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CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA – BA CURSO DE BACHARELADO EM ADMINISTRAÇÃO COM HABILITAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO HOTELEIRA MARCELO MENDES SILVA SANTOS ADMINISTRAÇÃO MULTICULTURAL POLÍTICAS DE RECURSOS HUMANOS E A DIVERSIDADE RACIAL ESTUDO DE CASO EM UM HOTEL DE SALVADOR Salvador 2005

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CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA – BA CURSO DE BACHARELADO EM ADMINISTRAÇÃO

COM HABILITAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO HOTELEIRA

MARCELO MENDES SILVA SANTOS

ADMINISTRAÇÃO MULTICULTURAL POLÍTICAS DE RECURSOS HUMANOS E A

DIVERSIDADE RACIAL ESTUDO DE CASO EM UM HOTEL DE SALVADOR

Salvador 2005

MARCELO MENDES SILVA SANTOS

ADMINISTRAÇÃO MULTICULTURAL POLÍTICAS DE RECURSOS HUMANOS E A

DIVERSIDADE RACIAL ESTUDO DE CASO EM UM HOTEL DE SALVADOR

Monografia apresentada ao Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Administração com Ênfase em Hotelaria. Orientadora: Profa. Adelice Oliveira dos Santos.

Salvador 2005

Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia Diretor: Professor Ruy Santana

Departamento de Administração, Processos Industriais e Químicos Professora: Maria Aparecida Modesto

Coordenador do Curso de Administração com Ênfase em Hotelaria Professora: Lívia Santos Simões

“Fui ver pretos na cidade / que quisessem se alugar. / falei com esta humildade / - Negros, querem trabalhar? / Olharam-me de soslaio, / E um deles, feio, cambaio, / respondeu-me

arfando o peito: / - Negros, não há mais não. / Nós tudo hoje é cidadão. / O branco que vá pro

eito”. ( O Monitor Campista, 28/03/1888)

RESUMO

A diversidade no Brasil é uma questão existente desde seu descobrimento. Naquela época, já habitavam no continente os povos indígenas, que pertenciam a um grupo com significados culturais próprios. A estes vieram-se juntar os colonizadores portugueses. Depois, foram os negros - trazidos da África, para trabalhar como escravos. No século XIX, vieram europeus e japoneses. O casamento entre tantas raças diferentes provocou a grande miscigenação da população atual (Silva, 2000). Mesmo assim, ainda hoje, essa não é uma questão bem resolvida. Desde o início, tal união se deu entre pessoas econômica e socialmente distintas: o colonizador e o colonizado; o escravista e o escravizado; os da corte e os da colônia. A “pacífica” convivência dessa mistura de raças carece de ajustes, quando se tratam dos direitos e oportunidades de uns e outros na Sociedade. Desse modo, o presente estudo objetivou analisar as relações formais e informais de trabalho, no que tange à racioetinia, procurando identificar: (1) até que ponto há fatores restritivos para a absorção da mão-de-obra negra nas organizações hoteleiras de Salvador-BA? (2) até que ponto a cor da pele se constitui um entrave ou um facilitador na concorrência (disputa) dos trabalhadores por uma ascensão profissional(promoção) nessas Organizações? Buscou-se também entender e discutir como os conceitos de diversidade e gestão da diversidade estão sendo utilizados por essas empresas, no que tange à diversidade racial. Os achados não nos permitem respostas prontas e acabadas, mas apontam para a necessidade de a Organização incorporar como uma das vertentes de sua responsabilidade social a melhoria da política de recursos humanos, objetivando oferecer mais oportunidades de trabalho ao afro-descendente. Alguns resultados, contudo, não deverão ser negligenciados, como por exemplos: a) na pesquisa, todos os ocupantes de funções gerenciais se definiram brancos. Quanto à supervisão, onde numericamente o número de respondentes que se disse negros é maior, o que se observou é que os negros supervisionam as atividades consideradas de “bastidores” para tornar a estada do hóspede agradável e segura no hotel (back of), enquanto que os brancos ocupam as tratam diretamente com os hóspedes (front of); b) a população negra analisada possui um menor nível educacional, quando comparada com a branca. Apesar de os dados não contemplarem o todo organizacional (foi entrevistado 29% da população), deve-se atentar mais para essa informação, pois apesar de não ter sido um censo, esses dados podem corresponder à realidade organizacional; c) o percentual de tempo que os negros da amostra levam para ser promovidos é maior do que o tempo dos brancos. Nos primeiros cinco anos de empresa, 44% de negros e 80% de brancos. Há muitas indagações, outros questionamentos que uma pesquisa dessa natureza não dará conta de responder, como por exemplos: Estaria havendo um “branqueamento” intencional da força de trabalho da empresa estudada? Ao se exigir “boa aparência”, como pré-requisito indispensável nos processos de recrutamento e seleção, não se estaria buscando uma forma de segregar o negro? As Organizações que quiserem ser vistas pelos seus públicos de interesse (stackholders) como socialmente responsáveis deverão atentar, também, para essa questão. Aumentaram o grau de consciência e o nível de cobrança da própria sociedade, exigindo que as empresas cumpram seu papel social e isso inclui um novo olhar para as chamadas minorias. A gestão da diversidade pelas organizações, no que tange à criação de oportunidades de emprego para afro-descendentes, portadores de necessidades especiais e outras minorias deve ser considerada um dos eixos da responsabilidade social corporativa. Ações como essas certamente contribuirão para que esses grupos possam usufruir, em sua plenitude, dos mesmos direitos, como qualquer outro cidadão. Palavras-chaves: Diversidade Cultural; Racioetinia; Recursos Humanos; Organizações; Conflitos; Stackholders; Responsabilidade Social.

SUMÁRIO

1.

INTRODUÇÃO 8

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 11

2.1 A TRAJETÓRIA DO NEGRO NA SOCIEDADE BRASILEIRA 11

2.2 O LEGADO - O MITO DA DEMOCRACIA RACIAL 20

2.3 DESIGUALDADES NO MERCADO DE TRABALHO 28

2.4 MODELOS DE GESTÃO DA DIVERSIDADE CULTURAL 31

2.3 AÇÃO AFIRMATIVA OU GESTAO DA DIVERSIDADE 35

2.4 A DIVERSIDADE CULTURAL NO BRASIL 39

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 41

3.1 MÉTODO 41

3.2 PLANO DE PESQUISA 41

3.3 AMOSTRA E UNIVERSO PESQUISADO 41

3.4 PERÍODO DE APLICAÇÃO DA PESQUISA 42

4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 43

4.1 PERFIL PESSOAL 43

4.1.1 Faixa Etária(Idade) 43

4.1.2 Cor da Pele 44

4.1.2 Escolaridade x Cor da Pele 45

4.1.3 Sexo x Cor da Pele 46

4.2 PERFIL FUNCIONAL 47

4.2.1 Função Exercida 47

4.2.2 Tempo de Empresa 48

4.3 POLITICAS DE RECURSOS HUMANOS 49

4.3.1 Ascensão Profissional(Promoção) 49

4.4 PERFIL FUNCIONAL X POLITÍCAS DE R. H 50

4.4.1 Ascensão Profissional (Tempo De Empresa X Cor Da Pele) 50

4.4.2 Recrutamento e Seleção 51

4.4.3 Gestão 52

4.4.4 Treinamentos e Desenvolvimento 53

5. CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES 54

REFERENCIAS 59

APÊNDICE 62

ANEXO

63

LISTA DE GRÁFICOS

fl.

Gráfico 1 Idade Negros x Brancos 43

Gráfico 2 Cor da Pele 44

Gráfico 3 Comparativo da Raça 44

Gráfico 4 Escolaridade 45

Gráfico 5 Sexo x Cor da Pele 46

Gráfico 6 Função x Cor da Pele 47

Gráfico 7 Tempo de Empresa x Cor da Pele 48

Gráfico 8 Promoção x Cor da Pele 49

Gráfico 9 Tempo de Empresa x Promoção x Cor da Pele 50

Gráfico 10 Recrutamento e seleção 51

Gráfico 11 Processo de Seleção 51

Gráfico 12 Gestão I 52

Gráfico 13 Gestão II 52

Gráfico 14 Realização de Treinamentos 53

Gráfico 15 Treinamento Colaboradores 53

LISTA DE TABELAS

fl.

Tabela 1 Resultado da Pesquisa de dados 28

Tabela 2 Faixa Etária(Idade) 43

Tabela 3 Auto-definição da Cor 44

Tabela 4 Escolaridade 45

Tabela 5 Sexo x Cor da Pele 46

Tabela 6 Função Exercida 47

Tabela 7 Tempo de Empresa x Cor da Pele 48

Tabela 8 Promoção dos Colaboradores x Cor da Pele 49

Tabela 9 Tempo para Promoção x Cor da Pele 50

Tabela 10 Recrutamento e Seleção 51

Tabela 11 Gestão da Empresa 52

Tabela 12 Treinamentos 53

8

1. INTRODUÇÃO A redemocratização no Brasil é ainda um processo recente e permeado por diversas

lacunas não resolvidas. Uma delas refere-se à permanência de condições intrínsecas, isto

é, características não mutáveis inerentes a um indivíduo, como cor e sexo, a influir na

definição das oportunidades de ingresso no mercado de trabalho, progressão na carreira,

acesso à educação, principalmente ao ensino superior, participação na vida política.

Dados sobre discriminação1 e desigualdades nessas diferentes áreas têm sido

sistematicamente divulgados nos últimos anos, por organismos nacionais(ETHOS, 2003)

e internacionais (INSPIR, 2004). A questão não é mais novidade. Contudo, no campo

prático, são várias as controvérsias acerca de quais seriam as melhores soluções, já que

essa situação tem-se mostrado inalterada por décadas.

A população negra se insere no mercado de trabalho urbano brasileiro de forma

claramente desvantajosa em relação à população não-negra. De acordo com dados

divulgados pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos

(DIEESE, 2004), há necessidade de maior engajamento dos afro-brasileiros ao mercado

de trabalho. As taxas de desemprego são mais elevadas para esta população, que está

ainda em maior proporção em ocupações mais vulneráveis, com rendimentos sempre

menores que os da população não-negra.

Com a perspectiva da inserção de uma parcela maior de negros no mercado de trabalho,

as Organizações do futuro, mais que as atuais, irão operar em um ambiente de negócios

incerto, complexo e altamente competitivo. Cada vez mais, trabalharão com equipes

heterogêneas em termos de raça2, etnia3, gênero e outros grupos culturalmente diversos.

1 “Discriminação racial significa qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseados em raça, cor, descendência ou origem nacional étnica, que tenha por objeto ou efeito anular ou restringir o reconhecimento, o gozo ou o exercício, em condições de igualdade, dos direitos humanos e liberdades fundamentais no domínio político, econômico, social e cultural ou em qualquer outro domínio da vida pública”(Munanga, 2004). 2 “Conjunto de indivíduos cujos caracteres somáticos, tais como a cor da pele, a conformação do crânio e do rosto, o tipo de cabelo, etc., são semelhantes e se transmitem por heriditariedade, emb ora se variem de individuo para individuo. O conjunto dos ascendentes e descendentes de uma família, uma tribo ou um povo, que se origina de um tronco comum”(Dicionário Aurélio). 3 “Grupo biológico e culturalmente homogêneo”(Dicionário Aurélio).

9

Este fato se constitui em desafios para as Empresas, na medida em que a absorção de

parte do contingente do chamado “exército de reserva” vem , de certa forma, decaindo.

Por outro lado, as lideranças ainda não estão preparadas para lidar com o diverso em seus

quadros. De outro modo, quando essa mão-de-obra é preterida, tão-somente pela cor da

pele, está-se perdendo a oportunidade de trabalhar com grupos heterogêneos, com visões

distintas de uma mesma situação – tornando as relações de trabalho mais enriquecedoras,

pelo olhar do próprio diverso. Contudo, não se pode esquecer que, não obstante os

inúmeros benefícios advindos de uma diversidade cultural na organização, ela poderá

trazer também uma série de conflitos intergrupais, que poderão, inclusive, neutralizar

algumas de suas vantagens – se o gestor não estiver preparado para administrar a

diversidade.

Estes desafios fazem da diversidade um tema complexo, ainda pouco tratado nas

literaturas brasileira e internacional. Compreender e dar respostas à questão da

diversidade cultural implica necessariamente abordá-la de forma interdisciplinar e

multidisciplinar, cujos conceitos centrais encontram-se na psicologia, na sociologia e na

antropologia. Em particular, a textura sociocultural da realidade brasileira é complexa e

multifacetada, influenciando as organizações e a forma como são geridas (Caldas e Wood

Jr, 1999).

A literatura no campo da diversidade é predominantemente americana e, em menor

escala, canadense. Em ambos os países a origem dos estudos de diversidade advêm de

ações compulsórias em face da necessidade de lidar com fortes questões raciais e

pressões crescentes de grupos étnicos e de minorias. Estes estudos criaram uma base do

que se convencionou chamar na literatura e nas empresas de Diversidade Cultural e

Gestão da Diversidade Cultural.

O caráter multifacetado do assunto vai além da necessidade de se praticar um

“antropofagismo” deste conceito nas organizações brasileiras. Segundo Caldas e Wood

Jr. (1999) isto equivaleria a dizer uma “adaptação criativa”. Na verdade, requer ir à

origem do que é compreendido por diversidade para o brasileiro. Antes, porém, convém

visitar a literatura clássica na área, analisando suas limitações e oportunidades para tratar

o tema diversidade de forma mais funcional para as empresas brasileiras.

10

O presente trabalho tem como objetivo analisar as relações formais e informais de

trabalho, no que tange à racioetinia, procurando, desta forma, identificar: (1) até que

ponto há fatores restritivos para a absorção da mão-de-obra negra nas organizações

hoteleiras de Salvador-BA; (2) até que ponto a cor da pele se constitui um entrave ou um

facilitador na concorrência (disputa) dos trabalhadores por uma ascensão

profissional(promoção) nessas Organizações; (3) discutir como o conceito de diversidade

e gestão da diversidade estão sendo utilizados por essas empresas, no que tange à

diversidade racial.

No primeiro momento, o estudo contou com um referencial teórico que permitiu ampliar

o conhecimento sobre essa temática e orientar a respeito de como as organizações estão

lidando com a diversidade do seu quadro funcional.

A segunda parte do trabalho compreende a metodologia adotada para levantar dados que

permitissem investigar a prática. A terceira, contém a análise e discussão dos resultados,

seguidas das conclusões e recomendações.

11

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 A TRAJETÓRIA DO NEGRO NA SOCIEDADE BRASILEIRA “O contraponto passado e presente é essencial, se trata de explicitar ou compreender a

realidade social”. (Ianni, 1990 apud Santos, 1996). Retroceder a alguns períodos da

história ajuda a relembrar o passado e compreender como ele pode interferir no presente.

