possível, esta operação seria completamente

inviável. Uma virtude impressa nos fantasmas, mesmo que a tenha sido por obra do

intelecto agente, seria em um particular, pois o fantasma é no corpo, que é material,

enquanto o intelecto possível é imaterial e o particular não pode afetar o universal.

55

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 5: “omnis uirtus que recipitur in corpore et nec ipsa nec eadem

secundum speciem potest esse nisi in corpore, est mere corporea, non obstante quod ipsa sit effectiue a spiritu creato uel increato; set quecunque uirtus impressa fantasmatibus ab intellectu

agente est in corpore, ut de se patet, et ipsa nec eadem secundum speciem potest esse nisi in corpore, quia in corpore et spiritu nulla est communis proprietas recipiendi aliquid unum et

uniuocum; ergo illa uirtus, si qua esset, mere est corporea; set per talem uirtutem non potest mouere

fantasia intellectum possibilem cum sit pure corporea ea ratione qua non potest secundum se; ergo talis uirtus frustra ponitur cum tota ratio ponendi ipsam sit ut ipsa sit fantasmatibus ratio mouendi

intellectum possibilem”. 56

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 4: “Do mesmo modo, se é necessário afirmar um intelecto agente, este

será por aquela operação que é necessária ao ato de inteligir”. “ideo si necessarium est ponere

intellectum agentem, hoc erit propter aliquam operationem eius necessariam ad actum intelligendi”.

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Portanto, o intelecto agente não pode imprimir nenhuma virtude no fantasma que possa

mover o intelecto possível à ação intelectual.

A segunda demonstração de que o intelecto não imprime nada nos fantasmas é a

que leva em conta a superioridade do intelecto angélico em detrimento do intelecto

agente.

Visto que se o anjo não pode imprimir a forma imediata na matéria

corporal, é evidente que muito menos que isto pode o intelecto agente.

O fantasma é um algo corpóreo, portanto o intelecto agente não pode

imprimir nenhuma forma nos fantasmas. 57

Para dar conta do conteúdo desta passagem, precisamos compreender qual a

função do anjo no contexto da cognição58

. Ao analisar a cognição humana devemos

levar em conta que o intelecto humano, enquanto forma do corpo, tem sua operação

determinada, de certo modo, pelos sentidos. O homem, como ser composto, depende

dos sentidos para constituir conhecimento. Por um lado, os sentidos podem ser

considerados como princípio para o conhecimento59

pois têm o papel de proporcionar o

objeto ao intelecto, de tal sorte que, se um objeto não for percebido, não poderá ser

inteligido pelo intelecto humano. Por outro lado, também podem denotar algum tipo de

limitação, pois parece ser correto afirmar que, caso o objeto inteligível não se apresente

ao poder cognitivo pelos sentidos, o conhecimento não se dará. Com a finalidade de

analisar o processo de cognição, evitando este limitador, podemos fazer um

experimento de pensamento e analisar um intelecto separado das condições

individuantes: o intelecto angélico.

Assim, no intuito de determinar a natureza da cognição, Durandus toma o

intelecto angélico como experimento de pensamento para compreender a cognição

humana. Para Durandus, ambas as formas, humana e angélica, pertencem à mesma

espécie de substância incorpórea. Havendo, entretanto, uma hierarquia entre as duas: a

forma angélica deve ser considerada mais nobre do que a humana60

. O que faz com que

o intelecto angélico seja considerado mais nobre não é a diferença de natureza entre

57

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 6: “(..) quia si angelus non potest in materia corporali imprimere

formam immediate, uideretur quod multo minus hoc posset intellectus agens; fantasma autem est

quid corporeum; ergo intellectus agens nullam formam potest fantasmatibus imprimere”. 58

Este assunto será analisado mais detalhadamente no terceiro capítulo desta dissertação. 59

Cf: In II Sent. [C], d. 3, q. 6, n. 8. 60

IRIBARREN, 2008, p. 53. “Da maneira que [Durandus] vê, os benefícios da imaterialidade

angélica não são refletidos em sua individualidade, mas em seu modo de operação. Ambas as almas

angélicas e humanas pertencem à mesma espécie de substâncias incorpóreas”.

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ambas, mas apenas sua relação com o material. O homem é composto de matéria e

forma, sendo o intelecto a forma do corpo material, por isso seu intelecto é, meramente,

uma forma separável. O anjo, ao contrário, não é um ser composto, mas é simples,

portanto seu intelecto é uma forma separada. Segundo Durandus, “a perfeição de algo é

mensurada segunda a perfeição de sua forma61

”, por isso o intelecto angélico é

considerado mais perfeito do que o intelecto humano.

No que diz respeito à cognição das coisas materiais, Durandus deixa claro que o

abismo entre o material e o imaterial não é superado nem mesmo pelo intelecto

angélico62

, este que é muito mais perfeito que o intelecto agente. Isto porque, mesmo

que o intelecto agente tenha o poder de imprimir conceitos universais em outros

intelectos, não o pode fazer em particulares. Para Durandus, o particular nunca poderia

conter um universal. Se nem mesmo o intelecto angélico, mais perfeito que o intelecto

humano, é capaz de imprimir a forma imediata na matéria, a possibilidade do intelecto

agente possuir esta capacidade deve ser totalmente descartada. Assim, devemos admitir

que o intelecto agente não age imprimindo nada nos fantasmas.

Estes dois argumentos apresentados por Durandus parecem ser fundamentados

em duas premissas: (1) o corpóreo (singular) não pode operar sobre o incorpóreo

(intelecto) e (2) o incorpóreo (intelecto) não pode operar sobre o corpóreo (singular). A

premissa (1) embasa o primeiro argumento de Durandus e parece ser aceita com mais

facilidade: o corpóreo não pode operar sobre o incorpóreo, portanto, o fantasma não

pode mover o intelecto. Isto porque a característica corpórea do fantasma, sua

particularidade, impediria uma ação sobre o intelecto que é incorpóreo. Em

contrapartida, a segunda premissa, que é encontrada no segundo argumento parece ser

mais difícil de ser compreendida: (2) o incorpóreo não pode operar sobre o corpóreo,

portanto, o intelecto agente não pode imprimir nada nos fantasmas. Uma possível

objeção a este argumento é que o intelecto deve ser capaz de operar sobre os fantasmas,

porque o mais perfeito deve ser capaz de atuar sobre um menos perfeito, como afirma

Sélles: “Deve-se aceitar sua primeira conclusão e negar a segunda: afirmar a primeira,

porque nada sensível pode alterar a inteligência; negar a segunda, porque o espiritual (a

61

In II Sent.[C], d. 3, q. 1, n. 10: “Quia perfectio rerum mensuratur secundum perfectionem

formarum”. 62

In II Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 6: “angelus non potest in materia corporali imprimere formam

immediate”. “O anjo não pode imprimir a forma imediata na material corporal”.

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anjo, o intelecto agente, etc.) pode atuar sobre o sensível63

”. É necessário, no entanto,

perceber que Durandus não procura defenser que o incorpóreo é incapaz de operar sobre

o corpóreo, pura e simplesmente. Aqui, Durandus pretende defender duas coisas: (A) as

teorias que defendem a existência de fantasmas não são capazes de explicar o contato

que seria resultante de uma operação do intelecto sobre o fantasma. Para Durandus, não

há resposta satisfatória para esclarecer como o incorpóreo operaria sobre o corpóreo.

Não é claro como poderia ocorrer tal operação sem a admissão de um contato e o

contato, por sua vez, indicaria materialidade no intelecto, o que é um absurdo. Durandus

procura negar todas as opiniões que não se sustentam e também as que são obscuras, de

tal modo que considera que seus argumentos são suficientes para demonstrar que o

intelecto não imprime nada nos fantasmas. (B) Durandus defende que mesmo que o

intelecto seja capaz de operar sobre os singulares ele não poderia imprimir nada

universal neles, não porque nega que o mais nobre possa afetar o menos nobre, mas pela

limitação que a materialidade contida nos singulares representa: o que é singular nunca

poderia conter um universal.

Neste primeiro momento Durandus analisou a hipótese, apenas com o intuito de

negá-la, de que se houvessem intelecto agente e fantasmas o intelecto agente imprimiria

algo nos fantasmas. A estratégia de Durandus consiste em negar todas as possibilidades,

ainda que aparentemente absurdas, segundo as quais seria possível defender a existência

de um intelecto agente conjunto à alma. Por isso, a investigação prossegue tendo em

vista determinar que o intelecto agente também não abstrai nada dos fantasmas, nem por

uma abstração real, nem por uma abstração segundo a razão64

.

Não é real visto que tal abstração real ou seria uma separação daquilo

que preexiste ao ato nos fantasmas, como abstraída ou separada uma

pedra de um rochedo, ou como separado o acidente do substrato pela

corrupção do acidente. Ou ao modo da virtude divina. Ou segundo a

tal abstração que retira da potência para o ato como a forma dita que

retira ou abstrai da potência do substrato. 65

63

Esta possibilidade de rejeição do argumento apresentado por Durandus é apontada por Sélles em:

SELLÉS, 2011, p. 351. 64

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 7: “Secunda pars probatur, scilicet quod intellectus agens non agit in

fantasmata aliquid abstrahendo uel remouendo, quia illa abstractio uel esset realis uel secundum

rationem”. 65

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 7: “Non realis, quia talis realis abstractio uel esset realiter separatio

alicuius preexistentis actu in fantasmatibus, sicut abstrahitur uel separatur lapis ab altero lapide,

uel sicut separatur accidens a subiecto per corruptionem accidentis, uel alio modo uirtute diuina, uel talis abstractio uocatur eductio alicuius de potentia ad actum, sicut forma dicitur educi uel

abstrahi de potentia subiecti”.

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Segundo Durandus, se o intelecto agente existisse não poderia abstrair nada dos

fantasmas por intermédio de uma abstração real, isto porque a abstração real pode ser

dita de dois modos, nenhum dos quais seria realizado pelo intelecto. O primeiro modo

de abstração real é aquele que indica a separação do que preexiste ao ato nos fantasmas.

O intelecto teria que operar separando a materialidade preexistente nos fantasmas e

acessando apenas a atualidade, a forma contida neles. A posição de Durandus, no

entanto, é a de que, se houvessem fantasmas, não haveria nenhuma forma neles, porque

o universal não se encontra no particular. Durandus se baseia nesta premissa para

recusar a possibilidade do primeiro modo de abstração real:

O primeiro não se pode dizer, visto que não há qualquer ato nos

fantasmas que indique neles seu ser para a presença do intelecto

agente, nem pela corrupção. Nem pela translação para o intelecto

possível como se fosse anterior nos fantasmas e posterior no intelecto

possível, visto que a forma não migra de substrato em substrato. 66

Se admitíssimos, por propósitos argumentativos, a existência de intelecto agente

e fantasmas, ainda assim não seria possível que o intelecto agente operasse abstraindo

uma forma atual presente nos fantasmas, precisamente porque não haveria tal forma nos

fantasmas. O fantasma, como produto da imaginação que é um órgão interno, seria um

particular e, por isso, não poderia conter uma forma, um universal. Ademais, não é

possível conceber uma abstração real do fantasma, uma vez que ele não é compreendido

como real. O fantasma não é compreendido como existente no mundo, mas nos órgãos

internos do homem, assim, não seria possível abstrair realmente dele. Esta operação,

compreendida como a separação de uma pedra de outra, ou corrupção do acidente de

modo a separá-lo do sujeito, não se aplicaria ao fantasma. Além disso, se houvesse

alguma forma no fantasma, ela preexistiria à intelecção, não seria produto dela e seria

apenas comunicada ao intelecto possível. Todavia, para Durandus, não é claro como

este processo poderia ocorrer, visto que uma abstração do fantasma pressuporia um

contato que não pode ser admitido entre intelecto e particular.

66

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 7: “Primum non potest dici, quia nichil est actu in fantasmatibus quod

desinat in eis esse ad presentiam intellectus agentis, neque per corruptionem neque per translationem ad intellectum possibilem tanquam prius esset in fantasmatibus et postea in intellectu

possibili, quia forma non migrat de subiecto in subiectum”.

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O segundo modo de abstração real negado por Durandus é aquele segundo o

qual algo é abstraído ou atualizado.

[...] Visto que se uma forma for retirada da potência ao ato, ela própria

seria retirada nela como se no substrato do qual a potência é retirada.

Portanto, se o intelecto agente retirasse alguma forma de potência

passiva do fantasma, fossem espécies inteligíveis ou qualquer outra

forma, a própria forma estaria nos fantasmas como em um substrato.

Assim, o intelecto agente agiria nos fantasmas imprimindo algo,

certamente a forma que retirara, retornando ao primeiro membro

imediato anterior ao reprovado. Logo, tal abstração não pode ser real. 67

Para desqualificar o segundo modo de abstração real, Durandus considera o

pressuposto de que o objeto cognoscível é em ato na natureza. Se um processo ocorresse

de modo a constituir um fantasma, este não seria exatamente como a coisa singular. O

caráter potencial do fantasma o incapacitaria de conter ou representar a universalidade,

ele nunca poderia realizar plenamente a essência de sua espécie. Outro argumento

utilizado por Durandus é que, se o intelecto agente abstraísse do fantasma atualizando

sua forma da potência para ato, teríamos que admitir que a forma seria no fantasma

como em um sujeito. Contudo, o fantasma não é compreendido como um ente real, não

existe independentemente da imaginação. Se o fantasma fosse considerado como um

sujeito a atualização de sua potência seria realizada pelo intelecto agente. Este

imprimiria algo de modo a atualizar o que estaria em potência no fantasma, para

atualizar tal potência, no entanto, o intelecto agente teria que imprimir a própria forma

que se assume que ele abstraiu do fantasma, o que, claramente, não se sustenta.

Além da abstração real, Durandus também nega que o intelecto agente possa

operar sobre os fantasmas abstraindo segundo a razão:

Todo ato da razão é cognitivo sobre o qual o intelecto conhece

objetivamente. Entretanto, o agente não age sobre os fantasmas como

o cognoscente sobre o conhecido, visto que nem o intelecto agente

conheceu os fantasmas, nem sua ação é o conhecimento. Assim, se

toda cognição intelectual é pressuposta segundo seu próprio poder, sua

67

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 7: “Nec secundum potest dici, quia cum aliqua forma educitur de potentia in actum, ipsa educta est in illo tanquam in subiecto de cuius potentia educitur. Si ergo

intellectus agens de potentia passiua fantasmatum educeret aliqua formam, siue esset species

intelligibilis siue quecunque alia forma, ipsa educta esset in fantasmatibus sicut in subiecto, et ita intellectus agens ageret in fantasmata aliquid imprimendo, scilicet formam quam educeret; et

rediret primum membrum immediate prius reprobatum. Talis ergo abstractio non potest esse realis”.

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ação sobre os fantasmas não é a abstração segundo a razão. Nem, de

qualquer outro modo age neles, nem imprimindo algo, nem abstraindo

algo. Nem realmente, nem logicamente. 68

São duas as premissas que fundamentam a negação de que o intelecto agente

possa operar abstraindo dos fantasmas segundo a razão. A primeira é que o intelecto

deve conhecer seus atos cognitivos. Se o intelecto agente opera, esta operação é um ato

cognitivo que deve ser conhecido por ele, logo, se opera sobre os fantasmas deve

conhecê-los. Isto, porém, não ocorre. O fato de que o intelecto agente não tem

conhecimento dos fantasmas seria uma evidencia de que ele não opera abstraindo sobre

eles. O argumento apresentado aqui é similar ao exposto no In II Sent [C], d. 3, q. 6, no

qual Durandus analisa a noção de espécie:

Tais espécies, se conduzissem à cognição de outra coisa, o fariam por

razão de similitude. Que é comumente chamada de similitude da

coisa. E, assim, teria a razão de uma imagem. Mas uma imagem que

leva à cognição daquilo de que é uma imagem é conhecida primeiro, o

que não pode ser dito de tais espécies. 69

Na referida passagem, Durandus afirma que se existissem espécies inteligíveis70

elas seriam como imagens das coisas. Porém, a evidência de que tais espécies não

existem seria o fato de que o intelecto não as conhece. Para Durandus, o intelecto deve

conhecer uma imagem que o conduz ao conhecimento de outras imagens. Assim como

através de uma fotografia é possível conhecer algo: o intelecto primeiro conhece a foto e

depois conhece aquilo que ela o conduz a conhecer71

. Assim, segundo Durandus, se

68

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 8: “(...) omnis actio rationis est cognoscentis circa cognitum obiectiue

intellectus; set agens non agit circa fantasmata sicut cognoscens circa cognita, quia nec intellectus

agens fantasmata cognoscit nec sua actio est cognitio, imo presupponitur omni cognitioni intellectuali secundum ponentes ipsam; ergo sua actio circa fantasmata non est abstractio secundum

rationem. Nullo ergo modo agit in ea, nec aliquid imprimendo nec aliquid abstrahendo, neque secundum rem neque secundum rationem”. 69

In II Sent. [C], d. 3, q. 6 n. 11: “Talis species, si duceret in cognitionem alterius, hoc faceret

ratione similitudinis. Unde communiter uocatur similitudo rei. Et sic haberet rationem imaginis. Imago autem ducens in cognitionem illius cuius est imago est primo cognita, quod non potest dici de

tali specie. Ergo, etc”. 70

Por questão de escopo não analisaremos detalhadamente a noção de espécie neste texto. Sobre este

tema ver: HARTMAN, 2012, p. 138-177; HARTMAN, 2013, p. 19-34 e KLIMA, 2004, p. 4-11. 71

HARTMAN, 2013, p. 21: “O argumento de Durandus é simples. Para uma imagem representar o

que ela representa, deve ser apreendida antes do que ela representa seja apreendido, pois, no geral,

representações são objetos de cognição. (...) Por exemplo, a palavra “Hercules”, a estátua de

Hercules no pátio, e seu reflexo no lago, cada um representa Hércules, e para que possam fazer isso,

eles devem ser apreendidos previamente: Sócrates ouve a palavra “Hercules” ou vê sua estátua ou

seu reflexo no lago e então ele pensa sobre Hercules. Consequentemente, uma species é conhecida.

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existisse espécies inteligíveis fundamentais no processo de cognição o intelecto deveria

conhecê-las. O mesmo raciocínio é válido para o caso dos fantasmas: se existisse um

intelecto agente com a função de operar abstraindo sobre fantasmas, ele deveria ter

conhecimento de tais fantasmas, o que não ocorre.

A segunda premissa é a de que o intelecto agente não pode abstrair dos

fantasmas, porque se o fizesse, não teria como objetivo conhecer os fantasmas, mas uma

quididade presente neles, que Durandus acredita também não existir. O intelecto deveria

operar separando a quididade do fantasma das condições individuais, de modo que,

assim separada, ela se encontrasse segundo si, inteligível. E, sendo a quididade

inteligível por si, não haveria nenhum obstáculo para a apreensão intelectual. Porém,

este argumento não apresenta de que modo o intelecto agente separaria, segundo a

razão, a quididade das condições individuantes representadas nos fantasmas72

. E

Durandus pondera que não se deve aceitar uma operação que não pode ser provada.

Contudo, este não é um ponto pacífico. Sélles afirma que Durandus está

equivocado ao afirmar que o intelecto agente não seria capaz de operar por intermédio

de uma abstração segundo razão:

Mas deve-se discordar dele no que diz que a abstração não é uma

separação de razão, porque ela é, pois separar uma forma universal

das coisas físicas e suas coordenadas espaço-temporais não é separar

realmente a causa formal do resto das causas (material, eficiente e

final), processo impossível porque as causas só são entre si, mas é

separar uma forma que não é física das causas físicas, separação que

exerce o conhecimento humano. Com efeito, conhecer é formar uma

forma imaterial que é intencional a respeito das formas físicas porque

tal forma se dá separada das causas e, consequentemente, não é

causa73

.

Segundo esta crítica Durandus erra ao afirmar que a operação do intelecto agente

não é justamente aquilo que deveria ser: uma separação de razão. No entanto, esta

posição não leva em conta que, para Durandus, conhecer não é separar uma forma não

física de causas físicas. Para ele, a forma não existe independentemente do intelecto, nas

Contudo, evidentemente, quando eu percebo um objeto externo, eu não o faço por intermédio de

uma apreensão prévia de uma species”. 72

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 11. “Nullo modo ostendunt quomodo intellectus agens separaret

secundum rationem quidditatem a conditionibus indiuiduantibus sub quibus representatur in fantasmatibus”. 73

SELLÉS, 2011, p. 352.

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coisas particulares, precisamente porque ele compreende o conhecer como formar

conceitos. Os conceitos são compreendidos como formas imateriais, caracterizadas

como produtos da cognição e não como formas preexistentes à cognição e apreendidas

pelo intelecto. O intelecto agente não abstrai separando o universal existente nos

fantasmas porque não há universal nos fantasmas: primeiro porque o universal não

preexiste à intelecção, segundo porque mesmo que o universal preexistisse à intelecção,

a característica particular do fantasma impediria que ele representasse ou contivesse o

universal ou fosse como sua similitude:

Mas aquilo que impede a representação da quididade universal é a

condição material e individual do fantasma, segundo alguns. Logo, o

intelecto agente nunca poderia ser movido pela ação dos fantasmas,

nem pela abstração segundo a razão, como afirmam. Isto porque, por

tal abstração, os fantasmas nunca poderiam representar a quididade

universal, mas sempre sob as condições singulares. Mas, de outro

modo, a quididade do intelecto não é representada senão pelos

fantasmas, segundo a opinião destes, visto que não afirmam que as

espécies abstraídas pelos fantasmas sejam representações da

quididade. Logo, tal abstração não basta para a representação da

quididade universal. 74

Compreendo que o objetivo de Durandus é demonstrar as incompatibilidades

presentes na teoria da qual diverge. A caracterização do fantasma como particular é o

que impede que ele seja abstraído pelo intelecto agente, imaterial, e que represente uma

quididade universal. Por sua própria constituição particular nada poderia ser nele senão

sob condições materiais. Como particular, apenas poderia representar ou conter

particulares e nunca um universal. E, mesmo que isto fosse possível, este argumento

não fornece nenhuma explicação sobre como o intelecto agente operaria separando a

quididade das condições materiais e individuais. Portanto, o intelecto agente não age

sobre os fantasmas.

74

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 12. “Quia stante reali impedimento alicuius actionis impossibile est sequi actionem, ut patet in trabe impediente descensum lapidis et | tenebris impedientibus uisum

(quandiu enim trabs manet sub lapide et tenebre sunt in medio, nec lapis potest descendere nec oculus uidere); set illud quod impedit representationem quidditatis uniuersaliter est materialis et

indiuidualis conditio fantasmatum, ut IPSIMET dicunt. Cum ergo illud nunquam amoueatur a

fantasmatatibus per quamcunque actionem intellectus agentis, nec per illam abstractionem rationis quam ponunt, sequitur quod fantasmata per talem abstractionem nunquam poterunt representare

quidditatem uniuersalem, set semper sub conditionibus singularibus. Aliter autem non

representaretur quidditas intellectui nisi per fantasmata secundum ISTOS, quia non ponunt quod a fantasmatibus abstrahatur aliqua species que sit representatiua quidditatis. Ergo talis abstractio

non sufficit ad representandum quidditatem uniuersalem”.

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Ainda assim, superados todos estes argumentos, Durandus apresenta um último

que poderia ser usado contra ele, segundo o qual poderia haver ainda um terceiro modo

de operação intelectual que não a abstração ou impressão de algo, ainda não examinado:

Alguém diria, entretanto, que esta divisão seria insuficiente, isto

porque o intelecto agente age nos fantasmas dando a eles a virtude de

mover o intelecto possível, certamente sem que imprimissem ou

abstraíssem algo dele, mas apenas assistindo. De [modo] similar

ocorre [no caso] da luz que dá à cor a virtude de mover a visão e,

entretanto, não imprime nada na cor, nem abstrai nada da cor, mas

assiste e do mesmo modo pode ser dito do intelecto agente e dos

fantasmas, como parece. 75

A pergunta que é colocada diz respeito à possibilidade de o intelecto agente

operar sobre os fantasmas sem imprimir ou abstrair algo, mas apenas assistindo. Assim

como o exemplo parece sugerir que a luz assiste a cor, sem imprimir ou abstrair algo

dela, e ao assistir possibilita que a cor mova a visão. Para Durandus, entretanto, o ato de

dar uma virtude não dando nada certamente parece implicar em uma contradição.

Porém seria miraculoso que algo desse a outro algo uma virtude e,

entretanto, não influísse nem removesse um impedimento, mas apenas

assistisse. O ato de dar uma virtude não dando nada certamente parece

implicar em uma contradição. Mas este exemplo parece proceder da

ignorância, pois não se requer luz para ver, já que a cor dá [à luz] a

virtude de mover a visão, uma vez que a cor possui esta virtude, mas o

meio e o órgão não, então não receberiam as ações da cor senão

fossem iluminados ou por outra causa. E igualmente não é miraculoso,

mas é falso assumir esta conclusão falsa. 76

Para Durandus, é falsa a conclusão de que o intelecto agente pode operar sobre

os fantasmas, sem imprimir ou abstrair algo deles, mas apenas assistindo. E o exemplo

da luz apenas causa confusão. O exemplo dado, de fato, não esclarece o ponto de

75

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 14. “Set diceret ALIQUIS quod hec diuisio sit insufficiens, quia intellectus agens agit in fantasmata dando eis uirtutem mouendi intellectum possibilem, non quidem

aliquid imprimendo nec abstrahendo, set solum assistendo; et ponitur simile, quia lumen dat colori uirtutem mouendi uisum et tamen nichil imprimit colori nec a colore aliquid abstrahit, set tantum

assistit; et eodem modo potest esse circa intellectum agentem et fantasmata, ut uidetur”. 76

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 15: “Istud autem est mirabile quod aliquid det alteri uirtutem et tamen non influat nec impedimentum tollat, set solum assistat; hoc enim uidetur implicare contradictionem,

scilicet quod det uirtutem nichil dando. Set et exemplum procedit ex ignorantia; lumen enim non

requiritur ad uidendum propter colorem ut det ei uirtutem mouendi uisum, cum color ex se habeat uirtutem, set propter medium et organum, que non sunt susceptiua actionis coloris nisi sint

illuminata uel ex alia causa”.

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Durandus. Pois, parece declarar que a cor dá à luz a virtude de mover a visão77

.

Acredito que, ao afirmar que se o órgão da visão não for iluminado não poderia receber

as ações da cor, Durandus pretende defender que não é possível dar uma virtude a algo

sem influir ou remover algo deste. Este exemplo da percepção teria a função de

esclarecer o processo cognitivo. Se, no mundo natural, não é possível afirmar uma

operação que apenas assiste, sem imprimir ou abstrair nada, também não é aceitável

dizer que o intelecto agente opere sobre os fantasmas sem nada acrescentar ou abstrair

deles. Assistir significaria retirar algo sem nada retirar. Ou, acrescentar algo, sem nada

acrescentar. Esta noção de assistir não é nada menos que vazia e falsa: “Portanto, não é

próprio afirmar que o intelecto agente realize uma ação sobre os fantasmas, visto que

não há nenhuma ação deste tipo que se possa provar78

”.

Assim, portanto, Durandus elimina todas as possibilidades de operação do

intelecto agente sobre os fantasmas. O intelecto não age nem imprimindo algo, nem

abstraindo algo dos fantasmas. Nem de maneira real, nem segundo a razão, de nenhum

modo79

. Por esta via, a operação do intelecto agente é completamente impossibilitada.

77

SELLÉS, 2011, p. 353: “Com exceção do exemplo fornecido, pode-se aceitar o que Durandus

ensina aqui, pois se o intelecto agente se limitasse a dotar os fantasmas de uma qualidade tal que

mudassem o intelecto possível e lhe tirassem de sua nativa passividade, isso suporia, por um lado,

que o inferior afeta o superior e, por outro, que a espécie inteligível preexiste ao ato de conhecer e

que não depende dele, senão o inverso, o qual supõe aceitar a passividade cognitiva que, como foi

indicado, é inapropriado ”. 78

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 15. “Et ideo non est mirum si ex falso assumpto conclusum est aliud

falsum. Non ergo oportet ponere intellectum agentem ex actione eius circa fantasmata, quia nulla est, ut probatum est. Et hec est prima pars principais deductionis”. 79

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 13. “Assim, portanto, expõe que o intelecto agente não age nos

fantasmas nem imprimindo algo, nem abstraindo algo, de nenhum modo”. “Sic ergo patet quod intellectus agens non agit in fantasmata aliquid imprimindo nec aliquid abstrahendo, ergo nullo

modo”.

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1.2- A DEMONSTRAÇÃO DE QUE O INTELECTO AGENTE NÃO OPERA

SOBRE O INTELECTO POSSÍVEL

Com o objetivo de provar a inexistência do intelecto agente, Durandus empenha-

se em mostrar a inviabiliadade de sua operação, pois, se nenhuma função pode ser

atribuída ao intelecto agente, sua existência não deve ser afirmada. Uma vez que, se

houvesse um intelecto agente, ele só poderia operar sobre os fantasmas ou sobre o

intelecto possível, e tendo provado a impossibilidade de tal operação sobre os

fantasmas, Durandus prossegue em sua investigação para determinar a impossibilidade

da operação de um intelecto agente sobre o intelecto possível. A inviabilidade desta

operação é demonstrada tendo em vista as duas vias por intermédio das quais o intelecto

agente poderia perfazer uma operação sobre o intelecto possível, pois, se o intelecto

agente assim operasse, o faria ou sozinho ou acompanhado do fantasma.

Claramente não é necessário afirmar que o intelecto agente perfaça

alguma ação no intelecto possível, da seguinte maneira: uma ação

sobre o intelecto possível não poderia inteligir senão de dois modos.

