manual cadeira a 2009
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Faculdade de Medicina - Universidade de Coimbra
NOÇÕES BÁSICAS DE OFTALMOLOGIA
CLÍNICA UNIVERSITÁRIA DE OFTALMOLOGIA DA FACULDADE MEDICINA UNIVERSIDADE COIMBRA
Joaquim Murta
Rui Proença Conceição Lobo Pedro Fonseca Eduardo Silva Rufino Silva
Pedro Fonseca
Coimbra, 2009
Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
Í N D I C E
I - NOÇÕES BÁSICAS DE ANATOMIA E FISIOLOGIA............................................3 II - OLHO VERMELHO ................................................................................................17 III - TRAUMATOLOGIA OCULAR..............................................................................47
IV - PERDA PROGRESSIVA DA ACUIDADE VISUAL..............................................55
V - PERDA SÚBITA DA VISÃO...................................................................................69
VI - NEUROFTALMOLOGIA.......................................................................................87
VII - MANIFESTAÇÕES OCULARES DOENÇAS SISTÉMICAS............................123
VIII - OFTALMOLOGIA PEDIÁTRICA E ESTRABISMO .......................................141 Oftalmologia Pediátrica ..................................................................................................... 141
Estrabismo......................................................................................................................... 172
IX –FÁRMACOS E OFTALMOLOGIA ........................................................................207
X –URGÊNCIA EM OFTALMOLOGIA .......................................................................219
I - NOÇÕES BÁSICAS DE ANATOMIA E FISIOLOGIA Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
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I - NOÇÕES BÁSICAS DE ANATOMIA E FISIOLOGIA
Sistema Protector do Globo Ocular
Órbita – Forma de pirâmide quadrangular com o vértice localizado no buraco óptico; está
em conexão com cavidades vizinhas através de alguns orifícios das quais se destacam:
buraco óptico (nervo óptico e artéria oftálmica) e fenda esfenoidal (nervo oftálmico com os
seus 3 ramos – nasal, frontal e lacrimal -, veia oftálmica e III, IV e V pares de nervos
craneanos)
Pálpebras – Estruturas que protegem e lubrificam o globo ocular. São constituidas por 4
camadas de tecidos: pele, camada muscular (elevador da pálpebra superior, músculo de
Müller, orbicular da pálpebras e músculos de Horner e Riolan), camada fibrosa ou tarsos que
contêm numerosas glândulas de Meibomius e conjuntiva tarsal. O espaço entre o bordo livre
das 2 pálpebras chama-se fissura ou fenda palpebral.
Conjuntiva – Fino tecido vascular que recobre a face interna das pálpebras (conjuntiva
tarsal) e esclerótica (conjuntiva bulbar). Entre as duas porções, unindo-as, encontram-se os
fundos de saco (superior e inferior). No lado nasal do globo ocular salienta-se uma prega
(prega semi-lunar) e a carúncula.
Aparelho lacrimal – Constituido pelas glândulas lacrimais, pontos lacrimais, canais
lacrimais, saco lacrimal e canal lacrimo-nasal que drena as lágrimas no meato médio das
fossa nasais.
Globo Ocular
O globo ocular é constituído por 3 camadas (fibrosa, vascular e nervosa, de fora para dentro).
A camada fibrosa com função de protecção é formada pela esclerótica e córnea, a camada
vascular ou uveal pela coroideia, corpo ciliar e íris e a nervosa pela retina.
Esclerótica – Túnica mais externa do globo ocular, de natureza fibrótica, geralmente branca
e opaca, com funções de protecção.
Córnea – Parte anterior da túnica externa do globo ocular, transparente, sendo a estrutura
com maior poder refractivo do globo ocular. Constituída, de fora para dentro, por epitélio,
membrana de Bowman, estroma, membrana de Descemet e endotélio corneano.
Limbo – Junção entre a esclerótica e a córnea, de extrema importância na anatomofisiologia
da córnea pois são onde estão localizadas as células estaminais.
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Íris – Estrutura colorida, contráctil, que protege, fundamentalmente através do seu epitélio
pigmentado localizado na face posterior, a entrada excessiva de luz.
Pupila – Espaço na zona central da íris que regula a entrada dos raios de luz em função da
luminosidade do meio; o seu tamanho é controlado através de inervação simpática e
parasimpática.
Cristalino – Lente biconvexa mantida em posição dentro do globo ocular por um sistema
suspensor especial – o ligamento suspensor ou zónula de Zinn. A sua cápsula constitui a
membrana basal mais espessa do organismo e a sua forma varia sob a acção do seu
ligamento suspensor e do músculo ciliar; estrutura, a seguir à córnea, com maior poder
refractivo.
Câmara anterior – Espaço limitado pela face posterior da córnea, face anterior da íris e
porção intrapupilar da superfície anterior do cristalino; encontra-se preenchida por um fluido
– humor aquoso.
Corpo ciliar – A sua forma grosseiramente triangular é devida essencialmente ao músculo
ciliar; a sua contracção reflecte-se sobre o aparelho suspensor do cristalino permitindo
alterar a sua forma e assim permitir a focagem de objectos colocados perto ou longe
(acomodação). Sob o músculo ciliar situa-se a camada vascular do corpo ciliar responsável
pela produção do humor aquoso. O corpo ciliar e a íris são as principais estruturas envolvidas
na barreira hemato-aquosa.
Câmara posterior – Espaço delimitado pela superfície posterior da íris, interna do corpo
ciliar, equatorial do cristalino e anterior do vítreo; encontra-se igualmente preenchida por
humor aquoso que depois de passar para a câmara anterior, é drenado pelo ângulo da câmara
anterior.
Cavidade vítrea – Espaço relativamente grande, responsável por cerca de 4/5 do volume
total do globo ocular (4 ml) situado entre a face posterior do cristalino e do seu ligamento
suspensor e a retina; é ocupado por um hidrogel transparente chamado vítreo, aderente à
retina na periferia (base do vítreo), na margem do disco óptico, na região perifoveal e à
cápsula posterior do cristalino. É constituído 99% por água, por finas fibrilhas de colagéneo
e raras células.
Coroideia – Túnica de tecido vascular, pigmentado, situada entre a esclerótica e a retina; é
responsável pelo aporte sanguíneo às camadas mais externas da retina.
Retina – Estrutura transparente, à excepção dos vasos retinianos situados na sua parte mais
interna, é composta pelas seguintes camadas: epitélio pigmentado da retina, cones e
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bastonetes, membrana limitante externa, camada granulosa ou nuclear externa (núcleos dos
fotoreceptores), camada plexiforme externa, camada granulosa ou nuclear interna (células
bipolares), camada plexiforme interna, camada de células ganglionares, camada de fibras
nervosas e membrana limitante interna. A retina possui duas áreas de relação directa com o
sangue: os vasos da retina responsáveis pelo aporte sanguíneo às camadas mais internas e a
interface corioretiniana localizada externamente ao epitélio pigmentado, e responsável pela
nutrição das camadas externas da retina onde estão localizados os fotoreceptores. As células
do epitélio pigmentado e as células endoteliais dos vasos da retina com as suas junções
intercelulares especiais, constituem a localização anatómica das barreiras hemato-retinianas
externa e interna, respectivamente. A retina envia os sinais visuais iniciais para o cérebro
através das vias óptico.
Mácula – Área da retina no pólo posterior do globo ocular localizada entre as arcadas
vasculares temporais caracterizada pela presença de mais de uma camada de núcleos de
células ganglionares e pela diminuição das camadas retinianas internas. A fóvea e a fovéola
(constituída exclusivamente por cones e correspondente a uma depressão oval no centro da
fóvea) são responsáveis pela visão central (visão de pormenor).
Disco óptico – Porção do nervo óptico visível no pólo posterior do globo ocular. É composto
pelos axónios das células localizadas na camada de células ganglionares da retina. A artéria e
a veia centrais da retina atravessam o disco óptico.
Vias ópticas- Os impulsos visuais seguem ao longo de um sistema de condução formado por
pelo menos quatro unidades celulares: as células visuais da retina (cones e bastonetes), as
células bipolares (1º neurónio), as células ganglionares da retina e os seus axónios (2º
neurónio) e as células do corpo geniculado externo e os seus axónios (3º neurónio) até
aocortex visual.
O termo fundo ocular refere-se à retina, mácula, coroideia e disco óptico.
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EXAME OFTALMOLÓGICO
Todas as pessoas sujeitas a um exame físico geral devem ser submetidas a um exame
oftalmológico elementar que deve seguir as normas gerais de toda a história clínica tomando
em conta antecedentes pessoais, antecedentes familiares, história pregressa e interrogatório
minucioso da evolução da doença em causa, etc; há, no entanto, aspectos próprios da
especialidade que devem ser focados com mais atenção. Todo o Médico deve saber realizar
adequadamente um exame oftalmológico elementar que lhe vai permitir saber avaliar da
importância relativa das queixas oculares referidas, prescrever um tratamento adequado ou
enviar o doente para um Oftalmologista.
Muitas doenças oftalmológicas cursam nas suas fases iniciais de uma forma silenciosa ou
assintomática, causando graves lesões muitas das vezes irrecuperáveis. A correcta realização
de um exame oftalmológico elementar poderá alertar para a presença destas situações
possibilitando o início de uma terapêutica adequada:
Doenças oculares que podem provocar limitações visuais acentuadas mas que são
potencialmente tratáveis desde que diagnosticadas precocemente: catarata,
glaucoma, retinopatia diabética, degenerescência macular relacionada com a idade,
ambliopia na criança, etc;
Doenças sistémicas com envolvimento ocular que podem ameaçar a vida:
diabetes mellitus, hipertensão arterial, arterite temporal, embolia vascular, etc;
Tumores ou outras doenças do sistema nervoso central que podem ameaçar a
visão ou a própria vida: meningioma, aneurismas, esclerose múltipla, etc.
A correcta realização de um exame oftalmológico exige, para além de um conhecimento
adequado das estruturas internas e externas do globo ocular e da órbita, a aprendizagem de:
Avaliação da acuidade visual (distância e perto)
Pesquisa dos reflexos pupilares
Avaliação da motricidade ocular
Correcta utilização do oftalmoscópio directo quer na simples avaliação da presença
do reflexo vermelho do fundo quer na observação directa do fundo ocular
(fundoscopia)
Avaliação os campos visuais por confrontação
A dilatação da pupila deve-se realizar sempre que se constate diminuição da acuidade visual
ou quando se suspeita de patologia do fundo ocular (ex.º diabetes mellitus).
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Todas as crianças devem ser examinadas antes dos 2 anos e a partir dos 3 anos a avaliação
da acuidade visual é mandatória com o intuito de despistar precocemente ambliopias
(utilização de quadro dos E ou outros similares).
Sempre que o exame inicial ou a história do doente faça suspeitar de outra patologia dever-
se-á recorrer a outros testes:
Eversão da pálpebra superior – quando suspeitamos da presença de corpos
estranhos ou no diagnóstico de determinados tipos de conjuntivites
Teste da fluoresceína – quando suspeitamos de defeito epitelial corneano.
Tonometria - quando se suspeita de glaucoma
Avaliação da profundidade da câmara anterior – sempre que se suspeita de
glaucoma de ângulo estreito e precedendo a dilatação da pupila.
Teste da visão de cores - fundamentalmente em doentes com patologia da retina ou
do nervo óptico
COMO REALIZAR UM EXAME OFTALMOLÓGICO
O exame oftalmológico deve seguir as normas gerais de toda a história clínica.
Os sintomas mais frequentes do doente do foro oftalmológico são:
Diminuição da acuidade visual – indagar quando se iniciou, se é uni ou bilateral,
progressiva ou brusca, para longe ou para perto, a forma como se apresenta –metamorfopsia
(alteração da forma dos objectos), nictalopia (dificuldade de visão nocturna), etc.
Dor ou incómodo ocular – investigar forma de início, intensidade, localização,
irradiação. Pode manifestar-se sob diversas formas: sensação de fadiga ocular, ardor,
fotofobia, etc
Modificações externas do globo ocular
Diplopia – investigar se é mono (normalmente relacionada com alterações dos meios
de transparência do globo ocular – exº catarata) ou binocular (perturbação do alinhamento
dos dois globos oculares por causas neurogénicas ou musculares)
Secreções – investigar qual o aspecto, natureza aguda ou crónica, lateralidade, etc.
Na realização da história clínica investigar ainda cirurgias oculares anteriores, diagnóstico de
doenças oculares, história de traumatismos, medicações gerais ou locais, presença de
doenças sistémicas, profissão do doente, ambiente de trabalho, etc. A história familiar
reveste-se igualmente de importância capital em numerosas afecções do foro oftalmológico.
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Deve ser realizado igualmente um exame geral.
Quanto ao exame objectivo do globo ocular e anexos ele deve ser objectivo, completo, não
descurando qualquer estrutura ocular, e extremamente atento ao pormenor.
O equipamento necessário a um exame oftalmológico básico é constituído por: foco de luz
manual, cartão para avaliação de visão de perto, oftalmoscópio directo, lupa, tiras ou gotas
de fluoresceína a 2%, midriáticos e analgésicos tópicos.
O biomicroscópio possibilita uma melhor inspecção e avaliação directa das estruturas do
segmento anterior do globo ocular. É um instrumento obrigatório em qualquer sala de
consulta de um Oftalmologista, apesar de estar presente em muitas salas de urgência gerais.
1- Avaliação da acuidade visual à distância
A acuidade visual à distância é usualmente registada como uma relação comparando a
capacidade visual do doente com uma capacidade visual padrão. Assim, o primeiro número
representa a distância entre o doente e a escala de avaliação enquanto o segundo número
representa a distância à qual as referidas letras podem ser visualizadas por uma pessoa
normal (escala de Snellen). Uma acuidade visual de 20/80 indica que o doente reconhece um
determinado símbolo a uma distância de 20 pés que é visualizado por uma pessoa com uma
visão normal à distância de 80 pés.
Considera-se normal uma visão de 20/20 apesar de haver muitas pessoas que conseguem ver
melhor que 20/20 (20/15 ou mesmo 20/12). Para além desta escala existem escalas decimais
(20/20 = 1.0; 20/40 = 0.5; 20/200 = 0.1) e escalas métricas (20/20 = 6/6; 20/100 = 6/30).
A acuidade visual é normalmente avaliada à distância de 20 pés ou 6 metros; distâncias
maiores são pouco práticas enquanto em distâncias menores, pequenas variações podem
induzir erros com algum significado.
Para avaliar a acuidade visual de distância numa escala de Snellen convencional deve-se:
1. Colocar o doente à distância correcta (20 pés ou 6 metros) da escala de Snellen que deverá estar bem iluminada; se o doente usa óculos regularmente, a avaliação deverá ser realizada com eles.
2. Avaliar cada olho separadamente. 3. Perguntar ao doente qual a mais pequena linha de letras que consegue ler pelo menos
metade das letras. 4. Registar a avaliação da visão tendo em conta que (por ex.º 20/20) o primeiro número
corresponde à distância que o teste foi realizado e o segundo à linha de letras mais pequena que o doente conseguiu ver pelo menos metade delas.
5. Repetir o exame par o segundo olho. 6. Se a visão é inferior ou igual a 20/40 repetir o teste colocando um buraco estenopeico
à frente do olho ou mesmo dos óculos do doente.
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Se o doente não consegue visualizar as letras maiores:
1. Reduzir a distância entre o doente e a escala e registar em numerador a nova distância utilizada (por exº 5/70).
2. Se o doente não consegue ver nenhuma letra a 1 metro, levantar a mão e perguntar ao doente se consegue contar um determinado número de dedos; regista-se por exº conta dedos a 30 cm.
3. Caso não consiga contar dedos, avaliar se consegue detectar movimento da mão e regista-se visão de movimentos de mão.
4. Se o doente não vê movimentos de mão, recorre-se a um foco de luz e pesquisa-se se consegue detectar a presença de luz e a sua direcção; regista-se percepção de luz, percepção de luz com projecção (se identifica direcção) ou sem percepção de luz.
Diminuição da visão vs incapacidade visual
O termo diminuição da visão refere-se a um estado dos olhos enquanto incapacidade visual
refere-se a uma condição da pessoa. Duas pessoas com a mesma diminuição de visão podem
ter diferentes níveis de incapacidade visual dependendo da sua capacidade de adaptação e
compensação. Na tabela 1.1 sumariza-se as diferenças entre diminuição de visão e
incapacidade visual.
Tabela 1.1 - Diminuição da Visão vs Incapacidade Visual~
Diminuição de Visão Incapacidade Visual Comentário 20/12 a 20/25 Visão normal Adulto jovem saudável vê
normalmente mais de 20/20 20/30 a 20/40 Visão útil visão de leitura sem lupa, visão para
aquisição de carta de condução 20/30 a 20/70 Visão pouco limitante Pode não causar grande limitação
mas deve-se tentar melhorar com correcção ou investigar patologia associada
20/80 a 20/160 Baixa de visão moderada Para ler é necessário utilizar óculos
de leitura mais fortes ou lupas de magnificação
20/200 a 20/400 Baixa de visão acentuada; Mobilidade e orientação da pessoa considerada cegueira legal está assegurada mas não consegue
ver números de autocarro, sinais de tráfico,etc; para ler necessita de lupas de grande magnificação
Contar dedos entre Baixa de visão profunda Grande dificuldade na mobilidade 1.5 e 2.5 metros e orientação da pessoa; o uso de
bengala é útil para a exploração do meio ambiente. Pessoas muito
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motivadas poderão ler com lupas de elevada magnificação
Contar dedos inferior Cegueira quase total Tem de recorrer a auxiliares não a1.5 metros visuais Sem percepção luminosa Cegueira total Dependente de auxiliares não visuais
2- Avaliação da acuidade visual de perto
A avaliação da acuidade visual de perto deve ser realizada sempre que o doente tem queixas
de visão ao perto ou quando a avaliação da visão de longe é difícil ou mesmo impossível
(doente acamado por ex.º).
Se o doente já utiliza óculos para perto, o teste deve ser realizado com eles. Assim, o doente
segura no cartão de avaliação à distância especificada no próprio cartão que é normalmente
de 35 cm. Enquanto o examinador tapa um olho o doente tenta ler as letras mais pequenas do
cartão; o teste é então repetido para o outro olho.
O tamanho das letras e a distância a que é realizado o teste pode variar pelo que devemos
registar estes dois parâmetros (por ex.º J5 a 40 cm). Caso não se disponha deste tipo de
cartão poder-se-á utilizar a lista telefónica ou um jornal desde que se registe o tamanho
aproximado das letras e a distância a que foram lidas.
3- Avaliação da acuidade visual num doente que não coopere
Em doentes que não consigam ou não queiram cooperar ou em simuladores é necessário
recorrer a outras manobras como por ex.º a alteração ou não da expressão facial face à luz ou
a um movimento brusco da nossa mão. À excepção da cegueira cortical devida a uma
destruição generalizada do cortex visual, uma reacção pupilar à luz bem activa sugere
igualmente a presença de visão.
