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Manual dos formadores de cuidadores de pessoas idosas

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Manual dos formadores de cuidadores de pessoas idosas

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

José SerraGovernador

Rita PassosSecretária Estadual de Assistência e Desenvolvimento Social

Nivaldo Campos CamargoSecretário Adjunto

Carlos Fernando Zuppo FrancoChefe de Gabinete

Secretaria Estadual de Assistência e Desenvolvimento Social – SEADS

Departamento de Comunicação Institucional – DCI Paulo José Ferreira Mesquita

Coordenador

Coordenadoria de Gestão Estratégica – CGE Cláudio Alexandre Lombardi

Coordenador

Coordenadoria de Ação Social – CAS Tânia Cristina Messias Rocha

Coordenadora

Coordenadoria de Desenvolvimento Social – CDS Isabel Cristina Martin

Coordenadora

Coordenadoria de Administração de Fundos e Convênios – CAF Carlos Alberto Facchini

Coordenador

Fundação Padre AnchietaPaulo Markun

PresidenteFernando Almeida

Vice-Presidente

Coordenação Executiva – Núcleo de Educação Fernando Almeida

Fernando Moraes Fonseca Jr. Mônica Gardeli Franco

Coordenação de Conteúdo e Qualidade Gabriel Priolli

Coordenação de Produção – Núcleo de Eventos e Publicações Marilda Furtado

Tissiana Lorenzi Gonçalves

uma realização

Equipe de Produção do Projeto

Coordenação geralÁurea Eleotério Soares Barroso

SEADS

Fernando Moraes Fonseca Jr. Fundação Padre Anchieta

DesenvolvimentoSEADS

Elaine Cristina Moura Ivan Cerlan Janete Lopes

Márcio de Sá Lima Macedo

Organização dos conteúdos/textosÁurea Eleotério Soares Barroso

ColaboradoresClélia la Laina, Edwiges Lopes Tavares, Izildinha Carneiro, Ligia Rosa de Rezende Pimenta, Maria Margareth Carpes,

Marilena Rissuto Malvezzi, Paula Ramos Vismona, Renata Carvalho, Rosana Saito, Roseli Oliveira

Produção editorialMaria Carolina de Araujo

Coordenação editorialMarcia Menin

Copidesque e preparaçãoPaulo Roberto de Moraes Sarmento

RevisãoProjeto gráfico, arte, editoração e produção gráfica

Mare Magnum Artes Gráficas

IlustraçõesAdriana Alves

[...] nós envelheceremos um dia, se tivermos este privilégio. Olhemos, portanto, para as pessoas idosas como nós seremos no futuro. Reconheçamos que as pessoas idosas são únicas, com necessidades e talentos e capacidades individuais, e não um grupo homogêneo por causa da idade.

Kofi annan, ex-secretário-geral da oNu.

Prezado(a) leitor(a),

Temos a grata satisfação de fazer a apresentação deste material elaborado pela

Secretaria Estadual de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo (SeadS)

e pela Fundação Padre Anchieta – TV Cultura.

Um dos objetivos do Plano Estadual para a Pessoa Idosa do Governo do Estado de

São Paulo – Futuridade, coordenado pela SeadS, é propiciar formação permanente

de profissionais para atuar com a população idosa, notadamente nas Diretorias

Regionais de Assistência Social (dradS).

No total, esta série contém dez livros e um vídeo, contemplando os seguintes

conteúdos: o envelhecimento humano em suas múltiplas dimensões: biológica,

psicológica, cultural e social; legislações destinadas ao público idoso; informações

sobre o cuidado com uma pessoa idosa; o envelhecimento na perspectiva da

cidadania e como projeto educativo na escola; e reflexões sobre maus-tratos e

violência contra idosos.

Direitos de cópia

Serão permitidas a cópia e a distribuição dos textos integrantes desta obra sob as seguintes condições: devem ser dados créditos à SeaDS – Secretaria estadual de assistência e

Desenvolvimento Social do estado de São Paulo e aos autores de cada texto; esta obra não pode ser usada com finalidades comerciais; a obra não pode ser alterada,

transformada ou utilizada para criar outra obra com base nesta; esta obra está licenciada pela licença Creative Commons 2.5 Br

(informe-se sobre este licenciamento em http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/2.5/br/)

as imagens fotográficas e ilustrações não estão incluídas neste licenciamento.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Duarte, Yeda aparecida de oliveira manual dos formadores de cuidadores de pessoas idosas / Yeda

aparecida de oliveira Duarte ; [coordenação geral Áurea eleotério Soares Barroso]. -- São Paulo : Secretaria estadual de assistência e Desenvolvimento Social : Fundação Padre anchieta, 2009.

Bibliografia.

1. administração pública 2. Cidadania 3. envelhecimento 4. idosos - Cuidados 5. Planejamento social 6. Política social 7. Políticas públicas 8. Qualidade de vida 9. Serviço social junto a idosos i. Barroso, Áurea eleotério Soares. ii. Título.

09-09500 CDD-362.6

Índices para catálogo sistemático:1. São Paulo : estado : idosos : estado e assistência e

desenvolvimento social : Bem-estar social 362.6 2. São Paulo : estado : Plano estadual para a Pessoa idosa-

Futuridade : Bem-estar social 362.6

Com esta publicação, destinada aos profissionais que desenvolvem ações com

idosos no Estado de São Paulo, o Futuridade dá um passo importante ao

disponibilizar recursos para uma atuação cada vez mais qualificada e uma prática

baseada em fundamentos éticos e humanos.

Muito nos honra estabelecer esta parceria entre a SeadS e a Fundação

Padre Anchieta – TV Cultura, instituição que acumula inúmeros prêmios em

sua trajetória, em razão de serviços prestados sempre com qualidade.

Desejo a todos uma boa leitura.

Um abraço,

Rita PassosSecretária Estadual de Assistência e Desenvolvimento Social

Manual dos formadores de cuidadores de pessoas idosas

Yeda Aparecida de Oliveira Duarte é professora livre-docente da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (USP), gerontóloga e criadora do pri-meiro curso de graduação em Gerontologia do Brasil, na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP (EACH/USP).

Sumário

Capítulo 1

Eixos norteadores para cursos de formadores de cuidadores de pessoas idosas e de cuidadores de pessoas idosas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

Formadores de cuidadores de pessoas idosas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

I. Quem se quer formar? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

II. Por que se quer ou necessita formar essas pessoas? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

III. Quem será o formador e como se preconiza o ensino? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

IV. O que é necessário ensinar nos cursos de formadores e de cuidadores? . . . . . . . . 30

Cursos de formadores de cuidadores de pessoas idosas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

Cursos de cuidadores de pessoas idosas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38

Capítulo 2

A construção de uma relação de ajuda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

Primeiros passos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42

Características necessárias para construir uma relação de ajuda . . . . . . . . . . . . . . . . . .47

Capacidade de escuta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .47

Capacidade de clarificar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49

Capacidade de respeitar-se e de respeitar o idoso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50

Capacidade de ser congruente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52

Capacidade de ser empático . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53

Capacidade de confrontação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54

Capítulo 3

Atitudes, mitos e estereótipos relacionados ao envelhecimento e ao cuidado com a pessoa idosa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

Atitudes, mitos e estereótipos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60

Capítulo 4

Facilitando o desenvolvimento de atividades de vida diária: sono e repouso . . . . . . 68

O sono como ritmo biológico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69

Padrão de sono e suas modificações com o envelhecimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .70

Recomendações quanto ao uso de medicamentos para dormir . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .75

Sugestões para um sono de melhor qualidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .76

11

Auxiliando a pessoa idosa em suas atividades cotidianas

P ode-se considerar “saúde” para a pessoa idosa a resultante da interação multidimensional de saúde física e mental, autonomia nas atividades de vida diária, integração social, suporte familiar

e independência econômica. Qualquer dessas dimensões, associada a outra ou não, quando comprometida, pode afetar a capacidade do indivíduo de viver de forma autônoma e independente, repercutindo, por consequência, em sua qualidade de vida.

Nesse grupo etário não é rara a ocorrência de múltiplas doenças si-multâneas (polimorbidade), em sua maioria de natureza crônica, cujas sequelas podem ocasionar incapacidade ou dificuldade de de-sempenho das atividades cotidianas, gerando, muitas vezes, quadros de dependência.

a dependência aumenta a demanda por serviços sociais e de saúde. assistir o idoso dependente pode ser uma tarefa fisicamente extenuante, pois em geral implica sobrecarga da família, que costuma ser a prin-

Capítulo 5

Facilitando o desenvolvimento de atividades de vida diária: alimentação . . . . . . . . . .79

Funções dos alimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81

Capítulo 6

Facilitando o desenvolvimento de atividades de vida diária: higiene, vestimenta e conforto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90

Higiene corporal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90

As pessoas idosas realmente necessitam de banho diário? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93

Princípios gerais para o banho de pessoas idosas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96

Produtos para o cuidado com a pele utilizados no banho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .97

Tipos de banho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98

Cuidados durante o banho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100

Cuidado com as unhas das mãos e dos pés . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100

Higiene oral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102

Cuidados com o vestuário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103

Capítulo 7

Facilitando o desenvolvimento de atividades de vida diária: administração de medicamentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .105

Aspectos gerais da aquisição de medicamentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110

Aspectos gerais da administração de medicamentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .111

Capítulo 8

Facilitando o desenvolvimento de atividades de vida diária: mecanismos corporais, mobilização e transferência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115

Movimento humano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116

Impacto do envelhecimento nas estruturas ligadas ao movimento humano . . . . . . .123

Mecânica corporal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .125

Aplicação da mecânica corporal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127

Mobilização e transporte de pessoas idosas mais dependentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . .128

Auxílio na movimentação na cama de idosos mais dependentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . .129

Auxílio no transporte de idosos mais dependentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .132

Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .135

Manual dos formadores de cuidadores de pessoas idosas

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AuxiliAndo A pessoA idosA em suAs AtividAdes cotidiAnAs

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cipal provedora de atenção a idosos portadores de incapacidades. outro fator preocupante é que muitos cuidadores de idosos com dependência também são idosos e, por essa razão, podem ter seu potencial de auxílio reduzido.

ressaltam-se as mudanças que vêm ocorrendo na estrutura e contex-to das famílias. No Brasil, a maior parte das que contam com presen-ça de idosos é pequena, com pessoas em etapas do ciclo vital mais avançadas. Soma-se a isso o fato de mais mulheres ocuparem, hoje, a condição de chefe do núcleo familiar e estarem cada vez mais tra-balhando fora de casa; tradicionalmente, era delegado a elas o papel de cuidadoras de pessoas doentes ou com mais dependência. essas mudanças têm feito com que diversos idosos com algum grau de dependência não sejam assistidos, podendo sua condição agravar-se. Torna-se, assim, fundamental a criação de mecanismos sociais que garantam esse cuidado.

em vista da situação de desamparo em que se encontram muitos idosos mais dependentes, o treinamento e a disponibilização de pes-soas para seu cuidado são urgentes e imprescindíveis. a adequação das políticas públicas no atendimento de tais demandas ainda está aquém da necessidade existente. Perante esse quadro, o desafio que se coloca é formular propostas e ações que equacionem problemas e avancem no esforço de criar uma rede de assistência à população idosa mais vulnerável e fragilizada.

um dos passos nessa construção é o desenvolvimento de um conjun-to de informações padronizadas que visem a auxiliar uma capacitação mais homogênea dos cuidadores e, assim, permitir que essa ocupação evolua para profissão, com pessoal bem preparado e numericamente disponível para atender às demandas da sociedade. Diante disso, a Secretaria de assistência e Desenvolvimento Social do estado de São Paulo (Seads), buscando traçar as diretrizes de uma política de aten-ção à pessoa idosa adequada, elaborou, como uma de suas principais

linhas de atuação, um programa de capacitação global destinado a desenvolver mão de obra qualificada para assistir os idosos mais de-pendentes segundo um eixo de orientação uniforme. esse programa tem por objetivos:

Fornecer um “olhar gerontológico” aos profissionais que trabalham •com idosos. orientar os formadores de cuidadores de pessoas idosas e os próprios •cuidadores.

Tal iniciativa vem contribuir para o desenvolvimento de ações plane-jadas e programadas que visem à construção de uma rede de atenção e cuidados às pessoas idosas que lhes permita envelhecer sem teme-ridade, com dignidade e respeito.

este material representa parte da concretização de tais ações. Teve por base os trabalhos desenvolvidos nessa área, associados às melhores práticas (evidências). Não tem, no entanto, a intenção de ser um fim em si mesmo; procura apenas fornecer um direcionamento mínimo e mais homogêneo na construção de um cuidado adequado às de-mandas assistenciais das pessoas idosas. espera-se que seu conteúdo seja analisado e adaptado às realidades de cada região.

15

A oficina realizada em Blumenau (SC), em maio de 2007, coor-denada pela Área Técnica de Saúde da Pessoa idosa e pelo Departamento de Gestão da educação na Saúde (Deges) do

ministério da Saúde, tratou especificamente dos cur-sos de formadores de cuidadores de pessoas idosas e de cuidadores de pessoas idosas. a seguir, faremos uma síntese dos conteúdos trabalhados nessa ocasião.

uma de suas principais discussões versou sobre a ne-cessidade de homogeneizar a formação de formadores, em decorrência das grandes disparidades entre os cur-sos de graduação na área de saúde no que se refere ao ensino de tópicos relacionados ao envelhecimento (geriatria e gerontologia). Geralmente, os formadores são das áreas de saúde, educação ou serviço social ou estão ligados a elas.

Capítulo 1

Eixos norteadores para cursos de formadores de cuidadores de pessoas idosas e de cuidadores de pessoas idosas

Manual dos formadores de cuidadores de pessoas idosas

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eixos norteAdores pArA cursos de formAdores de cuidAdores de pessoAs idosAs e de cuidAdores de pessoAs idosAs

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embora seja preconizada pela Política Nacional do idoso a introdução de conteúdos específicos nos diferentes currículos de graduação, sabe- -se que isso, ainda hoje, está aquém do necessário.

Na oficina, foi consenso que o formador deve ter conhecimentos básicos sobre envelhecimento populacional e individual (nos am-plos aspectos) e sobre cuidados com pessoas idosas com vários níveis de dependência, de diversas culturas e contextos sociais, e, na orientação de cuidadores, adaptar esses conhecimentos às rea-lidades locais, buscando sempre uma construção conjunta e uti-lizando práticas pedagógicas que problematizem o processo de trabalho do cuidador.

Formadores de cuidadores de pessoas idosas

No que tange a esse grupo, a oficina teve por objetivos:assegurar a formação docente integral dos profissionais envolvidos •nos processos de qualificação/formação, tendo como referência central o significado social da ação educativa no âmbito da saúde pública e, especialmente, na formação do cuidador de idosos.Constituir um docente crítico, capaz de aprender a aprender, de •trabalhar em equipe, de levar em conta a realidade social para pres-tar atenção humana de qualidade.estimular práticas de atenção à saúde, voltadas ao fortalecimento •de ações de recuperação, promoção e prevenção, oferecendo cuida-do integral e autonomia das pessoas na produção da saúde.

a formação desse profissional deve:levar em conta o contexto sociopolítico, em interface com a assis-•tência social, a saúde, a educação e o meio ambiente.atender às expectativas dos setores envolvidos para mudanças efe-•tivas das práticas de atenção à saúde – ampliação do acesso e da cobertura para a população idosa.

ao final de sua preparação, o formador tem de ser capaz de:Desenvolver ações que busquem a integração entre as equipes de •saúde e a população idosa, considerando as características e as finalidades do trabalho de acompanhamento dos idosos com dependência.realizar, em conjunto com a equipe, atividades de planejamento e •avaliação das ações no âmbito de atuação de cada profissional. Conduzir ações de promoção social e de proteção e desenvolvimen-•to da cidadania nas áreas social e da saúde.

Para a adequação do conteúdo, devem ser feitas as seguintes perguntas:Quem se quer formar?•Por que se quer ou necessita formar essas pessoas?•Quem será o formador e como se preconiza o ensino? •o que é necessário ensinar nos cursos de formadores e de cuidadores?•

a seguir, apresentamos a síntese dos resultados dessas discussões.A

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Manual dos formadores de cuidadores de pessoas idosas

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eixos norteAdores pArA cursos de formAdores de cuidAdores de pessoAs idosAs e de cuidAdores de pessoAs idosAs

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I. Quem se quer formar?

Cuidadores de pessoas idosas podem ser definidos como as pessoas que cuidam de idosos com dependência, desenvolvendo ações que promovam a melhoria de sua qualidade de vida em relação a si, à família e à sociedade. Suas ações fazem interface principalmente com a saúde, a educação e a assistência social e devem ser pautadas pela solidariedade, compaixão, paciência e equilíbrio emocional.

os cuidadores podem ser familiares, agregados à família ou profissionais (para atuar em domicílio ou em instituições). os requisitos mínimos, os conteúdos e as estratégias de abor-dagem nos cursos a serem realizados diferem, dependendo do público-alvo.

os cursos para cuidadores familiares destinam-se, de modo geral, a parentes disponíveis para assumir essa função. Pode-se, portanto, lidar com pessoas de diferentes níveis culturais e graus de escolarização. Não é incomum que muitos cuidado-res familiares tenham baixa escolaridade ou não sejam alfa-betizados. embora isso possa comprometer o cuidado a ser ministrado, bem como a capacidade de absorver os conteúdos previstos, é uma realidade com que se tem de trabalhar.

De modo geral, os cursos para cuidadores familiares têm por objetivos:

Fornecer-lhes instrumentos para que cuidem da pessoa ido-•sa sob sua responsabilidade da melhor forma possível.Facilitar seu dia a dia.•minimizar sua ansiedade na realização desse cuidado, para •o qual não se sentem capazes (em todos os aspectos, incluin-do o emocional).

o formador deve lembrar que, em geral, as pessoas não es-peram se tornar cuidadoras de seus parentes idosos e não se

prepararam para esse fim. Com muita frequência, assumem essa fun-ção em circunstâncias mais ou menos repentinas e veem, assim, seu mundo se transformar rapidamente (necessidade de abandonar o trabalho, de realocar horários, de dispor de parte ou de quase toda a vida pessoal; gastos elevados e, quase sempre, nenhuma remunera-ção pela atividade; baixa valorização e pouco reconhecimento da atividade por outros familiares e pelo próprio idoso assistido; confli-tos familiares antes não tão evidentes; pouca ou nenhuma colabora-ção de outros membros da família).

isso costuma gerar o que se denomina “sofrimento oculto” do cuida-dor, que é expresso por estresse e sofrimento, angústia, sentimento de culpa (por algumas vezes negligenciar o cuidado ou gritar com a pessoa de quem cuida), ira e agressividade (com o idoso e com a fa-mília), embaraço (na presença de outras pessoas, sobretudo com idosos com demência), fadiga física e emocional. essas situações serão mais ou menos acentuadas dependendo da funcionalidade familiar, ou seja, da capacidade da família de se reorganizar diante de tal im-previsto (o de contar com uma pessoa idosa dependente).

Os cuidadores de pessoas idosas devem desenvolver ações que promovam a melhoria de sua qualidade de vida em relação a si, à família e à sociedade.

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Manual dos formadores de cuidadores de pessoas idosas

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eixos norteAdores pArA cursos de formAdores de cuidAdores de pessoAs idosAs e de cuidAdores de pessoAs idosAs

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a outra linha de formação de cuidadores visa à capacitação profissio-nal. atualmente, os cuidadores aparecem na Classificação Brasileira

de ocupações (CBo)1 na família 5162 – Cuidadores de crianças, jovens, adultos e idosos.

a ocupação é denominada “Cuidador de idosos” (código 5162-10) e tem como sinônimos “acompanhante de idosos, Cuidador de pes-soas idosas e dependentes, Cuidador de idosos domiciliar, Cuidador de idosos institucional, Gero-sitter”.

Sua função primária é:Cuidar de idosos, a partir de objetivos estabelecidos por instituições es-pecializadas ou responsáveis diretos, zelando pelo bem-estar, saúde, alimentação, higiene pessoal, educação, cultura, recreação e lazer da pessoa assistida.

a CBo deixa claro que essa ocupação não integra a família 3222 – Técnicos e auxiliares de enfermagem, minimizando quaisquer dúvidas que possam ser levantadas pelos respectivos conselhos profissionais.

as condições gerais de trabalho são as seguintes:O trabalho é exercido em domicílios ou instituições cuidadoras [...] de idosos. As atividades são exercidas com alguma forma de supervisão, na condição de trabalho autônomo ou assalariado. Os horários de trabalho são variados: tempo integral, revezamento de turno ou períodos deter-minados. No caso de cuidadores de indivíduos com alteração de com-portamento, estão sujeitos a lidar com situações de agressividade.

a CBo também descreve a formação e experiência dos cuidadores em geral:

Essas ocupações são acessíveis a pessoas com dois anos de experiência em domicílios ou instituições cuidadoras públicas, privadas ou ONGs, em funções supervisionadas de pajem, mãe-substituta ou auxiliar de cuidador, cuidando de pessoas das mais variadas idades. O acesso ao emprego também ocorre por meio de cursos e treinamentos de formação

profissional básicos, concomitante ou após a formação mínima, que varia da quarta série do ensino fundamental até o ensino médio. Podem ter acesso os trabalhadores que estão sendo reconvertidos da ocupação de atendentes de enfermagem. No caso de atendimento a indivíduos com elevado grau de dependência, exige-se formação na área de saúde, devendo o profissional ser classificado na função de técnico/auxiliar de enferma-gem. A(s) ocupação(ões) elencada(s) nesta família ocupacional demanda(m) formação profissional para efeitos do cálculo do número de aprendizes a serem contratados pelos estabelecimentos, nos termos do artigo 429 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), exceto os casos previstos no art. 10 do Decreto 5.598/2005.

as áreas de atividades e suas especificações envolvem: a) Cuidar da pessoa idosa:

Cuidar da aparência e higiene pessoal. �

Observar os horários das atividades diárias. �

Ajudar no banho, na alimentação, no andar e nas necessidades �

fisiológicas.

