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Administração Prisional: uma abordagem em direitos humanos

Manual para servidores prisionais

SEGUNDA EDIÇÃO

Andrew Coyle

International Centrefor Prison Studies

Foreign &Commonwealth Office

London UESB

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C917a Coyle, Andrew. Administração prisional: uma abordagem em direitos humanos – manual para servidores prisionais / Andrew Coyle; tradução Odilza Lines de Almeida.– London : International Centre for Prison Studies, 2009.

196p. ISBN: 0954544420

1. Prisioneiros – Tratamento. 2. Servidores prisionais – Manual. 2. Detentos – Direitos humanos. I. Almeida, Odilza Lines. II. Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. III.T.

CDD: 365.6

Elinei Carvalho Santana – CRB 5/1026Bibliotecária – UESB – Campus de Vitória da Conquista-BA

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Prefácio

A primeira edição deste manual foi publicada em inglês em 2002. Desde então, a obra foi traduzida em outros 16 idiomas*. Mais de 70.000 cópias foram impressas e diversas versões estão disponíveis para download na internet.

Atualmente ele é frequentemente utilizado por organizações intergovernamentais e outros organismos internacionais em seus trabalhos de reforma do sistema prisional.

O livro está sendo uma ferramenta de referência muito útil dadas as atuais condições prisionais ... na região africana dentro do programa de trabalho do Instituto.”

(Diretor, Instituto Africano das Nações Unidas para a prevenção do delito e tratamento do delinquente)

O livro vai ser de extrema importância em nossas atividades prisionais tanto em San Jose no ILANUD e nos países da região (...) Ficaremos felizes em usá-lo em nossos cursos de treinamento e para apoio técnico.”

(Diretor, Instituto latino-americano das Nações Unidas para a prevenção do delito e tratamento do delinquente)

Ele é usado por administrações prisionais em vários países como ferramenta para desenvolver estratégias de reforma. Outro aspecto satisfatório da primeira edição foi a maneira pela qual ela foi aceita pelo primeiro escalão dos servidores prisionais ao redor do mundo como uma ajuda prática para o seu trabalho diário.

Eu fiquei tão impressionado com o livro que o distribuí para todos os agentes prisionais aqui para referência.” (Diretor adjunto, Divisão de Correção do Ministério da Justiça, Seul, República da Coréia)

A publicação dessa segunda edição do livro forneceu a oportunidade de incluir referências de vários novos padrões internacionais e regionais, como o Protocolo Opcional à Convenção da ONU Contra a Tortura, e também de referir à jurisprudência crescente que tem sido produzida por tribunais regionais de direitos humanos, como os da Europa e Américas. Levamos em conta, também, as úteis observações que foram feitas pelos leitores e outros comentaristas sobre como nós poderíamos melhorar a apresentação de alguns dos capítulos. Uma das mais importantes foi o pedido de que deveríamos ter capítulos separados tratando sobre a completa proibição da tortura e sobre a dignidade do prisioneiro como pessoa. Além disso, novos capítulos foram incluídos, tratando sobre presos de segurança máxima e presos estrangeiros, uma vez que esses são problemas que têm se tornado cada vez mais atuais nos últimos anos.

*Albanês, amárico, árabe, chinês, croata, persa, francês, georgiano, português, japonês, coreano, espanhol, russo, turco, sérvio e vietnamita

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Agradecimentos

Muitas pessoas contribuíram para esta segunda edição do livro. Elas incluem todos os que comentaram a primeira edição e que fizeram sugestões úteis sobre melhorias.

Dentro do ICPS, uma menção especial dever ser feita aos associados que trabalham incansavelmente ao redor do mundo para a melhoria da administração prisional e que contribuíram direta ou indiretamente através da sua especialidade técnica e conhecimento.

Andrew Barclay, Anton Shelupanov, James Haines, Colin Allen e Alistair Bailey proprocionaram assistência particularmente valiosa.

Vivien Stern forneceu grande contribuição aos capítulos específicos e, de uma forma geral, ao texto final.

Helen Fair revisou todas as referências a instrumentos internacionais e forneceu muitos dos estudos de caso.

Nefeli Dardanou e Veronica Murrey proporcionaram inestimável apoio administrativo.

Rob Allen supervisionou todo o projeto.

Nossos sinceros agradecimentos a todas essas pessoas.

Finalmente, o livro não poderia ter sido publicado sem o generoso suporte financeiro do United Kingdom Foreign & Commonwealth Office – FCO

Andrew CoyleProfessor de Estudos Prisionais

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Sumário

Apresentação 11

1 Introdução 13

2 Os princípios da boa administração prisional 19

3 Os servidores prisionais e a administração de prisões 23

4 Proibição total da tortura 43

5 A dignidade da pessoa 51

6 Prisioneiros e os cuidados à saúde 61

7 Operando prisões seguras e ordenadas 75

8 Gestão de presos de segurança máxima 91

9 Procedimentos disciplinares e punições 101

10 Atividades construtivas e reintegração social 109

11 Contato com o mundo externo 123

12 Presos estrangeiros 131

13 Pedidos e queixas 135

14 Reconhecimento da diversidade 141

15 Procedimentos de inspeção 147 16 Presos provisórios e outros detentos não-sentenciados 155

17 Adolescentes e jovens privados de liberdade 163

18 Mulheres presas 169

19 Presos condenados à prisão perpétua e a longas penas de reclusão 177

20 Prisioneiros sentenciados à pena de morte 183

Apêndice 187

Referências 191

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Apresentação

Tendo como referência normativa o Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos (ONU, 2005), que se propõe à construção de uma cultura universal de direitos humanos por meio do conhecimento, de habilidades e atitudes, apontando, ainda, para as instituições de ensino superior a nobre tarefa de formação de cidadãs e cidadãos hábeis para participarem de uma sociedade livre, democrática e tolerante com as diferenças étnico-racial, religiosa, cultural, territorial, físico-individual, geracional, de gênero, de orientação sexual, de opção política, de nacionalidade, dentre outras, a Uesb tem investido e ampliado significativamente sua atuação na área de Direitos Humanos.

Em determinadas ocasiões, nossa instituição tem sido a única presença estatal em algumas comunidades em situação de vulnerabilidade social. Isso amplia nossa responsabilidade enquanto Instituição de Ensino Superior pública, gratuita e de qualidade socialmente referenciada. E é com o compromisso de inserir a Uesb na formulação e implementação de políticas públicas aptas a promoverem e tutelarem direitos fundamentais e humanos que a Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários, juntamente com o Núcleo de Estudos em Prisões, Violência e Direitos Humanos – NEPP -, apresentam essa obra como um marco importante na construção de uma filosofia de direitos humanos nas prisões das comunidades que estão no nosso entorno.

Esperamos que esse Manual possa motivar os operadores do sistema prisional, as instituições envolvidas e a comunidade a adotarem e transmitirem a abordagem de direitos humanos na administração prisional para que possamos, efetivamente, interferir nos índices de violência atualmente existentes nas instituições penais, bem como modificar a tônica de vingança que, consciente ou inconscientemente, infligimos àqueles que são capturados pelo nosso perverso sistema de justiça penal.

Prof. Fábio Félix FerreiraPró-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários

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INTRODUÇÃO

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Introdução

A quem se destina o presente

manual

Este manual é destinado a auxiliar todos aqueles que possuem alguma relação com prisões. Leitores que provavelmente poderíamos incluir são ministros de governo, cujo setor possua responsabilidade legal para as prisões, oficiais que trabalham dentro de Ministérios da Justiça e outros ministérios que supervisionam questões prisionais, bem como agências intergovernamentais, como as Nações Unidas, a Organização dos Estados Americanos, a União Africana, o Conselho da Europa, a União Europeia, a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa e a Organização Mundial da Saúde. O livro também será do interesse de entidades como o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, a uma variedade de organizações não governamentais e grupos da sociedade civil que trabalham em prisões. Ele deverá também ser disponibilizado, quando possível, aos prisioneiros. Seu principal público-alvo, porém, são os profissionais que trabalham diretamente com prisões e prisioneiros. Isso inclui administradores prisionais nacionais e regionais. Acima de tudo, esta publicação é destinada àqueles que, de fato, trabalham em prisões e que lidam com prisioneiros no dia a dia.

Os tópicos abordados no manual demonstram a complexidade da administração prisional e a ampla gama de habilidades que são exigidas daqueles cuja tarefa é dirigir prisões. Os assuntos abordados mostram que há um conjunto comum de fatores que, quando adotados, constituem um modelo para o bom gerenciamento prisional. Entretanto, não basta considerar esses tópicos num vácuo. É importante também que eles sejam fundamentados em um conjunto de princípios claros. Visto que se pretende que este manual tenha aplicação em todo sistema prisional no mundo, é essencial que o conjunto de princípios a ser utilizado como ponto de referência seja aplicável em todos os países. Os princípios não devem se basear em uma cultura particular ou nos padrões que são aceitos em um país ou região. O manual atende a esse requisito, adotando as normas internacionais de direitos humanos pertinentes como ponto de partida para cada capítulo.

Essas regras são acordadas pela comunidade internacional, geralmente através das Nações Unidas. Os principais instrumentos de direitos humanos, como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, são tratados que vinculam legalmente todos os Estados que ratificaram ou tenha aderido a eles. A maioria deles contém referências ao tratamento a ser dado às pessoas privadas de sua liberdade.

Além disso, há vários instrumentos internacionais que tratam especificamente sobre prisioneiros e condições de detenção. Os padrões mais detalhados que são estabelecidos nesses princípios, regras mínimas ou diretrizes, fornecem um valoroso complemento aos princípios gerais dos tratados legais. Entre eles, incluem-se as Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros (1957), O Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sob Qualquer Forma de Detenção ou Prisão (1988), Os Princípios Básicos para o Tratamento de Prisioneiros (1990) e As Regras Mínimas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude (1985). Há também vários instrumentos que se

Um conjunto claro de

princípios

Normas Internacionais

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INTRODUÇÃO

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referem especificamente aos servidores prisionais que trabalham com pessoas que foram privadas da liberdade. Eles incluem o Código de Conduta para os Responsáveis pela Aplicação da Lei (1979), os Princípios de Ética Médica aplicáveis à função do pessoal de saúde, especialmente Médicos, na Proteção de Pessoas Presas ou Detidas contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1982) e os Princípios Básicos relativos ao Uso de Força e de Armas de Fogo (1990).

Essas normas internacionais são suplementadas por uma série de instrumentos regionais de direitos humanos. Na Europa, são eles: a Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais (1953); a Convenção Europeia para a Prevenção da Tortura e das Penas ou Tratamentos Desumanos ou Degradantes (1989) e as Regras Prisionais Europeias (1987 revisado em 2006). A Convenção Americana de Direitos Humanos entrou em vigor em 1978, enquanto a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos entrou em vigor em 1986.

Os órgãos judiciais regionais são um ponto de referência útil para se medir até que ponto os Estados, individualmente, implementam as normas internacionais. Nas Américas, este papel é exercido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, enquanto que na Europa, um papel semelhante é exercido pela Corte Europeia de Direitos Humanos.

No âmbito dos Estados Membros do Conselho da Europa, a observância das normas de direitos humanos em locais de detenção é monitorada pelo Comitê para Prevenção da Tortura e Penas ou Tratamentos Desumanos ou Degradantes, e desde a primeira edição deste manual, seus relatórios têm se tornado cada vez mais significantes. Em 1997, a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos designou um relator especial sobre as condições carcerárias. Em 2002, as Nações Unidas adotaram o Protocolo Opcional à Convenção Contra a Tortura, que entrou em vigor em 2006 e estabeleceu um sistema de visitas regulares a locais de detenção por um subcomitê designado pelo Comitê da ONU Contra a Tortura, complementado pelas visitas mantidas regularmente, realizadas por grupos de inspeção nacionais independentes.

A legitimidade desse manual sobre administração prisional resulta do seu sólido embasamento nessas regras internacionais de direitos humanos, que são reconhecidas ao redor do mundo.

Ao longo da segunda metade do século XX houve uma ampla aceitação do princípio que os direitos humanos deveriam ser aplicados de maneira universal. Este era um princípio que surgiu, não através dos teóricos e acadêmicos, e sim dos horrores que fizeram parte da Segunda Guerra Mundial. Embora, de vez em quando, possam existir falhas práticas para alcançar esses padrões, houve um entendimento de que todos os esforços deverão ser feitos para implementá-los sem exceção. Prisioneiros não deveriam ser privados desses direitos. Na verdade, muitos deles são aplicáveis especificamente àqueles que estão privados de liberdade.

Nos primeiros anos do século XXI houve uma tentativa de alguns setores em afirmar que as ameaças correntes à paz e à segurança mundial são de gravidade sem precedentes, de tal forma que as normas de direitos humanos, que foram desenvolvidas no decorrer dos últimos cinquenta anos do século XX não devem mais ser consideradas como universais; em especial, elas não podem ser aplicadas a algumas pessoas que estão presas, acusadas ou sob suspeita, por ameaça à segurança nacional ou internacional.

Normas Regionais

Monitores Internacionais

Legitimidade

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INTRODUÇÃO

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Esse é um sério equívoco, e é importante demonstrar que a observância às normas universais de direitos humanos torna-se cada vez mais indispensável em um mundo inseguro e incerto. É necessário proteger aqueles que, em quaisquer circunstâncias, estão privados da sua liberdade; é necessário enquanto um contexto ético para todos aqueles cuja tarefa, em nome da sociedade, é privar pessoas da sua liberdade; e é importante como um lembrete para todos que fazem parte de uma sociedade democrática sobre o que constitui o alicerce da democracia e da liberdade.

Não basta que os responsáveis pelas prisões estejam cientes dessas normas internacionais e as consultem. Se eles devem implementar as normas em seu trabalho diário, devem estar aptos a interpretá-las e aplica-las em situações de trabalho reais. Isso é o que o manual se propõe a ajudá-los a fazer. Sua legitimidade a esse respeito vem da experiência prática daqueles que estiveram envolvidos na escrita do manual. O autor principal do livro trabalhou 24 anos como diretor de prisão. Durante a elaboração da primeira edição, considerável apoio foi fornecido por um grupo consultivo internacional, em que todos tinham vasta experiência de trabalho em prisões em diferentes regiões do mundo. Foram eles:

M Riazuddin Ahmed, Subinspetor Geral de Prisões, Hyderabad, Índia

Richard Kuuire, Diretor Geral, Serviço de Prisões de Gana

Julita Lemgruber, ex-Diretora geral do Sistema Prisional do Estado do Rio de Janeiro, Brasil

Patrick McManus, ex-Diretor do Departamento de Correções de Kansas, Estados Unidos

Dmitry Pankratov, Chefe Adjunto da Academia de Direito e Administração, Ministério da Justiça, Federação Russa

Além disso, o quadro de pessoal e os associados do International Centre for Prison Studies utilizaram a ampla experiência adquirida trabalhando ao lado de colegas de todas as regiões do mundo em vários projetos de direitos humanos e administração prisional.

O International Centre for Prison Studies realiza todos os seus projetos práticos de administração prisional dentro do contexto dos direitos humanos. Isto se dá por duas razões. A primeira é que esta é a prática correta. O manual demonstra em vários capítulos a importância de se gerir prisões em um contexto ético, que respeita a humanidade de todas as pessoas envolvidas em uma unidade prisional: presos, servidores e visitantes. Esse contexto ético precisa ser universal em sua aplicação e sua universalidade é garantida pelos instrumentos internacionais de direitos humanos.

Há ainda uma justificativa mais pragmática para aplicar essa abordagem à administração prisional: ela funciona. Essa abordagem não representa um enfoque liberal ou flexível de administração prisional. Os membros do grupo consultivo original do manual e outros envolvidos na escrita dessa edição trabalharam em algumas das prisões mais problemáticas do mundo. Eles se convenceram de que esse estilo de administração é a maneira mais eficaz e segura de se administrar prisões. Repetidas vezes, os especialistas do Centro constataram que o primeiro escalão dos servidores prisionais em diferentes países, de variadas culturas, responderam positivamente a essa abordagem. Ela relaciona os padrões internacionais ao seu trabalho diário de uma maneira que é imediatamente reconhecível.

Experiência Prática

Direitos Humanos são

parte integrante da boa

administração prisional

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INTRODUÇÃO

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O que essa abordagem enfatiza é que o conceito de direitos humanos não é apenas outro tema a ser adicionado ao currículo de treinamento. Antes, ele permeia e é parte integrante da boa administração prisional.

Nos últimos anos, tem havido um número de publicações úteis que tratam de alguns dos temas trabalhados neste manual , a saber:

Human Rights and Prisons: A Manual on Human Rights Training for Prison Officials (Direitos Humanos e Prisões: Um Manual sobre Capacitação em Direitos Humanos para Servidores Penitenciários), publicado em uma edição piloto pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos, Nova York e Genebra, em 2005.

Female Prisoners and their Social Reintegration (A Reintegração Social de Prisioneiras), publicado pelo Gabinete das Nações Unidas sobre Droga e Crime, Viena, 2007.

Health in Prisons: A WHO Guide to the Essentials in Prison Health (Saúde nas Prisões: um guia da OMS dos principais aspectos da saúde prisional), publicado pela Organização Mundial da Saúde, Copenhague, 2007.

Making Standards Work (Fazendo as Normas Funcionarem), publicado pelo Penal Reform International, Londres, em 2001(segunda edição).

The Torture Reporting Handbook (Manual de Denúncia da Tortura), publicado pela Universidade de Essex, Reino Unido, em 2000.

Medical Investigation and Documentation of Torture: A Handbook for Health Professionals (Investigação médica e documentação da tortura: um manual para profissionais de saúde), publicado pelo Centro de Direitos Humanos, Universidade de Essex, Reino Unido, em 2005.

Optional Protocol to the United Nations Convention Against Torture and Other Cruel, Inhuman or Degrading Treatment or Punishment: A Manual for Prevention (Protocolo Opcional à Convenção da Organização das Nações Unidas Contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes: um Manual para a Prevenção), publicado pela Associação para a prevenção da tortura, Genebra, e pelo Instituto Interamericano de Direitos Humanos, São José, Costa Rica, em 2005.

Guide tot he Establishment and Designation of National Preventive Mechanisms (Guia para o Estabelecimento e Designação de Mecanismos de Prevenção Nacional), publicado pela Associação para a Prevenção da Tortura em 2006.

Além disso, o International Centre for Prison Studies tem produzido uma série de ferramentas para auxiliar os governantes e outras entidades que desejam desenvolver estruturas que colocarão a administração nacional do sistema prisional em conformidade com os padrões internacionais de direitos humanos.

Embora o manual se proponha a ser abrangente na cobertura dos temas que aborda, é impossível ser exaustivo quando se está tratando de um assunto tão complexo. Foi necessário um enfoque seletivo na identificação das principais funções características da administração prisional. Reconhece-se que muitas das questões que terão de ser enfrentadas no contexto prisional não são

Ferramentas adicionais

O Futuro

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INTRODUÇÃO

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tratadas nesse manual. O ICPS é grato a todas as pessoas e entidades, que identificaram temas adicionais, cuja abordagem era necessária, e que fizeram sugestões de melhorias. Muitas dessas foram incorporadas à segunda edição. Nós continuamos a acollher reações dos leitores e recomendações sobre o que pode ser adicionado a qualquer edição futura.

Prisões

Em alguns ordenamentos jurídicos, diferentes termos são utilizados para indicar locais de detenção, onde pessoas aguardam julgamento, foram condenadas ou estão sujeitas a diferentes regimes prisionais. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, locais de detenção de pessoas que estão aguardando julgamento em tribunais de instância inferior, ou que foram sentenciados a penas curtas, são geralmente descritos como cadeias; aqueles locais que detêm presos condenados são geralmente chamados de instituições correcionais. Na Federação Russa, há somente uma pequena quantidade de prisões, já que esse termo indica locais de detenção de máxima segurança. Estabelecimentos para outros condenados são geralmente chamados de colônias penais.

Prisioneiros / Presos / Pessoas Presas

Em alguns ordenamentos, palavras diferentes são usadas para diferentes grupos de pessoas que estão detidas ou presas. Aquelas pessoas, que estão aguardando julgamento, podem ser conhecidas como presos provisórios, em fase de julgamento ou em prisão preventiva, e são muitas vezes chamadas de detentos.

Nesse manual a palavra ‘prisão’ foi usada em referência a todos os locais de detenção e prisão, e os termos ‘prisioneiro’, ‘pessoa presa’, ‘preso’ foram usados em referência a todas as pessoas mantidas em tais locais. O contexto em que tais palavras são usadas estará claro no texto.

Nota sobre a Terminologia

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OS PRINCÍPIOS DA BOA ADMINISTRAÇÃO PRISIONAL

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O contexto

A liberdade pessoal é um dos direitos mais preciosos do ser humano. Em certas circunstâncias, autoridades judiciais podem decidir que é necessário privar algumas pessoas desse direito por um período de tempo, como consequência das ações pelas quais elas foram condenados ou são acusadas. Quando isso acontece, as pessoas em questão são entregues pela autoridade judicial aos cuidados da administração prisional. Elas são, então, descritas como prisioneiras.

A essência do aprisionamento é a privação da liberdade, e a tarefa das autoridades prisionais é assegurar que esta seja implementada de uma maneira que não seja mais restritiva do que o necessário. Não é função da autoridade prisional impor privações adicionais àqueles que estão sob seus cuidados.

O que dizem os instrumentos internacionais

Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, Artigo 10:

Toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana.

Princípios Básicos Relativos ao Tratamento de Prisioneiros, Princípio 1:

Todos os prisioneiros devem ser tratados com o devido respeito à dignidade e ao valor inerente ao ser humano.

Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sob Qualquer Forma de Detenção ou Aprisionamento, Princípio 1:

Todas as pessoas submetidas a qualquer forma de detenção ou aprisionamento devem ser tratadas de maneira humana e com respeito à dignidade inerente à pessoa humana.

Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, Artigo 5:

Todo indivíduo tem direito ao respeito à dignidade inerente à pessoa humana e ao reconhecimento da sua personalidade jurídica.

Convenção Americana sobre Direitos Humanos, Artigo 5 (2):

Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o devido respeito à dignidade inerente ao ser humano.

Colocando em prática

A administração prisional precisa operar dentro de um contexto ético. Sem um contexto ético forte, a situação na qual se dá a um grupo de pessoas considerável poder sobre outras, pode facilmente se tornar um abuso de poder. Esse contexto ético não é só uma questão de comportamento de

Os princípios da boa administração prisional

A base ética da administração

prisional

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OS PRINCÍPIOS DA BOA ADMINISTRAÇÃO PRISIONAL

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um servidor individualmente com relação aos prisioneiros. O sentido da base ética do aprisionamento precisa penetrar no processo de gestão prisional de cima para baixo. A ênfase por parte das autoridades prisionais em processos corretos, a demanda por eficiência operacional ou a pressão para atingir metas, sem uma consideração prévia dos imperativos éticos, podem levar a uma grande desumanidade. A concentração, por parte das autoridades prisionais, em processos e procedimentos técnicos, levará os servidores prisionais a se esquecerem de que a prisão não é o mesmo que uma fábrica que produz carros ou máquinas de lavar. A administração prisional consiste, principalmente, em administrar seres humanos, tanto servidores quanto prisioneiros. Isso significa que há questões que vão além da eficácia e da eficiência. Quando se toma decisões sobre o tratamento de seres humanos, há uma consideração fundamental: a primeira pergunta que deve sempre ser feita é “o que estamos fazendo é certo?”

Em sociedades democráticas, a lei sustenta e protege os seus valores fundamentais. O mais importante deles é o respeito à dignidade inerente a todos os seres humanos, qualquer que seja sua situação pessoal ou social. Um dos maiores testes desse respeito pela humanidade reside na forma como uma sociedade trata aqueles que violaram ou são acusados de terem violado a lei penal. Estas são pessoas que podem muito bem ter mostrado algum desrespeito à dignidade e aos direitos dos outros. Os servidores prisionais têm um papel especial, em nome do restante da sociedade, de respeitar a dignidade dessas pessoas, não obstante qualquer crime que elas tenham cometido. Esse princípio de respeito para com todos os seres humanos, independente do erro que eles tenham cometido, foi articulado por um famoso ex-prisioneiro e ex-Presidente da África do Sul, Nelson Mandela:

Diz-se que ninguém conhece, de fato, um país até estar dentro de suas prisões. Uma nação não pode ser julgada pela forma como ela trata seus cidadãos mais elevados, mas sim como trata os mais simples.1

Essa é a base para se colocar a administração prisional, acima de tudo, dentro de um contexto ético. Este imperativo nunca deve ser deixado de lado pelos administradores prisionais, pelos diretores de prisões, ou pelos servidores da linha de frente. Sem um contexto ético, a eficiência administrativa das prisões pode tomar um rumo que, em última instância, leve ao barbarismo do campo de concentração e do gulag.

Esse princípio deve estar em mente a todo o momento para aqueles que são responsáveis pela administração de prisões. Aplicá-los em situações muito difíceis requer comprometimento. Os servidores prisionais da linha de frente só serão capazes de manter esse comprometimento se eles receberem uma mensagem clara e consistente daqueles que comandam o sistema de que isso é um imperativo.

Há de se fazer uma análise cuidadosa sobre quais direitos devem ser perdidos como consequência da privação de liberdade e em que isso implica.

Esses são exemplos de questões que precisam ser consideradas:

O direito à liberdade de movimento (Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigo 13) é, obviamente, restringido em virtude da natureza da pena privativa de liberdade, bem como o direito de livre associação (DUDH, artigo 20). Mesmo assim, esses direitos não são completamente retirados, uma vez que, raramente, os presos são mantidos em isolamento total; e se são, tem de haver uma motivação específica para isso.

A dignidade inerente a todos

os seres humanos

Uma mensagem clara aos

servidores

Quais direitos são perdidos?

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OS PRINCÍPIOS DA BOA ADMINISTRAÇÃO PRISIONAL

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O direito ao contato familiar (DUDH, artigo 12) não é retirado, mas o seu exercício pode ser limitado. Um pai, por exemplo, não tem acesso irrestrito aos seus filhos, nem eles ao pai, no ambiente prisional. A capacidade de criar e manter uma família (DUDH, artigo 16) é outro direito que é tratado de diferentes formas, em diferentes jurisdições. Em alguns países, não se permite aos prisioneiros manter qualquer relação íntima com parceiros ou esposas; em alguns deles, eles podem manter relações sexuais sob circunstâncias bem limitadas; em outros, eles podem ter relações praticamente normais por períodos específicos de tempo. Esses assuntos são tratados no capítulo 11deste livro.

O direito das mães e crianças à vida familiar requer uma análise especial. Algumas das importantes problemáticas decorrentes desses contextos são tratadas nos capítulos 17 e 18 deste livro.

O direito de todos de participar do governo do seu país diretamente ou através de representantes escolhidos livremente (DUDH, artigo 21) pode também ser restringido pelo aprisionamento. O artigo 25 da Convenção Internacional dos Direitos Civis e Políticos indica que este direito deve ser exercido através de voto em eleições. Em algumas jurisdições, prisioneiros que ainda não foram condenados são aptos a votar; em outras, todos os prisioneiros podem votar. Em outros países, ninguém em detenção pode votar e a proibição ao voto pode se estender àqueles que cumpriram sentença e tenham deixado a prisão.

Homens, mulheres e crianças que estão na prisão continuam sendo seres humanos. Sua humanidade vai além do fato de eles serem prisioneiros. Igualmente, os servidores prisionais são seres humanos. O grau em que esses dois grupos reconhecem e observam sua humanidade em comum é a mais importante medida de uma prisão decente e humana. Onde tal reconhecimento estiver faltando, haverá um perigo real de que os direitos humanos serão violados.

O comportamento apropriado dos servidores prisionais para com os prisioneiros é a principal lição deste manual. Se os servidores não se comportam de maneira que respeite o prisioneiro enquanto pessoa e que reconheça a dignidade inerente à pessoa humana, então qualquer consideração aos direitos humanos individuais se torna impossível. O comportamento dos servidores e o tratamento humano e digno dos prisioneiros devem sustentar toda atividade operacional em uma prisão. Isso não é meramente uma questão de princípios de direitos humanos. Em termos operacionais, essa é também a maneira mais eficaz e eficiente de se administrar uma prisão. Além de ser uma violação aos direitos humanos, a falha ao observar essa obrigação pode, algumas vezes, implicar consequências legais para a administração prisional.

O que esta abordagem significa em termos práticos é descrito com maiores detalhes nas Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Prisioneiros (RMs), que foram aprovadas pela Assembleia Geral da ONU em 1957, as quais se faz referência continuamente neste livro. As RMs tratam das principais características do cotidiano prisional. Enquanto deixa claro que alguns aspectos do tratamento de prisioneiros não são negociáveis e refletem obrigações legais, o texto também reconhece que uma variedade de condições legais, sociais, econômicas e geográficas prevalecem no mundo. O

A humanidade comum entre

presos e servidores

A Proteção dos direitos

humanos melhora a eficiência operacional

As Regras Mínimas das

Nações Unidas para o Tratamento

de Prisioneiros

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OS PRINCÍPIOS DA BOA ADMINISTRAÇÃO PRISIONAL

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documento afirma que as Regras Mínimas se destinam a ‘estimular o esforço constante com vistas à superação das dificuldades práticas’ e encorajar a experimentação, desde que esta esteja em harmonia com os princípios expressos nas Regras. (RMs, Observações preliminares 2 e 3)

Um fato é claro tanto sobre as Regras Mínimas da ONU quanto sobre o princípio enunciado no artigo 10 do Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos, no qual as RMs foram baseadas: a obrigação de tratar todos os prisioneiros com “humanidade e com respeito pela condição inerente à dignidade da pessoa humana” não é derrogável em qualquer circunstância, incluindo situações de conflito e pós-conflito.

Circunstâncias tais como estado de guerra, ameaça de guerra, instabilidade política interna ou qualquer emergência pública, não podem ser invocadas como uma justificativa à tortura, tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes. Ideias como “necessidade”, “emergência nacional”, “ordem pública” não devem ser invocadas como justificativa de tortura, tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes.

Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos, Resolução sobre diretrizes e medidas para a proibição e prevenção da tortura,

tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes na África. (Diretrizes de RobbenIsland, 2002)

Circunstâncias como guerra, estados de exceção, situações de emergência, instabilidade política interna ou outras emergências nacionais ou internacionais não podem ser invocadas com o intuito de evitar as obrigações, impostas pela lei internacional, de respeitar e assegurar o direito ao tratamento humano a todas as pessoas privadas de liberdade.”

Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Princípios e Melhores Práticas para a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade

nas Américas, Princípio, 1º, 2008

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OS SERVIDORES PRISIONAIS E A ADMINISTRAÇÃO DE PRISÕES

23

3

O contexto

O trabalho em uma prisão é um serviço público. As autoridades prisionais devem prestar contas perante um congresso eleito e o público deve ser regularmente informado sobre o estado e as aspirações das prisões. Os ministros e os administradores mais graduados do governo devem deixar claro que têm elevada consideração pelo trabalho que os servidores prisionais desempenham, e a população deve ser frequentemente lembrada de que o trabalho nas prisões constitui um importante serviço público.

O desenvolvimento de prisões administradas por civis associadas aos sistemas nacionais de saúde e de bem-estar, e com uma forte ligação local para assistir a reintegração social e a reabilitação, pode trazer uma importante contribuição ao controle do crime, à estabilidade e à paz comunitária. 2

Organização para o Desenvolvimento e Cooperação Econômica, Comitê de Assistência ao Desenvolvimento, Manual de Apoio à

Segurança e à Justiça,2007

Em muitos países, existe pouco conhecimento sobre as prisões e os servidores prisionais ou seu trabalho. Embora a sociedade, de um modo geral, reconheça o valor intrínseco dos profissionais de saúde e dos professores, por exemplo, os servidores prisionais não atraem similar estima pública. Os ministros do governo e os administradores prisionais do primeiro escalão deveriam considerar a possibilidade de se instituir um programa de educação da população e deveriam estimular o interesse dos meios de comunicação pela educação da sociedade sobre o importante papel que esses servidores desempenham na proteção da sociedade civil.

Quando as pessoas pensam em prisões, elas tendem a considerar seu aspecto físico: muros, cercas, um prédio com portas trancadas e janelas com barras. Na realidade, o aspecto mais importante de uma prisão é sua dimensão humana, uma vez que as prisões são instituições essencialmente voltadas para pessoas. Os dois grupos de pessoas mais importantes em uma prisão são os presos e os servidores que cuidam deles. O segredo para uma prisão bem administrada é a natureza da relação entre esses dois grupos.

As prisões geralmente não podem selecionar seus presos; precisam aceitar qualquer pessoa que lhes seja enviada pelo judiciário ou por uma autoridade legal. No entanto, elas podem escolher seus servidores. É indispensável que o quadro de pessoal seja criteriosamente selecionado, adequadamente treinado, supervisionado e apoiado. O trabalho nas prisões é muito exigente; envolve trabalhar com homens e mulheres que foram privados de sua liberdade, muitos dos quais provavelmente serão mentalmente perturbados, sofrerão de vícios, terão poucas habilidades sociais e educacionais e serão provenientes de grupos marginalizados da sociedade. Alguns representarão uma ameaça ao público; uns serão perigosos e agressivos; outros, por sua vez, tentarão persistentemente fugir. Nenhum deles quer estar na prisão. Cada um deles é uma pessoa individual.

Os servidores prisionais e a administração de prisões

Um importante serviço público

A educação do público sobre as

prisões

Relações entre servidores

prisionais e presos são a chave

A necessidade de servidores

qualificados

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OS SERVIDORES PRISIONAIS E A ADMINISTRAÇÃO DE PRISÕES

24

O papel dos servidores prisionais consiste em:

tratar os prisioneiros de modo digno, humano e justo;

assegurar que todas as pessoas presas estejam seguras;

certificar-se de que os presos perigosos não escapem;

certificar-se de que haja boa ordem e controle nas prisões;

proporcionar aos prisioneiros a oportunidade de usar o tempo na prisão de modo positivo, a fim de que possam ser capazes de se reintegrarem à sociedade quando forem soltos.

É preciso ter muita habilidade e integridade pessoal para desempenhar esse trabalho de maneira profissional. Isso significa, antes de tudo, que os homens e as mulheres que trabalham em prisões precisam ser cuidadosamente selecionados, de modo a assegurar que eles possuem as qualidades pessoais e a formação educacional adequada. Depois, é preciso proporcionar-lhes capacitação com relação aos princípios que devem nortear seu trabalho e às habilidades humanas e técnicas necessárias. Ao longo de suas carreiras, deve ser dada a oportunidade dos servidores prisionais desenvolverem e ampliarem essas habilidades e competências e manterem-se atualizados quanto às discussões referentes às questões prisionais.

Os servidores prisionais, em geral, trabalham em um ambiente fechado e isolado, o que, com o passar do tempo, pode torná-los muito limitados e inflexíveis. A maneira como são treinados e administrados precisa ser pensada de modo a precaver-se contra esse isolamento. Os servidores prisionais precisam permanecer sensíveis às mudanças da sociedade mais ampla da qual provêm seus presos e para a qual eles retornarão. Isso é particularmente importante nos casos em que as prisões se situam em locais remotos e os servidores moram em acomodações vinculadas à prisão.

De um modo geral, os servidores do sistema prisional são considerados inferiores a outras pessoas que trabalham na área da justiça penal, tais como os policiais. Isso, muitas vezes, se reflete na remuneração desses servidores, que, em muitos países, é muito baixa. Em decorrência disso, com frequência, é muito difícil recrutar pessoal adequadamente qualificado para trabalhar nas prisões. No intuito de atrair e reter pessoal de alta qualidade, é indispensável que os salários sejam estabelecidos em um nível adequado e que as demais condições de emprego sejam idênticas às de um trabalho comparável em outros setores do serviço público.

Os servidores da linha de frente precisam entender que eles não são simplesmente guardas, cuja única tarefa é privar pessoas de sua liberdade. Certamente, eles não são vigilantes, cuja tarefa é infligir maior punição que aquela já imposta pelas autoridades judiciais. Ao invés, eles devem combinar o papel de custódia com o papel educativo e reabilitador. Isso requer grande talento pessoal e habilidade profissional.

Trabalhar em uma prisão exige uma combinação ímpar de qualidades pessoais e competências técnicas. Os servidores prisionais precisam ter qualidades pessoais que lhes habilitem a lidar com todos os prisioneiros, inclusive os mais difíceis e perigosos, de maneira igualitária, humana e justa. Isso significa que deve haver processos de recrutamento e seleção rigorosos, de modo que somente as pessoas que possuem as qualidades certas sejam incorporadas à organização. Somente quando esses processos estiverem plenamente implementados é que será possível descrever o trabalho nas prisões como uma profissão.

O papel dos servidores prisionais

Integridade pessoal

O perigo do isolamento

O status dos servidores do

sistema prisional

A necessidade de profissionalismo

Qualidades pessoais dos

servidores prisionais

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OS SERVIDORES PRISIONAIS E A ADMINISTRAÇÃO DE PRISÕES

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A responsabilidade da gestão

Em muitos países, é muito difícil recrutar pessoas para trabalharem em uma prisão. Por consequência, as únicas pessoas dispostas a trabalhar nas prisões são aquelas que não conseguem encontrar outros meios de emprego. Às vezes, elas se apresentam para trabalhar no sistema prisional como uma alternativa para cumprimento do serviço militar obrigatório e sairão assim que puderem. Uma vez que elas também são mal treinadas e mal remuneradas, é previsível que elas tenham pouco orgulho profissional por seu trabalho, que sejam vulneráveis às tentações de se envolverem em práticas corruptas e que não possuam qualquer senso de dever de um serviço público digno.

Incutir nos servidores um senso de visão ou a crença de que o que eles fazem tem valor, é uma tarefa enorme para aqueles que estão no comando do sistema prisional. Isso não pode ser feito de modo inconsequente, nem ocorrerá por acaso. Essa tarefa somente pode ser alcançada se houver uma estratégia coerente, baseada na premissa de que um bom quadro de servidores, que sejam publicamente valorizados, é a chave para um bom sistema prisional.

As pessoas que exercem responsabilidade pelas prisões e pelos sistemas prisionais precisam ver o assunto além das considerações técnicas e gerenciais. Elas também precisam ser líderes capazes de entusiasmar os servidores pelos quais são responsáveis com um senso de valorização pelo modo como desempenham suas difíceis tarefas cotidianas. Precisam ser homens e mulheres que tenham uma clara visão e uma determinação em manter os mais elevados padrões no difícil trabalho da administração prisional. Eles, constantemente, precisam reassegurar aos servidores, que o trabalho que realizam é importante para a sociedade e altamente valorizado por ela.

O que dizem os instrumentos internacionais

Princípios Básicos para o Tratamento de Prisioneiros, Princípio 4:

A responsabilidade das prisões pela custódia de prisioneiros e pela proteção da sociedade contra a criminalidade, deve ser cumprida em conformidade com os demais objetivos sociais do Estado e com sua responsabilidade fundamental de promoção do bem estar e de desenvolvimento de todos os membros da sociedade.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 46 (2):

A administração prisional esforçar-se-á constantemente por despertar e manter nas mentes, tanto dos servidores quanto da opinião pública, a convicção de que a função prisional constitui um serviço social de grande importância e, para tanto, deverá utilizar todos os meios apropriados para informar o público.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 48:

Todos os membros do pessoal deverão conduzir-se e cumprir suas funções, em qualquer circunstância, de modo a que seu exemplo inspire respeito e exerça uma influência benéfica sobre os presos.

Código de Conduta para Funcionários de Execução da Lei, Artigo 2:

No desempenho de suas atribuições, os funcionários de execução da lei deverão respeitar e proteger a dignidade humana, bem como manter e sustentar os direitos humanos de todas as pessoas.

Os perigos de servidores com

perfil inadequado

Uma estratégia coerente

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OS SERVIDORES PRISIONAIS E A ADMINISTRAÇÃO DE PRISÕES

26

Colocando em prática

A fim de assegurar que esses valores sejam compreendidos e implementados apropriadamente pelos servidores, é necessário que a administração prisional declare expressamente seu propósito com clareza. Tal declaração será fundamentada em instrumentos e normas internacionais e será comunicada claramente a todas as pessoas que estão envolvidas no trabalho prisional. Como exemplo, o Departamento de Serviços Correcionais da Suazilândia define sua atividade principal como “a custódia segura e a supervisão de infratores de acordo com as garantias legais, aplicação e reconhecimento de regras gerais de direitos humanos em consonância com as Regras Mínimas das Nações Unidas”. Existe, também, uma declaração clara de valores que sustenta todo o seu trabalho.

Ministério Suazilândio de Justiça e Assuntos Constitucionais, Departamento de Serviços Correcionais

Nossos valores

A administração e os servidores dos Serviços Correcionais de Sua Majestade são guiados, no seu trabalho, pelos valores abaixo:

Nós respeitamos a dignidade dos indivíduos, os direitos de toda a sociedade, e o potencial para o crescimento e o desenvolvimento humano. Isso nos motiva a empreender as medidas Corretivas através de Programas de Integração e Reabilitação.

Nós reconhecemos que o ofensor tem o potencial para viver como um cidadão cumpridor das leis; fatores ambientais são, na maioria das vezes, a raiz para o contrário.

Nós acreditamos que nossa força e nosso principal recurso para atingir nossos objetivos é nosso quadro de pessoal e que relacionamentos humanos são a pedra fundamental de nosso esforço.

Nós acreditamos que o compartilhamento de ideias, conhecimentos, valores e experiências, nacionais e internacionais, é essencial para a consecução de nossa missão.

Nós acreditamos em administrar o Serviço com transparência e integridade, e nós prestamos contas ao Ministro da Justiça e Assuntos Constitucionais.

Nós acreditamos na detenção humana, no tratamento de ofensores, e no uso de medidas de controle de internos que sejam razoáveis, seguras e justas.3

Governo da Suazilândia, Website do Ministério da Justiça e Assuntos Constitucionais, homepage dos Serviços Correcionais

Não importa quão boa possa ser a declaração de valores, ela somente pode ser efetiva se é claramente comunicada para todos os servidores, através do exemplo e da liderança da administração prisional.

Uma clara declaração do

propósito

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OS SERVIDORES PRISIONAIS E A ADMINISTRAÇÃO DE PRISÕES

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Informando o público

É também importante que o público e a mídia estejam conscientes dos valores dentro dos quais operam as prisões. Se o papel das prisões na sociedade civil é adequadamente compreendido, é mais provável que o público irá apreciar os esforços feitos pelas autoridades prisionais para implementar boas práticas. Para que isso aconteça, é importante que os servidores do primeiro escalão desenvolvam boas relações com seu público e com os meios de comunicação locais. É errado o público somente ouvir falar sobre as prisões quando as coisas não dão certo; o público também dever ser informado sobre a realidade diária da vida nas prisões. As administrações prisionais devem estimular seus diretores a se reunirem regularmente com grupos da sociedade civil, inclusive organizações não governamentais, e, quando apropriado, convidá-los para visitar as prisões.

Prisão de Shangai aberta aos visitantes

A Prisão Baoshan de Shangai revelou sua nova política de Dia de Portas Abertas na quinta-feira. Agora, qualquer cidadão chinês, acima de 16 anos, pode visitar a prisão, localizada na zona norte da cidade.

O Dia de Portas Abertas está sendo realizado na última quinta-feira de cada mês. Devido ao limite de 40 visitantes por mês, é necessária inscrição antecipada.

Também na quinta-feira, a prisão recebeu seu primeiro grupo de visitantes, composto , principalmente, de estudantes universitários, funcionários do governo local e parentes de prisioneiros.

“Sinceramente, nós saudamos os visitantes comuns e esperamos ter a nossa administração supervisionada pela sociedade como um todo”, disse o Diretor Chen Yaoxin. “Essa iniciativa será muito significativa”.4

China Daily, 26 de março de 2004

As prisões na estrutura governamental

Assim como as escolas e os hospitais, as prisões são instituições que devem ser geridas pelo poder civil com o objetivo de contribuir para o bem público. O Estado tem o dever de proteger a sociedade contra o crime e, ao mesmo tempo, promover o bem-estar de todos os membros da sociedade. A gestão adequada das prisões é uma importante contribuição para essas funções.

Um serviço civil

A privação de liberdade faz parte do processo de justiça penal e, em sociedades democráticas, a prisão das pessoas é decretada por juízes independentes, nomeados pelo poder civil. O sistema prisional também deve estar sujeito ao controle do poder civil e não do poder militar. As administrações prisionais não devem estar diretamente nas mãos do exército ou de outro poder militar. Existem, entretanto, vários países em que o chefe da administração prisional é um membro ativo das forças armadas, cedido ou transferido por um período de tempo limitado à administração prisional para desempenhar esse papel. Nesse caso, o governo deve deixar claro que essa pessoa está atuando como chefe do sistema prisional na qualidade de civil.

Bem público

Natureza não militar

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OS SERVIDORES PRISIONAIS E A ADMINISTRAÇÃO DE PRISÕES

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“Nos estados com um governo militar, as prisões podem estar sob o controle dos militares. Em Estados com uma história de ditadura militar, um legado pode ser prisões executadas em linhas militarizadas - com funcionários da prisão tendo patentes militares e impondo uma disciplina militar. Onde a reforma das forças de defesa está em curso, desembaraçar os militares do sistema de prisão civil deve ser parte da reforma.5

Organização para o Desenvolvimento e Cooperação Econômica, Comitê de Assistência ao Desenvolvimento, Manual de Apoio à

Segurança e à Justiça, 2007

Em termos da separação de funções, é importante que haja uma clara separação organizacional entre as administrações policial e prisional. A polícia geralmente é responsável por investigar crimes e por prender criminosos. Uma vez detida ou presa, ele ou ela deve, tão prontamente quanto possível, comparecer perante uma autoridade judicial e, em seguida, deve ser detida sob custódia do serviço prisional. Em muitos países, a administração policial está no âmbito do Ministério do Interior, enquanto que a administração prisional está no âmbito do Ministério da Justiça. Esse é um modo de se assegurar a separação de poderes e de se enfatizar o estreito vínculo que deve existir entre a autoridade judicial e o sistema prisional.

Funcionários de locais de privação de liberdade

O pessoal será constituído por empregados e funcionários idôneos, de ambos os sexos, de preferência servidores públicos e de caráter civil. Como regra geral, os membros da polícia ou forças armadas devem ser proibidos de exercer a custódia direta de pessoas privadas de liberdade, a menos que seja um policial ou instituição militar.

Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Princípios e Boas Práticas na Proteção de Pessoas Privadas de Liberdade nas

Américas, Princípio XX, 2008.

O que dizem os instrumentos internacionais

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 46(3):

(A fim de assegurar os fins acima,) os integrantes do quadro de pessoal serão nomeados em regime de trabalho em tempo integral, como servidores prisionais profissionais, e terão status de servidores públicos civis com estabilidade no emprego, sujeitos apenas a critérios de boa conduta, eficiência e aptidão física.

Colocando em prática

Em países democráticos, as administrações prisionais geralmente são autoridades públicas que estão sob o controle de um ministério do governo. Em alguns países, tais como Brasil, Índia ou Alemanha, esse ministério faz parte de um governo estadual ou regional. Na maioria dos países, o sistema prisional é organizado nacionalmente e é responsável perante um departamento do governo central. Em outros, tais como Estados Unidos e Canadá, há uma combinação dos dois modelos. Tem-se tornado cada vez mais comum que o departamento governamental responsável pelo sistema prisional seja o Ministério da Justiça, onde ele existe.

Natureza não policial

Controle democrático

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OS SERVIDORES PRISIONAIS E A ADMINISTRAÇÃO DE PRISÕES

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Inserir a administração prisional no âmbito do Ministério da Justiça enfatiza o estreito vínculo entre o processo judicial e a detenção de cidadãos. Isto também separa o trabalho da polícia daquele feito pelo sistema prisional. Isso é importante, uma vez que o processo de investigação deve ser separado da detenção pré-julgamento, de modo que os suspeitos não fiquem sob coerção.

Outra razão para estimular essa transferência é o fato de que a polícia, em alguns países, constitui-se, com efeito, em unidades militares, ocupando postos do exército, organizada em moldes militares e passível de convocação pelo governo, quando necessário, para atuar como força militar. Isso não se encaixa facilmente com o requisito de que os servidores prisionais tenham status de servidores públicos.

A transferência de responsabilidade para o Ministério da Justiça na Rússia “foi um dos passos mais significativos que objetivou assegurar garantias mais confiáveis para o cumprimento das normas da legalidade e dos direitos humanos. O Ministério da Justiça é mais livre para agir a esse respeito, uma vez que não está sobrecarregado com o legado do passado e não tem sido associado com usar pressão psicológica para influenciar aqueles que violaram a lei e estão servindo penas privativas de liberdade.”6

Yuri Kalinin, Vice-Ministro da Justiça na Federação Russa, O sistema penal Russo: passado, presente e futuro, 2002, 2002

É preciso reconhecer que tal transferência de responsabilidade dentro do governo pode ter graves consequências para o quadro de pessoal em países onde os militares têm um sistema de remuneração especial, além de se beneficiarem de outras condições de trabalho e emprego, tais como acesso gratuito a serviços de saúde para eles mesmos e para suas famílias, viagens gratuitas, moradia subsidiada e regime de férias. Essas questões são tratadas mais adiante neste capítulo.

Existe outra razão pela qual as prisões devem ser administradas por uma autoridade civil. Praticamente todas as pessoas presas um dia retornarão à vida na sociedade civil. Para que elas vivam dentro da lei, será importante que tenham algum lugar para morar, que tenham oportunidade de emprego e que contem com uma estrutura adequada de apoio social. É muito importante, portanto, que a administração prisional mantenha estreitos vínculos com outros órgãos prestadores de serviço ao público, tais como as autoridades de assistência social e de saúde. Essa estreita relação tem maior probabilidade de acontecer se o sistema prisional for uma organização civil, em vez de militar.

Ao mesmo tempo, é preciso compreender que, embora os servidores devam ter status civil, o sistema prisional propriamente dito, normalmente, continuará sendo uma organização disciplinada e hierárquica. As prisões não são democracias. Para funcionarem adequadamente, é preciso haver uma cadeia de comando claramente reconhecida. É o que acontece na maioria das grandes organizações. E é particularmente o que deve acontecer no contexto prisional, no qual sempre é preciso haver uma consciência, mesmo nas prisões mais bem administradas, da possibilidade de agitação e desordem. É bastante viável ter um sistema de status civil e, ainda, bem disciplinado. Conforme será discutido no Capítulo 7 deste manual, é do interesse de todas as partes envolvidas – tanto servidores quanto os próprios presos – que as prisões sejam instituições bem ordenadas. A probabilidade de isso acontecer é maior se as prisões forem organizadas de maneira disciplinada.

Separação entre a polícia e as

prisões

As consequências da

transferência de responsabilidade

Vínculos com órgãos sociais

Uma organização disciplinada e

hierárquica

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OS SERVIDORES PRISIONAIS E A ADMINISTRAÇÃO DE PRISÕES

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Administração prisional

Administração prisional é, acima de tudo, administração de pessoas, principalmente de presos e funcionários. O indivíduo que está no comando de uma prisão, descrita em várias jurisdições como diretor, governador, inspetor ou superintendente, é a pessoa chave na definição do tom em toda a prisão, e, mais fundamentalmente, seu método de dirigir pode determinar se a prisão é ou não um lugar de humanidade, decência e justiça.

Em muitos países, pouco se pensa na gestão prisional como uma profissão ou mesmo uma habilidade que requer treinamento específico e desenvolvimento. Um diretor recém-nomeado de uma prisão pode ter tido prévio treinamento geral militar, legal ou administrativo ou espera-se que, simplesmente, possua intuitivamente as habilidades específicas necessárias para gerenciar uma prisão. Isso é surpreendente, dada a natureza complexa de muitas prisões. Grandes prisões, como Tihar, em Nova Délhi e do complexo Rikers Island, em Nova York, pode conter entre 10 mil e 17 mil prisioneiros, enquanto as menores podem custodiar não mais do que uma dúzia de prisioneiros, aproximadamente. Administrá-las requer um conjunto definido de habilidades, algumas das quais são comuns à administração geral e outras, peculiares às prisões.

O uso que um país faz do encarceramento é suscetível de afetar a gestão interna das prisões. Quando as prisões estão superlotadas e com poucos recursos de gerenciamento podem muito bem ser restringidas a prover as necessidades básicas da vida daqueles que estão sob seus cuidados. Simplesmente garantir que os presos tenham comida suficiente e água limpa, que tenham uma cama para dormir e acesso a ar fresco, pode se tornar uma tarefa em tempo integral em algumas administrações.

Em outras jurisdições, pode ser possível fixar metas muito mais elevadas. Isso pode envolver fazer todo o possível para garantir que os danos causados a indivíduos que estão presos sejam reduzidos ao mínimo, ao manter os laços com a família e os vínculos com a comunidade. Também pode significar encorajar prisioneiros a enfrentar os crimes que levaram à sua prisão e tentar melhorar as suas competências pessoais, sociais e de trabalho. Todas essas atividades serão realizadas com a intenção de ajudar os presos a viverem como cumpridores da lei depois que forem liberados.

O que dizem os instrumentos internacionais

Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros, Regra 50:

1. O diretor do estabelecimento prisional deverá estar devidamente qualificado para sua função por seu caráter, sua capacidade administrativa, formação adequada e experiência.

2. O diretor deverá dedicar todo o seu tempo à sua função oficial e não deverá ser nomeado em regime de tempo parcial.

3. O diretor deverá residir no estabelecimento prisional ou perto dele.

4. Quando dois ou mais estabelecimentos estiverem sob a autoridade de um único diretor, este os visitará em intervalos frequentes. Cada um desses estabelecimentos terá um funcionário responsável, residente no local.

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OS SERVIDORES PRISIONAIS E A ADMINISTRAÇÃO DE PRISÕES

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Colocando em prática

A gestão prisional precisa levar em conta o ambiente político e cultural que a rodeia. Isso é particularmente verdadeiro no clima de mudança radical que tem havido em muitas partes do mundo durante os últimos 25 anos ou mais. Isto implica que uma boa administração precisa ser dinâmica e não estática e que qualquer processo de melhoramento tem que ser um sistema contínuo.

Os responsáveis por prisões e sistemas prisionais precisam olhar além das considerações técnicas e gerenciais. Eles também têm que ser líderes capazes de entusiasmar os servidores pelos quais são responsáveis valorizando a maneira de realizar suas difíceis tarefas diárias. Eles precisam ser homens e mulheres que têm uma visão clara e uma determinação de manter os mais altos padrões no difícil trabalho de gestão prisional.

O Relator Especial gostaria de mencionar os esforços feitos pelo administrador da Penitenciária Principal de Bafang para melhorar a vida, ainda que sob circunstâncias muito difíceis. Diante do imenso desafio, a abordagem humilde do administrador ao tratar os presos com respeito e humildade, sem comprometer a sua autoridade, foi realmente exemplar, como visto em sua forte relação de cooperação com os detentos.7

Prisões em Camarões: Relatório do Relator Especial sobre Prisões e Lugares de Detenção na África, 2002

Recrutamento de Servidores Prisionais Garantia de padrões elevados

Padrões pessoais e profissionais elevados são o que se deve esperar de todos os integrantes do quadro de servidores prisionais, especialmente daqueles que vão trabalhar diretamente com os presos em instituições de qualquer capacidade. Entre eles incluem-se pessoal uniformizado na linha de frente ou agentes de segurança carcerária, bem como profissionais tais como professores e instrutores. O pessoal que entra em contato com os presos diariamente precisa ser escolhido com um cuidado especial. Assim, o recrutamento é muito importante. A administração prisional deve ter uma política clara para estimular pessoas de perfil adequado a se candidatarem ao trabalho nas prisões. Se o sistema prisional já tiver estabelecido seus valores e o contexto ético no qual deve operar, é importante que eles sejam claramente articulados em qualquer processo ou material de recrutamento. Isso deixará claro para qualquer pessoa que deseja se candidatar ao trabalho prisional o que será esperado dela em termos de comportamento e atitude. Também é preciso deixar claro que qualquer pessoa com padrões pessoais inaceitáveis – no que se refere, por exemplo, ao tratamento de minorias raciais ou ao tratamento de mulheres ou estrangeiros – não precisa se candidatar ao trabalho no sistema prisional.

Mesmo quando uma política de recrutamento seletivo é implementada para garantir que os candidatos compreendam a natureza do trabalho nas prisões, nem todos aqueles que se candidatam terão o perfil adequado. É preciso haver um conjunto claro de procedimentos para assegurar que somente os candidatos adequados sejam, de fato, selecionados para serem incorporados ao sistema. Em primeiro lugar, esses procedimentos devem poder testar a integridade e a humanidade dos candidatos e como eles provavelmente reagirão nas difíceis situações que poderão enfrentar no decorrer do seu

Uma boa liderança é vital

A importância do pessoal certo

Selecionando candidatos adequados

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trabalho cotidiano. Essa parte do processo é a mais importante, uma vez que abrange qualidades que são um requisito indispensável ao trabalho prisional. Somente nos casos em que os candidatos tiverem demonstrado que atendem a esses requisitos, os procedimentos passam a testar questões como os padrões educacionais dos candidatos, as suas capacidades físicas, seus registros anteriores de trabalho e o potencial para aprender novas habilidades.

Não deve haver qualquer discriminação na seleção dos integrantes do quadro de pessoal. Isso significa que as mulheres devem ter as mesmas oportunidades que têm os homens de trabalharem em prisões e devem receber a mesma remuneração e a mesma capacitação, bem como ter as mesmas oportunidades de promoção. A grande maioria das pessoas presas é composta de homens e, tradicionalmente, em muitos países, o trabalho nos estabelecimentos prisionais é considerado um território reservado aos homens. Não há qualquer razão para que seja assim.

Em algumas prisões, um número significativo dos presos provém de grupos raciais ou étnicos minoritários. Isso reforça o argumento de que as administrações prisionais devem fazer um esforço para recrutar proporções suficientes de servidores de origens semelhantes.

O que dizem os instrumentos internacionais

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 46:

(1) A administração prisional realizará uma seleção criteriosa dos servidores para todos os níveis do quadro de pessoal, uma vez que a boa administração das instituições depende de sua integridade, humanidade, competência profissional e adequação pessoal para o trabalho. (3) A fim de assegurar a consecução dos fins acima, os integrantes do quadro de pessoal serão nomeados em regime de tempo integral como servidores penitenciários profissionais e terão status de servidores públicos, com estabilidade no emprego, sujeitos unicamente a critérios de boa conduta, eficiência e aptidão física. Os salários serão adequados para atrair e reter homens e mulheres de perfil adequado; os benefícios trabalhistas e as condições de trabalho serão favoráveis, considerando-se a natureza exigente do trabalho.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 49:

(1) Tanto quanto possível, entre os integrantes do quadro de servidores prisionais incluir-se-á um número suficiente de especialistas, tais como psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais, professores e instrutores de ofícios comerciais.

(2) Os serviços de assistentes sociais, professores e instrutores de ofícios comerciais serão contratados em caráter permanente, sem excluir, no entanto, trabalhadores em regime de tempo parcial ou trabalhadores voluntários.

Código de Conduta para Funcionários de Execução da Lei, Artigo 18:

Os governos e os órgãos de execução da lei assegurarão que todos os funcionários de órgãos de execução da lei sejam selecionados mediante procedimentos de triagem adequados, possuam qualidades morais, psicológicas e físicas condizentes com o exercício efetivo de suas funções e recebam capacitação profissional contínua e completa. A aptidão contínua para o desempenho dessas funções deve estar sujeita a uma revisão periódica.

Sem discriminação

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Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, Artigo 2:

Os Estados Membros condenam a discriminação contra as mulheres em todas as suas formas, acordam promover, mediante todos os meios adequados e sem demora, uma política de eliminação da discriminação contra as mulheres e, para tanto, comprometem-se a:

(a) Incorporar o princípio da igualdade de homens e mulheres em suas constituições nacionais e na legislação correspondente, caso ainda não tenha sido incorporado, e assegurar, mediante a lei e outros meios apropriados, a realização prática desse princípio;

(b) Adotar as medidas legislativas apropriadas, bem como outras medidas, inclusive sanções, quando cabíveis, proibindo toda e qualquer discriminação contra as mulheres;

(c) Estabelecer a proteção legal dos direitos das mulheres em caráter de igualdade com os homens e assegurar, por meio dos tribunais nacionais competentes e outras instituições públicas, a proteção efetiva das mulheres contra qualquer ato de discriminação;

(d) Abster-se de participar de qualquer ato ou prática de discriminação contras as mulheres e assegurar que as autoridades e instituições públicas atuem em conformidade com tal obrigação;

(e) Tomar todas as medidas cabíveis a fim de eliminar a discriminação contra as mulheres por parte de qualquer pessoa, organização ou empresa;

(f) Adotar todas as medidas cabíveis, inclusive legislação, a fim de alterar ou abolir leis, regulamentos, costumes e práticas existentes, que constituem discriminação contra as mulheres;

(g) Revogar todas as disposições penais nacionais que resultem em discriminação contra as mulheres.

Colocando em prática

Muitas administrações prisionais têm grande dificuldade de recrutar pessoal qualificado de alto nível. Pode haver uma série de razões para isso. Esse problema pode ser atribuído aos baixos níveis de remuneração. Também pode ser porque o trabalho nas prisões não seja bem conceituado na comunidade local ou também pode ser função da concorrência de outros órgãos de execução da lei, tais como a polícia. Qualquer que seja a razão, é possível que as administrações precisem adotar uma política de recrutamento ativa, em vez de, simplesmente, esperar que novos servidores em potencial se apresentem a elas.