A história da escravidão no Brasil foi desencadeada através da política expansionista-

mercantilista dos séculos XV a XVIII norteando os atos das principais nações européias.

Foi com essa política que se colonizou e povoou o Brasil. Colônia de exploração,

fundada no latifúndio, na grande propriedade agro-exportadora, a função precípua da

sociedade brasileira era propiciar benefícios à metrópole portuguesa, satisfazendo suas

necessidades, produzindo o que a corte não conseguia produzir. Assim, a sociedade

colonial brasileira foi constituída para fornecer açúcar – produto de luxo dos europeus -

tabaco e alguns outros gêneros. Mais tarde, ouro, diamante, algodão, constituíam-se

produtos de exportação para Portugal. O objetivo da colonização era obter a máxima

lucratividade para os empresários monopolistas metropolitanos.

No pacto colonial, a classe proprietária se ligava às classes que mais vantagens tiravam

da política monopolista mercantilista, cuja única forma eficaz de garantia do

funcionamento desse pacto era por meio do trabalho compulsório, que promovia a

acumulação de capitais, dado o custo mínimo de produção. Daí a necessidade da

escravidão nesse período mercantil do capitalismo4. A vastidão das terras desocupadas

inviabilizava a manutenção do trabalho assalariado, sem contar que havia sempre a

possibilidade de o trabalhador, com o passar do tempo, tornar-se proprietário da terra em

que trabalhava, vindo a praticar uma cultura de subsistência.

O surgimento de regimes servis, semi-servis ou escravocratas era duplamente lucrativo: a

circulação da mercadoria humana permitia a acumulação de lucros por parte da

4 Segundo estimativas de Afonso Taunay, durante os séculos XVI, XVII e XVIII entraram no Brasil respectivamente 100.000; 600.000 e 1.300.000 negros escravizados. (Alencar, 1985).

12

burguesia, traficante do negro, e da burguesia que utilizava sua força de trabalho na

produção. Trazido da África por volta de 1530 e aqui escravizado, o negro sustentou a

economia brasileira por mais de 350 anos. Seu trabalho escravo sustentava à classe

colonial dominante e, subsidiariamente, às classes metropolitanas envolvidas no pacto

colonial. A exploração da força de trabalho escrava possibilitava a renovação dos meios

de trabalho. A continuidade do tráfico era a principal fonte de reprodução da mão-de-

obra, cujo crescimento vegetativo era diminuto, dadas as condições subumanas a que

eram submetida. Permitia também a utilização de um pequeno número de trabalhadores

assalariados, livres, em tarefas mais especializados na produção do açúcar, vigilantes,

caixeiros.

....O negro se integra na sociedade colonial: são as peças de ébano que enriquecem os traficantes, são os fôlegos vivos que estendem os canaviais dos seus senhores, são os pretos de ganho dando renda aos que os alugam(Carneiro, 2003 in Alencar et. Al. 1985).

Durante os primórdios da colonização, a mão-de-obra nativa foi também predominante,

tendo o indígena muito contribuído na construção da colônia. Sua escravização,

entretanto, serviu como ponto de atrito entre os colonos e os jesuítas que defendiam a

proteção do índio. Mais tarde, com a introdução do trabalho escravo em todos os setores

da economia, passou-se a defender uma suposta superioridade do trabalho negro em

relação ao trabalho do índio, pois este, tinha uma certa indisposição (preguiça) para o

trabalho na lavoura (Valente, 1994).

Então, como forma de justificar a escravização dos negros africanos, fomentou-se a idéia

de que o negro teria sido arrancado de sua terra natal em seu próprio benefício para ser

integrado à civilização e abandonar os maus costumes e más qualidades. Assim, se

faziam necessários à carga de trabalho excessiva, os castigos corporais e a penitência

para seus pecados(Valente, 1994). Um alvará de 1741 determinava que os escravos

fugitivos seriam marcados com ferro quente com a letra "F" carimbada nas espáduas.

Alegavam, ainda, que os negros africanos já eram escravos em seus países de origem,

não tendo, portanto, sua condição natural alterada. Tal alegação fundamentava-se no fato

de que os conflitos e guerras entre as tribos africanas transformavam os vencidos em

prisioneiros de guerras, obrigados a trabalhar gratuitamente para os vencedores, sendo

que, muitas vezes, aqueles eram trocados por meio de resgate.

13

Os negros foram trazidos inicialmente do oeste do continente5 - Angola, Congo e

Moçambique - e posteriormente do leste - Nigéria, Daomé e Costa do Ouro. As

principais religiões eram os Bantus e os Sudaneses. Mas, suas diferenças não se

limitavam apenas aos deuses, incluíam também os dialetos, os costumes, os traços

culturais e até os traços físicos. Entretanto, mesmo os senhores e os traficantes que

conheciam as características de cada povo, passaram a tratar o negro como peças. Os

compradores, para dificultar a comunicação e prevenir a organização dos negros, tinham

o cuidado de não adquirir escravos de um mesmo grupo étnico. Com o mesmo propósito,

procuravam desfazer seus laços promovendo o desmembramento das famílias(Valente,

1994).

Para manter e legitimar a estrutura colonial escravista era necessário domar e subjugar os

escravos. Os colonizadores lançaram mão do castigo corporal, da violência sexual,

atribuindo aos escravos, qualidades negativas, para que esses introjetassem uma imagem

negativa de si mesmo e de sua raça. O trabalho escravo desenvolvia-se sob o chicote do

feitor. O castigo, as péssimas condições de higiene e de alimentação, reduziam a vida útil

do negro escravizado. Aqueles que realizavam as tarefas domésticas e trabalhavam na

casa grande recebiam um trato mais ameno. Já os trabalhadores na lavoura, recebiam um

tratamento cruel e violento, sendo alvos de todo o tipo de tortura. As reações contra a

violência dessa opressão eram severamente punidas: os rebeldes eram colocados no

tronco ou no viramundo (pequeno instrumento de ferro que prendia pés e mãos do

escravo) ou açoitados com o bacalhau (chicote de couro cru) tendo depois os seus

ferimentos salgados. Os casos considerados mais graves eram punidos com a castração, a

amputação de seios, a quebra de dentes – a martelo – e o emparedamento vivo. Aquele

que fugia desse inferno era considerado indigno da graça de Deus, pois, segundo o padre

Antonio Vieira, ser “rebelde e cativo” é estar “em pecado contínuo e atual...” (Carneiro,

2003 in Alencar et.al. 1985).

A exploração e a violência sexual faziam parte do cotidiano das escravas. Como

propriedades dos senhores, eram por eles submetidas a abuso sexual e depois acusadas de

“má índole”, por levar seus senhores à pratica de tais delitos. Das forçadas relações

5 Embora pertencentes a diferentes nações africanas, todos os negros chegavam ao Brasil como "negros da Guiné". Recebiam esse nome porque os traficantes de escravos chamavam de Gu iné a costa ocidental da África, de onde saíam os navios negreiros.

14

sexuais resultou o processo da miscigenação brasileira, com o nascimento de grande

contingente de mestiços (Valente, 1994).

Os escravos não acatavam passivamente o tratamento dispensado pelos senhores

proprietários. Muitos reagiam suicidando-se ou se deixando morrer de tristeza, evitando a

reprodução, assassinando feitores, capitães-do-mato, proprietários, fingindo aceitar a

situação para não morrer, ou por meio de seus cultos, como a macumba – um ritual de

liberdade e protesto usado para reagir à opressão do deus dos brancos. Rezar, batucar,

dançar e cantar eram meios de amenizar a deplorável condição, como também uma forma

de se organizar, manter viva sua cultura, reconstruir a sua história e não padecer de

banzo. Ao adotar o sincretismo religioso identificando seus orixás cultuados na África

com os santos da igreja católica, os negros possibilitaram que a religião fosse mantida

nas senzalas e sua história, suas identidades culturais e rituais fossem preservadas.

A resistência dos negros também se dava por meio de fugas das fazendas, revoltas e

rebeliões para formar, em locais de difícil acesso, aldeamentos denominados de

quilombos. Os quilombos existiram em várias partes do território como, Rio de Janeiro,

Minas Gerais, Mato Grosso, Bahia e Pernambuco. Estes aldeamentos eram organizados

para garantir a sobrevivência dos escravos e sua defesa contra os ataques dos capitães-do-

mato. Nesses Quilombos (angola janga ou pequena angola) procuravam reconstituir sua

vida africana, embora seus habitantes tivessem procedência de áreas culturais diversas,

com características e rituais próprios; alguns até aculturados (a incorporação à sua

cultura, de elementos culturais dos indígenas e dos brancos, desencadeou outras formas

de expressões culturais) No Quilombo Palmares (mais conhecido deles) não viveram

apenas negros escravizados, mas, também, brancos (provavelmente foragidos da justiça),

mulatos livres e índios. Palmares desenvolveu-se tanto que seus habitantes mantinham

um pequeno comércio com aldeias próximas ligadas à colônia portuguesa. Porém, os

quilombos representavam uma ameaça para a ordem colonial escravista. Eram

considerados um apelo à rebelião, à fuga, à luta pela liberdade. O quilombo de Palmares

sofreu vários ataques de expedições organizadas com o fim de destruí-lo. Resistiu a cem

anos de guerras, até ser totalmente arrasado e seus moradores massacrados em 1695

(Carneiro, 2003 in Alencar et.al. 1985).

15

No século XIX o mundo vivia grandes transformações decorrentes da ideologia

revolucionário-burguesa. O “capitalismo6 comercial”7 foi substituído pelo “capitalismo

industrial”8. As novas técnicas e os novos métodos de acumulação de capital requeriam

mercados consumidores, cada vez maiores. A Inglaterra, em 1807, extinguiu o tráfico de

escravos em suas colônias nas Antilhas, abolindo, em 1833, a escravidão em suas

possessões. Capitalista industrial, aquele País não desejava o tráfico de negros e a

escravidão como empecilhos à concretização dos seus interesses econômicos. Àquela

burguesia interessava a implantação de relações capitalistas de produção, em escala

mundial, que garantisse sua hegemonia.

A primeira metade do século XIX foi marcada pelas pressões inglesas contra o tráfico de

escravos. Pioneira na prática do tráfico e para fugir das pressões da Inglaterra, em 1810,

Portugal e Inglaterra firmaram o primeiro tratado restringindo os navios negreiros

portugueses fora das colônias de Portugal.

Ao adquirir sua autonomia, em 1822, a metade da população brasileira era escravizada. A

Independência do Brasil fortaleceu as pressões para extinção do tráfico, pois o Brasil

precisava ser reconhecido como nação independente por outros países, principalmente

pela Inglaterra. Na convenção de reconhecimento da Independência, ratificada em 1827,

D. Pedro I comprometeu-se a acabar com o tráfico em três anos, o que não aconteceu.

Cedendo aos interesses dos ingleses, a Regência Trina Permanente que governou a nação

durante a menoridade do príncipe, promulgou, em 1831, a lei que proibia a entrada de

escravos no País. A Lei promulgada não resultou no seu cumprimento: a lavoura cafeeira

no vale do Paraíba, à base do trabalho escravo, encontrava-se em franca expansão e não

podendo prescindir dessa força de trabalho (Carneiro, 2003 in Alencar et.al. 1985).

6 “Capitalismo é o termo designado pelos socialistas como o sistema econômico no qual os meios de produção pertencem, em sua maior parte, a particulares que os utilizam com fins lucrativos, pagando aos trabalhadores uma quantia inferior ao valor integral de seu trabalho” (Silva. Dicionário de Ciências Sociais, 1986, P. 146) O capitalismo, assentado sobre a base do trabalho escravo pode se desenvolver, funcionar e se expandir em sua fase mercantilista cuja característica era a produção de mercadorias nas colônias e sua comercialização entre as metrópoles européias” (Valente, 1994). 7 “No capitalismo comercial operadores em grande escala dominavam o processo de troca” (Silva. Dicionário de Ciências Sociais, 1986, p. 146). 8 “O capitalismo industrial iniciado com a Revolução Industrial é dominado por grandes proprietários de grandes fábricas, minas e outras empresas industriais” (Silva. Dicionário de Ciências Sociais, 1986, P. 146).

16

Durante o império, muitas outras revoltas, rebeliões e fugas de escravos se sucederam.

Após séculos de escravidão, os descendentes dos primeiros negros ainda não tinham uma

língua comum que lhes permitissem comunicar-se. Entretanto, o resultado de muitas lutas

de vitórias (e fracassos também) lhes conferiu um certo nível de organização: possuíam

um clube para reuniões, táticas esquematizadas de combates e até um fundo monetário.

A partir da segunda metade do século XIX, o protesto de alguns setores da classe

dominante veio juntar-se à luta dos negros. A idéia libertadora começou a ganhar força.

Escravos começaram a ser libertados por senhores, ou comprometidos com a causa

abolicionista, ou por impossibilidade de manter essa mão-de-obra já que as restrições ao

tráfico, bem como a decadência da economia açucareira ou, ainda, temendo perder essa

força de trabalho por causa das muitas rebeliões e fugas comuns à época. A sociedade

brasileira passava por mudanças fundamentais. As fazendas de café e outros produtos

modernizaram-se. As cidades cresceram e nelas foram instaladas as primeiras indústrias.

A situação interna favorecia o tráfico interprovincial (que no início era suficiente para a

lavoura cafeeira do Vale do Paraíba) das decadentes lavouras nordestinas de açúcar e

algodão, para as lavouras cafeeiras do sudeste em expansão, facilitando a venda dessa

mão-de-obra pelo seu dono.

Enquanto alguns membros da sociedade brasileira (políticos, intelectuais, profissionais

liberais, estudantes universitários e de classe média urbana - os abolicionistas) abraçaram

a causa da abolição motivados por sentimentos humanitários, preocupando-se com o

futuro que deveria ser propiciado aos libertos, outros segmentos – os emancipacionistas -

almejavam a abolição porque viam na escravatura um empecilho ao crescimento da

política imigrantista de europeus e, por conseguinte, ao progresso da nação.

As fazendas repletas de escravos, o endividamento de alguns fazendeiros com o comércio

negreiro, o isolamento político brasileiro no panorama internacional, diante da pressão

inglesa, o temor gerado pelas repetidas rebeliões de escravos africanos, como a dos

Malés (na Bahia), em 1835, tornaram iminente a decisão política de pôr um fim ao

comércio ilegal de escravos, finalmente tomada em 1850 (Mattos, 2005).

Segundo Carneiro (2003), o fim do tráfico, em 1850 (Lei Euzébio de Queiroz), aliado à

curta vida útil do escravo (15 anos em média), ao grande índice de mortalidade infantil e

seu recrutamento para lutar na guerra do Paraguai (1865-70) levou à escassez de mão-de-

17

obra para trabalhar na lavoura cafeeira, favorecendo a adoção da política imigrantista.

