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Maçonaria e imprensa nos anos 1930 em Pernambuco
Analisando o espaço da revista enquanto elemento fundamental na
composição de um campo intelectual para determinado segmento social,
François Sirinelli (2003. pp.231-262), observa com tal espaço se constitui num
importante ambiente na formulação de sociabilidade, além de lugar
imprescindível na fermentação de ideias, que seriam importantes para nortear
o horizonte de determinado grupo social e de intelectuais. A partir desta
observação que pode ser transposta para a realidade dos maçons
pernambucanos, pensados aqui, como ao mesmo tempo atores políticos e
intelectuais, através da difusão das suas perspectivas de mundo e que tinham
na imprensa por eles patrocinada, possibilidades de irradiação das suas vozes.
Tomaremos como exemplo para pensar as visões e posições tomadas
pela maçonaria pernambucana, dois periódicos, que de alguma maneira
acabavam expressando as visões deste segmento durante a década de 1930,
o primeiro deles o Archote, publicação levada a cabo pela Loja Cavaleiro da
Luz, que se encontrava localizada na cidade do Recife, e tinha sido fundado no
ano anterior, a partir da polêmica que havia se instaurado no estado, devido à
questão do caráter facultativo do ensino religioso nas escolas publicas,
aprovado pelo governo provisório de Pernambuco, após a Revolução de 1930.
Tal questão como já analisamos em outra ocasião, provocou uma
ruptura no interior da maçonaria pernambucana, pois o grupo maçônico que
atuava junto a este periódico, realizou criticas contundentes, as posições de
inatividade tomada pelo Grande Oriente de Pernambuco, acerca desta
questão. Mesmo contando com um único número completo, localizado na
hemeroteca do Arquivo Publico do Estado de Pernambuco, além de uma
página do mesmo periódico, datada de 20 de agosto de 1934, que
encontramos em meio ao material recolhido pela Delegacia de Ordem Política
e Social possivelmente no ano de 1937. Pode de alguma maneira fornecer as
2
posições e visões desta sociedade, mesmo que incompletas durante a década
de 19301.
O outro espaço que analisaremos de divulgação de posturas e ideias
maçônicas de Pernambuco será o jornal Mensageiro, órgão patrocinado pela
Loja Maçônica Mensageiros do Bem, da cidade de Garanhuns, que circulou
quinzenalmente, entre os meses de maio a outubro de 1937. Esta folha
maçônica também traz de maneira intensa os debates que norteavam as
reflexões da maçonaria do Estado, mesmo sendo produzido numa cidade do
interior podemos rastrear a partir destas publicações, quais as principais
preocupações deste segmento social, principalmente, porque 1937 foi decisivo
do ponto de vista político, por ser ano pré-eleitoral e também porque tiveram as
suas atividades suspensas.
O Archote, órgão que representava os interesses da Loja Cavaleiro da
Luz, teve uma publicação irregular, surgido como já frisamos a partir das
discussões que tiveram ensejo, devido aos conflitos que se estabeleceram
entre as criticas promovidas por um conjunto de lojas dentre elas, a Cavaleiro
da Luz, este periódico surgiu com a finalidade expressa de tornar-se uma voz
critica com relação aos desmandos promovidos pela influencia da Igreja
Católica junto aos poderes laicos do Estado. A própria denominação escolhida
pelos irmãos maçons da Loja Cavaleiro da Luz remetia para qual seria o
objetivo principal do jornal, o de constituir-se numa tocha luminosa a espantar e
combater as “trevas” propiciadas pelo obscurantismo religioso promovido pela
intelectualidade católica de Pernambuco, através dos seus espaços de
proposição de ideias.
Lançando uma análise sobre o material que encontramos na edição de
maio de 1932, além do extrato do Archote de 20 de agosto de 1934,
encontrado em meio ao dossiê da Loja Fraternidade e Progresso, da cidade de
1 NASCIMENTO, Luís do. História da Imprensa de Pernambuco. Recife: Imprensa Universitária, 1967, p.39 (Vol. 9).
3
Goiana, podemos observar que esta publicação tinha como tônica e alvos
principais as práticas desenvolvidas pelos segmentos do catolicismo em
Pernambuco.
