marcio rocha identidade batista, poder e interdependÊncia social

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IDENTIDADE BATISTA, PODER E INTERDEPENDÊNCIA SOCIAL

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    IDENTIDADE BATISTA, PODER E INTERDEPENDNCIA SOCIAL

    Mrcio Jos de Oliveira Rocha

    Mestrando do Programa de Ps-graduao em Educao da UFGD na Linha de Histria, Memria e Sociedade. Membro do Grupo de Pesquisa Educao e Processo Civilizador e Bolsista CAPES

    [email protected]

    Resumo

    O presente trabalho consiste em uma anlise sobre o processo de insero e desenvolvimento dos primeiros

    batistas no Brasil no final do sculo XIX e incio do sculo XX. Tal reflexo busca compreender a forma como

    se deu a construo da identidade batista entre os primeiros proslitos brasileiros, tendo como principal

    instrumento o impresso; O Jornal Batista, rgo este, criado em 1901, antes da organizao nacional dos batistas no Brasil (1907), ou seja, a Conveno Batista Brasileira CBB. Seu objetivo era doutrinar os novos-convertidos brasileiros como o que entendiam ser o modo de ser batista, ao mesmo tempo, disputar espao e almas com a instituio catlica. O material emprico que serviu como base para esta pesquisa O Jornal Batista e outros impressos da casa de publicao batista. A metodologia utilizada foi a Pesquisa Documental e a base terica se deteve em dialogar a teoria de Norbert Elias com o conceito de comunidade imaginada de Benedct Anderson.

    Palavras-chave

    Identidade batista, Interdependncia, Comunidade Imaginada

    Abstract

    This work consists in an analysis of the insertion process and development of the first Baptists in Brazil at the

    end of the nineteenth century and beginning of the twentieth century Such reflection seeks to understand how the

    construction of baptist identity between the first proselytes brazilians, having as main instrument the printed;

    "The Newspaper Baptist", this component, created in 1901, before the national organization of Baptists in Brazil

    (1907), i.e. the Baptist Convention Brazilian - CBB. His aim was indoctrinate the newly-converted brazilians as

    well as what they understood be the "way of being baptist", at the same time, compete "space" and "souls" with

    the catholic institution. The empirical material that served as the basis for this research is "The Official Baptist"

    and other printed documents of the house of baptist publication. The methodology used was the "documentary

    research" and has as theoretical basis Norbert Elias in dialog with the concept of "imagined community" of

    Benedct Anderson.

    Key-words

    Baptist Identity, interdependence, Community imagined

    Introduo

    Sempre que algum pesquisa sobre os batistas no Brasil e no somente sobre estes,

    mas tambm os metodistas e presbiterianos, sempre acabam fazendo prolegmenos e mais

    prolegmenos sobre suas origens e desenvolvimentos inglesa e especialmente, norte-

    americana. Isto se d porque h uma relativa necessidade de conhecer e entender a forma pela

    qual os batistas interpretam, concebem e constroem a realidade por meio de seus sistemas

    simblicos de construo de sentido (Representao), a fim de, entender seu desenvolvimento

  • 2

    e apropriaes no Brasil. Destarte, quem trabalha com a temtica do protestantismo j

    percebeu que este se manifesta como um tipo de comunidade imaginria.

    Porm pensar o conceito de Comunidade Imaginria de Benedict Anderson neste

    trabalho mais em carter ensastico, pois tal conceito impe alguns limites que so prprios

    de seu projeto originrio. Neste caso o limite principal est no fato de a preocupao de

    Anderson em sua obra ser a origem e difuso do nacionalismo. Porm ao pensar sobre o uso

    dos principais instrumentos conceituais apresentados na primeira parte da obra, eles se

    mostraram propcios para pensar as estratgias1 de construo e desenvolvimento da

    identidade batista no Brasil.

    Ainda assim, numa atitude de maior apuramento conceitual para fins deste trabalho,

    busca-se trazer para discusso a teoria sociolgica de Norbert Elias no que tange a relao

    indivduo e sociedade, melhor, sociedade dos indivduos. Isto para entender a construo da

    identidade batista nas relaes de interdependncias tanto entre si mesmos, quanto entre

    batistas e catlicos. E, j que este trabalho est construdo na esteira da Histria Cultural

    busca-se entender a forma como se manifesta (Representaes) a identidade (eu-ns)

    desta comunidade imaginria a partir de Roger Charter.

