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Manual Doacao

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  • Manual de Orientaes para

    Promooda DoaoVoluntriade Sangue

    MINISTRIO DA SADE

    Braslia DF2015

  • MINISTRIO DA SADESecretaria de Ateno SadeDepartamento de Ateno Especializada e Temtica

    Braslia DF 2015

    Manual de Orientaes para

    Promoo da Doao Voluntria de Sangue

  • Ficha Catalogrfica

    Brasil. Ministrio da Sade. Secretaria de Ateno a Sade. Departamento de Ateno Especializada e Temtica.Manual de orientaes para promoo da doao voluntria de sangue / Ministrio da Sade, Secretaria de Ateno a Sade.

    Departamento de Ateno Especializada e Temtica. Braslia : Ministrio da Sade, 2015.152 p. : il.

    ISBN 978-85-334-2264-3

    1. Doadores de sangue. 2. Servio de hemoterapia. 3. Promoo da sade. I. Ttulo.CDU 612.1

    Catalogao na fonte Coordenao-Geral de Documentao e Informao Editora MS OS 2015/0292

    Ttulos para indexao:Em ingls: Guidelines for the promotion of voluntary blood donation- Em espanhol: Manual de directrices para la promocin de la donacin voluntaria de la sangre

    2015 Ministrio da Sade.

    Esta obra disponibilizada nos termos da Licena Creative Commons Atribuio No Comercial Compartilhamento pela mesma licena 4.0 Internacional. permitida a reproduo parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte.

    A coleo institucional do Ministrio da Sade pode ser acessada, na ntegra, na Biblioteca Virtual em Sade do Ministrio da Sade: .

    Tiragem: 1 edio 2015 1.500 exemplares

    Elaborao, distribuio e informaes:MINISTRIO DA SADESecretaria de Ateno SadeDepartamento de Ateno Especializada e TemticaCoordenao-Geral de Sangue e HemoderivadosSAF Sul, Trecho 2, Edificio Premium, torre 2, sala 202CEP: 70070-600 Brasilia/DFTel.: (61) 3315-6149Site: www.saude.gov.brEmail: [email protected]

    Coordenao:Joo Paulo Baccara Arajo CGSH/DAET/SAS/MSBrbara de Jesus Simes CGSH/DAET/SAS/MS

    Elaborao de texto:Anselmo Clemente Poltica Nacional de Humanizao/Ministrio da SadeClaudia Vicente Hemocentro de Campinas/UnicampDoris Sandoval Lavorat Fundao Pr-Sangue/Hemocentro de So PauloEugnia Maria Amorim Ubiali Fundao Hemocentro de Ribeiro PretoEva Gomes da Silva Hemocentro do CearGeorgia da Silva Poltica Nacional de Humanizao/Ministrio da SadeHeloisa Maria Dias de O. Gontijo Fundao HemominasJosinete Gomes Hemocentro de PernambucoJuciara Farias de Farias Hemocentro do ParLuciana Maria de Barros Carlos Hemocentro do CearMarcelo Addas Hemocentro de Campinas/UnicampMarcio Pinto Hemocentro de Campinas/UnicampMarilda Marques Luciano Marvulo Hemocentro Regional de Marlia SPMnica de Castro Leite Silva Meirelles Hemocentro de Campinas/UnicampNgela Maria Lima de Oliveira Hemocentro do CearPaloma Abelin Saldanha Marinho CGSH/DAET/SAS/MSRafael Jos da Silva Hemocentro de Marlia - SPRosane Rodrigues Hemocentro de Santa CatarinaRoseli Sandrin Hemocentro de Santa CatarinaRosemary Almeida de Oliveira Teixeira Hemocentro do Rio Grande do Norte

    Reviso Tcnica:Brbara de Jesus Simes CGSH/DAET/SAS

    Normalizao:Luciana Cerqueira Brito Editora MS/CGDI

    Capa, projeto grfico e diagramao:Fabiano Bastos

    Esta publicao foi realizada no mbito do Termo de Cooperao n 43 celebrado entre a Organizao PanAmericana da Sade/Organizao Mundial da Sade (OPAS/OMS) no Brasil e a Secretaria de Ateno Sade do Ministrio da Sade.

    Impresso no Brasil / Printed in Brazil

  • Sumrio

    Apresentao 5

    Contextualizao da captao de doadores na hemoterapia brasileira

    7

    O processo hemoterpico e as etapas do ciclo do sangue

    21

    Referenciais e marcos legais para a doao de sangue no Brasil e diretivas internacionais

    39

    Estratgias educativas para a promoo da doao voluntria de sangue

    49

    Estratgias de marketing aplicadas promoo da doao de sangue

    69

    Captao hospitalar 89

    Elementos de gesto da qualidade aplicveis captao de doadores

    99

    Planejamento e operacionalizao das aes de coleta de sangue de doadores

    115

    Humanizao e doao de sangue 133

    A experincia do Hemocentro do Cear durante a copa do mundo de 2014 no Brasil

    143

  • Apresentao

    A Coordenao-Geral de Sangue e Hemoderivados, do Ministrio da Sade, est comprometida com a misso de elaborar polticas que pro-movam o acesso da populao ateno hematolgica e hemoterpica de forma segura e com qualidade, e realiza e desenvolve suas atividades em consonncia com os princpios e diretrizes do Sistema nico de Sade. A chegada dos doadores de sangue aos servios de hemoterapia se configura como etapa essencial para que se possibilite o acesso da populao ateno hematolgica e hemoterpica.

    Considerando a preocupao permanente com a excelncia no trabalho realizado na rede de hemoterapia nacional e com a importncia da dis-ponibilidade de sangue seguro para atender populao brasileira, esta coordenao lana o Manual de Orientaes para Promoo da Doao Voluntria de Sangue.

    Esta publicao tem por objetivo atualizar os profissionais que atuam no contato com os doadores de sangue e contribuir para uniformizar suas prticas nacionalmente, respeitando as diversidades regionais. O contedo aborda as temticas essenciais para que profissionais dos Setores de Captao de Doadores, assim como demais profissionais em contato com candidatos e doadores de sangue, organizem seus processos de trabalho, compreendam os princpios bsicos para a doa-o de sangue dentro de um servio de hemoterapia, qualifiquem suas prticas cotidianas e alcancem resultados de forma mais eficiente no planejamento e execuo de suas atividades.

    Acredita-se que este manual servir como suporte tcnico para o traba-lho realizado no cotidiano dos servios de hemoterapia do pas, assim como referncia para a reflexo sobre prtica profissional.

    Coordenao-Geral de Sangue e Hemoderivados/DAET/SAS/MS

    5

  • Contextualizao da captao de doadores na hemoterapia brasileira

    Rosemary Almeida de Oliveira Teixeira1

    No Brasil, at a dcada de 1980, o contexto histrico do sangue como terapia transfusional foi marcado pela remunerao da doao, que foi aos poucos incutida no imaginrio coletivo, envolvendo sentimentos de troca, de favor, e no a solidariedade, o voluntariado como motivador. A primeira Lei Federal que incentivava a doao de sangue (Lei 1.075/50) elucidava a ideia da troca da doao pelo benefcio.

    Art. 1 Ser consignada com louvor na folha de servio de militar, de funcionrio pblico civil ou de servidor de autar-quia, a doao voluntria de sangue, feita a Banco mantido por organismo de servio estatal ou para-estatal, devidamente comprovada por atestado oficial da instituio.Art. 2 Ser dispensado do ponto, no dia da doao de sangue, o funcionrio pblico civil de autarquia ou militar, que com-provar sua contribuio para tais Bancos.Art. 3 O doador voluntrio, que no for servidor pblico civil ou militar, nem de autarquia, ser includo, em igualdade de condies exigidas em lei, entre os que prestam servios rele-vantes sociedade e Ptria.

    Assim foi surgindo e se fortalecendo no universo cotidiano das pessoas um conjunto de ideias, mitos, medos, preconceitos e esteretipos sobre o ato da doao, prevalecendo interesses pessoais, familiares e comerciais. Segundo Dukheim (1975), surgem assim as representaes sociais, que so hbitos, preconceitos, tendncias que nos movem sem que disso nos apercebamos; so tudo aquilo que constitui nossa caracterstica moral. Nascem e vo-se fortale-cendo por meio da linguagem, dos gestos, das atitudes; circulam, cruzam-se e influenciam fortemente nas relaes sociais.

    Para que essas representaes sociais e o imaginrio popular no que se refe-ria ao ato da doao pudessem ser transformados, o caminho apontava para

    1 Assistente Social e Especialista em Servio Social, Sade Pblica, recursos Humanos e Gesto de Hemocentros. Gestora do Departamento de Apoio Tcnico, responsvel pela execuo da poltica de captao de doadores de sangue e medula ssea da Hemorrede Pblica do Rio Grande do Norte.

    7

  • a desmistificao, para a quebra de valores e vises de mundo, pela busca da construo de uma cultura do doar sem o favorecimento e/ou incentivo ma-terial. S com a mudana de atitudes e comportamentos as pessoas poderiam tornar-se doadoras conscientes do seu papel, sendo partcipes e correspons-veis por todo o processo de salvar vidas.

    Foi, portanto, a partir de 1980 que se evidenciou uma preocupao mundial sobre a segurana do sangue, em decorrncia do aparecimento da AIDS, e da proliferao de doenas transmissveis via transfuso sangunea, intensifican-do-se o debate e intervenes de autoridades sanitrias em busca do fim da remunerao da doao nos vrios continentes.

    No Brasil, o surgimento da hemoterapia como questo de poltica pblica e interesse social foi motivada pela contestao do sistema de sade vigente, em razo do aumento da contaminao sangunea, uma vez que as doenas trans-fusionais estavam vinculadas s doaes remuneradas (PIMENTEL, 2006). O impacto da Aids, o medo do sangue, e o olhar para a confiabilidade dos ser-vios contriburam para a politizao da opinio pblica e para o surgimento de diversos movimentos sociais em torno de reformas sanitrias, de novas propostas para a poltica de sade, para a segurana transfusional. Ento, na dcada de 80 ocorre no pas o surgimento da poltica pblica do sangue, com implantao de uma rede de hemocentros e o enfoque na doao voluntria e no remunerada, como ato de solidariedade e altrusmo.

    A VIII Conferncia Nacional de Sade, realizada em 1986 com a participao de representantes de diversos segmentos sociais, trouxe importantes contri-buies para a rea hemoterpica, j que discusses se voltavam para um conceito amplo da sade, com acesso universal e igualitrio sade: direito de todos, dever do Estado. Vrias propostas da conferncia e dos movimentos sociais para reforma sanitria foram, portanto, incorporadas na Constituio Federal de 1988, que, em seu Art. 199, 4, proibia a comercializao do san-gue, reforando o dever do Estado no provimento de meios para um atendi-mento hemoterpico e hematolgico seguro, de qualidade e acessvel a toda a populao.

    4 - A lei dispor sobre as condies e os requisitos que facili-tem a remoo de rgos, tecidos e substncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a cole-ta, processamento e transfuso de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercializao (BRASIL, 1988).