1. Disponível em: <http://www.mtecbo.gov.br>.

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eixos norteAdores pArA cursos de formAdores de cuidAdores de pessoAs idosAs e de cuidAdores de pessoAs idosAs

23

Estar atento às ações da pessoa idosa. �

Verificar as informações dadas pela pessoa idosa. �

Informar-se do dia a dia da pessoa idosa no retorno de sua folga. �

Relatar o dia a dia da pessoa idosa aos responsáveis. �

Manter o lazer e a recreação no dia a dia. �

Desestimular a agressividade da pessoa idosa. �

b) Promover o bem-estar:Ouvir a pessoa idosa, respeitando sua necessidade individual de �

falar.Dar apoio psicológico e emocional. �

Ajudar na recuperação da autoestima, dos valores e da �

afetividade.Promover momentos de afetividade. �

Estimular a independência. �

Auxiliar e respeitar a pessoa idosa em sua necessidade espiritual e �

religiosa.

c) Cuidar da alimentação da pessoa idosa:Participar da elaboração do cardápio. �

Verificar a despensa. �

Observar a qualidade e a validade dos alimentos. �

Fazer as compras conforme lista e cardápio. �

Preparar a alimentação. �

Servir a refeição em ambientes e em porções adequadas. �

Estimular e controlar a ingestão de líquidos e de alimentos �

variados.Reeducar os hábitos alimentares. �

d) Cuidar da saúde:Observar temperatura, urina, fezes e vômitos. �

Controlar e observar a qualidade do sono. �

Ajudar nas terapias ocupacionais e físicas. �

Ter cuidados especiais com deficiências e dependências físicas. �

Manusear adequadamente. �

Observar alterações físicas. �

Observar alterações de comportamento. �

Lidar com comportamentos compulsivos e evitar ferimentos. �

Controlar armazenamento, horário e ingestão de medicamentos, �

em domicílios.Acompanhar a pessoa idosa em consultas e �

atendimentos médico-hospitalares.Relatar a orientação médica aos responsáveis. �

Seguir a orientação médica. �

e) Cuidar do ambiente domiciliar e/ou institucional:Cuidar dos afazeres domésticos. �

Manter o ambiente organizado e limpo. �

Promover adequação ambiental. �

A CBO descreve a formação e experiência dos cuidadores, detalhasuas atividades e lista as competências pessoais.

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Prevenir acidentes. �

Fazer compras para a casa e para a pessoa idosa. �

Administrar finanças. �

Cuidar da roupa e objetos pessoais da pessoa idosa. �

Preparar o leito de acordo com as necessidades da pessoa idosa. �

f ) Incentivar a cultura e a educação:Estimular o gosto pela música, dança e esporte. �

Selecionar jornais, livros e revistas. �

Ler histórias, textos e jornais para a pessoa idosa. �

Organizar biblioteca doméstica. �

g) Acompanhar em passeios, viagens e férias:Planejar e fazer passeios. �

Listar objetos de viagem. �

Arrumar a bagagem. �

Preparar a mala de remédios. �

Preparar documentos e lista de telefones úteis. �

Preparar alimentação da viagem com antecedência. �

Acompanhar a pessoa idosa em atividade sociais e culturais. �

Como competências pessoais do cuidador, a CBo lista as seguintes:1. Manter capacidade e preparo físico, emocional e espiritual.2. Cuidar de sua aparência e higiene pessoal.3. Demonstrar educação e boas maneiras.4. Adaptar-se a diferentes estruturas e padrões familiares e comunitários.5. Respeitar a privacidade da pessoa idosa.6. Demonstrar sensibilidade e paciência.7. Saber ouvir.8. Perceber e suprir carências afetivas.9. Manter a calma em situações críticas.10. Demonstrar discrição.11. Observar e tomar resoluções.

12. Em situações especiais, superar seus limites físicos e emocionais.13. Manter otimismo em situações adversas.14. Reconhecer suas limitações e quando e onde procurar ajuda.15. Demonstrar criatividade.16. Lidar com a agressividade.17. Lidar com seus sentimentos negativos e frustrações.18. Lidar com perdas e mortes.19. Buscar informações e orientações técnicas.20. Obedecer a normas e estatutos.21. Reciclar-se e atualizar-se por meio de encontros, palestras, cursos e

seminários.22. Respeitar a disposição dos objetos da pessoa idosa.23. Dominar noções primárias de saúde.24. Dominar técnicas de movimentação para a pessoa idosa não se

machucar.25. Dominar noções de economia e atividade doméstica.26. Conciliar tempo de trabalho com tempo de folga.27. Doar-se.28. Demonstrar honestidade.29. Conduta moral.

Cabe ressaltar que, como essas informações foram publicadas em 2002, muito se evoluiu na questão dos cuidadores profissionais e será necessária uma revisão de tal descrição.

um dos pontos principais relaciona-se à formação: apenas expe-riência anterior não deve ser considerada qualificação que exclua a capacitação.

Quanto aos requisitos mínimos, a escolaridade é um tema controverso. especialistas da área de

gerontologia preconizam que o cuidador profissional deve ter, pelo menos, o ensino fundamental. Não se aceita

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a formação de um cuidador profissional sem escolaridade mínima, diferentemente do cuidador familiar. No projeto do ministério da Saúde, como a formação dos cuidadores no âmbito público ficaria a cargo (mas não exclusivamente) das escolas Técnicas de Saúde, esse requisito se elevaria para o ensino médio, dadas as características das instituições. Como a CBo ainda não foi revista e a ocupação não é regulamentada, esse tópico precisa ser mais bem discutido para que se chegue a um consenso.

II. Por que se quer ou necessita formar essas pessoas?

Sobretudo pelo expressivo crescimento da população idosa, que não tem sido acompanhado por aumento similar do número de cuidado-res disponíveis – em vez disso, está decrescendo com o passar do tempo, influenciado pela queda da taxa de fecundidade e pelas com-posições familiares cada vez menores. os índices de suporte e de dependência são utilizados como indicadores brutos das futuras ne-

cessidades de cuidados. Nos estados unidos, em 1980, havia 11 potenciais cuidadores para cada idoso; estima-se que essa média declinará para dez em 2010, para seis em 2030 e para quatro em 2050.

Soma-se a isso a crescente entrada das mulheres no mer-cado de trabalho, antes as principais cuidadoras de seus parentes idosos. Pesquisas demonstram que as

norte-americanas gastam cerca de 17 anos cuidan-do dos filhos e 18 dos pais e que hoje elas cuidam mais dos pais que dos filhos.

e ainda devem ser consideradas as alterações na dinâmica de estudo e trabalho em muitos países, o que faz com que os idosos passem a viver longe de seus parentes. os filhos podem tra-balhar em outros locais, enquanto os pais

permanecem em sua cidade natal. estudo norte-americano constatou que pelo menos um terço de todos os filhos adultos mora a pelo menos 30 minutos de distância dos pais.

em grandes centros urbanos, destaque-se também o aumento do índice de violência, levando os filhos a falecer antes de seus pais.

esses fatores mostram que as pessoas idosas podem estar vulneráveis ao “não cuidado” caso apresentem qualquer problema mais incapa-citante, pois seus familiares, que, ainda hoje, representam a principal fonte de cuidados, nem sempre estão facilmente disponíveis para atendê-las nessas situações de crise. isso tende a agravar o que seria um pequeno problema, por falta de assistência no tempo adequado, acarretando, muitas vezes, consequências irreparáveis.

É nesse contexto que urge a formação de pessoas habilitadas para cuidar de pessoas idosas, modificando o panorama ora instalado.

III. Quem será o formador e como se preconiza o ensino?

o consenso é o de que sejam profissionais de nível universitário das áreas de saúde, educação e serviço social, desde que com conhecimen-tos gerais de saúde com ênfase no cuidado e específicos de geronto-logia. o formador também deve ter ou desenvolver conhecimentos pedagógicos relacionados ao processo de ensino-aprendizagem, des-critos sinteticamente a seguir.

Nem sempre a intenção de ensinar é traduzida em efe-tivação do aprendizado. mesmo com a intenção since-ra de ensinar, se o aluno não aprendeu, a meta (apreen-são, apropriação do conteúdo por ele) não foi atingida, ou seja, o ensino não ocorreu. a pessoa que recebe uma informação nova tem de ser capaz de repassá-la e, para tanto, precisa apreender a informação, apropriando-se desse conhecimento. Para apreender é necessário agir,

O número de cuidadores disponíveis deve acompanhar o expressivo crescimento da população idosa.

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exercitar-se, informar-se, tomar para si, apropriar-se do objeto em estudo. aprender deriva de apreender e significa tomar conhecimen-to, reter na memória mediante estudo.

o processo de ensino-aprendizagem decorre de ações efetivadas den-tro e fora da sala de aula. É imprescindível o envolvimento comparti-lhado com o conhecimento, que deve possibilitar o “pensar a situação” para que o aluno possa reelaborar as relações dos conteúdos, indo, portanto, além de “o quê?” e “como?”.

Nesse processo, o professor, no caso o formador, prepara e dirige as atividades e ações com base em estratégias se-lecionadas e leva os alunos a desenvolver processos de mobilização, construção e elaboração da síntese do conheci-mento para assim chegarem ao que se chama “compreen-são”. Com isso, eles serão capazes de reproduzir o que foi aprendido em qualquer circunstância, pois um processo de reflexão foi estabelecido conjuntamente.

Compreender é aprender o significado de um objeto ou de um acontecimento e visualizá-lo em suas relações com outros objetos e acontecimentos, compondo feixes de relações entrelaçados ou redes (construídas socialmente e em permanente estado de atualização).

o principal desafio é conseguir que os alunos desenvolvam a capaci-dade de abstração, ou seja, de reconstrução do objeto apreendido pela concepção de noções e princípios independentemente do modelo ou exemplo estudado/apresentado.

isso poderá ser desenvolvido pelo uso de diferentes estratégias. es-tratégias são ferramentas facilitadoras definidas pelos formadores durante o processo de ensino-aprendizagem para que os alunos se apropriem do conhecimento. exigem de quem as utiliza criativida-de, percepção aguçada, vivência pessoal profunda e renovadora,

além da capacidade de pôr em prática uma ideia valendo-se da fa-culdade de dominar o objeto trabalhado.

o formador deve utilizar estratégias que desafiem ou possibilitem que as operações de pensamento sejam despertadas, exercitadas, cons-truídas e flexibilizadas pelas necessárias rupturas por meio da mobi-lização, da construção e das sínteses – vistas e revistas. lidar com diferentes estratégias, no entanto, não é fácil.

Há predominância da exposição de conteúdos (aulas expositivas e palestras) – estratégia funcional para a passagem de informações e me-morização – por ser bem-aceita tanto pelos professores como pelos alunos. os conteúdos são passados prontos, acabados e determinados. outras estratégias têm sido preconizadas na formação de cuidadores, entre elas: aula expositiva dialogada; portfólio; tempestade cerebral (brainstorming); estudo dirigido; fórum de discussão; solução de pro-

O formador pode usar diferentes estratégias para facilitar a apropriação do conhecimento pelos alunos.

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blemas; grupos de verbalização e de observação; dramatização; estu-dos de caso; oficinas de trabalho.

o uso das estratégias requer habilidade, organização, preparação cuidadosa, planejamento compartilhado e mutuamente comprome-tido com o aluno, que, como sujeito de seu processo de aprendizagem, atuará de maneira ativa.

Para a adequada utilização de estratégias pedagógicas diferenciadas com habilidade, talvez seja necessário que os formadores participem de oficinas pedagógicas, ou seja, grupos em que os professores estudam e trabalham um tema/problema, sob a orientação de um especialista, aliando teoria e prática. Com isso, eles aprenderão a fazer melhor seu trabalho mediante a aplicação e o processamento de conceitos e co-nhecimentos previamente adquiridos.

IV. O que é necessário ensinar nos cursos de formadores e de cuidadores?

Para o desenvolvimento dos cursos, foram definidos alguns eixos inte-gradores e as competências e habilidades mínimas a eles relacionadas.

Eixo 1 – Interação e comunicação

Competências a serem desenvolvidas

No final do curso, o cuidador deverá ser capaz de:Desenvolver ações que estimulem o processo de interação e comu-•nicação entre o idoso, seus familiares e a comunidade.Compreender/interpretar as mensagens verbais e não verbais do •idoso e se fazer entender.Promover/fazer a inter-relação entre família-serviços-comunidade •(rede).Compreender e reconhecer o processo de comunicação do idoso •(verbal e não verbal).

Para atender a esse eixo, no final do curso, o cuidador deverá ter habilidade para:

Estimular a pessoa idosa na manutenção do convívio familiar e �

social.Propor atividades que estimulem o uso da linguagem oral e de �

outras formas de comunicação pela pessoa idosa.Promover, na família, ambiente favorável à conversação com a �

pessoa idosa.Incentivar a socialização da pessoa idosa por meio da participação �

em grupos, tais como: grupos de acompanhamento terapêutico, de atividades socioculturais, de práticas corporais/físicas e outros.Identificar redes de apoio na comunidade e estimular a participação �

da pessoa idosa, conforme orientações do plano de cuidado.Apoiar a pessoa idosa na execução das atividades instrumentais de �

vida diária.

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Utilizar recursos de informação e comunicação adequados à �

pessoa idosa.Verificar a necessidade e/ou condições de órteses (bengalas, �

andadores etc.) e próteses dentárias, auditivas e oculares.Favorecer a leitura labial pela pessoa idosa durante as �

conversações.Utilizar linguagem clara e precisa com a pessoa idosa e seus �

familiares.

Eixo 2 – Cuidados em relação às atividades do “andar da vida”

Competências a serem desenvolvidas

No final do curso, o cuidador deverá ser capaz de:identificar as necessidades de cuidado.•reconhecer a possibilidade de independência e a autonomia do •idoso para a realização das atividades de vida diária (aVDs) e, a partir daí, organizar as atividades de suporte.

atuar de forma a estimular o resgate e/ou manutenção da indepen-•dência e autonomia do idoso.Conhecer/reconhecer/identificar o nível/tipo de dependência do •idoso, a fim de auxiliar o desempenho de suas aVDs na medida de suas necessidades

Para atender a esse eixo, no final do curso, o cuidador deverá ter habilidade para:

Identificar a relação entre problemas de saúde �

e condições de vida.Coletar informações sobre a história de vida �

e de saúde da pessoa idosa.Identificar o contexto familiar e social de vida da �

pessoa idosa.Identificar valores culturais, éticos, espirituais e �

religiosos da pessoa idosa e de sua família.Participar da elaboração do plano de cuidado para �

a pessoa idosa, sua implementação, avaliação e reprogramação com a equipe de saúde.Realizar ações de acompanhamento e cuidado da pessoa idosa com �

dependência, conforme as demandas e necessidades identificadas.Identificar situações e hábitos presentes no contexto de vida do idoso �

que são potencialmente promotores ou prejudiciais a sua saúde. Estimular a autonomia e independência da pessoa idosa em face �

de suas necessidades. Apoiar a pessoa idosa na execução das atividades de vida diária, �

conforme o plano de cuidado.Apoiar a pessoa idosa na execução das atividades instrumentais �

de vida diária.Sensibilizar a pessoa idosa e sua família quanto à necessidade �

de mudanças graduais e contínuas de hábitos e atitudes, a fim de facilitar a vida do idoso.

No final do curso, o cuidador deverá ter desenvolvido uma série de competências e habilidades específicas.

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Atentar para possíveis reações indesejadas em relação ao uso �

de medicamentos.Providenciar suporte adequado às necessidades específicas da �

pessoa idosa.Atentar para a necessidade e/ou para as condições das próteses �

e órteses em uso pela pessoa idosa.Estimular a prática de atividades que diminuam o risco de �

doenças crônicas, conforme orientações do plano de cuidado.Identificar sinais de fragilização da pessoa idosa. �

Identificar sinais de depressão e demência na pessoa idosa �

e encaminhá-la para os cuidados específicos.Encaminhar o idoso para atendimento à saúde, quando �

necessário.Acompanhar o idoso no uso da medicação. �

Acompanhar a situação vacinal da pessoa idosa. �

Orientar a família e atuar no caso de óbito da pessoa idosa. �

Eixo 3 – Prontidão para agir em situações imprevistas

Competências a serem desenvolvidas

No final do curso, o cuidador deverá ser capaz de:reconhecer situações de urgência e emergência e realizar os pri-•meiros socorros e demais ações sob orientação do profissional responsável. agir com prontidão e presteza em situações imprevistas dentro do •limite de suas atribuições.

Para atender a esse eixo, no final do curso, o cuidador deverá ter habilidade para:

Reconhecer situações de urgência e emergência. �

Realizar primeiros socorros. �

Providenciar atendimento de suporte. �

Eixo 4 – Prevenção de riscos, acidentes e violência

Competências a serem desenvolvidas

No final do curso, o cuidador deverá ser capaz de:identificar e reconhecer situações de risco à integridade física e •psicológica da pessoa idosa a fim de evitar situações de agravo. Promover ambiente seguro.•

Para atender a esse eixo, no final do curso, o cuidador deverá ter habilidade para:

Identificar as situações de risco de violência. �

Prevenir, atuar e mobilizar os recursos que reduzam riscos. �

Analisar os riscos sociais e ambientais à saúde da pessoa idosa �

com dependência.Avaliar as condições de risco de acidentes �

domésticos e propor alternativas para resolução ou minimização.Identificar as situações de �

autonegligência e promover os encaminhamentos necessários. Reconhecer os sinais de maus-tratos �

e promover os encaminhamentos necessários.Identificar as situações de violência �

intra e extrafamiliar.Estimular a pessoa idosa e seus �

familiares a participar de programas sociais locais que envolvam orientação e prevenção da violência intra e extrafamiliar, dentre outros.Notificar caso suspeito ou confirmado �

de violência contra a pessoa idosa.

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Eixo 5 – Direitos da pessoa idosa

Competências a serem desenvolvidas

No final do curso, o cuidador deverá ser capaz de:Conhecer a legislação e os recursos para promover a garantia dos •direitos.identificar espaços de reivindicação dos direitos da pessoa idosa.•

Para atender a esse eixo, no final do curso, o cuidador deverá ter habilidade para:

Identificar as situações que apontem negligência aos direitos da �

pessoa idosa e promover os encaminhamentos necessários. Reconhecer e saber utilizar os mecanismos que asseguram os �

direitos dos idosos como cidadãos.Garantir o acesso da pessoa idosa a seus direitos legais utilizando �

os meios e recursos disponíveis.Divulgar para a pessoa idosa, para seus familiares e para a comunidade �

a legislação em vigência sobre os direitos dos idosos.

os conteúdos ministrados visam a atender às competências e habili-dades a serem desenvolvidas. a carga horária prevista para os cursos é de 160 horas, integrando conteúdos presenciais, não presenciais e atividades práticas.

Com base nessa proposta, a escola de enfermagem da universidade de São Paulo iniciou o desenvolvimento de tais cursos e acrescentou que, para certificação, os participantes deveriam elaborar e executar, em grupos de, no máximo, cinco pessoas, um curso para, no mínimo, dez cuidadores. Só seriam certificados como formadores os que tives-sem seus cursos aprovados segundo critérios preestabelecidos e antecipadamente divulgados, após avaliação em todas as fases (pla-nejamento, execução e avaliação).

a seguir, apresentamos uma sugestão de conteúdo mínimo para de-senvolvimento dos cursos.

Cursos de formadores de cuidadores de pessoas idosas

oficinas pedagógicas – estratégias de ensino-aprendizagem voltadas •ao ensino de adultosenvelhecimento da população e da pessoa – aspectos epidemioló-•gicos e psicossociaisenvelhecimento da população e da pessoa – aspectos sociais•envelhecimento da população e da pessoa – aspectos psicológicos•envelhecimento da população e da pessoa – aspectos biofisioló-•gicos (senescência)aspectos funcionais do envelhecimento humano: autonomia, •dependência e independênciaa construção e manutenção de uma rede de suporte social e familiar •no transcorrer da vidaCuidadores: definição, papéis, direitos e deveres (familiar, domici-•liar, institucional, acompanhantes de idosos)

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Desenvolvimento de uma relação de ajuda•Facilitando o desenvolvimento de atividades de vida diária: nutrição •e alimentaçãoFacilitando o desenvolvimento de atividades de vida diária: higiene, •vestimenta e confortoFacilitando o desenvolvimento de atividades de vida diária: mobi-•lização e transferênciaFacilitando o desenvolvimento de atividades de vida diária: • locomoçãoFacilitando o desenvolvimento de atividades de vida diária: • continênciaCuidando de idosos com distúrbios cognitivos•Prevenindo situações de violência doméstica•atuando em situações de urgência e emergência•auxiliando no final da vida: processo de morrer, morte e luto•

Cursos de cuidadores de pessoas idosasPrincípios da relação de ajuda•mitos, atitudes e estereótipos relacionados ao •envelhecimentoaspectos biopsicossociais do envelhecimen-•to do ser humanoautonomia, dependência e independên-•cia da pessoa idosa – aspectos conceituais e legais e sua relação com o cuidadoCompreendendo as atividades de vida •diária (aVDs) em suas diferentes dimensões:

básicas (aBVDs), −instrumentais (aiVDs) e −avançadas (aaVDs) −

organizando o cuidado relacionado ao melhor • desempenho das atividades cotidianas (oficinas)

mecanismos corporais −Higiene pessoal e banho −mobilização e transferência −Cuidados com a alimentação −organização dos medicamentos −manejando a incontinência (urinária e fecal) −Sono e repouso −repensando e organizando o dia a dia −Direitos e deveres da pessoa idosa (estatuto do idoso) −

mantendo um ambiente saudável•o cuidado da pessoa idosa com comprometimento de memória •(ênfase em demências)

entendendo a doença de alzheimer (Da) −a) reagindo ao diagnósticob) o que acontece depoisc) Contando aos familiares e amigosd) Possibilidades e perspectivas de tratamentoreorganizando a vida −a) reorganizando o futurob) Discutindo as possibilidades de cuidado com a famíliaCuidando/auxiliando o portador de Da −a) Comunicaçãob) Higiene e confortoc) Vestimentad) alimentaçãoe) Programando atividades e exercíciosf ) incontinênciag) Sono e repousoh) reconhecendo sinais e sintomasi) atuando em urgências e emergências

Oficinas pedagógicas fazem parte dos cursos de formadores e de cuidadores.

