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Marcelo Antônio Musa Lopes

A CAMINHO DO CÉU...

Marcelo Antônio Musa Lopes

Ilustração da Capa:

Marcia Regina Gubolin Lopes

Sumário

1ª PARTE:

Cap. I – A Despedida.

Cap. II – A Viagem.

Cap. III – A Verdadeira Riqueza.

Cap. IV – O Porquê da Morte.

Cap. V – A Primeira Parada.

Cap. VI – O Vendedor de Felicidades.

Cap. VII – A Pequena Família.

Cap. VIII – A Grande Família.

Cap. IX – O Porquê das Coisas.

Cap. X – O Porquê da Vida.

Cap. XI – O Julgamento.

Cap. XII – O Reencontro.

2ª PARTE:

Cap. I – Ressuscitado.

Cap. II – A Luz do Mundo.

Cap. III – A Obra de Deus em Nós.

Cap. IV – Louvor a Deus.

Cap. V – Prece de Misericórdia.

Cap. VI – Natureza.

Cap. VII – Irmão Desconhecido.

Cap. VIII – Poemas de Luz.

Cap. IX – Mãe das Mães.

Cap. X – O Purgatório.

Cap. XI – O Paraíso.

Cap. XII – A Grande Missão.

3ª PARTE:

Cap. I – A Fonte da Vida.

Cap. II – O Significado da Cruz.

Cap. III – A Ressurreição em Vida.

Cap. IV – Além da Visão Humana.

Cap. V – Eterna Alegria.

Cap. VI – A Verdade e o Pecado.

Cap. VII – Ricos de Nada.

Cap. VIII – A Perfeição do Imperfeito.

Cap. IX – A Obediência.

Cap. X – A Um Passo do Paraíso.

Cap. XI – O Rio de Ouro.

Cap. XII – As Sete Igrejas.

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INTRODUÇÃO

ESTA OBRA É UM CONVITE À REFLEXÃO,

BUSCANDO DESCOBRIR

O SENTIDO DA VIDA

E A COMPREENDER O DA MORTE.

SABER QUE, AQUI E HOJE,

NA NOSSA TERRA

E JUNTO COM NOSSOS SEMELHANTES,

PERCORREMOS O CAMINHO,

QUE PODERÁ SER O DO CÉU,

DA VITÓRIA E DA VIDA.

E VENCER A MORTE,

ANTES QUE ELA CHEGUE...

1ª PARTE:

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- CAP. I - "A despedida"

Tinha um compromisso... E corri contra o tempo. Hoje, não sei bem, se tinha algum compromisso, mas sei que havia todo o tempo do mundo pela frente... Havia. Perdi meu compromisso, perdi-me no tempo, perdi minha vida. Mais... Perdi a todos que amo. Percebi a morte e fui abraçando a todos, como numa despedida. Senti a saudade, o arrependimento e o carinho que tinha por todos que ali estavam. O sino tocou. Em fila, carregavam meu corpo, na tristeza do adeus. Senti que também era a minha hora. O incrível é que não existia mais em mim o sentimento do medo, que era o que mais tinha da morte, quando em vida, ou melhor, na vida terrena. Estava só entre os humanos; não vi nenhum espírito naqueles momentos. Mas mesmo assim, sentia muita paz. Num relance, beijei a terra onde pisava e, no mesmo instante, parecia repousar sobre ela. Acho que dormi um sono profundo. Deixei, porém, um recado para os que estavam presentes a minha despedida. Era um bilhete escrito por mim, já fazia algum tempo, e que leram durante as orações:

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"Sorri para todos os dias, embora nem todos sorrissem para mim; Respeitei meus semelhantes, embora nem todos me respeitassem; Amei a minha vida, embora desejasse ela, um dia, a minha morte. Hoje parto: – sorrindo, mesmo de olhos cerrados, para a luz do novo dia; – abraçando, na despedida, meus amigos e inimigos; – amando, mesmo morrendo, a vida que me espera..."

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- CAP. II - " A Viagem "

Acordei, e percebi que estava numa viagem. A impressão que tive é que eu me encontrava

dentro de um "trem", pois haviam várias poltronas ocupadas por passageiros e "voávamos" num sentido único, para o alto, envolvidos por uma luz intensa que se fazia perceber do lado de fora deste "trem".

Sentia-me um pouco perdido, como quem tivesse pego o "bonde andando", não sabendo porque, para que e nem para onde seguia.

Estava ainda sonolento, quando comecei a reparar nas pessoas a minha volta.

Pareciam estar como eu, ignorando tudo ali, apesar de alguns estarem sorrindo, como que já ambientados ao lugar.

Olhei para frente e vi uma porta. Realmente parecia um vagão de trem. A diferença é que não andava em trilhos, mas numa única direção e para o alto.

O silêncio era total. Mas, de repente, comecei a ouvir sons, como que

se meus ouvidos tivessem sido destampados naquele momento.

O interessante é que podia escolher o que escutar: ao longe, uma música bela e suave; mais próximo, os passageiros que conversavam entre si; e, mais ao centro, um silêncio pronto a começar a falar, isto é, senti que era ali onde deveria me sintonizar e por isso chamei de centro de minha audição, que, apesar do silêncio, percebi que alguma coisa dali eu teria que escutar e estar atento.

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A porta do final do vagão, naquele instante, abriu-se para entrar um Anjo, com todo seu esplendor e beleza.

Era justamente ali, naquele espaço, que eu havia me sintonizado em relação aos sons.

O Anjo cumprimentou a todos os presentes e disse:

– Sejam bem-vindos. Aproveitem ao máximo as experiências desta viagem. Para alguns será mais longa, para outros, mais breve. O fim será o mesmo. Terão a recompensa que tanto almejam seus corações: a paz infinita junto de Deus. Aqui se processa a cura das últimas feridas da vida terrena. É o começo de uma viagem para uma nova vida, cheia de virtudes. Os maus sentimentos, vocês já perderam quase todos. Por exemplo: o medo, que é vinculado à carne e não ao espírito. E, do mesmo modo, tudo aquilo que de mal carregavam em seus corpos humanos. Não digo do corpo físico em si, pois fora criado perfeito, mas dos instintos perversos e prazerosos decorrentes da capacidade volitiva do ser humano. Mas aqui vai o primeiro ensinamento: nunca desprezeis a vida humana; sem ela, sem o contato físico, sem a matéria e a realidade física, o espírito de vocês não conseguiria tamanho progresso. Não há nada mais belo e virtuoso que, na plenitude de sua liberdade, a verdadeira e sincera opção pelo bem, pelo amor a Deus. E foi isso que vocês optaram. E por isso estão aqui, a caminho do paraíso celestial. A partir de agora vamos viver juntos, momentos de reflexão intensa. E muita coisa continuaremos aprendendo com a vida terrena, inclusive o porquê da morte. Vocês saberão a hora que cada um deverá vir aqui a frente e falar, contando um pouco de suas vidas. Vocês aprenderão mais sobre os conceitos de vida e morte, carne e espírito, trevas e luz. Convido agora cada um a vir à frente contar sua vida e sua morte. Aqui, cada qual saberá a sua hora. Pois, apresentem-se.

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E assim terminou o Anjo, ficando um pouco de

lado, para dar espaço àquele que iria se apresentar.

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- CAP. III - " A verdadeira riqueza "

Levantou-se, então, um homem forte, alto e avermelhado.

Chegando-se à frente de todos, sorriu. Mostrou-nos, com um simples mas sincero gesto,

que aquela fortaleza a primeira vista, não era imponente, mas bastante meiga.

Antes de se apresentar, com o dedo apontou e chamou para junto de si uma menina, de aparência simples, humilde e frágil.

Estando ela ao seu lado, pôs-se a dizer:

– Sou Ben Ward, australiano de origem britânica. Nascido em Welbourne, vivi meus últimos anos em Sidnei, onde tive a felicidade de conhecer esta garota. Até hoje não sei seu verdadeiro nome, pois, chamo-a, desde o primeiro momento que a vi, de "Lua", porque na escuridão de minha vida foi ela a luz que me trouxe a paz e, agora, para junto de vocês.

E continuou sua história: – Já era tarde, quando resolvi fazer um passeio por

um local deserto. Era rico, dono de muitos bens e patrão de muitos empregados. Mas estava cheio de tudo, amargurado por não ter conseguido na vida algo que não sabia o que. Talvez, a felicidade. Por isso fui para longe de tudo e todos. Parei meu carro e comecei a caminhar. A cabeça pensando em mil coisas; até em suicídio. Quando então, defrontei-me com uma ‘fera’, que apareceu não sei de onde. Nesse momento, abandonei o pensamento de morte, e o medo me fez sentir a necessidade de viver, que

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estava errado o modo como vivia, e não a vida, que a partir de então, parecia-me tão bela e distante... O ar me faltava a medida que se aproximava de mim aquele animal grande e feroz. Vinha em minha direção como alguém que se prepara para um combate. O sol já começava a se esconder e eu ali, imóvel, pensando na vida, quanto mais a morte se aproximava. Não sei bem se era a noite que vinha chegando muito depressa ou se eram meus olhos que iam cada vez mais ocultando o que estava diante de mim. Pensei pela primeira vez na existência de algo superior, maior que tudo, que minha fortuna, minhas máquinas, minha posição social, minha própria vida... Algo que pudesse me dar a salvação naquele momento, uma chance para que eu realmente nascesse para a vida, tão desconhecida até aquela tarde sombria. Pensei em alguém que fosse maior que a morte, e que me desse a vida. Pensei na existência de Deus. Roguei por mim. Nesse momento, a fera começou a correr em minha direção para dar o bote fatal. Com todo este corpo que aparenta uma força tamanha, que os deixaram admirados, não fiz nada, sem reação alguma para defender minha própria vida. Simplesmente fechei os olhos. E a ‘fera’ caiu morta. Uma flechada certeira, bem no rumo do corarão. Olhei então para traz e vi a menina que agora se encontra aqui ao meu lado e junto com vocês. Ela atingiu a ‘fera’ com uma flechada e a matou, e com toda esta fragilidade aparente. Eu, quase sem voz, perguntei, após o ocorrido: “– Como fez isso?” Ela respondeu: “– Isso? Faço sempre para matar a fome. É o que comemos lá em casa. Quando não encontramos aves ou animais menores, enfrentamos esses grandes. Mas já não me assustam mais. A fome é maior...” Disse, então: “– Menina "Lua", leve-me até sua casa e me ensina a sobreviver. Talvez, um dia, após aprender essa lei da vida, aprenda realmente a viver. E partimos para onde morava, numa

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tribo de aborígenes. Lá aprendi a razão da vida e, um dia, uma "doença natural" me matou, e hoje estou aqui. Ela, ainda garota, partiu junto comigo, na mesma data...

E concluiu: – Talvez perguntem: “Mas existe ‘fera’ na

Austrália?” E eu lhes respondo: “Porventura não criamos as nossas próprias ‘feras’ em momentos de nossa vida, ainda que na realidade nunca existiram?”

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- CAP. IV - " O porquê da Morte"

E assim se apresentaram todos os demais, contando suas vidas, inclusive eu. Após o encerramento dos discursos, disse o Anjo:

– Querem mesmo saber porque chegaram aqui? Vou contar-lhes uma estória:

“Havia um corarão que chorava baixinho... Estava com frio, fome e sede. Naquela noite parou de bater. Não muito longe dali, havia um corarão que

relutava em bater, mas o excesso de drogas e bebidas alcóolicas arrancaram-lhe o último suspiro de vida.

Também havia um corarão generoso e alegre, que sacudido pelo dia a dia estressante não agüentou: quedou logo.

Perto daquela casa morava alguém de corarão forte e sadio, que não respeitou uma sinalização de trânsito, e seu veículo acidentalmente o matou.

Na mesma família havia um grande corarão que deixou saudades.

Mas, assim como as pragas atacam as plantações, também as doenças agridem os homens.

Também existem bandidos que matam e se vosso corarão não estiver preparado: adeus! Faz parte da vida morrer. Cuidemos dos dois!” Dito isso, sorriu o Anjo, e indicou-nos o caminho da porta, desejando boa viagem.

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Vimos então que era a nossa vez de descer do ‘bonde’. “Íamos para outra viagem?” – pensei eu. Conclui, até então, que a morte não é tão estranha assim. Não é uma incógnita sem qualquer explicação. É, apenas. Existe. Se não existisse morte, existiria vida?

Se não tivesse a morte um valor sentimental, teria valor a vida?

A morte faz parte da passagem, do caminho, do ensinamento, aprimoramento e crescimento que vivemos na Terra. E como a liberdade está presente em nossas vidas, também está na morte.

A morte não é sinônimo do destino, mas da vida. É uma conseqüência da vida e de tudo que nos

rodeia. Há uma probabilidade matemática de acontecer, como há uma força sobrenatural de impedi-la: a fé.

A fé que se traduz no amor e obediência a Deus e muita oração; sabendo humildemente que não é a força da nossa fé que salva, mas sim a graça divina. E ainda: que a vontade de Deus deve estar sempre a frente da nossa própria vontade, pois, como Pai, sempre nos reservará o melhor caminho.

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- CAP. V - " A Primeira parada "

Ao descermos do "bonde", tivemos a impressão de que não havíamos sequer saído do chão de nosso planeta Terra. Éramos em número de trinta e seis, além de nossos três guias, que imaginávamos ser outros Anjos, com a forma mais humana possível. Nós também tínhamos nossos corpos como antes da partida, visualmente inteiros e com as vestes usuais, sem possuirmos contudo, os sentimentos físicos já anteriormente abandonados. Ordenaram, então, nossos guias, para nos dividirmos em grupos de doze. E desse modo, cada grupo com um guia, seguimos em caminhos diversos.

Nosso guia, após pequena caminhada, apontou-nos um lugar e nos disse:

– Vamos até aquele casebre; lá há outros irmãos que precisam de ajuda.

Chegando no lugar indicado, fomos bem recebidos pelos moradores dali, que nos deram água para beber, como havíamos solicitado. Os habitantes da casa eram em cinco, dois homens e três mulheres.

Conversando normalmente com eles, percebemos a necessidade que tinham: perderam a esperança de uma vida melhor e mais feliz, diante de tantos sofrimentos que passavam.

Nosso guia, disse-lhes então:

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“– Era uma vez um sorriso, que diante de tantos sofrimentos,

se fechou...

Em seu lugar ficaram rugas, marcas de um sorriso que não mais existe.

E diante das angústias nasceu uma tristeza,

brotou uma lágrima, que se transformou em prantos.

E o choro tomou seu lugar diante de tanto sofrimento. Até que se descobriu num horizonte não muito distante, a esperança.

E uma gota de esperança se lançou ao ar e espalhou-se com o vento.