    A institucionalizao de uma Poltica Nacional de Sangue e a criao de uma Coordenao de Sangue do Ministrio da Sade se fizeram necessrias na bus-

    ministrio da sade | Promoo da Doao Voluntria de Sangue Manual de Orientaes

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  • ca do desenvolvimento de aes que melhorassem efetivamente a segurana transfusional, norteando, por meio de normatizaes, as aes, competncias e responsabilidades de todos os profissionais com atuao na rea de hemo-terapia. A lei n 10.205/2001, conhecida como Lei do Sangue (Lei Betinho), surge para regulamentar o 4, do art. 199, da Constituio Federal, relativo coleta, processamento, estocagem, distribuio e aplicao do sangue, seus componentes e derivados, e estabelece o ordenamento institucional indispen-svel execuo adequada dessas atividades.

    Art. 1 Esta Lei dispe sobre a captao, proteo ao doador e ao receptor, coleta, processamento, estocagem, distribuio e transfuso do sangue, de seus componentes e derivados, vedada a compra, venda ou qualquer outro tipo de comercia-lizao do sangue, componentes e hemoderivados, em todo o territrio nacional, seja por pessoas fsicas ou jurdicas, em carter eventual ou permanente, que estejam em desacordo com o ordenamento institucional estabelecido nesta Lei.

    A Histria da Hemoterapia no Brasil nas ltimas trs dcadas registrou im-portantes avanos na busca de um sistema hemoterpico que oferecesse para a populao um produto final com segurana e qualidade. Isso s foi possvel graas reestruturao dos servios, legitimao da doao de sangue como ato voluntrio, altrusta e no remunerado, alm dos avanos tecnolgicos, legislaes, normatizaes tcnicas, capacitaes e modernizao da gesto. A Hemorrede Pblica Brasileira foi seriamente assumindo a misso de ga-rantir o fornecimento de sangue para toda a populao de forma segura e sustentvel, buscando a seleo de candidatos doao saudveis, voluntrios e regulares.

    Nesse contexto de aperfeioamento da ateno hemoterpica segura, a estru-turao da atividade de Captao de Doadores de Sangue nos servios de hemo-terapia, inicialmente denominada recrutamento de doadores, era estratgica, com vistas ao fortalecimento da cultura da doao voluntria e no remunera-da de sangue. Apesar de sua importncia no processo hemoterpico, ainda h carncia de publicaes cientficas sobre essa atividade no Brasil. Mas, funda-mentados em significativos estudos e prticas, faremos neste momento um breve relato da histria da captao na hemoterapia nacional.

    A tarefa de captar doadores de sangue na realidade brasileira no algo fcil, simples, esttico. Requer tcnicas que venham proporcionar conhecimento, entendimento dos aspectos sociais, econmicos, culturais e polticos que en-volvem e influenciam a doao espontnea de sangue e como esta poder ser concebida como uma questo de participao, compromisso e responsabilida-

    Contextualizao da Captao de doadores na hemoterapia brasileira

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  • de social. Captar conquistar, compreender, apreender. O propsito de captar tornar esse hbito da doao parte dos costumes, da agenda diria de vida dos brasileiros e transmitido de gerao em gerao, tal como ocorre nos pases considerados de primeiro mundo.

    No incio da dcada de 1980, a captao de doadores era vista como uma ativi-dade que poderia ser realizada por qualquer tcnico que trabalhasse no servio de hemoterapia, por meio de aes pontuais para resolver as necessidades transfusionais. No havia muitas articulaes, integrao e unificao de pro-gramas e projetos nacionais de educao em sade nessa rea. As atividades eram mais desenvolvidas no ambiente hospitalar, com abordagem s famlias. O prprio espao fsico (salas/setor) nos servios de hemoterapia, muitas ve-zes, era inexistente.

    Foi a partir da dcada de 1990 que se intensificaram as discusses na rea de captao com a promoo de encontros, seminrios, oficinas, na busca de tra-ar estratgias que viessem fortalecer as doaes de sangue no Brasil. Foram elaborados macrocampanhas, materiais informativos/educativos, projetos so-cioeducativos com identidade nacional, e ocorreram mobilizaes de diversos segmentos sociais, em uma perspectiva ampla de dilogo com a sociedade.

    Voltou-se o olhar para o caminho da educao, e no mais do imediatismo de aes para salvar as oscilaes dos estoques de sangue, com constantes apelos populao e abordagens aos familiares de pacientes.

    Assim, capacitao tcnica dos captadores tornou-se essencial, j que estes precisavam ter uma viso ampla de todo o contexto da hemoterapia, conhecer os aspectos tcnicos e legais de todo o processo da doao, transfuso e distri-buio do sangue, derivados e componentes.

    Para promover a doao e obter doadores de baixo risco, haveria a necessidade de realizar estudos epidemiolgicos das comunidades a serem trabalhadas nas atividades para coleta de sangue. Campanhas precisavam ser elaboradas com aes que incentivassem a promoo da sade, estilos de vida saudveis, educao sexual. O caminho seria captar e fidelizar, resultando com isso na reduo do nmero de bolsas descartadas em razo da presena de marcado-res sorolgicos para doenas transmissveis pelo sangue.

    No incio da dcada de 1990 foram realizadas vrias oficinas de trabalho com participao de captadores de todo o pas, e esse rico momento de desenvolvi-mento das aes de captao culminou com a elaborao e lanamento do Manual de Qualificao do Captador de Doadores Voluntrios de Sangue ( Figura 1). Alm do Manual foram desenvolvidos vdeos, flderes e lbuns

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  • seriados, que explicavam a histria da hemoterapia, da doao de sangue, transfuso, doenas transmissveis pelo sangue, enfim, capacitando o captador e expondo estratgias e alternativas para que montasse suas palestras e ativi-dades de forma mais dinmica, segura, com embasamento terico e prtico.

    Nesse perodo, com o grande investimento em tecnologia de equipamentos, os hemocentros buscavam atingir patamares de qualidade cada vez mais elevados. Mas os ndices nacionais de doao, principalmente espontnea, continua-vam baixos.

    Foi nesse conjunto de mudanas e inovaes que se percebeu que, para algum tornar-se um captador, haveria necessidade de formao tcni-ca, de se traar um perfil para esse profissional, de modo que tivesse conhecimento terico para formulao de estratgias pautadas nas relaes humanas, nas relaes sociais, com base num processo reflexivo partilhado, coletivo, criativo, consciente, numa viso global da realidade na busca de uma ao transformadora. Um profis-sional educador, estrategista.

    Nesse processo de busca do perfil desse cap-tador, os assistentes sociais comearam a pene-trar e a desenvolver suas aes no universo da hemoterapia. Apesar de no ser uma funo es-pecfica da categoria de assistentes sociais, aos poucos passaram a ser o profissional mais en-volvido com a captao, por contemplar na sua formao acadmica esse olhar e conhecimento. O projeto tico-poltico do Servio Social apreende as aes profissionais em consonncia com a perspectiva da transformao social, com a defesa intransigente dos direitos humanos e a ampliao e consolidao da cidadania (CRESS, 2004).

    Apesar de sua formao se dar na rea de humanas, e no especificamente de sade, os assistentes sociais foram aos poucos ampliando suas aes e inter-venes na sade pblica, sendo reconhecidos como profissionais da rea por meio da Resoluo n 218/97, do Conselho Nacional de Sade. Comprovando que o conceito de sade no era apenas ausncia de doena, mas fruto de vrios aspectos do viver, de toda uma estrutura social, cultural e econmica.

    Figura 1 Capa do Manual de Qualificao do Captador de Doadores Voluntrios de Sangue, Ministrio da Sade, 1994

    Fonte: Ministrio da Sade

    Contextualizao da Captao de doadores na hemoterapia brasileira

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  • A organizao da atividade de captao de doadores nos servios de hemotera-pia com a atuao dos assistentes sociais foi evidenciando a necessidade da es-truturao de espaos fsicos institucionais para desenvolvimento e organizao de equipes, j que o incio da hemoterapia e do processo de triagem para um sistema transfusional seguro comea com a captao de doadores de sangue.

    Seguindo as orientaes da Poltica Nacional de Sangue, Componentes e He-moderivados, os captadores foram traando as suas linhas de trabalho partindo do conhecimento da realidade em que atuam (social e institucional), enfren-tando suas dificuldades (estruturais, recursos humanos, gesto, capacitao) em busca da transformao de atitudes e comportamentos, na conquista de doadores saudveis e permanentes.

    O trabalho educativo na captao de doadores na realidade brasileira algo fundamental, mesmo que os frutos sejam colhidos em mdio e longo pra-zos. Mas precisa ser prioritrio, assumido, desenvolvido sistematicamente, criativamente e cotidianamente, logicamente, sem descartar a necessidade de articulao imediata para suprir as necessidades de sangue. A educao em sade parte do processo de pensar o real e criar estratgias de transformao, e precisa ser compartilhada por todos os profissionais que atuam na rea.

    Necessrio se faz planejar e desenvolver atividades pedaggicas que leve a popula-o a refletir, a ter conhecimentos, informaes que quebrem os medos, dvidas e inseguranas, e fortaleam o desejo consciente de doar, de participar ativamente.

    Captar, conquistar, sensibilizar e fidelizar doadores transformar sentimentos, viso de mundo, valores transformar pessoas. Levando-as a perceber a rele-vncia desse gesto humanitrio, que, por meio da solidariedade, garante a pr-pria sobrevivncia. Captar candidatos doao vai alm da persuaso, da induo ou socializao de ideias e valores, mas caracteriza-se pela ao crtica e criativa.

    A captao uma motivao interna que transborda para grupos, pessoas e comunidades, lanando sementes. Captar uma arte que busca cativar o verdadeiro artista, o doador de sangue, que partilha uma das mais preciosas fontes da vida o sangue.

    Vrios momentos significativos foram vividos pelos hemocentros nacionais e suas equipes de captadores, sempre na busca da elevao das doaes de sangue, com o olhar na transformao do doador vinculado a pacientes em doador espontneo e fidelizado.

    Em 1998 o governo federal lanou as Metas Mobilizadoras Nacionais para o setor sade, estruturadas em 12 projetos, visando impulsionar a hemoterapia

    ministrio da sade | Promoo da Doao Voluntria de Sangue Manual de Orientaes

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  • brasileira para um modelo de excelncia em todos os servios e regies, ga-rantindo um atendimento transfusional seguro e de padro de qualidade in-discutvel. O slogan era Sangue com garantia de qualidade em todo seu processo at 2003, e dentre os projetos estava a implantao do Programa Nacional de Doao Voluntria de Sangue (PNDVS).

    Figura 2 Panfleto alusivo a um dos projetos da Meta Mobilizadora Nacional para o Setor Sade Programa Nacional de Doao Voluntria de Sangue, Ministrio da Sade, 1998

    Fonte: Ministrio da Sade.

    O PNDVS tinha como objetivo sensibilizar a sociedade para a necessidade da doao voluntria, espontnea e habitual de sangue, visando garantia da quantidade adequada demanda do pas e melhoria da qualidade do sangue, componentes e derivados.

    O Programa contribuiu para a expanso de vrios projetos educativos, pesqui-sas, busca de parcerias, trocas de conhecimentos, desenvolvimento de campa-nhas, inclusive publicitrias, produo de material educativo e realizao de encontros dirigidos s equipes de captao de doadores.