4- Inspecção
Para além de proceder à inspecção das pálpebras, tecidos circundantes e fenda palpebral,
realizar palpação das pálpebras e rebordo orbitário. A inspecção da conjuntiva, fundos de
saco conjuntivais e esclerótica deverá ser feita com a ajuda de um foco de luz manual
pedindo ao doente que olhe para cima enquanto se retrai a pálpebra inferior e que em seguida
olhe para baixo retraindo a pálpebra superior. A inspecção da córnea e íris realizar-se-á em
seguida.
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5- Pesquisa dos reflexos pupilares
A pesquisa dos reflexos pupilares é obrigatória no exame oftalmológico. Os reflexos
pupilares directo e consensual deverão ser avaliados numa sala com reduzida luminosidade e
com o doente a olhar para um objecto ao longe; a visão ao perto determina miose.
Para pesquisar o reflexo pupilar directo à luz, dever-se-á dirigir o foco de luz ao olho direito
e ver se a pupila se contrai (reflexo normal); repetir para a pupila esquerda. Para pesquisar o
reflexo pupilar consensual, dirigir o foco de luz ao olho direito e observar se a pupila
esquerda se contrai à semelhança da direita (resposta consensual normal); repetir para a
pupila esquerda e observar a resposta da pupila direita. Esta observação poderá revelar
doenças do foro neurológico (a descrição do defeito aferente será realizada mais à frente).
Dever-se-á igualmente inspeccionar a pupila procurando alterações da sua forma e tamanho
(anisocória) que podem ser resultado de processos locais intraoculares (ex.º lesão do
esfincter pupilar após crise de glaucoma agudo, aderências da íris ao cristalino após crise de
uveíte, etc) ou intracraneanos (aneurisma base cérebro).
6- Avaliação da motilidade ocular
Investigar as ducções (movimentos de cada olho) e as versões (movimentos dos dois olhos
na mesma direcção).
O doente deve seguir um objecto nas 6 direcções chamadas as 6 posições cardinais do olhar.
Este exame permite assim testar cada músculo extra-ocular na sua acção primária (tabela 1.2)
diagnosticando assim uma parésia ou paralisia de um músculo extra-ocular.
Tabela 1.2 – Posições cardinais do olhar Posição do olhar Músculos envolvidos Para cima e para a direita Recto superior direito Pequeno oblíquo esquerdo Para a direita Recto externo direito Recto interno esquerdo Para a direita e para baixo Recto inferior direito Grande oblíquo esquerdo
Para cima e para a esquerda Recto superior esquerdo Pequeno oblíquo direito Para a esquerda Recto externo esquerdo Recto interno direito
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Para a esquerda e para baixo Recto inferior esquerdo Grande oblíquo direito
7- Oftalmoscopia directa
Quando examinar o olho direito do doente deve segurar o oftalmoscópio directo com a mão
direita e utilizar o seu olho direito; para o olho esquerdo do doente utilizar a mão esquerda e
o seu olho esquerdo.
Dilatação pupilar
A dilatação farmacológica da pupila facilita a oftalmoscopia directa. Recomenda-se a
utilização de tropicamida a 1% e fenilefrina a 2.5%. No entanto ter atenção a:
Profundidade da câmara anterior parecer diminuta, não dilatar pois caso contrário
poderemos desencadear uma crise de glaucoma agudo.
Caso o doente esteja sob vigilância neurológica e os reflexos pupilares estejam a ser
vigiados (traumatismo cerebral por ex.º) não dilatar até que Neurologista ou
Neurocirurgião dê autorização.
Para realizar uma oftalmoscopia directa deve-se:
1. Pedir ao doente que fixe um objecto situado ao longe.
2. Seleccionar o tamanho do foco luminoso.
3. Começar a oftalmoscopia do olho direito do doente a cerca de 30 cm segurando o
oftalmoscópio com a mão direita e observando com o seu olho direito.
4. Colocar a mão livre na cadeira ou no ombro do doente de molde a auxiliar a nossa
propriocepção.
5. Aproximar lentamente do olho do doente fazendo um ângulo de cerca de 15º
externamente ao eixo visual.
6. Quando se visualizar um vaso retiniano, segui-lo até ao disco óptico que se situa
internamente em relação ao centro da retina.
7. Examinar o disco óptico, vasos retinianos, retina e mácula.
8. Repetir o exame para o olho esquerdo.
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Reflexo vermelho do fundo ocular (luar pupilar)
O reflexo vermelho corresponde à luz reflectida do fundo ocular e pode ser facilmente
visualizado através do oftalmoscópio directo e a uma distância de cerca de 30 cm. Sempre
que existe opacificações dos meios de transparência observam-se sombras mais ou menos
escuras pelo que se deverá dilatar a pupila com o intuito de uma avaliação mais correcta.
Este exame reveste-se de capital importância na observação de lactentes no diagnóstico de
opacificações dos meios transparentes do globo ocular (exº catarata congénita)
Disco óptico
O disco óptico normal é, na maioria dos casos, ligeiramente oval com o diâmetro maior no
meridiano vertical e apresenta uma coloração rosada. Existe muitas vezes uma depressão
central na sua superfície chamada excavação fisiológica que quando aumentada faz suspeitar
da presença de patologia glaucomatosa. Observa-se, no entanto, uma grande variabilidade da
aparência do disco óptico. Assim, as camadas do globo ocular que apresentam pigmento –
epitélio pigmentado da retina e coroideia – podem não atingir o bordo do disco óptico
produzindo uma zona hipopigmentada em crescente, situação frequentemente observada na
miopia do lado temporal do disco. Pode igualmente observar-se uma zona de
hiperpigmentação junto ao bordo do disco. Também o aparecimento de fibras mielínicas no
disco óptico e retina produzem um efeito característico de uma opacificação cor
esbranquiçada e de limites mal definidos como de uma plumagem se tratasse, no bordo do
disco óptico.
O disco óptico é também uma medida de referência no fundo ocular pelo que as lesões e as
distâncias podem ser referenciadas em discos-diâmetros (1 disco-diâmetro é
aproximadamente 1.5 mm).
Circulação Retiniana
A circulação retiniana é composta por artérias e veias que se dispõem a partir do disco
óptico. A artéria central da retina divide-se a nível do disco óptico ou imediatamente a seguir
em 4 ramos que se distribuem pelos quadrantes temporais superior e inferior e nasais
superior e inferior. Estão localizadas na camada de fibras nervosas e são as responsáveis pela
nutrição das camadas mais internas da retina. Um sistema venoso organizado de forma
semelhante vai até ao disco óptico por onde sai do globo ocular pela veia central da retina; é
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possível observar uma pulsação espontânea a nível do disco (com colapso durante a sístole)
em cerca de 80% de casos. A relação normal do diâmetro veia-artéria é de 3:2.
As artérias, para além de apresentarem uma coloração mais clara, têm um reflexo à luz mais
acentuado que as veias. Deve-se prestar atenção aos cruzamentos arterio-venosos (alterados
na hipertensão arterial por exº).
Retina
A retina apresenta normalmente uma coloração uniforme vermelho-alaranjada devido
fundamentalmente à presença do epitélio pigmentado mas também do epitélio da coroideia e
do sangue. Em indivíduos de raça negra por ex.º o fundo apresenta-se muito mais escuro
devido à presença de uma quantidade superior de pigmento.
Mácula
A mácula localiza-se temporal e ligeiramente inferior em relação ao disco óptico sendo a sua
coloração mais escura que a da retina circundante devido às células do seu epitélio
pigmentado serem de maiores dimensões e com maior quantidade de pigmento. Em alguns
olhos é possível observar uma coloração ligeiramente amarela devido à presença de
pigmento xantofílico.
A depressão central da fóvea actua à oftalmoscopia como um espelho côncavo produzindo
um reflexo que se chama reflexo foveal.
8- Avaliação campo visual por confrontação
O examinador coloca-se em frente ao doente ao qual se pede para ocluir por ex.º o olho
esquerdo com a mão esquerda; o examinador oclui entretanto o seu olho direito e o campo
visual do olho esquerdo do examinador é tomado como referência para avaliar o campo
visual do olho direito do doente. O doente fixa então o olho esquerdo do examinador e
deverá contar os dedos do examinador nos 4 quadrantes do campo visual. A mesma manobra
será então repetida para o olho contrário.
9- Eversão pálpebra superior
A eversão da pálpebra superior é muitas vezes necessária para procurar corpos estranhos
conjuntivais ou para avaliar outros sinais importantes no diagnóstico diferencial de diversas
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patologias nomeadamente as conjuntivites. A aplicação de um anestésico tópico facilita esta
manobra.
10- Teste da fluoresceína
A coloração da córnea com fluoresceína (corante verde-amarelo) é muito importante no
diagnóstico dos defeitos epiteliais da córnea. Depois de instilar uma gota de anestésico
tópico aplica-se a fluoresceína em tiras ou sob a forma de gotas e pede-se ao doente para
pestanejar com o intuito de espalhar o corante na córnea. A identificação de áreas de
impregnação verde brilhante permitem fazer o diagnóstico de doença epitelial nesse local; a
observação com luz azul realça estas áreas de impregnação.
Ter em atenção que:
É preferível utilizar tiras de fluoresceína do que soluções pois estas últimas podem
ser contaminadas.
Perguntar sempre ao doente se é portador de lentes de contacto hidrófilas e removê-
las antes do exame sob pena de tingirmos a lente de contacto de amarelo.
11- Tonometria - avaliação da pressão intraocular
A pressão intraocular (PIO) depende, em grande parte, do fluxo do humor aquoso para fora
do globo ocular; quanto maior a resistência ao fluxo maior a pressão intraocular. Alterações
na produção de humor aquoso podem também ter um efeito no valor de PIO.
A avaliação da PIO, juntamente com a visualização do disco óptico e respectiva excavação
através da oftalmoscopia, são fundamentais para o despiste e controle da evolução dos
doentes glaucomatosos.
A avaliação da PIO pode realizar-se digitalmente, através de tonómetros de indentação como
o tonómetro de Schiotz (baratos e de simples utilização), tonómetros de aplanação como o de
Goldmann, tonómetros sem contacto, de jacto de ar, ou por tonómetros electrónicos.
12- Avaliação da profundidade da câmara anterior
Quando a câmara anterior é pouco profunda a íris fica convexa; assim, quando incidimos
uma luz do lado temporal do globo ocular a íris nasal fica sombreada de uma forma tanto
mais acentuada quanto menor for a profundidade da câmara anterior. Este facto pode indiciar
a presença de um glaucoma de ângulo fechado ou um ângulo estreito que pode fechar se
procedermos inadvertidamente a uma dilatação pupilar.
I - NOÇÕES BÁSICAS DE ANATOMIA E FISIOLOGIA Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
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13- Avaliação da visão de cores
Será descrito em capítulo mais à frente.
14- Avaliação por grelha de Amsler
Este teste serve para avaliar a função macular mas será igualmente descrito mais adiante.
SUMÁRIO DOS PASSOS DE UM EXAME OFTALMOLÓGICO
1. Avaliar a acuidade visual separadamente para cada um dos olhos
2. Proceder à avaliação do campo visual por confrontação para cada um dos olhos
3. Inspeccionar as pálpebras e os tecidos circundantes
4. Inspeccionar a conjuntiva e a esclerótica
5. Avaliar os movimentos oculares
6. Avaliar os reflexos pupilares (directo e consensual)
7. Inspeccionar a córnea e a pupila
8. Avaliar a profundidade e transparência da câmara anterior
9. Avaliar a transparência do cristalino através da oftalmoscopia directa
10. Oftalmoscopia directa avaliando o fundo ocular tomando particular atenção ao disco
óptico, vasos retinianos e mácula
11. Avaliar grosseiramente pressão intraocular
II - OLHO VERMELHO Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
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II - OLHO VERMELHO
Os doentes que recorrem aos cuidados médicos com problemas do foro oftalmológico podem
apresentar situações graves, as quais necessitam tratamento urgente, ou apenas situações
simples, mas cuja sintomatologia causa alarme e preocupação. Uma das situações clínicas
mais frequentes é a do “olho vermelho”.
A causa de um “olho vermelho” pode ser uma situação simples, como uma hemorragia
subconjuntival ou uma conjuntivite infecciosa que se resolve expontaneamente ou que pode
ser facilmente tratada por um médico não-Oftalmologista.
Ocasionalmente, as situações que causam “olho vermelho” correspondem a doenças mais
graves, como a uveíte anterior, a queratite ou o glaucoma agudo. Um doente com uma destas
situações, potencialmente ameaçadoras da visão, requer uma observação por Oftalmologista,
cuja diferenciação, conhecimentos e instrumentos de exame são necessários para tomar
decisões terapêuticas correctas.
Objectivos
Qualquer médico não-Oftalmologista deve ser capaz de determinar quando um doente com
“olho vermelho” requer a intervenção atempada de um Oftalmologista ou quando pode
avaliar e tratar apropriadamente o doente. Para alcançar este objectivo deve:
Saber executar os passos diagnósticos básicos
Reconhecer os sinais de perigo de um “olho vermelho”
Saber descrever o tratamento dos casos simples que pode tratar e reconhecer as
situações mais complexas que devem ser enviadas ao Oftalmologista.
Saber descrever as complicações potenciais do uso prolongado de anestésicos e
corticosteróides tópicos.
História clínica e exame oftalmológico
É geralmente possível diagnosticar correctamente uma situação de “olho vermelho”, com
uma certeza suficiente para iniciar um tratamento correcto ou enviar um doente necessitando
de cuidados diferenciados, a partir de um interrogatório completo e cuidadoso e de um
simples exame oftalmológico.
Um cuidadoso interrogatório permite distinguir entre um início agudo ou gradual da
sintomatologia. É particularmente importante averiguar as circunstâncias em que ocorreu um
II - OLHO VERMELHO Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
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traumatismo ocular, sobretudo para averiguar da possibilidade da existência de um corpo
estranho intraocular, o qual pode passar despercebido ao exame oftalmológico.
Na ausência de história de traumatismo ou de corpo estranho, é necessário averiguar a
natureza e severidade da dor ocular ou do desconforto e da existência ou não de baixa de
visão, essenciais no diagnóstico diferencial das diferentes patologias oculares.
O exame oftalmológico é relativamente simples, mesmo não dispondo de grandes meios
técnicos, já que o globo ocular é facilmente acessível ao exame clínico.
Informação básica
“Olho vermelho” é uma designação descritiva para a hiperémia ou congestão dos vasos
conjuntivais e ciliares do globo ocular, a qual pode ocorrer em diferentes situações clínicas,
algumas simples e de tratamento fácil, como as conjuntivites, outras tradutoras de uma
doença ocular potencialmente grave. O diagnóstico diferencial pode, na maior parte das
vezes, ser feito através de um cuidadoso interrogatório e de um simples exame
oftalmológico, já que o globo ocular é facilmente acessível ao exame clínico. A orientação
correcta de cada caso pode geralmente ser instituida sem o recurso a meios técnicos
sofisticados.
SINTOMAS associados ao ”olho vermelho”
Dor ocular
A dor ocular traduz um processo inflamatório ou uma elevação da pressão intraocular e
quase sempre está associada a uma situação potencialmente grave. As conjuntivites podem
ocasionar incómodo ocular ou sensação de corpo estranho, mas raramente causam dor. A
presença ou ausência de dor ocular permite caracterizar dois quadros clínicos: “olho
vermelho” não-doloroso e doloroso.
Alteração da visão
A existência de uma baixa súbita da acuidade visual é tradutora de uma situação
potencialmente grave. As conjuntivites não originam perda de visão, devendo este sintoma
ser distinguido de turvações momentâneas da visão causadas por secreções.
Hiperémia ocular
A abertura das pálpebras para observação do padrão de hiperémia ocular é outra chave
para o diagnóstico diferencial de um “olho vermelho”. A inflamação da mucosa conjuntival
origina uma distribuição uniforme da hiperémia por todo o globo ocular, superficial e não
atingindo a zona periquerática, isto é, ao redor do limbo corneano. A hiperémia ciliar, por
II - OLHO VERMELHO Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
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oposição, é mais profunda e de localização periquerática, traduzindo um processo
inflamatório interno ou um aumento de pressão intraocular.
Fotofobia
A fotofobia é uma sensibilidade anormal à luz que acompanha as uveítes ou é
secundária a uma inflamação corneana. Os doentes com conjuntivite habitualmente têm uma
sensibilidade normal à luz.
Halos coloridos
A visão de círculos em arco-íris ou de halos coloridos à volta de pontos de luz são
sintomas usuais de edema da córnea, frequentemente resultantes de um aumento súbito da
pressão intraocular. Deste modo, os halos coloridos são um sinal de alerta sugerindo o
diagnóstico de glaucoma agudo, num doente com “olho vermelho”.
Secreções
As secreções ou exsudatos são tipicamente o resultado de uma inflamação conjuntival
ou das pálpebras e não ocorrem nas uveítes ou no glaucoma agudo. Os doentes queixam-se
muitas vezes de terem as pálpebras “coladas” quando acordam. As queratites e úlceras de
córnea são situações potencialmente graves que podem ser ou não acompanhadas de
exsudação.
Prurido
O prurido ocular, embora seja um sintoma não específico, usualmente indica uma
conjuntivite alérgica.
SINAIS associados ao ”olho vermelho”
Diminuição da acuidade visual
A existência de uma baixa da acuidade visual sugere uma situação potencialmente
grave como uma queratite, uveíte ou glaucoma. Nunca ocorre na simples conjuntivite a não
ser que exista envolvimento corneano associado.
Hiperémia ciliar
A hiperémia ou congestão ciliar é uma dilatação dos vasos conjuntivais profundos e
episclerais que rodeiam a córnea. É mais facilmente visível à luz do dia e aparece como um
anel violáceo no qual os vasos individuais são melhor observados ao biomicroscópio. A
hiperémia ciliar é um sinal de alerta e é observado com frequência em olhos com queratite,
uveíte e glaucoma. De um modo geral, não se observa nas conjuntivites.
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Hiperémia conjuntival
A hiperémia conjuntival é uma dilatação dos grandes vasos mais superficiais da
conjuntiva bulbar. É um sinal não específico e pode ser observado em quase todas as
situações que causam “olho vermelho”.
Opacidades corneanas
Num doente com olho vermelho, a existência de opacidades corneanas significa
sempre doença. Estas opacidades podem ser detectadas por iluminação directa com um foco
luminoso, ou podem ser observadas com um oftalmoscópio directo (com uma lente positiva
interposta), sendo evidenciadas contra o reflexo vermelho do fundo ocular. Podem ocorrer
vários tipos de opacidades corneanas:
- Precipitados queráticos ou depósitos celulares no endotélio corneano, geralmente
demasiado pequenos para serem visíveis sem o auxílio de um biomicroscópio, mas
ocasionalmente formando grandes agregados visíveis a olho nu. Os precipitados queráticos
podem resultar de uma uveíte.
- Turvação difusa obscurecendo a pupila e os pormenores da íris, característica do
edema da córnea e frequentemente observada no glaucoma agudo.
- Opacidades localizadas devidas a queratite ou úlceras da córnea.