E esse novo sentimento fez renascer...

... no rosto da tristeza, a felicidade; ... na lágrima de dor, a da alegria; ... nos prantos de choro, um doce sorriso.

Pois, não há dor sem choro... Nem sorriso nos sofrimentos.

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Mas, em meio aos prantos e a dor... A esperança faz renascer:

o sorriso, a alegria... O verdadeiro amor."

E assim nosso guia terminou seu discurso. E, com

um sorriso, disse para seguirmos viagem. Despedimos de nossos hospedeiros que, quando já estávamos longe, acenou-nos um adeus, com sorrisos estampados nas faces.

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- CAP. VI - " O Vendedor de Felicidades "

Percorremos um bom caminho, sem qualquer cansaço ou esforço, e sem preocupação com horário, pois, espaço e tempo já não existem para nós.

Chegamos num belo lugar, onde parecia conter toda riqueza da face da Terra reunida. Conhecemos, logo, o dono de tudo aquilo. Dessa vez, não fomos tão bem recebidos, pois nos tinham por ladrões. Tivemos que provar o contrário para a polícia da localidade. Somente após admitirem que éramos apenas estrangeiros em trânsito, permitiram que passássemos a noite numa pensão da cidade. Nosso guia, contudo, demonstrando ser muito rico, chamou a atenção daquele homem afortunado, dono de toda riqueza que antes vimos, pois, no dia seguinte, bem cedo, visitou-nos dito homem com a intenção de arrancar de nós, com sua habilidade e esperteza de diálogo e raciocínio, a riqueza que imaginava possuirmos.

Nosso guia, no primeiro contato, contou-lhe a seguinte estória:

“– Havia um homem super-feliz que, em certa época de sua vida, na ambição de ficar rico, montou um ‘comércio’, onde comprava e vendia ‘felicidades’. Chegou num ponto em que tinha todas as ‘felicidades’ existentes no mundo, expostas em sua ‘banca’. E, estando o povo triste, vendia caro um pouco de felicidade. Todo mundo que passava diante de sua ‘banca’, pagava o que fosse, mas levava um pouco de felicidade consigo. E, assim, foram-se vários dias; o vendedor de felicidades

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cada vez mais rico, e o povo cada vez mais feliz. Até chegar o dia em que o vendedor percebeu, ao aparecer-lhe mais um freguês, que já havia vendido todas as felicidades expostas em sua ‘banca’, restando-lhe apenas a que ainda trazia consigo. Ele estava milionário, mas sua ambição pelo dinheiro, de ganhar sempre mais e mais, fez com que vendesse a última ‘felicidade’ que possuía. Logo que o comprador se foi, ele disse, entristecido: – Sou rico, mas infeliz."

E, terminada a estória, perguntou ao homem rico:

– Que queres de nós? O que o fez vir até a nossa presença? Por acaso, viestes reparar a descortesia com que nos recebestes? Por acaso, tivesse sido nossa alegria que encantou a ti, tendo-nos procurado para adquirir um pouco de felicidade? Ou, ainda, ao contrário, buscastes em nós somente a riqueza material que imagina possuirmos, de nada importando se seremos prejudicados ou não com tua vã ambição?

E continuou, com o homem já cabisbaixo:

– A felicidade deve ser nossa maior ambição. Dinheiro não traz felicidade; ainda que busques nele encontrá-la, isso não importa dizer que a terá. Já, viver feliz, pode não trazer alegrias, mas viver alegre, pode trazer muitas felicidades...

O ‘pobre’ homem não conseguia levantar sequer a cabeça e os olhos para os que estavam a sua volta. E dessa maneira saiu dali. Ficamos naquela cidade mais uns dias, e ouvíamos o comentário do povo: que o homem

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mais rico do mundo estava calado há dias, num silêncio da profundeza da alma.

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- CAP. VII - " A Pequena Família "

Dessa vez, transportamo-nos para um local muito distante daquele em que estávamos. Fomos visitar uma pequena família, em cujo lar frutificava a desordem, provocando inúmeras brigas capazes de levá-la a destruição.

Dialogamos, primeiramente, com o chefe daquela família. Todos nós fizemos alguns comentários, aconselhando-o:

"– A família é tão importante quanto o são suas responsabilidades." "– A família deve funcionar como um pára-raios nas tempestades, mas nunca ser sua origem ou seus efeitos."

"– Um lar, não constitui uma casa de tijolos, mas sim, o abrigo de corações felizes."

E, já presentes os demais membros daquela família, continuamos:

"– ...Se você fosse um pouco diferente, e você também, se fosse um pouco diferente... Ela também, um pouco diferente. E eu, se eu fosse um pouco diferente... Enfim, o mundo. Se o mundo fosse diferente... ...Nós seríamos todos iguais, o mundo seria muito igual. Então não existiriam pessoas... ...Não existiria mundo. Por isso compreender melhor as pessoas é melhor que desejar mudá-las. Compreender melhor o mundo é a melhor maneira de procurar melhorá-lo."

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"– Quão difícil é compreender tudo aquilo que é contra a nossa vontade, nosso desejo ou nossa opinião. Compreender é difícil, mas quem possui esse dom sabe que, de todas as artes, esta é a que mais ascende... ...Ascende-se ao alto, até o pico mais elevado: o cume da pureza, do amor."

"– Pai... Pai é o maior dos amigos. É aquele que está sempre pronto a dar sua própria vida pela nossa."

"– Mãe... Mãe é a natureza, a criação. É aquela que nos conhece profundamente, mais que a nós mesmos."

"– Filhos... Se existe algo mais bonito que filhos, está ainda por nascer."

"– Está escrito na Bíblia Sagrada: ouve, filho meu, a instrução de teu pai, e não largues a lei de tua mãe; o que honra a seu pai, achará a sua alegria nos seus filhos, e será atendido no dia da sua oração; o que honra a seu pai, viverá uma vida mais dilatada; e o que lhe obedece, dará refrigério a sua mãe; filho, ampara a velhice de teu pai e não lhe dê pesares em sua vida; e se lhe forem faltando forças, suporta-o, e não o desprezes por poderes mais do que ele, porque a caridade que tu tiveres usado com teu pai, não ficará posta em esquecimento."

Reclamaram, então, nossos ouvintes, da aparente rotina. Nosso guia, imediatamente assim respondeu:

"– Muitas vezes se confundem segurança e tranqüilidade com rotina. Sair da rotina não é buscar novas aventuras, mas antes, cultivar um afeto, um carinho, um beijo, um abraço, um olhar, um sorriso, um trabalho, um cuidado; uma flor, com seus espinhos, com seu perfume, com a beleza e pureza de um verdadeiro e sincero amor."

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E, sabendo nosso guia do que realmente se passava no seio daquela família, terminou dizendo:

"– Lançam-se os anzóis, atrai-nos as iscas; somos fisgados como peixes e arrancados nossos corações, separando-nos e mutilando um amor. Um amor sereno e tranqüilo enquanto seguro nas profundezas do oceano, não importando se o mar está calmo ou revolto.

Mas as cegas aventuras, atraídas por falsas fantasias, como iscas adornadas em anzóis, acabam por nos fisgar e nos separar, pondo fim a um eterno amor. Não nos deixemos levar. Seja nosso amor como uma árvore que dá frutos. Arrancam-lhe os frutos, podam-lhe os galhos, mas a seiva do amor floresce sempre, escondida na profundeza das raízes e protegida pela mãe terra.

Enquanto o "dono" da árvore não cortá-la ou autorizar para que o façam

ninguém poderá tocá-la. Assim como os galhos da árvore se elevam aos

céus também nossos braços devem se erguer em louvor ao "dono" da árvore, Nosso Criador, e assim, protegido e bem guardado, estará para sempre o nosso amor."

E logo despedimos deles, deixando lá plantada uma semente, que poderá fazer renascer em cada um os

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laços de antes, impedindo-os de alienarem por inteiro os próprios corações.

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- CAP. VIII - " A Grande Família "

Chegamos, então, no meio de uma grande família. Família humana que não apenas brigava entre si; pior: guerreavam. E em meio a uma guerra, que sempre assolou o planeta Terra, nos deparamos. E como a batalha se estendia por terra e mar, estando este com suas cores azul e verde manchadas de vermelho e preto, jogamos, do alto, panfletos, que choviam sobre as embarcações e adentravam os submarinos, penetrando, também, nos aviões que sobrevoavam aquela área. Neles, estavam escritos:

“Não havia naquela terra conflitos Nela tristeza não se via Nunca fome alguém passava Nem maldade existia

Naquela terra fingimento não havia Nada nela se pedia Ninguém dela reclamava Nuvens sobre ela sorria

No amanhecer do dia Navios sobre ela passavam Na suavidade de suas ondas Nenhum lixo pousava

Nesta terra tão sonhada

Nos mostrando hoje a beleza que são Neves derretidas e azuladas Noutros tempos futuros não serão

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Naves confrontando-se Num trecho que para história ficara Nadava-se nela peixes Numa terra que era pura água...”

Feito isto, retornamos à terra. E lá encontramos com alguns soldados, que vendo nossas estranhas vestimentas, alheias a tudo que se passava, perguntaram-nos:

– Quem são vocês e o que fazem por aqui?

Ao passo que respondeu nosso guia:

“– Desejamos saber como viver neste mundo. A gente transmite amor, enquanto o mundo o ódio; a gente fala em paz, e o mundo em guerra; a gente procura fazer caridade, num mundo cheio

de ingratidão; a gente quer sorrir, neste mundo cheio de lágrimas; a gente querendo sempre ajudar, e o mundo

envolvido em brigas de interesses. Mas qual a diferença entre a gente e o mundo? A gente é gente. O mundo não é gente. Mas, por que o mundo não é gente se a gente é o

mundo?”

A esta pergunta não tiveram resposta os soldados. Ignoraram a nós e se voltaram para o campo de batalha. Ficamos ali, observando. Passados alguns minutos e uma bomba explodia sob nossos pés. Metade daqueles soldados acabavam de morrer. Os sobreviventes,

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apavorados, não sabiam o que fazer. Estavam ainda meio perdidos, quando ouviram uma mensagem através do rádio: "– Ordem de suspender fogo. Os chefes políticos marcaram uma reunião para uma tentativa de acordo de paz, com ordem de cessar fogo até final decisão a ser tomada após referida assembléia."

Silenciou-se por uma hora.

Olharam uns para os outros, e também para os amigos mortos. Olharam depois para os prisioneiros de guerra que levavam consigo. Por fim, lembraram-se de nós, e em nós colocaram os seus olhares.

Nosso guia, novamente tomou a palavra:

"– Cruzam os céus fogos de horror, o sangue brota na terra:

é morte, tristeza e dor.

Lamentos são em vão, pois as pedras não choram. Irmão mata irmão; um leva a dor, outro, a glória.

Cruzam os mares fogos de terror, o sangue brota na água: é morte, tristeza e dor.

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Lamentos são em vão, pois os peixes não choram. Irmão mata irmão; um leva a dor, outro, a glória.

Cessam os fogos, reconstituem-se as ruínas. Aos vencido e vencedor, para sempre permanece,

fora dos campos de batalha: a dor.

Homens que roubam, seqüestram e matam; homens que corrompem, que não partilham; fazem da vida um campo de batalha; fazem da vida, a morte...

Homens que enganam, que traficam; homens que poluem, que destroem; homens que se vendem, que se prostituem; homens vazios...

Homens irados, que lançam fogos pela boca; de corarão podre, carente de amar...

A vida, um campo de batalha... Na guerra, na comunidade, dentro de cada um. A vida... Tão mal vivida, tão desprezada, tão perdida.

Corações vazios... Carentes por amar, por servir, por dar... Inexiste carência de amor;

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tudo isso é carência de AMAR.

Ninguém será um pobre coitado, abandonado, desprezado, oprimido. Basta tentar. Basta, antes que ser amado, AMAR!"

E assim terminou seu discurso. Bonito aos ouvidos mas tristes aos olhos do corarão.

Soltaram, então, os prisioneiros. E, todos juntos, começaram a enterrar os mortos.

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- CAP. IX - " O Porquê das Coisas "

Enquanto os inimigos daquela batalha se ajudavam mutuamente, pelo menos durante aquele intervalo de paz, afastamo-nos dali sem que percebessem. Nosso guia nos levou, desta vez, para um lugar sereno, onde até nós podíamos sentir tranqüilidade e descansar o espírito, já carregado da negatividade humana. Após breve repouso, nosso guia nos dirigiu a palavra:

“– A prostituição não é só feita de prostitutos, mas de prostituídos... A miséria não é gerada por culpa dos pobres, mas daqueles que não partilham... A corrupção não é completada pelos corruptores, mas pela aceitação dos corrompidos... A violência não é a arma dos fracos e oprimidos, mas a falta de amor dos fortes e poderosos... Os imundos programas televisivos não são

financiados pelo patrocinador, mas pela audiência...

As bebidas, as drogas e o jogo, não são vícios dos usuários, mas dos interessados...

A política não é um mal para o povo, mas um bem para os maus governantes... Cristo não é um meio de salvação; é a única esperança de vida.”

E, após uma pausa, continuou:

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“– O amor não dói, não mata, nem entristece, nem destrói.

É puro, é belo, é imortal e inconfundível. Amor não é paixão. É uma arte e não um vício. É, acima de tudo, um dom. O amor é a sublime razão do espírito;

aprender amar, a principal razão da condição humana. E tudo que é feito com amor, equivale a uma boa

oração. O contrário também é verdadeiro: se todo Homem, na sua fraqueza, buscasse forças na oração, certamente que seu coração para o amor se voltaria, encontrando ele a tão esperada paz, o primeiro passo para a felicidade. Dizia Santo Antão: "– Por onde quer que andes, tens sempre a Deus diante dos olhos." E, alertava Santo Agostinho: "– Ore, não por um fardo mais leve, mas por ombros mais fortes." Vamos, pois, orar um pouco, para que nosso espírito se encha da paz do Senhor, sem a qual não caminhamos fortes e seguros na tarefa de promover a justa paz.”

Assim, todos ajoelhamos e rezamos. Ao concentrarmos na oração, ouvimos e sentimos

todas as vibrações de correntes humanas que ao mesmo tempo se encontravam em igual situação: cada qual com sua prece; todas com único significado: louvar o Criador. E, desse modo, coloquei-me a orar juntamente com um, e depois com outro, e assim, por um longo tempo, orei com diversas pessoas, em diferentes lugares. Uma dessas, rezava:

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"– Senhor, se penso no teu amor, se imagino teu sofrimento,

se recordo tua morte de cruz, e ainda assim me queixo, perdoa-me. Senhor, se vejo tuas obras, se sinto tua presença, se toco nas coisas que criastes, e ainda assim me queixo, perdoa-me. Senhor, se conheço teus mandamentos, se sei que tudo me dás, e ainda assim me queixo, e nada te dou, perdoa-me.”