    A pesquisa de carter documental e tem como material emprico principal O Jornal

    Batista OJB, este que um dos principais rgos de propaganda religiosa e instrumento

    doutrinador do grupo batista no Brasil. E, como interlocuo buscou-se a pesquisa de

    doutorado de Anna Adamovicz (2008) Imprensa protestante na primeira repblica:

    evangelismo, informao e produo cultural. O Jornal Batista (1901 - 1922).

    Prolegmenos sobre as origens batistas

    A origem dos batistas est no movimento puritano ingls do sculo XVII. Tal

    movimento ainda que contraditrio em muitos aspectos reivindicava purificar a igreja de tudo

    que lembrasse a liturgia e a teologia catlica. Em 1612 nos arredores de Londres, surge deste

    movimento a primeira igreja Batista sob a direo do pastor Thomas Henwil que mais tarde

    junto com Oliver Cromwell e os demais puritanistas derrotaram o exercito da coroa inglesa e

    assumiram o poder. Com a morte de Cromwell em 1658, Carlos II em 1660 restaura a

    monarquia e empreende uma violenta perseguio aos partidrios de Cromwell, com isto

    1 Michel de Certaeu

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    muitos puritanos so perseguidos e mortos. Esta perseguio levou muitos a se refugiarem na

    at ento, Nova Inglaterra.

    Em Nova Inglaterra, os batistas surgiram com o jovem Roger Willians (1603-1683)

    que aps ser banido da Colnia por discordar com as interferncias dos magistrados em

    assuntos eclesisticos se refugiou na baa Narragansett. Em meados de maro de 1639 com

    apenas onze membros foi organizada a primeira Igreja Batista em solo norte-americano, em

    Providence, Rhode Island.

    Com a diviso da Conveno Geral nos Estados Unidos por causa da questo da

    escravatura, os sulistas criaram em 1845 a South Baptist Convention. Em 1859 a Conveno

    decidiu voltar suas atenes para o Brasil aps leituras do Livro Brazil and the brazilian2 de

    James C. Fetcher e Daniel P. Kidder, neste mesmo ano Thomas Jefferson Bowen (1814-1875)

    veio trabalhar no Rio de Janeiro. Bowen trabalhava na confeco de uma gramtica Yorub e

    desejava formar uma igreja tanto entre os imigrantes ingleses, quanto entre os escravos

    brasileiros, mas ficou doente e teve que voltar para os Estados Unidos (AZEVEDO, 1996).

    Em 1865 com a vinda dos imigrantes sulistas, incentivados pelo governo de Dom

    Pedro II, se instalaram na provncia de So Paulo, no distrito de Santa Brbara DOeste. A

    necessidade de pastoreio dos batistas, metodistas e presbiterianos neste lugar levou em

    1871 a organizao da primeira igreja Batista em solo brasileiro sob a liderana do pastor

    Richard Ratcliff (1831-1912), que em princpio tambm viera como colono. Com a morte de

    sua esposa ele voltou para os Estados Unidos e deixou no seu lugar o pastor Elias Hotton

    Quillin (1822-1886). No Estados Unidos Ratcliff e o general Travis Hawthorn, ex-combatente

    na guerra civil, que tambm havia sido colono no Brasil, relataram a Conveno Batista do

    Sul a necessidade de enviar pessoas para trabalhar especificamente na evangelizao, pois os

    colonos no tinham disponibilidade de pessoas e recursos para esta tarefa.

    Assim sendo a conveno enviou o casal; William Buck Bagby (1855-1939) e Anne

    Luther Bagby (1859-1942) Em 1881 este casal de missionrios assumiu a igreja de Santa

    Brbara do dOeste, mas em seguida foi para Salvador onde juntamente com outro casal de

    missionrios; Zachary e Kate Crawford Taylor, j em 1882 organizaram a primeira igreja

    2 Livro escrito por missionrios metodistas. Fetcher e Kidder chegaram no Brasil em 1837 como vendedores de

    livro (colportores), enviados pela American Bible Society. O livro referenciado representa uma importante obra

    para histria do Brasil, pois so relatos histricos, geogrficos da cultura brasileira, no que tange, a modo de

    vida, costumes e religiosidade na perspectiva dos imigrantes norte americanos no final do Brasil Imprio.