A necessidade de uma política de recrutamento ativa reforça o argumento – exposto anteriormente neste capítulo – a favor de um programa de educação do público sobre o que acontece dentro das prisões. Isso ajudará a conter suposições errôneas e poderá gerar interesse na população em geral e, em particular, em futuros servidores em potencial. Se os membros da sociedade civil ignorarem a realidade da vida nas prisões, será improvável que qualquer pessoa da sociedade civil considere a possibilidade de ingressar como servidor no sistema prisional. A educação do público pode se dar de várias formas. Pode envolver iniciativas de estímulo para que membros responsáveis da comunidade visitem as prisões para verem, por si mesmos, como elas são. Também pode incluir contatos regulares com os meios de comunicação social, de modo que eles sejam estimulados a publicar uma ampla gama de informações, em vez de meramente divulgar relatos críticos quando as coisas não dão certo.

Uma política de recrutamento ativa

Um programa de educação pública

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A administração prisional deve, em seguida, escolher órgãos alvos específicos que possam fornecer futuros servidores em potencial ao sistema prisional. Entre eles podem incluir-se instituições educacionais, tais como faculdades e universidades ou grupos comunitários. Essas pessoas devem receber informações específicas sobre o papel dos servidores prisionais, sobre qual perfil de pessoas pode se interessar pelo trabalho no sistema prisional e o fato de que se trata de uma carreira digna no serviço público.

É preciso dispensar especial atenção ao recrutamento de pessoal especializado. Em geral, são pessoas que já possuem capacitação em uma profissão específica. Entre eles incluem-se professores, instrutores e profissionais de saúde. Em algumas prisões também haverá a necessidade de psiquiatras e psicólogos. Não se deve pressupor que as pessoas que receberam capacitação profissional, tais como professores, estarão automaticamente aptas a trabalhar em um ambiente prisional. Elas também precisarão ser selecionadas criteriosamente e é preciso ter clareza a respeito do papel que se espera que elas desempenhem na organização.

A experiência em vários países demonstrou que as mulheres podem desempenhar as atribuições normais de um agente prisional da mesma forma que os homens. Com efeito, em situações de possível confronto, a presença de mulheres muitas vezes pode neutralizar incidentes potencialmente explosivos. Existem algumas situações, tais como supervisão de áreas sanitárias e realização de revistas corporais pessoais, nas quais o servidor envolvido deve ser do mesmo sexo que a pessoa presa. Fora essas situações, os servidores prisionais do sexo feminino podem ser designados para desempenhar todas as atribuições funcionais.

Treinamento dos servidores prisionais

Uma vez que o pessoal tenha sido adequadamente recrutado e selecionado, é preciso oferecer-lhe treinamento adequado. A maioria dos novos servidores terá pouca ou nenhuma experiência ou conhecimento do mundo prisional. O primeiro requisito é enfatizar, para todos eles, o valor do contexto ético em que as prisões devem ser administradas, conforme explicado anteriormente neste capítulo. É preciso deixar claro que todas as habilidades técnicas que serão ensinadas subsequentemente se fundamentam em uma crença na dignidade e na humanidade de todas as pessoas envolvidas nas prisões. Isso inclui todas as pessoas presas, independentemente dos crimes pelos quais possam ter sido condenadas, bem como todos os integrantes do quadro de servidores e visitantes. Os servidores precisam aprender as habilidades básicas necessárias para lidar com outros seres humanos – alguns dos quais poderão ser muito ineptos e difíceis – de modo condigno e humano. Não se trata simplesmente de uma questão teórica. É um primeiro passo indispensável rumo à capacitação técnica que se seguirá. Às vezes, mesmo nos sistemas prisionais mais desenvolvidos, ainda persiste uma falta de entendimento do propósito para o qual os servidores estão sendo capacitados. Não existe uma compreensão das principais características que formam a base do bom trabalho prisional.

Os servidores prisionais devem, então, receber o treinamento técnico necessário. Eles precisam estar plenamente cientes dos requisitos de segurança. Isso significa aprender tudo sobre o uso da tecnologia de segurança: chaves, cadeados, equipamentos de vigilância. Os servidores precisam aprender a manter registros adequados e saber quais tipos de relatórios precisam ser redigidos. Acima de tudo, eles precisam entender a importância de suas interações com os presos. A segurança dos cadeados e das chaves deve ser suplementada pelo tipo de segurança que decorre

Os valores de sustentação

Pessoal especializado

Capacitação técnica

Servidores prisonais do sexo

feminino

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do conhecimento de quem são os presos e como eles provavelmente se comportarão. São essas as questões de segurança dinâmica tratadas no Capítulo 5 do presente manual.

Tanto quanto se preocupar em manter a ordem, os novos servidores precisam aprender que a prevenção da desordem é sempre melhor do que ter de lidar com ela depois que ocorre. A desordem pode variar desde incidentes que envolvem um único preso até um levante em massa e motins. É muito raro que a desordem irrompa espontânea ou repentinamente. Geralmente há muitos sinais de alerta de que alguma coisa vai mal. Um servidor adequadamente capacitado reconhecerá, por antecipação, esses sinais de alerta e atuará de modo a prevenir problemas. Essa é uma habilidade que pode ser ensinada.

A capacitação adequada dos servidores é um requisito contínuo, desde o momento do recrutamento inicial até a aposentadoria. Deve haver uma série regular de oportunidades de desenvolvimento para servidores de todas as idades e cargos. Isso ajudará os servidores a tomarem conhecimento das últimas técnicas de trabalho. A capacitação contínua também proporcionará treinamento em habilidades específicas para servidores que trabalham em áreas especializadas, bem como oportunidades para os mais graduados desenvolverem suas habilidades administrativas.

O que dizem os instrumentos internacionais

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 47:

(1) Os servidores prisionais devem possuir um padrão de escolaridade e inteligência adequado.

(2) Antes de iniciar o serviço, os servidores prisionais devem receber um curso de capacitação sobre suas atribuições gerais e específicas e deverão ser aprovados em provas teóricas e práticas.

(3) Após admissão no serviço e durante sua carreira profissional, os servidores prisionais deverão manter e aperfeiçoar seu conhecimento e sua capacidade profissionais mediante a participação em cursos de capacitação prática, a serem organizados em intervalos adequados.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 51:

(1) O diretor, seu substituto e a maioria dos demais servidores da instituição deverão falar a língua da maioria das pessoas presas, ou uma língua compreendida pelo maior número das pessoas presas.

(2) Sempre que necessário serão utilizados os serviços de um intérprete.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 52:

(1) Em instituições suficientemente grandes a ponto de necessitarem dos serviços de um ou mais profissionais médicos, em tempo integral, pelo menos um deles deverá residir nas instalações da instituição ou em sua vizinhança imediata.

(2) Em outras instituições, o profissional médico deverá visitar a instituição diariamente e residir próximo o bastante para poder atendê-la sem demora, em casos de urgência.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 53:

(1) Em uma instituição destinada tanto a homens quanto a mulheres, a parte da instituição reservada para as mulheres deverá estar sob a autoridade de uma diretora responsável, que terá a custódia das chaves daquela parte da instituição.

Prevenção da desordem

Treinamento contínuo

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(2) Nenhum integrante do quadro de servidores prisionais do sexo masculino poderá entrar na parte da instituição reservada para as mulheres, exceto se acompanhado por uma funcionária do sexo feminino.

(3) As prisioneiras serão atendidas e supervisionadas unicamente por funcionárias do sexo feminino. Entretanto, isso não impede que os integrantes do quadro de servidores do sexo masculino, particularmente médicos e professores, exerçam suas atribuições profissionais em instituições ou partes de instituições reservadas para mulheres.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 54:

(1) Em suas relações com as pessoas presas, os funcionários das instituições prisionais não usarão de força, exceto em legítima defesa ou em casos de tentativas de fuga, ou resistência física ativa ou passiva a uma ordem baseada na lei ou em regulamentos. Os funcionários que usarem de força devem usar somente a força que for estritamente necessária e devem relatar o incidente imediatamente ao diretor da instituição.

(2) Os servidores prisionais devem receber treinamento físico especial que os capacite a conter presos agressivos.

(3) Exceto em circunstâncias especiais, os servidores que desempenham atribuições que os colocam em contato direto com as pessoas presas não deverão portar armas. Além disso, os servidores não devem, em qualquer circunstância, receber armas, a menos que tenham sido treinados para usá-las.

Código de Conduta para Funcionários de Execução da Lei, Artigo 3:

Os funcionários de execução da lei poderão empregar a força somente quando estritamente necessário e na medida necessária ao desempenho de sua atribuição profissional.

Código de Conduta para Funcionários de Execução da Lei, Artigo 4:

Assuntos de caráter confidencial conhecidos ou em posse de funcionários de execução da lei serão mantidos como tais, a menos que o desempenho de sua atribuição profissional ou as exigências da justiça rigorosamente exijam em contrário.

Código de Conduta para Funcionários de Execução da Lei, Artigo 5:

Nenhum funcionário de execução da lei poderá impor, instigar ou tolerar qualquer ato de tortura ou outro tratamento ou punição cruel, desumano ou degradante, nem qualquer funcionário de execução da lei poderá invocar ordem superiores ou circunstâncias excepcionais, tais como estado de guerra ou ameaça de guerra, ameaça à segurança nacional, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública, como justificativa para a tortura ou outro tratamento ou punição cruel, desumano ou degradante.

Código de Conduta para Funcionários de Execução da Lei, Artigo 6:

Os funcionários de execução da lei deverão assegurar a plena proteção da saúde das pessoas que estiverem sob sua custódia e, em particular, deverão tomar medidas imediatas, destinadas a assegurar atendimento médico, sempre que necessário.

Código de Conduta para Funcionários de Execução da Lei, Artigo 7:

Os funcionários de execução da lei respeitarão as leis e o presente Código. Além disso, tanto quanto lhes for possível, prevenirão e opor-se-ão vigorosamente a quaisquer violações dos mesmos.

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Princípios Básicos relativos ao Uso de Força e Armas de Fogo por Funcionários de Execução da Lei, Princípio 4:

Os funcionários de execução da lei, no desempenho de suas atribuições, tanto quanto possível, empregarão meios não violentos antes de recorrerem ao uso da força e de armas de fogo. Eles poderão usar força e armas de fogo somente se outros meios se mostrarem ineficazes ou improváveis de alcançarem o resultado pretendido.

Princípios Básicos relativos ao Uso de Força e de Armas de Fogo por Funcionários de Execução da Lei, Princípio 9:

Os funcionários de execução da lei abster-se-ão de usar armas de fogo contra pessoas, exceto em legítima defesa ou em defesa de outros, contra ameaça iminente de morte ou lesão grave, a fim de prevenir a prática de um crime particularmente grave envolvendo grave ameaça à vida, prender uma pessoa que apresente real perigo e resista a sua autoridade, ou impedir que ela fuja, e somente quando meios menos extremos forem insuficientes para alcançar esses objetivos. De qualquer modo, o uso letal e deliberado de armas de fogo somente pode ocorrer quando estritamente inevitável para se proteger a vida.

Princípios Básicos relativos ao Uso de Força e de Armas de Fogo por Funcionários de Execução da Lei, Princípio 15:

Os funcionários de execução da lei, em suas relações com as pessoas mantidas sob custódia ou detenção, não empregarão força, exceto quando estritamente necessária para a manutenção da segurança e da ordem dentro da instituição, ou quando a segurança pessoal estiver ameaçada.

Princípios Básicos relativos ao Uso de Força e de Armas de Fogo por Funcionários de Execução da Lei, Princípio 16:

Os funcionários de execução da lei, em suas relações com as pessoas mantidas sob custódia ou detenção, não usarão armas de fogo, exceto em legítima defesa, ou em defesa de outras pessoas, contra ameaça imediata de morte ou lesão grave, ou quando estritamente necessário para prevenir a fuga de uma pessoa sob custódia ou detenção, que represente o perigo mencionado no Princípio 9.

Princípios de Ética Médica relevantes para o Papel do Pessoal de Saúde, principalmente Médicos, na Proteção de Pessoas Presas e Detidas contra Tortura e Outros Tratamentos e Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, Princípio 1:

O pessoal de saúde, principalmente os médicos, encarregados do atendimento médico a prisioneiros e detentos, tem o dever de proporcionar-lhes proteção de sua saúde física e mental, bem como tratamento de doença, do mesmo nível de qualidade e do mesmo padrão dispensados àqueles que não estão presos ou detidos.

Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres, Artigo 10:

1 Deverão ser adotadas todas as medidas adequadas, a fim de garantir às mulheres, casadas ou solteiras, direitos iguais aos dos homens na vida econômica e social, bem como, em particular:

(a) O direito, sem discriminação em razão de estado civil ou quaisquer outras razões, de receber capacitação profissionalizante, o direito de trabalhar, o direito à livre escolha de profissão e emprego, e à progressão vocacional e profissional;

(b) O direito a uma remuneração igual à dos homens e à igualdade de tratamento com relação a trabalho de igual valor;

(c) O direito à licença remunerada, benefícios previdenciários e seguro em caso de desemprego, doença, idade avançada ou outra incapacidade para o trabalho;

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(d) O direito de receber salário-família em condições iguais às dos homens.

2 A fim de prevenir a discriminação contra as mulheres, em razão de casamento ou maternidade, e de assegurar seu direito efetivo ao trabalho, deverão ser adotadas medidas destinadas a prevenir ou impedir sua demissão no caso de casamento ou maternidade e proporcionar-lhes licença maternidade remunerada, com a garantia de retorno ao emprego anterior, bem como prestar-lhes os serviços sociais necessários, inclusive instalações de creche.

Regras para a Proteção de Adolescentes e Jovens Privados de Liberdade, Regra 82:

A administração deverá providenciar a seleção e o recrutamento criterioso de todas as classes de servidores, uma vez que a gestão adequada das unidades de detenção depende de sua integridade, humanidade, competência profissional para lidar com adolescentes e jovens, bem como de sua adequação pessoal para o trabalho.

Regras para a Proteção de Adolescentes e Jovens Privados de Liberdade, Regra 85:

Os servidores devem receber capacitação que os habilite a desempenhar suas responsabilidades de modo eficaz, particularmente em psicologia infantil, bem-estar infantil e normas internacionais de direitos humanos e direitos da criança, inclusive as presentes regras.

Regras Mínimas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude, Regra 22:

1 Educação profissional, treinamento prático em serviço, cursos de atualização e outros modos de instrução apropriados deverão ser utilizados, a fim de se estabelecer e manter a competência profissional necessária de todos os servidores que lidam com casos de crianças e jovens.

2 Os servidores da justiça da infância e da juventude deverão refletir a diversidade das crianças e dos jovens que têm contato com o sistema de justiça da infância e da juventude. Deverão ser envidados esforços, a fim de se assegurar a representação equitativa de mulheres e minorias em órgãos da justiça da infância e da juventude.

Colocando em prática

O padrão e a duração de treinamento dados às pessoas recém-ingressadas no trabalho prisional variam enormemente de país para país. O formato mais básico é aquele no qual se espera que os novos servidores simplesmente aprendam a trabalhar ao lado de servidores experientes. Eles recebem apenas as informações mais elementares antes de lhes ser dado um molho de chaves de segurança e deixá-los com suas tarefas. Essa prática é muito perigosa. Na melhor das hipóteses, isso significa que os novos servidores não entenderão o que seu trabalho realmente envolve e aprenderão hábitos de servidores mais antigos, que não representam a melhor prática. Na pior das hipóteses, significará que os novos servidores estarão vulneráveis à pressão de presos poderosos, que tirarão proveito dessa vulnerabilidade e exercerão poder sobre eles de um modo que enfraquecerá a segurança e a boa ordem.

Em alguns países, os novos servidores são enviados para uma escola de treinamento ou faculdade por algumas semanas, onde aprendem os aspectos mais elementares de seu trabalho antes de assumirem suas atribuições no estabelecimento prisional. Em outros países, o pessoal da linha de frente participa de um programa de capacitação de até dois anos de duração antes de começar a trabalhar como servidores qualificados. Sistemas prisionais de vários países exigem que os servidores recém-admitidos participem de um misto de treinamento presencial em sala de aula e treinamento prático. Em Gana, por exemplo, os servidores novatos passam três meses em uma escola de treinamento, seguidos de três meses em uma prisão e, em seguida, mais três meses na escola de treinamento.

Treinamento inicial

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Qualquer que seja o formato do treinamento, é preciso transmitir a todos os novos servidores um conjunto de princípios claros sobre aquilo que seu trabalho envolve, bem como conhecimento técnico suficiente para conduzirem seu trabalho básico antes de entrarem em uma prisão. Em seguida, eles devem trabalhar ao lado de servidores experientes, que tenham sido identificados pela administração como aqueles que, mais provavelmente, darão aos novos membros do quadro de servidores o melhor exemplo e incutirão neles um senso de confiança em seu trabalho.

O pessoal das instituições de privação de liberdade deverá receber instruções iniciais e treinamento especializado periódico, com ênfase na natureza social do seu trabalho. Tais instruções e treinamento deverão incluir, no mínimo, educação em direitos humanos; em direitos, deveres e proibições no exercício de suas funções; e sobre princípios e regras, nacionais e internacionais, a respeito do uso da força, armas de fogo e contenção física.

Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Princípios e Boas Práticas sobre a proteção de Pessoas Privadas de Liberdade nas

Américas, Princípio XX, 2008

Os servidores mais graduados precisam contar com uma forma de capacitação mais sofisticada. Isso vale tanto para servidores contratados diretamente nesse nível quanto para servidores que galgaram posição a partir dos níveis iniciais na hierarquia funcional. Não se pode pressupor que a experiência, por si só, qualifica as pessoas para níveis superiores da administração prisional. Mesmo os servidores que trabalharam em prisões durante muitos anos, em posições iniciais, precisam ter assistência para desenvolverem habilidades adicionais, antes de assumirem uma função administrativa. Em alguns países, a exemplo da Rússia e da Líbia, os servidores são contratados diretamente para ocuparem cargos mais altos e precisam possuir um diploma ou fazer um curso de formação com duração de vários anos, antes de iniciarem o trabalho administrativo em um estabelecimento prisional.

O diretor da prisão e seus vice-diretores são pessoas-chave para se estabelecer a cultura e o ethos da prisão. Eles precisam ser selecionados com especial atenção para suas qualidades pessoais e precisam receber amplo treinamento.

Profissionais que desempenham uma função especializada, tais como professores e instrutores, precisarão receber capacitação adicional, a fim de desempenharem seus papéis adequadamente. Isso vale principalmente para o corpo médico. Os médicos precisam estar cientes de que, quando passam a trabalhar em uma prisão, eles levam consigo todas as obrigações éticas de sua profissão. Muito embora as pessoas estejam presas, a principal responsabilidade do médico consiste em tratar sua doença, seja ela física ou mental. Isso precisa ficar claro para qualquer médico que ingressa no serviço prisional.

O Serviço de Saúde das Instituições de Recuperação de New South Wales da Austrália, uma organização à parte do sistema penitenciário, mas que trabalha em estreita articulação com o sistema na prestação de serviços de saúde a todas as pessoas presas nas prisões de New South Wales, produziu um Código de Conduta Ética para seu pessoal em 1999, que foi atualizado em 2006.8

New South Wales Health and Justice Health, Código de Conduta, 2006

Capacitação de servidores do

primeiro escalão

Treinamento de servidores

especializados, principalmente o

corpo médico

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OS SERVIDORES PRISIONAIS E A ADMINISTRAÇÃO DE PRISÕES

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Os servidores que deverão trabalhar com grupos específicos de presos devem receber a capacitação necessária para trabalhar com eles. Isso se aplica, particularmente, para os servidores que trabalharão com adolescentes e jovens privados de liberdade. Às vezes, existe a tendência de considerar esse tipo de trabalho, de algum modo, menos importante ou menos exigente do que o trabalho com presos adultos. A realidade, muitas vezes, é muito diferente. Os adolescentes ou jovens infratores, privados de liberdade, muitas vezes são mais explosivos e exigentes do que os presos adultos. Também existe uma maior possibilidade de eles responderem positivamente a um treinamento e incentivos. Uma das principais tarefas dos servidores que trabalham com pessoas presas de idade mais jovem é ajudá-las a crescer e amadurecer como adultos que levarão vidas em conformidade com a lei. Considerações de capacitação semelhantes também se aplicam a servidores que trabalham com mulheres presas, presos com distúrbios mentais e presos de segurança máxima.

A capacitação inicial, que os servidores prisionais recebem, deve ser apenas o começo de seu desenvolvimento profissional. As prisões são instituições dinâmicas, em constante mudança, e são influenciadas pelo conhecimento em constante expansão e por outras influências externas. Os servidores precisam ter oportunidades regulares de atualizarem seus conhecimentos e aprimorarem suas habilidades. Isso exigirá atividades de desenvolvimento profissional, no âmbito da administração prisional, bem como com outros órgãos da justiça penal e de bem-estar social. Esse desenvolvimento continuará ao longo de toda a carreira de um servidor prisional.

Na maior parte das prisões e na maioria das vezes, os presos responderão pacificamente a ordens legítimas. Eles não desejam estar na prisão, porém aceitam a realidade e se mantêm conforme instruídos. De tempos em tempos, indivíduos ou pequenos grupos podem agir de modo violento e precisarão ser controlados mediante o uso da força. Essa questão é tratada no Capítulo 6 deste manual. É importante que, desde o início de sua capacitação, todos os servidores sejam conscientizados das circunstâncias em que a força poderá ser usada contra os presos.

O primeiro princípio é que a força só pode ser usada quando absolutamente necessária e, nesses casos, somente na medida da necessidade. Isso significa que deve haver um conjunto claro de procedimentos que estabelece as circunstâncias em que a força poderá ser usada e a natureza dessa força. Uma decisão de usar qualquer tipo de força só deve ser tomada pelo funcionário mais graduado de plantão na prisão, no momento. Deve-se fazer um registro de todo e qualquer uso de força e a razão que o motivou.

Todos os servidores devem ser capacitados quanto aos meios legítimos de contenção física de presos violentos, atuando quer individualmente, quer em grupo, mediante o uso mínimo de força. Servidores selecionados devem ser capacitados em alto nível. O tipo de treinamento ou capacitação em controle e contenção usados pelos serviços prisionais do Reino Unido é um exemplo do uso mínimo de força.

Em alguns sistemas prisionais, vários servidores portam armas. É preciso ter especial atenção no sentido de certificar-se de que esses servidores prisionais sejam adequadamente treinados e possuam um claro entendimento das circunstâncias em que as armas de fogo poderão ser usadas. Não é prática recomendada que os servidores, que trabalham diretamente com os presos, portem armas. A idéia é assegurar que as armas de fogo nunca sejam usadas precipitadamente e que nunca caiam nas mãos dos presos.

Desenvolvimento e capacitação

contínua

Capacitação para trabalhar com

grupos de presos especiais

Treinamento quanto ao uso da

força

Procedimentos relativos ao uso de

força

Uso mínimo da força

Treinamento quanto ao uso de

armas de fogo

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Armas de fogo letais somente devem ser usadas quando diretamente necessárias para prevenir a perda de vida humana. Isso significa que, para serem usadas, é preciso haver uma ameaça imediata e claramente percebida à vida de uma pessoa. Por exemplo, não se deve usar arma letal simplesmente porque um preso está fugindo. O uso de arma letal somente é aceitável quando uma fuga representa uma ameaça imediata à vida de alguém.

Condições de emprego para servidores prisionais

Para que os princípios da boa administração prisional, conforme descritos neste manual, sejam, de fato, implementados, é indispensável contar com servidores bem motivados, altamente capacitados e comprometidos com o serviço de interesse público que desempenham. Este capítulo descreveu, com alguns detalhes, o que isso significa. No entanto, não basta recrutar pessoas competentes, incutir nelas um senso de profissionalismo e capacitá-las para atuar em alto nível. Se elas não tiverem níveis de remuneração e condições de emprego apropriadas, elas provavelmente não continuarão trabalhando no sistema prisional. Em vez disso, elas poderão se beneficiar da capacitação que receberam e poderão levar essas habilidades para outro emprego, que lhe ofereça melhores condições de trabalho. Na década de 1990, isso se tornou um verdadeiro problema para muitos sistemas prisionais em países da antiga União Soviética, que ainda oferecem um elevado nível de instrução para servidores recém-contratados, principalmente em níveis mais graduados, mas que, em seguida, não conseguem remunerá-los em nível suficiente para mantê-los no serviço por mais do que alguns poucos anos.

No mundo de hoje, o status de uma profissão se mede, em grande medida, pelo nível de remuneração que ela atrai. Os melhores profissionais provavelmente não serão atraídos para trabalhar em níveis de remuneração muito baixos. O trabalho prisional é um dos serviços públicos mais complexos. Isso deve ser reconhecido nos salários pagos aos servidores em todos os níveis. Existem vários grupos de comparação, que podem diferir de país para país. Em alguns casos, são outros órgãos da justiça penal, tais como a polícia. Em outros, poderão ser servidores públicos, tais como professores ou enfermeiros. Qualquer que seja o grupo usado para fins de comparação, os governos precisam reconhecer que os servidores do sistema prisional têm direito a uma remuneração adequada e compatível com seu trabalho difícil e, às vezes, perigoso. Uma consideração adicional em alguns países é que, se os servidores prisionais não forem remunerados adequadamente, eles poderão ficar receptivos à corrupção, direta ou indiretamente.

Em alguns países, as prisões situam-se em locais muitos isolados, distantes dos centros populacionais. Isso tem um efeito não só sobre os servidores, mas também sobre suas famílias; afeta as possibilidades de acesso a escolas, recursos médicos, lojas e outras atividades sociais. Além disso, é previsto que os servidores de muitas prisões sejam transferidos de uma prisao para outra, muitas vezes desenraizando seus familiares centenas ou mesmo milhares de quilometros. Nessas circunstâncias, outras condições de emprego, principalmente aquelas que afetam os familiares dos servidores, são tão importantes quanto os níveis de remuneração.

Em alguns casos, os servidores recebem moradia gratuita ou subsidiada, seja por causa da localização remota da prisão, seja pela dificuldade de se encontrar moradia localmente, ou ainda porque todos os servidores públicos recebem esse benefício. Por razões semelhantes, os servidores e suas famílias têm acesso gratuito aos recursos médicos da prisão. Nos últimos anos, em vários países, a responsabilidade pela administração do sistema prisional foi transferida dos Ministérios do Interior para os Ministérios da Justiça. O

Uso somente para impedir a perda de

vida humana

A necessidade de boas condições

Níveis de remuneração

Outras condições de emprego

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OS SERVIDORES PRISIONAIS E A ADMINISTRAÇÃO DE PRISÕES

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Conselho da Europa espera nova adesão de Estados da Europa Oriental para transferir a responsabilidade por suas administrações prisionais dos Ministérios do Interior para os Ministérios de Justiça. Em Outubro de 2002, o Departamento de Correções da Tailânida foi transferido para o Ministério da Justiça após 69 anos no Ministério do Interior.

Existem boas razões, em termos da responsabilização do sistema, pelas quais esse desdobramento é positivo. No entanto, o que precisa ser levado em conta, em decorrência disso, é que, como funcionários do Ministério do Interior, os servidores e suas famílias podiam ter acesso gratuito a serviços de saúde e educação, moradia gratuita e transporte gratuito ou subsidiado, além de férias. Em muitos casos, esses benefícios compensavam os baixos níveis de remuneração. Na transferência para o Ministério da Justiça, muitos desses benefícios foram perdidos e os servidores do sistema prisional tiveram muita dificuldade em sustentar suas famílias de forma decente. A solução para essas dificuldades é remunerar esses servidores com um salário razoável, de modo que eles não precisem depender de outros tipos de compensação. Isso muitas vezes é tarefa muito difícil em países onde existem escassos recursos públicos disponíveis.

É benéfico que os servidores do sistema prisional e suas famílias possam morar na comunidade local, em vez de em uma comunidade composta unicamente por outros servidores prisionais. Isso fará com que seja mais facil para eles desenvolverem outros interesses que não o seu trabalho e que possam conviver com pessoas de outros segmentos. Também permitirá que seus cônjuges ou companheiros e filhos desfrutem de uma vida normal fora do espaço limitado da prisão. Um estilo de vida mais amplo também é propício a que os servidores se tornem mais comprometidos, enquanto estiverem no trabalho.

O Capítulo 14 deste manual trata da necessidade de assegurar que não haja discriminação contra presos que pertencem a qualquer tipo de minoria. Conforme informado acima, os mesmos princípios se aplicam aos servidores. As servidoras devem ter paridade salarial e igualdade de outras condições de trabalho em comparação a seus colegas do sexo masculino. Elas também devem ter as mesmas oportunidades de promoção e de trabalhar em áreas que exijam habilidades especiais. Os mesmos princípios se aplicam a servidores provenientes de grupos minoritários, sejam eles minorias raciais, religiosas, culturais ou de preferência sexual.

Em alguns sistemas prisionais, os servidores precisam aceitar transferências para outras prisões. Quando isso acontece, é preciso considerar não só as necessidades dos servidores propriamente ditos, mas também as de suas famílias. Por exemplo, se os filhos de um funcionário estiverem passando por um período particularmente sensível em seu processo de escolarização, uma transferência poderá resultar em um efeito muito prejudicial para sua educação. Fatores como esse devem ser levados em conta. Exceto em raras situações de emergência, os servidores sempre devem ser consultados antes de se efetuar uma transferência e, sempre que possível, eles devem ser convidados a concordar com tais transferências. As transferências nunca devem ser usadas como ação disciplinar contra um servidor prisional.

A maioria dos sistemas prisionais são organizações disciplinadas. Isso, no entanto, não significa que os servidores devam ser tratados de modo indevido ou sem respeito por seu cargo. Na maioria dos países, os servidores têm direito de pertencer a sindicatos que negociam em seu nome com a administração acerca dos níveis de remuneração e das condições de emprego. Esse formato merece ser recomendado. Caso não haja um sindicato formalmente estabelecido, os servidores prisionais devem, pelo menos, contar com mecanismos de negociação reconhecidos. Os sindicatos e outros representantes dos servidores não devem ser penalizados por representarem seus colegas de trabalho.

É preferível morar na comunidade

Igualdade de tratamento

Transferências

Representação dos servidores

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PROIBIÇÃO TOTAL DA TORTURA

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4

O Contexto

Dignidade Humana

As pessoas detidas ou presas não deixam de ser seres humanos, independentemente da gravidade do crime pelo qual foram acusadas ou condenadas. O tribunal ou outro órgão judicial que tratou do caso decretou que elas devem ser privadas de sua liberdade, não que devem perder sua humanidade.

Os servidores prisionais nunca devem perder de vista o fato de que os presos são seres humanos. Eles devem resistir continuamente à tentação de considerar o preso meramente como um número, em vez de uma pessoa completa. Os servidores também não têm o direito de infligir punições adicionais às pessoas presas, tratando-as como seres humanos inferiores, que perderam o direito de serem respeitados, em razão daquilo que fizeram ou daquilo que são acusadas de terem feito. Os maus tratos às pessoas presas sempre são uma prática legalmente errada. Além disso, esse comportamento diminui a própria humanidade do servidor que age dessa forma. A necessidade de termos administrações prisionais e servidores que trabalham sempre dentro de um contexto ético foi abordada no Capítulo 2 do presente manual. Este capítulo e os subsequentes tratarão das consequências práticas desse princípio.

As pessoas detidas ou presas mantêm todos os seus direitos como seres humanos, à exceção daqueles que foram perdidos como consequência específica da privação da liberdade. A autoridade prisional e os servidores precisam ter um perfeito entendimento das implicações desse princípio. Certas questões são muito claras. Existe, por exemplo, uma proibição total contra a tortura e o tratamento cruel, desumano ou degradante imposto deliberadamente. É preciso haver o entendimento de que a proibição não se aplica unicamente a casos de abuso físico ou mental. Ela se aplica, igualmente, a todas as condições em que as pessoas presas são mantidas.

Tortura e maus-tratos nunca são permitidos

Os instrumentos internacionais de direitos humanos não deixam margem de dúvida ou incerteza com relação a atos de tortura e maus-tratos. Eles colocam claramente que inexistem, em absoluto, circunstâncias nas quais a tortura ou outro tratamento ou punição cruel, desumano ou degradante possa se justificar. A tortura é definida como qualquer ato pelo qual uma dor ou um sofrimento grave, quer físico ou mental, é deliberadamente imposto a uma pessoa, além da dor ou o sofrimento inerente à detenção ou prisão.

A proibição da tortura é particularmente importante em lugares nos quais estão detidas as pessoas sujeitas a um interrogatório ou investigação, uma vez que pode haver a tentação de usar a coerção a fim de se obter informações essenciais à resolução de um caso criminal. O exemplo mais óbvio disso é a

Proibição total da tortura

Os presos têm direito à proteção

de seus direitos humanos

O preso como pessoa

Proibição total da tortura

Nenhuma circunstância

justifica a tortura

Extrair confissões mediante tortura é

prática proibida

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PROIBIÇÃO TOTAL DA TORTURA

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situação em que um preso confessa ter cometido um crime em consequência direta dos maus-tratos sofridos durante a investigação. Esse é um argumento importante a favor da separação dos órgãos que investigam os crimes daqueles que detêm as pessoas acusadas de tê-los cometidos.

A natureza fechada e isolada das prisões pode oferecer oportunidade para que ações abusivas sejam cometidas impunemente, às vezes de modo organizado e, outras vezes, por ações isoladas de algum membro do grupo de servidores. Existe o perigo de que, em países ou instituições onde a função punitiva das prisões tem prioridade, ações que equivalem a tortura ou a maus-tratos – tais como o uso ilícito e rotineiro de força e espancamentos – possam ser consideradas como um comportamento ‘normal’ pelos servidores.

O que dizem os instrumentos internacionais

Declaração Universal de Direitos Humanos, Artigo 5:

Nenhuma pessoa será submetida à tortura ou à punição ou à tratamento cruel, desumano ou degradante.

Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, Artigo 1.1:

… o termo “tortura” significa qualquer ato pelo qual dor ou sofrimento grave, seja físico ou mental, é deliberadamente imposto a uma pessoa, a fim de se obter dela ou de um terceiro informações ou uma confissão, puní-la por um ato que ela ou um terceiro cometeu ou é suspeito de haver cometido, ou intimidar ou coagir a pessoa ou um terceiro, ou ainda por qualquer razão, com base em discriminação de qualquer natureza, quando dor ou sofrimento, é imposto por um funcionário público ou outra pessoa que esteja agindo em uma qualidade oficial, quer por sua instigação, quer com seu consentimento ou sua anuência. O termo não inclui dor ou sofrimento oriundo, inerente ou incidental a sanções lícitas.

Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, Artigo 2:

1 Cada Estado Membro adotará medidas legislativas, administrativas, judiciais ou de outra natureza que sejam eficazes para prevenir atos de tortura em qualquer território sob sua jurisdição.

2 Nenhuma circunstância excepcional, quer seja um estado de guerra ou uma ameaça de guerra, quer seja instabilidade política ou qualquer outra emergência pública, poderá ser invocada como justificativa para a tortura.

3 Uma ordem de um superior ou de uma autoridade pública não poderá ser invocada como justificativa para a tortura.

Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, Artigo 10:

Cada Estado Membro assegurará que a educação e a informação referentes à proibição contra a tortura sejam plenamente incluídas na capacitação de funcionários de execução da lei, civis ou militares, pessoal médico, servidores públicos e outras pessoas que possam estar envolvidas na custódia, no interrogatório ou no tratamento de qualquer pessoa sujeita a qualquer forma de prisão, detenção ou encarceramento.

Código de Conduta para Funcionários de Execução da Lei, Artigo 3:

Os funcionários de execução da lei poderão usar a força somente quando estritamente necessário e na medida necessária ao desempenho de sua atribuição.

Maus tratos nunca devem ser vistos

como normais

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PROIBIÇÃO TOTAL DA TORTURA

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Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sob Qualquer Forma de Detenção ou Prisão, Princípio 34:

Sempre que a morte ou o desaparecimento de uma pessoa detida ou presa ocorrer durante o cumprimento de sua pena ou durante seu período de prisão, será realizada uma investigação da causa da morte ou do desaparecimento, por uma autoridade judicial ou outra autoridade, quer seja por sua própria iniciativa, quer seja por solicitação de um familiar ou de qualquer outra pessoa que tenha conhecimento do caso.

Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, Artigo 5:

Nem a periculosidade do detido ou preso, nem a falta de segurança do estabelecimento prisional, podem justificar a tortura.

Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, Artigo 4:

Ninguém deverá ser submetido à tortura ou à punição ou à tratamento desumano ou degradante.

Colocando em prática

Todas as autoridades responsáveis pela administração prisional têm a obrigação de assegurar que todos os servidores e outras pessoas que trabalham em prisões estejam plenamente conscientes da proibição completa da tortura.

As autoridades devem assegurar que nenhum dos regulamentos operacionais da prisão possa ser interpretado pelos servidores prisionais como permissão para imporem tal tratamento a uma pessoa presa. Isso se aplica particularmente aos regulamentos relativos ao tratamento de presos difíceis ou obstrutivos e aqueles que são mantidos em unidades de segregação. Existem certos momentos-chave que definem a tônica de como os servidores devem lidar com os prisioneiros. O primeiro deles ocorre quando o preso é admitido na prisão. O tratamento que ele ou ela recebe nesse momento é uma indicação importante – para o preso recém-chegado e para os outros – daquilo que deverá se seguir. Quando chegam pela primeira vez a uma prisão, algumas pessoas se sentirão subjugadas e com medo. Outras poderão se comportar de modo truculento ou estarem sob a influência de entorpecentes ou álcool. É importante que os servidores tratem cada preso com dignidade e respeito quando de sua admissão na prisão. Outro conjunto de regulamentos importantes diz respeito ao tratamento dos presos que são violentos, que desobedecem regras da prisão ou que são difíceis de administrar. Esse tratamento pode ser firme e decisivo, ao mesmo tempo evitando qualquer sugestão de crueldade ou desumanidade.

As pessoas presas, especialmente mulheres, são vulneráveis ao abuso sexual. O abuso pode ser forçado ou decorrente de coerção ou troca de privilégios. Em alguns casos, o praticante poderá ser um servidor ou, mais usualmente, outro preso. Em alguns casos, pode acontecer que o abuso sexual cometido por prisioneiros seja tolerado pelos servidores como forma de punição ou controle. Em muitos países, a violação sexual no ambiente prisional tem se tornado uma preocupação generalizada e grave. Além do dano físico e psicológico que causa, a prática aumenta a propagação do HIV/AIDS e de outras doenças. As administrações prisionais têm a responsabilidade de assegurar que as pessoas presas estejam seguras e protegidas da ameaça de abuso sexual.

Os servidores devem ser

informados da proibição da tortura

Situações de risco para a ocorrência

de tortura

Abuso sexual

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PROIBIÇÃO TOTAL DA TORTURA

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“A Lei dos Estados Unidos, de 2003, para Eliminação do Abuso na Prisão exige “tolerância zero para a violência e o abuso sexual entre agressores, bem como entre servidores e infratores”. Sob a Lei, foi criada uma Comissão Nacional de Eliminação do Abuso na Prisão. A Comissão é encarregada de estudar as políticas governamentais federais, estaduais e locais e as práticas relacionadas com a prevenção, detecção, resposta e monitoramento do abuso sexual nas instituições correcionais e de detenção nos Estados Unidos. Consistente com a Lei, as recomendações da Comissão serão concebidas para fazer a prevenção do abuso uma prioridade em prisões, cadeias, centros juvenis e outras instalações de detenção americanas.9

Website da Comissão de Eliminação do Abuso na Prisão

Deve ficar claro para os servidores que o comportamento de um preso nunca pode ser usado como justificativa para o uso da tortura ou de maus-tratos. Quando a força tiver de ser usada, ela deve ser usada em conformidade com os procedimentos acordados e, nesses casos, somente na medida indispensável para conter a pessoa presa. Deve haver regulamentos específicos a respeito do uso de todos os métodos de força física, inclusive meios de contenção, tais como algemas, cintos corporais, correntes, bem como bastões e cassetetes. Os servidores não devem ter acesso irrestrito a algemas, cintos corporais e camisas-de-força. Em vez disso, essas peças devem ser mantidas em um local central da prisão e todo e qualquer uso deve ser autorizado antecipadamente por um funcionário graduado. Deve-se manter um registro completo de quaisquer situações em que esses acessórios ou equipamentos são liberados, bem como as circunstâncias em que eles são usados.

Em muitos países, determinados servidores prisionais recebem algum tipo de cassetete para uso individual. Deve haver instruções claras quanto às circunstâncias em que esses equipamentos poderão ser utilizados. As circunstâncias sempre deverão estar relacionadas à defesa pessoal e esses itens não devem ser usados como forma de punição. Cassetetes ou similares não devem ser portados abertamente na mão pelos servidores prisionais, enquanto desempenham suas atribuições diárias. Essas e outras questões afins são abordadas mais amplamente no Capítulo 7 deste manual, que trata de segurança e da boa ordem.

Existe uma variedade de técnicas de controle de presos violentos usando-se métodos de força mínima. Esses métodos reduzem a probabilidade de servidores e prisioneiros sofrerem lesões graves. Os servidores devem ser treinados nessas técnicas e o treinamento deve ser atualizado regularmente. Sempre que ocorrer um incidente violento ou sempre que um prisioneiro tiver de ser contido, um servidor mais graduado deve se fazer presente no local, o mais prontamente possível, e só deve de lá sair quando o incidente tiver terminado.

Deve haver um conjunto de procedimentos formais e abertos que possa ser usado pelos prisioneiros para expressar suas queixas, sem qualquer temor de recriminação, a uma autoridade independente, contra qualquer caso de tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante. O Capítulo 13 deste manual trata do direito das pessoas presas de apresentarem queixas.

Regulamentação do uso da força

Uso de bastões ou cassetetes

Uso mínimo de métodos de força

Queixas de tortura e de maus-tratos

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PROIBIÇÃO TOTAL DA TORTURA

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“A maioria dos Estados tem disposições penais aplicáveis aos casos de tortura ou práticas semelhantes. Se tais casos, no entanto, ocorrerem, segue-se ...que os Estados devem assegurar uma proteção eficaz através de algum mecanismo de controle. Reclamações sobre maus-tratos devem ser investigadas de forma eficaz, por parte das autoridades competentes. Os culpados devem ser responsabilizados e supostas vítimas devem possuir soluções eficazes à sua disposição, incluindo o direito a obter uma indenização.10

Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos das Nações Unidas, Compilação dos Comentários Gerais e das

Recomendações Gerais Adotados pelo Comitê de Direitos Humanos, 2004

Deve haver um sistema de acesso regular às prisões por parte de um juiz ou de outras pessoas independentes, a fim de se assegurar que não ocorra tortura ou outro tratamento cruel, desumano ou degradante. A necessidade de inspeção independente é abordada no Capítulo 15 deste manual.

Os detentos e presos são particularmente vulneráveis quando chegam pela primeira vez a uma detenção ou prisão. A legislação internacional reconhece que o direito das pessoas presas à vida e à ausência de tortura e de maus-tratos exige um contexto de proteção específico nesse momento. Vários instrumentos internacionais descrevem o direito da pessoa presa, no momento da admissão inicial, a um lugar de detenção que a proteja contra tortura, maus-tratos, desaparecimento, extermínio e suicídio e a obrigação dos servidores de proporcioná-lo.

Uma boa prática tem evoluído em países ao redor do mundo que demonstra como os servidores do sistema prisional podem realizar os procedimentos de admissão não só dentro da legalidade, mas também com sensibilidade para com o bem-estar e a dignidade essencial da pessoa detida. A partir dessa boa prática, é possível fazer uma série de recomendações universalmente aplicáveis e que podem ser adaptadas ao costume, às tradições culturais e ao nível socioeconômico local.

Esses direitos aplicam-se a todas as pessoas presas: em caráter temporário, preventivo, ou condenados. Importantes considerações adicionais aplicam-se a grupos de presos específicos, tais como aqueles que não foram condenados, presos estrangeiros, adolescentes em conflito com a lei, jovens e mulheres. Os oficiais consulares devem ter acesso aos presos de seus países.

Princípios de Prevenção e Investigação Efetiva de Execuções Extrajudiciais, Arbitrárias e Sumárias, Artigo 6:

Os governos assegurarão que todas as pessoas privadas de liberdade sejam mantidas em estabelecimentos de custódia e que informações precisas sobre sua custódia e seu paradeiro, inclusive transferências, sejam prontamente colocadas à disposição de seus familiares e de seu advogado ou de outras pessoas de confiança.

Declaração sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra Desaparecimento Forçado, Artigo 10:

Deverá ser mantido um registro oficial atualizado de todas as pessoas privadas de liberdade em todo estabelecimento ou lugar de detenção. Além disso, cada Estado deverá adotar medidas destinadas a manter registros centralizados semelhantes.

Acesso para observadores

independentes

Procedimentos de admissão que

evitem a tortura

Procedimentos de admissão

que respeitem a dignidade humana

Todas as pessoas presas têm esses

direitos

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PROIBIÇÃO TOTAL DA TORTURA

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Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 7:

(1) Em todos os locais em que houver pessoas presas, deverá ser mantido um livro de registros encadernado e com páginas numeradas no qual são lançadas as seguintes informações relativas a cada preso recebido:

(a) Informação referente a sua identidade; (b) As razões para sua prisão e a autoridade para tanto;(c) O dia e a hora de sua admissão e soltura;

(2) Nenhuma pessoa poderá ser recebida em uma instituição sem uma ordem de prisão válida, cujos dados específicos tenham sido previamente lançados no registro.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 35:

(1) Toda pessoa presa, quando de sua admissão em um estabelecimento penal, receberá informação por escrito sobre as regras que regem o tratamento de presos de sua categoria, os requisitos disciplinares da instituição, os métodos autorizados de solicitação de informação e apresentação de queixas, bem como todos os demais assuntos necessários para que ela entenda tanto seus direitos, quanto suas obrigações e se adapte à vida da instituição.

(2) Caso a pessoa presa seja analfabeta, as informações acima ser-lhe-ão transmitidas oralmente.

Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sob Qualquer Forma de Detenção ou Prisão, Princípio 13:

Qualquer pessoa, no momento de sua prisão e no início da detenção ou reclusão, ou logo em seguida, deverá receber, da autoridade responsável por sua prisão, detenção ou reclusão, respectivamente, informações sobre seus direitos e uma explicação de como se valer de tais direitos.

Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sob Qualquer Forma de Detenção ou Prisão, Princípio 16:

(1) Prontamente após a prisão e após cada transferência de um lugar de detenção ou prisão para outro, uma pessoa detida ou presa terá o direito de notificar ou requerer que a autoridade competente notifique seus familiares ou outras pessoas apropriadas de sua escolha, sobre sua detenção ou prisão ou sobre sua transferência e o lugar onde ela se encontra sob custódia.

(2) Caso a pessoa detida ou presa seja estrangeira, ela também será prontamente informada de seu direito de se comunicar, pelos meios apropriados, com um posto consular ou com a missão diplomática do Estado do qual ela é cidadã ou que de outro modo tem direito de receber tal comunicação em conformidade com o direito internacional, ou com o representante da organização internacional competente, caso se trate de uma pessoa foragida ou se ela, de outro modo, se encontrar sob a proteção de uma organização intergovernamental.

(3) Caso uma pessoa detida ou presa seja menor de idade ou incapaz de compreender seu direito, a autoridade competente, por sua própria iniciativa, efetuará a notificação a que se refere o presente princípio. Deverá ser dispensada atenção especial à notificação de pais ou responsáveis.

Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sob Qualquer Forma de Detenção ou Prisão, Princípio 18:

Uma pessoa detida ou presa terá o direito de se comunicar e de se consultar com seu assessor legal.

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PROIBIÇÃO TOTAL DA TORTURA

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Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sob Qualquer Forma de Detenção ou Prisão, Princípio 24:

Um exame médico apropriado será oferecido a uma pessoa detida ou presa tão prontamente quanto possível, após sua admissão em um estabelecimento de detenção ou prisão, e tal atendimento e tratamento médico será fornecido sempre que necessário. O atendimento e o tratamento serão prestados gratuitamente.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 24:

O profissional médico deverá ver e examinar cada pessoa presa tão logo quanto possível após sua admissão e posteriormente conforme necessário, com vistas, particularmente, à descoberta de doença física ou mental e à adoção de todas as medidas necessárias; à segregação dos presos suspeitos de doenças infecciosas ou contagiosas; à observação de deficiências físicas ou mentais que possam dificultar a reabilitação, bem como à determinação da capacidade física de cada pessoa presa para o trabalho.

Colocando em prática

Todas as pessoas presas devem ter o direito de serem mantidas somente em um lugar de detenção oficialmente reconhecido. A primeira tarefa das autoridades prisionais é assegurar que existe uma ordem válida para a detenção para cada pessoa levada ao estabelecimento prisional. Tal ordem deve ser emitida e assinada por uma autoridade judicial ou outro órgão competente.

As autoridades prisionais devem manter um registro oficial atualizado de todos os detentos, tanto no lugar de detenção quanto, se possível, em uma localidade central. O registro deve indicar a data e o horário de admissão e a autoridade que determinou a prisão. A informação contida em tais registros, chamados alguma vezes de “livro de entrada”, deve estar acessível aos tribunais e a outras autoridades competentes, bem como a qualquer outra pessoa que tenha um interesse legítimo pela informação.

Os dados de cada pessoa presa devem ser suficientes para identificá-la individualmente. Isso é necessário para assegurar que as pessoas só sejam mantidas presas se houver uma sanção legítima para sua detenção; que não sejam mantidas presas por mais tempo do que a lei permite, além de se precaver contra violações dos direitos humanos, tais como “desaparecimento”, tortura ou maus-tratos e extermínio. O registro deve ser encadernado e as entradas numeradas, de modo que não seja possível apagar ou acrescentar entradas fora da sequência.

No caso de uma pessoa ser detida sem uma sentença penal, a ordem legal escrita, que determinou a detenção deve especificar a data em que a pessoa comparecerá novamente perante uma autoridade legal.

Todas as pessoas recebidas em uma unidade prisional devem ter a oportunidade, tão logo quanto possível, de informar o seu paradeiro ao seu representante legal e aos seus familiares. Esse recurso deve ser proporcionado sempre que um preso for transferido para outra unidade prisional ou estabelecimento de detenção. Os direitos de pessoas presas que aguardam julgamento são tratados no Capítulo 16 deste manual. Deve-se dispensar especial atenção no sentido de se assegurar que jovens presos possam entrar em contato com suas famílias (consultar o Capítulo 17 deste manual). Também é preciso considerar, de modo particular, a situação de pessoas presas que têm responsabilidade por familiares idosos, jovens ou doentes. Muitas vezes, poderá ser esse o caso de mulheres presas.

Deve haver uma ordem judicial

válida

Os presos devem ser registrados

O registro deve ser encadernado

e ter entradas numeradas

Registro de presos provisórios

Informação à família e aos advogados

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A DIGNIDADE DA PESSOA

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O Contexto

As obrigações do Estado

Há certos requisitos físicos básicos que precisam ser atendidos para que o Estado cumpra sua obrigação de respeitar a dignidade humana do prisioneiro e seu dever de cuidar. Isso inclui fornecer condições adequadas de acomodação, higiene, vestuário, cama, alimentação, bebida e exercícios. Quando uma autoridade judicial envia alguém para uma prisão, as normas internacionais deixam claro que a pena imposta deve ser unicamente a privação da liberdade. A prisão não deve incluir o risco de maus-tratos, físicos ou emocionais, por parte dos servidores ou por parte de outros presos. Não deve incluir riscos de doença grave ou mesmo morte em razão das condições físicas ou da falta de cuidados adequados. Prisioneiros não devem ser submetidos a condições de vida desumanas e degradantes.

Em um nível mais pragmático, a escassez de recursos públicos pode muito bem ser mais uma razão para que o Estado assegure que a prisão seja usada somente para os criminosos mais perigosos e não seja usada como meio de retirar pessoas marginalizadas da sociedade.

A prisão pode implicar na permanência de muitas pessoas juntas em um ambiente muito restrito, com pouca ou nenhuma liberdade de movimento. Isso traz à tona certas preocupações específicas. Em primeiro lugar, pode haver um grave risco à saúde. Por exemplo, pessoas que sofrem de uma doença altamente contagiosa, tal como tuberculose, podem estar em estreita proximidade com outras e em condições de má ventilação a ponto de seus colegas presos serem expostos a alto risco de contraírem a doença. As pessoas privadas da oportunidade de se lavarem ou de lavarem suas roupas podem contrair doenças ou parasitas cutâneos e, por falta de roupa de cama ou camas, poderão passar sua doença para outros. Um preso em um clima frio, que não dispõe de roupas quentes, pode contrair pneumonia. Uma pessoa presa privada de exercício físico e de acesso à luz do sol e a ar fresco pode sofrer grave perda de tônus muscular e deficiência de vitaminas. Um preso privado de quantidades suficientes de alimentos e/ou líquidos, provavelmente, sofrerá graves danos à saúde.

Vida cotidiana

O que dizem os instrumentos internacionais

Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sob Qualquer Forma de Detenção ou Prisão, Princípio 6:

Nenhuma pessoa sujeita a qualquer forma de detenção ou prisão será submetida à tortura ou a tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.* Nenhuma circunstância, qualquer que seja, pode ser invocada como justificativa para a tortura ou outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.

A dignidade da pessoa

A pena é a privação de

liberdade

O uso de recursos escassos

Riscos à saúde

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A DIGNIDADE DA PESSOA

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* O termo “tratamento cruel, desumano ou degradante” deve ser interpretado de modo a estender a proteção mais ampla possível contra abusos, físicos ou mentais, incluindo a manutenção de uma pessoa detida ou presa em condições que a privam, temporariamente ou permanentemente, do uso de qualquer de seus sentidos naturais, tais como a visão ou a audição, ou de sua consciência do lugar e da passagem do tempo.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regras 9-21:

9. (1) Nos casos em que a acomodação para dormir for em celas ou quartos individuais, cada preso, à noite, deverá ocupar individualmente uma cela ou um quarto.

9. (2) Nos casos em que forem usados dormitórios, eles deverão ser ocupados por prisioneiros cuidadosamente selecionados como compatíveis para se associarem nessas condições. Deverá haver supervisão regular durante a noite, conforme a natureza das instituições.

10. Todas as acomodações fornecidas para uso dos prisioneiros e, particularmente, todas as acomodações para dormir, deverão atender a todos os requisitos de saúde, com a devida consideração das condições climáticas e, particularmente, cubagem de ar, área útil mínima, iluminação, aquecimento e ventilação.

11. Em todos os locais onde os prisioneiros tiverem de morar ou trabalhar,

(a) As janelas deverão ser suficientemente grandes para permitir que os prisioneiros leiam ou trabalhem à luz natural e deverão ser construídas de modo que lhes permita a entrada de ar fresco, independentemente de haver ventilação artificial. (b) A luz artificial disponível deverá ser suficiente para que os prisioneiros leiam ou trabalhem sem prejuízo à visão.

12. As instalações sanitárias deverão ser adequadas para permitir que cada prisioneiro atenda às suas necessidades naturais quando necessário e de modo limpo e decente.

13. Deverão ser proporcionadas instalações de banho adequadas, de modo que cada prisioneiro possa e tenha de tomar um banho, em temperatura adequada ao clima, com a frequência necessária à higiene geral, de acordo com a estação e a região geográfica, porém, pelo menos uma vez por semana em um clima temperado.

14. Todas as partes de uma instituição usadas regularmente pelos prisioneiros serão mantidas adequada e escrupulosamente limpas todo o tempo.

15. Os prisioneiros terão a obrigação de se manterem limpos e, para tanto, receberão água e artigos de higiene necessários à saúde e ao asseio.

16. Para que os prisioneiros possam manter uma boa aparência, compatível com seu auto-respeito, deverão ser proporcionados recursos para cuidados adequados de cabelo e barba, e os homens deverão poder barbear-se regularmente.

17. (1) Todo prisioneiro, que não tiver permissão para usar suas próprias roupas, deverá receber uma muda de roupas adequadas ao clima e apropriadas para mantê-lo em bom estado de saúde. Em hipótese alguma essas roupas poderão ser degradantes ou humilhantes.

17. (2) Todas as roupas deverão ser limpas e mantidas em condições adequadas. As peças de roupa íntima deverão ser trocadas e lavadas com a frequência necessária à manutenção da higiene.

17. (3) Em circunstâncias excepcionais, sempre que um prisioneiro for levado para fora da instituição para uma finalidade autorizada, ele terá permissão para usar suas próprias roupas ou outras roupas que não chamem a atenção.

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A DIGNIDADE DA PESSOA

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18. Caso os prisioneiros tenham permissão para usar suas próprias roupas, deverão ser tomadas providências quando de sua admissão na instituição, a fim de assegurar que elas sejam limpas e adequadas para uso.

19. Todos os prisioneiros, em conformidade com as normas locais ou nacionais, terão uma cama separada, roupas de cama suficientes, limpas quando entregues, e trocadas com frequência necessária para assegurar sua limpeza.

20. (1) Todos os prisioneiros receberão da administração, nos horários habituais, alimentos de valor nutritivo adequado à saúde e ao vigor, de qualidade e bem preparados e servidos.

20. (2) Água potável deverá estar disponível a todos os prisioneiros sempre que necessário.

21. (1) Todos os prisioneiros que não trabalham deverão ter, pelo menos, uma hora de exercício ao ar livre, se o clima assim permitir.

21. (2) Os prisioneiros jovens e outros de idade e físico adequados receberão treinamento físico e recreativo durante o período de exercícios. Para tanto, deverão ser proporcionados espaço, instalações e equipamentos.

Regras Prisionais Europeias, Regra 18.1:

A acomodação fornecida para os prisioneiros, e em especial toda acomodação noturna, deve respeitar a dignidade humana e, na medida do possível, a privacidade, e cumprir os requisitos de saúde e higiene, levando em consideração as condições climáticas, espaço físico, cubagem de ar, iluminação, aquecimento e ventilação.

Colocando em prática

O lugar de acomodação onde as pessoas presas vivem deve atender a certas normas básicas. As normas internacionais deixam claro que os presos devem dispor de espaço razoável no qual viver, com acesso a luz e ar suficientes para se manterem saudáveis.

Um dos principais problemas em muitas jurisdições é o nível de superpopulação. A situação muitas vezes é pior para detentos ou presos que aguardam julgamento. A superpopulação pode assumir diferentes formas. Em alguns casos pode significar que celas, que foram construídas para uma pessoa, sejam usadas para ocupação múltipla. Nas piores situações, a superpopulação pode significar que doze a quinze pessoas ocupam celas que, às vezes, sequer têm oito metros quadrados. Em outras circunstâncias, pode significar que até cem pessoas se comprimem em um cômodo maior.

A autoridade competente deverá determinar a capacidade máxima de cada unidade prisional, de acordo com os padrões internacionais acerca das condições de vida. Essas informações, assim como a taxa real de ocupação de cada instituição, deverá ser pública, acessível e atualizada regularmente.

A ocupação de uma instituição acima de sua capacidade máxima deve ser proibida por lei. Nos casos em que a superpopulação resulta em violações aos direitos humanos, deverão ser considerados como punição ou tratamento cruel, desumano ou degradante. A lei deve estabelecer os remédios jurídicos destinados a resolver imediatamente qualquer situação de superlotação. As autoridades judiciárias competentes deverão adotar medidas adequadas na ausência de uma regulamentação efetiva legal.

Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Princípios e Melhores Práticas para a Proteção de Pessoas Privadas de Liberdade nas

Américas, Princípio XVII, 2008

Espaço disponível

Superpopulação

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De um modo geral, os instrumentos internacionais não especificam uma área útil ou cúbica mínima para cada pessoa presa. Nos últimos anos, o Comitê para a Prevenção da Tortura e de Tratamentos ou Penas Desumanos ou Degradantes do Conselho da Europa tem trabalhado nesse sentido.

Uma consideração importante, quando se procura decidir quanto espaço cada presidiário deve ter disponível como acomodação, é o tempo que ele deverá passar nesse espaço em um período de vinte e quatro horas. Um espaço menor é menos prejudicial se for usado unicamente para dormir e se o preso passar tempo em outro espaço durante o dia, envolvido em outras atividades. A superpopulação é evidentemente pior quando as pessoas presas precisam passar quase todo o tempo nessas celas ou salas, saindo em grupo por um curto período de exercícios, ou individualmente, quando têm de ser entrevistadas ou quando recebem uma visita. É o que acontece em algumas jurisdições, principalmente em prisões que mantém, predominantemente, presos provisórios ou aqueles que estão cumprindo sentenças curtas.

Mesmo em prisões com altíssimo nível de superpopulação, é provável que haja espaços subutilizados. Embora as celas que mantêm os presos possam estar muito superpovoadas, provavelmente haverá cômodos adjacentes que são usados apenas raramente. Em algumas prisões, existem corredores longos e largos, que poderiam ser utilizados para permitir que grupos de presos saíssem das celas durante o dia para participarem de diferentes tipos de atividades. Nessas situações, muitas vezes é possível proporcionar várias atividades educacionais, oficinas de produção e de trabalho.