Era um pobre rapaz, portador de AIDS. Eu me encontrava ao seu lado; dessa vez como um verdadeiro anjo-da-guarda, pois ele não percebia a minha presença. E eu já não via mais meus companheiros, nem sequer nosso guia. Era mais uma experiência nova para mim.

Acompanhava o rapaz nos momentos precisos; noutros, colocava-me em oração a fim de renovar minhas forças no Espírito Santificador que provém do Altíssimo, de maneira que pudesse auxiliar o jovem doente no caminho da verdade. Muitas vezes tive que soprar ao seu "ouvido" espiritual palavras que ele mesmo carregava dentro de si, mas que tentava, por vezes, enganar-se, ofuscando tais palavras de sua memória "infinita". Dizia-lhe:

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"– Não faça do sofrimento uma dor. Reflita; deixa tua alma purificar-se. Todos sofremos, mas Deus morreu na cruz. Todos amamos, mas Deus morreu por amor. Todos morremos, mas Deus é a vida que nos

espera."

Por outras vezes, repetia-lhe:

"– A humanidade é uma grande família; a Terra, o nosso grande lar; a vida, uma dádiva de Deus."

E, ainda, algumas vezes, lia tudo que lhe passava à

mente, conturbada pelo sofrimento que a doença lhe trazia, doença esta decorrente da negligência humana, eis que proveniente do que seria uma simples transfusão de sangue, estando este contaminado pelo vírus. E, pelo modo como adquiriu "AIDS", ainda que de coração bom, feria-lhe a alma sofrer daquele mal, não por culpa sua, mas de outrem. Com isso, sua ira permitia-lhe adentrar em seu coração raízes maléficas, condicionando-o a fazer vingança. E seus pensamentos, ligados a alguma forma de vingança, abrandavam-lhe, por minutos, o sofrimento do corpo, saciando-lhe, ao mesmo tempo, de um falso prazer. A vingança já era uma meta. Cumpria a mim, detê-lo.

Recorri às vozes do passado e, dentre tantas, guardei bem uma delas, dita por Cervantes: "– Não é possível haver vingança justa."

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E, esta frase comecei a soprar fundo no coração do jovem rapaz, que começou a se dedicar a escrever tudo o que sentia, do fundo da alma. Chegou ele a seguinte conclusão: "que um erro já praticado não justifica a prática de um novo erro". E assim escrevia ele:

"Não acredito no destino. Acredito na liberdade. Creio que há muitos caminhos traçados; Cabe a cada um buscar o melhor. Creio no Evangelho de Jesus. Seguirei, doravante, as palavras de Cristo." E assim, passou sempre a orar:

"– Senhor,

sou frágil como uma flor, possuo a força de um homem, mas sei que posso ser forte como um leão. Senhor, sou pó, possuo um corpo de carne, mas sei que posso ser um espírito de luz. Senhor, nada é o que sou, mas sei que tu existe, creio em ti, tenho fé. Senhor, fazei-me digno de teu amor."

E, certo dia, quando assim orava, partiu. Vi então, passar um "trem de luz", uma porta de

um dos vagões se abrindo, e ele entrando. “– Missão cumprida!” – pensei.

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Milha alegria era tanta, que de repente me senti tão forte e poderoso, que imaginava poder salvar o mundo. Esquecia, porém, que Alguém, com quem não posso sequer fazer qualquer comparação, isto já fazia, mas não do modo como eu pensava, em um só tempo e de uma só vez, como uma ordem de um general aos seus comandados, mas através de uma incomensurável semente lançada, que os próprios ventos humanos ajudaram a semear e cultivar, e que todos os povos acolheram e acolherão como terra fértil, durante toda a eternidade.

Mas antes que o orgulho tomasse conta de mim, fui corrigido pelo jovem aidético, cujos rabiscos numa folha de papel pairaram sobre a palma de minha mão naquela mesma hora. Assim estava escrito, na forma de rabiscos numa folha de papel, pois "desenhado" momentos antes de sua morte, e que tinha eu pego nas mãos e não lido dantes, porque presenciava sua despedida:

"Não queiras salvar o mundo... Antes, ampara o que está do teu lado, dê esmolas a quem te estende a mão, conforta aquele que chora diante de ti,

alimenta aquele que fome passa frente às tuas sobras,

e agasalha aquele que na tua sombra se abriga."

Li e chorei, porque os espíritos também choram. Ali ás, esquecem-se os Homens de chorar, o que os

fazem deixar de enxergar com os "olhos da verdade".

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- CAP. X - " O Porquê da Vida "

Retornei, então, ao lugar onde se encontrava nosso guia. Os parceiros do grupo foram chegando também aos poucos. Todos haviam tido alguma experiência nova, em algum local da Terra. Todos fomos um pouco "Anjo-da-guarda", e vimos que não era uma missão fácil. Pensávamos e questionávamos, neste instante, sobre a vida, e não mais sobre a morte. Nosso guia passou, então, a entoar um hino, acompanhado por sons e vozes provenientes, certamente, de outros anjos.

Era um "hino à vida":

"A viagem mais triste é a não feita. O riso mais alegre é o choro. A batalha mais difícil, a coragem. O maior dos sentimentos, o amor.

A luz mais brilhante são os olhos. A locomotiva mais perfeita, o coração. A máquina mais sublime, o corpo. O amor mais bonito, a fecundação.

O melhor perfume é o ar. A melhor bebida, a água. O melhor tempo, o presente. A melhor saúde, da alma.

O dom mais supremo é a humildade. A arte mais bela, a natureza.

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O som mais puro, o canto. A pátria mais amada, o universo.

O credo mais importante é a oração. A cruz mais pesada, a do próximo. O ombro mais amigo, o nosso. A dor mais sentida, a morte.

A chama mais ardente é a esperança.

A luta mais séria, da sobrevivência. O alimento mais rico, a partilha. O grito mais alto, da paz.

A busca mais incansável, a união. O segredo mais valioso, o perdão. O sim mais querido, da comunhão. O não mais desejado, do adeus.

O palco mais nobre é a TERRA.

O espetáculo principal, a VIDA. O tesouro mais procurado, o CÉU (paraíso). Os personagens, TODOS NÓS."

Ouvimos, atentos, a bela canção. E um de nós perguntou:

– Guia-mestre, afinal, qual é o grande segredo da vida?

O guia permaneceu calado por algum tempo, depois começou a falar, respondendo:

"– O segredo?

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A vida é como um caminhão. Cada qual, seu motorista. A carga, para uns mais, para outros menos pesadas. Os caminhos são vários, mas o destino é um só.

A vida é como dirigir um caminhão. Dá trabalho, dá saudades. Sê zeloso com a sua, respeite a dos outros. Guie bem sua vida. O segredo: o amor a Deus.

No final do caminho, a recompensa: outra vida. Deixarás teu corpo, dirigirás teu espírito. A carga, para uns será muito pesada, para outros,

muito leve. Para aqueles, a ausência; para estes, a presença. O amor de Deus: o segredo."

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- CAP. XI - " O Julgamento "

Partimos, então, dali. Viajamos, naquele momento, num "trem sem luz", que fazia trajeto em sentido contrário ao primeiro que tomamos, logo após nossa morte. Descia para um abismo sem fim. Nossos corações se afligiam, imaginando o que estava por vir. Havíamos reunidos com todos os outros grupos, cada qual num vagão correspondente. O Anjo da primeira viagem, ali presente, nos disse:

– Preparem-se. A tristeza existe, mas para aqueles que a procuram. Não os estou levando para senti-la, mas tão somente para saberem que ela existe. Não sintam pena, pois o julgamento particular de cada um é feito pelo próprio réu. Ele é réu, advogado e juiz no mesmo tribunal. Ele dá a sentença de si mesmo. Repito, cada qual é advogado de si mesmo.

Chegamos, enfim, ao ponto final. Descemos e, de longa distância, presenciamos um julgamento. Sem entrar em detalhes, passo a relatar, simplesmente, a sentença, proferida esta pelo próprio réu daquele juízo particular:

"Nasci. Fruto do amor ou do pecado? Fui batizado. Pelo Espírito Santo ou pela tradição dos Homens? Cresci. Aprendendo a lei de Deus ou a lei dos Homens? Casei. Por amor ou por fruto do acaso?

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Fui pai. Eduquei meus filhos ou deixei que a vida os

educassem? Nessa vida: fui muito rico; esbanjei e perdi tudo; mas nunca dei nada aos pobres, que viviam me

pedindo auxílio; trabalhei pouco, pois queria uma vida só de

prazeres; passei então a furtar e roubar; fui viciado... em bebidas e drogas; criei amigos falsos e inimigos verdadeiros; fui preso e estive em liberdade; zombava da tristeza e ignorava as poucas alegrias; meu coração abraçava o ódio, mas nunca, o amor; aprendi a matar e por prazer, matei... Fui condenado, então, pelo juízo dos Homens; Fiquei na cadeia muitos anos. Sonhava com a liberdade. Até que um dia ela chegou. Saí da prisão e fui logo para casa me drogar. Depois, ainda insatisfeito, resolvi cometer suicídio. E assim morreu o meu corpo. Eu não morri... Hoje me vejo diante de um tribunal. De um lado: as trevas, do outro, a luz. Lá no centro, o réu: eu (meu corpo). Diante de todos, com a palavra, meu advogado: eu

(meu espírito). Imagens da minha vida começo a ver na minha

mente. Vejo meus pais, e o amor que ainda têm por mim.

Vejo meu batismo e a luz do Espírito Santo se consumindo.

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Ouço saírem dos meus ouvidos todas as vozes que pregavam a mim o Evangelho de Cristo.

Vejo Jesus me estendendo a mão, e em seu rosto as imagens dos pobres que me pediam auxílio.

Vejo minha esposa e o carinho que ainda tem por mim.

Escuto saírem de minha boca palavras ásperas com meus filhos e meu egoísmo expulsando-os de minha vida...

Vejo minhas mãos manchadas de sangue e ouço os gritos de dor daqueles que matei e de seus órfãos e parentes.

Vejo meu corpo se contorcendo diante dos meus vícios.

Vejo meus amigos e inimigos orando por mim. Vejo meu corpo sem vida e toda liberdade que

tinha para viver naquela vida. Vejo as mãos de Deus sobre o ventre de minha

mãe, dando alma e vida eterna ao meu corpo que ali se formava, puro e perfeito.

E agora vejo o ventre de minha mãe sendo esfaqueado pelas minhas próprias mãos, e no choro daquela criança a voz do Criador.

Nesse momento... Meu espírito me julga, minha consciência me

condena. Sou advogado de mim mesmo..."

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- CAP. XII - " O Reencontro "

Passado esse triste episódio, tomamos o "trem de luz" e partimos em direção do mais alto céu. Finalmente estávamos indo para o paraíso celestial. Mas uma coisa ainda me incomodava: a falta de amor que persiste no mundo e qual seria o destino dos Homens. Não conseguia me desvincular de tudo aquilo, e, ao contrário do que imaginava, todas as minhas experiências sobre-humanas não me revelavam a paz. Sentia saudades de meu planeta Terra, dos seus habitantes e de toda sua vasta natureza, esplendorosa e bela. Contudo, partia para um paraíso desconhecido, para um lugar inimaginável, para viver junto dos anjos e do Altíssimo. Que poderia eu reclamar? Por que estava ainda com o coração cheio de dúvidas?

Cansado, então, de todas as questões que me vinham à mente, resolvi repousar o espírito. Tinha a faculdade de dormir. E foi o que fiz. Ao acordar, depois de um sono profundo, abri os olhos e percebi que já havíamos chegado. Todos já tinham descido e certamente o "trem" já continuava seu trajeto, pois não vi ninguém e nem a máquina voadora.

O local era realmente um paraíso, muito lindo, mas também muito parecido com a "nossa Terra". Caminhei alguns minutos e, cansado, sentei sobre uma pedra. Veio-me logo à cabeça: “– Cansado? Mas como? Sou um espírito...”

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Mais adiante, encontrei algumas pessoas. E não estavam a passeio; estavam trabalhando. Parecia que faziam a colheita de trigo. Avistei também algumas crianças, não muito longe. Pareciam estar jogando futebol.

Senti a luz e o calor de um sol muito familiarizado. Percebi, então, que meus olhos piscavam. E, após novamente se abrirem, vi com meus próprios olhos: os anjos do céu eram pessoas comuns, feitas de carne e osso; o paraíso era um planeta conhecido como Terra, com uma natureza exuberante e diferentes formas de vida; havia também, terra, ar, fogo e água. O Criador estava ali, bem diante de mim; só que eu não conseguia defini-lo: estava Ele presente em tudo e em todos. Pensei que tudo não passasse de um sonho; mas era realidade. Nas minhas veias corriam sangue, no meu corpo, suor. Ainda não estava certo que fosse um reencontro. Em verdade, acho que o paraíso está onde habita o coração, e Deus, onde presente o amor.

2ª PARTE:

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- CAP. I - "Ressuscitado"

Mas mesmo não sabendo direito onde estava, refletia:

"Como é bom tornar a viver. Sentir que a vida é bela num mundo cheio de tristezas. Ressuscitar da morte, enquanto ainda não morri. Sorrir para a vida, eternamente, porque sorri para Deus. Deixar de ser passado ou de só ver o futuro. Passar a viver o presente e o agora."

"A vida não é um sonho, nem uma realidade. A

vida é a vontade de viver. O mundo não é triste nem defeituoso, mas também não é alegre nem perfeito. O mundo é aquilo que praticamos. Se é triste uma doença, são obras belas a solidariedade, o carinho, o afeto e a dedicação. As obras de amor não param, e por isso não existem trevas que sejam imperceptíveis à luz. O caminho da cruz não leva à dor, mas à felicidade interior, à paz que todos buscamos, à vida que todos desejamos... Estão aí: a nossa frente. Entretanto, recorremos ao passado, transportamo-nos ao futuro e não enxergamos a nossa volta. Deixamos para trás o hoje que nos rodeia e a chance, às vezes única, de sermos felizes. Muitas vezes acordamos tarde demais; tiramos a trave dos nossos olhos quando todos os nossos sentidos já não respondem mais. Enxergamos a vida, quando a morte nos chega."