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    Batista nacional. Desde ento, igrejas foram organizadas nas principais cidades brasileiras

    mantendo as caractersticas eclesiolgicas das igrejas do Estados Unidos. (AZEVEDO, 1996,

    p.194).

    Tais caractersticas eclesiolgicas so o que substanciam os batistas como

    comunidade imaginria. Neste sentido os conceitos apresentados por Anderson (1993) so

    operados neste trabalho da seguinte forma: enquanto comunidade, os batistas se concebiam

    como uma estrutura horizontal na/s sociedade/s, independentemente de classe, etnia, gnero

    ou idade, pois se sentem irmanados por valores, projetos e ideologias religiosas em comum;

    Enquanto imaginria, porque os batistas nunca se conheceram pessoalmente (entre todos),

    ou se falaram e se viram entre todos, mas acreditam que no esto a ss. Antes,

    independentemente das fronteiras geogrficas e temporais acreditam compartilhar valores, no

    mnimo semelhantes. Enquanto comunidade limitada, os batistas entendem que a

    comunidade se reduz os regenerados, ou seja, aqueles que convertidos do testemunho

    social dos valores do grupo. Logo, aqueles que so imaginados alm dos limites da igreja

    local, tambm so limitados os regenerados seja l em qual localidade estiverem ou

    localidade que possa existir.

    Diante do forte crescimento dos batistas no Brasil, de 312 membros no ano da

    proclamao da Republica para um pouco menos de 8000 em 1907, os batistas procuram

    organizar-se como Conveno Nacional. Nos dias 22 a 27 de Julho de 1907 com 43 delegados

    que representavam 39 igrejas e corporaes, eles aprovaram a Constituio provisria das

    igrejas batistas do Brasil, ou seja, a Conveno Batista Brasileira - CBB (REILY, 1984, p.

    175).

    A organizao e desenvolvimento dos batistas no Brasil se deu a partir de dois

    princpios fundamentais: a autonomia da igreja local e a cooperao entre estas igrejas. Este

    ultimo, por causa do primeiro, funciona como apoio administrativo, financeiro e educativo no

    treinamento de lideranas e missionrios. A cooperao foi fundamental para formao da

    identidade que configura os batistas do Brasil, para tanto se organizou em Juntas

    executivas missionrias que se organizavam por reas de abrangncia e tinham a funo de

    enviar, sustentar e apoiar missionrios nas terras prximas e longnquas; Juntas educativas

    que administravam Seminrios, Institutos teolgicos, Casas de formao de obreiras, colgios

    e escolas; e, alm de outras, criaram uma das mais fundamentais a Junta da Casa publicadora

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    batista, esta era responsvel pela publicao de livros, revistas para escolas bblicas, revistas

    de treinamento de lideranas, jornais, etc. (MESQUITA, 1941, pp. 17s).

    No incio do sculo XX os batistas tinham duas pequenas tipografias onde

    publicavam panfletos e outras literaturas religiosas de cunho evangelstico e devocional. Uma

    sediada em Campos, Rio de Janeiro mantinha o peridico As Boas Novas e a outra sediada

    em Salvador, Bahia mantinha o Echos da Verdade. Em 1900 por ocasio de uma reunio

    entre os missionrios, foi deliberada a centralizao dos trabalhos destas tipografias numa

    editora central localizada no Rio de Janeiro com o objetivo de servir toda comunidade

    religiosa Batista brasileira. Nesta reunio foi escolhido como diretor tanto da editora, quanto

    do jornal, o missionrio William Edwin Entzminger, pois este trazia em sua trajetria,

    experincias jornalsticas. Tambm por deliberao desta reunio os jornais que antes

    chamavam-se As Boas Novas e Echos da Verdade fundiram-se no que at hoje

    chamado de O Jornal Batista (OJB), e, em 10 de janeiro de 1901 saiu a primeira tiragem

    do jornal com periodicidade de dez em dez dias

    No sentido certeauniano (1998, pp. 91s) o OJB serviu como um lugar prprio

    onde se pudesse criar e reproduzir uma linguagem especfica dos batistas no Brasil e um

    sentimento de pertena ao grupo, alm d, estabelecer um domnio do lugar pela vista numa

    prtica panptica de vigilncia das prticas religiosas;3 e, um lugar de produo de poder

    pelo consumo das representaes dOJB.