Disrupção do epitélio corneano
A disrupção do epitélio corneano pode acontecer nas inflamações da córnea e em
traumatismos. Pode ser detectada de duas formas:
- Observando o reflexo luminoso corneano de um foco de iluminação enquanto o
doente move o olho em diferentes direcções. As soluções de continuidade do epitélio causam
uma distorção e irregularidades do reflexo luminoso corneano.
- Aplicando fluoresceína na superfície ocular externa (teste da fluoresceína). Um
epitélio doente ou com áreas desnudadas coram de verde brilhante.
Anomalias pupilares
A pupila, num olho com uveíte anterior, é tipicamente mais pequena do que a do olho
adelfo, devido ao espasmo reflexo do músculo esfincter da íris, causado pela inflamação. A
pupila pode igualmente ser distorcida por sinéquias posteriores que são aderências
inflamatórias entre a íris e o cristalino. No glaucoma agudo a pupila está geralmente em
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midríase média (cerca de 5 a 6 mm), fixa e apenas ligeiramente irregular. As conjuntivites
não afectam a forma da pupila nem os reflexos pupilares.
Câmara anterior estreita
Num olho vermelho, uma câmara anterior baixa ou estreita, deve sugerir sempre a
possibilidade de um glaucoma agudo de ângulo estreito. A profundidade da câmara anterior
deve ser estimada através da iluminação lateral com um foco luminoso. Se possível, a
profundidade da câmara anterior do olho vermelho deve ser comparada com a do olho não
afectado.
Pressão intraocular elevada
A pressão intraocular não é habitualmente afectada pelas situações comuns que causam
olho vermelho com excepção da uveíte anterior e do glaucoma agudo. A pressão intraocular
deve ser avaliada com um tonómetro quando se suspeita de um glaucoma agudo de ângulo
fechado.
Secreções
O tipo de secreção pode ser uma importante indicação da etiologia de uma
conjuntivite. Um exsudato purulento ou mucopurulento sugere uma causa bacteriana. As
secreções serosas (aquosas, claras) sugerem uma etiologia virusal. Secreções mucosas
escassas, brancas e adesivas surgem, por vezes, nas conjuntivites alérgicas e na
queratoconjuntivite sicca, uma situação conhecida comumente como “olho seco”.
Adenomegália pré-auricular
O aumento de volume de um nódulo linfático pré-auricular é um sinal frequente nas
conjuntivites virusais, não se observando, habitualmente, nas conjuntivites bacterianas. A
adenomegália pré-auricular pode ser uma característica proeminente de algumas variedades
raras de conjuntivites crónicas granulomatosas, conhecidas colectivamente como síndroma
oculo-glandular de Parinaud.
Proptose
A proptose é um deslocamento anterior do globo ocular. Quando súbita sugere a
existência de uma doença grave da órbita ou do seio cavernoso; em crianças, deve levantar a
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suspeita de uma infecção ou de um tumor da órbita. A causa mais comum de proptose
crónica é a doença tiroideia. No entanto, as lesões tumorais orbitárias também causam
proptose e devem ser diagnosticadas atempadamente.
A proptose pode ser acompanhada de hiperémia conjuntival e limitação dos
movimentos oculares. As proptoses muito pequenas são mais facilmente detectadas se o
médico se posicionar detrás do doente sentado e, olhando para baixo, comparar a posição
relativa de ambas as córneas.
COMO EXAMINAR
Na avaliação de um doente com um “olho vermelho” devem ser utilizados 9 passos
diagnósticos:
1. Determinar se a acuidade visual está conservada ou diminuída, utilizando a escala de Snellen.
2. Decidir, por inspecção, qual o padrão de hiperémia (conjuntival, ciliar), se existe uma combinação de padrões ou se o “olho vermelho” é devido a uma hemorragia subconjuntival.
3. Detectar a presença de secreções conjuntivais e categorizar a quantidade (abundante ou escassa) e as características (purulenta, mucopurulenta ou mucosa).
4. Detectar opacidades da córnea, incluindo precipitados queráticos grandes, irregularidades da sua superfície, edema corneano, leucoma corneano ou um reflexo corneano irregular. O exame deve ser realizado com o auxílio de um foco luminoso.
5. Procurar soluções de continuidade do epitélio corneano por coloração da córnea com fluoresceína.
6. Avaliar a profundidade da câmara anterior (normal ou estreita); detectar qualquer nível líquido presente na câmara anterior: sangue (hifema) ou pús (hipópion).
7. Detectar irregularidades das pupilas e determinar se uma pupila é maior do que outra (anisocória); observar a reactividade das pupilas à luz para determinar se uma pupila é mais lenta do que a outra ou não-reactiva.
8. Na suspeita de uma pressão intraocular elevada, como no glaucoma agudo de ângulo fechado, e se um tonómetro está disponível, a medição da pressão intraocular pode ajudar a confirmar o diagnóstico.
9. Detectar a presença de proptose, malfunção palpebral ou alguma limitação dos movimentos oculares.
CAUSAS DE “OLHO VERMELHO”
- Glaucoma agudo de ângulo fechado - Conjuntivite
- Uveíte - Hemorragia subconjuntival
- Queratite - Queratoconjuntivite sicca
- Episclerite - Pterigium
- Esclerite - Doenças dos anexos
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- Abrasões e corpos estranhos - Secundário a anomalias da função palpebral
Como interpretar os achados
Embora muitas situações possam causar “olho vermelho” e os sinais e sintomas associados,
em várias doenças, se possam sobrepor em alguma extensão, existem alguns sinais e
sintomas de perigo. A presença de um ou mais destes sinais de perigo devem alertar o
médico de que o doente tem uma situação que requer uma observação oftalmológica.
No Quadro I estão sumarizados os sinais e sintomas mais significativos no diagnóstico
diferencial de “olho vermelho”. No texto seguinte, um ponto de exclamação (!) após um
sinal ou sintoma significa sinal de perigo.
Quadro I. - Sinais de “olho vermelho”. Diagnóstico diferencial
Sinais Enviar a
Oftalmologista se presente
Glaucoma agudo
Uveíte anterior Queratite Conjuntivite
bacteriana Conjuntivite
virusal Conjuntivite
alérgica
Hiperémia ciliar Sim + + + - - -
Hiperémia conjuntival
Não + + + + + +
Opacificação corneana
Sim + - + - +/- -
Disrupção do epitélio corneano
Sim - - + - +/- -
Anomalias pupilares
Sim + + +/- - - -
Câmara anterior estreita
Sim + - - - - -
Pressão IO elevada Sim + +/- - - - - Proptose Sim - - - - - -
Secreções Não - - +/- + + +
Adenomegália pré-auricular
Não - - - - + -
Nota: + geralmente presente; - geralmente ausente; +/- pode ou não estar presente
II - OLHO VERMELHO Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
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OLHO VERMELHO
Do ponto de vista de sistematização clínica é possível evidenciar dois grande quadros
clínicos de “olho vermelho”: doloroso e não-doloroso.
No quadro clínico de “olho vermelho não-doloroso” incluímos situações como as
conjuntivites (infecciosas e não-infecciosas), a hemorragia subconjuntival e, ainda, outras
causas menos comuns que podem cursar com hiperémia ocular (pinguécula, pterigium,
tumores) e/ou palpebral (blefarite, ordéolo, chalázio).
No quadro clínico de “olho vermelho doloroso”, a hiperémia ciliar e a dor ocular são as
manifestações proeminentes. Estas traduzem um processo inflamatório ocular (uveíte,
queratite, episclerite ou esclerite) ou uma elevação da pressão intraocular (glaucoma agudo),
situações que exigem uma actuação médica urgente para evitar graves sequelas.
OLHO VERMELHO NÃO-DOLOROSO
A- CONJUNTIVITES
As conjuntivites são inflamações agudas ou crónicas da conjuntiva bulbar e/ou tarsal que
podem ter uma causa infecciosa (bacteriana, virusal, por clamídeas, fúngica ou parasitária)
ou não infecciosa (alérgica, imune, ocupacional, iatrogénica ou mecânica). São quase sempre
situações clínicas de pouca gravidade.
Sintomas
“Olho vermelho”, desconforto ou sensação de corpo estranho (provocada pelos vasos
dilatados da conjuntiva), lacrimejo, secreções.
Sinais
Hiperémia conjuntival (inflamação uniforme da mucosa conjuntival, por todo o globo
ocular); edema ou quemose; folículos e/ou papilas na conjuntiva tarsal; hemorragias
conjuntivais;
Secreções (o tipo de secreção varia com o tipo de conjuntivite).
Caracteristicamente:
- não existe congestão periquerática - não existem alterações significativas da visão - não se observam alterações dos diâmetros pupilares nem dos reflexos fotomotores
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1- Conjuntivites bacterianas
As conjuntivites bacterianas são a causa mais frequente de “olho vermelho” e quase
todos os casos respondem bem à aplicação tópica de antibióticos, que atingem altas
concentrações locais.
Sintomas
• “Olho vermelho”; desconforto ocular (ausência de dor); sensação de corpo estranho; quase sempre bilateral.
• Secreções purulentas; pálpebras edemaciadas e aderentes, em especial ao acordar.
Sinais
• Hiperémia conjuntival; secreções purulentas ou mucopurulentas; papilas ou folículos ausentes; edema palpebral; sem adenomegália pré-auricular
Etiologia
Geralmente Staphylococcus aureus, Staphylococcus epidermidis, Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae (especialmente em crianças), Moraxella lacunata...
As bactérias ultrapassam os mecanismos de defesa da superfície ocular externa: pálpebras (barreira física, reflexo do pestanejo), lágrimas (efeito de arrastamento, lisozima, β-lisina, Lactoferrina, IgG, IgA), e conjuntiva (barreira física, tecido linfóide associado à conjuntiva)
Tratamento
Antibióticos tópicos de largo espectro em colírio, 1 gota de 3 em 3 horas (ex.: cloranfenicol, quinolonas, bacitracina/neomicina/polimixina B, gentamicina) durante o dia, combinado com o mesmo antibiótico, em pomada, ao deitar. Conselhos de higiene para evitar contágios (objectos contaminados).
Melhoria clínica esperada em 2 a 3 dias, embora o tratamento deva ser prolongado durante 1 semana.
A não observação de melhoria clínica após 3 dias de tratamento, deve motivar nova observação, eventualmente por um Oftalmologista.
Casos especiais
Os casos de conjuntivite em recém-nascidos (de etiologia variada - bacteriana,
gonocóccica, por clamídeas, herpética, química) devem ser observados com urgência por um
Oftalmologista.
As formas hiperagudas, com início rápido, secreções purulentas muito abundantes, quemose e edema palpebral (geralmente provocadas por Neisseriae gonorrhoea) necessitam antibioterapia sistémica e observação por Oftalmologista.
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A investigação microbiológica é reservada para os casos de conjuntivite neonatal, hiperaguda, membranosa ou pseudo-membranosa, refractária, crónica, ou que ocorrem em imunodeprimidos.
2- Conjuntivites virusais
Este tipo de conjuntivite está geralmente associado a infecções respiratórias superiores e
pode ser de carácter epidémico. São geralmente conjuntivites auto-limitadas e para as quais
não existe tratamento específico, excepto para a infecção por Herpes simplex que geralmente
causa uma queratite, com dor ocular.
Sintomas
Início agudo, geralmente unilateral; “olho vermelho”; sensação de corpo estranho; lacrimejo intenso; fotofobia.
Sintomas sistémicos; história de contágio ou de conjuntivite em vários membros da mesma família; início cerca de 8 dias após a exposição.
O envolvimento do outro olho, geralmente de forma menos intensa, ocorre vários dias depois.
Sinais
Hiperémia conjuntival intensa; secreções aquosas, geralmente abundantes; Folículos na conjuntiva tarsal (pequenas proeminências cinzentas, rodeadas por
vasos) Característica a existência de uma adenopatia pré-auricular; Pode haver formação de membranas conjuntivais; podem existir hemorragias
conjuntivais punctiformes. Podem surgir infiltrados corneanos (por um mecanismo imune) cerca de 3 a 4
semanas após o início dos sintomas.
Etiologia
Mais frequentemente causada por um adenovírus (cerca de 40 serotipos identificados). Variantes:
Febre adeno-faringo-conjuntival: conjuntivite com faringite e febre, geralmente em crianças (adenovirus serotipo 3 e 7)
Queratoconjuntivite epidémica: transmissão por contacto (adenovirus serotipo 8, 19 e 37)
Conjuntivite hemorrágica aguda: conjuntivite associada a hemorragias subconjuntivais (vírus Coxsackie ou enterovirus)
Tratamento
Não existe tratamento específico. Tratamento conservador com lágrimas artificiais. Os antibióticos tópicos são geralmente prescritos nas conjuntivites virusais porque,
por vezes, não é possível distinguir clinicamente uma conjuntivite virusal de uma bacteriana.
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A conjuntivite virusal tipicamente piora nos primeiros 4 a 7 dias de evolução e pode não resolver antes de decorrerem 2 a 3 semanas.
É muito contagiosa e os doentes devem ser instruídos no sentido de evitarem a sua transmissão (objectos contaminados); o período de contágio dura 7 a 10 dias.
3- Conjuntivites por clamídeas
O Tracoma, causado pelos serotipos A, B, Ba e C da Chlamydia trachomatis, é a causa
mais frequente de cegueira evitável em todo o mundo. É uma doença endémica em países do
Norte de África, Médio Oriente, Índia e Sudoeste da Ásia. É raro em países ocidentais. Mais
frequentes são as conjuntivites de inclusão causadas pelos serotipos D, E, F, G, H, I, J, K da
Chlamydia trachomatis.
As conjuntivites de inclusão causadas por clamídeas, emboram possam ter um início
agudo, são geralmente crónicas, com períodos de agravamento e remissão. Quase todas as
conjuntivites agudas são bilaterais, mas a conjuntivite por clamídeas pode ser unilateral. A
doença é óculo-genital, sendo a infecção genital associada geralmente subclínica.
O diagnóstico deve ser suspeitado quando a infecção persiste, apesar da terapêutica
antibiótica convencional, devendo o doente ser observado por um Oftalmologista.
Conjuntivite de inclusão por clamídeas
É uma doença sexualmente transmitida, surgindo tipicamente em adultos jovens.
Período de incubação de 2 a 19 dias. Pode existir uma história de infecção genital (vaginite,
cervicite, uretrite).
Sintomas
Início agudo ou subagudo, seguido de hiperémia crónica; secreções mucóides; fotofobia.
Infecção genital assintomática em 5 a 20% das mulheres. Nas mulheres: uretrite, cervicite, endometrite, salpingite; nos homens: epididimite, balanite, prostatite, uretrite.
.
Sinais
Início unilateral; o olho adelfo pode ser atingido semanas depois. Folículos na conjuntiva tarsal superior; infiltração e espessamento da conjuntiva;
panus corneano superior; adenopatia pré-auricular; secreções mucóides.
Diagnóstico
Exame directo (esfregaços); imunofluorescência indirecta; culturas celulares; técnicas imuno-enzimáticas (ELISA) e PCR.
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Tratamento
Observação por Oftalmologista. Antibioterapia tópica e sistémica - tetraciclinas:
Doxiciclina 100 mg p.o., 12-12 h ou eritromicina 250-500 mg p.o., 6-6 h, 3 semanas Tratar doente e parceiro sexual. Aplicação tópica de pomada de tetraciclina, eritromicina ou ofloxacina, 2-3 i.d.,
durante 4 semanas.
4-Conjuntivites alérgicas
As conjuntivites de origem alérgica ou imune são um grupo de entidades clínicas
distintas:
- Conjuntivite alérgica sazonal - Conjuntivite alérgica perenial - Queratoconjuntivite vernal - Conjuntivite flictenular - Blefaroconjuntivite de contacto - Queratoconjuntivite límbica superior
Sintomas
Prurido ocular (sintoma sugestivo); ardor ocular; lacrimejo; fotofobia; bilateral. História de crises sazonais (primavera/verão) ou sintomas pereniais com
exacerbações periódicas; história de exposição a alergenos conhecidos. Pode ou não haver antecedentes pessoais ou familiares de atopia (asma, rinite
alérgica, febre dos fenos).
Sinais
Geralmente mínimos; ligeira hiperémia conjuntival; papilas na conjuntiva tarsal superior (pequenas saliências vermelhas, por vezes com um aspecto designado “em pedra de calçada”).
Edema conjuntival ou quemose; secreções mucosas ou de tipo filamentoso. O diagnóstico é geralmente feito pela história clínica, sendo a existência de prurido
ocular, muito sugestivo de conjuntivite alérgica.
Tratamento
Eliminar o agente causal, se possível.
Dependendo da gravidade e sintomatologia:
Compressas frias, lágrimas artificiais Colírio de quetotifeno ou olopatadina, 2 i.d. Vasoconstritor / anti-histamínico tópico, 4 i.d. (ex: nafazolina/feniramina) Nos casos mais graves ou que não respondem à medicação, poderão ser utilizados
corticosteróides tópicos, sob vigilância de oftalmologista. Poderão estar indicados anti-histamínicos sistémicos se o prurido for muito intenso.
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Conjuntivite alérgica sazonal: ocorre na primavera, outono ou ambos; os alergenos são
os pólens e ervas; reacção precoce ou tardia mediada por IgE.
Conjuntivite alérgica perene: todo o ano, com períodos de agravamento; os alergenos
são pêlos de animais, pó da casa, ácaros, fungos, pólens; história de outras doenças atópicas;
reacção precoce ou tardia mediada por IgE.
Queratoconjuntivite atópica ou vernal: forma grave, surgindo em crianças, com
história de atopia, com formação de nódulos de Trantas e de papilas gigantes
(“cobblestone”), podendo estar associada a queratite ou úlceras de córnea.
OLHO VERMELHO DOLOROSO
A- GLAUCOMA AGUDO
O glaucoma agudo de ângulo fechado é uma forma menos comum de glaucoma causado por
um oclusão completa e súbita do ângulo da câmara anterior por tecido da íris. O glaucoma
agudo é uma situação distinta do glaucoma crónico, que não causa dor nem hiperémia ocular
mas apenas uma baixa progressiva da visão e alterações dos campos visuais.
O crescimento do cristalino durante a vida causa um estreitamento progressivo da câmara
anterior do globo ocular. Num olho predisposto a glaucoma agudo, a dilatação da pupila (por
luz intensa ou por midriáticos), pode causar uma obstrução aguda dos canais de drenagem do
humor aquoso através do ângulo camerular. A pressão intraocular sobe rapidamente até
valores na ordem dos 60 mm Hg, causando edema corneano e baixa de visão. Existe uma dor
reflexa, inflamação e manifestações sistémicas incluindo cefaleias intensas e,
ocasionalmente, náuseas e vómitos. Estes sintomas podem, inclusivamente, encobrir os
sinais oculares. O diagnóstico deve ser suspeitado em doentes idosos com um olho vermelho
unilateral devido a uma hiperémia periquerática, com turvação da córnea e uma pupila em
midríase média fixa.
Sintomas
Início súbito; dor ocular intensa; baixa súbita da visão; visão de halos coloridos à
volta das luzes; fotofobia; cefaleias frontais; náuseas; vómitos.