Pelo primeiro o intelecto agente age sozinho sobre o possível. O

fantasma, porém, não age nem conjuntamente. Pelo segundo, tanto o

intelecto agente quanto o fantasma agem no intelecto possível, como

dois agentes imperfeitos suprem as vezes de um agente perfeito. Do

mesmo modo que dois homens puxam um barco, algo que nenhum

deles, por si, seria suficiente [para fazer]. 80

Segundo Durandus, uma operação do intelecto agente sobre o intelecto possível

poderia ser de dois modos: (1) o intelecto agente deveria operar sozinho sobre o

intelecto possível e os fantasmas não agiriam conjuntamente nesta operação; (2) o

intelecto agente e os fantasmas operariam conjuntamente sobre o intelecto possível,

como dois agentes imperfeitos que, quando juntos, supririam a função de um agente

perfeito. Na investigação do primeiro modo, Durandus indica três motivos pelos quais o

intelecto agente seria incapaz de agir sobre o intelecto possível sem o auxílio dos

fantasmas: (1a) O intelecto agente não opera sozinho sobre o possível porque o intelecto

80

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 16. “quod non sit necesse ponere intellectum agentem propter aliquam

actionem eius in intellectum possibilem, patet sic: actio eius in intellectum possibilem non potest intelligi nisi duobus modis, primo sic quod intellectus agens solus agat in possibilem, fantasma

autem nichil agat nec coagat, set solum se habeat obiectiue; secundo sic quod tam intellectus agens

quam fantasma agant in intellectum possibilem tanquam duo imperfecta agentia supplentia uicem unius perfecti agentis eodem modo quo duo homines trahunt nauem quórum neuter per se

sufficeret”.

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possível é suficiente e, assim, não se deve afirma uma operação como a do intelecto

agente que seria supérflua:

O primeiro não se pode dizer, manifestamente que o intelecto agente

age no possível e os fantasmas nada fazem, mas somente se tivessem

um objetivo ou determinação. Visto que, se para a cognição não se

requer que o objeto ou as próprias representações façam algo na

potência, mas apenas que o objeto representado satisfaça o sentido,

apreendendo o objeto ao seu propósito sem outro movente. Não vejo

porque o intelecto não satisfaria aquele [a apreensão do objeto]

mesmo sem este [outro movente]. Pois seria próprio do objeto ter o

propósito de mover o intelecto agente por si, a não ser que tenhamos

retornado aquele [argumento de] que os fantasmas não satisfazem [ao

propósito de] representar o objeto ao intelecto possível a não ser pela

ação do intelecto agente sobre eles mesmos. Mas este não é o caso.

Visto que o ato é supra, mas somente agora é declarada a operação do

intelecto agente no possível ou se é necessário ao ato inteligente

pressupor a presença de um objeto. E é claro que não, ao sentido não é

requerido outro agente, mas apenas a presença do objeto. 81

Para Durandus o intelecto possível tem a capacidade de apreender o objeto da

cognição sem o auxílio ou o intermédio de outro movente responsável pela mediação

entre o objeto e o intelecto, ou ainda, responsável pela atualização do intelecto. Por isso,

não é necessário afirmar um intelecto agente que tenha como função operar sobre o

intelecto possível. Para que a apreensão de algo aconteça é apenas necessário que o

objeto cognitivo satisfaça o órgão do sentido sem que seja necessário, para tanto, a

atuação de algum mediador. Do mesmo modo, se o objeto cognoscível está presente ao

poder cognitivo não é necessário afirmar nenhum intermediário para garantir que a

cognição se dê. Ao analisar este argumento, Sélles afirma:

(...) basta a mera presença do objeto para que o intelecto possível

passe ao ato, ou seja, atue, de igual maneira que basta o objeto

81

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 17. “Primum non potest dici, scilicet quod solus intellectus agens agat in possibilem et fantasmata nichil omnino agant, set solum se habeant obiectiue uel terminatiue,

quia si ad cognitionem non requiritur quod obiectiuum uel representans ipsum aliquid agat in potentia, set solum quod ei representetur, cum sensus sufficiat ad apprehendendum obiectum sibi

propositum sine alio mouente, non uideo quare intellectus non sufficiat ad illud idem absque hoc

quod preter obiectum sibi propositum ponatur intellectus agens mouens ipsum, nisi redeatur ad illud quod fantasmata non sufficienter representant obiectum intellectui possibili nisi per actionem

intellectus agentis circa ipsum. Set de hoc non agitur nunc, quia actum est supra, set solum nunc

queritur de operatione intellectus agentis in possibilem, an sit necessaria ad actum intelligendi supposita presentia obiecti. Et patet quod non, sicut ad sentiendum non requiritur aliud agens, set

tantum presentia obiecti”.

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sensível para que o sentido sinta, sem a necessidade de afirmar

nenhum suposto sentido agente. Contudo, ao que precede se pode

replicar que nativamente o intelecto possível é uma potência passiva,

que nenhum objeto conhecido se dá à margem de seu ato de conhecê-

lo ou previamente a ele, e que o objeto conhecido depende do ato, não

o inverso. O que implica aceitar uma prévia distinção entre o objeto

real, que é singular e o objeto mental, que é universal. 82

Durandus, de fato, aceita a distinção prévia entre objeto real, que é singular, e

objeto mental, que é universal. Contudo, tal distinção não é compreendida como um

impedimento para o conhecimento. Durandus não defende que seja necessário afirmar

um intelecto agente que atue como um mediador entre o material e o imaterial. Por um

lado, a percepção sensível é compreendida como algo que ocorre naturalmente uma vez

que o objeto sensível se apresenta ao sentido. Para que ela ocorra não é necessário

afirmar a existência de um sentido agente em contraposição a um sentido passivo que

seria afetado pela impressão sensível. Por outro lado, a intelecção é compreendida como

algo que ocorre naturalmente se o objeto cognoscível está presente ao poder cognitivo.

Isso não significa afirmar a existência de um universal precedente ao ato de

conhecimento, o que pode ser verificado pela distinção entre as noções de singular e

universal traçada por Durandus. O objeto mental é totalmente dependente do intelecto, e

é universal, enquanto o objeto real é singular, não contém nenhuma universalidade em

si, dado que é separado do intelecto. O universal é produto da intelecção. O cerne do

argumento de Durandus, no entanto, não está na noção de universal, mas na noção de

nobreza do ato cognitivo, como Hartman observa:

Durandus defende que os afeccionistas (…) estão comprometidos com

a violação de um princípio causal eminentemente básico: o que é

menos nobre não pode afetar o que é mais nobre. Durandus considera

dois modos de compreender este princípio. Por um lado, pode

significar que um poder menos nobre não pode atuar sobre um poder

mais nobre. De acordo com a maioria dos filósofos medievais, em

qualquer operação causal, há uma potência ativa em um agente em

virtude da qual ele age e um potência passiva em um passivo, em

virtude da qual se age sobre ele, e o primeiro deve ser mais nobre do

que o segundo. (…) Por outro lado, o princípio de nobreza pode

significar que aquilo em virtude do que uma coisa causa um efeito

deve ser ao menos tão nobre quanto (se não mais nobre do que) o

efeito, ao menos em casos nos quais esta coisa cause o efeito por si. 83

82

SELLÉS, 2011, p. 354. 83

HARTMAN, 2013, p. 22.

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A noção de nobreza pode ser analisada tanto na relação entre os sentidos e o

intelecto, quanto na relação entre o objeto cognoscível material e o poder cognitivo

intelectual. Segundo Durandus, se podemos admitir que os sentidos têm a capacidade

de apreender o objeto sem nenhum intermediário e que existe uma hierarquia de

nobreza entre intelecto e corpo, a conclusão necessária é a de que a operação intelectual,

que é supra84

, tem uma capacidade ainda maior que os órgãos que operam no nosso

corpo. Além disso, sendo o intelecto claramente mais nobre do que o objeto de seu

conhecimento, a conclusão de Durandus é a de que o intelecto deve ter a capacidade de

inteligir o seu objeto sem outro movente que tenha uma função mediadora.

O segundo motivo pelo qual não se pode afirmar uma operação do intelecto

agente sobre o intelecto possível é exposto por Durandus do seguinte modo: (1b) se o

intelecto agente operasse sozinho, por agir por necessidade natural agiria sempre igual

sobre o intelecto possível e, então, este último conheceria tudo desde sempre e não

conheceria coisas novas.

Ademais, aquilo que, permanecendo igual sempre faz o mesmo a

respeito do mesmo, é habilíssimo se age por necessidade natural (...).

Mas o intelecto agente age por necessidade natural e permanece

sempre igual, segundo si, e em conformidade ao possível, por mais

variados que sejam os fantasmas que são objetos do intelecto. Pois, no

início da criação, a alma sempre fez o mesmo no intelecto possível,

não obstante haja uma diversidade de fantasmas, como exposto por

ele, visto que eles não agem [por si] nem conjuntamente, segundo tal

opinião. Portanto, ao inteligir um número causado pelo intelecto

agente, o intelecto [possível] intelige desde o início e sempre todas as

coisas que lhe são representadas, o que é incongruente. 85

Durandus procura apontar as fraquezas da posição que tem como objetivo

combater. Segundo apresentada, a opinião combatida afirma que o intelecto agente deve

operar sozinho sobre o intelecto possível, sem o auxílio de fantasmas, pois, se fosse

admitida a operação conjunta dos fantasmas eles deveriam ser compreendidos como

84

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 17. “quia actum est supra”. 85

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 18: “Item idem manens idem et respectu eiusdem semper natum est

facere idem, potissime si agat ex necessitate nature (...) set intellectus agens agit ex necessitate

nature et manet semper idem secundum se et in habitudine ad possibilem, quantumcunque fantasma, quod est obiectum intellectus, uarietur; ergo ab initio creationis anime semper fecit idem in

intellectu possibili non obstante diuersitate fantasmatum que ei obiiciuntur, quia illa non agunt nec

coagunt secundum hanc opinionem. Igitur per unum intelligere numero causatum ab intellectu agente intellexit intellectus ab initio et semper intelliget omnia sibi representata, quod est

inconueniens”.

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objetos do intelecto agente. Contudo, não seria possível explicar como os fantasmas

poderiam cumprir a função de ser objetos do intelecto, uma vez que eles não são o que o

intelecto procura conhecer. Visto que seu objetivo é conhecer o objeto cognoscível e

não uma representação dele, ou um intermediário em vista do qual ele poderia conhecê-

lo. E, além disso, o intelecto agente operaria sobre o intelecto possível representando

uma grande diversidade de formas acidentais, a depender dos objetos de conhecimento,

contrariando a natureza necessária do intelecto. Por isso, segundo a opinião analisada e

apresentada por Durandus, os fantasmas não podem possuir nenhum papel na cognição

e o intelecto agente deve operar sozinho sobre o possível. Durandus, de fato, concorda

com a afirmação de que os fantasmas não possuem papel na cognição. Disto, não se

segue, para ele, que seja possível afirmar que o intelecto agente tenha a capacidade de

agir sozinho sobre o intelecto possível com o objetivo de conhecer coisas particulares.

Dado que, se o intelecto agente operasse sem a cooperação dos fantasmas sobre o

intelecto possível, operaria sempre do mesmo modo e, consequentemente, o intelecto

possível sempre inteligiria as mesmas coisas86

. Além disso, este argumento parece

conter uma circularidade ao afirmar que o intelecto intelige sempre o que ele representa

para si próprio. Isto porque, a distinção entre intelecto agente e possível não é real, mas

apenas de razão. Assim, dizer que o intelecto agente opera sobre o intelecto possível

equivale a dizer que o intelecto opera sobre o próprio intelecto e todo ato de inteligir

seria resumido, portanto, a uma operação reflexiva. E esta seria a conclusão mais grave

que se poderia chegar ao assumir que o intelecto agente seria capaz de agir sozinho, sem

nenhum auxílio, no intelecto possível.

O terceiro e último motivo apresentado por Durandus também é constituído com

o objetivo de expor as limitações da teoria que está considerando com o objetivo de

superar. (1c) Para ele, uma mesma teoria não pode afirmar a existência de fantasmas e,

86

Sélles se refere a esta argumentação de Durandus do seguinte modo: “Este argumento indica que

supor que o intelecto possível conhece por razão do agente, dado que a ação deste se supõe sempre a

mesma e única, resultaria que o intelecto possível entenderia tudo desde sempre, o que é,

obviamente, falso. Ademais, se o intelecto agente sempre conhece igual, sua ação sobre o intelecto

possível seria inconveniente, pois este não cresceria em conhecimento. Mas, a esta hipótese pode-se

objetar que apesar da atividade do agente ser permanente, isto não implica que sempre ative o

possível. Tampouco equivale a afirmar que a ação do agente sempre seja a mesma sem a

possibilidade de crescer ou diminuir ”. (SÉLLES,2011, p. 354-355.) Sélles indica os pontos

negativos da crítica realizada por Durandus, todavia não especifica em que condições o intelecto

agente poderia operar sem ser sobre o intelecto possível e com qual objetivo tal operação seria

disposta. Além disso, não esclarece em que condições a operação do intelecto agente poderia

aumentar ou diminuir ocasionalmente, uma vez que esta operação é suposta como uma operação

natural do intelecto.

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simultaneamente, a existência de um intelecto agente que operaria sozinho sobre o

intelecto possível, pois, se afirma a existência de fantasmas, eles devem ser entendidos

como causa, próxima ou remota da cognição. Assim, a teoria parece ser incongruente, o

intelecto agente não operaria sozinho se a causa da cognição fosse o fantasma.

Ademais, aquilo que é exigido para o efeito é sempre sua causa

próxima ou remota. Mas o fantasma sempre é exigido para a

intelecção. Logo, ele é sua causa próxima ou remota. Portanto é

exposto que o primeiro modo não é possível, manifestamente que o

intelecto agente age no intelecto possível e o fantasma não age

conjuntamente. 87

O ponto de Durandus é que existe uma contradição em afirmar a existência de

fantasmas e, simultaneamente, que existe um intelecto agente que opera sozinho, pois

não seria possível explicar a função dos fantasmas. Se a existência do fantasma é

admitida, então ele não é compreendido como produto da intelecção, mas como algo

que preexiste a ela. A existência do fantasma é admitida porque ele seria necessário para

a intelecção, dado que o intelecto agente abstrairia dele e, assim, poderia agir sobre o

intelecto possível. Contudo, aquilo que é exigido para determinado efeito deve ser

compreendido como sua causa, próxima ou remota. E se o fantasma for compreendido

como causa do efeito que é a intelecção do objeto cognoscível então não se pode

afirmar que o intelecto agente opera sozinho sobre o intelecto possível. Deste modo,

Durandus pretende revelar os limites desta primeira parte da teoria considerada e

definitivamente descartar que (1) o intelecto agente deveria operar sozinho sobre o

intelecto possível e os fantasmas não agiriam conjuntamente nesta operação.

Uma vez que considera ter sido bem sucedido em demonstrar (1), Durandus

prossegue sua investigação com o objetivo de demonstrar a impossibilidade da

afirmação de que (2) o intelecto agente e os fantasmas operam conjuntamente sobre o

intelecto possível. Para tanto, Durandus considera os três modos segundo os quais uma

operação conjunta do intelecto agente e dos fantasmas poderia ocorrer.

E, igualmente, alguns afirmam o segundo modo, manifestamente que

tanto o intelecto agente quanto os fantasmas, agem no intelecto

possível como dois agentes imperfeitos suprem as vezes de um agente

87

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 19: “Item illud quod semper preexigitur ad effectum est causa eius

propinqua uel remota; set fantasma preexigitur semper intellectioni; ergo est causa eius propinqua uel remota. Patet ergo quod primus modus non est possibilis, scilicet quod intellectus agens agat in

intellectum possibilem fantasmate nichil coagente”.

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perfeito. Diante de tal declaração, dizem que duas ações podem

concorrer de triplo modo: primeiro quando um influi no outro e o

último age pelo primeiro que é o seu influxo, assim como o sol

ilumina a lua e a lua, com a luz recebida do sol, ilumina o ar. 88

Para Durandus o intelecto agente e os fantasmas agiriam como dois agentes

imperfeitos que, quando juntos, agem de modo perfeito sobre o intelecto possível. Tal

operação poderia se dar de três modos: 2a) Quando um influi no outro e este último age

pelo primeiro. Para ilustrar este modo de operação Durandus utiliza o exemplo da Lua.

O Sol age iluminando a Lua e esta ilumina o ar, não com a luz produzida por ela

própria, mas pela luz que recebe do Sol e reflete. Da mesma maneira o intelecto agente

concentraria sua operação sobre o fantasma e, assim, este último seria capaz de agir

sobre o intelecto possível. Mas, como já foi demonstrado, o intelecto agente não

imprime nada nos fantasmas e, de fato, Durandus apresenta este modo para descartá-lo,

logo em seguida, como inadequado: pois, “nem o intelecto influi no fantasma, nem o

inverso, o que corresponderia ao primeiro modo89

”.

Tendo descartado o primeiro, Durandus apresenta o segundo modo. Este

afirmaria que 2b) o intelecto agente não seria capaz de influir no fantasma, nem o

inverso, mas um causaria uma disposição e esta produziria a forma:

O segundo modo é quando um não influi no outro nem o inverso, mas

um causa a disposição e resta a forma principal. Assim como o que

modela a cera dispõe da matéria e o que imprime um selo, ou o

próprio signo impresso introduz a forma principal, manifestamente a

figura. E assim concorrem estes dois à formação da figura na cera. 90

Durandus exemplifica esta via de operação com o caso da cera que é aquecida e,

por isso, é convertida em um selo. Aquele que age aquecendo e modelando a cera e o

que imprime o signo concorrem juntos para a formação da figura conhecida. Do mesmo

88

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 20: “Et ideo QUIDAM ponunt secundum modum, scilicet quod tam

intellectus agens quam fantasmata agunt in intellectum possibilem tanquam duo imperfecta agentia supplentia uicem unius perfecti agentis. Ad cuius declarationem dicunt quod duo agentia possunt

tripliciter concurrere ad aliquid faciendum: primo quando unum influit in alterum et illud alterum agit per illud quod est sibi influxum, sicut sol illuminat lunam et luna per lumen receptum a sole

illuminat aerem”. 89

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 21: “nec intellectus influit aliquid fantasmati nec econuerso circa primum modum”. 90

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 21: “secundo modo quando unum nichil influit in alterum nec

econuerso, set unum causat dispositionem et reliquum formam principalem, sicut mollificans ceram disponit materiam et imprimens sigillum uel ipsum sigillum impressum introducit principalem

formam, scilicet figuram, et sic concurrunt hec duo ad figurandum ceram”.

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modo, segundo esta via, seria admitido que o intelecto agente e os fantasmas agiriam

juntos no intelecto possível. Não um influindo no outro, mas concorrendo juntos para

possibilitar o ato de inteligir. Contudo, esta é uma possibilidade apresentada por

Durandus e imediatamente desqualificada, porque, segundo ele: “sobre o segundo

modo, um não causa disposição e resta a forma principal, mas ambos têm em si a

virtude de mover o intelecto possível91

”. Para Durandus, o segundo modo não pode ser

admitido. Se dois agentes concorrem para uma ação não se deve admitir que um deles

causa uma disposição, mas sim que ambos possuem a virtude, ainda que imperfeita por

si, de operar. Por isso, Durandus passa ao exame do terceiro modo segundo o qual o

intelecto agente e o fantasma operariam juntos sobre o possível. Segundo este modo,

(2c) ambos agiriam como dois agentes imperfeitos que, juntos, são capazes de perfazer

uma ação perfeita:

O terceiro modo é quando nem um influi no outro, nem um causa uma

disposição e resta a forma, mas assim como duas ações imperfeitas as

quais tem em si a virtude de agir, ainda que imperfeita, juntas, porém

completam simultaneamente uma mudança perfeita do agente, assim

como dois conseguem um efeito que é neutro por si. E, deste modo,

concorrem o intelecto agente e os fantasmas quando causam no

intelecto possível uma espécie de um número ou um ato inteligente. 92

Para Durandus, aqueles que defendem o argumento de que o intelecto agente e

os fantasmas são responsáveis por causar uma espécie ou um ato inteligente no intelecto

possível admitem que ambos operam simultaneamente, não um no outro, mas ambos no

intelecto possível. Segundo este argumento, ambos são responsáveis pelo ato de

inteligir, pois, quando juntos, equivaleriam a um agente perfeito, capaz de perfazer uma

ação que, separados, não poderiam realizar.

Apesar de serem imperfeitos por si, ambos, quando juntos, equivalem

a um agente perfeito. Isto porque o intelecto agente tem por si a

virtude de mover o possível, o que todos concebem. Quanto ao

fantasma, que opera de modo similar, fica claro (...) se assim não

91

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 21: “nec unum causat dispositionem et reliquum formam principalem

circa secundum modum, set utrunque habet de se uirtutem mouendi intellectum possibilem”. 92

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 21: “tertio modo quando nec unum influit in alterum nec unum causat dispositionem et reliquum formam, set sicut duo imperfecta agentia quorum quodlibet habet de se

uirtutem agendi, set imperfectam, iuncta autem simul supplent uicem unius perfecti agentis, sicut est

de duobus trahentibus nauem quorum neuter per se sufficeret. Et isto modo concurrunt intellectus agens et fantasmata ad causandum in intellectu possibili unam speciem numero uel unum actum

intelligendi”.

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fosse, os fantasmas não teriam por si a virtude, de todo modo

imperfeita, de mover o intelecto. 93

A argumentação leva à defesa de que a operação perfeita da cognição seria

realizada a partir de dois agentes imperfeitos por si, mas perfeitos na medida em que

agem simultaneamente. Durandus ilustra este argumento com o auxílio do exemplo de

dois homens que, quando trabalham juntos, conseguem puxar uma embarcação até a

margem, feito que nenhum dos dois conseguiria realizar por si próprio. Contudo,

Durandus ressalta que nenhum argumento foi dado para provar esta terceira via pela

qual intelecto agente e fantasma agiriam conjuntamente. Pelo contrário, não foi

provado, mas apenas assumido, que o intelecto agente tenha a virtude de mover o

intelecto possível.94

Durandus não está disposto a aceitar esta premissa sem

comprovação. Para ele há uma clara petição de princípio: é assumido que o intelecto

agente possui a virtude de operar sobre o intelecto possível e é precisamente esta função

pressuposta que justificaria a existência do intelecto agente95

. Durandus, entretanto, tem

por intuito demonstrar que o intelecto agente não constitui o aparato cognitivo humano,

para isso, ele procura desqualificar definitivamente os argumentos que contraria. Os

argumentos que combate são: (1) o fantasma opera por si sobre o intelecto; (2) o

intelecto agente opera sozinho sobre o intelecto possível; (3) o fantasma e o intelecto

agente operam juntos sobre o intelecto possível; (4) o intelecto agente apenas assiste o

fantasma na operação sobre o intelecto possível.

Para Durandus, com efeito, os fantasmas não são capazes de mover por si o

intelecto possível96

. Primeiro, porque os fantasmas são particulares, são produtos de um

93

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 21: “quodlibet tamen habet per se imperfectam, ambo autem simul

equipollent uni perfecto agenti. Quod enim intellectus agens habeat de se uirtutem mouendi

possibilem, omnes concedunt; de fantasmate autem quod similiter se habeat”. 94

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 22: “No entanto, não parece ser bem como foi dito: primeiro porque

nada foi provado, mas apenas foi assumido isto que foi reclamado. Pois foi suposto nesta resposta

que o intelecto agente tenha em si a virtude de mover o intelecto possível”. “Hec autem non uidentur

bene dicta: primo, quia nichil probatur, set assumitur illud quod queritur; supponitur enim in hac

responsione quod sit dare intellectum agentem qui in se habeat uirtutem mouendi intellectum possibilem”. 95

FUMAGALLI, 1969, p. 67: “Todos os argumentos dos adversários são fundamentados, para

Durandus, em uma petitio principii que afirma o intelecto agente provido de certas funções e então

explica isto, isto é, explica sua existência, baseado nessas funções (o que por sua vez pressupõe,

como vimos, um estrutura particular do real)”. 96

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 24. “supondo que o fantasma aja no intelecto possível, não por causa da

virtude recebida do intelecto agente, mas pela virtude própria. Esta seria muito imperfeita, e o

mesmo dizem do intelecto agente”. “opponunt quod fantasma agit in intellectum possibilem, non per uirtutem receptam ab intellectu agente, set per propriam uirtutem, quamuis imperfectam, et idem

dicunt de intellectu agente”.

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órgão corpóreo, enquanto o intelecto é puramente intelectual97

. Segundo, porque o ato

intelectual, que é puramente espiritual, é muito mais perfeito do que o fantasma, que é

particular98

, e, por isso o fantasma não poderia operar sobre o intelecto possível. E

terceiro99

, porque o fantasma nunca poderia representar um universal ao intelecto100

.

Sendo assim, o fantasma não pode agir sozinho sobre o intelecto e, por não possuir

função que justifique a defesa de sua existência e necessidade no processo cognitivo,

deve ser compreendido como uma noção supérflua.

Durandus, contudo, destaca que afirmar que “somente os fantasmas sem o

intelecto agente não são suficientes para mover o intelecto possível à ação de

inteligir101

” não justifica a necessidade de postular a existência de um intelecto agente

que agiria, por necessidade natural, levando o intelecto possível à ação de inteligir. Para

Durandus não se pode admitir a existência de um intelecto agente que tivesse como

função operar sozinho sobre o intelecto possível, pois, se assim fosse, todo ato de

inteligir seria resumido a um ato reflexivo. Também não se deve afirmar, entretanto, um

intelecto agente que, com o fantasma, opere no intelecto possível. Isto porque, a mesma

razão que fundamenta tal operação conjunta também poderia fundamentar a sustentação

de um sentido agente que, com o objeto sensível, seria responsável por afetar um

sentido passivo102

, pois “[se o ato de inteligir é mais perfeito que o fantasma], a mesma

razão é no que diz respeito ao sentido sensível [ser mais perfeito do que a qualidade

sensível]”.

Durandus julga que, no limite, se afirmasse que o intelecto não tem a capacidade

de inteligir seu objeto de conhecimento por si, igualmente seria obrigado a admitir que o

sentido também não deve ter a capacidade de sentir seu objeto por si. Isso porque

97

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 23. “visto que os fantasmas, como são corpóreos, não podem agir por si

no intelecto que é pura potência espiritual”. “quia fantasmata, cum sint corporalia, non possunt secundum se agere in intellectum, qui est potentia pure spiritualis”. 98

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 23. “por causa da perfeição excessiva do ato inteligente em relação ao

fantasma”. “hoc est uel propter excessum perfectionis actus intelligendi respectu fantasmatum”. 99

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 23. “Ou visto que não podem representar por si o universal”. “uel quia

secundum se non possunt representare uniuersale”. 100

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 25. “os fantasmas não representariam universais à razão do intelecto

agente, senão o que o próprio intelecto agente ele mesmo representaria, o que não se diz”. “ergo

fantasmata ratione intellectus agentis non plus representant uniuersale quam sine eo, nisi ipsemet intellectus agens ipsum representaret, quod nullus dicit”. 101

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 23. “quod sola fantasmata sine intellectu agente non sufficiant ad

mouendum intellectum possibilem ad actum intelligendi”. 102

Sobre a defesa da impossibilidade de objetos materiais exercerem uma influência causal em um

intelecto imaterial feita por Durandus, Cf.: KING, 1994, p. 133.

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admite que o intelectual é muito mais perfeito do que o corpóreo, e porque deve haver

uma similitude entre a matéria e a forma do homem, seu corpo e sua alma.

Assim, as mesmas razões empregadas para defender a necessidade de um

intelecto agente para inteligir, no âmbito intelectual, podem ser também utilizadas para

defender, no âmbito corporal, a necessidade de um sentido agente que tivesse como

função afetar um sentido passivo para possibilitar o sentir, o que não se sustenta.

Portanto, do precedente é patente que, como não se afirma um sentido

agente que com o objeto cause o ato do sentido, assim não é próprio

afirmar um intelecto agente como aquele que com o fantasma move o

intelecto possível ao ato de inteligir como dois agentes imperfeitos

suprem as vezes de um agente perfeito. 103

Para Durandus não se deve duplicar conceitos. Não é necessário afirmar um

sentido agente que tenha a função de agir conjuntamente com o objeto sensível sobre o

sentido passivo para que a percepção se dê. Se há um objeto capaz de ser percebido

quando se apresenta a um sentido capaz de perceber, a percepção ocorrerá sem a

necessidade de um mediador, sem a necessidade de um sentido agente. Do mesmo

modo, não é necessário afirmar um intelecto agente que tenha a função de agir

conjuntamente com os fantasmas ou com os objetos cognoscíveis sobre um intelecto

possível para que a cognição ocorra. Se um objeto capaz de ser conhecido se apresenta a

um poder capaz de conhecer, a cognição ocorrerá sem a necessidade de um mediador.

Resta o argumento de que o intelecto apenas assistiria este processo. Todavia já foi

demontrado que o fantasma não pode representar por si nenhum universal para a

perfeição do intelecto. Mas, se admitíssimos por propósitos argumentativos que

universais preexistem à intelecção, que existem fantasmas e que eles tivessem a

capacidade de agir como mediadores no processo de cognição, eles teriam que ser

assistidos pelo intelecto agente para que pudessem cumprir sua função. Isto significaria,

no limite, que o próprio intelecto representaria para si próprio, por intermédio de um

fantasma, o universal que ele mesmo abstraiu, o que também já foi descartado.

Dizem, pois, em outro lugar que é assumido que o nosso intelecto

apreende o conceito universal, em conformidade com um singular a

103

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 26: “Patet ergo ex precedentibus, quod sicut non ponitur sensos agens

qui cum obiecto causet actum sentiendi, sic non oportet ponere intellectum agentem ad hoc ut cum fantasmate moueat intellectum possibilem ad actum intelligendi tanquam duo imperfecta agentia

supplentia uicem unius perfecti agentis”.

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outro, e se, segundo eles, primeiro recebidos singulares e em

conformidade a eles podem possuir conceitos universais. Portanto, não

recebe primeiro o universal104

.

Durandus enfatiza que a compreensão da noção de universal é fundamental para

a compreensão de suas críticas e do modo pelo qual ele constitui sua teoria cognitiva. A

noção de universal não seve ser definida como sendo o primeiro objeto do intelecto,

como aquilo que é apreendido primeiro pela cognição. O próprio argumento segundo o

qual o universal seria primeiro apreendido pelo intelecto revela sua falsidade se

atentamente analisado. Para Durandus, se o universal fosse apreendido pelo intelecto em

conformidade aos singulares apreendidos que já possuem, neles, o conceito universal,

este último só poderia ser apreendido depois da apreensão de singulares105

e não poderia

ser qualificado assim, como o primeiro objeto do intelecto. Portanto, segundo Durandus,

o universal não existe nos singulares, não é o primeiro objeto do intelecto, nem mesmo

é por ele abstraído, mas é produto do processo de cognição humana106.