Uma justificativa para manter os presos trancados em suas celas é que, do contrário, não haveria servidores suficientes para supervisioná-los. Esse argumento precisa ser examinado mais detalhadamente do ponto de vista operacional. Em geral, haverá servidores suficientes para permitir que grupos de presos saiam em rodízio. Também é possível que alguns prisioneiros ajudem outros nas tarefas de educação, ensinando-os a ler e a escrever, ou em uma atividade artesanal, por exemplo.

As atitudes com relação à privacidade e à solidão variam de cultura para cultura. Na Europa Ocidental e na América do Norte, por exemplo, os prisioneiros geralmente preferem dormir em uma acomodação individual. Essa norma se reflete nas Regras Prisionais Europeias. Em outras culturas, ficar em um cômodo individual pode ser considerado uma forma de segregação ou punição e pode haver uma preferência para que os presos vivam em cômodos coletivos de tamanho proporcional. Se for este o caso, é possível que seja necessário desenvolver critérios apropriados para a alocação dos presos para cada cela ou cômodo coletivo, de modo que os mais fracos não sejam colocados à mercê dos mais fortes.

As normas internacionais atribuem ao Estado a obrigação de proporcionar vestuário que mantenha o preso aquecido ou bem arejado, conforme necessário para sua saúde, e proíbem que os prisioneiros sejam vestidos de modo degradante ou humilhante. Também atribuem ao Estado a obrigação de manter suas roupas em condições de limpeza e higiene ou proporcionar os meios para que os presos o façam.

Em muitos países, os presos são obrigados a usar o uniforme fornecido pela prisão. Essa prática normalmente é justificada com argumentos de segurança e igualdade. Exceto, talvez, no caso de alguns prisioneiros de alta periculosidade ou risco de fuga, não há qualquer razão evidente pela qual os uniformes devam ser a norma. Algumas jurisdições não dispõem de recursos suficientes para fornecerem um uniforme oficial aos presos e esperam que eles tenham suas próprias roupas. Em outros sistemas, prisioneiros que não representam risco de

Tempo que se passa na cela

Utilização de todo o espaço

disponível

Utilização de todos os recursos

disponíveis

Celas individuais ou coletivas

Roupas para os prisioneiros

Uniformes

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fuga têm permissão para usar suas próprias vestimentas. Em muitos países, as mulheres presas têm permissão para usar roupas civis. A oportunidade de usar roupas habituais do mundo externo, e que reforçam um senso de identidade individual, será valorizada pelos presos.

O uniforme prisional não dever ser parte de um contexto punitivo, nem deve ter por objetivo humilhar a pessoa que o usa. Por esta razão, as administrações prisionais descartaram a prática desnecessária de exigir que os prisioneiros usem uniformes com setas ou listras.

Cada preso deve ter acesso a instalações de lavanderia, de modo que todas as roupas, principalmente as usadas em contato com a pele, possam ser lavadas regularmente. Isso pode ser feito coletivamente ou pelo presidiário, individualmente. As necessidades especiais das mulheres presas precisam ser reconhecidas, conforme descrito no Capítulo 18 deste manual.

A natureza da cama e da roupa de cama poderá variar de acordo com a tradição local. Em muitos países, a norma é dormir em uma cama suspensa. Em outros, principalmente os de regiões mais quentes, o costume pode ser o de estirar roupas de cama ou colchões diretamente sobre o chão. Nesse sentido, os arranjos para os presos devem seguir a norma local. O aspecto essencial é que todos os prisioneiros devem ter sua própria cama ou colchão, roupa de cama limpa e seu próprio espaço para dormir.

Em vários países, os níveis de superpopulação carcerária são tais que os presos têm de se revezar para dormir, compartilhando espaços de dormir ou camas em um sistema de rodízio. Essa situação não é aceitável. Se a superpopulação carcerária chegar a esses níveis, a administração prisional deve assegurar que os órgãos do governo responsáveis por enviar as pessoas para a prisão, sejam conscientizados da situação nas prisões e das prováveis consequências de se enviar mais pessoas para elas.

Uma vez que o movimento das pessoas que se encontram presas é extremamente restrito, é importante que elas tenham acesso regular a instalações sanitárias. As pessoas presas devem ter acesso irrestrito a instalações sanitárias e a água limpa. Também devem haver instalações adequadas que permitam banhos regulares. Essas questões são particularmente importantes quando os presos são mantidos por longos períodos em condições de superpopulação. As instalações sanitárias existentes não devem humilhar os presos, obrigando-os, por exemplo, a tomar banho em público.

Em relação aos prisioneiros... Existem Lojas Cooperativas para a população prisional como um todo. A renda gerada por essas lojas é depositada na cooperativa de prisioneiros, gerida pelos próprios presos. Na prisão Addis Ababa, por exemplo, o comitê fornece, mensalmente, dois sabonetes para cada preso.11

Parecer do Relator Especial sobre Prisões e Detenções na África, Visita à Etiópia, 2004

Além de atender ao direito de todas as pessoas de se manterem limpas e de manterem seu auto-respeito, o acesso a instalações sanitárias apropriadas é indispensável nas prisões como meio de reduzir a possível propagação de doenças entre as pessoas presas e os servidores prisionais. As instalações sanitárias devem ser acessíveis, limpas e suficientemente privativas, de modo a assegurar a dignidade e o auto-respeito da pessoa presa.

Roupa de cama

Instalações sanitárias

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As necessidades especiais das mulheres presas, no que se refere aos itens de higiene, devem ser atendidas, de modo a respeitar a sua dignidade. As mulheres não têm que requerer tais necessidades aos servidores masculinos.

Uma das obrigações mais básicas das administrações prisionais é a de fornecer a todas as pessoas presas alimentos e bebidas suficientes, de modo a assegurar que elas não passem fome nem sofram de uma doença associada à subnutrição.

Em situações de escassez de alimentos, a administração deve explorar todas as possibilidades de utilizar a terra disponível dentro do perímetro das prisões, ou pertencente a elas, para o cultivo de alimentos, bem como as possibilidades de os presos realizarem esse trabalho.

Sobre autossuficiência na produção de alimentos, o Ministério deu passos positivos no sentido de atingir este objetivo. Os presos são envolvidos em diversas atividades voltadas a fazer o Ministério autossuficiente em algumas outras áreas. Divundu Open Prison Farm tem cerca de 260 hectares onde os presos estão produzindo hortaliças, milho, milheto e outros produtos.12

Website do Serviço Prisional da Namíbia

As refeições devem ser fornecidas em intervalos regularmente espaçados ao longo de cada período de 24 horas. Em muitos países, não é aceitável que a última refeição do dia seja servida no meio da tarde, sem que mais alimentos sejam fornecidos até a manhã seguinte. Também devem ser adotadas providências para que os prisioneiros façam suas refeições em circunstâncias apropriadas. Eles devem receber utensílios individuais e devem ter oportunidade de mantê-los limpos. Normalmente, eles não devem ter de se alimentar no mesmo cômodo em que dormem. Caso isso seja necessário, deve-se proporcionar um espaço especial para as refeições.

É indispensável que os prisioneiros tenham acesso regular a água potável limpa. Esse suprimento de água deve ser separado de qualquer outro abastecimento para necessidades sanitárias.

Muitas pessoas presas, particularmente as que aguardam julgamento, passam a maioria de seus dias em ambientes fechados, em condições de relativo confinamento, com acesso limitado à luz e ao ar fresco. Nessas circunstâncias, é indispensável, tanto para a saúde física quanto para a saúde mental, que elas tenham acesso a uma quantidade diária de tempo ao ar livre e tenham a oportunidade de caminhar ou fazer outros exercícios.

O tempo mínimo recomendado ao ar livre é de uma hora por dia. Durante esse período, os presos devem poder andar em espaços relativamente amplos e também, se possível, ver áreas de crescimento natural e vegetação. A prática, em alguns países, de colocar grandes números de presos em pátios murados pequenos – que na realidade são celas sem teto – durante uma hora por dia, não satisfaz a obrigação de proporcionar aos prisioneiros a oportunidade de se exercitarem ao ar livre.

O direito a exercício ao ar livre se aplica a todas as pessoas presas, inclusive aquelas que se encontram sob qualquer tipo de segregação ou punição.

Nos países onde o padrão de vida das pessoas em geral é muito baixo, algumas vezes argumenta-se que os prisioneiros não merecem ser mantidos em condições humanas e decentes. Se homens e mulheres que não estão na

Alimentos e bebidas

Exercício ao ar livre

O dever de cuidar

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prisão têm que lutar muito para sobreviver, se eles não têm comida suficiente para eles mesmos e suas crianças, por que alguém deveria se preocupar acerca das condições nas quais são mantidos aqueles que não cumpriram a lei? Esta é uma difícil questão a ser respondida, mas pode ser respondida. Colocado de forma simples, se o Estado toma para si o direito de privar alguém da liberdade, por qualquer razão que seja, pode também tomar para si a obrigação de ter a certeza de que a pessoa é tratada de forma decente e humana. O fato de que cidadãos não-encarcerados encontre dificuldade para viver decentemente não pode ser usado como justificativa pelo Estado para deixar de tratar decentemente aqueles que estão sob seus cuidados. Este princípio é crucial numa sociedade democrática, cujos órgãos do Estado têm de ser vistos como exemplos a respeito da maneira em que todos os cidadãos são tratados.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 26:

(1) O profissional médico regularmente inspecionará e informará o diretor sobre:

(a) A quantidade, a qualidade, a preparação e o serviço de alimentação; (b) A higiene e a limpeza da instituição e das pessoas presas; (c) As condições de saneamento, aquecimento, iluminação e ventilação da instituição; (d) A adequação e a limpeza das roupas das pessoas presas e suas roupas de cama; (e) A observância das regras relativas a educação física e esportes, nos casos em que não houver pessoal técnico encarregado dessas atividades.

Colocando em prática

O médico não é apenas responsável pela prestação de cuidados de saúde aos presos. Em seu papel mais importante, o médico assume a responsabilidade de supervisionar as implicações do ambiente prisional para a saúde e de garantir que as deficiências, que poderiam ser prejudiciais, sejam levadas ao conhecimento dos responsáveis.

Muitos outros aspectos do regime prisional podem contribuir para um clima que respeita a dignidade humana e são tratados em outros capítulos deste manual. Os procedimentos subsequentes à chegada do preso pela primeira vez na prisão podem ser particularmente importantes, porque muitas vezes é um momento em que o preso está especialmente temeroso e desorientado. Procedimentos de admissão também são tratados no capítulo 4, bem como alguns aspectos de admissão que são particularmente relevantes para a prevenção da tortura e dos maus-tratos.

Tão logo quanto possível, após a pessoa ser admitida na prisão deve ser-lhe oferecido um exame médico por um profissional adequadamente qualificado. Qualquer tratamento médico que se faça necessário deve ser oferecido. Todos esses serviços devem ser gratuitos.

O CPT tem repetidamente ressaltada a importância do exame médico admissional de prisioneiros, especialmente em estabelecimentos que constituem pontos de entrada para o sistema prisional. Essa triagem é indispensável, particularmente, no intuito de prevenir suicídios e propagação de doenças transmissíveis, e para assegurar o registro de lesões em tempo hábil. Triagem na admissão pode ser realizada tanto por um médico ou por um enfermeiro qualificado, que repassará as informações ao médico.13

Relatório do Comitê Europeu para a Prevenção da Tortura em visita à Dinamarca, 2008.

O papel do médico

A admissão é um momento de

vulnerabilidade

Um exame médico é indispensável

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A DIGNIDADE DA PESSOA

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Em algumas prisões, pode ser difícil providenciar para que um médico examine todos os presos imediatamente após a admissão. Pode não haver um médico residente ou pode ser que o volume de admissões seja tal que o médico não poderá realizar um exame clínico completo de todos, imediatamente, sobretudo se os presos chegarem à noite. Nessas situações, devem ser tomadas providências para que um profissional de enfermagem qualificado faça uma entrevista preliminar com todos os prisioneiros. O médico deve examinar somente aquelas pessoas que estão visivelmente mal ou aqueles presos encaminhados a ele pelo profissional de enfermagem. Nesse caso, o médico fará um exame médico completo de todos os presos no dia seguinte à admissão.

O direito dos presos de ter acesso a um serviço de saúde, as normas que regem a qualidade desse serviço e outras questões afins são tratadas no Capítulo 6 deste manual.

Dada a alta proporção de mulheres presas que sofrem abuso sexual, os servidores que trabalham na recepção de prisões para mulheres devem receber capacitação adicional, de modo a estarem cientes das questões sensíveis envolvidas.

Temos de encontrar melhores maneiras para... melhorar a experiência na prisão... Um exemplo é o regular, excessivo, repetitivo e desnecessário uso da revista íntima nas prisões femininas, o que é humilhante, degradante e indigno, e uma invasão chocante da privacidade. Para as mulheres que sofreram abuso no passado, particularmente o abuso sexual, é uma introdução terrível à vida prisional e um lembrete desagradável de vitimização anterior.14

Ministério do Interior, Relatório Corston, 2007

É de praxe que, quando da admissão à prisão, todas as pessoas presas passem por uma revista corporal completa. Tais revistas devem ser conduzidas por pessoas do mesmo sexo e em conformidade com a dignidade da pessoa que está sendo revistada. A questão das revistas é tratada mais extensamente no Capítulo 7 deste manual.

No que se refere a revistas pessoais e corporais, medidas efetivas devem assegurar que tais procedimentos sejam feitos de modo compatível com a dignidade da pessoa que está sendo revistada. As pessoas sujeitas à revista corporal por funcionários do Estado, ou por pessoal médico atuando a pedido do Estado, somente devem ser examinadas por pessoas do mesmo sexo.15

Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, O Direito ao Respeito da Privacidade, da Família, da Casa e da Correspondência, e à Proteção

da Honra e da Reputação (Artigo 17), Comentário Geral, 2001

A vida na prisão deve começar e prosseguir dentro de um contexto de justiça e equidade, de modo a minimizar os sentimentos de impotência dos presos e a deixar explícito que eles continuam sendo cidadãos que têm direitos e obrigações. Isso, provavelmente, será particularmente importante para aqueles que chegam a uma prisão pela primeira vez. Tão logo quanto possível, após o momento de admissão, devem ser tomadas providências a fim de assegurar que todas as pessoas presas sejam conscientizadas dos regulamentos da prisão, do que se espera delas e do que elas podem esperar dos servidores. Se possível, elas devem receber uma cópia dos regulamentos da prisão para uso pessoal.

Revista corporal

O papel de um profissional de

enfermagem

As mulheres precisam de

proteção especial

Informações às pessoas presas

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A DIGNIDADE DA PESSOA

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É preciso tomar providências no sentido de assegurar que as pessoas presas que não falam o idioma local, que são analfabetas ou portadoras de deficiências possam, ainda sim, receber e compreender essa importante informação. É possível viabilizar isso de várias formas: pedindo a alguém que leia e lhes explique as regras, certificando-se de que há alguém disponível que fala o idioma da pessoa presa ou detida ou, como em alguns países, através de vídeos. É particularmente importante que as pessoas presas sejam conscientizadas de seu direito de fazer um pedido ou uma queixa, conforme explicado no Capítulo 9 deste manual.

O modo como os servidores da área de admissão da prisão desempenham seu trabalho pode variar de acordo com o número de presos admitidos ou liberados em um determinado dia. Em prisões para pessoas que cumprem penas longas, somente uns poucos prisioneiros serão admitidos ou soltos em um mês. Nesse caso, os servidores não estarão sob grande pressão e poderão dedicar um tempo razoável a cada preso. Em prisões urbanas grandes, que lidam basicamente com detentos temporários ou pessoas presas que aguardam sentença ou, ainda, que estão cumprindo penas curtas, poderá haver dezenas ou até centenas de presos que passam pela área de admissão a cada dia, muitas vezes em poucas horas. Nessa situação, os servidores precisam do apoio e da supervisão da administração.

A área de admissão pode ser muito intimidadora para os recém-chegados. Os servidores que recebem os presos novos precisam ser especialmente capacitados para saberem como exercer o difícil equilíbrio entre um controle firme, que deixa claro aos presos que a prisão é um local bem organizado, e uma compreensão do estresse que o preso provavelmente estará sentindo ao se mudar para esse mundo novo e estranho. Nem todos os servidores têm o perfil adequado para esse tipo de trabalho. Os servidores que trabalham na área de admissão devem ser especialmente selecionados e devem receber capacitação específica que os habilite a desempenhar seu trabalho com sensibilidade e confiança.

Providências para quem não sabe ler

Lidando com um grande número de

novos presos

Capacitação para servidores da área

de admissão

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PRISIONEIROS E OS CUIDADOS À SAÚDE

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O Contexto

Aqueles que estão presos mantêm seu direito fundamental de gozar de boa saúde, tanto física quanto mental, bem como o direito a um padrão de atendimento médico que seja pelo menos equivalente ao prestado à comunidade em geral. O Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Artigo 12) estabelece:

O direito de toda pessoa de desfrutar do mais elevado padrão de saúde física e mental possível.

Além desses direitos fundamentais de todas as pessoas humanas, as pessoas presas têm garantias adicionais em decorrência de sua condição. Quando um Estado priva as pessoas de sua liberdade, ele assume a responsabilidade de cuidar de sua saúde, tanto em termos das condições nas quais as detém, quanto em termos do tratamento individual que pode ser necessário, em decorrência dessas condições.

Boa saúde é importante para todos. Esse aspecto afeta o modo como as pessoas se comportam e sua capacidade de agirem como membros da comunidade, tendo uma relevância particular na comunidade fechada de uma prisão. Por sua natureza, o encarceramento pode ter um efeito prejudicial ao bem-estar, tanto físico quanto mental, das pessoas presas. As administrações prisionais têm, portanto, a responsabilidade não simplesmente de proporcionar atendimento médico, mas também de estabelecer condições que promovam o bem-estar, tanto dos presos, quanto dos servidores. Os prisioneiros não devem sair da prisão em uma condição pior do que quando entraram. Isso vale para todos e se aplica a todos os aspectos da vida prisional, mas, especialmente, ao cuidado à saúde.

Muitas vezes os presos chegam à prisão com problemas de saúde pré-existentes, que podem ter sido causados por negligência, maus-tratos ou pelo estilo de vida pregresso. Os presos, muitas vezes, provêm dos segmentos mais pobres da sociedade e seus problemas de saúde refletirão esse fato. Eles trarão consigo doenças não tratadas, vícios, bem como problemas de saúde mental. Esses presos precisarão de apoio específico, da mesma forma que muitos outros, cuja saúde mental pode ser significativa ou adversamente afetada pelo fato de estarem presos.

Prisões superlotadas com presos infectados e com más condições de higiene e de saneamento são uma ameaça dominante no que se refere às doenças que podem ser transmitidas na região. A saúde da população prisional deve ser uma prioridade.

Declaração dos Chefes de Governo durante a 4ª Reunião de Cúpula dos Estados Bálticos Oceânicos sobre a ameaça de doenças

transmissíveis, emitida em São Petersburgo, em 10 de junho de 2002.

Prisioneiros e os cuidados à saúde

O direito à boa saúde

Prisioneiros têm garantias

adicionais

Minimização dos riscos

Os presos trazem consigo

problemas de saúde

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PRISIONEIROS E OS CUIDADOS À SAÚDE

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Em muitos países, uma grande porcentagem das pessoas presas está infectada com doenças transmissíveis, tais como tuberculose, hepatite e HIV/AIDS. As administrações prisionais têm responsabilidade para com aqueles que entram nas prisões – particularmente os presos, mas também servidores e visitantes – no sentido de assegurar que eles não sejam expostos a riscos de infecções. Uma má gestão dessas condições significará que elas se tornarão problemas de saúde comunitária, em decorrência do contato entre a prisão e a coletividade como um todo, por meio de servidores e visitantes e em decorrência da eventual liberação das pessoas presas.

Em algumas jurisdições, a crescente adoção de penas longas ou de prazo indeterminado está levando a um aumento dos problemas médicos relacionados à idade, na população carcerária. Alguns sistemas prisionais enfrentam a tarefa de lidar com presos que estão fisicamente doentes ou que sofrem de demência. Esse fato gerará demandas adicionais sobre as administrações para garantir que eles planejem prestação de cuidados adequados. As questões gerais relativas a presos idosos são tratadas no Capítulo 19 deste manual.

Vários países têm muita dificuldade de prestar serviços de saúde de padrão elevado à população como um todo. Mesmo nessas circunstâncias, as pessoas presas têm direito aos melhores serviços de saúde possíveis e de forma gratuita. O Comitê Europeu para a Prevenção da Tortura (CPT) afirmou que, mesmo em tempos de grave dificuldade econômica, nada pode isentar o Estado de sua responsabilidade de atender às necessidades vitais daqueles que se encontram privados de liberdade. A CPT também deixou claro que entre as necessidades vitais incluem-se suprimentos médicos suficientes e apropriados.16

O direito ao cuidado à saúde

As pessoas presas, qualquer que seja a natureza de sua transgressão, mantêm todos os direitos fundamentais a que têm direito todas as pessoas humanas, inclusive o direito de gozar dos mais elevados padrões de saúde física e mental possíveis. Instrumentos internacionais específicos definem mais claramente o que isto significa em termos de prestação de serviço à saúde por parte das administrações prisionais.

Princípios Básicos para o Tratamento de Pessoas Presas, Princípio 9:

As pessoas presas deverão ter acesso aos serviços de saúde disponíveis no país sem discriminação em razão de sua situação legal.

Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sob Qualquer Forma de Detenção ou Prisão, Princípio 24:

Um exame médico apropriado será oferecido a uma pessoa detida ou presa, tão prontamente quanto possível, após sua admissão no lugar de detenção ou prisão, e, daí em diante, o atendimento e o tratamento médico serão prestados sempre que necessário. O atendimento e o tratamento serão prestados gratuitamente.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 10:

Toda a acomodação fornecida para o uso de presos, e em particular, todo alojamento, deverá atender aos requisitos de saúde, tendo em devida conta as condições climáticas e, especialmente, o volume cúbico de ar, o espaço mínimo, a iluminação, o aquecimento e a ventilação.

Doenças transmissíveis

prevalentes

Presos idosos

Uma obrigação mesmo em tempos de dificuldade econômica

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PRISIONEIROS E OS CUIDADOS À SAÚDE

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Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 22:

(1)Em todas as instituições deverão estar disponíveis os serviços de, pelo menos, um profissional médico qualificado, que deve ter algum conhecimento de psiquiatria. Os serviços médicos devem ser organizados em estreita articulação com a administração geral dos serviços de saúde da comunidade ou do país. Os serviços médicos deverão incluir um serviço psiquiátrico para diagnóstico e, nos casos apropriados, tratamento de quadros de anormalidade mental.

(2) Os presos doentes que necessitarem de tratamento especializado serão transferidos para instituições especializadas ou para hospitais civis. Nos casos em que forem fornecidos recursos hospitalares em uma instituição, seus equipamentos, acessórios e suprimentos farmacêuticos deverão ser apropriados para o atendimento e o tratamento médico dos presos doentes, e deverá haver um quadro de profissionais adequadamente capacitados.

(3) Os serviços de um profissional de odontologia qualificado deverão estar disponíveis a todas as pessoas presas.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 25:

(1) O profissional médico deverá cuidar da saúde física e mental das pessoas presas e, diariamente, deverá ver todos os presos doentes, todos aqueles que se queixam de doença, bem como qualquer pessoa presa para a qual sua atenção for particularmente atraída.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 62:

Os serviços médicos da instituição procurarão identificar e deverão tratar quaisquer doenças ou deficiências físicas ou mentais que possam dificultar a reabilitação de uma pessoa presa. Para tanto, deverão ser prestados todos os serviços médicos, cirúrgicos e psiquiátricos necessários.

Princípios de Ética Médica da ONU relevantes para o Papel de Profissionais de Saúde, particularmente Médicos, na Proteção de Presos e Detentos contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Desumanas ou Degradantes, Regra 1:

Os profissionais de saúde, particularmente os médicos, encarregados do atendimento médico a presos e detentos, têm o dever de proporcionar-lhes proteção de sua saúde física e mental e tratamento de doença do mesmo nível de qualidade e nos mesmos padrões proporcionados às pessoas que não se encontram presas ou detidas.

Colocando em prática

Sempre que possível, as pessoas presas devem ter pleno acesso aos recursos médicos que estão disponíveis ao público em geral. Na maioria das jurisdições, esse acesso é limitado ao atendimento especializado, enquanto o atendimento médico geral é prestado dentro da unidade prisional individual ou em instalações médico-prisionais específicas. Qualquer tratamento médico ou serviço de enfermaria prestado pela administração prisional dever ser, pelo menos, compatível com aquele disponível na comunidade externa.

Em cada unidade prisional, a administração deve oferecer, no mínimo:

triagem médica inicial quando da admissão na prisão; consultas ambulatoriais regulares; tratamento de emergência; instalações adequadamente equipadas para consultas e

tratamento dos presos; suprimento adequado de medicamentos apropriados

administrados por farmacêuticos qualificados; instalações para fisioterapia e reabilitação pós-terapêutica; quaisquer dietas especiais que possam ser identificadas como

necessidade médica.

Deve ser prestado atendimento

compatível

Atendimento médico geral

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PRISIONEIROS E OS CUIDADOS À SAÚDE

64

As administrações prisionais deverão assegurar que o acesso ao serviço médico geral esteja disponível a qualquer tempo e sem demora em casos de urgência.

Quatro prisioneiros portadores do HIV moveram uma ação judicial junto ao Supremo Tribunal da África do Sul, em 1997, porque argumentavam que eles e outros prisioneiros portadores do HIV não receberam atendimento médico apropriado para sua doença, inclusive medicamento especial como AZT.

Eles argumentaram que deveriam ter recebido tal tratamento gratuitamente. O Departamento de Serviços Penitenciários argumentou que não havia dinheiro disponível para prestar um nível de atendimento tão elevado. O juiz decidiu a favor dos prisioneiros e disse que eles deveriam receber o tratamento médico adequado à custa do Estado.17

Van Biljon v. Ministro dos Serviços Correcionais, 1997

Em todos os aspectos do atendimento médico, as autoridades prisionais devem procurar estabelecer e manter estreitos vínculos com os prestadores de serviço de saúde fora da prisão. Isso não só propiciará uma continuidade do tratamento, mas também permitirá que presos e servidores se beneficiem de desenvolvimentos mais amplos de tratamentos, padrões profissionais e capacitação.

Delegados no Encontro Internacional sobre Prisões e Saúde em Moscou, em 23 e 24 de outubro de 2003, representando os responsáveis pelas prisões e serviços públicos de saúde, em toda a Europa, chamam a atençao de todos os países da Europa para a necessidade essencial de uma estreita ligação ou integração entre serviços públicos de saúde e os serviços de saúde prisional.18

Declaração de Moscou, Organização Mundial da Saúde, 2003

Um importante princípio do atendimento à saúde no contexto prisional é que todo atendimento e tratamento médico necessário deve ser prestado gratuitamente. Esse princípio pode exigir atenção especial nas jurisdições em que a prestação gratuita do serviço médico na sociedade civil é limitada. Também pode ser um problema em que há números crescentes de presos cumprindo penas longas e que necessitam de tratamentos caros para doenças complexas ou terminais. As administrações prisionais precisarão assegurar que sejam adotadas providências adequadas com base nas necessidades dos presos e de modo a assegurar que o tratamento devido não seja limitado em razão de ser considerado caro demais simplesmente porque o paciente é um prisioneiro.

A questão da triagem inicial, quando da admissão na prisão, foi tratada no Capítulo 5 desse manual. Há diversas razões importantes pelas quais as pessoas presas devem passar por um exame médico quando chegam à prisão:

o exame permite aos profissionais médicos identificar condições pré- existentes e assegurar que seja prestado tratamento apropriado;

permite que seja prestado apoio adequado àqueles que podem estar sofrendo os efeitos da retirada de drogas;

ajudará a identificar quaisquer lesões sofridas durante a detenção inicial;

permitirá que servidores capacitados avaliem o estado mental do preso e ofereçam apoio adequado àqueles que possam ser vulneráveis à autolesão.

Vínculos com o serviço de saúde

pública

O atendimento à saúde deve ser

gratuito

Triagem inicial

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PRISIONEIROS E OS CUIDADOS À SAÚDE

65

Nem sempre é possível assegurar que um profissional médico possa realizar o exame de todos os presos ou detentos, assim que eles são admitidos na prisão. As administrações devem assegurar que cada pessoa presa seja, pelo menos, examinada por uma enfermeira com capacitação adequada, que possa relatar quaisquer preocupações ao profissional médico.

Como parte do procedimento de admissão, as pessoas presas devem receber informações claras sobre as providências relativas ao serviço de saúde na prisão e sobre o meio de se obter uma consulta médica.

Além desses recursos de atendimento médico, odontológico e psiquiátrico geral, a administração prisional também deve assegurar que tenha disponibilidade de recursos adequados para a prestação de consultas especializadas e atendimento de internação. Isso exigirá uma estreita articulação entre a unidade prisional e os serviços médicos prestados na sociedade civil, uma vez que é improvável que os serviços prisionais de atendimento à saúde – por si só – consigam atender toda a gama de especialidades. Ao planejar o atendimento especializado, será necessário dispensar atenção especial às necessidades de grupos vulneráveis, principalmente mulheres e idosos.

O acesso a recursos especializados muitas vezes poderá exigir a transferência do preso para outra localidade. As administrações prisionais precisarão assegurar que as providências relativas ao acompanhamento de presos sejam adequadas e não causem atrasos no tratamento nem aumentem a ansiedade do preso. As condições nas quais as pessoas presas são transportadas devem ser adequadas ao seu estado clínico.

De tempos em tempos, alguns presos terão problemas de saúde que precisarão ser tratados em um hospital. Há diversas formas de se prestar esse serviço. Muitas administrações prisionais criaram hospitais próprios, capazes de lidar com casos menos agudos que exigem tratamento em contexto de internação. Em outros casos, os problemas de segurança foram resolvidos com a criação de unidades prisionais especiais dentro de hospitais civis. Frequentemente, todavia, os presos podem receber tratamento hospitalar nas instalações normais de um hospital civil. Nesses casos, será necessário dispensar atenção especial às providências de segurança necessárias, principalmente no caso de mulheres em trabalho de parto e de pessoas que sofrem de uma doença terminal.

... De vez em quando, o CPT encontra exemplos de mulheres grávidas sendo algemadas ou presas às camas ou outros itens de mobiliário durante exames ginecológicos e/ou partos. Tal abordagem é totalmente inaceitável, e certamente poderia ser qualificado como tratamento desumano e degradante. Outros meios de atender às necessidades de segurança podem e devem ser encontrados.19

Comitê Europeu para a Prevenção da Tortura, Relatório Geral 10, 1999

Um ambiente saudável O que dizem os instrumentos internacionais

Além de atender às necessidades dos presos doentes, as administrações prisionais também são responsáveis por assegurar que as condições da prisão não prejudiquem seu bem-estar físico e mental.

Recursos especializados

Quando os presos precisam de atendimento

hospitalar

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PRISIONEIROS E OS CUIDADOS À SAÚDE

66

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 10:

Toda a acomodação fornecida para o uso de presos, e, em particular, todo alojamento, deverá atender aos requisitos de saúde, tendo em devida conta as condições climáticas e, especialmente, o volume cúbico de ar, o espaço mínimo, a iluminação, o aquecimento e a ventilação.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 12:

As instalações sanitárias deverão ser adequadas para permitir que cada preso satisfaça as necessidades naturais quando necessário e de modo limpo e digno.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 13:

Instalações de banho adequadas deverão ser proporcionadas de modo que cada pessoa presa possa e tenha de tomar um banho, a uma temperatura adequada ao clima, com a frequência necessária à higiene geral, de acordo com a estação do ano e a região geográfica, mas, pelo menos, uma vez por semana em um clima temperado.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 26:

(1) O profissional médico regularmente inspecionará e informará o diretor sobre:

(a) A quantidade, a qualidade, a preparação e o serviço de alimentação;

(b) A higiene e a limpeza da instituição e das pessoas presas;

(c) As condições de saneamento, aquecimento, iluminação e ventilação da instituição;

(d) A adequação e a limpeza das roupas das pessoas presas e suas roupas de cama;

(e) A observância das regras relativas à educação física e esportes, nos casos em que não houver pessoal técnico encarregado dessas atividades.

Colocando em prática

Existe uma obrigação absoluta por parte do Estado de preservar e, se necessário, restaurar a saúde das pessoas pelas quais ele assume responsabilidade ao privá-las de liberdade. As condições em que as pessoas presas são mantidas terão um grande impacto sobre sua saúde e seu bem-estar. A fim de cumprir suas responsabilidades, as administrações prisionais devem, portanto, assegurar padrões apropriados em todas as áreas que podem afetar a saúde e a higiene dos presos. As condições físicas das acomodações, os alimentos e as condições de higiene e saneamento, como um todo, devem ser concebidas de modo a ajudar as pessoas que não se encontram bem de saúde a se recuperarem e prevenir a propagação de infecções.

Muitas jurisdições enfrentam problemas enormes, como, por exemplo, a superpopulação, e a acentuada escassez de recursos que impõem grandes obstáculos à criação de condições prisionais saudáveis. O espaço disponível para cada preso e o acesso à luz natural e ao ar fresco terão um impacto significativo sobre a propagação de doenças contagiosas, bem como sobre o estado mental dos presos.

O impacto do ambiente prisional

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PRISIONEIROS E OS CUIDADOS À SAÚDE

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“Melhores condições materiais foram observados no nível 3, que havia sido instalado como uma área de detenção, em 2004, e estava em bom estado de conservação; as celas, naquele nível, tinham grandes janelas não obstruídas por quaisquer dispositivos, exceto por barras razoavelmente espaçadas, e os acessos a luz natural, a iluminação artificial e a ventilação eram satisfatórios. Em contraste, as celas nos níveis 1 e 2 tinham pequenas janelas cobertas por densa rede de arame que mal permitia entrar alguma luz natural e ar fresco. Além disso, a iluminação artificial era fraca, e as celas estavam degradadas e não muito limpas.

... O CPT recomenda que sejam tomadas medidas na prisão de n º 7, em Tbilisi para: reformar as celas nos níveis 1 e 2, a fim de deixá-las, pelo menos, com o padrão daquelas do nível 3 (especialmente em matéria de acesso à luz natural, ar fresco e luz artificial).20

Relatório do Comité Europeu para a Prevenção da Tortura em uma visita à Geórgia, em 2007

As doenças transmissíveis tornaram-se um grande problema para muitas administrações prisionais. Em alguns países do Leste Europeu e do Centro da Ásia, a incidência da tuberculose alcançou proporções epidêmicas na década dos anos 1990, exigindo medidas excepcionais. Infecções pelo HIV/AIDS e Hepatite B e C se propagam agora nas prisões em muitas partes do mundo. Várias administrações têm lidado com esses problemas por meio de programas de triagem inicial e tratamento, muitas vezes em conjunto com órgãos internacionais e ONGs.

Prisões no Quirguistão são um terreno fértil para uma doença pulmonar mortal e altamente infecciosa, a tuberculose. A probabilidade de sofrer de tuberculose nas prisões é 30 vezes maior do que na população em geral. Mais preocupante é o crescimento em variedades conhecidas como MDR - tuberculose multirresistente... O CICV tem trabalhado com as autoridades para estabelecer um programa abrangente para quem sofre de MDR nas prisões. Uma vez identificados, eles são transferidos para um hospital especial do sistema prisional, que foi renovado e equipado com um laboratório e consultórios.21

Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Combate à Tuberculose Multirresistente nas Prisões do Quirguistão, 2008

Naquelas jurisdições que têm uma alta incidência de doenças transmissíveis, as administrações prisionais devem estabelecer um programa de educação para os servidores acerca da transmissão de doenças e formas de proteção, de modo a permitir que eles desempenhem seu trabalho normalmente. Em alguns países, é praxe os servidores serem vacinados gratuitamente contra hepatite.

As condições de encarceramento terão um sério impacto sobre o bem-estar mental das pessoas presas. As administrações prisionais devem procurar reduzir o alcance desse impacto e também devem estabelecer procedimentos destinados a monitorar seus efeitos sobre os presos, individualmente. Medidas devem ser tomadas destinadas à identificação daqueles presos que poderão estar em risco de automutilação ou suicídio. Os servidores devem ser adequadamente capacitados para reconhecerem os sinais indicativos de uma potencial automutilação.

Doenças transmissíveis

Educação dos servidores sobre

transmissão de doenças

Distúrbios mentais

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PRISIONEIROS E OS CUIDADOS À SAÚDE

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Nos casos em que as pessoas presas forem diagnosticadas como mentalmente doentes, elas não devem ser mantidas na prisão, mas transferidas para uma unidade de tratamento psiquiátrico adequadamente equipada.

Joselito Renolde morreu em 20 de Julho de 2000, depois de se enforcar em sua cela, na Prisão Bois-d’Arcy, na França, onde ele estava em prisão provisória. À luz da obrigação do Estado de tomar medidas preventivas operacionais para proteger um indivíduo, cuja vida está em risco, seria esperado que as autoridades, diante da ciência de que o prisioneiro sofria de transtorno mental e se colocava em risco de suicídio, tomassem medidas especiais voltadas para a sua condição, a fim de garantir a sua compatibilidade com a detenção continuada.22

Julgamento do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos do caso de Renolde contra o Estado Francês, 2008

Os instrumentos internacionais atribuem uma obrigação especial aos profissionais médicos do serviço prisional de utilizarem sua competência profissional para inspecionar e relatar todas as condições que possam afetar a saúde e a higiene das pessoas presas. Os funcionários do serviço de saúde desempenham um papel importante no estabelecimento do conceito de que o cuidado à saúde envolve não só o tratamento, mas também todos os aspectos da criação de um ambiente saudável, o que exige a cooperação de todos na prisão. Essa tarefa será particularmente desafiadora nos casos em que os recursos forem limitados.

Tratamento individualizado

O que dizem os instrumentos internacionais

Cada indivíduo preso tem direito a acesso regular e confidencial a níveis adequados de consulta médica que sejam pelo menos equivalentes aos disponíveis na sociedade civil. Quaisquer decisões e tratamentos médicos devem ser fundamentados nas necessidades de cada preso e não nas necessidades da administração.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 25:

(1) O profissional médico deverá cuidar da saúde física e mental dos prisioneiros e, diariamente, deverá examinar todos os presos doentes, todos os que se queixam de doença e qualquer pessoa presa para a qual sua atenção seja particularmente atraída.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 62:

Os serviços médicos da instituição procurarão identificar e deverão tratar quaisquer doenças ou deficiências físicas ou mentais que possam dificultar a reabilitação de uma pessoa presa. Para tanto, deverão ser prestados todos os serviços médicos, cirúrgicos e psiquiátricos necessários.

Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sob Qualquer Forma de Detenção ou Prisão, 26:

Diante do fato de uma pessoa detida ou presa ser submetida a um exame médico, o nome do médico e dos resultados do referido exame devem ser devidamente registrados. Acesso a esses registros deve ser assegurado nos termos das normas da instituição.

Monitoramento das condições

gerais na prisão

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PRISIONEIROS E OS CUIDADOS À SAÚDE

69

Acesso a consultas médicas

Colocando em prática

As administrações prisionais devem tomar as providências cabíveis, a fim de assegurar que as pessoas presas, que estão doentes ou preocupadas com seu estado de saúde, tenham acesso diariamente a um profissional médico adequadamente capacitado. Essas consultas devem ocorrer em condições que respeitem a dignidade da pessoa e permitam que seja mantida a confidencialidade. Nos casos em que for necessário levar em consideração questões de segurança, é possível que seja preciso permitir que as consultas com o profissional médico ocorram dentro do campo de visão – porém fora do campo de audição – de agentes de segurança carcerária.

As condições em que as pessoas presas são entrevistadas a respeito de sua saúde devem ser equivalentes às que prevalecem na prática médica civil. Sempre que possível, as consultas devem ocorrer em consultórios adequadamente equipados. É inaceitável que a consulta médica ocorra em grupos de presos ou na presença de outras pessoas presas ou de pessoal não-médico.

O direito à confidencialidade também exige que as pessoas presas não tenham de submeter seus pedidos de acesso a um médico a outro servidor prisional. Em nenhuma circunstância elas devem precisar divulgar suas razões para obterem uma consulta. As providências relativas a uma consulta médica devem ser esclarecidas às pessoas presas quando de sua admissão na prisão.

Os registros médicos individuais dos presos devem permanecer sob o controle do profissional médico e não devem ser divulgados sem a autorização prévia por escrito do prisioneiro. Em alguns países, os serviços prisionais de saúde estão sob a jurisdição do serviço de saúde civil. Além dos benefícios discutidos na seção sobre “O direito ao serviço de saúde” acima, esses modelos de trabalho também contribuem para se estabelecer claramente que os registros médicos não fazem parte dos registros prisionais gerais.

O tratamento prestado a partir de uma consulta e do diagnóstico deve ser aquele que melhor reflete os interesses do preso como um indivíduo. As decisões não devem se basear no custo ou na conveniência para a administração prisional.

Além da gestão dos problemas de atendimento à saúde que se apresentam na prisão, os profissionais médicos também têm a responsabilidade de assegurar que seja possível identificar e atender quaisquer quadros clínicos pré-existentes. Uma vez mais, isso exigirá as providências comuns cabíveis junto às autoridades médicas externas.

Em alguns países, existem dispositivos pelos quais os presos que sofrem de doença terminal podem ser soltos antes de terminarem de cumprir suas sentenças. Qualquer diagnóstico feito ou indicação oferecida pelo quadro médico da prisão deve se fundamentar no julgamento profissional e no melhor interesse do preso. Caberá às autoridades prisionais considerar e avaliar quaisquer riscos decorrentes da liberação antecipada desses presos.

Privacidade

Confidencialidade

Registros médicos

Tratamento

Tratamento pré e

pós-condenação

Presos com doença

terminal

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PRISIONEIROS E OS CUIDADOS À SAÚDE

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“Em março de 2004, o Supremo Tribunal de Pretória, África do Sul, ordenou a libertação imediata de um prisioneiro cumprindo 15 anos de prisão por assalto à mão armada, porque ele estava sofrendo de uma doença terminal grave. As autoridades se recusaram a conceder liberdade condicional ao preso, embora os médicos dissessem que ele tinha entre um e três meses de vida. Ao dar o veredicto, o juiz disse: “O requerente é gravemente doente. Ele está morrendo. A prisão é muito onerosa para ele por causa da rápida deterioração do seu estado de saúde ao continuar permanecendo nela e ser tratado em um hospital prisional. O que ele precisa é de humanidade, de empatia e de compaixão. Estes são valores intrinsecamente incorporados no Ubuntu. Quando esses valores são sopesados na avaliação da manutenção da prisão do recorrente, então, na minha opinião, seu encarceramento contínuo viola a sua dignidade humana e sua segurança, e a punição se torna muito cruel, desumana e degradante”.23

Du Plooy contra o Ministério dos Serviços Correcionais e outros, 2004

A punição não deve ser a resposta aos prisioneiros que se mutilam, impõem ferimentos a si mesmos, intencionalmente, ou tentam suicídio. Ainda que as circunstâncias podem variar de prisioneiros individuais que se auto-agridem ou tentam suicídio, por angústia ou doença mental, a grupos de prisioneiros que utilizam a automutilação como uma forma extrema de protesto, uma resposta disciplinar é inadequada. Cuidados e tratamento para o indivíduo ou a atenção para as causas que levaram os presos a cometerem um ato extremo como automutilação, deve ser a resposta.

Em fevereiro de 2008, o Conselho Constitucional do Cazaquistão determinou que uma disposição legal tornando crime a automutilação por prisioneiros, fosse retirada. A decisão derivou de um processo judicial contra os prisioneiros, depois de mais de uma centena deles cortarem-se em protesto contra maus-tratos e omissão das autoridades em ouvir suas queixas. A lei criminalizava a autolesão como perturbadora das operações prisionais.24

Website do Conselho Constituinte da República do Cazaquistão

Pessoal de saúde

O que dizem os instrumentos internacionais

Cada unidade prisional deve ter disponível um quadro de profissionais de saúde adequadamente capacitado para atender às necessidades da população carcerária.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 22:

(1) Em todas as instituições prisionais deverão estar disponíveis os serviços de, pelo menos, um profissional médico qualificado, que deve possuir algum conhecimento de psiquiatria. Os serviços médicos devem ser organizados em estreita articulação com a administração geral de saúde da comunidade ou do país, e deverão incluir um serviço psiquiátrico para o diagnóstico e, nos casos apropriados, o tratamento de estados de anormalidade mental.

(3) Os serviços de um profissional de odontologia qualificado deverão estar disponíveis a todos as pessoas presas.

Sanção disciplinar por automutilação

e tentativa de suicídio

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PRISIONEIROS E OS CUIDADOS À SAÚDE

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Código de ética para profissionais

de saúde que trabalham

em contextos prisionais

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 49:

(1) Tanto quanto possível, o quadro de pessoal deverá incluir um número suficiente de especialistas, tais como psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais, professores e instrutores de produção.

Colocando em prática

Em 1979, o Conselho Internacional de Serviços Médicos Penitenciários aprovou um código de ética, conhecido como o Juramento de Atenas, segundo o qual os profissionais de saúde se comprometem a:

Em conformidade com o espírito do Juramento de Hipócrates, comprometemo-nos a nos empenhar para prestar o melhor serviço possível de atendimento à saúde àqueles que se encontram presos, por quaisquer razões, sem preconceito e dentro de nossa respectiva ética profissional.

Reconhecemos o direito das pessoas presas de receberem o melhor atendimento à saúde possível.

Comprometemo-nos a:

1 Abster-nos de autorizar ou aprovar punição física.

2 Abster-nos de participar de qualquer forma de tortura.

3 Não participar de qualquer forma de experimentação humana entre pessoas presas sem seu consentimento esclarecido.

4 Respeitar a confidencialidade de qualquer informação obtida no decorrer de nossas relações profissionais com pessoas presas.

5 Que nossos juízos médicos fundamentar-se-ão nas necessidades de nossos pacientes e terão prioridade sobre quaisquer questões não-médicas.

As administrações prisionais devem assegurar que as pessoas presas tenham acesso a profissionais médicos qualificados que sejam suficientes, tanto em número, quanto em especialidade profissional, para atender às suas necessidades. Isso, muitas vezes, pode ser viabilizado de modo mais efetivo quando se estabelecem vínculos com o serviço de saúde disponível à população civil como um todo. Todos os médicos e outros profissionais de saúde que atuam em prisões devem ser adequadamente qualificados, pelo menos, no mesmo nível que seria necessário para cargos semelhantes fora da prisão. De igual modo, suas remunerações e condições de emprego devem ser equivalentes.

Os Princípios de Ética Médica das Nações Unidas atribuem a todos os profissionais de saúde – e particularmente aos médicos – o dever de proporcionar às pessoas presas a proteção de sua saúde física e mental e o tratamento de doenças. Sua prioridade maior, portanto, é a saúde de seus pacientes e não a gestão prisional. O Juramento de Atenas, citado acima, deixa ainda mais claro que os julgamentos médicos devem fundamentar-se nas necessidades dos pacientes e ter prioridade sobre quaisquer outras questões de natureza não-médica.

Equivalência do atendimento

Presos como pacientes

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PRISIONEIROS E OS CUIDADOS À SAÚDE

72

Os profissionais médicos que trabalham em contextos prisionais não fazem parte do quadro disciplinar ou administrativo da prisão. Em algumas jurisdições, nas quais o pessoal médico é empregado diretamente pela administração prisional, esses profissionais têm uma estrutura administrativa à parte e independente do estabelecimento prisional propriamente dito.

Os médicos ...não devem conspirar em movimentos para segregar ou restringir o movimento de prisioneiros, exceto por razões puramente médicas, e eles não devem certificar um prisioneiro como sendo apto para isolamento disciplinar ou qualquer outra forma de punição.25

Organização Mundial da Saúde, Saúde em Prisões: Um Guia da OMS para o essencial em saúde prisional, 2007

Há uma série de questões nas quais o corpo médico precisa fazer uma distinção entre as necessidades da administração prisional e a ética de um serviço de saúde profissional. Vários exemplos importantes e a resposta médica apropriada são citados a seguir. As administrações prisionais precisarão assegurar que o pessoal médico receba apoio e capacitação adequados, tanto no que se refere aos requisitos específicos da medicina em contexto prisional, quanto com relação a aspectos mais gerais. Profissionais médicos qualificados e dispostos a trabalhar em contextos prisionais muitas vezes são escassos. As administrações prisionais devem assegurar que seus especialistas não sejam desviados para tarefas inadequadas, proporcionando-lhes todo o apoio administrativo necessário.

Em 1998, o Conselho Internacional de Enfermeiros produziu uma declaração que afirma, entre outras coisas, que as associações nacionais de enfermagem devem proporcionar acesso a assessoramento confidencial, aconselhamento e apoio para enfermeiros(as) que trabalham em prisões [O Papel do Enfermeiro no Atendimento a Presos e Detentos, Conselho Internacional de Enfermeiros, 1998].

Em 1999, uma coalizão de associações de representação profissional, organizações de direitos humanos e indivíduos desenvolveu um conjunto de princípios com vistas à documentação efetiva da tortura ou de maus-tratos, conhecido como Protocolo de Istambul [Princípios de Documentação Efetiva da Tortura e de Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (Protocolo de Istambul), 1999]

Em 1993, a Associação Médica Mundial adotou uma declaração sobre revistas corporais de pessoas presas que afirma, entre outras coisas, que a obrigação do médico de prestar atendimento à pessoa presa não deve ser comprometida por uma obrigação de participar do sistema de segurança prisional. Nos casos em que haja a necessidade de revistas, elas devem, portanto, ser feitas por um médico que não aquele que presta atendimento médico à pessoa presa [Declaração sobre Revistas Corporais de Pessoas Presas, Associação Médica Mundial, 1993].

Em 1991 e 1992, a Associação Médica Mundial adotou diretrizes para médicos que prestam atendimento a presos em greve de fome, e, entre outras coisas, elas enfatizam a importância do consentimento e da confidencialidade na relação médico-paciente, e que as decisões quanto à intervenção ou não intervenção devem ficar a critério do médico, individualmente, sem interferência

Apoio a enfermeiros(as)

em contextos prisionais

Documentação de tortura

Revistas corporais

Greves de fome

Apoio ao pessoal de saúde

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PRISIONEIROS E OS CUIDADOS À SAÚDE

73

Participação em penas de morte

de terceiros, cujo interesse principal não seja o bem-estar do paciente [Declaração de Malta sobre Greves de Fome, Associação Médica Mundial, 1991, 1992]

Em 1981 e novamente em 2000, a Associação Médica Mundial deliberou que era antiética a participação, de qualquer modo, de médicos em penas de morte ou durante qualquer etapa do processo de execução [Resolução sobre a Participação de Médicos em Penas Capitais, Associação Médica Mundial, 1981, 2000].

A natureza da comunidade prisional é tal que, além de assegurar a disponibilidade de uma gama completa de serviços médicos, as administrações prisionais também devem reconhecer que todo o quadro de servidores precisa ter um bom entendimento das questões básicas de saúde. Quando ocorre um incidente em uma prisão e alguém precisa de primeiros socorros imediatamente, muitas vezes será um servidor de formação não médica o primeiro a ter de prestar socorro no local e administrar o atendimento imediato. Assim, os servidores devem ser adequadamente capacitados para prestar esse atendimento.

Capacitação para todos os

servidores

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OPERANDO PRISÕES SEGURAS E ORDENADAS

75

7

O Contexto

Em seu discurso, por ocasião do lançamento oficial do projeto de capacitação e direitos humanos do Departamento de Serviços Penitenciários da África do Sul, o ex-Presidente da África do Sul, Nelson Mandela, enfatizou a importância tanto da segurança quanto da justiça na administração prisional:

A segurança das prisões é indispensável para fazer de nosso sistema de justiça uma arma eficaz contra o crime. Quando as pessoas presas – condenadas ou que aguardam julgamento – são confiadas aos seus cuidados, elas devem saber - e a população também deve saber - que elas permanecerão na prisão até que sejam legalmente liberadas…

A contribuição plena que nossas prisões podem dar para uma redução definitiva do índice de criminalidade no país também reside no modo como elas tratam as pessoas presas. Toda ênfase é pouca para frisar a importância tanto do profissionalismo quanto do respeito pelos direitos humanos.

(KROONSTAD, 25 de junho de 1998).

Uma das conclusões mais importantes do relatório produzido pelo Juiz Lord Woolf, após uma série de motins de graves proporções ocorridos nas prisões do Reino Unido em 1990, foi que a manutenção do equilíbrio certo entre segurança, controle e justiça é o segredo de uma prisão administrada de modo eficaz.

Há três requisitos que precisam ser atendidos para que o sistema prisional seja estável: segurança, controle e justiça.

Para os fins do presente trabalho, “segurança” refere-se à obrigação do Serviço Prisional de prevenir que as pessoas presas fujam. “Controle” diz respeito à obrigação do Serviço Prisional de prevenir que os prisioneiros causem desordem. “Justiça” refere-se à obrigação do Serviço Penitenciário de tratar as pessoas presas com humanidade e justiça e prepará-las para seu retorno à comunidade...27

(WOOLF, Distúrbios Prisionais, 1990; Relatório de Woolf, 1991).

A importância de se alcançar e manter o equilíbrio entre segurança, controle e justiça deve ser compreendida por todos os administradores prisionais. É um grande erro sugerir que tratar as pessoas presas com humanidade e justiça levará a uma redução da segurança ou do controle. Ao contrário, o objetivo de prevenir fugas e assegurar o controle pode ser alcançado com mais eficácia em um ambiente bem ordenado, que seja seguro para o preso e para os servidores,

Operando prisões seguras e ordenadas

Segurança e justiça

O equilíbrio certo

Um ambiente seguro

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no qual todos os membros da comunidade carcerária percebam que estão sendo tratados com equidade e justiça;

no qual os presos tenham a oportunidade de participar de atividades construtivas e preparar-se para a liberdade.

O administrador prisional profissional deve se esforçar constantemente para assegurar a manutenção desse equilíbrio.

Os aspectos de segurança física incluem a arquitetura dos estabelecimentos prisionais, a resistência das paredes dessas construções, as barras usadas nas janelas, as portas das unidades de acomodação, as especificações do muro e das cercas do perímetro, as torres de vigilância, e assim por diante. Também incluem a disponibilidade de acessórios físicos de segurança, tais como cadeados, câmeras, sistemas de alarme, rádios e similares.

Na concepção dos aspectos físicos da segurança, é preciso encontrar um equilíbrio entre a melhor forma de se alcançar o nível de segurança necessário e a necessidade de se respeitar a dignidade do indivíduo preso. É possível, por exemplo, usar projetos arquitetônicos que atendam à necessidade de segurança em janelas de celas e dormitórios, ao mesmo tempo em que se observam as normas de acesso à luz natural e ao ar fresco. Acessórios físicos de segurança tais como câmeras, sistemas de monitoramento e alarmes, por definição, invadem a privacidade pessoal. Ao tomar decisões sobre onde devem ser colocados tais acessórios, é preciso ponderar e alcançar um equilíbrio, por um lado, entre os requisitos legítimos de segurança e, por outro, a obrigação de se respeitar a privacidade individual.

A segurança individual dos presos também deve ser levada em consideração. O desenho arquitetônico de muitas prisões leva à criação de espaços em que os presos podem reunir-se sem serem observados. Isso pode tornar-se uma fonte de ameaça tanto à segurança da prisão, quanto à segurança individual dos presos. As administrações prisionais devem desenvolver procedimentos para a identificação e gestão dessas áreas.

Refere-se aos procedimentos que precisam ser seguidos, a fim de prevenir a fuga de presos e manter a boa ordem. Alguns dos procedimentos mais importantes dizem respeito às revistas, tantos de espaços físicos quanto de pessoas. Em cada prisão, deve haver um conjunto de procedimentos claramente compreendidos, que expliquem pormenorizadamente as circunstâncias em que devem ser feitas as revistas, os métodos a serem usados e sua frequência. Os procedimentos devem ser concebidos para prevenir fugas e também para proteger a dignidade das pessoas presas e dos seus visitantes.

Deve haver procedimentos relativos às revistas periódicas de todos os lugares onde as pessoas presas vivem, trabalham ou se reúnem. Esses procedimentos devem incluir revistas da unidade de acomodação, tais como celas e dormitórios, a fim de se assegurar que os recursos de segurança – inclusive portas e cadeados, janelas e grades – não foram violados. Dependendo da categoria de segurança da pessoa presa, seus pertences pessoais também devem estar sujeitos a revistas de tempos em tempos. Os servidores precisam ser especialmente capacitados para realizar essas revistas, de modo a detectar e prevenir qualquer tentativa de fuga ou ocultação de contrabando, ao mesmo tempo em que demonstram respeito pela dignidade das pessoas presas e por seus pertences pessoais. O procedimento dessas revistas deve permitir que a pessoa presa esteja presente quando se faz a revista.

Segurança física

Procedimentos de segurança

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Também deve haver procedimentos que regem a regularidade de verificação do números de prisioneiros e como essas verificações são realizadas. O mesmo se aplica às situações de movimentação de prisioneiros de uma área da prisão para outra.

Embora as providências de segurança física e de procedimentos sejam características imprescindíveis da vida na prisão, por si sós, elas não são suficientes. A segurança também depende de um quadro de servidores alertas, que interagem com os presos, que têm consciência do que está acontecendo na prisão e que assegurem que os presos sejam mantidos em atividade de um modo positivo. Isso é o que, muitas vezes, denomina-se segurança dinâmica. Nos Estados Unidos, as prisões operadas com base nos princípios da segurança dinâmica, às vezes, são conhecidas como prisões de supervisão direta. Esse tipo de segurança é muito mais qualitativo do que as medidas de segurança estáticas. Onde há contato regular entre os servidores e os presos, um agente de segurança alerta poderá reagir a situações diferentes da norma e que possam representar uma ameaça à segurança. Os servidores que interagem com os presos dessa forma poderão prevenir fugas com mais eficácia, por estarem cientes do que está acontecendo na comunidade prisional antes que ocorra um incidente. O ponto forte da segurança dinâmica é que ela tem maior probabilidade de ser proativa ao reconhecer precocemente uma ameaça à segurança. A segurança dinâmica funcionará melhor onde há um quadro de servidores profissionais e bem capacitados.

Estudos realizados nos Estados Unidos relatam que as prisões de supervisão direta – ou de segurança dinâmica – têm levado a um melhor controle dos presos, com uma redução significativa de incidentes de violência, barulho e vandalismo. A maior interação entre os servidores e os presos significa que os servidores podem prever os problemas e lidar com eles de forma proativa.

Também existe a sugestão de que os presos mantidos em prisões de supervisão direta têm maior chance de levarem vidas produtivas após cumpridas suas penas.28

(Website do Departamento do Xerife do Condado de Oswego, Supervisão Direta: uma prisão mais segura e efetiva)

Todas as comunidades bem ordenadas, inclusive as prisões, precisam funcionar dentro de um conjunto de regras e regulamentos que são percebidos pelos membros da comunidade como justos e equitativos. Nas prisões, esses regulamentos serão concebidos para garantir a segurança de cada pessoa, individualmente, tanto servidores quanto presos, e cada grupo tem a responsabilidade de observar essas regras e regulamentos. Os presos devem ser recompensados por bom comportamento, da mesma forma que devem ser punidos por mau comportamento. Os servidores precisam saber que eles também devem observar as regras em todos os momentos. Uma comunidade prisional terá um sistema claramente definido de audiências, disciplina e sanções para aqueles que se desviam das regras acordadas, o qual deve ser aplicado de modo justo e imparcial.

As administrações prisionais têm o dever de manter sob custódia aquelas pessoas que as autoridades judiciais decidiram que devem ser privadas de liberdade. Os presos não gostam de estar na prisão, mas a maioria deles aceita a realidade de sua situação; contanto que estejam sujeitos às medidas de segurança apropriadas e a um tratamento justo, eles não tentarão fugir nem perturbarão seriamente a rotina normal da prisão. Por outro lado, um pequeno

Segurança dinâmica

Avaliação do nível de segurança

apropriado

Necessidade de um conjunto

claro de regras e regulamentos

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número de presos poderá fazer tudo o que for possível para tentar fugir. Se houver uma fuga, alguns presos poderiam ser um perigo para a comunidade; outros não seriam uma ameaça à população. Tudo isso significa que as autoridades prisionais devem avaliar o perigo que cada preso representa, a fim de assegurar que cada um deles esteja sujeito aos níveis de segurança adequados: nem muito altos, nem muito baixos.

Em prisões de todo o mundo, existem situações em que há um excesso de segurança e de controle por parte das autoridades prisionais, às custas da justiça, tais como:

medidas de segurança opressivas que excluem programas de reabilitação;

métodos de controle brutais; falta de justiça em audiências disciplinares; e punições ilícitas.

Nos sistemas prisionais de alguns países, as pessoas que administram as prisões perderam o controle de suas instituições e permitiram que grupos de presos poderosos exercessem um sistema de controle ilegal, tanto sobre outros presos quanto sobre servidores.

Em ambas as situações, a comunidade bem ordenada desintegra-se, levando à possibilidade de comportamento violento e abusivo por parte de prisioneiros e servidores, à probabilidade de desordem, à possibilidade de fugas e a uma ausência de atividades construtivas para as pessoas presas.