    Reis Pereira citando Crabtree, um dos missionrios que participou do projeto de

    criao dOJB, diz:

    O maior servio que a Casa Publicadora prestou a Causa Batista, especialmente

    neste primeiro perodo foi da publicao dO Jornal Batista. Publicar o jornal foi primeira preocupao dos missionrios, quando resolveram colocar no Rio a casa

    editora. [...] tem sido tambm slido doutrinador do povo batista e firme defensor

    das convices batistas CRABTREE, 1962 apud. PEREIRA, 1985, p. 136).

    Nesta afirmao de Crabtree, pode-se perceber na esteira de Chartier, que OJB foi

    fundamental para interiorizar representaes religiosas construindo valores, concepo do

    3 Como exemplo de vigilncia panptica pode ser visto na tese de Arajo (2006, p. 50) Educao e converso

    religiosa: Os batistas de Richmond e o Colgio Taylor-Egdio de Jaguaquara BA 1882 1936 ( UnB) que verifica atravs de dados da secretaria da primeira igreja batista de Salvador BA a questo de batismos e excluses de membros da igreja. Segundo ele, para se tonar membro de uma igreja Batista era feito uma srie de

    perguntas tanto para o candidato, quanto para a vizinhana a fim de saber se sua conduta moral dava

    testemunho dos valores do grupo.

  • 6

    sagrado e de mundo, alm de um sentimento de unidade denominacional que caracteriza uma

    comunidade imaginria. Anderson (1993, pp. 57s), afirma a importncia da circulao de

    impressos como instrumento fundamental para produo de conexes imaginadas que do

    forma e sentido a comunidade imaginada. Segundo ele o capitalismo tipogrfico produz a

    difuso de identidades nacionais. Este responsvel por reproduzir representaes, por

    meio de arrumaes editoriais de obras internacionais, apropriaes ideolgicas nas tradues

    de conceitos, produo de censuras e circulao de ideias e valores.

    Para ter-se uma ideia do poder representativo dOJB, nas origens dos batistas no

    Mato Grosso, em Corumb, meados de 1910. A igreja at ento denominada Batista nesta

    cidade passou por crises de identidade confessional, pois em determinada ocasio, seu lder

    Jos Correa Brasil, publicou um folheto condenando o uso do tabaco e assinou como pastor

    Jos Correa Brasil. Isto gerou um grande problema para igreja a ponto de as lideranas da

    igreja terem que prestar depoimento na justia local e o pastor ter que desaparecer da cidade

    de Corumb. Neste tempo eles tiveram acesso a uma edio dOJB que entre outras coisas

    apresentava um artigo do que significava ser batista e suas prticas. Foi por meio do jornal

    que este grupo entrou em contato com o editor dOJB, o missionrio Entzminger e pediram

    urgente visita ao grupo, orientao e apoio institucional, grupo este que at ento nem existia

    nos registros da Conveno Batista Brasileira - CBB (NOGUEIRA, 2004, pp. 49s).

    Marcelo Santos (2003), citando Aguilera (1988) fala da influncia dOJB na formao

    da mentalidade dos batistas brasileiros, nos seguintes termos:

    A leitura do Jornal sempre foi incentivada e colocada como obrigatria depois da

    leitura bblica [...] o emissor transmite uma mensagem esperando que o receptor aja

    conforme as diretrizes apontadas ou desejadas pelo seu editor [...] atravs de seus

    objetivos mantidos atravs dos anos, OJB tenta funcionar como um formador da

    mentalidade dos Batistas brasileiros (AGUILERA, 1988 apud SANTOS, p. 56).

    Esta influncia dava ao jornal poder de dizer o que os batistas pensam antes mesmo

    de dizerem, ou seja, o jornal dizia o que eles deviam pensar por serem batistas. E, ao

    mesmo tempo o sentimento de que seja onde estivesse um crente batista, l estaria crendo e

    praticando os mesmo valores e doutrinas. Anderson (1993, pp. 43s), fala disso como

    implicao indireta da circulao dos peridicos, pois estes fazem conexo imaginria entre

    indivduos que nunca se viram ou se falaram, mas que se identificam por meio de percepes

    temporais. Destarte, por meio dos impressos os indivduos crentes se identificam em fatos e

    experincias uns dos outros, mesmo quando acontecidos em localidades e situaes

  • 7

    diferentes, e assim, cria uma conscincia de compartilhamento e simultaneidade temporal das

    experincias.