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Cuidando/auxiliando a família do portador de Da −a) lidando com alterações de comportamentob) lidando com comportamentos agressivosc) Compreendendo e manejando alucinações e delíriosd) Perambulaçãoe) Tornando o ambiente segurof ) recebendo visitasg) mantendo a estrutura familiarh) lidando com o luto

identificando e atuando em situações de urgência e emergência•Cuidando no final da vida (processo de morrer, morte e luto)•o papel do cuidador – limites e possibilidades•Cuidando do cuidador•

Q uando os cuidadores não forem os familiares, é fundamental que os conteúdos sobre a construção de uma relação de ajuda sejam desenvolvidos, pois isso vai constituir-se na base das

atividades desses profissionais.

relação de ajuda pode ser entendida como uma ligação profunda e significativa entre a pessoa que ajuda e a que é ajudada, a qual ultra-passa as simples trocas funcionais, mantendo um prisma de cresci-mento e evolução. Cria vínculos com a execução de atividades de cuidado que tenham por princípio o respeito e a liberdade, ou seja, tenham por finalidade auxiliar a pessoa que é ajudada a resta-belecer e manter sua autonomia.

Nesse contexto, entende-se “cuidar” como “ajudar a viver”. esse cuidado pode ser interno

Capítulo 2

A construção de uma relação de ajuda

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ou externo, ou seja, posso ajudar a mim mesmo respondendo pessoal-mente pelos cuidados usuais (cuidar-se) ou, ainda, ser ajudado por alguém integral ou parcialmente.

No transcorrer de nossa existência, vivenciamos muitas situações de ajuda, nas quais ora somos ajudados (cuidados), ora nos ajudamos (autocuidado), ora ajudamos (cuidamos) outras pessoas. Compreen-der isso nos remete a outro conceito, o de “ajuda compartilhada”, que envolve reciprocidade e solidariedade, em que todos necessitam uns dos outros e a troca referente ao cuidado prestado não gera sentimen-tos de dependência.

aquele que se propõe ajudar precisa ter adquirido experiência pes soal, relacionada ao processo de viver, às diferentes etapas da vida e a di-ferentes relações sociais em uma convivência com os mais diversos grupos de indivíduos. Nem sempre isso é permitido a algumas pes-soas, pois às vezes elas se veem diante de situações de ajuda a outros sem nem sequer terem ultrapassado algumas etapas da vida adulta que lhes possibilitariam conjugar experiência e formação.

este capítulo foi elaborado com o propósito de suscitar reflexões e discussões acerca do que se faz necessário para a construção de uma relação de ajuda, peça fundamental no desenvolvimento, com quali-dade, das atividades dos cuidadores. os pressupostos colocados a seguir basearam-se nas considerações de alguns autores sobre a cons-trução de relações de ajuda (Carkhuff, 1977; lazure, 1994; Bérger, 1996; miranda e miranda, 1996).

Primeiros passos

a primeira consideração a ser feita é que os cuidadores envolvidos com atividades de ajuda devem desenvolver habilidades específicas. embora sejam elementos fundamentais, não são suficientes apenas o interesse e a boa vontade. Não basta também apenas “saber” ou

“saber fazer” para o desenvolvimento de um “bom” cuidado. É ne-cessário “saber ser” para si mesmo e para a pessoa idosa a quem se destina seu olhar.

Devemos reconhecer que, em muitas ocasiões, ajudamos porque isso nos faz bem, porque nos sentimos especialmente lisonjeados quando sabemos que somos responsáveis pelo bem-estar de alguém ou porque utilizamos esses momentos para fortalecimento próprio, durante o qual, de alguma forma, exercemos nosso “poder” sobre o outro, por-que nos consideramos detentores do saber (e, portanto, do poder) perante aqueles que necessitam de nosso auxílio.

Conhecer-se é fundamental. Compreender que muitas das dificuldades que sentimos para lidar com os problemas, medos e sofrimentos das pessoas idosas ocorrem porque, talvez, tenhamos as mesmas di-ficuldades para lidar com nossos próprios medos e com nosso próprio sofrimento.

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Conhecer-se não é fácil, pois isso geralmente nos coloca diante de questões que não queremos ou com as quais não gostamos de nos confrontar. Tememos ser rejeitados, julgados, cobrados, pegos em situações desfavoráveis, correr riscos ou falhar e ter de admitir as falhas. Tememos, sobretudo, tomar consciência de nosso verdadeiro “eu” e descobrir que é preciso mudar nosso comportamento e nossa vida. Somente com esse conhecimento pessoal po-demos compreender o outro e, então, tentar estabelecer uma relação de ajuda. É fundamental entender que aju-dar é “dar de si”, já que envolve doação (de tempo, competência, saber, interesse), capacidade de escuta e compreensão.

Situações de emergência que possam pôr em risco a vida da pessoa idosa e mesmo as situações de substituição, na qual o cuidador faz pelo idoso o que ele está temporária ou permanentemente incapacitado de realizar, são exemplos de ações que não estão em conformidade com a definição e finalidades da relação de ajuda.

Nas relações de ajuda, auxiliamos as pessoas idosas a enfrentar e a superar uma situação de crise com os recursos de que elas dispõem. Tais situações manifestam-se de diferentes maneiras, mais ou menos explícitas e/ou penosas. a capacidade e o limite de cada idoso são inerentes ao próprio idoso e construídos durante suas experiências pessoais, cabendo ao cuidador a habilidade de reconhecê-los.

embora toda relação de ajuda envolva comunicação, nem toda comu-nicação é obrigatoriamente uma relação de ajuda. Quando o cuidador pergunta à pessoa idosa sobre dados precisos (quantas vezes urinou no dia, se tomou café pela manhã etc.), ela vai lhe dar uma resposta precisa (desde que tenha capacidade de ouvir e compreender). Nesse caso, ambos apenas circulam informações.

a segunda consideração a ser feita é a compreensão de que, em uma relação de ajuda, o idoso é o principal detentor dos recursos para a resolução das dificuldades ou demandas apresentadas. o estabeleci-mento de uma relação de ajuda possibilita a ele identificar, sentir, saber, escolher e decidir sobre suas ações (autonomia). ao profissional cuidador cabe auxiliá-lo a descobrir ou redescobrir capacidades e potencialidades próprias, redirecionando suas energias para um novo olhar sobre si mesmo, que, diante das circunstâncias, pode não exis-tir ou estar muito deteriorado.

a principal ênfase da relação de ajuda é a dimensão afetiva do pro-blema, pois muitas das desadaptações não ocorrem por falta de co-nhecimento, e sim por insatisfações emocionais. ela busca auxiliar a pessoa idosa a compreender-se, a fazer escolhas de forma indepen-dente e significativa e a fazer com que suas relações lhe sejam mais satisfatórias. essa relação visa, sobretudo, à melhoria da autoestima, ao alcance da autorrealização, à promoção de conforto psicológico e ao fornecimento do apoio necessário para se confrontar com as próprias dificuldades existenciais.

Dessa forma, a relação de ajuda visa a auxiliar a pessoa idosa a:ultrapassar uma situação-limite.•resolver uma situação atual ou potencial.•encontrar um funcionamento pessoal mais satisfatório, aumentan-•do sua autoestima e seu sen-timento de segurança e diminuindo sua ansie-dade ao mínimo.Desenvolver atitudes •positivas pe-rante suas (in)capaci-dades.

Nas relações de ajuda, auxiliamos as pessoas idosas aenfrentar e a superar uma situação de crise com os recursos de que elas dispõem.

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melhorar sua capacidade de comunicação e suas relações com os •outros.identificar o sentido para sua existência.•manter um ambiente estimulante no que se refere aos níveis bio-•psicossociais.

Para desenvolver uma relação de ajuda, é fundamental que o cuidador seja:

Preciso e objetivo no que lhe diz respeito e no que diz respeito aos •outros.Capaz de respeitar-se e de respeitar os outros.•Congruente consigo mesmo e com a pessoa de quem cuida.•empático.•Capaz de confrontar-se.•

É importante destacar que, para ser um cuidador, a pessoa deve: re-conhecer seus valores pessoais; ser capaz de analisar as próprias emo-ções; estar apta a servir de modelo e a influenciar outros; ser altruísta; desenvolver alto senso de responsabilidade em relação a si mesma e

aos outros; ser ética. essas características auxilia-rão a formação de interações mais abertas entre cuidador e idosos, mantendo atitudes

positivas com o objetivo de alcançar a au-tonomia em vez de controle.

No estabelecimento de uma relação de ajuda, é necessário definir os objetivos das duas partes envolvidas – cuidador e pessoa idosa. Cabe ao cuidador:

identificar com clareza os problemas •vivenciados pelo idoso.estabelecer conjuntamente com •idoso/família os objetivos concretos e pertinentes.

avaliar com o idoso suas capacidades e suas limitações.•escolher os meios para ajudá-lo a atingir seus objetivos levando em •conta o sistema de valores do cliente.

Cabe à pessoa idosa/família:Participar ativamente na definição dos objetivos.•Trabalhar um elemento de cada vez.•iniciar pelo problema atual.•

Características necessárias para construir uma relação de ajuda

Capacidade de escuta

“escutar” não é sinônimo de “ouvir”. escutar é constatar por meio do estímulo do sistema auditivo; é um processo ativo e voluntário em que o indivíduo permite-se impregnar pelo conjunto de suas percepções externas e internas. Na relação de ajuda, escutar repre-senta um instrumento para compreender a pessoa idosa de forma a poder determinar com precisão as intervenções necessárias. ao es-cutar a pessoa idosa, o cuidador pretende: mostrar-lhe sua impor-tância; permitir que o idoso identifique suas emoções; auxiliá-lo na identificação de suas necessidades e na elaboração de um planeja-mento objetivo e eficaz para atender a elas. Para escutar de modo eficiente, o cuidador deve:

Desejar estabelecer uma relação mais estreita com a pessoa idosa.•escolher um local calmo que propicie a escuta.•manter-se a uma distância confortável do idoso, mas que permita •boa visualização de ambos.Procurar compreender não só a linguagem verbal, mas principal-•mente a não verbal da pessoa idosa.evitar julgamentos com base em valores pessoais.•

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reformular com o idoso, porém com as próprias palavras, o que ele •lhe referiu, validando sua compreensão.respeitar, compreender e interpretar o silêncio da pessoa idosa. •

o silêncio pode traduzir a intensidade da procura da resposta con-siderando tudo o que a precedeu; pode significar o medo ou o so-frimento que impedem a elaboração de palavras ou, ao contrário, uma alegria tão intensa que também não pode ser traduzida por palavras. É a escuta do silêncio que exige a presença mais intensa e mais verdadeira do cuidador, pois isso pode levá-lo ao encontro real do que o outro vive de mais profundo. Silêncio não é sinônimo de vazio nem ausência de relação; costuma ser rico em significados. Para ser traduzido e transformado em instrumento de ajuda, deve ser compreendido, respeitado, acolhido e nunca prematuramente interrompido.

escutar não é memorizar as palavras emitidas pela pessoa idosa; é com preendê-la, ver, apreender e sentir o contexto e os sentimentos relacionados com o conteúdo das mensagens emitidas. exige grande empenho, vigilância sensorial, intelectual e emocional, o que conso-me muita energia e requer preparo e amadurecimento. o cuidador que de fato escuta o idoso reflete atentamente sobre o significado de suas mensagens (verbais e não verbais), buscando o estabelecimento de intervenções apropriadas às necessidades identificadas.

Escutas que não ajudamEscuta inadequada• – o cuidador está mais atento às próprias re-flexões que às do idoso, está distraído, tem “pressa” em responder a ele ou identifica a situação descrita como familiar e faz um pro-cesso de transferência.Escuta apreciativa• – o cuidador faz juízos de valor durante a escu-ta. embora normal, essa atitude pode ser nociva. Para evitar isso, o cuidador precisa desenvolver a habilidade de aceitar os idosos e escutá-los objetivamente.

Escuta filtrada• – relaciona-se a nossa defesa pessoal, ou seja, sele-cionamos de modo inconsciente o que permitimos ou não entrar em contato conosco e criamos barreiras que, mesmo involuntaria-mente, deformam nossa capacidade de escutar. isso pode ser evita-do com o desenvolvimento de um profundo autoconhecimento.Escuta compassiva• – refere-se ao sentimento de compaixão desen-volvido pelo cuidador em relação ao idoso que assiste. Tal atitude pode deturpar a percepção dos fatos, gerando ações inadequadas.

Capacidade de clarificar

“Clarificar” quer dizer tornar claro, limpo ou puro. Na relação de ajuda, significa ser capaz de delimitar mais precisamente o problema em si e os envolvidos de maneira concreta e realista. Para tanto, o cuidador deve ser capaz de auxiliar o idoso a refletir sobre seus pro-blemas e a descrevê-los em toda a sua extensão, intensidade e com-plexidade. após escutá-lo, deve repetir com suas palavras a mesma questão, permitindo, assim, sua reinterpretação.

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as perguntas “Quem?”, “o quê?”, “onde?”, Como?” e “Por quê?” auxiliam na clarificação, mas o uso indiscriminado do “por quê?” pode despertar no idoso a necessidade de se justificar, geralmente defendendo-se. Cada pergunta deve ter por objetivo auxiliar o idoso a perceber com maior clareza o problema ou suas soluções.

a utilização, pelo cuidador, de generalizações, abstrações ou termos imprecisos pode estar relacionada ao medo de enfrentar o problema. agindo dessa forma, o problema se torna maior. o cuidador não deve usar linguagem intelectual, abstrata, impessoal e/ou vaga, pois isso não auxilia a pessoa idosa a clarificar e precisar seu pensamento.

Capacidade de respeitar-se e de respeitar o idoso

o respeito é uma necessidade humana, uma qualidade, um valor, uma atitude básica expressada pelo comporta-mento. respeitar alguém significa acreditar em sua unici-dade, em sua capacidade de viver de forma satisfatória. respeitar-se significa ser verdadeiro consigo mesmo e com os outros. respeitar o idoso significa comunicar-lhe que procuramos compreendê-lo como pessoa, com sua expe-riência, seus valores e a situação que está vivenciando de acordo com seu ponto de vista. Significa ainda identificar suas capacidades e seu potencial remanescente e auxiliá-lo a reconhecê-los e a utilizá-los para lidar com essas situações, dando-lhe condições de resgatar o máximo de autonomia. Será o idoso, no entanto, que decidirá utilizá-la ou não, quer dizer, a palavra final é dele, e respeitá-lo significa compreender e aceitar essa decisão mesmo que ela não corresponda à expectativa do cuidador.

o respeito se manifesta por meio de atitudes e comporta-mentos, ativos ou passivos. estar com o idoso, querer ajudá-lo e preocupar-se com seu bem-estar; considerá-lo

como ser único, independentemente de suas doenças ou limitações; acreditar que ele é capaz de decidir sobre o próprio destino e acredi-tar em sua boa vontade são exemplos de atitudes.

os comportamentos expressam o significado e o valor do idoso para o cuidador. Ser capaz de estabelecer uma relação que envolva escuta e presença física atentas; aceitar o idoso incondicionalmente, evitan-do juízos críticos; demonstrar empatia, afeto e cordialidade; auxiliá-lo a desenvolver seus recursos pessoais, encorajando-o, motivando-o e apoiando-o e não agindo por ele; manifestar compreensão e dedicação são exemplos de comportamentos respeitosos.

enumeramos, a seguir, alguns exemplos de como o cuidador pode demonstrar respeito pelo idoso:

mostrar que o aprecia como pessoa, respeitando sua idade e sua •personalidade.Não utilizar linguagem infantilizante ou demasiadamente familiar.•Chamá-lo pelo nome (nome próprio ou apelido, desde que tenha •autorização para tanto) e tratá-lo por senhor ou senhora.Cumprimentá-lo ao chegar e sempre que ele adentrar o recinto em •que o cuidador estiver.Dedicar-se inteiramente a ele quando da execução de algum cuida-•do, procurando não se distrair com outros estímulos (televisão, rádio etc.) e evitando interrupções por telefone.evitar demonstrar compaixão. a piedade não é sinal de respeito e •não ajuda, sobretudo os idosos.mostrar-se confiante no potencial e nas capacidades do idoso, va-•lorizando-as de forma construtiva e realista.Demonstrar apoio afetivo.•respeitar a intimidade do idoso e a confidencialidade da conversa •e compartilhar informações apenas com sua prévia autorização.aguardar as respostas e as decisões da pessoa, que podem ser mais •demoradas, e não apressá-la.

Respeitar o idoso significa comunicar-lhe que procuramos compreendê-lo como pessoa, com sua experiência e valores.

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Planejar conjuntamente com o idoso as atividades de cuidado, •perguntando sua opinião e buscando segui-la.

o respeito na relação de ajuda auxilia na elevação da autoestima e do autoconceito, que, em muitos idosos mais dependentes, podem estar rebaixados.

Obstáculos ao respeito Comportamentos punitivos e reprovadores.•Juízos de valor.•utilização de frases feitas (despersonalização da relação).•escuta falsa, não centrada no idoso.•linguagem infantilizante (muito frequente no tratamento com •idosos).Negação da experiência e das emoções do idoso.•Não valorização das capacidades do idoso.•

Capacidade de ser congruente

“Congruência” significa harmonia, coerência de algo com o fim a que se destina. Possibilita ao idoso a existência de concordância entre seu ser e sua experiência e sua expressão em seu comporta-mento. É, em outras palavras, a capacidade de ser autêntico. a pessoa que não possui essa competência separa-se de seu verdadeiro “eu”, reduzindo sua identidade aos papéis que desempenha. Pode, assim, sentir-se insatisfeita e dividida.

a autenticidade do cuidador pode se manifestar: por sua espontaneidade; valorização de seu papel; coerência e capacidade de compartilhar experiências.

estes são os obstáculos à autentici-dade: atitude defensiva; não mani-festação dos próprios sentimentos;

ser inconveniente (a relação profissional exige tato e juízo crítico); atitudes pessimistas.

Para desenvolver congruência e autenticidade, o cuidador deve apri-morar o autoconhecimento e o autorrespeito, obter segurança interior, evitando esconder-se atrás de um papel social, e observar atentamen-te seu comportamento não verbal, buscando a coerência entre o que diz e o que demonstra.

Capacidade de ser empático

“empatia” é a capacidade de se colocar no lugar do outro e sentir como se estivesse na situação e circunstâncias experimentadas por ele sem, no entanto, perder o próprio sistema de referência. É, portanto, a base de toda relação de ajuda. Para que o cuidador seja empático, ele deve ser capaz de:

aproximar-se da situação que o idoso está vivenciando.•Desenvolver a capacidade de colocar-se no lugar dele, buscando ver •o mundo como ele vê, o que não significa fazer suas as emoções e a vivência do outro, porque a diferenciação é fundamental na rela-ção de ajuda.Ter consciência de que o problema é do idoso.•

Só assim o cuidador será capaz de identificar e compreender de forma verdadeira o conteúdo das mensagens da pessoa idosa, pois estará em posição de ver o mundo do mesmo prisma que ela o vê.

a empatia pode ser desenvolvida por uma personalidade afetuosa e flexível; pela capacidade de generalizações relativas às experiências de vida; pela capacidade de tolerar e utilizar o silêncio na relação; por semelhanças de experiências e vivências; pela disponibilidade e escu-ta atenta; pela tolerância ao estresse; por experiências de vida variadas, propiciando maior flexibilidade e espontaneidade; pela autoafirmação; pelo uso de linguagem apropriada e pela capacidade de compreender a linguagem simbólica utilizada pelo idoso.

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Na relação de ajuda, a confrontação só deve ser utilizada quando existe entre cuidador e idoso um verdadeiro clima de confiança.

a empatia, por si só, não soluciona os problemas do idoso como se fosse um passe de mágica; constitui-se em um meio para fazer com que ele não se sinta solitário diante deles. ao perceber que alguém entende a dimensão que os problemas tomam em sua vida, sente-se mais confortável e, assim, pode canalizar sua energia na resolução deles com o apoio daquele com quem mantém uma re-lação de ajuda.

Capacidade de confrontação

“Confrontar” significa colocar frente a frente, defrontar, comparar; não envolve disputa como “afrontar”. a confrontação origina-se na empatia e no respeito ao idoso e é uma manifestação suplementar à congruência do cuidador. a confrontação permite ao idoso estabele-cer um contato mais profundo com seu interior, com aquilo que ele de fato é, com suas forças e seus recursos, assim como com suas fra-

quezas e comportamentos prejudiciais. Na relação de ajuda, a con-frontação só deve ser utilizada quando existe entre cuidador e idoso um verdadeiro clima de confiança. o cuidador que pretende utilizá-la deve fazer uma avaliação acurada do estado geral do idoso.

a confrontação exige do cuidador habilidade e tato. ele vai con-frontar não o idoso, mas seu comportamento, descrevendo-o sem emissão de julgamentos, pois isso, nesse momento, poderia representar demonstração de desrespeito, le-vando a pessoa idosa a assumir uma postura defensiva. No entanto, nem sempre a confrontação é reconheci-da como instrumento de ajuda pelo idoso. Caso ele resista a essa forma de intervenção, convém não insis-tir, aguardando ocasião mais oportuna para fazê-lo.

Quando a relação não é de ajuda?muitas vezes, os cuidadores querem estabelecer uma relação de ajuda adequada, mas se frustram com seus resultados. listaremos, a seguir, algumas intervenções que costumam ser muito utilizadas, mas que normal-mente não respondem às necessidades de ajuda dos indivíduos.