Podemos encontrar nas folhas deste órgão, artigos que se voltavam
para os religiosos católicos, sempre representados como sujeitos que tinham
como finalidade ludibriar a boa fé das pessoas apresentando formulas que
muitas vezes não correspondiam a realidade. Um desses exemplos, podemos
constatar, no artigo encontrado na página 3, e que tinha por titulo A Confissão,
assinado sob a forma de um pseudônimo, pratica muito comum neste
periódico, principalmente, nos artigos que realizavam críticas contundentes às
práticas religiosas do catolicismo. O foco principal do artigo era realizar uma
reflexão sobre um dos mais importantes sacramentos do catolicismo, a
confissão, porque simbolizava a remissão aos pecados praticados pelo fiel, e
que poderiam desencadear na possível absolvição do fiel. Porém, tal visão foi
por parte do Archote alvo de questionamento, vejamos:
Analysae as religiões, uma por uma, compare-as e verificaeis
que, de todas as religiões das civilizadas, a que da mais ampla
liberdade para o mal é a religião romana. E é fácil de aprehender
isso immediatamente, seu largo raciocínio e sem buscarmos as
bases da maldade, em que ella se fundou. Sabeis que pela
“confissão” a criatura deposita no confessionário todo o enredo
de suas misérias Moraes, Espirituaes e phisicas, e ahi obtem as
penitencias e as indulgências, digamos, o perdão de todo o seu
mal proceder. O saco que havia levado para o templo, cheio de
suas ignominias ou de suas simples contravenção a moral
christã, esvasiou-se vindo para fora, assim vasto, a encher-se
novamente. Indulgências são comparadas directa ou
indirectamente. O direito de peccar é livre só há para os
pecadores o dever de contar aos padres as suas faltas publicas
ou privadas. Santa ingenuidade! Até quando reinaes entre as
mulheres de minha terra? Século XX! Até quando guardaes esse
atrazo inconcebível? E ainda há criaturas humanas, intelligentes
por supposto, que se confessam e a quem: admitamos que não
4
façam a padres devassos, mas sim a virtuosos prelados e de
uma moral irreprehensivel2.
Como podemos observar ao descortinar os elementos principais da
pratica da confissão, o articulista do Archote pretendia desvelar o caráter
nocivo que tal ato propiciava para o católico, pelo fato de que a confissão abria
espaço para o individuo ao expor os seus erros e conseguir a absolvição, o que
na visão de A. T, colaborava para que ele incorresse no erro novamente, pois
trocava os seus supostos pecados por indulgencias. O mais irracional de tal
pratica, segundo o articulista, residia no fato de revelar os seus erros e receber
a absolvição de uma pessoa que, na visão do autor do texto, encontrava-se
exposto ao pecado. Ao lançar esta questão, o artigo do Archote não concebia
que a figura do padre/sacerdote tivesse qualquer tipo de atributo que o
colocasse numa posição superior ao dos seus seguidores católicos.
Nos parágrafos mais a frente do artigo, A. T, desnudava os malefícios a
que se prestou a confissão ao longo da histórica do catolicismo, na sua
avaliação, o confessionário foi o lugar de todo o tipo de crueldades,
profanações e estratégias para que os representantes do catolicismo tivessem
vantagens. Ele lista uma extensa quantidade de benefícios, que passavam pela
atuação dos jesuítas que utilizavam a influência de serem os confessores junto
a nobreza e grupos privilegiados, para ter posse sobre segredos de estado o
que colaborava por influenciar os jogos políticos ao seu favor. Além de ser o
confessionário um espaço privilegiado para praticar assedio contra as
mulheres.
Ainda no mesmo número outro artigo intitulado Comentário oportunos,
expõe as estratégias usadas pelo catolicismo, para ganhar espaço junto à
sociedade, através da atuação de organizações com supostas finalidades de
desenvolvimento de atividades sociais missionárias em muitos países do
mundo, tendo nas diversas ações um forte trabalho junto ao operariado. Esta
2 A. T. A Confissão. Archote. Recife: maio de 1932, p.3.
5
atuação era compreendida pelo autor do artigo, como uma pratica do
clericalismo, que segundo ele, dia a dia conquistava cada vez mais influência,
em muitas cidades ou regiões de outros estados, mas que no próprio estado,
nos seus vários municípios, e na cidade do Recife colaborava no sentido de
ampliar o poder e influência da Igreja Católica.