    Identidade construda na interdependncia catlica

    Falar de identidade tanto a partir de Benedict Anderson, quanto de Norbert Elias

    falar de relaes de interdependncias. O que torna possvel uma comunidade imaginada

    na proposta de Anderson so as suas conexes imaginadas, ou seja, as formas como os

    sujeitos se relacionam, se identificam na histria e nas mais diversas experincias cotidianas,

    valores culturais, religiosos, narrativas em comum (Tambm pensado por Stuart Hall) e etc.

    Em Elias a identidade entendida sempre como um processo, nunca pronta ou imutvel,

    mas sempre uma autoconscincia do eu-ns necessariamente construda nas redes de

    interdependncias social entre o eu, eles e ns. Neste sentido, os indivduos so conectados

    por um equilbrio de poder relativamente instvel que cria interdependncias tico-morais,

    psico-afetivas, funcionais, etc. (ELIAS, pp.129s; ELIAS; DUNNING, pp. 86s.).

    Desta forma, quando batistas norte-americanos chegaram ao Brasil com o objetivo

    missionrio e assim, agregam e expandem as fronteiras imaginrias de sua comunidade,

    eles viram a necessidade de mostrar quem eles eram e para qu vieram para o Brasil.

    Destarte, a imprensa foi vista como um dos mais importantes instrumentos de circulao de

    suas ideias religiosas. Segundo Adamovcs (2008, p.62), assim que os primeiros missionrios

    batistas abriram o primeiro jornal no Brasil, publicaram folhetos com ttulos: Quem o povo

    Batista? e O que creem os Batistas?, que por sua vez atraiu a ateno da populao local.

    Conforme apresentado no ttulo da tese de Anna Adamovcs, OJB tinha por objetivo

    principal a evangelizao, fornecer informaes de fatos gerais internacionais e

    nacionais, alm de informaes sobre o trabalho missionrio batista e das demais

    denominaes protestantes no Brasil. Alm destes, buscava servir como instrumento

    doutrinador de valores e princpios batistas. Amalgamado a estes objetivos estavam questes

    polmicas contra o catolicismo, onde ora os estigmatizavam, ora se defendiam das contra-

    estigmatizaes catlicas.

    medida que o grupo fora crescendo, crescia tambm tanto sua aceitao entre os

    brasileiros, quanto sua rejeio por partes de grupos concorrentes. Em uma das edies dOJB

    publicada uma resposta a acusaes de sectarismo e propaganda norte-americana:

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    Porm uma coisa nos desagrada, referirmo-nos ao modo de pensar de alguns acerca

    desta folha: que no ella do povo, dos nossos irmos em geral, mas do redactor e

    de alguns de seus colegas. E, at os h que chamam esta folha de Jornal

    Americano...Ora, semelhante idia no tem razo alguma de ser, visto no ser esta

    folha, orgam de propaganda do americanismo, mas simplesmente do evangelho de

    Cristo, daquele que no mais norte-americano do que brasileiro (OJB, 1901 In

    ADAMOVCS, 2008, p. ).

    possvel que o grupo contrrio aos batistas fossem lideranas catlicas e/ou

    influenciado por estes, pois j na segunda edio do jornal o editor se manifesta da seguinte

    forma:

    Na verdade, porm, compreendemos que nossa misso neste mundo muitssimo

    diversa. exato que pugnamos sem trgua que o discpulo de Crhisto, deve-lhe

    perfeita obedincia at nas coisas mnimas, pois tudo quanto lhe ordena

    ESSENCIAL porque eles no se acham imbudos de semelhante esprito que

    injustamente nos taxam de extravagantes e exclusivistas [...]no podemos deixar de

    aqui registrar a exultao dalma, o jbilo de corao, por ser nos permitido reunir os nossos humildes esforos aos dos demais que se consagram a obra divina de

    debelar a terrvel hydra, - o Romanismo, de libertar dos seus grilhes o generoso

    povo brazileiro. (destaque do autor) (OJB, 1901, p.2).