Sinais
Hiperémia ciliar; edema da córnea; pupila em midríase média fixa; a íris parece deslocada anteriormente, com um estreitamento da câmara anterior.
A palpação bidigital do globo ocular revela a existência de um globo ocular duro, sem flutuação, quando comparado com o olho contralateral.
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Estes sinais com a constatação de uma pressão intraocular elevada são diagnósticos de glaucoma agudo de ângulo fechado.
O olho adelfo tem uma anatomia e predisposição semelhante.
Factores de risco
Idade maior; hipermetropia; sexo feminino; história familiar.
Factores precipitantes
Midriáticos tópicos; anticolinérgicos sistémicos (anti-histamínicos, anti-psicóticos);
acomodação (leitura); fraca iluminação (noite).
Conduta
Numa crise de glaucoma agudo, deve ser iniciado o tratamento sem demoras, mesmo
antes do envio do doente a um serviço de urgência oftalmológica.
Tratamento
Instilação tópica de colírio de pilocarpina a 2%, uma gota a cada 10 minutos. Instilação tópica de colírio de um ß-bloqueador (ex. timolol a 0,5%).
Administração de inibidores da anidrase carbónica: acetazolamida 250-500 mg i.v. ou 500 mg p.o., numa só dose. Administração de agentes osmóticos em perfusão: manitol 1-2 g/Kg i.v., durante 30 a 45 minutos (um frasco de manitol a 20% contem 100g de manitol).
O estado cardiovascular e o equilíbrio hidroelectrolítico do doente devem ser
avaliados antes da utilização de agentes osmóticos, inibidores da anidrase carbónica e ß-
bloqueadores.
Após iniciar o tratamento de emergência, o doente deve ser encaminhado, com
urgência, a um serviço de Oftalmologia. Lesões permanentes do nervo óptico podem ocorrer
dentro de horas se a crise não for revertida. O tratamento médico pode não ser suficiente para
controlar a crise de glaucoma agudo e ser necessário realizar uma intervenção cirúrgica ou
uma iridotomia por laser.
Se após a realização de 2 cursos de terapêutica médica máxima, a PIO permanece elevada, está indicada a realização, se for possível visualizar a íris, de uma iridotomia periférica por laser (YAG).
Se não for possível realizar uma iridotomia periférica por laser (YAG), está indicada intervenção cirúrgica (iridectomia ou, nalguns casos, cirurgia filtrante).
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Está indicado tratar preventivamente o olho adelfo, pois existe uma probabilidade de 40 a 80% de desenvolver uma crise de glaucoma agudo de ângulo fechado nos próximos 5 anos.
B- UVEÍTE
Uveíte define-se como uma inflamação das estruturas intraoculares (íris, corpo ciliar,
coróideia e retina) tendo numerosas causas, exógenas (infecciosas) ou endógenas
(autoimunes).
A uveíte anterior (irite, iridociclite ou ciclite), sobretudo na sua forma aguda, provocam um
quadro clínico de “olho vermelho doloroso”. As uveítes intermédias e posteriores geralmente
causam apenas uma baixa da visão, ocasionalmente com sintomas de “corpos flutuantes do
vítreo” e, de um modo geral, sem hiperémia ou dor ocular.
Classificação anatómica das uveítes:
Uveítes Anteriores 35% Uveítes Intermédias 2% Uveítes Posteriores 55% Panuveítes 8%
1.Uveite anterior
Sintomas
Uveíte aguda: “olho vermelho”; dor ocular permanente; baixa moderada ou marcada da visão; fotofobia; lacrimejo.
Uveíte crónica: episódios recorrentes de um ou mais dos sintomas agudos. É frequente a história de episódios prévios ou de crises recorrentes de uveíte.
Sinais
Uni ou bilaterais Hiperémia ciliar Pupila em miose Irregularidade pupilar por sinéquias posteriores (aderências da íris ao cristalino). Precipitados queráticos (pequenos ou não-granulomatosos; grandes ou granulomatosos). Exsudato inflamatório na câmara anterior Baixa da pressão intraocular (ocasionalmente elevação).
Etiologia
Idiopática (cerca de 50% dos casos). Associada ao HLA B27: espondilite anquilosante; uveíte anterior associada ao HLA
B27; síndroma de Reiter; doença inflamatória intestinal; artrite psoriática;
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Artrite idiopática juvenil (crianças); queratouveíte herpética; infecções virusais; doença de Behçet; sarcoidose; sífilis; tuberculose; conectivites; traumatismos; outras causas.
Existem casos de uveítes que correspondem a entidades oftalmológicas próprias, sem associação com nenhuma doença sistémica (ex.: uveíte heterocrómica de Fuchs).
Conduta
Observação urgente por Oftalmologista. O tratamento, destinado a suprimir a inflamação, deve ser orientado por
Oftalmologista e iniciado o mais depressa possível para evitar sequelas (sinéquias posteriores e anteriores, bloqueio pupilar, hipertensão intra-ocular, formação de catarata, baixa permanente de visão).
O estudo etiológico de uma uveíte pode requerer uma colaboração multidisciplinar.
Tratamento
Midriáticos/Cicloplégicos (diminuem a sintomatologia, previnem a formação de sinéquias, rompem as sinéquias já formadas);
Corticosteróides tópicos (mais utilizados), em injecções perioculares ou por via sistémica;
Nas uveítes intermédias, posteriores e panuveítes estão indicados imunossupressores por via sistémica: corticosteróides em doses elevadas, citostáticos, ciclosporina A e outros imunomoduladores, agentes biológicos.
C - EPISCLERITE e D- ESCLERITE
Nestas situações observa-se uma hiperémia localizada ou sectorial da conjuntiva, com edema
e inflamação nodular dos tecidos subjacentes. A episclerite é uma inflamação da episclera,
isto é, a camada vascular situada entre a conjuntiva e a esclera, situação habitualmente pouco
grave. A esclerite é uma inflamação localizada ou difusa da própria esclera, dolorosa, muitas
vezes prolongada e potencialmente grave para o olho.
Sintomas
Episclerite: dor moderada, exacerbada pelo pestanejo; “olho vermelho” em sector; início súbito, uni ou bilateral; fotofobia, lacrimejo; acuidade visual conservada.
Esclerite: dor intensa, constante; “olho vermelho” em sector ou difuso; início insidioso; fotofobia, lacrimejo; acuidade visual conservada ou não.
Em ambos os casos é frequente uma história de episódios recorrentes.
Sinais
Episclerite: hiperémia conjuntival em sector (raramente difusa), devida ao engurgitamento dos vasos episclerais; elevação nodular localizada, móvel sobre a esclera; dolorosa ao toque.
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Esclerite: hiperémia mais profunda, com uma cor violácea ou azulada da esclera; inflamação da esclera, episclera e conjuntiva; pode haver escleromalácia e proincidência para o exterior (estafiloma escleral); pode haver sinais inflamatórios intraoculares e baixa de visão.
A esclerite pode apresentar-se sob várias formas clínicas: anterior difusa; anterior nodular; anterior necrotizante com inflamação; anterior necrotizante sem inflamação; e esclerite posterior.
Etiologia
Episclerite: Idiopática (mais comum); artrite reumatóide; sarcoidose; lupus eritematoso sistémico; granulomatose de Wegener; policondrite recidivante; poliarterite nodosa; doença de Behçet; doença inflamatória intestinal; espondilite anquilosante; síndroma de Reiter; hiperuricémia; herpes zooster; sífilis; tuberculose; outras causas.
Esclerite: Artrite reumatóide; granulomatose de Wegener; policondrite recidivante; lupus eritematoso sistémico; doença mista tecido conjuntivo; esclerodermia; polimiosite / dermatomiosite; outras causas.
Tratamento
Episclerite: o tratamento requer a utilização de corticosteróides tópicos, em injecções peri-oculares ou sistémicos e o seguimento por um Oftalmologista.
Esclerite: as esclerites requerem geralmente um tratamento imunossupressor por via sistémica (tratamento da doença de base); os corticosteróides tópicos e perioculares estão contraindicados. Seguimento por um Oftalmologista e, mesmo que a história não sugira uma etiologia subjacente deverá ser feito sempre um estudo laboratorial do doente.
E- QUERATITES
As doenças inflamatórias da córnea (queratites) são situações potencialmente perigosas para
a visão e está quase sempre indicado a observação urgente do doente por um Oftalmologista.
O seu diagnóstico requer a observação do reflexo luminoso da córnea e a coloração com
fluoresceína ou outro corante vital. Nas queratites pode observar-se uma alteração do brilho
normal da córnea e irregularidades do seu reflexo luminoso.
O teste da fluoresceína (em colírio ou com fitas-teste) revela-se essencial para o diagnóstico
de lesão epitelial. No epitélio intacto a fluoresceína é toda arrastada pelo filme lacrimal.
Quando existe uma solução de continuidade epitelial, a fluoresceína cora de verde o estroma
corneano exposto, fenómeno melhor visível com a utilização de uma luz azul.
O uso de corticosteróides tópicos está associado a um risco aumentado de queratites infecciosas e de hipertensão ocular, pelo que o seu manuseio deve ser efectuado por Oftalmologistas e sob apertada vigilância.
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Uma única aplicação de um anestésico tópico pode ser necessária para permitir um exame oftalmológico, mas aplicações repetidas atrasam a reepitelização corneana e estão contraindicadas.
1- Abrasão corneana
Solução de continuidade do epitélio corneano após traumatismo (úlcera traumática da
córnea, queratite traumática).
Sintomas
Dor ocular; fotofobia; sensação de corpo estranho (sem corpo estranho); lacrimejo; História de traumatismo do olho (arranhadura, folha de papel, ramo de árvore, etc)
Sinais
Defeito epitelial evidenciável pelo teste da fluoresceína Hiperémia conjuntival ou periquerática Conduta
Eversão da pálpebra superior para excluir a existência de corpo estranho
Tratamento
Pomada de antibiótico de largo espectro; penso oclusivo (24 a 48 horas, dependendo da extensão da abrasão)
Cicloplegia (ex: 1 gota de ciclopentolato 2%) se a abrasão for extensa
2- Queratites infecciosas
As queratites infecciosas podem ter uma etiologia bacteriana, fúngica, parasitária ou
virusal. Estas podem surgir numa córnea sem lesões pré-existentes mas, mais
frequentemente, surgem:
após traumatismo (abrasão corneana) em portadores de lentes de contacto em doentes imunocomprometidos em doentes com patologia corneana crónica após uso de corticosteróides tópicos
Sintomas
“Olho vermelho”; sensação de corpo estranho ou dor ao pestanejar; dor permanente moderada ou intensa;
Fotofobia; baixa de visão; secreções purulentas.
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Sinais
Hiperémia ciliar; opacidade corneana focal de cor branca; se existir uma úlcera o defeito epitelial pode ser evidenciado pelo teste da fluoresceína.
Secreções purulentas ou muco-purulentas; edema palpebral; esxudato inflamatório na câmara anterior.
Etiologia
Bacteriana: etiologia infecciosa mais comum; em geral, uma queratite é considerada como sendo de origem bacteriana até prova laboratorial em contrário. Deve-se suspeitar de outra etiologia quando o tratamento antibiótico se mostra ineficaz.
Fúngica: deve ser considerada quando existe um traumatismo corneano com matéria orgânica, em portadores de lentes de contacto ou em doentes imunocomprometidos.
Acantameba: em portadores de lentes de contacto hidrófilas, por deficiente higiene ou contaminação durante a natação com lentes de contacto.
Micobactérias atípicas: após traumatismos penetrantes ou após enxertos de córnea. Virus Herpes simplex: queratite herpética.
Para além das opacidades corneanas cicatriciais que podem originar, as infecções da
córnea, nomeadamente as causadas por Pseudomonas, podem propagar-se rapidamente e
causar um infecção intraocular (endoftalmite). Estas situações requerem uma identificação
do agente causal e uma actuação terapêutica pronta.
Conduta
Perante a suspeita de uma queratite infecciosa, o doente deve ser enviado a um serviço de
Oftalmologia. A identificação do microorganismo causal e o tratamento (tópico e sistémico)
obrigam muitas vezes a um internamento em meio hospitalar.
3- Queratite bacteriana
Sintomas
-“Olho vermelho”; sensação de corpo estranho ou dor ao pestanejar; dor moderada ou
intensa;
- Fotofobia; baixa de visão; secreções purulentas.
Sinais
- Hiperémia ciliar; opacidade corneana focal de cor branca (infiltrado); se existir uma úlcera, o defeito epitelial pode ser evidenciado pelo teste da fluoresceína.
- Secreções purulentas ou muco-purulentas; edema palpebral; reacção inflamatória na câmara anterior, com ou sem formação de hipópion.
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Etiologia
Uma queratite é considerada como sendo de origem bacteriana até prova laboratorial em contrário ou se a terapêutica se revelar ineficaz;
As bactérias mais comuns são os Staphylococcus, Streptococcus, Moraxella, Serratia e mais raramente as Pseudomonas;
É mandatório iniciar o tratamento com antibióticos de largo espectro após colheitas para identificação do gérmen causal.
Tratamento
- Antibióticos de largo espectro, variando com a gravidade do quadro clínico: fluoroquinolonas, tobramicina (formas comerciais); antibióticos fortificados, geralmente em associações; antibióticos por via sistémica.
4- Queratite fúngica
Frequentemente história de traumatismo com matéria vegetal (ramo de árvore, folha de
planta). Curso clínico mais indolente que na queratite bacteriana.
Sintomas
“Olho vermelho”; fotofobia; sensação de corpo estranho ou dor ao pestanejar; dor permanente moderada ou intensa; baixa de visão.
Sinais
Opacidade corneana esbranquiçada (infiltrado) com bordos evidentes; o epitélio pode
estar elevado ou ulcerado; hiperémia ciliar; secreções muco-purulentas;
Podem existir lesões satélites ao redor do infiltrado primário.
Etiologia
Fungos filamentosos: Fusarium; Aspergillus (traumatismo com matéria orgânica) Fungos não-filamentosos: Candidas (doenças oculares prévias, uso de corticosteróides, etc). Colheitas para identificação do fungo; eventualmente biópsias.
Tratamento
Anti-fúngicos tópicos; eventualmente orais.
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5- Queratite por Acantamoeba
Deve ser suspeitada em doentes com história de uso de lentes de contacto, deficiente
higiene das lentes de contacto (uso de água corrente para lavar as lentes, desinfecção
infrequente) ou natação com uso de lentes de contacto.
Sintomas e sintomas
Início mais gradual que nas queratites bacterianas. Sinais e sintomas precoces: sensação de corpo estranho; visão turva; hiperémia
ciliar. Fase de estado: dor; hiperémia ciliar; alterações do epitélio (infiltrados subepiteliais);
espessamento dos nervos corneanos Progressão: dor intensa, desproporcinada com a inflamação; infiltrado anular
característico
Diagnóstico
Colheita de córnea / biópsia; culturas; esfregaços (Giemsa, Calcofluor) Microscopia confocal da córnea in vivo
Tratamento
Propamidina 0,1% (Brolene); Neomicina; Miconazol, clotrimazol, e ketoconazol oral. Polihexametileno biguanide (PHMB) 0.02% Tratamento 6 a 12 meses; recorrências frequentes.
6- Queratite herpética
As infecções virusais são, na sua maioria, autolimitadas, excepto a infecção por Herpes
simplex que deve ser controlada por terapêutica antivirusal específica e que, quando não
diagnosticada atempadamente, pode ocasionar graves sequelas oculares. A queratite
herpética pode envolver o epitélio, o estroma e o endotélio e pode ter uma mecanismo
fisiopatológico infeccioso, imunológico ou neurotrófico.
Sintomas
“Olho vermelho” unilateral; dor ocular; fotofobia; lacrimejo; baixa de visão; ocasionalmente rash vesicular cutâneo ou história de episódios prévios.
Sinais
Úlcera corneana herpética (padrão dendrítico ou ramificado típico, úlcera linear ou geográfica), melhor visualizada após a aplicação de fluoresceína; hiperémia ciliar; diminuição da sensibilidade corneana;
Podem coexistir outras manifestações: uveíte, erupção cutânea vesicular, queratite estromal, úlcera neurotrófica.
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Conduta
Perante a suspeita de queratite herpética, o doente deve ser observado por um Oftalmologista.
O tratamento desta situação requer a utilização de cicloplégicos e aplicação tópica de aciclovir, trifluoridina ou outros anti-virusais.
7- Queratites marginais
As úlceras ou abcessos corneanos localizados próximo do limbo podem indicar um tipo
de reacção de hipersensibilidade a antigénios microbianos ou ser uma manifestação ocular de
uma doença autoimune local ou sistémica. Requerem, com frequência, tratamento com
corticosteróides tópicos ou sistémicos.
Contudo, outros tipos de queratite podem ser significativamente exacerbadas pelos
corticosteróides e é aconselhável o envio a um Oftalmologista antes de iniciar qualquer
tratamento.
8- Queratites relacionadas com o uso de lentes de contacto
Várias patologias corneanas podem estar relacionadas com a utilização de lentes de
contacto. O diagnóstico diferencial nem sempre é fácil e deve ser realizado por um
oftalmologista.
A existência de dor ocular, hiperémia ciliar, fotofobia intensa, secreções purulentas ou
baixa de visão num portador de lentes de contacto é indicação para a sua remoção imediata.
Etiologia
a. Ulceração corneana por uso prolongado
A anóxia resultante de um uso prolongado de lentes de contacto pode ocasionar necrose
do epitélio corneano (semelhante ao ocasionado pelos RUV), com uma ulceração
epitelial central.
Sintomas
Dor intensa; fotofobia; lacrimejo; sensação de corpo estranho; história de uso prolongado de lente de contacto.
Sinais
Hiperémia ciliar; a aplicação de fluoresceína permite observar uma coloração punctiforme e fina do epitélio corneano e/ou uma abrasão corneana central de maiores dimensões.
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Tratamento
Tal como nas abrasões mecânicas extensas da córnea, um esquema terapêutico pode consistir na suspensão do uso de lentes de contacto, aplicação de um colírio de ciclopentolato a 2%, pomada de antibiótico e oclusão ocular durante alguns dias. É recomendável a observação por um oftalmologista.
b. Queratite infecciosa
Queratite bacteriana, fúngica, por acantameba, por virus herpes simplex. A presença de dor
intensa sugere uma etiologia infecciosa.
c. Outros problemas relacionados com lentes de contacto e que causam “olho
vermelho”
Hipersensibilidade a preservantes das soluções das lentes de contacto Conjuntivite papilar gigante Depósitos na lente de contacto Síndroma da lente apertada Neovascularização corneana
9 - Queratite punctiforme superficial
Queratite não específica, mas relativamente comum, podendo ser observada nas
seguintes situações:
Síndroma do olho seco (diminuição da secreção lacrimal) Blefarite Traumatismos crónicos Queratopatia de exposição (incompleta oclusão palpebral) Toxicidade a medicamentos tópicos (antibióticos, preservantes dos colírios) Queratoconjuntivite por RUV Uso de lentes de contacto Triquíase e entrópion (contacto dos cílios com a córnea)
Sintomas
Dor ocular; fotofobia; “olho vermelho”; sensação de corpo estranho.