    Mesmo com as diferenas regionais e estruturais dos servios de hemoterapia, as prticas da captao de doadores, por meio da similaridade dos projetos (co-municao, marketing, escolas, empresas, universidades, captao hospitalar,

    Contextualizao da Captao de doadores na hemoterapia brasileira

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  • convocao e agendamento de doadores), foram unificando-se, com incentivo doao espontnea e regular e com a participao de jovens e mulheres.

    A partir do ano 2000 foi dada nfase capacitao de captadores para formao de agentes multiplicadores nos diversos segmentos sociais, por meio do im-pulso da sistemtica de coletas externas.

    Os cursos Telelab Sistema de Educao Distncia para Profissionais de Unidades Hemoterpicas, que disponibilizou o mdulo Captao de Doadores de Sangue (Figura 3), foi tambm uma importante ferramenta para aperfeioamento de aes e treinamento de equipes.

    A parceria do Ministrio da Sade com a Or-ganizao Pan- Americana de Sade (OPAS) teve papel fundamental no fortalecimento das atividades de captao. A OPAS, atuante na Amrica latina e Caribe, sempre se arti-culou positivamente com o Brasil, pelo seu cenrio de avanos na busca da doao vo-luntria e no remunerada, na qualificao dos servios, no seu respaldo legal, na capa-citao de profissionais e intenso dinamismo na busca da melhoria das aes e estratgias para se atingir a fidelizao de doadores, en-fim, na mudana dos ndices de doao e per-fil do doador.

    Todas as aes planejadas tinham como obje-tivo a capacitao, a melhoria dos processos, o intercmbio, a segurana transfusional, proporcionando importantes encontros, den-

    tre estes, a apresentao do manual Fazendo a Diferena Captando doadores de sangue voluntrios, no remunerados (Figura 4), reunindo na sede da Orga-nizao Mundial de Sade/Organizao Pan Americana em Braslia, no ano de 2003, gestores e captadores dos servios pblicos de hemoterapia do Brasil (Figura 5).

    Em 2007, o intercmbio foi fortalecido com o programa Euro-Social, por meio de um Projeto denominado Fortalecimento dos sistemas nacionais de transfuso sangunea para formao de polticas e estratgias de doao altrusta. O Brasil,

    Figura 3 Capa do Livro Captao de Doa dores de Sangue, Telelab Sistema de Educao a Distncia para Profissionais de Unidades Hemoterpicas, Ministrio da Sade, 2001

    Fonte: Ministrio da Sade

    Figura 4 Capa do Manual Fazendo a Diferena Captando Doadores de Sangue Voluntrios, no remunerados, OPAS, 2003

    Fonte: Ministrio da Sade

    Figura 5 Fotografia de matria publicada no Boletin Internacional Reclutamiento de donantes de sangre Federacin Internacional de Sociedades de La Cruz Roja y de La Media Luna Roja, n 91, Septiembre de 2004

    Fonte: OPAS/ Federao Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho.

    ministrio da sade | Promoo da Doao Voluntria de Sangue Manual de Orientaes

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  • a Frana, a Espanha e a Inglaterra seriam os pases oferentes para capacitao de tcnicos de diversos pases que atuavam ou estavam iniciando suas atividades na rea de captao de doadores. Foi um perodo de interao e tro-ca de saberes, tcnicas e estratgias para somar na disponibilizao de sangue, componentes e derivados provenientes de doaes voluntrias em todos os continentes. Alguns servios de hemoterapia no Brasil receberam tcnicos de outros pases para capacitaes.

    Paralelamente a esses movimentos de estu-dos e reflexes sobre as prticas e estratgias para captao de doadores, a captao nacio-nal foi garantindo espaos de discusso em congressos, fruns, seminrios nacionais e internacionais, e a partir de 1997 firmou a sua participao nos Congressos de Hema-tologia e Hemoterapia, os Hemo, atualmen-te organizados pela Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, por meio da or-ganizao dos Simpsios de Captao de Doa-dores de Sangue. Vrias trocas de experincias, exposies de atividades bem sucedidas, eram realizadas por diversos hemocentros, e traba-lhos inovadores foram surgindo, principal-mente em novas reas e com novos enfoques.

    convocao e agendamento de doadores), foram unificando-se, com incentivo doao espontnea e regular e com a participao de jovens e mulheres.

    A partir do ano 2000 foi dada nfase capacitao de captadores para formao de agentes multiplicadores nos diversos segmentos sociais, por meio do im-pulso da sistemtica de coletas externas.

    Os cursos Telelab Sistema de Educao Distncia para Profissionais de Unidades Hemoterpicas, que disponibilizou o mdulo Captao de Doadores de Sangue (Figura 3), foi tambm uma importante ferramenta para aperfeioamento de aes e treinamento de equipes.

    A parceria do Ministrio da Sade com a Or-ganizao Pan- Americana de Sade (OPAS) teve papel fundamental no fortalecimento das atividades de captao. A OPAS, atuante na Amrica latina e Caribe, sempre se arti-culou positivamente com o Brasil, pelo seu cenrio de avanos na busca da doao vo-luntria e no remunerada, na qualificao dos servios, no seu respaldo legal, na capa-citao de profissionais e intenso dinamismo na busca da melhoria das aes e estratgias para se atingir a fidelizao de doadores, en-fim, na mudana dos ndices de doao e per-fil do doador.

    Todas as aes planejadas tinham como obje-tivo a capacitao, a melhoria dos processos, o intercmbio, a segurana transfusional, proporcionando importantes encontros, den-

    tre estes, a apresentao do manual Fazendo a Diferena Captando doadores de sangue voluntrios, no remunerados (Figura 4), reunindo na sede da Orga-nizao Mundial de Sade/Organizao Pan Americana em Braslia, no ano de 2003, gestores e captadores dos servios pblicos de hemoterapia do Brasil (Figura 5).

    Em 2007, o intercmbio foi fortalecido com o programa Euro-Social, por meio de um Projeto denominado Fortalecimento dos sistemas nacionais de transfuso sangunea para formao de polticas e estratgias de doao altrusta. O Brasil,

    Figura 3 Capa do Livro Captao de Doa dores de Sangue, Telelab Sistema de Educao a Distncia para Profissionais de Unidades Hemoterpicas, Ministrio da Sade, 2001

    Fonte: Ministrio da Sade

    Figura 4 Capa do Manual Fazendo a Diferena Captando Doadores de Sangue Voluntrios, no remunerados, OPAS, 2003

    Fonte: Ministrio da Sade

    Figura 5 Fotografia de matria publicada no Boletin Internacional Reclutamiento de donantes de sangre Federacin Internacional de Sociedades de La Cruz Roja y de La Media Luna Roja, n 91, Septiembre de 2004

    Fonte: OPAS/ Federao Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho.

    Contextualizao da Captao de doadores na hemoterapia brasileira

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  • No Hemo 2006, em que foi realizado o X Simpsio Nacional de Captao de Doadores, outro momento bastante significativo e de grande contribuio para o desenvolvimento das aes de captao na Hemorrede foi a sugesto, em plenria que contava com a participao de profissionais de hemocentros de todas as regies do pas, da criao de um grupo de assessoramento tcnico na temtica, para atuao de forma consultiva junto ao Ministrio da Sade.

    Por ser uma atividade imprescindvel na hemoterapia, a captao reivindicava um espao nas discusses, na sistemtica de planejamento e metas nacionais, objetivando colaborar e participar, fazer-se ouvir. O pleito foi, portanto, apoiado pela Coordenao Nacional de Sangue, sendo formado o Comit Nacional de Assessoramento Tcnico em Captao de Doadores Voluntrios de Sangue.

    Para a maioria dos participantes, a formao do Comit seria considerada um marco na captao nacional, j que seria resultado de solicitao da Hemor-rede, com eleio dos membros de forma criteriosa, com representao de todas as regies brasileiras, pela diversidade cultural, geogrfica e estrutural dos servios.

    A partir de 2007 as reunies do grupo de assessoramento foram intensificadas, mas s em 2009 este foi institudo, por meio das Portarias n 253 e 254, de 11 de fevereiro, do Ministrio da Sade.

    Como competncias, o Comit deveria assessorar tecnicamente a Coordena-o-Geral de Sangue na implementao das aes e polticas de captao, rea-lizar estudos e pesquisas, prestar assessoramento aos setores de captao dos estados, participar com as comisses tcnicas cientficas na organizao de jornadas, simpsios na rea de captao, planejar e realizar eventos de capaci-tao e integrao para captadores da hemorrede nacional.

    Vrias oficinas de capacitao, seminrios e encontros de equipes de captado-res foram realizados, tendo sido estruturadas metas regionais e indicadores nacionais. Projetos para realizao sistemtica de campanhas nacionais e cria-o de materiais educativos foram intermediados, bem como foram levados ao debate os processos metodolgicos de ao da captao nas vrias regies.

    Em 2012 a captao nacional viveu outro significativo momento no Frum de Gestores e Captadores realizado em Braslia, no qual foram dados os primeiros passos aos anseios de estruturao de uma Poltica Nacional de Promoo da Doao Voluntria de Sangue, do Ministrio da Sade, por meio de discus-ses e redao de um documento (minuta de Portaria), para apreciao da Coordenao-Geral de Sangue.

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  • Apesar de o Brasil ser referncia na captao de sangue na Amrica Latina, ter melhorado os ndices de doao voluntria, e ter ampliado a faixa etria de candidatos doao, muitos desafios ainda se apresentam, j que apenas 1,9% da populao brasileira doadora de sangue. Ainda h um longo caminho a ser percorrido para que se firme principalmente a regularidade das doaes, a fidelizao dos doadores. E para que ocorra essa reteno do doador nos ser-vios, volta-se o olhar para seu acolhimento. Fundamentado em Bekin (1995), estamos num mercado orientado para o cliente. Clientes s podem ser con-quistados e fidelizados com um servio de excelncia. Ento, a hemoterapia precisa acolher e buscar a humanizao do atendimento, fazendo com que a experincia da doao de sangue seja convertida em uma experincia que acrescente valor positivo para o doador, a ponto de este se sentir motivado a retornar, transformar-se em um multiplicador, um formador de opinio.

    Muitos avanos ocorreram nos servios de hemoterapia no que se refere a captao de doadores, os quais, aliados a novas ferramentas, estratgias, cam-panhas, pesquisas e tecnologias da modernidade, foram mudando o perfil do doador, respeitando as particularidades de cada regio, considerando as diferenas e percepes dos seus diversos pblicos. Fases difceis e de suces-so foram vividas, mas o cenrio brasileiro ainda aponta para a existncia de muitas barreiras no que se refere participao efetiva, contnua da populao no processo da doao.

    Toda a histria vivenciada no contexto da captao nos servios de hemoterapia conseguiu mostrar que os esforos precisam ser conjuntos entre o governo e a sociedade, para consolidar-se a doao de sangue como prioritria e importan-te na vida das pessoas. Na atualidade, os avanos e impulsos das redes sociais/internet apresentam-se como campo frtil para investimento em aes bem planejadas e articuladas para captao de doadores.

    fundamental a sincronizao das aes de educao com as campanhas, tecno-logias, ferramentas de comunicao, e precisam acontecer sistematicamente e continuadamente. Tudo isso aliado ao esprito solidrio j caracterstico do povo brasileiro, que atende aos apelos e situaes que demandam ajuda humanitria.