Por outro lado, os capitais, que até então eram investidos na atividade de tráfico, foram

direcionados para outras atividades urbanas e de melhoramento técnico na lavoura

cafeeira. Com o início da substituição do trabalho escravo pelo trabalho assalariado,

começou o declínio da relação escravista de produção. Desse modo, a mesma classe

dominante, que criou a escravidão, foi gradativamente extinguindo-a, de acordo com seus

interesses econômicos.

Antes da abolição da escravatura (Lei Áurea, em 1888), outras leis com finalidades

protelatórias ainda foram editadas. Em 1866, o império determinou a alforria para os

negros que serviam ao exército. Em 1869, foram proibidas as vendas de escravos através

de pregão e expostos publicamente, bem como a venda de casais e de pais e filhos

separados. Já a Lei do Ventre Livre, sancionada em 1870, concedia a liberdade a todo

filho de escravo nascido a partir daquela data: o proprietário do escravo criaria o filho

deste, até os oito anos, quando, então, o entregaria ao Estado mediante uma indenização.

O “dono” do escravo também poderia manter aquele filho até os 21 anos, usando a sua

força de trabalho para cobrir os respectivos custos, quando seria emancipado. A lei

determinava, ainda, a criação de um fundo para tal fim, embora não houvesse muitas

libertações por intermédio dessa lei. A Lei dos Sexagenários (de Saraiva-Cotegipe,

1885) concedia a liberdade do escravo que completasse 60 anos, a partir daquela data,

sem qualquer indenização para o ex-escravo que, àquela altura, se encontrava no limite

(ou além) de seu vigor físico. Em 1886, o governo proibiu o açoite e os castigos aos

negros escravizados(Carneiro, 2003 in Alencar et.al 1985.). O certo, porém, é que

quando a lei áurea foi assinada, 95% dos descendentes de africanos já eram livres.

Alguns faziam parte da elite intelectual e das lutas abolicionistas, e muitos fugiam, na

maior ação de desobediência civil do País (Mattos, 2005).

No final do segundo reinado do império, quando as forças sociais em que estava

assentado o sistema de dominação se deslocaram da velha oligarquia9 rural para a

burguesia agrária cafeeira, tornou-se possível, e inevitável, a abolição da escravatura

9 A oligarquia, ao contrário do que o sentido literal da palavra insinua, não é propriamente o regime político em que a soberania pertence a poucos, mas sim aquele em que os titulares do poder supremo formam a classe rica. O termo oligarquia tem conotações pejorativas, não significando somente governo de um só, mas que esse grupo restrito é alvo de desaprovação geral e considerado irresponsável e corrupto. Para Platão oligarquia correspondia à corrupção da aristocracia. (Silva. Dicionário de Ciências Sociais, 1986, p. 833).

18

(somente 0,9% dos libertos de 1888 eram alfabetizados), dando-se gradativamente a

substituição da mão-de-obra escrava pela do imigrante tecnicamente mais qualificada,

(quanto à técnicas de produção agrícolas, escolarização e consciência política, atributos

negados aos negros); a fim de promover a integração do imigrante na sociedade brasileira

foi lhe concedido, pequenas faixas de terra para a prática da cultura agrícola de

subsistência – medida não extensiva aos libertos. Devido também a restrições de cunho

racial por parte de alguns segmentos da classe dominante, foi editado em 1890 um

decreto sobre a imigração que vetava o ingresso no país de africanos e asiáticos

(Carneiro, 2003 in Alencar et.al.1985).

O abolicionismo deu aos escravos uma liberdade mais teórica do que real. Retirou-os das

senzalas, em troca de ilusórias cartas de alforria. Jogados no mundo dos brancos sem

indenização e sem qualquer tipo de assistência, nada mais possuíam, a não ser o direito

de perambular pelas fazendas e cidades à procura de emprego. O que fazer então, sem

teto, sem proteção, sem dinheiro, sem emprego, sem profissão, sem nada? As terras

agrícolas de fácil acesso tinham sido apropriadas e nas áreas urbanas, o excedente

populacional causava um sério problema social. A Lei nº 601/1850 (chamada Lei de

Terras) impedia o acesso às terras devolutas, a não ser através da compra. Tal lei foi

editada por pressão da burguesia, quando da extinção do tráfico, temerosa que, uma vez

libertos, os escravos viessem a trabalhar para si mesmos apropriando-se da ampla faixa

de terras livres que o País possuía, conduzindo a uma escassez de mão-de-obra.

(Carneiro, 2003 in Alencar et.al. 1985) Abandonados à própria sorte, os alforriados,

enquanto força de trabalho, eram trocados pelos imigrantes mais qualificados

profissionalmente. Se voltavam a trabalhar nas fazendas onde por vários anos utilizaram

sua força física, o salário recebido era inferior ao dos outros trabalhadores, justificativa

que não reuniam condições (qualificações) para aprender novas formas de trabalho. A

suposta inferioridade racial aliada a maus costumes, primitivismo cultural, más

qualidades, paganismo, tudo isso era usado para desacreditar o negro e descartá-lo como

força de trabalho. Tais mecanismos serviam também para assegurar algumas posições já

amealhadas pelos brancos, preservando seus privilégios. Todos esses fatores contribuíam

para que os libertos não fossem incorporados ao mercado de trabalho ou então para que

se contentassem com as atividades mais pesadas, mais humilhantes e de menor

representatividade. A escravidão não só tirou do negro a liberdade, como também seu

orgulho, sua estima e, sobretudo, sua identidade (Valente, 1994). Em 24 de abril de 1889,

em artigo para o Diário de Notícias, Rui Barbosa escrevera:

19

... Declarar abolida a escravidão é dar apenas meia liberdade aos escravos. A parte mais difícil e mais importante da eliminação do jugo servil consiste na redenção intelectual do liberto, na sua educação para o regime da vida civil pela escola e pelo trabalho. Instruir essa numerosa classe de cidadãos, e aparelhá-los para o trabalho inteligente são duas grandes necessidades, que o estado não deve confiar exclusivamente à discrição das províncias. Há nessa aspiração elevadas conveniências nacionais, férteis em excelentes resultados. (grifo nosso). (Magalhães 1965, Apud Barbosa, 2001).

Desse modo Rui sugeriu que os cinco por cento adicionais incidentes sobre os impostos

decorrentes do sistema escravocrata, que eram destinados ao fundo de emancipação,

fossem utilizados “a benefício dos libertos como base para a organização de um

sistema que lhes proporcione a conquista da liberdade” (grifo nosso). Meses depois, o

mesmo Rui Barbosa, então nomeado Ministro da Fazenda, simplesmente revogou a

cobrança dos cinco por cento adicionais. Desta forma, sua atitude dissociada de seu

discurso deixou morrer no nascedouro a primeira oportunidade de promover a inserção

do liberto na sociedade brasileira.

Desestruturados e descartados pela sociedade brasileira, os negros livres passaram a

sofrer na carne o preconceito semeado por versões distorcidas do seu caráter, tiradas ao

longo de séculos de escravismo10. Segundo Arbex e Senize, 1998 se o sistema escravista

desapareceu no papel, ele ainda sobrevive como mentalidade e costume, não só pela

cultura dominante, mas, até pelos próprios negros. Ao invés de serem valorizados pela

contribuição, de modo determinante, para a formação de uma Nação, os negros são

discriminados e “aceitam” isto, muitas vezes, por não conseguirem impor-se ou por não

acreditarem na necessidade (ou na eficácia) da resistência formal (Amaral, 2001).

10 Escravismo: o mesmo que regime escravocrata; escravidão, servidão; exploração; grau de dominação/subordinação entre pessoas, numa relação de senhor e servo.

20

2.2 O LEGADO - O MITO11 DA DEMOCRACIA RACIAL No Brasil a tolerância racial desenvolvida pela sociedade foi confundida com

democracia, segundo a qual, inexistem diferenças entre os grupamentos humanos,

negando a existência de um conflito racial latente que inibe a maioria de negros e

mulatos de se identificarem como tais e se juntarem a outros na luta por justiça social.

Nos meados do Século XIX teóricos europeus que estiveram no Brasil realizaram

análises acerca da realidade brasileira, reforçando a ideologia racista acerca do negro,

tida como raça inferior; determinava que a mestiçagem levaria o país a produzir

elementos degenerados, os quais poderiam levar o Brasil à barbárie (Valente, 1994).

No período da I República, sociedade ainda oligárquica e autoritária, o pessimismo

quanto ao futuro da Nação ante a frustração dos ideais republicanos fazia proliferar a

propaganda do racismo científico, com os discursos e estudos acerca da suposta

inferioridade da raça negra. Ao discurso12 científico, amparado pelas teorias de

evolucionistas europeus, incorporou-se o de intelectuais brasileiros da época. Estes,

influenciados também por idéias racistas e colonialistas passaram a considerar os

sertanejos de canudos “fanáticos” e “degenerados”. Segundo eles, o fanatismo resultava

de fatores biológicos (“atavismos étnicos”), psicológicos (“psicoses progressivas”,

delírios) e climáticos (Carneiro, 2003 in Alencar et.al. 1985).

O médico baiano Nina Rodrigues, professor da Universidade Federal da Bahia,

considerado como o fundador da antropologia científica no Brasil, sustentava a noção de

que “a criminalidade do mestiço brasileiro estaria ligada às más condições antropológicas

da mestiçagem no Brasil (Silva, 1986). A combinação dos fatores biológicos,

psicológicos e climáticos formava o que, no final do século, designou como trilogia

nociva da nacionalidade brasileira: o clima “inóspito ao branco”, o negro que “não se

11 Dentre os vários significados constantes do dicionário Aurélio (1986), mito é a exposição de uma doutrina ou de uma idéia sob a forma imaginativa, em que a fantasia sugere e simboliza a verdade que deve ser transmitida. 12 Com o discurso do racismo científico, o processo de desumanização começado a partir do tráfico de negros, se acelerou ainda mais. "A tese de raça abstrai as diferenças culturais e busca denominadores comuns. Os traços culturais são deixados de lado e o que pesa é apenas o fundamento biológico". Com a tese do racismo científico, todos os negros passam também a ser vistos como iguais. “E passa, então, a existir a idéia de que existe uma África só." (Zamparoni, 2003).

21

civiliza” e o português “rotineiro e improgressista” (Carneiro, 2003 in Alencar et. al.

1985).

... A raça negra no Brasil, por maiores que tenham sido os seus incontáveis serviços à nossa civilização, por mais justificadas que sejam as simpatias de que a cercou o revoltante abuso da escravidão, por maiores que se revelem os generosos exageros dos seus turiferários, há de constituir sempre um dos fatores da nossa inferioridade como povo(Nina Rodrigues, 1900 apud Valente, 1994).

Fundadas nas teses desse cientista, inúmeras opiniões sobre as causas do cangacismo e

do misticismo sertanejo foram formuladas sem que, para tanto, fossem consideradas as

deficiências - de comunicações, de transportes, de instruções e condição de vida desses

grupos, originários, em sua maioria, de populações rurais13, em conseqüência de uma

estrutura sócio-econômica desfavorável.

Em 1902, o escritor Euclides da Cunha denunciava os malefícios da nova república e o

esmagamento das populações rurais, através de sua obra - Os Sertões. Entretanto,

enquanto qualificava o sertanejo (mestiço) como um forte, também o adjetivava como

desequilibrado e incapaz de viver na civilização. Com isso, prestou uma grande

contribuição na difusão da ideologia racista e um desserviço ao negro, Ao analisar o

movimento de Canudos à luz das teses de Nina Rodrigues, Euclides da Cunha

transformou os fatores raciais e a influência do meio físico dos sertões, como

determinantes daquele episódio, atribuindo ao fator racial, “atavismos étnicos”,

designando como estigma degenerativo de três raças. Assim escreveu Euclides, em os

Sertões:

... Adstrita às influências que mutuam em graus variáveis, três elementos étnicos, a gênese das raças mestiças do Brasil é um problema que por muito tempo ainda desafiará o esforço dos melhores espíritos. (...) No considerar, porém, todas as alternativas e todas as fases intermediárias desse entrelaçamento de tipos antropológicos de graus díspares nos atributos físicos e psíquicos, sob os influxos de um meio variável, capaz de diversos climas, tendo discordantes aspectos e opostas condições de vida, pode-se afirmar que pouco nos temos avantajado. (...) O brasileiro, tipo abstrato que se procura, (...) só pode surgir de um entrelaçamento consideravelmente complexo. Teoricamente ele seria o pardo, para que convergem os cruzamentos sucessivos do mulato, do cariboca e do cafuz. (...) A mistura das raças mui diversas é, na maioria dos casos, prejudicial. Ante as conclusões do evolucionismo, ainda quando reaja sobre o produto o influxo de uma raça superior, despontam vivíssimos estigmas da inferior. A mestiçagem extremada é um retrocesso. O indo-europeu, o negro e o brasílio-guarani ou o tapuia, exprimem estádios evolutivos que se fronteiam, e o cruzamento, sobre obliterar as qualidades preeminentes do primeiro, é um estimulante à revivescência dos atributos primitivos dos últimos. De sorte que

13 “Na época essa população representava mais de dois terços da população brasileira” (Valente, 1994).

22

o mestiço – traço de união entre as raças, breve existência individual em que se comprimem esforços seculares – é quase sempre, um desequilibrado (...) Mas o desequilíbrio nervoso, em tal caso é incurável: não há terapêutica para este embater de tendências antagonistas, de raças repentinamente aproximadas, fundidas num organismo isolado. (...) E o mestiço – mulato, mameluco ou cafuz – menos que um intermediário, é um decaído, sem a energia física dos ascendentes selvagens, sem a altitude intelectual dos ancestrais superiores (...) ele revela casos de hibridez, moral extraordinários: espíritos fulgurantes, às vezes, mais frágeis, irrequietos, inconstantes, deslumbrando um momento e extinguindo-se prestes, feridos pela fatalidade das leis biológicas, chumbados ao plano inferior da raça menos favorecida. (...) todo esse vigor mental repousa (...) sobre uma moralidade rudimentar, em que se pressente o automatismo impulsivo das raças inferiores. É que nessa concorrência admirável dos povos, evolvendo todos em lutas sem tréguas, na qual a seleção capitaliza atributos que a hereditariedade conserva, o mestiço é um intruso. Não lutou: não é uma integração de esforços; é alguma coisa de dispersivo e dissolvente; surge, de repente, sem caracteres próprios, oscilando entre influxos opostos de legados discordes. (...) O mulato despreza então, irresistivelmente, o negro e procura com uma tenacidade ansiosíssima cruzamentos que apaguem na sua prole o estigma da fronte escurecida. (...) A raça superior torna-se o objetivo remoto para onde tendem os mestiços deprimidos e estes, procurando-a, obedecem ao próprio instinto da conservação e da defesa (Cunha, 1979).