Podemos observar na avaliação do articulista um tom de preocupação
com a expansão de tal ideário, pelo fato dele ser compreendido, pela ótica da
imposição de uma posição intolerante, por parte dos representantes do
catolicismo que segundo observa o autor do texto “A irradiação maléfica do
clericalismo já atingiu os meios operários e não há quem lhe escape [...] Assim
é que ai daquele que, operário, não fizer a sua profissão de fé catholica! ” 3. A
partir destas palavras, a publicação maçônica evidenciava o caráter pernicioso
e, ao mesmo tempo, perigoso do catolicismo, enquanto, instituição, enfatizando
a posição da maquinação como recurso por trás das suas “bem intencionadas”
ações.
O tom de critica e anticlericalismo não sofreram mudanças na linha
editorial do Archote, pelo que pudemos observar a partir do seu número de
agosto de 1934. Neste número a denúncia aos procedimentos educacionais
executados por uma educadora de orientação católica, no espaço de uma
escola publica no município de Recife era denunciado. Sob o título de
“Castigos inquisitoriais”, o autor do artigo que assinava sob o pseudônimo de
Vigilante, associava as praticas de uma jovem professora de uma escola
municipal recifense, que baseava sua pratica pedagógica na humilhação e no
castigo excessivo, como estratégias educacionais efetivas para um melhor
processo ensino-aprendizagem, ao analisar a concepção educacional desta
professora, o vigilante comparava, o pouco avanço das estratégias
educacionais cultivadas pelos educadores de orientação católica, pois as
3 COMENTÁRIOS oportunos. Archote. Recife, maio de 1932, p.4.
6
relacionavam com as executadas pela Inquisição4, denunciando o atraso
representado pelas concepções educacionais defendida na pedagogia católica.
Ao destacar e promover tal associação, o Vigilante não o fazia de
maneira aleatória, utilizava como traços estilísticos no seu discurso uma fina
ironia. Ao associar o fato da jovem professora pertencer à associação das
filhas de Maria, através desta comparação, o autor do artigo apontava e
relacionava a vinculação pedagógica da professora à visão de mundo católica
e clericalista.
Ao chamar a atenção para este fato, o Vigilante, reforçava o seu
discurso anticlerical, com o objetivo de estabelecer, que tais praticas não
estariam distantes do que a Igreja Católico ao longo dos séculos pregava,
sobre este tocante, o autor finalizava o seu texto com a seguinte reflexão “A
doutrina da Egreja Romana em todos os tempos é o cré ou morre,[...] portanto
os castigos corporaes sejam o único meio que ela emprega e recomenda aos
seus adeptos”5.
A ironia e a critica aos religiosos ligados a Igreja, não cessava com as
denuncias realizadas pelo vigilante e expostas no paragrafo acima,
reproduzindo uma quadrinha popular, o Artilheiro outro dos articulistas do
Archote, reproduzia uma pequena poesia de domínio popular que reforçava
alguns estereótipos sob os quais, eram representados os religiosos católicos:
“Menino só fala em bôlo, Só em pão fala o padeiro; Padre só fala em dinheiro6.
Ao dar publicidade a estes versos, a folha maçônica reafirmava a visão que
nutria a respeito dos representantes do catolicismo, pintados como indivíduos
havidos por vantagens financeiras, imaginário que fazia parte de uma tônica
anticlerical, que tinha nos segmentos maçônicos e liberais espaços de
propagação e que não deixava de formular imagens negativas com relação a
este segmento social, colaborando de alguma forma para reafirmar concepções
4 VIGILANTE. Castigos inquisitoriais. Archote. Recife, agosto de 1934, p.4. 5 VIGILANTE. Castigos inquisitoriais. Archote. Recife, agosto de 1934, p.4. 6 ARTILHEIRO. Estilhaços (anedotas populares). Archote: Recife, agosto de 1934, p.4.
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estigmatizadoras dos religiosos católicos, demonstrando o poder que os órgãos
de imprensa possuíam na construção de visões a respeito de determinados
segmentos, ao mesmo tempo que não podemos deixar de pontuar que mesmo
sofrendo construções discursivas negativas a estratégia de reestruturá-las e
emiti-las aos seus opositores, não colocava os maçons numa posição diferente
dos seus supostos algozes na disseminação de visões negativas e intolerantes.
(SILVA, 2013; SILVA, 2012).