Sinais
Defeitos epiteliais corneanos punctiformes, evidenciáveis pela fluoresceína.
Tratamento
Dependente da causa. Poucas microulcerações: lágrimas artificiais; Microulcerações abundantes: antibioterapia tópica (como se tratasse de uma abrasão
corneana).
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10- Queratoconjuntivite por raios ultravioletas
A exposição à luz ultravioleta emitida por aparelhos de soldadura (arco voltaico), por
lâmpadas de UV ou por reflexão dos raios UV na neve, pode causar uma necrose retardada
do epitélio corneano (cerca de 6 a 12 horas após a exposição).
Sintomas
Dor intensa; sensação de corpo estranho; “olho vermelho”; fotofobia; lacrimejo; visão turva.
A história de uma exposição prévia (6 a 12 horas antes) permite geralmente fazer o diagnóstico.
Sinais
A aplicação de fluoresceína permite observar uma queratite punctiforme superficial, confluente, de localização interpalpebral.
Hiperémia conjuntival; edema palpebral; edema corneano suave a moderado; miose.
Tratamento
Cicloplegia: 1 gota de colírio de ciclopentolato a 2% Pomada de antibiótico de largo espectro; penso oclusivo durante 24 horas. Analgésicos p.o.
F- OUTRAS CAUSAS DE OLHO VERMELHO
1- Hemorragia subconjuntival
A hemorragia subconjuntival pode ser devida a um traumatismo ou ocorrer de modo
expontâneo, num olho de resto normal.
Sintomas e sinais
“Olho vermelho”; ausência de dor; hemorragia em toalha, sectorial, localizada sob a conjuntiva.
Etiologia
Manobra de Valsava (tosse, espirro, elevação de pesos); hipertensão arterial; alterações da coagulação; idiopática; traumatismo (pode ser isolada ou estar associada a rotura do globo ocular)
Conduta
- História: Hemorragias ou problemas de coagulação? Medicação (aspirina, cumarínicos)? Traumatismo, elevação de pesos, manobra de Valsava? Tosse aguda ou crónica? Hemorragias recorrentes? - Exame ocular: excluir traumatismo com rotura do globo ocular - Verificar tensão arterial
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- Se recorrentes: excluir problemas de coagulação Se não existe história de traumatismo ou de sobredosagem de tratamento anticoagulante,
raramente se encontra uma causa. O doente deve ser tranquilizado de que esta situação
melhora e desaparece expontaneamente em 1 a 2 semanas, não necessitando tratamento.
2- Pterigium
Crescimento anormal que consiste numa prega triangular de tecido que avança
progressivamente sobre a córnea, geralmente do lado nasal. É frequente observar-se uma
inflamação localizada da conjuntiva associada ao pterigium. O pterigium é mais frequente
em climas quentes e, embora a sua etiologia não esteja completamente esclarecida, vários
factores irritativos oculares parecem estar na sua génese.
Sinais e sintomas
Hiperémia conjuntival localizada, crescimento anormal sobre a córnea, ardor e irritação ocular.
Tratamento
Lágrimas artificiais; Anti-inflamatórios não-esteróides; A excisão cirúrgica está indicada se o pterigium cresce e ameaça comprometer o
eixo visual. 3- Doenças dos anexos
Um “olho vermelho” pode também ocorrer secundariamente a patologia palpebral
(blefarite, ordéolo, chalázio e tumores palpebrais), do aparelho lacrimal (dacriocistite) ou da
órbita (celulite orbitária, doença tiroideia e lesões vasculares da órbita).
a. Blefarite
A blefarite é uma inflamação aguda ou crónica do bordo palpebral. A etiologia tem sido
atribuída a uma disfunção das glândulas sebáceas (blefarite seborreica), a algumas espécies
de estafilococos (blefarite estafilocócica) ou outros microorganismos.
Sintomas e sinais
Eritema do bordo palpebral, “caspa” nos cílios, queda de cílios, irritação ocular.
Tratamento
A resposta ao tratamento é frustrantemente lenta e as recaídas são frequentes.
Erradicação da infecção estafilocócica com aplicações frequentes de antibióticos apropriados
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Tratamento da seborreia do couro cabeludo para prevenir a disseminação da seborreia para os olhos
Limpeza das pálpebras para aliviar a blefarite seborreica
b. Ordéolo
Um ordéolo é uma infecção bacteriana aguda de um folículo de um cílio. O abcesso
geralmente supura de modo expontâneo, sendo uma situação auto-limitada.
Sintomas e sinais
Lesão inflamatória, com edema, eritema e dor localizados no bordo palpebral; pode estar associado a blefarite.
Tratamento
A aplicação de massagem e o uso de pomada de antibiótico local pode acelerar o seu curso natural.
c. Chalázio
Quisto das glândulas de Meibomio. A infecção das glândulas de Meibomio, mais
profundamente situadas na pálpebra, pode causar um edema difuso em redor da glândula
infectada. A supuração expontânea é rara por as glândulas serem envolvidas pelo tarso. Uma
reacção crónica de tipo granulomatoso pode deixar um quisto residual (chalázio) que pode
requerer incisão e curetagem.
Sintomas e sinais
Nódulo subcutâneo palpebral palpável, com ou sem edema, eritema e dor localizados.
Tratamento
Nos estados infecciosos agudos, devem ser prescritos antibióticos mas a aplicação local de compressas quentes está indicada. Se não existem sinais de infecção aguda, os chalázios podem ser tratados com a aplicação de uma pomada de antibiótico-corticosteróide 2 i.d. (monitorizando a pressão intraocular) e massagem suave sobre a lesão.
Se o chalázio persiste para além de 3 a 4 semanas de tratamento médico adequado, está indicada a observação por oftalmologista para incisão e curetagem.
Doentes idosos com blefarite unilateral crónica ou chalázios persistentes ou recorrentes devem ser
observados por um Oftalmologista, para excluir a possibilidade de um tumor palpebral (adenocarcinoma
sebáceo).
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d. Celulite orbitária
Infecção dos tecidos orbitários, geralmente oriunda de um foco infeccioso adjacente
(sinusite aguda, particularmente etmoidite, infecção dentária, dacriocistite), traumatismo ou
cirurgia prévia.
Sintomas
“Olho vermelho”; dor; visão turva; febre; cefaleias; diplopia.
Sinais
Edema inflamatório tenso das pálpebras; quemose conjuntival; proptose; dor aos movimentos oculares, geralmente com diminuição da motilidade.
Pode haver baixa de visão, edema do disco óptico e febre.
Conduta
Esta situação é tratada com antibióticos administrados por via parenteral. É conveniente o internamento para tratamento i.v., particularmente em crianças, nas quais esta situação se pode complicar rapidamente de uma meningite, ou ser necessário efectuar uma drenagem cirúrgica.
Enviar o doente a um serviço de Oftalmologia.
e. Dacriocistite aguda
Infecção do saco lacrimal, geralmente causada por uma obstrucção do canal lacrimo-
nasal. Pode ser recorrente.
Sintomas
Dor e sinais inflamatórios no canto interno, sobre a região lacrimal Lacrimejo, secrecções Febre
Sinais
Tumoração inflamatória no canto interno, sobre a região lacrimal; pode observar-se propagação dos sinais inflamatórios para as pálpebras inferior e superior;
Saída de secrecções mucóides ou purulentas pelo ponto lacrimal, quando se exerce pressão sobre a região lacrimal; pode haver formação de fístulas ou complicar-se de celulite.
Tratamento
Antibioterapia sistémica: Crianças - Amoxicilina+clavulanato 20-40 mg/Kg/dia p.o. (3 i.d.) ou cefaclor 20-40 mg/Kg/dia p.o. (3 i.d.); Adulto - Amoxicilina+clavulanato 500 mg p.o. 8-8 h ou cefalexina 500 mg p.o. 6-6 h
Antibioterapia tópica: colírio e pomada de antibiótico de largo espectro.
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Conduta
Se houver febre, sinais de infecção sistémica ou a formação de abcesso, o doente deve ser enviado a um serviço de Oftalmologia, pois pode ser necessária antibioterapia i.v. ou drenagem cirúrgica de um abcesso lacrimal.
Após resolução do episódio agudo, deve ser ponderada a correcção cirúrgica (Dacriocistorinostomia - DCR).
G- PROBLEMAS SISTÉMICOS ASSOCIADOS
1- Infecções respiratórias superiores e febre
As infecções das vias respiratórias superiores acompanhadas ou não por febre podem
estar associadas com conjuntivite, particularmente quando são causadas por adenovírus do
tipo 3 e do tipo 7 (ambos causadores da febre adeno-faringo-conjuntival). A conjuntivite
alérgica pode estar associada a rinite sazonal ou à febre dos fenos.
2- Eritema multiforme
O eritema multiforme é uma doença sistémica grave, possivelmente resultante de uma
resposta alérgica a medicamentos, e que pode ocasionar uma conjuntivite grave com
cicatrizes conjuntivais irreversíveis, lesões corneanas e perda de visão. No eritema
multiforme são observadas lesões cutâneas eritematosas em forma de alvo ou de olho de boi.
O nome de síndroma de Stevens-Johnson é dada à forma de eritema multiforme associado a
envolvimento ocular.
DIAGNÓSTICO LABORATORIAL
Na prática clínica, quase todos os casos de conjuntivite ligeira ou moderada são tratados sem
ajuda laboratorial. Isto representa um compromisso da forma ideal de tratamento mas é
justificada pelos gastos económicos associados à obtenção de esfregaços e culturas, numa
doença comum e benigna.
A maior parte dos clínicos, após realizarem o diagnóstico clínico presumptivo de
conjuntivite bacteriana, procedem directamente à prescrição de um tratamento tópico com
antibióticos de largo espectro de acção.
Os casos de presumível conjuntivite bacteriana que não melhoram após 3 dias de tratamento
devem ser observados por um Oftalmologista para confirmação do diagnóstico eestudos
laboratoriais apropriados.
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Para além disso, nos casos de conjuntivite purulenta hiperaguda, quando são produzidas
abundantes secreções purulentas, está indicada a observação por Oftalmologista e a
realização de culturas, por causa da possibilidade de uma etiologia gonocóccica. A
conjuntivite gonocóccica é uma doença grave e que ameaça potencialmente a visão.
Em casos de dúvida quanto à etiologia de uma conjuntivite pode estar indicada a realização
de esfregaços das secreções conjuntivais ou de um raspado conjuntival para confirmar a
impressão clínica. Caracteristicamente são observados leucócitos polimorfonucleares e
bactérias nas conjuntivites bacterianas, linfócitos nas conjuntivites virusais e eosinófilos nas
conjuntivites alérgicas.
RECOMENDAÇÕES TERAPÊUTICAS
A- Anestésicos tópicos
Os anestésicos tópicos nunca devem ser prescritos para uma analgesia prolongada em casos
de inflamação intraocular ou traumatismos por três razões:
1. Os anestésicos tópicos inibem o crescimento e a cicatrização do epitélio da córnea. 2. Embora raramente, podem ocorrer reacções alérgicas graves após instilação de
anestésicos tópicos. 3. A anestesia da córnea abole o reflexo protector do pestanejo, expondo a córnea à
desidratação, lesão e infecção.
B- Corticosteróides tópicos
Os corticosteróides tópicos têm três efeitos secundários oculares potencialmente graves:
1. Queratite: os corticosteróides tópicos favorecem o aparecimento de queratites causadas pelo vírus herpes simplex e de queratites fúngicas. Os corticosteróides podem mascarar os sintomas da inflamação, fazendo com que o doente se sinta melhor, enquanto a córnea pode liquefazer-se e eventualmente perfurar.
2. Catarata: O uso prolongado de corticosteróides, quer em aplicação local, quer administrados por via sistémica, conduz frequentemente à formação de catarata.
3. Pressão intraocular elevada: A aplicação local de corticosteróides durante 2 a 6 semanas pode causar um aumento da pressão intraocular em aproximadamente um terço da população. A aumento da pressão pode ser grave numa pequena percentagem de casos. Podem ocorrer lesões do nervo óptico e perda permanente de visão.
A utilização de antibióticos associados a corticosteróides tem o mesmo risco que a utilização
isolada de corticosteróides. Os corticosteróides tópicos, isolados ou em associação, não
devem ser utilizados sem a supervisão de um Oftalmologista.
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PONTOS A RELEMBRAR
Se existe uma baixa súbita e significativa da acuidade visual, o diagnóstico de conjuntivite é extremamente improvável.
O teste da fluoresceína deve ser sempre realizado para testar a integridade do epitélio corneano, em casos de “olho vermelho”.
Uma assimetria das pupilas num doente com “olho vermelho” é um sinal de alerta para uma doença potencialmente grave.
TRATAR OU ENVIAR A UM OFTALMOLOGISTA?
As situações seguintes podem ser tratadas apropriadamente por qualquer médico não
Oftalmologista:
Conjuntivites Blefarites Hemorragia subconjuntival Ordéolos ou chalázios
Apenas os casos que requerem tratamentos prolongados ou nos quais não é obtida uma
rápida melhoria clínica devem ser enviados a um Oftalmologista.
III – TRAUMATOLOGIA OCULAR Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
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III - TRAUMATOLOGIA OCULAR
Objectivos
Um Médico deve saber avaliar qualquer traumatismo orbitário ou ocular, saber instituir,
fundamentalmente em situações de urgência oftalmológica como por exemplo nas
queimaduras químicas, um tratamento sempre que necessário e determinar se requer a
observação imediata de um Oftalmologista.
Para atingir estes objectivos deverá aprender a:
Identificar quais as situações urgentes em Oftalmologia e agir de acordo com isso
Realizar uma história clínica correcta
Examinar um olho traumatizado
Avaliar e registar a acuidade visual de maneira tão precisa quanto possível
Avaliar se determinado traumatismo pode ser resolvido por ele ou se o deverá enviar
a um Oftalmologista.
Um dia será confrontado com o aparecimento de um traumatismo ocular e os conhecimentos
que possuir no tratamento dos traumatismos oculares poderão significar a preservação da
visão de um olho que de outro modo estaria condenado à cegueira. A finalidade deste
capítulo será por um lado promover a confiança necessária na abordagem de traumatismos
oculares de maior ou menor intensidade e por outro, ensinar as técnicas básicas e os
conhecimentos suficientes no diagnóstico e tratamento inicial dos traumatismos do globo
ocular e das estruturas que o rodeiam.
Informação básica
Órbita
O rebordo orbitário protege o globo ocular do impacto de objectos de grandes dimensões
Um fractura do rebordo orbitário não causa normalmente uma diminuição da visão A parede inferior da órbita (pavimento) pode, em virtude da sua reduzida espessura,
fracturar após uma contusão orbitária provocada por exemplo por um murro ou uma bola de ténis. O conteúdo orbitário incluindo os músculos recto inferior ou pequeno oblíquo pode assim ficar encravada na fractura provocando enoftalmia, uma restrição dos movimentos verticais e visão dupla (diplopia)
Uma fractura da parede interna da órbita, nomeadamente do osso etmóide, pode estar associada ao aparecimento de um enfisema subcutâneo das pálpebras
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A fractura a nível do canal óptico ou na sua vizinhança, através do qual passam a artéria oftálmica e o nervo óptico, pode causar lesão do nervo óptico com a consequente perda de visão.
Pálpebras
As pálpebras fecham de uma maneira reflexa sempre que o globo ocular é ameaçado O pestanejar mantém a córnea transparente através de um contacto permanente entre
a superfície corneana e o filme lacrimal Em caso de paralisia facial a superfície do globo ocular fica seca bem como exposta a
outros tipos de agressões A integridade dos bordos palpebrais assegura uma correcta oclusão das pálpebras e
uma adequada drenagem das lágrimas.
Aparelho lacrimal
A drenagem das lágrimas processa-se a nível do lado interno das pálpebras através fundamentalmente do ponto lacrimal inferior, continuando-se pelos canalículos lacrimais até ao saco lacrimal e daí até ao meato inferior das fossas nasais através do canal lacrimo-nasal
A ausência de um diagnóstico de laceração do canalículo lacrimal inferior assim como de uma adequada correcção cirúrgica pode acarretar um lacrimejo crónico (epífora).
Conjuntiva e Córnea
O epitélio corneano cicatriza normalmente de uma forma rápida após uma abrasão Pequenas ulcerações da conjuntiva cicatrizam rapidamente e podem,
consequentemente, esconder um traumatismo perfurante do globo ocular.
Câmara anterior
Em traumatismos penetrantes do globo ocular existe muitas vezes saída de humor aquoso resultando uma câmara anterior estreita ou ausente.
Íris e corpo ciliar
Após uma ferida a nível do limbo ou da córnea, a íris pode prolapsar através da ferida resultando uma pupila irregular
Traumatismos contundentes do globo ocular podem desencadear o aparecimento de irites (dor, olho vermelho, fotofobia, e miose)
As contusões podem alterar a forma da pupila por desinserção da raiz da íris ou lesões do bordo pupilar
As contusões do globo ocular podem desencadear rupturas de pequenos vasos sanguíneos no ângulo da câmara anterior causando hemorragia na câmara anterior (hifema). Pequenos hifemas desaparecem, na maioria das vezes, de forma expontânea.
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Cristalino
Traumatismos do cristalino desencadeiam normalmente a formação de catarata Traumatismos fechados do globo ocular podem causar uma desinserção parcial do
cristalino (subluxação). Vítreo
Perda da sua transparência pode ser devida a hemorragia, inflamação ou infecção
Retina
A retina é protegida externamente pela esclerótica (mais resistente) e pela coroideia (camada vascular subjacente)
A retina é fina e bastante vulnerável. Se a sua superfície for traccionada ou perfurada por um corpo estranho, pode desenvolver-se um descolamento da retina
Uma hemorragia da retina pode ocorrer após um traumatismo directo ou indirecto A retina fica esbranquiçada quando está edemaciada Uma lesão macular reduz drasticamente a visão sem que daí resulte cegueira
completa.
Quando examinar
A maioria dos traumatismos oculares acompanham-se de olho vermelho e dor. No entanto,
alguns traumatismos apresentam-se de uma forma mais silenciosa. Por exemplo, os
traumatismos perfurantes com objectos aguçados podem desencadear unicamente um olho
ligeiramente vermelho.
O examinador deve estar particularmente atento a traumatismos perfurantes causados por
pequenos corpos estranhos, a maioria das vezes aços, resultantes da percussão de metal
contra metal ou contra pedra. O corpo estranho intraocular não desencadeia dor pois tanto o
cristalino como a retina e o vítreo não possuem terminações sensitivas que determinem dor.
Se suspeitarmos de patologia do segmento posterior nomeadamente descolamento da retina
ou corpo estranho intraocular, é mandatório o envio do doente a um Oftalmologista. Importa
lembrar que não deverá aplicar pomadas de molde a não interferir com uma boa visualização
do fundo ocular.