De acordo com Valente (1994 apud Cunha, 1979) entretanto, a esperança para a “Jovem

República Brasileira” surgiu com o “ branqueamento”, que à época denominou-se de

“Teoria do Branqueamento”. Fundamentada na ideologia do racismo científico, essa

teoria admitia que o Brasil poderia vir a tornar-se um País branco, pelo processo de

seleção natural e social. Seriam determinantes para o branqueamento a imigração, a

mestiçagem e os altos índices de mortalidade de negros e mestiços. Esses três fatores

conjugados, conduzidos pelo fenômeno da miscigenação, poderiam produzir uma

população cada vez mais branca “física e culturalmente superior”, vindo a tornar-se uma

nação progressista e civilizada.

...Alguns (...) decretando preparatoriamente a extinção quase completa do silvícola e a influência decrescente do africano depois da extinção do tráfico, prevêem a vitória final do branco, mais numeroso e mais forte, como termo geral de uma série para a qual tendem o mulato, forma cada vez mais diluída do negro, e o caboclo, em que as apagam, mais depressa ainda, os traços do aborígine (Cunha, 1979).

A partir das décadas de 20 e 30 a visão distorcida acerca da raça negra passou então a ser

duramente criticada, fundando-se principalmente em estudos científicos de antropologia

cultural norte-americana. Pesquisadores, como Arthur Ramos, discípulo de Nina

Rodrigues, passou a dar atenção e a investigar a contribuição da raça negra para a

formação da cultura e nacionalidade brasileiras. De igual modo, Gilberto Freyre, através

de sua obra, também se ocupou da análise da formação multirracial da sociedade

brasileira, pela contribuição de negros, índios e brancos. Com esse autor, ao tempo em

23

que se propagou a idéia da amenidade racial, reforçou-se a do branqueamento, embasada

na teoria evolucionista de hierarquização das raças (Valente, 1994).

Contra a permanência desse modelo de relações sociais, constituído na tradição patriarcal

branca da sociedade brasileira, começou, a partir de então, a germinar uma nova

ideologia na sociedade: a de que negros e brancos no Brasil convivem pacificamente,

predominando entre eles a democracia racial. Essa democracia racial referendava o ideal

político e social nutrido no governo Vargas (quando do golpe que o empoderou) por

trazer no bojo de seu projeto social a construção da identidade nacional com seus

simbolismos e significados.

No período da Segunda Guerra Mundial (com holocausto dos judeus de caráter racista), a

questão racial no Brasil sofreu uma mudança de enfoque. O nazismo nutria um forte

ingrediente classista, embora tenha enfatizado o elemento racial. As dificuldades

econômicas pelas quais passava a Alemanha – desemprego, inflação e empobrecimento

crescente da população - passaram a ser atribuídas aos judeus e outros grupos dissidentes

do sistema monopolista do capital. Características como religião e cor não estavam

inseridas no padrão da ideologia da supremacia da raça ariana - a pureza da raça

(Valente, 1994). O fim da Segunda Guerra Mundial, com a vitória dos países aliados

sobre o nazi-fascismo, concomitante à redemocratização do País em 1945, balizou o

desenvolvimento de ações nas áreas educacional e cultural, a exemplo do Teatro

Experimental do Negro, no Rio de Janeiro fundado em 1944 por Abdias Nascimento.

Uma das propostas desse teatro era despertar o sentimento de orgulho do negro e

prepará-lo para enfrentar o preconceito racial. A partir daí os estudos, preocupações e

reflexões acerca do problema racial brasileiro focavam também a questão social. Diante

do grande crescimento populacional, verificado a partir da década de 50, foi sobreposto à

história de negros e índios do Brasil o fenômeno da exclusão sócio-econômica.

Atualmente, 40,4% de pardos (mestiços ou mulatos) e 6,2% de negros, compõem os

46,6% da população considerada negra, de acordo com Pesquisa Nacional por Amostra

de Domicílios (PED), realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos

Sócio-Econômicos (DIEESE, 2004). Em 1800, somente 23% da população eram brancos;

47% eram negros e 30% mulatos. Fatores como a extinção do tráfico de escravos em

1850, o elevado índice de mortalidade da população negra, o estímulo à política de

imigração européia, com a expansão cafeeira, bem como a intensa miscigenação entre

24

brancos e negros, alteraram significativamente a composição étnica da população

brasileira.

Tendo emergido como uma sociedade escravocrata, o Brasil por meio de suas políticas

sócio-econômicas e de seus simbolismos ainda manifesta grandes semelhanças com a

sociedade de quatros séculos atrás. Atualmente, um contingente populacional de 46,6%

de negro (quase metade da população brasileira) refém de uma ideologia – a democracia

racial - ainda é vulnerável à ditadura dos valores brancos e indefesa quanto à violação de

seus direitos sócio-culturais e econômicos (direito à educação, à saúde, à qualificação

profissional, à inserção no mercado de trabalho em igualdade de condições com o branco,

à ascensão na pirâmide social, à moradia digna, à valorização de seus legados cultural e

histórico, dentre outros). Tal violação, até aqui, tem sido aceita com certa indiferença por

toda a sociedade. Acostumados, desde o período da abolição, a serem preteridos nas

profissões mais nobres e mais rendosas, os negros, forçosamente, foram-se acostumando

e acomodando com essa situação - que lhes condenam a permanecer na base da pirâmide

social. Não é que tenham desistido de lutar para que os direitos fundamentais sejam

assegurados, como a qualquer outro cidadão, que sejam reconhecidos como

determinantes na formação do povo brasileiro, que tenham respeitadas as suas diferenças

raciais, culturais e religiosas e, sobretudo, para que lhes seja feita justiça.

A luta dos negros foi iniciada desde o momento do seu aprisionamento na África, em que

muitos deles preferiam morrer lutando a embarcar nos navios negreiros, onde a maioria

era colocada à força nos porões dos tumbeiros. Desembarcados no Brasil, vendidos como

mercadorias e sua mão-de-obra utilizada para proporcionar a “mais valia” dos

mercantilistas europeus, continuaram resistindo, não só à dominação, como também à

violência e à exploração. Muitos anos antes da abolição da escravidão, no ano de 1833,

Paula Brito, de origem humilde, filho de um carpinteiro, mestiço, alfabetizado por sua

irmã, funda o Jornal O Homem de Cor, o primeiro jornal brasileiro a lutar pelos direitos

do negro. Paula Brito é considerado "o iniciador do movimento editorial no Brasil" e o

precursor da "Imprensa Negra" (Lima, 1999).

Mesmo lançados à deriva no mundo dos brancos após o cativeiro, os negros não

abdicaram de sua resistência, começando uma nova batalha pela sua integração na

sociedade brasileira. A revolta da esquadra liderada pelo Almirante negro João Cândido,

em 1910, foi um fato merecedor de destaque nessa nova luta contra a opressão da classe

25

dominante. Conhecida como a Revolta das Chibatas, foi uma reação contra os castigos

físicos (prática usual na época) aplicados aos marinheiros recrutados à força,

preferencialmente, dentre a população negra, e mais pobre.

À proporção que eram barrados nas organizações sociais “brancas”, os negros

procuravam se organizar, por meio de associações, a fim de combater o preconceito e a

discriminação raciais. Em 1914 foi criada em Campinas (SP) a primeira organização

sindical de negros, com uma expressiva participação de mulheres. Na capital paulista, em

1916, foi fundado O Manelick, primeiro jornal de negros daquela metrópole, sendo

também criado um ano mais tarde, o Centro Cívico Palmares e, em 1929, na cidade do

Rio de Janeiro, fundado O jornal Quilombo (Munanga, 1996).

A Frente Negra Brasileira (FNB) foi um movimento fundado em São Paulo, em 1931,

chegando a reunir mais de cem mil participantes de diversos Estados do País; tinha como

proposta integrar o negro à estrutura de classes. Para tanto, estimulava o trabalho, o

estudo, a poupança para a compra da casa própria visando à sua ascensão social e sua

aceitação na sociedade. Para melhor divulgar suas idéias, a FNB criou o jornal A Voz da

Raça. Em 1936 a FNB foi transformada em Partido Político – O Partido da Frente Negra

Brasileira. No ano de 1937, com a instalação do Estado Novo, a FNB foi colocada na

ilegalidade. Também em 1931 é formado em São Paulo, o Clube do Negro de Cultura

Social. Seus dirigentes já editavam o jornal O Clarim da Alvorada, considerado um dos

mais importantes na história do periodismo racial. Por seu intermédio, as reivindicações

dos negros ganharam mais força e expressão, tornando-se mais combativas, assumindo

um cunho político-ideológico (Munanga, 1996).

A partir dali uma variedade de movimentos com objetivos e propostas semelhantes se

sucederam. Em 1950 no Rio de Janeiro foi aprovada a Lei Afonso Arinos, que condenava

como contravenção penal à discriminação de raça, cor e religião. Também foi criado o

conselho nacional de mulheres negras e fundada em São Paulo, em 1954, a Associação

Cultural do Negro. Em 1969, o governo do general Emílio Garrastazu Médici proibiu a

publicação de notícias sobre movimentos negros e discriminação racial. Em 1976 o

governo da Bahia revogou a exigência de registro policial para os templos de ritos afro-

brasileiros (Munanga, 1996).

26

Em 1978, na cidade de São Paulo, foi criado O Movimento Negro Unificado (MNU) cuja

motivação foi responder a atos discriminatórios sofridos por jovens atletas negros no

Clube Regatas Tietê (SP), como a tortura e morte do trabalhador negro Robson Silveira

da Luz, no 44º Distrito Policial, naquela cidade, em 1977. Os integrantes desse

movimento tinham como objetivos não só lutar contra o preconceito e a discriminação

raciais como também unificar os diversos grupos existentes. Na assembléia nacional do

MNU foi aprovada a comemoração do Dia Nacional de Consciência Negra, em 20 de

novembro, em celebração à memória do herói negro Zumbi dos Palmares. (Munanga,

1996).

Devido à pressão de sociólogos, pesquisadores e segmentos da sociedade, em 1979 a

questão COR foi incluída no recenseamento do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatísticas (IBGE). Na Bahia, em 1982, foi tombado o primeiro terreiro de candomblé

do Brasil - o terreiro da Casa Branca ile axê, ia nasso oka Bahia. Em 1986 deu-se o

tombamento da serra da barriga - local onde se desenvolveu o quilombo dos palmares

(Munanga, 1996).

À luta dos grupos e movimentos negros organizados em prol da questão racial, somaram-

se os sérios problemas de organização que os negros enfrentaram, e ainda enfrentam,

dada à maneira própria de cada grupo de encarar a questão racial: cada um com seus

próprios meios, cada um se dedicando a determinados aspectos e elementos da questão.

Como as discussões acerca de raça, cor e classe social requerem conhecimentos teóricos

específicos e disponibilidade de tempo para a militância, esses debates demandam tempo,

paciência e persistência, mas, pouco a pouco, estão levando a população a tomar

consciência de que o problema racial, a despeito do mito de democracia racial, existe, é

sério e precisa ser assimilado e combatido não só pelos negros, mas por toda sociedade

(Valente, 1994).

Em que pese todo esse trajeto de lutas para se integrar econômica, social e politicamente

na sociedade brasileira, as conquistas ainda são tímidas, principalmente no terreno sócio-

econômico. Decorrido mais de um século de sua libertação, o negro ainda não conseguiu

ultrapassar a barreira da exclusão social. Ao preconceito racial agregou-se o de classe,

graças ao perverso sistema de distribuição de renda, que propicia sua concentração em

mãos de uns poucos. O sistema educacional brasileiro, péssimo exemplo de distribuição

27

de recursos do País, fomenta a seletividade no ensino, através do sistema dual de

educação. Não fosse o sistema educacional brasileiro tão seletivo e não estariam os

negros hoje (com poucas exceções), na mesma posição que o tempo insiste em lhes

reservar – a base da pirâmide social. É pela educação que se tem conseguido até hoje,

implementar, alimentar, manter e reproduzir tal mecanismo de exclusão. Diferentemente

do castigo corporal, que mantinha os negros subjugados pelo medo, o subjugo hoje é

mantido pela ignorância. “Até hoje os currículos escolares ainda não incluem estudos

sobre a África e sobre os africanos que vieram para o Brasil. O Brasil não vai se conhecer

enquanto não estudar as culturas africanas e não as tratar com respeito" (Zamparoni,

2003).

Quando da coleta de dados no Relatório do Ministério da Justiça pelo Comitê Nacional

para a participação brasileira na III Conferência Mundial das Nações Unidas em Durban,

2001, os alarmantes números apresentados nos estudos do IPEA, IBGE, MEC,

Universidades e ONU, bem como as recomendações que se seguiram às conclusões finais

daquele encontro, pediam aos países signatários a adoção de medidas apropriadas que

pudessem assegurar às pessoas pertencentes a minorias nacionais, étnicas, religiosas e

lingüísticas o acesso à educação, sem discriminação de qualquer tipo. A partir de então

começou a ganhar forma consensual em prol de ações afirmativas para corrigir as

desigualdades, referendando o desencadeamento dessas ações no País, (Carvalho, Segato,

2002).

Uma dessas ações é a reserva de 20% das vagas em universidades públicas para negros,

gerando muita polêmica e controvérsia, ao ser difundida como meio eficaz de combate à

segregação racial e da imobilidade social.

As opiniões e pontos de vistas de defensores e de opositores, estão trazendo para o centro

dos debates a questão do negro no Brasil ajudando, com isso, a descortinar o mito da

democracia racial. É importante lembrar que a primeira tentativa (frustrada) de inclusão

social de negros foi o Projeto de Lei 1332/83, apresentado pelo deputado do PDT-RJ

Abdias do Nascimento, prevendo a destinação de vagas para negros, no mercado de

trabalho. Tal proposta sequer foi apreciada pela Câmara dos Deputados, naquela ocasião.

28

2.3 DESIGUALDADES NO MERCADO DE TRABALHO A democracia racial veiculada na sociedade de que os afro-descendentes14 e não afro-

descendentes possuem igualdades de oportunidades no mercado de trabalho de Salvador

não se evidencia, quando comparamos os dados divulgados sobre a realidade de ambos.

Pesquisa realizada com as 500 maiores empresas brasileiras, algumas instaladas na Bahia

(ETHOS, 2003), demonstrou que ainda é grande o hiato que separa negros e brancos

(Tabela 1).

Tabela 1 - Resultado da Pesquisa de dados (%)

Funções Negros Brancos Indígenas

Gerência 8,8 91,1 0,1 Supervisão 13,5 86,4 0,1

Funcional 76,4 23,4 0,2 Fonte: Instituto ETHOS

Segundo Castro (1998), nas décadas de 70 e 80, o racismo no Brasil começou a ser

entendido através de outra variável, que tem favorecido os brancos. No mercado de

trabalho, os negros estão sendo “desqualificados” para justificar a não contratação pelas

empresas. Então, os afro-descendentes são preteridos com a desculpa de que possuem um

menor nível educacional, garantindo, assim, a perpetuação de um sistema onde não existe

democracia racial.