O viés anticlerical assumido pelo Archote constituía-se numa dimensão
política, pois ao levantar-se contra o clericalismo numa defesa cerrada aos
valores liberais que deveria nortear a sociedade, principalmente, princípios que
seriam feridos frente às investidas do clero católico, sobre questões como os
referentes ao ensino nas escolas publicas, ou privilégios concedidos pelo poder
público a este segmento religioso, os maçons demarcavam quais as suas
concepções políticas a respeito de temas como educação e sociedade.
Atuando um pouco de forma diferente do Archote, O Mensageiro órgão
jornalístico patrocinado pela Loja Maçônica Mensageiros do Bem da cidade de
Garanhuns, não centrou apenas a sua munição nos representantes da
hierarquia ou da militância católica, o seu alvo também foi outro, os
integralistas. O conteúdo que este órgão pretendia divulgar, além das noticias
da politica e da realidade cotidiana da cidade de Garanhuns e região,
passavam pela veiculação da propaganda institucional e o combate, muito
propicio ao longo da década de 1930 com expansão de Culturas Políticas de
viés autoritários e fascistas orientados pelos pressupostos do integralismo.
No seu número de abertura, O Mensageiro, apresentava e defendia os
quais princípios norteavam o ideário político defendido pela maçonaria,
utilizando como pano de fundo das reflexões, o cenário difícil enfrentado pela
Maçonaria, principalmente, na Europa, quando em várias nações como:
Rússia, Alemanha, Itália e Portugal, sofria uma perseguição velada. Tal
realidade apresentada pelo Vigilante, alcunha utilizada pelo autor do texto,
8
demonstrava o fruto dos regimes ditatoriais europeus e ao mesmo tempo,
servia como espécie de alerta para a nossa conjuntura.
Analisando tal aspecto, o articulista não concebia nenhuma diferença
entre estes sistemas de governo, não realizando nenhuma clivagem entre as
posições ideológicas fossem elas de direita ou de extrema-direita, como os
analistas na maioria das vezes os enquadravam. Na visão do Vigilante, todos
eles eram iguais, pois limitavam a liberdade dos indivíduos e os pressupostos
liberais e democráticos. Ao lançar esta visão o autor do artigo deixava expresso
qual era o lugar ocupado pela maçonaria, no interior destas relações de forças:
Estamos daqui a ouvir a gargalhada dos inimigos da maçonaria, rodando satisfeitos, do <<alto>> dos seus tamancos... É que a maçonaria é um fator de desordem, dirão eles. Será mesmo por isso, leitor benévolo? Não a verdade infelizmente para eles e felizmente para nós, é bem outra [...] A Maçonaria proclama a <<absoluta liberdade de crença>>, de pensamento, de acção, quando essa acção não venha ferir os interesses coletivos. A Maçonaria combate toda e qualquer manifestação de violência, de opressão, de garroteamento das liberdades sociais. A maçonaria combate os tiranos, aniquila os soberbos abomina os que tem prazer no crime e na guerra7.
Ao reproduzir este sentimento o periódico maçônico deixava evidenciar
qual seria o lugar institucional maçônico, dentro do ethos político da década de
1930, podemos assim observar expressa nesta postura política da Maçonaria:
a defesa aos princípios liberais, ideário que também desde as décadas iniciais
do século, foi alvo de preocupação e fazia parte da sua Cultura Política, a partir
do que pudemos rastrear nas suas publicações. (ABREU. (org).,2007;
AZEVEDO. (org)., 2009)
A defesa a estes princípios que podemos identificar como relacionados a
liberal democracia, colocava a maçonaria num campo oposto, como já
sinalizamos, ao representado pelo integralismo, doutrina política que construía
7 VIGILANTE. Para Pensar. O Mensageiro, 15 de maio de 1937, p.1.
9
no seu campo discursivo, uma critica contundente a tudo que representava a
liberal democracia, e os seus defensores. E nesta dimensão a perseguição a
maçonaria se justificava, pois, ela era uma das instituições que tinham no
ideário liberal sua base de formação, além claro, das suas características de
sociedade iniciática, o que no interior de regimes, onde a vigilância constante e
supressão das liberdades, fazia com que a maçonaria aparecesse como uma
instituição perigosa.