Dar ordens sem avaliar o contexto que envolve as • situações (pode levar o idoso a ter de negar suas emo-ções traduzidas por seu comportamento).Fazer ameaças (“Se não cumprir as orientações, não •viremos mais visitá-lo...”). em geral esse com-portamento acrescenta mais um elemento, o medo, à problemática apresentada pela pessoa.Censurar o idoso, adverti-lo de forma •contundente (representa uma afirmação de sua incapacidade de discernir entre

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o certo e o errado, entre o bem e o mal, colocando-o como incapaz de resolver seus problemas).

Dar soluções (não permite ao idoso refletir sobre seu •problema e sobre sua potencialidade de ação).argumentar logicamente (“o problema voltou, obvia-•mente, porque o(a) senhor(a) não seguiu as orientações que dei...”), pois pode colocar o idoso em uma situação desconfortável, fazendo-o sentir-se um tolo, incapaz de seguir recomendações.Julgar e criticar (utilizando o próprio sistema de valores), •porque pode levar o idoso a não mais confiar no cuidador por não se sentir compreendido por ele.

aprovar, lisonjear (“Desta vez tomou a •decisão correta...”). isso pode desenvolver no idoso o receio de não ser aprovado em outras situações pelo julgamento do cui-dador e, caso se arrependa da decisão tomada, não se sentirá confortável em compartilhar tal sentimento com ele.analisar e interpretar (“Cada vez que o(a) •senhor(a) quer a atenção de seus filhos, comporta-se como se estivesse muito doente...”). Se a interpretação for verda-deira, o idoso pode sentir-se “apanhado”, o que será insustentável; se não for cor-reta, pode sentir-se acusado ou incom-preendido.Consolá-lo (“Não se preocupe, isso vai •passar...”). o idoso pode interpretar que o cuidador minimiza a importância de seu problema e, portanto, não haverá solução para isso.

Fazer muitas perguntas fechadas (“onde?”, “Quando?”, “Como?”, •“Por quê?”). o idoso pode sentir-se interrogado.Gracejar. o gracejo muitas vezes é colocado para minimizar uma •situação tensa, ao criar um clima mais agradável. No entanto, a utilização deve ser bem estudada pelo cuidador, pois sua inadequa-ção pode levar o idoso a pensar que o cuidador não leva a sério seu problema ou suas necessidades ou ainda que não o respeita.ridicularizar (“assim o(a) senhor(a) está agindo como uma crian-•cinha...”). Pode levar o idoso a sentir-se desvalorizado ou desrespei-tado e gerar respostas agressivas.

a relação de ajuda, quando adequadamente estabelecida, permitirá ao idoso e a seus familiares a identificação de recursos próprios disponíveis para superar os problemas que estão vivenciando, fortalecendo-os para situações futuras. esse tipo de intervenção está diretamente associado à qualidade do cuidado prestado, uma vez que procura auxiliar o idoso em todas as suas dimensões de ser humano.

“CUIDAR É AJUDAR.”

Julgar e criticar utilizando o próprio sistema de valores pode levar o idoso a não mais confiar no cuidador por não se sentir compreendido por ele.

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Capítulo 3

Atitudes, mitos e estereótipos relacionados ao envelhecimento e ao cuidado com a pessoa idosa

A vida segue um curso muito preciso e a natureza dota, cada idade, de finalidades próprias. Por isso, a fraqueza das crianças, o ímpeto dos jovens, a seriedade dos adultos, a maturidade dos velhos são coisas naturais que devemos apreciar cada uma a seu tempo.

Cícero.

buindo a cada indivíduo, conforme sua idade, determinada tarefa na produção. Nos grupos de sociedade rural existiam também fun-ções sociais diferenciadas para cada idade.

No período pré-industrial, em que as sociedades eram compostas essencialmente por camponeses e artesãos, o trabalhador rural vivia em seu local de trabalho, em que se confundiam as tarefas domésticas e produtivas. entre os artesãos altamente qualificados, a capacidade crescia com a experiência e, portanto, com o avançar dos anos. Nas profissões em que a qualificação ou a habilidade declinava com a idade havia uma divisão de trabalho que permitia adaptar as tarefas às possibilidades de cada um. ao se tornar inteiramente incapaz, o velho continuava a viver no seio da família, que lhe assegurava a subsistência.

Nas sociedades tradicionais, a figura patriarcal ganhava destaque para que não desmoronasse o mito de uma velhice reverenciada. Já nas

D esde a antiguidade, filósofos, como Cícero, demonstravam interesse e preocupação com o envelhecer e com os velhos. Sem dúvida, esses pensamentos acompanharam o processo

histórico da civilização, sofrendo adequações aos valores de cada época e de cada cultura em particular.

em seu livro A velhice, Simone de Beauvoir descreve as condições de vida do idoso em diversas culturas, das primitivas às con-temporâneas. Segundo ela, “ao perder a capacidade de produção, o velho torna-se apenas um objeto sem utilida-de, transforma-se em encargo, com um estatuto que lhe é imposto pelos mais jovens”.

Nas sociedades agrícolas tradicionais, a orga-nização se fazia de acordo com as categorias de idade. o fundamento dessa organização era a atividade econômica familiar, atri-

Camponeses diante de um albergue, 1653, de Jan Steen (Toledo Museum of Art, EUA).

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modernas sociedades urbanas e industriais, o trabalhador nem sempre mora próximo a seu local de trabalho, e a família em geral não tem relação com sua atividade pro-dutiva. Nessas sociedades, a família patriarcal é substituí-da pela família nuclear, e o patrimônio coletivo, pelo projeto de vida individual. a perda da capacidade produ-tiva e o desengajamento do mundo do trabalho constituem marcos significativos na vida do cidadão, apontando para um futuro incerto e diferenciado segundo a condição so-cioeconômica e de gênero.

esse processo histórico contribuiu para que a velhice, na sociedade moderna, venha se caracterizando como uma fase da vida para a qual raramente existem projetos pessoais e em que se observa grande declínio na parti-cipação social.

Na história da civilização, para cada época encontram-se diferentes atitudes em relação à velhice, interferindo de forma significativa no estabelecimento de relações intergeracionais, tanto no nível familiar como no comunitário.

embora o contingente de pessoas idosas na sociedade contemporânea seja expressivo, sua experiência de vida não conta de forma decisiva para o equilíbrio e a organização social.

Atitudes, mitos e estereótipos

o mito é uma representação simbólica que não se baseia na realida-de. manifesta-se por frases e expressões feitas (ex.: “idade do condor”) ou por eufemismos que têm a ver, exclusivamente, com a idade (ex.:“idade de ouro”, “melhor idade”), que muitas vezes podem es-conder hostilidade.

o mito da aposentadoria reflete bem os novos va-lores da sociedade contemporânea. Na visão que ele evoca, a aposentadoria marcaria uma “nova fase da vida”, caracterizada pela “liberdade do uso do tem-po”, possibilitando a fruição de bens e serviços da sociedade.

Na realidade, o que se observa é que a aposentado-ria não significa apenas o direito ao desengajamen-to remunerado do trabalho, mas o início de um processo de isolamento social. Constata-se parado-xalmente que, ao mesmo tempo que os avanços tecnológicos permitiram o prolongamento dos anos de vida, a sociedade e o estado retiraram das pes-soas quase todos os seus papéis e funções sociais.

outro mito da sociedade contemporânea é o de que as famílias cuidam de seus idosos mais dependentes. Tanto isso é um mito que o estatuto do idoso pas-sou a considerar a não assistência da família como “crime”. uma pesquisa populacional que estudou as condições de vida e saúde dos idosos residentes no município de São Paulo – estudo Sabe (Saúde, Bem-estar e envelhecimento) – verificou que, en-tre as pessoas idosas que apresentavam dificuldades no desempenho de atividades básicas de vida diária e que, portanto, necessitavam de um cuidador pre-sencial, apenas cerca de 50% recebiam auxílio em

suas necessidades, independentemente do tipo de arranjo considerado.1

Na sociedade moderna, a crescente entrada das mulheres no mercado de trabalho, antes as princi-pais cuidadoras de seus parentes idosos, vem desfa-

Estudo da cabeça de um homem velho, 1610, de Peter Paul Rubens (Museum of Art History, Viena, Áustria).

Velho orando, 1881, de Julian Falat (National Museum, Varsóvia, Polônia).

Na história da civilização, para cada época encontram-se diferentes atitudes em relação à velhice, interferindo de forma significativa no estabelecimento de relações intergeracionais, tanto no nível familiar como no comunitário.

1. Disponível em: <http:// www.fsp.usp.br/sabe>.

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atuais pelo seu descaso pela velhice e, por meio desse sentimento, esti-mulássemos os mais novos ao auxílio e cooperação aos mais velhos (magalhães, 1987).

os mitos contribuem para a formação de atitudes e comportamentos. atitude é uma disposição em relação a uma pessoa ou grupo, um conjunto de juízos que conduz a um comportamento, que nos leva a agir. Pode ser favorável ou desfavorável (dependendo das experiên-cias ou informações prévias).

as crenças são um conjunto de informações sobre um assunto ou pessoa(s). Determina nossas atitudes, nossas intenções e nossos comportamentos. Formam-se com base em informações que recebemos direta ou indire-tamente. Já o estereótipo é um “chavão”, uma opinião formada, em geral desprovida de qualquer originalida-de. É uma percepção automática não adaptada à situa-ção, reproduzida sem variantes, segundo um padrão bem determinado, que pode ser positivo ou negativo.

embora a mídia, com frequência, aborde questões re-lacionadas ao envelhecimento, ela ainda o faz de ma-neira aureolada, distanciando-o da realidade de nossos velhos. Nossa sociedade continua tratando o envelhe-cimento como assunto a ser evitado. Predomina ainda a forte crença de que a velhice está associada a doen-ça, deterioração e morte, mesmo que as pesquisas ve-nham, insistentemente, mostrando o contrário.

o envelhecimento é um processo, faz parte do ciclo de vida. Tem seus problemas e dificuldades, mas também seus aspectos positivos e compensações. em decorrência do estereótipo social e do hábito de evitar falar sobre o envelhecimento e sobre a velhice, muitas ideias falsas e erros de concepção sobre os idosos ainda são divulgados.

zendo o mito de imaginar que a família, centrada na figura feminina, pode sozinha cuidar de seus idosos, sobretudo os que perderam ou estão em via de perder a autonomia.

a sociedade industrial e de serviços estimula mitos que sejam úteis à manutenção de seu equilíbrio e possam encaminhar soluções para os desafios da modernidade. um deles é o de que em todas as so-ciedades pré-industriais o idoso era respeitado e venerado, graças a seus conhecimentos e saberes acumulados. esse mito tem a função de estimular a família a cuidar de seus idosos improdutivos e dependentes.

É como se, incentivando a ideia mítica de que o homem vivia bem e era bem tratado na sociedade tradicional, culpabilizássemos as gerações

Predomina ainda a forte crença de que a velhice está associada a doença, deterioração e morte, mesmo que as pesquisas venham mostrandoo contrário.

A Escola de Atenas, 1509-1510, de Raphael, afresco, Palácio Apostólico, Vaticano.

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atitudes negativas relacionadas ao envelhecimento baseiam-se par-cialmente em informações equivocadas de como os idosos realmen-te são. isso é tão forte em nossa sociedade que originou o termo “ageism” (sem tradução no Brasil), que significa um processo siste-mático de discriminação contra as pessoas idosas exclusivamente porque são velhas, assim como racismo e sexismo referem-se a ati-tudes preconceituosas com relação à cor da pele e ao gênero. as pessoas idosas são categorizadas como senis, rígidas em suas atitudes, desatualizadas moral e socialmente, devendo, portanto, ser excluídas do convívio social.

algumas ideias preconcebidas sobre a velhice e sobre as pessoas ido-sas ainda predominam em nossa sociedade e podem contribuir para a formação de mitos e estereótipos que podem se traduzir em atitudes não adequadas no cuidado com a pessoa idosa (Domingues e Queiroz, 2000). São elas:

a maioria dos idosos é doente e, por ser doente, tem necessidade •de ajuda para desenvolver as atividades cotidianas.Muitas pessoas idosas veem a si mesmas como saudáveis. Elas têm uma vida completa e ativa. Embora muitas sejam portadoras de, pelo menos, uma doença crônica, elas aprenderam a manejar seus cuidados de saú-de e a viver produtivamente dentro das limitações impostas pela doença. Em São Paulo, o Estudo Sabe mostrou que mais de 80% das pessoas idosas são completamente independentes no desempenho de suas atividades coti-dianas, mesmo possuindo uma ou mais doenças crônicas.

a maior parte deles é solitária e infeliz.•Para alguns deles isso é verdade, mas isso ocorre na mesma probabilidade em que situação semelhante pode afetar os adultos jovens ou de meia-idade. Isso quer dizer que ser soli-tário e infeliz não é uma característica do envelhecimento, mas

sim do ser humano. Muitos idosos são ativos, felizes e encontram prazer com os amigos e com a família. Outros, em virtude do maior tempo livre, engajam-se em atividades voluntárias que lhes tragam satisfação pessoal.

os idosos são conservadores em seus hábitos de vida e incapazes •de mudar.As pessoas idosas acumularam experiências diversas em sua vida e lidam com as situações novas com mais prudência e menos impulsivi-dade que as gerações mais jovens. Normalmente, elas se dispõem a discutir uma proposta nova desde que tenha bom embasamento e excelente argumentação.

muitos idosos são confusos e desinteressados em relação ao mundo •a sua volta.A maioria das pessoas idosas tem interesse no mundo a sua volta. Parte delas é culta, articulada e desejosa de aprender. Apenas uma pequena

A passagem noroeste, 1874, de John Everett Millais (Tate Gallery, Londres).

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parcela delas sofre de demência e problemas de saúde que afetam a memória.

os velhos são improdutivos e representam um segmento inútil em •nossa sociedade.São incontáveis as contribuições das pessoas idosas em nossa sociedade. Muitas descobrem talentos na idade avançada dos quais não tinham consciência em sua juventude. Por outro lado, os idosos são responsáveis pela manutenção de muitas famílias atualmente. Algumas cidades, em especial no Nordeste, sobrevivem quase exclusivamente das aposentado-rias e pensões dos idosos.

Todo velho é “ranzinza”.•Essa não é uma característica exclusiva da pessoa idosa. O adjetivo apenas muda com o avançar da idade. Quando se trata de um adoles-cente, em geral esse adjetivo é atribuído às características da idade e,

assim, aceito. As pessoas tendem, apenas, a acentuar suas características ao envelhecer.

Todo velho é assexuado.•O interesse e a atividade sexual são importantes na vida do ser humano de qualquer idade. Ter uma companhia e manter relações íntimas é essencial na vida das pessoas, in-cluindo os idosos.

os mitos e as crenças repercutem nas atitudes dos pro-fissionais e dos cuidadores. assim:

Quem não considera os idosos diferentes entre si é •incapaz de estabelecer intervenções específicas. Quem considera os idosos intransigentes e passivos não lhes dá •oportunidade de emitirem opiniões. Quem considera os idosos conservadores e incapazes de mudanças •não permite que eles se adaptem a novas situações ou tentem novos comportamentos. aquele que nega aos idosos sua autonomia nega-lhe o direito a •envelhecer dignamente.

assim, é fundamental que a primeira abordagem dos cursos de cui-dadores esteja relacionada à identificação de mitos, preconceitos e atitudes que eles adotam em relação aos idosos e à velhice. Será com base nesse conhecimento – identidade do grupo – que serão escolhi-das as estratégias pedagógicas mais adequadas para trabalhar as temá-ticas polêmicas.

A primeira abordagem dos cursos de cuidadores deve identificar mitos, preconceitos e atitudes que eles adotam em relação aos idosos e à velhice.

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Centro de Referência do Idoso José Ermírio de Moraes (crijem).

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fAcilitAndo o desenvolvimento de AtividAdes de vidA diáriA: sono e repouso

que inclui: eletroencefalograma, que é a avaliação das características da atividade elétrica cerebral; eletro-oculograma, que consiste no re-gistro de diferenças de potencial entre a retina e a córnea, geradas pelos movimentos oculares e captadas por eletrodos colocados ao redor dos olhos, permitindo a identificação do estágio de sono paradoxal ou rem (rapid eyes movement, sono de movimentos oculares rápidos); eletromiograma das regiões submentoniana e tibial anterior, para identificar o sono paradoxal e alguns distúrbios (ex.: mioclono notur-no – “chutes” durante o sono); e parâmetros como fluxo aéreo nasal e oral, esforço respiratório, eletrocardiograma e oximetria transcutânea contínua, que contribuem para a identificação de distúrbios respira-tórios que ocorrem durante o sono (ex.: apneia do sono), entre outros problemas. a polissonografia exige que a pessoa durma em um labo-ratório especialmente equipado para sua realização.

O sono como ritmo biológico

o mundo se organiza em torno de uma periodicidade de 24 horas, determinada pelo movimento de rotação da Terra. Nossos ritmos biológicos mais conhecidos têm periodicidade semelhante e são cha-mados de ritmos circadianos (do latim circa diem, em torno de um dia). o ciclo vigília-sono é um ritmo circadiano.

os seres vivos organizam seus ritmos biológicos de acordo com pistas temporais, chamadas de sincronizadores, de origem geofísica ou social, provenientes do meio em que vivem. as de origem geofísica são, por exemplo, a alternância entre o claro (dia) e o escuro (noite) e as estações do ano, e as de origem social são representadas, entre outros, pelos horários de diversos compromissos sociais, como tra-balho e escola. essas “pistas” contribuem para a orga-nização da ritmicidade biológica, para a expressão de determinado padrão de sono.

O sono é uma necessidade básica dos seres humanos e, portan-to, tem influência em sua qualidade de vida. Nesse aspecto, importante papel é atribuído à qualidade do sono.

Sabe-se que a experiência de um sono insatisfatório ou insuficiente é muito desagradável, refletindo no desempenho da pessoa em suas atividades diárias, comportamento e bem-estar. Particularmente para os idosos, as perturbações do sono também representam fatores de risco ligados à institucionalização e à mortalidade.

o sono é constituído por diferentes estágios, de acordo com a frequên-cia e a amplitude típicas das ondas elétricas cerebrais geradas duran-te o fenômeno. a organização e a proporção que ocupam os vários estágios são conhecidas como arquitetura intrínseca do sono, que se modifica com o envelhecimento.

um exame que tem sido considerado essencial para a análise detalhada da arquitetura do sono e de distúrbios ligados a ele é a polissonografia,

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o ciclo vigília-sono (períodos de sono e de vigília ao longo das 24 horas) sofre importantes modificações durante o desenvolvimento do indivíduo. Nos bebês, o sono é fragmentado ao longo do dia e da noite; os adultos, em geral, dormem apenas durante a noite, exibin-do um padrão chamado de monofásico; e as pessoas idosas costumam apresentar um padrão de sono mais fragmentado, com episódios ocorrendo durante o dia e a noite, em diferentes proporções.

Padrão de sono e suas modificações com o envelhecimento

em um indivíduo adulto jovem sem problemas de saúde, uma típica noite de sono pode ser dividida em ciclos que se repetem quatro ou cinco vezes e cuja duração média/ciclo é de 70 a 100 minutos. um ciclo típico é constituído pelos vários estágios do sono sincronizado (estágios 1, 2, 3 e 4), seguidos por um período de sono paradoxal (ex.: estágios 1, 2, 3, 4, 3, 2, eventualmente estágio 1 mais uma vez e sono paradoxal).

Estágio 1• (5% do sono) – É uma transição entre a vigília e a sono-lência, em que predominam ondas cerebrais de baixa amplitude e alta frequência. Estágio 2• (45% do sono) – Também chamado de sono superficial, apresenta ondas de frequência rápida e poucas ondas mais lentas, além de fusos de sono e os complexos K. Estágio 3• (7% do sono) – Contém cerca de 20% a 50% de ondas delta, ou ondas lentas, que são ondas cerebrais de baixa frequência e grande amplitude. Estágio 4 • (13% do sono) – São encontradas ondas delta em pro-porção superior a 50%.

assim, os estágios 3 e 4 constituem o denominado sono profundo, em que, para ser despertado, o indivíduo necessita de um estímulo externo muito intenso. À medida que o sono progride, diminui a

ocorrência desses estágios, que predominam na primei-ra metade de uma noite típica de sono.

o sono paradoxal (sono rem), associado aos sonhos, acontece a intervalos regulares (cada 90 minutos), ocu-pando cerca de 20% a 30% do período total de sono. ele e o estágio 2 predominam na segunda metade de uma noite típica de sono.

Com o envelhecimento, esse padrão sofre algumas modificações:

Diminuição da duração relativa e absoluta do sono •de ondas delta (sono profundo).aumento relativo e absoluto da duração dos estágios 1 e 2 (sono •superficial). alterações na organização temporal do sono paradoxal e diminuição •de sua duração. maior número de transições de um estágio para o outro, inclusive •para a vigília, e maior número de interrupções no sono.

a eficiência do sono é a proporção entre o tempo que uma pessoa consegue realmente dormir e o tempo despendido na cama com esse objetivo. Constitui um parâmetro fundamental na avaliação da qua-lidade do sono. Seu cálculo pode ser feito da seguinte maneira:

As pessoas idosas costumam apresentar um padrão de sono fragmentado, com episódios ocorrendo durante o dia e a noite.

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consideremos uma pessoa que se deita às 22 horas e se levanta às 6 horas da manhã seguinte; ela terá 100% de eficiência do sono se dormir oito horas (oito horas de sono divididas por oito horas no leito), 75% se dormir seis horas (seis horas de sono divididas por oito horas no leito), e assim por diante.

as pessoas idosas apresentam redução da eficiência do sono para cerca de 70% a 80%, variando conforme o sexo e a idade (em adul-tos jovens esse valor é da ordem de 90%). isso se deve, em parte, à dificuldade de manutenção do sono noturno. Tipicamente, observa-se que o idoso acorda muito fácil durante a noite, mesmo com estímu-los leves e sons de pequena intensidade.

o “componente restaurador” do sono está relacionado às ondas del-ta, mas não existem evidências de que a diminuição do sono profun-

do traga consequências negativas para a saúde da pessoa ou contribua, por exemplo, para o envelhecimento.

