marcelino freire - solar dos príncipes

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Marcelino Freire - Solar dos príncipes (Contos negreiros)

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Solar dos prncipes

Quatro negros e uma negra pararam na frente deste prdio. A primeira mensagem do porteiro foi: "Meu Deus!" A segunda: "O que vocs querem?" ou "Qual o apartamento?" Ou "Porque ainda no consertaram o elevador de servio?""Estamos fazendo um filme", respondemos.Caroline argumentou: "Um documentario". Sei l o que isso, sei l, no sei. A gente mostra o documento de identidade de cada um e pronto."Estamos filmando ."Filmando? Ladro assim quando quer sequestrar. Acompanha o dia-a-dia, costumes, a que horas a vtima sai para trabalhar. 0 prdio tem gerente de banco, mdico, advogado. Menos o sndico. O sndico nunca esta.De onde vocs so?Do Morro do Pavo.- Viemos gravar um Longa-metragem.- Metra o qu?Metralhadora, cano longo, granada, os negros armados at as gengivas. No disse? Vou correr. Nordestino homem. Porteiro homem ou no homem? Caroline dialogou: "A idia entrar num apartamento do prdio, de supeto, e filmar, fazer uma entrevista corn o morador."O porteiro: "Entrar num apartamento?"O porteiro: "No."O pensamento: "T fodido."A idia foi minha, confesso. O pessoal vive subindo o morro para fazer filme. A gente abre as nossas portas, mostra as nossas panelas, merda.Foi assim: comprei uma cmera de terceira mo, marcamos, ensaiamos uns dias. Imagens exclusivas, colhidas na vida da classe mdia.Caroline: "Querido, por favor, meu amor." Caroline mostrou o microfone, de longe. Acenou com o batom, no sei.Vou bem levar paulada de microfone? O microfone veio emprestado de um pai-de-santo, que patrocinou.O porteiro apertou o apartamento 101, 102, 108.Foi mexendo em tudo que andar. Estou sendo assaltado, pressionado, liguem para o 190, sei l.A graa era ningum ser avisado. Perde-se a espontaneidade do depoimento. O condmino falar como viver com carros na garagem, saldo, piscina, computador interligado. Dinheiro e sucesso. Festival de Brasilia. Festival de Gramado. A gente fazendo exibio no telo da escola, no salo de festas do prdio.No.A gente no s ouve samba. No s ouve bala. Esse porteiro nem parece preto, deixando a gente preso do lado de fora. O morro t l, aberto 24 horas. A gente d as boas-vindas de peito aberto. Os malandres entram, tocam no nosso passado. A gente se abre que nem passarinho manso. A gente desabafa que nem papagaio. A gente canta, rebola. A gente oferece a nossa coca-cola.No quer deixar a gente estrear a porra do porteiro. foda. Domingo, hoje domingo. A gente s quer saber como a familia almoa. Se fazem a mesma festa que a nossa. Prato, feijoada, guardanapo. Caralho, no precisa o sndico. Escute s. A gente vai tirar a cmera do saco. A gente mostra que da paz, que a gente s quer melhorar, assim, o nosso cartaz. Fazer cinema. Cinema. Veja Fernanda Montenegro, quase ganha o Oscar.- Fernanda Montenegro no, aqui ela no mora.E avisou: "Vou chamar a polcia."A gente: "Chamar a polcia?"No tem quem goste de polcia. A gente no quer esse tipo de notcia. O esquema foi todo montado num puta dum sacrificio. Nicholson deixou de ir vender churro. Caroline desistiu da boate. Eu deixei esposa, cadela e filho. Um longa no, s um curta. Alegria de pobre dura. Filma. O qu? Dei a ordem: filma.Comeamos a filmar tudo. Alguns moradores posando a cara na sacada. O trnsito que transita. A sirene da polcia. H? A sirene da polcia. Todo filme tem sirene de polcia. E tiro. Muito tiro.Em cmera violenta. Porra, Johnattan pulou o porto de ferro fundido. 0 porteiro trancou-se no vidro. Assustador. Apareceu gente de todo tipo. E a idia no era essa. Tivemos que improvisar.Sem problema, tudo bem.Na edio a gente manda cortar.