    Possivelmente os batistas no se vissem, em seu trabalho, com a inteno de servir os

    propsitos de uma cultura norte-americana, pois entendiam seu modus vivendi no como

    norte-americano, mas como valores implcitos na Bblia. Esta por sua vez, ainda entendida

    como sua nica regra de f e prtica social. A questo que a Bblia ou qualquer outro livro

    precisa do ser humano para interpret-la e produzir sentido, e, a interpretao do ser humano

    sempre parte de um lugar especfico. Logo, o que os missionrios batistas norte americanos,

    entendiam como sendo Evangelho de Cristo partia de sua auto representao (identidade), e

    privilgio na balana de poder que se configurava na interdependncia entre batistas norte

    americanos e batistas brasileiros. Porm se, no concordavam em ser entendidos como

    mediadores de interesses polticos e econmicos do EUA, o mesmo no acontecia de sua

    autoconscincia de cumpridores de um destino manifesto, que, estava mascarado em sua

    pregao e educao, isto sim, faziam com fervor; Um dos missionrios pioneiros, Crabtree

    dizia:

    No obstante o poder maravilhoso do Evangelho na transformao imediata dos

    ideais do indivduo, a superioridade das doutrinas batistas no ser demonstrada ao

    povo brasileiro exclusivamente no campo da evangelizao. , justamente, no

    campo da educao que o Evangelho produz os seus frutos seletos e superiores,

    homens preparados para falar com poder conscincia nacional. (CRABTREE,

    1962, p. 125).

    Este sentimento de superioridade doutrinria, na verdade era o sentimento de uma

    concepo de mundo, fundamentalmente poltico- religiosa de superior s demais. Portanto

    neste caso a educao serve como instrumento da misso de levar a todos os povos sua

  • 9

    religio, moralidade e poltica subtendida de uma leitura fundamentalista da bblia conforme o

    padro da sociedade norte americana. Segundo o discurso; Os Batistas e a liberdade

    religiosa de George W. Truett (uma das principais lideranas dos batistas do sul do EUA),

    em ocasio da Conveno Batista do Sul dos Estados Unidos (1926), dizia:

    Chegamos justamente ao tempo em que a nossa amada denominao

    necessita como dantes, exercer a sua ao docente no mundo. Isto

    quer dizer que devemos empreender uma ingente cruzada, na

    viabilizao e engrandecimento moral de nossos colgios, afim de que

    eles fiquem a altura da grande tarefa que lhes cabe. A nica educao

    completa a educao crist, porque o homem um ser trplice. (grifo

    nosso). (TRUETT, In. TRUETT; LOVE, 1950 p. 35).

    Tambm em uma srie de artigos sobre a reforma protestante e os sujeitos

    reformadores, o OJB retrata a Inglaterra, o EUA e a Alemanha como o mais alto padro de

    cultura intelectual, moral e psquica. Assim passavam um discurso ideolgico em que o Brasil

    somente se tornaria como estas naes, se se tornasse uma nao protestante.

    Aos protestantes se deve hoje a liberdade religiosa e a forma republicana de

    governo. Mais de doze mil homens sahiram da Inglaterra, Estados Unidos e

    Alemanha e se acham localizados entre as naes para ensinar ao povo as leis de

    Deus. Os protestantes tornaram geral e solida a instruo, por tanto tempo

    encerradas nos muros dos conventos. Argumentaram milhares de vezes as riquezas

    materiaes do mundo, enchendo-o de uma prosperidade e felicidade jamais sonhadas.

    Tm em suas mos a balana do destino das naes. Hoje o sentimento mais forte do

    mundo gravita sobre seus princpios. Os primeiros estadistas, os primeiros sbios, os

    primeiros oradores do mundo se encontram hoje no meio delles.

    Qual a nao que pde comparar-se com as protestantes em cultura intelectual,

    moral e physica? Esto na vanguarda de tudo que bom e til, em todos os ramos da

    atividade humana (OJB, Out. 1901).

    Destarte, a circulao dOJB construa conexes imaginadas entre os batistas

    brasileiros com o movimento protestante norte-americano, se identificando por meio de

    valores culturais e personagens reformadores do sculo XVI. Da mesma forma, tentavam

    construir conexes imaginadas no pblico brasileiro, a fim de, faz-los se identificar com as

    condies das referidas naes europeias antes da reforma. E assim, a partir disso, provocar

    frustrao e esfriamento nos brasileiros em relao ao domnio da religio catlica

    relacionando-a com retrocessos no desenvolvimento social do Brasil.