O universal não é, assim, um conceito contido no singular ou em um intelecto

separado, conhecido por nós sempre ao final de um processo de abstração ou de

iluminação, mas é o resultado, o produto da cognição humana. É puramente intelectual

e, por isso, não é admitido que fosse contido pelos singulares107

. Dado que o universal é

produzido pela cognição, e um intelecto agente só seria admitido na alma apenas pela

sua operação de abstrair formas universais, demonstramos que esta operação nunca

aconteceria. Sendo este o motivo para afirmar a existência do intelecto agente, devemos

deixar de sustentar tal redobro de conceitos.

Logo, o intelecto agente não age nos fantasmas nem imprimindo algo,

nem abstraindo algo, nem segundo a coisa, nem segundo a razão. Nem

age no possível, nem sem fantasma, nem com fantasma108

.

104

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 25: “dicunt enim alibi quod conceptus uniuersalis sumitur ex hoc quod

intellectus noster apprehendit conformitatem unius singularis ad alterum, et sic secundum EOS

prius concipiuntur singularia et conformitas eorum adinuicem quam habeatur conceptus uniuersalis; non ergo concipitur primo uniuersale”. 105

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 28: “Nesta operação o intelecto tem por ponto do qual o singular que

abstrai e por ponto para o qual o próprio universal abstraído. E visto que a ponto do qual precede à

ponto para o qual, a mesma consideração singular precedeu à abstração universal”. 106

Cf.: In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 28. 107

IRIBARREN, 2008, p. 53. “o universal é formalmente o resultado de um ato do intelecto: nada

real é um universal, e o que quer que exista na realidade extramental é, de fato, singular”. 108

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 26: “Cum ergo intellectus agens non agat in fantasmata aliquid imprimendo uel aliquid abstrahendo, neque secundum rem neque secundum rationem, nec agat in

intellectum possibilem, nec sine fantasmate nec cum fantasmate”.

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Em suma, Durandus demonstra a inviabilidade de todos os modos pelos quais

aqueles que sustentam a existência de um intelecto agente dizem que ele operaria.

Tendo analisado em detalhes e levado a argumentação de seus opositores ao limite,

Durandus demonstra que a operação no intelecto agente não tem razão de ser, e mesmo

que houvesse algum universal para abstrair, o intelecto agente não seria capaz de fazê-

lo, pois não é capaz de operar nem sobre os fantasmas, nem sobre o intelecto possível.

Por isso, Durandus afirma que “o intelecto possível é suficiente e qualquer outro seria

supérfluo”. 109

109

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 3: “quia intellectus possibilis sufficit et omnis alius intellectus

superfluit”.

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1.3 - A CRÍTICA DURANDIANA AO INTELECTO SEPARADO

Nas seções anteriores analisei o modo segundo o qual Durandus desqualifica a

noção de intelecto agente e a função que lhe é atribuída de viabilizar o processo

cognitivo humano por meio da abstração da quididade do objeto cognoscível. O

intelecto agente é caracterizado como um redobro desnecessário à cognição. Resta

determinar, no entanto, a extensão da negação feita no In I Sent [C], d. 3, q. 5. Um leitor

atento poderia se perguntar se Durandus nega apenas o intelecto agente como

constituinte da alma humana, enquanto afirma um intelecto agente separado que tivesse

a função de informar seu inteligir aos indivíduos. Como apontarei a seguir, Durandus

tinha conhecimento de tais teorias que sustentavam a existência de um intelecto uno e

separado, por isso é importante estabelecer se Durandus compactua, altera ou descarta

tal via de resolução para o problema do conhecimento humano.

Nesta seção tenho o intuito de esclarecer a extensão da crítica feita por Durandus

ao conceito de intelecto agente por meio da análise do tratamento dado ao conceito de

intelecto separado. Durandus nega totalmente a noção de intelecto agente, não se trata

apenas da negação da divisão analítica entre intelecto agente e possível, ou da negação

de um intelecto agente unido à alma humana com o objetivo de fundamentar a

sustentação de um intelecto uno e separado. Analiso a crítica feita por Durandus no In II

Sent [C], d. 17, q. 1, nesta questão Durandus apresenta e discute a teoria do intelecto

separado tal qual atribui a Averróis. Além disso, ele também apresenta uma teoria

similar, que denomida como uma versão atenuada ou colorida em comparação à

primeira por ele referida. A posição de Durandus, frente a ambas as opiniões

apresentadas, é clara: para ele “a alma intelectiva está unida ao corpo como sua

forma110

”, não há um intelecto separado. Disto, no entanto, não é correto afirmar que a

alma intelectiva seja constituída por um intelecto agente que desempenhe a função de

abstrair. A negação do intelecto agente diz respeito ao intelecto agente enquanto unido à

alma humana e também enquanto compreendido separado de toda matéria individual.

Durandus considera a ideia de intelecto separado absurda:

É exposto aqui que todo aquele que diverge da virtude da razão

alcança grandes absurdos, sobretudo Averróis de quem é dito ter sido

110

In II Sent [C], d. 17, q. 1, n. 3: “(…) anima intellectiua unitur corpori sicut forma”.

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particularmente delirante sobre esta matéria e cuja opinião recitarei

primeiro. 111

Averróis é nomeado como o principal representante da teoria do intelecto

separado. Tal qual apresentada por Durandus, a interpretação atribuída a Averróis será o

primeiro alvo da crítica feita na referida questão:

Quanto ao primeiro, sabendo que Averróis afirma que o intelecto não

é na nossa alma, nem que alguma outra coisa seja na nossa alma. Mas

que é uma substância separada cujo inteligir causa o meu inteligir, ou

outro, enquanto este intelecto separado, enquanto for unido ao meu,

ou outro, pelos fantasmas que são em mim, ou em outro, o que diz ser

possível. Isto, pois as espécies inteligíveis têm por si dois substratos,

claramente o intelecto separado e os fantasmas em nossa imaginação.

E, consequentemente, por uma e a mesma espécie existente em si e em

nós está unido ao nosso intelecto, por isso, quando aquele intelecto

intelige, o homem intelige enquanto unido a ele. 112

Segundo Durandus, o absurdo defendido por Averróis diz respeito à ideia de que

o intelecto não está unido à alma humana, mas é uma substância separada que, ao

inteligir, causa o inteligir humano. O intelecto separado é unido ao homem por meio dos

fantasmas da imaginação humana. A imaginação, assim apresentada, enquanto órgão

corporal pressupõe que o homem tem suas capacidades sensíveis perfeitas de modo que

possa produzir um fantasma resultante da reunião das percepções sensíveis. Os

fantasmas presentes na imaginação e preservados na memória são abstraídos pelo

intelecto agente separado que, ao abstrair a espécie inteligível, informa o homem de

modo que este intelija113

. Este processo claramente diz respeito ao homem viator,

enquanto em vida e propriamente homem, ou seja, composto de corpo e alma. Uma vez

que a corrupção sobrevenha ao corpo do homem tal processo não mais ocorrerá. Além

111

In II Sent [C], d. 17, q. 1, n. 4: “Uirtus autem huius rationis patet in hoc, quod omnes qui ab ea

diuertunt, incidunt in praegrandes abusiones, máxime Averroys, qui dicitur primus fuisse, &

praecipuus delirator, circa materiam istam. Cuius opnio recitabitur primo”. 112

In II Sent [C], d. 17, q. 1, n. 5: “Quantum ad primum sciendum quod Auerroys ponit intellectum

non esse anima nostram, nec aliquid animae nostrae. Sed esse quandam substantiam separatam. Cuius intelligere efficitur intelligere mei, uel alterius, inquantum ille intellectus separatus secundum

esse copulatur mihi uel alteri per fantasmata quae sunt in me uel in alio, quod sic dicebat esse

possibile. Nam species intelligibilis secundum ipsum habet duo subiecta, scilicet intellectum separatum & fantasmata nostra in fantasia. Et ideo per unam & eadem speciem in ipso & in nobis

existentem copulatur nobis intellectus ille, ac per hoc dum intellectus ille intelligit, homo intelligit

cui copulatur”. 113

FUMAGALLI, 1969, p. 87: “A copulação do intelecto e do indivíduo ocorreria através de

imagens (fantasmas) que são diferentes nos diferentes homens”.

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disso, tal teoria acrescenta uma dificuldade ao esclarecimento do estatuto daquilo que

deixou de ser homem após a corrupção do corpo. Isso porque, se o intelecto é uno e não

está unido à alma humana, senão quando abstrai os fantasmas da imaginação e informa

a alma, quando o corpo é corrompido, deixando de existir, também não restará um

intelecto que fora propriamente do homem enquanto indivíduo114

. Seria um grande

problema determinar o que resta do que antes havia sido o homem115

, pois, segundo esta

teoria: “(...) o intelecto é um e, assim, com a corrupção do homem permanece apenas

um intelecto: este é sumamente positivo e esta é a opinião do primeiro”. 116

Na mencionada questão, Durandus também critica uma versão atenuada da

teoria que atribui a Averróis. Segundo Durandus, esta teoria atenuada baseia-se em duas

suposições:

Quanto ao segundo, trata-se de uma opinião colorida e atenuada que,

deste modo, aceita duas suposições. A primeira é que a inteligência é

indistinta segundo si do que está presente, porque distinção segundo si

diz respeito somente à quantidade dimensional que é destituída de

inteligência. A segunda suposição é a de que a forma intencional não é

numerada pelo substrato, mas pelo objeto, ou causas eficientes, daí,

segundo estes, muitas espécies poderiam ser brancura e ser na mesma

parte do meio. E do mesmo modo uma espécie em diversos

substratos: se, no entanto, este substrato fosse indistinto segundo si. 117

Para Durandus estas suposições seriam facilmente desqualificadas. A primeira

suposição de que (1) por não ter dimensão a inteligência seria indistinta das coisas, não

poderia ser afirmada positivamente, e a suposição de que (2) uma mesma espécie

poderia ser em diversos sujeitos distintos entre si, não se sustentaria porque uma espécie

não poderia existir em algo que fosse diferente do seu suppositum. Neste momento do

texto Durandus se restringe a indicar estas limitações das premissas, pois acredita que

114

FUMAGALLI, 1969, p. 87: “À morte e corrupção do indivíduo sobrevive apenas o intelecto

único e separado”. 115

E no caso de um autor cristão enfrentaria-se a dificuldade teológica de explicar a vida eterna ou o

julgamento, caso aceite a teoria de que existe apenas um intelecto separado e que, por ser imaterial,

não é passível de corrupção, enquanto o corpo humano é corrompido e deixa de ser. 116

In II Sent [C], d. 17, q. 1, n. 5: “(...) intellectus est unum tantum, & ideo corruptis hominibus remanet solus unus intellectu: haec est positivo eius in summa, & haec de primo”. 117

In II Sent [C], d. 17, q. 1, n. 6: “Quantum ad secundum aliqui colorant, & palliant hanc

opinionem hoc modo, accipiunt enim duas suppositions. Prima est, quod intelligentia est indistincta secundum situm ab eo cui praesens est, quia distinctionem secundum situm facit sola quantitas

dimensiua, qua caret intelligentia. Secundum est, quod forma intentionalis non numeratur penes

subiecta, sed penes obiecta, uel causas eficientes, unde secundum eos plures species alborum possunt esse, & sunt in eadem parte medij. Et eodem modo uma species in diuersis subiectis: si

tamen illa subiecta sit secundum situm indistincta”.

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elas são evidentes. O leitor, no entanto, pode compreendê-las melhor quando

determinadas as imprecisões das conclusões extraídas a partir destas premissas:

Do que se argumenta que uma espécie inteligível pode ser em diversos

substratos indistintamente segundo si (como é exposto na segunda

suposição). E o intelecto pode ser simultaneamente com a nossa

imaginação indistinto segundo si (como é exposto na primeira

suposição). Logo, a mesma espécie pode ser naquele intelecto e na

nossa imaginação: como um existente unido ao nosso intelecto que

comunica o seu inteligir a nós, isto quanto ao segundo. 118

São duas as conclusões que Durandus aponta como as resultantes das premissas

previamente examinadas: se (2) uma mesma espécie pode ser em diversos sujeitos

distintos entre si então (A) uma espécie inteligível pode ser em diversos sujeitos. Por

isso, a opinião apresentada defende um intelecto separado que poderia informar a nossa

alma com as suas espécies inteligíveis. Além disso, segundo esta opinião, se (1) a

inteligência fosse indistinta das coisas por não ter dimensão, então (B) o intelecto

separado poderia estar unido à nossa imaginação na medida em que o mesmo fantasma

poderia existir na imaginação e no intelecto que teria a função de abstraí-lo. Durandus

nega que exista um intelecto separado que possa abstrair de fantasmas existentes em

nossa imaginação e informar nossa alma com essências universais. Para ele nossa

imaginação e nosso intelecto são indistintos segundo seu suppositum119

. Ele argumenta

que, uma vez que é evidente que os órgãos externos e internos se encontram em nós, e

não havendo ninguém que negue que a imaginação seja um destes órgãos e que exista

unida a nós, se ambos são indistintos segundo suppositum, o intelecto deve ser afirmado

como parte da alma humana120

. No entanto, apesar de ambos serem órgãos do homem, a

imaginação é órgão corporal e o intelecto é órgão espiritual, portanto não são uma única

e mesma razão receptiva e não possuem as mesmas espécies121

.

118

In II Sent [C], d. 17, q. 1, n. 6: “Ex hoc sic arguitur, uma species intelligibilis potest esse in

diuersis subiectis secundum situm indistinctis (ut patet x secunda suppositione.) Sed ille intellectus potest simul esse cum fantasia nostra indistincte secundum situm (ut patet ex suppositione prima)

ergo eandem species potest esse in intellectu illo, & fantasia nostra: qua existente continuatur nobis ille intellectus, & communicat nobis suum intelligere, hoc quantum ad secundum”. 119

In II Sent [C], d. 17, q. 1, n. 8: “a inteligência e a imaginação não se distinguem segundo seu

fundamento”. “ergo nec in intelligentia & fantasia, si distinguantur secundum suppositum”. 120

In II Sent [C], d. 17, q. 1, n. 8: “o intelecto faz parte da nossa alma.” “intellectum esse partem

animae nostrae”. 121

In II Sent [C], d. 17, q. 1, n. 10: “(...) no que é encontrada uma forma, não só o número, mas a

espécie é próprio que seja mesmo receptivo. Isto porque o ato do ativo é disposto no paciente, mas

na inteligência, que é coisa espiritual e na imaginação, que é coisa corporal, não pode ser a mesma

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Além disso, Durandus também aponta a distinção entre forma natural e forma

intencional com o intuito de evidenciar que o mesmo fantasma não poderia existir tanto

na imaginação quanto no intelecto:

(...) quanto menos a forma tem de entidade, tanto mais tem de

dependência do substrato. Mas a forma intencional tem menos

entidade do que a forma natural, logo, tem mais dependência do

substrato. 122

Segundo a teoria examinada por Durandus, a imaginação operaria reunindo as

impressões sensoriais dos órgãos dos sentidos e formaria uma impressão sensorial, o

fantasma. Entretanto, exatamente por possuir características particulares não seria

possível aceitar (como na conclusão B) que o fantasma pudesse existir no intelecto.

Segundo a própria teoria combatida, uma forma intencional deve ter sido abstraída para

poder existir no intelecto, assim ela teria menos entidade e mais dependência do sujeito

cognitivo quando comparada ao fantasma que existe na imaginação e não foi abstraído.

Este último possuiria menos dependência do sujeito e mais entidade. A maior

dependência do sujeito se daria pelo fato de que a ação intelectiva de abstrair

possibilitaria a existência da espécie inteligível no intelecto. Assim, por existir no

intelecto, a espécie deveria possuir menos entidade, ou seja, não deveria possuir as

características individuantes que teriam sido abstraídas, restando apenas o universal. O

intuito de Durandus não é defender estas afirmações que corroboram com a leitura da

necessidade de um intelecto separado dotado da função de abstrair, mas demonstrar que

a premissa de que a abstração seria uma etapa preponderante para o processo de

cognição impediria a conclusão de que a mesma espécie poderia existir na imaginação e

no intelecto. Segundo ele, esta teoria assumiria premissas falsas a partir das quais

seriam defendidas conclusões também falsas. Para Durandus, a existência da abstração,

caso fosse admitida, impediria a conclusão de que a mesma espécie poderia existir tanto

razão receptiva, portanto não é a mesma forma, não só a mesma segundo número, mas também não a

mesma segundo espécie. Não é consistente, portanto, esta opinião atenuada”. “(...) in quibus

inuenitur uma forma, non solum numero, sed specie, oportet quod sit eadem receptiva, quia actus

actiuorum sunt in patiente disposto, sed in intelligentia, quae est res spititualis, & fantasia, quae est res corporalis, no potest esse eadem ratio receptiva, ergo neq; eadem forma, non solum eadem

secundum numerum, sed nec eadem secundum speciem non ualet ergo ista coloratio”. 122

In II Sent [C], d. 17, q. 1, n. 9: “(…) quanto forma minus habet de entitate, tanto plus habet de dependentia ad subiectum. Sed forma intentionalis minus habet de entitate, quam aliae formae

naturales, ergo plus habet de dependentia ad subiectum”.

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na imaginação, quanto no intelecto. Ele, entretanto, considera que esta premissa seja

falsa: a abstração não deve ser considerada uma operação necessária e real. Além disso,

segundo Durandus, a conclusão também é falsa: imaginação e intelecto possuem o

mesmo suppositum, mas são razões receptivas distintas, a primeira é órgão corporal e a

segunda é órgão espiritual não cabendo a ambas as mesmas formas123

. Além disso, do

ponto de vista de Durandus, um conceito teria total dependência do sujeito cognitivo,

pois seria o resultado da operação intelectual, o conceito não preexiste à intelecção, mas

a pressupõe.

Além disso, Durandus elenca mais afirmações resultantes da teoria do intelecto

separado que, segundo ele, são erradas e demonstram a improbabilidade da teoria, das

quais destacarei três. A primeira delas consiste na sustentação de que o intelecto

separado pode abstrair dos fantasmas:

Esta opinião ainda contém muitos improváveis. O primeiro é o que

afirma que o intelecto separado intelige por espécies abstratas de

fantasmas, porque assim diz a opinião colorida sobre o intelecto

conjunto (embora muitos negassem isto). Contudo, dizer isto sobre o

intelecto é um absurdo, pois é completamente dissonante da opinião

de todos que falam de modo inteligente sobre a substância separada

(como exposto no livro de Próculo e dos autores das causas). Afirmar

que na própria operação a substância separada depende do nosso

fantasma é fútil: pois quando o homem é corrompido, ou dorme e não

opera nada intelige o intelecto, o que é absurdo. Nem é consistente

dizer que nosso intelecto, possa ser conjunto verdadeiramente e possa

inteligir dos fantasmas, embora intelija junto do corpo corruptível.

Pelo contrário. E o mesmo pode-se dizer do intelecto separado, pois

este não é similar. O nosso intelecto conjunto e o separado tem outro

modo de funcionar, porque pode ter outro modo de operação, mas só o

intelecto separado tem um mesmo modo de ser, o qual é um modo

inteligente, e que, se cessasse, cessaria todo o inteligir. 124

123

Sobre a conclusão examina ver nota 121 referente ao In II Sent [A], d. 17, q. 1, n. 10. 124

In II Sent [C], d. 17, q. 1, n. 11: “Opinio etiam ista multa improbabilia continet. Primum est, q

ponit intellectum separatum intelligere per species abstractas a fantasmatibus, quia essi hoc

colorabile sit dicere de intellectu coniuncto (quanquam & hoc multi negent) tamen hoc dicere circa intellectum separatum absurdum est, dissonat enim ab opinione fere omnium loquentium de modo

intelligendi substantiarum separatarum (ut patet intuenti librum Proculi & authoris de causis) quod em propria operatio substantiae separatae dependeat a nostro fantasmate, friuolum est: sic enim

hominibus corruptis, uel dormientibus, & non forniantibus, nohil intelligere ille intellectus, quod est

absurdum: nec ualet si dicatur quod intellectus noster, licet sit coniunctur secundum ueritatem, & intelligat ex fantasmatibus, tamen corrupto corpore adhuc intelligit. Sed per alium modum. Et idem

posset dici de intellectu separato, hoc enim no est símile, quod intellectus noster coiunctus &

separatus habet alium modum effendi, propter quod potest habere alium modum operandi, sed intellectus separatus solum habet unum modum essendi, quare & unum modum intelligendi, a quo si

cesset, cessabit omnino intelligere”.

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O que Durandus declarara como primeiro improvável resultante da teoria do

intelecto uno e separado é fundamentado por três pressupostos: (1) o intelecto separado

pode inteligir por intermédio das espécies abstraídas dos fantasmas; (2) o intelecto

humano é uno e separado; (3) o nosso intelecto pode inteligir dos fantasmas. A

afirmação (3) não é detalhada nesta questão, pois Durandus já o havia feito em In I Sent

[C], d. 3, q. 5125

, como procurei demonstrar no primeiro capítulo desta dissertação. Ao

destacar que a afirmação (1) contradiz a opinião da tradição, Durandus demonstrar que

sua inserção neste debate está em consonância com outros pensadores que o

precederam. A referência a Próculo é explícita. Fumagalli afirma, no entanto, que

Durandus também faz referência implícita à crítica tomista feita à tese referida 126

.

Durandus não apenas recorre à autoridade para contradizer este pressuposto, mas

também argumenta que se a operação do intelecto separado dependesse dos nossos

fantasmas, o intelecto separado de todas as condições individuantes não mais inteligiria

quando o homem fosse corrompido ou dormisse. Ora, uma vez que a substância

separada é, por sua natureza, livre de determinações materiais, não seria o caso de

aceitar que sua operação dependesse de algo material. Isto é expresso pela determinação

que Durandus faz do intelecto separado, qual seja, de que ele possui um modo de ser

inteligente. A operação da substância separada está relacionada ao seu próprio modo de

ser, não às coisas matérias.

O argumento do burro será usado como tentativa de refutação da afirmação (2)

de que o intelecto humano seja uno e separado:

O terceiro é improvável porque se o intelecto separado fosse unido a

nós por espécies abstraídas dos nossos fantasmas e por estas fizessem

muitos inteligentes, a mesma razão poderia unir ao burro por espécies

abstraídas dos fantasmas do burro e fazer o burro inteligente, o que é

absurdo. A consequência é provada porque de nossa parte não é

afirmado o ato do fantasma, que poderia ser no burro. As espécies que

são em nós não são efetivamente abstraídas por outro, mas por um

intelecto separado: intelecto tal que pode agir no homem e no burro ao

acessar o fantasma de um e de outro (...). 127

125

Como já foi apontado na nota 46, este tratamento também se deu na primeira versão [A], no

entanto, no primeiro capítulo desta dissertação eu analisei a terceira versão [C] por conta da

acessibilidade possibilitada pela edição já disponibilizada desta versão do texto. 126

Sobre a referência de Durandus ao debate que o precede a respeito do intelecto separado (In II

Sent [C], d. 17, q. 1, n. 11: “quanquam & hoc multi negent”), , ver: FUMAGALLI, 1969, p. 88. 127

In II Sent [C], d. 17, q. 1, n. 13: “Tertiu est, quia si intellectus separatus copularetur nobis per

species abstractas a fantasmatibus nostris, ac per hoc faceret multos inteligentes, eadem ratione

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O argumento do burro é construído com o objetivo de indicar os limites da teoria

debatida. A partir da premissa de que o intelecto separado estaria unido ao intelecto

humano pelas espécies abstraídas dos fantasmas humanos Durandus afirma que seria

possível concluir que, do mesmo modo, este intelecto poderia se unir ao burro através

das espécies abstratas do burro. Assim, se a operação do intelecto separado agisse no

homem tornando-o inteligente, do mesmo modo a operação do intelecto separado

poderia agir no burro tornando-o também inteligente128

. Ao recusar a possibilidade de

abstração de um intelecto separado sobre os fantasmas Durandus não se compromete

com tal consequência que ele qualifica como absurda.

O último improvável apontado por Durandus diz repeito à existência do erro no

processo cognitivo:

O quarto improvável afirma que por meio de tal copulação seria unido

ao nosso intelecto o seu inteligir. No entanto, o intelecto separado não

é enganado sobre a cognição da coisa natural, portanto não nos

enganamos inteligindo, poderia ser válido que nos enganássemos

fantasiando, o que percebemos ser falso. 129

O esclarecimento da existência do erro no processo cognitivo é um problema

para a teoria do intelecto separado. A dificuldade se encontra no fato de não ser possível

atribuir o erro ao intelecto separado, por conta de sua perfeição. Uma vez que o erro não

pode estar no intelecto, Durandus acena para a possibilidade de que o erro poderia se

encontrar na imaginação, mais precisamente, nos fantasmas. Poderia ocorrer que no

processo de apreensão das afecções sensíveis e formação do fantasma houvesse algum

erro. Contudo, esta solução também não seria satisfatória porque, segundo esta teoria,

os fantasmas teriam a função de representar, de registrar as coisas e não de julgar, e não

posset copulari asino per speciem abstractam a fantasmatibus asini, & facere asinum intelligentem,

quod est absurdum. Consequentia probatur, quia ex parte nostra non ponitur, nisi actu fantasiae,

quae potest esse in asino. Non abstractio speciei effectiue per aliquid quod sit in nobis, sed per intellectum separatum: intellectus etiam ille ae qualiter potest se habere ad homine & ad asinum, &

ad fantasmata utriusque (…)”. 128

FUMAGALLI, 1969, p. 88: Sobre este contra-argumento de Durandus, Fumagalli escreve: “Se o

intelecto separado agisse em nós através das espécies abstratas de imagens (sensíveis), e isto é para

todos os indivíduos, não há razão para que ele não aja também em um burro, apenas por meio das

imagens sensíveis [fantasmas] fornecidas ao burro tornando-o (uma vez qu não o é) inteligente”. 129

In II Sent [C], d. 17, q. 1, n. 14: “Quartum est, quia si per huius copulationem communicaret

nobis intellectus suum intelligere, comunicaret nobis tale intelligere, quale haberet. Sed intellectus separatus circa cognitionem rerum naturalium no decipitur, ergo nec nos deciperemur in

intelligendo, licet forte deciperemur in fantasiando, quod experimur esse falsum”.

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seria possível imputar as noções de verdadeiro ou falso a uma operação que não fosse

judicativa. Para Durandus, isto seria suficiente para invalidar também esta possibilidade.

Enfim, ao final da presente questão analisada, Durandus retoma o primeiro

argumento apresentado em favor da teoria de que o intelecto não está unido ao corpo

como sua forma:

Sobre esta distinção, primeiro investiga-se se a alma intelectiva está

unida ao corpo como sua forma. E parece que não, visto que é algo

segundo si, algo que sempre existe. No entanto, a forma segundo si

é unida à matéria, portanto sempre está junto dela enquanto existe.

Mas a alma intelectiva não permanece unida ao corpo, pois é separada

do corpo assim como o perpétuo do corruptível. 130

O argumento se utiliza da dicotomia entre a alma intelectual e eterna por um

lado, e o corpo material e corruptível por outro, para fundamentar que não seria razoável

considerar que estes fossem unidos tendo naturezas tão distintas. Isto porque, a alma é

segundo si e, por isso, é eterna, logo deveria ser eternamente unida ao corpo, caso esta

união existisse. O corpo, no entanto, não é segundo si, por isso é corruptível e tal

corrupção impediria a permanência da união entre alma e corpo. Assim, segundo este

argumento, não seria possível admitir que a relação entre alma intelectual e corpo

corruptível fosse análoga à relação entre forma e matéria e a teoria do intelecto separado

seria viável para esclarecer o processo cognitivo do homem.

Este argumento, no entanto, não é aceito por Durandus que dedica o final da

resposta desta questão a sua refutação:

Em oposição ao primeiro argumento digo que aquilo que é dito algo

por si pelo primeiro modo, sempre é por si, assim como a alma sempre

é no homem. Aquilo que é dito por si no segundo modo, ou é dito

segundo potência, como o riso a respeito dos homens e tal algo

sempre existe ou dito segundo ato e tal não existe sempre. O princípio

se conota a respeito de outro, assim como o leve é por si movido para

cima, apesar de ser possível impedir [tal movimento], deste modo é a

alma unida com a matéria: e mesmo se for impedida por alguma

indisposição, como quando algo é conduzido à corrupção. 131

130

In II Sent [C], d. 17, q. 1, n. 1: “Circa distinctionem istam primo quaeritur, utru anima

intellectiua uniatur corpori tanquam forma. E uidetur quod no, quia quos inest alicui secundum se, semper inest ei. Sed formae secundu se inest uniri materiae, ergo semper couenit ei quadiu est. Sed

anima intellectiua corpori no unita remanet, separatur enim a corpore sicut perpetuu a corrupitibili,

ergo &c”. 131

In II Sent [C], d. 17, q. 1, n. 15: “AD ARGUMENTUM in oppositum dicendum quod illud quod

inest alicui per se primo modo dicendi, per se semper inest, sicut anima semper inest homini: quod

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A argumentação desenvolvida neste trecho é fundamentada por intermédio da

noção de per se. Algo é dito por si de dois modos: (1) do primeiro modo é por si

sempre, assim como a alma sempre é no homem; (2) no segundo modo pode ser dito por

si em ato, não existindo sempre, ou em potência, existindo sempre. Para Durandus o

homem é a composição entre alma e corpo. A alma é unida ao corpo por si, enquanto o

homem for efetivamente homem nunca deixará de ter alma, pois a alma dá o ser do

corpo. No intuito de ilustrar este ponto Durandus evoca a figura do leve que tem, por si,

o movimento para cima. O fato de que é possível interromper este movimento para cima

não refuta o princípio. É possível interromper o movimento, mas o leve continuará

tendo por si o mesmo movimento, o que é verificado caso a interrupção seja retirada: o

movimento para cima não encontrará mais resistência e ocorrerá necessariamente.

Durandus compreende a união da alma intelectiva com o corpo a partir desta

perspectiva: mesmo que a união possa ser interrompida com a corrupção do corpo, tal

interrupção não anula a disposição da alma de ser unida ao corpo como sua forma.