...Preconceito15 e discriminação teriam adquiridos novos significados e funções na estrutura social que emergiria ,após a abolição. Racismo e discriminação relacionavam-se com os benefícios simbólicos e materiais obtidos pelos brancos sustentados na desqualificação dos seus competidores não afro-descendentes(Castro. 1988)

Embora a segregação racial esteja presente de várias formas na sociedade brasileira, é no

mercado de trabalho que se expressa, com clareza, a eficiência dos mecanismos

discriminatórios. Fatores aparentemente objetivos se tornam, nesse mercado, requisitos

que hierarquizam as diferenças naturais entre trabalhadores e, no caso do Brasil, colocam

os afro-descendentes em desvantagem em relação ao não afro-descendentes.

14 “Afro-descendente: negro; negro brasileiro; mulato; afro-brasileiro” (Dicionário Aurélio). 15 “Preconceito Racial significa suspeita, intolerância, crendice, ódio irracional, ou aversão a outras raças, credos, religiões, etc.: o preconceito racial é indigno do ser humano” (Munanga, 2004).

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Salvador, a maior cidade negra do País, em que a população é composta por 80% de afro-

descendentes (DIEESE, 2004), oriundos das mais diversas etnias, também ostenta

condições desiguais de oportunidades entre afro-descendentes e não afro-descendentes.

Segundo dados publicados pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos

Socioeconômicos(DIEESE, 2004) 43% dos afro-descendentes estão ocupando os espaços

considerados de menor representatividade(status quo, remuneração, cargos, funções, etc)

na pirâmide hierárquica das instituições, em Salvador, ou seja, o negro acaba ocupando

as funções que, na maioria dos casos, exigem menos qualificação profissional.

Os departamentos de Recursos Humanos dessas empresas acabam por evidenciar a

segregação racial, através de políticas de recrutamento, seleção e capacitação

profissional, as quais promovem o “embranquecimento” nesse segmento da atividade

econômica. Os donos do capital e os gestores preferem implantar suas estratégias

competitivas sem se preocupar com a diversidade cultural da comunidade em que estão

inseridos.

Desde Taylor, a Administração, como campo sistematizado de conhecimento, tem

buscado desenvolver formas que resultem em uma maior produtividade. A área de RH

tem passado por muitas modificações, ainda que uma boa parte delas não se traduza

realmente em algo mais profundo do que “cirurgias estéticas”. Sofisticaram-se o

vocabulário e os processos, porém, a rigor, as atividades básicas continuam as mesmas e

os desafios também: como fazer as organizações mais lucrativas e competitivas e como

fazer as pessoas produzirem mais.

Durante um certo período, imperou a busca de cientificismo aplicado aos processos

seletivos e de avaliação de desempenho. Neste momento, vivemos o império do “vale-

tudo”, que dá origem a uma infinidade de modismos, alguns deles desafiando os limites

da imaginação ou, simplesmente, atestando que as organizações não são exatamente o

reino de racionalidade a que se propõem.

Os dados da realidade nos leva a supor que as organizações definem políticas de recursos

humanos que podem variar desde a homogeneização de tratamento, com um mínimo de

ajuste às leis e costumes locais, até uma completa diferenciação de práticas nas suas

30

várias unidades. Não apenas a política de salários ganha especial importância, mas,

também, o recrutamento, a seleção, o desenho de carreiras e de promoções.

A gestão da diversidade16 cultural surge como mais um ingrediente nesta era de

aceleradas mudanças, desafiando a criação de condições favoráveis à sua expressão, de

forma equilibrada, colaborativa e complementar. Sabe-se que a implantação da gestão da

diversidade cultural não e fácil, pois existe uma cultura organizacional já estabelecida,

como: ceticismo dos funcionários, atitudes preconceituosas em relação aos beneficiados

pelos programas, conflitos interpessoais e intergrupais, dentre outros aspectos que a

diversidade pode favorecer.

Considerando este cenário complexo e miscigenado, principalmente, em Salvador,

preocupar-se com a diversidade é imprescindível. Em boa medida, as organizações são

formadoras de contexto e responsáveis pelo desenho da maior parte das condições

estruturais sob as quais as pessoas desenvolvem suas atividades. Cabe, pois, a elas um

papel fundamental no ajustamento dos membros de uma equipe formada com estas

características. As empresas podem estimular o desenvolvimento de um ambiente mais

acolhedor, que encoraje a liberdade de expressão, tirando proveito das diferenças.

A discussão atual sobre políticas de reparação e a reivindicação de uma identidade negra

recolocam na ordem do dia à memória da escravidão inscrita na pele de milhões de

brasileiros (Mattos, 2005).

16 “Diversidade inclui todos, não é algo que seja definida por raça ou gênero. Estende-se à idade, história pessoal e corporativa, formação educacional, função e personalidade. Inclui estilos de vida, preferência sexual, origem geográfica, tempo de serviço na organização, status de privilegio e administração ou não administração” (Thomas, 1991 apud Nkmo e Cox Jr., 1999).

31

2.4 MODELOS DE GESTÃO DA DIVERSIDADE CULTURAL A teoria de relações intergrupais reconhece que os indivíduos não abandonam suas

identidades raciais, sexuais ou étnicas quando entram em uma Organização. Assim, essa

identidade é formada pela filiação aos grupos com mesmos caracteres, aspirações,

valores, atitudes e comportamentos do grupo organizacional. Neste sentido, pela ótica

desta teoria, as organizações estão constantemente tentando administrar os conflitos

potenciais que surgem da interface entre os grupos de identidade e grupos

organizacionais.

A ambiência das organizações está-se tornando crescentemente diversa em termos de

gênero, raça, questões étnicas e nacionalidade. Esta diversidade traz potenciais benefícios

para as organizações (melhor tomada de decisão, maior criatividade e inovação e um

melhor atendimento mercadológico de diferentes tipos de consumidores). No entanto,

um custo potencial também está associado a uma força de trabalho mais diversificada:

elevação de rotatividade, conflitos interpessoais e problemas de comunicação. Cox Jr.

(1993) afirma que para capitalizar esses benefícios e minimizar os potenciais custos, os

líderes das organizações necessitam encaminhar processos de mudança para tornar as

organizações multiculturais. Isto expressa que para atingir este tipo ideal de organização,

existe um matiz multicultural a ser compreendido.

A diversidade não administrada pela empresas poderá fazer com que ocorram

divergências entre grupos e entre indivíduos, carregadas de tensões e conflitos,

transformando-as em uma Arena Política17 e aprisionando-as, podendo levá-las à

estagnação e à morte.

... por exemplo, a tendência da diversidade não administrada pode levar ao conflito intergrupal exaltado entre os membros de grupos majoritários quanto minoritários reduzirá, potencialmente, os resultados afetivos do trabalho para os membros de ambos os grupos(Cox, 1993).

17 “destaca quatro tipos básicos de Arena Política, dentre os quais a Aliança Insegura em que o conflito é moderado e contido.Este, geralmente, emerge quando dois ou mais sistemas de influências ou centro de poder coexistem em semelhantes igualdades de condições” (Mintzberg, 1985).

32

Algumas obras foram publicadas com modelos conceituais sobre a diversidade cultural,

que merecem ser enfatizados: O modelo elaborado por Cox (1993), denominado de

diversidade cultural (MIDC) mostra que as diferenças de identidades grupais entre

indivíduos (físicas e culturais) interagem com um conjunto complexo de fatores

individuais, organizacionais (clima) e intergrupais, determinando, dessa maneira, o

impacto da diversidade sobre os resultados individuais e organizacionais.

Os resultados individuais previstos pelo modelo são divididos em variáveis subjetivas

(satisfação, identidade organizacional, motivação) e variáveis de realização

(desempenho, produtividade e remuneração). Por outro lado, os resultados

organizacionais são divididos tomando com parâmetro o impacto esperado em primeiro

nível (atendimento, turn over e qualidade no trabalho) e no segundo nível (lucro).

Segundo Cox (1993), podemos identificar as organizações em estágios de

desenvolvimento de diversidade cultural. Este modelo constitui-se de:

1. Aculturação: modo pelos quais dois grupos se adaptam e resolvem diferenças

culturais;

2. Integração estrutural: perfil cultural dos membros da organização;

3. Integração informal: inclusão dos membros da cultura das minorias em redes

informais;

4. Viés cultural: preconceito e discriminação;

5. Identificação organizacional: sentimento de pertencer, lealdade e comprometimento a

organização;

6. Conflito intergrupal: atritos, tensões e lutas de poder entre grupos culturais. A forma

como as organizações lidam com esses seis fatores, permitem classificá-las em três tipos:

a) As organizações monolíticas: são altamente homogêneas; poucas ações são efetivadas

para integrar grupos de minorias no grupo majoritário;

b) As pluralistas: são mais heterogêneas que as monolíticas e adotam mais ações para

integrar pessoas de diferentes grupos culturais que diferem do grupo dominante;

c) As multiculturais: estas não apenas possuem diversidade, mas as valorizam;

apresentam total integração estrutural, ampla integração de redes informais, ausência

de preconceitos e discriminações, nenhuma lacuna na identificação organizacional

baseada na identidade cultural dos grupos e baixo nível de conflito intergrupal. Para

Cox (1993), a organização pluralista representa uma típica empresa americana de

33

grande porte da década de 90. Essas organizações enfatizam as ações afirmativas para

administrar a diversidade.

Um segundo modelo, proposto por Triandis (1994), define e especifica os inter-

relacionamentos em 19 variáveis. Dentre as variáveis temos, as atitudes intergrupais que

se constituem em elemento chave para avaliação de resultados. Tais, envolvem fatores de

recompensas que podem ocorrer, quando as partes se percebem similares, quando em

oportunidades de contato positivo, têm um senso de metas compartilhado e quando as

autoridades ou a sociedade reconhecidas estimulam o contato.

O terceiro, é o denominado “modelo para entendimento da dinâmica da diversidade nas

equipes de trabalho” de Jackson (1995). Esse modelo tem por base 30 variáveis. Os três

principais aspectos da diversidade são: estados de medição, processos e

conseqüências/manifestações comportamentais. Essas variáveis são analisadas nos

âmbitos individuais, interpessoal e da equipe, dentro de um contexto mais amplo de

forças organizacionais e sociais. Segundo Jackson (1995), a diversidade pode ser

analisada como uma característica: de indivíduos, das diferenças entre um individuo e

seu grupo de trabalho e como uma característica do próprio grupo de trabalho.

Já segundo Thomas Jr. (1999), podemos descrever a seqüência de tratamentos históricos

da diversidade como: 1) Negação; 2) Ação Afirmativa/Assimilação e 3) Compreensão

das Diferenças.

• Negação

A motivação para a prática da negação tem sido legal (compulsória por lei), moral (as

regras da moral pessoal ou organizacional assim o exigem) ou responsabilidade social (a

boa cidadania empresarial assim o determina). Sem levar em conta a motivação, o maior

benefício desta postura é que as pessoas diferentes têm conseguido entrar nas

organizações na esperança de que não serão prejulgadas, de que a qualidade das relações

interpessoais foi promovida e que o racismo, os assédios sexual e moral e outras

discriminações abertas têm sido desestimulados. Por outro lado, esta abordagem

apresenta uma séria limitação. Ela exige que as pessoas diferentes aceitem ver negadas

suas diferenças. Uma limitação adicional é a hipótese de que a principal fonte de

discriminação se situe nas relações pessoais. Esta premissa ignora as capacidades

34

discriminatórias, intencionais e não-intencionais, embutidas nos sistemas e culturas

organizacionais.

• Ação Afirmativa / Assimilação

Nos últimos vinte anos, a Ação Afirmativa (AA) e a Assimilação estiveram no centro da

abordagem empresarial quanto à diversidade dos empregados, nos EUA (Gilbert et

al.,1999; Thomas Jr., 1999). A Ação Afirmativa permitiu criar uma força de trabalho

diversificada em termos de raça e gênero. Procurou-se, principalmente, uma mistura

racial em que os novos empregados pudessem abandonar suas diferenças e serem

moldados de acordo com as normas de comportamento organizacional existentes. A

assimilação por meio da mistura racial era para assegurar a minimização das diferenças e

a conformidade de comportamentos. O resultado foi a “diversidade assimilada”, que é, de

fato, uma aparência superficial de diversidade. Acreditava-se que esta abordagem seria o

meio de criar uma força de trabalho diversificada e facilitaria a mobilidade ascendente de

minorias e mulheres. Um dos principais benefícios desta alternativa foi a maior inclusão

de minorias e mulheres em grandes empresas e outras organizações. Mas esse progresso

foi ilusório e difícil de sustentar, apesar dos fortes motivos legais, morais e de

responsabilidade social (Thomas, 1999).

• Compreensão das Diferenças (CD)

O objetivo desta abordagem é o de promover a consciência, a aceitação e a compreensão

de diferenças entre indivíduos, com a expectativa de que os resultados sejam melhores

relações pessoais, maior apreço e respeito pelos outros, maior aceitação das diferenças e

minimização de manifestações ostensivas de racismo, assédios sexuais e morais e outros

preconceitos. De fato, muitos destes resultados se materializam com freqüência (Thomas

Jr. 1999).

Thomas (op.cit.) afirma que, embora os resultados mostrem uma maior harmonia, não se

pode deixar de analisar as limitações da CD. A mais crítica é que a CD deixa intocados

os sistemas e a cultura da organização. O administrador, portanto, pode aceitar e entender

as diferenças, estar livre de racismo e assédios, ter excelentes relações interpessoais e,

ainda assim, não saber como administrar a diversidade – não saber como criar um

conjunto de sistemas e uma cultura que capacitem naturalmente todos os empregados.

35

2.5 AÇÃO AFIRMATIVA OU GESTAO DA DIVERSIDADE Como bem demonstram os trabalhos de Hasenbalg e Silva (1992), entre outros autores

contemporâneos, um importante aspecto de diferenciação no mercado de trabalho

brasileiro é a posição desvantajosa ocupada por indivíduos identificados como pretos e

pardos. Estes, estão majoritariamente presentes nas ocupações de menor

representatividade na cadeia hierárquica organizacional e que exigem pouca ou nenhuma

qualificação profissional, embora, muitas vezes, esses indivíduos possuam habilidades

profissionais para assumir outras posições na Organização. Conseqüentemente, seus

rendimentos são substancialmente menores do que os dos brancos.