    Na mesma srie de artigos sobre a Reforma Protestante em o OJB publicado uma

    srie de argumentos com fim de transformar o catolicismo em uma religio pag, idolatra por

    causa de seus santos, relquias e demais aspectos litrgicos. Ao mesmo tempo, se defendem

  • 10

    das acusaes do clero catlico que tentavam dificultar seu trabalho os reduzindo a seitas

    sectrias:

    [...] Christo, virtude de Deus, e sabedoria de Deus, e no a homens e mulheres, porque todos peccaram e necessitam da gloria de Deus. Rom. 3:23.

    Os catholicos romanos fogem do argumento da religio para sofismarem com Lutero

    e Calvino, como se fossem elles os fundadores do Christianismo. Elles pregaram o

    Christianismo fundado pelos apstolos, e dictados pelo Espirito Santo, e vs prgaes

    o paganismo mythologico de vossos Cesares, com as vossas Amazona, Bacchantes,

    Libitina, Juno, Jano, Diana, Tethys, etc. porm a Deus da vossa devoo particular

    pluto.

    Vs negaes a verdade conhecida como tal quando espalhaes falsidade dizendo que a

    doutrina protestante humana so systemas creados por taes ou taes chefes de

    seitas; no a doutrina de Deus. Pois bem, As Escrituras Santas doutrina humana

    no doutrina de Deus, so systemas creados por homens, porquanto esta pregaram

    os apstolos, prgou Luthero, e prgamos ns: e como D. Antonio se contradiz

    escrevendo: A palavra de Deus regra de nossa f. Essa palavra se acha em dois grandes depsitos: na Escriptura e na tradio!!! [...] (OJB, Jan. 1905).

    A estratgia aqui legitimar a procedncia religiosa dos batistas vis--vis a falsidade

    do discurso catlico. No documento acima refutada a teologia catlica que fundamenta as

    doutrinas da Igreja em Pedro, este que humano, portanto conforme referencia bblica citada

    pelos batistas, necessita da Glria de Deus e no possui os quesitos de virtude e

    sabedoria necessrios para servir como fundamento da Igreja. Segundo, buscando fugir do

    estigma de seita por fundamentarem suas doutrinas em seres humanos, no caso; Lutero e

    Calvino e para tanto, com base em sua interpretao da Bblia, os batistas relacionam os

    smbolos catlicos e seus ritos aos smbolos e ritos pagos do antigo imprio romano.

    A importncia dos reformadores para o discurso batista de se beneficiar da fora de

    representao que estes lderes religiosos tm para as naes europeias e norte americana,

    como smbolos de transformao de uma sociedade medieval, para uma sociedade moderna.

    Alm disso, os batistas se identificam como continuadores da tarefa dos reformadores,

    ao mesmo tempo em que constroem um sentimento de comunidade imaginada, ou seja, sua

    identidade-ns. Este sentimento demarca fronteiras entre batistas e catlicos, tal sentimento

    construdo com base em uma memria religiosa, interpretada como originria nos

    apstolos, experimentada pelos reformadores e por conexo imaginada pelos batistas

    contemporneos. Isto s possvel porque o outro existe, ou seja, o catlico, e este concebe

    a realidade por outro conjunto de valores que, por conseguinte, entendido pela perspectiva

    batista, como identidade-eles. No entanto, mesmo diferentes ambos precisam um do outro

    para existir, pois so interdependentes e a relao de poder que a se estabelece resulta em

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    estigmatizaes e contra-estigmatizaes, a fim de, autolegitimar; superioridade, pureza,

    verdade, etc. vis--vis, a formas de autolegitimao do outro.

    As relaes de foras (poder) entre batistas e catlicos desigual, pois o segundo est

    na condio de estabelecido enquanto que o primeiro est na condio de outsider, ou

    seja, a presena do catolicismo a sculos no Brasil estava estabelecida como substrato da

    cultura ou culturas brasileiras e isto dificultava a aceitao do discurso outsider dos

    protestantes. Mas diferente da comunidade de Wilston Parva, que Elias pesquisou, os batistas

    no aceitaram a estigmatizao catlica, antes polarizaram, por meio de impressos e de suas

    pregaes pblicas, discursos que visavam ridicularizar e estigmatizar o catolicismo. E, desta

    forma, buscaram formas de mobilidades num lugar no prprio para atingir seu maior

    objetivo que era a salvao das almas, ou seja, o proselitismo religioso.

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