Assim, é estabelecida sua crítica às teorias do intelecto separado:

Muitas outras afirmações impróprias poderiam ser deduzidas desta

posição, mas estas são suficientes. Das quais é claro que não só é

errôneo, mas também contra a fé, afirmar que a alma intelectiva não é

unida a nossa razão como sua forma. Tal afirmação procede de uma

grande ignorância filosófica. 132

Para Durandus a alma intelectiva está unida ao corpo humano de modo análogo

à união entre forma e matéria. Não é admitida nenhuma possibilidade de existência de

um intelecto uno e separado que tivesse a função de abstrair das espécies naturais da

imaginação e informar a alma humana. O intelecto humano é capaz e suficiente para

cumprir sua função de inteligir, sem que seja necessário assumir que seu inteligir seja

causado pelo inteligir de um outro intelecto ou que o intelecto humano deva ser

compreendido, de modo real ou analítico, como constituído por um intelecto agente e

um intelecto possível.

autem inest secundo modo dicendi per se, aut dicitur secundum potentiam, ut risibile respectu hominis, & tale etia semper inest, aut dicitur secundum actum, & tale non semper inest, praecipue si

connotat respectum ad alterum, sicut leuis inest per se moueru sursum, quod tamen impediri potest,

isto modo inest animae uniri materiae: & ideo impediri potest per indispositionem, quae a corrumpente inducitur”. 132

In II Sent [C], d. 17, q. 1, n. 14: “Multa etiam inconuenientia possent ex hac positione deduci, sed

haec sufficiun. Ex quibus patet q no solum erroneum est, & contra fidem, ponere animam intellectiuam no uniri nobis in ratione formae. Sed plane proceffit ex magna ignorantia

philosophiae”.

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2- O PROCESSO COGNITIVO

No primeiro capítulo desta dissertação procurei demonstrar como Durandus

desqualifica a noção de intelecto agente como constituinte da alma humana e parte

fundamental do processo de cognição. A última seção do primeiro capítulo da

dissertação também contribuiu com este objetivo ao analisar a questão em que Durandus

recusa a possibilidade de um intelecto separado que possua a função de abstrair e

informar à alma humana. Para Durandus, portanto, não há intelecto agente nem unido à

alma, nem separado da alma. Assim, a abstração não é compreendida como parte do

processo de cognição. Durandus também nega que exista um universal independente do

intelecto. Não há universal nas coisas extramentais e, como já foi negada a existência de

um intelecto separado, do mesmo modo não se admite a existência de um intelecto

separado que informe todos os homens com os universais correspondentes aos

singulares extramentais. Por consequinte, cumpre verificar se a cognição é possível e, se

sim, como ela ocorre.

O objetivo deste capítulo é investigar como o homem, sendo um ser composto

de corpo e intelecto, é capaz de sentir e de inteligir. Durandus afirma que sentir e

inteligir são atos próprios do homem, por isso, procuro precisar quais são os requisitos

necessários para sua atualização e qual é a natureza do ato intelectivo. No intuito de

elucidar as inovações de Durandus em meio ao contexto intelectual no qual se insere,

apresento um breve panorama do tratamento da questão da cognição entre quatro

autores do séc. XIII e XIV: Tomás de Aquino, Henrique de Gant, Duns Scotus e

Ockham. Este panorama não tem como objetivo analisar detidamente a teoria da

cognição, seus ganhos e suas perdas, segundo cada um dos filósofos mencionados. Meu

objetivo é apenas compreender de que modo Durandus se insere e interfere no debate

sobre a cognição. Compreendendo, ainda que minimamente, como estes filósofos

estabeleciam o processo cognitivo é possível apontar quais são as inovações de

Durandus, a quem direciona suas críticas e quais pontos de seu pensamento derivam de

outros autores e quais conceitos recebem uma nova signicação em sua obra. Ademais,

este panorama é útil no sentido de mapear quais são as questões sobre as quais

Durandus se concentra, quais são os problemas que procura evitar ao conceber a

cognição como um processo de apreensão direta e se ele é efetivamente capaz de

resolver estes problemas ou não.

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2.1- O INTELECTO ANGÉLICO COMO EXPERIMENTO DE PENSAMENTO:

UM PANORAMA GERAL

No segundo livro do seu Comentário às Sentenças Durandus toma o intelecto

angélico como estudo de caso da cognição. Este estudo é realizado no sentido de

possibilitar um experimento de pensamento que revele a estrutura da cognição de modo

geral. O objetivo de Durandus não é compreender o intelecto angélico especificamente,

ele deixa claro que “nós conhecemos pouco sobre o anjo e sobre sua cognição. E este

pouco devemos conjecturar a partir das condições da nossa alma”. 133

Seu objetivo é

circunscrever a questão trabalhada da melhor maneira possível. Como o anjo é

puramente intelectual, completamente separado da matéria individual, para tratar de seu

processo de conhecimento não é necessário mapear e tratar de funções relacionadas ao

corpo, como os sentidos externos e internos, por exemplo.

Evidentemente, Durandus não é o primeiro ou o único a realizar experimentos de

pensamento utilizando o intelecto angélico. Iribarren destaca o papel que a substância

separada ocupava no cenário da filosofia medieval:

Os anjos também podem ser compreendidos como protagonistas dos

experimentos de pensamentos nos quais as questões metafísicas,

epistemológicas ou éticas são analisadas sob condições ideias (,..)

discussões medievais sobre a natureza da linguística do pensamento,

por exemplo, muitas vezes invocaram comparações com o

pensamento angélico134

.

Os anjos eram utilizados para a produção de experimentos de pensamento por

traduzirem condições ideias para a análise de questões das mais variadas naturezas. No

que diz respeito à questão epistemológica, é possível circunscrever o ato intelectivo e

analisá-lo a despeito de qualquer restrição corpórea que seria inevitável quando se

procura tratar sobre a cognição humana.

Discussões sobre os anjos muitas vezes tinham o status de

experimentos de pensamentos nos quais problemas básicos eram

colocados e discutidos sobre condições idealizadas. Quando se

perguntavam se os anjos podem ter cognição ou como eles são

capazes de se comunicarem uns com os outros, filósofos medievais

133

In II Sent [C] d. 3, q. 5, n. 4: “Nos pauca nouimus de angelis et eorum cognition. Et illa pauca debemus coniecturare ex conditione anime nostre”. 134

IRIBARREN, 2008, p. 7.

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pretendiam analisar como a cognição e a comunicação funcionam no

geral. A melhor maneira de começar a investigação era especificar as

condições necessárias em uma situação ideal para uma cognição e

processos comunicativos bem sucedidos. 135

Além de Durandus, Tomás de Aquino, Henrique de Gant, Duns Scotus e

Guilherme de Ockham foram alguns dos filósofos do período que defendiam

interpretações próprias sobre o processo cognitivo e utilizavam o intelecto angélico

como experimento de pensamento. A característica intelectual dos anjos136 possibilita

que sua análise contribua não só em discussões teológicas, mas também em questões

eminentemente filosóficas, como a questão do conhecimento.

No que diz respeito a Tomás de Aquino, a forma angélica e a forma humana são

ambas intelectuais, mas como o homem é composto de intelecto e corpo137

, tem seu ato

intelectual determinado pelo corpo que é seu princípio de conhecimento. Ambos

possuem a mesma natureza intelectual, porém em condições diferentes: o anjo é

separado de qualquer matéria individual, enquanto o homem é composto por ela. Assim,

enquanto a análise do intelecto angélico possibilita a determinação do conhecimento

intuitivo138

, a análise do intelecto humano culmina no exame do conhecimento

abstrativo. Por um lado, o processo cognitivo angélico determinado por Tomás não

pressupõe afecções sensíveis, abstrações ou formação de universais. Segundo Lens

“com a infusão das espécies nos anjos não é necessário raciocinar e o propósito já é

alcançado ao intuir as espécies – tudo já está lá, inato, como sempre foi”. 139 Isto porque

Tomás defende uma hierarquia de seres na qual os anjos são superiores ao homem.

Como criaturas imateriais de uma ordem superior, eles são dotados de

um grau superior de perfeição e, portanto, estão mais próximos da

simplicidade divina. Para Tomás, no primeiro momento da criação dos

anjos Deus influi as espécies inteligíveis contendo todo seu

conhecimento: por isso eles não precisam raciocinar do conhecido

135

PERLER, 2008, p. 144. 136

PERLER, 2008, p. 144: “Analisar os anjos como criaturas reais que transcendem o mundo

material nos habilita a examinar as atividades cognitivas em sua forma mais pura e ideal, que não é

sujeita à restrições materiais”. 137

Summa Theologiae, Ia, q. 75, a. 4: “O homem não é alma, mas um composto de alma e corpo”.

“homo non sit anima, sed compositum ex anima et corpore.” 138

LENZ, 2008, p. 155: “Tomás de Aquino (...) desenvolveu o pensamento angélico como simples

intuições dentro de uma rede inata de conhecimento”. 139

LENZ, 2008, p. 161.

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para o não conhecido e, como resultado disso, eles não precisam de

um pensamento estruturado. 140

Para Tomás o raciocínio é um processo eminentemente humano devido à sua

natureza composta, os anjos, como são simples, não precisam realizar tal procedimento

para constituir conhecimento. No ato da criação, Deus concede o conhecimento aos

anjos através de espécies inteligíveis. Além do mais, pela sua natureza puramente

intelectual um anjo pode iluminar a outro com suas espécies inteligíveis, o que não

ocorre nos homens, pois um não pode transmitir seu conhecimento a outro. O processo

cognitivo humano determinado por Tomás, é descrito por Ladim como um complexo

processo que se inicia pela afecção recebida pelos sentidos externos e necessita de uma

abstração intectual para ser atualizado.

Em razão da alma humana, princípio e sujeito do ato intelectivo, ser a

forma substancial do corpo humano, o conhecimento humano é

dependente das operações corporais. A formação das representações

se inicia através da receptividade dos sentidos externos. Mediante os

sentidos internos e, graças à memória e à imaginação, é formada uma

imagem sensível do singular. Essa imagem é uma species expressa

sensível, isto é, uma similitude ou uma representação sensível do

singular. O singular, composto na sua essência por matéria e forma,

não é inteligível em ato. A imagem sensível do singular, que sintetiza

e unifica, juntamente com a memória, os dados recebidos pelos

sentidos externos, por ser uma similitude ou uma representação do

singular, não é, nela mesma, inteligível. Assim, a função prioritária da

abstração intelectual é a de tornar inteligível em ato aquilo que,

representado pela imagem sensível, é apenas potencialmente

inteligível. 141

Para Tomás142

o intelecto humano possui uma função agente de abstrair o

inteligível justamente porque o homem é composto de intelecto e corpo. O corpo

poderia ser entendido como impedimento para o conhecimento intuitivo, mas Tomás

enfatiza sua função de ser princípio do conhecimento humano. A função de abstrair é

atribuída ao intelecto humano enquanto unido à alma do homem. Tomás de Aquino se

opõe radicalmente à teoria de que existe um intelecto separado com a função de inteligir

140

LENZ, 2008, p. 159-160. 141

LANDIM, 2008, p. 15-16. 142

Sobre a noção de intelecto tal qual estabelecida por Tomás de Aquino, ver: OLIVEIRA, 2015.

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e informar a alma do homem143

. Este processo diz respeito à operação do intelecto

humano, mas não às substâncias separadas que não abstraem, pois não são determinadas

pela matéria singular. O ato intelectual angélico prescinde da abstração do inteligível

em potência nas coisas e da formação de um universal correspondente, seu

conhecimento não é mediado, é intuitivo. É possível compreender que os pressupostos

de Tomás não são apenas epistemológicos, mas também metafísicos. A cognição

humana é determinada como abstrativa devido aos pressupostos relativos a uma

estrutura metafísica que compreende tanto as coisas extramentais quanto o próprio

intelecto. Para Tomás, portanto, (1) os objetos particulares são dotados de essências

universais e (2) existe um poder de inteligir que atualiza o que já existe na coisa singular

formando um conceito universal correspondente. Este processo (3) é mediado pelos

sentidos externos que apreendem as espécies sensíveis, pelos sentidos internos que

produzem e armazenam um fantasma e necessitam de um intelecto agente capaz de

abstrair do fantasma144

.

Elaborada por Tomás de Aquino, presente em Henrique de Gand e sob

uma roupagem toda própria em Duns Scotus, a tese da intelecção

indireta do singular se estabelece como alternativa a um aristotelismo

supostamente ortodoxo que, apoiado na ideia de que o intelecto

apreende apenas de modo abstrato, considerava de todo impossível a

apreensão intelectual do singular material. 145

Henrique de Gant partilhava do pressuposto defendido por Tomás146

de que a

cognição humana é mediada pelos sentidos. Para Henrique, os sentidos são capazes de

apreender as coisas extramentais que são “instâncias de conceitos gerais, a saber, dos

tradicionalmente chamados transcendentais (ens, bonum, unum, etc)”. 147

Assim,

também aceita o pressuposto de Tomás de que (1) existem universais, ou

143

Sobre a crítica de Tomás à teoria do intelecto separado e sobre a denominação desta teoria como

averroísta ver: MARTINS, 2009, p. 7-35. 144

LANDIM, 2008, p. 13: “(...) em Aquino, o universal na mente tem fundamento na coisa singular

e isso seria suficiente para diferenciar, nessa questão, a concepção tomásica do conceitualismo de

Ockham. O que justifica a concepção de Tomás sobre a relação do universal com o singular é a sua

teoria da abstração”. 145

GUERIZOLI, 2011, p. 139. 146

Contudo, a partir destes pressupostos, Henrique de Gant defende conteúdos que Tomás nunca

defendeu: dentre eles que o homem pode conhecer a Deus. Sobre este tópico Guerizoli afirma: “Em

sentido rigoroso, porém, continua Henrique, conhecer significa conhecer a quididade de algo, donde

ser lícito dizer que o ser humano está naturalmente ordenado a um conhecimento quididativo de

Deus. (...) Segundo Henrique, é possível conhecer, por meio de um saber fundado no contato com

objetos sensorialmente perceptíveis, não apenas que Deus existe, mas também o que ele é”.

GUERIZOLI, 2010, p. 221-222. 147

GUERIZOLI, 2010, p. 226.

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transcendentais, nos particulares148

e (2) existe um poder cognitivo capaz de conhecê-

los. No que diz respeito ao conhecimento humano, Henrique defende que ele deve ser

mediado, pois, para ele:

Apenas por intermédio da espécie percebida da coisa, a coisa é

verdadeiramente conhecida. Como a pedra que é verdadeiramente

vista pela sua espécie sensível recebida no olho e verdadeiramente

inteligida pela sua espécie inteligível recebida no intelecto. 149

Henrique compreende o intelecto humano como uma tábula rasa150

, portanto o

processo cognitivo humano é estabelecido tendo como princípio a aquisição de

universais contidos potencialmente nos objetos cognoscíveis particulares. Para ele, a

percepção e a intelecção ocorrem paralelamente no homem, ambas, entretanto, não

ocorrem diretamente, mas por intermédio de mediadores. As espécies sensíveis teriam

como função tornar o objeto acessível ao sentido e, além delas, ele afirma que os

fantasmas e as espécies inteligíveis seriam responsáveis por tornar o objeto acessível ao

intelecto. O intelecto, por sua vez, é constituído por dois poderes: o intelecto possível e

o intelecto agente.

O fantasma na imaginação pode ser compreendido como um

universal-em-potência, mas nunca como um universal-em-ato, a não

ser que algo o atualize da potência ao ato. A alma intelectiva,

portanto, deve ter um duplo poder. Em primeiro lugar, deve ser capaz

de receber, talvez até se tornar, o universal-em-ato; em segundo lugar,

deve ser capaz de atualizar do inteligível-em-potência no fantasma

para o inteligível-em-ato em si. O primeiro destes poderes é chamado

intelecto possível; o segundo é chamado intelecto agente. 151

Não há, para ele, um intelecto agente separado com a função de abstrair dos

fantasmas produzidos pela imaginação152

. No caso do homem, o intelecto agente

compre a função de atualizar o universal que está em potência nos fantasmas e informá-

148

GUERIZOLI, 2010, p. 219: “Henrique aceita as teses tomasianas de que a noção de ente é o

primeiro conceito apreendido pelo intelecto (primum cognitum) e de que tal apreensão dá-se com

base no acesso epistêmico que, mediados pelos sentidos, temos às coisas do mundo”. Ver também

AERTSEN, 1996. 149

Summa Quaestionum Ordinarium, I, 1, ad 7: “Per solam enim speciem perceptam de re

cognoscitur vere res ut lápis vere videtur per solam speciem suam sensibilem receptam in óculo et vere intelligitur per solam speciem suam intelligibilem receptam in intellectu”. 150

Summa Quaestionum Ordinarium, I, 10, sed contra: “no que diz respeito ao conheciemtno, nosso

intelecto é como uma tábula rasa”. “(...) intellectus noster ante addiscere est sicut tabula rasa”. 151

BROWN, 1975, 499. 152

Cf: BROWN, 1975, 499

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lo ao intelecto possível. O anjo, no entanto, não é constituído por um corpo, portanto,

não possui órgãos internos que produzam fantasmas. Para Tomás de Aquino, a falta de

aparato físico não se configura como um impedimento para que os anjos possam

conhecer os objetos extramentais, pois há um inteligível em potência nas coisas, uma

quididade, um universal. O anjo é capaz de intuir as essências das coisas

correspondentes às espécies que possui em seu intelecto. Henrique de Gant, no entanto,

rejeita tal interpretação. Para ele, os anjos não possuem todas as ideias eternamente em

suas mentes, como Deus, de modo que possam conhecer tudo desde sempre, ou como se

pudessem reconhecer os particulares. Por isso, estabelece que eles necessitem de algum

aparato cognitivo que cumpra a função de apresentar seu objeto de conhecimento. Neste

sentido, Perler afirma sobre o tratamento dos anjos feito por Henrique de Gant:

[Os anjos] necessitam de algum dispositivo cognitivo que torne as

coisas cognitivamente presentes a eles. Mas quais são estes

dispositivos? Henrique de Gant tentou responder a esta pergunta ao

postular que os anjos conhecem as coisas do mundo por intermédio de

uma disposição cognitiva que abrange tudo, o chamado hábito

científico (habitus scientialis). Este hábito, que de algum modo é

constituído em suas mentes no momento de sua criação, concede a

eles acesso a todas as coisas, sem nenhuma necessidade de

informações específicas sobre itens particulares. Henrique enfatiza

que só há um único hábito para cada anjo e ao atualizá-lo cada anjo

apreende todas as coisas imediatamente, ou, para ser mais preciso: ele

apreende a essência de todas as coisas de uma vez. Não é necessário

para o anjo passar pelo processo laborioso de adquir informações

sobre esta ou aquela coisa particular. Todas as essências são imediata

e completamente presentes a ele uma vez que o hábito é atualizado. 153

Para Henrique, no ato de criação os anjos recebem um habitus scientialis que

teria como função, quando atualizado, tornar os objetos extramentais cognoscivamente

presentes ao seu poder cognitivo. Este hábito seria tal que forneceria todas as essências

imediatamente ao intelecto angélico. Nenhum impedimento material poderia interferir

neste hábito, uma vez que foi criado por Deus e o intelecto angélico tem a capacidade

de atualizá-lo. Para ele, portanto, (1) existe um inteligível no particular e (2) existe um

hábito de ciência que, quando atualizado, apresenta todas as essências das coisas ao

poder de cognitivo. Esta interpretação, porém, foi recusada e criticada por Scotus.

153

PERLER, 2008, p. 145.

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Scotus rejeita a tese de que um único dispositivo seja suficiente para

tornar todas as essências cognitivamente presentes. Ao contrário, um

anjo necessita de múltiplos dispositivos cognitivos. Cada qual torna a

essência distinta cognitivamente presente ao representar suas

características específicas. Na visão de Scotus, estes dispositivos

cognitivos não são nada mais que espécies inteligíveis (species

intelligibiles) que existem na mente angélica e são usadas todas as

vezes que um anjo realiza um ato cognitivo. 154

A crítica que Scotus direciona a Henrique de Gant não diz respeito à

possibilidade do anjo conhecer os objetos particulares, mas à noção de hábito científico

fundamentado por Deus no ato da criação. Para Scotus não é correto afirmar tal hábito

porque não é correto afirmar que um único hábito poderia satisfazer a apreensão de

infinitas essências155

. Scotus nega a existência de tal noção e defende a noção de espécie

inteligível. As espécies inteligíveis seriam necessárias no processo cognitivo, pois

cumpririam a função de tornar as essências cognitivamente presentes ao intelecto156

.

Estas espécies não são compreendidas por Scotus como produtos da intelecção, elas

precedem os atos mentais157

e possibilitam que estes atos ocorram e possuam conteúdos

distintos.

Espécies não são nada mais do que rationes cognoscendi, i.e., os

dispositivos pelos quais cada objeto se torna cognitivamente acessível,

não os próprios objetos. Como tais dispositivos, são indispensáveis

porque tornam o intelecto angélico capaz de alcançar os vários objetos

e assimilá-los. 158

É importante notar que Scotus não comete o erro de defender que as espécies

inteligíveis seriam os objetos do conhecimento. A função das espécies é tornar os

objetos cognoscíveis acessíveis ao poder cognitivo, elas não são os objetos mesmos.

Destaco que ele não faz apenas a defesa da utilidade de espécies inteligíveis em

operações de conhecimento abstrativo, mas também reconhece sua função na operação

154

PERLER, 2008, p. 146. 155

Ordinatio II, d. 3, part. 2, q. 3, n. 369: “nenhuma razão criada pode ser a razão de conhecimento

distinto de muitas quididades”. “(...) nulla una ratio create potest esse ratio distincte cognoscendi

plures quiditates”. 156

Ordinatio II, d. 3, part. 2, q. 3, n. 390: “Porque a espécie do primeiro objeto (que não é

naturalmente presente pela essência) precede naturalmente o ato de seu conhecimento”. “Tum quia

species primi obiecti (quod non est praesens naturaliter per essentiam) praecedit naturaliter actum

cognoscendi illud”. 157

PINI, 2015, p. 81-103. 158

PERLER, 2008, p. 147.

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intuitiva de conhecimento. Assim, através de uma espécie inteligível o intelecto

angélico pode acessar uma essência específica e constituir conhecimento.

Um apelo às espécies pressupõe uma certa tese ontológica, a saber,

que há essências universais (ou naturezas, quididades) no mundo e

que estas essências podem ser apreendidas pelo intelecto.

Manifetamente, Scotus concede que estas essências ou naturezas são

sempre individualizadas no mundo material e que elas não existem em

„pura‟ universalidade (...) Ele, no entanto, defende uma visão mais

realista dos universais, afirmando que existem naturezas universais no

mundo extramental, não apenas no intelecto, e que estas naturezas são

acessíveis ao intelecto angélico por meio de espécies inteligíveis. Esta

é precisamente a função das espécies, tornar estas naturezas acessíveis

e descartar todas as características individuais. 159

A análise do intelecto angélico e de seu processo de conhecimento revelam

pressupostos epistemológicos que dizem respeito não apenas aos anjos, mas à cognição

de modo geral. Além disso, tal análise revela alguns pressupostos metafísicos

fundamentais, para Scotus: (1) existem essências universais nos objetos extramentais,

(2) existem intelectos capazes de acessá-las, (3) o acesso é intermediado por espécies

inteligíveis que não são os próprios objetos do intelecto, mas possibilitam o acesso aos

objetos do intelecto. A interpretação de Scotus encontra um contraponto, entretanto, em

Ockham:

Em sua visão, anjos apreendem diretamente vários objetos e, assim,

fixam diretamente o conteúdo de seus atos intelectuais. Espécies são

entidades supérfluas que não desempenham papel nenhum no

processo cognitivo. 160

A crítica de Ockham é direcionada às espécies inteligíveis que, para ele, são

supérfluas e, por isso, não devem ser afirmadas no processo cognitivo. Assim como um

hábito científico não é capaz de explicar como ocorre a cognição de um item específico,

as espécies inteligíveis são incapazes de esclarecer o processo cognitivo. Elas são

afirmadas pos Scotus no intuito de explicar como o intelecto imaterial pode conhecer o

objeto material, entretanto, não é claro como ocorre a relação entre o objeto material e

as espécies inteligíveis. Além disso, não se elucida como as espécies podem ser

159

PERLER, 2008, p. 150. 160

PERLER, 2008, p. 148: “Ockham discorda amplamente de Scotus. De fato, ele rejeita a

afirmação básica de Scotus de que as espécies inteligíveis são requeridas como dispositivos

cognitivos”.

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inteligíveis sem anteceder o ato cognitivo e como elas podem possuir a capacidade de

promovê-lo. Enfim, a capacidade da espécie de apresentar o objeto ao poder cognitivo

não é elucidada, a operação continua sem possuir explicações suficientes, pois a adição

destas outras etapas não elucida o processo. Ockham opta, portanto, por negar a

existência das espécies inteligíveis e propõe um processo cognitivo sem tais

intermediários.

Mas quando uma coisa se faz presente a um intelecto angélico ou ao

nosso intelecto, sem nenhuma coisa prévia, seja um hábito ou uma

espécie, o intelecto pode conhecer a coisa intuitivamente. Portanto, tal

coisa é a causa desta cognição. 161

Para Ockham não havia necessidade de postular um intermediário entre um

objeto capaz de ser conhecido e um intelecto capaz de conhecer. Por isso, rejeita as

espécies inteligíveis162

, o hábito científico ou qualquer outro tipo de intermediário como

necessário para a cognição. A intelecção do singular é compreendida como direta e

intuitiva, entretanto ele continua utilizando o vocabulário da abstração. Para ele,

intuição e abstração não são incompatíveis.

A cognição intuitiva é aquela pela qual conheço que uma coisa existe

quando existe, e que não existe quando não existe. Entretanto, a

cognição abstrativa é aquela pela qual não julgamos que uma coisa

existe quando existe, nem que não existe quando não existe. 163

Ockham tem como objetivo diferenciar momentos ou etapas da cognição. No

que diz respeito a conhecer algo, este conhecimento é direto e chamado intuitivo164

. Em

um segundo momento ocorre a operação judicativa pela qual se pode julgar sobre o que

foi conhecido. Esta última operação é estabelecida como abstrativa. Para Ockham,

ambas as operações podem ocorrer, sem contradições, para que o conhecimento se

dê165

. Ao analisar o modo pelo qual Ockham define estes processos Guerizoli afirma:

161

Quaestiones in In II Sent (Reportatio) q. 12–13, p. 276: “Sed posita ipsa re praesente et intellectu

angelico sive nostro sine omni alio praevio, sive habitu sive species, potest intellectus illam rem intuitive cognoscere. Igitur talis res est causa illius cognitionis”. 162

Sobre a rejeição das espécies inteligíveis ver: PANACCIO, 2004, p. 27-30. 163

Quaestiones in In II Sent (Reportatio) II. q. 12–13, p. 268: “cognitio intuitiva est illa per quam

cognosco rem esse quando est, et non esse quando non est. Sed cognitio abstractiva est illa per

quam non iudicamus rem quando est esse et quando non est non esse”. 164

LENZ, 2008, p. 161: Para Ockham a intuição não é a forma mais elevada de possuir ou adquirir

conhecimento, mas é o começo de um discurso: uma intuição é o primeiro termo mental em uma

sentença mental, é parte de um processo que termina com a elaboração de uma conclusão, e apenas

ao alcançar esta conclusão nós ou os anjos podem alcançar o conhecimento. 165

Sobre a cognição intuitiva e abstrativa ver: PANACCIO, 2004, p. 5-8.

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O contato sensorial com um único indivíduo, sua intuição por parte

dos sentidos, não é para ele apenas o ponto de partida de uma

apreensão intuitiva intelectual desse indivíduo. Tal encontro também

naturalmente deslancha apreensões abstrativas e universais. (...) Em

Ockham, com efeito, é nítida a ideia de que a gênese do universal

decorre de uma operação feita sobre um único indivíduo. Basta uma

apreensão intuitiva, individual, para que venha a surgir aquela outra

modalidade de apreensão, a cognição abstrativa. 166

O processo cognitivo é estabelecido por Ockham de maneira direta. Como o

homem é um ser composto, a apreensão sensível é o início do processo intuitivo. Esta

diferença entre as etapas do processo para o homem e para os anjos revela um

pressuposto epistemológico impostante: para Ockham o intelecto humano e o angélico

possuem a mesma potência intelectual, apenas acessam o mundo de maneira diferente e,

portanto, se encontram, em situações epistêmicas também distintas. 167

Além disso, o

universal é determinado como produto do conhecimento, ele não se encontra separado

do intelecto, seja em estado puramente universal, seja em potência ou individualizado

no objeto singular168

. O que é intuído no processo intuitivo são as qualidades

individuais do objeto individual.

De acordo com esta visão, as essências universais ou naturezas são

meros produtos da mente. (...) Devido ao comprometimento estrito às

entidades individuais, não há nenhuma necessidade de introduzir

dispositivos cognitivos especiais que tornem as essências universais

ou naturezas acessíveis. 169

Ockham defende um pressuposto metafísico muito diferente do que apontei em

Tomás de Aquino, Henrique de Gant e Duns Scotus, para ele o intelecto intui as

qualidades individuais do particular “porque o que quer que seja em uma coisa é

singular170

”. As essências universais não poderiam ser no singular justamente por serem

universais171

. Elas não precedem a intelecção, são produzidas por ela. O intelecto,

166

GUERIZOLI, 2011, p. 146. 167

LENZ, 2008, p. 166: “Em suma podemos dizer que Ockham atribui o mesmo tipo de

racionalidade para todas as criaturas. O elemento inato do intelecto angélico não é um conjunto de

conceitos, mas a estrutura da racionalidade (...). A diferença entre os intelectos angélico e humano

não se baseia nos modos de processamento do conhecimento, mas em suas situações epistêmicas

distintas e seus modos distintos de acessar o mundo”. 168

Sobre o externalismo ver: PANACCIO, 2015. 169

PERLER, 2008, p. 150. 170

Rep II. q. 12–13: “quia quidquid est in re est singulare”. 171

Sobre os conceitos segundo Ockham ver: PANACCIO, 2004, p. 45-62.