Somente em circunstâncias extremas, em que houver um colapso completo da ordem e quando todas as demais intervenções tiverem fracassado – quer individualmente, quer coletivamente – é que o uso da força pode ser justificado como método legítimo de restauração da ordem. Este deve ser o último recurso. Uma vez que as prisões são comunidades fechadas, nas quais o abuso de autoridade pode ocorrer facilmente; é preciso haver um conjunto de procedimentos específicos e transparentes para o uso da força. Essa questão também é abordada nos Capítulos 3 e 4.

Os instrumentos internacionais definem que o propósito da privação de liberdade é proteger a sociedade contra a criminalidade, não só retirando os transgressores da sociedade, mas, também, procurando assegurar, tanto quanto possível, sua reabilitação. Para que isso aconteça, as administrações prisionais precisam alcançar um equilíbrio adequado entre segurança e os programas destinados a habilitar as pessoas presas a se reintegrarem à sociedade. É mais provável que esse equilíbrio seja alcançado se houver um conjunto claro de procedimentos que define o nível de segurança adequado para a prisão e para cada preso.

Princípios Básicos para o Tratamento de Pessoas Presas, Princípio 4:

A responsabilidade das prisões pela custódia de pessoas presas e pela proteção da sociedade contra a criminalidade será exercida em conformidade com os demais objetivos sociais do Estado e suas responsabilidades fundamentais pela promoção do bem-estar e do desenvolvimento de todos os membros da sociedade.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 58:

O propósito e a justificativa de uma sentença de prisão ou medida semelhante de privação de liberdade é, em última análise, a proteção da sociedade contra a criminalidade. Esse fim só pode ser alcançado se o período de reclusão for usado para assegurar, tanto quanto possível, que, quando de seu retorno à sociedade, o transgressor não só estará disposto, mas também será capaz de levar uma vida em cumprimento à lei e de autossustento.

Uso da força como último

recurso

O equilíbrio entre segurança e

programas de reintegração social

Excesso de segurança e

controle pode ser um perigo

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Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 63(2):

É desejável que haja diferentes graus de segurança, de acordo com as necessidades de diferentes grupos. Instituições abertas, pelo próprio fato de não oferecerem qualquer segurança física contra a fuga, mas dependerem da autodisciplina dos internos, oferecem as condições mais favoráveis à reabilitação para presos, cuidadosamente selecionados.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 33:

Instrumentos de contenção, tais como algemas, correntes, ferros e camisas-de-força, jamais deverão ser aplicados como punição. Além disso, correntes e ferros não deverão ser usados como meios de contenção. Outros instrumentos de contenção não deverão ser usados, exceto nas seguintes circunstâncias:

(a) Como precaução contra fuga durante uma transferência, contanto que sejam retirados, quando a pessoa presa comparecer perante uma autoridade judicial ou administrativa; (b) Por razões médicas, mediante orientação do profissional médico; (c) Por ordem do diretor, caso outros métodos de controle fracassem, a fim de impedir que um preso fira a si mesmo ou fira outras pessoas, ou a fim de impedir que ele danifique bens ou propriedade; em tais circunstâncias, o diretor prontamente consultará o profissional médico e informará a autoridade administrativa superior.

Regras Prisionais Europeias, Regra 68:

Esta regra adiciona as seguintes condições para a SMR 33:

68.1 O uso de correntes e ferros deve ser proibido.

68.2 Algemas, coletes de contenção e restrições corporais não devem ser utilizados, exceto: a. se necessário, como medida de precaução contra uma evasão durante uma transferência, desde que sejam retirados quando o preso comparecer perante uma autoridade judicial ou administrativa, a menos que a autoridade decida de outra forma; ou b. por ordem do diretor, se outros métodos de controle falharem, a fim de proteger um prisioneiro de autolesão, lesão a terceiros, ou para evitar danos sérios à propriedade, desde que, em tais casos, o diretor informe imediatamente ao profissional médico e à autoridade superior.

As medidas de segurança, às quais os presos estão sujeitos, devem ser as mínimas necessárias para permitir sua custódia em condições de segurança. Existem pelo menos três razões válidas para esta abordagem:

Os servidores prisionais provavelmente terão mais consciência daqueles presos que exigem um alto nível de segurança se seu número for restrito;

Quanto mais baixo o nível de segurança, tanto mais humano provavelmente será o tratamento;

A terceira razão é de natureza pragmática; a segurança é cara e quanto mais alto o nível de segurança, tanto maior o custo. Do ponto de vista financeiro, faz sentido não colocar os presos em uma categoria de segurança mais alta do que é necessário.

Quando de sua admissão inicial, cada pessoa presa deverá ser avaliada, a fim de se determinar:

o risco que a pessoa presa pode representar para a comunidade se ela fugir;

a probabilidade de a pessoa tentar fugir por iniciativa própria ou com auxílio externo.

Classificação da segurança

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Assim sendo, a pessoa presa deve ser mantida em condições de segurança adequadas a seu respectivo nível de risco. A classificação de segurança deve ser revisada constantemente, ao longo de toda a pena.

Condições de segurança mínima (às vezes também chamadas de regime aberto) devem ser usadas para aqueles presos que representam pouco ou nenhum risco para a comunidade e nos quais se pode confiar que não tentarão fugir. Nessas condições, o nível de segurança física será baixo. Muitas vezes, não haverá qualquer segurança perimetral. A segurança interna poderá limitar-se ao travamento das portas das unidades de acomodação à noite. As pessoas presas, que foram condenadas por crimes não-violentos, poderão mostrar-se adequadas para essas condições, bem como aqueles presos que estão cumprindo sentenças longas e estão aproximando-se da data de soltura.

Condições de segurança média são apropriadas para a grande maioria dos presos, que não estão determinados a fugir, mas nos quais não se pode confiar em condições de segurança mínima. De um modo geral, essas condições envolverão um perímetro seguro, como, por exemplo, uma cerca. Todas as portas internas do presídio geralmente estarão trancadas, mas é possível confiar nos presos a ponto de permitir que se desloquem de uma área do presídio para outra sem supervisão rigorosa dos servidores.

Condições de segurança máxima devem significar que a fuga é praticamente impossível e somente devem ser usadas para os presos mais perigosos. Nessas condições, haverá um alto padrão de segurança física, tanto em torno do perímetro quanto dentro da prisão. O movimento interno dos presos será supervisionado de perto pelos servidores e, se necessário, à razão de um para um. Em qualquer sistema, somente uma pequena minoria de presos é que, provavelmente, precisará desse nível de segurança. A gestão adequada desse grupo de prisioneiros será tratada com mais detalhes no capítulo 8 desse manual.

O confinamento em solitária, por período prolongado, como forma de classificação de segurança, sempre deve ser evitado. Esse assunto é abordado no Capítulo 9.

A avaliação do nível de risco pode contribuir para a identificação daqueles presos que representam uma ameaça para si mesmos, para os servidores, para outras pessoas presas e para a comunidade mais ampla. Em muitos países, foram desenvolvidos critérios de avaliação do risco à segurança. Entre as questões a serem levadas em consideração incluem-se:

a ameaça para o público, caso a pessoa presa venha a fugir;

o histórico de tentativas de fuga e acesso à ajuda externa;

no caso de presos provisórios, qualquer ameaça em potencial a testemunhas;

a natureza do crime pelo qual a pessoa presa foi condenada;

a duração da pena, que geralmente reflete a natureza do crime;

o potencial de ameaça a outras pessoas presas.

Em muitos sistemas prisionais, existe a pressuposição de que todos os presos que aguardam julgamento devem ser mantidos em condições de segurança máxima. Nem sempre é o caso e deveria ser possível aplicar uma avaliação do risco à segurança das pessoas presas desse grupo, da mesma forma que àquelas que foram condenadas.

Diferentes níveis de segurança

Confinamento em solitária

Avaliação do risco

Nível de segurança para

presos provisórios

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OPERANDO PRISÕES SEGURAS E ORDENADAS

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Em alguns países, o juiz que profere a sentença específica o nível de segurança do regime no qual o preso deve ser mantido. Em outros países, os presos condenados à prisão perpétua ou condenados nos termos de uma lei específica são automaticamente mantidos em condições de segurança máxima, independentemente de qualquer avaliação de risco pessoal. Essa não é a melhor forma de se determinar os níveis de segurança. Cabe à autoridade judicial determinar a duração apropriada da pena por um crime específico, mas é melhor que as autoridades prisionais sejam responsáveis por determinar os requisitos de segurança, usando critérios profissionalmente acordados.

Os níveis de segurança para cada preso devem ser revisados em intervalos regulares à medida que a pena é cumprida. Geralmente, acontece de a pessoa apresentar um menor risco à segurança, à medida que sua pena evolui. A perspectiva de progressão para uma categoria de segurança inferior, durante o cumprimento da sentença, também pode atuar como incentivo para o bom comportamento.

Indivíduos presos, principalmente aqueles sujeitos a restrições de segurança média ou máxima, também devem, periodicamente, passar por uma revista pessoal, a fim de se assegurar que não estão portando itens que possam ser usados em tentativas de fuga ou para ferir outras pessoas ou a si mesmos, ou ainda, itens que não são permitidos na prisão, tais como drogas ilegais. A intensidade dessas revistas variará de acordo com as circunstâncias. Por exemplo, quando os presos estão deslocando-se em grande número de seu local de trabalho de volta para a unidade de acomodação, é normal passarem pelo tipo de revista de apalpamento, que atualmente é comum para todos os viajantes aéreos. Em outras ocasiões, principalmente se houver razão para crer que certos presos ocultam algo consigo ou quando foram designados como presos de alto risco, será necessário realizar o que se conhece como revista íntima. Esse tipo de revista exige que os presos tirem todas as roupas e mostrem que não estão levando nada oculto consigo.

É preciso haver um conjunto de procedimentos pormenorizados que os servidores prisionais devem seguir, quando fazem revistas pessoais. Esses procedimentos:

devem definir as circunstâncias em que essas revistas são permitidas;

devem assegurar que as pessoas presas não sejam humilhadas pelo processo de revista, por exemplo, tendo de ficar completamente nuas a qualquer momento;

devem estipular que as pessoas presas devem ser revistadas por servidores do mesmo sexo;

devem proibir que os agentes de segurança façam revistas internas do corpo de uma pessoa presa.

Revista corporal de pessoas privadas de liberdade bem como dos visitantes deve ser realizada sob condições higiênicas adequadas, por pessoal qualificado do mesmo sexo, e devem ser compatíveis com a dignidade humana e com o respeito aos direitos fundamentais. Em consonância com o que precede, os Estados-Membros devem empregar meios alternativos através de procedimentos e equipamentos tecnológicos, ou outros métodos apropriados.Revistas vaginais ou anais invasivas devem ser proibidas por lei.29

Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Princípios e Boas Práticas sobre a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas

Américas, Princípio XXI, 2008

Revisão periódica do nível de segurança

Revista de presos

Classificação de segurança a ser

decidida pela administração

prisional

Procedimentos de revista

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OPERANDO PRISÕES SEGURAS E ORDENADAS

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Também deve haver um conjunto de procedimentos claramente definidos, a fim de assegurar que os visitantes das pessoas presas não tentem violar requisitos de segurança razoáveis. Esses procedimentos poderão incluir o direito de executar revistas pessoais dos visitantes. Tais procedimentos devem reconhecer que os visitantes não estão presos e que a obrigação de proteger a segurança da prisão deve ser ponderada, frente ao direito dos visitantes à privacidade pessoal. Os procedimentos relativos a revistas de visitantes devem ser sensíveis às necessidades de crianças, mulheres e outros grupos vulneráveis.

Em janeiro de 1997, uma mãe visitou seu filho, que estava preso em uma prisão de Leeds, na Inglaterra. Seu outro filho, que sofria de paralisia cerebral e outras perturbações mentais, a acompanhou. Os dois visitantes foram submetidos à revista íntima... O Tribunal não ficou convencido de que a revista foi proporcional na forma em que foram realizadas. O Tribunal concluiu, portanto, que as revistas realizadas sobre os requerentes não podiam ser consideradas como “necessárias em uma sociedade democrática”, na acepção do artigo 8 (2).30

Acórdão do Tribunal de Direitos Humanos no caso de Wainwright contra O Reino Unido, 2006

Os procedimentos relativos à revista de visitantes profissionais, tais como representantes legais, assistentes sociais e médicos, devem ser acordados com os respectivos órgãos de representação profissional, a fim de se assegurar um equilíbrio entre a segurança e o direito de acesso profissional confidencial.

É importante reconhecer que os servidores também podem representar uma ameaça à segurança, mediante o contrabando de material ou objetos proibidos para dentro da prisão. Eles também devem estar sujeitos a procedimentos de revista apropriados. Tais procedimentos, do mesmo modo, devem tornar menos provável que os servidores sejam colocados sob pressão por presos e outras pessoas para introduzirem itens proibidos na prisão.

Existem vários outros procedimentos de segurança que devem ser empregados rotineiramente. Entre eles, incluem-se:

chamada nominal/listas de presença em horários específicos do dia;

providências de liberação que assegurem que o preso certo está sendo solto;

censura seletiva de correspondência e telefonemas. Esse assunto é abordado mais amplamente no Capítulo 11.

Várias administrações prisionais coletam informações sobre planos de violação do controle ou da segurança, utilizando determinados presos que, anonimamente, fornecem informações sobre outros presos. Essa prática traz consigo grandes perigos. Se um informante for descoberto, os outros presos podem expressar sua raiva com extrema violência. Os informantes podem dar informações erradas a fim de vitimizar outros presos ou manter seu controle sobre eles. A própria existência de um sistema de informantes, ou a suspeita de haver tal sistema, pode criar um clima de tensão, desconfiança e violência na prisão. O desenvolvimento de um sistema no qual os servidores passem a conhecer as pessoas presas como indivíduos, conforme explicado ao longo do presente manual, levará a informações muito mais fidedignas sobre questões de segurança e controle.

Revista de visitantes

Revista de servidores

Outros procedimentos

de segurança

Presos informantes

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OPERANDO PRISÕES SEGURAS E ORDENADAS

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O uso de meios de contenção física

Cada sistema prisional deve possuir procedimentos claros e transparentes quanto ao uso de meios de contenção física, e servidores-chave devem estar treinados para usá-los. Esses procedimentos devem ser quanto a:

circunstâncias nas quais poderão ser usados;

quem pode autorizar o seu uso;

como eles devem ser aplicados;

a quem compete monitorar se os procedimentos prescritos estão sendo executados corretamente.

Meios de contenção física, tais como algemas, correntes, ferros e camisas-de-força, somente devem ser aplicados em circunstâncias excepcionais. Eles não devem ser usados como alternativa a outros meios de segurança física. Por exemplo, nunca é permitido manter as pessoas presas acorrentadas pelo tornozelo ou pelo punho a paredes ou a barras de ferro longas, quer individualmente, quer em grupos, simplesmente porque a segurança física dos prédios é muito fraca.

Os meios de contenção física não devem ser empregados rotineiramente, quando um preso está sendo transferido de um lugar para outro, quer dentro da prisão, quer fora dela. Em cada caso, seu uso deve ser fundamentado em uma avaliação individual do risco que o preso representa.

É possível que os meios de contenção precisem ser usados como último recurso, a fim de se controlar um preso violento que esteja ameaçando a segurança de outros. Assim que o preso cessar seu comportamento violento, o meio de contenção deve ser retirado. Somente em circunstâncias excepcionais, é que devem ser usados meios de contenção física, a fim de impedir que um preso cause danos a si mesmo. A melhor prática sugere que o uso de meios de contenção física raramente se faça necessário, porque existem métodos alternativos para se prevenir a autolesão.

O membro mais graduado dos servidores de plantão precisa autorizar o uso de meios de contenção física e deve assegurar que eles sejam usados adequadamente. O diretor da prisão e um profissional médico devem ver qualquer preso contido em razão de comportamento violento ou autolesão tão logo quanto possível e, se necessário, autorizar que se continue usando o meio de contenção. A decisão e o procedimento de uso de meios de contenção devem ser monitorados de perto por uma autoridade mais graduada e, de acordo com a melhor prática, por um monitor independente autorizado.

Segurança fora da prisão

As autoridades prisionais, ou outra autoridade apropriada, devem ser responsáveis pela custódia de um preso, quando este se encontrar fora do perímetro da prisão, por exemplo, em transferência para outra unidade prisional, a caminho de um tribunal ou de um hospital civil. Quando os presos estão sob o cuidado de outra agência de escolta, deve haver um protocolo acordado entre as partes sobre os procedimentos a serem seguidos. Esse protocolo deve cobrir o padrão de segurança em veículos ou outro transporte, e o tratamento dos presos sob sua escolta.

Meios de contenção física

como último recurso

Autorização para o uso de meios de

contenção física

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OPERANDO PRISÕES SEGURAS E ORDENADAS

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É preciso prestar atenção especial quanto ao nível de segurança a ser adotado, quando um preso necessitar de um período de internação hospitalar. Quaisquer que sejam as circunstâncias, a segurança não deve interferir no tratamento médico. A natureza da segurança física necessária, durante esses períodos, poderá variar de acordo com o risco de segurança individual, porém, o princípio sempre deve ser o de se adotar a classificação de segurança mais baixa possível, que permita uma custódia segura. O meio de contenção mais comum, quando necessário nessas circunstâncias, são as algemas. Quando um preso tiver sido levado ao tribunal com meios de restrição física, esses dispositivos devem ser retirados antes da audiência judicial, a menos que o juiz ou outra autoridade autorize em contrário.

A necessidade de manter as pessoas presas em condições de segurança adequadas precisa ser equilibrada frente ao direito delas de manterem contato com o mundo externo. Por mais fortes que sejam as considerações de segurança, o contato com o mundo externo, em condições razoáveis, deve continuar sendo permitido. Esse é um elemento importante para a preservação dos direitos do preso e pode também contribuir para o seu processo de reabilitação. Além disso, é do interesse da administração prisional estimular os presos a terem contato com o mundo externo porque isso pode melhorar a estabilidade dentro da prisão. O Capítulo 11 trata mais amplamente do contato com o mundo externo durante o período de reclusão.

Declaração sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra Desaparecimento Forçado, Artigo 7:

Nenhuma circunstância – qualquer que seja, quer uma ameaça de guerra ou um estado de guerra, quer instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública – poderá ser invocada para justificar desaparecimentos forçados.

Declaração sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra Desaparecimento Forçado, Artigo 10(2):

Informações exatas sobre a detenção de tais pessoas e seu lugar ou lugares de detenção, inclusive transferências, deverão ser prontamente colocadas à disposição de seus familiares, de seu representante legal ou de quaisquer outras pessoas que tenham um interesse legítimo pela informação, a menos que as pessoas envolvidas tenham manifestado seu desejo em contrário.

Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sob Qualquer Forma de Detenção ou Prisão, Princípio 18:

As entrevistas entre uma pessoa detida ou presa e seu assessor jurídico poderão se dar dentro do campo de visão – porém, não dentro do campo de audição – de um servidor prisional.

Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sob Qualquer Forma de Detenção ou Prisão, Princípio 19:

Uma pessoa detida ou presa terá o direito de ser visitada e corresponder-se, principalmente, com seus familiares, e deverá ter oportunidade adequada para se comunicar com o mundo externo, sujeito a condições e restrições razoáveis, conforme especificado em lei ou em regulamentos legais.

Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sob Qualquer Forma de Detenção ou Prisão, Princípio 29:

O equilíbrio entre segurança e

contato com o mundo externo

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OPERANDO PRISÕES SEGURAS E ORDENADAS

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1 A fim de supervisionar a estreita observância das leis e dos regulamentos, os estabelecimentos de detenção serão visitados regularmente por pessoas qualificadas e experientes, nomeadas por – e responsáveis perante – uma autoridade competente que não a autoridade diretamente encarregada da administração do estabelecimento de detenção ou prisão.

2 Uma pessoa detida ou presa terá o direito de se comunicar livremente e em plena confidencialidade com as pessoas que visitarem os estabelecimentos de detenção ou prisão, em conformidade com o parágrafo 1 do presente princípio, sujeito a condições razoáveis, destinadas a garantir a segurança e a boa ordem em tais locais.

Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, artigo 4:

1. Cada Estado Membro deverá permitir visitas, de acordo com o presente Protocolo, pelos mecanismos referidos nos artigos 2 e 3, a qualquer lugar, sob sua jurisdição e controle, onde pessoas são ou podem ser privadas de sua liberdade, quer por força de uma ordem dada por uma autoridade pública ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência (doravante denominados centros de detenção).

Convenção Europeia para a Prevenção da Tortura e de Penas ou Tratamentos Desumanos ou Degradantes, Capítulo III, Artigo 8, 2(c):

[O Comitê Europeu para a Prevenção da Tortura terá] acesso irrestrito a qualquer lugar onde pessoas estejam privadas de liberdade, inclusive o direito de transitar sem restrição dentro de tais lugares.

Convenção Europeia para a Prevenção da Tortura e das Penas ou Tratamentos Desumanos ou Degradantes, Capítulo III, Artigo 8, 3:

O Comitê poderá entrevistar em particular pessoas privadas de liberdade.

Colocando em prática

A seção do Capítulo 5, referente aos procedimentos de admissão, mencionou a necessidade de informar aos familiares e representantes legais, quando uma pessoa é privada de sua liberdade. Isto é particularmente importante contra o que se conhece como desaparecimentos forçados, no qual pode não haver registro do que aconteceu com uma pessoa detida. Não há circunstâncias que possam justificar uma recusa, por parte das autoridades prisionais, em informar familiares ou um representante legal de que a pessoa está sendo detida e onde ela está sendo mantida. A única exceção é quando a pessoa, ela mesma, assim solicita.

Todas as pessoas privadas de liberdade têm o direito de acesso a um representante legal e de fazê-lo em particular; isto é, fora do campo de audição imediato dos servidores. O direito de acesso a advogados para presos provisórios é tratado no Capítulo 16.

O Capítulo 15 trata do monitoramento independente e da inspeção de estabelecimentos de detenção. O Comitê Europeu para Prevenção da Tortura e de Penas ou Tratamentos Desumanos ou Degradantes é um dos melhores exemplos desse tipo de inspeção. A Convenção Europeia para a Prevenção da Tortura e de Penas ou Tratamentos Desumanos ou Degradantes, sob a qual foi criado o Comitê, confirma que seus integrantes têm o direito de acesso irrestrito a pessoas privadas de sua liberdade, bem como o direito de entrevistá-las em particular, assim como o Subcomitê de Prevenção, instituído pelo Protocolo Facultativo à Convenção da ONU Contra a Tortura. Esse princípio deve ser igualmente estendido a órgãos de monitoramento independentes e locais.

Direito a fazer contato com

a família e advogados

Monitoramento independente

como elemento de contato externo

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OPERANDO PRISÕES SEGURAS E ORDENADAS

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O equilíbrio entre controle e uma comunidade bem ordenada

Por definição, a prisão envolve privação de liberdade e, portanto, uma redução da liberdade de movimento. As autoridades prisionais têm a obrigação de impor as restrições de segurança que se fizerem necessárias para assegurar que os presos não fujam da custódia legal e que as prisões sejam lugares seguros, onde todas as pessoas envolvidas possam realizar seu trabalho legítimo sem temer por seu bem-estar físico. O nível de controle sobre a vida diária e o movimento das pessoas presas não deve ser além do que é necessário ao cumprimento desses requisitos.

O que dizem os instrumentos internacionais

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 27:

A disciplina e a ordem deverão ser mantidas com firmeza de propósito, porém, sem restrição, além do que é necessário para uma custódia segura e uma vida comunitária bem ordenada.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 60(1):

O regime da instituição deve procurar minimizar quaisquer diferenças entre a vida na prisão e a vida em liberdade.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 57:

A prisão e outras medidas que levem ao isolamento de um transgressor do mundo externo são aflitivas pelo próprio fato de tirarem da pessoa o direito à autodeterminação, mediante a privação de sua liberdade. Portanto, o sistema prisional, exceto quando necessário a uma segregação justificável ou à manutenção da disciplina, não deverá agravar o sofrimento inerente a tal situação.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 28(1):

Nenhuma pessoa presa será empregada nos serviços da instituição em qualquer função disciplinar.

Colocando em prática

A tarefa das autoridades prisionais consiste em executar a sentença proferida pelo tribunal de privar o prisioneiro de sua liberdade. Não é seu papel impor restrições adicionais aos presos, que venham a aumentar o sofrimento inerente a essa pena. Ao contrário, elas devem fazer todo o possível para minimizar quaisquer diferenças entre a vida na prisão e a vida em liberdade. Uma razão para isso, conforme discutido no Capítulo 10, é o intuito de se aumentar a possibilidade de a pessoa presa vir a se reintegrar à sociedade civil como um cidadão cumpridor da lei, após ter cumprido sua pena. Os servidores também precisam entender que esse método de gestão prisional pode contribuir para a segurança e a boa ordem.

Em uma prisão bem administrada, todos os presos deverão ser tratados com igualdade. Sempre que possível, elas devem ser estimuladas a participar de atividades construtivas durante seu tempo na prisão, conforme explicado no Capítulo 10. Essas atividades podem incluir a prestação de ajuda em certos aspectos da administração diária da instituição, como, por exemplo, trabalhar na cozinha ou na enfermaria. Os presos bem qualificados ou bem escolarizados também poderão ser estimulados a ajudar outros presos em áreas de seu conhecimento. Entretanto, nunca é permissível empregar ou usar pessoas presas para controlar outras pessoas presas. Isso, às vezes, acontece

Restrições somente na

medida necessária

Presos nunca devem ser

empregados para controlar outros

presos

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OPERANDO PRISÕES SEGURAS E ORDENADAS

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quando existe uma escassez de servidores. Esses presos, muitas vezes, recebem um tratamento especial em termos de acomodação, alimentação ou outros recursos, a fim de estimulá-los a monitorar ou administrar outras pessoas presas. Essas formas de atuação sempre são propensas ao abuso e nunca devem ser permitidas.

O desafio que uma administração profissional enfrenta é o de assegurar que suas prisões sejam seguras e ordenadas, porém, não gerenciadas de modo opressivo ou brutal. O que se faz necessário é uma abordagem consistente; nem dura, nem liberal. A grande maioria das pessoas presas verá com bons olhos uma gestão firme e justa por parte dos servidores porque, se os servidores não estiverem no controle do estabelecimento prisional, o vácuo resultante será preenchido por presos de índole forte. Alternativamente, na ausência de uma administração firme por parte da autoridade hierarquicamente mais alta, os servidores poderão muito bem recorrer à prática de adotarem, eles mesmos, seus próprios meios de controle informal. Em qualquer dos casos, a vida se tornará muito desagradável para a maioria dos prisioneiros.

É preferível o planejamento antecipado para situações emergenciais do que a resposta apressada após terem ocorrido. Cada prisão deve ter um conjunto claro de procedimentos para lidar com todas as emergências possíveis. Estas incluem, mas não estão limitadas, a fuga, motim, tomada de reféns, morte, incêndio e evacuação.

O potencial de desintegração da boa ordem existe mesmo nas prisões mais bem administradas. Sempre é possível que um indivíduo preso ataque um servidor ou outras pessoas presas em decorrência ou de algo pré-planejado ou de um ataque súbito de fúria. De igual modo, um grupo de presos poderá resolver que não estão dispostos a observar as regras legítimas da prisão e que tentarão articular uma revolta, quer por meio de um motim, quer tomando reféns. Em todas as prisões, deve haver um conjunto de procedimentos claros para tratar tais incidentes, caso eles ocorram. Esses procedimentos devem ser moldados no contexto dos instrumentos internacionais.

O que dizem os instrumentos internacionais

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 54(3):

(1) Os servidores das instituições prisionais, em suas relações com as pessoas presas, não deverão usar a força, exceto em legítima defesa ou em casos de tentativa de fuga ou resistência física ativa ou passiva a uma ordem baseada na lei ou nos regulamentos aplicáveis. Os servidores que recorrerem à força devem usar apenas a força estritamente necessária e devem relatar o incidente imediatamente ao diretor da instituição.

(2) Os servidores receberão treinamento físico especial que os capacite a conter presos agressivos.

(3) Exceto em circunstâncias especiais, os servidores que desempenham tarefas que os colocam em contato direto com as pessoas presas não devem portar armas e, em nenhuma circunstância, devem receber armas, a menos que tenham sido treinados para usá-las.

Princípios Básicos relativos ao Uso de Força e de Armas de Fogo por Funcionários de Execução da Lei, Princípio 9:

Os funcionários de execução da lei não usarão armas de fogo contra pessoas, exceto em legítima defesa ou em defesa de outros contra ameaça iminente de morte ou lesão grave; a fim de impedir que seja perpetrado um crime particularmente grave envolvendo grave ameaça à vida; para prender uma pessoa que representa tal perigo e resiste a sua autoridade, ou impedir sua fuga, e somente quando meios menos extremos forem insuficientes para alcançar esses objetivos. De qualquer modo, o uso letal e deliberado de arma de fogo somente poderá ocorrer quando estritamente inevitável para proteger a vida.

Procedimentos de emergência

Quando o controle e a boa ordem se

desintegram

É essencial uma gestão firme,

porém legítima

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OPERANDO PRISÕES SEGURAS E ORDENADAS

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Princípios Básicos relativos ao Uso de Força e de Armas de Fogo por Funcionários de Execução da Lei, Princípio 15:

Os funcionários de execução da lei, em suas relações com pessoas sob custódia ou detenção, não deverão usar força, exceto quando estritamente necessário para a manutenção da segurança e da ordem dentro da instituição, ou quando sua segurança pessoal estiver ameaçada.

Princípios Básicos relativos ao Uso de Força e de Armas de Fogo por Funcionários de Execução da Lei, Princípio 16:

Os funcionários de execução da lei, em suas relações com pessoas sob custódia ou detenção, não deverão usar armas de fogo, exceto em legítima defesa ou em defesa de outros contra ameaça imediata de morte ou lesão grave, ou quando estritamente necessário para impedir a fuga de uma pessoa sob custódia ou detenção, que apresente o perigo a que se refere o princípio 9.

Princípios Básicos relativos ao Uso de Força e de Armas de Fogo por Funcionários de Execução da Lei, Princípio 17:

Os princípios acima entendem-se, sem prejuízo dos direitos, dos deveres e das responsabilidades dos servidores prisionais, conforme expresso nas Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, particularmente às Regras 33, 34 e 54

Colocando em prática

A primeira lição que os servidores precisam aprender é que prevenir é sempre melhor do que remediar. É extremamente raro acontecer um grande incidente sem qualquer alerta prévio. Em praticamente todos os casos, haverá algum indício prévio através de um aumento de tensão em nível individual ou grupal. É aqui que os benefícios da segurança dinâmica se tornarão visíveis. Ao entrar em um bloco ou em uma ala de acomodação ou em uma área de trabalho onde a tensão está se fermentando, um servidor alerta, imediatamente, saberá que há algo de errado na atmosfera. Eles perceberão a tensão no ar. Uma vez que conhecerão todos os presos sob sua custódia, eles poderão identificar qualquer pessoa irrequieta ou propensa a ameaçar usar de violência, e poderão tratar essa pessoa de modo a impedir o início da violência. Também será mais difícil para os presos, que desejarem criar problemas, despertarem o interesse e a participação de outros presos, se a abordagem geral dos servidores tiver sido justa e consistente. Entretanto, mesmo nas prisões onde existe uma boa segurança dinâmica, pode ocorrer a erupção de violência individual ou coletiva.

Boas relações profissionais entre os servidores e os presos são um elemento indispensável da segurança dinâmica. Onde existem essas relações, elas podem ser usadas eficazmente para desativar incidentes em potencial ou para restaurar a boa ordem por meio de um processo de diálogo e negociação. Somente quando esses métodos fracassam ou são considerados inadequados, é que devem ser considerados os métodos físicos de restauração da ordem.

Todos os servidores que lidam diretamente com os presos devem ser treinados em técnicas que lhes permitam dominar fisicamente os presos, usando o mínimo de força. Eles não deveriam ter de simplesmente dominar presos problemáticos com uma demonstração de força física superior; em muitas ocasiões, isso não será possível. Mesmo quando for possível, o resultado poderá ser lesões graves, tanto para os servidores quanto para os presos. Existem várias técnicas de controle e contenção nas quais os servidores podem ser treinados, que lhes permitirão obter controle sem se

Prevenir é sempre melhor do que

remediar

Necessidade de diálogo e negociação

Uso mínimo da força

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OPERANDO PRISÕES SEGURAS E ORDENADAS

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machucar ou machucar os presos envolvidos. A administração deve ter conhecimento dessas técnicas e assegurar que todos os servidores sejam competentes no uso das habilidades básicas, certificando-se de que um número suficiente deles seja treinado em técnicas avançadas.

Os servidores que trabalham diretamente com os presos poderão portar armas, tais como cassetetes ou similares, para sua própria defesa. A boa prática ensina que essas armas não devem ser portadas de modo ostensivo ou ameaçador. Uma prática comum é a de portar um cassetete menor em um bolso especial da calça, de modo que ele fique oculto, porém, facilmente acessível. Cassetetes maiores não devem ser portados rotineiramente, mas guardados em locais estratégicos, de modo que estejam disponíveis para serem rapidamente acessados em uma emergência. Não é uma boa prática permitir que os servidores trabalhem diretamente com os presos portando armas de fogo ou semelhantes, que possam ou ser usadas inadequadamente ou cair nas mãos dos presos.

Medidas para combater situações de violência e de emergência

O pessoal deve ser proibido de usar armas de fogo ou outras armas letais dentro de locais de privação de liberdade, exceto quando for estritamente inevitável para proteger a vida das pessoas.

Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Princípios e Boas Práticas sobre a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas

Américas, Princípio XXIII, 2008.

Em alguns sistemas prisionais, os servidores que guardam o perímetro circundante da prisão portam armas de fogo. Esses servidores devem receber instruções claras quanto às circunstâncias em que essas armas poderão ser usadas. Elas somente deverão ser usadas quando houver uma ameaça imediata à vida, seja do servidor envolvido, seja de outra pessoa. Não é permissível atirar em uma pessoa presa unicamente pelo fato de ela estar fugindo. Deve haver circunstâncias excepcionais adicionais que levem o atirador a concluir que a fuga do preso representa uma ameaça imediata à vida de outra pessoa e que o preso não pode ser detido por outros meios. Os Princípios Básicos relativos ao Uso de Força e de Armas de Fogo por Funcionários de Execução da Lei são bastante explícitos nesse aspecto.

Em qualquer situação, o uso letal e deliberado de arma de fogo somente poderá ocorrer quando estritamente inevitável para proteger a vida.

(Princípio 9).

As administrações prisionais devem estabelecer diretrizes e procedimentos claros quanto ao uso de qualquer tipo de força ou de armas de fogo, como parte de um programa de treinamento para os servidores que poderão ser autorizados a usá-las. Os procedimentos devem incluir providências formais para a investigação de qualquer incidente no qual força ou armas de fogo tenham sido usadas.

Várias das questões mencionadas acima também são tratadas no Capítulo 4.

Armas

Uso de armas de fogo

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GESTÃO DE PRESOS DE SEGURANÇA MÁXIMA

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O Contexto

É provável que, em muitos sistemas prisionais, exista uma quantidade de presos que precisam ser mantidos em condições de segurança máxima. A gestão destes prisioneiros apresenta um desafio importante para as autoridades prisionais, que têm de alcançar um equilíbrio entre: a ameaça que tais prisioneiros poderiam apresentar ao público se eles escapassem; a ameaça que eles podem representar para a boa ordem dentro das prisões; e a obrigação que o Estado tem de tratar todos os prisioneiros de forma decente e humana. Às vezes, diz-se que a maneira como a sociedade trata seus prisioneiros é um reflexo de seus valores mais profundos. Este princípio aplica-se particularmente à gestão de presos de segurança máxima. Este novo capítulo aplica o material que está contido em outras partes do manual, particularmente no capítulo 7, na gestão de presos de segurança máxima.

O número de prisioneiros custodiados em condições de segurança máxima deve ser mantido no mínimo, por algumas razões. Presos de segurança máxima necessitam ser mantidos sob estreita supervisão em todos os momentos, e sua liberdade de movimento e contato com outras pessoas serão, provavelmente, mantidos sob rigorosa vigilância. Quando implementada de forma adequada, a supervisão de segurança máxima exigirá grandes recursos em termos financeiros, técnicos e de pessoal. Além disso, é mais provável que os servidores sejam capazes de proporcionar o nível adequado de supervisão direta, caso o rótulo de prisioneiro de segurança máxima não seja aplicado indiscriminadamente.

Deve haver um sistema claro e bem definido para identificar quais os presos necessitam ser mantidos em condições de segurança máxima. O grau de risco que eles representam deve ser avaliado individualmente, de forma contínua e periódica. A não ser em casos excepcionais, é pouco provável que mulheres ou prisioneiros juvenis exijam esse nível de segurança.

É da responsabilidade de um sistema prisional custodiar todos os prisioneiros em condições decentes e humanas, independentemente dos crimes pelos quais foram condenados ou acusados. Essa obrigação aplica-se também ao tratamento de prisioneiros de segurança máxima, e as restrições que são impostas a esses prisioneiros não devem ser mais do que aquelas necessárias para garantir que eles estejam detidos de forma segura.

O Capítulo 7 deste manual descreve as diferenças entre a segurança física, procedimental e dinâmica, e o fato de que estas devem ser complementares. Isto deve ser levado em consideração ao se fazer a gestão de presos de segurança máxima. É provável que um sistema que utiliza a segurança dinâmica, oriunda da interação dos servidores com os presos e do serviço de inteligência, seja mais eficaz do que aquela que se baseia exclusivamente em equipamentos de contenção e tecnologia.

Gestão de presos de segurança máxima

Tratamento humano

Número mínimo

Avaliação individual

Apenas as restrições

necessárias

O equilíbrio da segurança

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GESTÃO DE PRESOS DE SEGURANÇA MÁXIMA

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Um pequeno número de prisioneiros pode ser tão perigoso e perturbador que eles têm que ser mantidos afastados da população carcerária geral, mesmo em prisões de segurança máxima. A gestão destes prisioneiros precisa ser cuidadosamente estruturada, observando-se os princípios gerais da boa administração prisional, descritos ao longo deste manual. Isolamento e confinamento solitário só devem ser usados como último recurso e por curtos períodos. Há, geralmente, outras opções, até mesmo para a gestão de presos de alta periculosidade.

O Tribunal, no entanto, quis enfatizar que o confinamento solitário, mesmo em casos que impliquem apenas relativo isolamento, não pode ser imposto a um preso indefinidamente. Além disso, era essencial que o preso tivesse disponibilidade de ter uma autoridade judicial independente para analisar os méritos e as razões de uma medida prolongada de confinamento solitário. Também seria desejável que fossem buscadas soluções alternativas para confinamento solitário para pessoas consideradas perigosas e para os quais a detenção em uma prisão comum, sob um regime geral, fosse considerado inapropriado. 32

(Acórdão do Tribunal de Direitos Humanos no caso de Sanchez contra o Estado Francês, 2005)

Trabalhar com presos de alta segurança requer um grau especial de profissionalismo, e os servidores que trabalham neste ambiente precisam receber formação adicional e apoio contínuo.

As condições de detenção para presos de segurança máxima devem ser sujeitas à inspeção independente, descrita no capítulo 15.

(Um) dos primeiros passos, e mais importantes na gestão de detentos perigosos e de alto nível, é determinar uma definição do que são, uma vez que as definições e medidas para lidar com eles podem variar em diferentes países.33

(Nathee Chitsawang, Diretor Geral, Tailândia Departamento de Correções, 2005)

Existe um número de razões pelas quais se devem manter um preso em segurança máxima. Elas estão descritas a seguir.

Algumas pessoas que estão na prisão apresentam uma ameaça contínua, seja para o Estado, para grupos específicos ou para indivíduos. Por essa razão, todas as medidas possíveis devem ser tomadas para garantir que eles não escapem da custódia legítima. Para esses prisioneiros, deve haver uma avaliação específica da natureza da ameaça que, como indivíduos, representariam caso fujam. É preciso que haja uma análise de se eles têm acesso aos recursos, seja fora ou dentro da prisão, que possam ajudá-los a escapar. Se eles pertencem a um grupo interno ou externo, já identificado, uma avaliação precisa ser feita sobre em que medida eles devem ser autorizados a se misturarem com outros prisioneiros. Estes assuntos serão discutidos com mais detalhes, posteriormente, neste capítulo.

Uma pequena minoria dos presos pode não aceitar a necessidade de controle e da boa ordem nas prisões e fará tudo que esteja ao seu alcance, individualmente ou em grupo, para perturbar o bom andamento da instituição. Medidas especiais precisarão ser adotadas para gerenciar esses prisioneiros.

Os prisioneiros mais perigosos

Pessoal especialmente

treinado

As condições de detenção

O risco para o público ou a

sociedade se houver uma fuga

O risco para a boa ordem na prisão

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GESTÃO DE PRESOS DE SEGURANÇA MÁXIMA

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É importante que seu número seja mantido a um mínimo absoluto. De tempos em tempos, o comportamento de alguns prisioneiros pode representar um problema para as autoridades prisionais. Isso, geralmente, pode ser tratado através do processo disciplinar normal, e esses prisioneiros podem, no devido tempo, ser incentivados a obedecer as regras e regulamentos normais, sem ser necessário o uso de condições especiais da segurança máxima.

É importante fazer uma distinção entre dois grupos de prisioneiros. Aqueles que poderiam ser uma ameaça ao Estado ou aos indivíduos, caso fujam, podem ser bem comportados no ambiente prisional, observando todas as regras da prisão. Da mesma forma, aqueles que perturbam a ordem podem não representar riscos, em caso de fuga. Em geral, é uma boa prática operacional manter os dois grupos separados. Se eles são colocados juntos, na mesma unidade de segurança máxima, haverá uma probabilidade de que eles possam se influenciar mutuamente, podendo criar uma ameaça maior para a administração da prisão.

Muitas vezes, pode haver uma tendência para colocar os presos em unidades de segurança máxima automaticamente em razão da gravidade do crime pelo qual tenham sido condenados ou dos quais são acusados . Isso pode se aplicar, por exemplo, a todos aqueles que foram condenados por homicídio. Em alguns casos, isso pode ser uma condição estabelecida pelos tribunais, como parte da sentença. Em outros casos, os presos são designados a estas unidades pela administração prisional. Os instrumentos internacionais são claros em afirmar que todas as restrições devem ser limitadas ao mínimo necessário. Elas não devem ser impostas automaticamente, mas baseada em uma avaliação individual.

Nos últimos anos, algumas administrações prisionais construíram unidades de segurança máxima, antecipando a necessidade de usá-las. A construção e a manutenção dessas unidades são caras. Existe, portanto, uma pressão para usá-las em toda sua capacidade. Estas unidades não devem ser utilizadas sem uma boa razão.

Tratamento de prisioneiros de segurança máxima

O que dizem os instrumentos internacionais

Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, artigo 5:

Nem a periculosidade do detido ou preso, nem a falta de segurança do estabelecimento prisional ou penitenciário podem justificar a tortura.

Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros, Regra 27:

A disciplina e a ordem serão mantidas com firmeza, mas sem impor mais restrições do que as necessárias à manutenção da segurança e da boa organização da vida comunitária.

Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros, Regra 57:

A prisão e outras medidas, cujo efeito é separar um infrator do mundo exterior, são dolorosas pelo próprio fato de retirarem do indivíduo o direito à autodeterminação, privando-o da sua liberdade. Logo, o sistema prisional não deverá, exceto por razões justificáveis de segregação ou para a manutenção da disciplina, agravar o sofrimento inerente a tal situação.

Distinção entre dois grupos

A natureza da ofensa

ou do crime

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GESTÃO DE PRESOS DE SEGURANÇA MÁXIMA

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O que dizem os instrumentos regionais:

Recomendação Nº.R (82) 17 do Comité de Ministros do Conselho da Europa aos Estados-Membros referente à Custódia e Tratamento de Presos perigosos:

O Comité de Ministros, nos termos do artigo 15.b do Estatuto do Conselho da Europa, recomenda aos Governos dos Estados membros:

1. aplicar, na medida do possível, regulamentos prisionais comuns a presos perigosos;2. aplicar medidas de segurança apenas na medida em que elas sejam necessariamente requeridas;3. aplicar medidas de segurança de forma a respeitar a dignidade humana e os direitos;4. assegurar que as medidas de segurança levem em conta os diferentes requisitos dos diferentes tipos de periculosidade;5. neutralizar, na medida do possível, os possíveis efeitos adversos de condições de segurança reforçadas;6. dedicar toda a atenção necessária para os problemas de saúde que possam resultar da segurança reforçada;7. proporcionar educação, formação profissional, trabalho, lazer e outras atividades, na medida em que permita a segurança;8. dispor de um sistema de revisão periódica para garantir que o tempo gasto em custódia de segurança reforçada e o nível de segurança aplicado não exceda o necessário;9. assegurar, quando existirem, que as unidades de segurança reforçadas tenham o número apropriado de vagas, funcionários e todas os equipamentos necessários;10. fornecer treinamento adequado para todos os funcionários envolvidos com a custódia e tratamento de presos perigosos.

Colocando em prática

Quando um grande número de prisioneiros é designado para instalações de segurança máxima, há o perigo de que, para muitos, essas condições sejam excessivas e desproporcionais à ameaça potencial que eles representam. Como uma regra geral, os presos só devem ser confinados em condições de alta segurança, quando o seu comportamento demonstrar que eles representam uma ameaça à segurança e que a administração prisional não tem outra escolha. Qualquer transferência para tais condições deve ser por um tempo tão curto quanto possível e deve ser objeto de revisão contínua do comportamento individual do preso.

Sistemas prisionais que mantêm um número menor de prisioneiros em condições de segurança máxima tem maior probabilidade de serem mais seguros, tanto para presos quanto para os funcionários. Quando o número é menor, a equipe será capaz de identificar os presos que precisam ser mantidos em condições de segurança máxima e de garantir que sejam devidamente supervisionados. Se o número de prisioneiros neste grupo é muito grande, então é possível que os servidores não sejam capazes de fornecer uma supervisão adequada daqueles que são mais propensos a tentar escapar ou provocar desordem.

A gravidade do crime pelo qual um preso tenha sido condenado ou acusado será um fator na tomada de uma decisão sobre a necessidade de mantê-lo em condições de segurança máxima. No entanto, esse não deve ser sempre um fator decisivo. Por exemplo, manter todos os presos condenados por assassinato e cumprindo penas de prisão perpétua, sob um regime muito rigoroso, sem qualquer avaliação do seu risco, não é uma boa prática.

Uso mínimo da segurança máxima

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GESTÃO DE PRESOS DE SEGURANÇA MÁXIMA

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Deve haver um sistema claro e bem definido para a identificação de presos que precisam ser mantidos em condições de elevada segurança e para avaliar o seu grau de risco de forma periódica. A avaliação adequada do risco pode ajudar a identificar os prisioneiros que representam uma ameaça séria para o pessoal, para outros prisioneiros e para a comunidade em geral. Critérios para avaliação do risco de segurança são descritos em detalhes no capítulo 7 e também devem ser aplicados nos casos de segurança máxima. As avaliações devem ser revistas periodicamente.

Revisão da classificação de segurança

Com a exceção de um prisioneiro que foi atribuído o nível mais baixo de segurança interna (Categoria A) e o menor nível de segurança externa (Categoria A), uma revisão da classificação de segurança deve ser concluída pelo menos uma vez, a cada seis meses, durante o cumprimento da sentença do preso. O foco da revisão da classificação de segurança é sobre o comportamento do preso durante a sentença, o que ele tem feito para redimir seu crime, mesclado por uma série de fatores históricos: se o prisioneiro tem ou não processos pendentes; o tempo que o prisioneiro tem que completar antes de ser elegível para liberdade condicional; e a data da próxima audiência para o livramento ou soltura. Além disso, cada preso deve ter sua classificação de segurança revista, sempre que haja uma mudança significativa em suas circunstâncias. 34

Website do Departamento de Correções da Nova Zelândia

No capítulo 7 foram feitas referências aos aspectos físicos da segurança prisional. Especial atenção deve ser dada a essas questões, na supervisão de presos de segurança máxima. Na maioria das jurisdições, os limites exteriores das prisões ou das unidades que custodiam prisioneiros de segurança máxima serão especialmente reforçados, muitas vezes, consistindo de uma dupla barreira, como uma parede e uma cerca. Dentro da prisão, haverá barreiras seguras ou portões entre as várias partes da prisão e o muro; portas e janelas das celas, nas quais estes prisioneiros são mantidos, serão especialmente reforçadas. Também pode haver medidas de segurança eletrônicas em várias partes da prisão. Todos esses dispositivos de segurança podem ser instalados, de forma que se preserve o equilíbrio entre restrições legítimas de segurança e a necessidade de tratar os prisioneiros decentemente.

Os princípios da segurança dinâmica que são descritos no capítulo 7 aplicam-se, particularmente, a prisões de segurança máxima. Os servidores, geralmente, irão acompanhar esses prisioneiros, quer estejam fora do alojamento ou movendo-se de uma parte para outra da prisão. A supervisão desses presos envolve muito mais do que uma mera função de escolta. Tanto quanto possível, os servidores devem interagir com eles de uma maneira positiva.

Os procedimentos para o uso de contenção física estão descritos no capítulo 7. Pode ser necessário o uso mais frequente da contenção em prisioneiros de segurança máxima. Mesmo nesses casos, os princípios gerais explanados no capítulo 7 permanecem válidos, particularmente, o princípio da avaliação individual.

Avaliação individual

Aspectos físicos da segurança

máxima

Aspectos dinâmicos da

segurança máxima

O uso de contenção física

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GESTÃO DE PRESOS DE SEGURANÇA MÁXIMA

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Segurança máxima especial

Em anos recentes, tem havido uma tendência crescente numa série de jurisdições de manter alguns presos em condições especiais de segurança máxima por uma variedade de razões.

Em algumas jurisdições, esta pode ser uma condição estabelecida pelos tribunais, como parte de uma sentença;

Em outras, a administração prisional pode alocar automaticamente prisioneiros em condições de segurança máxima por causa da natureza do seu delito ou a duração de sua sentença;

Em outras jurisdições, prisioneiros são designados a essas condições como resultado de uma avaliação de segurança efetuada pela administração prisional.

Nos últimos anos, tem sido propagada a ideia de que há um novo tipo de preso - que é tão perigoso e, como tal, é uma ameaça para a sociedade - que terá de ser mantido em condições especiais de segurança máxima por um longo período de tempo, em alguns casos, por toda sua vida. Esta é uma suposição muito perigosa, especialmente, quando ela é feita por políticos ou outros que tenham pouca experiência direta na gestão de prisioneiros. Em todo o mundo, existem muitas jurisdições que tiveram experiência em lidar, durante longos períodos de tempo, com grupos ou indivíduos que são uma ameaça real e contínua para o Estado. Essas jurisdições sempre foram obrigadas a fazê-lo dentro dos parâmetros da legislação nacional e internacional. A gestão desses prisioneiros, de forma decente e humana, é o maior teste de um sistema prisional profissional. Esse continua a ser o caso. Não fazer isso é, em princípio, errado em termos de gestão prisional; é errado em termos do que é necessário em um estado democrático; e é errado, como um exemplo para outros países.

O princípio: Os instrumentos internacionais e regionais são claros em afirmar que todas as restrições devem ser limitadas ao mínimo necessário.

A exceção e não a regra: A manutenção de presos em condições de segurança máxima especial deve constituir a exceção e não a regra. O pequeno número de prisioneiros que precisa ser custodiado nessas condições não é típico de todos os prisioneiros de sentenças longas, nem devem os problemas que eles apresentam ser ampliados para abranger o grupo muito maior de presos que estão cumprindo longas penas de prisão.

Boas práticas operacionais: Por definição, prisioneiros que estão presos em condições de segurança máxima especial devem ser aqueles que representam uma ameaça real e imediata para a segurança pública, caso escapem, ou para a ordem interna da prisão. É provável que seja caro em termos de recursos, tanto financeiro como de pessoal, manter prisioneiros em tais condições. Se os números são inflados desnecessariamente, é provável que a equipe não seja capaz de dar-lhes a supervisão que necessitam. Se o seu número é reduzido ao mínimo, os servidores nunca perderão de vista o perigo potencial que representam. A colocação de prisioneiros em tais unidades deve ser autorizada por ordem superior e ser frequentemente revista.

Uso mínimo da segurança máxima

especial

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GESTÃO DE PRESOS DE SEGURANÇA MÁXIMA

97

“A Delegação do CPT foi informada de que alas com segurança reforçada foram instaladas em cinco prisões em todo o país, e foram principalmente destinadas a minar a influência de gangues do crime organizado dentro das prisões. A colocação em tal ala poderia ser consequência de um prisioneiro ter sido colocado na categoria (iv) nos termos da Instrução 41 do Ministério da Justiça... Além disso, um prisioneiro poderia ser enviado para uma prisão com tais alas, simplesmente se fosse considerado um “desordeiro” ou um “valentão”. Os procedimentos para a colocação de um prisioneiro em tal ala não eram transparentes... A medida é quase sempre puramente preventiva e o prisioneiro não tem o direito de recurso, nem há qualquer mecanismo adequado no local para avaliar a colocação de tal ala, nem critérios permitindo que os presos regulassem seu comportamento.

O CPT recomenda que as autoridades Tchecas instituam um procedimento transparente para a colocação em HTSW (alas técnicas de segurança máxima), incluindo a possibilidade de o preso em questão recorrer da decisão, e que sejam estabelecidas avaliações periódicas de tal colocação. 38

Visita do Comité Europeu para a Prevenção da Tortura à República Tcheca em 2006

As condições para os presos nesta categoria variam entre jurisdições, mas são, invariavelmente, muito restritivas.

Uma questão que cada governo tem de enfrentar, ao lidar com terroristas condenados, é se os trata de forma isolada e qualitativamente diferente dos outros presos, ou se permite que eles se misturem livremente...

A lição (do Reino Unido) parece ser a de que a integração é melhor do que a segregação, mas isso também tem seu preço...

A lição (da Indonésia) não é que a integração é errada, mas que cada caso tem de ser considerado isoladamente. 36

Grupo Internacional de Crise, “Desradicalização” e prisões indonésias, 2007

Isolamento ou confinamento solitário não é uma boa prática. Existem dois modelos que são geralmente utilizados na administração de presos em condições de segurança máxima. O primeiro é colocando- os em condições de isolamento, seja sozinho ou com um ou dois outros prisioneiros. Nessa condição, os presos passam o dia e a noite na cela. Na mais extrema dessas condições, os presos não têm acesso a qualquer atividade ou estimulação externa e não tem nada a fazer. Eles podem ter permissão a uma hora de recreação solitária em uma gaiola de exercício vazia ao ar livre, mas passam por revista íntima e são acorrentados cada vez que saem da cela. Em algumas jurisdições, os presos podem passar anos nesse tipo de regime. Este método de lidar com os reclusos não é uma boa prática e, muitas vezes, surge de uma ausência de técnicas de gestão adequadas.

O gerenciamento de prisioneiros

em condições de segurança máxima

especial

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GESTÃO DE PRESOS DE SEGURANÇA MÁXIMA

98

Separação em pequenas unidades. Um modelo muito mais adequado é a acomodação desse tipo de prisioneiro em pequenas unidades de até dez presos, com base na premissa de que é possível proporcionar um regime positivo para prisioneiros de segurança máxima, confinando-os em pequenos grupos, longe da população carcerária geral, em vez de segregação individual. Essas unidades operam sob o princípio de que deve ser possível, para uma equipe de profissionais treinados, desenvolver um regime positivo e ativo, mesmo para os presos mais perigosos. A intenção é a de que, dentro de um perímetro de segurança, presos possam ser capazes de se moverem de forma relativamente livre, no interior das unidades, e de terem uma rotina de prisão normal. Em tal ambiente, os prisioneiros só serão colocados em isolamento, quando tudo o mais falhar e apenas por um curto período de tempo.

A equipe que trabalha com prisioneiro de segurança máxima deve ser especialmente treinada

Há desafios especiais no trabalho com presos de alta segurança. Os servidores que trabalham com eles devem ser experientes e devem receber treinamento especial. Isso deve cobrir as seguintes questões, entre outras:

entendimento do que envolve uma condição de segurança máxima;

definição dos tipos de presos que necessitam ser mantidos em condições de segurança máxima;

avaliação de quais indivíduos precisam ser mantidos em condições de segurança máxima;

implementação de um regime positivo dentro das condições de segurança máxima;

avaliação do serviço de inteligência e outras informações sobre presos de segurança máxima;

condicionamento da equipe por prisioneiros;

lidar com a violência individual ou em grupo de uma forma que proteja os servidores, quando estiverem usando força mínima.

A maneira como os funcionários da prisão lidam com um pequeno grupo de presos violentos, que se recusam a obedecer às legítimas expectativas, não é apenas o maior desafio para o profissionalismo da equipe prisional. A maneira pela qual as autoridades prisionais respondem em nome do resto da sociedade aos seres humanos que têm pouco ou nenhum respeito pelos outros seres humanos também é um teste real da humanidade de todos.

As condições de detenção devem estar sujeitas à inspeção independente

Os instrumentos internacionais são claros ao exigir que todas as prisões e locais de detenção devem ser sujeitos a um sistema de inspeção que é independente da autoridade responsável pela administração dessas prisões. Eles também dão aos prisioneiros o direito de acesso pleno e confidencial aos inspetores, sujeitos às considerações legítimas de segurança.

Um teste de profissionalismo

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GESTÃO DE PRESOS DE SEGURANÇA MÁXIMA

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O Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sob Qualquer Forma de Detenção ou Prisão, Princípio 29:

1. A fim de assegurar a estrita observância das leis e regulamentos pertinentes, os lugares de detenção devem ser inspecionados regularmente por pessoas qualificadas e experientes, nomeadas por uma autoridade competente, diferente da autoridade diretamente encarregada da administração do local de detenção ou de prisão, e responsáveis perante ela;

2. A pessoa detida ou presa tem o direito de se comunicar livremente e em regime de absoluta confidencialidade com as pessoas que inspecionam os lugares de detenção ou de prisão, nos termos do n.° 1, sem prejuízo das condições razoavelmente necessárias para assegurar a manutenção da segurança e da boa ordem nos referidos lugares.

Um tipo importante de inspeção é a que é realizada por um órgão independente, tanto da prisão quanto do sistema prisional. Em alguns casos, uma comissão de uma agência especializada é nomeada pelo governo. O processo é mais independente quando a comissão é formada pelo parlamento que, então, informa ao governo. É particularmente importante que a sua competência inclua os presos mantidos em condições de segurança máxima.

Inspeções independentes também podem ser uma salvaguarda para os servidores da prisão. Elas são um meio de lidar com qualquer alegação de maus-tratos de prisioneiros ou comportamento impróprio da equipe. Nas prisões onde ocorrem essas práticas, a comissão deverá tomar conhecimento e identificar os servidores envolvidos. Essa será também uma forma de proteger os servidores contra alegações injustas. O tema da inspeção é abordado em detalhes no capítulo 15 deste manual.

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PROCEDIMENTOS DISCIPLINARES E PUNIÇÕES

101

9

O contexto

É importante ter ciência de que o Estado de direito não termina no portão da prisão. Por exemplo, uma pessoa que foi atacada em uma prisão tem tanto direito à proteção do código penal quanto alguém que é atacado em um lugar público. A prática, em qualquer prisão, quando ocorre um ato criminoso grave, ou quando se acredita que tenha ocorrido, deveria ser o uso de um sistema de investigação semelhante ao usado na sociedade civil. Em algumas jurisdições, são nomeados juízes ou promotores especiais para desempenharem essa função nas prisões. Em outras, o promotor civil ou o serviço policial é informado e tem a oportunidade de investigar o caso como se o crime tivesse ocorrido fora da prisão. Pode acontecer que um incidente que é grave no contexto prisional não seja considerado merecedor de uma investigação pelas autoridades de investigação criminal. Um exemplo seria o caso de um preso encontrado em posse de uma pequena quantidade de drogas para uso pessoal ou quando ocorre um ataque, no qual ninguém fica gravemente ferido. Por outro lado, um ataque no qual uma arma é usada ou no qual se quebra um osso ou membro, normalmente, justificaria o encaminhamento do caso ao promotor ou à polícia. Uma forma de tratar essas questões seria as autoridades prisionais e as autoridades de investigação acordarem uma política para quais incidentes o promotor ou a polícia desejam que lhes sejam encaminhados.

Por sua natureza, as prisões são instituições fechadas, nas quais grandes grupos de pessoas são mantidos contra sua vontade, em condições de confinamento. De tempos em tempos, é inevitável que alguns presos violem as regras e os regulamentos da prisão de várias formas. O preso pode atacar fisicamente outra pessoa, tomar algo que não lhe pertence, recusar-se a seguir a rotina diária, desobedecer uma ordem legítima, procurar contrabandear para dentro da prisão itens que não são permitidos, ou qualquer outra forma de desobediência. É preciso haver um conjunto de procedimentos claros para lidar com incidentes dessa natureza.

Este capítulo do Manual trata do procedimento apropriado para lidar com casos de violação da disciplina prisional, de natureza basicamente administrativa, e que não devem ser encaminhados a órgãos externos de investigação ou a órgãos judiciais externos.

Nos casos em que as autoridades externas estiverem envolvidas, elas devem usar os mesmos critérios, como se a pessoa acusada não estivesse presa.