Devem-se diferenciar, na pessoa idosa, as mudanças rela-cionadas ao sono ligadas ao processo de envelhecimento das decorrentes das várias afecções associadas à idade (doen-ças crônicas, dores, quadros demenciais etc.), que podem contribuir, direta ou indiretamente, para sua perturbação, não sendo, no entanto, distúrbios primários dele.

No processo de envelhecimento, o sono sofre mudanças quantitativas e qualitativas que são percebidas

pelo idoso como perturbações e podem ser apresentadas na forma de queixas. São elas:

Dificuldade em manter o sono noturno •(os idosos demoram para adormecer e acordam várias vezes durante a noite). Percepção do sono como mais leve e •menos satisfatório (menor eficiência do

sono).

Despertar muito precoce. alguns estudos sugerem que, com o en-•velhecimento, torna-se necessário um avanço no sistema circadiano para que o organismo se ajuste à periodicidade do ambiente e da organização social (como se um “relógio interno” fosse adiantado), o que determinaria a escolha de horários precoces para o início do sono e para o despertar, por exemplo.maior tendência a dormir durante o dia, intencionalmente ou não •(sesta e cochilos). Parte dos idosos já não está sob a influência de pistas temporais importantes, como horários de trabalho, e, assim, pode não ter interesse, motivação ou necessidade de manter horários regulares para levantar-se, deitar-se, alimentar-se ou executar quais-quer outras atividades, o que contribui para acentuar ainda mais a fragmentação do sono.

Tais modificações, quando muito acentuadas, podem trazer alguns problemas:

Distúrbio do início e manutenção do sono (DimS), que é a exa-•cerbação da dificuldade em conciliar e em manter o sono noturno, queixa frequente entre as pessoas idosas.Despertar muito precoce (em torno das 3 ou 4 horas da manhã), •que pode ser indício de um quadro depressivo.Sonolência diurna excessiva, resultante de síndrome da apneia do •sono, mioclono noturno ou outros distúrbios.

atualmente, considera-se que a necessidade quantitativa de sono, ou seja, sua duração adequada, não diminui com o envelhecimento. Nesse caso, questiona-se por que os idosos parecem ter, em geral, um sono noturno de menor duração e pior qualidade que os adultos jovens. isso poderia estar relacionado à redução da capacidade para dormir e não da necessidade de sono entre os idosos, a qual seria satisfeita com sua distribuição em mais de um episódio ao longo das 24 horas do dia. as frequentes interrupções do sono noturno e a presença de episódios de sono durante o dia (cochilo) parecem indicar,

Devem-se diferenciar as mudanças relacionadas ao sono ligadas ao envelhecimento das decorrentes das várias afecções associadas à idade.

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para a qualidade do sono, bem como sofrer a influência desta (reali-zação de atividades de lazer, prática de exercícios físicos, presença de interação social, qualidade da alimentação do idoso, entre outros).

o cuidador precisa estar orientado sobre as modificações que ocorrem com o padrão de sono do idoso e suas queixas, avaliar a necessidade de encaminhá-lo a um exame criterioso para afastar distúrbios do sono ligados a outros problemas de saúde e conhecer algumas intervenções não farmacológicas que podem auxiliar na melhoria desse quadro.

Recomendações quanto ao uso de medicamentos para dormir

infelizmente, as pessoas idosas costumam ser responsáveis por gran-de parte do consumo de medicamentos para dormir (de diversos tipos), levadas pela sensação de não dormirem bem ou o suficiente durante a noite. a utilização de medicamentos, no entanto, não assegura um sono de melhor quali dade. modificações metabólicas e funcionais próprias do envelhecimento tornam a pessoa idosa mais vulnerável aos efeitos colaterais desses medicamentos e a uma indesejável sono-lência durante o dia, que pode aumentar, entre outros riscos, a pos-sibilidade de quedas e suas consequentes complicações.

a prescrição de medicação de efeito sedativo ou hipnótico é de res-ponsabilidade exclusiva do médico após minuciosa avaliação de todos os fatores que possam estar resultando em prejuízo para o sono

do idoso. o cuidador deve ficar atento aos efei-tos colaterais indesejáveis que

o medicamento venha a ocasionar e nunca, em hi-pótese alguma, aumentar a

dose prescrita sem consulta médica prévia.

além de diminuição da quantidade de sono, sua redistri-buição, caracterizando-o com um padrão fragmentado, ou sono polifásico.

a qualidade percebida do sono é uma experiência subje-tiva; portanto, não cabe ao cuidador afirmar que a pessoa idosa “dormiu muito bem” e está se “queixando à toa”, apenas por ter observado que ela dormiu uma noite intei-ra, de forma aparentemente profunda e tranquila. a ob-servação contínua ao longo da noite não é o habitual; o que se costuma fazer são observações intermitentes, entre as quais podem ocorrer episódios de interrupção do sono que passam despercebidos pelo observador.

o cuidado com o sono requer, inicialmente, uma avaliação de seu padrão habitual, existam ou não queixas. Para isso, devem ser ano-tados: horários de dormir e despertar; latência estimada para o início do sono (“quanto tempo demorou para pegar no sono”); número, duração e motivo das interrupções do sono; número e duração de sestas ou cochilos; queixas relatadas pelo companheiro de leito ou outras pessoas próximas; satisfação do idoso com a qua-lidade do sono, bem como sensação de bem-estar ao despertar; e sonolência ou fadiga durante o dia. observações que indiquem a presença de problemas devem ser investigadas mais detalhada-mente por um profissional de saúde.

É preciso verificar se o idoso possui uma rotina que precede o ato de deitar-se para dormir (ex.: tomar banho ou fazer outro tipo de higiene, rezar o terço, fazer uma refeição), sua regularidade e sua possível influên-cia na qualidade do sono. o ambiente físico em que o idoso dorme também tem de ser observado quanto a temperatura, iluminação, sons, presença de outrem, características da cama e segurança do local.

além disso, deve-se analisar a qualidade da vigília, pois alguns fatores, típicos de quando se está acordado, podem contribuir decisivamente

A qualidade percebida do sono é uma experiência subjetiva; portanto,não cabe ao cuidador afirmar que a pessoa idosa “dormiu muito bem” e está se “queixando à toa”.

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Sugestões para um sono de melhor qualidade

Não existem “receitas” de como dormir melhor, e sim alternativas de tratamento não farmacológico para a obtenção de sono de melhor qualidade que podem ser utilizadas e adequadas às peculiaridades do sono daquele indivíduo, com resultados que variam bastante de uma pessoa para outra.

Cabe ao cuidador atuar na promoção da denominada higiene do sono, conjunto de hábitos e comportamentos que auxiliam a melho-rar ou manter a qualidade do sono. envolve hábitos regulares, desen-volvimento de atividades físicas e ambiente físico adequado para dormir.

a manutenção de hábitos regulares contribui para um sono menos fragmentado e de melhor qualidade. idosos com sono muito inter-rompido e sonolência diurna excessiva devem estabelecer horários e rotinas regulares para deitar-se e despertar, além de horários de refei-ções, lazer, realização de atividade física e outros. Hábitos que sina-lizem a aproximação do horário de dormir (preparo do leito, roupa apropriada, banho morno) são especialmente importantes. os cochi-los ou a sesta (que resultam em maior sensação de bem-estar) podem ser inseridos em horário regular como parte da rotina diária, o que não vai interferir na fragmentação do sono noturno.

a ingestão de alimentos leves antes de dormir não costuma ser pre-judicial para o idoso, especialmente se é um hábito antigo e se ele não possui disfunções do trato alimentar, como refluxo gastroesofageano, caso em que deve ser contraindicada, pelo maior risco de aspiração.

a ingestão de líquidos deve ser restrita a algumas horas antes de deitar-se, sobretudo na presença de noctúria (levantar à noite para urinar) ou de incontinência urinária. recomenda-se que os diuréticos sejam tomados pela manhã. Não há comprovação de que o leite au-xilie a conciliar o sono. Bebidas com cafeína (café, chá-preto e mate,

achocolatados e refrigerantes à base de cola), por suas propriedades estimulantes, precisam ser evitadas em horários próximos ao de dor-mir. o mesmo se aplica a cigarros (efeito estimulante) e álcool (pro-voca sonolência inicial, mas prejudica a qualidade do sono).

a crença de que o desempenho de exercícios físicos influencia posi-tivamente a qualidade do sono relaciona-se à ideia de compensação das energias perdidas; portanto, maiores níveis de atividade física resultariam em aumento na profundidade e duração do sono. os efeitos fisiológicos dos exercícios sobre o sono ainda não são bem conhecidos, porém os efeitos psicológicos são positivos e devem ser valorizados.

a atividade física tem de ser adequada às condições de saúde do idoso e desenvolvida com regularidade e critério. embora o período da manhã seja tradicionalmente recomendado para sua prática, vários estudos têm evidenciado que é nesse período que ocorrem os mai ores valores da pressão arterial, da viscosidade sanguínea e da agregabili-dade plaquetária. Tais fatores, em conjunto com o esforço des pendido no exercício e a perda de líquidos, aumentam o risco de ocorrência de eventos cerebrais (aVC) e cardíacos isquêmicos (infarto), especialmente nas primeiras ho-ras da manhã. Sugere-se, assim, a rea lização de exercí-cios de leve ou moderada intensidade no final da manhã ou da tarde, mas não logo antes de dormir, pois pode-riam prejudicar a qualidade do sono. a exposição à luminosidade solar contribui para a regularização do ritmo circadiano de secreção da melatonina e para a consolidação do padrão de sono do idoso.

o ambiente físico deve proporcionar conforto, segu-rança e permitir o contraste entre o dia e a noite. Conforto envolve a avaliação das condições do mobi-liário (bom estado de conservação), colchões, travesseiros

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e roupas de cama (macias e bem esticadas), iluminação (indireta, de baixa intensidade), temperatura do ambiente (temperaturas muito baixas ou muito elevadas são fatores de perturbação do sono) e presença de ruídos (ambientes ruidosos provocam redução da quantidade de sono de ondas lentas, respostas cardiovasculares, como taquicardia e vasoconstrição, e interrupção do sono).

Segurança envolve a tranquilização da pessoa idosa contra a ocorrência de situações de violência (ex.: assaltos). uso de grades nas janelas (casas térreas) e revisão de portas e fechaduras podem contribuir para amenizar o problema.

o estabelecimento de contrastes entre o dia e a noite auxilia o sistema de temporização circadiana (responsável

pela organização dos ritmos circadianos) do idoso a distingui-los. esse sistema historicamente adaptou o organismo humano a dormir em um ambiente escuro e quieto, à noite. além das recomendações mencionadas quanto ao conforto, é importante aumentar os estí-mulos oferecidos durante o dia e diminuí-los à noite (minimização de ruídos e iluminação no quarto do idoso).

a pessoa idosa deve procurar deitar-se apenas para dormir e, de pre-ferência, quando sentir sono, evitando uma permanência longa e desnecessária na cama, sobretudo durante o dia. idosos instituciona-lizados ou acamados tendem a apresentar um sono noturno muito fragmentado e pouco satisfatório, aumentando a sonolência diurna e criando um círculo vicioso.

a experiência subjetiva do sono é particular e complexa, e elevar a qualidade do sono significa melhorar a qualidade da vigília e, conse-quentemente, a qualidade de vida da pessoa idosa.

Não existem “receitas” de como dormir melhor, e sim alternativas de tratamento não farmacológico para a obtenção de sono de melhor qualidade adequadas às peculiaridades do sono do indivíduo.

A alimentação é fundamental na promoção, manutenção e/ou recuperação da saúde em qualquer fase da vida. as necessidades nutricionais, no entanto, variam de acordo com o sexo, a idade,

a atividade física e a presença de doenças.

Com o envelhecimento, algumas alterações no organismo costumam modificar as necessidades nutricionais, o que pode ser ainda mais acentuado pela presença de doenças, pelo uso de medicamentos ou por problemas sociais e psicológicos.

ocorre uma mudança na composição corporal, com diminuição da massa magra (músculos e ossos), aumento da massa gordurosa, dimi-nuição do metabolismo basal e tendência à inatividade física. essas transformações interferem na quantidade de energia necessária dia-riamente à pessoa idosa.

Já as alterações sensoriais (visão, paladar, olfato, audição e tato) podem levar à perda de apetite e, consequentemente, a uma menor ingestão

Capítulo 5

Facilitando o desenvolvimento de atividades de vida diária: alimentação

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de alimentos. a ausência parcial ou total de dentes, o uso de próteses (parciais ou totais) inadequadas, a presença de doenças periodontais e cáries e a diminuição da secreção salivar (xerostomia) são fatores que, em geral, provocam dificuldade de mastigação e deglutição, propiciando hábitos alimentares inadequados, entre eles a diminuição do consumo de alimentos como carnes, frutas, verduras e legumes crus. isso é ainda mais acentuado quando o idoso apresenta limitações físicas que o impedem de sair para fazer compras, o que, por vezes, compromete seu padrão alimentar.

alterações gástricas e metabólicas podem dificultar a digestão e favo-recer a obstipação intestinal (prisão de ventre).

É frequente entre as pessoas idosas a presença simultânea de várias doenças (diabetes melito, hipertensão arterial, aterosclerose, osteopo-rose etc.), que, associadas ou isoladamente, podem afetar suas necessi-dades nutricionais, por alterarem os processos metabólicos, a digestão, a absorção, a utilização e a excreção de nutrientes. Quando os medica-

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mentos utilizados para o controle dessas doenças interagem entre si e com os nutrientes dos alimentos, prejudicam o processo de alimentação e nutrição e, consequentemente, o estado nutricional do idoso.

Com o envelhecimento, as pessoas podem ainda perder o interesse para preparar e ingerir as refeições, ou porque moram sozinhas e não têm motivação para a realização dessas tarefas, ou porque, mesmo acompanhadas, vivem em permanente conflito, e isso se reflete na recusa dos alimentos.

os hábitos alimentares são fixados na infância e tendem a se perpe-tuar ao longo da vida, tornando-se cada vez mais arraigados e difíceis de modificar. Soma-se a isso a existência de crenças e tabus, baseados em informações incorretas que podem levar a prejuízos nutricionais. assim, alguns alimentos ou preparações são considerados “leves”, “pesados”, “quentes”, “frios”, “impróprios” para o consumo em con-junto com outros (ex.: leite com manga) ou em determinados horá-rios (à noite) ou, ainda, “milagrosos”, embora não haja nenhuma comprovação científica (ex.: suco de laranja com berinjela crua pela manhã, em jejum, para baixar o colesterol sanguíneo).

É comum que o padrão alimentar dos idosos seja comprometido pela aposentadoria e pela escassez de recursos financeiros, uma vez que grande parte destes é utilizada na aquisição de medicamentos, tidos como prioritários. um pouco do que resta é gasto na aquisição de alimentos mais baratos (pão, bolacha) e de mais fácil preparo, em detrimento de alimentos mais caros (carnes, leite e queijos).

Funções dos alimentos

Nosso organismo recebe dos alimentos todas as substâncias necessárias a seu bom funcionamento. estes são constituí dos por elementos cha-mados nutrientes, indispensáveis à vida humana. os nutrientes são: água, carboidratos, proteínas, lipídios, vitaminas, minerais e fibras.

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Cada alimento possui vários nutrientes em diferentes quantidades e cada nutriente exerce uma função específica no organismo. Com exceção do leite materno, nenhum outro alimento é completo do ponto de vista nutricional. Dessa forma, de acordo com a quan tidade de nutrientes presentes nos alimentos, bem como a função que exercem no organismo, os alimentos podem ser classificados em três grupos: energéticos, construtores e reguladores. o que determina em qual grupo um alimento se enquadra é o nutriente que nele está presente em maior quantidade e a função que este exerce, predo-minantemente, no organismo.

os alimentos energéticos são aqueles que têm a função primordial de fornecer energia para que o organismo possa desenvolver suas atividades internas (metabolismo basal) e externas (andar, correr, trabalhar, jogar etc.). São constituídos sobretudo por carboidratos (simples e complexos) e lipídios.

os alimentos ricos em carboidratos complexos são representados especialmente pelo amido (cereais, farinhas derivadas de cereais, mas-sas, feculentos e derivados); os ricos em carboidratos simples, pelos açúcares (doces em geral, mel e refrigerantes comuns).

Os alimentos energéticos fornecem energia para que o organismo possa desenvolver suas atividades internas e externas.

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os alimentos ricos em lipídios (gorduras), além de fornecer energia, veiculam ácidos graxos essenciais e vitaminas lipossolúveis (solúveis na gordura) e auxiliam na regulação térmica do organismo (óleos, margarinas e gordura intrínseca de carnes, leite, queijos, iogurtes). Podem ser subdivididos em: de origem vegetal (óleos vegetais, azeite de oliva, azeite de dendê, gordura vegetal hidrogenada, margarinas, halvarinas, cremes vegetais) e de origem animal (manteiga, banha, toucinho, bacon, creme de leite e gordura intrínseca de carnes, leite, queijos, iogurtes, requeijão).

existem, ainda, as gorduras saturadas (gordura de car-nes, leite, queijos, manteiga, creme de leite e requeijão, banha, toucinho, ovo, gordura vegetal hidrogenada, azeite de dendê, gordura de coco, leite de coco, óleos vegetais superaquecidos e reutilizados várias vezes e margarinas duras) e as insaturadas (as monoinsatu radas do azeite de oliva e as poli-insaturadas dos óleos vege-tais e margarinas cremosas).

a ingestão de alimentos ricos em lipídios é importante, mas seu consumo deve ser controlado, por causa da alta densidade energética e de sua relação com algumas doenças (obesidade, diabetes e cardiovasculares).

os alimentos construtores têm a função de prover substâncias para a construção, manutenção e/ou recuperação das diversas partes do organismo. Fornecem, principalmente, proteínas, cálcio e ferro.

os alimentos ricos em proteínas podem ter origem animal (carnes de todos os tipos, vísceras, ovos, leites, queijos, iogurtes, coa-lhadas) ou vegetal (feijões de todos os tipos, soja, lentilha, grão-de-bico, ervilha seca).

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os ricos em cálcio são representados por leite, queijos, iogurtes e coalhada. em sua forma integral, têm gordura saturada e colesterol.

Já os alimentos ricos em ferro são as carnes, vísceras (fígado, rins) e leguminosas secas. o ferro presente nas carnes é bem assimilado pelo organismo, mas o das leguminosas secas, para ser aproveitado, tem de ser ingerido com alimentos que contenham vitamina C (laranja, mexerica, acerola, caju e outros, ao natural ou como suco). os ovos são ricos em proteínas, porém não constituem boa fonte de ferro; assim, não é recomendável fornecer gema de ovo como fonte de ferro.

os alimentos reguladores contribuem para a elevação da resistência do organismo às infecções, auxiliam na proteção da pele e da visão e ajudam na regulação do funcionamento intestinal. Fornecem, prin-cipalmente, vitaminas, minerais e fibras, e são representados pelas frutas, hortaliças e cereais integrais.

o teor de fibras da alimentação aumenta quando as frutas são consumidas com casca e bagaço. as frutas ricas em vitamina C (acerola, maracujá, goiaba, caju, laranja, mexerica, limão) devem ser ingeridas diaria-mente, pois nosso organismo necessita delas todos os dias e não as armazena. as frutas têm de ser bem lavadas em água corrente antes do consumo e podem ser ingeridas ao natural, em salada de frutas, como sucos ou vitaminas (leite batido com frutas).

as hortaliças são subdivididas em verduras (alface, agrião, rúcula, repolho, couve, escarola, espinafre, brócolis, almeirão e outras) e legumes (pepino, tomate, quiabo, jiló, berinjela, pimentão, abobri-nha, chuchu, cenoura, abóbora madura, beterraba e outros). algumas vitaminas podem ser destruídas com a cocção (cozimento) das hortaliças, portanto esses alimentos devem ser consumidos preferente-

Os construtores auxiliam na construção,manutenção e/ou recuperação do organismo, e os reguladores, na elevação da resistência às infecções, na proteção da pele e da visão e na regulação do funcionamento intestinal.

mente crus. Quando for necessário refogá-los, fazê-lo em fogo baixo, panela tampada, sem adição de água e em tempo adequado.

É preferível comprar as frutas e as hortaliças no perío-do de safra, porque, além de mais baratas, são mais nutritivas.

os cereais integrais e derivados (arroz integral, aveia, pão de trigo integral, biscoitos integrais, farinhas inte-grais) fornecem vitaminas, minerais e fibras em maior quantidade do que seus correspondentes refinados.

os idosos, em geral, apresentam diminuição do peris-taltismo intestinal, ocorrendo frequentemente obstipa-ção (prisão de ventre). assim, é fundamental que se forneça a quantidade adequada de frutas, hortaliças e/ou cereais integrais, para a minimização desse problema. Deve-se, ainda, garantir o consumo diário de seis a oito copos de água ou outros líquidos (ex.: chás, sucos) para facilitar o funcionamento do intestino.

a alimentação saudável é importante para o bem-estar físico, mental e social das pessoas, para a prevenção de agravos à saúde e para o controle de determinadas doenças, contribuindo, desse modo, para melhorar sua qualidade de vida. uma alimentação saudável é a equi-librada do ponto de vista nutricional. Significa que deve fornecer energia (calorias) e todos os nutrientes em quantidade suficiente para o bom funcionamento do organismo. essa quantidade varia de pessoa para pessoa, de acordo com o sexo, a idade, o peso, a altura, a ativida-de física, o estado fisiológico ou a presença de doenças. Portanto, a necessidade nutricional é individual.

Com o objetivo de auxiliar na orientação nutricional quanto a uma alimentação saudável para indivíduos idosos, o Grupo de estudos de

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Nutrição na Terceira idade (Genuti), formado por nutricionistas, elaborou um guia alimentar, baseado no Food Guide Pyramid (1992), considerando as recomendações nutricionais do National research Council (1989), os inquéritos alimentares realizados com idosos no Brasil, mais especificamente em São Paulo, e a experiência profissio-nal dos membros do Genuti.

a pirâmide de alimentos foi escolhida como forma de orientação para uma alimentação saudável, porque sua estrutura dá a conotação exa-ta de equilíbrio e proporcionalidade. ela se divide em sete grupos, de acordo com as funções que exercem no organismo.