    A captao de doadores nos diversos servios de hemoterapia precisa realizar sistematicamente estudos, anlises sobre a efetividade das campanhas e ativi-dades realizadas. No se faz gesto sem o monitoramento de dados e indicado-res. O conhecimento precisa ser permanente, alm do que, o captador precisa reinventar-se, inovar, ser criativo e crtico de suas prticas. E socializar, valori-zar todos esses esforos por meio de publicaes cientficas sobre suas prticas.

    Partindo da caracterstica-chave da atividade de captao de doadores, que o transformar, inovar, mais um debate inicia-se, no que se refere importncia

    Contextualizao da Captao de doadores na hemoterapia brasileira

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  • da juno de diversos saberes, da insero de novos atores no processo da Promoo da Doao Voluntria de Sangue.

    Conceitualmente, promover dar visibilidade, impulsionar. E promover a do-ao de sangue buscar dar maior evidncia, ampliar os campos de aes e articulaes, provocar um dilogo mais abrangente e efetivo com a sociedade.

    Evidencia-se nas atividades de educao em sade a importncia da atuao multiprofissional na elaborao de projetos, programas e aes que buscam modificar a realidade social da populao. Apesar de necessrio e importante, o trabalho multidisciplinar desafiador, precisando ser bem conduzido, e valo-rizados todos os saberes, j que existe a disputa por saberes inerentes a cada profisso na busca de seus espaos. Mas preciso que se estruture um enfo-que multidisciplinar, que se transforme em um objetivo comum, quebrando resistncias, arestas e formando realmente uma equipe, um time.

    Pensar a formao de uma equipe multiprofissional para a realidade da cap-tao na hemoterapia impulsionar novos olhares, ideias, ricas contribuies que podero somar-se ao importante trabalho historicamente desenvolvido pelos assistentes sociais. Torna-se bastante relevante a insero de outras ca-tegorias (socilogos, psiclogos, antroplogos, pedagogos, comunicadores).

    A soma de talentos na equipe de captadores fortalecer as aes, em que cada profissional na sua rea especfica, com uma viso global do seu universo de trabalho, poder contribuir com informaes e conhecimento, pensando e atuando de forma integrada e interativa.

    A diversidade do conhecimento, das opinies, das experincias profissionais poder contribuir positivamente no planejamento, produo de trabalhos, ope-racionalizao das atividades, articulao, buscando uma conexo mais forte entre todos os setores do hemocentro, podendo assim trazer considerveis resultados. Pela amplitude da captao, importante tambm um amplo con-junto de profissionais envolvidos.

    Por meio dessa linha de reflexo, a Coordenao-Geral de Sangue e Hemode-rivados insere, no ano de 2014, a multidisciplinaridade no Comit Nacional de Captao de Doadores Voluntrios de Sangue.

    Todo esse contexto de lutas e conquistas para se implantar a cultura da respon-sabilidade coletiva na doao voluntria de sangue no nosso pas apresenta-se como indicativo da contnua necessidade de se avanar. Assim, a captao de doadores no Brasil, com o novo enfoque da Promoo da Doao Voluntria de Sangue, escreve mais um captulo de sua importante histria no contexto dos servios de hemoterapia.

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  • BibliografiaBEKIN, S. F. Conversando sobre Endomarketing. So Paulo: Makron Books, 1995.

    BRASIL. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Braslia, DF: Senado Federal: Centro Grfico, 1988. 292 p.

    ______. Lei n 1.075, de 27 de maro de 1950. Dispe sobre a doao voluntria de sangue. Dirio Oficial da Unio, Braslia, DF, 12 abr. 1950. Seo 1, p. 5425.

    ______. Lei n 10.205, de 21 de maro de 2001. Regulamenta o 4, do art. 199, da Constituio Federal, relativo coleta, processamento, estocagem, distribuio e aplicao do sangue, seus componentes e derivados, estabelece o ordenamento institucional indispensvel execuo adequada dessas atividades, e d outras providncias. Dirio Oficial da Unio, Braslia, DF, 21 mar. 2001.

    ______. Ministrio da Sade. Portaria n 2.712, de 12 de novembro de 2013. Redefine o regulamento tcnico de procedimentos hemoterpicos. Dirio Oficial da Unio, Braslia, DF, 13 nov. 2013. Seo 1, p. 106.

    ______. Ministrio da Sade. Conselho Nacional de Sade. Resoluo n 218, de 6 de maro de 1997. Dispe sobre a regulamentao das profisses de sade. Dirio Oficial da Unio, Braslia, DF, 5 maio. 1997.

    ______. Ministrio da Sade. Coordenao de Sangue e Hemoderivados. Manual de qualificao do captador de doadores voluntrios de sangue. Braslia, 1994.

    BOLETIN INTERNACIONAL RECLUTAMIENTO DE DONANTES DE SANGRE. Federacion Internacional de Sociedades de La Cruz Roja y de La Media Luna Roja, [S.l.], n. 91, Septiembre 2004.

    CONSELHO REGIONAL DE SERVIO SOCIAL (6. Regio). Cdigo de tica Profissional dos Assistentes Sociais. 3 ed. Belo Horizonte: CRESS, 2004. Coletnea de Leis.

    DURKHEIM, E. Filosofia e Sociologia. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 1975.

    FEDERAO INTERNACIONAL DAS SOCIEDADES DA CRUZ VERMELHA E DO CRESCENTE VERMELHO. Organizao Pan-Americana da Sade. Manual Fazendo a Diferena: Captando Doadores de Sangue Voluntrios, No Remunerados. Braslia: OPAS, 2004.

    PIMENTEL, Marcos Alfredo. A questo do sangue: rumos das polticas pblicas de hemoterapia no Brasil e no exterior. Rio de Janeiro: UERJ, 2006. Tese (Doutorado) - Instituto de Medicina Social, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, 2006.

    Contextualizao da Captao de doadores na hemoterapia brasileira

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  • O processo hemoterpico e as etapas do ciclo do sangue

    Eugnia Maria Amorim Ubiali1

    IntroduoOs servios de transfuso surgiram no Brasil na dcada de 1930, mas a hemo-terapia como especialidade mdica concretizou-se na dcada de 1940, com a criao do Banco de Sangue do Hospital Fernandes Figueira no Rio de Janeiro (1941), do Banco de Sangue da Santa Casa de Porto Alegre e do Banco de San-gue do Pronto Socorro de Recife, ambos em 1942. A partir da, em 1943 foi criado o Banco de Sangue do Hospital das Clnicas de So Paulo e, em 1944, o Banco de Sangue do Distrito Federal, no Rio de Janeiro.

    Dentre outros fatos importantes que conduziram a Hemoterapia no pas, destaca-se o primeiro congresso de profissionais da especialidade, em 1949, a fundao da Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, em 1950, e, tambm em 1949, a organizao da Associao dos Doadores Voluntrios de Sangue do Rio de Janeiro, que se tornou uma entidade nacional defendendo a no remunerao da doao de sangue. Essa premissa para doao voluntria de sangue foi reforada pela Lei federal 1075/50, que abonava o dia de trabalho do funcionrio pblico, civil ou militar, que doasse voluntariamente sangue em banco de sangue estatal ou paraestatal, o que seria registrado como louvor em sua folha de servio, estendido aos no servidores pblicos como incluso entre os que prestam servios relevantes Ptria.

    Nessa poca a Hemoterapia no recebia qualquer ateno dos rgos oficiais, seja para normatizao ou para fiscalizao. Esse descaso fazia com que fosse pouco considerada entre as especialidades mdicas, ligada ao comrcio de sangue e pouco ensinada nas faculdades. O estmulo doao voluntria de sangue pela Lei federal 1075/50 foi copiado por estados e municpios, amplian-do-se inclusive, em So Paulo, a bancos de sangue privados de locais onde

    1 Hematologista/Hemoterapeuta, Mestre em Cincias Mdicas pela Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto da Univer-sidade de So Paulo, Coordenadora Mdica do Hemocentro de Ribeiro Preto.

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  • no houvesse banco de sangue pblico, desde que o sangue doado voluntaria-mente no fosse aplicado mediante remunerao. Essa tmida ao do poder pblico, aliada confeco de legislao disciplinadora, pouco interferiu no sentido de conter a proliferao de pequenos e precrios bancos de sangue pri-vados, que visavam a lucro com o menor investimento possvel. Destacavam-se somente alguns servios governamentais e alguns privados das grandes capi-tais, trabalhando para acompanhar a sofisticao e a evoluo tecnolgica que se passavam internacionalmente na Hemoterapia, em razo da ampliao do uso teraputico do sangue, seus componentes e derivados. O fracionamento e a conservao do sangue e componentes j eram fatos. Surgia, portanto, uma demanda de servios maiores e mais bem equipados, bem como a necessida-de de obteno de maior quantidade de matria-prima, para atendimento da indstria de hemoderivados.

    Embora a prtica de remunerao da doao de sangue fosse uma ideia com-batida em relatrios, ela no era proibida, assim como a doao voluntria e altrusta no era estimulada pelos meios oficiais.

    Aps o golpe militar de 1964, preocupado com a segurana, por no existir reserva hemoterpica no pas em caso de um conflito armado, o governo bra-sileiro instituiu a Comisso Nacional de Hemoterapia (CNH), para promover e executar uma Poltica Nacional de Sangue, que, apesar de emitir normas tentando disciplinar o setor, no obteve xito em suas intenes. Em 1969, Pierre Cazal veio ao Brasil como consultor da Organizao Mundial da Sade, e o relatrio por ele apresentado apontou como caractersticas da hemoterapia brasileira a multiplicidade de pequenos servios, a comercializao do sangue, a falta de campanhas para doao voluntria e a ausncia de qualquer poltica centralizadora, sinalizando para a necessidade da implantao de uma poltica nacional de sangue com um sistema de hemocentros descentralizados.

    Mesmo assim, o panorama mantinha-se inalterado e, diante da insatisfao da sociedade organizada com o descontrole da atividade hemoterpica e dos altos ndices de contaminao por Chagas em transfuso, em 1980 foi institudo o Programa Nacional de Sangue - Pr-Sangue, que se propunha, entre outras coisas, a adotar sistematicamente a doao voluntria e no remunerada de sangue e implantar uma Rede Nacional de Centros de Hematologia e Hemo-terapia (Hemocentros) responsveis pelo suprimento e distribuio do sangue e hemoderivados. Nos anos seguintes, o Pr-Sangue instituiu programas e metas, entre eles o Plano Nacional do Sangue e Hemoderivados - Planashe e o Programa de Interiorizao da Hemorrede Pblica; transformou-se na Diviso Nacional de Sangue e Hemoderivados - Dinashe e, posteriormente, na Coordenao de Sangue e Hemoderivados - Cosah e, atualmente, funciona

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  • como Coordenao-Geral de Sangue e Hemoderivados - CGSH. Os programas brasileiros esbarraram nos obstculos e na reduo de recursos, que dificulta-vam a sade pblica poca. Entretanto, o advento da Aids tornou inadivel a sempre to postergada reforma do sistema hemoterpico brasileiro, exigindo mudanas tanto em relao segurana contra transmisso de doenas por transfuso quanto em diversas outras prticas da especialidade.