"Que bom seria ter outra vida, como essa mesma

que tive. Pena pensar que agiria diferente, quando não há mais tempo. E quanto tempo tive! Mas não é hora de se lamentar. Não vou olhar o passado quando tenho o hoje. E

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hoje estou feliz. Feliz por ter o hoje. E hoje enxergar que ele existe, e eu também. Vamos andar de mãos dadas, daqui em diante. Quero me ver no espelho e não somente a minha imagem. Quero ver a sombra dos meus atos, sentir que respiro, ver, andar, correr, pular, dançar... Quero sentir meu coração vibrar com as coisas que gosto, e sorrir, repartir, chorar, perdoar, compartilhar, amar... Quero me sentir presente no mundo, com meu trabalho, com minha esperança, com muita disposição, com força, com fé... Quero participar da grandeza do universo, erguendo a minha cruz, com orações e alegria, com respeito e encantamento."

"Não vou deixar de ser feliz, para assim poder distribuir felicidade. Não vou deixar de amar, para que essa chama possa se espalhar. Não vou deixar de sorrir, para que os tristes não esqueçam que a alegria existe. Não vou cansar de orar, para que a fé resista e que o mundo se encha de esperança. Porque é fácil mudar as coisas; difícil é mudarmos nossos hábitos. Fácil é condenar as más obras; difícil é edificar as boas." "A árvore não precisa sair do lugar para dar frutos. Os pássaros vem nela buscar repouso e alimento, e, como o vento, espalham suas sementes. E os seus frutos vão renascer longe dali. Basta ter raízes; e por isso essencial a família. Precisa se abastecer de água e terra fértil: o trabalho. Carece da ajuda do tempo: a fé. E não vive sem luz: a presença de Deus." "Que bom é o amor, a paz, a felicidade e a alegria no viver. Ter esperança e fé no hoje é certeza de um amanhã melhor para todos. E tudo isso não significa ausência, falta de participação. Não é tapar os olhos da violência e dos males. Ao contrário: sofrer com os outros,

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na prática, com atos e obras que constróem, isto é ser feliz, pois diminuir o peso da cruz dos irmãos, ofertando nossos ombros, é abrir o coração para a vida, cujas cicatrizes não são de dor, mas de amor. E o amor supera o ódio, sempre. E quanto maior a violência e maldade, tão maior será a vitória do amor e do bem. Pois nosso Deus nunca esteve ausente, somos nós que nos ausentamos. Não é preciso ver para crer, nem morrer para viver."

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- CAP. II - "A Luz do Mundo"

E enquanto caminhava, continuava refletindo sobre tudo que havia se passado comigo. Descobri que nós, o povo de Deus, somos, em Cristo e por Cristo, a luz do mundo. E assim pensava: "Uma luz não é constituída de trevas. Ela simplesmente ilumina o espaço que ocupa e tudo que alcança é luz. Ela se enche de si mesma e não dá lugar a trevas dentro de si. Portanto, não há lugar para o mal, onde existe o bem. Na bondade não reside o pecado, e no amor não se concebe o ódio ou rancor. Assim, o mal não existe dentro de um coração bom, sem malícia. Por isso toda criança é um verdadeiro anjo, porque nela não reside o mal. Há sinceridade e pureza nos seus atos. Também aqueles que tem o coração semelhante ao das crianças, que vivem a justiça e a verdade, praticando a caridade a todo momento, não lhes tem lugar o mal. Ainda que façamos parte de um mundo, onde imaginamos estar cristalizado o mal, este nunca habitará em nós, bastando apenas que nosso coração esteja aberto para Deus, único e verdadeiro dono do nosso coração." "E onde floresce a luz, não se encontrarão trevas. A luz é maior que as trevas, porque onde há luz, não coexistem trevas. Um coração que ama, possuído do seu único e verdadeiro Deus, não se ocupa de pensar ou falar sobre o mal; apenas luta pelo bem, para a felicidade de todos, sem discriminação. Ignoremos a existência do mal, vivendo na prática o bem. E a verdadeira caridade é abrir o

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coração a Deus e deixar que ele habite em nós, de modo que seu Espírito em nós agirá de acordo com os planos divinos. Pensemos firmemente no bem e tornemos realidade nossos desejos de paz. Somente assim triunfaremos, em Cristo e por Cristo, sobre o mundo que, uma vez iluminado, não mergulhará nas trevas."

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- CAP. III - "A Obra de Deus em Nós"

E continuava refletindo...

“Quão incomensurável a grandeza de Deus, que

não somos nem dignos nem capazes de entender seus planos para com o Homem. Podemos sentir, entretanto, a profundidade infinita do seu amor. Jesus Cristo é a maior prova de Seu amor e de Sua misericórdia. Em Cristo, Deus se faz presente em nosso meio e através Dele nos tornamos dignos de chegar até Deus. E não existem fórmulas para alcançar a Deus. Seus mandamentos não são simples como as leis humanas: são preceitos divinos. O exemplo vivo de Cristo não é uma doação comum: é uma doação divina. Como poderia então o Homem simplesmente obedecer fielmente seus preceitos ou seguir seu exemplo de doação total? Ao Homem isto seria impossível, mas não a Deus. E por isso a salvação está em Deus. O Homem precisa enxergar sua condição: sem Deus ele nada é. Por meio de Cristo, que é o próprio Deus encarnado, então poderá o Homem, santificado pelo Espírito Santo que provém de Deus, tornar-se digno de participar de Seu reino." "Nós somos pecadores e fracos. Se não abrirmos nossos corações para que Deus habite nele, nunca seremos mais do que pó. Jesus é o Bom Pastor que ama e guarda suas ovelhas. Para que sejamos ovelhas devemos ser pacientes e confiantes na sua promessa da bem-aventurança. O Pastor não dá ordens; simplesmente guia suas ovelhas. Os preceitos divinos e seu exemplo de doação são os faróis desse caminho. Eles nunca se

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apagam, por mais trevas que se possa existir. Seguir Seus preceitos e Seu exemplo é, portanto, caminhar para a vida, para a eterna felicidade. A liberdade de seguir esse caminho é prova de amor; conduzir-nos quando estamos extraviados, prova de misericórdia." "Deus é amor e misericórdia. Pediu igualmente que amemos e perdoemos. Cristo é o caminho, único e verdadeiro. A vida sem Cristo é completamente vazia: é morte." "A vida com Cristo é aprazível, pois toda dor e sofrimento, injustiças e humilhações; tudo nada é por amor a Cristo. E não existe dor, sofrimento, injustiça ou humilhação em nós mesmos, porque nada somos. Mas, em Cristo e por Cristo, tudo isto é glorificado nos céus." "Assim, a verdade e a justiça nunca se abalam, porque provêm de Deus, e sempre são restabelecidas a seu tempo. A nossa impaciência e ignorância não nos permite enxergá-las. Mas a verdade e a justiça andam de mãos dadas e se fazem a todo momento, porque são leis divinas, as quais tudo o que está abaixo ou acima do céu obedece. Não nos queixemos nunca e nem busquemos vingança ou a desejemos. A justiça sempre se fará presente, pouco importa o que pensemos. Mas se agirmos na prática da vingança, também ela, a justiça, não tardará cair sobre nós. Porque está acima de nós." "Não há leis ou preceitos, senão enxergar, com a liberdade que nos é dada graciosamente, a verdadeira luz de nossos dias. Contemplá-la, é contemplar a Cristo. Vivê-la, é vivê-la em Cristo. O resultado infalível é o amor: a Deus, sobre tudo que existe, e ao próximo, como fruto desse amor primeiro."

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"Nada é o que somos. Mas em Cristo alcançamos a felicidade eterna junto a Deus-Pai, criador do mundo. O modo de cada um doar-se não está prescrito em fórmulas; cada qual oferece aquilo que recebe do Espírito Santificador, e que está dentro do coração de cada ser humano: a grande obra de Deus em nós."

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- CAP. IV - "Louvor a Deus"

Parei, então, debaixo de uma árvore. Estava sozinho e num lugar que não conhecia. Como a noite chegava, preparei-me para repousar. Antes de dormir, assim orei:

"Senhor Deus do Universo Quão grande sois Vós que não somos dignos de falar da Vossa grandeza e majestade.

O mesmo Deus Todo-Poderoso e de infinita misericórdia porquanto sem limites seu incomparável amor.

Senhor Deus que nos ama e que por isso nos faz grandes; não por nós, mas por obra do Vosso amor.

Jesus é o nosso pastor. Aquele que brilha sem cessar e que, na maior escuridão, ainda que envoltos em trevas, nos liberta.

O cárcere amargo... pela falta de amor ao próximo e pela inércia na luta do bom combate pela justiça,

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faz-nos prisioneiros de nós mesmos.

Mas Jesus nos libertou e o Espírito Santo toca seus filhos a todo instante, inflamado por Vosso amor.

Aqueles que têm ouvidos, ouvem, mas poucos se convertem, pois impossível a nós a verdadeira entrega, senão pela Vossa mão e pela Vossa misericórdia.

Perdoai-nos Senhor. Glória a Vós, nosso Salvador!"

Rezei ainda o ‘terço’, e dormi.

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- CAP. V - "Prece de Misericórdia"

Ao acordar, coloquei-me novamente de joelhos, como que pressentindo que não estava nem no paraíso, nem na Terra, e necessitava de muita oração. Pedi misericórdia, pois sabia que não me transformara num santo, mas que era ainda, um pecador. E assim orei:

"Senhor, abri meu coração para que o Senhor habite nele. Somente assim serei santo porque o Senhor é Santo.

Senhor, ilumina minha alma e todo meu ser para que eu seja um espelho da Tua luz.

Senhor, inunda meu coração com Teu amor, e meu espírito, com Tua caridade. Que eu seja verdadeiramente bom, porque a bondade está em Ti.

Aprendi, Senhor, que nada sou, e que somente Tua luz nos pode salvar. Seremos salvos por Tua misericórdia.

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Habitai em nós, para que sejamos salvos. Sem a Tua infinita presença nada suportamos, nada realizamos, tão míseros que somos.

Mas quando em nós, nada nos há de deter, nada nos sucumbe, porque És o Maior dentre os maiores, e infinitamente Maior.

Senhor, apascenta as Tuas ovelhas. Somos teu, ainda que pecadores e mui pequeninos. Senhor, dai-nos força... porque a lança do mal nos atravessa o peito.

Senhor, sem a Tua presença em nós, certamente fracassaremos. Somente Tu, somente Tu nos pode salvar.

Dai-nos a Tua benção, uma fagulha do Teu brasão, uma gota do Teu orvalho, uma brisa do Teu poder.

Para que não caiamos em tentação e do mal sejamos libertos. Porque Te amamos Senhor, Deus único e verdadeiro, que não nos abandona...

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mas nos dá uma simples prova. Quem somos nós para suportarmos sozinhos

as angústias do mundo?

Senhor, Tua presença nos é necessária a todo e qualquer momento. Um segundo só, e pecamos.

Senhor, livrai-nos do mal

porque Te adoramos. Habitai em nós e ajudai-nos abrir nosso coração a Vós."

Levantei-me e comecei a caminhar por uma

pequena estrada de terra, cercada de um vasto gramado verde que se perdia no horizonte. Apenas algumas árvores, uma aqui, outra acolá. Acima, via um belo céu azul, tal qual o que conhecemos, com as nuvens e o sol. De noite, brilhavam a lua e as estrelas. A natureza do lugar era tão semelhante a do nosso planeta que não imaginava estar em outro lugar. A tranqüilidade dali me fascinava, e não consegui seguir adiante sem antes declarar um poema àquela natureza que presenciava, bem como àquela pela qual passei durante minha experiência anterior. Talvez por me sentir sozinho, queria conversar com aqueles seres vivos que estavam a minha volta e falar da saudade daqueles outros que deixei.

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- CAP. VI - "Natureza"

“Nascentes, rios, mares, desertos e montanhas... Te vejo ao vivo, te vejo em sonhos.

Faz frio, faz calor, sol, chuva e vento... Te sinto na pele, te sinto a todo momento.

É dia, é noite, há neve, há luar... Te lembro nos poemas e quando estou a amar.

As estrelas, o arco-íris,

a vegetação de terra e mar... Te imagino ao longe, te respiro como ar.

Há infinidade de cores entre animais, aves e flores... Há infinidade de sons nesses seres vivos que são.

Dela fazem parte as crianças que fazem o mundo subsistir... São tão simples, que uma simples graça as fazem sorrir.

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Infinita e bela és NATUREZA, mesmo a que não tenha tocado. Mas igualmente infinita e bela é a que está ao meu lado.

Olho para o céu e vejo sua imensidão. A infinidade diante de mim, imagino e sinto, então.

Ao olhar para baixo,

vejo uma pequena formiga em seu hábitat natural: ela; na proporção, uma infinidade igual.

Olho então meu corpo

e me sinto o centro do universo. Vejo o infinito grande e pequeno, entre dois mundos diversos.

Então imagino: serei eu o centro do universo? Ou será o céu que mal vejo ou a formiga que piso?

Como o mundo é grande e belo! Quanto há além do céu... Quanto há nesta terra e muito ainda, abaixo dela...

Às vezes sou grande, às vezes sou pequeno... Mas tamanho pouco importa;

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faço parte de um ciclo sem fim. Dessa natureza que tudo me dá e pouco espera de mim.

Então, fecho os olhos... E agradeço tudo que temos. Porque o mundo é muito bom; nós é que não vemos.”

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- CAP. VII - "Irmão Desconhecido"

Estava em paz e feliz, mas a impaciência começou a brotar em mim. Pensei que estava imune aos males, mas estava enganado. Foi quando apareceu diante de mim um Anjo, de asas brancas, grandes e belas, como sempre imaginei. Pela primeira vez o via, mas parecia que era um grande e velho amigo meu. Entretanto, achei que fosse a saudade que tornava tudo bem íntimo, ou seja, sentia falta de meus entes queridos e via em tal Anjo um amigo, um irmão...

Ele se aproximou e disse:

– Há muito espero esse momento. Desde que foste concebido no ventre de tua mãe, estou contigo. Não lhe perdi de vista um só segundo, tanto na vida terrena, como aqui. Mas somente agora tive permissão para me apresentar. Sou teu Anjo-da-Guarda, e muito me orgulha que estejas aqui. Este lugar é para poucos, mas ainda não é o paraíso que sonhas encontrar. Porém, repito, sinto uma grande alegria por aqui estarmos. É uma vitória do bem sobre o mal. E tu és como um irmão pra mim. Enquanto ficares aqui, aqui também ficarei.

Comecei então a chorar e vi que ele também chorava. Como é bonito o choro de alegria, de amor, de paz... E saber que os espíritos choram e que também os anjos choram... Por que, nós humanos, pouco ou quase nada choramos?

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E num longo abraço ficamos. Sentia mesmo que era meu grande irmão e companheiro, e não estava enganado. Agradeci-o bastante e, após sentarmos sobre uma grande pedra, começamos uma longa conversa. Ele me ensinava muitas coisas. Conversamos muito sobre a vida na terra, afinal lá é que está nossa preocupação: a salvação de todos os irmãos em Cristo. Dentre as várias perguntas que fiz, eis algumas e respectivas respostas:

"– A felicidade tem preço?" – perguntei.