Cada um dos grupos fornece alguns nutrientes, porém não todos de que o organismo necessita. assim, para que a alimentação seja equili-brada, é preciso consumir alimentos de todos os grupos. Nenhum deles é mais importante do que os outros, mas devem ser observadas as porções recomendadas. essas porções foram estabelecidas com base

A alimentação equilibrada do ponto de vista nutricional é aquela que fornece energia e todos os nutrientes em quantidade suficiente para o bom funcionamento do organismo.

em uma quantidade considerada padrão (ou habitual) para cada grupo de alimentos e seus equivalentes. Há um número mínimo e um máximo de porções para cada grupo, visando a contemplar dietas com diferentes valores calóricos e necessidades específicas de nutrientes.

Grupo 1• – Constitui a base da pirâmide e é compos-to por alimentos energéticos, ricos em carboidratos complexos. É o grupo que representa a maior parcela de contribuição da alimentação.

Grupo 2• – É formado pelas hortaliças (verduras e legumes), alimentos reguladores, devendo compor a alimentação com três a cinco porções.

Grupo 3• – É constituído pelas frutas, alimentos reguladores, reco-mendando-se que pelo menos uma delas seja rica em vitamina C.

Grupo 4• – É composto pelo leite, queijos e iogurtes, alimentos construtores.

Grupo 5• – É formado pelas carnes, ovos e leguminosas secas, alimentos construtores.Grupo 6• – É constituído pelos açúcares e doces em geral, alimen-

tos energéticos, mas que fornecem, principalmente, carboi-dratos simples.

Grupo 7• – É composto pelos lipídios, alimentos energéticos.

as pessoas idosas portadoras de diabetes, obesidade ou hipertrigliceridemia (triglicéride sanguíneo elevado)

devem evitar ou controlar o consumo de alimentos dos grupos 6 e 7. os produtos diet podem não con-ter açúcar, mas apresentar grande quantidade de gordura, o que seria igualmente contraindicado para esses indivíduos.

Pirâmide alimentar

Gorduras, óleos e açúcaruse pouco

Feijão, peixe, aves, carnes e ovos2 a 3 porções

Leite, iogurte, queijo3 porções

Vegetais3 a 5 porções

Água/líquidos:8 ou mais porções

Frutas2 a 5 porções

Pão, cereais, arroz, macarrão6 a 9 porções

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Cabe ressaltar que, dentro do mesmo grupo, os alimentos se equivalem em termos nutricionais, podendo, assim, ser substituídos uns pelos outros sem prejuízo da qualidade nutricional da alimentação.

os alimentos dos grupos 6 e 7 estão no topo da pirâmi-de e, portanto, são proporcionalmente os menores grupos, o que significa que devem ser consumidos em pequena quantidade, mesmo porque os nutrientes que eles forne-cem estão presentes, naturalmente ou adicionados, nos alimentos dos outros grupos da pirâmide. o fato de es-tarem no topo da pirâmide não quer dizer que sejam os mais importantes.

a água é um nutriente importantíssimo na alimentação dos idosos, mas costuma ser negligenciada. alguns autores afirmam que o idoso é um desidratado crônico e, ao ser questionado sobre seu consumo diá-rio, sua resposta costuma ser: “Não sinto sede” ou “Não me lembro de

beber água”. É preciso ingerir de seis a oito copos de água ou líquidos (chás, sucos) por dia. Popularmente, há a falsa ideia de que não se deve beber durante as refeições. Na realidade, não se pode exagerar na quantidade de líquido consumido (um copo por refeição), evitando refrigerantes e bebidas al coólicas. esse hábito facilita a mastigação e a deglutição e auxilia na formação do bolo alimentar e do bolo fecal, no bom funcionamento do intestino e na hidratação do organismo. a água exerce ainda outras funções importantes no organismo, como: partici-pa na regulação da temperatura corporal e em suas reações químicas; lubrifica as partes móveis do corpo; auxilia no funcionamento adequa-do de todos os órgãos, na digestão e absorção dos alimentos, na circu-lação e excreção de nutrientes; conduz nutrientes e catabólitos através do corpo.

É fundamental que em cada uma das refeições pelo menos um ali-mento energético, um construtor e um regulador estejam presentes. Devem ser feitas de três a cinco refeições por dia (café da manhã, lanche, almoço, lanche, jantar), com pouca quantidade de alimentos em cada uma delas, o que facilitará a digestão, e em horários regula-res. as refeições têm de ser agradáveis a todos os órgãos dos sentidos, despertando o apetite e o prazer de comer.

Há a crença equivocada de que o idoso não deve jantar, mas apenas fazer um lanche à noite. Cientificamente, nada contraindica essa

prática. o importante é observar a quantidade de alimen-tos a serem consumidos à noite e o horário da refeição.

em algumas ocasiões será preciso modificar o preparo dos alimentos (picá-los bem, amassá-los ou liquidificá-los) para que o idoso possa se alimentar adequadamente, permitin-do a mastigação e a deglutição e facilitando a digestão.

em outras, será necessário o uso de sondas nasogás-tricas ou enterais e de dietas especiais, normalmen-

te preparadas por laboratórios especializados.

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A água é um nutriente importantíssimo na alimentação dos idosos, mas costuma ser negligenciada. Alguns autores afirmam que eles são desidratados crônicos.

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A higiene pessoal, cuidado básico para a saúde e bem-estar do ser humano, é uma atividade incorporada na rotina diária desde a infância e difere entre culturas e épocas. entende-se por higiene

pessoal a corporal e íntima, a oral e a do couro cabeludo.

Higiene corporal

a cultura do asseio ou da limpeza do corpo veio com a revolução industrial. antes, as pessoas que trabalhavam no campo traziam esse registro em seu corpo e em suas roupas. mulheres de pescadores cheiravam a peixe e camponeses, a gado.

a sujeira era vista como positiva. Não tomar banho com frequência era demonstração de força, pois indicava que a pessoa não sentia frio tão facilmente. acreditava-se que a sujeira e as secreções que saíam do corpo lhe forneciam proteção adicional.

Capítulo 6

Facilitando o desenvolvimento de atividades de vida diária: higiene, vestimenta e conforto

o asseio, o autocontrole e a disciplina foram importantes ferramen-tas passadas de mão em mão em um processo histórico comumente referido como de “domesticação da classe trabalhadora”, que adotava os valores da classe média por meio das ideias de higiene. as “novas” normas preconizavam que as pessoas sujas eram rebeldes e difíceis, enquanto as limpas e saudáveis representavam organização. a guerra contra a sujeira, impurezas e a desordem constituía um clássico es-forço contra o caos.

o asseio passou, então, a diferenciar a classe média da trabalhadora e os camponeses da burguesia, esta reconhecida como classe social emergente. o asseio tornou-se moda. um mundo sem cheiros era elegante e aristocrático (“mundo longe dos currais”). os papéis do-mésticos foram redistribuídos, valorizando mais aqueles que, de al-guma maneira, administravam o trabalho dos outros em detrimento dos que realizavam serviços pesados.

os textos relacionados ao cuidado escritos nessa época falam da ne-cessidade dos “banhos de limpeza”. Para retirar a sujeira pesada, su-

Provérbios holandeses, 1559, de Pieter Bruegel (Staatliche Museen zu Berlin, Gemaldegalerie, Berlim).

Usina de ferro, 1872-1875, de Adolph von Menzel (Alte Nationalgalerie, Berlim).

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fAcilitAndo o desenvolvimento de AtividAdes de vidA diáriA: higiene, vestimentA e conforto

Quando os cuidadores depararem com resistência do idoso para o banho, o primeiro passo deve ser tentar descobrir o porquê. ele pode ter receio de sofrer uma queda no banheiro, estar apresentando algum tipo de dor ou simplesmente estar muito cansado.

As pessoas idosas realmente necessitam de banho diário?

o banho é, normalmente, realizado mais para agradar a quem cuida (senso de responsabilidade) do que para atender a uma real necessi-dade ou desejo da pessoa cuidada.

o banho diário não se baseia tanto em requerimentos clínicos, e sim em normas culturais. algumas delas valorizam o asseio e acreditam que o banho é incompleto se não houver o uso de vários xampus, sabonetes ou desodorantes; outras, porém, consideram o banho se-manal suficiente, não vendo sentido em “mascarar” o próprio odor com produtos perfumados.

a frequência do banho depende das necessidades apresentadas pelas pessoas idosas. em algumas circunstâncias, ele pode ser dado apenas, por exemplo, duas vezes por semana. É o caso dos idosos com sério ressecamento de pele, dos muito enfraquecidos ou dos que, por pro-blemas de saúde, cansam-se facilmente.

embora o banho seja muito importante, a rotina de seu uso diário não pode ser legitimamente resguardada. Se um banho por dia já é difícil de defender, o que dirá dois. No entanto, esse é o hábito de alguns hospitais, instituições, cuidadores domiciliares etc.

o auxílio à higiene corporal é, geralmente, uma das prin-cipais atividades desenvolvidas pelos cuidadores. isso ocorre quando a pessoa idosa apresenta dificuldades para banhar-se sozinha. Várias são as razões que podem gerar essa necessidade, entre elas: efeitos das

geria-se adicionar amônia à água e, para remover graxa, acrescentar álcool quen-te ou éter e benzina. as pessoas sub-metidas a esses banhos, denominados “banhos de admissão”, reclamavam do cheiro da mistura e de como se sentiam desconfortáveis com ele.

o lema adotado para a higienização dos doentes dizia: “Pessoas acamadas podem não parecer sujas, mas elas ne-cessitam de banho tanto quanto as que estão em pé”.

a explicação fisiológica passou a ser a seguinte: a pele é um órgão de excre-ção, que secreta gordura e água pela transpiração, juntamente com substân-cias orgânicas. Se essas substâncias não forem removidas da pele no banho, elas provocarão odor desagradável e, por vezes, lesões na pele.

a partir daí, em algumas culturas, o banho começou a ter utilização terapêutica nas formas de hidroterapia, banho frio, banho quente, banho a vapor, ou seja, as pessoas os procuravam para tratar de suas doenças. ainda hoje, mui-tas buscam banhos terapêuticos em spas ou estações de água para melhorar suas condições de saúde.

em outras culturas, no entanto, o banho não é visto como procedimento de conforto para pessoas doentes ou de-pendentes, mas como risco de torná-las ainda mais doen-tes, por ficarem expostas ao frio.

O auxílio à higiene corporal é uma das principais atividades dos cuidadores. Isso ocorre quando a pessoa não consegue banhar-se sozinha.

Após o banho, 1883, de Edgar Degas (Sammlung Durand-Ruel, Nova York).

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doenças existentes; diminuição de força e energia; presen-ça de dor ou desconforto; incapacidade de acessar deter-minadas partes do corpo (ex.: pés, pernas, costas); medo de se ferir durante o procedimento (insegurança pessoal); presença de confusão mental, dificuldade de compreensão, esquecimento do que deve ser realizado e como.

essa dificuldade em desempenhar a higiene pessoal pode ser classificada como temporária, permanente ou progressiva. o cuidador precisa ser alertado sobre a necessidade de estimular a pessoa idosa a realizar, du-rante o banho, aquilo que conseguir, pois os princípios de autonomia e independência devem ser sempre preservados.

o banho tem muitos objetivos, incluindo: limpar a pele; remover as bactérias; eliminar e prevenir os odores cor-

porais; estimular a circulação e a movimentação articular; prevenir as úlceras de pressão; promover o conforto e a sensação de bem-estar.

a pele é o maior órgão de nosso organismo, constituindo uma bar-reira física contra os micro-organismos e substâncias estranhas. Por conter inúmeras terminações nervosas, permite-nos reconhecer in-formações sobre o meio exterior.

Com o envelhecimento, ocorrem: diminuição da renovação epi-dérmica e da espessura da derme por perda de tecido subcutâneo; diminuição da tonicidade da pele por perda de elastina; perda da elasticidade da pele por redução do colágeno; alteração da barreira epidérmica; atrofia dos capilares da pele; perda de tecido adiposo subcutâneo e modificação em sua distribuição (menos em braços e pernas e mais na região abdominal); atrofia do tecido glandular da mama; aparecimento de rugas e de manchas na epiderme; di-minuição da atividade das glândulas sebáceas; atrofia das glândulas sudoríparas.

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“tegumentos” (pelos, cabelos, unhas): diminuição dos pelos; perda e redução da espessura dos ca-belos; embranquecimento; desaceleração do crescimento; espessamento das unhas (por dimi-nuição da circulação periférica).

Com o avançar da idade, há redução em todos os processos que mantêm nossa pele umectada, com perda de seu suprimento sanguíneo, o que contribui para a diminuição da secreção sebácea. as glândulas sebáceas secretam sebo para a su-perfície da pele pelo folículo piloso. este age como emoliente, mantendo a umidade da pele; sua diminuição resulta em pele e cabelos mais ressecados.

o primeiro objetivo do cuidado com a pele da pessoa idosa é a manutenção de sua hidratação; a umidade auxilia na prevenção da formação de feridas, pois per-mite que a pele seja mais resistente e tenha recuperação mais rápida quando lesada.

os queratinócitos constituem 95% da epiderme e são capazes de absorver grande quantidade de água. É por essa razão que, quando ficamos muito tempo em con-tato com a água, parecemos uma “ameixa seca”. Portanto, o momen-to ideal para hidratar a pele é logo após o banho, quando os querati-nócitos retêm, na pele, a maior quantidade de água possível. a aplicação de cremes, emolientes e loções auxilia na prevenção da evaporação da água, aumentando a umidade da camada mais super-ficial da pele e, consequentemente, sua proteção. Pensando no mesmo princípio, os óleos de banho não devem ser adicionados à água antes de 15-20 minutos de imersão.

O cuidador precisa ser alertado sobre a necessidade de estimular o idoso a realizar, no banho, aquilo que conseguir.

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ergonomia: empregar os princípios de uso dos •mecanismos corporais.autonomia e independência: encorajar o idoso a •se ajudar no banho o máximo que sua condição física/mental permitir.Conforto: proceder à higienização da pele com •delicadeza, principalmente naquelas lesionadas ou ressecadas.

Produtos para o cuidado com a pele utilizados no banho

muitos são os produtos disponíveis. a escolha de-pende da necessidade, da adequação e da preferên-cia da pessoa idosa.

Sabão• – Serve para a limpeza da pele. Pode ser comum, medicamentoso, perfumado ou umec-tante. os sabões/sabonetes comuns ressecam a pele e não devem ser utilizados todos os dias. recomenda-se que as pes-soas idosas que apresentarem ressecamento da pele em decorrência do envelhecimento usem sabonetes que contenham hidratantes ou lubrificantes. o ideal é utilizar o sabão/sabonete preferencial da pessoa idosa, a menos que seja indicado o uso de produto especial.

Óleo de banho• – Geralmente é colocado na água do banho para deixar a pele mais macia e prevenir o ressecamento. Seu uso, no entanto, pode deixar o local do banho escorregadio, aumentando o risco de quedas. É recomendado que óleos de banho sejam evita-dos e trocados por lubrificantes de pele, aplicados após o banho.Cremes e loções• – Deixam a pele mais macia e previnem o resseca-mento. os cuidadores devem estimular as pessoas idosas a autoa-plicarem essas substâncias, auxiliando-as apenas nas regiões do corpo que elas têm dificuldade para alcançar. a aplicação tem de

Qualquer produto que diminua a umidade da pele tem de ser evitado; assim, deve-se dar preferência àqueles que contenham emolientes e evitar os que sejam à base de álcool.

Talco e maisena não devem ser utilizados; o primeiro por-que absorve o óleo e pode ser inalado e o segundo porque, na presença de umidade, quebra-se, liberando glicose e levando à formação de um “meio de cultura” que facilita o desenvolvimento de micro-organismos e a instalação de um processo infeccioso.

o momento do banho também é indicado para uma ob-servação mais detalhada da pele da pessoa idosa (inspeção), permitindo identificar lesões, rachaduras, descamação, mudanças de coloração (descorada, avermelhada, azulada), presença de regiões quentes ao toque, edemas, hematomas e/ou tumorações.

Princípios gerais para o banho de pessoas idosas

organização: preparar previamente o banho, deixando •separado tudo o que será utilizado.Privacidade: não expor o idoso desnecessariamente.•manutenção do aquecimento da pessoa: mantê-la cober-•ta com uma toalha sempre que possível e evitar as cor-rentes de ar, fechando portas e janelas.Sequência: iniciar o banho pelas áreas mais limpas, •seguindo para as mais sujas.Segurança: prevenir acidentes utilizando procedimentos •de segurança como banho sentado, instalação de barras de apoio, uso de tapetes antiderrapantes, checagem da tem-peratura da água etc.Banheiros com itens de segurança.

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ser feita de forma delicada e gentil (não esfregar vigorosamente) e ser precedida pelo aquecimento do produto nas próprias mãos. Deve-se utilizar uma pequena quantidade e remover o excesso do creme com uma toalha, pois a aplicação em excesso deixará a pele escorregadia e pegajosa, o que pode ser desagradável e desconfortá-vel para o idoso.Talco• – os idosos, geralmente, têm o hábito de utilizá-lo para re-frescar a pele e prevenir a fricção entre duas superfícies que ficam em contato (entre as coxas e abaixo das mamas, por exemplo); no entanto, não é recomendado. Se não for possível persuadir a pessoa idosa a não usá-lo, alguns cuidados são necessários: aplicar apenas uma fina camada na superfície da pele; não associá-lo a cremes, porque isso propiciará a formação de uma crosta que se solidificará sobre a pele, causando irritação e aumentando o risco de infecção; não espalhá-lo no ar, pois a inalação de partículas pode irritar o trato respiratório, provocando espirros.

Desodorante• – É aplicado na região axilar após o banho, para pre-venir o odor corporal. Seu uso deve ser evitado em peles irritadas ou machucadas. recomendam-se os desodorantes sem perfume, pois os perfumados podem provocar sensação de desconforto na pessoa idosa. o cuidador deve sempre lhe perguntar qual o deso-dorante de sua preferência e procurar utilizá-lo.

Tipos de banho

Banho de aspersão (chuveiro)• – as pessoas idosas podem tomar banho de chuveiro em pé ou sentadas, dependendo de sua condição física. algumas medidas de segurança devem ser consideradas pelo cuidador: sempre colocar um tapete antiderrapante no interior do boxe antes de a pessoa idosa entrar no recinto; ter certeza de que o piso do banheiro está seco, para impedir escorregões e quedas; não aplicar óleo de banho na pele da pessoa durante o banho, para evitar

que o piso fique escorregadio; certificar-se de que a temperatura da água do banho está apro-priada, usando, para tanto, o dorso da mão ou braço, e proceder aos ajustes necessários antes de iniciar o banho; se a pessoa idosa for capaz de se banhar sozinha, ficar próximo ao banheiro enquanto ela o faz; evitar correntes de ar, fe-chando a porta do banheiro e a do boxe; a instalação de barras de apoio no interior do boxe aumenta a segurança da pessoa idosa durante o banho, e ela deve ser orientada a nunca se apoiar no toalheiro ou na sabone teira, pois estes não estão preparados para suportar seu peso e podem se quebrar, ocasionando acidentes (quedas, traumas, lesões).Banho de leito• – É adequado para os idosos que não são capazes de se banhar sozinhos e não podem ou têm muita dificuldade em se dirigir ao banheiro. Pessoas inconscientes, incapacitadas (física ou mentalmente) ou muito enfraquecidas são potencialmente candidatas a esse tipo de banho. o banho de leito pode ser cons-trangedor para a pessoa, pois aumenta seu sentimen-to de dependência, diminui sua autonomia e rompe com sua privacidade. Garantir a privacidade do idoso, executar o procedimento rápida e eficientemente e conversar com ele enquanto procede ao banho pode minimizar esses sentimentos.

Banho parcial• – Nesse tipo de banho, dado na cama ou no banheiro, face, mãos, axilas, pescoço, nádegas e genitália são, normalmente, as áreas higienizadas. a higiene oral pode ser feita nesse momento.

O idoso pode tomar banho de chuveiro em pé ou sentado, dependendo de suacondição física, e o cuidador deve considerar algumasmedidas de segurança.

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Cuidados durante o banho

Dirigir-se ao idoso usando seu nome preferido, demonstrando res-•peito e reforçando sua identidade pessoal.

Nunca utilizar apelidos sem autorização ou termos demasiadamen-•te afetuosos (“minha querida”, “meu coração”, “minha linda”, “meu fofo”) ou ainda diminutivos que infantilizam (“lindinha”, “queri-dinho”, “mãozinha”, “boquinha”).

Conversar com a pessoa idosa antes do banho, explicando o que •será feito e como.

Preparar o ambiente do banho, separando os materiais necessários, •fechando as portas e janelas e aquecendo o ambiente.

Permitir que o idoso escolha os artigos a serem utilizados no banho, •assim como as roupas que vestirá depois.

ajudá-lo na medida de suas necessidades.•

Tranquilizá-lo e confortá-lo com contato físico gentil e delicado, •principalmente se ele apresentar deficits sensoriais.

respeitar sua intimidade e sua privacidade (fechar a porta, o boxe, •a cortina).

evitar interrupções (nem as mais breves) durante a execução do •banho (atender telefones ou outras pessoas, sair do local do banho deixando a pessoa idosa sozinha).