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puramente espiritual, tem a capacidade de constituir o universal a partir do que obtêm

da coisa, daquilo que é o seu objeto de conhecimento. 172

Assim, Ockham se

compromete com certos pressupostos: (1) não existem essências universais nos objetos

extramentais, o individual possui qualidades individuais, (2) o intelecto é capaz de intuir

as qualidades de seu objeto sem intermediários, (3) o próprio objeto é responsável por

determinar o conteúdo do ato intelectual ao ser caracterizado como causa parcial do ato

intelectivo. Ockham reconhece que esta relação causal173

entre objeto cognoscível e

poder cognitivo pode ser problemática. Todo aquele que defende que, de algum modo, o

material, ainda que de modo parcial, possui a capacidade de causar algo no imaterial

deve enfretar os problemas de explicar como tal relação ocorre e como algo menos

nobre pode afetar o mais nobre, por exemplo. Ele entende, no entanto, que tais

problemas são reduzidos quando as etapas do processo não são multiplicadas e são

também reduzidas.

Assim como tu afirmas que o corporal pode ser a causa parcial

ocasionando uma espécie no espiritual, eu afirmo que o corporal é a

causa parcial que ocasiona uma intelecção no espiritual. 174

Em suma, Ockham parece ponderar que postular mediadores para o processo

não evita o problema de explicar como o corporal pode ser causa parcial de uma

intelecção espiritual. Para ele, é preferível sustentar um processo de apreensão direta do

que um processo contendo inúmeros mediadores que não são realmente úteis na

elucidação do processo. Ao analisar o modo pelo qual Ockham reduz as etapas do seu

processo de conhecimento, Guerizoli afirma que muitas questões são evitadas:

Foi com base numa tal articulação entre inteligibilidade do ente

material, papel da abstração e dignidade da metafísica que por mais de

uma vez se pôs à mostra o problema de toda defesa da apreensão

direta dos indivíduos materiais. Comparada a outros esforços no

mesmo sentido, essa reductio tem a vantagem de não se perder em

questões particularmente espinhosas, como a da cognoscibilidade da

matéria ou a da pluralidade das formas. Ao contrário, assume-se, por

172

LENZ, 2008, p. 164: “O modelo empirista de Ockham enfatiza o aspecto receptivo: o

conhecimento é obtido das coisas – não importando se as coisas são coisas no mundo ou em outras

mentes”. 173

LENZ, 2008, p. 165: “Para Ockham os pensamentos são causados pelos objetos de pensamento e

constituem uma linguagem mental que pode ser recebida por outras mentes”. 174

Rep II. q. 12–13: “… sicut tu ponis quod corporeale potest esse causa partialis ad causandum speciem in spirituali, ita ego pono quod corporeale est causa partialis ad causandum intellectionem

in spirituali”.

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hipótese, a intelecção direta dos singulares materiais e mostra-se que

daí não decorre senão a perda de tudo o que possa justificar, de modo

minimamente razoável, o porquê de tendermos naturalmente à

edificação de saberes que, no fim das contas, nos diria menos sobre o

mundo do que aquilo que aprenderíamos sobre ele imediatamente e

sem qualquer esforço. 175

Ao defender um processo direto de cognição Ockham não precisa elucidar certas

questões, entre elas: (1) como poderia existir essências universais nos singulares

coincidindo singular e universal no mesmo objeto; (2) como espécies ou fantasmas

podem representar ou conter universais; (3) como existem conceitos universais nos

intelectos que corresponderiam aos universais dos objetos de conhecimento; (4) como é

possível que um intelecto imaterial conheça um objeto material e etc. Isto, no entanto,

não significa que esta teoria também não encontre problemas. Ainda é preciso

determinar, por exemplo: (1) como ocorre a relação causal entre objeto e intelecto; (2)

como o objeto pode ser capaz de afetar o intelecto que é compreendido como superior;

(3) como o intelecto pode produzir um universal a partir das qualidades individuais

apreendidas do objeto e (4) como se pode garantir a noção de verdade uma vez que não

há correspondência entre o universal da coisa e o do intelecto.

Destes quatro autores apresentados, Durandus parece se aproximar mais de

Ockham, por defender a concepção de cognição como um processo de apreensão direta

do objeto cognoscível. Entretanto, Durandus não só estabelece que o conhecimento é

intuitivo, como Ockham, mas vai além: para ele a abstração é supérflua e, por isso, não

deve ser admitida como parte do processo de conhecimento. 176 A negação da noção de

abstração é tão radical que culmina com a negação total do intelecto agente. Como o

intelecto agente é afirmado devido sua função de abstrair, e Durandus nega a

possibilidade de tal operação, a noção de intelecto agente é supérflua: não existe

intelecto agente nem unido, nem separado da alma humana.

Durandus parte do princípio de que o intelecto angélico e o intelecto humano

pertencem à mesma substância espiritual, assim, possuem o mesmo poder intelectivo e

devem operar de modo similar177

. A diferença entre eles é o referencial material, neste

sentido, ambos existem em condições diferentes. Enquanto o intelecto humano está

175

GUERIZOLI, 2011, p. 138. 176

GUERIZOLI, 2011, p. 137-138: “Se os entes materiais nos fossem imediatamente inteligíveis, a

abstração seria supérflua e, aliás, contraproducente. Afinal, cada ato de abstração implicaria numa

perda cognoscitiva frente à apreensão primeira dos indivíduos”. 177

Cf: In II Sent [C] d. 3, q. 1, n. 8.

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unido ao corpo e, assim, é apenas separável da matéria178

, o intelecto angélico compõe

um ente puramente espiritual, é separado da matéria179

e, portanto, mais nobre180

. Por

ser completamente separado das limitações materiais, Durandus considera que o

intelecto angélico representa um intelecto em condições ideais para a realização de sua

existência181

. Por isso, ao analisar a intelecção angélica não é necessário elucidar o

papel dos sentidos externos ou internos, por exemplo182. Em contrapartida, pouco se

sabe sobre o processo cognitivo angélico e o que se sabe é a partir do que se conhece

sobre o processo intelectivo humano. Ainda que não seja possível analisar o intelecto

angélico em si, ele é fundamental para compreendermos os pressupostos

epistemológicos e metafísicos com os quais Durandus se compromete e qual o papel do

homem nestes contextos.

Anjos desempenharam um papel decisivo na explicação do status

específico do ser humano. No contexto medieval, uma investigação

antropológica não era possível sem distinguir seres humanos de

animais brutos de um lado e de anjos de outro lado. De fato, foi a

comparação com os anjos que elucidou as características específicas

dos seres humanos. 183

No que diz respeito a Durandus, ele compreende que os homens têm a mesma

capacidade de conhecer que os anjos e ambos conhecem por intermédio de um

178

In II Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 4: “Assim, a essência do anjo não é ato do corpo, mas é separada de

todo corpo”. “Essentia etiam angeli non est actus corporis, sed est separata ab omni corpore”. 179

In II Sent. [C], d. 3, q. 1, n. 8: “Visto que o homem é o que intelige, o fundamento de sua

operação é o inteligir e, entretanto, o homem tem uma parte de matéria em si. (...) De modo similar

se diz do anjo que ele é aquilo cuja operação é inteligir como o seu fundamento de operação. E disto

não é próprio [dizer] que seja composto de matéria e forma assim como o homem é”. “quia homo est

quod intelligit ut suppositum cuius operatio est intelligere, et tamen homo habet materiam partem

sui. (...)Similiter potest dici quod angelus est illud cuius operatio est intelligere ut suppositi operantis. Et ob hoc non oportet quod sit compositus ex materia et forma sicut et homo”. 180

IRIBARREN, 2008, p. 53: “Ambas as almas angélicas e humanas pertencem às mesmas espécies

de substâncias incorpóreas. Mas o que torna o anjo melhor do que a alma humana é que o anjo é uma

substância separada enquanto a alma humana é meramente uma forma separável, e esta diferença

produz um modo de intelecção nos anjos que é mais perfeita e menos mediada do que a cognição

humana”. 181

In II Sent.[C], d. 3, q. 6, n. 8: “O intelecto angélico, como não depende dos sentidos, apreende

imediatamente todo inteligível que a ele se apresente”. “Sed intellectus angelicus, qui a sensu non

dependet, statim apprehendit omne intelligibile sibi presens”. 182

PERLER, 2008, p. 147-148: “No caso dos anjos nós não temos que lidar com a fundação

sensorial dos atos intelectuais. E também não temos que nos perguntar sobre os tipos de dispositivos

cognitivos que poderiam existir fora do intelecto (ex. fantasmas) ou sobre qual tipo de objetos

poderiam existir além das essências (ex. formas individuais e propriedades). Anjos provêm um

modelo de cognição pura, sem nenhuma restrição material”. 183

IRIBARREN, 2008, p. 143.

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conhecimento intuitivo e não abstrativo. O objeto do intelecto não é a essência universal

das coisas particulares, mas as qualidades individuais das coisas. Para Durandus, o que

é individual só pode possuir características individuais. O universal não existe separado

do intelecto, nem precede à operação intelectiva, mas é o seu resultado. Durandus

procura fundamentar que (1) não existem essências universais nos objetos extramentais,

o individual possui apenas qualidades individuais (2) o intelecto é capaz de intuir as

qualidades de seu objeto sem intermediários, (3) por isso, nega que as noções de

fantasmas, espécies sensíveis ou espécies inteligíveis tenham qualquer papel no

processo intelectivo e (4) existe uma relação causal entre objeto e intelecto, entretanto,

procura atribuir um caráter especial a este tipo de relação: o objeto não deve ser

compreendido como causa eficiente da relação, mas apenas como a causa sine qua non

do ato intelectivo.

Meu objetivo na próxima seção deste capítulo é analisar a caracterização desta

relação entre objeto do conhecimento e poder cognitivo e compreender se Durandus

consegue evitar a classificação do objeto como causa eficiente, o que o levaria a afirmar

que algo menos nobre, material, é responsável por causar intelecção no mais nobre, o

intelecto imaterial.

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2.2- O CONHECIMENTO COMPREENDIDO COMO A RELAÇÃO ENTRE O

OBJETO COGNOSCÍVEL E O PODER COGNITIVO PARA DURANDUS DE

ST. POURÇAIN

Em seu In II Sent. [C], d. 17, q. 1, Durandus afirma que a alma intelectiva está

unida ao corpo de modo análogo à união de forma e matéria. 184

Deve-se admitir,

portanto, que a constituição de sua teoria cognitiva será determinada pela relação entre o

corpo material e o intelecto imaterial, expressa também na relação entre o objeto

cognoscível que é sensível e particular e o intelecto universal. 185

Para Durandus, o

primum cognitum do intelecto é o particular e não o universal. 186

Ocorre que não se

constitui conhecimento científico de particulares, portanto é necessário compreender se

é possível que o homem conheça o indivíduo sob razões universais. Durandus deve,

assim, elucidar se a cognição humana é possível e, sendo este o caso, como ela ocorre.

Ao determinar qual é a causa do conhecimento e que tipo de causa é essa, Durandus é

capaz de estabelecer qual é a natureza mesma do conhecimento.

Durandus, no entanto, nega187

que o objeto do intelecto seja o universal na coisa e,

por isso, nega também que o intelecto agente tenha a operação própria de abstrair o esse

universal das coisas singulares e individuantes. 188

Para Durandus, é exatamente o

contrário: “o primeiro objeto do intelecto não é o universal, mas o singular”. 189

A

investigação a respeito do primum cognitum do intelecto revela que o conhecimento é

uma relação entre o poder cognitivo e o objeto cognoscível. É necessário determinar,

entretanto, se a caracterização do objeto cognoscível como a causa sine qua non do ato

intelectivo satisfaz à formação de um universal correspondente ao particular. É evidente

que se tal correspondência não for verificada não seria possível assegurar a noção de

184

In II Sent. [A], distinção 17, questão 1 resp. 185

Sobre a noção de ciência em Durandus de St. Pourçain ver FUMAGALLI, 1969. p. 41-52. E para

uma introdução ao tema do conhecimento ver também p. 55-64. 186

Ver: In II Sent. [C], d. 3, q. 7, n. 7. 187

A respeito do debate sobre a cognição entre Durandus e Natalis e Henrique de Gant ver: LOWE,

2003, p. 96-99. Em relação ao debate sobre a narureza humana entre Tomás de Aquino, Durandus e

Natalis: cf. IRIBARREN, 2009. Sobre a recepção desfavorável de Natalis à primeira versão do

Comentário às Sentenças de Durandus: cf. IRIBARREN, 2005, p. 108-144. Sobre o ataque de

Natalis às teorias de Durandus ver IRIBARREN, 2005, p. 145-162. 188

A crítica pode ser verificada em In II Sent. [C], d. 3, q. 7, n. 8 ou ainda em In II Sent. [C], d. 3, q.

5, questão dedicada exclusivamente à crítica da afirmação da existência de um intelecto agente. 189

In II Sent. [C], d. 3, q. 7, n. 7: Quod primum cognitum ab intellectu non est universale, sed

singulare.”

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verdade. A minha hipótese de leitura é a de que a verdade compreendida formalmente

pressupõe o ato intelectivo. Ou seja, a verdade é a relação entre o objeto cognoscível e o

poder cognitivo dada pela notitia intuitiva. Para Durandus, a correspondência entre o

objeto real e o objeto intencional asseguraria a constituição de um conhecimento

verdadeiro. Tal correspondência, no entanto, não pressuporia uma certa universalidade

presente no particular. Na terceira versão do Comentário às Sentenças, Livro II , d. 3, q.

6, n. 8, Durandus escreve:

Visto que o primeiro objeto proporcionado ao nosso intelecto é aquilo

que primeiro fora proporcionado ao sentido. Isto porque o nosso

intelecto é com o sentido (cum sensu), já que ao nosso intelecto (seja

permitido agir sobre o objeto presente) embora não na razão do

primeiro inteligível, visto que não é algo que pode cair sob o sentido. 190

Durandus não se opõe à teoria segundo a qual o homem é dotado de sentidos e

intelecto,191

nem rejeita que ele entre em contato com o mundo através da percepção

sensível. O sentido tem o papel de proporcionar o objeto ao intelecto, de tal sorte que, se

um objeto não for percebido, não poderá ser inteligido pelo intelecto humano. 192

Perceber e inteligir passam a ser considerados como dois lados da mesma moeda, se o

primeiro ocorre o segundo acontecerá imediatamente. O que Durandus, de fato, rejeita é

que o conhecimento seja constituído através de processos abstrativos.

Durandus distingue dois modos de conhecimento, o intuitivo e o abstrativo,193

expressos pelas fórmulas notitia intuitiva e notitia abstrativa. 194

Estes termos, no

entanto, recebem aqui novo significado. Fumagalli195

aponta para o fato de Durandus se

190

In II Sent. [C], d. 3, q. 6, n. 8. “quia obiectum primo proportionatum nostro intellectui est aliquid

prius sensatum, quia intellectus noster est cum sensu, propter quod intellectus noster (licet sit sibi presens) non tamen in ratione primi intelligibilis ab eo, quia non est aliquid quod cadere possit sub

sensu”. 191

Sobre este tema podemos destacar o “Tratado do homem” que compreende as questões 75 à 89 da

Suma de Teologia de Tomás de Aquino. Nestas questões, Tomás determina a natureza do homem e,

portanto, a natureza da cognição humana deve corresponde capacidades atribuídos ao ser humano.

Especificamente sobre a natureza humana ver ST I I q. 75 a. 1 resp. 192

Sobre a presença do objeto inteligível como causa, ver: HARTMAN, 2012. p. 83. 193

In I Sent. [C], Prol. q. 3, resp: “Quanto ao primeiro sabe-se que Segundo esta opinião é possível

distinguir dois conhecimentos, o abstrativo e o intuitivo”. “Quantum ad primum sciendum quod

ponentes dictam opinionem distinguunt duplicem cognitionem, scilicet abstractiuam et intuitiuam”. 194

A notitia intuitiva e a notitia abstractiva serão discutidas de modo análogo e mais amplo por

Ockham. Sobre o tratamento das noções de intuição e abstração na cognição humana ver OCKHAM

1967-1986, V, p. 257, GUERIZOLI, 2011, p. 137- 159. PANACCIO, 1992, p. 69. 195

FUMAGALLI, 1969. p. 55: “Secondo alcuni (il riferimento allo Scoto è, come si è visto, chiaro)”

GUERIZOLI, 2009.

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opor à função que Duns Scotus atribui ao conhecimento abstrativo, como aquele que se

refere ao conhecimento de uma coisa não presente, e ao conhecimento intuitivo, como

aquele que corresponderia à cognição imediata da coisa presente. Durandus não nega a

possibilidade de conhecimento da coisa imediatamente presente, a crítica feita diz

respeito à afirmação de uma notitia abstrativa propriamente dita. 196

A utilização do

intelecto angélico como experimento de pensamento pode auxiliar a compreensão deste

ponto. O intelecto separado é livre dos limites e determinações materiais, por isso, opera

realizando toda a sua potencialidade, como nada o impede de conhecer a essência da

coisa de modo intuitivo não há necessidade de afirmar um conhecimento abstrativo. Por

analogia, a mesma cognição intuitiva deve preceder qualquer outra em um intelecto

não-separado: “Experimentamos de modo similar em nós que a cognição intuitiva

sensível precede toda cognição abstrativa intelectiva197

”.

Além disso, como o conhecimento intuitivo tende ao particular, deve-se dizer que

o objeto da cognição é o ente em ato: “A primeira cognição necessária é a do ente em

ato, e tal cognição necessária é intuitiva, como foi provado. Portanto, todas as outras

cognições necessárias pressupõem a intuitiva e são reduzidas a ela198

”. Assim, o

conhecimento intuitivo é este segundo o qual o ente em ato é conhecido imediatamente

quando presente ao poder cognitivo. O que os sentidos percebem, no entanto, não é

certa universalidade contida no objeto e sim suas condições particulares, como

verificado a seguir:

O que é primeiro conhecido pelo intelecto não é o universal, mas o

singular. Pois o universal não é aquilo que o intelecto retira das

condições singulares e individuantes, mas o universal é assim

denominado somente como objeto pelo ato inteligente... a

universalidade não pode estar na coisa, mas apenas a singularidade. 199

196

Durandus deixa claro, por exemplo, que não é possível ao homem possuir algum conhecimento a

respeito de Deus por via abstrativa. A defesa da afirmação de uma notitia abstrativa propriamente

dita, verdadeira e independente é totalmente inviabilizada neste caso. Cf.: FUMAGALLI, 1969. p.

55 e 56. 197

In I Sent. [C], Prol. q. 3 resp: “(...) similiter experimur in nobis quod omnem cognitionem abstractiuam intellectiuam precedit cognitio intuitiua sensitiva.” 198

In I Sent. [C], Prol. q. 3 resp: “prima cognitio necessario est entis in actu; set talis cognitio

necessario | est intuitiua, ut probatur; ergo omnis alia cognitio necessario presupponit intuitiuam et ex ea deducitur”. 199

In II Sent. [C], d. 3, q. 7, n. 7 e 8: “Primum cognitum ab intellectu non est universale, sed

singulare… Esse enim universal non est aliud quam esse intellectum absque conditionibus singularitatis et individualtionis, ita quod esse universal este sola denominatio obiecti ab acto sic

intelligendi (…) Universalitas non potest esse in rebus, sed solum singularitas”.

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Segundo Durandus, o universal não existe nos singulares, nem é o primeiro

objeto do intelecto, nem mesmo é por ele abstraído, mas é produto do processo de

cognição humana. O universal não é, assim, algo real contido no singular ou um

conceito contido em um intelecto separado, conhecido por nós ao final de um processo

de abstração ou de iluminação. Mas é o resultado, é o produto da cognição humana. É

puramente intelectual e, por isso, não é admitido que fosse contido pelos singulares.

O universal, é esta razão ou intenção universal ou coisa sob a intenção

de um universal, não é o primeiro objeto do intelecto nem preexiste à

intelecção, mas é aquilo que é formado pela operação do inteligente. 200

Mais uma vez é verificado que o universal é entendido por Durandus como

produto da operação intelectual. Ele não se encontra e pode ser abstraído das coisas,

nem é conhecido por intermédio de um tipo refinado de reminiscência. Segundo

Iribarren, “o universal é formalmente o resultado de um ato do intelecto: nada real é um

universal, e o que quer que exista na realidade extramental é, de fato, singular”. 201

O

texto latino é claro no uso do termo “formatum” para designar a operação que tem como

resultado o universal. Durandus admite, portanto, que o homem é capaz de conhecer o

objeto que se apresenta ao seu poder cognitivo e é capaz de produzir um universal a

partir do singular. A cognição, assim como a sensação, deve ser compreendida como ato

próprio do ser humano: “o inteligir é o ato próprio do intelecto e o sentir é o ato próprio

do sentido”. 202

Neste ponto, Durandus propõe uma distinção de atos humanos. O intelecto e o

sentido são compreendidos como o ato primeiro, ou a forma e o inteligir e o sentir, por

sua vez, são compreendidos como o ato segundo, ou a operação. Sendo o intelecto a

forma do homem, sua operação própria deve ser o inteligir. Por isso, não é correto

afirmar que, ao inteligir, algo é realmente adicionado ao poder cognitivo. Durandus é

claro ao afirmar que “o sentir e o inteligir não são algo real adicionado ao sentido e ao

intelecto fazendo com eles uma composição real”. 203

Trata-se, apenas, de uma distinção

200

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 28: “Universale, id est, ratio vel intentio universalitas aut res sub

intentione universalitatis non est primum obiectum intellectus nec praeexistit intellectioni, sed aliu

formatum per operationem intelligendi (...)” 201

IRIBARREN, 2008, p. 53. 202

In II Sent. [A], d. 3, q. 5, n. 27: “set sentire est proprius actus habentis intellectum et sentire est

proprius actus habentis sensum inquantum huiusmodi”. 203

In II Sent. [A], d. 3, q. 5, n. 22: “quod sentire et intelligere non dicunt aliquid reale additum

super sensum et intellectum faciens cum eis realem compositionem”.

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de atos, isto porque, se o ato primeiro é a forma e o ato segundo é a operação, a

operação não pode se distinguir formalmente do ato primeiro, caso contrário ela não

poderia ser caracterizada como ato segundo. Deve-se dizer, portanto, que os sentidos e

intelecto do homem são seu ato primeiro, sua forma e que são nele per se. Ao investigar

se haveria uma causa externa para o ato segundo do homem, ou seja, para as operações

de inteligir e sentir é possível notar uma aparente contradição. Na primeira versão do

seu In Sent, na convencionalmente chamada „Questão sobre a Cognição‟ Durandus

afirma que o objeto sensível não deve ser caracterizado como a causa eficiente da

sensação e da intelecção humana:

Pois se o objeto for a causa eficiente do ato inteligente, se seguiria que

para que o intelecto inteligisse e o objeto fosse inteligido, seria

necessário que a disposição do ato inteligente e seu objeto fosse como

a disposição entre causa e efeito, pela qual [o efeito] dependesse [da

causa] e estivesse submetido a ela por necessidade. (...) Assim, foi

exposto que sentir e inteligir não são em nós afetados pelo objeto

[perceptível]. 204

A classificação do objeto cognoscível como causa eficiente do ato intelectivo

gera um problema: é preciso elucidar como algo menos nobre, material, poderia afetar

algo mais nobre, imaterial. Durandus procura evitar este problema determinando que a

relação entre o objeto cognoscível e o intelecto não é análoga à relação entre causa e

efeito. A afirmação de que o objeto não deve ser compreendido como causa eficiente da

intelecção não deve ser utilizada, no entanto, para sustentar que Durandus advoga uma

concepção de intelecção humana desvinculada do sensível. No In II Sent. [C], d. 3, q. 6,

n. 21 Durandus utiliza a operação do sentido para elucidar a operação do intelecto.

Segundo ele o ato sensitivo ocorre porque o objeto sensível se apresenta ao sentido e,

analogamente, o mesmo pode se afirmar a respeito do ato intelectivo:

Sabe-se que em nós existe uma dupla cognição (manifestamente, a

sensitiva e a intelectiva). Quando um objeto sensível se apresenta ao

sentido, ele é conhecido pelo sentido. Por exemplo, uma coisa

colorida ou iluminada que se apresenta, segundo si, à visão é

204

In II Sent. [A], d. 3, q. 5, n. 20: “Si enim obiectum causaret effectiue actum intelligendi, ad quem

sequitur quod intellectus intelligit et quod obiectum intelligitur, necesse est quod habitudo actus

intelligendi et sui obiecti sit habitudo cause et effectus uel ex hac habitudine dependeat et eam ex necessitate supponat. (…) Ex hiis patet quod sentire et intelligere non sunt in nobis effective ab

obiecto.”

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imediatamente vista, isto porque uma é [capaz de ser] vista e a outra é

capaz de ver”. 205

Nota-se, em primeiro lugar, que Durandus defende a existência de um

conhecimento sobre o sensível. Em segundo lugar, Durandus parece afirmar que o

objeto é a causa de sua própria percepção, ao afirmar que ela ocorre por causa do ato do

objeto de se apresentar ao sentido. Como esta última passagem é encontrada na terceira

versão do seu In Sent, poderíamos supor que houve uma mudança de posição entre os

quase vinte anos que separam a terceira da primeira versão do texto. Na primeira versão,

Durandus nega que o objeto possa ser caracterizado como causa eficiente e na terceira

versão Durandus afirma que o objeto pode ser compreendido como causa da percepção.

No entanto, não há uma mudança de posição ou alguma contradição. Na segunda

passagem analisada, Durandus também rejeita a tese segundo a qual o objeto sensível é

a causa eficiente de sua percepção. Segundo Durandus, afirmar que o objeto se

apresenta ao sentido e, por isso, a sensação ocorre não é o mesmo que defender que o

objeto seja a causa eficiente de sua apreensão. O objeto cognoscível deve ser entendido

como causa, mas não como causa eficiente. E isto pode ser verificado já na primeira

redação do seu In Sent. No decorrer do desenvolvimento da resposta da questão quinta,

Durandus introduz uma nova classificação de causa: “Segundo o que foi exposto, sabe-

se, portanto, que o objeto é como uma causa sine qua non”.206

Durandus não rejeita a tese de que o objeto cognoscível seja a causa da

cognição, rejeita a classificação da causa como eficiente. Para ele, afirmar que os

objetos dos atos perceptivos seriam sua causa eficiente significaria admitir que quando

presentes aos sentidos estes objetos teriam a capacidade de afetar os sentidos e, de

algum modo, informar ou imprimir alguma forma sobre os órgãos dos sentidos

externos. É preciso admitir que não há uma explicação estabelecida para esclarecer

como o objeto seria capaz de imprimir alguma forma nos sentidos. Durandus não vê a

necessidade de se comprometer com uma teoria composta por etapas obscuras e,

segundo ele, desnecessárias. Para ele, não é necessário afirmar uma capacidade inerente

ao objeto que suscita questões a respeito da nobreza do ato intelectivo. Isto porque, se a

205

In II Sent. [C], d. 3, q. 6, n. 21: “sciendum est quod quanuis in nobis sit duplex cognitio (scilicet

sensitiua et intellectiua) (...) sicut ergo sensibilia secundum se praesentia sensui cognoscuntur per sensum, puta omnia colorata, et omnia lucentia, quae secundum se praesentialiter obiiciuntur visivi

statim videntur, quia unum est visivum, et aliud visibile, propter quod eis approximatis statim

sequitur visio (...)" 206

In II Sent. [A], d. 3, q. 5, n. 28: “Secundum patet, scilicet quod sint ab obiecto sicut a causa sine

qua non”.

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causa é tão ou mais nobre que seu efeito, teríamos que admitir que o objeto presente ao

poder cognitivo é tão ou mais nobre do que o próprio intelecto207

. Segundo Durandus é

suficiente e correto caracterizar o objeto cognoscível meramente como uma causa sine

qua non. 208

Cabe determinar, portanto, que tipo de causa é uma causa sem a qual o ato

cognitivo não ocorre e se esta classificação é suficiente para evitar que o objeto seja

determinado como causa eficiente da cognição, como sendo aquele que determina o

conteúdo dos atos cognitivos.

No intuito de esclarecer o conceito de causa sine qua non, em sua „Questão

sobre a Cognição‟ Durandus se refere à Física, VIII, 4, na qual Aristóteles Latino

afirma que o conceito de potência pode ser dito de muitas maneiras.209

Durandus resgata

este texto, para fundamentar o estabelecimento das noções de potência essencial e

potência acidental:

E a conclusão que se pode tirar do artigo é a seguinte: aquilo que é

apenas em potência acidental não é em potência para uma nova forma,

nem necessita, para ser reduzido ao ato, de um agente que dê uma

nova forma. Mas o ato primeiro só está em potência acidental em

relação ao ato segundo, que é operação. 210

Para Durandus, a causa per se211

é responsável por atualizar uma potência

essencial. Em contraposição, aquilo que é em potência acidental necessita de um causa

sine qua non para ser atualizada, nenhuma causa eficiente é necessária para a realização

deste processo212

. A causa per se informa aquilo que é em potência essencial para

possuir o intelecto com sua forma de tal modo que sua potência de possuir um intelecto

207

HARTMAN, 2012, p. 47: “Então o que Durandus rejeita quando rejeita a doutrina do

afeccionismo? Ele rejeita a tese de que a percepção se trata da afecção dos sentidos causada pela

ação do objeto, e que isso signifique que os sentidos recebem ou tomam a „forma‟ daquele objeto

devido ao próprio objeto como uma causa eficiente. Em geral, Durandus acredita que sua própria

teoria pode dar conta da causação de nossos atos mentais sem conduzir a preocupações como a

discutida acima. [Sobre a questão da nobreza do ato cognitivo ver p. 41 e 42]”. 208

Neste sentido, concordo com HARTMAN, 2014, p. 230: “Durandus rejeita o afeccionismo, mas

ele não rejeita a doutrinha de que o objeto é a causa do ato perceptivo. Durandus estabelece e

defende a distinção entre causas eficientes e o que ele chama de causas sine qua non”. 209

Physica VIII, 4 (254b7): “Quoniam autem „potentia‟ esse multipliciter dicitu”. 210

In II Sent. [A], d. 3, q. 5, n. 27: “Et potest ex hoc formari ratio concludens utrumque articulum

sic: illud quod est solum in potentia accidentali non est in potentia ad nouam formam nec indiget ad hoc ut reducatur in actum agente dante nouam formam; set habens actum primum solum est in

potential accidentali ad actum secundum, qui est operatio;” 211

HARTMAN, 2012, p. 97: “Por um lado, Durandus declara que o que causa que o poder cognitivo

seja em nós (o generans) é a causa per se, e por outro lado, que o objeto presente é a causa sine qua

non”. 212

HARTMAN, 2012, p. 104: “Durandus acredita que Aristóteles está comprometido com as

seguintes afirmações: (1) Todas as atualizações essências requerem uma causa eficiente extrínseca;

(2) Nenhuma atualização acidental requer uma causa eficiente (extrínseca)”.