Procedimentos disciplinares e punições

Necessidade de um conjunto de procedimentos

claros para lidar com

transgressões da disciplina

O Estado de Direito deve

prevalecer na prisão

Disciplina administrativa

Padrões externos

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PROCEDIMENTOS DISCIPLINARES E PUNIÇÕES

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A justiça dos procedimentos disciplinares

O que dizem os instrumentos internacionais

Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas Sob Qualquer Forma de Detenção ou Prisão, Princípio 30:

1 Os tipos de conduta da pessoa detida ou presa, que constituem violações disciplinares durante a detenção ou prisão, a adoção e a duração da punição disciplinar, que pode ser imposta, e as autoridades competentes para impor tal punição deverão ser especificados na lei ou em regulamentos legais e devidamente publicados;

2 Uma pessoa detida ou presa terá o direito de ser ouvida antes de se adotar uma medida disciplinar. A pessoa terá o direito de levar tal medida a autoridades de instância superior para reconsideração.

Regras Mínimas Para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 35:

(1) Todas as pessoas presas, quando de sua admissão, deverão receber informações, por escrito, sobre os regulamentos que regem o tratamento de pessoas presas de sua categoria; os requisitos disciplinares da instituição; os métodos autorizados para obtenção de informação e apresentação de queixas, bem como todas as demais questões necessárias para permitir-lhe compreender tanto os seus direitos quanto as suas obrigações e, assim, adaptar-se à vida da instituição;

(2) No caso de um preso ser analfabeto, a informação acima ser-lhe-á transmitida oralmente.

Regras Mínimas Para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 29:

Sempre deverão ser determinados pela lei ou pelo regulamento aplicável da autoridade administrativa competente:

a) A conduta que constitui transgressão disciplinar;

b) Os tipos e a duração das penas que poderão ser impostas;

c) A autoridade competente para impor tal pena.

Regras Mínimas Para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 30:

(3) Quando necessário e viável, a pessoa presa deverá ter permissão para fazer sua defesa por meio de um intérprete.

Regras Prisionais Europeias, Regra 57 (2):

A legislação nacional deve determinar:

a. os atos ou omissões de presos que constituem infrações disciplinares;

b. os procedimentos a serem seguidos em audiências disciplinares;

c. os tipos e duração da punição que pode ser imposta;

d. a autoridade competente para impor tal punição; e

e. acesso à autoridade do processo de apelação.

Regras Prisionais Europeias, Regra 58:

Qualquer alegação de violação das regras disciplinares por um prisioneiro deve ser comunicada imediatamente à autoridade competente, que deve investigá-lo sem demora.

60.1 Qualquer punição imposta após condenação de uma infracção disciplinar deve estar em conformidade com a legislação nacional.

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PROCEDIMENTOS DISCIPLINARES E PUNIÇÕES

103

60.2 A gravidade de qualquer punição deve ser proporcional à transgressão.

60.3 Castigos coletivos e penas corporais, a colocação em uma cela escura, e todas as outras formas de castigo desumano ou degradante devem ser proibidas.

60.4 A pena não inclui a proibição de total contato com a família.

60.5 O confinamento solitário deve ser imposto como punição apenas em casos excepcionais e por um período determinado de tempo, que deve ser o mais curto possível.

60.6 Instrumentos de contenção nunca devem ser aplicados como castigo.

Regras Mínimas Para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 28(1):

Nenhuma pessoa presa poderá ser empregada nos serviços da instituição em qualquer função disciplinar.

Colocando em prática

Como em todas as questões de justiça administrativa, é importante que os princípios da justiça natural sejam respeitados. O primeiro deles é que todas as pessoas presas devem conhecer, de antemão, as regras e os regulamentos da prisão. Isso significa que todas as prisões devem ter um conjunto de regulamentos que claramente relaciona os atos ou as omissões que constituem violação da disciplina prisional e que podem levar a uma ação disciplinar formal. Esses regulamentos devem ter o status de um documento legal. Em muitos países, esses regulamentos precisarão de aprovação parlamentar. Os regulamentos devem ser divulgados amplamente na instituição e uma cópia deve ser colocada à disposição de cada pessoa presa, quando de sua admissão inicial. A necessidade dessa prática é abordada, em linhas gerais, no Capítulo 5. Devem ser tomadas providências a fim de assegurar que todas as pessoas presas, que não sabem ler, estejam plenamente cientes desses regulamentos.

Qualquer pessoa presa, que será acusada em um processo disciplinar, tem o direito de conhecer antecipadamente a acusação que ela enfrentará e saber quem fez a acusação. A autoridade competente deve ouvir qualquer acusação dessa natureza o mais rápido possível. A pessoa presa deve ter tempo suficiente para preparar uma defesa adequada. O servidor que apresentar a acusação também poderá precisar de tempo para coletar todas as provas disponíveis. Entretanto, esse procedimento não deve ser usado como oportunidade para retardar o processo, principalmente, se a pessoa presa estiver mantida em isolamento, até que ocorra a audiência. Nesse caso, qualquer atraso injustificado seria um meio informal de punição. Isso também deve ser levado em consideração, nos casos em que as pessoas presas são mantidas em isolamento até que seja realizada uma investigação por uma autoridade externa.

O caso deve ser apurado por uma autoridade competente. Em algumas jurisdições, magistrados independentes ou juízes especializados são nomeados para ouvir os casos de disciplina prisional. A vantagem desse tipo de procedimento é que ele confere independência judicial e oferece maior probabilidade de serem observados os procedimentos apropriados. Em outras jurisdições, como, por exemplo, a Turquia, existe uma junta especial para audiências disciplinares. Em outras, como na Inglaterra e no País de Gales, esses casos são apurados pelo diretor da prisão ou, se de maior gravidade, por uma autoridade independente, como um Juiz.

A justiça natural deve ser

respeitada

Observando os procedimentos

adequados

Uma autoridade competente deve

apurar os casos

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PROCEDIMENTOS DISCIPLINARES E PUNIÇÕES

104

Nos casos em que a administração prisional realiza audiências públicas, é importante assegurar que os administradores tenham recebido capacitação adequada e que não tenham tido qualquer conhecimento prévio do caso que estão prestes a ouvir.

Em todos os casos, a pessoa presa acusada deve estar presente durante a audiência e deve ouvir as provas, conforme apresentadas, além de ter o direito de questionar o servidor que está apresentando o caso. Se, por qualquer razão, um preso não for capaz de se defender, ele deve ter permissão para chamar outra pessoa para prestar-lhe assistência. Em se tratando de um caso complexo ou de uma possível punição severa, deve-se considerar a possibilidade de oferecer representação legal.

Se a pessoa presa for considerada culpada da acusação, ela deve ter o direito de recorrer a uma autoridade de instância superior.

Em algumas administrações, é comum serem emitidas advertências informais no caso de pequenas violações da disciplina, antes de se recorrer a uma ação formal. Esse procedimento pode se mostrar útil para alertar o preso sobre o fato de que seu comportamento está causando preocupação. No entanto, é preciso tomar cuidado, no sentido de assegurar que o uso dessas advertências seja justo e consistente. Deve-se evitar que isso dê lugar a um sistema de sanções não-oficiais.

As punições devem ser justas e proporcionais

A lista de violações disciplinares, claramente definidas e divulgadas na prisão, deve ser acompanhada por uma lista completa das possíveis punições aplicáveis a qualquer pessoa presa que cometer uma das violações. Da mesma forma que a lista de violações, a lista de punições deve ser estipulada em um documento legal, aprovado pela autoridade competente. As punições sempre devem ser justas e proporcionais à violação em questão.

O que dizem os instrumentos internacionais

Regras Mínimas Para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 30:

(1) Nenhuma pessoa presa será punida, exceto em conformidade com os termos da lei ou do regulamento pertinente, e nunca duas vezes pela mesma transgressão.

(2) Nenhuma pessoa presa será punida sem que tenha sido informada da transgressão contra ela alegada e tenha tido oportunidade adequada de apresentar sua defesa. A autoridade competente realizará um exame completo do caso.

Regras Mínimas Para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 31:

Castigos corporais, punição mediante colocação da pessoa presa em uma cela escura e todas as punições cruéis, desumanas ou degradantes, deverão ser completamente proibidas como punições para violações disciplinares.

Regras Mínimas Para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 32:

(1) Punição mediante confinamento ou redução do regime alimentar nunca deverá ser imposta, a menos que o profissional médico tenha examinado a pessoa presa e certificado, por escrito, que ela está apta a suportar esse tipo de punição.

(2) O mesmo se aplica a qualquer outra punição que possa ser prejudicial à saúde física ou mental de uma pessoa presa. Em nenhuma hipótese, tal punição poderá contrariar ou divergir do princípio expresso na regra 31.

Preparando uma defesa adequada

Direito a recurso

Advertências informais

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PROCEDIMENTOS DISCIPLINARES E PUNIÇÕES

105

(3) O profissional médico deverá visitar diariamente os presos que estão sujeitos a tais punições e deverá informar o diretor se ele considera necessária a descontinuação ou alteração da punição, em razão da saúde física ou mental da pessoa presa.

Regras Mínimas Para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 33:

Instrumentos de contenção, tais como algemas, correntes, ferros e camisas-de-força, jamais serão empregados como punição.

Regras Prisionais Europeias, Regra 60.3:

Penas coletivas e físicas, isolamento em cela escura e todas as outras formas de punição desumana ou degradante são proibidas.

Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, Artigo 7(2):

A punição é pessoal e pode ser imposta somente ao transgressor.

Convenção Americana de Direitos Humanos, artigo 5(3):

A punição não se estenderá a qualquer pessoa, que não o criminoso.

Colocando em prática

Uma pessoa presa somente poderá ser punida após uma audiência disciplinar formal, realizada conforme os procedimentos descritos acima, que resulte em uma constatação de culpa. Tais audiências deverão ser conduzidas separadamente. Se, por exemplo, houver por parte dos presos uma recusa em massa em obedecer a uma regra ou se ocorrer um ataque que envolva vários presos, o caso de cada um deles deve ser apurado separadamente e as punições devem ser aplicadas individualmente.

Nenhuma pessoa presa deve ser punida duas vezes pela mesma transgressão. Isso significa que, se a transgressão – por exemplo, um ataque ou uma tentativa de fuga – for encaminhada a um tribunal externo, o fato não deve ser acompanhado por audiência disciplinar interna.

As sanções administrativas poderão incluir uma advertência formal registrada, exclusão do trabalho, confisco de salários (nos casos em que são pagos salários pelo trabalho realizado na prisão), restrição quanto à participação em atividade recreativa, restrição quanto ao uso de determinados objetos pessoais, restrição quanto à movimentação na prisão. As punições não devem incluir qualquer restrição quanto a contato com a família por carta ou visita. Independentemente de qualquer outra consideração, isso seria uma punição para a família ou para os amigos da pessoa presa.

A punição imposta por um inquérito disciplinar sempre deve ser proporcional à transgressão cometida. Existem proibições específicas contra todas as formas de castigo corporal, punição mediante à colocação da pessoa em uma cela escura, e todas as punições cruéis, desumanas ou degradantes. Atualmente é opinião generalizada que uma redução do padrão alimentar é uma forma de castigo físico e constitui punição desumana; esse entendimento reflete a opinião profissional que se desenvolveu, desde que foram aprovadas as Regras Mínimas pelas Nações Unidas, em 1957.

Instrumentos de contenção física nunca podem ser usados como punição. As circunstâncias em que tais instrumentos podem ser usados estão descritas no Capítulo 4.

A punição sempre é individual

Nunca punir duas vezes pela mesma

transgressão

Sanções administrativas

Restrições às punições

Contenção física não deve ser usada

como punição

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PROCEDIMENTOS DISCIPLINARES E PUNIÇÕES

106

A participação de médicos na certificação de que as pessoas presas estão aptas para um determinado tipo de punição é uma questão sensível e é tratada no Capítulo 6. As Regras Mínimas (32) estabelecem que um profissional médico deve examinar todos os presos prestes a receber uma punição que possa ser prejudicial a sua saúde física ou mental e certificar, por escrito, que eles estão aptos a suportar tal punição. Nesse contexto, essa regra tem por objetivo assegurar que nenhum preso, que não esteja apto a suportar a punição, tenha de sofrê-la; a intenção da regra não é deixar implícita qualquer aprovação médica da punição.

Essa regra deve ser ponderada, frente ao disposto nos Princípios de Ética Médica, relevantes para o Papel dos Profissionais de Saúde, principalmente Médicos, na Proteção de Pessoas Presas e Detidas contra Tortura e Outros Tratamentos e Punições Cruéis, Desumanos ou Degradantes:

3. Constitui violação da ética médica a participação de profissionais de saúde, principalmente médicos, em qualquer relação profissional com presos ou detentos, cujo propósito não seja exclusivamente o de avaliar, proteger ou melhorar sua saúde física e mental.

É preciso deixar muito claro para os servidores que os únicos tipos de punição que podem ser impostos aos presos são aqueles que decorrem de inquérito disciplinar formal. Não é permissível que os servidores tenham um sistema informal de punições à parte, que não passe pelos procedimentos oficiais. A administração deve prestar particular atenção a esse aspecto.

Confinamento em solitária

Os instrumentos internacionais deixam claro que o confinamento em solitária não é uma punição apropriada, a não ser nas circunstâncias mais excepcionais. Sempre que possível, seu uso deve ser evitado e devem ser tomadas medidas destinadas a abolir essa prática. Esses instrumentos reconhecem o fato de que períodos de confinamento em solitária são potencialmente prejudiciais para a saúde mental do prisioneiro.

O que dizem os instrumentos internacionais

Princípios Básicos para o Tratamento de Pessoas Presas, Princípio 7:

Devem ser envidados e estimulados os esforços destinados à abolição ou à restrição do uso do confinamento em solitária, como forma de punição.

Regras Mínimas para o Tratamento de Presos, Regra 31:

Castigo corporal, punição mediante a colocação da pessoa presa em uma cela escura, e todas as formas de punição cruéis, desumanas ou degradantes devem ser completamente proibidas, como formas de punição para transgressões disciplinares.

Regras Prisionais Europeias, Regra 60.3:

Penas coletivas e físicas, isolamento em cela escura e todas as outras formas de punição desumana ou degradante são proibidas.

Regras Prisionais Europeias, Regra 60.5:

O confinamento solitário deve ser imposto como punição apenas em casos excepcionais e por um período determinado de tempo, que deve ser o mais curto possível.

Punições não-oficiais

são proibidas

Papel restrito do médico

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PROCEDIMENTOS DISCIPLINARES E PUNIÇÕES

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Regras Prisionais Europeias, Regra 43.2,3:

43.2 O profissional médico ou um enfermeiro qualificado, que se reporta ao médico, deverá prestar especial atenção à saúde dos presos mantidos em condições de confinamento solitário; deve visitá-los diariamente e deve fornecer-lhes assistência e tratamento médico imediato, quando requerido pelos presos ou servidores.

43.3 O médico deve informar ao diretor, sempre que considerar que a saúde física ou mental de um preso está sendo colocada seriamente em risco, devido ao confinamento contínuo ou por qualquer condição da prisão, incluindo as condições de confinamento solitário.

Colocando em prática

Existem várias formas de confinamento em solitária. A forma mais extrema ocorre quando um indivíduo é mantido completamente só e submetido à privação de sentidos, por falta de acesso à luz, som ou ar fresco, dentro do que, muitas vezes, denominam-se “celas escuras”. Essa forma de isolamento nunca deve ser imposta como punição. Deve haver uma proibição semelhante contra a manutenção de pequenos grupos de presos em um ambiente desse tipo.

Em uma decisão proferida em 1983, a Comissão Europeia de Direitos Humanos foi bastante clara com relação às consequências desse tipo de confinamento:

...o isolamento sensorial completo, somado ao total isolamento social, pode destruir a personalidade e constitui uma forma de tratamento que não pode ser justificada pelos requisitos de segurança ou qualquer outra razão.

Comissão Europeia de Direitos Humanos, Julgamento do caso Kröcher e Möller contra a Suíça, 1982.

Outra forma de confinamento em solitária ocorre quando uma pessoa presa é mantida em uma cela individual com acesso à luz normal e pode ouvir outros presos movimentando-se em áreas adjacentes. Esse tipo de punição somente deve ser usado em circunstâncias excepcionais e por curtos períodos de tempo. Em todos esses casos, as pessoas presas devem ser cuidadosamente monitoradas diariamente por um médico, a fim de se observar qualquer deterioração de sua saúde, em cujo caso a punição deve ser descontinuada.

O Comitê Europeu para a Prevenção da Tortura (CPT) dedica particular atenção ao confinamento em cela solitária, ou quaisquer condições comparáveis. “O confinamento em solitária, em determinadas circunstâncias, pode ser equivalente a tratamento desumano e degradante; de qualquer modo, todas as formas de confinamento em solitária devem ser tão curtas quanto possível.”38

A Constituição da República do Equador proíbe o uso do isolamento como sanção disciplinar. 39

Proibição da privação de

sentidos e de celas escuras

Monitoramento diário

Perigos do confinamento em

solitária

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PROCEDIMENTOS DISCIPLINARES E PUNIÇÕES

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“Os efeitos do confinamento solitário

Tem sido convincentemente documentado em várias ocasiões que o confinamento solitário pode causar sérios efeitos nocivos psicológicos e, por vezes, fisiológicos. Pesquisas sugerem que entre um terço e até 90 por cento dos reclusos experimentam sintomas adversos em confinamento solitário. Uma longa lista de sintomas, que vão desde a insônia e confusão até alucinações e psicoses, tem sido documentada. Efeitos negativos para a saúde podem ocorrer depois de apenas alguns dias em confinamento solitário, e os riscos aumentam a cada dia adicional em tais condições.

Declaração de Istambul sobre o uso e os efeitos de confinamento solitário, 2007

Algumas jurisdições usam, cada vez mais, administrativamente, o confinamento em solitária por períodos prolongados ou indefinidos, como parte de um regime especial de segurança máxima. Os perigos dessa prática são tratados mais extensamente no Capítulo 8.

Confinamento em solitária e

segurança máxima

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ATIVIDADES CONSTRUTIVAS E REINTEGRAÇÃO SOCIAL

109

10

O Contexto

Privar um ser humano de liberdade é uma punição muito severa. Por si só, a prisão é uma privação severa de direitos e, assim, somente deve ser imposta por uma autoridade judicial, em circunstâncias claramente definidas, e quando não houver alternativa razoável. O presente manual já deixou claro que as autoridades prisionais não devem procurar aumentar a pena imposta pelo tribunal, tratando os presos de modo desumano ou com uma severidade injustificada. Ao contrário, elas devem fazer todo o possível para prevenir a deterioração física e mental daqueles que se encontram sob sua custódia.

Não basta que as autoridades prisionais simplesmente tratem os presos com humanidade e dignidade. Elas também devem oferecer oportunidades de mudança e desenvolvimento aos presos. Isso exige habilidades consideráveis e muito empenho por parte da equipe. A maioria das prisões está repleta de pessoas marginalizadas da sociedade. Muitas delas têm origens de extrema pobreza e vêm de famílias disfuncionais; uma alta percentagem será de pessoas desempregadas; os níveis de escolaridade, provavelmente, serão baixos, algumas pessoas terão vivido nas ruas e não terão qualquer rede social legítima. Mudar as perspectivas de vida de pessoas com tantas desvantagens não é tarefa fácil.

As prisões devem ser lugares onde há um amplo programa de atividades construtivas, que ajudem os presos a melhorar sua situação. No mínimo, a experiência da prisão não deve deixar as pessoas presas em condição pior do que quando começaram a cumprir sua pena, e sim ajudá-las a manter e melhorar sua saúde e seu funcionamento intelectual e social.

O que dizem os instrumentos internacionais

Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, Artigo 10(3):

O sistema penitenciário deve incluir o tratamento das pessoas presas e sua meta essencial deverá ser sua regeneração e reabilitação social.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regras 65-66:

65. O tratamento de pessoas condenadas à prisão ou a uma medida semelhante terá por objetivo, tanto quanto a duração da pena o permitir, estabelecer nelas a vontade de levar uma vida de cumprimento à lei e de torná-las aptas para o autossustento, após a soltura. O tratamento deverá estimular seu autorrespeito e desenvolver seu senso de responsabilidade.

66 (1) Para tanto, deverão ser empregados todos os meios apropriados, inclusive atendimento religioso, nos países onde isso for possível, educação, orientação vocacional e capacitação profissionalizante, assistência social, aconselhamento para o emprego, desenvolvimento físico e fortalecimento do caráter moral, conforme as necessidades individuais de cada preso, levando-se em conta sua história social e criminal, suas capacidades e aptidões físicas e mentais, seu temperamento pessoal, a duração de sua sentença e suas perspectivas após a soltura.

Atividades construtivas e reintegração social

Prevenção da deterioração em

prisioneiros

Proporcionando oportunidades de mudança e

desenvolvimento

A obrigação de proporcionar

atividades

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ATIVIDADES CONSTRUTIVAS E REINTEGRAÇÃO SOCIAL

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(2) Para cada pessoa presa com uma sentença de duração compatível, o diretor deverá receber, tão logo quanto possível, após sua admissão, relatórios completos sobre todas as matérias mencionadas no parágrafo anterior. Tais relatórios sempre deverão incluir um relato feito por um profissional médico, sempre que possível, qualificado em psiquiatria, informando a condição física e mental da pessoa presa.

(3) Os relatórios e outros documentos relevantes deverão ser colocados em um arquivo individual. Esse arquivo deverá ser mantido atualizado e classificado de modo que possa ser consultado pelo pessoal responsável, sempre que surgir a necessidade.

Colocando em prática

Um preso reabilitado não é alguém que aprendeu a sobreviver bem na prisão, mas uma pessoa que tem êxito no mundo externo à prisão, após sua soltura. Para que as autoridades prisionais deem prioridade em seu programa de atividades, ao que o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos descreve como a “regeneração e reabilitação social” dos presos, elas precisarão basear as atividades realizadas dentro da prisão, na oferta de recursos e desenvolvimento das habilidades, que os prisioneiros necessitam para viver bem fora da prisão. Isso significa, por exemplo, vincular o trabalho que os presos desempenham na prisão com as possibilidades de trabalho no mundo externo. As pessoas presas precisam ser ajudadas a adquirir habilidades e desenvolver a capacidade de ganhar a vida e sustentar uma família, tendo em conta a discriminação que ex-prisioneiros, provavelmente, enfrentarão quando tentarem encontrar emprego.

Durante o tempo que homens e mulheres passam na prisão, deve haver mecanismos para ajudá-los a encontrar algum lugar em que possam se estabelecer, após saírem da prisão e, assim, criar algum tipo de estrutura social que os ajude a ser novamente aceitos na sociedade.

Nada disso será fácil de conseguir, principalmente em muitas jurisdições que enfrentam os graves problemas da superpopulação, a escassez de servidores prisionais capacitados e as poucas oportunidades para estabelecer vínculos com o mundo externo, além da recepção hostil dos ex-prisioneiros, por parte da sociedade externa, quando deixam a prisão. Os princípios destacados neste capítulo estabelecem uma meta rumo à qual as administrações prisionais devem trabalhar, considerando-se os limites dos recursos disponíveis. Elas também devem considerar a possibilidade de desenvolverem parcerias com a sociedade civil e com organizações educacionais da comunidade, a fim de aumentar as oportunidades para os presos.

O Projeto Fita Amarela em Singapura trabalha para aumentar a conscientização da comunidade para as necessidades dos ex-reclusos, em sua difícil jornada para uma vida normal. Isso é feito em parceria com comunidade, governo e organizações religiosas. Os objetivos do projeto são dar uma segunda chance e gerar aceitação de ex-prisioneiros e suas famílias na comunidade, e inspirar a ação da comunidade para apoiar a reabilitação e reintegração de ex-detentos. 40

Editado a partir do site da Corporação Singapura das Empresas de Reabilitação

Para que o programa de atividades na prisão tenha o efeito desejado, será importante que cada pessoa presa seja reconhecida, tanto quanto possível, como um indivíduo. Não basta esperar que todos os presos recebam capacitação ou desenvolvimento semelhante; isso não será nem eficiente,

Preparação dos presos para a vida

após a soltura

Utilizando organizações da

sociedade civil

Reconhecendo o prisioneiro como

indivíduo

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ATIVIDADES CONSTRUTIVAS E REINTEGRAÇÃO SOCIAL

nem eficaz. Alguns presos serão analfabetos, ao passo que outros poderão ter sido professores, antes de serem presos. Alguns prisioneiros terão chegado à prisão, vindos de uma vida nas ruas; outros poderão vir de uma formação familiar forte, com perspectivas de trabalho após a soltura. Portanto, quando forem organizadas atividades de reabilitação e quando os presos forem alocados para tais atividades, a história do preso será um importante fator de decisão.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regras 67-69:

67. Os objetivos da classificação serão:

(a) Separar de outras aquelas pessoas presas que, em razão de seu histórico criminal ou mau caráter, têm propensão a exercer uma má influência; (b) Dividir as pessoas presas em classes, a fim de facilitar seu tratamento com vistas a sua reabilitação social.

68. Tanto quanto possível, deverão ser usadas instituições separadas ou alas separadas de uma instituição para o tratamento de diferentes classes de pessoas presas.

69. Tanto quanto possível, após a admissão e após um estudo da personalidade de cada prisioneiro condenado a uma sentença de duração compatível, deverá ser elaborado um programa de tratamento para o mesmo, à luz do conhecimento obtido sobre suas necessidades individuais, suas capacidades e disposições.

Colocando em prática

Cada pessoa presa que chega à prisão traz consigo experiências de vida anteriores e, quase todas, serão soltas um dia. Para que uma pessoa se beneficie do tempo que passará na prisão, a experiência deve ser vinculada àquilo que, provavelmente, acontecerá em sua vida após a soltura. A melhor forma de se estabelecer esse vínculo é elaborar um plano de como o preso poderá usar os vários recursos disponíveis no sistema prisional. As pessoas presas precisam receber coisas para fazer que garantem que elas não fiquem ociosas e que tenham um propósito. Todas as atividades – quer sejam agrícolas, de alfabetização, quer sejam de participação em programas culturais e artísticos – devem ser organizadas de modo a contribuir para um clima em que as pessoas presas não se deteriorem, mas desenvolvam novas atitudes que as ajudarão, quando forem soltas.

Para presos que estão cumprindo penas curtas, é possível que haja pouco tempo para empreender atividades úteis. Nesse caso, a ênfase incidirá, principalmente, na preservação dos vínculos com a família e com o mundo externo.

Trabalho e desenvolvimento de habilidades

Encontrar uma forma de ganhar a vida é a parte mais importante da capacidade do preso de se reintegrar à sociedade, após ser solto da prisão. Para muitos prisioneiros, o seu tempo na prisão pode ser a primeira oportunidade que eles têm de desenvolver habilidades vocacionais ou profissionalizantes e desempenhar um trabalho regular. O principal propósito de se exigir que os presos trabalhem é o de prepará-los para uma vida de trabalho normal, após sua soltura da prisão, não o de ganhar dinheiro para a administração prisional ou gerenciar fábricas em benefício de outros setores do governo.

Estimular o desenvolvimento

individual

Presos que cumprem penas

curtas

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ATIVIDADES CONSTRUTIVAS E REINTEGRAÇÃO SOCIAL

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É preciso lembrar que o emprego é apenas um elemento da reabilitação social. Uma resposta completa deverá incluir a oportunidade de desenvolvimento de todas as habilidades necessárias ao retorno à sociedade; e diferentes sociedades exigirão diferentes habilidades. Outras iniciativas importantes para a manutenção dos vínculos com a comunidade externa são tratadas no Capítulo 11.

O que dizem os instrumentos internacionais

Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, Artigo 8:

3. (a) Nenhuma pessoa será obrigada a executar trabalho forçado ou compulsório.

(b) Em países onde a prisão com trabalho forçado pode ser imposta como pena para um crime, o parágrafo 3(a) não será interpretado de modo a impedir a execução de trabalho forçado, em cumprimento de uma condenação a tal pena determinada por um tribunal competente.

(c) Para os fins do presente parágrafo, o termo “trabalho forçado ou compulsório” não incluirá:

(i) qualquer trabalho ou serviço não mencionado na alínea (b), normalmente exigido de uma pessoa que se encontra sob detenção, em consequência de uma ordem legal emitida por um tribunal, ou de uma pessoa durante liberdade condicional de tal detenção.

Princípios Básicos para o Tratamento de Pessoas Presas, Princípio 8:

Deverão ser criadas condições que permitam às pessoas presas desempenhar trabalho remunerado e significativo, que facilite sua integração ao mercado de trabalho do país e lhes permita contribuir para seu próprio sustento financeiro e o de suas famílias.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 71:

(1) O trabalho na prisão não deverá ser de natureza aflitiva;

(2) Todos os presos sentenciados terão de trabalhar, sujeito a sua aptidão física e mental, conforme determinado pelo profissional médico;

(3) Deverá ser proporcionado trabalho suficiente e de natureza útil para manter os presos ativamente empregados, durante um dia de trabalho normal;

(4) Tanto quanto possível, o trabalho oferecido deverá ser tal, que mantenha ou aumente a capacidade dos prisioneiros de ganhar uma vida honesta, após a soltura; (5) Treinamento profissionalizante em ofícios úteis deverá ser proporcionado às pessoas presas, que possam se beneficiar desse tipo de treinamento, principalmente presos jovens;

(6) Dentro dos limites compatíveis com a seleção vocacional adequada e, conforme os requisitos da administração institucional e de disciplina, as pessoas presas poderão escolher o tipo de trabalho que desejam desempenhar.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 72:

(1) A organização e os métodos de trabalho empregados nas instituições prisionais, deverão assemelhar-se, tanto quanto possível, àqueles de trabalho semelhante fora das instituições, de modo a preparar os prisioneiros para as condições da vida de trabalho normal.

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ATIVIDADES CONSTRUTIVAS E REINTEGRAÇÃO SOCIAL

(2) Os interesses dos presos e seu treinamento profissionalizante, entretanto, não devem ser subordinados ao fim de obtenção de lucro financeiro, a partir de uma indústria dentro da instituição.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 73:

(1) Preferencialmente indústrias e propriedades rurais institucionais devem ser operadas diretamente pela administração prisional, e não por empresas particulares contratadas.

(2) Nos casos em que os prisioneiros forem empregados em trabalho não controlado pela administração, eles sempre deverão estar sob a supervisão do pessoal da instituição prisional. A menos que o trabalho seja para outras repartições do governo, os salários normais plenos, pagos por tal trabalho, deverão ser pagos à administração prisional pelas pessoas para as quais o trabalho é prestado, levando-se em conta a produção dos presos.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 74:

(1) As precauções estipuladas, com vistas à proteção da segurança e da saúde de trabalhadores livres, deverão ser igualmente observadas em instituições prisionais.

(2) Deverão ser tomadas providências, no sentido de indenizar os prisioneiros contra danos industriais, inclusive doença ocupacional, em condições não menos favoráveis do que as conferidas pela lei a trabalhadores livres.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 75:

(1) O número máximo de horas de trabalho por dia e por semana para os prisioneiros deverá ser fixado por lei ou regulamento administrativo, levando-se em conta as regras ou o costume locais, com relação ao emprego de trabalhadores livres.

(2) As horas de trabalho assim fixadas deverão alocar um dia de repouso semanal, bem como tempo suficiente para educação e outras atividades necessárias, como parte do tratamento e da reabilitação das pessoas presas.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 76:

(1) Deverá haver um sistema de remuneração equitativa do trabalho dos prisioneiros.

(2) Com base nesse sistema, os prisioneiros deverão ter permissão para gastar, pelo menos uma parte de sua renda, em artigos aprovados para seu próprio uso e enviar uma parte de sua renda para sua família.

(3) O sistema também deve estipular que uma parte da renda deve ser reservada para a administração, de modo a constituir um fundo de poupança a ser transferido para o prisioneiro, quando de sua liberdade.

Colocando em prática

Os prisioneiros não devem passar seus dias em estado de ociosidade ou monotonia. Isso é importante para seu próprio bem-estar pessoal e também para uma gestão tranquila da prisão: os presos que não são mantidos ocupados têm mais propensão de se tornarem deprimidos e disruptivos. Isso está ligado ao conceito de segurança dinâmica, descrito no Capítulo 7 deste manual. Entretanto, também existe uma razão muito mais positiva para se proporcionar aos prisioneiros um trabalho significativo. Algumas pessoas se envolvem em atividades criminosas porque não possuem qualquer fonte de renda legítima, muitas vezes, porque não conseguem encontrar emprego. Isso pode ocorrer porque elas nunca tiveram a experiência de um trabalho regular,

O valor do trabalho

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ATIVIDADES CONSTRUTIVAS E REINTEGRAÇÃO SOCIAL

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de modo que nunca aprenderam a disciplina necessária para seguir um regime de trabalho estável a cada dia. Também pode ser que elas almejem trabalhar, mas não possuem as habilidades, nem a capacitação necessárias para encontrar um emprego regular.

Existe uma proibição geral contra o trabalho forçado ou obrigatório. No entanto, os instrumentos internacionais deixam claro que o trabalho executado por presos não se insere automaticamente nessa categoria. Os prisioneiros sentenciados podem ser obrigados a trabalhar, contando que sejam observadas certas salvaguardas. São elas:

que o trabalho tenha um propósito;

que o trabalho os ajude a adquirir habilidades que lhes serão úteis após serem soltos;

que os prisioneiros sejam remunerados pelo trabalho que desempenharem;

que as condições de trabalho sejam, em grande medida, semelhantes àquelas de qualquer local de trabalho civil, principalmente com relação aos requisitos de saúde e segurança;

que o número de horas de trabalho não seja excessivo e permita tempo para outras atividades.

O trabalho na prisão pode ter duas metas principais. A primeira é a simples meta de estimular os prisioneiros a participar de uma rotina regular, que envolva acordar, ir para um local de trabalho e passar várias horas por dia trabalhando ao lado de outras pessoas de modo organizado. Entretanto, por si só, isso não basta. Há pouco sentido em obrigar os prisioneiros a irem todos os dias para uma oficina de trabalho, onde o trabalho é monótono e, provavelmente, não será de qualquer utilidade para outras pessoas. O pior exemplo disso foi o sistema usado no século XIX, chamado de a manivela ou a esteira, no qual os prisioneiros eram obrigados a girar grandes cilindros de areia durante muitas horas por dia, sem qualquer propósito em absoluto. Existem muitos equivalentes modernos desse tipo de trabalho, esvaziado de qualquer sentido.

A outra meta do trabalho é propiciar confiança aos prisioneiros e permitir que eles desenvolvam habilidades para desempenharem um trabalho que tenha um propósito, no qual eles sintam que estão aprendendo de um modo que, em grande medida, contribuirá para que eles encontrem emprego após cumprirem sua pena. Isso significa que o trabalho na prisão deve ser vinculado a um treinamento, destinado a oferecer habilidades aos presos, que lhes permitirão adquirir qualificações para trabalhar em ofícios tradicionais, tais como construção, engenharia, administração ou agricultura. Também é possível incluir treinamento em novas habilidades, como computação. Esse treinamento profissionalizante é, particularmente, importante para prisioneiros jovens. Na concepção desses programas, é particularmente importante conhecer os tipos de oportunidades de emprego que estarão disponíveis na comunidade local, para onde o preso retornará.

As necessidades especiais das mulheres presas são tratadas no Capítulo 18. É importante que elas tenham acesso a uma ampla gama de oportunidades de trabalho, enquanto estiverem na prisão. Elas não devem ser limitadas unicamente a atividades, tais como costura ou artesanato manual.

Em muitos países, as administrações prisionais têm muita dificuldade em garantir trabalho suficiente para os prisioneiros. Há vários modelos para lidar com esse problema.

Desenvolvendo uma rotina

Desenvolvimento de habilidades

Mulheres presas

Formas de encontrar trabalho

Condições de trabalho

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ATIVIDADES CONSTRUTIVAS E REINTEGRAÇÃO SOCIAL

Em algumas jurisdições, outros ministérios do governo devem oferecer determinados tipos de emprego para a administração prisional. Isso pode ocorrer através de determinados contratos internos do governo. Pode ser um trabalho destinado a órgãos externos como, por exemplo, a confecção de placas de veículos.

Em muitos casos, os servidores prisionais podem usar sua criatividade para encontrar oportunidades de trabalho significativo para os prisioneiros. Prisioneiros selecionados criteriosamente podem, por exemplo, aprender habilidades úteis, trabalhando com os servidores na manutenção e no conserto das instalações prediais do estabelecimento. Nos casos em que tiver uma área de terra, os presos podem trabalhar sob supervisão e cultivá-la, a fim de fornecer alimentos para si e para os outros. Eles também podem participar de tarefas diárias indispensáveis, tais como serviços de cozinha e de limpeza.

Também existem muitas situações em que os prisioneiros podem ajudar órgãos governamentais e não-governamentais em seu trabalho com pessoas menos favorecidas, por exemplo, fabricando móveis para um albergue de pessoas desabrigadas ou brinquedos para um lar de crianças.

O emprego como autônomo em empresas unipessoais ou em cooperativas de pequeno porte pode ser uma opção viável para alguns, após deixarem a prisão. Os prisioneiros podem usar ou desenvolver as habilidades que já possuem para produzir objetos que podem ser vendidos no mercado. Esse trabalho pode ser realizado após sair da prisão e não coloca o ex-prisioneiro frente a frente com a discriminação.

Nos últimos anos, tem havido uma crescente tendência de envolver empresas comerciais e indústrias na oferta de trabalho para prisioneiros. Nos casos em que isso acontece, as autoridades prisionais devem certificar-se de que os presos não são usados simplesmente como fonte de mão-de-obra barata ou para baixar os salários de trabalhadores locais. Nesses casos, os prisioneiros devem ser remunerados pelo valor integral do trabalho que desempenham.

Para que a experiência de trabalho prepare os prisioneiros para a vida após a soltura e não seja meramente vista por eles como um trabalho forçado, é importante que eles recebam algum tipo de remuneração pelo trabalho que desempenham. Isso pode ser feito de várias formas. Um dos métodos mais criativos é remunerar os presos a um salário equivalente ao que seria pago a um trabalhador semelhante na sociedade civil. Em seguida, eles devem passar uma proporção do dinheiro para suas famílias, em alguns casos, doar uma proporção para algum tipo de reparação do crime que cometeram e poupar um pouco para a vida após a prisão.

Cerca de 1.200 prisioneiros de segurança mínima na prisão de Davao, nas Filipinas, fazem, voluntariamente, o trabalho agrícola de produtos não sensíveis, ao lado de milhares de trabalhadores comuns. Às famílias dos presos, são pagos salários equivalentes ao salário mínimo.41

Manila Standard Today, 9 de maio, 2008

Remuneração pelo trabalho

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ATIVIDADES CONSTRUTIVAS E REINTEGRAÇÃO SOCIAL

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É importante que as condições em que os prisioneiros trabalham sejam sujeitas às mesmas leis de saúde, segurança, acidentes industriais e doenças ocupacionais, que regem o trabalho da população em geral. Isso significa que as autoridades prisionais devem conhecer bem a legislação nacional sobre saúde e segurança no trabalho, e devem certificar-se que ela seja observada no contexto prisional. Essas salvaguardas também devem se aplicar ao período de tempo que os presos têm de dispender no trabalho. A carga horária não deve ser excessiva e deve deixar tempo disponível para os prisioneiros participarem de outras atividades.

As considerações sobre trabalho aplicam-se, em primeiro lugar, aos presos que já foram sentenciados. Considerações diferentes aplicam-se a presos que estão aguardando julgamento. Uma vez que eles não foram considerados culpados de um crime, eles não devem ser obrigados a trabalhar. Entretanto, eles também podem sofrer do tédio de ter de passar longos períodos de monotonia e ociosidade, às vezes, por anos. Sempre que possível, também deve haver trabalho disponível para os presos que aguardam julgamento e eles devem ser estimulados a participar. A situação de presos provisórios é tratada no Capítulo 16 deste manual.

Atividades educacionais e culturais

Muitas pessoas que se encontram na prisão têm baixos padrões de escolaridade. Uma parcela significativa não domina as competências básicas de leitura e escrita.

Esse baixo nível de escolaridade afetou suas vidas antes de elas serem presas e pode muito bem ter contribuído para que cometessem um crime. É uma realidade lamentável que, para algumas pessoas, o próprio fato de estarem presas e terem de permanecer em um lugar por um período de tempo fixo seja a primeira oportunidade real que elas têm de seguir regularmente um programa educacional adequado.

Também é importante oferecer oportunidades de atividades culturais, juntamente com a educação mais formal, uma vez que isso proporcionará mais um contexto no qual os prisioneiros poderão desenvolver seu senso de autovalorização. Como destaca o Relato Especial da ONU para o Direito à Educação, a educação nas prisões é “muito mais que um instrumento de mudança, é, por si mesmo, um imperativo”.42

O que dizem os instrumentos internacionais

Declaração Universal dos Direitos Humanos, Artigo 26:

(1) Todas as pessoas têm direito à educação.

(2) A educação será direcionada para o pleno desenvolvimento da personalidade humana e o fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais.

Declaração Universal dos Direitos Humanos, Artigo 27:

(1) Todas as pessoas têm o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de desfrutar das artes e partilhar do avanço científico e de seus benefícios.

Princípios Básicos para o Tratamento de Pessoas Presas, Princípio 6:

Todas as pessoas presas terão o direito de participar de atividades culturais e educacionais, destinadas ao pleno desenvolvimento da personalidade humana.

Trabalho para presos provisórios

Condições de trabalho seguras

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ATIVIDADES CONSTRUTIVAS E REINTEGRAÇÃO SOCIAL

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 77:

(1) Deverão ser tomadas providências com vistas à educação suplementar de todos os prisioneiros capazes de se beneficiar dela, inclusive instrução religiosa nos países, onde isso for possível. A educação de analfabetos e prisioneiros jovens será obrigatória e a administração deverá dedicar-lhes atenção especial.

(2) Tanto quanto possível, a educação das pessoas presas será integrada ao sistema educacional do país, de modo que, após sua soltura, elas possam continuar sua educação sem dificuldade.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 78:

Atividades recreativas e culturais deverão ser proporcionadas em todas as instituições em prol da saúde mental e física das pessoas presas.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 40:

Toda instituição deverá ter uma biblioteca para uso de todas as categorias de pessoas presas, adequadamente equipada com livros, tanto de lazer quanto de instrução, e as pessoas presas deverão ser estimuladas a fazer bom uso dela.

A Resolução 1990/20 do Conselho Econômico e Social da ONU refere-se à educação nas prisões nos seguintes termos:

a. A educação nas prisões deve ter por objetivo o desenvolvimento integral da pessoa, levando-se em conta os antecedentes sociais, econômicos e culturais da pessoa presa;

b. Todas as pessoas presas devem ter acesso à educação, inclusive programas de alfabetização, educação básica, capacitação profissionalizante, atividades criativas, religiosas e culturais, educação física e esportes, educação social, educação superior e bibliotecas;

c. Todos os esforços devem ser envidados para estimular as pessoas presas a participarem ativamente de todos os aspectos da educação;

d. Todas as pessoas que atuam na administração e gestão prisional devem facilitar e apoiar a educação, tanto quanto possível;

e. A educação deve ser um elemento essencial do regime prisional; devem ser evitados desincentivos às pessoas presas que participam de programas educacionais formais e aprovados;

f. A educação profissionalizante deve ter por objetivo o desenvolvimento mais amplo do indivíduo e ser sensível às tendências do mercado de trabalho;

g. Atividades criativas e culturais devem desempenhar um papel significativo, uma vez que têm o potencial especial de permitir que as pessoas presas se desenvolvam e se expressem;

h. Sempre que possível, as pessoas presas devem ter permissão para participar de programas educacionais fora da prisão;

i. Nos casos em que a educação ocorrer dentro do estabelecimento prisional, a comunidade externa deve participar o mais ativamente possível;

j. Recursos financeiros, equipamentos e o pessoal de ensino necessários devem ser colocados à disposição, de modo a permitir que as pessoas presas recebam educação apropriada.

As Regras Mínimas Padrão para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude (Regras de Beijing) enfatizam a especial importância da educação em instituições para adolescentes em conflitos com a lei e são tratadas mais pormenorizadamente no Capítulo 17 deste manual.

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ATIVIDADES CONSTRUTIVAS E REINTEGRAÇÃO SOCIAL

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Colocando em prática

A educação não deve ser considerada uma atividade extra e opcional na lista de atividades oferecidas às pessoas presas. Ao contrário, trata-se de um elemento central, em todo o conceito de se utilizar o período na prisão como uma oportunidade para ajudar as pessoas presas a reorganizarem suas vidas de um modo positivo. Em primeiro lugar, a educação deve se concentrar nas habilidades básicas, de modo que todas as pessoas que se encontram na prisão, por qualquer período de tempo, possam aprender habilidades, tais como ler, escrever e fazer cálculos aritméticos básicos, que as ajudarão a sobreviver no mundo moderno.

A educação básica ou primária deve ser de livre acesso às pessoas privadas de liberdade, especialmente para crianças e para adultos que não receberam ou não completaram todo o ciclo de instrução primária.

Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Princípios e Melhores Práticas para a Proteção de Pessoas Privadas de Liberdade nas

Américas, Princípio XIII, 2008.

A educação deve ir muito além do que o ensino dessas habilidades básicas. No sentido mais pleno, a educação deve ter por objetivo o desenvolvimento integral da pessoa humana, levando em conta os antecedentes sociais, econômicos e culturais do preso. A educação, portanto, deve incluir acesso a livros, aulas e atividades culturais, tais como música, teatro e arte. Esse tipo de atividade não deve ser considerado simplesmente recreacional, mas deve ter por objetivo estimular o prisioneiro a se desenvolver como pessoa.

É necessário haver um programa equilibrado de atividades, que inclua o trabalho industrial e o treinamento em habilidades, conforme descrito anteriormente neste capítulo, bem como atividades educacionais e culturais e educação física. Todos os elementos que integram esse programa devem ser oferecidos no mesmo nível, em todas as prisões, embora, em algum nível, o equilíbrio exato possa variar de uma para outra, dependendo da faixa etária, das capacidades e necessidades dos presos. Alguns deles, principalmente os mais jovens, poderão precisar receber educação durante o dia, como se estivessem na escola. Para outros, o serviço educacional poderá ser prestado à noite, após um dia de trabalho normal. Em outras situações, os prisioneiros poderão passar metade do dia trabalhando e a outra metade em atividades educacionais. Essa situação não é incomum, quando não há trabalho suficiente para manter todos os presos ocupados durante todo o dia.

A seção anterior deste capítulo fez referência ao direito que os prisioneiros têm de receber remuneração pelo trabalho realizado. É importante que os prisioneiros não sejam penalizados por participarem de programas educacionais. Se os presos perderem remuneração por comparecer às aulas, isso será um importante desincentivo para eles.

As prisões são, muitas vezes, lugares onde existe muito potencial não explorado entre os presos. Alguns podem ter um alto nível de escolaridade; outros podem até ter sido professores antes de serem presos. Deve-se considerar a possibilidade de estimulá-los a ajudar na educação de presos menos capazes, sob supervisão apropriada.

Desenvolvimento integral da pessoa

Um programa equilibrado

Importância da educação

Não deve haver perda de

remuneração

Aproveitando o talento dos presos

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ATIVIDADES CONSTRUTIVAS E REINTEGRAÇÃO SOCIAL

O Capítulo 11 deste manual trata da importância de se assegurar que os presos tenham tanto contato quanto possível com a sociedade civil. Nesse sentido, é importante que as autoridades prisionais, sempre que possível, façam uso de recursos da comunidade, em vez de criarem suas estruturas paralelas. Um bom exemplo disso é o modo como alguns sistemas prisionais providenciam para que professores, que normalmente trabalham nas escolas e faculdades locais, também trabalhem nas prisões. Existem vários métodos de se fazer isso. Um deles é o sistema prisional contratar a prestação de serviços educacionais para as pessoas presas junto às autoridades educacionais locais, introduzindo um grau de normalidade à educação na prisão, além de assegurar que as pessoas presas sejam ensinadas de acordo com o conteúdo e os métodos educacionais usados na sociedade civil. Isso também aumentará a possibilidade de as pessoas presas continuarem sua educação na comunidade, após serem soltas.

As autoridades prisionais também podem convidar grupos culturais locais a entrarem na prisão para trabalhar ao lado de pessoas presas, em atividades apropriadas. Em algumas prisões, existe a tradição de o estabelecimento convidar grupos selecionados de pessoas locais, como, por exemplo, idosos, a visitar a instituição para serem entretidos pelos presos, bem como a praxe de servidores promoverem shows de música e entretenimento cultural.

Preparando para a liberdade

O que dizem os instrumentos internacionais

Princípios Básicos para o Tratamento de Pessoas Presas, Princípio 10:

Com a participação e a ajuda da comunidade e de instituições sociais, e com a devida consideração pelos interesses das vítimas, deverão ser criadas condições favoráveis à reintegração do ex-prisioneiro na sociedade, nas melhores condições possíveis.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 80:

Desde o início da pena de um presidiário, deve-se considerar o seu futuro após a soltura e ele deve ser estimulado e auxiliado a manter ou a estabelecer relações com pessoas ou órgãos externos à instituição prisional, que possam promover os melhores interesses de sua família e sua própria reabilitação social.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 81:

(1) Serviços e órgãos, governamentais ou não, que ajudam ex-prisioneiros a se restabelecerem na sociedade, deverão assegurar, tanto quanto possível e necessário, que os prisioneiros soltos recebam documentos de identificação apropriados, tenham lares e trabalhos adequados para onde ir, estejam adequadamente vestidos, levando-se em consideração o clima e a estação do ano, e disponham de meios suficientes para chegar a seu destino e se manter durante o período imediatamente subsequente a sua soltura.

(2) Os representantes aprovados de tais órgãos deverão ter todo acesso necessário à instituição e aos prisioneiros, e deverão ser consultados quanto ao futuro deles, desde o início de sua sentença.

(3) É desejável que, tanto quanto possível, as atividades de tais órgãos sejam centralizadas ou coordenadas, a fim de assegurar o melhor aproveitamento de seus esforços.

Regras Prisionais Europeias, Regra 103.6:

103.6 Deverá existir um sistema de apoio ao egresso, como parte integrante do regime geral para presos condenados.

Utilização dos recursos da comunidade

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ATIVIDADES CONSTRUTIVAS E REINTEGRAÇÃO SOCIAL

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Colocando em prática

Quase todas as pessoas presas, mais cedo ou mais tarde, serão soltas e poderão voltar para a sociedade civil. É importante, principalmente para aquelas pessoas que estão cumprindo sentenças relativamente curtas, que a preparação para a soltura comece desde o início do seu período na prisão. Isso é de interesse dos presos e também da sociedade civil, uma vez que uma pessoa que tem um lugar onde ficar, a oportunidade de ganhar a vida com um meio de subsistência e uma estrutura de apoio social terá maiores incentivos para viver uma vida bem sucedida fora da prisão.

Em muitas jurisdições, a maioria das pessoas presas cumpre penas curtas e retornará à comunidade rapidamente. Às vezes, existe a tentação de as autoridades prisionais não darem muita atenção à reabilitação desses presos, uma vez que eles só ficarão na prisão por pouco tempo. Se isso acontecer, existe o perigo real de que os presos que cumprem penas curtas logo voltem a uma vida de criminalidade e tenham de ser mandados de volta à prisão repetidas vezes. A necessidade de apoio na comunidade precisa ser vista como uma prioridade alta.

Também é necessário adotar providências especiais, a fim de preparar para a soltura os presos que cumpriram sentenças muito longas, porque suas estruturas de apoio na comunidade poderão ter se desintegrado ou desaparecido durante o período que passaram na prisão.

As autoridades prisionais não podem preparar os presos para a soltura sem a ajuda de outros órgãos da sociedade civil. Organizações governamentais e não-governamentais, que trabalham com ex-prisioneiros, devem ser estimuladas a visitar a prisão, a fim de desenvolver relações com os internos, antes de eles serem soltos e, assim, iniciar o planejamento de sua reintegração à sociedade.

Praticamente, todas as pessoas presas poderão se beneficiar de assistência, para prepará-las para a vida após a liberação. Para algumas, isso poderá significar assistência para que elas melhorem sua confiança e crença em si mesmas. Para outras, poderá implicar assistência para encontrarem emprego, acomodação ao saírem da prisão ou uma doação de dinheiro suficiente para permitir que viajem de volta a sua cidade de origem. Quanto mais tempo uma pessoa tiver passado sob custódia, tanto mais importantes serão esses programas. Órgãos que ajudam pessoas desempregadas ou desabrigadas poderiam participar e prestar assistência aos presos, de modo a prepará-los para a liberdade e para a vida fora da prisão. Entre eles, podem-se incluir órgãos que prestam serviços sociais e de assistência a egressos, grupos religiosos e outras organizações não-governamentais.

Em muitos países, trabalha-se para ajudar as pessoas que têm vícios, que, muitas vezes, estão associadas à criminalidade, tais como o uso excessivo de álcool ou a prática de jogos de azar, ou ainda a dependência de drogas. Nos casos em que esses programas já existem na sociedade, as autoridades prisionais devem introduzí-los no contexto da prisão, em vez de criar novos exclusivamente para os presos. Nos últimos anos, tem havido um aumento no número de programas destinados a tipos específicos de internos, como, por exemplo, aqueles que praticaram crimes sexuais, ou destinados a ajudar presos condenados por atos violentos, a controlar sua fúria e violência.

Presos que cumprem penas

longas

Desde o início da sentença

Presos que cumprem penas

curtas

Ajuda de organizações

externas

Diferentes tipos de ajuda

Uso de programas especiais

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ATIVIDADES CONSTRUTIVAS E REINTEGRAÇÃO SOCIAL

A preparação para a liberdade, muitas vezes, inclui a oportunidade de os presos saírem da prisão diariamente, antes da data de soltura efetiva. Esse procedimento pode ser usado para dar-lhes a oportunidade de participar de um curso de treinamento ou adquirir novas habilidades profissionais, às vezes, em um local de trabalho, onde poderão continuar a trabalhar após a soltura. Os presos, muitas vezes, precisam de uma preparação sensível, principalmente aqueles que cumpriram sentenças longas e que estão voltando para casa. Essa preparação pode ser imprescindível, não só para a pessoa presa, mas também para os familiares que se desacostumaram a ter o parente preso no círculo de convívio imediato. Um método de realizar essa preparação é permitir que a pessoa presa retorne à casa regularmente por alguns dias, à medida que se aproxima o término de sua sentença.

É preciso respeitar os sentimentos das pessoas que foram vítimas da criminalidade. Em casos que atraíram uma grande visibilidade pública, por exemplo, em comunidades pequenas, ou nos casos em que houve violência contra uma vítima específica ou sua família, é possível que seja necessário informar-lhes, quando estiver aproximando-se da data de soltura do autor do delito. Tais casos precisam ser tratados com muita sensibilidade. Em alguns casos, pode acontecer de um preso não poder voltar à localidade na qual foi cometido o crime. Nesses casos, é preciso adotar providências alternativas, a fim de respeitar as necessidades da vítima e do egresso. Alguns prisioneiros, como, por exemplo, aqueles que cumpriram sentenças longas ou que ainda são considerados um perigo à população, poderão receber liberdade condicional, o que significa que estarão sujeitos à supervisão formal na comunidade.

Saídas temporárias

Respeito às vítimas

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CONTATO COM O MUNDO EXTERNO

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O contexto

As pessoas que são enviadas à prisão perdem o direito à liberdade de movimento, mas mantêm outros direitos como seres humanos. Um dos mais importantes desses direitos é o de ter contato com suas famílias. Além de ser um direito do preso, trata-se igualmente de um direito dos familiares, que não estão presos. Eles mantêm o direito de manter contato com seu pai ou sua mãe, filho ou filha, irmã ou irmão, que foi preso. As administrações prisionais têm a responsabilidade de assegurar que essas relações sejam mantidas e desenvolvidas. As providências com vistas a viabilizar todos os níveis de comunicação com familiares imediatos devem fundamentar-se nesse princípio. Conclui-se, portanto, que a perda ou restrição de visitas de familiares não deve ser usada como punição, seja qual for a circunstância.

Os principais instrumentos internacionais de direitos humanos são muito específicos com relação aos direitos universais relativos a essas questões: Declaração Universal dos Direitos Humanos, Artigo 12:

Nenhuma pessoa será sujeita a interferência arbitrária em sua privacidade, família, lar ou correspondência...

Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, Artigo 23:

A família é a unidade grupal, natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção pela sociedade e pelo Estado.

Esses direitos aplicam-se igualmente às pessoas presas. Em 1979, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos decidiu que os presos têm o direito de se casar, enquanto estão privados de liberdade.43

A expectativa é de que devem ser tomadas as melhores providências possíveis, a fim de permitir que seja mantido o contato entre as pessoas presas e suas famílias. Essa expectativa decorre não só da afirmação do direito à vida familiar nos instrumentos internacionais de direitos humanos, mas também do Artigo 10 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos:

Todas as pessoas privadas de sua liberdade deverão ser tratadas com humanidade e respeito pela dignidade inerente à pessoa humana.

Assegurar o melhor acesso possível à família deve fazer parte da prática de um sistema prisional, que trata as pessoas presas com humanidade.

Acentuar a importância da manutenção do contato com a família gera alguns requisitos a serem atendidos pelas autoridades prisionais. Primeiramente, isso tem implicações para a organização do sistema prisional e é um argumento a favor de se levar em conta o local da casa da família do preso, como importante fator determinante na decisão sobre o estabelecimento para o qual

Contato com o mundo externo

O direito à vida familiar

Proximidade de casa

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CONTATO COM O MUNDO EXTERNO

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prisioneiros devem ser enviados. Esse fator tem implicações culturais para a pessoa presa e também significa que será mais fácil para as famílias viajarem para visitar seu parente que está preso. Uma vez que muitos presos são de origens marginalizadas e pobres, o custo envolvido, quando se tem de viajar longas distâncias, poderá significar que não será possível que seus familiares os visitem, se a prisão ficar muito longe da área onde sua família mora. Em países onde os prisioneiros dependem dos familiares para levar-lhes roupas, alimentos, medicamentos e suprir outras necessidades, a proximidade da casa da pessoa presa é de particular importância.

Também é necessário envidar esforços no sentido de estabelecer e desenvolver um sistema que permita que prisioneiros visitem suas famílias em sua casa por períodos curtos. Se não houver qualquer ameaça à segurança da população ou aos seus familiares, os presos deveriam ter permissão para visitar suas famílias em caráter de saída temporária. Essas visitas domiciliares são particularmente apropriadas para presos que estão cumprindo sentenças curtas, bem como para aqueles que cumprem sentenças longas e estão próximos da data de liberação definitiva. É preciso reconhecer que haverá casos em que seria muito insensato permitir que os presos deixem a prisão por um período curto, para visitar suas famílias antes de cumprirem integralmente sua sentença. Decisões desta natureza devem se fundamentar numa criteriosa avaliação de risco individual, descrita no Capítulo 7 deste manual.

Os familiares e amigos devem poder visitar os internos na prisão. Essas visitas devem ocorrer em condições que sejam tão naturais quanto possível no ambiente prisional. Deve-se permitir tanta privacidade quanto for possível. Nunca se deve esquecer que as visitas, principalmente de familiares próximos, não devem ser consideradas privilégios, mas um direito humano básico. Qualquer restrição quanto à frequência ou às condições em que ocorrem as visitas, precisa ser justificada caso a caso. A ideia deveria ser a de maximizar as visitas e permitir as condições mais favoráveis possíveis.

As prisioneiras precisam de especial atenção porque, na maioria das sociedades, as mulheres assumem a responsabilidade principal pela criação dos filhos e as mães presas, muitas vezes, ficam separadas deles. Assim sendo, quando elas estão presas, normalmente, ficam muito ansiosas quanto às providências relativas ao bem-estar das crianças, que também ficam transtornadas e desorientadas. Não só para o bem-estar da mãe e da criança, mas também para o bom funcionamento da prisão, os servidores devem se esforçar para prestar-lhes assistência e assegurar que possam ser tomadas providências especiais para que se mantenham os vínculos entre mães e filhos. Esa questão é abordada mais pormenorizadamente no Capítulo 18 deste manual.

A condição vulnerável de adolescentes e jovens em conflito com a lei também exige que se dê atenção à preservação de quaisquer relações que possam oferecer apoio físico ou moral e estímulo. As visitas dos pais são particularmente importantes. Essa questão também é tratada no Capítulo 17 do manual.

O modo como as famílias e outros visitantes são tratados ao chegarem à prisão é, frequentemente, um indicador de como a prisão é administrada. Também é de grande importância para o prisioneiro e, portanto, pode ter um impacto positivo ou negativo sobre a segurança e a estabilidade prisional.

Saída temporária

Visitas familiares

Mulheres presas e seus filhos

Adolescentes e seus pais

Tratamento de visitantes

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CONTATO COM O MUNDO EXTERNO

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Além das visitas familiares, outras formas de contato também são importantes. Presos devem poder enviar e receber correspondência tão livremente quanto possível e, quando viável, dar e receber telefonemas.

Os presos também devem poder manter-se atualizados sobre os acontecimentos da sociedade civil, tanto das suas comunidades de origem quanto do mundo em geral. Essa é uma forma de se reduzir a anormalidade da experiência prisional e também de assegurar que a pessoa presa não se torne completamente desvinculada da comunidade para onde ela voltará, quando for solta. Por essas razões, as pessoas presas devem ter acesso a livros, jornais, revistas, rádio e televisão sempre que possível.

Cada vez mais, em muitas jurisdições, existe um grande número de presos estrangeiros. Todas essas considerações também se aplicam a eles. As autoridades prisionais devem reconhecer a necessidade de adotar providências especiais, a fim de assegurar que esse grupo de presos não perca contato com suas famílias e com sua própria cultura. Esse assunto é tratado com mais detalhes no próximo capítulo deste manual.