Respondeu o Anjo:

"– A felicidade custa muito pouco; tão pouco que a desprezamos. A felicidade não encontramos nos bens materiais, porque ela não é matéria, é sentimento. Com um pouco de amor, o maior dos sentimentos, conquistamos a felicidade. A felicidade está nas coisas mais simples, nos atos e gestos mais humildes. Tudo é tão simples; complicado é o Homem. Observar a natureza e senti-la é treinar ser feliz. A felicidade maior e eterna é o encontro com Deus, através de Jesus Cristo. Certa vez, quando lhe acompanhava, li num bilhete de papel uma "Receita de Felicidade". Dizia:

Um pouco de dignidade, um pouco de honestidade, um pouco de verdade, sinceridade e justiça. Um pouco de você mesmo. Um toque de carinho, um toque de amor... O desejo de paz. Basta um sorriso, basta um olhar... E ver que Deus existe,

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fora e dentro de você!"

"– Na Terra a violência é grande. Por quê?" – perguntei.

Respondeu o Anjo:

"– Repetirei frases de seres humanos que não foram escutadas: um disse: ‘Não existe vingança justa.’; e outro: ‘Por que matar alguém que matou alguém, se o que queremos ensinar é que não se deve matar?’. Assim, não se deve condenar à morte alguém que já se condenou. O Homem deve pensar também em espírito. Todo novo ato, feito sem ser reflexo de uma ação imediata e justa, é tão pecador e miserável quanto o foi aquele que lhe deu origem. Na verdade, a família é o berço, a escola, o amor... A família de cada um faz parte de uma família maior: a humanidade. Quando aprendermos a viver em família, vivendo o amor, estaremos preparados a integrar a família maior, amando nosso próximo. Por isso a união matrimonial deve ser justa e séria como é a benção recebida no sacramento religioso do matrimônio. É uma verdadeira benção de Deus, quando assim permitem e desejam os nubentes. É certo que existem crimes horríveis, inconcebíveis. Mas quem é mais criminoso? Aquele que rouba e que mata, ou aquele que não partilha, que de certa forma rouba, e que de certa forma gera um matador? E nós, partilhamos?... Mas nós trabalhamos... Mas, damos trabalho, emprego?... Mas há os que preferem ganho fácil... Mas, não legalizamos os jogos de azar, os vícios, os prazeres, a vida fácil?... Todos somos responsáveis pelos caminhos da humanidade. Se cada qual for responsável e honesto nos seus atos, seremos menos criminosos e menos serão os crimes.”

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"– E como devemos combater a violência?" – indaguei.

E tornou o Anjo: "– Vou lhe contar a seguinte estória: A ÁGUA E O ROCHEDO. "– Certo dia, a Água viu um isolado Rochedo. E a Água do mar foi aos poucos se aproximando dele. O Rochedo, de coração duro, vivia fechado em seu mundo egoísta. Ao ver a Água, que bem de mansinho e ao longo dos anos chegava cada vez mais perto, disse: "– Água, que queres de mim. Não vês que já começas a me perturbar?" E a Água do mar respondeu: "– Não se preocupe. Eu tenho meus limites, e eles são respeitados." Mas a Água do mar, muito pacientemente, ao longo de anos e anos, estendia sua margem, e com suavidade começou a tocar naquele Rochedo. O Rochedo, também aos poucos, foi percebendo a existência de um outro mundo, cheio de alegria e abundância, que vinha do lado do mar. E a Água já o banhava todo dia, sem nenhum incômodo. Quando a Água já cobria os pés do Rochedo, veio habitar embaixo dele alguns peixes. E depois de algum tempo, das fendas daquele Rochedo, nas partes que a Água cobria, nasceram muitos peixinhos, que correram felizes para dentro do mar. O Rochedo viu então que fazia parte de um mundo novo, muito mais belo do que aquele que vivia. Hoje, convivem harmoniosamente a Água e o Rochedo, formando uma linda paisagem. A Água, com sua suavidade e paciência, moldou o Rochedo; e o Rochedo, abrindo seu coração, tornou a vida mais bela."

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E concluiu o Anjo:

"– A violência não deve ser combatida com mais violência, mas com muita paciência e amor. Pois o fruto da violência é o descaso, a exclusão... E o fruto da paz, a vida em comunhão, em partilha..."

E com o olhar fixo nos meus, disse o Anjo diretamente ao meu coração:

"– Corajosos são aqueles que enfrentam a violência sem armas. Assim, diante da violência da injustiça, a agressão não é o melhor caminho, senão a busca da paz, através da humildade e do amor, tendo Cristo como único guia e protetor."

E continuou o Anjo: "– A humildade independe do estado da pessoa, do sucesso ou fracasso. A verdadeira humildade está em não se deixar iludir por um ou outro. Pois, aquele que no sucesso se proclamar vitorioso, sentir-se-á um fracassado se sobrevier alguma derrota; enquanto que, aquele que se proclamar derrotado pelo fracasso, nunca alcançará a glória, uma vez que, sem luta, não tem valor algum a vitória."

Perguntei, finalmente: "– É possível felicidade e paz na Terra?

Sorrindo, disse o Anjo: "– Sem sorriso, não há esperança; sem esperança, não há luz;

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sem luz, não há paz." E novamente concluiu: "– Amigo, vale a pena acreditar no mundo, ter fé e orar... Pois não foi à-toa que Jesus se entregou na cruz. Digo-lhe ainda mais: são os pequenos e simples momentos de reunião em oração que fazem Jesus muito se alegrar com a bela criação de Deus: o Homem."

E despediu-se o Anjo de mim, ao menos diante dos meus olhos.

Novamente a noite chegava. E minha alegria era tamanha que meditava no fundo da alma. E comecei a declarar em poemas esse belo sentimento.

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- CAP. VIII – “Poemas de Luz"

"– Brilham meus olhos, porque brilha meu coração. Iluminados são meus dias, porque alegre está meu coração. Um espinho nunca fere uma mão quando com ela se buscam rosas. A tristeza nunca alcança a profundeza de um eterno amor. Da verdade brota a justiça

e uma fonte inesgotável de paz. De um amor inteiro não se arrancam pedaços. A cruz é linda: doação maior de um amor sem fim. Iluminando a todos, sem distinção. Sou feliz quando percebo que está s dentro de mim."

E continuava meditando, até vir o sono:

"– A riqueza maior vem d'alma, um tesouro sem igual: liberdade e felicidade. Livre para viver, livre para escolher. Feliz pela vida, feliz pela escolha.

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Ambas se resumem no amor. E para amar

se deve conhecer a Cristo, ouvir seus preceitos e colocá-los na sua vida. Saber que os passos que der junto com Jesus serão eternos; não se apagarão jamais. Reconhecer na liberdade a verdadeira felicidade que brota do amor em Deus, Nosso Salvador."

E em homenagem "Ao Bom Pastor", recitava:

"– Àquele que me guia e ilumina meu caminho, que abre as portas e segue a minha frente...

Àquele que nunca se cansa e não se aborrece, que nunca desanima e com flores suaviza e perfuma a trilhada...

Àquele que me chama pelo nome e me conhece como ninguém, que se preocupa com a minha fraqueza e está pronto a me carregar...

Àquele que me encoraja

e me dá forças,

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que não desiste de mim e insiste em me seguir...

Àquele que é maior que o mundo e que é o rei dos reis, que tem o poder do universo e do infinito...

Àquele que tudo pode mas tem o olhar fixo em mim, que na simplicidade me busca e com o coração me conquista...

Àquele que é o meu Pastor, o Bom Pastor que me ama, que nunca abandona suas ovelhas e sempre pelo nome me chama...

Jesus, eu estou aqui. Guiai-me pelo caminho que preparastes pra mim."

E continuava dirigindo minha palavra ao "Senhor da Luz":

"Senhor da luz, curai-me da cegueira, limpai-me da lepra, afastai de mim o mal.

Senhor da luz, que eu enxergue o bem, que eu pratique o bem, e meu coração se encha de amor.

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Senhor da luz, ilumine minha vida, derrame tua paz, e fazei-me teu instrumento.

Senhor que conduz, Senhor da cruz, Senhor Jesus, Senhor da Luz."

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- CAP. IX - "Mãe das Mães"

Ao acordar no outro dia, e após ter feito minhas orações matinais, coloquei-me a caminhar novamente. A paisagem se tornava cada vez mais bela, com muitas flores de diversas qualidades, como que plantadas a mão naquele vasto gramado, ainda de poucas árvores.

Avistei uma mulher no meio daquelas belas flores e me aproximei dela. Ela estava colhendo flores, com a cabeça inclinada. Sem que ela voltasse os olhos para mim, perguntei: "– Senhora, onde estou?"

E ela respondeu, ainda de cabeça baixa:

"– Aqui é um lugar onde vivem todas as almas que necessitam de paz no seu coração. São pessoas boas, mas que trazem consigo algum resquício da vida passada: uns, ainda não totalmente desapegados da matéria; outros, que trazem alguma mágoa dentro de si, por se sentirem injustiçados na vida terrena; e assim por diante..."

Percebi, então, que realmente ainda trazia comigo a dor da injustiça e, consequentemente, uma ferida não cicatrizada de mágoa e rancor.

Perguntei novamente àquela mulher:

"– E por quanto tempo permanecerei aqui? Devo sofrer alguma pena por isso?” E tornou ela a dizer:

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"– Não se preocupe meu filho, estarei com todos vocês, do mesmo modo que estive presente na Terra. Caminhei sempre ao lado de todos e para aqui os conduzi. O céu está muito próximo, não tardará a chegar. A paciência e o amor em forma de doação, juntamente com as orações, são o modo de abreviar o sofrimento de estar próximo ao paraíso, mas nele não entrar."

A mulher, então, erguendo a cabeça, virou-se para mim, deu-me as flores que colhera, e com um beijo na minha testa se despediu. Eu permaneci imóvel naqueles momentos. Ela foi se elevando, resplandecente de luz e beleza, rodeada de anjinhos que surgiam envoltos a nuvens. Suas vestes eram brancas como a neve e seu manto azul como um pedaço do céu. Uma grande alegria me invadiu o coração: estava diante de Nossa Senhora, mãe santíssima de Jesus, a mãe de todas as mães.

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- CAP. X - "O Purgatório"

Depois de algum tempo, retomando meus sentidos, continuei a caminhada. Vi então, uma grande igreja, semelhante as da Terra, mas muito maior em tamanho. Lá entrei e, sentando num banco, comecei a observar tudo que se passava.

As pessoas iam saindo aos poucos dos bancos, faziam filas e caminhavam em direção ao altar. Lá, alguém com vestes de padre entregava uma pequena e rasa bacia a cada um. As pessoas retornavam aos seus respectivos lugares, e permaneciam olhando para dentro daquelas bacias, que pareciam de prata.

Algumas pessoas assentaram-se do meu lado. Foi quando vi que daquelas bacias saiam borbulhando vozes. Dirigi-me, então, para a fila e, chegando diante do altar, recebi também um recipiente igual. Retornei ao banco aonde estava sentado e comecei a olhar e prestar atenção para dentro da bacia.

Colado ao fundo, havia um selo, e nele estava escrito meu nome. Também continha o número de anos que deveria ficar naquele lugar, que muitos chamavam de purgatório. Porém, não falavam em pena a cumprir; muito pelo contrário, diziam que era o tempo viável para a reconciliação plena com Deus, ou ainda, o tempo mínimo necessário para nosso coração entrar em perfeita sintonia com o Sagrado Coração de Jesus. Também falavam que a medida de tempo não era semelhante a da Terra, nem

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tampouco simultânea, porque tempo, na verdade, não mais existia.

Comecei, então, a ouvir as vozes, que aos poucos iam saindo de dentro daquele recipiente que tinha em mãos. Essas vozes eram minhas. Eram as preces que fiz às almas quando na vida terrena. Chorei por um instante, uma vez que não havia rezado muito pelas almas do purgatório. Tanto que não durou muito, e logo cessaram.

Olhei novamente ao meu redor e percebi que as pessoas sempre retornavam ao altar com as bacias nas mãos, e lá trocavam por outras semelhantes. Fiz o mesmo. Fui até o altar, deixei a minha bacia, recebi outra igual, e voltei ao meu lugar. E neste novo vasilhame também havia um selo que trazia inscrito meu nome e o número de anos de reconciliação.

Só que dessa vez as vozes que saiam eram outras. Reconheci que eram de parentes e amigos vivos que rezavam por mim, já falecido. Nesse momento senti uma alegria e emoção extremas, e chorei muito a cada palavra que ouvia. Percebia a grande importância de orar pelas almas do purgatório. Orava, então, juntamente, e pedia perdão dos pecados.

Assim, quando acabavam as orações dedicadas a minha alma, retornava ao altar em busca de mais orações recebidas, pois eram um grande alívio para todos nós que ali estávamos. Todavia, em alguns momentos as orações eram poucas ou nenhuma.

Após algum tempo, percebi também que algumas pessoas despejavam as orações que traziam em suas bacias dentro dos recipientes de outras. Lembrei então, da palavra

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de Nossa Mãe Santíssima: "a paciência e o amor em forma de doação, juntamente com as orações, são o modo de abreviar o sofrimento de estar próximo ao paraíso, mas nele não entrar".

Vi que as pessoas que doavam suas orações para aquelas que mais necessitavam, transbordavam de alegria, do mesmo modo que as que recebiam. E, pensei: "Se a quantidade de orações conta para a ida aos céus, e algumas pessoas as doam àquelas que mais precisam, certamente que permanecerão mais tempo no purgatório, enquanto abreviarão o tempo e sofrimento das outras. E indaguei em pensamento: "– Seria justo doar as orações que iria receber, permanecendo eu mais tempo ausente do céu, porém, amenizando o sofrimento daqueles que mais tempo ficariam?”

Olhei para um senhor que estava ao meu lado e vi que constava no selo de sua bacia o número cinqüenta. Exatamente o dobro do meu número, que era vinte e cinco. E fiquei constrangido em caminhar para o céu sem ele, apesar de nunca tê-lo visto antes, e nem sequer sabia sobre seus pecados. A verdade é que me invadiu um sentimento de compaixão, que me fez, por espontânea vontade, doar minhas orações a ele.