    A partir de 1989, com a Portaria Federal n 721, que aprovou normas tcnicas para disciplinar coleta, processamento e transfuso, a hemoterapia brasileira passou a ter regulamentaes especficas para nortear suas atividades. Nesse percurso histrico importante ressaltar a importncia da Lei 10.205/2001, que instituiu a Poltica Nacional de Sangue, Componentes e Hemoderivados, criando o Sistema Nacional de Sangue, Componentes e Derivados (Sinasan), cujas aes devem estar sob a coordenao de rgo do Ministrio da Sade. A Lei 10.205 (2001, p. 1) tem como ementa:

    Regulamenta o 4 do art. 199 da Constituio Federal, rela-tivo coleta, processamento, estocagem, distribuio e apli-cao do sangue, seus componentes e derivados, estabelece o ordenamento institucional indispensvel execuo adequa-da dessas atividades, e d outras providncias.

    Entre suas diversas disposies, estabeleceu a utilizao exclusiva da doao voluntria e no remunerada do sangue, a proibio de remunerao ao doa-dor pela doao de sangue, admitindo a remunerao dos servios pela cober-tura dos custos dos insumos, reagentes, materiais descartveis e mo-de-obra especializada, inclusive honorrios mdicos.

    Atualmente, a hemorrede nacional composta por servios de hemoterapia de diferentes complexidades, que se organizam em uma rede hierarquizada de atendimento, conforme definido na Resoluo da Diretoria Colegiada da Anvisa 151/2001, cujo Art. 1 (2001, p. 1) diz: Aprovar o Regulamento Tc-nico sobre Nveis de Complexidade dos Servios de Hemoterapia, que consta como anexo. O Quadro 1 apresenta os servios de hemoterapia brasileiros com cadastro no Hemocad, sistema de informao da Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria - Anvisa, que tem como uma de suas metas cadastrar todas as unidades hemoterpicas do pas.

    Quadro 1 Servios de hemoterapia com cadastro no sistema Hemocad

    Tipo de servio NmeroAgncia Transfusional AT 1.458Ncleo de Hemoterapia NH 290Unidade de Coleta e Transfuso UCT 148

    Continua

    o proCesso hemoterpiCo e as etapas do CiClo do sangue

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  • Tipo de servio NmeroHemocentro Regional HR 65Hemocentro Coordenador HC 26Unidade de Coleta UC 14No informado 6Central de Triagem Laboratorial de Doadores CTLD 11Total 2.018

    Fonte: Hemocad setembro 2013. 5 Boletim Anual de Avaliao Sanitria em Hemoterapia Anvisa- novembro 2013.

    O ciclo do sangueCompreende etapas sequenciais e intimamente relacionadas que correspon-dem aos acontecimentos entre a captao de doadores de sangue e a transfuso de hemocomponentes nos receptores. Tem como finalidade coletar bolsas de sangue e, em ltima anlise, transfundir hemocomponentes adequadamente preparados, no momento certo, na quantidade adequada e no paciente que de-les necessitem. Pode ser variavelmente descrito pelos servios de hemoterapia, mas, em geral, podem ser definidas as etapas do Quadro 2.

    Quadro 2 Etapas do ciclo do sangue

    Captao de doadoresIdentificao de candidatosInformaes preliminares e orientaes doao de sangueTriagem clnicaColeta de bolsas de sangueProcessamento do sangue total: produo e modificao de hemocomponentesArmazenamento temporrio at a liberao dos examesExames de qualificao do sangue do doadorLiberao dos hemocomponentesConservao dos hemocomponentesDispensao dos hemocomponentesAto transfusional: coleta de amostras e testes prtransfusionais; instalao e monitoramento das transfuses

    Fonte: Da autora.

    Captao de doadores

    Nessa etapa so utilizadas estratgias para sensibilizar a populao geral e as pessoas individualmente sobre a importncia e a necessidade de doar sangue, a fim de dar suporte transfusional a muitos pacientes, possibilitando tratamen-tos e procedimentos teraputicos.

    Concluso

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  • Nesse trabalho muito importante esclarecer e desmistificar a doao de san-gue, esclarecendo lendas e retirando alguns medos que a acompanham h d-cadas. Alm disso, imprescindvel tranquilizar os candidatos de que se trata de um procedimento realizado sob superviso mdica, que utiliza materiais descartveis e de uso nico que no trazem riscos infecciosos aos doadores.

    Na busca por doadores devem ser abordadas pessoas sadias e que atendam os requisitos bsicos para doao de sangue. Para a prtica atual de captar doado-res de sangue recomenda-se a conscientizao dos potenciais candidatos sobre a importncia da doao de sangue e o fornecimento de informaes bsicas sobre critrios para doao de sangue, para que a informao seja a base da deciso de doar ou no doar sangue.

    As ferramentas utilizadas pelos servios de hemoterapia so muitas, desde campanhas em escolas, ambientes de trabalho, clubes de servio e outros lo-cais, at o uso de ferramentas de mdia escrita e falada. Importante salientar que a incluso desse tema nas escolas de crianas e jovens pode constituir-se em atividade coadjuvante, que poder trazer bons frutos no futuro. Estrat-gias individuais tambm fazem parte da captao de doadores, por meio de convites e convocaes de doadores especficos, contato com familiares de pacientes transfundidos, e com pacientes que sero submetidos a cirurgias e procedimentos com alta demanda de hemocomponentes (cirurgias cardacas, transplantes, entre outros).

    Considerando os tipos de doao de sangue, elas podem ser espontneas (por pessoas motivadas a manter os estoques de hemocomponentes anonimamen-te e por altrusmo) ou de reposio (quando advm de pessoa que, motivada pelo servio, famlia ou amigos do receptor, doa para atender a necessidade de determinado paciente, repondo os estoques dos servios). A doao feita para si prprio denominada doao autloga e quando destinada a outra pessoa denomina-se doao alognica.

    O doador de sangue pode ser classificado em doador de 1 vez (doa pela pri-meira vez no servio), de repetio (doa duas ou mais vezes em 12 meses) e espordico (doa novamente aps intervalo superior a 12 meses). Os ser-vios de hemoterapia procuram por doadores regulares porque se acredita que doadores que doam a intervalos de tempo j conhecem o processo, so testados periodicamente e podem fornecer um produto mais seguro. Entre-tanto, doadores regulares podem ter como motivao para a doao peridica o desejo de monitoramento dos testes para agentes infecciosos, em especial o vrus da Sndrome da Imunodeficincia Adquirida (SIDA).

    o proCesso hemoterpiCo e as etapas do CiClo do sangue

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  • Por fim, h que se destacar que, no Brasil, a doao de sangue voluntria, annima, altrusta e no remunerada, no devendo o doador ser remunerado ou beneficiado direta ou indiretamente por sua doao.

    Identificao de candidatos

    Quando o candidato comparece ao servio para doar sangue, deve portar um documento de identificao com fotografia, emitido por rgo oficial, sendo preenchida sua ficha cadastral com dados que permitam identific-lo inequi-vocamente. Cada candidato recebe um nmero de registro que conter sua base de dados no servio, recuperada e confrontada com novas informaes e resultados a cada comparecimento. Desse cadastro constam as seguintes informaes relativas ao candidato: nome completo, sexo, data de nascimento, nmero de rgo expedidor do documento de identificao, nacionalidade e naturalidade, filiao, ocupao habitual, endereo e telefone para contato, nmero de registro do candidato no servio ou no programa de doao de sangue e a data do comparecimento.

    Uma vez cadastrado, ou em caso de comparecimentos sucessivos, depois de conferidas e atualizadas suas informaes no banco de dados do servio, o candidato recebe e estimulado a ler material informativo com informaes sobre as etapas e os critrios bsicos para doao de sangue, alm de orien-taes relativas a comportamentos e situaes que contraindicam a doao, e tambm sobre o que acontece com seu sangue aps a doao.

    Informaes preliminares e orientaes doao de sangue

    Nessa etapa os candidatos devem receber material educacional de fcil leitura e entendimento e ter a oportunidade de fazer perguntas para esclarecer suas dvidas. Alguns aspectos devem, obrigatoriamente, estar includos nessas in-formaes:

    O processo de coleta.

    Riscos potenciais da doao de sangue.

    Sinais clnicos da Sndrome da Imunodeficincia Adquirida (SIDA).

    Comportamentos sexuais e hbitos que oferecem risco acrescido para HIV e outros agentes transmissveis pelo sangue.

    Testes para doenas infecciosas que sero realizados no sangue doado.

    Possibilidade da no realizao dos testes, em caso de amostras inade-quadas.

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  • Limitao dos testes quanto deteco de infeces em fase muito inicial (explicao do conceito de janela dos testes).

    Orientao para que no doe sangue para obter teste para HIV, hepatites ou outras infeces, fornecendo-lhe outros locais para realizao gratuita e annima desses testes.

    Realizao de outros testes investigativos ou de pesquisa.

    Condutas que devem ser adotadas em caso de resultados alterados dos exames:

    Convocao para atendimento mdico e coleta de nova amostra Notificao dos resultados reagentes para agentes infecciosos ao ser-

    vio de vigilncia em sade. Excluso daqueles com resultados reagentes do banco de doadores

    aptos da instituio.

    Depois de esclarecidos em linguagem adequada e compreensvel, os candida-tos devem ser orientados a se abster de doar sangue caso se sintam sob risco de estar infectados. Deve ser enfatizada a importncia de sua honestidade ao responder o questionrio da triagem clnica, para a segurana dos pacientes que recebem transfuso, assegurando-lhes que todas as informaes por eles fornecidas ou decorrentes de sua doao so absolutamente confidenciais, deixando-os mais tranquilos para responder corretamente o que lhes for ques-tionado.

    Por fim, deve ser obtido do candidato o Termo de Consentimento Livre e Escla-recido (TCLE) para a doao, no qual declara ter recebido todas essas informa-es, ter resolvidas todas as suas dvidas e que concorda em doar seu sangue para uso pelo servio, aps os testes preconizados pelas normas.

    Triagem clnica

    A segurana transfusional depende de diversos fatores e procedimentos, que se iniciam na captao de doadores e passam por todo o ciclo do sangue, complementando-se nas diversas etapas do processo. Um momento muito importante a triagem clnica dos candidatos que se propem a doar sangue. Ela consiste em uma avaliao clnica e epidemiolgica, um exame fsico su-mrio e a anlise das respostas do candidato a um questionrio padronizado, cuja finalidade avaliar sua histria mdica atual e prvia, seus hbitos e fatores de risco para doenas transmissveis pelo sangue. Esse questionrio tem carter confidencial, deve ser realizado no dia da doao, em ambiente privativo, por profissional de sade de nvel superior qualificado e capacitado

    o proCesso hemoterpiCo e as etapas do CiClo do sangue

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  • e sob superviso mdica, mantendo-se seu registro em meio eletrnico ou impresso. O processo de seleo de doadores visa proteger os doadores de sangue e os receptores de transfuso, determinando se o candidato est em boas condies de sade e no portador de doenas que possam ser transmi-tidas pelo sangue doado, mas tambm avalia se ele tem condies de tolerar a doao de sangue sem complicaes importantes para si prprio. Alm da aplicao do questionrio, para compor a avaliao clnica do candidato, so aferidos os sinais vitais (presso arterial, pulso e temperatura), o peso e a altura do candidato, a dosagem da hemoglobina ou a medida do hematcrito.