Reproduzindo um pouco desta lógica de construção negativa, que tinha
espaço na imprensa e entre os segmentos contrários a Maçonaria, no mesmo
número de abertura do quinzenário o Mensageiro, encontramos na última
página da publicação uma resposta às incursões feitas pelo Jornal Integralista,
A Razão, da cidade de Garanhuns. No artigo da Razão, assinado por Manuel
Virginio sob o pseudônimo de Lídia Cansanção8, as denuncias feitas contra a
Maçonaria era de serem um conluio de ateus e contrários a religião, como
resposta a tais acusações o articulista desferia um conjunto de posições
contrárias a estas afirmações, mostrando que defender tal posição era
desconsiderar os muitos católicos, protestantes e deístas que participavam
desta sociedade9.
Observando que a estratégia principal da jornalista integralista era
denegrir a imagem da maçonaria enquanto instituição, o vigilante, não deixou
de soltar as suas alfinetadas a respeito dos reais motivos dos camisas verdes,
voltarem o seu arsenal contra os maçons:
A soma de serviços prestados pela maçonaria ao mundo – e particularmente ao brasil – é tão grande, tão valiosa, que todas as forças verdes, pretas, azues, vermelhas ou cinzentas do mundo, reunidas. Não conseguiriam apagar da memoria dos povos, dos anaes das nações, os benefícios de uma associação
8 Sob a verdadeira identidade da articulista do Jornal A Razão, Lídia Cansanção ver: NASCIMENTO, Luís do. História da Imprensa em Pernambuco (1851-1954). Recife: Editora Universitária da UFPE, 1986-1994, p.174. 9 _______. Teimosia. O Mensageiro, 15 de maio de 1937, p.4.
10
que tem como fim principal <<cavar ruinas ao vicio e erguer templos à virtude>>10.
Ao apontar estes aspectos os filhos da viúva, pretendiam construir sobre
as suas ações uma visão que ressaltasse a importância institucional desta
entidade frente às criticas muitas vezes maliciosas, das quais eram alvos. Ao
ponderarem sobre tais aspectos, os maçons pernambucanos não perdiam de
vista, os principais responsáveis por esta ação, e sob eles destacavam a mais
negativa visão, apontando as suas relações com o ideário totalitário e vendo os
integralistas como arremedo ridículo dos partidos totalitários da carcomida
Europa, partidos que representam os últimos arrancos do absolutismo, prestes
a ser devorado pelos seus próprios adeptos11. Diante destes argumentos,
podemos considerar qual o lugar ocupado pela maçonaria dentro do cenário
político e ideológico, o da defesa das forças e princípios liberais, frente à ação
conservadora, antiliberal e antidemocrática, proposta pelos camisas verdes.
O embate entre as forças do sigma e os pedreiros livres seria uma
constante, nas folhas do quinzenário maçônico de Garanhuns, em quase todos
os números, encontramos artigos produzidos pelos intelectuais maçons ligados
a este órgão de imprensa, tendo como fio condutor os verdadeiros objetivos
dos partidários do integralismo, e qual a sua finalidade política. Seria explorado
por este periódico, noticias que estabeleciam as relações entre o integralismo e
as suas simpatias ao nazismo12.
Pretendendo ainda dar destaque as ações do integralismo no Brasil,
constituindo numa maneira de questionar a validade desta proposta política, e
com o objetivo expresso de combater a propaganda do sigma na cidade de
Garanhuns e na região, o número do Mensageiro de 25 de julho de 1937,
trouxe na capa principal, sob o titulo de Documentário dos jornais, um
apanhado de noticias colhidas junto a imprensa nacional, com relatos de vários
10 VIGILANTE. Teimosia. O Mensageiro. Garanhuns/PE, 15 de maio de 1937, p.4. 11 Idem, p.4 12 VIGILANTE. Gato escondido. O Mensageiro. Garanhuns/PE, 27 de junho de 1937, p.4.
11
atos de violência encetados pelos partidários do sigma contra adeptos desta
doutrina política que pretendiam se desligar da agremiação, um dos casos
citados foi o jornalista Paulo Zing, outros exemplos transcritos pelo quinzenário
maçom, davam conta de posições defendidas por lideranças do integralismo,
como o seu representante máximo Plinio Salgado, que teria defendido o uso da
violência contra os partidários da Democracia Liberal13.
A utilização de uma coletânea de noticias que destacavam as ações
violentas dos adeptos do integralismo constituía-se numa maneira de combater
tais forças utilizando-se do mesmo expediente de que os maçons sempre
foram alvos, o de fornecer um conjunto de noticias que se destacavam por
enfatizar atitudes suspeitas e negativas. Ao dar publicidade a tal conteúdo, os
maçons pretendiam estabelecer a visão de que a mensagem do sigma era
extremamente perigosa, uma vez que, embasava seu campo de ação no
extremismo e no uso da violência.