Cuidado com as unhas das mãos e dos pés

o cuidado com as unhas deve ser realizado, preferencialmente, após o banho, pois elas estarão mais hidratadas e amolecidas. Caso sejam muito espessas, endurecidas e quebradiças, colocá-las, por cerca de 10 minutos, imersas em uma solução de água bicarbonatada ou água morna com sabão neutro ou umectante. isso facilitará o corte, que deve ser em linha reta (para que não encravem) e não muito rente à

pele (evitando lesões, que podem originar processos inflamatórios ou infecciosos). após o corte, lixá-las e enxaguá-las. Finalizar secando cuidadosamente as regiões interdigitais. as cutículas não devem ser retiradas, para evitar ferimentos e infecções.

os pés merecem atenção especial, pois são os responsáveis pela sus-tentação do corpo, postura e marcha, fundamentais para a maior independência da pessoa idosa. inicialmente, devem ser cuidadosa-mente inspecionados (temperatura, estado da pele, sensibilidade, circulação, presença de deformidades – joanetes, calosidades etc. –, micoses interdigitais e onicomicoses).

algumas precauções simples são recomendadas: secá-los cuidadosa-mente, sem esfregar, especialmente as regiões interdigitais, para evitar a contaminação por fungos; exercitá-los, para prevenir contratura e atrofias musculares, e estimular a circulação realizando movimentos de rotação e extensão; auxiliar na colocação de meias limpas e folgadas (sem furos ou remendadas com costuras duras), para mantê-los aque-cidos, proporcionando sensação de conforto; ajudar na colocação de calçados, verificando sua adaptação aos pés (para evitar lesões). Pessoas idosas com diabetes requerem cuidado especial com os pés. Nesses casos, o encaminhamento para um podólogo pode ser necessário.

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Higiene oral

a higiene oral tem por finalidades: prevenir afecções dentárias, pe-riodontais e infecções; eliminar restos alimentares e micro-organismos; estimular a circulação sanguínea local; evitar mau hálito; proporcio-nar sensação agradável de limpeza e conforto. Sua falta ou sua defi-ciência, geralmente, podem ocasionar problemas como: cáries; acú-mulo de placas bacterianas (mau hálito, sangramentos da gengiva); hipersensibilidade dos dentes (dificultando a alimentação e a hidra-tação); infecções.

Preconiza-se que a higiene oral seja realizada ao acordar, pela manhã, após as refeições e antes de dormir. essa recomendação é aplicada a dentes naturais ou não (próteses parciais ou totais). No caso do uso de próteses (dentaduras, pontes ou coroas), podem ser utilizadas para higiene escovinhas de unhas (sem uso anterior), pois tornam a limpe-za mais fácil e eficiente.

o idoso que não puder proceder à higiene oral no banheiro deve estar posicionado sentado (ângulo de 45°) ou deitado com a cabeça late-ralizada. a escovação dos dentes naturais é realizada com movimen-tos firmes, de varredura, em um ângulo de 45° entre as cerdas da escova e a gengiva, tanto na arcada superior como na inferior, com o intuito de limpá-los e massagear a gengiva. a língua e a mucosa oral também devem ser higienizadas.

existem, no mercado, dispositivos próprios para a hi-gienização da língua; em seu lugar, porém, pode ser utilizada a escova de dentes ou uma espátula envolvida em gaze. os movimentos devem ser suaves em um úni-co sentido (de dentro para fora) para evitar náuseas (vontade de vomitar). após a escovação, a boca tem de ser enxaguada com água limpa, que deve ser desprezada em recipiente próprio. repetir esse procedimento quan-tas vezes forem necessárias, até que os dentes, a língua e a mucosa oral estejam limpos.

Durante a realização do procedimento, devem ser observadas a cor, sensibilidade e integridade dos lábios, língua, gengiva, dentes e mu-cosa oral, presença ou não de mau hálito e adaptação de próteses. Com o envelhecimento, costumam ocorrer perda da elasticidade da mucosa oral, diminuição do fluxo salivar e reabsorção óssea, dificul-tando a adaptação das próteses dentárias, o que pode provocar lesões nem sempre percebidas pela pessoa idosa. recomenda-se o uso de fio dental para complementar a limpeza dos espaços interdentais, não permitida pela escova. ao final do procedimento, os lábios devem ser lubrificados, evitando ressecamento e rachaduras.

Cuidados com o vestuário

o vestuário é um hábito pessoal que pode ser modificado com o avançar da idade pela presença de disfunções físicas ou cognitivas.

as roupas da pessoa idosa devem ser acondicionadas em local de fácil acesso, especialmente na presença de limitações motoras (uso de bengala, andador ou cadeira de rodas). o estilo preferencial do idoso tem de ser preservado sempre que possível, mantendo sua identidade e evitando constrangimentos. as mudanças, quando necessárias, devem ser feitas com sua participação; em geral, elas são indicadas

A higiene oral deve ser realizada ao acordar, pela manhã, após as refeições e antesde dormir, sejam os dentes naturais ou não.

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quando há necessidade de reduzir o desconforto e o cansaço na hora de se vestir e de andar. recomenda-se o uso de tecidos macios, antia-lérgicos e que não amassem.

Se a pessoa idosa for mais dependente fisicamente ou apresentar li-mitação articular (sobretudo nas mãos), os zíperes podem ser substi-tuídos por elásticos e os botões por velcro. Fechamentos frontais de roupas e peças íntimas facilitam a maior independência do idoso na realização dessa atividade.

os calçados devem ser de fácil colocação, confeccionados com ma-terial macio, porém firme, e possuir solado antiderrapante, adaptação aos pés adequada e confortável e, preferencialmente, de salto baixo. isso evitará o surgimento ou a piora de deformações (joanetes e calos) e/ou lesões (por má adaptação). Chinelos não são recomendados (principalmente os de dedo), pois facilitam a ocorrência de quedas. Sapatos fechados e sem cadarço são mais adequados.

o cuidador também deve estar atento à manutenção da higiene do ves-tuário e a sua organização, pois, além de proporcionar sensação de conforto, segurança e bem-estar ao idoso, auxilia na manutenção de sua independência para a execução dessa atividade por mais tempo.

manter a autonomia da pessoa idosa constitui o princípio básico na execução desse cuidado. o cuidador deve auxiliá-la e não decidir por ela o que vai ou não vestir.

Capítulo 7

Facilitando o desenvolvimento de atividades de vida diária: administração de medicamentos

O s idosos representam o principal grupo de pessoas que usam medicamentos, muitas vezes sem receita médica. eles padecem de doenças crônicas como diabetes, artrite, hipertensão,

doenças cardíacas e articulares, entre outras, necessitando desses agen-tes por longo prazo.

medicamento é uma substância química que produz efeitos sobre os organismos vivos, composta por um princípio ativo,

que contém a propriedade terapêutica, e excipientes, que, em geral, dão sabor e cor ao produto.

os medicamentos apresentam nomes distintos, os quais devem ser conhe-cidos para evitar problemas, espe-cialmente quando há necessidade de comprar produtos com preços mais baixos. o nome genérico é

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aquele que foi registrado em órgão oficial e o nome comercial, o dado pela indústria que fabricou o medicamento. Por exemplo, paracetamol é o nome genérico dos produtos que são vendidos por empresas di-ferentes com os seguintes nomes comerciais: acetofen®, Dôrico®, Parador®, Tylenol®.

Hoje, os medicamentos representam um dos principais recursos te-rapêuticos. Todavia, entre os idosos, sobretudo os que são tratados em domicílio ou em instituições de longa permanência, eles são con-siderados os agentes mais envolvidos na ocorrência, por exemplo, de quedas, fraturas e sangramentos do trato gastrintestinal. Por essa razão, é importante que os responsáveis pelo acompanhamento de idosos (cuidadores, familiares) conheçam alguns aspectos acerca dos medicamentos, no intuito de prevenir adversidades e reduzir proble-mas frequentemente identificados, como quedas durante a noite,

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o quando o idoso precisa levantar várias vezes para urinar porque tomou um diurético antes de deitar.

a administração correta dos medicamentos, que vai além dos cinco certos clássicos (medicamento certo, dose certa, via certa, horário certo, paciente certo), e o seguimento das recomendações médicas são essenciais para a obtenção do efeito terapêutico desejado.

os medicamentos não criam funções no organismo, mas interferem nas existentes. Por não apresentarem seletividade total em relação às moléculas-alvo (locais que se ligam no organismo), produzem reações conhe-cidas como adversas. estas podem ser leves (ex.: pruri-do, ou coceira, na ponta do nariz), moderadas (ex.: dor de estômago, prurido generalizado) ou graves (ex.: san-gramento gástrico, edema de glote, impedindo a respi-ração). independentemente da gravidade, o apareci-mento de uma reação deve ser comunicado ao médico que acompanha a pessoa idosa.

os medicamentos são administrados em doses distintas, dependendo da idade, peso e condição clínica (decorrentes de problemas cardíacos, renais e hepáticos). Dose é determinada quantidade de medicamento administrada ao idoso para produzir efeito terapêutico em seu orga-nismo. essa quantidade tem de ser rigorosamente a indicada. o cui-dador nunca deve aumentar ou diminuir as doses sem orientação ou conhecimento do médico.

Tendo em vista que o envelhecimento causa alterações importantes nos processos de absorção, distribuição, metabolização e excreção dos medicamentos, predispondo a pessoa idosa ao risco de toxicidade, é fundamental que os responsáveis pelo cuidado, além de administrar a dose exatamente como prescrita, conheçam algumas reações adver-sas que são frequentes. o quadro 1 ilustra medicamentos usados por idosos e envolvidos em reações adversas importantes.

A administração dos medicamentos vai além dos cinco certos clássicos: medicamento certo, dose certa, via certa, horário certo, paciente certo.

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fAcilitAndo o desenvolvimento de AtividAdes de vidA diáriA: AdministrAção de medicAmentos

Quadro 1: Medicamentos e respectivas reações adversas

Classe terapêutica/medicamentos

Reações adversas

Anti-inflamatórios não esteroidais

Irritação e úlcera gástrica, nefrotoxicidade.

AnticolinérgicosRedução da motilidade do trato gastrintestinal, boca seca, hipotonia vesical, sedação, hipotensão ortostática, visão borrada.

Benzodiazepínicos Hipotensão, fadiga, náusea, visão borrada, rash cutâneo.

BetabloqueadoresRedução da contratilidade miocárdica, da condução elétrica e da frequência cardíaca, sedação leve, hipotensão ortostática.

NeurolépticosSedação, discinesia tardia, boca seca, hipotensão ortostática, visão borrada.

adicionalmente, é importante lembrar que tanto os medicamentos prescritos pelo médico como aqueles comprados sem receita ou indicados por pessoas conhecidas do idoso, como vitaminas, laxan-tes e fitoterápicos (Ginkgo biloba, erva-de-são-joão, confrei, entre outros), podem causar problemas graves, sobretudo quando asso-ciados com outros. Por exemplo, a Ginkgo biloba não pode ser usa-da por pessoas que fazem tratamento com aspirina, paracetamol (Tylenol®, Dôrico®) ou anticoagulantes, para não aumentar o risco de sangramento.

os medicamentos administrados por via oral apresentam formas farmacêuticas (líquida e sólida) que têm por finalidade facilitar sua administração e promover a eficácia terapêutica (melhor resultado possível).

os medicamentos na forma líquida são comercializados como soluções, suspensões, xaropes e aerossóis:

Solução• – Tem aparência homogênea e límpida; pode ser adminis-trada em sua forma original sem cuidado prévio específico.

Suspensão• – É composta por partículas sólidas dispersas em líquido e, antes de administrada, deve ser agitada para sua homogeneização.

Xarope• – Trata-se de uma solução com alta concentração de açúcar associada a aromáticos. Por essa razão, deve ser usado por pacientes diabéticos apenas com prescrição médica.

Aerossol• – É o medicamento acondicionado em recipiente pressurizado.

as formas sólidas incluem comprimidos, cápsulas, drágeas, pastilhas etc. o quadro 2 ilustra suas características e algumas precauções rela-cionadas a seu uso, pois podem “perder” parte de suas propriedades terapêuticas caso não sejam administradas de modo correto.

Quadro 2: Características das formas sólidas farmacêuticas dos medicamentos

Forma Características

Comprimido

O medicamento em pó é misturado, comprimido e moldado por máquinas. Normalmente, apresenta um sulco no meio, o que facilita sua divisão quando a dose prescrita é menor que a apresentada pelo medicamento. Pode ser macerado (“esmagado”).

Cápsula

O medicamento, na forma de pó, óleo ou líquida, encontra-se no interior de uma cápsula, ou seja, de um revestimento digerível. O ideal é evitar a abertura da cápsula, uma vez que seu conteúdo pode ser destruído pelo suco gástrico antes de chegar ao local onde, de fato, deveria ser liberado (ex.: intestino).

Drágea

O medicamento apresenta uma capa de revestimento colorida (parecida com um esmalte), o que dificulta sua divisão. Um dos objetivos dessa capa é proteger o medicamento da ação do suco gástrico presente no estômago (como nas cápsulas). As drágeas não devem ser maceradas ou repartidas.

Pastilha

O medicamento é misturado com açúcar em partes iguais. Seu uso por pessoas diabéticas deve ser cauteloso. Não é possível macerar uma pastilha, pois suas partes (parecidas com pequenos cristais) podem provocar lesões na boca por aderência na mucosa oral.

Todas as formas sólidas devem ser administradas com cuidado, tendo em vista que a pessoa idosa pode engasgar, principalmente quando forem grandes, como ocorre com os antibióticos e comple-xos vitamínicos.

É imprescindível que o idoso, durante a administração do medica-mento, fique sentado ou, caso esteja acamado, seja assim posicionado.

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a quantidade de líquido que vai auxiliar a ingestão do medicamento deve ser de pelo menos 100 ml (meio copo). No caso de restrição de líquidos (ex.: pessoas com problemas renais), é preciso perguntar ao médico que volume pode ser dado em cada administração.

Para o idoso, tomar vários medicamentos sozinho pode não ser tare-fa fácil. a diminuição da acuidade visual dificulta a leitura dos rótu-los dos medicamentos; o comprometimento da acuidade auditiva interfere na compreensão das orientações e recomendações feitas pelo médico durante a consulta; a presença de problemas articulares, prin-cipalmente nas mãos, impede, muitas vezes, a abertura dos frascos, bem como a colocação correta do número de gotas de determinado medicamento no copo ou na colher.

Há situações em que a pessoa idosa completamente dependente tem de tomar, ao mesmo tempo, vários comprimidos e acaba por engasgar ou vomitar. É importante que o cuidador esteja muito bem orienta-do sobre as limitações decorrentes do processo de envelhecimento e seja capaz de auxiliá-la sem desqualificar sua participação, mesmo que pequena. Por exemplo, durante as consultas médicas, ainda que o idoso apresente dificuldades em ouvir e compreender bem, ele dese-ja fazer perguntas ao médico. Nessas situações, cabe ao cuidador anotar ou guardar as recomendações feitas pelo médico e perguntar outros aspectos que porventura o idoso não tenha questionado.

Aspectos gerais da aquisição de medicamentos

ao adquirir um medicamento na farmácia, é preciso lembrar que somente o farmacêutico conhece sua composição e sua finalidade, encontrando-se, desse modo, habilitado a dar as orientações acerca de seu uso correto. o balconista da farmácia não tem os conhecimentos necessários para indicar um medicamento e, por essa razão, não deve ser consultado quando ocorrerem problemas de saúde, ainda que sejam

O cuidador deve anotar o nome de cada medicamento,do médico que oreceitou, a dose, o horário e como deve ser tomado.

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considerados pelo próprio idoso ou cuidador sintomas leves, como “dor de barriga” ou “dor de cabeça”.

antes da compra, é importante observar se o nome do medicamento corresponde ao receitado pelo médico, pois muitos têm nomes parecidos. Se houver necessi-dade de substituição por outro – por exemplo, quando o preço é muito alto ou o produto não é encontrado nas farmácias –, deve-se entrar em contato com o mé-dico e nunca aceitar as sugestões do balconista.

Quando os medicamentos forem manipulados, verificar se na emba-lagem ou frasco constam o nome do farmacêutico responsável, o nú-mero do conselho profissional (CrF), a fórmula, a dose e o período de validade. Nunca adquira uma forma farmacêutica diferente daque-la prescrita pelo médico. Por exemplo, se foi prescrita dipirona na forma líquida para ser administrada em gotas, ela não deve ser subs-tituída por comprimidos, pois as doses serão diferentes.

Aspectos gerais da administração de medicamentos

Para facilitar o cuidado com o idoso relativo à administração de me-dicamentos e evitar problemas, algumas condutas são fundamentais. inicialmente, é importante manter um registro diário dos medicamentos usados por ele, in-cluindo os receitados pelo médico e os utili-zados sem receita (mas que também devem ser de conhecimento do médico).

o cuidador precisa ser orientado a anotar o nome de cada medica-mento, do médico que o receitou, a dose, o horário e como deve ser tomado (ex.: com um copo

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de água, suco, chá) e deixar essas informações em local de fácil visualização.

os medicamentos devem ser mantidos em local fresco, seco, abrigados da luz e guardados em caixa com tampa, sempre na embalagem original. assim, não podem ser guardados no armário da cozinha ou banheiro.

Quando for necessário administrar vários medicamentos de diferentes formas farmacêuticas simultaneamente, re-comenda-se utilizar a seguinte sequência: primeiro admi-nistram-se os comprimidos ou cápsulas; em seguida, os líquidos; e, por último, o comprimido sublingual.

outros aspectos também merecem destaque:

ler a bula do medicamento, prestando atenção aos itens relativos •à dose, contraindicações, reações adversas, precauções, interações com outros medicamentos e conservação.

manter o medicamento na embalagem original, mesmo após sua •abertura (para verificar o prazo de validade, o lote e não misturar com outros comprimidos); no caso dos medicamentos em cartela (geralmente os distribuídos pelas farmácias do governo), não descartá-la, mesmo depois de retirada a maioria dos comprimidos, pois o nome, a dose e o lote podem estar contidos na parte da cartela que seria descartada.

Jogar fora medicamentos com prazo de validade vencido.•

Conservar o medicamento fora do alcance de crianças e pessoas com •comprometimento de memória ou problemas de alteração de comportamento.

evitar que o medicamento receitado pelo médico (nome, substân-•cia) seja trocado por outro; sempre que houver necessidade, falar com o médico.

O cuidador deve ficar atento a aspectos como ler a bula, manter o medicamento na embalagem original e verificar o prazo de validade.

orientar o idoso e a família sobre os efeitos colaterais dos medica-•mentos, pois muitos pacientes abandonam o tratamento por falta de esclarecimento a esse respeito.

utilizar água na administração dos medicamentos, sempre que •possível. No entanto, gelatina, purê ou cremes podem ser usados caso o paciente não aceite o comprimido.

adequar o horário de administração do medicamento de acordo •com a finalidade terapêutica e a necessidade do doente. Por exem-plo: administrar antiemético (medicamento para impedir náusea e vômito) 45-60 minutos antes das refeições principais; administrar diurético durante o dia, no máximo às 16 horas, para evitar que o idoso tenha de levantar durante a noite.

Não administrar o medicamento no escuro, pois pode haver equí-•voco em relação ao medicamento e à dose.

Procurar não administrar vários medicamentos no mesmo horário; •essa prática pode resultar na alteração dos efeitos dos medicamentos.

evitar administrar vários medicamentos macerados por sonda •enteral.

administrar os antiácidos de modo isolado ou obedecer a intervalos •de aproximadamente duas horas entre o antiácido e outro medicamento.

Se, ao administrar o medicamento, o paciente apresentar algum •sintoma estranho (coceira, náusea, vômito, palpitação, inchaço etc.), comunicar-se imediatamente com o médico.

Cuidado:• a dose de um medicamento considerada normal para um adulto pode causar intoxicação e sérios danos à saúde de uma criança, idoso ou paciente que apresenta doença cardíaca, hepá-tica ou renal.

assegurar-se de que o idoso não pratique automedicação.•

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Nunca recomendar um medicamento a outra pessoa. as caracterís-•ticas de cada indivíduo, bem como as indicações, devem levar em consideração vários fatores para os quais somente os médicos estão habilitados.

Não interromper o tratamento por conta própria; antes de fazê-lo, •sempre consultar o médico.

evitar misturar álcool e medicamento. alguns medicamentos, como •diazepam, morfina e haldol, quando misturados com álcool, podem causar reações graves e até morte, dependendo da dose e da idade do paciente.

Sempre que o idoso receber uma receita médica, perguntar:•Qual o nome do medicamento e por que será usado? −Qual o nome da doença que trata este medicamento? −Quantas vezes por dia o medicamento deve ser administrado? −Quando e como tomar (horário, antes ou após as refeições, usar com −água ou leite)?Por quanto tempo deve ser utilizado (até a próxima consulta, por −15 dias)?Quanto tempo o medicamento demora para fazer efeito? −Se o paciente se esquecer de tomar o medicamento, o que deve ser −feito?Quais os efeitos indesejados que podem aparecer? Caso apareçam, o −que deve ser feito?Durante o tratamento, o paciente pode ingerir álcool? Pode usar ou- −tros tipos de medicamentos? Pode tomar banho sozinho? Por quanto tempo o medicamento será utilizado? −Essas orientações podem contribuir para que o uso do medicamento −possa ser mais seguro.

Capítulo 8

Facilitando o desenvolvimento de atividades de vida diária: mecanismos corporais, mobilização e transferência

P ara o ser humano, o movimento é um aspecto essencial da vida. Dependemos dele para caminhar, correr, brincar, procurar e comer alimentos, conversar, enfim, sobreviver. as pes soas

saudáveis mantêm um nível adequado de movimentação, esperando que seus sistemas musculoesquelético e ner-voso (muito complexos) trabalhem em conjunto no desenvolvimento de tais atividades. De modo geral, no entanto, elas não costumam cuidar corretamen-te, durante a vida, dos sistemas que promovem e coordenam o movimento “saudável” até que o desuso, o trauma ou a doença interfiram nesse desempenho.

Níveis adequados de flexibilidade e equilíbrio de força muscular são importantes para a eficá-cia na execução dos movimentos envolvidos na

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realização das atividades de vida diária (aVDs). Com a diminui-ção da funcionalidade e o avançar da idade, o desempenho das aVDs pode ser comprometido parcial ou completamente, acar-retando maior dependência do idoso, com sério prejuízo de sua qua lidade de vida.

as alterações fisiológicas no enve-lhecimento são progressivas e, muitas vezes, acompanhadas pelo aumento da prevalência de enfer-midades agudas e crônicas. Dentre as mudanças que ocorrem nessa fase da vida, aqui será dado desta-que à perda da força muscular, principal responsável pela deterio-ração da mobilidade e da capaci-dade funcional do indivíduo que está envelhecendo.

o movimento depende do sistema nervoso central, que vai organizar os músculos e as articulações para realizar atividades funcionais e coordenadas.