E assim se passaram doze anos e meio, ou seja, um quarto da pena dele e metade da minha. Mas, para nossa surpresa, devida a minha ajuda, o número de anos dele estava reduzido a vinte e cinco apenas, conforme se via estampado no selo ao fundo de sua bacia. Contudo, no meu selo ainda constavam doze anos e meio. Mas não fiquei triste, porque, com a minha atitude consegui, sem perceber, que havia purificado meu coração da "dor da injustiça", a mesma que trazia comigo quando aqui

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cheguei. Achava que na Terra havia sido injustiçado, quando, na verdade, faltou-me confiança na Justiça e Providência Divinas. O importante, é que agora estava cheio de fé e amor, paciente como nunca. E assim caminhei novamente em direção ao altar para trocar de bacia, retornando, após, ao meu lugar.

Entretanto, surpreso fiquei. No lugar do selo havia um envelope branco. Nele estava escrito meu nome e a palavra "convite". Abri-o e retirei de dentro um cartão. Neste constavam as seguintes palavras: "Vinde, benditos de meu Pai, tomai posse do Reino que vos está preparado desde a criação do mundo." E, logo abaixo: "Jesus, o Bom Pastor".

Lembrei-me novamente das palavras da Virgem Santíssima, e descobri que a Justiça e Providência Divinas são ininteligíveis a nós, pequenas criaturas. Quando ainda me restava metade da pena para cumprir, fui absolvido. Descobri que havia praticado o amor em forma de doação, pacientemente, sem esperar retribuição. Quanto mais rezava pelos outros, mais graças recebia para mim. E assim, dando tudo que tinha, ganhei mais do que possuía.

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- CAP. XI - "O Paraíso"

Meu Anjo-da-Guarda tornou a aparecer diante de mim. Pegando minha mão, conduziu-me para fora da igreja. Deixei a bacia na saída e trouxe comigo apenas o convite. Caminhamos e entramos num bosque que havia ali perto. Era a primeira vez que vi naquele lugar uma quantidade grande de árvores. E quanto mais seguíamos para dentro daquela mata, por um caminho que se abria instantaneamente a nossa frente, ela se tornava cada vez mais uma verdadeira floresta que nunca vi igual. Os coloridos das plantas se multiplicavam a cada passo, ao mesmo tempo que os pássaros e seus cantos, como que anunciando a entrada do paraíso.

Até que em certo ponto, já admirado de tanta beleza, vi uma luz intensa que saia de um grande portão, tendo ao lado um querubim que trazia a mão uma espada de fogo. Meu Anjo então me disse:

"– Chegou o momento de nos despedirmos. Fico muito feliz por você. Agora parto em nova missão. Diante de nós está a entrada do paraíso. Basta apresentar o convite que trazes consigo."

E nos despedimos com um forte abraço. Segui, então, adiante. Mostrei o convite ao querubim que guardava a porta e ele acenou para que entrasse. Quando entrei, vi que estava numa espécie de ante-sala, pois havia ainda uma outra entrada mais adiante. A luz dali me banhava com sua fenomenal intensidade. Aos poucos me

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vi revestido de vestes brancas, iluminadas, resplandecentes, tal qual via nos anjos.

Ouvi, então, uma grande voz que ecoou, dizendo:

"– Estais santificado. Podeis entrar, se quiserdes, no paraíso que fora feito para todos. Todavia, um outro convite antes vos faço, como o fiz para todos que adentraram esta sala: se quiserdes, podereis voltar para a grande missão. Aliás, todos que aqui antes estiveram aceitaram este convite que agora vos faço. Entre eles estão vossos antigos parentes da Terra, que vieram antes de vós, e que ainda continuam cumprindo a mesma missão que agora vos ofereço. E todos são santos, como agora sois também vós. Mas antes do céu, preferiram a grande missão. Antes de habitar o paraíso, escolheram retornar à Terra. Agora, na condição de santos. E, tal qual os Anjos de Luz, buscam incessantemente a paz aos Homens de boa vontade. Também Jesus Cristo e sua Mãe, Santíssima Virgem Maria, estão sempre juntos daqueles que ainda vivem na Terra. Pois a grande missão é trazê-los para onde chegastes. É conduzir todos para o reino que para todos fora construído, pois todos são meus filhos."

Respondi:

– Senhor meu Pai, aceito o convite, fazei de mim um verdadeiro instrumento de Vossa paz.

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- CAP. XII - "A Grande Missão"

E como um verdadeiro santo, retornei à Terra. Encontrei muitos anjos de luz, inclusive meu anjo-irmão. Também convivi com outros tantos santos iguais a mim. E bem perto de mim, na grande missão, trabalhavam meus antigos parentes, já falecidos, e hoje santos. Foi com muita alegria que revi a todos. E mais feliz porque estavam todos ali, sem exceção de nenhum. E estavam presentes tanto os que já conhecia, como também aqueles que não havia conhecido na vida terrena. Hoje, novamente juntos, em espírito, estamos atentos aos passos de nossos filhos e seus descendentes. Mas, nem por isso descuidamos daqueles que não são nossos descendentes de carne. Pois, em espírito, somos todos um, porque único é o nosso Deus, no mistério da Santíssima Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo.

O interessante é que, lá onde estava, o tempo não existe, ou seja, não é medido como aqui na Terra. De modo que voltei, e ainda vi: meu corpo sendo enterrado e todos se despedindo de mim. Mas agora estava junto com meus parentes queridos, falecidos antes de mim. E estávamos todos felizes, embora todos aqueles que não morreram chorassem por mim. Percebi, então, porque as orações que ainda farão pela minha alma encherão seus próprios pratos ou bacias quando morrerem e forem ao purgatório. Pois eu já estou aqui e eles ainda irão orar por mim.

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E a grande missão tinham seus belos e felizes momentos: quando duas ou mais pessoas se reuniam em oração, fazia-se presente o Nosso Senhor Jesus Cristo. Foi assim que o vi pela primeira vez. E estar com Cristo, confesso, com toda alegria do mundo, é estar no paraíso. É uma felicidade indescritível. E acrescento mais: Ele sempre estava presente nas orações, mesmo junto daqueles que oravam sozinhos, pois, na verdade, só não estavam, porque estes sempre tinham a companhia de seus Anjos-da-Guarda e de seus santos protetores, que somos nós. A grande Rainha da Paz também se fazia presente, lançando de suas mãos raios luminosos que despejavam em forma de bençãos e graças sobre a humanidade.

Outra coisa que vi: dentro dos corações das pessoas estava tudo o que possuíam de bom ou ruim. Aqueles que alimentavam coisas boas, enchiam-se do Espírito Santo, de luz e paz. Todavia, aqueles que se entregavam às más obras, um breu tomava conta deles e os maus espíritos se aproximavam tentando apossar-se. Uma luta sem igual para quem vive sem oração, que é o maior escudo contra esses males. Pois, como já disse, é na oração que nos encontramos, e principalmente, nosso Bom Pastor. Outro alimento poderoso está contido no Santo Evangelho de Cristo, a verdadeira palavra de Deus. E praticá-lo, com amor e fé, é construir na Terra o Reino dos céus: a grande missão de todos nós.

Vi também a presença Divina na graça do batismo, na hóstia sagrada da comunhão, na benção do matrimônio...

Na verdade, Jesus sempre está tão perto de nós e não percebemos. Está muito mais próximo ainda daqueles que clamam por justiça, paz, amor, liberdade, moradia,

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trabalho, pão e água. E mesmo assim, são quase sempre renegados. Pensam que são infelizes, mas as chagas de Cristo aumentam para confortá-los. Pois seu Sagrado Coração é Divino, mas sangra como um coração humano.

Enfim, voltei a nossa mãe Terra, para participar da grande missão que nos foi revelada no Santo Evangelho, por Jesus Cristo. E estou feliz por poder participar. Engraçado, porém, que fiz uma longa viagem para alcançar o paraíso e aqui novamente estou. E aviso: aqui ficaremos até o Juízo Final, eu, e também você.

3ª PARTE:

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- CAP. I -

“A Fonte da Vida”

Segui, naqueles primeiros dias, os passos do

Mestre Jesus. Vi que continuava Ele a curar as enfermidades, a expulsar o mal do coração e da mente perturbada, acolhendo a todos que O procuravam com fé e amor, perdoando-lhes os pecados.

As pessoas humanas não O viam, mas Ele estava presente. As pessoas de fé sentiam Sua Santa presença, porque, em verdade, Ele as tinha nos braços. As curas eram intermináveis e imediatas, porque víamos a cura espiritual em primeiro plano; mas para algumas pessoas demorava um certo tempo, porque só enxergavam os males físicos, trazendo-os consigo, ainda que não mais existissem.

Jesus, desde sempre, uma infinita e inesgotável

fonte de vida, nunca esteve ausente de nós. Quando assim nos parece, é porque nós é que nos ausentamos da Sua presença; nós é que lhe damos as costas.

Por várias vezes, vi Jesus escrever no coração de suas ovelhas perdidas:

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“Minha irmã,

onde andas tu que não a vejo?

Há tempos que não vem me visitar.

Minha casa fica tão perto, tão fácil de chegar.

Lá não encontrarás nenhum mal.

Lá só encontrarás outras tuas irmãs e um pastor que enviei para,

em meu nome, guiar-te, conduzir-te...

Minha casa é tua casa. Mas há muito que não te vejo.

Se não sentes nem um pouco a minha falta,

saiba que Eu sinto muito a tua ausência.

O teu lugar, naquele banco, é reservado para ti,

para mais ninguém além de ti.

Cada qual tem um lugar em minha casa.

Alguns, porém, o deixam vazios, desocupados...

Minha irmã,

Por onde andas que não te vejo?

Meu Sagrado Coração só será plenamente alegre e livre das chagas

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quando todas as minhas ovelhas estiverem na minha presença.

Quando parti deste mundo, deixei um lar para vocês.

Quando subi aos céus, deixei meu testemunho de vida.

Quando mandei aos meus apóstolos o Espírito Santo,

dei a eles o meu cajado.

Quando os ignoras, a Mim ignoras.

Quando a eles renega, afastas de Mim.

Quando não o ouvis, é a Mim que não ouvistes.

Quando não o conheceis, esquecestes de Mim

ou não me reconhecestes.

Minha irmã,

Quero muito você.

Espero por você, sempre e paciente.

Um dia me acharás, porque já me achastes antes.

Não perco de vista a minhas ovelhas.

Um dia elas retornarão a Mim.

E você faz parte das minhas ovelhas.

Por favor, não se perca, não se engane mais.

Há muito espero por ti,

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como o pai que aguardou o retorno do ‘filho pródigo’.

Eu espero ansioso e de braços abertos a tua chegada,

e meu coração exaltará de alegria em rever-te.

Oh, minha amada irmã, não tardeis!”

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- CAP. II -

“O Significado da Cruz”

Aprendi, também, naqueles dias, o significado da

cruz.

A cruz não é apenas uma imagem; representa vida.

Ela não é apenas um adorno para nosso peito, mas um “cravo” para nosso coração.

A figura da cruz é a própria imagem do Cristo, Aquele que venceu a morte! E, vencer a morte, é vencer o pecado, reencontrar o Deus-Pai Todo Poderoso, Criador do universo e de tudo que nele existe.

A cruz, quase sempre, significa renúncia. E por isso é difícil trazê-la conosco. Quem traz consigo aquilo que lhe parece inconveniente?

Mas quem carrega a sua cruz, com força, orgulho e coragem, sabe que por detrás dela há uma vida eterna e não apenas passageira. Quem se encontra na cruz, faz de

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seus sacrifícios um oferenda; torna alegre e suave o seu jugo. Porque na cruz está fincado o Amor...

Na cruz, está presente a esperança.

Na cruz, está a realização de um mundo novo, onde a miséria foi substituída pela caridade; a fome, pela partilha do pão; a doença, pela cura da alma; a tristeza e a dor, pela alegria de servir; e a morte passageira, por uma vida eterna e feliz.

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- CAP. III -

“A Ressurreição em Vida”

Meditava, então, no que me disse, um dia, certo

profeta:

“A mim não importa se existe ou não o mal, se existe o bem.

A mim não importa se existe ou não o mal, se existe o amor.

A mim não importa se existe ou não o mal, se existe o perdão.

A mim não importa se existe ou não o mal, se existe a esperança, a fé, a alegria...

De nada adianta pensar no mal e afundar com ele.

Basta crer no bem, que não requer provas.

Se foi possível um dia ser feliz, se foi possível uma hora de paz, ou ainda, um minuto de amor, ou ainda, se foi possível sorrir nem que num único instante da nossa vida, é porque é possível realizar todos os nossos sonhos mais profundos: de paz, alegria, amor e comunhão com Deus.

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Em Deus Todo Poderoso não há condenação; há misericórdia.

No Pai Criador do mundo não há abandono; há reconciliação.

No Deus de Amor não há tristeza e morte; há alegria e vida.

Se queres tudo que está ao teu alcance, não só ignore o mal, mas evita-o de todo modo, não deixando que se aproxime. Coloque o ‘mal’ fora de sua vida e o ‘bem’ dentro do seu coração.

Orar, jejuar e fazer caridade são modos de nos envolvermos no amor Divino e estarmos sob a proteção de Sua luz.

O amor a Deus, em espírito e verdade, é a única fonte de vida. Quem não bebe desta água, não tem a vida, mas a morte. A fonte da vida eterna jorra aberta para todos os corações disponíveis. Parece fácil, mas de tão simples, torna-se quase impossível. Para tê-la, é preciso ser digno dela; e para ser digno dela, basta ser unicamente você, sem fantasias, sem máscaras, sem tudo aquilo que o mundo lhe impõe. Todos nós temos o coração voltado para Deus, mas o abandonamos diante das ilusões mundanas, que de nada valem. Que importa mais: um coração vivo, em paz e feliz; ou um coração cheio de ilusões, de falsas riquezas e padrões de vida, e inseguro, sem amor, liberdade e cheio de dúvidas? Por que dar o próximo passo para dentro de um buraco, quando temos a chance de dar a volta e não

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cair nele? É mais fácil escondermos nossa face, demonstrando nossa fraqueza? Por que não enfrentamos as situações segundo a realidade, confiando unicamente em Deus, fonte inesgotável de vida, de amor e de paz? Em Deus está a única verdade, e estando na verdade, estaremos unidos a Deus.

Diga sim à vida, pois de nada vale a morte, senão àquela para a qual fora destinado. Aquele que morre antes de seu tempo, deixa de cumprir a missão traçada por Deus, que é muito mais significante e valiosa que a nossa própria dor e egoísmo.”

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- CAP. IV -

“Além da Visão Humana”

Começava a andar novamente entre os Homens e

via uma desigualdade sem fim.

Nas ruas, passarelas e longas avenidas, à beira do caminho... mendigos, desempregados e crianças pedindo esmolas.

Vi muitos Homens vestidos e calçados, e muitos, nus e descalços.