Não eram somente as contendas que preenchiam as folhas do
Mensageiro, como já sinalizamos, estes periódicos tinham também como
preocupação, veicular uma imagem das ações institucionais dos maçons.
Orientado por esta perspectiva, encontramos a preocupação da folha maçônica
em estruturar uma publicidade, para a sua atuação na cidade de Garanhuns e
região. Através de projetos que do ponto de vista mais imediato, extrapolavam
o campo do discurso e da denúncia e assumiam uma proposta concreta de
ação, a este respeito, temos a manutenção da Biblioteca Manoel Arão e da
escola sete de setembro.
No caso da biblioteca encontramos na página principal do dia 27 de julho
de 1937, no cabeçalho deste periódico, uma mensagem que conclamava os
intelectuais da cidade a juntarem esforços aos maçons na contribuição de
obras para melhorar o acervo deste gabinete de leitura, frisando ainda que se
tratava do único espaço dedicado a leitura e empréstimo de livros existente na
13 DOCUMENTÁRIO (dos jornaes). O Mensageiro. Garanhuns/PE, 25 de julho de 1937, p.1.
12
cidade14. Ao frisar tal aspecto, os maçons procuravam extrapolar as portas dos
seus templos e os muros das suas lojas, e numa campanha que promovesse a
mobilização social entre os cidadãos de Garanhuns, procurando envolver
assim, independente da filiação maçônica indivíduos que colaborassem com o
desenvolvimento de práticas de leituras na cidade.
Por trás desta conclamação, estava em alguma medida a estratégia por
parte dos filiados da Loja Maçônica Mensageiros do Bem, de estabelecer elos
entre a instituição e a sociedade, com a clara postura de desenvolver uma
aproximação e abertura das ações maçônicas à comunidade ao mesmo tempo
em que, se pretendia colaborar a partir deste processo de visibilidade que
ocorresse um processo de desmistificação com relação a maçonaria, enquanto,
instituição, pois construía a imagem de uma sociedade que deslocava-se da
sua áurea de mistério e apresentava-se a sociedade.
A manutenção tanto da biblioteca quanto da escola sete de setembro,
era compreendia pelos maçons como obras concretas no sentido de, afastar a
ignorância e obscurantismo da sociedade. Sendo a preocupação com a
instrução, um ponto central no interior de suas concepções à base que tornaria
possível o progresso e desenvolvimento de uma nação.
A preocupação com a alfabetização, principalmente, voltada aos setores
menos favorecidos, despontava como uma das preocupações maçônicas, por
isto a escola por eles patrocinada tornava-se num espaço, por parte dos
obreiros da Mensageiro do Bem, possuindo uma missão fundamental e
“dedicada ao ensino da creanças desprotegidas da sorte”15, ao apontar o seu
publico alvo como sendo prioritariamente, os menos favorecidos os maçons da
cidade de Garanhuns colocavam em prática, uma ação que animava toda a
maçonaria pernambucana e brasileira, que se desdobrava também numa ação
política, a da defesa do acesso a educação aos setores menos favorecidos da
14 PROPAGANDA da Biblioteca Manoel Arão. O Mensageiro, 27 de junho de 1937, p.1. 15 ESCOLA sete de Setembro. O Mensageiro. Garanhuns/PE, setembro de 1937, p.6.
13
sociedade, uma antiga bandeira maçônica, e que a partir das décadas iniciais
do século XX, foi tomando corpo e se concretizando com o patrocínio de alguns
estabelecimentos de ensino franqueados ao público em geral.
A edição do quinzenário maçônico do dia 07 de setembro de 1937
destacou-se em relação aos outros números, devido ao número de páginas do
jornal que ultrapassava as vinte. Podemos observar uma dupla finalidade com
relação a tiragem do mensageiro do dia da Independência do Brasil, a primeira
delas a de constituir-se numa edição comemorativa, a data magna da pátria,
com este objetivo encontramos vários artigos que discutiam a importância do
sete de setembro para a sociedade brasileira, inclusive trazendo uma
programação de festividades organizadas pela loja Maçônica Mensageiros do
Bem.