    Em todas as doaes de sangue so realizados exames laboratoriais para de-teco de doenas passveis de transmisso sangunea. Entretanto, existe um perodo de tempo, compreendido entre o momento em que a pessoa se conta-mina e o momento em que um teste detectar a infeco, denominado janela do teste. Durante esse tempo, mesmo o resultado do teste estando negativo, a transfuso daquele sangue/hemocomponente poder levar contaminao do receptor da transfuso. Por essa razo, alm de testes laboratoriais de alta sensibilidade, obrigatria a aplicao de um questionrio para excluir da doao naquele momento, ou de maneira definitiva, pessoas que possam es-tar doando sangue no perodo de janela de algum dos testes realizados para triagem de agentes infecciosos.

    O resultado do processo de seleo do doador ir defini-lo como apto (atende os requisitos tcnicos e normativos para doao alognica de sangue), inapto temporariamente (no atende, naquele momento, os requisitos para doao de sangue), inapto definitivo (tem um impedimento definitivo para doao alog-nica de sangue) e inapto por tempo indeterminado (encontra-se impedido de doar sangue para outra pessoa por perodo indefinido de tempo, obedecendo aos conhecimentos e normas vigentes). Esse resultado deve ser comunicado ao candidato doao de sangue, bem como deve ser-lhe explicada a razo de sua inaptido, sendo-lhe fornecido encaminhamento para atendimento mdi-co, se pertinente. Ainda, visando segurana transfusional, pode ser dada ao doador a oportunidade de se autoexcluir, solicitando, de maneira confidencial, o descarte de sua bolsa, caso perceba que omitiu fatos ou fatores de risco im-portantes durante a triagem clnica.

    Coleta de bolsas de sangue

    Os candidatos considerados aptos tm seu sangue coletado em sistemas fecha-dos de bolsas, que podem ser simples (pouco usadas atualmente), duplas, tri-plas ou qudruplas, a depender dos hemocomponentes que sero preparados a partir da bolsa coletada. Trata-se de material descartvel, estril, apirognico

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  • e de uso nico. Nessa etapa importante o uso de um nmero de identifica-o nico para a bolsa principal, as bolsas satlites, os registros e os tubos de amostras.

    O procedimento de coleta deve ser realizado por profissionais treinados, sob rigorosas condies de antissepsia, para minimizar a contaminao da uni-dade coletada, e mediante tcnica cuidadosa para evitar complicaes locais, como hematomas e injria nervosa. Seleciona-se uma veia que proporcione bom fluxo de sangue, realiza-se a antissepsia do local de coleta e faz-se a coleta mediante puno nica em um tempo mdio de 12 minutos, no excedendo 15 minutos de coleta. Em caso de necessidade de nova puno, outro conjun-to de bolsas dever ser utilizado. Qualquer que seja a bolsa utilizada, bem conhecido o benefcio da utilizao de bolsas de coleta com dispositivo que permita o desvio dos primeiros 30-45 mL de sangue para uma bolsa acessria, ficando reservados para preenchimento dos tubos de amostras. Esse sistema evita que a rolha de pele desprendida na puno se desloque para o interior da bolsa de sangue, alm de reduzir a quantidade de bactrias da pele que podem adentrar a bolsa de sangue.

    A quantidade de sangue coletada depende do volume de soluo anticoagulan-te/preservante presente na bolsa. Rotineiramente so coletados 450 45 mL de sangue total em bolsas com 60-65 mL de soluo preservante, aceitando-se bolsas com 300-405 mL de sangue total, das quais se utiliza somente o concen-trado de hemcias, que rotulado como unidade de pequeno volume.

    Ao final da doao, os tubos de amostras so enviados aos laboratrios cor-respondentes e as bolsas so transportadas, em condies adequadas, para o setor de processamento. O doador deve ser mantido em observao por alguns minutos e ser liberado se estiver sem quaisquer sintomas. Deve tambm ser orientado para que faa um lanche no servio, aumente sua ingesto lquida e se preserve naquele dia, evitando atividades fsicas intensas ou que possam colocar em risco sua vida e a de outras pessoas.

    A coleta de hemocomponentes tambm pode ser feita por mquina processa-dora de afrese, obedecendo a critrios clnicos particulares do procedimento e critrios do fabricante. Nessa modalidade de coleta podem ser coletados: con-centrados de hemcias (CH), concentrados de plaquetas (CP), plasma fresco a ser congelado (PFC) e concentrados de granulcitos (CG), que so suspenses de granulcitos em plasma obtidas por afrese de doador nico.

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  • Processamento do sangue total: produo e modificao de hemocomponentes

    A bolsa de sangue adequadamente coletada ser processada pelo servio de hemoterapia, dando origem aos componentes eritrocitrios, plaquetrios e plasmticos. O processamento e a modificao dos hemocomponentes so realizados em sistema fechado, mantendo-se a esterilidade mediante uso de mtodos asspticos e solues estreis e apirognicas. Alm disso, a manu-teno da cadeia do frio condio indispensvel para a adequada conservao das propriedades dos hemocomponentes.

    Os componentes eritrocitrios so os concentrados de hemcias (CH). Eles so obtidos por centrifugao da unidade de sangue total em centrfuga refrige-rada, permanecendo na bolsa aps a retirada do plasma, em sistema fechado. Em seguida, os CH so colocados em cmaras de conservao de bolsas em temperatura controlada de 4 2 C. Os CH tambm podem ser obtidos por afrese.

    Os concentrados de plaquetas obtidos do sangue total podem ser produzidos a partir de dupla centrifugao da unidade de sangue total, tendo o plasma rico em plaquetas como produto intermedirio ou sendo extrado da camada leucoplaquetria. Essa segunda opo origina um CP com menor contamina-o leucocitria. O CP pode tambm ser obtido por afrese. Nesse caso, cada unidade de CP de afrese equivale a 6 a 7 unidades de CP de sangue total.

    Entre os componentes plasmticos esto o plasma fresco congelado (PFC), o plasma fresco congelado em 24 horas (PFC24) e o plasma comum (PC), obtidos tambm pela centrifugao do sangue total e separados para a bolsa satlite em sistema fechado. O que os diferencia o tempo entre a coleta e o congelamento, que de 8 horas, entre 8 e 24 horas e acima de 24 horas, respectivamente. Com essa diferena no tempo de congelamento, esses pro-dutos tm propriedades diferentes. O PFC contm nveis normais dos fatores estveis da coagulao (1 UI/mL), de albumina e de imunoglobulinas e, pelo menos, 70 UI de fator VIII por 100 mL, assim como dos outros fatores lbeis. J o PFC24 contm quantidade normal de fator V e quantidade um pouco reduzida de fator VIII. O plasma comum tambm pode resultar da transfor-mao de um PFC, um PFC24 ou um PIC (plasma isento de crioprecipitado) cuja validade expirou; no contendo, portanto, os fatores lbeis da coagulao (fator V e fator VIII).

    O crioprecipitado uma frao plasmtica obtida do PFC pela precipitao pelo frio, obtida pelo descongelamento do PFC entre 4 2 C. Contm glico-protenas, em especial os fatores VIII, XIII, von Willebrand e fibrinognio.

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  • O plasma isento de crioprecipitado (PIC) aquele do qual foi retirado, em sistema fechado, o crioprecipitado.

    Os hemocomponentes podem ser modificados para atender necessidades es-peciais de alguns pacientes. Os CH e os CP podem ter seus leuccitos reduzi-dos (leucorreduo/filtrao) para atendimento de pacientes que apresentam reaes transfusionais febris no hemolticas, de pacientes com o sistema imunolgico deprimido a fim de reduzir o risco de transmisso do citomega-lovrus, e atendimento de pacientes candidatos a mltiplas transfuses para evitar que sejam sensibilizados aos antgenos leucocitrios humanos e suas transfuses se tornem ineficazes. Outra modificao que pode ser realizada nos CH a lavagem com soluo fisiolgica para retirar as protenas do plas-ma com o objetivo de evitar reaes alrgicas nos pacientes. O CH e o CP tam-bm podem ser irradiados para inativar os linfcitos presentes e assim evitar que o enxerto (hemocomponente) rejeite o hospedeiro (receptor da transfu-so), configurando a reao do enxerto contra hospedeiro ps-transfusional (DECH-PT).

    Uma amostra de todos os hemocomponentes produzidos ou modificados pelo servio de hemoterapia deve ser objeto de controle da qualidade. Esse controle possibilita o monitoramento do processo de produo e orienta medidas pre-ventivas e corretivas, caso o produto seja encontrado fora das especificaes definidas pelas boas prticas e pelas normas vigentes.

    Armazenamento temporrio at a liberao dos exames (quarentena)

    Enquanto aguardam os resultados dos testes imuno-hematolgicos, dos testes sorolgicos e dos testes de biologia molecular para agentes infecciosos, os hemocomponentes devem ser segregados em local especfico, devidamente identificado e sob a temperatura que seja adequada para a conservao de suas propriedades. Somente podem ser liberadas as bolsas com resultados no reagentes/negativos para os testes sorolgicos e para os testes de deteco de cido nucleico viral (NAT).

    Exames de qualificao do sangue do doador

    Exames imunohematolgicos e pesquisa de hemoglobina SA cada doao so realizadas a tipagem ABO e Rh de todos os doadores, alm da pesquisa de anticorpos antieritrocitrios irregulares (PAI). Esses resultados so confrontados com resultados prvios (doaes anteriores) registrados no sistema informatizado do servio e discrepncias nos testes atuais ou com

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  • resultados anteriores devem ser solucionadas antes da liberao dos hemo-componentes. Recomenda-se a realizao de fenotipagem dos antgenos eri-trocitrios dos sistemas Rh (antgenos D, C, c, E, e) e Kell (K1) e at de outros sistemas eritrocitrios, para atender demandas de pacientes que recebem mltiplas transfuses. Outro exame que realizado no sangue dos doadores a pesquisa da hemoglobina S, cujo resultado positivo restringe o uso do CH desses doadores a alguns pacientes.

    Exames para triagem de agentes transmissveis pelo sangueNo Brasil, so realizados testes laboratoriais de alta sensibilidade, por mtodo sorolgico e por pesquisa de cido nucleico viral, em amostra colhida no dia da doao, para todas as bolsas coletadas, a fim de pesquisar agentes infec-ciosos que possam ser transmitidos pelas transfuses. Os hemocomponentes somente so liberados se todos esses testes resultam negativos/no reagentes, conforme discriminado no Quadro 3.

    Quadro 3 Teste para agentes infecciosos obrigatrio no Brasil

    Infeco Teste obrigatrio no Brasil

    Hepatite BDeteco do antgeno de superfcie do vrus HBV (HBsAg)Deteco de anticorpo contra o capsdeo do HBV (antiHBc)Deteco do cido nucleico do HBV

    Hepatite CDeteco de anticorpo contra o HCVDeteco do cido nucleico do HCV

    SIDA

    Deteco de anticorpo contra o HIV (incluindo subtipos 1, 2 e O) ou deteco combinada de anticorpo contra o HIV e deteco do antgeno p24 do HIVDeteco do cido nucleico do HIV

    Doena de Chagas Deteco de anticorpo antiTripanosomacruziSfilis Deteco de anticorpo treponmico ou notreponmicoHTLVI/II Deteco de anticorpo contra o HTLVI/II

    Fonte: Da autora.