Como examinar
Num doente com um traumatismo ocular dever-se-á realizar um interrogatório tão completo
quanto possível bem como um exame completo do globo ocular e das estruturas vizinhas que
inclui: acuidade visual, exame externo, observação das pupilas, movimentos oculares e
oftalmoscopia.
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Interrogatório
Na avaliação de um doente com traumatismo ocular torna-se extremamente importante
investigar a hora, local e tipo de traumatismo (contuso ou perfurante; queimadura por ácido
ou por base, etc), a história do passado ocular do doente, alergias medicamentosas bem como
vacinas em dia, nomeadamente para o tétano. No entanto, sempre que estiver em causa um
traumatismo urgente como é o caso por exemplo de uma queimadura química por uma base,
devemos instituir um tratamento imediato pelo que a obtenção de uma história cuidadosa
deverá ser realizada mais tarde.
Sempre que o doente estiver inconsciente ou com dificuldade em responder ao interrogatório
tentar-se-á obter informações junto dos acompanhantes, devendo o Médico estar, em
qualquer caso, preparado a iniciar o tratamento ou enviá-lo para um centro especializado
mesmo que não tenha obtido qualquer informação.
Avaliação da acuidade visual
A avaliação da acuidade visual dever-se-á realizar o mais pormenorizadamente possível.
Caso haja uma escala de Snellen avaliar-se-á de acordo com as instruções enumeradas
anteriormente. Caso não se disponha de qualquer escala de avaliação dever-se-á avaliar a
capacidade do doente ler algo (revista, jornal, etc) registando-se o tamanho e tipo de letra
utilizada bem como a distância utilizada. Registar sempre a visão em ambos os olhos. Caso o
doente apresente uma visão inferior à visão de leitura, determinar se ele consegue contar os
dedos, aperceber-se de movimentos de mão ou se tem percepção e projecção luminosa.
Exame externo
Deve sempre realizar-se um exame às estruturas externas do globo ocular que pode incluir
inspecção palpebral, eversão das pálpebras (contraindicada se houver suspeição de ruptura
do globo ocular) ou teste da fluoresceína. A utilização de gotas anestésicas (nunca as
prescrever para o doente levar para casa) facilita imenso a avaliação da acuidade visual e o
exame oftalmológico.
Com a ajuda de um foco luminoso poderemos constatar a presença de câmara anterior pouco
profunda ou prolapso do tecido uveal indiciando perforação do globo ocular.
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Reflexos pupilares
A presença de um defeito pupilar aferente indica lesão do nervo óptico.
Motilidade muscular
Hematoma orbitário pode restringir os movimentos oculares.
Restrição dos movimentos verticais e diplopia vertical faz-nos suspeitar de fractura da base
da órbita.
Limitação dos movimentos oculares e proptose acompanhada de crepitação e sopro orbitário
são sugestivos de fístula carótido-cavernosa.
Oftalmoscopia
Pesquisar o reflexo vermelho do fundo. Caso não se observe (hifema, formação de catarata
por tumefacção do cristalino, hemorragia do vítreo) enviar de imediato para um
Oftalmologista. Se o fundo ocular for visível, pesquisar edema, hemorragias retinianas ou
eventualmente descolamento da retina. Em caso de suspeição de traumatismo penetrante
enviar de imediato para Oftalmologista.
Exames radiológicos
Deve-se pedir exames radiológicos sempre que se suspeitar de fractura facial, orbitária ou de
corpos estranhos na órbita. Se um doente referir que esteve a percurtir é obrigatório exame
radiológico (Rx ou TAC da órbita). A RMN deve ser evitada sempre que se suspeitar de
corpo estranho metálico.
Tratamento
Um Médico pode não saber tratar de um modo definitivo todas as entidades referenciadas
mas tem a obrigação de iniciar o tratamento em todos os casos.
1- Urgência extrema
Situação clínica em que o tratamento deve ser instituido em minutos. Uma
queimadura química da conjuntiva e da córnea é o caso mais típico de uma situação de
urgência oftalmológica. Uma queimadura por bases resulta normalmente em lesões oculares
de maior gravidade que uma queimadura por ácidos pois os agentes básicos (cal, lixívia, etc)
penetram os tecidos oculares mais profunda e rapidamente. Todas as queimaduras químicas
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requerem uma irrigação imediata e abundante do globo ocular seguida de envio urgente para
um Oftalmologista.
2- Urgência
Estas situações clínicas necessitam de tratamento a ser instituido no espaço de
algumas horas.
Traumatismos perfurantes do globo ocular (não se aconselha a utilização de pomadas ou de penso oclusivo). Deve-se fazer Rx ou TAC da órbita sempre que se suspeite de corpo estranho radio opaco e enviar de imediato a um Oftalmologista.
Corpos estranhos na conjuntiva ou córnea necessitam unicamente de anestesia tópica seguida de remoção através de irrigação vigorosa ou com cotonete.
Nas abrasões de córnea deve-se: - Proceder a anestesia tópica da superfície do globo ocular - Realizar uma inspecção cuidadosa - Aplicar fluoresceína para facilitar a observação da abrasão - Prescrever antibiótico e cicloplégico de acção curta tópicos, este último para
aliviar as dores - Ocluir com penso duurante 24 horas - Enviar para Oftalmologista os casos mais grave
O diagnóstico de hifema exige o envio imediato do doente para um Oftalmologista. Pode provocar elevação da pressão intraocular, necessitando de tratamento médico ou cirúrgico, pode ser sinal de ruptura do globo ocular ou obstruir a presença de outras lesões graves como luxação do cristalino ou descolamento da retina.
Um Clínico Geral pode suturar uma ferida das pálpebras desde que a ferida não seja profunda e que não haja envolvimento da fenda palpebral ou dos canalículos lacrimais.
Queimaduras por radiações ultravioletas (após soldar ou depois de exposição solar na neve) necessitam de aplicação de anestesia tópica, inspecção cuidadosa, antibióticos tópicos, agentes cicloplégicos e oclusão ocular.
3- Situações semi-urgentes
Estas situações clínicas podem ser enviadas a um Oftalmologista no espaço de 1 a 2
dias. Uma fractura da órbita ou uma hemorragia subconjuntival pós-traumática, desde que
não se suspeite de ruptura do globo ocular ou hemorragia intraocular, em que o envio para
um Oftalmologista se deve fazer de imediato, podem ser consideradas situações semi-
urgentes.
III – TRAUMATOLOGIA OCULAR Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
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TRATAMENTO
Para proceder ao tratamento de traumatismos oculares o médico deve saber realizar irrigação
ocular, remover corpos estranhos, prescrever medicação ocular apropriada, fazer oclusão
palpebral e conhecer técnicas elementares de sutura palpebral.
Irrigação ocular
A irrigação ocular deve ser realizada após a instilação de um anestésico tópico pedindo ao
doente para olhar para diversas direcções enquanto se irriga profusamente a córnea e os
fundos de saco conjuntivais situados de maneira oposta. Recomenda-se a utilização de
frascos de solução salina, plastificados; no entanto, salienta-se, mais uma vez, que no caso de
uma queimadura química devemos utilizar de imediato água, qualquer que seja a sua
proveniência.
Remoção de corpos estranhos
Para proceder à remoção de um corpo estranho superficial na córnea ou conjuntiva, deve-se
utilizar uma cotonete e tentar, de maneira suave, removê-lo após a instilação prévia de um
anestésico tópico. A irrigação em jacto de uma solução salina pode muitas vezes desalojar
um corpo estranho superficial a nível da córnea ou conjuntiva.
Sempre que seja necessário o recurso a um instrumento aguçado como uma agulha para
proceder à sua remoção, o doente deve ser enviado a um Oftalmologista. Chama-se a atenção
para o caso particular da queimadura de córnea em redor de uma limalha que pode induzir
em erro o Médico Assistente, necessitando pois dos cuidados especializados do
Oftalmologista de molde a evitar traumatismos desnecessários que podem levar a lesões
graves da córnea (perfuração inclusivé)
Prescrição de medicação ocular
Todo o médico deve saber prescrever:
Cicloplégicos – Homotropina e ciclopentolato 1% podem ser utilizados para relaxar a íris e o corpo ciliar, aliviando as dores na maioria dos traumatismos oculares não penetrantes. Os cicloplégicos de longa duração como a atropina estão usualmente contra-indicados.
Antibióticos em colírio ou em pomada podem ser utilizados com segurança na limpeza de feridas; no entanto, se for necessário a sua utilização frequente ter em atenção as reacções alérgicas ou as infecções resistentes.
III – TRAUMATOLOGIA OCULAR Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
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Anestésicos em colírio ou em pomada nunca devem ser prescritos. A sua utilização repetida é tóxica para o epitélio corneano.
Corticósteroides tópicos ou em pomada nunca devem ser prescritos pelo Clínico Geral em traumatismos oculares, sem a prévia consulta de um Oftalmologista, devido aos seus efeitos secundários quando aplicados de forma continuada.
Oclusão palpebral
Penso moderadamente compressivo deve ser utilizado após traumatismos com lesões do epitélio corneano (abrasões corneanas) e após remoção de corpos estranhos. Aplicar 2 pensos oftálmicos ou um penso juntamente com gaze e fita adesiva, colocada obliquamente e com tensão moderada para prevenir a abertura do globo ocular.
Em traumatismos oculares mais graves (traumatismos perfurantes do globo ocular ou hifema) deve-se aplicar um protector não maleável com o intuito de proteger o olho de traumatismos adicionais, antes de ser observado por um Oftalmologista.
Sutura palpebral
As feridas palpebrais superficiais que não envolvam a fenda palpebral ou os canalículos
lacrimais podem ser suturadas pelo Clínico Geral. Todas as outras devem ser enviadas ao
Oftalmologista.
IV – PERDA PROGRESSIVA DA ACUIDADE VISUAL Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
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IV - PERDA PROGRESSIVA DA ACUIDADE VISUAL
Na formação básica de um Clínico Geral é necessário saber identificar e estar familiarizado
com as principais causas de perda progressiva da acuidade visual no adulto, nomeadamente,
glaucoma, catarata e degenerescência macular relacionada com a idade e, por último,
identificar as características básicas de cada uma delas. Ainda que não discutida neste
capítulo não se deve esquecer uma outra causa de perda progressiva da acuidade visual que é
a retinopatia diabética. Para além da identificação das características dos diferentes quadros
clínicos deve ser capaz de identificar e avaliar a cabeça do nervo óptico, classificando-o de
normal, glaucomatoso ou anormal mas não glaucomatoso. Também deve ser capaz de
avaliar a transparência do cristalino assim como o estado funcional e aparência da mácula.
Para atingir estes objectivos deve aprender a:
Ser capaz de identificar as características do nervo óptico que permitam dizer que este é normal ou anormal;
Ser capaz de identificar uma catarata e determinar o seu efeito potencial na acuidade visual do doente;
Ser capaz de determinar se a catarata é a única causa da diminuição da acuidade visual do doente;
Ser capaz de examinar a mácula com o oftalmoscópio e identificar os sinais e sintomas de uma maculopatia;
A - GLAUCOMA
Introdução
O glaucoma é uma das causas mais importantes de cegueira. A prevenção da cegueira pode
ser efectuada pela detecção precoce do glaucoma e seu tratamento médico e/ou cirúrgico. O
glaucoma, na fase inicial, desenvolve-se habitualmente de uma forma assintomática sem
dor, inflamação ocular ou halos (luminosos ou cromáticos em redor dos focos luminosos). A
acuidade visual diminui sem que o paciente se aperceba da sua progressiva incapacidade
visual.
O glaucoma tem uma evolução insidiosa porque as alterações dos campos visuais só são
detectadas em fases avançadas da doença. Os principais defeitos dos campos visuais são os
escotomas arqueados (área com redução ou ausência de acuidade visual) e o estreitamento
dos campos visuais sem alteração da acuidade visual central, até fases avançadas da doença.
IV – PERDA PROGRESSIVA DA ACUIDADE VISUAL Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
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A detecção precoce do glaucoma, na sua fase assintomática, é importante porque, quando
tratado adequadamente, pode prevenir a evolução para a cegueira.
O glaucoma evolui geralmente com aumento da pressão intraocular acima da média-
padrão o que torna obrigatório a medição sistemática ou de rotina da tensão intraocular
como meio de detecção. Uma elevação da pressão intraocular prolongada conduz à lesão da
cabeça do nervo óptico; em alguns casos são detectadas alterações do nervo óptico mesmo
com tensões intraoculares aparentemente dentro dos parâmetros normais.
Assim, o exame do fundo ocular, em especial do nervo óptico, é um outro importante meio
de detecção do glaucoma. Contudo, há outras patologias que podem originar alterações do
nervo óptico, como por exemplo os tumores cerebrais, o que faz da observação do nervo
óptico, através da fundoscopia, um importante meio semiológico.
Informação Básica
Pressão Intraocular
O olho tem um sistema próprio de produção e drenagem de humor aquoso. O humor aquoso
é produzido ao nível do corpo ciliar, flui através da área pupilar para atingir a câmara
anterior, passando ao canal Schlemm através da malha trabecular e posteriormente atingindo
o sistema venoso.
A resistência à passagem do humor aquoso ao nível da malha trabecular e canal Schlemm irá
dar origem à pressão intraocular. A pressão intraocular está directamente dependente da
facilidade com que o fluxo de humor aquoso flui pelo trabéculo e canal de Schlemm. Assim
quanto maior a resistência ao fluxo maior a pressão intraocular do olho. Ainda que o olho
seja constituído por vários compartimentos, para efeitos de pressão intraocular pode ser
considerado como um espaço fechado. Consequentemente, a pressão exercida dentro do
globo ocular é semelhante em toda a estrutura ocular. A maioria dos olhos tem uma pressão
intraocular inferior a 21 mmHg.
Geralmente, na forma insidiosa de glaucoma o ângulo da câmara anterior permanece aberto;
esta forma de glaucoma é denominada de glaucoma de ângulo aberto. Mais raramente, o
ângulo da câmara anterior pode ocluir-se com tecido da íris, o que provoca um súbito
aumento da pressão intraocular e dá origem ao denominado glaucoma do ângulo fechado, o
que constitui uma urgência médica. O súbito aumento da pressão intraocular provoca
sintomas que não surgem de forma insidiosa, e inclui dor, náusea, visualização de halos em
redor das luzes. Numa crise aguda do glaucoma de ângulo fechado surge um olho vermelho,
IV – PERDA PROGRESSIVA DA ACUIDADE VISUAL Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
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lacrimejo com córnea turva, pupila em mídriase média e duro à palpável digital. Este tipo de
situação conduz habitualmente o doente a um Serviço de Urgência, devendo imediatamente
ser instituida terapêutica apropriada para baixar a pressão intraocular e evitar perda
irreversível da visão.
Nervo Óptico
O nervo óptico é composto por mais de 1.2 milhões de fibras do nervo óptico. Estas fibras
nervosas têm a sua origem nas células ganglionares da retina e formam o feixe do nervo
óptico, que transporta a informação visual para o cortex cerebral. A interrupção do feixe de
fibras do nervo óptico resulta alteração da acuidade visual e campo visual.
O nervo óptico pode ser visualizado no seu ponto de origem através da oftalmoscopia, sendo
este ponto denominado de disco óptico. O disco óptico apresenta frequentemente uma
depressão central denominada “excavação”. O tamanho de excavação do nervo óptico varia
de indivíduo para indivíduo. A descrição completa do disco óptico é feita no Capítulo 1.
Relação entre o PIO e o Nervo Óptico
A pressão intra-ocular (PIO) é exercida sobre todas as paredes do nervo óptico e vasos
sanguíneos. A vascularização do nervo óptico é efectuada através de ramos da artéria
oftálmica, por sua vez um ramo da artéria carótida interna. Se a pressão no olho é demasiada
elevada pode resultar numa deficiente perfusão do nervo óptico. Se a situação se mantiver,
pode levar à lesão do nervo óptico. Uma agressão mecânica pode também causar lesão do
nervo óptico.
IV – PERDA PROGRESSIVA DA ACUIDADE VISUAL Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
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A lesão do nervo óptico resulta numa perda dos campos visuais. Esta perda é selectiva e
pode transformar-se numa perda severa e total com o tempo. A detecção da perda dos
campos visuais de origem glaucomatosa é efectuada através da campimetria. A acuidade
visual central não é afectada inicialmente.
Quando proceder ao exame
A oftalmoscopia deve fazer, obrigatoriamente, parte do exame oftalmológico de rotina. Deve
ser prestada particular atenção aos doentes com predisposição para o glaucoma, como sejam
os pacientes idosos ou com história familiar de glaucoma. Recomenda-se um rastreio cada 2
a 4 anos em pacientes com mais de 40 anos, com base no princípio de que a incidência
aumenta com a idade. Esta incidência é maior na população de origem africana, que tendo
um mais elevado risco de desenvolvimento do glaucoma, se recomenda que entre os 20 e 39
anos, se deve rastrear cada 3 a 5 anos.
Como examinar
Medição da pressão intraocular:
Várias são as metodologias possíveis para a avaliação da pressão intraocular. A palpação
detecta sómente o nível de dureza do globo ocular, não sendo adequada para controlar as
variações de tensões intraoculares nos doentes glaucomatosos. A tonometria é a melhor
metodologia para medir a pressão intraocular e pode ser efectuada através de vários
métodos. A tonometria por indentação com aparelho de Schiotz envolve a utilização de
instrumentação de baixo custo e uso simples. A tonometria de aplanação produz leituras
mais reprodutivas e fiáveis, contudo é mais dispendiosa.
Observação do fundo ocular:
A observação do fundo ocular deve ser feita obrigatoriamente na avaliação dum doente com
suspeita de glaucoma, no sentido de detectar alterações do disco optico compatível com
excavação glaucomatosa.
Avaliação do campo visual:
Na avaliação oftalmológica de um doente com suspeita de glaucoma deve-se efectuar uma
perimetria para avaliar o campo visual. Habitualmente é feita uma perimetria computorizada
que permite detectar alterações e, sobretudo, fazer um seguimento adequado dessas
alterações.
IV – PERDA PROGRESSIVA DA ACUIDADE VISUAL Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
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Gonioscopia:
O Oftalmologista deve também proceder ao exame das estruturas do ângulo da câmara
anterior utilizando uma lente de contacto especial em contacto com a córnea anestesiada
topicamente (gonioscopia).
Como interpretar os dados
A descrição do aspecto do disco óptico é geralmente feito em função da sua cor e do
tamanho da depressão central (fisiológica).
A cor do nervo óptico pode ser importante na determinação do grau de atrofia do nervo
óptico devido ao glaucoma ou a outra causa.
A palidez temporal do nervo óptico pode ocorrer como resultado de patologias que levem à
lesão das fibras nervosas, como sejam tumores cerebrais, inflamação do nervo óptico ou
estados avançados de glaucoma.
O termo papila glaucomatosa refere-se ao aumento do tamanho da excavação
comparativamente ao disco óptico. Isto é a relação excavação/disco, obtida pela comparação
entre os seus diâmetros.