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em perfeito estado seja atualizada. O homem tem a potência essencial de possuir um

intelecto, por isso, ao ser informado por uma causa per se pode realizar seu ato primeiro

de ser ente intelectual. Porém, além disso, pode-se dizer que o homem possui uma

potência acidental, a potência de inteligir. Esta potência é dita acidental, pois não

acontece que, tendo atualizado sua potência essencial, ao exercer seu ato primeiro de ser

intelectual o homem também, necessariamente, desempenhe um ato segundo de

conhecer outras coisas. Para atualizar sua potência acidental de inteligir uma coisa, o

homem não necessita que esta coisa, ou ainda um outro agente, atue sobre ele

informando algo. Para a atualização desta potência é apenas necessário que o objeto

esteja presente para que o homem o intelija, realizando, assim, seu ato segundo213

: a

operação de inteligir. 214

O objeto inteligido é caracterizado, portanto, não como causa

eficiente da operação, mas como causa sine qua non.

Desta maneira Durandus pode responder à pergunta: “Sabendo-se que o inteligir

e o sentir são feitos em nós, porque não inteligimos e sentimos sempre, uma vez que

sempre temos sentidos e intelecto?”. 215

Em alguns casos algo pode realizar atos

primeiros e segundos ao mesmo tempo. Mas também pode ser o caso de que algo

realize um ato primeiro sem realizar um ato segundo. 216

Como no caso de um homem

que, tendo realizado sua potência essencial possui sua forma em ato, seu intelecto está

em perfeito estado e, portanto, atualizou sua potência essencial. Neste caso não se

segue, necessariamente, que perfaça (em todo e qualquer momento) sua potência

acidental de inteligir. É necessário, para a realização de seu ato segundo, a presença

atual de um objeto sem o qual este ato não poderia ocorrer. Isto porque, um ato segundo

necessita da presença de seu objeto para que sua operação ocorra, como é verificado

pelo excerto:

A razão disto é porque atos primeiros requerem apenas a presença

potencial a respeito daquilo pelo qual são ditos, mas a operação ou o

ato segundo requerem a presença atual. (...) E, visto que algumas

vezes aconteça que algo esteja potencialmente presente, e não

213

HARTMAN, 2017, p. 20: “Chamo esta tese de princípio da suficiência: a presença do objeto

cognoscível ao poder cognitivo é suficiente para a cognição”. 214

Para uma análise das noções de potência essencial e potência acidental, tal qual determinados por

Durandus, tendo em vista a cognição humana, ver: HARTMAN, 2014, p. 240-244. 215

In II Sent. [A], d. 3, q. 5, n. 28: “Scilicet qualiter intelligere et sentire fiant in nobis et quare non

semper intelligimus aut sentimus, cum semper habeamus sensum et intellectum.” 216

In II Sent. [A], d. 3, q. 5, n. 28: “(...) Et in talibus non semper simul est aliquid sub actu primo et

secundo, sed contingit quandoque habere actum primum sine secundo”.

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atualmente presente, assim algumas vezes pode acontecer que algo

esteja sob um ato primeiro sem estar sob um ato segundo. 217

A atualização de uma potência acidental, como a operação de inteligir, não

necessita de uma causa eficiente externa para ocorrer, mas apenas de uma presença

atual. Pois, sem a presença de um objeto aquecível, algo capaz de aquecer nunca

poderia, de fato, aquecer coisa alguma. Assim, de modo análogo, conclui-se que

mesmo que o homem possua sua forma em ato, que seu intelecto esteja em perfeito

estado e, portanto, tenha atualizado sua potência essencial, não se segue,

necessariamente, que perfaça (em todo e qualquer momento) sua potência acidental de

inteligir. E o objeto que deve estar atualmente presente para a realização do ato segundo

de inteligir é o objeto cognoscível. Este não se apresenta ao poder cognitivo como causa

eficiente, mas, apenas, como causa sine qua non. Contudo, acredito ser necessário

investigar o que, exatamente, Durandus entende como a noção de causa sine qua non.

Caso contrário, o mesmo erro que Durandus aponta nas teorias dos filósofos que

defendiam, entre outras coisas, a noção de abstração poderia ser atribuído a ele: a

afirmação de uma noção obscura com o objetivo de explicar uma relação já obscura

entre material e imaterial.

Durandus afirma que o objeto cognoscível é causa sine qua non, pois procura

evitar a questão sobre a nobreza de um ato intelectivo que tem como causa eficiente um

objeto material. Por isso, é necessário determinar a que tipo de classificação de causa

corresponde esta causa sine qua non, uma vez que ela não é eficiente. Se esta

investigação não for realizada, não será possível afirmar que Durandus foi bem-

sucedido em seu objetivo de constituir uma teoria menos problemática em relação a este

ponto mencionado. Sobre esta questão, Hartman afirma:

O objeto é a causa sine qua non, isto é, a ausência do objeto é um tipo

de impedimento no que diz respeito à relação da operação do poder

cognitivo (pensamento ou operação intelectual), que é removido

devido a sua presença. 218

217

In II Sent. [A], d. 3, q. 5, n. 28: “Cuius ratio est quia actus primus requirit praesentiam eius ad

quod dicitur solum secundum potentiam, sed operatio vel actus secundus requirit praesentiam eius secundum actum, ad hoc enim quod aliquid sit calefactivum sufficit quod possit habere calefactibile,

sed ad calefacere requiritur actualiter praesens calefactibile. Et quia contingit aliquid esse praesens

secundum potentiam quod tamen non est actu praesens, ideo contingit aliquid esse sub actu primo absque actu secundo”. 218

HARTMAN, 2012, p. 116.

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Acredito que a melhor maneira de compreender o conceito de causa sine qua

non é considerar sua função no processo de conhecimento. O conhecimento é

determinado como uma relação entre objeto e intelecto. Estando o intelecto em ato, no

que diz respeito à sua potência essencial de existir, e em potência em relação à sua

potência acidental de inteligir o objeto presente é compreendido como uma causa sem a

qual a potência acidental do intelecto não será realizada. A classificação do objeto diz

mais sobre a relação na qual ele se encontra, uma vez que a intelecção ocorre, do que

sobre o objeto em si. Todos os objetos particulares não são, por si, a todo o momento ou

em qualquer situação, causas de intelecção. É a relação de intelecção estabelecida, dado

que estão presentes, um ao outro, um intelecto capaz de conhecer e um objeto capaz de

ser conhecido, que confere a este objeto, presente ao poder cognitivo, a condição de

causa sine qua non. Esta classificação significa, apenas, que sem a presença de ambos

os membros da relação a relação não ocorre219

. Durandus não admite a possibilidade de

um conhecimento intuitivo de um objeto não presente. Pelo contrário, Durandus afirma

que para que um ato de conhecimento se dê, deve haver uma relação entre duas partes:

uma parte inteligente e uma parte inteligível. 220

Assim, caso o objeto cognoscível não

se apresente ao poder cognitivo, sua cognição não ocorrerá, será impedida. E, se o

objeto cognoscível se apresenta ao poder cognitivo será compreendido como a causa

sem a qual sua cognição não ocorreria. Disto não se segue que o objeto seja o

responsável pelo ato cognitivo, que ele seja definido como a causa eficiente da

cognição. O que Durandus defende é que para que a relação cognitiva ocorra os dois

membros que compõem a relação devem estar presentes um ao outro. Como se pode

verificar a seguir:

O intelecto ou o princípio intelectivo e o inteligir, são ditos não de

modo absoluto em relação a todas as coisas, mas em relação ao

inteligível, e o intelecto implica tal relação segundo potência,

enquanto o inteligir segundo ato. De modo que, algo que tenha um

intelecto nem sempre intelige, visto que, nem sempre há um inteligível

atualmente presente. (...) A presença do objeto ou a apresentação do

objeto é a causa sine qua non, uma vez que o inteligir não é uma

219

HARTMAN, 2012, p. 112: “A teoria da causalidade sine qua non, eu diria, é muito similar às

teorias de causalidade que podemos encontrar atualmente, pois Durandus parece analisar esta relação

causal como nada mais nada menos que uma dependência contrafactual: se X estiver presente, então

Y poderá ocorrer e se X não estiver presente, então Y não poderá ocorrer”. 220

In II Sent [C] d. 3, q. 6: “primum tenet se ex parte intelligentis, et secundum ex parte

intelligibilis”.

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perfeição meramente absoluta, mas em comparação com outro. E o

mesmo é dito do ato do sentido (...). 221

Para Durandus, se algo possui um intelecto como sua forma, estará sempre em

potência em relação ao inteligível. Sendo o inteligir a operação própria do intelecto,

quando um inteligível se apresenta ao poder cognitivo, a operação de inteligir ocorre, ou

seja, neste momento a potência de inteligir se atualiza e a relação entre o inteligir e o

inteligível se encontra em ato. Deste modo, quando um objeto cognoscível se apresenta

ao poder cognitivo humano, a intelecção deste objeto ocorrerá, atualizando a potência

acidental de conhecer. Para Durandus, portanto, o conhecimento é a relação entre o

princípio intelectivo e o objeto cognoscível. Isto porque, é claro que não havendo nada

para ser conhecido, não seria possível estabelecer uma relação intelectiva. Porém,

quando o objeto cognoscível se apresenta ao poder cognitivo sua cognição ocorrerá

necessariamente. Neste sentido, é possível identicar três pressupostos de Durandus

sobre a cognição:

E o primeiro [que há cognição] é claro: inteligir não faz referência a

algo [absoluto] adicionado ao intelecto. Ao segundo [ao que se

conhece] deve ser dito que inteligir e sentir são em nós pela causa per

se que nos dá nosso intelecto e sentidos e também pelo objeto como

causa sine qua non. O primeiro membro da conjunção é claro baseado

no que já havia sido dito, pois se pensar e sentir não são algo absoluto

adicionado aos sentidos e ao intelecto, então se segue que eles provém

da mesma coisa. 222

O primeiro pressuposto é que o conhecimento não é algo absoluto adicionado ao

intelecto. O processo de conhecimento não tem como objetivo informar o intelecto com

formas que preexistem à intelecção. O segundo pressuposto é o de que o intelecto e o

sentido são causados em nós por uma causa per se. Por isso, ambos são compreendidos

como forma do homem, são os atos primeiros que possibilitam as operações de sentir e

221

In II Sent. [A], d. 3, q. 5, n. 28 e 29: “De numero autem talium actuum sunt intellectus vel

principium intellectivum et intelligere, dicitur enim utrumque non omnino absolute, sed in habitudine ad intelligibile, quam habitudinem importat intellectus secundum potentiam, intelligere

autem secundum actum. Propter quod habens intellectum non semper intelligit quia non semper habet intelligibile actu praesens (…) Obiectum autem praesentatum vel praesentans obiectum est

causa sine qua non pro eo quod intelligere non est perfectio mere absoluta, sed in comparatione ad

alterum. Et idem est de actu sentiendi (…)”. 222

In II Sent [A], d. 3, q. 5 n. 26-27. “Patet igitur primum, scilicet quod intelligere non dicit aliquid

additum super intellectum. De secondo dicendum quod intelligere et sentire sunt in nobis per se a

dante sensum et intellectum, quod est creans uel generans, ab obiecto autem sicut a causa sine qua non. Primum patet ex his que dicta sunt. Si enim intelligere et sentire non sunt aliquid additum

supra sensum et intellectum, consequens est ut ab eodem sit utrumque”.

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inteligir, as operações próprias do homem. O terceiro pressuposto é o de que o objeto

cognoscível é a causa sine qua non do conhecimento. A ausência do objeto cognoscível

ao poder cognitivo pode ser considerada como um impedimento para a cognição, como

causa sem a qual a potência acidental de inteligir não seria atualizada e, portanto, a

operação de intelecção sobre o objeto não ocorreria. Pois, mesmo que um ser inteligente

tivesse todo seu aparato cognitivo pronto para conhecer e em perfeito estado, se não

existisse ou não lhe fosse apresentado nenhum inteligível, nenhuma relação intelectiva

seria estabelecida e o ser inteligente não conheceria nada que não fosse ele mesmo.

Disto é possível concluir que, para Durandus a cognição é a relação na qual se

encontram um intelecto capaz de conhecer e um objeto capaz de ser conhecido. Uma

vez que ambos os membros da relação estão presentes, um ao outro, a cognição ocorrerá

necessariamente, sem requerer, para tanto, nenhuma causa eficiente. Não há necessidade

de pensar que o objeto age como causa eficiente do poder cognitivo ou que a cognição

requer a adição de formas ao intelecto. A natureza do intelecto e do objeto presentes um

ao outro é suficiente para desencadear tal relação. E o objeto inteligível cumpre seu

papel no processo cognitivo não como causa eficiente, mas como causa sine qua non do

ato intelectivo responsável pela formação de um universal correspondente ao particular.

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3 – A TRADUÇÃO DO COMENTÁRIO ÀS SENTENÇAS DE DURANDUS

As traduções apresentadas neste capítulo da dissertação, respectivamente o In I

Sent [C], d. 3, q. 5 e o In II Sent [C], d. 17, q. 1, foram concebidas com o intuito

estritamente acadêmico de fornecer um material minimamente viável que permita a

acessibilidade e independência de um leitor brasileiro diante desta parte da obra de

Durandus. Apesar de não ter como objetivo apresentar uma tradução definitiva, mas

aberta ao diálogo, a críticas e sugestões, reconheço que as dificuldades desta tarefa são

inúmeras. Durante meu trabalho de pesquisa sobre a teoria da cognição de Durandus,

me debrucei sobre a análise dos textos latinos do autor. O Comentário às Sentenças é

um texto extenso composto por quatro livros e, além disso, durante sua vida Durandus

produziu três versões desta obra: [A], [B] e [C]. A terceira versão [C] do Comentário

ainda não possui uma edição crítica e pode ser encontrada completa em manuscritos,

como é o caso do manuscrito de Lion de 1563 e do manuscrito de Veneza de 1571, este

último cuja transcrição foi publicada em 1964. Ademais, edições críticas de algumas

distinções do Comentário às Sentenças [A/B] estão sendo atualmente produzidas e

disponibilizadas pelo Thomas Institut, como é o caso dos In I Sent [A/B], d. 4-17; In II

Sent [A/B], d. 1-5 e d. 22-44; In IV Sent [A/B], d. 1-7 e d. 43-50. Ainda não existem,

contudo, traduções de distinções ou de questões completas para língua moderna. Pude

encontrar trechos do In Sent de Durandus traduzidos em artigos e livros da fonte

secundária. Apesar de serem trechos específicos selecionados pelos comentadores para

serem analisados com objetivos determinados, eles se mostraram muito úteis para o

acesso e análise do pensamento de Durandus, bem como para a comparação de

interpretações e aperfeiçoamento desta primeira composição de tradução de uma

questão completa que desenvolvi.

A tradução do In I Sent [C], d. 3, q. 5, na qual Durandus nega que o intelecto

agente deve ser afirmado como constituinte da alma humana, se mostrou parte

fundamental do trabalho de exegese e instrumento para a compreensão do raciocínio e,

consequentemente, do modo pelo qual a argumentação é estruturada pelo autor. Sendo

assim, compreendi a importância do acesso à questão integral, não só pelo leitor

especializado, mas também por aquele em formação. Por isso, diponibilizo não só o

trabalho de análise do texto, mas também a tradução que produzi neste período,

acompanhada do original latino encontrado na transcrição de 1964 do manuscrito de

Veneza. Além disso, utilizei as traduções de trechos correspondentes a esta questão que

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foram produzidas e apresentadas por Sélles em seu artigo intitulado „O intelecto agente

segundo Durandus de St. Pourçain‟ para comparar as soluções e aperfeiçoar minhas

primeiras tentativas de tradução.

Durante o trabalho procurei evitar a pretensão de uma tradução literal que

pudesse incorrer em construções incomuns na língua portuguesa devido ao

comprometimento com a ordem latina do texto. Em muitos momentos Durandus

subentende etapas da argumentação soprepondo uma sequência de „primeiras‟ e

„segundas‟ partes referidas ao longo da explanação e também substitui substantivos por

pronomes demonstrativos como „illud‟. Optei, nestes momentos, por substituir a

tradução literal pela tentativa de uma reconstituição argumentativa sinalizando estes

movimentos para o leitor.

O próprio título da questão não é traduzido de modo literal, preferi „afirmar‟ a

„pôr‟ para traduzir o verbo „ponere‟. Por um lado, seria possível afirmar que o uso de

„ponere‟ é escolhido propositalmente por Durandus com o intuito de denunciar, desde o

anúncio da questão, a impossibilidade do que é alegado. Este verbo, tendo o sentido de

„pôr‟ ou „colocar‟ poderia denotar que o intelecto agente seria algo inventado e estranho

ao processo cognitivo. Por outro lado, poderia simplesmente ter o sentido de „afirmar‟,

indicando que a tese a ser combatida é a afirmação da existência desta função agente da

alma. Esta última opção de tradução também pode evidenciar que Durandus tem como

objetivo debater com outras correntes interpretativas que sustentam afirmações que ele

nega ou que pretende concluir por intermédio de pressupostos teóricos distintos.

O texto segue a estrutura padrão de uma questão, com o problema apresentado,

as opiniões contrárias e a resposta. Nesta última, no entanto, é preciso identificar os

momentos nos quais Durandus considera certas interpretações com o único objetivo de

desqualifica-las em contraposição àqueles em que determina sua própria posição.

Para Durandus o intelecto agente é um redobro desnecessário ao processo de

cognição. Ele compreende que o intelecto agente é afirmado por conta de sua função e,

por isso, Durandus tem por objetivo demonstrar que tal função não poderia ocorrer de

nenhum modo. Se o intelecto agente não cumpre função alguma no processo de

conhecimento, então é denecessário e deve ser negado. Assim, inicialmente Durandus se

propõe a demonstrar que o intelecto agente não é capaz de atuar sobre os fantasmas.

Para tanto, primeiro se dedica à verificação de que o intelecto agente não pode operar

imprimindo nada no fantasma, e, depois, que o intelecto agente não opera abstraindo

dos fantasmas, pois, segundo ele, não poderia abstrair de modo real, nem segundo a

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razão. Neste ponto, o diálogo com a tradição da teoria abstrativa tomista é evidente.

Para Durandus a abstração é um processo incompreensível que não é capaz de

esclarecer como o intelecto imaterial poderia conhecer o objeto material, por isso,

Durandus abandona tal conceito por completo. Para ele o conhecimento não é

abstrativo, mas sim intuitivo e se o intelecto agente é afirmado pela sua função de

abstrair. Tendo negado a possibilidade de tal função o próprio intelecto agente seria

desnecessário ao processo cognitivo, enquanto o intelecto possível seria suficiente.

Em seguida, Durandus visa demonstrar que o intelecto agente não poderia operar

sobre o intelecto possível. Em primeiro lugar, sustenta que o intelecto agente não é

capaz de operar sozinho sobre o intelecto possível, pois, se assim o fizesse, todo ato de

conhecimento se resumiria a uma operação reflexiva. Em segundo lugar, nega que o

intelecto agente e os fantasmas possam produzir uma ação conjunta sobre o intelecto

possível. Para ele, o intelecto agente não deve ser afirmado como um mediador para a

cognição, assim como não é necessário afirmar um sentido agente que opere

informando um sentido passivo. É possível identifica um diálogo com Scotus223

quando

Durandus determina que a presença do objeto cognoscível ao poder cognitivo é

suficiente para que a cognição se dê. Ao final, Durandus pretende demonstrar que

qualquer função atribuída ao intelecto agente é atribuída erroneamente, pois este não

pode operar sobre os fantasmas nem imprimindo, nem abstraindo e também não pode

operar sobre o intelecto possível nem sozinho, nem com o auxílio dos fantasmas.

Diferentemente de Scotus224

, que propõe uma distinção formal entre intelecto agente e

intelecto possível, Durandus propõe uma completa negação do intelecto agente e de

suas possíveis funções cognitivas.

223

GUERIZOLI, 2013, p. 127-140 224

GUERIZOLI, 2010, p. 95-111; GUERIZOLI, 2004;

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3.1 – TRADUÇÃO DO IN I SENT [C], D. 3, Q. 5225

Comentário às Sentenças de Pedro Lombardo: Livro I, distinção 3,

questão 5 [C]

Questio quinta

Vtrum ponendus sit intellectus agens in anima

Se um intelecto agente deve ser afirmado na alma

[1] Ad tertium sic proceditur. Et uidetur

quod necessarium sit ponere intellectum

agentem partem anime nostre, quia

operatio arguit formam secundum

COMMENTATOREM; set nos

experimur nos abstrahere formas

uniuersales, quod est opus intellectus

agentis; ergo in nobis est intellectus

agens.

[1] Quanto ao terceiro assim se

procede: parece que é necessário

afirmar um intelecto agente como parte

da nossa alma porque, segundo o

Comentador, a operação revela a forma.

Mas percebemos que abstraímos formas

universais, pois [esta] é operação do

intelecto agente. Logo, há em nós um

intelecto agente.

[2] Item obiectum preexistit actui

potentie cuius est obiectum; set

uniuersale est obiectum intellectus

possibilis; ergo preexistit actioni

intellectus possibilis; set non poterit

preexistere nisi fiat per operationem

alicuius potentie anime, quia res de se

non est uniuersalis; nulli autem potentie

attribuitur quod faciat uniuersalitatem

[2] Ademais, o objeto preexiste ao ato

da potência da qual é objeto. Mas, o

universal é objeto do intelecto possível.

Logo, [o universal] preexiste à ação do

intelecto possível. Mas não poderá

preexistir senão for feito pela operação

de alguma potência da alma, visto que a

coisa não é, por si, um universal.

Entretanto, a nenhuma potência é

225

Esta tradução se beneficou imensamente das discussões nos seminários do Grupo de Pesquisa

Metafísica e Política, grupo certificado pela Unicamp e credenciado pelo CNPq. Agradeço as críticas

e contribuições dos integrantes do grupo e, em especial, ao coordenador Prof. Dr. Márcio Augusto

Damin Custódio. Além disso, devo agradecer os membros da banca de qualificação Prof. Dr. Tadeu

Mazola Verza, Prof. Dr. José Antônio Martins e Prof. Dra. Fátima Regina Évora que apresentaram

valiosas contribuições para a primeira versão desta tradução.

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in rebus, nisi intellectui agenti, cui

COMMENTATOR attribuit hanc

operationem supra proemio De anima.

atribuída que faça universalidade na

coisa, senão do intelecto agente, ao qual

o Comentador atribui esta operação no

proêmio ao De Anima.

[3] In contrarium arguitur quia si

oporteret ponere intellectum agentem,

hoc esset uel ut esset principium

passiuum et receptiuum actus

intelligendi, uel ut esset principium

actiuum; propter primum non oportet,

quia ad illud ordinatur intellectus

possibilis, nec propter secundum, quia

intelligere est operatio manens in

agente, ut patet ex IX Methaphisice;

ergo non est aliud actiuum a receptiuo,

quia intellectus possibilis sufficit et

omnis alius intellectus superfluit.

[3] Argumenta-se em sentido contrário,

visto que, se fosse próprio afirmar um

intelecto agente, este seria ou como se

fosse um princípio passivo e receptivo

ao ato de inteligir, ou como se fosse um

princípio ativo. Não convém dizer do

primeiro, visto que o intelecto possível

é ordenado pelo intelecto agente. Nem é

próprio dizer do segundo, visto que o

inteligir é uma operação que permanece

no agente, como expõe em Metafísica

IX. Logo, este não é ativo nem

receptivo. Isto porque o intelecto

possível é suficiente e qualquer outro

seria supérfluo.

[4] Responsio. Quia potentie

innotescunt per actus, operatio etiam

fecit scire formam, ut assumptum est in

arguendo, ideo si necessarium est

ponere intellectum agentem, hoc erit

propter aliquam operationem eius

necessariam ad actum intelligendi;

operatio autem intellectus agentis non

potest intelligi nisi in fantasmata uel

nisi in intellectum possibilem, set nec in

fantasmata nec in intellectum

possibilem habet aliquam actionem, ut

declarabitur; ergo fictitium est ponere

intellectum agentem.

[4] Respondo. Visto que as potências

são conhecidas pelos atos, a operação

também faz conhecer a forma, como foi

assumido na argumentação. Do mesmo

modo, se é necessário afirmar um

intelecto agente, este será por aquela

operação que é necessária ao ato de

inteligir. Entretanto, a operação do

intelecto agente não pode inteligir

senão nos fantasmas ou senão no

intelecto possível. Mas nem nos

fantasmas nem no intelecto possível [o

intelecto agente] perfaz alguma ação,

como será declarado. Logo, é falso

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afirmar um intelecto agente.

[5] Assumptum probatur quantum ad

utranque partem. Et primo quod non

agat in fantasmata, quia si intellectus

ageret in fantasmata, hoc esset uel

aliquid imprimendo uel aliquid

abstrahendo; set intellectus agens nec

imprimit aliquid in fantasmata nec

aliquid abstrahit ab eis; ergo nullo

modo agit in fantasmata. Minor

probatur secundum duas partes quas

habet. Et primo quantum ad primam

partem, scilicet quod non agat in

fantasmata eis aliquid imprimendo,

probo sic: omnis uirtus que recipitur in

corpore et nec ipsa nec eadem

secundum speciem potest esse nisi in

corpore, est mere corporea, non

obstante quod ipsa sit effectiue a spiritu

creato uel increato; set quecunque

uirtus impressa fantasmatibus ab

intellectu agente est in corpore, ut de se

patet, et ipsa nec eadem secundum

speciem potest esse nisi in corpore, quia

in corpore et spiritu nulla est communis

proprietas recipiendi aliquid unum et

uniuocum; ergo illa uirtus, si qua esset,

mere est corporea; set per talem

uirtutem non potest mouere fantasia

intellectum possibilem cum sit pure

corporea ea ratione qua non potest

secundum se; ergo talis uirtus frustra

ponitur cum tota ratio ponendi ipsam sit

[5] O assumido é provado segundo suas

duas partes. Primeiro, que não age nos

fantasmas, visto que se o intelecto

agisse nos fantasmas, este o faria ou

imprimindo algo ou abstraindo algo.

Mas o intelecto agente nem imprime

algo nos fantasmas, nem abstrai algo

deles. Logo, de nenhum modo age nos

fantasmas. A proposição menor é

provada segundo as duas partes que

possui. Quanto à primeira parte,

manifestamente não age nos fantasmas

imprimindo-lhes algo, provo da

seguinte maneira: Toda virtude que é

recebida no corpo, nem por si, nem

segundo espécie pode ser senão no

corpo, é completamente corpórea, não

obstante ela seja efetivamente um

espírito criado ou incriado. Ademais,

qualquer virtude impressa nos

fantasmas pelo intelecto agente é no

corpo, como é evidente. E ela, nem por

si mesma, nem segundo espécie, pode

ser senão no corpo, visto que no corpo e

no espírito não há nenhuma propriedade

comum de maneira una e unívoca.

Logo, esta virtude, se assim fosse, seria

meramente corpórea. Mas, por tal

virtude a imaginação não pode mover o

intelecto possível, ser puramente

corpórea é a razão pela qual não pode

movê-lo por si. Logo, tal virtude refuta

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ut ipsa sit fantasmatibus ratio mouendi

intellectum possibilem. Maior patet,

quia de re est iudicandum potius quod

sit corporea uel incorporea, ex hoc quod

natura rei requirit quam ex agente

extrinseco, idest equiuoco, a quo

quandoque potest produci tam

corporeum quam incorporeum. Minor

declarata est; quare etc.

o afirmado de que, seja por si, seja por

meio de fantasmas, a razão mova o

intelecto possível. A proposição maior é

exposta, visto que da coisa é julgado ser

possível que seja corpórea ou

incorpórea. Isto porque a natureza da

coisa requer do agente extrínseco o

mesmo equívoco, o qual enfim pode ser

feito tanto corpóreo quanto incorpóreo.

Tendo declarado a menor por causa

disso.

[6] Secundo, quia si angelus non potest

in materia corporali imprimere formam

immediate, uideretur quod multo minus

hoc posset intellectus agens; fantasma

autem est quid corporeum; ergo

intellectus agens nullam formam potest

fantasmatibus imprimere. Et sic patet

primum membrum minoris

propositionis, scilicet quod intellectus

agens non agit in fantasmata aliquid

imprimendo.

[6] Segundo, visto que se o anjo não

pode imprimir a forma imediata na

matéria corporal, é evidente que muito

menos que isto pode o intelecto agente.

O fantasma é, porém, um algo

corpóreo, logo, o intelecto agente não

pode imprimir nenhuma forma nos

fantasmas. Assim se prova o primeiro

membro da menor proposição,

manifestamente que o intelecto agente

não age no fantasma imprimindo algo.

[7] Secunda pars probatur, scilicet quod

intellectus agens non agit in fantasmata

aliquid abstrahendo uel remouendo,

quia illa abstractio uel esset realis uel

secundum rationem; non realis, quia

talis realis abstractio uel esset realiter

separatio alicuius preexistentis actu in

fantasmatibus, sicut abstrahitur uel

separatur lapis ab altero lapide, uel sicut

separatur accidens a subiecto per

corruptionem accidentis, uel alio modo

[7] A segunda parte é provada,

manifestamente que o intelecto agente

não age em fantasmas abstraindo ou

removendo-lhes algo, visto que esta

abstração seria ou real ou segundo a

razão. Não é real visto que tal abstração

real ou seria uma separação daquilo que

preexiste ao ato nos fantasmas, como

abstraída ou separada uma pedra de um

rochedo, ou como separado o acidente

do substrato pela corrupção do acidente.

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uirtute diuina, uel talis abstractio

uocatur eductio alicuius de potentia ad

actum, sicut forma dicitur educi uel

abstrahi de potentia subiecti. Primum

non potest dici, quia nichil est actu in

fantasmatibus quod desinat in eis esse

ad presentiam intellectus agentis, neque

per corruptionem neque per

translationem ad intellectum possibilem

tanquam prius esset in fantasmatibus et

postea in intellectu possibili, quia forma

non migrat de subiecto in subiectum;

nec secundum potest dici, quia cum

aliqua forma educitur de potentia in

actum, ipsa educta est in illo tanquam in

subiecto de cuius potentia educitur. Si

ergo intellectus agens de potentia

passiua fantasmatum educeret aliqua

formam, siue esset species intelligibilis

siue quecunque alia forma, ipsa educta

esset in fantasmatibus sicut in subiecto,

et ita intellectus agens ageret in

fantasmata aliquid imprimendo, scilicet

formam quam educeret; et rediret

primum membrum immediate prius

reprobatum. Talis ergo abstractio non

potest esse realis.