... Mais de um século depois da abolição da escravidão, o trabalho manual continua a ser o lugar reservado para os afro-brasileiros. Em oposição ao que afirmaram as teorias sobre modernização, a estrutura de transição fornecida pelo rápido crescimento econômico nas últimas décadas não parece ter contribuído para diminuir de maneira significativa a distância existente entre os grupos raciais presentes na população(Hasenbalg, 1996 apud Heringer, 1999).

Os debates sobre a presença do afro-descendente no mercado de trabalho brasileiro, da

mobilidade social dos afro-descendentes e das desigualdades entre brancos e negros no

mercado de trabalho freqüentam a literatura sociológica há algum tempo, principalmente

a partir do século XX , intensificando-se neste século.

As desigualdades entre negros e brancos estão relacionadas tanto a fatores estruturais

quanto à discriminação. Entre os fatores estruturais, sem dúvida, o mais significativo é o

componente educacional. Ao se situarem nos grupos com menor acesso à educação

formal, os negros também ocupam postos de menor representatividade no mercado de

trabalho. Entretanto, possuindo “condições iguais”, o afro-descendente, via de regra, é

preterido das funções de maior prestígio social na estrutura hierárquica organizacional.

36

Atualmente, a sociedade brasileira tem presenciado uma grande tomada de posição das

minorias tentando encontrar soluções práticas para melhorar a realidade dos excluídos no

País. Entre as várias tentativas, busca-se a discriminação positiva ou ação afirmativa que,

no geral, procura estipular cotas para inserção dos afro-descendentes nas universidades e

no mercado de trabalho, geralmente promovida pelo Governo, que segundo Santos é:

... Eliminar desigualdades historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidades e tratamento, bem como compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização, decorrentes de motivos raciais, étnicos, religiosos, de gênero e outros. (Santos, 2001)

Estas pequenas conquistas demonstram uma grande vitória dos afro-descendentes, que

estão procurando quebrar o paradigma de que o negro não tem condições de ocupar

cargos de melhor representatividade na organização. Deve-se, entretanto pensar em

estratégias de longo prazo, que possam corresponder aos anseios de toda a população

afro-descendente.

A gestão da diversidade cultural nas organizações apresenta-se como uma possibilidade a

ser considerada, tendo em vista que ela visa tornar o ambiente organizacional mais

harmonioso e salutar. Essa filosofia de gestão surgiu nos EUA, quando as organizações

americanas perceberam que a diversificação crescente da força de trabalho e as

necessidades de competitividade exigiam uma maior atenção para o quadro que estava

emergindo.

... A gestão da diversidade implica adotar um enfoque holístico para criar um ambiente organizacional que possibilite a todos o pleno desenvolvimento de seu potencial na realização dos objetivos da empresa. Não é um pacote com soluções prontas nem um programa para resolver a questão da discriminação e do preconceito(Thomas, 1999 apud Fleury, 2000).

Segundo Heringer (1999), a atual política de promoção da diversidade adotada pela

maioria das grandes empresas norte-americanas revela justamente esta preocupação:

garantir que o conjunto dos empregados, nas diferentes instâncias de poder, reflita a

diversidade étnica e racial da população local, sem, entretanto, esquecer as exigências

mínimas de qualificações para o regular desempenho das atividades da empresa. Isto

implica, com freqüência, a adoção de programas de treinamento e capacitação

profissional destinados à própria mão-de-obra já empregada na empresa. Também

37

conduz a uma estratégia constante de recrutamento de bons profissionais ou de

estudantes com bom desempenho e que também sejam parte de grupos historicamente

discriminados aos quais se busca beneficiar.

Alguns autores, contudo, criticam o verdadeiro cunho social da gestão da diversidade.

Nos moldes americanos não tinha como essência melhorar as relações de trabalho dos

afro-descendentes. Tal, seria um mecanismo de gestão que procuraria identificar soluções

organizacionais com o mito da democracia racial e a ideologia tecnocrática.

... As pessoas são dotadas de conhecimentos técnicos e seres de qualificações raras, portanto legítimos do poder, status e privilégios, ou seja, as questões políticas são redefinidas, reduzidas a problemas técnicos formalizados e funcionalizados (Thomas, 1999 apud Fleury, 2000).

Em suma, vê-se como é necessária uma política de gestão da diversidade voltada para a

questão racial, objetivando principalmente administrar as relações de trabalho, as práticas

de emprego e a composição interna da formação de trabalho a fim de atrair e reter os

melhores talentos, independentemente de raça/cor da pele, credo, sexo, ou qualquer outra

característica pessoal.

... A partir do momento em que a contratação de pessoas vindas de minorias tornou-se inevitável, os administradores procuraram incorporar a novidade ao sistema administrativo por meio das políticas da diversidade, de forma a se anteciparem ao conflito. É mais prático admitir a diferença entre as pessoas na força de trabalho, aceitando-a como um fato, e simultaneamente, criar estratégias para confronta-la. Assim sendo a diferença é explicitada , mas de modo reduzido”(Alves, Galeão-Silva, 2004).

O momento atual apresenta-se como um campo de possibilidades, no qual poderão ser

negociados entre diferentes setores da sociedade as condições e os critérios para adoção

das políticas da discriminação positiva correlacionando-as com a gestão da diversidade.

Trata-se, então, de discutir as estratégias de implementação das políticas de recursos

humanos, observando aspectos tais como: seu impacto/ eficácia; critérios para definição

dos beneficiários; viabilidade/ tipos de ações possíveis de serem adotadas e a necessidade

de monitoramento e de continuidade.

No que diz respeito ao impacto/ eficácia, acredita-se que estas políticas irão possibilitar a

“abertura do sistema” para afro-descendentes qualificados e semiqualificados que, sem

discriminação positiva e uma gestão organizacional voltada para a diversidade, teriam

mais dificuldades para inserção no mercado de trabalho. Como aponta Silva (2001), o

campo de trabalho atua ao mesmo tempo como revelador das desigualdades raciais

38

existentes, em termos de qualificação e educação, e como produtor de desigualdades,

“pois negros e brancos com a mesma qualificação ocupam diferentes posições e

conseqüentemente vão receber diferentes salários”(Silva, 2001).

As companhias que conseguem refletir nelas a imagem da sociedade, com

responsabilidade e ética, de acordo com Hateley:

... Agregam valor a produtos e serviços perante o consumidor, permitem um maior conhecimento mercadológico, pois trazem para o interior das empresas as diferenças étnicas, regionais, raciais, religiosas e de capacidade física existentes entre os consumidores(Hateley, 1996).

Tavares (1993) afirma que a cultura organizacional é “um conjunto de produtos

concretos através dos quais o sistema é estabilizado e perpetuado”. Estes produtos

incluem: mitos, sagas, sistemas de linguagem, metáforas, símbolos, cerimônias, rituais

sistemas de valores e normas de comportamento. Com isso, a empresa como um todo

sente dificuldades em aceitar o diferente, o outro. Contudo segundo Cuéllar(1997),

... Nenhuma cultura é uma entidade hermeticamente fechada, imutável, invariável e estática.Todas as culturas influenciam outras e são por elas influenciadas. A pluralidade de culturas apresenta vantagens comparáveis às da biodiversidade. O pluralismo tem o mérito de valorizar o tesouro acumulado da experiência, da sabedoria e da conduta humana. Toda cultura pode beneficiar-se do contato e da comparação com outras ao descobrir suas próprias idiossincrasias e peculiaridades (Cuellar, 1997).

Segundo Leitão(2001), os empreendedores foram buscar nas diferenças a mola

propulsora de seus negócios.

... A diferença alavanca a criatividade da empresa. Uma empresa que junta pessoas de diversas culturas, raças, gêneros, portadores de deficiência, opções sexuais consegue formar grupos de talento mais eficientes do que a mesmice dos funcionários uniformes(Leitão, 2001).

Reiterando Leitão, Bento (2001) afirma que “funcionários homogêneos tendem a pensar

de maneira similar, o que causa limitações na hora de encontrar respostas criativas

para as situações novas”.

39

É importante observar que, movidas por questões de mercado, algumas empresas já estão

implementando estas políticas de forma voluntária no Brasil, antes mesmo de uma

legislação específica que regulamente as políticas de ação afirmativa no setor privado.

Essas organizações procuram, dessa maneira, um diferencial competitivo frente às

demais, o que acaba contribuído significativamente para reduzir as diferenças existentes

entre negros e brancos no mercado de trabalho.

2.6 A DIVERSIDADE CULTURAL NO BRASIL No Brasil, a diversidade é uma questão existente desde a época de seu descobrimento.

Naquela época, já habitavam no continente os povos indígenas, que pertenciam a um

grupo com significados culturais próprios. Vieram os colonizadores portugueses. Foram

trazidos os negros da África. No século XIX vieram os imigrantes da Europa e

principalmente do Japão. O casamento entre raças diferentes provocou a grande

miscigenação da população atual (Silva, 2000).

A heterogeneidade presente na formação (étnica, cultural e social) da população

brasileira traz conseqüência direta na gestão das empresas brasileiras. É plausível pensar

que esse impacto tende a ser maior pelos desafios impostos por uma força de trabalho

que está se tornando ainda mais diversificada e que os negócios em escala global faz real

um mundo do trabalho formado por uma miscigenação de diferentes culturas nacionais.

Entender as diferenças culturais passa a ser uma questão fundamental para que as

empresas possam se sustentar nos seus nichos de mercados.

Não se tem notícia de estudos realizados no Brasil demonstrando resultados estratégicos

da diversidade cultural. Apesar da incipiência do tema, lidar com a diversidade requer

uma gestão competente, a fim de agregar valor econômico à organização e às pessoas,

não esquecendo de ressaltar a possível contribuição para melhorar a imagem da

organização perante seus públicos interno e externo.

Assistimos, atualmente, a um movimento de crescente interesse de empresários

(vinculados principalmente a empresas multinacionais) sobre desigualdades raciais, ação

40

afirmativa e políticas de promoção da diversidade. Em reportagem de capa, a revista

Exame (setembro/ 2000) relata programas de promoção da diversidade em curso no

Brasil em empresas como a Monsanto, IBM, Gessy Lever e Lucent. São experiências que

procuram atuar em relação à diversidade num sentido amplo: gênero, idade, raça e etnia,

portadores de deficiência, origem social e regional.

Da mesma forma, o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social elaborou e

vem divulgando o manual “Como as Empresas podem e devem valorizar a Diversidade”.

Com essa atitude, o ETHOS pretende:

...contribuir para a discussão do tema e estimular a implementação de iniciativas corporativas de valorização da diversidade que tenham como meta enfrentar os preconceitos no ambiente de trabalho e no âmbito das relações empresariais (ETHOS, 2003).

Em levantamento realizado, Heringer (1999) identificou algumas iniciativas, tais como a

da Fábrica da Ford, em Camaçari (BA), que estabeleceu a contratação de empregados em

nova unidade respeitando a representação de negros e mulheres da população da região

em seu entorno. De igual modo, a rede de supermercados Zaffari e a prefeitura de Porto

Alegre assinaram um convênio para que a rede garantisse a contratação de, no mínimo,

5% de empregados negros como condição para abertura de uma nova loja na cidade. Esta

cláusula de “reserva racial” era parte de um acordo social firmado entre a prefeitura e

redes de hipermercados visando compensar o impacto social gerado pela instalação de

grandes lojas na economia local de determinados bairros. Desse modo, em novembro de

1999, a prefeitura firmou acordo com a rede Zaffari, incluindo a cláusula de 5% das

vagas para pretos e pardos e definindo que as vagas não poderiam ser apenas em postos

de menor remuneração (Heringer, 1999).

Enfim, encarar a disparidade de oportunidades entre negros e brancos no Brasil é dever

de todos: sociedade, governo e empresas. Deve-se ressaltar que uma das principais

causas das desigualdades sociais é a situação econômico-financeira dos “desiguais”.

Segundo Maciel (2000), “enquanto não for melhorada a distribuição de renda no País,

não poderemos acabar ou reduzir as desigualdades no que tange à racioetnia”. Sendo

assim, essa temática revela-se da maior importância, devendo-se encarar a questão com

mais empenho e seriedade.

41

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

3.1 MÉTODO

O método de pesquisa que resultou neste trabalho foi um estudo de caso, realizado em

um hotel cinco estrelas de Salvador-BA: uma Sociedade Anônima, de capital

integralmente nacional, operando há mais de 10 anos no mercado de Salvador.

Objetivou-se explicitar o sentido de uma ação social, a partir de um quadro de referência

compreensivo do problema objeto de estudo.

3.2 PLANO DE PESQUISA

A primeira fase do trabalho consistiu de levantamento bibliográfico e de pesquisa em

fontes secundárias de dados, para melhor compreender o fenômeno em estudo, bem

como dar sustentação aos achados da pesquisa empírica.

No segundo momento, elaborou-se o instrumento de pesquisa (Apêndice A) para

levantamento dos dados necessários à resposta do problema. Ao elaborar o questionário,

teve-se a preocupação de estratificar os respondentes em perfis Pessoal e Funcional, com

uma terceira categorização: Políticas de RH da organização a ser estudada.

Delineado e pré-testado o instrumento de pesquisa partiu-se para a pesquisa de campo.

Para tanto, foram utilizados, além do questionário: (a) entrevistas informais, em que se

enfatizou identificar a percepção que os trabalhadores da instituição, objeto de estudo,

tinham de sua política de Recursos Humanos. Assim, conversas (entrevistas) informais

com os empregados (mesmo que originalmente não integrassem o projeto de pesquisa),

42

durante o almoço, na entrada ou saída do trabalho, transformaram-se em oportunidades

privilegiadas para a coleta de subsídios e “mapeamento” da ambiência dominante; (b)

observação direta, buscando confrontar as falas dos entrevistados com os

comportamentos observados.

3.3 AMOSTRA E UNIVERSO PESQUISADO

A amostra, intencional e aleatória, foi obtida a partir de Listagem da Lotação, fornecida

pelo Departamento de Recursos Humanos. De uma lista de 207 funcionários,

relacionados por cargo, foi-se compondo a amostra. Começou-se, sempre, pelo primeiro

da relação e a partir daí, contava-se três, sendo selecionando os demais empregados cujos

nomes recaíssem na contagem (critério de seleção: seguindo uma ordenação de 3 em 3

nomes : após o primeiro nome, o quarto e assim sucessivamente). Todo o corpo

gerencial, por ser um menor contingente, participou da pesquisa. A Gerente de Recursos

Humanos não só respondeu ao questionário como também falou sobre as políticas e

práticas de recursos humanos da empresa.

Ao todo foi pesquisado 29% da força de trabalho, totalizando 60 empregados. Deixando-

se que os próprios pesquisados definissem a cor da pele, chegou-se à seguinte

composição: cor negra: 41 (20% do total) e cor branca: 19 (9% do total).