Ao lado do caráter festivo, podemos considerar que o conjunto de artigos
e ações elencadas pelo periódico maçônico, serviram na formulação de uma
imagem e uma memória positiva com relação a esta instituição e sua
importância no desencadeamento deste processo, procurando através dos
textos construir sua versão histórica a respeito deste processo.
Um exemplo desta afirmação, pode ser observada na imagem da
primeira página do Mensageiro do dia 07 de setembro de 1937, como é
possível observar abaixo:
14
Fonte: O Mensageiro. Garanhuns/PE, 07 de setembro de 1937, p.1.
Como analisa o historiador Eduardo França Paiva, a iconografia,
enquanto, fonte histórica proporciona várias possibilidades de análise,
tornando-se desta forma, um rico material para a reflexão de um determinado
contexto e das mensagens que o material iconográfico pretende encerrar. Sob
tal aspecto, um conselho importante fornecido pelo autor, é o de tratar este
material, com os mesmos questionamentos que abordamos as demais fontes
históricas, lançando perguntas como: Quando? Onde? Quem? Para quê? Por
que.
Indagações que nos ajudam a interpelar e procurar construir sobre as
nossas fontes históricas explicações. Outro importante conselho seria o de que
não podemos tomar as imagens como retrato da realidade, mas perscrutar os
seus significados no processo de composição, encarando o material
iconográfico, questionando as motivações e objetivos que podem ser
15
decifrados a partir do que foi estabelecido nas fontes iconográficas. (PAIVA,
2006, pp.17-35).
A partir das considerações levantadas acima e tendo a imagem em tela,
é possível observar a carga de sentimentos que os maçons da oficina
maçônica Mensageiros do Bem, pretendiam despertar com a publicação desta
imagem da capa principal do seu periódico. Tendo no primeiro plano a imagem
de uma liberdade tocando uma corneta que trazia os signos da maçonaria,
torna-se muito sugestivo, pensar a respeito da importância que a instituição
pretendia constituir da sua participação no interior do processo de
Independência nacional. O toque da liberdade maçônica animava e de certa
forma conduzia o futuro imperador Dom Pedro, que aparece no primeiro plano
da imagem empunhando uma espada e liderando os seus soldados, numa
clara menção ao desfecho do processo que resultaria na emancipação
nacional.
No segundo plano é possível identificar outro signo importante dentro do
cenário a imagem do sol despontando no horizonte, tendo como possibilidade
de leitura, o novo momento que surgia para o Brasil e a possível iluminação
para os embates futuros, realidade que não deixava de relacionar-se ao lugar
desfrutado pela instituição no desenrolar do processo. Ainda, no interior deste
cenário, onde encontramos a maçonaria surgindo como um ícone importante
no processo de libertação da nação é possível encontrar ainda no interior da
visão maçônica, uma dimensão tradicional no campo da compreensão da
História, elementos que podemos inferir ao construir a perspectiva de que o
processo histórico havia se desenrolado frente à liderança da figura de Dom
Pedro I que guiava todos com a espada em punho iluminando o caminhos dos
seus subordinados no processo de libertação. Mesmo tendo a imagem da
liberdade maçônica como referência maior, o que se pretendia destacar era à
importância assumida por esta instituição, formulando a compreensão histórica
do papel da maçonaria na dinâmica deste evento. Mesmo tendo a figura de D.
16
Pedro num primeiro plano como possível herói, a própria instituição não
deixava de se colocar neste lugar dentro desta chave de leitura e interpretação.
Esta imagem como já apontamos é extremamente significativa da
perspectiva do que a maçonaria pretendia adotar, no interior da representação,
da memória e da consciência histórica desta instituição frente à sociedade.
Neste sentido, como representação de qual teria sido o seu papel nos
desdobramentos que teriam inaugurado o sete de setembro, a própria
publicação se prestava como uma espécie de documento-monumento no
sentido de ativar e construir uma determinada memória e consciência histórica
que fornecesse a Maçonaria no interior do processo histórico uma determinada
forma de como ela pretendia ser representada e até mesmo compreendida. (LE
GOFF, 2003; RÜSSEN, 2009, p.163-209).