    HBV vrus da hepatite B; HCV vrus da hepatite C; HIV vrus da Sn-drome da Imunodeficincia Adquirida-AIDS; HTLVI/II vrus linfotrpico humano.

    As bolsas que apresentam resultados positivos/reagentes so descartadas e os doadores correspondentes so convocados para comparecerem ao servio a fim de receberem orientaes, realizarem coleta de nova amostra para repe-tio do exame alterado e realizao de outros exames e, se necessrio, serem encaminhados para atendimento especializado. Esses doadores so excludos do banco de doadores aptos, tornando-se bloqueados para doao no sistema do servio.

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  • Liberao dos hemocomponentes

    Aps obteno dos resultados dos exames de qualificao do sangue do doador, os hemocomponentes so liberados no sistema informatizado, so emitidos os rtulos de produtos liberados, que so firmemente afixados a eles, respei-tando a identificao numrica ou alfanumrica que a bolsa traz desde a coleta e completando o rtulo com as informaes da liberao. Essa rotulagem um passo crtico, sendo obrigatrio seu controle por duas pessoas diferentes, a menos que seja utilizada tecnologia de cdigo de barras ou outra metodo-logia eletrnica validada que faa essa conferncia. Esses hemocomponentes passam a fazer parte do estoque do servio e seus rtulos devem, obrigatoria-mente, conter:

    Nome e endereo do servio coletor

    Data da coleta

    Nome e volume dos hemocomponentes

    Identificao numrica/alfanumrica da unidade

    Nome da soluo anticoagulante/preservante

    Temperatura de conservao

    Data/hora da validade

    ABO/Rh da unidade

    Resultado do PAI e especificidade do anticorpo, se PAI positiva

    Resultados no reagentes dos testes para doenas infecciosas

    Nmero do pool/nmero das unidades que compem o pool

    Modificao realizada (leucorreduo/irradiao/lavagem)

    Conservao dos hemocomponentes

    Cada hemocomponente tem sua temperatura tima de conservao, sendo o controle rigoroso da cadeia do frio uma medida fundamental para manuten-o da qualidade e da funcionalidade dos produtos. Outro ponto a soluo preservante e, no caso dos concentrados de plaquetas, o plstico da bolsa, que definem a validade dos CP.

    Os CH so armazenados em cmaras de conservao de bolsas em tempera-tura de 4 2 oC, tendo uma validade de 21 dias (coletado em ACD ou CPD), 35 dias (coletado em CPDA1) e 42 dias (com soluo aditiva SAG-manitol). Os CH podem ter validade de 10 anos se forem congelados.

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  • Os CP devem ser armazenados em temperatura de 22 4 oC sob agitao con-tnua leve e tm validade de 3 ou 5 dias dependendo do plastificante da bolsa.

    Os produtos plasmticos devem ser mantidos em freezers, em temperaturas in-feriores a 20 oC negativos (-20 oC), apresentando validade de 12 meses a partir da data da coleta. O PFC e o PFC24, se mantidos em temperaturas inferiores a 30 oC negativos (-30 oC), tero validade de 24 meses.

    O CG so armazenados entre 20 C e 24 C e tm validade de 24 horas a partir da coleta.

    Os hemocomponentes leucorreduzidos, lavados e irradiados devem ser ade-quadamente rotulados, de maneira a deixar explcita a modificao a que fo-ram submetidos. A leucorreduo em sistema fechado (filtros em linha ou filtros de bancada pr-armazenamento) no alteram a validade do CP e do CH. A irradiao mantm a validade original do CP, entretanto a irradiao do CH deve, preferencialmente, ser realizada em at 14 dias aps a coleta e altera sua validade, passando-a para 28 dias a partir da irradiao, observando-se e no ultrapassando a validade original do CH.

    Os CP de sangue total podem ser utilizados em unidades isoladas ou em pools, geralmente de 6 unidades de CP. Nesse caso, a validade do pool, preparado em sistema fechado, mantm a validade original dos CP que compem o pool, mas a confeco do pool de CP em sistema aberto reduz sua validade para 4 horas, a partir do momento da confeco.

    Dispensao dos hemocomponentes

    O servio de hemoterapia produtor atende a solicitaes de hemocomponen-tes para estoque mediante existncia de um convnio, contrato ou termo de compromisso formalizado entre os servios envolvidos, com a definio das responsabilidades entre as partes. Para o fornecimento necessria uma so-licitao assinada pelo mdico responsvel do servio solicitante, constando seu CRM e nome legvel.

    O servio de hemoterapia fornecedor deve dar orientaes tcnicas quanto ao transporte, conferir as condies de acondicionamento e transporte para os diferentes hemocomponentes e verificar a regularidade da situao sanitria do servio solicitante. Deve acompanhar o transporte de hemocomponentes um documento em que conste:

    Nome, endereo e telefone do servio de hemoterapia remetente e de destino

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  • Relao dos hemocomponentes enviados com seus respectivos nmeros

    Condies de conservao do hemocomponente transportado

    Data e hora da retirada

    Identificao de quem est transportando

    O transporte feito em temperatura que mantenha as propriedades dos he-mocomponentes, utilizando recipientes resistentes, protegidos contra vaza-mentos e passveis de lavagem e desinfeco regular. Os profissionais que transportam hemocomponentes devem ser orientados sobre as condies de transporte e quais atitudes devem ser tomadas em caso de intercorrncias.

    Ato transfusional

    As transfuses tm demonstrado um papel muito importante na medicina atu-al, dando suporte a muitos tratamentos e procedimentos cirrgicos. Embora muito seguras nos dias atuais, as transfuses ainda tm riscos. Sua indicao, portanto, deve levar em considerao a avaliao criteriosa do paciente, suas caractersticas particulares e suas comorbidades, sua situao clnica, o trata-mento e os procedimentos a que est sendo ou ser submetido, bem como os resultados de seus exames laboratoriais. Os exames laboratoriais so impor-tantes; entretanto, isoladamente, so insuficientes para definir o uso racional das transfuses.

    Os concentrados de hemcias so utilizados para aumentar rapidamente a capacidade de transporte de oxignio em pacientes com reduo da massa de hemoglobina, como acontece em pacientes com anemia com repercusso hemodinmica.

    Os concentrados de plaquetas (CP) so utilizados para controlar sangramentos em pacientes com baixo nmero de plaquetas (plaquetopenia) em razo de bai-xa produo pela medula ssea ou cujas plaquetas no funcionem adequada-mente (plaquetopatias). s vezes as transfuses de concentrados de plaquetas so utilizadas para prevenir sangramentos em pacientes com baixo nmero de plaquetas que iro ser submetidos a procedimentos que oferecem risco de sangramentos.

    O PFC utilizado principalmente para reposio de fatores da coagulao em pacientes com sangramentos ativos e para reposio na prpura trom-bocitopnica trombtica (alguns indicam o uso do PIC). O plasma comum no usado clinicamente no Brasil, podendo ser encaminhado para fracio-namento industrial. O crioprecipitado usado especialmente para reposio

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  • do fibrinognio (protena da coagulao) e pode ser utilizado na produo de cola de fibrina.

    Os CG tm sido utilizados em pacientes com nmero de granulcitos menor que 500/L que tenham perspectiva de recuperao de granulcitos nos pr-ximos dias e estejam com infeco documentada e adequadamente tratada, porm sem resposta ao tratamento.

    Coleta de amostras e testes prtransfusionaisDiante da requisio de transfuso e sua prescrio no pronturio mdico so coletadas amostras do paciente receptor para os testes pr-transfusionais. Essa coleta precisa ser feita por profissional capacitado e treinado.

    Idealmente o paciente deve portar bracelete de identificao, mas, sempre que possvel, deve-se questionar ativamente a ele seu nome. A rotulagem dos tubos deve ser feita logo aps a coleta das amostras, no mesmo local da coleta e por quem as coletou. Recomenda-se identificar os tubos com cdigos de barras e etiquetas impressas, sendo obrigatrio constar: nome completo do receptor, nmero de identificao do receptor, identificao do coletador e data da coleta.

    As amostras so acondicionadas e entregues ao laboratrio para realizao dos testes pr-transfusionais, que so feitos a cada transfuso solicitada. Ao trmi-no dos testes pr-transfusionais, as unidades so rotuladas (carto de receptor) com o nome completo e nmero de registro do receptor, a instituio/enfer-maria/leito onde ele se encontra, sua tipagem ABO/Rh, nmero e ABO/Rh da bolsa de hemocomponente, concluso do teste de compatibilidade maior, data do envio do hemocomponente e nome do responsvel pelos testes e pela liberao do produto. Antes da entrega do hemocomponente para transfuso ele deve ser cuidadosamente inspecionado quanto ao seu aspecto.

    Instalao e monitoramento das transfusesAntes de instalar uma transfuso devem ser conferidos os dados da bolsa de hemocomponente, o rtulo a ela afixado (carto de receptor) e a prescrio m-dica. Junto ao paciente realiza-se nova conferncia entre a bolsa e o receptor, questionando-se ativamente seu nome, se ele estiver em condies de respon-der, e podendo-se solicitar sua ajuda nessa etapa de conferncia. O uso do bra-celete de identificao muito importante para a segurana nesse momento.

    Antes de instalar a transfuso deve-se aferir a temperatura, frequncia carda-ca, presso arterial e frequncia respiratria do receptor. Em seguida, instala-se a transfuso em gotejamento inicial lento, utilizando-se filtros que impeam a passagem de cogulos ou grumos de plaquetas e leuccitos (em geral, filtros

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  • de 170 m). O profissional que instalou a transfuso deve permanecer prxi-mo ao paciente para que qualquer intercorrncia seja imediatamente percebi-da e atendida. Aps os primeiros 10-15 minutos, pode-se ajustar a velocidade de infuso para a velocidade prescrita pelo mdico, mantendo-se a observao do paciente e realizando a medida peridica de seus sinais vitais durante e ao trmino da transfuso. Esses profissionais devem estar preparados para reco-nhecer e atender episdios de reaes transfusionais. Aos primeiros sinais de uma reao adversa transfuso, a transfuso deve ser interrompida, man-tendo-se o acesso venoso com soluo fisiolgica at a avaliao pelo mdico que definir as condutas a serem adotadas. Imediatamente devem-se conferir todos os rtulos e identificaes, pois a maioria das reaes graves (hemol-ticas imediatas) decorre de erros de identificao, seja no momento da coleta das amostras pr-transfusionais, ou no momento da instalao da transfuso.

    BibliografiaAGNCIA NACIONAL DE VIGILNCIA SANITRIA (Brasil). 5 Boletim Anual de Avaliao Sanitria em Servios de Hemoterapia. Novembro 2013. Disponvel em: . Acesso em: 31 maio. 2014.

    ______. Resoluo da Diretoria Colegiada da Anvisa 151, de 21 de agosto de 2001. Aprova o Regulamento Tcnico sobre os nveis de complexidade dos servios de hemoterapia. Dirio Oficial da Unio, Braslia, DF, 22 ago. 2001. Seo 1. p. 29-31.