Quanto maior o diâmetro da excavação, maior a possibilidade de estarmos perante um disco
óptico glaucomatoso. Uma excavação igual ou maior que metade do tamanho do disco
óptico - relação excavação/disco óptico > 0.5 - deverá sempre levantar suspeitas de
glaucoma. Uma excavação grande deve ser suspeita se apresentar uma palidez central do
disco. A avaliação da depressão da excavação faz-se pela localização do ponto de curvatura
dos vasos retinianos sobre o bordo, o que permite uma melhor localização do seu limite.
O disco óptico é geralmente simétrico entre os dois olhos. Discos que exibam uma relação
excavação/disco assimétrica devem levantar suspeitas. Em alguns casos, o edema do disco
óptico pode estar presente (papiledema, quando provocado por aumento da pressão
intracraneana).
Orientação do doente glaucomatoso ou com suspeita de glaucoma
A Tabela 1 providencia uma metodologia de análise do nível de risco de glaucoma. Perante
um nível de risco moderado a elevado o doente deve ser referenciado para um
Oftalmologista para uma avaliação posterior. Além disso, qualquer doente que apresente um
ou mais das seguintes condições deve ser encaminhado para o Oftalmologista.
Pressão intra-ocular superior a 21 mmHg;
IV – PERDA PROGRESSIVA DA ACUIDADE VISUAL Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
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Pressão intra-ocular não elevada mas com um diferencial entre os olhos superior a 5 mmHg;
Diâmetro da papila igual ou superior a metade do diâmetro do disco óptico (ratio excavação/diâmetro > 0.5);
Uma excavação significativamente maior num dos olhos; Sintomas de glaucoma agudo;
Tabela 1 - Análise dos factores de risco do glaucoma Análise dos factores de risco do glaucoma
Score dos factores de risco baseados na história clínica Variáveis Categoria Score
Idade < 50 anos 50-64 anos 65-74 anos > 75 anos
0 1 2 3
Raça Caucasiano / outros
Origem africana 0 2
Antecedentes Familiares de Glaucoma
Negativo ou positivo em: . Parentes não em 1º grau . Positivo em parentes . Positivo em irmãos
0 1 2
Último exame oftalmológico < 2 anos
2-5 anos > 5 anos
0 1 2
(*) Outras variáveis como a miopia ou hipermetropia elevada, hipertensão arterial, uso de corticoesteroides e talvez diabetes, não são suficientemente para serem referenciados como score mas devem ser considerados na avaliação total do risco do glaucoma. Nível de Risco do Glaucoma Score Global Elevado Moderado Baixo
4 (encaminhamento obrigatório) 3 (encaminhamento aconselhável) < 2
B- CATARATA
Relevância
A catarata pode ocorrer como resultado de uma anomalia genética ou congénita, sendo
contudo a catarata senil a mais frequente. Ou seja, em indivíduos com mais de 70 anos,
existe sempre algum grau de catarata. Na realidade, a catarata relacionada com a idade
ocorre em cerca de 50% na população entre os 65 e os 74 anos e cerca de 70% na população
com mais de 75 anos.
IV – PERDA PROGRESSIVA DA ACUIDADE VISUAL Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
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A catarata é a causa mais comum de perda da acuidade visual não corrigível com lentes.
Contudo, o seu tratamento cirúrgico é uma das mais bem sucedidas intervenções cirúrgicas,
sendo actualmente a facoemulsificação do cristalino com implantação de lente intraocular
(LIO) de câmara posterior a técnica preferencial.
Um dos mais importantes aspectos a considerar antes da intervenção cirúrgica é confirmar
que a causa da perda da acuidade visual é devida à catarata e não a outra qualquer causa,
nomeadamente, glaucoma ou alterações maculares. Contudo, não se deve esquecer que estas
causas podem coexistir e embora possam tornar a avaliação mais difícil, devem ser
equacionadas e tomadas em consideração no prognóstico visual pós cirurgia de catarata.
Informação Básica
Cristalino
O cristalino permite focar as imagens no plano da retina. O cristalino está suspenso do corpo
ciliar por um conjunto de filamentos denominado zonula, colocada entre a íris e o corpo
vítreo. A contracção do músculo ciliar permite executar o processo de focagem
(acomodação). O cristalino está envolvido por uma cápsula de membrana basal elástica
transparente. A cápsula envolve uma camada anterior epitelial cuboidal, o córtex e o núcleo
do cristalino. O cristalino não tem nem inervação nem vascularização e a sua nutrição
provem do humor aquoso e do vítreo.
O cristalino continua a crescer ao longo da vida. As suas células epiteliais produzem fibras
corticais, conduzindo a um aumento lento no tamanho, peso e densidade através dos anos;
35% do seu conteúdo total é constituido por proteínas. A percentagem de proteínas
insolúveis aumenta com o envelhecimento do cristalino e a formação da catarata.
Catarata
Há catarata sempre que existe uma opacidade ou descoloração do cristalino, quer seja
pequena, localizada ou haja uma completa perda da transparência. Clinicamente, o termo
catarata deve ser reservado às opacidades que afectam a acuidade visual, pois muitos
cristalinos ditos normais têm pequenas opacidades sem significado funcional.
A catarata é descrita e classificada de acordo com a zona do cristalino envolvida no processo
de opacificação. Estas zonas de opacificação podem ser subcapsulares, corticais ou
nucleares e pode ter uma localização anterior ou posterior. Para além da opacificação no
núcleo e cortex, pode haver uma alteração cromática do cristalino. A catarata pode também
IV – PERDA PROGRESSIVA DA ACUIDADE VISUAL Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
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ser classificada de acordo com o seu estado de desenvolvimento. A catarata pode então ser
classificada como imatura se apresentar ainda cortex transparente remanescente ou madura
se o cortex estiver totalmente opacificado.
A causa mais comum de catarata é o envelhecimento. Outros factores causais são o trauma,
a inflamação, os defeitos metabólicos ou nutricionais e as radiações. As cataratas podem
desenvolver-se muito lentamente ao longo dos anos ou progredir rapidamente, dependendo
da causa ou do tipo de catarata.
Sintomas de catarata
Os pacientes apercebem-se, inicialmente, de uma imagem turva, enquanto o cristalino perde
a sua capacidade de resolução e definição dos objectos. Os doentes apercebem-se primeiro
da alteração da qualidade da acuidade visual e só depois da sua diminuição. O grau de
incapacidade provocada pela catarata depende do tamanho e localização da opacidade. As
opacidades axiais, afectando as áreas subcapsular central ou nuclear, provocam uma maior
incapacidade visual que uma opacidade periférica.
Os doentes com esclerose nuclear podem desenvolver uma miopia progressiva devido ao
aumento do poder refractivo por densificação do núcleo. Por vezes, estes doentes descobrem
que podem de novo ler sem os óculos habituais, fenómeno denominado acuidade visual
secundária. Podem igualmente aperceber-se de imagens duplas ou múltiplas monoculares
(diplopia), devido às irregularidades refractivas do cristalino. Com o núcleo do cristalino de
tom amarelado, os objectos parecem mais acastanhados ou amarelados do que na realidade.
Os doentes com catarata subcapsular posterior podem aperceber-se de rápida diminuição da
acuidade visual com deslumbramento, imagem turva e distorção, mais observável em
ambientes com maior luminosidade. Este tipo de catarata está frequentemente associado a
causas metabólicas, como sejam a diabetes mellitus, e ao uso de corticoesteróides.
Ao fim de algum tempo, todas as cataratas conduzem a diminuição da acuidade visual. O
grau da incapacidade pode variar de dia para dia.
Quando examinar
O doente com diminuição da acuidade visual deve ser examinado para tentar determinar a
sua causa. Ao diagnosticar a presença da catarata é importante avaliar o grau de
envolvimento da retina e do nervo óptico nesta diminuição. A oftalmoscopia não permite,
muitas vezes, obter uma imagem clara da retina.
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63
Como examinar
As seguintes metodologias de exames são úteis para determinar se a perda de acuidade
visual é atribuível à catarata, a uma qualquer outra causa ou a uma combinação de causas:
Acuidade visual: O primeiro passo é a confirmação da diminuição da acuidade visual;
Reflexo pupilar: É importante saber como executar o exame pupilar básico e também conhecer as possíveis implicações neurológicas da resposta pupilar. Mesmo as situações de catarata avançada não produzem um defeito pupilar aferente;
Oftalmoscopia: A observação fundoscópica do Médico será mais ou menos semelhante à AV do paciente, isto é, a catarata afectará de modo semelhante a visualização do fundo ocular pelo Médico como a visão do doente para o exterior.
Como interpretar os achados clínicos
Uma catarata na sua fase inicial não será visível sem ajuda de equipamento especializado.
Nas suas fases mais avançadas a catarata torna-se densa e pode dar origem a uma papila
branca ou leucocória. O cristalino pode ser avaliado com o oftalmoscópio. A opacificação
parcial do cristalino aparecerá como negro contra o reflexo vermelho do fundo. Geralmente,
quanto mais densa a catarata, menor o reflexo vermelho do fundo ocular e pior a acuidade
visual.
Para além da oftalmoscopia, um Oftalmologista executa como rotina um exame
biomicroscópico, que permite uma observação estereoscópica do cristalino e das estruturas
oculares do segmento anterior.
Tratamento
É fundamental avaliar primariamente que a perda de visão é atribuível maioritariamente à
catarata e não a uma qualquer outra causa. Havendo uma conjugação de causas é importante
avaliar se há benefício com a sua extracção. O encaminhamento de um paciente com
catarata para a cirurgia deve ser baseado no princípio de que esta deve ser extraída sempre
que a sua repercussão visual interfere significativamente na execução das suas tarefas
habituais. Deve-se avaliar se a catarata interfere nas actividades diárias limitando a
capacidade de condução, leitura, prática de desportos ou “hobbies” do paciente. Doentes
com diminuição da acuidade visual, que afecta a sua actividade diária, devido à catarata
benefeciarão de intervenção cirúrgica com implantação de lente intra-ocular.
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C- DEGENERESCÊNCIA MACULAR RELACIONADA COM A IDADE
Relevância
Nos países do hemisfério ocidental, a degenerescência macular relacionada com a idade
(DMRI) é a principal causa de perda de acuidade visual (AV) irreversível (20/200 ou pior)
na população com mais de 50 anos. A incidência e a prevalência da DMRI têm vindo a
aumentar, seja pelo envelhecimento geral da população, seja pelo aumento das situações
implicadas no seu aparecimento, seja ainda pela melhoria dos diagnósticos. A forma mais
precoce da doença (drusen) contribui com cerca de 85 a 90% dos casos e em regra não
provoca sintomas relevantes. As formas tardias ou avançadas da doença (DMRI com atrofia
geográfica (evolução lenta) e DMRI exsudativa (forma de evolução muito rápida) são
responsáveis por 10 a 15% dos casos e podem provocar perda grave e irreversível da visão
central ou de leitura. As formas precoces da doença podem evoluir para as formas tardias e o
risco aumenta com idade e a gravidade das lesões predisponentes, podendo o risco de
progressão anual chegar aos 10%. Assim sendo, como há certos tipos de degenerescência
macular possíveis de tratar, é importante identificar estes quadros clínicos e encaminhá-los
para os centros especializados.
Informação básica
Anatomia macular
A mácula é uma pequena área oval situada cerca de 2 diâmetros-disco, temporal e
ligeiramente inferior ao disco óptico. Na mácula há cones e bastonetes e é a área responsável
pela acuidade visual central. A mácula central (zona foveolar avascular) é avascular e tem
uma coloração mais escura que a retina circundante. Nesta área a densidade dos cones é
mais elevada e não há bastonetes presentes. A depressão central da fovea actua como um
espelho concavo à oftalmoscopia, produzindo um reflexo luminoso (reflexo foveolar).
Alterações da DMRI
Nas alterações maculares devidas à idade incluem-se os drusen, alterações degenerativas do
epitélio pigmentar da retina e membranas subretinianas neovasculares.
- Drusen são nódulos hialinos (ou corpos coloides) depositados na membrana de
Bruch que separa o epitélio pigmentado da retina (camada mais externa da retina) da camada
interna dos vasos coroideus. Os drusen podem ser pequenos e discretos ou grandes, com
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formas irregulares e bordos indefinidos. Pacientes que apresentam apenas drusen tendem a
ter uma AV normal, ou quase normal, e uma metamorfopsia mínima. As metamorfopsias
(distorção das imagens na sua zona central) levam progressivamente à diminuição da
acuidade visual central; podem ser avaliadas com a grelha de Amsler.
- As alterações degenerativas do epitélio pigmentar podem ocorrer com ou sem
drusen. Estas alterações degenerativas manifestam-se por áreas de hiperpigmentação ou
atróficas despigmentadas. O efeito na acuidade visual é variável.
- Cerca de 20% dos olhos com DMRI desenvolvem neovascularização subretiniana.
A passagem dos vasos da camada coroideia interna para o espaço subepitelial pigmentar e
eventualmente para o espaço subretiniano significa que há um defeito na membrana de
Bruch.
A rede neovascular subretiniana pode estar associada com o aparecimento de hemorragias
subretiniana, fibrose, degenerescência epitelial pigmentada e atrofia dos fotoreceptores. A
hemorragia pode resultar numa perda súbita da acuidade visual. Quanto maior a membrana e
mais perto da zona foveolar avascular pior o prognóstico para a acuidade visual central.
A angiografia fluoresceína (AF), uma técnica de diagnóstico muito utilizada em
Oftalmologia, pode ser necessária para identificar a neovascularização. A administração
intravenosa de fluoresceína e o subsequente exame fotográfico ajuda a mostrar com clareza
a rede vascular retiniana e coroideia. Contrariamente às artérias e veias retinianas normais,
os neovasos podem ser identificados porque derramam fluoresceína. Também, o epitélio
pigmentar actua como uma barreira óptica e física à fluoresceína e consequentemente a
angiografia fluoresceínica facilita a identificação dos defeitos do epitélio pigmentar. A
indocianina verde é outro corante utilizado para demonstrar a presença de neovasos.
As alterações relacionadas com a idade estão quase sempre totalmente limitadas ao pólo
posterior. Consequentemente, o doente com degenerescência macular pode ter uma acuidade
visual muito baixa mas, geralmente, retêm uma acuidade visual periférica funcional. Alguns
tipos de ajuda visual são por vezes necessários para ajudar os doentes, como sejam os
magnificadores de alta potência e telescópios. Para além da idade, outras causas de
maculopatia crónica incluem alterações metabólicas ou hereditárias.
Quando examinar
Qualquer doente com diminuição da AV requer uma observação para determinar a sua
causa. Ao avaliar um paciente com perda ou distorção da AV central, devem ser realizados
IV – PERDA PROGRESSIVA DA ACUIDADE VISUAL Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
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todos os esforços, para examinar a mácula com o oftalmoscópio; uma opacidade na córnea,
cristalino ou vítreo pode não permitir uma adequada visualização da mácula.
Como examinar
As seguintes técnicas são especialmente úteis para avaliar a degenerescência macular como
causa de perda de AV ou de alterações qualitativas da AV:
Avaliação da AV Teste com grelha de Amsler. O teste de Amsler, é um método de diagnóstico útil de
avaliação da função macular. O teste é executado colocando o paciente a olhar com um dos olhos de cada vez o “spot” central de grelha de linhas horizontais e verticais. Este tipo de grelha é impressa em linhas brancas sobre um fundo preto.
Pergunta-se ao doente se nota irregularidades nas linhas. Estas podem ser referenciadas
como ondas nas linhas, zonas turvas ou cinzentas, ou mesmo zonas de ausência das linhas -
escotomas.
Uma linha recta, um ângulo recto ou um quadrado são figuras geométricas nas quais o olho
consegue distinguir distorções mais facilmente. Com o quadro colocado à distância normal
de leitura (30 cm) de cada olho, a grelha de Amsler mede 10º para cada lado do ponto de
fixação. Isto permite uma avaliação de 5.36 mm em todas as direcções a partir do centro da
mácula. Consequentemente a mácula é avaliada neste simples exame.
Avialação da sensibilidade ao contraste, que pode estar diminuida, desde as fases iniciais;
Oftalmoscopia. A área macular é estudada por oftalmoscopia directa; algumas vezes é útil pedir o doente para visualizar directamente a luz do instrumento. A dilatação da pupila pode ser necessária para um exame mais adequado;
Outros exames. Um Oftalmologista pode recorrer a outro tipo de metodologia para melhor avaliar a mácula e a sua funcionalidade. Metodologias como o exame
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biomicroscópico estereoscópico, retinografia (fotografia do fundo ocular), angiografia fluoresceínica ou com verde de indocianina e tomografia de coerência óptica (OCT) podem ser necessários para determinar as alterações patológicas.
Como interpretar os resultados
O aspecto da mácula frequentemente não reflecte de modo previsível a acuidade visual.
Sinais como drusen, áreas de hiper e hipopigmentação, exsudatos subretinianos e
hemorragias ou neovascularização são importantes e devem ser detectados no exame
macular. A ausência do reflexo foveolar e o aspecto mosqueado do epitélio pigmentar
subjacente estão entre os sinais mais precoces da doença macular.
Tratamento
O tratamento com cura total é ainda difícil, senão impossível. Os planos terapêuticos
segundo as diferentes formas de degenerescência macular relacionada com a idade são
diversos e estão em constante evolução. O tratamento profiláctico das formas precoces da
doença, com suplementos vitamínicos e minerais em altas doses, pode estar indicada nos
pacientes com maior risco de progressão. Em relação às formas tardias da doença, e
concretamente a atrofia geográfica não tem tratamento conhecido. Por sua vez o tratamento
da DMRI exsudativa segue as recomendações de vários estudos (“Macular Photocoagulation
Study”, “Treatment of Macular Degeneration with Photodinamic Therapy Study”
“Verteporfirin in photodinamic Therapy”, “Marina study” e “VISION study”) que vão desde
a terapêutica com fotocoagulação laser, à terapêutica fotodinâmica e às injecções intra-
vítreas de anti-angiogénicos. As terapêuticas actuais para as formas exsudativas permitem
preservar a visão, existente no início do tratamento, em cerca de 70 a 90% dos casos e
melhorá-la em cerca de 30%. Torna-se por isso essencial um diagnóstico precoce para que o
tratamento se inicie, antes de haver perda acentuada de visão.
Prognóstico
O prognóstico da doença, é habitualmente reservado. Todos os doentes com DMRI devem
ser informados sobre o prognóstico e o valor potencial dos tratamentos, os riscos, os
benefícios e as complicações desses tratamentos, que devem ser discutidos e equacionados
com o doente.
IV – PERDA PROGRESSIVA DA ACUIDADE VISUAL Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
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Encaminhamento
Um doente que apresente uma ou mais dos seguintes sintomas ou sinais deve ser
encaminhado para um Oftalmologista:
Início recente de perda de AV; Início recente de metamorfopsia ou distorção da AV central; Início recente de escotoma ou zona cega; Anormalidade oftalmoscópica do aspecto da mácula, como seja a presença de drusen,
alterações degenerativas do epitélio pigmentar, exsudatos e membranas neovasculares subretinianas.