Em que pese o desprendimento e a boa vontade da gerente de Recursos Humanos do

Hotel e dos demais funcionários envolvidos na pesquisa, é importante ressaltar o quanto

as empresas, em geral, estão insensíveis às necessidades de as Instituições de Ensino e

seus alunos realizarem trabalhos dessa natureza. As resistências são muito grandes.

Mesmo sabendo tratar-se de um trabalho que estava sendo desenvolvido por estudante de

Administração, com Habilitação em Hotelaria, de uma Instituição Federal prestigiada nos

meios empresariais, o pesquisador fez uma espécie de “via crucis”, entre os hotéis quatro

e cinco estrelas da Capital, até encontrar um que se dispôs, depois de muita perseverança,

a lhe abrir as portas.

O tratamento estatístico dos dados foi realizado através do aplicativo Excell, adequado às

análises que se pretendia fazer.

3.4 PERÍODO DE APLICAÇÃO DA PESQUISA

43

A pesquisa foi realizada no período de 16 a 20 de maio de 2005.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

4.1 PERFIL PESSOAL 4.1.1 Faixa Etária(Idade) Os dados revelam que na amostra estudada, 24% dos negros tem idade entre 20 e 30

anos, enquanto 68% são brancos. Já os indivíduos, com idade entre 30 a 50 anos,

identificou-se que 71% são de negros e 32% de brancos. Com idade superior a 50 anos,

apenas foram encontrados indivíduos da população negra.

Tabela 2 – FAIXA ETÁRIA(IDADE)

NEGROS BRANCOS FAIXA ETÁRIA

QUANTIDADE % QUANTIDADE %

MENOS DE 20 0 0 0 0 ENTRE 20 e 30 10 24 13 68

ENTRE 30 e 40 16 39 6 32 ENTRE 40 e 50 13 32 0 0

MAIS DE 50 2 5 0 0

TOTAL 41 100 19 100

44

2439

32

5

68

32

0 0

NEGROS BRANCOS

IDADE NEGROS X BRANCOS(%)

ENTRE 20 E 30ENTRE 30 E 40

ENTRE 30 E 50MAIS DE 50

Gráfico 1

4.1.2 Cor da Pele

Na amostra estudada, 40% dos entrevistados declararam-se pretos e 28% pardos, o que

nos revela que 68% da população se auto-definiram como negros. Por outro lado, 25%

declaram-se brancos e 7% amarelos, o que equivale dizer que 32% se auto-defiram

brancos. Pelos dados expostos, verifica-se que existe uma supremacia de indivíduos

considerados negros.

Tabela 3 – AUTODEFINIÇÃO DA COR

COR DA PELE QUANTIDADE % PRETA 24 40 PARDA 17 28

AMARELA 4 7 BRANCA 15 25 TOTAL 60 100

45

COR DA PELE (%)

28

40

7

25

PRETA

PARDA

BRANCA

AMARELA

Gráfico 2

COMPARATIVO - RAÇA (%)

68

32NEGROS

BRANCOS

Gráfico 3

4.1.3 Escolaridade X Cor da Pele

Comparando-se a cor da pele com a escolaridade verifica-se que a maior escolaridade

está no segundo grau, com 68% para os negros e 53% os brancos. Nas demais faixas

temos: em relação ao 10 grau, 20% da população negra e 5% população da branca. Para

o 30 grau, temos 12% da população negra, enquanto 42% dos brancos estão situados

nesta faixa.

A população branca da amostra passa mais tempo dedicando-se ao estudo. Apenas 5%

dos brancos possuem o nível básico, enquanto que 42% são detentores do nível superior.

Já a população negra com nível superior situou-se em 12% dos 41 respondentes. Essa

46

poderá ser uma das variáveis que demonstram a diferença de oportunidades entre as

raças, ou seja, menor escolaridade implica menor oportunidade, conforme tabela 4.

Tabela 4 - ESCOLARIDADE

NEGROS BRANCOS DISCRIMINAÇÃO QUANTIDADE % QUANTIDADE %

10 GRAU 8 20 1 5 20 GRAU 28 68 10 53 30 GRAU 5 12 8 42 TOTAL 41 100 19 100

20

68

125

5342

NEGROS BRANCOS

ESCOLARIDADE (%)

I GRAU

II GRAUIII GRAU

Gráfico 4

4.1.4 Sexo x Cor da Pele Os achados revelam que os indivíduos do sexo masculino são maioria nas duas

populações (brancas e negras) analisadas, com um percentual para a população negra de

66% e para a população branca 63%. Por outro lado, o percentual das mulheres para a

população negra é de 34% e para a população branca de 37%.

Comparando-se a mulher negra com a branca, verifica-se que há uma maior quantidade

relativa de mulheres da população branca. Já para os homens, os negros estão em maior

quantidade que os brancos.

Tabela 5 – SEXO X COR DA PELE

SEXO NEGROS BRANCOS

47

QUANTIDADE % QUANTIDADE % MASCULINO 27 66 12 63 FEMININO 14 34 7 37

TOTAL 41 100 19 100

66

34

63

37

NEGROS BRANCOS

SEXO E COR DA PELE (%)

MASCULINO

FEMININO

Gráfico 5

4.2 PERFIL FUNCIONAL 4.2.1 Função Exercida Embora no caso estudado, a população negra contratada seja maioria (68% da amostra),

os achados demonstram que as funções que estes exercem estão concentradas nas

atividades de execução 88%, enquanto que 68% dos brancos desenvolvem essa atividade.

Para supervisão, no total da população negra, temos 12%, enquanto que os brancos

possuem 16% da sua mão-de-obra nesta função. Na função gerencial, verifica-se uma

desigualdade de oportunidades acentuada, de um total de 5 gerentes entrevistados todos

se declararam brancos. Isso equivale dizer que não há negros ocupando função gerencial.

Desse modo, os achados insinuam que a suposta igualdade de oportunidade entre as

raças, no que tange às funções consideradas de maior representatividade, na amostra

48

analisada, não existe, pois tanto na gerência, quanto na supervisão o percentual de

indivíduos da cor branca é superior à de indivíduos negros. Em entrevista com a gerente

de RH, foi externado que, além das exigências necessárias para ocupar a função de

gerencia e supervisão, o individuo deve possuir uma boa aparência. Será que poderia

correlacionar “boa aparência” com cor da pele? Os achados não nos permitem responder

a essa questão, concretamente.

Tabela 6 – FUNÇÃO EXERCIDA

NEGROS BRANCOS FUNÇÕES

QUANTIDADE % QUANTIDADE %

GERÊNCIA 0 0 5 26

SUPERVISÃO 5 12 3 16

EXECUÇÃO 36 88 11 58

TOTAL 41 100 19 100

88

120

58

1626

NEGROS BRANCOS

FUNÇÃO X COR DA PELE (%)

EXECUÇÃO

SUPERVISÃO

GERÊNCIA

Gráfico 6 4.2.2 Tempo de Empresa

O tempo de empresa é menor para a população branca, 63% dos entrevistados que se

declararam brancos estão naquela organização há menos de três anos. Para esse mesmo

período, o percentual de negros é de 24%. Por outro lado, observa-se que a população

negra é maioria para o tempo de empresa superior a três anos, chegando a 76% dos

pesquisados, conforme gráfico (7).

Tabela 7 – TEMPO DE EMPRESA X COR DA PELE

NEGROS BRANCOS TEMPO DE EMPRESA

QUANTIDADE % QUANTIDADE % MENOS DE 1 3 7 7 37 ENTRE 1 e 3 7 17 5 26 ENTRE 3 E 5 11 27 5 26

49

ENTRE 5 E 7 6 15 1 5 ENTRE 7 E 10 8 19 1 5 MAIS DE 10 6 15 0 0

TOTAL 41 100 19 100

7

17

27

1519

15

37

26 26

5 50

NEGROS BRANCOS

TEMPO DE EMPRESA X COR DA PELEMENOS DE 1ENTRE 1 E 3

ENTRE 3 E 5ENTRE 5 E 7

ENTRE 7 E 10MAIS DE 10

Gráfico 7 4.3 POLITÍCAS DE RECURSOS HUMANOS 4.3.1 Ascensão Profissional(Promoção) Apesar de serem maioria, na amostra analisada, os negros foram menos promovidos do

que os brancos: 22% da população negra e 53% da população branca pesquisada.

Enquanto 78% dos pesquisados negros nunca tivessem sido promovidos, apenas 47% dos

brancos permaneciam nessas condições. Assim, pode-se observar que, mesmo os negros

sendo maioria, não conseguem ascender profissionalmente nas suas respectivas carreiras.

Muitas vezes, acabam sendo subordinados a pessoas com menos tempo de empresa.

Verificou-se, ainda, que a contratação nos últimos três anos tem sido predominantemente

da população branca, o que pode acabar gerando uma insatisfação por parte do pessoal da

população negra.

50

Tabela 8 – PROMOÇÃO DOS COLABORADORES X COR DA PELE

NEGROS BRANCOS PROMOÇÃO QUANTIDADE % QUANTIDADE %

SIM 9 22 10 53 NÃO 32 78 9 47

TOTAL 41 100 19 100

22

78

53 47

NEGROS BRANCOS

PROMOÇÃO X COR DA PELE

PROMOVIDOS

NÃO-PROMOVIDOS

Gráfico 8

4.4 PERFIL FUNCIONAL X POLITÍCAS DE R.H. 4.4.1 - Ascensão Profissional (Tempo De Empresa X Cor Da Pele) Comparando-se à ascensão profissional com o tempo de empresa, na amostra analisada,

os resultados também insinuam que os brancos podem ser promovidos mais rapidamente

em relação aos negros, já que 80% dos brancos levam até 5 anos para serem promovidos.

Para esse mesmo período, o índice dos negros é de 44,4%. Porém, para os períodos acima

de 5 anos, os achados demonstram a maior taxa de presença de negros sendo

promovidos, o que ratifica o maior tempo despendido pelo negro para uma possível

promoção.

Tabela 9 – TEMPO PARA PROMOÇÃO X COR DA PELE

51

22 22

12

22 22

40 40

10 10

0

NEGROS BRANCOS

TEMPO DE EMPRESA X PROMOÇÃO X COR DA PELE (%)

ENTRE 1 E 3

ENTRE 3 E 5ENTRE 5 E 7

ENTRE 7 E 10MAIS DE 10

Gráfico 9

4.4.2 Recrutamento e Seleção O processo de recrutamento e seleção da empresa demonstra que:

71% dos negros e 37% dos brancos informaram que para participar dos processos

seletivos internos, os indivíduos são indicados, possivelmente pelo seu superior imediato.

12% dos negros e 42% dos brancos informam que existe um processo seletivo, onde o

RH determina os pré-requisitos necessários para a função.

7% dos negros e 21% dos brancos informaram que, para participar do recrutamento e da

seleção, o indivíduo é indicado e também realiza processo seletivo.

Enfim, pode-se verificar que 60% da amostra estudada, dos quais 29 indivíduos da

população negra e 7 indivíduos da população branca, informam que o processo de

recrutamento e seleção é realizado através da indicação.

NEGROS BRANCOS TEMPO DE EMPRESA

PROMOVIDOS % PROMOVIDOS % Menos de 1 0 0 0 0 Entre 1 e 3 2 22 4 40 Entre 3 e 5 2 22 4 40 Entre 5 e 7 1 12 1 10 Entre 7 e 10 2 22 1 10 Mais de 10 2 22 0 0

TOTAL 9 100 10 100

52

Tabela 10 – RECRUTAMENTO E SELEÇÃO

NEGROS BRANCOS RECRUTAMENTO/ SELEÇÃO

QUANTIDADE % QUANTIDADE %

INDICAÇÃO 29 71 7 37 PROCESSO SELETIVO 5 12 8 42 INDICAÇÃO + PROCES. SELETIVO 7 17 4 21

TOTAL 41 100 19 100

71

12 17

3742

21

NEGROS BRANCOS

RECRUTAMENTO E SELEÇÃO (%)

INDICAÇÃO

P.SELETIVO

INDIC + P. SELETIVO

Gráfico 10

PROCESSO DE SELEÇÃO (%)

6022

18INDICAÇÃO

P. SELETIVO

INDIC + P. SELETIVO

Gráfico 11 4.4.3 Gestão Os entrevistados declararam-se satisfeitos com a gestão do hotel. 47% da amostra

declararam que a gestão do hotel é excelente; 42% boa, 8% regular e apenas 3% ruim.

Porém, em conversas informais com os colaboradores, verificou-se que eles se julgam

possuidores de certas regalias, tais como: fazer as três refeições diárias no hotel, receber

o salário em dia; poder usar o material de trabalho, fora do ambiente de trabalho. Estes

fatores, podem ter feito com que a gestão fosse avaliada por quase metade dos

pesquisados como excelente. Para eles são atos de reconhecimento da empresa para com

os funcionários.

Tabela 11 – GESTÃO DA EMPRESA

53

NEGROS BRANCOS GESTÃO

QUANTIDADE % QUANTIDADE %

Excelente 18 44 10 53

Boa 18 44 7 37

Regular 4 10 1 5

Ruim 1 2 1 5

TOTAL 41 100 19 100

44 44

102

53

37

5 5

NEGROS BRANCOS

GESTÃO I

EXCELENTE

BOAREGULAR

RUIM

Gráfico 12

GESTÃO II (%)

47

42

8 3ExcelenteBoaRegularRuim

Gráfico 13

4.4.4 Treinamentos e Desenvolvimento Os achados demonstram que o departamento de T&D, é bastante requisitado, pois 95%

da amostra estudada revelaram que realizam atividades de capacitação profissional.

Todavia, os colaboradores informaram que o índice de evasão é muito grande, tendo em

vista, que os treinamento, muitas vezes, são realizados em horários e locais

incompatíveis. Em conversa com a gerente de R.H. verificou-se que já existe uma

preocupação do hotel, em reduzir a evasão, realizando os treinamentos no local de

trabalho, para que assim o público alvo possa ser atingido satisfatoriamente.

Tabela 12 - TREINAMENTOS

54

NEGROS BRANCOS TREINAMENTOS

QUANTIDADE % QUANTIDADE %

Sim 39 95 18 95 Não 2 5 1 5

TOTAL 41 100 19 100

95

5

95

5

NEGROS BRANCOS

REALIZAÇÃO DE TREINAMENTOS (%)

SIM

NÃO

Gráfico 14

TREINAMENTO COLABORADORES (%)

95

5

SIM

NÃO

Gráfico 15

5. CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES O presente trabalho teve como objetivo analisar as relações formais e informais de

trabalho, no que tange à racioetinia, procurando identificar: (1) até que ponto há fatores

restritivos para a absorção da mão-de-obra negra nas organizações hoteleiras de

Salvador-BA? (2) até que ponto a cor da pele se constitui um entrave ou um facilitador

na concorrência (disputa) dos trabalhadores por uma ascensão profissional(promoção)

nessas Organizações? (3) entender e discutir como os conceitos de diversidade e gestão

da diversidade estão sendo utilizados por essas empresas, no que tange à diversidade

racial.