Visitas, cartas, telefonemas

O que dizem os instrumentos internacionais

Regras Mínimas Para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 37:

As pessoas presas terão permissão, sob a supervisão necessária, para se comunicar com sua família e seus amigos de boa reputação, em intervalos regulares, tanto por correspondência quanto recebendo visitas.

Regras Mínimas Para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 79:

Deverá ser dispensada atenção especial à manutenção e ao aperfeiçoamento das relações entre uma pessoa presa e sua família, conforme desejável para os interesses de ambos.

Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sob Qualquer Forma de Detenção ou Prisão, Princípio 18:

As entrevistas entre uma pessoa detida ou presa e seu representante legal poderão se dar dentro do campo de visão – mas não dentro do campo de audição – de um funcionário de execução da lei.

Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sob Qualquer Forma de Detenção ou Prisão, Princípio 19:

Uma pessoa presa ou detida terá o direito de ser visitada e de se corresponder particularmente com seus familiares e deverá ter oportunidade adequada de se comunicar com o mundo externo, sujeito às condições e restrições razoáveis, especificadas pela lei ou por regulamentos legais.

Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sob Qualquer Forma de Detenção ou Prisão, Princípio 20:

Se uma pessoa detida ou presa assim solicitar, ela será mantida, se possível, em um estabelecimento de detenção ou prisão, razoavelmente próximo de seu lugar de residência habitual.

Cartas e telefonemas

Acesso a material de leitura,

televisão e rádio

Presos estrangeiros

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CONTATO COM O MUNDO EXTERNO

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Colocando em prática

Para que as autoridades prisionais respeitem o direito humano universal à vida familiar e estimulem as pessoas presas a reconhecer as obrigações que elas ainda têm para com seus cônjuges, pais e filhos, devem ser tomadas providências a fim de assegurar uma forma de visitação que atenda à necessidade de as famílias visitarem o familiar que se encontra preso, por períodos razoáveis, e com um grau de privacidade que não enfraqueça os requisitos de segurança legítimos. As visitas familiares descritas a seguir chegam bem perto de atender a essa necessidade.

Em muitas jurisdições, existem arranjos implementados para o que, muitas vezes, denomina-se visitas familiares ou visitas longas. Essas visitas podem assumir diferentes formas. Na Europa Oriental e na Ásia Central, muitas prisões e colônias penais possuem um grupo de pequenos apartamentos dentro do perímetro do complexo prisional, onde os visitantes podem permanecer por períodos de até 72 horas com o familiar que está preso. Um formato típico pode incluir uma cozinha, uma área social e instalações sanitárias coletivas para até seis grupos de familiares, juntamente com uma série de pequenas unidades com um ou dois quartos para cada grupo. Os presos autorizados podem receber visitas nessas unidades até quatro vezes por ano. Muitas vezes, haverá 3 ou 4 visitantes ao mesmo tempo, inclusive esposa(o) ou companheira(o), pai ou mãe, avô ou avó, filhos ou irmãos. No Canadá e em alguns sistemas prisionais dos Estados Unidos, são proporcionadas instalações semelhantes, muitas vezes em uma espécie de trailler, com uma cerca de madeira em volta para permitir maior privacidade, dentro do perímetro da prisão. Os presos que participam desse sistema de visitas precisam apresentar-se em horários definidos a cada dia para conferências e verificações de segurança. Visitas desse tipo não podem ser descritas como uma vida familiar normal, mas criam um ambiente no qual os familiares podem reforçar seus vínculos com o parente que está preso.

Em Rajasthan e em alguns outros estados da Índia, foram criadas prisões nos moldes de uma aldeia aberta para presos que cumprem sentenças longas e que já cumpriram parte de sua sentença e demonstraram não representar um perigo. Eles têm permissão para viver nessas prisões em habitações individuais com suas famílias e trabalhar em atividades agrícolas ou em outras atividades na vizinhança. Os familiares do preso recebem educação e têm acesso a outros recursos.

Gary Hill, The Value of Open Prisons in India, 2008

As visitas de familiares, descritas acima, são diferentes das visitas íntimas permitidas em algumas jurisdições do Oeste Europeu, inclusive Dinamarca, Suécia, Países Baixos e Espanha. Essas jurisdições permitem que os presos sejam visitados por uma pessoa, geralmente o cônjuge ou companheiro(a) de longo prazo, por um período de até três horas. O casal passa o tempo da visita em particular, em uma pequena unidade que contém uma cama e um chuveiro e outras instalações sanitárias. Uma versão muito menos formal dessas visitas ocorre em muitas prisões latino-americanas, onde a norma é que as visitas familiares a presos do sexo masculino ocorram no fim de semana. Em alguns lugares, não todos, também é a norma para as mulheres presas. Tais visitas, normalmente, ocorrem nas celas e, muitas vezes, lençóis e cobertores são pendurados em cordas para se criar alguma privacidade.

Manutenção dos vínculos familiares

e pessoais por meio de visitas

Visitas íntimas

Visitas familiares

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CONTATO COM O MUNDO EXTERNO

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Em termos práticos, não é possível permitir visitas familiares em particular para todas as pessoas presas o tempo todo. Em alguns países, as visitas à prisão ocorrem em salas grandes, especialmente dedicadas a essa finalidade. Essas salas devem ser preparadas, de modo a equilibrar os requisitos de segurança legítimos e a necessidade de manutenção do contato familiar. A norma deve ser que as pessoas presas e seus visitantes possam conversar diretamente um com o outro, sem qualquer barreira física. Isso pode ser em uma mesa, por exemplo. A pessoa presa não deve ser impedida de tocar em seus visitantes, a menos que haja razões específicas para tal medida. Isso é particularmente importante, quando o visitante é uma criança que visita seu pai ou sua mãe. Em alguns países, as visitas limitam-se a 15 minutos de conversa entre o preso e o visitante, que ficam de pé ao lado de uma parede, conversando através de uma grade com barras. Nesse tipo de prisão, muitas vezes, é possível melhorar as condições das visitas sem grandes custos, aproveitando parte do espaço da prisão como área para visitas e colocando bancos e uma cobertura.

O direito a ter contato com a família e com amigos aplica-se a pessoas presas que estão aguardando julgamento, bem como a todas aquelas que foram condenadas. Haverá situações em que existe uma preocupação real de que uma pessoa presa, que aguarda julgamento, possa procurar influenciar possíveis testemunhas no caso ou passar informações sobre o caso a terceiros. Por essas razões, será necessário aplicar restrições quanto aos moldes em que as visitas poderão ocorrer. Cada caso precisa ser decidido com base nas provas existentes. As autoridades prisionais não devem ceder a pedidos da polícia civil ou da promotoria, no sentido de se restringir a condição de visitas para detentos, que aguardam julgamento simplesmente como meio de pressioná-los a confessar a culpa. Essa questão é tratada mais pormenorizadamente no Capítulo 16 deste manual.

É preciso reconhecer que, em um ambiente prisional, sempre haverá o perigo de alguns visitantes tentarem contrabandear artigos ilícitos para o preso que está sendo visitado, inclusive drogas ou armas. É preciso aplicar medidas de segurança razoáveis, destinadas a impedir que isso aconteça. Pode ser necessário, por exemplo, revistar os presos antes e depois das visitas. Também poderá ser necessário revistar os visitantes antes de entrarem na área de visitação. É possível adotar medidas que atendam a todas as necessidades de segurança, ao mesmo tempo em que se observa a necessidade de respeitar a privacidade dos visitantes.

As implicações dessa questão são discutidas no Capítulo 7 deste manual.

Mesmo após terem sido tomadas todas as precauções razoáveis, um pequeno grupo de presos e visitantes ainda, assim, procurará fazer tudo o que puderem para violar a segurança. Nesses casos, poderá ser necessário o uso de uma barreira física entre a pessoa presa e o visitante; é o que muitas vezes denomina-se visita fechada ou visita sem contato. Uma situação típica é um painel de vidro reforçado para impedir o contato e um dispositivo telefônico para permitir a conversa. Se essas restrições forem aplicadas a uma pessoa presa, por um longo período de tempo, será inevitável que as relações normais se desgastem cada vez mais. Por essa razão, essas restrições devem ser aplicadas apenas quando absolutamente necessárias. Elas não devem ser aplicadas automaticamente a certos grupos de presos, tais como os que aguardam julgamento ou aqueles que se encontram em prisões de segurança máxima. Em cada caso, deve haver uma forma de avaliação de risco individual, conforme descrito no Capítulo 7 do manual, que deve basear-se nas considerações de segurança e não deve ser usada como forma de punição ou dissuasão. A necessidade dessas restrições em cada caso deve ser revisada em intervalos regulares.

Visitas públicas

Visitas a presos provisórios

Revista de visitantes

Visitas fechadas ou sem contato

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CONTATO COM O MUNDO EXTERNO

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Atualmente, em várias jurisdições, existem recursos que permitem que as pessoas presas falem com suas famílias por meio de vídeo. A solução é útil como recurso adicional, nos casos em que o preso é mantido sob custódia longe de sua casa ou nos casos em que seus familiares tenham dificuldade para viajar até a prisão. O uso desse tipo de tecnologia não deve substituir o contato direto entre o prisioneiro e sua família.

Boronia, um centro para presas que estão aguardando julgamento e que custodia cerca de vinte e cinco por cento de todas as mulheres presas na Austrália Ocidental, tem um sistema de televisita para aquelas que estão longe de suas regiões de origem.45

Relatório da Missão do ICPS, 2008.

Por várias razões, muitos prisioneiros não têm família ou amigos para visitá-los. Isso pode ocorrer devido às circunstâncias nas quais eles viviam antes de serem presos ou porque foram repudiados, devido ao crime que cometeram. Nesses casos, as autoridades prisionais devem considerar a possibilidade de se estabelecer um sistema de voluntários da comunidade local para visitarem esses presos regularmente, a fim de ajudá-los a manter contato com a sociedade externa.

Todos os argumentos considerados até aqui relacionaram os direitos das pessoas presas e de suas famílias de manterem relações familiares o mais normalmente possível. Também é do interesse operacional dos administradores prisionais assegurar que isso aconteça. Os presos que podem manter um bom contato com suas famílias terão um maior incentivo à observância das regras e dos regulamentos normais da vida na prisão. Eles também terão mais probabilidade de conseguir resolver problemas práticos e outros problemas domésticos que lhes causam ansiedade. Os servidores também aprenderão sobre certos aspectos do comportamento, da vida e do caráter do preso para além do ambiente carcerário, o que os ajudará a tratar cada um como um indivíduo. Em suma, boas condições de visitação, provavelmente, contribuirão para que a prisão funcione bem em muitos aspectos.

Além das visitas, existem outras formas de comunicação com a família e com amigos próximos. Uma das formas mais importantes é por carta. Em muitas jurisdições, as pessoas presas têm permissão para enviar um número mínimo de cartas por conta do Estado, e pagam o selo de quaisquer correspondências adicionais que queiram enviar. Em geral, não existe uma necessidade operacional de se impor qualquer restrição quanto ao número de cartas que uma pessoa presa pode receber.

Até relativamente pouco tempo, havia uma tradição em algumas prisões de que toda a correspondência oriunda e destinada às pessoas presas precisava passar pela censura dos servidores. Havia duas principais justificativas para essa prática: a primeira, era que os presos poderiam discutir planos de fuga ou outras ameaças à segurança com seus correspondentes. A segunda, era que essa prática era uma forma eficaz de os servidores interceptarem qualquer notícia ruim, por exemplo, sobre uma morte ou um casamento desfeito. Hoje é opinião generalizada que não há qualquer justificativa operacional, por razões de segurança, para se censurar toda a correspondência. É extremamente improvável, por exemplo, que um preso que está fazendo planos para fugir seria tolo o bastante a ponto de mencionar isso em uma carta. Ao mesmo tempo, admite-se que as pessoas presas têm o mesmo direito que outras pessoas de receber notícias de sua família, diretamente, sejam elas boas ou más. Para aqueles presos que foram avaliados com um alto risco de segurança, poderá ser necessário censurar a correspondência que lhes chega e que eles enviam, além de adotar uma lista de correspondentes aprovados.

Videoconferências

Visitas de voluntários

Benefícios para a prisão

Cartas

Censura ou leitura da

correspondência dos presos

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CONTATO COM O MUNDO EXTERNO

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Para outros presos, não deveria ser necessário censurar a correspondência em regime contínuo. Na maioria dos casos, a leitura aleatória ou de amostras da correspondência será suficiente.

As autoridades têm o direito de assegurar que a correspondência que entra na prisão não contenha qualquer material proibido, tais como armas ou drogas. A boa prática em alguns países é que toda a correspondência que entra no estabelecimento seja aberta na presença do preso ao qual ela é endereçada. O servidor verifica que o envelope não contém algo proibido e, em seguida, entrega a carta ao preso sem a ler.

Em muitos sistemas prisionais, é possível que as pessoas presas efetuem ou recebam telefonemas. As condições logísticas diferem de país para país. Em alguns casos, a pessoa que recebe o telefonema do preso precisa concordar em pagar o custo da chamada. Esse sistema pode ser muito caro, uma vez que essas chamadas telefônicas, normalmente, são cobradas a uma tarifa mais alta do que as chamadas normais. Em outros sistemas, os presos podem comprar cartões telefônicos especiais, que, às vezes, só permitem efetuar chamadas para números de telefones aprovados. As conversas telefônicas tornam-se particularmente importantes, quando a pessoa está presa muitos quilômetros de distância de sua casa e é difícil para sua família visitá-la.

Da mesma forma que com as cartas, será necessário manter um equilíbrio entre o direito à privacidade do preso e da sua família, por um lado, e, por outro, os requisitos de segurança legítimos. Dado o caráter imediato da comunicação por telefone, as autoridades prisionais precisam certificar-se de que os presos não estão usando os telefonemas para tramar atividades ilegais, tais como a introdução de certos produtos na prisão ou tentativas de fuga. Em alguns países, isso se faz mediante a gravação de todos os telefonemas e retenção do registro gravado por um período de tempo específico. Os únicos telefonemas que são ouvidos por servidores, enquanto estão sendo efetuados, são aqueles de e para presos avaliados como pessoas que apresentam um alto grau de risco.

... Autoridades prisionais devem estar alerta para o fato de que a tecnologia moderna oferece novas formas de comunicação eletrônica. À medida que se desenvolvem, novas técnicas para controlá-las também emergem, e isso torna possível utilizá-las de forma que não ameacem a segurança.46

Comentário sobre Recomendação Rec (2006)2 do Comitê de Ministros aos Estados Membros sobre as regras prisionais europeias

de 2006

Algumas administrações prisionais permitem que os presos tenham acesso a outras formas de comunicação, inclusive correio eletrônico.

O Bureau Federal de Prisões dos Estados Unidos introduziu uma forma de e-mail para os presos. O Trust Fund Limited Inmate Computer System (TRULINCS) oferece a capacidade de enviar e receber mensagens eletrônicas sem ter acesso à internet. Presos podem enviar e receber mensagens eletrônicas apenas de indivíduos aprovados em sua lista de contatos. Se os servidores aprovam o pedido do prisioneiro para troca de mensagens eletrônicas, o sistema gera uma mensagem a essa pessoa, informando-o sobre o pedido e dando-lhe a opção de aceitar ou rejeitar o contato e quaisquer futuras mensagens eletrônicas daquele prisioneiro em particular.47

Site do Federal Bureau of Prisons

Verificação de conteúdos

proibidos

Telefonemas

Monitoramento e gravação de

telefonemas

Correio eletrônico

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CONTATO COM O MUNDO EXTERNO

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Para alguns prisioneiros, especialmente estrangeiros, esse pode ser o único método confiável e barato de manter contato com suas famílias.

Além de acesso à família e aos amigos, as pessoas presas frequentemente precisam ter acesso a advogados e outros profissionais, inclusive membros de organizações não-governamentais e monitores de direitos humanos. As visitas e a comunicação com essas pessoas inserem-se em uma categoria à parte. Esse contato é particularmente importante para presos que aguardam julgamento e presos condenados que ainda estão envolvidos em processos judiciais. Nesses casos, as autoridades prisionais devem considerar muito criteriosamente a justificativa para qualquer proposta de restrição de acesso, que possa prejudicar a defesa ou o recurso judicial do preso. As razões válidas para tais restrições, provavelmente, serão muito poucas.

No que diz respeito às medidas relativas à visitação de assessores profissionais, a privacidade é uma consideração importante. É normal, por exemplo, que essas visitas ocorram fora do campo de audição dos servidores. Também é preciso haver sensibilidade especial com relação a revistas de correspondência oficial e materiais levados ou enviados por esses visitantes. Algumas dessas questões são tratadas no Capítulo 16 deste manual.

Acesso a material de leitura, televisão e rádio

O que dizem os instrumentos internacionais

Regras Mínimas Para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 39:

As pessoas presas deverão ser mantidas informadas regularmente das notícias mais importantes, mediante a leitura de jornais, publicações periódicas ou publicações institucionais especiais, programas de radiodifusão, palestras ou quaisquer meios semelhantes autorizados ou controlados pela administração.

Colocando em prática

Além de manter contato com a família e os amigos, as pessoas presas devem poder manter-se atualizadas sobre os acontecimentos do mundo, no sentido mais amplo. Por isso, elas devem ter acesso regular a jornais, rádio e televisão. Não existe qualquer razão operacional, salvo em circunstâncias excepcionais, para se censurar o acesso aos meios de comunicação. Também não deveria haver qualquer censura moral, além daquela que é a norma no país.

As administrações prisionais precisarão considerar criteriosamente as perspectivas de prover acesso à internet. A internet pode ser uma importante fonte de informações sobre o mundo externo, mas também pode oferecer oportunidades de atividades impróprias. O acesso a uma ampla gama de informações externas é importante para ajudar as pessoas presas a perceberem que, além das paredes, dos muros e das cercas da prisão, ainda existe um mundo para o qual elas retornarão um dia. A consciência daquilo que está acontecendo no mundo externo também pode ajudar os presos a se comportarem de modo mais normal, enquanto estiverem vivendo no mundo fechado da prisão. Para presos que cumprem penas longas, o acesso à televisão, em particular, permitirá que eles mantenham algum contato com as mudanças muito rápidas que estão ocorrendo na sociedade extramuros.

Contato com advogados

e outros profissionais

Acesso periódico a informações

externas

Internet

Um mundo além da prisão

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PRESOS ESTRANGEIROS

12

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Presos estrangeiros

O crescente número de estrangeiros

Em sistemas prisionais, em todas as regiões do mundo, há um grande número de presos estrangeiros. Com a mobilidade geográfica crescente, o número está aumentando em muitos países. O termo “presos estrangeiros” abrange uma ampla gama de pessoas. Ele se aplica àqueles que vêm de seu país de origem e são, então, condenados e presos em outro país. Pode aplicar-se àqueles que tiveram um longo relacionamento com o país em que eles estão presos, inclusive com residência permanente, mas não têm a cidadania do país. Pode ser aplicado, ainda, àqueles que estão presos não por lei penal, mas por razões de imigração. A situação dos detidos como imigrantes irregulares não é analisada especificamente neste manual, embora o contexto de direitos humanos se aplique a todas as pessoas que estão privadas de sua liberdade.

Todos os direitos estabelecidos neste manual aplicam-se igualmente a prisioneiros que não são da nacionalidade do país em que estão detidos. O contexto internacional de direitos humanos, contudo, também reconhece as dificuldades específicas dos reclusos estrangeiros e exige que sejam tomadas medidas para evitar a discriminação e para satisfazer as suas necessidades específicas.

Estar preso em um país estrangeiro pode dar origem a uma série de problemas para a pessoa detida, que não podem ser resolvidos pela administração da prisão, que deve assegurar o respeito ao direito de presos estrangeiros receberem a ajuda de representantes diplomáticos de seu país de origem, tal como estabelecido no Convenção de Viena sobre Relações Consulares. Quando eles estão presos em um país onde não têm representação diplomática, devem ser autorizados a se comunicarem com os representantes diplomáticos que representam seu país de origem.

Muitos países são signatários de tratados de transferências, que permitem que os presos cumpram suas sentenças no país de origem. Onde tais tratados estão vigentes, as administrações prisionais devem fazer todo o esforço para ajudar os presos que desejam exercer os seus direitos nos termos desses acordos.

O que dizem os instrumentos internacionais

Convenção de Viena sobre Relações Consulares, Artigo 36:

1. A fim de facilitar o exercício das funções consulares relativas aos nacionais do Estado que envia:a) os funcionários consulares terão liberdade de se comunicarem com os nacionais do Estado que envia e visitá-los. Os nacionais do Estado que envia terão a mesma liberdade de se comunicarem com os funcionários consulares e de visitá-los;

Dificuldades específicas

enfrentadas por estrangeiros

Direito à ajuda consular

Tratados de transferência

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PRESOS ESTRANGEIROS

132

b) se o interessado lhes solicitar, as autoridades competentes do Estado receptor deverão, sem tardar, informar à repartição consular competente quando, em sua jurisdição, um nacional do Estado que envia for preso, encarcerado, posto em prisão preventiva ou detido de qualquer outra maneira. Qualquer comunicação endereçada à repartição consular pela pessoa detida, encarcerada ou presa preventivamente deve igualmente ser transmitida sem tardar pelas referidas autoridades. Estas deverão imediatamente informar o interessado de seus direitos, nos termos do presente subparágrafo;

c) os funcionários consulares terão direito de visitar o nacional do Estado que envia, o qual estiver detido, encarcerado ou preso preventivamente, conversar e corresponder-se com ele, e providenciar sua defesa perante os tribunais. Terão igualmente o direito de visitar qualquer nacional do Estado que envia encarcerado, preso ou detido, em sua jurisdição, em virtude de execução de uma sentença. Todavia, os funcionários consulares deverão abster-se de intervir em favor de um nacional encarcerado, preso ou detido preventivamente, sempre que o interessado a isso se opuser expressamente.

2. As prerrogativas a que se refere o parágrafo 1º do presente artigo serão exercidas de acordo com as leis e regulamentos do Estado receptor, devendo, contudo, entender-se que tais leis e regulamentos não poderão impedir o pleno efeito dos direitos reconhecidos pelo presente artigo.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 38:

(1) Presos que forem cidadãos estrangeiros terão permissão para usar recursos razoáveis para se comunicarem com os representantes diplomáticos e consulares do Estado ao qual pertencem.

(2) Presos que forem cidadãos de um Estado, sem representação diplomática ou consular no país e refugiados ou pessoas apátridas, terão permissão para usar recursos semelhantes para se comunicarem com o representante diplomático do Estado, que cuida de seus interesses, ou qualquer autoridade nacional ou internacional responsável pela proteção de tais pessoas.

Colocando em prática

O contato com os oficiais consulares deve ser confidencial. Os funcionários consulares têm o direito de providenciar a representação legal para os seus cidadãos. Prisioneiros estrangeiros têm o direito de recusar o contato com os funcionários consulares se desejarem. Muitos agem desse modo porque preferem que a família não seja informada de sua prisão ou porque não têm confiança no serviço prestado por seus oficiais consulares.

Prisioneiros estrangeiros que são refugiados devem ser ajudados a se comunicarem com a organização internacional relevante, que lida com esse grupo.

Os estrangeiros privados de liberdade em um Estado-Membro da Organização dos Estados Americanos devem ser informados, sem demora e, em qualquer caso, antes de fazer qualquer declaração às autoridades competentes, de seu direito de assistência consular ou diplomática, e solicitar que as autoridades consulares ou diplomáticas sejam notificadas de sua privação de liberdade imediatamente. Além disso, eles têm o direito de se comunicarem com as autoridades diplomáticas e consulares livremente e em particular.

Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Princípios e Boas Práticas sobre a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas

Américas, Princípio V, 2008

O papel dos oficiais consulares

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PRESOS ESTRANGEIROS

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Proibida a discriminação em razão da nacionalidade

A forma pela qual presos estrangeiros são tratados pelas administrações prisionais não deve ser discriminatória, em qualquer hipótese. Prisioneiros estrangeiros podem ter dificuldades de linguagem e isolamento social e cultural, exigindo que as autoridades prisionais tomem medidas especiais para ajudá-los. O fato de que eles são estrangeiros não deve ser usado como razão para restringir o seu acesso às instalações e programas que são geralmente fornecidos aos prisioneiros.

O que dizem os instrumentos internacionais

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 6(1):

As seguintes regras devem ser aplicadas de forma imparcial. Não haverá discriminação em razão de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição.

Colocando em prática

Os prisioneiros estrangeiros serão severamente prejudicados se eles não puderem se comunicar com as autoridades, nem entenderem o que está acontecendo ao seu redor. A administração prisional deve, portanto, garantir que eles tenham acesso a intérpretes e que, na medida do possível, os principais documentos que um preso precisa entender estejam disponíveis nas línguas que os presos estrangeiros possam ler. É particularmente importante que o material que estabelece os direitos dos presos, o sistema de detenção e como prestar queixas e fazer recurso contra decisões tomadas pelas autoridades estejam disponíveis a eles, em uma língua que possam entender. Sempre que possível, a esses prisioneiros deve ser permitido o acesso a jornais e revistas em sua própria língua.

Admissão à prisão em um país estranho pode ser particularmente difícil e desconcertante para um prisioneiro estrangeiro. As administrações prisionais têm abordado esse problema de várias maneiras, por exemplo, convidando os seus compatriotas para ajudar nos procedimentos de admissão, organizando uma sessão especial de instruções ou produzindo um vídeo em uma variedade de línguas estrangeiras.

Presos estrangeiros podem ser isolados da grande maioria dos presos por sua língua e sua cultura. Em alguns países, os presos estrangeiros de mesma língua ou país estão alojados na mesma prisão ou juntos, em parte da prisão, para que possam dar apoio para o outro. Se isso for feito, por razões humanitárias, pode ser uma solução aceitável, mas se isso resulta em piores condições e instalações para os presos estrangeiros, então não é aceitável.

Os presos estrangeiros não devem ser discriminados porque eles não são cidadãos do país onde estão sendo custodiados. Eles não devem ser obrigados a pagar por sua saúde na prisão, alegando que eles não contribuíram para a securidade social do país. Se o sistema prisional do país prevê saídas temporárias, não se deve negar esse direito ao preso estrangeiro, só porque não tem para onde ir. ONGs e organizações da sociedade civil podem oferecer albergues e abrigos, enquanto eles estão usufruindo desse benefício. Não se deve negar, do mesmo modo, o acesso a atividades reintegrativas, porque são suscetíveis de serem deportados ao final de sua sentença e, portanto, sua reintegração não é um problema para o país onde estão presos.

Isolamento cultural e social

Necessidades linguísticas

Procedimentos admissionais

Alocação

Igual acesso a instalações e

serviços

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PRESOS ESTRANGEIROS

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Para muitos desses prisioneiros, haverá pouca ou nenhuma possibilidade de receber visitas de familiares ou amigos. As autoridades prisionais devem fazer arranjos especiais para permitir que eles mantenham contato com suas famílias. Isso pode ser feito, permitindo cartas adicionais com envio gratuito ou fornecimento ao acesso a comunicações eletrônicas.

Onde o regimento prisional exige que o correio de entrada e saída seja conferido, deve-se encontrar tradutores que possam compreender a linguagem dos prisioneiros. Deve haver a possibilidade de esses presos realizarem chamadas telefônicas periódicas para suas famílias às custas da administração.Eles não devem ser automaticamente enviados para uma prisão na parte mais remota do país, pois se presume que não receberá visitas de sua família. Se as famílias podem viajar de outro país para visitar um membro da família na prisão, essas visitas, provavelmente, serão menos frequentes do que para os presos locais. Nesses casos, as autoridades devem levar em consideração a distância que os visitantes viajaram. Por exemplo, pode-se permitir visitas por um dia inteiro ou distribuídas por vários dias consecutivos.

Na Kumla Prisão de Segurança Máxima, na Suécia, existe uma cooperação com a igreja local para que os visitantes de prisioneiros estrangeiros, que precisam passar a noite em Kumla, possa fazê-lo por cerca de € 10 por noite. Presos que têm família no exterior recebem atenção especial em Kumla. Geralmente, é permitido que um visitante visite um prisioneiro por dois dias seguidos. Visitantes do exterior, no entanto, podem visitar por até dez dias consecutivos e, em seguida, depois de quatro dias sem visitas, voltar para um outro período de mais dez dias consecutivos. 48

Anton van Kalmthout et al, Estrangeiros em Prisões Europeias, 2007

Alguma formação especializada em diversidade será necessária para ajudar a equipe e garantir que as atitudes discriminatórias não prevaleçam. É útil a admissão de alguns servidores que falem as línguas dos prisioneiros ou pode-se fornecer cursos de línguas.

Alguns países têm, em suas prisões, um grupo de mulheres presas, frequentemente de origem pobre, que foram persuadidas a contrabandear drogas de outro país. Essas mulheres, muitas vezes, sofrem longas penas de prisão e podem sofrer, particularmente, por causa da separação de crianças pequenas. Deve-se adotar regime especial para atender às necessidades dessas mulheres e ajudá-las a manter contato com seus filhos.

Organizações da sociedade civil, especialmente aquelas ligadas à comunidade de origem dos presos estrangeiros, são particularmente relevantes para ajudar a administração prisional a cumprir a sua obrigação de tratar os prisioneiros humanamente. Onde visitas familiares são impossíveis, cidadãos do país de origem dos prisioneiros poderão visitá-los e ajudar a aliviar o isolamento. Essas organizações também podem ajudar a fornecer material de leitura na língua materna. Em muitos casos, o contato do preso com o representante diplomático pode ser difícil ou pouco frequente. As autoridades da prisão também deverão verificar se existem outros cidadãos estrangeiros na comunidade local, que possam fornecer um serviço voluntário de visita, o que permitiria a tais prisioneiros manter algum contato com sua própria cultura.

Contato com familiares

Treinamento dos servidores

Mulheres prisioneiras

estrangeiras

Organizações da sociedade civil

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PEDIDOS E QUEIXAS

13

135

O contexto

É indispensável que todos os sistemas prisionais sejam administrados de modo justo e equitativo e que sejam percebidos como tais por todas as pessoas envolvidas. Uma prisão é uma comunidade com regras e regulamentos, que se aplicam de diferentes formas a todas as pessoas envolvidas: servidores, presos e visitantes. Uma vez que o estabelecimento prisional tem uma estrutura hierárquica, é particularmente importante que seus regulamentos sejam compreendidos e seguidos por todas as pessoas, e não somente pelos prisioneiros.

Se houver um conjunto claro de procedimentos destinados a assegurar que as decisões sejam tomadas adequadamente, haverá menos necessidade de soluções complicadas para lidar com as consequências de decisões tomadas erroneamente. Uma vez que os presos devem obedecer às regras da prisão e, mais cedo ou mais tarde, às regras da sociedade externa à qual eles deverão retornar, é importante que as regras sejam implementadas de modo justo e equitativo. De tempos em tempos, os prisioneiros tendem a perceber um elemento de injustiça no modo como são tratados, quer individualmente, quer como grupo. Isso acontecerá mesmo nas prisões mais bem administradas. É importante que haja um conjunto de procedimentos que permita aos prisioneiros fazer pedidos especiais e registrar quaisquer queixas que eles tenham. Esses procedimentos devem ser explicados com clareza de modo que possam ser compreendidos, tanto pelos prisioneiros quanto pelos servidores que lidam diretamente com eles.

Em primeira instância, as pessoas presas devem poder apresentar qualquer questão que lhes preocupe junto aos servidores, que são seus supervisores imediatos. Se a questão não puder ser resolvida nesse nível, deve haver a oportunidade de se levar o pedido ou a queixa à atenção das autoridades responsáveis pela prisão. Se o assunto ainda, assim, não puder ser resolvido, a pessoa presa deve ter o direito de ter acesso a uma autoridade superior de fora da prisão. Muitas administrações prisionais também oferecem um sistema externo paralelo, pelo qual os pedidos e as queixas podem ser apresentados, através de órgãos de monitoramento locais, ouvidorias e políticos da esfera local e nacional.

Em uma prisão, existe a noção implícita de que aqueles que se queixam vivem sob o controle daqueles a quem se referem muitas das queixas. Nessas circunstâncias, muitas vezes, pode não ser do próprio interesse dos presos levantarem queixas, por mais justificadas que elas sejam. Sempre deve ficar claro que o prisioneiro não será punido por apresentar queixas e deve haver procedimentos disponíveis para impedir esse tipo de vitimização.

Se os presos não estiverem em condições de levantar suas queixas, deve haver a possibilidade de seus familiares ou representantes apresentarem a questão em seu nome.

Pedidos e queixas

Administração prisional justa e

equitativa

Procedimentos claros para

pedidos e queixas

Expressando queixas em

diferentes níveis

Não vitimização daqueles que se

queixam

Queixas de familiares ou

representantes

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PEDIDOS E QUEIXAS

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O que dizem os instrumentos internacionais

Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, Artigo 2:

Cada Estado Membro do presente Pacto compromete-se a:

(a) assegurar que qualquer pessoa, cujos direitos ou liberdades, conforme aqui reconhecidos, forem violados, tenha um remédio judicial eficaz, não obstante, o fato de que a violação tenha sido cometida por pessoas que agiam no exercício de funções oficiais;

(b) assegurar que qualquer pessoa que buscar tal remédio tenha seu direito a ele determinado pelas autoridades judiciais, administrativas ou legislativas competentes, ou por qualquer outra autoridade competente, conforme disposto pelo sistema legal do Estado, bem como o direito de desenvolver as possibilidades de remédio judicial;

(c) assegurar que a autoridade competente aplicará tais remédios, quando concedidos.

Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sob Qualquer Forma de Detenção ou Prisão, Princípio 33:

(1) A pessoa detida ou presa, ou seu advogado, tem o direito de apresentar um pedido ou uma queixa relativa a seu tratamento, em particular, no caso de tortura ou de outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, perante as autoridades responsáveis pela administração do lugar de detenção e autoridades superiores e, se necessário, perante autoridades competentes com poderes para reconsiderar a matéria ou adotar um remédio judicial.

(2) No caso de a pessoa detida ou presa ou seu advogado não poder exercer os direitos previstos no parágrafo 1º do presente princípio, tais direitos poderão ser exercidos por um membro da família da pessoa detida ou presa, ou por qualquer outra pessoa que tenha conhecimento do caso.

(3) O caráter confidencial do pedido ou da queixa será mantido se o requerente o solicitar.

(4) O pedido ou a queixa deve ser examinado prontamente e respondido sem demora injustificada. No caso de indeferimento do pedido ou da queixa, ou em caso de demora excessiva, o requerente tem o direito de apresentar o pedido ou a queixa perante uma autoridade judicial ou outra autoridade. A pessoa detida ou presa, ou o requerente, nos termos do parágrafo 1º, não deve sofrer prejuízos pelo fato de ter apresentado um pedido ou uma queixa.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 36:

(1) Toda pessoa presa terá, a cada dia de semana, a oportunidade de apresentar pedidos ou queixas ao diretor do estabelecimento ou ao funcionário autorizado a representá-lo.

(2) Os pedidos ou queixas poderão ser apresentados ao inspetor penitenciário durante sua inspeção. A pessoa presa poderá falar com o inspetor ou com qualquer outro funcionário encarregado da inspeção, sem que o diretor ou qualquer outro servidor do estabelecimento se faça presente.

(3) Toda pessoa presa deve ter permissão para encaminhar, pelas vias previstas, sem censura quanto às questões de mérito, mas na devida forma, um pedido ou uma queixa à administração prisional central, à autoridade judicial ou a qualquer outra autoridade competente.

(4) A menos que seja evidentemente incoerente ou infundado, todo pedido ou queixa deverá ser prontamente examinado e respondido sem demora indevida.

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PEDIDOS E QUEIXAS

137

Colocando em prática

O objetivo da boa administração prisional deveria, tanto quanto possível, prevenir que surjam queixas graves, em primeiro lugar. Uma forma de se conseguir isso é mediante a adoção e aderência a um conjunto muito claro de procedimentos, que abrangem todos os aspectos da vida diária na prisão. A obrigação de oferecer esses procedimentos e colocá-los à disposição das pessoas presas foi tratada no Capítulo 5 deste manual. Esses procedimentos devem ser escritos em uma linguagem simples, que possa ser compreendida por todos, e devem ser colocados à disposição de todas as pessoas presas e dos servidores. Devem fazer parte do pacote de informações que é colocado à disposição de todos os presos, quando de sua chegada à prisão. Nos casos de escassez de recursos, as regras e os regulamentos devem ser colocados em pôsteres e fixados a uma parede em local de destaque. No caso de presos que não sabem ler, as regras devem ser lidas e explicadas a eles.

Esses procedimentos devem conter uma descrição de como a pessoa presa pode proceder para fazer um pedido sobre seu tratamento e também devem descrever as vias de apresentação de queixas, disponíveis aos presos, desde o nível local até o nível mais elevado na prisão e, se necessário, fora dela também.

Não deve haver quaisquer procedimentos que possam dissuadir as pessoas presas de apresentar queixas e outras reclamações legítimas. O código disciplinar não deve conter quaisquer regulamentos que dificultem a apresentação de queixas pelos presos, por exemplo, punindo-os por fazerem alegações ou denúncias contra servidores que depois se revelem infundadas.

O principal impedimento para os presos fazerem queixas é o fato de saberem que os servidores têm o poder de exercer a retaliação. Deve ficar claro que as pessoas presas não serão punidas, nem sofrerão, de qualquer modo, por fazerem uma queixa; também deve haver procedimentos que garantam que as pessoas presas não sejam vitimizadas por se queixarem. Se necessário, os presos devem poder fazer uma queixa em caráter confidencial. Mais cedo ou mais tarde, a pessoa de quem se queixa precisará saber que foi feita a queixa e, a essa altura, os servidores de nível mais graduado devem ficar atentos para assegurar que não haja uma ação retaliatória. Os servidores prisionais precisam ter a confiança de que, se forem acusados, eles terão a chance de se defenderem em conformidade com os princípios da justiça comum.

O estado está intensificando a supervisão em tempo real, realizada pela procuradoria, na aplicação da lei nas prisões e casas de detenção. Para maior comodidade dos detidos, caixas de carta de reclamação são criadas em suas celas, e um detento pode agendar um encontro com o procurador alocado em uma prisão ou casa de detenção, se achar que houve algum abuso e deseja fazer uma reclamação. 49

Gabinete de Informação do Conselho de Estado da República Popular da China, Plano Nacional de Ação de Direitos Humanos da China

(2009-2010), 2009

Muitas queixas, provavelmente, serão sobre questões relativas à rotina diária ou ao tratamento recebido. Questões que serão de pouca importância para as pessoas na sociedade civil normal podem assumir grande relevância no mundo altamente disciplinado de uma prisão, onde é provável que haja regulamentos que afetem praticamente todos os aspectos da vida diária. Um dos principais objetivos da administração prisional nessa área deve ser o de prevenir que

Procedimentos compreensíveis

Informação sobre os métodos de

queixa

Removendo impedimentos

para as queixas

Prevenindo a vitimização

Resolução de pedidos e queixas

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PEDIDOS E QUEIXAS

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um pedido simples cresça, a ponto de se tornar uma queixa, ou que uma queixa evolua, a ponto de se tornar uma acusação formal, ou, ainda, que uma acusação se desenvolva, a ponto de se tornar um recurso a um órgão superior.

A melhor forma de conseguir isso é estimulando boas relações pessoais entre os servidores, que atuam na linha de frente, e os presos com os quais eles lidam diretamente no dia-a-dia. Esse assunto foi tratado em detalhes no Capítulo 3 deste manual. Se tais relações existirem, é mais provável que o preso se dirija diretamente ao servidor em questão para fazer um pedido ou uma queixa, na expectativa de que o assunto seja tratado de modo justo e rápido. Um servidor bem capacitado saberá com quais questões ele pode lidar diretamente e quais questões terão de ser encaminhadas a uma instância superior, e, ainda, poderá explicar o processo ao preso. Uma das características mais importantes da boa prática neste aspecto é que a pessoa presa deve receber uma resposta, assim que for razoavelmente possível. Se a resposta for negativa, é particularmente importante oferecer uma explicação. Nesse caso, o preso terá maior propensão a aceitar a resposta dada, mesmo quando ela for negativa, e, assim, seu pedido não se tornará uma queixa.

Não será possível resolver todos os pedidos e queixas desse modo informal. Além disso, cada sistema prisional precisa ter um procedimento formal para lidar com pedidos e queixas que não podem ser resolvidos informalmente entre os indivíduos. A cada dia de trabalho, o diretor da prisão, ou um membro mais graduado dos servidores, designado pelo diretor, deve considerar todos os pedidos ou queixas dos prisioneiros. Sempre que possível, o preso deve poder fazer o pedido ou apresentar sua queixa pessoalmente. Se o volume de pedidos inviabilizar essa prática, deve haver procedimentos para que os pedidos ou as queixas sejam feitos por escrito. Independentemente de o pedido ser feito oralmente ou por escrito, a unidade prisional deve ter um registro escrito formal do pedido e da resposta dada.

Os pedidos e as queixas devem ser tratados o mais rapidamente possível. O procedimento geral deve indicar quantos dias normalmente serão necessários para se dar uma resposta. Se o pedido for complicado e não puder ser resolvido dentro do prazo normal, a pessoa presa deve ser informada de quanto tempo levará.

Se o diretor da prisão rejeitar o pedido ou a queixa, ou se a queixa for contra o próprio diretor, o preso deve poder fazer uma solicitação por escrito a uma pessoa mais graduada da administração prisional, geralmente, da sede regional ou nacional. A fim de preservar a justiça e a equidade, é importante que uma queixa feita contra um servidor não seja encaminhada por meio dele próprio. Por essa razão, deve haver um procedimento que permita que as pessoas presas apresentem pedidos e queixas confidenciais a uma autoridade superior.

As pessoas privadas de liberdade devem ter o direito de petição individual e coletiva e direito de resposta perante as autoridades judiciais, administrativas ou outras. Este direito pode ser exercido por terceiros ou organizações, de acordo com a lei.

Esse direito compreende, entre outros, o direito de apresentar petições, reclamações ou queixas perante as autoridades competentes, e receber uma resposta rápida dentro de um prazo razoável. Ele também inclui o direito de, oportunamente, solicitar e receber informações sobre o seu processo e o tempo restante da pena privativa de liberdade, se aplicável.

Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Princípios e Boas Práticas sobre a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas

Américas, Princípio VII, 2008

Resolvendo as reclamações

informalmente

Um procedimento formal

Rapidez é importante

Levando as queixas a uma

instância superior

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PEDIDOS E QUEIXAS

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Os procedimentos de apresentação de pedidos ou queixas a inspetores independentes e outras pessoas de fora do sistema prisional são tratados no Capítulo 10 deste manual. Os administradores prisionais nunca devem impedir ou desestimular as pessoas presas de fazerem queixas a autoridades judiciais ou inspetores externos independentes. Oferecer às pessoas presas essas vias de reclamação externas pode ajudar a reduzir o potencial de tensão.

Na África do Sul, os prisioneiros têm o direito legal de reclamar diretamente aos Visitantes Independentes das Prisões, que são nomeados pelo Juiz Inspetor de Prisões, por meio de uma indicação do público e processo de consulta com as organizações comunitárias. Durante 2007, os Visitantes independentes das Prisões receberam e registraram um total de 158.362 denúncias de presos. 50

Inspeção Judicial de Prisões, Relatório Anual de 2008

Embora todos os pedidos e queixas devam ser tratados o mais rapidamente possível, alguns casos precisam ser tratados com mais urgência do que outros. É de suma importância, por exemplo, que qualquer acusação ou denúncia de tortura ou tratamento desumano seja tratada imediatamente, de modo a inspirar confiança por parte da pessoa que faz a queixa. Deve haver um procedimento destinado a assegurar que qualquer acusação dessa natureza seja levada imediatamente ao diretor da prisão ou, se a acusação for contra o próprio diretor, que seja levada imediatamente à atenção de um órgão externo superior. Esse assunto é abordado no capítulo 4.

De igual modo, deve haver um procedimento claro para tratar qualquer queixa que inclua uma alegação de comportamento criminoso por parte de um servidor ou de outro preso. Essas acusações, normalmente, devem ser encaminhadas ao órgão da sociedade civil, responsável por investigar ou instaurar processo judicial contra atos criminosos. Esse órgão poderá, então, decidir se deve proceder no caso em questão como em uma investigação criminal ou se deve encaminhá-lo de volta às autoridades prisionais para ação administrativa.

As pessoas presas também podem levantar questões relativas a sua detenção, sentença ou data de soltura. Pedidos dessa natureza devem ser encaminhados à autoridade legal competente.

As pessoas presas também podem querer se queixar de decisões disciplinares tomadas contra elas, quando entenderem que os procedimentos adequados não foram seguidos no seu caso ou que elas foram punidas injustamente. Conforme explicado no Capítulo 9 deste manual, deve haver um procedimento que permita que esses recursos sejam levados a uma autoridade superior.

A grande maioria dos pedidos e das queixas das pessoas presas, provavelmente, será relacionada a questões administrativas. Muitas delas poderão ser de importância relativamente menor, em termos objetivos, mas cada uma delas será de grande importância para o preso em questão. Pode ser que eles estejam preocupados com a alimentação, com a perda de um bem, com atrasos na correspondência, com problemas em relação a visitas ou com a atitude dos servidores. Muitas vezes, tudo o que o prisioneiro pede é um reconhecimento de que algo está errado e que um pedido de desculpas seja oferecido. Se o prisioneiro vê que essas queixas são tratadas com honestidade e franqueza, haverá menos probabilidade de que se perpetue um senso de injustiça.

Queixas a órgãos externos

independentes

Denúncias de tortura

Alegações de atividades

criminosas

Queixas sobre o processo legal

Recursos contra decisões

disciplinares

As queixas são importantes para

os presos

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PEDIDOS E QUEIXAS

140

Os procedimentos descritos até agora preocuparam-se com os pedidos e reclamações levantadas pelos prisioneiros individualmente. As administrações prisionais também precisam ser sensíveis a quaisquer culturas ou tradições cujas preocupações são levantadas através de um grupo ou de líder da família, em vez de individualmente.

Queixas do grupo

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RECONHECIMENTO DA DIVERSIDADE

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O contexto

Tradicionalmente, as autoridades prisionais têm baseado suas políticas na visão de que os prisioneiros são um grupo homogêneo e de que todos eles podem ser tratados da mesma forma. Isso significa que as políticas prisionais e as práticas têm sido moldadas como se todos os prisioneiros fossem homens adultos, originários dos principais grupos étnicos, culturais e religiosos do país.

Essa abordagem raramente reflete a realidade. Dentro de qualquer sistema prisional, haverá prisioneiros de uma variedade de origens e com diferenças que podem incluir as diferenças de raça, etnia, origem social, cultura, religião, orientação sexual, língua ou nacionalidade. As regras e os regulamentos da prisão devem ter em conta os diferentes requisitos que os presos podem ter em qualquer um ou em todos esses aspectos. Além disso, não deve haver discriminação contra qualquer prisioneiro, em decorrência dos fatores acima mencionados.

Em diversos países, existe uma preocupação especial quanto à discriminação das minorias raciais. O risco de discriminação torna-se ainda maior em um ambiente de condições fechadas, como o de uma prisão. As administrações prisionais têm a obrigação de impedir a formação de subgrupos, que discriminem as minorias, tanto entre os servidores quanto entre a população carcerária. Isso poderá exigir uma vigilância suplementar, sempre que surgirem sinais de agitação na comunidade externa à prisão.

Muitos dos preconceitos existentes na sociedade contra as minorias refletem-se, também, no mundo da prisão. Isso não surpreende, pois, até certo ponto, as prisões espelham os valores da sociedade da qual fazem parte. As autoridades prisionais têm a obrigação de assegurar que não ocorram atos discriminatórios contra quaisquer grupos minoritários de presos ou de servidores ou de grupo religioso. Isso inclui a discriminação institucional, inserida na estrutura organizacional, e a discriminação praticada por indivíduos.

O direito à liberdade de crença religiosa e de observar o requisito de que a religião é um direito humano universal aplica-se a todos os presos, bem como às pessoas livres. As autoridades prisionais têm o dever de respeitar o direito dos prisioneiros de observar a sua religião e de não obrigá-los a ter atitudes contrárias a ela.

O que dizem os instrumentos internacionais

Declaração Universal dos Direitos Humanos, Artigo 2:

Todo ser humano pode invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem qualquer distinção, quer seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra, origem nacional ou social, propriedade, nascimento ou qualquer outra situação.

Reconhecimento da diversidade

Tratamento justo para todos os

presos

Reconhecendo as diferenças

Perigo de discriminação

Obrigação de combater a

discriminação

Respeitando a liberdade de pensamento, consciência e

religião

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RECONHECIMENTO DA DIVERSIDADE

142

Declaração Universal dos Direitos Humanos, Artigo 18:

Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença, bem como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou juntamente com outros, tanto em público como em privado, em ensino, prática, culto e observância de ritos.

Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, Artigo 27:

Naqueles Estados onde existam minorias étnicas, religiosas ou linguísticas, as pessoas pertencentes a essas minorias não poderão ser privadas do direito de ter, juntamente com outros membros de seu grupo, sua própria vida cultural, de professar e de praticar sua própria religião e usar seu próprio idioma.

Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, Artigo 5:

Em conformidade com as obrigações fundamentais, enunciadas no Artigo 2º, os Estados Membros comprometem-se a proibir e a eliminar a discriminação racial em todas suas formas e a garantir o direito de cada pessoa à igualdade perante a lei, sem distinção de raça, de cor ou de origem nacional ou étnica, principalmente no gozo dos seguintes direitos:

(a) direito a um tratamento igual perante os tribunais ou qualquer outro órgão que administre o sistema de justiça;

(b) direito à segurança pessoal ou à proteção do Estado contra violência ou lesão corporal cometida, quer por funcionários de governo, quer por qualquer indivíduo, grupo ou instituição.

Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sob Qualquer Forma de Detenção ou Prisão, Princípio 5 (1):

Os presentes princípios aplicam-se a todas as pessoas que se encontrem em território de um determinado Estado, sem discriminação alguma, independentemente de qualquer consideração de raça, cor, sexo, língua, religião ou convicção religiosa, opinião política ou outra, origem nacional, étnica ou social, propriedade, nascimento ou qualquer outra situação.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 38:

(1) Às pessoas presas de nacionalidade estrangeira, serão concedidas facilidades razoáveis para se comunicarem com os representantes diplomáticos e consulares do Estado a que pertencem.

(2) Às pessoas presas de nacionalidade de Estados, sem representação diplomática ou consular no país, e a refugiados ou pessoas apátridas, serão concedidas facilidades semelhantes para se comunicarem com os representantes diplomáticos do Estado, encarregado de zelar pelos seus interesses ou com qualquer entidade nacional ou internacional que tenha como tarefa a proteção de tais indivíduos.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 41:

(3) Não será recusado o acesso de qualquer preso a um representante qualificado de qualquer religião.

Colocando em prática

Existem diferentes maneiras de mensurar a ocorrência de discriminação, como por exemplo, na alocação de trabalhos mais valorizados pelos prisioneiros. Entre essas tarefas, incluem-se o trabalho na cozinha ou na biblioteca,

Monitorando a discriminação

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RECONHECIMENTO DA DIVERSIDADE

143

onde existe. A administração prisional deve verificar se algum grupo minoritário está sub-representado ou excluído dessas atividades mais valorizadas. O acesso à educação também deve ser controlado e a distribuição das melhores acomodações para certos presos merece, igualmente, constante monitoramento. Outro meio de se medir a discriminação é analisar a frequência de medidas disciplinares tomadas contra prisioneiros, discriminadas por diferentes grupos.

Uma forma de reforçar o fato de que a discriminação é inaceitável é exibir, em locais de destaque na prisão, declarações públicas sobre a política de não-discriminação.

Sob nenhuma circunstância, as pessoas privadas de liberdade devem ser discriminadas por motivos de raça, origem étnica, nacionalidade, cor, sexo, idade, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento, deficiência sensorial, física ou mental, gênero, orientação sexual, ou qualquer outra condição social. Portanto, devem ser proibidos qualquer distinção, exclusão, restrição ou aquilo que seja concebido para - ou tenha o efeito de - minar ou impedir o reconhecimento, o gozo ou o exercício dos direitos, internacionalmente reconhecidos, de pessoas privadas de liberdade.

Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Princípios e Boas Práticas sobre a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas

Américas, o Princípio II, 2008

Um importante método para se reduzir a discriminação pode ser a contratação de servidores pertencentes a diferentes minorias étnicas para exercerem funções com boas chances de progressão funcional. O Capítulo 3 faz referência a esse assunto. Durante o treinamento e, ao longo de suas carreiras, o servidor deve receber constante capacitação sobre como trabalhar de modo positivo com os diferentes grupos de prisioneiros.

Igualdade de tratamento pressupõe algo mais do que garantir a ausência de discriminação. É necessário, também, agir com atitude positiva, de modo a assegurar que as necessidades especiais das minorias sejam atendidas. Um exemplo seria o fornecimento de uma dieta alimentar especial para alguns prisioneiros, por motivos religiosos ou culturais. Uma medida como essa não envolve, necessariamente, custos adicionais; talvez exija apenas uma melhor organização.

Durante a implementação dos programas de reintegração social, é importante conhecer a comunidade específica para a qual o presidiário retornará.

O Capítulo 10 do presente manual refere-se à necessidade de incentivar organizações locais da sociedade civil a visitarem periodicamente as prisões. Esses grupos devem incluir representantes das minorias presentes na comunidade.

Uma medida considerada útil por algumas administrações é a consulta formal a representantes de grupos minoritários sobre o provável impacto das regras propostas, ou a designação de conselheiros para auxiliar na formulação de políticas apropriadas.

Reforçar a não-discriminação

Servidores pertencentes a grupos de

minorias étnicas

Agindo de forma positiva

Reintegração social

Consulta formal

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RECONHECIMENTO DA DIVERSIDADE

144

Religião

O que dizem os instrumentos internacionais

Declaração Universal dos Direitos Humanos, Artigo 18:

Todas as pessoas têm direito à liberdade de pensamento, consciência e religião. Este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença, bem como a liberdade – quer individualmente, quer conjuntamente com outros e em público ou em particular – de manifestar sua religião ou crença em ensinamento, prática, adoração e observância.

Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, Artigo 18 (1):

Todas as pessoas têm direito à liberdade de pensamento, consciência e religião. Este direito inclui a liberdade de ter ou de adotar uma religião ou crença de sua escolha, bem como a liberdade – quer individualmente, quer conjuntamente com outros e em público ou em particular – de manifestar essa religião ou crença em adoração, observância, prática e ensinamento.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Artigos 41-42:

41. (1) Caso a instituição abrigue um número suficiente de prisioneiros da mesma religião, deverá ser nomeado ou aprovado um representante qualificado dessa religião. Se o número de prisioneiros justificar e as condições o permitirem, esse arranjo deve se aplicar em tempo integral.

41. (2) Um representante qualificado, nomeado ou aprovado, nos termos do parágrafo (1) acima, deverá ter permissão para realizar serviços religiosos regulares e de fazer visitas pastorais privativas aos prisioneiros de sua religião em horários apropriados.

41. (3) Acesso a um representante qualificado de qualquer religião não será recusado a qualquer pessoa presa. Por outro lado, se qualquer pessoa presa tiver objeção a uma visita de qualquer representante religioso, sua atitude deve ser plenamente respeitada.

42 Na medida em que seja viável, cada presidiário terá permissão para satisfazer as necessidades de sua vida religiosa, comparecendo aos serviços religiosos oferecidos na instituição e mantendo em sua posse os livros de observância e instrução religiosa de sua denominação.

Regras Prisionais Europeias, Regra 29:

29.2 O regime prisional deve ser organizado, sempre que possível, para permitir que os presos possam praticar sua religião e seguir suas crenças, participar de serviços ou reuniões dirigidas por representantes aprovados de religião ou crenças, como para receber visitas em particular de tais representantes e manter sob sua posse livros ou literatura relativos à sua religião ou crença.

29.3 Os prisioneiros não podem ser obrigados a praticarem uma religião ou crença, a assistirem aos serviços religiosos ou reuniões, a participarem de práticas religiosas ou a aceitarem uma visita de um representante de qualquer religião ou crença.

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RECONHECIMENTO DA DIVERSIDADE

145

Colocando em prática

A privação da liberdade não deve incluir a privação do direito de se observarem os requisitos da religião da pessoa presa. As autoridades prisionais devem assegurar que:

As pessoas presas tenham oportunidade de fazer orações, ler textos religiosos e de satisfazer outros requisitos de sua religião, tais como vestuário ou prática de lavagem, com a frequência que sua religião exigir.

Os presos da mesma religião devem ter oportunidade de se reunirem em grupo para serviços religiosos em dias santos ou feriados religiosos.

As pessoas presas devem ter oportunidade de serem visitadas por representantes qualificados de sua religião para orações em particular e reuniões em grupo.

Essas disposições devem aplicar-se a todos os grupos religiosos reconhecidos e não devem se restringir às principais religiões de um país. Deve-se dispensar atenção especial às necessidades religiosas dos presos de grupos minoritários. Eles devem sempre ser capazes de observar os princípios de sua religião em quesitos como a oração pessoal ou comunitária, de higiene e requisitos de roupas.

Também é importante assegurar que os presos, que não aderem a qualquer grupo religioso ou que não desejam praticar uma religião, não sejam obrigados a fazê-lo. Os prisioneiros não devem receber privilégios adicionais ou ter permissão para viver em condições melhores em razão de sua associação ou prática religiosa.

Os regulamentos prisionais devem incluir o direito de representantes religiosos qualificados visitarem as prisões regularmente para reunirem-se com os presos. Devem ser proporcionados recursos a todos os presos que desejam observar seus deveres religiosos. Isso pode incluir o direito de fazer preces em particular, em horas específicas do dia ou da noite, de realizar várias práticas de lavagem, de usar peças do vestuário específicas ou de jejuar em certos momentos.

Observância religiosa

Todas as religiões reconhecidas

devem ser incluídas

Liberdade para não professar

qualquer religião

Visita de representantes

religiosos

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PROCEDIMENTOS DE INSPEÇÃO

15

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O contexto

Todas as prisões são lugares onde homens e mulheres ficam detidos contra sua vontade. O potencial de abuso está sempre presente. É por isso que essas instituições devem ser administradas de modo justo e imparcial. Todas as instituições que são administradas pelo Estado, ou em seu nome, devem estar sujeitas ao escrutínio público. Isso se torna ainda mais importante no caso das prisões, por causa de sua natureza coercitiva.

Os Estados deverão:

Estabelecer, apoiar e fortalecer as instituições nacionais independentes, tais como comissões de direitos humanos, ouvidorias e comissões de parlamentares, com o objetivo de realizar visitas a todos os locais de detenção e, de modo geral, abordar a questão da prevenção da tortura, do tratamento ou da punição cruel, desumana e degradante, guiados pelos Princípios de Paris da ONU Relacionados com o Status e Funcionamento das Instituições Nacionais para a Proteção e Promoção dos Direitos Humanos. 51

Comissão africana de Direitos Humanos e dos Povos, Resolução sobre Diretrizes e Medidas para a Proibição e Prevenção da Tortura,

Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes na África (Diretrizes de Robben Island), 2002

Este manual descreve, em detalhes, o pressuposto de uma boa administração prisional. Entretanto, mesmo nos estabelecimentos prisionais mais bem administrados, ocasionalmente, serão feitas denúncias e levantadas dúvidas sobre o que acontece intramuros. Como os membros da sociedade civil não poderão descobrir facilmente, por si mesmos, o que acontece por detrás dos altos muros e das cercas de uma prisão, é necessário que haja um sistema de inspeção que verifique que tudo está como deve ser.

Os procedimentos de inspeção protegem os direitos das pessoas presas e de suas famílias. Seu objetivo é o de garantir que os procedimentos adequados existam e que são cumpridos todo o tempo pelos servidores. As inspeções devem abranger todos os aspectos da vida prisional, tratados neste manual.

É igualmente importante reconhecer que as inspeções também podem ser uma medida de proteção para os servidores. Elas são um meio de lidar com as denúncias de maus tratos contra prisioneiros ou comportamento impróprio de algum servidor. Quando tais denúncias são feitas, elas devem ser acatadas, identificando-se o servidor implicado. É também um meio de proteger os servidores contra acusações injustas. Entretanto, as inspeções não tratam apenas de falhas. É importante que elas possam identificar as boas práticas a serem usadas como modelos em outros lugares. Além disso, elas também servem para dar crédito aos servidores, que trabalham de maneira profissional.

Procedimentos de inspeção

As prisões devem estar abertas ao

escrutínio público

Inspeção externa é indispensável

O valor do escrutínio externo

O escrutínio externo é fator de proteção para os

servidores

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PROCEDIMENTOS DE INSPEÇÃO

148

A inspeção pode assumir várias formas. Nas prisões em que existe um contato frequente com os representantes da comunidade, haverá sempre um bom nível de escrutínio informal. Em situações nas quais os membros da sociedade civil visitam as prisões regularmente, haverá menor probabilidade de conduta imprópria e maior probabilidade de que a comunidade entenda o que acontece dentro das prisões. Dentre os cidadãos que visitam com frequência a prisão, incluem-se professores das escolas locais, profissionais da área de saúde dos hospitais próximos e membros de grupos religiosos ou culturais. Suas atividades serão descritas em outros pontos deste manual. Essas pessoas não são inspetores stricto sensu, mas suas presenças podem ser consideradas um tipo de inspeção informal. Elas também são importantes, porque trazem uma perspectiva diferente da dos profissionais da prisão.