Vi muitas pessoas comendo e bebendo, em ricos palácios; vi também muitos favelados ou sem moradia alguma, famintos e desesperados.

Então me perguntava: “por quê?”

Naquele momento, apareceu um Anjo diante de mim e disse:

– Olhe para o coração de cada um e verá suas verdadeiras vestes.

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Tornei, então, o olhar mais profundo,

espiritualmente, para dentro daquelas almas. As que andavam nus e famintas traziam a cruz em seus corações; as que comiam e bebiam, com ricas vestes, tinham um coração vazio.

Apareceu-me novamente o Anjo, consolando-me das injustiças que via, dizendo:

– A cruz é a salvação das almas; a marca do

Cordeiro imolado. Quanto às outras, vagam na esperança de salvação, mas correm o risco de serem consumidas pelas trevas.

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- CAP. V -

“Eterna Alegria”

E, continuou o Anjo, pedindo-me para sorrir:

– A vida é alegria. Alegria porque somos filhos de Deus. E o nosso Pai é o criador do mundo, do universo inteiro. Um Pai de infinito amor, de misericórdia e bondade. Um Pai que nos convida a sermos felizes, ensinando-nos e mostrando o caminho da eterna paz. Um Pai que se faz igual a nós, criaturas, e dá a própria vida para nos libertar do mal. Um Pai que nos concede o próprio Espírito para nos guiar, iluminando nossa mente e nosso coração. Um Pai que somente merece louvores. Quão grande Ele nos faz. O grande pecado é nos fazermos grandes por nós mesmos, ignorando a essência da sabedoria, que é a humildade e a verdade. Ser pequeno não é só ser humilde, mas também reconhecer a verdade. E a verdade consiste que devemos abrir nossos corações, partilhando a alegria de sermos filhos de Deus. Ele nos deu a vida, o amor, e o caminho da felicidade eterna. Este caminho é Jesus Cristo, o próprio Deus encarnado. E a luz que ilumina nossa vida é o Espírito Santo. Abrir nosso coração ao Pai, Filho e Espírito Santo – a Santíssima Trindade – é possuir o dom da sabedoria. O maior tesouro que ninguém pode tirar de nós. Basta crer e amar, em espírito e verdade. Deus existe e é nosso Pai.”

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- CAP. VI -

“A Verdade e o Pecado”

Meu coração encheu-se de alegria naquele

momento. Vi que estava errado ao encarcerar meu coração nas grades da tristeza, diante das injustiças que presenciava. A alegria e a paz devem prevalecer, e é isto que tenho que levar a conhecer àqueles que não as têm ou que as perdeu. E eu faço parte dessa corrente que não pode quebrar... Essa, afinal, é a missão que nos foi confiada. Agradeci, então, ao Anjo, com um sorriso.

Talvez ainda insatisfeito, prosseguiu o Anjo em seu sermão:

– Nosso Deus não é um Deus ausente, mas presente. Nas pessoas do Pai, do Filho e do Espírito Santo, se fizeram e se fazem continuamente presentes no coração daqueles que as recebem: o mistério da Santíssima Trindade. Não se pode crer no Evangelho, se não se crê em Jesus e nas suas palavras: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” “Aquele que me viu, viu também o Pai” “Crede-me: estou no Pai, e o Pai em mim.” (Jo 14,6-11)* “Em verdade, em verdade vos digo: quem crê em mim tem a vida eterna. Eu sou o pão da vida.” (Jo 6,47-48)* “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia. Pois a minha carne é verdadeiramente uma comida e o meu sangue, verdadeiramente uma bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele”. (Jo

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6,54-56)* E Jesus se faz presente na Eucaristia, na comunhão da Santa Missa. É o Deus vivo nos oferecendo em alimento para nossa alma. E muitos ainda não o receberam ou ignoraram a importância e significado desse sublime encontro. Para ter paz, devemos receber a paz; para termos amor, devemos aceitar o amor. Somente assim, o Espírito Santo nos encherá de alegria. “E eu vos digo: pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei e abrir-se-vos-á.” (Lc 11,9)* E terás a fortaleza do Espírito Consolador. Pois, forte não é aquele que tem uma boa saúde, que domina pelo poder e dá ordens, ou que, numa batalha, castiga e mata o inimigo. Não. Forte é aquele que vence o pecado, que supera com amor a dor do sofrimento, que com o trabalho honesto busca o sustento da família, que não se envergonha de ser pobre, e que luta pela paz entre os homens. A felicidade é gratuita e o pecado a encarece, cria obstáculos e lhe põe preço. Livrar-se do pecado é caminhar para a felicidade eterna, para o céu... A oração é o nosso escudo; a fé, a nossa espada. Precisa o Homem enxergar com os ‘olhos da verdade’. Enxergar a infinidade de amor de nosso Deus, na pessoa de Jesus. Adorar o Seu Sagrado Coração e se entregar, em corpo e alma, a Ele, que por nós se entregou. Somente assim estaremos no Pai e o Pai em nós. Somente assim o Espírito Santo habitará em nossa alma. Somente assim, abrir-se-á a porta da felicidade eterna: o caminho do céu. O pecado é o maior desafio do Homem neste caminho. Mas disse Jesus: “Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores.” (Mt 9,13)* Portanto, se Deus Pai fez uma aliança com o ‘povo de Deus’, Jesus é o Pastor que veio ajuntar todas as ovelhas perdidas, a fim de levá-las ao seu aprisco. Mostra-nos Deus a sua infinita misericórdia, mas adverte: “Vai e não tornes a pecar.” (Jo 8,11)* “Tua fé te salvou; vai em paz.” (Lc 7,50)* E não se pode enxergar a tudo isso e

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menosprezar a Santíssima ‘Mãe de Deus’. Quem é o Homem para negá-la, se o próprio Anjo do Senhor disse: “Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo.” (Lc 1,28)* “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre.” (Lc 1,42)* E como ‘Mãe de Deus’ devemos amá-la. E também como nossa mãe, recebê-la em nosso coração. Ela, que á a ‘Rainha da Paz’, e incessantemente roga ao Pai por nós, pecadores. Maria, Nossa Senhora das Graças, que tem um Coração Imaculado, que nos ama como filhos e nos quer ver todos reunidos com seu filho lá no céu, merece muito mais respeito e carinho... Merece nosso amor de filhos.

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- CAP. VII -

“Ricos de Nada”

Eu continuava sem palavras, enquanto o Anjo

discursava:

– Ninguém foi criado santo, nem os anjos. Porque a liberdade está no amor. Não fomos criados feitos robôs, somos seres livres. Mas essa liberdade tem origem no amor. Não é uma liberdade desvairada, sem limites. A liberdade do amor tem seus próprios limites, que estão na consciência de cada um. E, conhecendo essa liberdade, seremos verdadeiramente livres, amando conscientemente, de corpo e alma. Também não fomos estabelecidos cada qual num lugar, ou seja, a Terra não foi dividida igualmente, para que a sociedade fosse toda igual, sem desigualdades, sem pobres nem ricos. Porque o importante é sermos todos ‘ricos de nada’. Ser ‘rico de nada’ significa ser rico sempre, seja na riqueza ou na pobreza; mas dono de nada, que representa usufruir, mas não possuir. É Ter o coração voltado unicamente para Deus. E amando a Deus, em espírito e verdade, amaremos nossos semelhantes e desfrutaremos com todos as riquezas que não possuímos, apenas usufruímos. Ser ‘rico de nada’ é participar da bem-aventurança como pobre de espírito. É aquele que serve-se dos bens que tem, mas não é escravo deles e nem tem sua confiança neles depositada. Ser ‘rico de nada’ é confiar unicamente na vontade do Pai celestial e fazer a Sua

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vontade. É esvaziar-se de si mesmo para realização do plano divino. É doar-se como Ele se doou por nós. É amá-lo infinitamente. A riqueza ou pobreza materiais de nada tem valia, a não ser para servir-nos, uns e outros. Não há necessidade de sermos todos ricos, porque de nada vale a riqueza. Ela somente tem valor quando é partilhada com aquele que nada tem e passa sérias dificuldades no campo material. Partilhar não é apenas da de graça. Dar emprego é também uma forma excelente de doação, desde que a oferta seja justa. Muitos pobres e poucos ricos já são ‘ricos de nada’. Há, porém, alguns pobres e muitos ricos que são ‘pobres de tudo’.

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- CAP. VIII -

“A Perfeição do Imperfeito”

Resolvi, então, perguntar ao Anjo:

– Preocupa-me também, o modo como caminha a humanidade. Hoje as máquinas tornam os seres mais robôs e menos humanos. Como será o final disto?

Respondeu o Anjo:

– Preocupe-se unicamente em levar a semente do amor aos corações humanos. Embora pareça tudo imperfeito, há vida, há um Deus e uma eternidade a nossa frente...

E continuou:

– Vou-lhe contar uma estória. Havia um ser, que insatisfeito com aquilo que tinha, procurava sempre o mais. E assim jogava fora as invenções velhas e as substituíam pelas novas. Até que, certo dia, ele já comandava todas as máquinas que inventava com um simples toque e de qualquer distância. Porém, ainda insatisfeito, buscava a perfeição. Tornou-se, então, parte da própria máquina, ou seja, seu gerador. Ele dava vida às

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suas invenções, que funcionavam ou deixavam de funcionar ao comando do seu pensamento. A sua memória estava ligada no ‘coração’ das máquinas. Um simples desejo do pensamento era uma ordem, e assim todas as máquinas eram suas subordinadas. Só que ele não podia pensar em nada diferente que pudesse interferir no trabalho daquelas. De modo que: não podia ter emoções, não podia beber ou comer prazerosamente, nem praticar esportes e muito menos se concentrar em estudos. Sua função única era a de chefe das máquinas. Através delas podia se alimentar, divertir, estudar e ter emoções. A diferença é que ele próprio não podia exercitar tudo isso; o ser perfeito dependia de máquinas. E assim viajou por toda a constelação que se possa imaginar, a procura de seres inferiores. Encontrou, então, num pequeno e belo planeta, seres muito estranhos: tinham hora para trabalhar, hora para se alimentar, hora para descansar e se divertir. Mas o que mais intrigou o ser inteligente é que aqueles seres inferiores sabiam rir, chorar, pular, correr, dançar, falar, gritar, brigar e até louvar. E tudo isso sem máquinas, ou pelo menos delas não dependiam. Capturou ele um desses seres e indagou-o: “Vocês conseguem ser felizes assim, com toda essa imperfeição de vida?” E o outro respondeu: “A perfeição está somente Naquele que louvamos.” E tornou a perguntar o ser superior: “E quem é esse que louvam?” Respondeu o ser inferior: “É o Deus criador do mundo, que mandou seu Filho único ao nosso planeta para nos salvar e nos dar a vida eterna.” O ser robô afastou-se dali e nunca mais retornou àquele lugar... Lá existia vida, uma vida ‘imperfeita’, e que era eterna.

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- CAP. IX -

“A Obediência”

Enquanto eu ainda refletia no que me dissera,

tomou o Anjo mais uma vez a palavra e, apontando numa direção, disse-me:

– É hora de você partir. É chegado o seu momento. Deverá seguir pela estrada que adiante te aparecerá.

Abriu-se, em seguida, a minha frente, uma estrada curta e cheia de pequenas e belas pedras, as quais ocupavam todo aquele espaço, que daria para caminhar juntas, no máximo, duas pessoas.

Naquele mesmo instante, ouvi uma voz, que eu não sabia de onde vinha, e que me dizia:

“– Siga em frente. Caminhe pela estrada que te apareceste.”

Perguntei, então:

– E que estrada é essa? Para onde me levará?

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“– É o caminho do céu.” – foi a resposta.

Segui, portanto, sem hesitar. Estava descalço e sentia as pedras sob meus pés, mas elas não machucavam, bastasse um pouco de cuidado.

“– Seguir pelo caminho do céu é simples, mas requer atenção para não perdê-lo.”; disse-me uma vez mais aquela voz.

Andava com o olhar fixado na estrada, por vezes desviando-o para um horizonte iluminado e para uma bela e indescritível paisagem a minha volta.

E, tendo andado um bom caminho, meus pés começaram a sentir algum desconforto em razão das pedras do caminho.

Novamente a voz soou, dizendo:

“– Não te incomodes com as pedras do caminho, pois elas te conduzirão ao paraíso. Tristes daqueles que preferem a ilusão e a facilidade de caminhos enganosos, que levam à perdição eterna. Esta é a estrada da obediência. Quem obedece a Deus e segue seus mandamentos, verá Ele tal qual Ele é, e reinará a paz eterna em seu coração.”

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E, enquanto caminhava, aquela voz prosseguia nos seus discursos:

“– A obediência é o fruto da árvore da vida; ao contrário, a desobediência é fruto de todo mal. Assim aconteceu no tempo de Adão e Eva, que comendo do fruto proibido, conheceram o mal, e a morte e o pecado entraram na vida deles e de todos seus descendentes. A razão disso foi a desobediência. Por isso, tendes sempre a mente: obedecer a Deus e seus preceitos é fonte de vida eterna; a desobediência é sinal de pecado e morte. Verdadeiramente, Jesus Cristo, Filho do Altíssimo, remiu-nos do pecado e da morte. Todavia, um dia morreremos para a ressurreição da eterna alegria ou do sofrimento sem fim. O pecado são as facilidades e ilusões mundanas, que nos afastam do caminho de Deus. Renunciar ao pecado é pisar sobre as pedras do caminho do céu, ou seja, parece difícil vencer o pecado, mas o que parece sacrifício resulta na vitória da vida, no caminho da paz, na eterna alegria junto a Deus-Pai. Obedecer a Deus é fazer-se menor que tudo e todos, para que a humildade abra as portas de teu coração. Depois, é doar-se inteiramente à vontade do Pai, que lhe vai falar diretamente ao coração, já que abristes as portas a Sua voz. Viver a obediência é viver a fé em Cristo Jesus. É crer e amar, amar e crer.”

Eu ouvia tudo aquilo atento, seguindo em frente na caminhada.

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- CAP. X -

“A Um Passo do Paraíso”

Parecia que desta vez havia alcançado o Paraíso.

Via diante de mim algo jamais visto por mortal algum. Um brilho, uma luminosidade, uma aparência de luz divina que resplandecia ao alto e em toda a linha do horizonte. Não se enxergava mais caminho algum. Tudo se confundia diante daquela claridade sem fim. Interessante é que estava diante de mim, mas não me envolvia. Ainda sob meus pés, sentia as pedras do caminho. E, a um passo estava o Paraíso, pelo que presenciava diante da minha visão, parecendo até que iria flutuar naquela direção.