Movimento humano

o movimento humano pode ser descrito como uma combinação complexa de movimentos de translação (todo o corpo se move de forma única) e rotação (o corpo ou seus segmentos se movem em torno de um eixo instantâneo, normalmente situado em um centro

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s articular). Sua execução envolve ações coordenadas e integradas dos sistemas musculoesquelético e nervoso.

o sistema esquelético (ossos e cartilagens) tem por funções: proteger os órgãos internos do organismo; manter a forma e a postura corporal; prover áreas de armazenamento para sais minerais e gorduras; produ-zir células sanguíneas e fornecer superfície para a fixa-ção de músculos, tendões e ligamentos que tracionam os ossos individuais e produzem o movimento.

os ossos são estruturas muito rígidas que não podem se curvar (como é necessário para a movimentação) sem dano. Para que o movimento ocorra, eles são in-terligados por articulações. os ligamentos (unem ossos e cartilagem), os tendões (unem músculos e ossos) e a cartilagem (tecido conjun-tivo não vascular encontrado nas articulações) dão força e flexibili-dade ao sistema esquelético.

o sistema musculoesquelético (tecido muscular esquelético + tecido conjuntivo) envolve órgãos musculares individuais (ex.: bíceps). o movimento resulta da contração desse músculo e da força aplicada sobre o tendão, que, por sua vez, puxa o osso. a excitabilidade, a contratilidade, a extensibilidade e a elasticidade dos músculos permi-tem a realização do movimento, a manutenção da postura e a produ-ção de calor. Tônus muscular refere-se ao estado de ligeira contração em que se encontra o músculo esquelético. ele pode ser muito pre-judicado quando do repouso ou imobilidade prolongada, incorrendo no risco do desenvolvimento de contraturas (contração permanente do músculo).

os sistemas esquelético e muscular não podem produzir o movimen-to intencional sem a ação do sistema nervoso, uma vez que é ele o responsável pelo estímulo de contração dos músculos.

As alterações fisiológicas no envelhecimento são progressivas e, muitas vezes, acompanhadas pelo aumento da prevalência de enfermidades agudas e crônicas.

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Para compreender o movimento, o corpo humano é didaticamente dividido em planos (figura 1). Cada plano divide o corpo huma-no em duas metades iguais, sendo o ponto comum de intersecção o centro de massa do corpo:

a) Plano sagital: divide o corpo verticalmen-te em duas metades – direita e esquerda.

b) Plano frontal: divide o corpo verticalmen-te em duas metades – anterior e posterior.

c) Plano transverso: divide o corpo horizon-talmente em duas metades – superior e inferior.

o movimento dos segmentos anatômicos ocorre em torno de um eixo de rotação imaginário que passa pela articulação à qual esses segmentos estão ligados. Três são os eixos básicos utilizados na descrição do movimento humano: mediolateral, anteroposterior e longitudinal (figura 2).

Figura 1 – Planos anatômicos de referência.

Figura 2 – Eixos ligados ao movimento humano.

Eixo mediolateral

Eixo longitudinal

Eixo anteroposterior

a rotação de um segmento anatômico é designada de acordo com a direção do movimento e medida como o ângulo entre a posição atual e a posição de referência. os três principais movimentos que ocorrem no plano sagital são: flexão, extensão e hiperextensão (figura 3).

No plano frontal, os movimentos mais importantes são: abdução, adução e flexão lateral – direita e esquerda (figura 4).

Figura 3 – Movimentos no plano sagital.

Figura 4 – Movimentos no plano frontal.

Flexão

Abdução Adução Flexão lateral direita e esquerda

Extensão Hiperextensão

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Com relação aos movimentos de mãos e ombros, temos: elevação e depressão, desvio radial e desvio cubital (figura 5).

Figura 5 – Movimentos no plano frontal: mãos e ombros.

Figura 6 – Movimentos no plano frontal: pés.

e os movimentos dos pés são: dorsiflexão e flexão plantar; eversão e inversão; abdução e adução; pronação e supinação (figura 6).

Elevação Depressão Desvio cubital

Eversão

Dorsiflexão

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Flexão plantar

SupinaçãoAbdução

Neutro

NeutroNeutro

Inversão

PronaçãoAdução

Desvio radial

Rotação direita/esquerda(cabeça, pescoço, tronco)

Rotação medial

Adução horizontal

Abdução horizontal

Oposição Circundação

Rotação lateral

Pronação

Protracção

Supinação

Retracção

No plano transversal, os movimentos são, em sua maioria, de rotação em torno do eixo longitudinal dos segmentos anatômicos. os prin-cipais são: rotação direita e esquerda (cabeça, pescoço e tronco); ro-tação média e lateral (pernas e braços); supinação e pronação (ante-braços); adução e abdução horizontal (braços e coxas); protracção e retracção (omoplata, também chamada escápula); circundação (dedos) e oposição (polegares) (figura 7).

Figura 7 – Movimentos no plano transversal.

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os movimentos voluntários, dos mais simples aos mais complexos, serão comprometidos se os sistemas sensórios ou motores envolvidos estiverem alterados. o controle do movimento pelo sistema nervoso é organizado de forma hierárquica: níveis mais elevados controlam aspectos mais complexos.

os movimentos podem se apresentar de três formas:

Reflexos:• involuntários – contrações musculares desencadeadas por estímulos periféricos, presentes no controle dos movimentos voluntários.

Cíclicos:• rítmicos e repetitivos (ex.: parte da mastigação e locomoção).

Voluntários:• direcionados a um objetivo, melhoram com a prática por causa da previsão e correção mais acuradas por mecanismos de controle de feedforward e feedback.

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os movimentos voluntários obedecem a princípios psi-cofísicos. o processamento motor começa com uma representação interna do estado do corpo: o objetivo desejado (à diferença do processamento sensório). Na realização dos movimentos voluntários, o encéfalo faz a representação dos atos motores, independentemente do efetor utilizado (equivalência motora). a amplitude do movimento é especificada antes de ele se iniciar (pro-grama motor).

o tempo gasto para responder a um estímulo depende da quantidade de informações que precisam ser processadas para a execução da ta-refa. Há uma relação de troca entre velocidade do movimento e sua precisão. o tempo de reação aumenta com o número de escolhas possíveis e diminui com a aprendizagem.

Impacto do envelhecimento nas estruturas ligadas ao movimento humano

Com o envelhecimento, ocorrem: perda de 10-20% da força muscular; diminuição da habilidade de manter a força estática; maior fadiga muscular; menor capacidade de hipertrofia; diminuição do tamanho e número de fibras musculares; redução da atividade da aTPase miofibrilar; diminui-ção de enzimas glicolíticas e oxi-dativas; diminuição dos estoques de adenosina trifosfato (aTP), crea-tina fosfato (CP), glicogênio e pro-teína mitocondrial; diminuição da velocidade de condução; aumento

Os movimentos voluntários serão comprometidos se os sistemas sensórios ou motores envolvidos estiverem alterados.

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do limiar da excitabilidade da mem-brana e diminuição da capacidade de regeneração.

essas alterações interferem no desem-penho de habilidades motoras de forma eficiente e podem tornar a pes-soa idosa cada vez mais limitada em sua capacidade de realizar as ativida-des do dia a dia, como levantar-se de uma cadeira, varrer o chão, jogar o lixo fora, tomar banho etc., em razão de equilíbrio precário, resistência dimi nuída, fraqueza generalizada ou quedas repetidas. o que não se sabe é se essas alterações decorrem do pró-prio processo de envelhecimento ou se são consequência da inatividade, muito comum nessa fase da vida. Diver sas alterações fisiológicas atri-buídas ao envelhecimento são seme-lhantes às induzidas pela inatividade

forçada, e, assim, acredita-se que possam ser atenuadas ou até mes-mo revertidas com a realização de exercícios.

Também acontecem importantes alterações na composição corporal, com aumento de gordura, especialmente abdominal, e diminuição de massa magra (massa musculoesquelética), denominada “sarcopenia”. Com a perda muscular, há redução do metabolismo basal, da força muscular e do nível de atividade, resultando na diminuição da ne-cessidade energética.

Tais alterações aumentam o risco de desenvolvimento de doenças crônicas e de incapacidades que reduzem substancialmente as ati-

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to vidades do idoso, causando perda de massa muscular

e acúmulo de gordura. Fecha-se, assim, um ciclo de balanço energético negativo que culmina com a ins-talação de quadros de fragilidade, gerando maior dependência.

muitas das atividades assistenciais dos cuidadores en-volvem a mobilização (mudança de posição) e a trans-ferência da pessoa idosa de um local para outro. Quan-do desenvolvidas sem a utilização de princípios de ergonomia, há grande possibilidade de ocorrerem agres-sões e danos à coluna vertebral, dentre os quais a lom-balgia é a queixa mais frequente. oficinas de orientação sobre movimentação e transporte de pessoas com maior dependência, assim como sobre a adequada utilização de equipamentos especiais e auxílios mecânicos, con-tribuem para a minimização da incidência de problemas articulares em cuidadores de idosos.

o primeiro passo para isso é a compreensão dos me-canismos corporais.

Mecânica corporal

a mecânica corporal representa o uso eficiente do corpo como máquina e como meio de locomoção. Sua utili-zação de forma correta (em atividade ou repouso) per-mite a prevenção de lesões e dores musculares e/ou articulares.

os cuidadores necessitam ser muito bem orientados quanto à utilização da mecânica corporal para o melhor desempenho de suas atividades e para a manutenção de sua saúde e bem-estar. importante parcela de suas

Instrumentos de transporte e mobilidade para idosos.

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atividades (desde mudar uma cadeira de lugar até auxiliar o idoso a levantar da cama) exige a compreensão e o uso desses princípios. eles precisam ser constantemente lem-brados de que a prevenção de problemas na coluna é mais eficiente que seu tratamento.

a mecânica corporal envolve:

a) Alinhamento do corpo ou postura – É o alinhamento entre as partes do corpo, possibilitando o equilíbrio mus-culoesquelético e seu funcionamento fisiológico saudável, pois não permite o esforço indevido de articulações, músculos, tendões e ligamentos.

b) Equilíbrio – um corpo alinhado está em equilíbrio, porque seu centro de gravidade (ponto central da mas-sa corporal) está próximo de sua base de apoio (fun-dação que dá estabilidade ao corpo) e a linha de gra-

vidade passa por ela (linha reta imaginária que passa pelo centro de gravidade). Quanto mais ampla a base de apoio e mais baixo o centro de gravidade, maior a estabilidade. assim, o equilíbrio aumenta quando o indivíduo afasta os pés (ampliando a base de apoio) e flexiona o quadril e os joelhos (reduzindo o centro de gravidade). essas duas manobras são importantes princípios que podem reduzir o esforço musculoesquelético que frequentemen-te ocorre com o excessivo alongamento ou a superextensão de um músculo ou músculo-tendão.

c) Movimento coordenado – refere-se ao uso coordenado dos prin-cipais grupos musculares, das alavancas e apoios naturais do corpo na realização de atividades assistenciais para evitar demasiado es-forço musculoesquelético e lesões. os cuidadores precisam utilizá-los quando, por exemplo, posicionam, viram ou levantam a pessoa idosa mais dependente.

A mecânica corporal representao uso eficiente do corpo como máquina e como meio de locomoção. Sua utilização de forma corretapermite a prevenção de lesões e dores musculares e/ou articulares.

Aplicação da mecânica corporal

É fundamental que os cuidadores sejam orientados em relação às técnicas utilizadas na prevenção do estresse da musculatura das costas (lombalgia é sua principal queixa) no bom desempenho de suas ati-vidades. isso envolve:

Desenvolver o hábito de manter a postura ereta e, quando necessá-•rio, antes de iniciar uma atividade, ampliar a base de apoio e baixar o centro de gravidade.

utilizar os músculos mais longos dos braços e pernas nas atividades •que exijam maior força (os músculos das costas são mais fracos e mais facilmente lesionáveis quando usados de forma inapropriada).

estabilizar a pelve para proteção das vísceras utilizando a “cintura •interna” (contração simultânea dos glúteos para baixo e dos múscu-los abdominais para cima) e o diafragma quando inclinar, levantar, puxar ou tentar alcançar um objeto ou pessoa (figuras 8a e 8b).

Figura 8a – Alinhamento postural com estabilização da pelve. Figura 8b – Alinhamento postural correto para erguer um objeto.

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Posicionar-se o mais próximo possível do objeto ou •pessoa a ser levantado ou posicionado.

Balançar os pés ou inclinar-se para a frente e para •trás, de modo a utilizar o peso do próprio corpo como força para puxar ou empurrar algo, o que reduz o esforço dos braços e das costas.

em vez de levantar um objeto pesado ou uma pessoa, •usar outros mecanismos, como escorregá-lo, rolá-lo, empurrá-lo ou puxá-lo, reduzindo a energia neces-sária para deslocá-lo contra a força da gravidade (que o puxa para baixo).

Mobilização e transporte de pessoas idosas mais dependentes

antes do início, esses procedimentos devem ser cuidadosamente planejados. esse planejamento envolve:

a) Avaliação e preparo da pessoa idosa – Capacidade de compreensão e colaboração; presença de artefatos (ex.: sondas); explicação prévia do procedimento; medidas de segurança (colocação de sapatos com solado antiderrapante em vez de chinelos ou apenas meias).

b) Preparo do ambiente e dos equipamentos – Verificação da ade-quação do tamanho do espaço físico para não restringir os movi-mentos, da disposição do mobiliário e remoção de obstáculos e das condições de segurança do piso (encerado, molhado, irregular). a colocação e/ou uso de equipamentos auxiliares (barras de apoio em banheiros, cadeira de rodas própria para banho e higiene – cadeira de banho) e a adaptação de certas condições ambientais (elevação da altura do vaso sanitário, substituição de degraus por rampas) podem ser necessárias.

Antes de iniciar os procedimentos de mobilização e transporte de pessoas idosas mais dependentes, é necessário fazer um cuidadoso planejamento.

c) Preparo do cuidador – Conhecer e aplicar a mecâni-ca corporal (exposta anteriormente) na execução de suas atividades; usar sempre movimentos sincrônicos; trabalhar com segurança e calma; utilizar roupa que permita liberdade de movimentos e sapatos apropria-dos (sem salto, com solado antiderrapante); saber que, em muitas ocasiões, não será possível executar os procedimentos, com segurança, sozinho e, nessas situações, solicitar auxílio.

Auxílio na movimentação na cama de idosos mais dependentes

a) Em duas pessoas – ambas ficam do mesmo lado, de frente para a pessoa idosa, com uma das pernas à frente e os joelhos e quadril fletidos, deixando os braços ao nível da cama: a primeira pessoa coloca um dos braços sob a cabeça do idoso e o outro sob a região lombar; a segunda põe um braço também sob a região lombar e o outro na região posterior da coxa. as duas pessoas devem sincronizar seu movimento de modo a trazer o idoso para o lado da cama em que estão de forma coordenada (figura 9).

b) Em uma única pessoa – a pessoa deve realizar a ati-vidade em etapas, utilizando o peso corporal como contrapeso e o lençol dobrado no sentido vertical e posicionado no meio da cama, abaixo do idoso (len-çol móvel): colocar os braços do idoso sobre o corpo dele, prevenindo traumas na movimentação; trazer os membros inferiores para o lado em que está posicio-nada e segurar o lençol móvel firmemente; aproximá-lo de seu corpo; reorganizar o idoso na nova posição.

Figura 9 – Movimentando o idoso mais dependente na cama, em duas pessoas.

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c) Colocação em decúbito lateral (1) – Colocar-se do lado para o qual o idoso vai virar; cruzar o braço e a perna dele no sentido em que será virado (atenção para o posicionamento do outro braço); posicionar a cabeça da pessoa na direção em que vai virar; rolar o idoso para o lado desejado de forma gentil, utilizan-do ombro e joelho como alavancas (figura 10).

d) Colocação em decúbito lateral (2) – esse procedi-mento também pode ser feito com auxílio do lençol móvel. Ficar do lado oposto ao que o idoso vai virar; puxar o lençol móvel de modo a trazer a pessoa em sua direção (para a beira da cama), mantendo as cos-tas eretas e utilizando o peso do próprio corpo; elevar o lençol cuidadosamente, fazendo com que o idoso vire para o lado oposto. É recomendável que no lado oposto exista uma grade ou que a cama seja aproxi-mada da parede, para evitar que o idoso caia no chão (figura 11).

e) Subir o idoso na cama – Preferencialmente, executar essa manobra em duas pessoas, uma de cada lado da cama. Tirar o travesseiro da cabeça do idoso e colocá-lo na cabeceira da cama (para proteger de traumas); utilizar o lençol móvel para realizar o movimento; segurar firmemente o lençol com as duas mãos e, em movimento ritmado, movimentar o idoso no sentido da cabeceira (figura 12).

f ) Sentar na cama (1) – Se o idoso puder ajudar par-cialmente, posicionar-se de frente para ele colocando um de seus joelhos no nível do quadril do idoso e sentando-se sobre o próprio tornozelo; segurar no cotovelo do idoso, que também se apoia no cotovelo

Figura 10 – Posicionando a pessoa idosa lateralmente.

Figura 11 – Posicionando a pessoa idosa lateralmente com auxílio do lençol móvel.

Figura 12 – Subindo a pessoa idosa na cama com auxílio do lençol móvel.

do cuidador; de modo sincronizado, idoso e cuidador fazem força para aproximar-se, permitindo que o idoso sente; colocar em suas costas travesseiros de apoio (figura 13).

g) Sentar na cama (2) – Quando o idoso for incapaz de colaborar, o ideal é executar essa manobra em duas pessoas, uma de cada lado da cama, olhando em di-reção à cabeceira. elas devem colocar um de seus joelhos no nível do quadril do idoso e sentar-se sobre o próprio tornozelo; utilizar o lençol móvel ou uma toalha resistente sob as costas do idoso e puxá-lo de forma sincronizada, elevando-o (figura 14).

h) Sentar na cama (3) – Quando o idoso, apesar de li-mitado, é capaz de executar a manobra sozinho, podem-se utilizar materiais simples, fixados nos pés da cama, para auxiliá-lo, como uma corda mais gros-sa com nós ou uma escada de cordas. esse tipo de material ajuda o idoso a erguer-se gradativamente, minimizando o esforço exigido pela manobra e pro-porcionando-lhe maior independência (figura 15).

Figura 14 – Ajudando a pessoa idosa a se sentar na cama (2).

Figura 15 – Auxiliando a pessoa idosa a se sentar na cama (3).

Figura 13 – Auxiliando a pessoa idosa a se sentar na cama (1).

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fAcilitAndo o desenvolvimento de AtividAdes de vidA diáriA: mecAnismos corporAis, mobilizAção e trAnsferênciA

Auxílio no transporte de idosos mais dependentes

Para o transporte de idosos, devem ser utilizados dis-positivos auxiliares, como cinto de transporte, pranchas de transferência, discos giratórios e auxílios mecânicos (bengalas e andadores).

a) Levantar de cadeira ou poltrona – Deve-se utilizar um cinto de transferência e, conforme o caso, solicitar auxílio de outra pessoa. Posicionar o idoso para a fren-te da cadeira ou poltrona, puxando-o alternadamen-te pelo quadril; permanecer ao lado da cadeira/pol-trona olhando na mesma direção que ele; o idoso deve apoiar uma das mãos no braço da poltrona ou assen-to da cadeira e a outra na mão do cuidador; com o outro braço, o cuidador circunda a cintura do idoso, segurando-o pelo cinto, e o levanta de forma coorde-nada com movimentos de balanço (figura 16).

b) Locomoção – Deve-se utilizar um cinto de transfe-rência. Se o idoso puder e conseguir andar, o cuidador posiciona-se bem próximo a ele, do lado em que ele apresenta alguma limitação/deficiência, colocando um braço em volta de sua cintura e o outro apoiando sua mão (figura 17).

c) Transferência da cama para a cadeira de rodas/pol-trona (1) – Posicionar a cadeira de rodas ao lado da cama com a frente voltada para o cuidador; travar as rodas e erguer os apoios de pés e pernas; sentar o idoso na cama; virá-lo para o lado em que vai sair da cama; colocar os membros inferiores para fora da cama próximos à beira do leito; elevar a cabeça e o Figura 17 – Ajudando a pessoa

idosa a se locomover.

Figura 16 – Auxiliando a pessoa idosa a se levantar.

tronco do idoso e girá-lo até que se sente (figura 18a); com o ido-so sentado na cama, calçá-lo com sapatos ou chinelos antiderra-pantes; segurá-lo pelo cinto de transferência, auxiliando-o a levan-tar-se, virar-se e sentar-se na cadeira de rodas (figura 18b).

Figura 18a – Auxiliando a pessoa idosa a se sentar na cama.

Figura 18b – Ajudando a pessoa idosa a se transferir da cama para a cadeira de rodas.

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d) Transferência da cama para a cadeira de rodas/poltrona (2) – Se o idoso tiver condições de executar essa manobra sozinho, ele pode ser orientado a utilizar uma prancha/tábua de transferência. o cui-dador coloca a cadeira ao lado da cama (cadeira e cama devem ter a mesma altura), trava a cadeira e a cama (se necessário), remove o braço da cadeira e eleva o apoio dos pés e posiciona a prancha/tábua apoiada seguramente entre a cama e a cadeira. o idoso, então, des-liza pela prancha/tábua até a cama (figura 19).

a utilização dessas manobras, além de preservar a saúde do cuidador, auxilia na construção de um vínculo positivo com o idoso ao fornecer-lhe segurança.

Figura 19 – Transferência da pessoa idosa da cama para a cadeira com prancha/tábua de transferência.

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