Algumas administrações desenvolveram um papel mais formal para os membros da comunidade local, por meio de sistemas de controle independente por parte de pessoas leigas. Esses órgãos de controle assumem a responsabilidade de um escrutínio mais formal do trabalho realizado na prisão, além de comunicar o resultado dos seus controles às autoridades responsáveis e, em alguns casos, à comunidade local. Esses sistemas podem oferecer um meio eficaz de preservar e promover os direitos humanos, além de evitar abusos. Eles também constituem vínculos formais entre as prisões e a sociedade, em nome de quem elas são administradas.

Em decorrência das mudanças na lei, em 2006, o Japão criou “Conselhos de Visitantes para Inspeções de Instituições Penais.” Os Conselhos devem envolver cidadãos comuns no trabalho das prisões e trazer a perspectiva dos cidadãos para a atenção dos servidores prisionais. Cada Conselho deve ter, em sua composição, um advogado recomendado pela associação de advogados local, um médico recomendado pela associação médica local, um funcionário do governo municipal e até sete membros leigos. O Conselho de visitantes devem visitar instituições, dar feedback para o gestor da prisão sobre seu funcionamento e também entrevistar presos, quando necessário. O conselho deve produzir um relatório anual, dando seu parecer sobre a instituição.52

Federação Japonesa de Associações de Advogados, Informações para Prisioneiros, 2006

Existe uma modalidade mais formal de inspeção, realizada por servidores da administração central em cada prisão. Em geral, esse tipo de inspeção é realizado sob a forma de auditoria de procedimentos. A inspeção pode abarcar uma grande variedade de aspectos, tais como segurança, finanças, atividades para os presos, formação dos servidores ou discriminação. Em muitas administrações, esses procedimentos serão cotejados frente aos padrões desenvolvidos em nível central, a fim de garantir a uniformidade entre as prisões. Algumas administrações também nomeiam supervisores para suas prisões, responsáveis pelo cumprimento das normas prisionais. Em geral, essas auditorias concentram-se nos processos administrativos. Esse tipo de inspeção ou auditoria é muito importante, mas, por si só, não é suficiente.

Outro importante tipo de inspeção é aquela realizada por órgãos independentes, não só de cada unidade prisional, mas também do sistema prisional como um todo. Em alguns casos, seus integrantes são indicados pelo governo. A modalidade mais independente é aquela em que os inspetores são nomeados pelo poder legislativo e são responsáveis por apresentar seu relatório perante o mesmo. Em alguns casos, esses órgãos realizam um

A participação da sociedade civil

é uma forma de escrutínio

Monitoramento de leigos

independentes

Inspeções administrativas

Inspeções independentes

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PROCEDIMENTOS DE INSPEÇÃO

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programa regular de inspeções. Em outros, realizam inspeções ad hoc. Eles inspecionam o funcionamento cotidiano das prisões e, ocasionalmente, fazem uma inspeção específica, após um incidente grave.

A metodologia de inspeção mais exaustiva é aquela que combina todos os tipos mencionados, complementando-se em suas atividades.

Mecanismos de inspeção internacionais

O contexto do controle e monitoramento dos lugares que mantém as pessoas detidas pelo Estado foi levado a um outro nível, com a entrada em vigor, em 2006, do Protocolo Facultativo à Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e a criação do Subcomitê da ONU de Prevenção da Tortura . O Protocolo Facultativo é um sistema mundial com dois elementos. Primeiro, cada Estado que ratificar tem que designar um organismo de inspeção para se tornar Mecanismo Preventivo Nacional daquele país. Segundo, o Protocolo Facultativo permite que a Subcomissão da ONU de Prevenção da Tortura possa visitar locais de detenção nos países que o ratificaram.

O Relator Especial sobre Tortura, nomeado pelas Nações Unidas, tem tido um papel importante, no sentido de comentar os abusos que afetam as pessoas privadas de sua liberdade. Nos últimos anos, sua influência aumentou, graças ao seu hábito de visitar as prisões e fazer comentários públicos sobre o que nelas encontra.

Uma vez que as violações dos direitos dos detentos, por definição, ocorrem a portas fechadas e, em muitos lugares, não existem canais eficientes para denunciá-los, a injustiça feita aos presos, muitas vezes, permanece desconhecida e desconsiderada. Por ocasião da semana sobre “Dignidade e Justiça para os Detentos”, conclamamos todos os Estados para fazer o melhor, a fim de garantir que os detidos, como todos os outros seres humanos, sejam tratados com respeito e dignidade. Pedimos também aos Estados que disponibilizem mecanismos eficazes de monitoramento e de denúncias em locais de detenção, incluindo meios eficientes para contestar a legalidade da detenção e o acesso a aconselhamento legal, com vista a tornar os direitos humanos uma realidade para eles. 53

Escritório das Nações Unidas do Alto Comissariado para os Direitos Humanos, Declaração de 13 especialistas da ONU sobre a iniciativa

global de detenção, outubro de 2008

Em nível regional, o Relator Especial sobre as Condições Prisionais na África, nomeado pela Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, realiza inspeções dos sistemas prisionais naquele continente e publica relatórios, nos quais detalha os problemas encontrados e as boas práticas observadas. O Comitê Europeu para a Prevenção da Tortura e das Penas ou Tratamentos Desumanos ou Degradantes do Conselho da Europa é o exemplo mais antigo de mecanismo intergovernamental de cooperação e exerce influência considerável na melhoria das condições de prisão e de detenção nos países – que vão do Atlântico ao Pacífico – que fazem parte do Conselho da Europa. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha é muito ativo na área de inspeção em circunstâncias especiais, como, por exemplo, situações de guerra.

Algumas jurisdições outorgam aos seus prisioneiros direitos especiais de acesso a organizações não-governamentais de direitos humanos, nacionais e internacionais.

O Protocolo Facultativo à

Convenção da ONU contra a

Tortura (OPCAT)

Mecanismos de inspeção regional

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PROCEDIMENTOS DE INSPEÇÃO

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O que dizem os instrumentos internacionais

Os instrumentos internacionais são claros ao exigir que todas as prisões e lugares de detenção sujeitem-se a um sistema de inspeção, independente da autoridade responsável pela administração prisional. Tais instrumentos também outorgam aos presos o direito de acesso pleno e confidencial aos inspetores, sob a reserva de considerações legítimas de segurança.

Convenção das Nações Unidas contra a Tortura, o artigo 16 (1):

Cada Estado Membro compromete-se a proibir, em qualquer território sob sua jurisdição, outros atos de tratamento cruel, desumano ou degradante, que não constituam tortura, tal como definida no artigo 1º, quando tais atos são cometidos por ou por instigação de um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções oficiais, ou com o seu consentimento ou aquiescência.

Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, Princípios Gerais, Artigo 1º:

O objetivo do presente Protocolo é estabelecer um sistema de visitas regulares... a lugares onde pessoas são privadas de sua liberdade, a fim de prevenir a tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.

Artigo 3º

... O Subcomitê de Prevenção deve ser guiado pelos princípios de confidencialidade, imparcialidade, não seletividade, universalidade e objetividade.

Artigo 17

Cada Estado Membro deverá manter, designar ou estabelecer, o mais tardar um ano após a entrada em vigor do presente Protocolo ou de sua ratificação ou adesão, um ou vários mecanismos preventivos nacionais independentes para a prevenção da tortura em nível local. Mecanismos estabelecidos através de unidades descentralizadas poderão ser designados como mecanismos preventivos nacionais para os fins do presente Protocolo se estiverem em conformidade com as suas disposições.

Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sob Qualquer Forma de Detenção ou Prisão, Princípio 29:

1 A fim de assegurar a estrita observância das leis e dos regulamentos pertinentes, os lugares de detenção devem ser inspecionados regularmente por pessoas qualificadas e experientes, nomeadas por uma autoridade competente que não a autoridade diretamente encarregada da administração do lugar de detenção ou de prisão, e responsáveis perante ela.

2 A pessoa detida ou presa tem o direito de se comunicar livremente e em regime de absoluta confidencialidade com as pessoas que inspecionam os lugares de detenção ou de prisão, nos termos do parágrafo 1º, sem prejuízo das condições razoavelmente necessárias para assegurar a manutenção da segurança e da boa ordem nos referidos lugares.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 55:

Deverá haver uma inspeção regular dos estabelecimentos e serviços penitenciários, por inspetores qualificados e experientes, nomeados por uma autoridade competente. É seu dever assegurar que esses estabelecimentos sejam administrados de acordo com as leis e os regulamentos vigentes, com vistas à consecução dos objetivos dos serviços penitenciários e correcionais.

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PROCEDIMENTOS DE INSPEÇÃO

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Colocando em prática

Os Governos que ratificaram o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes devem colocar em vigor, dentro de um ano da ratificação, procedimentos para a inspeção de todos os locais de detenção, de modo a prevenir a tortura e outras formas de tratamento cruel, tratamento desumano ou degradante. Estes acordos devem garantir que existam comissões que:

sejam independentes; tenham uma autoridade especificada na lei; tenham recursos adequados; tenham acesso livre e irrestrito aos locais de detenção; possam fazer recomendações.

Em outros capítulos deste manual são descritas as vantagens de se manter uma boa relação de trabalho entre as prisões e a sociedade civil, em virtude da qual os membros respeitados da sociedade visitarão regularmente essas instituições e participarão de várias atividades. Uma vantagem adicional deste tipo de acordo é que a interação pode, de certa forma, funcionar como uma vigilância informal de tudo que ocorre na prisão. Os visitantes irão interagir com os servidores e entrarão em contato com os presos, de modo que poderão observar os problemas e detectar indícios de abuso. Sua presença também poderá servir para fomentar boas relações interpessoais. A presença de representantes da sociedade civil pode ser preventiva, evitando os abusos, antes que eles ocorram. Em geral, os procedimentos de inspeção formais somente identificam as falhas depois que elas ocorrem. Os comentários desses visitantes sobre o que presenciaram na prisão terão importância ainda maior pelo fato de que se baseiam em sua experiência e nas expectativas da sociedade externa. Por conseguinte, eles estarão em condições de questionar e criticar determinados procedimentos prisionais.

Os inspetores do tipo mais formal, que serão descritos a seguir, deverão consultar esses visitantes frequentes, sempre que realizarem suas inspeções.

Algumas administrações adotaram medidas para a vigilância formal das prisões, deixando-a a cargo de órgãos compostos por membros leigos da comunidade. Outras administrações já adotaram, ou pensam em adotar, métodos semelhantes, algumas em resposta à ratificação da OPCAT. Os melhores sistemas são aqueles nos quais membros independentes da sociedade civil são nomeados para monitorar todos os aspectos da vida na prisão e comunicar publicamente suas informações. Para serem eficazes, esses inspetores leigos devem ter acesso irrestrito a todas as áreas das prisões e devem responder perante o público - por meio do Congresso, por exemplo -, e não perante a administração do estabelecimento prisional.

Recentemente, a Turquia implantou um sistema mediante o qual é nomeado um pequeno conselho independente para cada comissão judicial, com o objetivo de acompanhar as instituições penais, sob sua jurisdição, e apresentar relatório de suas ações. A União Europeia informou, em 2008, que “uma maior transparência foi introduzida para as operações das Comissões de Monitoramento das Instituições Penais e Casas de Detenção. Essas Comissões realizarão visitas regulares às prisões e os resultados dos seus relatórios estão agora acessíveis ao público. Além disso, a lei prevê a publicação de um relatório anual sobre as atividades das Comissões de Monitoramento das Instituições Penais e Casas de Detenção.”54

Comissão das Comunidades Europeias, Turquia Relatório de Progresso 2008

Mecanismos preventivos

nacionais

A participação da sociedade civil pode prevenir

abusos

Monitoramento leigo formal

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PROCEDIMENTOS DE INSPEÇÃO

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Na Inglaterra e no País de Gales, existe uma norma que prevê que sejam nomeados inspetores da sociedade civil para acompanhar e observar qualquer incidente grave que ocorra em uma prisão. Esse sistema tem o duplo propósito de ajudar a proteger tanto as pessoas presas de abusos quanto os servidores contra acusações injustas.

Na maioria das administrações prisionais, existe alguma forma de processo de inspeção interna. Em geral, as pessoas dedicadas a essa tarefa são funcionários mais graduados, que conhecem bem as prisões e sua administração. Normalmente, são pessoas que atuam em equipes que trabalham no âmbito da administração central, sem, entretanto, ter contato direto com cada uma das unidades prisionais. Elas podem ser responsáveis pela inspeção de todas as prisões de uma região ou podem trabalhar em determinadas funções, como, por exemplo, inspecionando todos os presídios femininos ou instituições para jovens infratores.

Em alguns sistemas prisionais, essas equipes atuam mais como auditores do que como inspetores. Sua função principal consiste em verificar que os procedimentos adequados estejam sendo seguidos, que as normas administrativas estejam sendo observadas e que não haja casos de corrupção ou conduta ilegal. Na prática, deve existir uma distinção clara entre a função do auditor e a do inspetor. O auditor, geralmente, concentra-se na maneira como as coisas estão sendo feitas, enquanto um inspetor concentra-se em o que está sendo feito e nos resultados obtidos. É possível que uma unidade prisional satisfaça os inspetores do governo, na medida em que os procedimentos estão sendo corretamente seguidos, e, ainda assim, seja uma prisão mal administrada, segundo os conceitos destacados neste manual. Os auditores têm um importante papel de gestão a cumprir, mas devem apenas complementar o trabalho feito pelos inspetores independentes, nunca substituí-los.

A equipe de inspeção interna deve ter acesso irrestrito a todos os locais e pessoas que se encontram nas prisões e lugares de detenção. Elas podem ter um programa de inspeções anunciado com antecedência, mas também devem fazer inspeções ad hoc, sem anúncio prévio e fora do horário normal de trabalho. Em geral, eles devem reportar-se ao chefe da administração prisional nacional.

A função das inspeções e auditorias formais não consiste apenas em identificar práticas inaceitáveis. Esses processos também devem ter um papel importante na identificação e divulgação das boas práticas.

Além dos procedimentos de inspeção interna, também deve existir uma forma de inspeção totalmente independente do sistema prisional. Uma modalidade possível é a nomeação dos inspetores pelo governo. Isso não é inteiramente satisfatório, pois o governo é o responsável maior pela administração do sistema. A melhor maneira de garantir a independência é fazer com que o inspetor seja nomeado mediante algum tipo de processo parlamentar, como, por exemplo, a nomeação de um ouvidor. Se o inspetor puder apresentar seu relatório diretamente ao Congresso, haverá menos possibilidade de interferência administrativa.

O Gabinete do Inspetor de Serviços de Custódia foi criado na Austrália Ocidental, em 2000, para possibilitar o controle externo independente das prisões. O Gabinete é responsável perante o Ministro da Justiça e responde diretamente ao Parlamento. Entre 2001, quando o inspetor começou a trabalhar e, ao final de 2008, o Gabinete produziu 56 relatórios independentes sobre os aspectos de custódia no Oeste da Austrália.55

Site do Gabinete do Inspetor dos Serviços de Custódia

A importância do monitoramento de incidentes graves

Na maioria dos sistemas

são realizadas inspeções

administrativas

Verificando o cumprimento dos

procedimentos oficiais

Os inspetores internos devem ter

acesso irrestrito

É importante identificar as boas

práticasInspeções

independentes são essenciais

para a boa gestão prisional

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PROCEDIMENTOS DE INSPEÇÃO

153

Em alguns países, a exemplo da França e Espanha, os juízes são responsáveis por assegurar que as prisões sejam administradas em conformidade com a lei e que as pessoas presas sejam tratadas com humanidade. Essa modalidade, supostamente, garante a independência, pois os juízes não fazem parte do sistema prisional, embora seja importante destacar que esses juízes de aplicação de penas (juges d’application des peines) podem dar prioridade ao trabalho de inspeção das prisões.

Juízes competentes, independentes e imparciais, e os tribunais serão responsáveis pelo controle periódico da legalidade dos atos da administração pública, que afetam ou podem afetar os direitos, garantias, ou benefícios aos quais as pessoas privadas de liberdade têm direito, bem como o controle periódico das condições de privação de liberdade e supervisão da execução, ou cumprimento das punições.

Os Estados-Membros da Organização dos Estados Americanos devem assegurar os recursos necessários para permitir o estabelecimento e eficácia dos órgãos judiciais de controle e supervisão das punições, e devem fornecer os recursos necessários para que funcionem adequadamente.

Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Princípios e Boas Práticas sobre a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas

Américas, Princípio VI, 2008

A posição do inspetor prisional independente será reforçada pela conscientização do público a respeito do seu papel. É, portanto, importante designar para esse cargo pessoas que tenham credibilidade reconhecida. Se o inspetor provém de uma profissão que não faz parte do sistema prisional, como um juiz, por exemplo, pelo menos alguns dos integrantes da equipe de inspeção devem ter conhecimento direto sobre os estabelecimentos prisionais e as administrações prisionais. Além disso, devem fazer parte da equipe inspetores especializados em determinados temas, como cuidados à saúde e saúde mental, educação, edificações e questões de minorias.

Além do programa normal de inspeções, as equipes de inspeção independente também devem ter o direito de realizar inspeções após um incidente grave ou motim. Em tais casos, eles terão pleno acesso a todas as provas disponíveis e devem poder interrogar todas as pessoas envolvidas, tanto servidores quanto prisioneiros.

Além da unidade de inspeção prisional especializada, algumas jurisdições também atribuem a agências governamentais ou centrais a responsabilidade de inspecionar determinados aspectos da vida prisional. Dentre essas agências, poderão estar incluídas a Comissão de Direitos Humanos e a Auditoria Geral, entre outras. Também poderá haver uma articulação formal entre os órgãos de inspeção e as agências que investigam as denúncias dos presos.

Os inspetores independentes deverão publicar, na íntegra, seus relatórios sobre as prisões, exceto informações consideradas sigilosas por razões de segurança ou detalhes de pessoas individualmente. A eficácia de qualquer sistema de inspeção, formal ou informal, será prejudicada se os inspetores não apresentarem os relatórios das suas ações, ou se tais relatórios forem ignorados.

A função dos inspetores após

um incidente grave

Outras formas de inspeção

A posição pública do inspetor

independente

Supervisão judicial

Informando e respondendo às

inspeções

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PROCEDIMENTOS DE INSPEÇÃO

154

Todas as formas de inspeção deverão especificar um procedimento claro de apresentação de relatórios, inclusive as medidas cabíveis para assuntos que requeiram atenção urgente.

Cada unidade prisional, a administração prisional central e o governo também devem comprometer-se a responder, com a maior brevidade, aos relatórios que lhes são enviados. Seria útil tornar públicos os relatórios e as providências tomadas, sujeitos às considerações legítimas de manutenção da segurança. A publicação dos relatórios, como, por exemplo, os do Comitê Europeu para a Prevenção da Tortura e os do Relator Especial Africano, tem tido um importante efeito secundário, no sentido de ajudar a eliminar práticas inaceitáveis e a divulgar as boas práticas junto a outras prisões e administrações.

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PRESOS PROVISÓRIOS E OUTROS DETENTOS NÃO-SENTENCIADOS

16

155

O contexto

Em diversos países, grande parte, se não a maioria, da população carcerária aguarda julgamento. Alguns estão detidos para averiguações; outros esperam que se decida se o processo vai ou não aos tribunais, ou simplesmente aguardam o julgamento.

As diferentes jurisdições empregam termos distintos para se referirem a essas pessoas. Referem-se a elas como: presas sob investigação, em julgamento, aguardando julgamento ou sob custódia. Para simplificar, este manual as qualifica como presos provisórios.

Em certas jurisdições, o termo “preso” só é empregado para os efetivamente condenados. Os que ainda não foram condenados ou estão encarcerados, por qualquer outra razão, seriam considerados detidos. Novamente, para simplificar a terminologia, neste manual, os termos “preso” ou “prisioneiros” são utilizados para todos os que estão detidos de alguma forma, mediante ordem de autoridade judicial.

Finalmente, algumas jurisdições usam o termo “prisão” somente para o local onde ficam presos condenados. Os locais de encarceramento daqueles ainda não-condenados, geralmente, são conhecidos como casas de detenção ou cadeias. Neste manual, o termo “prisão” refere-se a qualquer lugar que mantém uma pessoa detida ou presa em virtude da lei.

O princípio mais importante no tratamento dado a presos que aguardam julgamento é sempre a presunção de sua inocência. Ao contrário de presos condenados, eles não se encontram na prisão como forma de punição. Os administradores prisionais devem garantir que esse status se reflita na forma de tratamento e na administração empregada.

Não basta presumir a inocência dos presos que aguardam julgamento; o fato é que, muitos deles, serão efetivamente inocentados, uma vez que seus processos cheguem aos tribunais. Além disso, o processo judicial, em muitos países, por vezes, é lento, arrastando-se até finalmente chegar ao tribunal, e pessoas posteriormente condenadas podem ficar mais tempo detidas provisoriamente do que efetivamente cumprindo suas sentenças. Tudo isso contribui para um legítimo sentimento de revolta, que talvez afete o comportamento de muitos presos que aguardam julgamento e deve ser levado em conta pelos administradores do sistema prisional.

Em diversas jurisdições, a morosidade do sistema judicial e o resultante excesso de presos que aguardam julgamento são fatores preponderantes da atual superlotação das prisões. A pobreza é outro importante elemento, uma

Presos provisórios e outros detentos não-sentenciados

Algumas definições

A presunção de inocência

Os problemas da prisão provisória

Excesso de presos provisórios

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PRESOS PROVISÓRIOS E OUTROS DETENTOS NÃO-SENTENCIADOS

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vez que muitos detentos não têm meios de pagar os altos valores estipulados para fiança. Em várias regiões do mundo, os presos provisórios constituem mais da metade da população carcerária, superando a casa de 60% em países como Líbano, Camarões, Índia e Bolívia.56 Frequentemente, esses números referem-se apenas aos detentos sob guarda da administração prisional, excluindo os presos em carceragens policiais e sob outras formas de detenção.

[1] Tendo em vista tanto a presunção da inocência quanto o princípio em favor da liberdade, a prisão preventiva de suspeitos de um crime deve ser a exceção e não a regra.

Recomendação do Conselho da Europa Rec (2006)13 do Comité de Ministros aos Estados-Membros sobre o uso da prisão preventiva, as

condições em que ocorre e das garantias contra o abuso.

Deve haver uma clara separação de funções entre os órgãos responsáveis pela investigação criminal, geralmente, a polícia e a autoridade de promotoria, e a administração prisional responsável pela detenção de réus à disposição da autoridade judicial. O fato de um réu permanecer detido, talvez, ajude as autoridades de investigação no seu trabalho, mas as condições de detenção jamais podem constituir um elemento da investigação propriamente dita. Em outras palavras, é vedado manter presos provisórios, sob condições excessivamente duras, simplesmente para convencê-los a colaborar com os investigadores ou a confessar um crime. Nem a autoridade encarregada da investigação, nem a promotoria deveriam influenciar as autoridades prisionais quanto ao modo de tratar pessoas presas que aguardam julgamento.

A reforma prisional na Líbia incluiu a criação de uma organização chamada Polícia Judiciária, responsável pela gestão das prisões, que é independente da polícia, e gerencia seu próprio orçamento dentro do Ministério da Justiça.57

Relatório da Missão do ICPS, 2008

O que dizem os instrumentos internacionais

Declaração Universal dos Direitos Humanos, Artigo 11:

Toda pessoa acusada de um ato delituoso é presumida inocente até que sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias de defesa necessárias lhe sejam asseguradas.

Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, Artigo 9:

1 Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoal. Ninguém poderá ser preso ou encarcerado arbitrariamente. Ninguém poderá ser privado de sua liberdade, salvo pelos motivos e em conformidade com os procedimentos previstos em lei.

2 Qualquer pessoa, ao ser presa, deverá ser informada das razões da prisão e notificada, sem demora, das acusações formuladas contra ela.

3 Qualquer pessoa presa ou detida, em virtude de infração penal, deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser colocada em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá ser condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para fins de execução da sentença.

Separação das autoridades

investigativas e prisionais

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PRESOS PROVISÓRIOS E OUTROS DETENTOS NÃO-SENTENCIADOS

157

4 Qualquer pessoa privada de sua liberdade por prisão ou detenção terá direito de recorrer a um tribunal para que este decida, sem demora, sobre a legalidade de sua detenção e ordene sua soltura, caso a prisão tenha sido ilegal.

5 Qualquer pessoa, vítima de prisão ou detenção ilegal, terá direito à reparação.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 84:

(1) As pessoas detidas ou presas, em virtude de acusações criminais pendentes, que estiverem sob custódia policial ou em uma prisão, mas que ainda não foram submetidas a julgamento e condenadas, serão doravante denominadas “presos não-julgados”, no âmbito destas regras. (2) Os presos não-julgados presumem-se inocentes e, como tal, devem ser tratados.

Colocando em prática

As regras e normas prisionais são dirigidas, principalmente, para a administração de presos condenados. Os presos à espera de julgamento estão sob a presunção de inocência e, portanto, não deveriam estar sujeitos às mesmas normas que os presos sentenciados. O Capítulo 5 deste manual trata dos procedimentos de admissão. Esses procedimentos são de especial importância, já que a primeira experiência da maioria das pessoas presas será como preso provisório. Para esse grupo de presos, os primeiros dias de detenção tendem a ser bastante confusos; os procedimentos de admissão devem levar esse fato em consideração e os servidores responsáveis precisam estar consciente disso.

As autoridades prisionais constituem uma importante garantia contra detenções arbitrárias. Elas devem estabelecer procedimentos claros, a fim de verificar a existência de um mandado de prisão devidamente autorizado ou de documentação legal para detenção de qualquer pessoa trazida a sua custódia. Isso é de particular importância, no caso dos presos provisórios, que têm o direito de saber qual autoridade legal determinou sua detenção e quando serão levados perante a autoridade judicial. As autoridades precisam, ainda, garantir que os presos sejam apresentados aos tribunais prontamente e na data marcada.

O status de presos que aguardam julgamento, geralmente, significa que a duração de sua detenção será indeterminada e sujeita a decisões tomadas não pelas autoridades prisionais, mas por outras entidades públicas. Algumas jurisdições estabelecem prazos para que os presos sejam levados a julgamento ou soltos. A fim de garantir a legitimidade do mandado de prisão, as autoridades prisionais deverão monitorar o cumprimento dessas normas. É de especial importância que essas autoridades mantenham toda a documentação pertinente, de maneira correta, para que os presos provisórios não se percam dentro do sistema judicial.

Uma emenda ao Código de Processo Penal, aprovada em 2006, trouxe a liberdade para cerca de 13.000 pessoas em Uttar Pradesh, na Índia. A maioria deles foram presos por pequenos crimes afiançáveis , como viagens sem bilhetes ou pequenos furtos. Como eles não tinham fiadores, ficaram atrás das grades. A alteração prevê que, se a pessoa não for capaz de pagar a fiança em sete dias, ela deve ser declarada indigente, e libertada da prisão por sua própria conta. O Departamento Prisional pediu a todos as 53 prisões distritais para preparar listas de presos, cujos casos enquadraram-se nesta categoria. O Departamento, com a ajuda da administração distrital e do Ministério Público, apresentou, perante aos tribunais, pedidos para a libertação dos presos. 12.780 prisioneiros foram liberados. 58

Express India, 20 de janeiro de 2009

Situação especial dos presos provisórios

Proteção contra detenção arbitrária

Monitoramento do período de

detenção antes do julgamento

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PRESOS PROVISÓRIOS E OUTROS DETENTOS NÃO-SENTENCIADOS

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“Em Honduras, a lei exige a libertação da prisão de qualquer detento, cujo caso não chegou a julgamento e cujo período de detenção ultrapasse a pena máxima para o crime do qual é acusado. 59

Departamento de Estado dos EUA, Relatório de Direitos Humanos de 2009

Todos os presos que aguardam julgamento devem ter acesso à adequada representação perante a lei. Em seu primeiro contato com a prisão, os detentos, geralmente, mostram-se confusos e inseguros quanto a sua situação e ao novo ambiente. Todos têm direito a assessoria jurídica independente. Os servidores têm que ser informados da distinção legal existente entre presos provisórios e condenados. Deve haver um conjunto separado de regras para tratamento de presos à espera de julgamento.

O direito à representação legal

O que dizem os instrumentos internacionais

Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sob Qualquer Forma de Detenção ou Prisão, Princípio 17:

1 A pessoa detida pode se beneficiar da assistência de um advogado. A autoridade competente deve informá-la desse direito imediatamente, após sua prisão, e proporcionar-lhe meios adequados para o seu exercício.

2 A pessoa detida, que não tiver advogado de sua escolha, tem o direito a que uma autoridade judiciária ou outra autoridade lhe designe um defensor, sempre que o interesse da justiça o exigir, e a título gratuito, no caso de insuficiência de meios para remunerá-lo.

Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sob Qualquer Forma de Detenção ou Prisão, Princípio 18:

1 A pessoa detida ou presa tem o direito de comunicar-se com seu advogado e a consultá-lo.

2 A pessoa detida ou presa deve dispor do tempo e dos meios necessários para consultar seu advogado.

3 O direito da pessoa detida ou presa de ser visitada por seu advogado, de consultá-lo e de comunicar-se com ele, sem demora nem censura e em regime de absoluta confidencialidade, não pode ser objeto de suspensão ou restrição, salvo em circunstâncias excepcionais, especificadas em lei ou em regulamentos adotados nos termos da lei, quando uma autoridade judiciária ou outra autoridade o considerem indispensável à manutenção da segurança e da boa ordem.

4 As entrevistas entre a pessoa detida ou presa e seu advogado podem ocorrer à vista, mas não em condições de serem ouvidas pelo funcionário de execução da lei.

5 As comunicações entre uma pessoa detida ou presa e seu advogado, mencionadas no presente princípio, não podem ser admitidas como prova contra a pessoa detida ou presa, a menos que se refiram à continuidade ou premeditação de um crime.

Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sob Qualquer Forma de Detenção ou Prisão, Princípio 23:

1 A duração de qualquer interrogatório a que seja submetida uma pessoa detida ou presa, bem como dos intervalos entre os interrogatórios, e a identidade dos funcionários que os conduziram e de outros indivíduos presentes, devem ser registradas e autenticadas nos termos prescritos pela lei.

Assistência jurídica

Regras distintas

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PRESOS PROVISÓRIOS E OUTROS DETENTOS NÃO-SENTENCIADOS

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2 A pessoa detida ou presa, ou seu advogado, nos casos previstos pela lei, devem ter acesso às informações mencionadas no parágrafo 1º do presente princípio.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 93:

O preso não-julgado será autorizado a requerer assistência legal gratuita, onde tal assistência existir, e a receber visitas de seu advogado para tratar de sua defesa, bem como a preparar e entregar-lhe instruções confidenciais. Para esse fim, se ele assim o desejar, ser-lhe-á fornecido material para escrever. As entrevistas entre a pessoa presa não-julgada e seu advogado podem ser vigiadas visualmente por um policial ou por um funcionário do estabelecimento prisional, porém, a conversação entre eles não poderá ser ouvida.

Princípios Básicos sobre o Papel dos Advogados, Princípio 7:

Os governos devem ainda assegurar que todas as pessoas que se encontrem presas ou detidas, estejam elas acusadas ou não da prática de um crime, tenham acesso imediato a um advogado, ou pelo menos dentro do prazo máximo de 48 horas, a contar da sua prisão ou detenção.

Princípios Básicos sobre o Papel dos Advogados, Princípio 8:

Toda pessoa detida ou presa deve poder receber a visita de um advogado, comunicar-se com ele e consultá-lo sem demora, em completa confidencialidade, sem qualquer censura ou interferência, e dispor de tempo e dos meios necessários para tanto. Estas consultas podem ser efetuadas à vista de um funcionário responsável, pela aplicação da lei, mas não poderão ser por este ouvidas.

Colocando em prática

Os presos recém-admitidos devem ser informados sobre seus direitos, no que se refere à representação legal, principalmente se estiverem aguardando julgamento. Alguns deles já terão advogados. Nesse caso, sua preocupação será a questão de acesso: quando, onde e em quais circunstâncias poderão ter contato com seus advogados. Muitos outros presos ainda não disporão de representação legal. Nesse caso, deve-se permitir que façam contato com um advogado, tão logo possível, a fim de discutir sua situação legal e começar a preparar sua defesa. As autoridades competentes deverão garantir os meios para que presos sem recursos financeiros tenham uma adequada representação legal.

O Paralegal Advisory Service (PAS) envolve o uso de não-advogados - paralegais - no sistema de justiça criminal. O serviço começou no Malawi, em 2000, e, desde então, tem sido adotado em Benin (2002), Quênia (2004), Uganda (2005) e Nigéria (2006). Os sistemas em cada país compartilham uma série de características comuns. Eles treinam paralegais ou não-advogados em direito penal, em processo penal e habilidades práticas (que incluem: entrevistas, gestão da informação, habilidades teatrais [role playing]) que os permitem:

• ensinar a literatura jurídica aos presos e ajuda-los a entender a lei e como usá-la para representar a si mesmo;

• fornecer assistência e aconselhamento jurídico àqueles que estão em conflito com a lei;

• conectar o sistema de justiça criminal, melhorando a comunicação, cooperação e coordenação entre as agências. 60

Website do Instituto Dinamarquês para os Direitos Humanos

Função das prisões na

garantia de representação

legal

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PRESOS PROVISÓRIOS E OUTROS DETENTOS NÃO-SENTENCIADOS

160

As autoridades prisionais não podem interferir, sob qualquer pretexto, nas comunicações entre as pessoas presas e seus representantes legais. A correspondência entre o preso e seu advogado não poderá sofrer censura. Em diversas jurisdições, essa correspondência é marcada no envelope e, assim, qualquer comunicação escrita que chega é repassada diretamente à pessoa presa sem ser aberta; as cartas despachadas são fechadas pelo próprio preso. Se as autoridades prisionais tiverem alguma razão fundamentada para suspeitar de abuso dessas condições, elas poderão abrir a correspondência enviada ao preso em sua presença para verificar se ela contém alguma coisa, cuja entrada é proibida. Da mesma forma, a correspondência a ser despachada poderá ser examinada na presença da pessoa presa, antes de ser fechada. Sob nenhuma hipótese, essa correspondência deverá ser lida pelas autoridades.

As conversas entre a pessoa presa e seu representante legal nunca devem ser ouvidas pela autoridade prisional. É aceitável que essas visitas ocorram às vistas dos servidores prisionais, por exemplo, com o funcionário observando a visita através de uma divisória de vidro, e sempre a uma distância que não lhes permita ouvir a conversa entre os dois.

O tratamento de presos em fase de julgamento

O que dizem os instrumentos internacionais

Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, Artigo 10:

2 (a) As pessoas acusadas deverão ser separadas, salvo em circunstâncias excepcionais, das pessoas condenadas, e receber tratamento distinto, condizente com sua condição de pessoas não-condenadas.

(b) Os adolescentes e jovens acusados deverão ser separados dos adultos e julgados o mais prontamente possível.

Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sob Qualquer Forma de Detenção ou Prisão, Princípio 8:

A pessoa detida deve beneficiar-se de um tratamento adequado a sua condição de pessoa não-condenada. Assim sendo, sempre que possível, ela será separada das pessoas presas.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 84:

(3) Sem prejuízo das normas legais sobre a proteção da liberdade individual ou que prescrevem os trâmites a serem observados em relação a presos não-julgados, estes deverão beneficiar-se de um regime especial, cujos requisitos essenciais são descritos sucintamente nas regras a seguir.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regras 86:

Os presos não-julgados dormirão sós, em quartos separados, levando-se em conta os costumes locais com relação ao clima.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regras 87:

Dentro dos limites compatíveis com a boa ordem do estabelecimento prisional, os presos não-julgados podem, se assim o desejarem, mandar vir alimentação de fora da prisão por sua própria conta, quer por meio da administração, quer por meio de sua família ou amigos. Caso contrário, a administração fornecer-lhes-á alimentação.

Privacidade da correspondência

com representantes

legais

Privacidade das reuniões com

representantes legais

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PRESOS PROVISÓRIOS E OUTROS DETENTOS NÃO-SENTENCIADOS

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Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regras 88:

(1) O preso não-julgado será autorizado a usar suas próprias roupas, se estiverem limpas e forem adequadas.

(2) Se a pessoa presa usar roupa da prisão, esta será diferente da fornecida aos presos condenados.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regras 89:

Sempre será dada ao preso não-julgado a oportunidade de trabalhar, mas não lhe será exigido trabalhar. Se ele optar por trabalhar, será remunerado.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regras 90:

O preso não-julgado será autorizado a adquirir, às expensas próprias ou às expensas de terceiros, livros, jornais, material para escrever e outros meios de ocupação, compatíveis com os interesses da administração da justiça e a segurança e a boa ordem do estabelecimento prisional.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regras 91:

O preso não-julgado será autorizado a receber a visita e ser tratado por seu médico ou dentista pessoal, desde que haja motivo razoável para tal pedido e que ele possa arcar com os gastos decorrentes.

Colocando em prática

As prisões, geralmente, são administradas da forma mais conveniente para as autoridades. Uma das consequências desse fato é que todos os detentos ou presos, geralmente, recebem o mesmo tratamento, sejam homens ou mulheres, adultos ou menores de idade, condenados ou provisórios. Embora essa prática seja cômoda para a administração prisional, ela não atende às regras da justiça. Os presos provisórios não foram condenados por um crime e, assim, não devem ser tratados como sentenciados. A autoridade judicial simplesmente tem que exigir que sejam privados de sua liberdade, e não sujeitos a qualquer outro tipo de punição.

Os presos provisórios devem ser alojados em local separado dos presos já condenados. Em muitas jurisdições, a consequência imediata dessa separação é que as condições em que são mantidos os presos que aguardam julgamento são muito piores do que as de presos condenados. Esses locais costumam ser mais superlotados; as condições de alojamento são piores e há pouco acesso aos recursos da prisão. Não deveria ser assim. O fato de ainda serem inocentes aos olhos do sistema judicial significa que suas condições de detenção deveriam ser, pelo menos, iguais às dos presos condenados.

O regulamento distinto para presos provisórios deve incluir questões práticas, tais como quando poderão usar suas próprias roupas, acesso à alimentação, livros e outros materiais e esquema de visitação. Eles não devem ser obrigados a trabalhar e, sim, ter a oportunidade de fazê-lo, se quiserem.

Caso a pessoa presa que aguarda julgamento permaneça nessa condição por muito tempo ou por tempo indeterminado, é muito importante garantir seu total acesso às instalações e aos recursos da unidade prisional, bem como a oportunidade de trabalhar, se ela assim desejar.

Todos as pessoas presas, tanto as condenadas quanto as que aguardam julgamento, têm de ser mantidas em condições de acordo com o nível de segurança necessário. Em muitas jurisdições, os presos condenados são alojados de acordo com categorias de segurança específicas, mas os presos

Status diferenciado para

presos provisórios

Separação de presos

condenados

O que a prisão precisa oferecer

Os níveis de segurança não devem ser pré-

determinados

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PRESOS PROVISÓRIOS E OUTROS DETENTOS NÃO-SENTENCIADOS

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que aguardam julgamento são todos tratados como detentos de segurança máxima. Nem sempre isso é necessário. Os presos à espera de julgamento também devem ser avaliados quanto ao risco que representam. Talvez não se justifique manter presos provisórios, devido a contravenções menos graves, nas mesmas condições que outros, acusados de crimes mais graves.

Outros detentos não-sentenciados

O que dizem os instrumentos internacionais

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regras 94:

Nos países em que a legislação prevê a possibilidade de prisão por dívidas ou outras formas de prisão, devido a processo civil, as pessoas assim condenadas não serão submetidas a maiores restrições nem a tratamentos mais severos que os necessários à segurança e à manutenção da ordem. O tratamento dado a elas não será, em nenhum caso, mais rígido do que aquele reservado às pessoas acusadas, ressalvada, contudo, a eventual obrigação de trabalhar.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regras 95:

Sem prejuízo das regras contidas no Artigo 9º do Pacto de Direitos Civis e Políticos, será conferida às pessoas detidas ou presas sem acusação a mesma proteção concedida nos termos da Parte I e da seção C da Parte II. As regras da seção A da Parte II serão do mesmo modo aplicáveis, sempre que beneficiarem este grupo especial de indivíduos sob detenção; todavia, medida alguma será tomada, se considerado que a reeducação ou a reabilitação são, por qualquer forma, inapropriadas a indivíduos não-condenados por qualquer crime.

Colocando em prática

A prisão é essencialmente um lugar de detenção para pessoas condenadas ou acusadas de algum crime. Em certos países, a pessoa pode ser presa para responder a um processo cível ou administrativo. Quando for o caso, essas pessoas devem ser tratadas da mesma forma que as demais pessoas presas, que ainda não foram condenadas. Isso tem implicações sobre as condições sob as quais elas são mantidas e o direito de acesso a um representante legal e a outras autoridades.

Em alguns países, pessoas são detidas por entrarem no país ilegalmente ou, algumas vezes, porque estão em busca de asilo. Essas pessoas não devem ser detidas juntamente com outras pessoas acusadas ou condenadas por crimes. Se forem entregues à custódia de autoridades prisionais, elas não devem receber o mesmo tratamento que aquelas já condenadas ou acusadas de atos criminosos.

Presos estrangeiros são, por vezes, mantidos na prisão após o término de suas sentenças, porque eles não têm dinheiro para pagar a passagem de volta ou o seu país não irá aceitar o seu retorno ou, ainda, porque não há segurança no país de origem para que possam voltar. Tais prisioneiros cumpriram sua sentença e suas condições de detenção devem levar isso em conta. Esses assuntos são tratados com mais detalhes no capítulo 12.

Presos administrativos

não são condenados

Imigrantes ilegais e pessoas em busca

de asilo

Outras categorias de detenção

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ADOLESCENTES E JOVENS PRIVADOS DE LIBERDADE

17

163

O contexto

A idade mínima para fins de responsabilização penal é a idade a partir da qual infrações cometidas por crianças e adolescentes podem ser tratadas no âmbito do direito penal. Essa idade varia muito de país para país. Da mesma forma, a lei oferece diferentes definições da idade, a partir da qual uma criança ou um adolescente pode ser encarcerado no sistema prisional. Existem, ainda, diferenças entre os estabelecimentos prisionais quanto à idade, a partir da qual adolescentes podem ser detidos nas mesmas instalações que adultos.

O direito internacional define claramente quem deve ser considerado criança: Convenção sobre os Direitos da Criança, Artigo 1º:

...criança significa todo ser humano menor de dezoito anos de idade, a menos que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes.

Os instrumentos internacionais sobre direitos humanos, no âmbito da justiça penal, aplicam a mesma definição de adolescente:

Regras das Nações Unidas para a Proteção de Jovens Privados de Liberdade, Regra 11:

(a) Criança ou adolescente é qualquer pessoa que tenha menos de 18 anos.

O Comitê da ONU sobre os Direitos da Criança afirma que a idade mínima de responsabilidade penal abaixo da idade de 12 anos é considerada internacionalmente inaceitável. 61

Em certos países, nenhuma pessoa com menos de 18 anos pode permanecer detida sob custódia do serviço prisional. Essa postura deve ser incentivada. Quando for necessário privar esses jovens de sua liberdade, eles devem ficar sob a custódia de alguma entidade de bem-estar e não em órgãos do sistema de justiça penal.

Os princípios descritos neste manual aplicam-se a todos as pessoas presas. Além disso, o tratamento dado a adolescentes e jovens em conflito com a lei requer algumas considerações especiais. As prisões devem ser reservadas para indivíduos que cometeram crimes graves ou que constituem ameaça à sociedade. Pouquíssimos adolescentes e jovens pertencem a essas categorias e estes só devem ser mantidos na prisão, quando não houver qualquer alternativa possível. Em vários países, existem evidências de que, quanto mais cedo um adolescente ou jovem entra no sistema prisional, tanto maior será o risco de ele se envolver cada vez mais com o crime.

Duas tendências atuais, verificadas em várias regiões do mundo, vêm contribuindo para elevar o número de jovens nas prisões. Em alguns países, a preocupação com a delinquência juvenil resultou em sentenças mais pesadas, enquanto em outros, a detenção sem acusação formal é vista como uma solução parcial para o crescente número de ‘meninos de rua’. Em

Adolescentes e jovens privados de liberdade

Algumas definições

A posição do Direito Internacional

Menores de 18 anos não devem ficar em prisões

Prisão para adolescentes é a

última opção

Legalidade da detenção de

adolescentes

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ADOLESCENTES E JOVENS PRIVADOS DE LIBERDADE

164

determinadas jurisdições, crianças e adolescentes são mantidos em unidades prisionais, mesmo se abaixo da idade legalmente estabelecida para tanto. O Capítulo 16 do manual tratou da responsabilidade que as autoridades prisionais têm no sentido de garantir que toda e qualquer pessoa a elas entregue para detenção sejam objeto de um mandado judicial, devidamente autorizado. Isso é de especial importância, quando se trata de crianças e adolescentes, além de outros grupos vulneráveis. Caso o adolescente ou jovem realmente tenha de ser mantido em um estabelecimento prisional, devem ser adotadas medidas especiais, no sentido de se manterem, ao mínimo possível, os elementos coercitivos da vida na prisão, oferecendo, ao mesmo tempo, o máximo de possibilidades de capacitação e desenvolvimento pessoal. Deve-se fazer todo o possível para ajudar o jovem a manter e fortalecer seus vínculos familiares.

Em vários países, a falta de registros torna difícil determinar a idade exata de uma pessoa e há relatos de falsificação de dados com a finalidade de enviar adolescentes para unidades prisionais destinadas a adultos. 62

Algumas jurisdições possuem regimes especiais para jovens adultos, sob custódia do sistema prisional. Em certos países, os jovens privados de liberdade são mantidos separados dos presos adultos até completarem 21 anos de idade. Na Alemanha, pessoas acima de 21 anos também podem ser sentenciadas em instituição para jovens e, somente quando atingem 24 anos, a sentença é cumprida em prisões para adultos. O objetivo é priorizar suas necessidades educacionais e de desenvolvimento, além de prevenir a influência negativa de criminosos mais velhos e mais sofisticados.

O que dizem os instrumentos internacionais

Convenção sobre os Direitos da Criança, Artigo 37 (1):

Os Estados Membros assegurarão que:

(b) Nenhuma criança seja privada de sua liberdade de forma ilegal ou arbitrária. A detenção, a reclusão ou a prisão de uma criança será efetuada em conformidade com a lei e apenas como último recurso, e durante o mais breve período de tempo que for apropriado;

(c) Toda criança privada de liberdade seja tratada de forma humanitária e com o respeito que merece a dignidade inerente à pessoa humana, e levando-se em consideração as necessidades de uma pessoa de sua idade. Em especial, toda criança privada de liberdade ficará separada de adultos, a não ser que tal fato seja considerado contrário aos melhores interesses da criança, e terá direito a manter contato com sua família por meio de correspondência e de visitas, salvo em circunstâncias excepcionais;

(d) Toda criança privada de sua liberdade tenha direito a pronto acesso à assistência jurídica e a qualquer outra assistência adequada, bem como direito a contestar a legalidade da privação de sua liberdade perante um tribunal ou outra autoridade competente, independente e imparcial e a uma rápida decisão a respeito de tal ação.

Regras Mínimas das Nações Unidas Para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude, Regra 13:

(1) Só se aplicará a prisão preventiva como último recurso e pelo menor prazo possível.

(2) Sempre que possível, a prisão preventiva será substituída por medidas alternativas, como a estrita supervisão, custódia intensiva ou colocação junto a uma família ou em lar ou instituição educacional.

Ênfase no bem-estar do

adolescente

O problema da inexistência de registros

de nascimento

Jovens adultos

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ADOLESCENTES E JOVENS PRIVADOS DE LIBERDADE

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(3) Os jovens que estiverem em prisão preventiva gozarão de todos os direitos e garantias previstos nas Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, aprovadas pelas Nações Unidas.

(4) Os jovens que estiverem em prisão preventiva estarão separados dos adultos e recolhidos a estabelecimentos distintos ou em recintos separados dos estabelecimentos, que também mantêm detentos adultos.

(5) Enquanto estiverem sob custódia, os jovens receberão cuidados, proteção e toda assistência - social, educacional, profissionalizante, psicológica, médica e física - que requeiram, tendo em conta sua idade, sexo e características individuais.

Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude, Regra 19:

(1) A internação de um jovem em uma instituição será sempre uma medida de último recurso e pelo mais breve período possível.

Regras Mínimas das Nações Unidas Para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude, Regra 21:

(1) Os registros de jovens infratores serão de caráter estritamente confidencial e não poderão ser consultados por terceiros. Só terão acesso aos arquivos as pessoas que participam diretamente da tramitação do caso ou outras pessoas devidamente autorizadas.

Regras Mínimas das Nações Unidas Para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude, Regra 26:

(1) A capacitação e o tratamento dos jovens colocados em instituições têm por objetivo assegurar seu cuidado, proteção, educação e formação profissional, para permitir-lhes desempenhar uma função construtiva e produtiva na sociedade.

(2) Os jovens institucionalizados receberão os cuidados, a proteção e toda a assistência necessária - social, educacional, profissionalizante, psicológica, médica e física - que requeiram, em razão de sua idade, sexo e personalidade e no interesse de seu desenvolvimento saudável.

(3) Os jovens institucionalizados serão mantidos separados dos adultos e serão detidos em estabelecimentos separados ou em partes separadas de um estabelecimento em que estejam detidos os adultos.

(4) A jovem infratora institucionalizada merece especial atenção, no que diz respeito às suas necessidades e problemas pessoais. Em nenhum caso receberá menos cuidado, proteção, assistência, tratamento e capacitação que o jovem do sexo masculino. Será garantido seu tratamento equitativo.

(6) Será estimulada a cooperação interministerial e interdepartamental para proporcionar adequada formação educacional ou, se for o caso, capacitação profissionalizante ao jovem institucionalizado, a fim de assegurar que, ao sair, ele não esteja em desvantagem no plano da educação.

Regras Mínimas das Nações Unidas Para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude, Regra 27:

(1) As Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas e as recomendações conexas serão aplicáveis, sempre que pertinente, ao tratamento dos jovens infratores institucionalizados, inclusive os que estiverem em prisão preventiva.

(2) Deverão ser envidados esforços, no sentido de se implementarem os princípios relevantes das mencionadas Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, na maior medida possível, a fim de atender às necessidades específicas do jovem quanto a sua idade, sexo e personalidade.

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ADOLESCENTES E JOVENS PRIVADOS DE LIBERDADE

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Regras Mínimas das Nações Unidas Para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude, Regra 29:

(1) Procurar-se-á estabelecer sistemas semi-institucionais, como casas de reintegração, lares educativos, centros de capacitação diurnos e outros sistemas apropriados, que possam facilitar a adequada reintegração dos jovens na sociedade.

Regras das Nações Unidas para a Proteção de Jovens Privados de Liberdade, Regra 11:

Para efeitos das Regras, são aplicáveis as seguintes definições:

(a) Criança ou adolescente é qualquer pessoa que tem menos de 18 anos. A idade limite abaixo da qual não será permitido privar uma criança de liberdade deve ser fixada em lei;

(b) Privação de liberdade significa qualquer forma de detenção ou prisão ou a colocação de uma pessoa, por decisão de qualquer autoridade judicial, administrativa ou outra autoridade pública, em um estabelecimento de custódia público ou privado, do qual essa pessoa não pode sair por sua vontade própria.

Colocando em prática

Os servidores prisionais são treinados para protegerem a sociedade de adultos sentenciados ou suspeito de cometimento de crimes graves. Não deveria caber a eles cuidar do pequeno número de crianças e jovens que cometeram infrações de tal gravidade, a ponto de precisarem ser privados de sua liberdade. Esses jovens deveriam ficar sob a guarda de órgãos de bem-estar ou assistência social.

Embora seja esse o princípio, a realidade é que, em diversos países, muitas crianças e jovens são mantidos sob custódia em prisões. Quando isso ocorre, a administração prisional tem a obrigação de zelar por eles, levando em conta sua idade e suas necessidades especiais. Existem duas razões fundamentais para esse tratamento especial. A primeira é que crianças e jovens são mais vulneráveis que os adultos e precisam de proteção contra violência ou maus tratos por parte dos presos mais velhos ou mesmo pelos servidores. A segunda razão é que esses jovens, geralmente, reagem melhor a influências positivas, às oportunidades de capacitação e educação.

Por essas razões, toda criança ou adolescente, detido no sistema prisional, deve ser mantido em uma instituição separada e não em instituições para adultos.

Os servidores que trabalham em instituições para jovens precisam de capacitação especial. As habilidades de que eles necessitam são muito distintas das exigidas de servidores que lidam com presos adultos. Muitos deles preferem trabalhar com presos adultos e consideram o trabalho junto a presos que cumprem longas sentenças e que são mais difíceis no trato, como o verdadeiro trabalho prisional. O trabalho junto a adolescentes em conflito com a lei, por outro lado, é visto como uma função mais leve para servidores menos qualificados ou que não conseguem enfrentar o trabalho mais difícil com presos adultos. Essa é uma percepção falsa. Trabalhar com jovens privados de liberdade exige todo um conjunto de habilidades especiais. Os servidores devem ser capazes de combinar os requisitos de segurança e de manutenção da ordem com a obrigação de ajudar os jovens – muitos dos quais, às vezes, são explosivos e imprevisíveis – a amadurecer e a desenvolver habilidades pessoais que os ajudem a ter êxito na vida. As pessoas que trabalham em instituições para crianças e adolescentes em conflito com a lei devem passar por uma seleção particularmente criteriosa e receber a capacitação adequada nas habilidades de que precisarão para cumprir sua difícil tarefa. Elas também precisarão de apoio para enfrentar as exigências físicas e emocionais, provenientes do trabalho com crianças e adolescentes em conflito com a lei.

Jovens privados de liberdade

Vulnerável a abusos

Capacitação dos servidores

prisionais

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ADOLESCENTES E JOVENS PRIVADOS DE LIBERDADE

167

Existe toda uma gama de práticas nos sistemas de detenção de crianças e adolescentes, que são privados de sua liberdade. Várias dessas práticas refletem as necessidades educacionais e de bem-estar específicas dos jovens. É importante que a administração responsável por crianças e adolescentes trabalhe em estreita articulação com outras entidades oficiais, que se ocupam do bem-estar e da educação na sociedade civil.

O regime das instituições destinadas a adolescentes em conflito com a lei deve ter por objeto minimizar os elementos coercitivos da detenção e enfatizar a educação e a capacitação. Tanto quanto possível, suas atividades devem estar integradas a cursos e programas para jovens na sociedade civil. Os professores e outros profissionais devem vir das escolas e faculdades locais e os jovens privados de liberdade devem receber seus diplomas de instituições educacionais locais, não do sistema prisional. O ideal, nos casos em que as considerações de segurança o permitirem, é que os adolescentes e jovens estudem fora do estabelecimento de detenção, podendo passar o dia estudando e voltando ao fim da tarde, em regime de semiliberdade.

As administrações devem procurar estabelecer vínculos com ONGs que trabalham com adolescentes e jovens fora do contexto prisional, a fim de ampliar a oferta de programas para os adolescentes e jovens privados de liberdade, principalmente em atividades físicas, culturais e sociais.

Manter e desenvolver os vínculos entre os adolescentes e suas famílias é um propósito que merece alta prioridade. Sempre que possível, eles devem ter permissão para fazer visitas breves a suas casas, durante o cumprimento da sentença. As famílias devem ser incentivadas a visitar a instituição, sempre que puderem, e a manter contato por meio de cartas e telefonemas.

O fato de os adolescentes e jovens, privados de liberdade, constituírem uma minoria na maior parte das jurisdições significa que, geralmente, eles são detidos muito longe de casa. As autoridades prisionais devem trabalhar no sentido de assegurar que sejam possíveis visitas por parte das famílias.

É preciso dedicar especial atenção ao ambiente em que ocorrem essas visitas, oferecendo o máximo de privacidade e informalidade possível. Também deve-se incentivar as famílias a participarem ativamente das decisões sobre o tratamento recebido por seus filhos, durante o período em que estão sob custódia.

Em muitos países, grande parte da população de jovens privados de liberdade perde contato com as famílias, antes ou em decorrência do período de privação de liberdade que devem cumprir. Os sistemas prisionais precisarão assegurar que se dê especial atenção, no sentido de identificar aqueles jovens que precisam de maior apoio para restabelecer contato com suas famílias ou para os quais as relações familiares se romperam irremediavelmente. O principal objetivo é evitar o retorno desses jovens às circunstâncias sociais, que contribuíram para a infração que os levou à privação de liberdade. É importante obter ajuda de entidades governamentais e não-governamentais para a criação e implementação de programas de reintegração adequados.

O Centro Correcional e de Reabilitação Juvenil de Teerã tem um esquema chamado de “Minha Casa”, em que as crianças são liberadas do Centro para casas dirigidas por indivíduos que agem como pais adotivos para as crianças. 63

Relatório do Comitê de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Reino Unido, 2004

Bem-estar e necessidade de

educação

Estreita articulação com a sociedade

civil

Vínculos familiares

Soltura e reintegração

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Mulheres presas

18

169

O contexto

A proporção de prisioneiras em qualquer sistema prisional do mundo varia entre 2% e 10%. Em decorrência dessa reduzida proporção, as prisões e os sistemas prisionais tendem a estruturar-se com base nas necessidades e nos requisitos dos prisioneiros do sexo masculino, tanto em aspectos como arquitetura, segurança e todos os demais elementos. Geralmente, condições especiais para as presas são simplesmente acrescentadas aos esquemas estabelecidos para prisioneiros do sexo masculino.

Em vários países, a legislação mais rigorosa contra o narcotráfico causou um grande impacto sobre o número de mulheres na prisão. Como resultado, a taxa de aumento do número de prisioneiras, como nos Estados Unidos, por exemplo, é frequentemente muito maior do que a masculina. Em alguns países, isso também trouxe um aumento do número de presas estrangeiras, que hoje constituem uma percentagem desproporcionalmente alta de prisioneiras. Na maioria dos países, a probabilidade de a mulher ser sentenciada à pena de prisão por crimes violentos é menor do que a do homem. É mais provável que as mulheres sejam sentenciadas por crimes contra a propriedade.

Na verdade, a situação das prisioneiras é muito diferente da dos prisioneiros, merecendo especial atenção. As mulheres que chegam à prisão, muitas vezes, foram vítimas de maus-tratos ou abuso sexual e apresentam uma série de problemas de saúde sem o devido tratamento. As consequências da prisão e seu efeito sobre suas vidas podem ser muito diferentes para as mulheres.

Na maioria das sociedades, as mulheres são as principais responsáveis pela família, principalmente, quando têm filhos. Isso significa que, quando uma mulher é privada de liberdade, as consequências para a família podem ser bastante significativas.

Em 2007, o Tribunal Constitucional da África do Sul decidiu que “os melhores interesses da criança são fundamentais em todas as questões relativas a ela, quando na condenação de cuidadores de crianças pequenas... O objetivo era garantir que o tribunal da condenação estivesse em uma posição adequada para equilibrar todos os variados interesses envolvidos, incluindo os das crianças colocadas em risco. Isso deve tornar-se uma preocupação padrão de todos os tribunais de sentença.”

O caso dizia respeito a uma mãe solteira de três filhos, com idades de 16, 12 e 8 anos. A mãe foi condenada por fraude e sentenciada a quatro anos de prisão. O tribunal suspendeu a pena de prisão e, alternativamente, impôs uma série de outras condições. 64

Tribunal Constitucional da África do Sul, Sentença no caso de M contra o Estado, 2007

Mulheres presas

Mulheres presas são minoria

Crimes cometidos por mulheres

Mulheres presas enfrentam problemas

distintos

Responsabilidades familiares

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Mulheres presas

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Quando um pai é condenado à prisão, a mãe, em geral, assume suas responsabilidades junto à família, além das suas próprias. Quando a mãe é presa, o pai, que ficou com a família, em geral, enfrenta enormes dificuldades em assumir todas as obrigações da paternidade, principalmente se não houver apoio do restante da família. Muitas vezes, a mãe é a chefe da família. Tudo isso leva à necessidade de uma estrutura especial para garantir às presas a possibilidade de manter um contato realmente próximo com seus filhos. Um ponto particularmente sensível é a questão de filhos muito pequenos.

Mulheres grávidas não devem ser enviadas à prisão ao menos que, absolutamente, não exista outra alternativa. Se isso ocorrer, providências especiais precisam ser implementadas, enquanto aguardam o nascimento da criança, bem como durante o período de amamentação. Há questões particularmente sensíveis relativas à aplicação de quaisquer restrições de segurança durante o parto. A presunção deve ser sempre que nenhuma mulher grávida dará à luz dentro de uma prisão.

É preciso garantir a segurança física das mulheres, enquanto elas estiverem no estabelecimento prisional. Para tanto, elas devem permanecer em local distinto dos homens e jamais serem supervisionadas exclusivamente por servidores do sexo masculino.

Declaração Universal dos Direitos Humanos, Artigo 2:

Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos, Artigo 3:

Os Estados Membros do presente Pacto comprometem-se a assegurar a homens e mulheres igualdade no gozo de todos os direitos econômicos, sociais e culturais, enunciados no presente Pacto.

Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, Artigo 2:

Os Estados Membros condenam a discriminação contra a mulher em todas as suas formas, concordam em seguir, por todos os meios apropriados e sem demora, uma política destinada a eliminar a discriminação contra a mulher, e com tal objetivo se comprometem a:

(a) consagrar, se ainda não o tiverem feito, em suas constituições nacionais ou em outra legislação apropriada, o princípio da igualdade do homem e da mulher, e assegurar por lei e outros meios apropriados a implementação desse princípio;

(b) adotar medidas adequadas, legislativas e de outro caráter, com as sanções cabíveis, e que proíbam toda discriminação contra a mulher;

(c) estabelecer a proteção jurídica dos direitos da mulher, em base de igualdade com os do homem, e garantir, por meio dos tribunais nacionais competentes e de outras instituições públicas, a proteção efetiva da mulher contra todo ato de discriminação;

(d) abster-se de incorrer em qualquer ato ou prática de discriminação contra a mulher e zelar para que as autoridades e instituições públicas atuem em conformidade com esta obrigação;

(e) tomar todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher, praticada por qualquer pessoa, organização ou empresa;

Mulheres grávidas

Prevenção de abusos

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Mulheres presas

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(f) adotar todas as medidas adequadas, inclusive de caráter legislativo, para modificar ou abolir leis, regulamentos, usos e práticas que constituam discriminação contra a mulher;

(g) revogar todas as disposições penais nacionais que constituam discriminação contra a mulher.

Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher, Artigo 2:

A violência contra a mulher inclui, entre outras coisas, o seguinte:

(c) violência física, sexual e psicológica, perpetrada ou aceita pelo Estado, onde quer que ocorra.

Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher, Artigo 4:

(i) Adotar medidas para garantir que os representantes da lei, servidores penitenciários e autoridades públicas, responsáveis pela implementação de políticas de prevenção, investigação e sanção da violência contra mulheres recebam treinamento no sentido de sensibilizá-los sobre as necessidades da mulher.

Conjunto de Princípios de Proteção de Todas as Pessoas sob Qualquer Forma de Detenção ou Prisão, Princípio 5 (2):

As medidas aplicáveis nos termos da lei e destinadas exclusivamente à proteção dos direitos e das condições específicas da mulher, principalmente de mulheres gestantes e mães lactantes, crianças e adolescentes, pessoas idosas, enfermas ou incapacitadas, não poderão ser discriminatórias.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 8:

As diferentes categorias de pessoas presas deverão ser mantidas em estabelecimentos prisionais separados ou em diferentes zonas de um mesmo estabelecimento prisional, levando-se em consideração seu sexo e idade, seus antecedentes, as razões da detenção e o tratamento que lhes deve ser aplicado. Assim, (a) Sempre que possível, homens e mulheres deverão ficar detidos em estabelecimentos separados.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 23:

(1) Nos estabelecimentos prisionais para mulheres, deve haver acomodações especiais para prestar os cuidados e o tratamento pré e pós-natal necessários. Sempre que possível, deverão ser tomadas medidas para que o parto ocorra em um hospital civil. Se a criança nascer em um estabelecimento prisional, tal fato não deverá constar de seu registro de nascimento.

(2) Quando for permitido às mães presas conservar seus filhos, quando em fase de amamentação, deverão ser tomadas medidas para organizar uma creche, dotada de pessoal qualificado, onde os bebês possam permanecer, quando não estiverem sob os cuidados das mães.

Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas, Regra 53:

(1) Nos estabelecimentos mistos, a seção das mulheres estará sob a direção de uma funcionária responsável do sexo feminino, a qual manterá sob sua guarda todas as chaves de tal seção.

(2) Nenhum funcionário do sexo masculino ingressará na seção feminina, desacompanhado de uma integrante feminina do quadro de funcionários.

(3) A vigilância das prisioneiras será exercida exclusivamente por funcionárias do sexo feminino. Contudo, isto não excluirá que funcionários do sexo masculino, especialmente os médicos e o pessoal de ensino, desempenhem suas funções profissionais em estabelecimentos ou seções reservadas às mulheres.

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Mulheres presas

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Carta Africana sobre os Direitos e Bem Estar da Criança, o artigo 30: Filhos de mães presas:

1. Os Estados Membros, na presente Carta, comprometem-se a fornecer um tratamento especial para mulheres grávidas e para mães de lactentes e crianças jovens que forem acusadas ou condenadas por violação da lei penal e, em especial:

(a) garantir que a pena não privativa de liberdade será sempre a primeira opção a ser considerada, quando na condenação de tais mães;

(b) estabelecer e promover medidas alternativas ao confinamento institucional para o tratamento de tais mães;

(c) estabelecer instituições alternativas especiais para a detenção de tais mães;

(d) assegurar que a mãe não será presa com o filho;

(e) garantir que a pena de morte não será imposta a tais mães;

(f) o objetivo essencial do sistema penitenciário será a recuperação e a integração da mãe para a reabilitação familiar e social.

Colocando em prática

É preciso reconhecer que as consequências da privação de liberdade para a mulher, normalmente, não são as mesmas que para o homem. A situação doméstica, após sua partida, geralmente, sofrerá mudanças, uma vez que muitas mulheres ou são chefes de família ou as principais responsáveis pela própria unidade familiar e por outros. Em certas culturas, as mulheres presas correm o risco de serem abandonadas pelas famílias. Os servidores que trabalham com prisioneiras precisam estar conscientes de todos esses problemas e receber treinamento específico para desempenhar bem suas funções.

Em média, cerca de 19 de cada 20 prisioneiros são homens, o que significa que as instituições prisionais tendem a ser administradas sob a ótica masculina. Por isso, geralmente, as normas e os programas são direcionados para atender às necessidades da maioria da população masculina e simplesmente adaptadas (embora nem sempre) às necessidades da mulher. O resultado é a discriminação contra mulheres, sob diversos aspectos.

Diferentes regras devem ser elaboradas para as prisões masculinas e femininas, incluindo as que se aplicam a:

• Medidas de segurança nos edifícios e em todo o perímetro, tais como barras, arames farpados, muros altos e guardas armados;

• Tratamento de visitantes e arranjos para visitas de familiares;

• Procedimentos a serem seguidos, quando as mulheres saem temporariamente da prisão - por exemplo, para ir ao hospital;

• Medidas para regime aberto, liberdade condicional, saídas diárias e saídas temporárias.65

Centro de Genebra para o Controle Democrático das Forças Armadas, Ferramentas para Reforma do Setor de Gênero e Segurança, 2008

Os servidores precisam de treinamento

especial

A mulher enfrenta discriminação

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Mulheres presas

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Acomodações Uma das primeiras fontes de discriminação é a questão das instalações físicas. Certos sistemas prisionais possuem um número reduzido de instalações exclusivamente para mulheres presas. Por isso, muitas delas ficam em locais distantes de onde moram suas famílias, o que dificulta muito o contato familiar. O problema é mais grave ainda, quando a mulher é a única ou a principal responsável pelo sustento dos filhos ou de outros parentes dependentes.

Uma alternativa seria manter as presas em unidades menores, anexadas a unidades prisionais de maior porte, destinadas a presos do sexo masculino. Entretanto, isso pode acarretar maiores riscos à segurança das mulheres, além de subordinar as instalações oferecidas às prisioneiras, às necessidades da população carcerária do sexo masculino, que é de maior número. O acesso às instalações e o período de tempo fora das celas poderão ser ainda mais limitados, devido às questões de segurança. Ambos os esquemas, portanto, obviamente possuem pontos negativos.

Uma consequência das poucas instalações destinadas exclusivamente a mulheres é o fato de que elas, por vezes, são mantidas sob uma classificação de segurança mais rigorosa que o justificado pela avaliação do grau de risco que elas representam. O efeito é ainda mais distorcido porque essas avaliações classificatórias são feitas, tomando como base modelos da tipologia de presos do sexo masculino.

Mudanças realizadas em Queensland para tornar as políticas prisionais mais apropriadas para as mulheres incluem:

• Elaboração de procedimentos especiais de escolta especial para mães grávidas e lactantes;

• Definição da meta de 70 por cento do quadro de servidores das prisões femininas a ser preenchido por mulheres;

• Inexistência de instalações de segurança máxima para mulheres presas;

• As mulheres não devem ser classificadas como de segurança máxima; 66

• Igualdade de acesso a atividades.

Queensland Departamento de Serviços Corretivas, abordando a necessidades de mulheres infratoras, 2003

Seja por ser em menor número ou devido às limitações das instalações prisionais, o acesso das presas a atividades, geralmente, é mais limitado do que ocorre no caso dos homens. As oportunidades educacionais ou de capacitação, por exemplo, podem ser reduzidas. A oportunidade de trabalho, talvez, se limite a ocupações consideradas tipicamente femininas, como costura ou limpeza. A administração prisional deve garantir às mulheres as mesmas oportunidades dos homens, em termos de cursos e capacitação profissionalizante. O mesmo aplica-se ao acesso a locais para exercício físico e a prática de esportes. Caso haja limitação de instalações ou falta de pessoal capacitado na unidade prisional, é possível buscar o apoio de órgãos públicos e organizações não-governamentais para oferecer tais atividades às prisioneiras.

A segurança não deve ser mais rigorosa que o

necessário

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Mulheres presas

174

“Há muito poucas atividades profissionais, especialmente na seção feminina. Por uma questão de fato, a seção feminina não tem nem uma escola, nem um centro recreativo, nem um centro de treinamento profissional. O argumento apresentado pelas autoridades para esta ausência é que os presos do sexo masculino e feminino, por regulamentos da prisão, não podem ser colocados juntos e as autoridades não têm os recursos ou o espaço para criar instalações separadas. 67

Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos, Relatório do Relator Especial sobre Prisões e Condições de Detenção na

África em visita à Etiópia, 2004

Sempre que possível, as atividades oferecidas às presas devem ser especialmente desenvolvidas para elas, em vez de simplesmente adaptadas a partir de programas elaborados para a população masculina.

É particularmente importante que as presas, que são mães, tenham a oportunidade de manter contato com os filhos dos quais estão separadas. Sempre que possível, elas devem ter autorização para deixar a unidade prisional por curtos períodos de tempo para estarem com suas famílias. Quando os filhos as visitam na prisão, deve-se permitir o máximo de contato e privacidade possível. As visitas entre mães e filhos devem sempre incluir a aproximação física, nunca ser restritas ou sem contato físico – através de uma tela ou outras barreiras físicas entre eles, por exemplo. Se possível, as visitas devem durar um dia inteiro. Visitas familiares mais prolongadas, como as descritas no Capítulo 11 deste manual, são de especial importância para as presas. Todo e qualquer esquema de revista de visitantes deve ser conduzido sempre tendo em conta os interesses das crianças.

As mulheres grávidas só devem permanecer na instituição prisional nos casos mais extremos. Se necessário, devem receber o mesmo nível de atendimento médico disponível na sociedade civil. Por ocasião do parto e sempre que possível, devem ser transferidas para algum hospital civil, assegurando, assim, atendimento médico profissional. Para o bebê, o objetivo é evitar o estigma de ter a prisão como local de nascimento em sua certidão. De qualquer forma, na certidão de nascimento deve constar algum outro endereço que não a prisão. Todas as precauções de segurança necessárias, durante esse período, devem ser adotadas da forma mais discreta possível. Ver o capítulo 6 sobre prisioneiros e cuidados à saúde para mais esclarecimentos sobre esse tema.Quando a presa grávida for mantida na prisão, a administração dará toda atenção a questões culturais relativas ao parto propriamente dito.

No dia 13 de abril de 2003, um tribunal na Índia determinou que “filhos de mulheres presas, que estão vivendo na prisão, tenham proteção adicional”. “Em muitos aspectos, eles sofrem as consequências da negligência”, o Tribunal afirmou e, consequentemente, foram emitidas instruções, de modo a garantir que os requisitos mínimos sejam cumpridos por todos os Estados e Territórios da União vis-à-vis os filhos de mulheres prisioneiras que vivem na prisão.”68

Supremo Tribunal da Índia Tribunal Notícias, 2003

A situação das presas com filhos ainda bebês é altamente delicada. Em diversas jurisdições, essas mães têm permissão para ficar com seus bebês na prisão. Nesse caso, mãe e bebê devem permanecer em uma unidade onde possam ficar juntos o tempo todo. Tais unidades precisam ter todos os

Os filhos das prisioneiras devem nascer em hospital

Relações familiares

Mães de recém-nascidos

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Mulheres presas

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Idade da separação

Onde colocar os filhos?

Filhos que crescem na prisão

elementos necessários à mãe, em fase de amamentação, o que é preferível a manter o bebê em um berçário que sua mãe só possa visitar em horários pré-estabelecidos.

É difícil determinar com que idade deve-se separar um bebê de sua mãe presa. Como a ligação entre mãe e filho é da maior importância, alguns argumentam que o bebê deve ficar com a mãe o maior tempo possível, talvez durante todo o cumprimento da pena. Uma posição contrária a essa afirma que a prisão é um ambiente anormal, que certamente afetará o desenvolvimento infantil, desde a mais tenra idade e, portanto, o bebê só deveria ficar com a mãe na prisão durante alguns poucos meses. Na prática, alguns sistemas prisionais permitem que as presas fiquem com seus filhos até os 9 meses, 18 meses e até 4 anos ou mais, caso a criança não tenha para onde ir.

Se for impossível manter os filhos junto às mães na unidade prisional, as autoridades prisionais assumirão a responsabilidade de buscar alternativas, entregando-as aos cuidados ou da família ou de entidades que cuidam de crianças e adolescentes sem pais. A decisão deve levar em conta o que é melhor para a criança, considerando-se as circunstâncias. O importante, portanto, é que a decisão seja tomada em conjunto com outros órgãos competentes, e não isoladamente pela autoridade prisional.

Durante o período que a criança estiver na prisão, o ambiente no qual ela estiver inserida deve ser o mais normal possível, tanto para ela quanto para a mãe. O desenvolvimento da criança não pode ser prejudicado simplesmente pelo fato de sua mãe estar presa. Além disso, é preciso um esquema especial de apoio à mãe e seu bebê no momento de sua soltura.

As mulheres, geralmente em maior proporção que os homens, são o único ou principal meio de sustento de familiares dependentes, além dos próprios filhos. O sistema prisional terá que considerar quais soluções são adequadas nessas circunstâncias.

O Capítulo 6 deste manual aborda as necessidades referentes ao cuidado da saúde dos prisioneiros. Mulheres presas têm necessidades de saúde específicas que precisam ser reconhecidas e atendidas. Sempre que possível, devem ser assistidas por enfermeiras e médicas, e especialistas em saúde feminina, quando houver necessidade de consultas. Muitas vezes, a preocupação com os filhos gera problemas de sofrimento e estresse entre as presas, com sérias consequências para sua saúde mental, tornando o cumprimento da pena psicologicamente mais difícil do que para os presos do sexo masculino. O sistema de atendimento à saúde para mulheres presas deve levar tudo isso em consideração.

Mulheres e meninas privadas de liberdade têm direito ao acesso a cuidados médicos especializados, que correspondam as suas características físicas e biológicas, e atendam adequadamente as suas necessidades de saúde reprodutiva. Em particular, elas terão acesso a atendimento ginecológico e pediátrico, antes, durante e depois do parto, o que não deverá ocorrer, na medida do possível, dentro do local da privação de liberdade, mas em hospitais ou instituições adequadas. Se uma criança nasce em um lugar de privação de liberdade, esse fato não deve ser mencionado na certidão de nascimento.

Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Princípios e Boas Práticas sobre a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas

Américas, Princípio X, 2008

Outros familiares dependentes

Cuidado à saúde

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Mulheres presas

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Mulheres e meninas privadas de sua liberdade devem receber regularmente os artigos que são indispensáveis para as necessidades de higiene específicas de seu sexo.

Princípio XII

Deve ser estritamente proibido impor confinamento solitário para as mulheres grávidas e mães que vivem com seus filhos no lugar da pena privativa de liberdade.

Princípio XXII

As presas são particularmente vulneráveis ao ambiente fechado da prisão e precisam de proteção permanente contra maus-tratos físicos ou abuso sexual por parte dos integrantes masculinos do grupo de servidores. Os instrumentos internacionais exigem que as mulheres presas fiquem sob supervisão de pessoas do sexo feminino. Caso servidores do sexo masculino sejam destacados para uma prisão para mulheres, eles não deverão jamais trabalhar sem estar acompanhados de uma servidora do sexo feminino.

A custódia e a vigilância das mulheres privadas de liberdade devem ser realizadas, exclusivamente, por pessoal do sexo feminino, embora a equipe com outras capacidades ou competências, como médicos, professores ou pessoal administrativo possam ser do sexo masculino.

Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Princípios e Boas Práticas sobre a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas

Américas, Princípio XX, 2008

O Capítulo 7 deste manual descreveu os procedimentos para a revista de prisioneiros. Os servidores devem adotar cuidados especiais na revista de prisioneiras, nunca se permitindo que membros do quadro de servidores do sexo masculino realizem as revistas corporais nas mulheres presas ou detidas. Exige-se a observância das regras de decência, ou seja, jamais fazer com que a pessoa presa tenha de se despir completamente para revista corporal, especialmente no caso de prisioneiras.

A obrigação das autoridades prisionais de preparar os presos para sua reintegração à sociedade civil foi abordada no Capítulo 10 deste manual. É preciso atenção especial para com as necessidades da mulher, prestes a receber seu alvará de soltura. Talvez seja impossível voltarem ao seio da família, justamente por serem ex-prisioneiras. As autoridades prisionais devem articular-se com entidades comunitárias de apoio e organizações não-governamentais, a fim de ajudar essas mulheres na sua readaptação à comunidade. Treinamento em habilidades que possam proporcionar-lhes o autossustento é particularmente valioso.

A União das Mulheres do Iêmen, apoiada pela Oxfam, em cinco distritos, tem 36 advogados voluntários que prestam assistência jurídica gratuita às mulheres pobres em prisões, tribunais e delegacias de polícia. Como resultado, 450 prisioneiras foram liberadas em 2004 e 2005. De acordo com um relatório de dezembro de 2007: “Não há uma única mulher na prisão, após a conclusão do período de detenção”, (o) gerente geral do Presídio Central de Sanaa, disse. “Nós as liberamos depois de terem cumprido o seu período de sentença e estão livres para irem para onde quiserem. Há abrigos que as mulheres podem ir depois de serem libertadas da prisão ou para aquelas mulheres que não têm para onde ir. 69

Yemen Observer, 17 de dezembro, 2007

Revista

Preparação para a liberdade

Os servidores de prisões femininas

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PRESOS CONDENADOS À PRISÃO PERPÉTUA E A LONGAS PENAS DE RECLUSÃO

19

177

O contexto

Em muitos países, a maioria dos prisioneiros cumpre penas relativamente curtas. Em certas jurisdições, a média é de apenas alguns meses, enquanto em outras chega a um ou dois anos. Ultimamente, contudo, observa-se uma tendência dos tribunais de proferir sentenças bem mais longas. Em muitos sistemas prisionais, os presos que cumprem penas prolongadas representam uma parcela relativamente pequena do total geral da população carcerária. Entretanto, em termos organizacionais e administrativos, eles consomem uma quantidade significativa dos recursos disponíveis.

Quando se procura definir o termo ‘preso condenado a uma longa pena de reclusão’, defronta-se de imediato com um problema. Em diversos sistemas prisionais – por exemplo, em alguns países escandinavos – qualquer indivíduo que esteja cumprindo mais de seis meses de reclusão é classificado como preso condenado a uma longa pena. Por outro lado, em muitos sistemas prisionais, esse termo aplica-se apenas a presos com penas superiores a dez anos. Nos Estados Unidos, há muitos casos de prisioneiros condenados a centenas de anos de prisão, ou seja, períodos de tempo que ultrapassam, em muito, o tempo normal de vida de um ser humano. Em relação a isso, o Conselho Europeu recomenda que se considerem as sentenças de cinco anos ou mais, como pena de longa duração.

Em determinadas jurisdições, a definição de pena de longa duração está estreitamente vinculada à abolição da pena de morte. Nos últimos 40 anos, muitos países aboliram a pena de morte e, subsequentemente, passaram a aplicar penas de prisão perpétua, particularmente para indivíduos condenados por homicídio. Essa nova categoria de prisioneiros, que cumprem penas mais longas, criou novos dilemas para os encarregados da administração prisional. Atualmente, esses problemas tornam-se bem mais aparentes nos países do Leste Europeu que, recentemente, aboliram a pena capital, e onde novos esquemas têm sido adotados com vistas ao tratamento a ser dado a esses prisioneiros. Em alguns casos, os criminosos que anteriormente teriam sido sentenciados à morte, deverão agora ser condenados a um mínimo de 25 anos de reclusão, sendo os primeiros dez anos cumpridos em regime de prisão em solitária. Em termos de administração prisional, não existe qualquer justificativa para esse tipo de isolamento prolongado ou para o uso de prisões ou colônias penais especiais para esses presos.

No caso das jurisdições que não possuem – ou preferem não aplicar – a pena de morte, a prisão perpétua representa a sanção penal mais rigorosa a ser imposta a um réu. Na ausência da pena de morte, portanto, a prisão perpétua adquire um significado simbólico e pode ser considerada como uma sentença efetivamente retributiva. Embora o termo ‘prisão perpétua’ possa adquirir diferentes conotações em diferentes países, uma característica comum a essas penas é sua natureza indeterminada. Na realidade, na maior

Presos condenados à prisão perpétua e a longas penas de reclusão

Aumento do número de

prisioneiros com longas penas

Uma definição

Efeitos da abolição da pena

de morte

Prisioneiros condenados à

prisão perpétua

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PRESOS CONDENADOS À PRISÃO PERPÉTUA E A LONGAS PENAS DE RECLUSÃO

178

parte das jurisdições, apenas alguns poucos condenados à prisão perpétua passarão o resto de suas vidas presos. A grande maioria retornará ao convívio da sociedade – com frequência, sob algum tipo de supervisão – e esse é um aspecto que deverá ser levado em consideração.

A natureza indeterminada da prisão perpétua acarreta uma série de problemas específicos para as administrações prisionais, encarregadas de lidar com esses presos. O fato de a data de soltura não ser conhecida de antemão, exige uma atenção especial ao planejamento de programas adequados que visem à posterior reintegração desses indivíduos na sociedade.

As Constituições de diversos países reconhecem as dificuldades específicas provocadas pelas penas de prisão perpétua. Em Portugal, no Brasil, Costa Rica, Colômbia e El Salvador, por exemplo, a prisão perpétua é expressamente proibida pela Constituição. No México, em 2001, e Peru, em 2004, o Tribunal Constitucional declarou a prisão perpétua inconstitucional. Espanha, Noruega e Eslovânia são exemplos de países onde o Código Penal não prevê esse tipo de pena.70

Dirk van Zyl Smit, prisão perpétua: questões recentes na legislação nacional e internacional de 2006

Ao lidar com esses grupos de prisioneiros, é preciso ter em mente o risco que eles representam. Não se deve pressupor, automaticamente, que todos os presos condenados a longas penas de reclusão são perigosos. Os indivíduos condenados à prisão perpétua, por exemplo, em geral, não provocam mais problemas disciplinares do que qualquer outro grupo de presos. Ao contrário, eles normalmente apresentam um comportamento muito melhor do que aqueles que cumprem penas mais curtas. Não há indícios de que esses prisioneiros sejam mais problemáticos ou representem uma ameaça à boa administração prisional, apenas devido à extensão de suas penas. Frequentemente, os presos condenados à prisão perpétua são mais velhos do que a média da população carcerária. Geralmente, são réus primários, que jamais haviam cometido um ato violento antes e que, no mais das vezes, conheciam suas vítimas. Tendo em vista que a data de sua liberação, possivelmente, estará vinculada ao seu comportamento na prisão, o preso condenado a uma longa pena de reclusão terá o maior interesse em não causar qualquer tipo de problema. Por essas razões, eles geralmente têm uma influência benéfica sobre outros grupos de presos, tais como os mais jovens ou aqueles que cumprem penas mais curtas.

Por outro lado, uma parcela dos condenados a longas penas de reclusão ou à prisão perpétua, possivelmente, será extremamente perigosa. Alguns desses presos cometeram crimes hediondos e representam uma ameaça real à segurança pública, caso consigam fugir da prisão. É responsabilidade dos administradores prisionais garantir que esses presos não fujam, e que não representem uma ameaça à segurança dos servidores e dos demais presos. Tratar esses presos de maneira digna e humana e, ao mesmo tempo, garantir a segurança dos demais constitui um grande desafio para os profissionais da administração do sistema prisional. Este assunto é tratado no Capítulo 8.

Dificuldades de outro teor podem surgir, quando o sistema prisional tem que lidar com indivíduos considerados terroristas ou inimigos do Estado. Inversamente à vasta maioria dos prisioneiros, esses, com frequência, não se conformam com o fato de estarem na prisão, nem aceitam a legitimidade da autoridade da administração prisional. A custódia desses presos é complicada, pelo fato de que eles, frequentemente, possuem um renomado perfil público

Administrando penas

indeterminadas

Nem todos os condenados a

longas penas são perigosos

Prisioneiros de alto grau de

periculosidade

Prisioneiros definidos como

terroristas

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PRESOS CONDENADOS À PRISÃO PERPÉTUA E A LONGAS PENAS DE RECLUSÃO

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ou político, e tanto a maneira como são tratados quanto a forma como eles reagem à prisão provocam grande interesse por parte da mídia e podem gerar violentas repercussões no âmbito da sociedade civil. Com frequência, os administradores se veem de mãos atadas diante de demandas políticas. Ao mesmo tempo, a forma como a administração responderá às pressões causadas pela obrigação de lidar com esses indivíduos de maneira digna e humana representará, sem dúvida, um teste de sua competência e de seu profissionalismo. Esse assunto é discutido com mais detalhes no Capítulo 8.

O problema mais importante na custódia de presos condenados a longas penas e à prisão perpétua virá do dano potencial ao bem-estar mental do preso, causado pelo longo período de privação de liberdade ou pela incerteza quanto à data de soltura. Será preciso que os administradores prisionais auxiliem os presos a planejarem o cumprimento de suas penas, de modo a poderem manter sua autoestima e evitar os perigos do encarceramento.

O que dizem os instrumentos internacionais

Em termos específicos, os pactos e os instrumentos internacionais de direitos humanos dizem muito pouco sobre o tratamento a ser dado aos presos condenados à prisão perpétua ou a longas penas de reclusão.

O principal documento internacional que disciplina o tratamento dessa categoria de presos intitula-se Recomendações das Nações Unidas sobre a Prisão Perpétua. 71 As Nações Unidas recomendam que os Estados ofereçam aos presos condenados à prisão perpétua ‘oportunidades de comunicação e interação social’, além de ‘oportunidades de trabalho remunerado e de estudo, bem como atividades religiosas, culturais, esportivas e de lazer.’ Caso essas oportunidades sejam oferecidas aos condenados à prisão perpétua, terão de ser igualmente oferecidas a todos os prisioneiros condenados a penas de longa duração. Da mesma forma, o relatório do Conselho da Europa sobre o tratamento a ser dispensado aos presos condenados a longas penas de reclusão determina que estes tenham a oportunidade de ‘realizar alguma atividade útil’ e ‘o tratamento dispensado deverá levar em conta sua possível soltura e reintegração à sociedade’.

Colocando em prática

Todas as disposições referentes à boa administração prisional, descritas neste manual, deveriam ser aplicadas tanto no caso de presos condenados à prisão perpétua quanto no caso daqueles condenados a longas penas de reclusão. As considerações a seguir são de particular relevância para essa última categoria de presos.

Cada preso é um indivíduo e as autoridades prisionais devem tratá-lo como tal. Uma forma de assegurar esse processo é realizar uma avaliação inicial, de modo a planejar, juntamente com cada preso, o cumprimento de sua pena. Esse assunto é tratado no Capítulo 7 deste manual. Em várias jurisdições, os prisioneiros condenados a longas penas de reclusão são levados, primeiramente, a uma unidade de integração. O objetivo dessa unidade é facilitar a inserção desses indivíduos na rotina da prisão para a qual eles serão transferidos após alguns meses.

Em algumas jurisdições, essa avaliação inicial dá início ao processo de gestão da pena, durante o qual será traçado o perfil do preso, segundo uma série de critérios, tais como antecedentes criminais, família e formação, emprego anterior, envolvimento com bebidas alcoólicas ou drogas, e relatórios da polícia, de assistentes sociais ou dos servidores responsáveis por acompanhar a

O problema da institucionalização

Oferta de oportunidades

Planejamento inicial após a condenação

Avaliação de risco

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PRESOS CONDENADOS À PRISÃO PERPÉTUA E A LONGAS PENAS DE RECLUSÃO

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liberdade condicional. Com base nesse perfil, elabora-se um plano de gestão da pena, o qual inclui uma avaliação do risco que cada prisioneiro representa para si próprio, para outros presos, para os servidores e para o público em geral. A principal preocupação no processo de avaliação de risco é a proteção da população. É preciso garantir que a avaliação não venha a estabelecer um risco maior ou menor do que o indicado pelos fatos em questão. O plano de gestão da pena inclui, igualmente, várias atividades e programas dos quais o preso poderá participar, enquanto estiver cumprindo sua pena.

Não há motivos para que os indivíduos condenados a longas penas de reclusão, inclusive à prisão perpétua, não possam usufruir as mesmas oportunidades de trabalho, educação e demais atividades oferecidas aos outros prisioneiros, conforme descrito no Capítulo 10 do presente manual. De fato, tendo em vista o longo período de tempo que essas pessoas passarão na prisão, talvez seja conveniente priorizá-la, se houver escassez de recursos. A probabilidade de que as pessoas condenadas à prisão perpétua ou a longas penas de reclusão afastem-se de suas famílias e da comunidade é bem maior e, portanto, elas certamente precisarão de mais apoio durante o processo de reabilitação.

Não existe qualquer justificativa operacional para manter essa categoria de presos em isolamento, individualmente ou em grupo, simplesmente devido à extensão da pena. Ao contrário, um exemplo de boa administração prisional é manter os presos plenamente ocupados, tanto em seu próprio interesse quanto em favor do adequado funcionamento da prisão.

Para que uma pessoa condenada a um longo período de reclusão conserve sua saúde física e mental enquanto permanecer na prisão e, posteriormente, retorne com segurança ao convívio na sociedade, ela precisará ser capaz de manter e desenvolver os vínculos e contatos familiares. Existe, obviamente, outra razão importante que justifica a necessidade desse contato. Os demais membros da família, seja a esposa, os filhos ou os demais familiares, têm o direito de manter contato com o parente preso. Assim sendo, os esquemas descritos no Capítulo 11, referentes à manutenção dos vínculos familiares, aplicam-se com mais intensidade ainda aos prisioneiros condenados a longas penas de reclusão.

Uma importante característica dos diferentes meios de avaliação inicial e de planejamento, mencionados acima, é sua utilização como forma de se identificar o pequeno número de presos que pode vir a representar uma ameaça à segurança pública. A avaliação inicial permitirá à administração prisional diferenciar esses presos da maioria dos demais que, embora possam ter cometido crimes graves, não representam necessariamente um risco. Em diversos países, este último grupo é logo transferido para outras prisões de segurança média ou mínima, embora também estejam cumprindo penas relativamente longas.

É importante reconhecer que tanto a classificação de segurança quanto o plano de gestão da pena dos presos condenados a longos períodos de reclusão deverão ser revisados periodicamente e com maior frequência do que no caso dos presos condenados a penas mais curtas. O documento das Nações Unidas sobre prisão perpétua recomenda que ”os programas de capacitação levem em consideração as mudanças comportamentais dos presos, suas relações interpessoais e sua motivação para o trabalho e para a consecução de seus objetivos educacionais”.

Trabalho, educação e outras

atividades

Não há justificativa para o isolamento

Contatos com a família e com o mundo externo

A progressão dentro do sistema

prisional

Uma revisão periódica é

fundamental

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PRESOS CONDENADOS À PRISÃO PERPÉTUA E A LONGAS PENAS DE RECLUSÃO

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Vários anos antes da data de soltura programada, a maioria dos prisioneiros condenados a longas penas de reclusão estará preparada para ser transferida para uma prisão de segurança mínima ou para uma prisão-albergue. Lá terão a oportunidade de deixar a prisão de tempos em tempos, às vezes por vários dias, como parte dos preparativos finais para seu retorno ao convívio da sociedade. Essa última parte da pena, geralmente, é monitorada por uma junta consultiva, encarregada da liberdade condicional, ou pela autoridade correspondente.

Presos Idosos

Em algumas jurisdições, em consequência do aumento da duração das penas, os administradores prisionais passaram a ter que responder às necessidades de um número crescente de presos idosos. Em certos países, nos últimos anos, a tendência em favor da obrigatoriedade de penas mais longas ou da prisão perpétua elevou significativamente o número de presos que envelhecerá na prisão.

Isso talvez exija a construção de uma série de instalações especializadas, de modo a lidar com problemas decorrentes da falta de mobilidade ou do início de um processo de deterioração mental.

As administrações prisionais terão de dedicar especial atenção aos diferentes problemas – tanto sociais quanto de saúde – desse grupo de prisioneiros. O número crescente de pessoas presas, nessa categoria, estimulou o desenvolvimento de unidades especializadas em presos idosos, tanto na Inglaterra quanto em certas regiões dos Estados Unidos. A atenção à saúde desses idosos também é mencionada no capítulo 6 do presente manual.

A probabilidade de que presos que cumprem longas penas de reclusão ou com um longo passado de crimes venham a perder contado com suas famílias é bem maior. Isso constitui um problema de particular importância para os prisioneiros idosos, que chegam ao final de suas penas. Muitos talvez já não tenham mais família e serão velhos demais para arranjar um emprego. Os administradores deverão trabalhar em estreita articulação com outras instituições, de modo a ajudar na reintegração desses indivíduos ao seio da comunidade.

Transferência para uma prisão de

segurança mínima

Número crescente de presos idosos

Os problemas dos idosos

Perda de contato com a família

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PRISIONEIROS SENTENCIADOS À PENA DE MORTE

20

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O contexto

Mais de dois terços dos países já aboliram a pena de morte e essa proporção aumenta ano após ano. Por exemplo, 47 Estados Membros do Conselho da Europa, que cobrem uma área que se estende de Lisboa, no Oceano Atlântico, a Vladivostok, no Pacífico, ou já aboliram a pena capital, ou declararam uma moratória. As convenções internacionais e demais instrumentos de direitos humanos recomendam firmemente que seus Estados Membros aprovem a abolição da pena de morte.

Nas nações onde essa pena ainda vigora, as autoridades prisionais geralmente são encarregadas de lidar com os sentenciados à pena de morte. Em alguns casos, o processo de apelação é bastante longo e os presos podem ficar no corredor da morte por muitos anos. O mesmo ocorre nos países que declararam uma moratória e suspenderam as execuções, pois essas penas ainda não foram comutadas.

Os servidores encarregados de lidar com os prisioneiros condenados à pena de morte arcam com uma responsabilidade de grandes proporções. As autoridades prisionais têm a obrigação de tratar esses presos de modo digno e humano, bem como de prestar apoio adequado aos servidores, dedicados a essa complexa tarefa.

O que dizem os instrumentos internacionais

Os instrumentos internacionais não deixam dúvidas quanto ao apelo em favor da abolição da pena de morte.

Segundo Protocolo Opcional ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos

Os Estados Membros do presente Protocolo acreditam que a abolição da pena de morte contribui para o fortalecimento da dignidade humana e para o desenvolvimento progressivo dos direitos humanos.

Convenção Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, Artigo 6º:

Todo ser humano tem o direito inerente à vida. Este direito deverá ser protegido pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida.

(2) Nos Países em que a pena de morte não tiver sido abolida, esta poderá ser imposta somente nos casos de crimes mais graves, em conformidade com a legislação vigente à época em que o crime foi cometido e que não esteja em conflito com as disposições do presente Pacto, nem com a Convenção sobre a Prevenção e a Punição do Crime de Genocídio. Essa pena somente poderá ser aplicada nos termos de uma sentença transitada em julgado e proferida por tribunal competente.

(5) A pena de morte não deverá ser imposta em casos de crimes cometidos por pessoas menores de 18 anos, nem aplicada a mulheres gestantes.

Prisioneiros sentenciados à pena de morte

A aplicação da pena de morte

está diminuindo

Presos no corredor da morte

Tratamento dos presos e

dos servidores prisionais

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PRISIONEIROS SENTENCIADOS À PENA DE MORTE

184

(6) Não se poderá invocar qualquer disposição do presente artigo para retardar ou impedir a abolição da pena de morte por parte de um Estado Membro do presente Pacto.

Salvaguardas das Nações Unidas para Garantir a Proteção dos Direitos das Pessoas Condenadas à Pena de Morte, Artigo 9º:

Quando da aplicação da pena capital, esta deverá ocorrer de maneira a infligir o mínimo de sofrimento possível.

Resolução da Associação Médica Mundial sobre a participação do médico em Pena de Morte, adotado pela 34ª Assembleia Médica Mundial de Lisboa, Portugal, 28 setembro - 2 outubro de 1981 e alterada pela 52ª Assembleia Geral, em Edimburgo, Escócia, em outubro de 2000, e ainda na Coréia, 2008:

RESOLVIDO, que não é ético para os médicos participarem de pena capital, de qualquer forma, ou durante qualquer etapa do processo de execução, incluindo seu planejamento e a instrução e/ou formação de pessoas para realizar execuções, a Associação Médica Mundial SOLICITA firmemente aos seus membros constituintes para aconselhar todos os médicos, que qualquer participação em pena de morte, como dito acima, é antiética. Exorta os seus membros constituintes para pressionarem ativamente os governos e os legisladores contra qualquer participação de médicos em pena de morte.

Colocando em prática

Um dos principais desafios das administrações prisionais em relação aos presos condenados à pena de morte consiste em distinguir claramente entre a atenção a ser conferida individualmente aos presos, que aguardam a execução, e a situação política e legal da aplicação da pena de morte no país em questão. Uma das mais importantes responsabilidades dos servidores é tratar todos os prisioneiros de maneira digna e humana, independentemente das acusações, dos crimes ou das penas a que estejam sujeitos. Os presos condenados à pena de morte não deveriam ter seus movimentos desnecessariamente limitados no interior das instalações prisionais, nem ser submetidos a um tratamento mais rigoroso, simplesmente porque foram condenados à pena capital.

O Comitê (Direitos Humanos da ONU) observa que o autor (prisioneiro) foi detido em confinamento solitário no corredor da morte por um período de cinco anos, em uma cela de 1,8 por 2,7 metros, sem saneamento básico, exceto por um balde de despejos, sem luz natural, sendo autorizados a sair de sua cela apenas uma ou duas vezes por semana, durante o qual ele permanecia algemado e submetido a uma alimentação completamente inadequada, que não levou em conta as suas necessidades especiais de dieta. O Comité considera que estas - incontestadas – condições de detenção, juntas, equivalem a uma violação do artigo 10, parágrafo 1º, do Pacto. 73

ONU Comitê de Direitos Humanos, Xavier Evans contra Trinidad e Tobago, 2003

Nos países onde a pena de morte ainda é aplicada, os processos de apelação contra a sentença, normalmente, são longos, às vezes, estendendo-se por vários anos. Em diversos sistemas prisionais, esses presos são mantidos segregados em áreas geralmente chamadas de corredores da morte. Em certos países, esse procedimento implica o confinamento em solitárias. Já em outros, os presos são mantidos em celas comuns, juntamente com outros prisioneiros na mesma situação.

Dignidade e humanidade

Separação dos presos

sentenciados à pena de morte

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PRISIONEIROS SENTENCIADOS À PENA DE MORTE

185

“Os prisioneiros no corredor da morte não são separados dos demais e não são também tratados de forma diferente.

Relatório do Relator Especial sobre Prisões e Condições de Detenção na África, visita à Etiópia, 2004

Em termos da boa administração prisional, não existe qualquer razão que justifique a manutenção rotineira desses presos em condições de isolamento, sem qualquer acesso a oportunidades de trabalho, educação ou atividades culturais. Suas penas de morte não deveriam implicar punição adicional e à administração prisional caberia envidar esforços, de modo a reduzir a angústia mental – mais conhecida como o fenômeno do corredor da morte, geralmente decorrente do prolongado processo de apelação. Independentemente do fato de serem condenados à pena de morte, esses prisioneiros deveriam ser avaliados da mesma maneira que os demais, e submetido a condições apropriadas. Tal como em qualquer avaliação, é importante analisar as circunstâncias individuais e os riscos que cada preso representa. Embora alguns possam requerer condições especiais, isso não será necessário para a maioria.

As pessoas condenadas à pena de morte possuem os mesmos direitos conferidos aos demais presos. É particularmente importante assegurar que eles não recebam um tratamento inferior, em termos de alimentação, atendimento à saúde, higiene, exercícios e relacionamento com outros prisioneiros.

As autoridades prisionais devem ser particularmente cuidadosas, a fim de assegurar o acesso irrestrito dos presos condenados à pena de morte aos advogados responsáveis por seus processos de apelação contra a condenação ou a sentença. Eles têm direito às salvaguardas normais, no que se refere a acesso e privacidade da comunicação, tal como os demais presos.

O Capítulo 11 do presente manual descreve como os visitantes das pessoas presas devem ser tratados pelos servidores que deverão ser particularmente sensíveis ao lidar com os familiares e amigos dos presos sentenciados à pena de morte. Deve-se dizer às famílias sobre a iminente execução e garantir que sejam observados todos os requisitos religiosos adequados, bem como os demais procedimentos.

A Comissão observa que a alegação do autor de que sua família não foi informada sobre a data, nem a hora, nem o lugar da execução de seu filho, nem o lugar exato do sepultamento posterior de seu filho, permaneceu incontestada... O Comitê entende a angústia contínua e o estresse mental causado... à mãe de um preso condenado, por persistir a incerteza sobre as circunstâncias que levaram à sua execução, bem como a localização de seu túmulo. O total sigilo em torno da data de execução, e do local do enterro e da recusa de entregar o corpo para o sepultamento teve o efeito de intimidar ou punir as famílias, intencionalmente, deixando-os em um estado de incerteza e angústia mental.75

ONU Comitê de Direitos Humanos, Natalia Schedko v Belarus, 2003

Os servidores encarregados da atenção diária aos prisioneiros sentenciados à pena de morte deverão ser cuidadosamente selecionados para desempenharem essa estressante responsabilidade. Eles deverão ser experientes; receber formação especializada, sobretudo, quanto ao aspecto emocional de seu trabalho; e contar com o apoio constante da administração.

Não há justificativa para uma separação

automática

Igualdade de tratamento

Acesso irrestrito aos advogados

Visitantes

Os servidores devem ser

criteriosamente selecionados

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PRISIONEIROS SENTENCIADOS À PENA DE MORTE

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Se uma execução ocorre dentro de uma prisão, o fato causará um considerável impacto em diferentes níveis. Os efeitos já poderão ser percebidos, assim que a data da execução for determinada; provavelmente se acentuarão, à medida que se aproximar o dia; e perdurarão por algum tempo, após a execução. As autoridades prisionais deverão contar com algum tipo de estratégia para lidar com as consequências desse fato para todas as pessoas envolvidas.

Reações após uma execução

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A P Ê N D I C E

Apêndice

Lista de instrumentos de direitos humanos relevantes

Carta Internacional de direitos Humanos

Declaração internacional dos direitos humanos Adotadapela Resolução217A (III), de 10 de dezembro de 1948, da Assembleia Geral das Nações Unidas

Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais Adotado e aberto para assinatura, ratificação e adesão pela Resolução 2200A (XXI), de 16 de Dezembro de 1996 da Assembleia Geral, com entrada em vigor em 3 de janeiro de 1976

Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos Adotado e aberto para assinatura, ratificação e adesão pela Resolução 2200A (XXI), de 16 de Dezembro de 1996 da Assembleia Geral, com entrada em vigor em 23 de março de 1976

Prevenção de discriminação

Convenção Internacionalsobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial Adotada e aberta à assinatura e ratificação pela Resolução da Assembleia Geral 2106 (XX) de 21 de dezembro de 1965 e entrada em vigor 04 de janeiro de 1969

Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação com base em Religião ou Crença Proclamada pela Resolução da Assembleia Geral 36/55 de 25 de novembro de 1981

Declaração sobre os Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e minorias linguísticas Adotada pela Resolução da Assembleia Geral 47/135 de 18 de dezembro de 1992

Direitos das mulheres

Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres Adotada e aberta à assinatura, ratificação e adesão pela Assembleia Geral, resolução 34/180 de 18 de dezembro de 1979, com entrada em vigor 3 de setembro de 1981

Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres Resolução da Assembleia Geral 48/104 de 20 de dezembro de 1993

Direitos da criança

Convenção dos direitos da criança Adotada e aberta para assinatura, ratificação e adesão pela Resolução 44/25 da Assembleia Geral, de 20 de novembro de 1989, com entrada em vigor em 2 de setembro de 1990

Instrumentos internacionais de direitos humanos

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Administração da Justiça

Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros Adotadas pelo Primeiro Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime eo Tratamento dos Delinquentes, realizado em Genebra em 1955, e aprovado pelo Comité Económico e Conselho Económico e Social por sua Resolução 663 C (XXIV) de 31 de Julho de 1957 e 2076 (LXII) de 13 de Maio 1977

Princípios Básicos para o Tratamento dos Reclusos Adotados e proclamados pela resolução da Assembleia Geral 45/111, de 14 de dezembro de 1990

Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas Submetidas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão Adotado pela Resolução da Assembleia Geral 43/173 de 09 dezembro de 1988

Regras das Nações Unidas para a Proteção dos Menores Privados de Liberdade Adotadas pela Resolução da Assembleia Geral 45/113, de 14 de dezembro de 1990

Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes de Tratamento ou Punição Adotada e aberta à assinatura, ratificação e adesão pela Assembleia Geral, resolução 39/46 de 10 de dezembro de 1984, com entrada em vigor em 26 de junho de 1987

Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Desumanos ou Degradantes Aprovado em 18 de Dezembro de 2002, na quinquagésima sétima sessão da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, mediante a resolução A/RES/57/199. Entrou em vigor em 22 de junho de 2006.

Princípios de Ética Médica Aplicáveis à Função do Pessoal de Saúde, especialmente Médicos, na Proteção de Presos e Detidos contra a Tortura e OutrosTratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes Adotados pela Resolução da Assembleia Geral 37/194 de 18 dezembro de 1982

Garantias para a proteção dos direitos das pessoas que enfrentam a pena de morte Adotadas pela Resolução 1984/50 de 25 de maio de 1984 do Conselho Econômico e Social

Código de Conduta para os Funcionários Adotado pela Resolução da Assembleia Geral 34/169 de 17 de dezembro de 1979

Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo por Funcionários Adotados pelo Oitavo Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime eoTratamento dos Delinquentes, Havana , Cuba, 27 agosto - 7 setembro de 1990.

Princípios Básicos sobre o Papel dos Advogados Adotados pelo Oitavo Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime eoTratamento dos Delinquentes, Havana, Cuba , 27 de agosto a 07 de setembro de 1990

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A P Ê N D I C E

Orientações sobre o Papel dos Promotores Adotadas pelo Oitavo Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime eoTratamento dos Delinquentes, Havana, Cuba , 27 de agosto a 07 de setembro de 1990

Regras Mínimas das Nações Unidas para Medidas Não Privativas de Liberdade ( Regras de Tóquio) Adotadas pela Resolução da Assembleia Geral 45/110, de 14 de dezembro de 1990

Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil (Orientações deRiyadh) Adotadas e proclamadas pela resolução da Assembleia Geral 45/112 de 14 de dezembro de 1990

Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil (“Regras de Beijing “) Adotadas pela Resolução da Assembleia Geral 40/33, de 29 de novembro de 1985

Declaração dos Princípios Básicos de Justiça Relativos às Vítimas da Criminalidade e de Abuso de Poder Adotada pela Resolução da Assembleia Geral 40/34 de 29 de novembro de 1985

Princípios Básicos sobre a Independência do Judiciário Adotados pelo Sétimo Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e Tratamento do Delinquente, realizada em Milão de 26 de Agosto a 06 de setembro de 1985 e endossado por resoluções da Assembleia Geral 40/32, de 29 de Novembro de 1985 e 40/146, de 13 de dezembro de 1985

Tratado sobre Modelo de Transmissão de Processos Penais Adotado pela Resolução da Assembleia Geral 45/118 de 14 de dezembro de 1990

Tratado sobre Modelo de Transferência de Supervisão de ofensores Condicionalmente Condenados ou em Liberdade Condicional Adotado pela Resolução da Assembleia Geral 45/119 de 14 de dezembro de 1990

Declaração sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados Resolução da Assembleia Geral 47/133 de 18 de dezembro de 1992

Princípios sobre a Prevenção Eficaz e Investigação das Execuções Extrajudiciais, Arbitrárias e Execuções Sumárias Recomendados pela resolução do Conselho Económico e Social 1989/65 de 24 de maio de 1989

Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos Adotada em 27 de junho de 1981 , OUA Doc . CAB/LEG/67/3 rev .5 , 21 I.L.M. 58 (1982 ), entrouem vigor em 21 outubro de 1986

Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem Resolução aprovada na terceira sessão plenária, realizada em 2 de junho de 1998

Convenção Americana sobre Direitos Humanos Assinada na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, San Jose,Costa Rica, 22 de novembro de 1969

Instrumentos Regionais de

Direitos Humanos

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Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura O.A.S. Séries Tratados n º 67 , que entrou em vigor 28 de fevereiro, 1987, reimpresso em Documentos Básicos em Matéria de Direitos Humanos no Sistema Interamericano , OEA/Ser.LV/II.82, rev.1 doc.6 aos 83 (1992).

Convenção Europeia dos Direitos Humanos Roma, 04 de novembro de 1950

Convenção Europeia para a Prevenção da Tortura e do Tratamento ou Penas desumanas e degradantes Estrasburgo, 26.XI.1987

Regras Prisionais Europeias Recomendação Rec (2006) 2 do Comité de Ministros aos Estados membros sobre as Regras Prisionais Europeias, adotada pelo Comité de Ministros em 11 de Janeiro de 2006, na 952ª reunião de Delegados dos Ministros

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Referências1 Mandela, N. (1994) Long Walk to Freedom. London: Little Brown

2 OECD (2007) OECD DAC Handbook on Security Sector Reform. Paris: OECD

3 From the website of the Swaziland Government, Ministry of Justice and Constitutional Affairs website, Correctional Services home page www.gov.sz/home.asp?pid=2268

4 Shanghai Prison Opens to Visitors. China Daily, 26 March 2004

5 OECD (2007) OECD DAC Handbook on Security Sector Reform. Paris: OECD

6 Kalinin, Y.I. (2002) The Russian penal system: past, present and future. London: ICPS

7 African Commission on Human and Peoples’ Rights (2002) Prisons in Cameroon: Report to the Government of the Republic of Cameroon on the visit of the Special Rapporteur on Prisons and Conditions of Detention in Africa From 2 to 15 September 2002. Banjul: ACHPR

8 New South Wales Health and Justice Health (2006) Code of Conduct 2006. Matraville: Justice Health

9 Adapted from the website of the National Prison Rape Elimination Commission http://www.nprec.us/

10 United Nations Office of the High Commissioner for Human Rights (2004) Compilation of General Comments and General Recommendations Adopted by Human Rights Treaty Bodies: Note by the Secretariat. Geneva: UNHCHR

11 African Commission on Human and Peoples’ Rights (2004) Report of the Mission of the Special Rapporteur on Prisons and Conditions of Detention in Africa to the Federal Democratic Republic of Ethiopia 15 – 29 March, 2004. Banjul: ACHPR

12 Website of the Namibian Prison Service http://www.mpcs.gov.na/about.htm

13 Council of Europe (2008) Report to the Government of Denmark on the visit to Denmark carried out by the European Committee for the Prevention of Torture and Inhuman or Degrading Treatment or Punishment (CPT) from 11 to 20 February 2008. Strasbourg: CoE

14 Home Office (2007) The Corston Report: A report by Baroness Jean Corston of a review of women with particular vulnerabilities in the criminal justice system. London: Home Office

15 UN International Human Rights Instruments, HRC/Gen I/Rev.5, 26 April 2001, para 8

16 CouncilofEurope (2002) CPT Rapportaugouvernement de laRépublique de Moldova relatif a la visite efectuéeen Moldova par le Comité européenpourlaprévention de la torture et des peines ou traitementsinhumains ou dégradants, du 10 au 22 juin 2001. Strasbourg: CoE

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17 The Cape High Court (South African) (1997) Van Biljon and others v Minister of Correctional Services and others 1997 (4) SA 441 (C), 1997 (6) BCLR 789 (C). Cape Town: SACR

18 World Health Organisation Europe (2003) Prison Health as Part of Public Health: The Moscow Declaration. Geneva: WHO

19 Council of Europe (2000) 10th General Report on the CPT’s activities covering the period 1 January to 31 December 1999. Strasbourg: CoE

20 Council of Europe (2007) Report to the Georgian Government on the visit to Georgia carried out by the European Committee for the Prevention of Torture and Inhuman or Degrading Treatment or Punishment (CPT) from 21 March to 2 April 2007. Strasbourg: CoE

21 International Committee of the Red Cross (2008) Fighting multi-drug resistant tuberculosis in prisons in Kyrgyzstan. Geneva: ICRC

22 European Court of Human Rights (2008) Judgment in the Case of Renolde v. France Application Number 5608/05. Strasbourg: ECtHR

23 Du Plooy v Minister of Correctional Services

24 See website of the Constitutional Council of the Republic of Kazakhstan http://www.constcouncil.kz/eng/news/?cid=0&rid=359

25 World Health Organisation (2007) Health in Prisons: A WHO Guide to the essentials in prison health. Copenhagen: WHO

26 Mandela, N. (1998) Speech by President Nelson Mandela at the official launch of the re-training and human rights project of the Department of Correctional Services, Kroonstad, 25 June 1998. Pretoria: South African Government Information

27 Woolf, H. and Tumim, S. (1991) Prison Disturbances April 1990. London: The Stationery Office162

28 Direct Supervision: A Safer, More Effective Jail (Oswego County Sheriff’s Department, New York) http://www.co.oswego.ny.us/sheriff/method.html

29 Inter American Commission on Human Rights (2008) Principles and Best Practices on the Protection of Persons Deprived of Liberty in the Americas (Approved by the Commission during its 131st regular period of sessions, held from March 3-14, 2008). Washington DC: IACHR

30 European Court of Human Rights (2006) Judgment in the Case of Wainwright v. The United Kingdom Application Number 12350/04. Strasbourg: ECtHR

31 United Nations Office of the High Commissioner for Human Rights (1990) Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials. Geneva: UNHCHR

32 European Court of Human Rights (2005) Judgment in the Case of Sanchez v. France Application Number 59450/00. Strasbourg: ECtHR

33 Chitsawang, N. (2005) The Management of High Profile and Dangerous Prisoners. Nonthaburi Province: Thailand Department of Corrections

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34 Completing the Review Security Classification Form (Male Prisoners) New Zealand Department of Corrections website http://www.corrections.govt.nz/policy-and-legislation/policy-and-procedures-manual/section-a/a08/12-completing-the-review-security-classification-form2.html

35 Council of Europe (2007) Report to the Czech Government on the visit to the Czech Republic carried out by the European Committee for the Prevention of Torture and Inhuman or Degrading Treatment or Punishment (CPT) from 27 March to 7 April 2006 and from 21 to 24 June 2006. Strasbourg: CoE

36 International Crisis Group (2007) “Deradicalisation” and Indonesian Prisons. Brussels: ICG

37 European Commission of Human Rights (1982) Kröcher and Möller v. Switzerland Application No. 843/78. Strasbourg: ECHR

38 Council of Europe (1992) 2nd General Report on the CPT’s activities covering the period 1 January to 31 December 1991 CPT/Inf (92) 3 [EN]. Strasbourg: CoE

39 Republic of Ecuador (2008) Constitution of 2008. Quito: Republic of Ecuador. Article 51.1

40 See website of Singapore Corporation of Rehabilitative Enterprises http://www.score.gov.sg/yellow_ribbon_proj.html

41 Morello, C. “Boom time for Philippine banana plantations” in Manila Standard Today, 9 May 2008

42 United Nations General Assembly (2009) The right to education of persons in detention: Report of the Special Rapporteur on the right to education. Geneva: UN

43 European Court of Human Rights (1979) Hamer v United Kingdom Application Number 7114/75. Strasbourg: ECtHR. In 2007 the Court ruled (Dickson v United Kingdom) that a prisoner had the right of access to artificial insemination facilities whilst detained

44 Hill, G. (2008) “Value of Open Prisons in India” in Corrections Compendium, Vol.33, Issue 3, May/June 2008. Alexandria, VA: American Correctional Association

45 International Centre for Prison Studies (2008) Report of a visit to Boronia Pre-Release Centre for Women, October 2008. London: ICPS (unpublished)46 Council of Europe (2006) Commentary on Recommendation Rec(2006)2 of the Committee of Ministers to member states on the European Prison Rules. Strasbourg: CoE

47 From website of the Federal Bureau of Prisons http://www.bop.gov/inmate_programs/trulincs_faq.jsp

48 van Kalmthout, A., Hofstee-van der Meulen, F. and Dünkel, F. (eds), (2007) Foreigners in European Prisons, Nijmegen, Netherlands: Wolf Legal Publishers

49 Information Office of the State Council of the People’s Republic of China (2009) National Human Rights Action Plan 2009-2010. Beijing: State Council of the People’s Republic of China

50 Judicial Inspectorate of Prisons (2008) Annual Report for the period 1 April 2007 to 31 March 2008. Cape Town: JIP

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51 African Commission on Human and Peoples’ Rights (2003) Resolution on Guidelines and Measures for the Prohibition and Prevention of Torture, Cruel and Inhuman or Degrading Treatment or Punishment in Africa (The Robben Island Guidelines). Banjul: ACHPR

52 Japan Federation of Bar Associations (2006) Information for Prison Inmates, October 2006 (Third Edition). Tokyo: JFBA

53 United Nations Office of the High Commissioner for Human Rights (2008) Statement by 13 UN experts on global detention initiative. Geneva: UNHCHR

54 Commission of the European Communities (2008) Turkey 2008 Progress Report. Brussels: Commission of the European Communities

55 From the website of the Office of the Inspector of Custodial Service, Government of Western Australia http://www.justice.wa.gov.au/o/officeoftheinspectorofcustodialservices.aspx 163

56 These statistics were taken from World Prison Brief Online at January 2009. Statistics are not necessarily from the same year but represent the most recent figures available. Percentages have been rounded to the nearest whole number

57 International Centre for Prison Studies (2008) Report of a visit to Libya. London: ICPS. (Unpublished)

58 Adapted from Sahu, M. (2009) “13,000 released from prison in five months” in Express India, 20 January 2009.

59 US State Department (2009) 2008 Human Rights Report: Honduras. Washington: US State Department.

60 From the website of the Danish Institute for Human Rights http://dihr.org/legalaid/index.php?option=com_content&task=view&id=22&Itemid=32

61 UN Committee on the Rights of the Child (2007) Fourty-fourth session Geneva, 15 January-2 February General Comment No. 10 Children’s rights in juvenile justice. Geneva: UNCRC

62 For example see United Nations General Assembly (2005) Assistance to Sierra Leone in the field of human rights: Report of the High Commissioner for Human Rights (E/CN.4/2005/113).63 UK Bar Human Rights Committee of England and Wales (2004) Report of the UK Legal Delegations’s visit to the Islamic Republic of Iran 24 April – 1 May 2004. London: BHRC

64 Constitutional Court of South Africa (2007) M v The State, Case CCT 53/06 [2007] ZACC 18.Braamfontein: CCSA

65 International Centre for Prison Studies (2008) “Penal Reform and Gender” in Gender and Security Sector Reform Toolkit. Geneva: Geneva Centre for the Democratic Control of Armed Forces

66 Queensland Government Department of Corrective Services (2003) Addressing the needs of female offenders: Policy and action plan 2003-2008. Brisbane: DCS

67 African Commission on Human and People’s Rights (2004) Report of the Mission of the Special Rapporteur on Prisons and Conditions of Detention in Africa to the Federal Democratic Republic of Ethiopia, 15 – 29 March, 2004 Banjul: ACHPR

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68 Supreme Court of India (2006) Court News, April – June 2006. New Delhi: Supreme Court of India.

69 Hassan, E. (2007). “Women unjustly detained in prisons”. Yemen Observer, 17 December 2007

70 Van ZylSmit (2006) “Life imprisonment: Recent issues in national and international law” in International Journal of Law and Psychiatry, vol 29 issue 5, September-October 2006. Montreal: International Academy of Law and Mental Health

71 United Nations (1994) Life Imprisonment. Vienna: United Nations

72 Council of Europe (2003) Recommendation Rec(2003)23 of the Committee of Ministers to member states on the management by prison administrations of life sentence and other long term prisoners. Strasbourg: CoE

73 UN Human Rights Committee (2003) Xavier Evans v. Trinidad and Tobago.CCPR/C/77/D/908/2000. Geneva: UNHCHR

74 African Commission on Human and People’s Rights (2004) Report of the Mission of the Special Rapporteur on Prisons and Conditions of Detention in Africa to the Federal Democratic Republic of Ethiopia, 15 – 29 March, 2004.Banjul: ACHPR

75 UN Human Rights Committee (2003) Natalia Schedko v. Belarus.CCPR/C/77/D/886/1999. Geneva: UNHCHR

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