55

O embasamento teórico sobre a temática em questão, sustentado pelos achados da

pesquisa empírica, permite ressaltar algumas conclusões e fazer indagações que a

pesquisa não deu conta de responder, principalmente no que diz respeito às políticas e

práticas de recursos humanos, quanto à inserção do negro no mercado de trabalho

hoteleiro de Salvador-BA.

Os resultados da pesquisa sugerem que a Organização estudada deverá incorporar como

uma das vertentes de sua responsabilidade social18 a melhoria da política de recursos

humanos, objetivando oferecer mais oportunidades de trabalho ao afro-descendente, haja

vista que:

a) pelos achados da população pesquisada, todos os ocupantes das funções gerenciais se

auto-definiram brancos. Sendo assim, pode-se questionar: será que os negros estão

ocupando as funções de menor representatividade organizacional? Será que, mesmo

reunindo condições de igualdade para concorrer com seus pares, o afro-descendente está

sendo preterido das funções de maior representatividade na estrutura hierárquica daquele

hotel?

b) quanto à supervisão, onde numericamente o número de respondentes que se definiu

como negros é maior, o que se observou é que os negros supervisionam as atividades

consideradas “back of”19 na hotelaria, enquanto que os brancos ocupam as “front of”20.

18 “Responsabilidade Social Corporativa é “uma responsabilidade básica da gestão de recursos humanos e inclui, geralmente, a adoção de códigos de conduta, de política de qualidade de vida no trabalho, de participação nos lucros, de oportunidade iguais ...” (Ashley, 2005).

“A efetiva Responsabilidade Social Corporativa, tal como é preconizada, deve contemplar, pelo menos, quatro dimensões: a pessoal, a social, a política e a econômica, que se inter-relacionam formando um todo, do qual a sociedade sofre suas conseqüências diretas. Então, ela deverá atuar em quatro linhas de ação: (a) no nível social – papel, presença e efeito da organização na sociedade; (b) no nível do “stackeholder” – obrigações das organizações em relação a todos os que delas dependem ou são por ela afetados; (c) no nível da política interna da empresa (Público Interno) – relações da empresa com seus empregados: Ambiência Organizacional (aspectos que demonstrem a qualidade das relações entre empresa e empregados. Por exemplos: classificação da empresa, em pesquisas externas e de ambiência organizacional, como boa empregadora); Educação e Treinamento e Desenvolvimento (fatos que expressem o compromisso da empresa com o desenvolvimento profissional e com a empregabilidade; percentual de investimentos em educação e treinamento, em relação à receita total); Perfil dos trabalhadores (percentual de mulheres, em relação ao total de funcionários; de pessoas acima de 45 anos em cargos de gerência, em relação ao total de cargos gerenciais e outros; Perfil de salários (comparação salarial – % da maior remuneração dividida pela menor remuneração paga); Saúde e Segurança (número de acidentes com afastamento, taxas de acidentes com e sem perda de tempo); (d) no nível individual - relações interpessoais (a maneira como as pessoas se devem tratar)” (Santos, 2004). 19 “Back Of” – indivíduos que trabalham nos “bastidores” para tornar a estada do hóspede agradável e segura(Tanke, 2004).

56

c) o percentual de tempo que os negros da amostra levam para ser promovidos é maior do

que o tempo dos brancos. Nos primeiros cinco anos de empresa, 44% de negros e 80% de

brancos. Essas informações nos induz a supor que os negros acabam demandando mais

tempo para galgar uma promoção do que os indivíduos brancos;

d) os processos de recrutamento e seleção são realizados através da indicação do superior

imediato. Se, por um lado, a indicação pelo superior imediato pode significar que existe

uma política de reconhecimento e recompensa àqueles que se destacam, por outro, não se

pode ignorar que a avaliação é um ato duplamente subjetivo: do avaliador – ser humano -

e da coisa avaliada – (às vezes, outro ser humano, como neste caso). Por mais que o

avaliador se “policie”, é muito difícil uma avaliação isenta de erros, de subjetividade,

como o Efeito Halo e o Contraste21, por exemplos, que poderão favorecer a uns, em

detrimento de outros;

d) a população negra analisada possui um menor nível educacional, quando comparada

com a branca. Este é um argumento muito utilizado para a não contratação da mão-de-

obra negra. Apesar de os dados não contemplarem o todo organizacional (foi entrevistado

29% da população), deve-se atentar mais para essa informação, pois apesar de não ter

sido um censo, esses dados podem corresponder à realidade organizacional.

Conforme sublinhado anteriormente, há muitas outras indagações, outros

questionamentos que uma pesquisa dessa natureza não dará conta de responder (também

não era nossa pretensão fazer uma pesquisa etnográfica22, em profundidade), como por

exemplos: Estaria havendo um “branqueamento” intencional da força de trabalho da

empresa estudada? Ao se exigir “boa aparência”, como pré-requisito indispensável nos

processos de recrutamento e seleção, não se estaria buscando uma forma de segregar o

20 “Front Of” – indivíduos que trabalham nas funções que tomam as decisões e tratam diretamente com o hóspedes(Tanke, 2004). 21 “Erros de avaliação: Efeito Halo (exagero do avaliador no que tange à homogeneidade das caraterísticas ou traços de um indivíduo); Contraste (os avaliados são, freqüentemente, julgados em comparação com ou tros, esquecendo-se de avaliar os resultados negociados); Similaridade (tendência do avaliador de julgar mais favoravelmente àqueles que ele percebe como similar: comportamentos, atitudes... semelhantes) a si próprio); Primeiras Impressões (tendência de avaliar com base em julgamentos feitos fundamentalmente a partir dos primeiros contatos); Tendência Central (tendência em evitar pontos extremos da avaliação. To –dos, em geral, são medianos)” (Santos,2002). 22 “Etnografia / Pesquisa etnográfica: “trabalho de mapeamento de categorias usadas por um grupo de pessoas para classificar o mu ndo à sua volta, os diferentes tipos de pessoas e as relações que se estabelecem entre elas, o mundo material em que estão inseridas e suas relações com o mundo empírico. Busca entender aquilo que está sendo dito pelos atos, pelos comportamentos ou pelos discursos. Significa olhar com novos olhos, com uma postura de “ adentramento” e “estranhamento”, aquilo que antes passava despercebido pelo pesquisador; fazer perguntas, sobre coisas dadas como certas; buscar a lógica e o significado por trás de cada ato automático e inconsciente; olhar aquele “mundo”, antes tão “familiar”, como se fosse uma outra civilização” (Barbosa, 2003).

57

negro? O que caracteriza uma boa aparência? Não seria um juízo de valor? O belo, o

bonito, o feio dependem da ótica de quem os vê.

Esses, e muitos outros aspectos, deverão fazer parte da filosofia das Organizações que

quiserem ser vistas pelos seus stackholders 23 como socialmente responsáveis. Aliás, não

se trata mais de querer ou não querer24. Pesquisas revelam que aumentaram o grau de

consciência e o nível de cobrança da própria sociedade, exigindo que as empresas

cumpram seu papel social, seja através de leis que regulem as atividades de uma

indústria, de forma a atender aos interesses e bem-estar das pessoas, seja através da

exigência do cumprimento dos códigos de defesa do consumidor, da preservação

ambiental, dentre outras (Santos, 2004).

A gestão da diversidade pelas organizações, no que tange à criação de oportunidades de

emprego o afro-descendente, portadores de necessidades especiais e outras minorias deve

ser considerada um dos eixos da responsabilidade social corporativa. Ações como essas

certamente contribuirão para que esses grupos possam usufruir, em sua plenitude, dos

mesmos direitos, como qualquer outro cidadão.

CONSIDERAÇÕES E RECOMENDAÇÕES

É importante frisar que um estudo em diversidade precisa explicar o que é ser “diverso”

nas organizações brasileiras, para não se correr o risco de cair na armadilha do modismo

que impregna o mundo empresarial. Deve-se ter, também, o cuidado de não ver a questão

da diversidade de maneira simplista ou reducionista. É preciso ir ao âmago da questão,

que nos remete a outros graves problemas de desigualdades sociais no Brasil.

Acreditamos que essa realidade poderá ser modificada adotando-se políticas que

fomentem a prática de ações afirmativas. É importante frisar, contudo, que através de

mecanismos como esse o negro vem conquistando algumas vitórias. Mesmo assim, o

23 “Obrigações das organizações em relação a todos os que delas dependem ou são por ela afetados” (Santos, 2004). 24 “A lógica da utilização da Responsabilidade Social Corporativa por parte das empresas.não é a consciência, que não possuem, nem o medo a punições legais, de que se podem defender, que têm levado as empresas a se preocuparem com a responsabilidade social. Os principais fatores que as animam são a busca de uma imagem comercialmente conveniente, a procura de vantagens competitivas em ambiente de concorrência incivil, e os reclamos decorrentes dos danos sociais provocados por suas atividades”(Thiry-Cherques, 2003).

58

governo deve ter uma ação mais participativa e atuante, criando leis que estimulem a

inserção das minorias no mercado de trabalho, como por exemplo: vinculação de

financiamentos de empreendimentos hoteleiros a sistemas de quotas para as minorias,

não somente para a função operacional, mas para todas as funções. Por outro lado, as

empresas poderão adotar uma gestão da diversidade que procure reduzir as diferenças de

oportunidades entre negros e não negros no mercado de trabalho hoteleiro em Salvador.

Um primeiro passo para sua implementação é identificar os percentuais de negros e

brancos contratados e de outras minorias25, traçando o perfil de cada grupo (cargo/função

ocupada, idade, sexo, escolaridade tempo de empresa, remuneração, h/h investidas em

treinamento e desenvolvimento e outros atributos diferenciadores desses grupos).

Segundo o ETHOS (2003), as empresas podem, também, praticar a gestão da diversidade

racial através das seguintes iniciativas:

a) criar um comitê/conselho de diversidade;

b) realizar treinamentos internos e externos (com fornecedores);

c) iniciar um diálogo/criar parcerias com entidades do terceiro setor e com outras

empresas sobre e para a promoção de diversidade;

d) buscar alinhamento entre ações externas e ações internas na promoção da diversidade;

e) estabelecer metas específicas de longo prazo para aumentara a presença dessas

minorias na empresa, em todos os níveis;

f) oferecer incentivos financeiros aos gestores para cumprirem essas metas.

As minorias além de, em muitos casos, serem preteridas em seus direitos fundamentais,

acabam por sofrer econômica e financeiramente, com maiores dificuldades para ascender

na pirâmide social. Portanto, investir na diversidade e, especificamente, na diversidade

racial, é exercitar o dever de contribuir para uma sociedade mais justa e para uma

economia mais competitiva.

Espera-se que este trabalho possa colaborar para o aperfeiçoamento e a expansão das

práticas que, de alguma forma, venham acabar com os preconceitos e reduzir as 25 “Minoria: ou grupo minoritário: grupo de pessoas que, em virtude de suas características físicas ou culturais, são separadas de outras na sociedade em que vivem, por um tratamento diferencial e desigual, por se considerarem objeto de discriminação coletiva. A existência de minorias implica a existência de um grupo dominante com status social mais alto e maiores privilégios; o status de minoria significa a exclusão de participação comp leta na vida da sociedade. Neste contexto, ocupam posição desvantajosa em relação aos demais indivíduos, possuem marcas de identificação raciais, culturais ou outras; são alijadas de certas oportunidades (econômicas, sociais, políticas) e são objeto de preconceito e discriminação”(Wirth, In Silva, 1986).

59

desigualdades sócio-econômicas, estimulando às empresas e à sociedade a abraçarem

esta causa, como uma filosofia, como um valor. A problemática exposta não é de

interesse apenas das minorias, mas de toda a sociedade.

É importante ressaltar que, por se tratar de um estudo de caso, seus resultados não

deverão ser estendidos ao conjunto das organizações hoteleiras para que se evitem

incorrer em simplificações e não se adotem posições maniqueístas. Não se deve tirar

conclusões definitivas, até porque em ciências sociais quase todos os achados devem ser

relativizados e nem sempre generalizados. Tais, entretanto, poderão se constituir em

preciosa fonte para reflexão e ação: que se busque trilhar em direção a uma verdadeira

democracia, em que traços étnicos não sejam fatores impeditivos para a ascensão

social das pessoas; e que o negro de hoje possa repetir o que há mais de cem anos já

ousava dizer:

“... negro não há mais não. Nós tudo hoje é cidadão.” (sic).

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APÊNDICE A – Questionário de Pesquisa Centro Federal de Educação Tecnológica Bahia

Bacharelado em Administração com Habilitação em Administração Hoteleira

Trabalho Monográfico

Prezado colaborador, Sua opinião é importante para conclusão desta pesquisa acadêmica, que tem como objetivo verificar a gestão do hotel em relação à diversidade cultural dos empregados. Conto com sua participação, para responder este questionário. Grato pela colaboração.

1. PERFIL PESSOAL

1.1 Cor da pele ?

??Branca

??Amarela

??Preta

??Parda Faixa Etária, Idade?

1.2 Faixa Etária?

??Menos de 20 anos

??Entre 20 e 30 anos

??Entre 30 e 40 anos

??Entre 40 e 50 anos

??Mais de 50 anos

1.3 Escolaridade ?

??10 Grau

??20 Grau

??30 Grau(Superior)

??Outros

1.4 Sexo?

??Masculino

??Feminino

2. PERFIL FUNCIONAL

2.1 Função que exerce?

??Gerente

??Supervisão

??Execução

2.2 Cargo que exerce? _____________________

2.3 Tempo de Empresa?

??Menos de 1 ano

??Entre 1 e 3 anos

??Entre 3 e 5 anos

??Entre 5 e 7 anos

??Entre 7 e 10 anos

??Mais de 10 anos

3. POLITÍCAS DE R. H.

3.1 Ascensão na Carreira, Promoção?

??Sim

??Não

3.2 Ao surgir uma promoção, como é feio o processo?

??Indicação

??Processo Seletivo

??Indicação c/ Processo Seletivo

??Outros

3.3 Sistema de gestão?

??Excelente 10 - 8

??Boa 7 - 6

??Regular 5 - 3

??Ruim 2 – 0

3.4 Realiza treinamento e desenvolvimento?

??Sim

??Não

3.5 Participação?

??Sim

??Não, Por que? __________________________________________________________________________.

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ANEXO B – Organograma Da Organização Hoteleira

ORGAOGRAMA EMPRESA X

Coordenação de R.H.

Compras Controladoria

Gerêcia de Vendas Gerência A&B

Recepção Reservas

Gerência Habitações

Marketing Informática

Gerênte Eventos

Almoxarifado

Gerênte Manutenção

Gerência Geral