Ou ao modo da virtude divina. Ou

segundo a tal abstração que retira da

potência para o ato como a forma dita

que retira ou abstrai da potência do

substrato. O primeiro não se pode dizer,

visto que não há nenhum ato nos

fantasmas que indique neles seu ser

para a presença do intelecto agente.

Nem pela corrupção, nem pela

translação para o intelecto possível

como se fosse anterior nos fantasmas e

posterior no intelecto possível, visto

que a forma não migra de substrato em

substrato. Também não se pode dizer

do segundo, visto que se uma forma for

retirada da potência ao ato, ela própria

seria retirada nela como se no substrato

do qual a potência é retirada. Portanto,

se o intelecto agente retirasse alguma

forma de potência passiva do fantasma,

fossem espécies inteligíveis ou qualquer

outra forma, a própria forma estaria nos

fantasmas como em um substrato.

Assim, o intelecto agente agiria nos

fantasmas imprimindo algo, certamente

a forma que retirara, retornando ao

primeiro membro imediato anterior ao

reprovado. Logo, tal abstração não pode

ser real.

[8] Item nec talis abstractio potest esse

secundum rationem solum, quia omnis

actio rationis est cognoscentis circa

cognitum obiectiue intellectus; set

[8] Tal abstração também não pode ser

meramente segundo a razão, porque

todo ato da razão é cognitivo sobre o

qual o intelecto conhece objetivamente.

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agens non agit circa fantasmata sicut

cognoscens circa cognita, quia nec

intellectus agens fantasmata cognoscit

nec sua actio est cognitio, imo

presupponitur omni cognitioni

intellectuali secundum ponentes ipsam;

ergo sua actio circa fantasmata non est

abstractio secundum rationem. Nullo

ergo modo agit in ea, nec aliquid

imprimendo nec aliquid abstrahendo,

neque secundum rem neque secundum

rationem.

Mas o agente não age sobre o fantasma

como o cognoscente sobre o conhecido,

visto que nem o intelecto agente

conheceu os fantasmas, nem sua ação é

o conhecimento. Assim, se toda

cognição intelectual é pressuposta

segundo seu próprio poder, sua ação

sobre os fantasmas não é abstração

segundo a razão. Logo, não age de

nenhum modo neles, nem imprimindo

algo, nem abstraindo algo, nem

realmente, nem logicamente.

[9] Item ad quid fieret talis abstractio?

Non ut representaretur quidditas

intellectui absque conditionibus

indiuiduantibus, quod dicunt ponentes

intellectum agentem agere circa

fantasmata abstrahendo.

[9] Então, com qual propósito tal

abstração é feita? Não como se a

quididade do intelecto fosse

representada sem as condições

individuantes. Porque os que dizem que

se deve pôr um intelecto agente dizem

que ele age sobre os fantasmas

abstraindo.

[10] Dicunt enim quod illud facit

intellectus agens circa quidditatem et

fantasmata separando et abstrahendo ea

secundum rationem quod dicebat

PLATO fieri circa ideas secundum rem.

Et ideo sicut idee separate secundum

rem ab indiuiduis materialibus essent

secundum se intelligibiles, ut ponebat

PLATO, sic quidditas <separata>

secundum rationem a fantasmatibus et

conditionibus indiuiduantibus efficitur

secundum se intelligibilis, ut ISTI

dicunt.

[10] Dizem, pois, que o intelecto agente

age sobre a quididade e os fantasmas

separando e abstraindo segundo a razão,

pois Platão dizia que as ideias são feitas

segundo a coisa. E, por esta razão, se a

ideia da coisa separada das condições

materiais e individuais fosse, segundo

si, inteligível, como Platão afirmava,

assim a quididade [separada], segundo a

razão, dos fantasmas e das condições

individuais também seria, segundo si,

inteligível, como alguns dizem.

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[11] Set istud nichil ualet, primo quia

nullo modo ostendunt quomodo

intellectus agens separaret secundum

rationem quidditatem a conditionibus

indiuiduantibus sub quibus

representatur in fantasmatibus. Et ideo

si illa facilitate qua hoc dicunt potest

etiam negari, maxime cum probatum sit

quod talis abstractio non potest fieri per

intelletum agentem cum actio eius circa

quidditatem et fantasmata non sit

intellectio.

[11] Entretanto, nada disso é válido.

Primeiro porque não apresentam de que

modo o intelecto agente separaria,

segundo a razão, a quididade das

condições individuantes sob o que é

representado nos fantasmas. E com a

mesma facilidade com a qual eles

dizem estas coisas, também pode-se

negar, especialmente quando é provado

que tal abstração não pode ser feita pelo

intelecto agente, e que uma ação sobre a

quididade e os fantasmas não seja feita

pelo intelecto.

[12] Quod etiam patet secundo ex alio,

quia stante reali impedimento alicuius

actionis impossibile est sequi actionem,

ut patet in trabe impediente descensum

lapidis et | tenebris impedientibus

uisum (quandiu enim trabs manet sub

lapide et tenebre sunt in medio, nec

lapis potest descendere nec oculus

uidere); set illud quod impedit

representationem quidditatis

uniuersaliter est materialis et

indiuidualis conditio fantasmatum, ut

IPSIMET dicunt. Cum ergo illud

nunquam amoueatur a fantasmatatibus

per quamcunque actionem intellectus

agentis, nec per illam abstractionem

rationis quam ponunt, sequitur quod

fantasmata per talem abstractionem

nunquam poterunt representare

quidditatem uniuersalem, set semper

[12] Porque também é exposto sobre o

segundo que, havendo um real

impedimento à ação de algo, é

impossível que tal ação tenha

prosseguido. Como quando uma viga

impede a descida da pedra e o escuro

impede a visão (pois enquanto a viga

permanece sob a pedra e a escuridão

prevalece, nem a pedra pode descer,

nem os olhos podem ver). Mas aquilo

que impede a representação da

quididade universal é a condição

material e individual do fantasma,

segundo alguns. Logo, o intelecto

agente nunca poderia ser movido pela

ação dos fantasmas, nem pela abstração

segundo a razão, como afirmam. Isto

porque, por tal abstração, os fantasmas

nunca poderiam representar a quididade

universal, mas sempre sob as condições

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sub conditionibus singularibus. Aliter

autem non representaretur quidditas

intellectui nisi per fantasmata secundum

ISTOS, quia non ponunt quod a

fantasmatibus abstrahatur aliqua species

que sit representatiua quidditatis. Ergo

talis abstractio non sufficit ad

representandum quidditatem

uniuersalem.

singulares. Mas, de outro modo, a

quididade do intelecto não é

representada senão pelos fantasmas,

segundo a opinião destes, visto quenão

afirmam que as espécies abstraídas

pelos fantasmas sejam representações

da quididade. Logo, tal abstração não

basta para a representação da quididade

universal.

[13] Tertio, quia consequentia quam

faciunt nulla est. Non enim sequitur:

"separatio realis quam ponebat Plato

sufficiebat secundum ipsum ad

fingendum ideas per se intelligibiles;

ergo separatio rationis quam tu ponis

sufficit ad faciendum quidditatem per

se intelligibilem", sicut non sequitur:

"realis amotio trabis sufficit ad hoc ut

lapis descendat; ergo amotio eius

secundum rationem sufficit ad illud

idem". Sic ergo patet quod intellectus

agens non agit in fantasmata aliquid

imprimindo nec aliquid abstrahendo,

ergo nullo modo.

[13] Terceiro, visto que a consequência

é nula. Pois não se segue que “uma

separação real, como afirmava Platão,

satisfaça, segundo si, falsas ideias por si

inteligíveis. Logo, a separação da razão

que tu afirmas é suficiente para fazer a

quididade por si inteligível”. Como não

se segue que “uma real movimentação

de uma viga faça com que uma pedra

caia. Logo, essa movimentação segundo

a razão satisfaz aqueles propósitos

igualmente”. Assim, portanto, expõe

que o intelecto agente não age nos

fantasmas nem imprimindo algo, nem

abstraindo algo, de nenhum modo.

[14] Set diceret ALIQUIS quod hec

diuisio sit insufficiens, quia intellectus

agens agit in fantasmata dando eis

uirtutem mouendi intellectum

possibilem, non quidem aliquid

imprimendo nec abstrahendo, set solum

assistendo; et ponitur simile, quia

lumen dat colori uirtutem mouendi

uisum et tamen nichil imprimit colori

[14] [Certo] alguém diria, entretanto,

que esta divisão seria insuficiente, isto

porque o intelecto agente age nos

fantasmas dando a eles a virtude de

mover o intelecto possível, certamente

sem que imprimissem ou abstraíssem

algo dele, mas apenas assistindo. E é

afirmado de [modo] similar que a luz dá

à cor a virtude de mover a visão e,

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nec a colore aliquid abstrahit, set

tantum assistit; et eodem modo potest

esse circa intellectum agentem et

fantasmata, ut uidetur.

entretanto, não imprime nada na cor,

nem abstrai nada da cor mas apenas

assiste e do mesmo modo pode ser dito

do intelecto agente e dos fantasmas,

como parece.

[15] Istud autem est mirabile quod

aliquid det alteri uirtutem et tamen non

influat nec impedimentum tollat, set

solum assistat; hoc enim uidetur

implicare contradictionem, scilicet quod

det uirtutem nichil dando. Set et

exemplum procedit ex ignorantia;

lumen enim non requiritur ad uidendum

propter colorem ut det ei uirtutem

mouendi uisum, cum color ex se habeat

uirtutem, set propter medium et

organum, que non sunt susceptiua

actionis coloris nisi sint illuminata uel

ex alia causa. Et ideo non est mirum si

ex falso assumpto conclusum est aliud

falsum. Non ergo oportet ponere

intellectum agentem ex actione eius

circa fantasmata, quia nulla est, ut

probatum est. Et hec est prima pars

principais deductionis.

[15] Porém, seria miraculoso que algo

desse a outro algo uma virtude e,

entretanto, não influísse nem removesse

um impedimento, mas apenas assistisse.

O ato de dar uma virtude não dando

nada certamente parece implicar em

uma contradição. Mas este exemplo

parece proceder da ignorância, pois à

luz não é requerido visão já que a cor

dá [à luz] a virtude de mover a visão,

uma vez que a cor possui esta virtude,

mas o meio e o órgão não, então não

receberiam as ações da cor senão

fossem iluminados ou por outra causa.

E igualmente não é miraculoso, mas é

falso assumir esta conclusão falsa.

Logo, não é próprio afirmar que o

intelecto agente realize uma ação sobre

os fantasmas, visto que não há nenhuma

ação deste tipo que se possa provar. E

esta é a primeira parte da dedução

principal.

[16] Secunda pars principalis, uidelicet

quod non sit necesse ponere intellectum

agentem propter aliquam actionem eius

in intellectum possibilem, patet sic:

actio eius in intellectum possibilem non

potest intelligi nisi duobus modis,

[16] A segunda parte principal expõe

que claramente não é necessário afirmar

que o intelecto agente perfaça alguma

ação no intelecto possível, da seguinte

maneira: uma ação sobre o intelecto

possível não poderia inteligir senão de

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primo sic quod intellectus agens solus

agat in possibilem, fantasma autem

nichil agat nec coagat, set solum se

habeat obiectiue; secundo sic quod tam

intellectus agens quam fantasma agant

in intellectum possibilem tanquam duo

imperfecta agentia supplentia uicem

unius perfecti agentis eodem modo quo

duo homines trahunt nauem quórum

neuter per se sufficeret.

dois modos. Pelo primeiro o intelecto

agente age sozinho sobre o possível. O

fantasma, porém, não age nem

conjuntamente. Pelo segundo, tanto o

intelecto agente quanto o fantasma

agem no intelecto possível, como dois

agentes imperfeitos suprem as vezes de

um agente perfeito. Do mesmo modo

que dois homens puxam um barco, algo

que nenhum deles, por si, seria

suficiente [para fazer].

[17] Primum non potest dici, scilicet

quod solus intellectus agens agat in

possibilem et fantasmata nichil omnino

agant, set solum se habeant obiectiue

uel terminatiue, quia si ad cognitionem

non requiritur quod obiectiuum uel

representans ipsum aliquid agat in

potentia, set solum quod ei

representetur, cum sensus sufficiat ad

apprehendendum obiectum sibi

propositum sine alio mouente, non

uideo quare intellectus non sufficiat ad

illud idem absque hoc quod preter

obiectum sibi propositum ponatur

intellectus agens mouens ipsum, nisi

redeatur ad illud quod fantasmata non

sufficienter representant obiectum

intellectui possibili nisi per actionem

intellectus agentis circa ipsum. Set de

hoc non agitur nunc, quia actum est

supra, set solum nunc queritur de

operatione intellectus agentis in

[17] O primeiro não se pode dizer,

manifestamente que o intelecto agente

age no possível e os fantasmas nada

fazem, mas somente se tivessem um

objetivo ou determinação. Visto que, se

para a cognição não se requer que o

objeto ou as próprias representações

façam algo na potência, mas apenas que

o objeto representado satisfaça o

sentido, apreendendo o objeto ao seu

propósito sem outro movente. Não vejo

porque o intelecto não satisfaria aquele

[a apreensão do objeto] mesmo sem

este [outro movente]. Pois seria próprio

do objeto ter o propósito de mover o

intelecto agente por si, a não ser que

tenhamos retornado aquele [argumento

de] que os fantasmas não satisfazem [ao

propósito de] representar o objeto ao

intelecto possível a não ser pela ação do

intelecto agente sobre eles mesmos.

Mas este não é o caso. Visto que o ato é

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possibilem, an sit necessaria ad actum

intelligendi supposita presentia obiecti.

Et patet quod non, sicut ad sentiendum

non requiritur aliud agens, set tantum

presentia obiecti.

supra, mas somente agora é declarada a

operação do intelecto agente no

possível ou se é necessário ao ato

inteligente pressupor a presença de um

objeto. E é claro que não, ao sentido

não é requerido outro agente, mas

apenas a presença do objeto.

[18] Item idem manens idem et respectu

eiusdem semper natum est facere idem,

potissime si agat ex necessitate | nature,

ut patet ex II De generatione; set

intellectus agens agit ex necessitate

nature et manet semper idem secundum

se et in habitudine ad possibilem,

quantumcunque fantasma, quod est

obiectum intellectus, uarietur; ergo ab

initio creationis anime semper fecit

idem in intellectu possibili non obstante

diuersitate fantasmatum que ei

obiiciuntur, quia illa non agunt nec

coagunt secundum hanc opinionem.

Igitur per unum intelligere numero

causatum ab intellectu agente intellexit

intellectus ab initio et semper intelliget

omnia sibi representata, quod est

inconueniens.

[18] Ademais, aquilo que,

permanecendo igual sempre faz o

mesmo a respeito do mesmo, é

habilíssimo se age por necessidade

natural, como expõe em De

Generatione II. Mas o intelecto agente

age por necessidade natural e

permanece sempre igual, segundo si, e

em conformidade ao possível, por mais

variados que sejam os fantasmas que

são objetos do intelecto. Pois, no início

da criação, a alma sempre fez o mesmo

no intelecto possível, não obstante haja

uma diversidade de fantasmas, como

exposto por ele, visto que eles não

agem [por si] nem conjuntamente,

segundo tal opinião. Portanto, ao

inteligir um número causado pelo

intelecto agente, o intelecto [possível]

intelige desde o início e sempre todas as

coisas que lhe são representadas, o que

é incongruente.

[19] Item illud quod semper preexigitur

ad effectum est causa eius propinqua

uel remota; set fantasma preexigitur

semper intellectioni; ergo est causa eius

[19] Ademais, aquilo que sempre é

exigido para o efeito é sua causa

próxima ou remota. Mas o fantasma

sempre é exigido para a intelecção.

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propinqua uel remota. Patet ergo quod

primus modus non est possibilis,

scilicet quod intellectus agens agat in

intellectum possibilem fantasmate

nichil coagente.

Logo, ele é sua causa próxima ou

remota. Portanto é exposto que o

primeiro modo não é possível,

manifestamente que o intelecto agente

age no intelecto possível e o fantasma

não age conjuntamente.

[20] Et ideo QUIDAM ponunt

secundum modum, scilicet quod tam

intellectus agens quam fantasmata

agunt in intellectum possibilem

tanquam duo imperfecta agentia

supplentia uicem unius perfecti agentis.

Ad cuius declarationem dicunt quod

duo agentia possunt tripliciter

concurrere ad aliquid faciendum: primo

quando unum influit in alterum et illud

alterum agit per illud quod est sibi

influxum, sicut sol illuminat lunam et

luna per lumen receptum a sole

illuminat aerem;

[20] E, igualmente, alguns afirmam o

segundo modo, manifestamente que

tanto o intelecto agente quanto os

fantasmas, agem no intelecto possível

como dois agentes imperfeitos suprem

as vezes de um agente perfeito. Diante

de tal declaração, dizem que duas ações

podem concorrer de triplo modo:

primeiro quando um influi no outro e o

último age pelo primeiro que é o seu

influxo, assim como o sol ilumina a lua

e a lua, com a luz recebida do sol,

ilumina o ar.

[21] secundo modo quando unum nichil

influit in alterum nec econuerso, set

unum causat dispositionem et reliquum

formam principalem, sicut mollificans

ceram disponit materiam et imprimens

sigillum uel ipsum sigillum impressum

introducit principalem formam, scilicet

figuram, et sic concurrunt hec duo ad

figurandum ceram; tertio modo quando

nec unum influit in alterum nec unum

causat dispositionem et reliquum

formam, set sicut duo imperfecta

agentia quorum quodlibet habet de se

[21] O segundo modo é quando um não

influi no outro nem o inverso, mas um

causa a disposição e resta a forma

principal. Assim como o que modela a

cera dispõe da matéria e o que imprime

um selo, ou o próprio signo impresso

introduz a forma principal,

manifestamente a figura. E assim

concorrem estes dois à formação da

figura na cera. O terceiro modo é

quando um não influi no outro, nem o

outro causa uma disposição e resta a

forma, mas assim como dois agentes

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uirtutem agendi, set imperfectam,

iuncta autem simul supplent uicem

unius perfecti agentis, sicut est de

duobus trahentibus nauem quorum

neuter per se sufficeret. Et isto modo

concurrunt intellectus agens et

fantasmata ad causandum in intellectu

possibili unam speciem numero uel

unum actum intelligendi, quia nec

intellectus influit aliquid fantasmati nec

econuerso circa primum modum nec

unum causat dispositionem et reliquum

formam principalem circa secundum

modum, set utrunque habet de se

uirtutem mouendi intellectum

possibilem, quodlibet tamen habet per

se imperfectam, ambo autem simul

equipollent uni perfecto agenti. Quod

enim intellectus agens habeat de se

uirtutem mouendi possibilem, omnes

concedunt; de fantasmate autem quod

similiter se habeat, patet per illud quod

dicit PHILOSOPHUS III De anima,

quod sicut se habent colores ad uisum,

sic fantasmata ad intellectum, quod non

esset nisi fantasmata de se haberent

aliquam uirtutem mouendi intellectum,

saltem imperfectam.

imperfeitos que tem em si a virtude de

agir, ainda que imperfeita, quando

juntos suprem as vezes de um agente

perfeito, assim como dois trazem um

navio o que nenhum conseguiria por si.

E, deste modo, concorrem o intelecto

agente e os fantasmas quando causam

no intelecto possível uma espécie de um

número ou um ato inteligente. Visto

que, nem o intelecto influi naquele

fantasma, nem o inverso, o que

corresponderia ao primeiro modo.

Sobre o segundo modo, um não causa

disposição e resta a forma principal,

mas ambos têm em si a virtude de

mover o intelecto possível. Apesar de

serem imperfeitos por si, ambos,

quando juntos, equivalem a um agente

perfeito. Isto porque o intelecto agente

tem por si a virtude de mover o

possível, o que todos concebem.

Quanto ao fantasma, que opera de

modo similar, fica claro pelo que diz o

Filósofo em De Anima III. Visto que,

como existem cores para a visão, assim

existem fantasmas para o intelecto. Se

assim não fosse os fantasmas não

teriam por si a virtude, de todo modo

imperfeita, de mover o intelecto.

[22] Hec autem non uidentur bene

dicta: primo, quia nichil probatur, set

assumitur illud quod queritur;

supponitur enim in hac responsione

[22] No entanto, não parece ser bem

como foi dito: primeiro porque nada foi

provado, mas apenas foi assumido isto

que foi reclamado; pois foi suposto

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quod sit dare intellectum agentem qui in

se habeat uirtutem mouendi intellectum

possibilem, nos autem hoc querimus,

utrum uidelicet ex aliqua operatione

possit conuinci intellectum agentem

esse partem anime nostre.

nesta resposta que o intelecto agente

tenha em si a virtude de mover o

intelecto possível. Nós, porém, nos

queixamos disso, se claramente por esta

operação podemos refutar que o

intelecto agente faça parte da nossa

alma.

[23] Secundo, quia per omnem modum

et omnem rationem quibus ISTI ponunt

intellectum agentem esse et una cum

fantasmate agere in intellectum

possibilem potest poni quod sit dare

sensum agentem qui una cum obiecto

sensibili agat in sensum passiuum, quod

non ponitur communiter; ergo nec illud

debet poni. Quod autem eadem sit ratio

utrobique, patet sic: quod sola

fantasmata sine intellectu agente non

sufficiant ad mouendum intellectum

possibilem ad actum intelligendi, hoc

est uel propter excessum perfectionis

actus intelligendi respectu

fantasmatum; uel quia fantasmata, cum

sint corporalia, non possunt secundum

se agere in intellectum, qui est potentia

pure spiritualis; uel quia secundum se

non possunt representare uniuersale,

quod primo apprehenditur ab intellectu.

Si primum detur, eadem ratio est de

sensibili respectu sensus, quia sicut

intelligere est quedam forma altioris

gradus quam sit | quodcunque fantasma,

sic sentire est altioris gradus quam sit

[23] Segundo, visto que por todos os

modos e razões pelos quais estes

afirmam a existência de um intelecto

agente e uma ação com o fantasma no

intelecto possível pode significar

atribuir um sentido agente que com o

objeto sensível faz um sentido passivo,

o que comumente não se aceita.

Portanto, nem isto [existência do

intelecto agente] deve ser afirmado.

Porque é correto dizer destas duas

afirmações, exponho assim: porque

somente os fantasmas sem o intelecto

agente não são suficientes para mover o

intelecto possível ao ato de inteligir.

Assim o é, ou por causa da perfeição

excessiva do ato de inteligir em relação

ao fantasma, ou visto que os fantasmas,

como são corpóreos, não podem agir

por si no intelecto que é pura potência

espiritual. Ou visto que não podem

representar por si o universal, porque

ele é apreendido primeiro pelo

intelecto. Se o primeiro é dado, [o ato

inteligente ser mais perfeito que o

fantasma], a mesma razão é no que diz

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quecunque qualitas sensibilis; propter

quod similis necessitas est quod preter

fantasmata requiratur aliud ad

mouendum intellectum possibilem, et

quod preter qualitatem sensibilem

requiratur aliud ad mouendum sensum

ad actum sentiendi, et si illud aliud sit

ibi intellectus agens, pari ratione et hic

sensus agens.

respeito ao sentido sensível [ser mais

perfeito do que a qualidade sensível].

Visto que, se o inteligir fosse uma certa

forma de sustentação de algo, qual seja,

o fantasma, do mesmo modo o sentir

seria a sustentação de algo, qual seja a

qualidade sensível, por causa da

necessidade de similitude e porque

além dos fantasmas seja requerido

aquilo [o intelecto agente] com o

propósito de mover o intelecto possível.

E, além da qualidade sensível, é

requerido aquilo [o sentido agente] com

o propósito de mover o sentido ao ato

sensível. E se aquele [o fantasma] seja

no intelecto agente por igual razão este

[qualidade sensível] requer sentido

agente.

[24] Secundum autem non possunt IPSI

dicere, quia opponunt quod fantasma

agit in intellectum possibilem, non per

uirtutem receptam ab intellectu agente,

set per propriam uirtutem, quamuis

imperfectam, et idem dicunt de

intellectu agente.

[24] O segundo, porém, ESTES não

podem dizer, visto que, supondo que o

fantasma aja no intelecto possível, não

por causa da virtude recebida do

intelecto agente, mas pela virtude

própria, esta seria muito imperfeita, e o

mesmo dizem do intelecto agente.

[25] Nec tertia potest dici, quia

fantasmata secundum se non

representant nisi singularia; nec

secundum hanc opinionem intellectus

agens aliquid influit fantasmatibus nec

aliquid aufert ab eis, set solum

coassistit; ergo fantasmata ratione

intellectus agentis non plus representant

[25] Nem a terceira se pode dizer, visto

que os fantasmas não representam, por

si, nada singular. Nem segundo esta

opinião o intelecto agente influi nos

fantasmas, nem retira algo destes, mas

somente „co-assiste‟. Logo, os

fantasmas não representariam

universais à razão do intelecto agente,

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uniuersale quam sine eo, nisi ipsemet

intellectus agens ipsum representaret,

quod nullus dicit. Illud autem quod

innuitur, uidelicet quod primum

intellectum a nobis est uniuersale, siue

sit uerum siue falsum, contradicit

cuidam dicto ISTORUM; dicunt enim

alibi quod conceptus uniuersalis

sumitur ex hoc quod intellectus noster

apprehendit conformitatem unius

singularis ad alterum, et sic secundum

EOS prius concipiuntur singularia et

conformitas eorum adinuicem quam

habeatur conceptus uniuersalis; non

ergo concipitur primo uniuersale.

senão o que o próprio intelecto agente

ele mesmo representaria, o que não se

diz. Entretanto, aquele que foi

conhecido primeiro, claramente o

universal no nosso intelecto, se é

verdadeiro ou falso, contradiz o que foi

dito por um certo alguém. Dizem, pois,

em outro lugar que é assumido que o

nosso intelecto apreende o conceito

universal, em conformidade com um

singular a outro, e se, segundo eles,

primeiro recebidos singulares e em

conformidade a eles podem possuir

conceitos universais. Portanto, não

recebe primeiro o universal.

[26] Patet ergo ex precedentibus, quod

sicut non ponitur sensos agens qui cum

obiecto causet actum sentiendi, sic non

oportet ponere intellectum agentem ad

hoc ut cum fantasmate moueat

intellectum possibilem ad actum

intelligendi tanquam duo imperfecta

agentia supplentia uicem unius perfecti

agentis. Cum ergo intellectus agens non

agat in fantasmata aliquid imprimendo

uel aliquid abstrahendo, neque

secundum rem neque secundum

rationem, nec agat in intellectum

possibilem, nec sine fantasmate nec

cum fantasmate, ut deductum est,

uidetur quod non debeat ipsum ponere,

nec AUGUSTINUS, magnus

philosophus, unquam posuit ipsum, ut

[26] Portanto, do precedente é patente

que, como não se afirma um sentido

agente que com o objeto cause o ato do

sentido, assim não é próprio afirmar um

intelecto agente como aquele que com o

fantasma mova o intelecto possível ao

ato de inteligir como dois agentes

imperfeitos suprem as vezes de um

agente perfeito. Logo, o intelecto

agente não age nos fantasmas nem

imprimindo algo, nem abstraindo algo,

nem segundo a coisa, nem segundo a

razão. Nem age no possível, nem sem

fantasma, nem com fantasma, como foi

deduzido, vê-se que não se deve afirma-

lo, nem Agostinho, o maior dos

filósofos, nunca o afirmou como foi

dito anteriormente.

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prius dictum fuit.

[27] Ad primum argumentum in

oppositum dicendum quod abstrahere

uniuersale a singularibus non est

operatio intellectus agentis, licet

COMMENTATOR hoc dicat errans,

quia talis abstractio est solum

secundum considerationem; et ideo

opus illius potentie est cuius est

considerare, quod non conuenit

intellectui agenti, set possibili, si tamen

possibilis debet dici ubi aliud agens non

est.

[27] Em oposição ao primeiro

argumento digo que abstrair universais

de singulares não é operação do

intelecto agente, isto que o Comentador

diz é errado, visto que tal abstração é

somente segundo consideração, e a

mesma operação é em potência nele que

é considerado, porque não convém ao

intelecto agente, mas ao possível, pois o

possível deve dizer onde aquele agente

não está.

[28] Ad secundum dicendum per

interemptionem minoris, quia

uniuersale, idest ratio uel intentio

uniuersalitatis aut res sub intentione

uniuersalitatis, non est primum

obiectum intellectus nec preexistit

intellectioni, set est aliquid formatum

per operationem intelligendi, per quam

res secundum considerationem

abstrahitur a conditionibus

indiuiduantibus; in qua operatione

intellectus abstrahens habet pro termino

a quo singularia a quibus abstrahit et

pro termino ad quem ipsum uniuersale

abstractum; et quia terminus a quo

precedit terminum ad quem, ideo

consideratio singularium precedit

uniuersale abstractum ab ipsis iuxta

illud I De anima: uniuersale aut nichil

est aut posterius est.

[28] Ao segundo digo para destruir a

menor. Visto que o universal, isto é, a

razão ou intenção da universalidade ou

a coisa sob a intenção da universalidade

não é o primeiro objeto do intelecto

nem preexiste à intelecção, mas é

aquilo que é formado pela operação

inteligente, pela operação de acordo

com a qual a coisa segundo

consideração é abstraída das condições

individuais. Nesta operação o intelecto

tem por ponto de partida o singular que

abstrai e por finalidade o próprio

universal abstraído. E visto que a ponto

de partida precede a finalidade, a

mesma consideração singular precedeu

à abstração universal, de acordo com

De Anima I: o universal ou é nada ou é

posterior.