Essa visão indescritível era certamente a própria morada do céu; não poderia existir algo mais belo, perfeito e tão purificador. Senti uma felicidade imensa, sabendo que eu, sendo pó, grande sou, pois Deus me ama. E isso me torna digno de adorá-lo e de chamá-lo de Pai. “Pai nosso que estais no céu, santificado seja o Teu nome”. Quantas vezes orei assim e não percebi a grandeza e alegria nessas santas palavras. “Seja feita a Tua vontade, assim na terra como no céu”. E quantas vezes soletrei tais palavras e não vi o infinito amor que há entre o Deus-criador e os homens-criaturas. Basta olhar para o Paraíso a minha frente e crer que a vontade de Deus é ter consigo

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todos os seus filhos, unidos e alegres, celebrando o grande dia da festa da ressurreição.

E exclamava:

– Oh, homens pecadores! Renunciem a todo mal dominador! Sejais fortes! Buscai forças no próprio Pai e em seu filho Jesus, crucificado por nossa culpa. Quão grande é a recompensa, que se soubésseis, ignorariam todos os tesouros aparentes dessa Terra. Só há um único diamante que deve ser lapidado, para que seja reconhecido seu brilho, o passaporte para o céu: o brilho do teu coração. Sejais puro e limpo. Que teus desejos sejam o amor e a paz. E as tuas obras, a caridade. Tuas palavras, a verdade. Teus passos, a bondade. Teus anseios, a glória de Deus. Tuas lutas, a vitória sobre o pecado. Se não fores capaz de fazer isso por amor próprio, fazei-o pelo amor que tem o Pai sobre ti.

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- CAP. XI -

“O Rio de Ouro”

Enquanto proferia aquelas palavras, percebi que um rio amarelo se abria diante de mim. Formou-se de repente, como se passando uma correnteza, alargando as margens e transformando-se num rio, cuja travessia parecia impossível.

O rio, a medida que aumentava de tamanho e profundidade, distanciava-me daquela visão do paraíso.

Toquei, então, com as mãos, as suas águas. E vi que parecia ouro líquido. Uma forte intuição me fez beber daquela água. Neste momento, fiquei cego. Uma força estranha, como um forte vento, empurrava-me para dentro do rio. Embora me sentisse levado na direção do rio, sem nada enxergar, percebi que não me molhava.

Em seguida, percebi uma grande sombra, quando passei a enxergar novamente. Sentia-me como coberto pelas águas do ‘rio de ouro’ e dentro de um túnel subaquático, com certa luminosidade. Vi diante de mim um longo caminho, cujo fim não conseguia precisar. Naquele momento, apareceu-me um Anjo, que sorrindo, disse-me:

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– Estais verdadeiramente no caminho do céu. Tereis que percorrer, entretanto, o caminho das sete igrejas. São elas a porta de teu coração. Necessitas de coragem e muita fé, mas com certeza, já que aqui chegastes, conseguirá passar por essa prova. Isso é necessário para que todo coração humano compreenda o significado do Coração Divino.”

E assim, dando-me algumas recomendações,

aconselhou-me a seguir em frente; o que fiz. Logo deixei aquele ‘túnel’ e uma nova estrada apareceu à luz do dia.

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- CAP. XII - “As Sete Igrejas”

Havia, então, de passar por sete igrejas: era o caminho do céu...

E segui pela estrada indicada pelo Anjo.

À beira do caminho, encontrei a Primeira igreja, que estava com suas portas fechadas. Fiquei triste, porque lembrei-me das palavras do Anjo: “Se encontrar alguma igreja de portas fechadas, segue adiante, e somente depois de passar pelas demais, retorne a ela. Isto significará, naquele momento, que o teu coração está fechado para o que representa aquela igreja, mas após trilhar os outros caminhos, poderá então reencontrá-la.”

Assim segui adiante, meditando: “Para quantas portas estará fechado meu coração? Qual será a distância que terei de percorrer para entrar no céu, se já estou a caminho?”

E, passando por várias paisagens diferentes, sempre à luz do dia, pois já não haviam noites, caminhava em direção à segunda igreja. Durante esse percurso, encontrei com muitos outros espíritos que também faziam a peregrinação.

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Havia momentos que se tornava uma romaria, com todos rezando e louvando a Deus. Felizes aqueles que na Terra, por penitência, amor ou agradecimento, participam de alguma procissão de fé, tão grandiosa quanto a caminhada que hoje fazemos – pensei.

Avistei, então, a Segunda igreja.

Era toda de um amarelo resplandecente como o sol, com uma torre e um pequeno sino de bronze e uma cruz ao alto, do mesmo metal, e toda torneada. As portas laterais estavam abertas e a da frente, fechada. Entrei pela porta da esquerda e vi que seu interior era da mesma cor externa; não tinha bancos; era de uma limpeza invejável; havia um degrau para se chegar ao altar, cujo teto tinha a forma circular. No meio, uma mesa com toalha branca e, um pouco atrás, a imagem de São José. No alto, em cor de um amarelo mais escuro e forte, cortando o altar, a palavra: “coragem”.

Quando cheia a igreja, soou da direção do altar uma voz que dizia:

“– Coragem! Sem coragem, impossível a fé resistir. Se não fosse a coragem de São José a enfrentar o mundo, ficaria mais difícil a vinda de Cristo. Precisamos ter coragem para acreditar na salvação, na promessa de Deus e resistir com fé aos conselhos mundanos e aversos à fé cristã. Ignorar o mal, e praticar o bem. Parabéns, o coração de todos aqui presentes estava aberto a essa coragem de fé. Pois, sigam adiante!”

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E assim partimos; já não estava mais sozinho na caminhada.

Pouco tempo depois e já nos encontrávamos na Terceira igreja: era velha e de um branco amarelado e maltratado pelo tempo; também era pequena demais, mas coube todo mundo que ali se encontrava. Só havia a porta da frente, que se fechou após entrarmos todos. Por dentro, era simples e bonita, e transmitia um ar de paz. Havia bancos velhos, mas estava limpa e arrumada. Flores frescas cobriam o pequeno altar, sobressaindo a imagem de São Francisco de Assis. Nas mãos da imagem uma faixa de luz, e nela a palavra: “pobreza”.

Uma voz, então, saiu da direção do altar dizendo:

“– Bem-aventurados os pobres de coração. Na pobreza mora a paz e reside o berço da fraternidade. Conhecestes a pobreza, e como São Francisco, a vivenciastes. Quem não é pobre, não encontra esse caminho. Pois, felizes, sigam adiante!”

E cheios de alegria continuamos a trilhada.

Dessa vez, embora mais longo o percurso, não sentimos a distância, e chegamos à Quarta igreja.

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Esta, talvez seria a mais bela de todas, pela sua cor azul, como um pedaço vivo do céu. Parecia embrulhada em laços brancos e suas portas, todas abertas, eram de um número incontável. A Quarta igreja era grandiosa, nunca vi igual. No interior, apenas um banco ao centro e próximo ao altar. No altar apenas a imagem de um cordeiro. Ficamos todos de pé e observamos que entravam em fila, doze anciãos vestidos de branco, que se assentaram no referido banco, após colocarem sob o cordeiro, doze moedas de prata.

Uma voz ressoou do altar, cantando:

“– A paz esteja com vocês! Doaram suas vidas pela paz, e agora as tem em plenitude. Nada melhor que a paz, que encontramos no verdadeiro amor. A paz que pregastes a recebestes. Sigam na paz do Senhor!”

E assim, prosseguimos na caminhada.

Um pouco adiante, e avistamos a Quinta igreja.

Era toda iluminada, por dentro e por fora, que a luz do dia parecia noite diante dela. Não se via sequer a sua cor ou se havia mobília em seu interior. Entramos e ficamos envoltos naquela luz sobrenatural. Apareceu, então, na direção que seria do altar, quase ao teto, a Mãe de Jesus, seguida pelos Anjos que a coroavam. Disse-nos ela:

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“– Obrigada por ouvirem meus conselhos e acreditarem em mim. Levaram aos outros as minhas palavras, e elas eram de paz, e conduziam ao meu Filho, o Deus salvador do mundo. Trago comigo o rosário e a bíblia, assim como vocês os carregam em seus corações. Por isso estão aqui e hão de seguir adiante, no caminho do céu.”

E a Virgem Santíssima desapareceu aos nossos olhos. Assim prosseguimos na ‘viagem’. E depois de uma boa caminhada, chegamos à Sexta igreja.

Era ela toda de pedra rústica, escura como rocha, parecendo uma gruta pela forma de colocação das pedras, que pareciam encaixadas umas sobre as outras. Também havia uma só entrada, pela frente; não havia porta; era aberta como uma verdadeira caverna ou gruta. No interior, entretanto, as rochas tinham forma lisa como uma parede e sua cor era cinza claro. No meio do altar, um pendente, e nele, uma lâmpada acesa, como a que conhecemos na Terra. Embaixo dela, um cesto com uma criança humana dentro – um bebê. Ela sorria, e não chorava. Estava alegre, e não triste. Parecia brincar com alguém, o que demonstrava que não estava sozinha. Uma voz então soou, dizendo:

“– Assim como viram essa criança, também me viram. Deram-me de comer e de beber, vestiram-me e trataram-me com dignidade e respeito. Não importaram

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com a minha raça ou com minha condição social. Assim como me viram, eu vejo vocês. Fizeram-se meus irmãos, em sangue e espírito, em fé e em verdade. Sigam, pois, no caminho que preparei para vocês.”

E, repletos de paz e felicidade, caminhamos em direção à Sétima igreja.

Era uma igreja comum, parecia feita de tijolos, como as que conhecíamos na Terra. Dentro, cheia de bancos, desenhos e imagens de santos, a cruz no altar, tal qual as igrejas católicas humanas que eu frequentava. Havia um padre, que deu início a ‘Santa Missa’. Era apenas uma missa, tal qual a realizada na Terra, mas era a sétima e última igreja, pela ordem. E disse o padre, em seu sermão:

“– Quem não entrar por aquela porta, ela se fechará para ele. E este nunca saberá e nem conhecerá o caminho do céu. A sétima igreja não é a primeira pela ordem, mas é primordial para que a porta do céu seja aberta.”

E assim, para uns, era a última porta e o acesso ao céu estava aberto para sempre. Eu, todavia, teria que voltar. Ainda me restava a primeira igreja, cuja porta havia encontrado fechada. Minha ansiedade era tanta, que voltei correndo para ela. A cada passo que dava, parecia correr em mim uma transformação lenta e harmoniosa. Percebi que à medida que avançava no caminho em direção à primeira igreja, adquiria novamente a forma humana.

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Tinha o mesmo espírito iluminado, revestido de brancas vestes, mas agora sentia de novo o corpo físico. E assim comecei a sentir o calor daquele dia sem fim, o cansaço da longa caminhada e as dores físicas. Estava contente de rever meu corpo tal como era, como se fosse um reencontro comigo mesmo, depois de muito tempo.

Entretanto, as coisas se tornavam mais difíceis e a

busca pela última passagem para o céu transformou-se numa batalha: o caminho mais pedregoso e eu caminhava descalço. Fazia bastante calor e a areia e pedras do caminho faziam ‘bolhas’ no meu pé humano. Não havia lugar para repouso ou descanso, pois não encontrei árvores no caminho de volta. Por um instante, caí no solo, e chorei...

Vi que era um pecador e que não merecia o céu, que tudo antes fora uma ilusão para mim. Não imaginava que o caminho do céu fosse tão árduo e impossível de se alcançar. Meus pecados caiam sobre meus ombros e não tinha mais forças para carregá-los. Não tinha sequer forças para levantar meu corpo, agora também físico, daquele solo quente, e terminei por deitar também meu rosto sobre a terra.

Sentia queimar todo meu corpo e o desespero me fez pensar estar no inferno. Chorava, sem forças, e clamava por perdão.

Passou por mim outro irmão de caminhada, também no mesmo estado que eu. Chorando, ele me disse:

– Não tenho forças para te ajudar, porque também já não mais resisto.

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E, fechando os olhos, caiu sobre o solo; parecia ter desmaiado.

Logo em seguida vieram outros e mais outros, e do mesmo modo caíram.

Eu tentava resistir pela fé, orando, na esperança de um salvador...

Nesse instante, uma sombra cobriu meu corpo. Vi, então, passar diante de mim, um homem, com o corpo todo ferido, trazendo à cabeça uma coroa de espinhos e sobre os ombros uma pesada cruz. Passou por nós sem se lamentar, mas percebemos que seu sofrimento era insuportável.

Repentinamente, deu-me um grande desejo de ajudá-lo, mas não conseguia sequer me mover do chão. Ele, por sua vez, voltou seu rosto para nós e disse:

– Levantem e andem. E, aqueles que quiserem, sigam-me.

No mesmo instante, adquirimos força, e nossas feridas estavam curadas. Levantamos todos e passamos a segui-lo. E após doze passos nos vimos diante da primeira igreja. A passagem para o céu tão perto de nós e não a víamos, tamanha nossa fraqueza.

O homem entrou e colocou a cruz no lugar mais alto daquela igreja, em cima do altar, de modo que todos pudessem vê-la.

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A ‘primeira igreja’ era vermelha, cor de sangue, por dentro e por fora. No altar, uma faixa dourada, em que se lia: “penitência e confissão”.

Todos nós ajoelhamos e, chorando sem parar, pedíamos perdão pelos nossos pecados. Clamávamos em voz alta:

– Por quê na Terra há tanta desigualdade? – Por quê existem pessoas que passam fome e

sede? – Por quê há aqueles que não tem moradia? – Por quê não há trabalho para todos? – Por quê tanta violência e inúmeros crimes? – Por quê não cessam as guerras? – Por quê tanta falta de amor?

Aos nosso pedidos, escutamos um barulho como de um trovão. Abrimos os olhos e a igreja se tornara toda branca e cheia de luz. O homem que carregou a cruz se encontrava sentado à mesa que havia no altar. Em cima da mesa havia um pão e um cálice de vinho. Ele, então, “tomou o pão, benzeu-o, partiu-o e o deu a todos, dizendo: ‘Tomai e comei, isto é o meu corpo.’ Tomou depois o cálice, rendeu graças e deu-lho, dizendo: ‘Bebei dele todos, porque isto é meu sangue, o sangue da Nova Aliança, derramado por muitos homens em remissão dos pecados.” (Mt 26,26-28)*

Após comermos do seu corpo e bebermos do seu sangue, vimos que o homem era Jesus. A igreja desaparecia às nossas vistas e Jesus tornava-se um “Templo Vivo”.

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Meus olhos, então, fixaram-se no seu Sagrado Coração, e minha mão direita desejava tocá-lo. Havia uma curta distância entre eu e Jesus. Vi que seu Sagrado Coração era a porta do verdadeiro céu, e estava aberta a todos. Bastava a mim tocá-la...

F I M