    BRASIL. Lei n. 10.205 de 21 de maro de 2001. Regulamenta o 4, do art. 199, da Constituio Federal, relativo coleta, processamento, estocagem, distribuio e aplicao do sangue, seus componentes e derivados, estabelece o ordenamento institucional indispensvel execuo adequada dessas atividades, e d outras providncias. Dirio Oficial da Unio, Poder Executivo, DF, 22 mar. 2001. Seo 1. p. 1.

    ______. Ministrio da Sade. Portaria n. 2.712, de 12 de novembro de 2013. Redefine o regulamento tcnico de procedimentos hemoterpicos. Dirio Oficial da Unio, Poder Executivo, Braslia, DF, 13 nov. 2013. Seo 1, p. 106.

    ______. Ministrio da Sade. Secretaria da Gesto do Trabalho e Educao na Sade. Departamento de Gesto de Trabalho na Sade. Tcnico em Hemoterapia: livro texto. Braslia, 2013. p. 57-67.

    EDER, A. F. Allogeneic and autologous blood donor selection. In: ROBACK, J. D. et al. (Ed.). Technical Manual. 17th ed. Bethesda, MD: American Association of Blood Banks, 2011. p. 137-186.

    SOUZA, H. M. Participao do governo e da sociedade na organizao da hemorrede no Brasil. Escola Brasileira de Hematologia, [S.l.], v. 5, p. 1-6, 1998. Srie de monografias.

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  • Referenciais e marcos legais para a doao de sangue no Brasil e diretivas internacionais

    Paloma Abelin Saldanha Marinho1

    IntroduoDurante muitos anos, a hemoterapia no Brasil funcionou de forma descoorde-nada e desregulamentada. A doao de sangue tambm foi uma temtica que esteve, por um longo perodo de tempo, desarticulada e pouco regulamentada e a doao remunerada foi a principal modalidade de doao de sangue no pas. Pretende-se apresentar, neste captulo, um breve histrico da regulamen-tao em hemoterapia e da doao de sangue no Brasil e as recomendaes internacionais para a temtica, assim como os marcos legais nos quais a doa-o de sangue no pas est baseada atualmente.

    Panorama legal da doao de sangue no Brasil breve histrico e princpios essenciaisInserida em uma conjuntura de doaes remuneradas de sangue e de neces-sidade de recuperao de sade do trabalhador, foi promulgada, em 1950, a Lei 1.075 (BRASIL, 1950). A lei foi elaborada como uma forma de incentivar a doao voluntria de sangue, com dispensa de um dia de trabalho para os funcionrios pblicos que doassem sangue.

    Na dcada de 60, as prticas relativas hemoterapia comearam a se delinear no Brasil, dentro do contexto da ditadura militar e do olhar para o sangue como necessrio em situaes-limite, como as guerras ou contingncias nacionais. A preocupao com a reserva hemoterpica e com a produo de hemoderivados foram o pano de fundo para a ateno hemoterapia pelo governo militar. Destaca-se que, nesse momento, predominavam os interesses financeiros nos j existentes bancos de sangue e a atuao do setor privado em sade, in-cluindo os servios hemoterpicos (SANTOS; MORAES; COELHO, 1991). As

    1 Analista Tcnica de Polticas Sociais da Coordenao-Geral de Sangue e Hemoderivados do Ministrio da Sade. Psicloga e Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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  • organizaes ligadas atividade hemoterpica atuavam de forma desarticula-da, no havia monitoramento ou fiscalizao e persistia fortemente a prtica da remunerao de doadores de sangue (SANTOS; MORAES; COELHO, 1992).

    Em 1965, foi promulgada a Lei 4.701 (BRASIL, 1965), que disps sobre o exerccio da atividade hemoterpica no Brasil. Mesmo com a promulgao dessa lei, ela no foi sucedida da formulao e da execuo de polticas pbli-cas nessa rea, e nem iniciou a construo de um sistema de hemoterapia de forma articulada no pas.

    Tambm no final da dcada de 60, a visita de Pierre Cazal ao Brasil trouxe um diagnstico importante do nosso cenrio hemoterpico e apontou pontos para a melhora do sistema. A desarticulao entre os servios de hemoterapia, a fal-ta de fiscalizao, a falta de campanhas educativas para a promoo da doao voluntria de sangue, a comercializao do sangue e remunerao de doadores foram alguns dos pontos levantados nesse diagnstico. Foi uma anlise cru-cial para chamar ateno para os problemas do sangue, mas atuou-se sobre esse diagnstico algum tempo depois de sua realizao (SANTOS; MORAES; COELHO, 1991).

    O crescente descuido com a sade pblica e a crise econmica vivida no pas na dcada de 70 mobilizaram protestos e fertilizaram o solo para as reivindi-caes que se seguiriam pela melhora da ateno hemoterpica. Entretanto, foi o aparecimento da Aids no Brasil que se configurou como um dos fatos sociais de maior relevncia para o curso da hemoterapia no pas, conforme descrito abaixo:

    Diramos mesmo que nenhum momento da evoluo quase centenria das reformas sanitrias no Brasil revelou tal per-meabilidade da poltica estatal s presses da sociedade. A Aids transfusional, ao disseminar o grande medo e aglutinar um amplo movimento de luta pela melhoria dos servios, foi responsvel pelos rumos da poltica nacional do sangue na d-cada de 1980 at nossos dias. (SANTOS; MORAES; COELHO, 1992, p. 109).

    Nota-se aqui a importncia das mobilizaes sociais para a construo de um sistema hemoterpico com controle, regulamentao e qualidade. O surgi-mento da Aids foi crucial para o estabelecimento da regulamentao que se seguiu nos anos seguintes. Tambm importante afirmar que, nesse contexto, a remunerao do doador de sangue amplamente criticada por setores da sociedade por ser um dos fatores responsveis pelo sangue de baixa qualidade no Brasil e em outros pases.

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  • Em 1986, construa-se a Conferncia Nacional de Sade um dos marcos para a construo do Sistema nico de Sade , que trouxe a sade como direito de todos e dever do Estado. Trouxe para o Estado a responsabilidade da regulamentao e execuo da promoo de sade no Brasil, e estabeleceu os pilares bsicos para a sade pblica brasileira.

    Nesse solo frtil para as reivindicaes por sade pblica de qualidade, di-versas organizaes sociais intensificaram o engajamento para demandar a regulamentao das atividades hemoterpicas no sentido de garantir sangue seguro para a populao brasileira. Em paralelo, ocorriam debates e posicio-namentos favorveis proibio da comercializao do sangue (SANTOS; MORAES; COELHO, 1992). A criao do Pr-Sangue (Programa Nacional do Sangue), em 1980, e do Planashe (Plano Nacional de Sangue e Hemoderiva-dos), em 1988, foram algumas das respostas dadas aos apelos daquele momen-to, assim como a Lei 7.649 e o debate apresentado na Constituio Federal.

    A Lei 7.649/1988 (BRASIL, 1988) passou a obrigar a realizao do cadastro de doadores de sangue e dos exames laboratoriais para o sangue doado, visando segurana dos receptores.

    A Constituio Federal desse ano definiu os princpios do Sistema nico de Sade. Entretanto, houve tambm destaque especfico para uma das defini-es, que foi motivo de debate por anos na temtica do sangue e da sade pblica. O artigo 199 da Constituio Federal Brasileira proibiu o comrcio de sangue no seio das discusses sobre o Sistema nico de Sade. Esse artigo, consequentemente, proibiu a remunerao do doador de sangue, trazendo consequncias importantes para a hemoterapia brasileira e dando um passo essencial para o alcance da qualidade do sangue transfundido.

    Ainda em 1988, publicou-se o Plano Nacional de Sangue e Hemoderivados (1988-1991), constitudo por nove programas. Dois dos programas abordam a comunicao social e a educao sanitria, visando promoo da doao voluntria de sangue.

    Em 1990, a Lei Orgnica da Sade (BRASIL, 1990) definiu o funcionamento do Sistema nico de Sade. Nessa lei, foi tambm apresentada a orientao para implantao do Sistema Nacional de Sangue, Componentes e Derivados.

    Esse breve histrico da construo das regulamentaes na rea de hemotera-pia expressa pontos essenciais para a compreenso da hemoterapia no Brasil hoje. Os problemas relativos ao sangue no pas essencialmente a falta de qua-lidade no sangue doado foram simblicos e representativos dos problemas de sade pblica enfrentados. A partir das presses sociais, construiu-se re-gulamentao estatal importante das atividades hemoterpicas, acompanhada

    referenCiais e marCos legais para a doao de sangue no brasil e diretivas internaCionais

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  • pela diminuio de poder do setor privado. nesse panorama que a proibio da doao remunerada de sangue se expressa como ponto central do debate pblico/privado, das discusses sobre a presena do Estado na sade pblica, e da necessidade da voluntariedade da doao de sangue como princpio es-sencial para garantir a qualidade do sangue doado.

    Ordenamento jurdico e regulamentao hemoterpica atual para a doao de sangueAtualmente, o ordenamento jurdico e a regulamentao do Sistema Nacional de Sangue e Hemoderivados esto baseados em diversas leis e resolues. Destaca-se aqui, para a doao de sangue, a Constituio Federal de 1988, a Lei 10.205/2001 e a Portaria 2.712/2013, que abordam de forma explcita a questo da doao de sangue.

    A Lei 10.205/2001 (BRASIL, 2001) regulamentada pelo Decreto 3.990/2001. A lei responsvel por regulamentar o pargrafo 4 da Constituio Federal, relativo s atividades em hemoterapia e ao ordenamento institucional da Pol-tica Nacional de Sangue, Componentes e Derivados.

    Logo no artigo 1, reafirma-se a proibio da comercializao do sangue:

    (..) vedada a compra, venda ou qualquer outro tipo de comer-cializao do sangue, componentes e hemoderivados, em todo o territrio nacional, seja por pessoas fsicas ou jurdicas, em carter eventual ou permanente.

    O uso exclusivo da doao no remunerada de sangue aparece tambm como princpio da Poltica:

    Art. 14. A Poltica Nacional de Sangue, Componentes e He-moderivados rege-se pelos seguintes princpios e diretrizes:(...)II utilizao exclusiva da doao voluntria, no remune-rada, do sangue, cabendo ao poder pblico estimul-la como ato relevante de solidariedade humana e compromisso social;III proibio de remunerao ao doador pela doao de sangue;

    Na Portaria 2.712/2013 (BRASIL, 2013), que redefine o regulamento tcnico dos procedimentos hemoterpicos, consta, sobre a doao de sangue:

    Art. 30. A doao de sangue deve ser voluntria, annima e altrusta, no devendo o doador, de forma direta ou indireta, receber qualquer remunerao ou benefcio em virtude da sua realizao.

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  • Esses marcos legais, portanto, deixam clara a proibio da remunerao de doadores de sangue. Apresentam os princpios basilares da doao de sangue e apontam o altrusmo como eixo condutor para as aes de promoo da doa-o de sangue no Brasil. Como ser apresentado a seguir, nas recomendaes internacionais, o altrusmo e a voluntariedade tambm aparecem como eixos condutores.

    Recomendaes internacionais p