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[29] Istud autem magis declarabitur

alibi. Quod postea dicitur de intentione

ARISTOTILIS, dicendum quod

quicquid ipse intenderit, de quo non est

tantum curandum sicut de ueritate,

tamen ratio quam ad hoc adduxit parum

ualet. Non enim oportet quod in omni

natura que quandoque est in potentia et

quandoque in actu sint principium

actiuum et principium passiuum

tanquam due potentie eiusdem suppositi

radicate in eadem essentia secundum

numerum, ita quod per talem potentiam

actiuam et passiuam reducatur in actum,

set sufficit quod potentia passiua

reducatur in actum per aliquam

potentiam actiuam, siue sit eiusdem

suppositi siue alterius. Illa etiam ratio

eque concludit quod sit dare sensum

agentem sicut intellectum agentem,

quia sensus quandoque est in potentia

ad sentiendum et quandoque in actu

sicut intellectus ad intelligendum.

[29] No entanto, muito mais será

declarado por ele. Porque depois de dito

da intenção de Aristóteles que afirma

que qualquer que entenda que não deve

se preocupar tanto com a verdade

possui uma razão pouco hábil. Pois não

é próprio que em toda natureza

enquanto está em potência e enquanto

está em ato sejam princípio ativo e

princípio passivo como duas potências

ou supósitos da razão na mesma

essência segundo um número, de modo

que por tal potência ativa e passiva

retornando ao ato, mas satisfaz que a

potência ativa, se acontece que o

mesmo supósito se altere. Entretanto,

esta razão igualmente conclui que seja

dado sentido agente como intelecto

agente, visto que o sentido está em

potência quanto ao sentido e o intelecto

está em ato para o inteligido.

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3.2 – INTRODUÇÃO À TRADUÇÃO DO IN II SENT [C], D. 17, Q. 1

Tendo analisado o In I Sent [C], d. 3, q. 5 no qual Durandus estabelece que é

falso afirmar um intelecto agente unido à alma humana, me dispus a investigar a

extensão da crítica feita por Durandus. Notei que era preciso determinar se Durandus

negava apenas um intelecto agente enquanto unido à alma, mas aceitava a teoria de um

intelecto separado que cumprisse a função de abstrair ou se negava completamente tal

conceito. Para tanto, analisei o In II Sent [C], d. 17, q. 1, no qual Durandus apresenta e

discute a teoria do intelecto separado tal qual atribui a Averróis226

e constatei que a

negação é completa: Durandus não admite a existência de um intelecto agente nem

unido à alma humana, nem separado. Por isso escreve: “nec ualet si dicatur quod

intellectus noster, licet sit coniunctur secundum ueritatem, et intelligat ex

fantasmatibus, tamen corrupto corpore adhuc intelligit. Sed per alium modum. Et idem

posset dici de intellectu separato”. 227

Nesta questão, Durandus discute a teoria do intelecto separado que atribui a

Averróis (quantum ad primum sciendum quod Auerroys...228

), bem como uma teoria

similar que considera ser uma versão atenuada da posição de Averróis229

, (quantum ad

secundum aliqui colorant, et palliant...230

). Além disso, desenvolve sua própria crítica

direcionada tanto à opinião de Averróis, quanto à versão atenuada investigada (quantum

ad tertium dicendum est, q nec palliatio ualet, nec opinio de palliatione...231

). Durandus

determina que o intelecto humano não intelige de fantasmas, nega que um intelecto

separado pudesse inteligir por intermédio de espécies abstraídas de fantasmas e,

principalmente, que o intelecto humano seja uno e separado.

No intuito de analisar a posição de Durandus no que diz respeito à união entre

alma intelectiva e corpo, busquei o In II Sent [A/B], d. 17, q. 1, entretanto ainda não há

edição crítica das distinções 6 à 21 da versão [A/B] do segundo livro. Assim, busquei a

transcrição do manuscrito de Veneza correspondente à terceira versão do comentário

[C], e verifiquei a falta das mesmas distinções. Contudo, ao comparar os manuscritos de

226

Sobre a teoria do intelecto de Averróis ver: NEVES, 2016; CONOLLY, 2007; TAYLOR, 2004;

HYMAN, 1981; IVRY, 1966 227

In II Sent [C], d. 17, q. 1, n. 11. 228

In II Sent [C], d. 17, q. 1, n. 5. 229

Sobre a origem do termo „averroístas‟ e a sequência de críticas lançadas pelos dominicanos ver:

MARTINS, 2009. Sobre a crítica de Tomás de Aquino a Averróis ver: SANTOS, 2017. 230

In II Sent [C], d. 17, q. 1, n. 6. 231

A partir de In II Sent [C], d. 17, q. 1, n. 7.

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Veneza e de Lion notei que ambos contêm o mesmo conteúdo correspondente ao In II

Sent [C], d. 17, q. 1. A legibilidade do manuscrito de Veneza está bastante

comprometida, o que retardou não só a comparação dos dois manuscritos, mas a própria

identificação da distinção 17. Todas as distinções estão respectivamente indentificadas,

mas não é possível identificar o número da questão 17 como XVII, apenas com II, o que

me causou certo contratempo. Por isso, optei por transcrever, produzindo

provavelmente a primeira transcrição desta questão do manuscrito, traduzir e analisar o

texto encontrado no manuscrito de Lion de 1563.

Deste modo, pude cumprir meu objetivo de analisar a questão mencionada que

apresento no segundo capítulo desta dissertação. Compreentendi, entretanto, que além

da análise que realizei, a disponibilização do texto da questão poderia beneficiar o

trabalho apresentado. Ademais, ainda que a presente tradução não se pretenda

definitiva, pode se caracterizar como um instrumento útil que possibilite uma maior

independência do leitor perante o texto, bem como uma possibilidade adicional de

compreensão da construção argumentativa e os debates tais quais realizados por

Durandus.

Tendo decido cumprir mais esta desafiadora tarefa busquei pelas traduções de

alguns trechos que foram selecionados por Hartman e analisados por ele em sua tese de

doutorado intitulada “Durandus de St. Pourçain sobre atos cognitivos: sua causa, status

ontologico, e caráter intentional” com o intuito de comparar resoluções e aperfeiçoar

minha tradução. Contudo, percebi que ele trabalhava marjoritariamente com as versões

[A/B], enquanto eu trabalho com a versão [C]. Ademais, Hartman seleciona

excessivamente o que traduz, não produzindo traduções de questões completas e,

consequentemente, não permitindo uma comparação verdadeiramente produtiva. No fim

das contas, esta pode ser considerada a primeira tradução e, por isso, ela é

completamente independente.

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3.3 – TRADUÇÃO DO IN II SENT [C], D. 17, Q. 1

Comentário às Sentenças de Pedro Lombardo: Livro II, distinção 17,

questão 1 [C]

Questio prima

Utrum anima intellectiua uniatur corpori tanquam forma

Se a alma intelectiva está unida ao corpo como sua forma

[1] Circa distinctionem istam primo

quaeritur, utru anima intellectiua

uniatur corpori tanquam forma. E

uidetur quod no, quia quos inest alicui

secundum se, semper inest ei. Sed

formae secundu se inest uniri materiae,

ergo semper couenit ei quadiu est. Sed

anima intellectiua corpori no unita

remanet, separatur enim a corpore sicut

perpetuu a corrupitibili, ergo &c.

[1] Sobre esta distinção, primeiro

investiga-se se a alma intelectiva está

unida ao corpo como sua forma. E

parece que não, visto que é algo

segundo si, algo que sempre existe. No

entanto, a forma segundo si é unida à

matéria, portanto sempre está junto dela

enquanto existe. Mas a alma intelectiva

não permanece unida ao corpo, pois é

separada do corpo assim como o

perpétuo do corruptível, portanto etc.

[2] IN CONTRARIUM est, quia

differentia sumitur a forma rei, sed

rationale est differentia specifica

hominis, quae conuenit ei ratione

animae intellectiuae, ergo &c.

[2] Argumenta-se em sentido contrário,

visto que, a diferença é assumida como

forma da coisa, mas a racionalidade é a

diferença específica do homem,

enquanto está unido à alma intelectiva

racional, portanto etc.

[3] RESPONSIO. Absolute dicendum

est q anima intellectiua unitur corpori

sicut forma. Ad hoc autem probandun

[3] Respondo. Absolutamente dizendo,

a alma intelectiva está unida ao corpo

como sua forma. Porém, para que isto

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non potest efficacior ratio haberi, quam

illa quam ponit Aristoteles secundo de

Anima dicens sic, Anima est, quo

viuimos sentimus, mouemur e

intelligimus primum, quare ratio

quedam utique erit, & species. Uirtus

autem huius rationis est in hoc.

Principium cuiuslibet operationis

oportet esse formam aliquam operantis,

sed unusquisque experitur se intelligere,

ergo oportet in unoquoq; esse formam

aliquam, quae sit intellectionis

principium, hoc aute dicimus animam

intellectiuam, ergo &c. Minor de se

patet, sed maior probatur, quia formae

est agere, alterius uero potentiae pati, ut

bene dicit commentator in hoc, quia

unuquodque agit per illud, per quod est

in actu, hoc autem est forma. Huic aute

rationi adeo innititur Aristoteles, quod

dicit eam demonstrationem esse. Unde

in illius capituli dicit sic, non enim solu

quid est oportet rationem diffinitiuam

ostendere, sicut plures terminorum

dicunt, sed causam inesse &

demonstrare. Et sicut patet ibidem

Aristor. dicit quod per hanc

diffinitionem, Anima est quod uiuimus,

&c. Tanquam per médium

demonstrationis concluditur

demonstratiue alia diffinitio prius data

de anima, scilicet quod est actus

corporis physici, &c.

seja provado, não é eficiente ter a razão

como aquela que é afirmada por

Aristóteles no De Anima onde ele diz

que a alma é o que vivemos, sentimos,

movemos e inteligimos primeiro. Por

esta razão certamente será este algo e

espécies. A virtude da razão será aqui

examinada. Do princípio de operação é

próprio ser uma forma operante mas,

algo que é percebido é inteligido, logo é

próprio de algo: ser alguma forma, visto

que seja um princípio de intelecção,

deste dizemos alma intelectiva e etc. O

menor é claro, mas o maior deve ser

provado, pois a forma é ato, e

verdadeiramente suporta outra potência,

donde diz o comentador que um age por

outro, pelo qual a forma é em ato. E

sobre esta razão sou baseado por

Aristóteles, que diz ser esta a

demonstração. Donde naquele capítulo

diz que não só o que é próprio da razão

é exibido em definitivo, assim como

muitos dizem do término que deve

existir uma causa e uma demonstração.

E assim, no mesmo local Aristóteles diz

que por esta definição a alma é o que

vivemos e etc. Como se por meio da

demonstração fosse concluído

demonstrativamente outra definição

prévia concernente à alma, certamente

que é o ato do corpo físico e etc.

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[4] Uirtus autem huius rationis patet in

hoc, quod omnes qui ab ea diuertunt,

incidunt in praegrandes abusiones,

máxime Averroys, qui dicitur primus

fuisse, & praecipuus delirator, circa

materiam istam. Cuius opnio recitabitur

primo. Secundo ostendetur quomodo a

quibusdam coloratura. Tertio ostendetur

quod neque coloratio ualet, neque

opinio.

[4] É exposto aqui que todo aquele que

diverge da virtude da razão alcança

grandes absurdos, sobretudo Averróis

de quem é dito ter sido particularmente

delirante sobre esta matéria e cuja

opinião recitarei primeiro. Em segundo

lugar será exposta uma opinião de certo

modo colorida. Em terceiro lugar será

exposto que nem a versão colorida é

consistente, nem a opinião do primeiro.

[5] Quantum ad primum sciendum quod

Auerroys ponit intellectum non esse

anima nostram, nec aliquid animae

nostrae. Sed esse quandam substantiam

separatam. Cuius intelligere efficitur

intelligere mei, uel alterius, inquantum

ille intellectus separatus secundum esse

copulatur mihi uel alteri per fantasmata

quae sunt in me uel in alio, quod sic

dicebat esse possibile. Nam species

intelligibilis secundum ipsum habet duo

subiecta, scilicet intellectum separatum

& fantasmata nostra in fantasia. Et ideo

per unam & eadem speciem in ipso &

in nobis existentem copulatur nobis

intellectus ille, ac per hoc dum

intellectus ille intelligit, homo intelligit

cui copulatur. Et quia fantasmata

diuersa sunt in diuersis, contingit unum

aliquid intelligere alio non inteligente

illud, quicquid est enim ibi diuersitatis,

totum est ex parte nostra. Quod autem

ex parte intellectus, est unum tantum, &

[5] Quanto ao primeiro, sabendo que

Averróis afirma que o intelecto não é na

nossa alma, nem que alguma outra

coisa seja na nossa alma. Mas que é

uma substância separada cujo inteligir

causa o meu inteligir, ou outro,

enquanto este intelecto separado,

enquanto for unido ao meu, ou outro,

pelos fantasmas que são em mim, ou

em outro, o que diz ser possível. Isto,

pois as espécies inteligíveis têm por si

dois substratos, claramente o intelecto

separado e os fantasmas em nossa

imaginação. E, consequentemente, por

uma e a mesma espécie existente em si

e em nós está unido ao nosso intelecto,

por isso, quando aquele intelecto

intelige, o homem intelige enquanto

unido a ele. E porque os fantasmas são

diversos em diversos, ocorre um outro

inteligir diferente não inteligente que o

que quer que seja nessa diversidade é

totalmente fora da nossa parte. Pois, da

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ideo corruptis hominibus remanet solus

unus intellectus: haec est positivo eius

in summa, & haec de primo.

outra parte, o intelecto é um e, assim,

com a corrupção do homem permanece

apenas um intelecto: este é sumamente

positivo e esta é a opinião do primeiro.

[6] Quantum ad secundum aliqui

colorant, & palliant hanc opinionem

hoc modo, accipiunt enim duas

suppositions. Prima est, quod

intelligentia est indistincta secundum

situm ab eo cui praesens est, quia

distinctionem secundum situm facit

sola quantitas dimensiua, qua caret

intelligentia. Secundum est, quod forma

intentionalis non numeratur penes

subiecta, sed penes obiecta, uel causas

eficientes, unde secundum eos plures

species alborum possunt esse, & sunt in

eadem parte medij. Et eodem modo

uma species in diuersis subiectis: si

tamen illa subiecta sit secundum situm

indistincta. Ex hoc sic arguitur, uma

species intelligibilis potest esse in

diuersis subiectis secundum situm

indistinctis (ut patet x secunda

suppositione.) Sed ille intellectus potest

simul esse cum fantasia nostra

indistincte secundum situm (ut patet ex

suppositione prima) ergo eandem

species potest esse in intellectu illo, &

fantasia nostra: qua existente

continuatur nobis ille intellectus, &

communicat nobis suum intelligere, hoc

quantum ad secundum.

[6] Quanto ao segundo, trata-se de uma

opinião colorida e atenuada que, deste

modo, aceita duas suposições. A

primeira é que a inteligência é indistinta

segundo si do que está presente, porque

distinção segundo si diz respeito

somente à quantidade dimensional que

é destituída de inteligência. A segunda

suposição é a de que a forma

intencional não é numerada pelo

substrato, mas pelo objeto, ou causas

eficientes, daí, segundo estes, muitas

espécies poderiam ser brancura e ser na

mesma parte do meio. E do mesmo

modo uma espécie em diversos

substratos: se, no entanto, este substrato

fosse indistinto segundo si. Do que se

argumenta que uma espécie inteligível

pode ser em diversos substratos

indistintamente segundo si (como é

exposto na segunda suposição). E o

intelecto pode ser simultaneamente com

a nossa imaginação indistinto segundo

si (como é exposto na primeira

suposição). Logo, a mesma espécie

pode ser naquele intelecto e na nossa

imaginação: como um existente unido

ao nosso intelecto que comunica o seu

inteligir a nós, isto quanto ao segundo.

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[7] Quantum ad tertium dicendum est, q

nec palliatio ualet, nec opinio de

palliatione, patet hoc sic, quia quauis

prima supositio eorum posset aliqualiter

concedi, scilicet q intelligentia sit

indistincta secundum situm ab eo cui

praesens est, non quidem positive, quasi

intelligentia eundem situm habeat, sed

negatiue, quia alium no habet. Tamen

secunda suppositio, scilicet eadem

species numero posset esse in

intelligentia, & in quacunq; alia re

suppositio distincta non est uera.

[7] Quanto ao terceiro que diz que nem

a versão atenuada vale, nem a opinião

do atenuado, é exposto assim: visto que

a primeira suposição de qualquer um

deles pode ser igualmente removida,

notamente que a inteligência seja

indistinta segundo si do que está

presente, certamente não no sentido

positivo, como se a inteligência mesmo

tivesse permitido, mas negativo, porque

outro não tem. Sobre a segunda

suposição, entretanto, certamente a

mesma espécie de um número pode ser

na inteligência ou em qualquer outra

coisa; uma outra coisa diferente do seu

fundamento não é verdadeira.

[8] Quod patet tripliciter. Primo quia

magis est possibile ide numero esse in

diuersis subiectis indistinctis secundu

suppositu quam in diuersis subiectis

secundu suppositu distinctis. Sed

intellectus noster possibilis, & fantasia

sunt indistincta secundum suppositum,

ponendo intellectum esse partem

animae nostrae, & tamen in eis non

potest esse eadem species numero, neq;

aliquis tenentium hanc uiam hoc ponit,

ergo nec in intelligentia & fantasia, si

distinguantur secundum suppositum.

[8] Do exposto pode-se dizer de três

modos. Primeiro que é mais possível o

mesmo número ser em diversos

substratos indistintos segundo seu

fundamento do que em diversos

substratos segundo fundamentos

distintos. Mas nosso intelecto possível e

nossa imaginação são indistintos

segundo seu fundamento, afirmando

que o intelecto faz parte da nossa alma,

e embora neles não possa haver as

mesmas espécies do número, nem

aqueles tendo esta via afirmado,

portanto a inteligência e a imaginação

não se distinguem segundo seu

fundamento.

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[9] Secundo quia quanto forma minus

habet de entitate, tanto plus habet de

dependentia ad subiectum. Sed forma

intentionalis minus habet de entitate,

quam aliae formae naturales, ergo plus

habet de dependentia ad subiectum. Sed

aliae formae propter dependentiam ad

subiectum, numerantur numeratione

subiectorum: ergo &c.

[9] Segundo que quanto menos a forma

tem de entidade, tanto mais tem de

dependência do substrato. Mas a forma

intencional tem menos entidade do que

a forma natural, logo, tem mais

dependência do substrato. Porém, é

outra forma por conta da dependência

do substrato, numerada do número do

substrato e etc.

[10] Tertio quia in quibus inuenitur uma

forma, non solum numero, sed specie,

oportet quod sit eadem receptiva, quia

actus actiuorum sunt in patiente

disposto, sed in intelligentia, quae est

res spititualis, & fantasia, quae est res

corporalis, no potest esse eadem ratio

receptiva, ergo neq; eadem forma, non

solum eadem secundum numerum, sed

nec eadem secundum speciem non ualet

ergo ista coloratio.

[10] Terceiro que no que é encontrada

uma forma, não só o número, mas a

espécie, é próprio que seja mesmo

receptiva. Visto que o ato do ativo é

disposto no paciente, mas na

inteligência, que é coisa espiritual e na

imaginação, que é coisa corporal, não

pode ser a mesma razão receptiva,

portanto não é a mesma forma, não só a

mesma segundo número, mas também

não a mesma segundo espécie. Não é

consistente, portanto, esta opinião

atenuada.

[11] Opinio etiam ista multa

improbabilia continet. Primum est, q

ponit intellectum separatum intelligere

per species abstractas a fantasmatibus,

quia essi hoc colorabile sit dicere de

intellectu coniuncto (quanquam & hoc

multi negent) tamen hoc dicere circa

intellectum separatum absurdum est,

dissonat enim ab opinione fere omnium

[11] Esta opinião ainda contém muitos

improváveis. O primeiro é o que afirma

que o intelecto separado intelige por

espécies abstratas de fantasmas, porque

assim diz a opinião colorida sobre o

intelecto conjunto (embora muitos

negassem isto). Contudo, dizer isto

sobre o intelecto é um absurdo, pois é

completamente dissonante da opinião

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loquentium de modo intelligendi

substantiarum separatarum (ut patet

intuenti librum Proculi & authoris de

causis) quod em propria operatio

substantiae separatae dependeat a

nostro fantasmate, friuolum est: sic

enim hominibus corruptis, uel

dormientibus, & non forniantibus, nohil

intelligere ille intellectus, quod est

absurdum: nec ualet si dicatur quod

intellectus noster, licet sit coniunctur

secundum ueritatem, & intelligat ex

fantasmatibus, tamen corrupto corpore

adhuc intelligit. Sed per alium modum.

Et idem posset dici de intellectu

separato, hoc enim no est símile, quod

intellectus noster coiunctus & separatus

habet alium modum effendi, propter

quod potest habere alium modum

operandi, sed intellectus separatus

solum habet unum modum essendi,

quare & unum modum intelligendi, a

quo si cesset, cessabit omnino

intelligere.

de todos que falam de modo inteligente

sobre a substância separada (como

exposto no livro de Próculo e dos

autores das causas), afirmar que na

própria operação a substância separada

depende do nosso fantasma é fútil: pois

quando o homem é corrompido, ou

dorme e não opera, nada intelige o

intelecto, o que é absurdo. Nem é

consistente dizer que nosso intelecto

possa ser conjunto verdadeiramente e

possa inteligir dos fantasmas, embora

intelija junto do corpo corruptível. Pelo

contrário. E o mesmo pode-se dizer do

intelecto separado, pois este não é

similar. O nosso intelecto conjunto e o

separado tem outro modo de funcionar,

porque pode ter outro modo de

operação, mas só o intelecto separado

tem um mesmo modo de ser, o qual é

um modo inteligente, e que, se cessasse,

cessaria todo o inteligir.

[12] Secundum incueniens est, quia

operatio quae non transit in materiam

exteriorem non potest alteri distincto

secundum suppositum comunicari, quia

actiones sunt suppositorum, sed

intelligere est huiusmodi (ut patet ex

9.Metaph.) ergo &c.

[12] O segundo improvável consiste na

afirmação de que a operação que não

transita para a matéria exterior não pode

ser compartilhada com outro que seja

distinto segundo fundamento. Isto

porque ações são do fundamento, mas

inteligir é deste modo (como expõe em

Metafísica IX) e etc.

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[13] Tertiu est, quia si intellectus

separatus copularetur nobis per species

abstractas a fantasmatibus nostris, ac

per hoc faceret multos inteligentes,

eadem ratione posset copulari asino per

speciem abstractam a fantasmatibus

asini, & facere asinum intelligentem,

quod est absurdum. Consequentia

probatur, quia ex parte nostra non

ponitur, nisi actu fantasiae, quae potest

esse in asino. Non abstractio speciei

effectiue per aliquid quod sit in nobis,

sed per intellectum separatum:

intellectus etiam ille ae qualiter potest

se habere ad homine & ad asinum, & ad

fantasmata utriusque, quare &c.

[13] O terceiro é improvável porque se

o intelecto separado fosse unido a nós

por espécies abstraídas dos nossos

fantasmas e por estas fizessem muitos

inteligentes, a mesma razão poderia

unir ao burro por espécies abstraídas

dos fantasmas do burro e fazer o burro

inteligente, o que é absurdo. A

consequência é provada porque de

nossa parte não é afirmado o ato do

fantasma que poderia ser no burro. As

espécies que são em nós não são

efetivamente abstraídas por outro, mas

por um intelecto separado: intelecto tal

que pode agir no homem e no burro ao

acessar o fantasma de um e de outro,

por isso etc.

[14] Quartum est, quia si per huius

copulationem communicaret nobis

intellectus suum intelligere,

comunicaret nobis tale intelligere, quale

haberet. Sed intellectus separatus circa

cognitionem rerum naturalium no

decipitur, ergo nec nos deciperemur in

intelligendo, licet forte deciperemur in

fantasiando, quod experimur esse

falsum. Multa etiam inconuenientia

possent ex hac positione deduci, sed

haec sufficiun. Ex quibus patet q no

solum erroneum est, & contra fidem,

ponere animam intellectiuam no uniri

nobis in ratione formae. Sed plane

proceffit ex magna ignorantia

[14] O quarto improvável afirma que

por meio de tal copulação seria unido

ao nosso intelecto o seu inteligir. No

entanto, o intelecto separado não é

enganado sobre a cognição da coisa

natural, portanto não nos enganamos

inteligindo, poderia ser válido que nos

enganássemos fantasiando, o que

percebemos ser falso. Muitas outras

afirmações impróprias poderiam ser

deduzidas desta posição, mas estas são

suficientes. Das quais é claro que não

só é errôneo, mas também contra a fé,

afirmar que a alma intelectiva não é

unida a nossa razão como sua forma.

Tal afirmação procede de uma grande

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philosophiae. ignorância filosófica.

[15] AD ARGUMENTUM in

oppositum dicendum quod illud quod

inest alicui per se primo modo dicendi,

per se semper inest, sicut anima semper

inest homini: quod autem inest secundo

modo dicendi per se, aut dicitur

secundum potentiam, ut risibile

respectu hominis, & tale etia semper

inest, aut dicitur secundum actum, &

tale non semper inest, praecipue si

connotat respectum ad alterum, sicut

leuis inest per se moueru sursum, quod

tamen impediri potest, isto modo inest

animae uniri materiae: & ideo impediri

potest per indispositionem, quae a

corrumpente inducitur.

[15] Em oposição ao primeiro

argumento digo que aquilo que é dito

algo por si pelo primeiro modo, sempre

é por si, assim como a alma sempre é

no homem. Aquilo que é dito por si no

segundo modo, ou é dito segundo

potência, como o riso a respeito dos

homens e tal algo sempre existe ou dito

segundo ato e tal não existe sempre. O

princípio se conota a respeito de outro,

assim como o leve é por si movido para

cima, apesar de ser possível impedir [tal

movimento]. Deste modo é a alma

unida com a matéria: e mesmo se for

impedida por alguma indisposição,

como quando algo é conduzido à

corrupção.

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CONCLUSÃO

No decorrer da presente dissertação, meu objetivo foi analisar o modo pelo qual

Durandus de St. Pourçain estabelece sua teoria cognitiva. Por intermédio da detida

análise da literatura primária e secundária pude determinar que Durandus estabelece que

o conhecimento é uma relação. Durandus não compreende o conhecimento como algo

que o intelecto possui, mas como um estado no qual se encontra. O conhecimento é a

relação de intelecção estabelecida, entre um intelecto capaz de conhecer e um objeto

capaz de ser conhecido quando presentes um ao outro. O objeto, quando presente ao

poder cognitivo, é compreendido como causa sine qua non, como a causa sem a qual

sua cognição seria impedida. Para Durandus, assim como não é preciso postular a

existência de um sentido agente que possua a função de informar um sentido passivo

permitindo a percepção sensível, do mesmo modo não seria necessário postular a

existência de um intelecto agente que tivesse como função informar um intelecto

possível com o resultado de abstrações permitindo, assim, o inteligir. Segundo

Durandus, o homem intelige intuitivamente, assim com o anjo, sem intermediários. Isto

porque, quando o objeto cognoscível se apresenta ao poder cognitivo, a relação

intelectiva ocorrerá necessariamente, sem a necessidade de postular, para isso, uma

causa eficiente ou um intelecto agente.

Durandus concebe a cognição como um processo intuitivo direto, sem

intermediários. Para ele, ao afirmar intermediários no processo de cognição humana,

nenhuma etapa da cognição é compreendida, pelo contrário, apenas adicionam-se

estruturas obscuras incapazes de elucidar como este processo é possível. Por isso, sua

compreensão sobre a cognição é constituída a partir da negação da noção de intelecto

agente como fundamental para o processo cognitivo.

Durandus nega a existência de um intelecto agente compreendido como

constituinte da alma humana ou como um intelecto uno e separado que informaria a

alma do homem com espécies inteligíveis abstraídas dos singulares. Negar a noção de

intelecto agente significa, também, negar todos os pressupostos metafísicos e

epistemológicos que tal noção pressupõe. Durandus nega o pressuposto de que o

universal existe no objeto singular, para ele o objeto singular é material e, portanto,

particular. Assim, não seria possível admitir uma essência universal no objeto

particular, para Durandus, ao singular só podem ser atribuídas qualidades singulares.

Por isso, se houvesse algum fantasma, ele não poderia cumprir a função de tornar a

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essência universal da coisa presente ao intelecto. Primeiro porque o universal não existe

no particular, segundo porque o fantasma é produzido e armazenado por um órgão do

corpo. Para Durandus, se o fantasma é no corpo, tudo o que ele contiver também será no

corpo. O fantasma não seria corpóreo, mas particular e, por isso, não poderia cumprir o

papel de tornar o universal acessível. Desde modo, como o fantasma não poderia operar

de nenhum modo, não teria função alguma e sua existência deve ser negada. Por fim,

não havendo universal nos objetos cognoscíveis, nem fantasmas, não seria possível

abstrair. Isso porque abstrair significa separar as qualidades individuantes tendo em

vista o universal do objeto singular. Para Durandus, no entanto, o universal é produto da

cognição humana e, por isso, é totalmente dependente do intelecto, não existindo antes

da intelecção. Dado que o intelecto agente é admitido como constituinte da alma

humana por conta da sua operação própria de abstrair, como Durandus demonstra que

esta operação não ocorre, o intelecto agente é considerado supérfluo e falso: sua

existência não deve ser afirmada.

Além disso, é importante ressaltar que Durandus não apenas nega a existência do

intelecto agente como constituinte do homem, sua negação é total: não é possível aceitar

a existência de um intelecto agente seja unido, seja separado da alma humana. Apenas a

negação do intelecto agente como parte do homem não anularia a possibilidade de sua

existência ser admitida como separada e tendo como função abstrair dos fantasmas da

imaginação do homem e informa-lo com universais. Durandus apresenta e nega a teoria

do intelecto separado de Averróis. Para Durandus a alma intelectiva está unida ao corpo

humano de modo análogo à união entre forma e matéria. Não é admitida nenhuma

possibilidade de existência de um intelecto uno e separado que tivesse a função de

abstrair das espécies naturais da imaginação e informar a alma humana. O intelecto

humano é capaz e suficiente para cumprir sua função de inteligir, sem que seja

necessário assumir que seu inteligir seja causado pelo inteligir de outro intelecto ou que

o intelecto humano deva ser compreendido, de modo real ou analítico, como constituído

por um intelecto agente e um intelecto possível.

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