Após a publicação deste número o Mensageiro contou apenas com mais
duas tiragens a lançada no dia 19 de setembro, onde vários artigos noticiavam
como haviam ocorrido as comemorações ensejadas pelo sete de setembro
tendo como uma das principais organizadoras a Loja Maçônica Mensageiros do
Bem. E a que circulou por volta do dia 10 de outubro de 1937, dias antes da
ordenação de fechamento das lojas maçônicas pelo governo Vargas. Durante
estes oito meses de publicação ao longo de 1937, o Mensageiro tornou-se uma
das únicas vozes públicas da maçonaria pernambucana, através deste
periódico podemos compreender que do ponto de vista político os maçons
permaneciam aliados ao ideário liberal, e tentando constantemente, se
divorciar da visão de comporem um braço avançado da propaganda comunista
e do judaísmo, aspecto que foi sendo imposto à maçonaria e que soou como
uma das justificativas para o fechamento das suas atividades ainda no mês de
outubro de 1937.
A interdição às atividades desta sociedade ocorreu num período
extremamente empolgante e complexo do ponto de vista político, pelo fato de
que era um ano pré-eleitoral. Ao analisarmos os artigos que foram publicados
17
neste órgão de imprensa, durante este ano encontramos nas suas páginas
vários espaços entre artigos e mensagens de efeito no cabeçalho da página do
jornal, que traziam uma clara simpatia à candidatura de José Américo,
compreendido como uma força política que propunha uma proposta alternativa
ao fascismo integralista, mesmo esta sendo uma posição nutrida pelos maçons
de Garanhuns, não podemos deixar de observar a possibilidade de que esta
fosse uma posição que tinha adeptos no interior de outros espaços no estado
de atuação maçônica.
Além, das simpatias no campo de vista político encontramos ainda nas
suas páginas uma forte tentativa, em desfazer muitos dos preconceitos a que
os maçons eram alvo, estabelecendo enfretamentos com os setores por eles
considerados como os principais promotores destas visões, que seriam os
intelectuais conservadores e antiliberais, dentre eles os integralistas sempre se
constituíram em alvos das suas criticas. É inegável o papel desempenhado por
estes setores, unidos aos intelectuais católicos muitos deles simpatizantes do
credo verde, na construção de uma visão negativa sobre a Maçonaria,
principalmente, numa fase onde crescia de forma assustadora a descrença
tanto no liberalismo quanto na Democracia Política.
Tendo como conjuntura a realidade intolerante dos anos 30 e a
aproximação dos setores intelectuais conservadores a espaços de decisão de
poder, podemos compreender a campanha velada que seria imposta a
maçonaria, tendo nos órgãos de imprensa ligados aos intelectuais
conservadores um espaço de promoção. Onde os maçons e a sua instituição
passavam a ser cada vez mais representadas com as cores do vermelho
comunista e do judaísmo, tendo a maçonaria como uma das patrocinadoras de
um plano político e diabólico que tinha objetivos muito precisos a
desorganização da sociedade ocidental, atacando os valores religiosos,
compreendido pelos setores contrários a maçonaria, como uma das bases
fundamentais desta sociedade.
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Assentados nesta lógica e nos conduzindo pelos artigos que por ora
exploramos ao longo deste artigo, é possível observamos alguns aspectos, que
contribuem para que possamos compreender os motivos que levaram a
proscrição de 1937. Neste tocante seriam eles: a posição no universo da
Cultura Política adotada pela Maçonaria, ao longo da década de 1930 e 1940,
em posicionar-se num espectro político de defesas de um ideário liberal; outro
aspecto mesmo, observando esta descontinuidade representada pelos seus
periódicos, seriam as posições de confronto com o ideário católico cristão que
passou a partir de 1937, a estabelecer espaços cada vez maiores dentro do
estado em questões como por exemplo, as educacionais, nos quais maçons e
católicos rivalizavam e, o último dos aspectos que foi o de que enquanto, em
outros estados a Maçonaria conseguiu ainda durante o estado novo reabrir os
seus templos em Pernambuco, o fechamento continuou até o fim do Estado
Novo. Sob tal questão como uma das possíveis respostas para tal perspectiva,
procuramos apresenta-la, através do poder que o laicato católico usufruiu nos
anos Agamenon em Pernambuco.
Os aspectos acima apresentados contribuem, no sentido de que
possamos, a partir deste confronto político cultural, que mobilizou posições e
forjou culturas políticas diferentes, entre intelectuais católicos e maçons, seja
possível que possamos compreender um pouco mais focalizando o nosso olhar
sobre estes personagens a dinâmica da Era Vargas, e os caminhos que a
imprensa, tolerância e Política desempenharam ao longo deste período.
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