O doente incapacitado visualmente
Apesar do tratamento, alguns doentes ficam com uma diminuição significativa da acuidade
visual. Estes doentes são potenciais candidatos para os serviços de subvisão e devem ser
encaminhados para Oftalmologistas capazes de providenciar estes serviços. O uso de
sistemas de ajuda visual vai permitir que uma parte destes doentes, considerados incapacitados,
desempenhe as suas actividades independentemente da ajuda de terceiros.
ASPECTOS A RETER
Deve-se suspeitar de glaucoma sempre que ao exame oftalmoscópico aparecer uma excavação larga com palidez central ou uma importante assimetria entre ambas as excavações;
A indicação primária para extracção da catarata é a incapacidade que provoca nas actividades diárias do paciente;
Sempre que um doente idoso apresente qualquer alteração da área macular à fundoscopia ou a sintomatologia o faça supor, deve ser encaminhado para uma consulta de Oftalmologia, dado que tais sinais ou sintomas podem estar relacionados com a existência de DMRI. Esta situação, sobretudo na forma exsudativa, pode evoluir para perda grave, rápida e potencialmente irreversível da visão central e pode requerer tratamento o mais precocemente possível.
V – PERDA SÚBITA DE VISÃO Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
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V - PERDA SÚBITA DE VISÃO
A perda súbita ou a redução acentuada da visão, no espaço de minutos ou horas, traduz
geralmente uma situação oftalmológica que requer observação e tratamento urgente. O
Médico encarregado dos cuidados primários deve saber reconhecer as situações que podem
causar perda súbita da visão, de modo a poder enviar com urgência ao Oftalmologista, ou
mesmo iniciar terapêuticas, quando necessário. O resultado visual final está muitas vezes
dependente de um diagnóstico precoce correcto e de um tratamento iniciado atempadamente.
As causas principais de perda súbita da visão são:
Glaucoma agudo Hemorragia do vítreo Descolamento da retina Oclusão da artéria central da retina Trombose da veia central da retina Nevrite óptica aguda Secção traumática do nervo óptico
Objectivos
É fundamental saber avaliar um doente que se apresenta com queixas de perda brusca da
visão (seja da acuidade visual, seja do campo visual) de maneira a construir um diagnóstico
diferencial e reconhecer as situações que exijem uma actuação urgente. Para atingir estes
objectivos deve aprender a:
Saber quais as questões que deve perguntar ao doente; Saber utilizar técnicas de exame apropriadas, dando atenção especial às respostas
pupilares, à avaliação dos campos visuais e à oftalmoscopia; Saber as situações que com maior probabilidade causam perda brusca da visão.
História clínica e exame oftalmológico
Alguma das perguntas mais importantes a fazer ao doente que se queixa de perda brusca
de visão incluem:
A perda da visão foi transitória ou é persistente? A perda da visão é monocular ou binocular? Como correu e de que modo? Surgiu abruptamente ou desenvolveu-se ao longo
horas, dias ou semanas? Qual é a idade do doente? Que outras doenças tem? Há ou não uma história anterior de visão normal?
V – PERDA SÚBITA DE VISÃO Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
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Avaliação da acuidade visual
O primeiro passo a executar num doente que se queixa de perda súbita da visão é determinar
a gravidade da baixa da acuidade, em cada olho, com a correcção óptica que usa.
Avaliação dos campos visuais por confrontação
A verificação de uma acuidade visual normal não garante a não existência de uma perda de
visão. É importante avaliar todo o campo visual, incluindo a visão periférica. Por exemplo
um doente que perdeu toda a visão periférica, de um lado, em ambos os olhos (hemianópsia
homónima) apresenta habitualmente resposta normais na avaliação da acuidade visual
central.
Reacções pupilares
A reacção pupilar à luz é muito útil para avaliar uma baixa da visão, especialmente quando a
reacção é assimétrica. Com um foco luminoso é possível apresentar uma luz forte,
sucessivamente a um e ao outro olho, de maneira a observar as reacções pupilares. Quando
há uma lesão na retina ou no nervo óptico de um dos olhos, os centros de controle do
tamanho da pupila reconhecem a luz que atingiu o olho normal como sendo mais brilhante.
Assim, quando o foco luminoso se move do olho normal para o olho doente, a pupila do olho
doente pode continuar a dilatar. Este teste quando positivo indica-nos a presença dum defeito
aferente pupilar relativo, também denominado pupila de Marcus Gunn. A presença ou
ausência de um defeito aferente relativo é, muitas vezes, um dado importante no processo de
avaliação de uma perda de visão monocular.
Oftalmoscopia
A oftalmoscopia é provavelmente o exame mais importante para avaliar a perda de visão,
porque permite a inspecção directa do fundo do olho e avaliar a transparência dos meios
oculares.
Tonometria
A tonometria ao medir a pressão intraocular pode ajudar a confirmar a presença de uma
situação de glaucoma de ângulo fechado que pode ser responsável de perda brusca de visão.
V – PERDA SÚBITA DE VISÃO Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
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PERDA SÚBITA DE VISÃO
1- GLAUCOMA AGUDO
Causa de perda súbita de visão que cursa com um quadro clínico de “Olho vermelho
doloroso”.
2- HEMORRAGIA DO VÍTREO
A hemorragia do vítreo, ou hemovítreo, é geralmente causada por um sangramento
abundante, a partir de vasos normais ou de neovasos retinianos, para o interior da cavidade
vítrea.
Esta situação pode resultar directamente de neovascularização da retina secundária a
retinopatias isquémicas. A retina isquémica liberta factores angiogénicos (ex: VEGF), sendo
o sangramento dos frágeis neovasos associados à retinopatia diabética proliferativa e à
retinopatia isquémica secundária a oclusão da veia central da retina, as causas mais
frequentes de hemorragia do vítreo.
A segunda causa mais comum é uma rotura de vasos normais da retina, causada por uma
rasgadura da retina ou um descolamento posterior do vítreo, quando o vítreo cortical está
aderente aos vasos retinianos.
Sintomas
Perda súbita de visão, indolor, aparecimento súbito de pontos negros ou de luzes em “flash”.
As pequenas hemorragias do vítreo causam turvação da visão e múltiplos pontos negros; as moderadas são percebidas como fios escuros; as hemorragias densas causam uma grande baixa de visão podendo esta ficar reduzida apenas a percepção luminosa.
Sinais
Hemorragia grave: o reflexo vermelho do fundo pode estar ausente e não se conseguir observar o fundo ocular.
Hemorragia moderada: o sangue pode obscurecer parte da retina e dos vasos retinianos.
Dependendo da etiologia pode haver outras alterações oftalmoscópicas.
Etiologia
Retinopatia diabética proliferativa; oclusão venosa retiniana com neovascularização; rasgadura da retina; descolamento da retina; descolamento posterior do vítreo; degenerescência macular relacionada com a idade; traumatismo; tumor intraocular; hemorragia subaracnóide ou subdural; outras causas.
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Diagnóstico diferencial
Uveíte posterior (o início não é geralmente tão súbito); Descolamento da retina (este pode ocorrer com hemorragia do vítreo e os sintomas
serem iguais).
Conduta
História: Doença ocular ou sistémica? Traumatismo? Uma história detalhada é muito importante, sobretudo para verificar a possibilidade
de doenças sistémicas como a diabetes ou de um traumatismo. Exame oftalmológico completo, incluindo oftalmoscopia indirecta, e observação de
ambos os olhos (o olho adelfo pode indicar uma causa possível do hemovítreo). Enviar a um Oftalmologista para esclarecimento da etiologia. Podem ser necessários
exames complementares de diagnóstico (ecografia, angiografia fluoresceínica). Na ausência de visualização conveniente do fundo ocular, uma ecografia é
mandatória para excluir um possível descolamento da retina.
Tratamento
Dirigido à causa subjacente; o doente deve ser observado e seguido por um Oftalmologista.
Pode optar-se por um tratamento conservador: repouso com elevação da cabeceira da cama elevada (30-45º), com ou sem oclusão bilateral, até visualização da retina; controlo ecográfico periódico.
Pode ser necessária uma intervenção cirúrgica a curto prazo ou diferida. Indicações para vitrectomia: hemovítreo associado a descolamento da retina;
hemorragia com mais de 2 a 3 meses de duração; hemovítreo associado a glaucoma.
3. DESCOLAMENTO DA RETINA
O descolamento da retina ocorre quando se acumula líquido subretiniano entre o espaço
potencial existente entre a retina neuso-sensorial e o epitélio pigmentado da retina.
Dependente do mecanismo de acumulação do líquido subretiniano, os descolamentos da
retina podem ser classificados em regmatogéneos, exsudativos ou traccionais.
O termo regmatogéneo deriva do grego “rhegma”, que significa solução de continuidade ou
rasgadura. O descolamento regmatogéneo da retina ocorre quando uma rasgadura da retina
permite uma passagem de líquido para o espaço subretiniano, separando a retina neuro-
sensorial do epitélio pigmentado. Este é o tipo mais frequente de descolamento da retina.
A tracção vítreo-retiniana é responsável pela ocorrência dos descolamentos regmatogéneos
da retina. Com a idade, ocorre uma liquefacção do vítreo (sinérese vítrea) que origina um
descolamento posterior do vítreo. Na maioria dos casos, o vítreo separa-se da retina sem
qualquer sequela, originando por vezes sintomas – fotópsias. No entanto, nalguns casos,
existem fortes aderências vítreo-retinianas que podem originar uma rasgadura da retina. O
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vítreo liquefeito pode então passar através da rasgadura dando origem ao descolamento da
retina.
Existem uma série de situações que predispõem ao descolamento posterior do vítreo ao
acelerarem a sua liquefacção: miopia, afaquia ou pseudofaquia, história familiar e
inflamação.
História
Inquirir sobre factores de risco que predispõem a um descolamento posterior do vítreo:
miopia, cirurgias oculares prévias, história familiar; descolamento regmatogéneo no outro
olho.
Sintomas
Fotópsias (percepção de luzes ou flashes no campo visual); causada por estimulação mecânica da tracção vítreo-retiniana; podem ser induzidas por movimentos oculares e são mais visíveis com pouca iluminação.
Corpos flutuantes do vítreo; Sombra ou cortina movendo-se sobre o campo visual; Defeito no campo visual. Perda de visão central ou periférica; quando a mácula é descolada (extensão do
líquido subretinianao até à mácula), o doente tem uma baixa grande da visão central.
Sinais
A retina descolada presenta-se elevada, com uma coloração discretamente opaca, convexa, com superfície enrugada e ondula livremente com os movimentos oculares (excepto se existe uma grave vitreorretinopatia proliferativa).
Podem ser observadas soluções de continuidade na retina: rasgaduras em forma de ferradura, com um “flap”; 60% das rasgaduras ocorrem no quadrante temporal superior, 15% no nasal superior, 15% no temporal inferior e 10% no nasal inferior.
Podem existir uma hemorragia do vítreo, um defeito pupilar aferente e pressão intraocular baixa.
Etiologia
Descolamento regmatogéneo: rasgaduras da retina, traumatismos; Descolamento exsudativo: neoplasias, uveítes, anomalias congénitas; Descolamento traccional: por tracção da retina provocada por membranas vítreas
(retinopatia diabética proliferativa, traumatismos, descolamentos regmatogéneos de longa evolução, inflamações intraoculares).
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Conduta
Enviar a um serviço de urgência de Oftalmologia
Tratamento
Os descolamentos regmatogéneos exigem uma cirurgia urgente. Os doentes com descolamentos regmatogéneos que envolvem ou ameaçam a mácula
devem ser colocados em repouso no leito, com penso oclusivo bilateral, até serem submetidos a intervenção; os descolamentos que não ameaçam a área macular devem ser operados, de preferência dentro de 1 a 2 dias.
Os descolamentos exsudativos têm tratamento médico. Os descolamentos traccionais podem exigir uma cirurgia urgente ou programada.
Cirurgia
Os objectivos da cirurgia são identificar e selar todas as rasgaduras da retina, isto é,
promover o contacto entre a retina e o epitélio pigmentado subjacente. Isto pode ser
conseguido aproximando a parede do globo ocular da retina descolada (indentação escleral)
ou empurrando a retina descolada para a parede ocular (tamponamento interno). O fecho das
rasgaduras é conseguido criando adesões ou cicatrizes coriorretinianas ao redor das
rasgaduras através de diatermia, crioterapia ou fotocoagulação laser.
Retinopexia pneumática
Procedimento cirúrgico ambulatório em que é injectado no vítreo, por via
transconjuntival, uma bolha de gás expansível. O doente é posicionado de modo à tensão
superficial da bolha encostar a retina ao epitélio pigmentado; esta manobra fecha a rasgadura
e permite a reabsorção do líquido subretiniano. As adesões coriorretinianas ao redor da
rasgadura são depois produzidas por fotocoagulação laser.
Doentes com rasgaduras pequenas, localizadas superiormente, são bons candidatos a
esta técnica, podendo ser uma alternativa à técnica clássica.
Indentações esclerais (técnica clássica)
As indentações esclerais são feitas com explantes de silicone sólido ou em esponjas. É
realizada uma peritomia conjuntival e isolados os músculos rectos. Em seguida são
identificadas as rasgaduras com o oftalmoscópio indirecto e tratadas com crioterapia.
Seguidamente é suturada o explante à esclera, de modo a fechar as rasgaduras. Pode ser
necessário drenar o líquido subretinianao, através de uma esclerotomia, para aproximar a
parede do globo ocular da retina descolada.
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Vitrectomia e tamponamento interno
Inicialmente, a vitrectomia posterior via pars plana era utilizada para tratar hemovítreos,
descolamentos traccionais diabéticos e vitreorretinopatias proliferativas. Hoje muitos
cirurgiões usam esta técnica como tratamento primário de descolamentos regmatogéneos da
retina não complicados.
A vitrectomia é realizada habitualmente com três porteas de entrada (esclerotomias).
Após remoção do vítreo e das tracções vítreo-retinianas, é drenado o líquido subretiniano
através da rasgadura ou de uma retinotomia, durante a troca líquido de perfusão-ar. O
tratamento das rasgaduras retinianas é geralmente feito por endofotocoagulação laser. O
tamponamento interno pode ser feito com ar, gás expansível ou óleo de silicone.
Complicações
As complicações deste tipo de cirurgia podem ser numerosas. A vitreorretinopatia
proliferativa é, no entanto, a causa mais frequente de falência da cirurgia. Nesta situação
formam-se membranas na superfície da retina e na cavidade vítrea, causando tracções e
redescolamento da retina. Estas membranas são compostas por proliferações de células
derivadas do epitélio pigmentado da retina, células gliais e fibrócitos. Os factores de risco
incluem o número e tamanho das rasgaduras, o número de cirurgias prévias e a inflamação
associada.
4- OCLUSÃO DA ARTÉRIA CENTRAL DA RETINA
A oclusão da artéria central da retina, provocada por um obstáculo mecânico, extrínseco ou
intrínseco, causa profundas alterações do débito sanguíneo retiniano e uma perda súbita da
visão, de prognóstico reservado. Quando a oclusão arteriolar está localizada num ramo de
artéria central da retina apenas uma parte da retina fica isquémica e há apenas perda parcial
da visão. A causa é frequentemente embólica pelo que é importante procurar a sua origem.
Algumas horas após o acidente vascular as camadas internas da retina tornam-se
opalescentes devido ao edema. A interrupção aguda do fluxo arterial retiniano origina um
edema das camadas internas da retina e picnose nuclear das células ganglionares. A
interrupção prolongada causa lesões irreversíveis, com necrose isquémica, e a retina torna-se
opalescente e esbranquiçada, mais no pólo posterior, como resultado de um aumento da
espessura da camada de fibras nervosas e das células ganglionares. A fovéola assume o
aspecto de uma mancha cor-de-cereja (“cherry-red spot”) pela combinação de dois factores:
(1) a coróideia e o epitélio pigmentado da retina, sob a fóvea, permanecem intactos e (2) a
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retina foveolar é irrigada pela coriocapilar. Como nesta localização as camadas mais internas
da retina estão ausentes, a retina mantém-se transparente e permite a visualização da
circulação coroideia, mantendo a coloração vermelha normal. A palidez da retina, em
contraste com a zona central vermelha cria o quadro oftalmoscópico característico da oclusão
da artéria central da retina, a mancha cor-de-cereja (“cherry-red spot”). Um quadro
oftalmoscópico semelhante pode ser observado na doença de Tay-Sachs e na doença de
Niemann-Pick, por alteração selectiva das células ganglionares da fóvea.
Após a oclusão da artéria central da retina há morte e atrofia das camadas internas da retina,
sendo estas substituídas por uma cicatriz fibroglial homogénea, com perda acentuada da
visão. A opacificação da retina, que geralmente ocorre entre 15 minutos a algumas horas,
resolve-se em 4 a 6 semanas com restabelecimento do fluxo sanguíneo arterial retiniano. No
entanto, é possível observar a persistência de um estreitamento arteriolar retiniano e palidez
do disco óptico.
Por vezes, é possível a visão ser pouco afectada na presença de uma oclusão da artéria
central da retina. Tal situação resulta da existência de uma arteríola cilio-retiniana, presente
em cerca de 10% da população, e que irriga a fóvea. Nestes casos, a acuidade visual
geralmente recupera em duas semanas, em cerca de 80% dos casos, para 4/10 ou mais.
História
A queixa mais frequente é a de uma baixa súbita da visão, indolor e persistente. Alguns doentes apresentam uma história prévia de amaurose fugax, isto é, episódios
transitórios de perda de visão e recuperação expontânea, em alguns segundos a minutos.
Inquirir sobre sintomas de arterite temporal em doentes mais idosos. História de cefaleias, claudicação ao mastigar, hiperestesia do couro cabeludo, dores musculares e articulares proximais, anorexia, perda de peso, febre.
Interrogar sobre problemas médicos que podem predispor à formação de êmbolos (fibrilhação auricular, endocardite, coagulopatias, doença aterosclerótica, estados de hipercoaguabilidade).
História de cirurgias prévias, história de abuso de drogas.
Sintomas
Perda súbita da visão, no espaço de segundos, unilateral e sem dor; Em 90% dos casos a visão fica reduzida a percepção luminosa; Pode haver uma história prévia de amaurose fugax.
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Sinais
Retina de cor esbranquiçada no pólo posterior, com uma mancha cor-de-rosa no centro da mácula (pode demorar algum tempo a surgir);
Estreitamento acentuado da rede vascular arterial e interrupção da corrente sanguínea venosa, com segmentação da coluna sanguínea;
Podem visualizar-se êmbolos em cerca de 20 % dos casos; Defeito pupilar aferente marcado; As alterações oftalmoscópicas resolvem dentro de dias ou semanas, deixando apenas
uma palidez do disco óptico como sinal visível.
Etiologia
Hipertensão arterial (2/3 dos doentes) Diabetes mellitus Doença valvular cardíaca (1/4 dos doentes) Anomalias cardíacas (persistência do foramen ovale) Embolismo (causa mais frequente de oclusão da artéria central da retina em doentes
idosos) - Mais frequentemente colesterol - Leuco-êmbolos - vasculite, retinopatia de Purtscher, endocardite séptica - Êmbolos de gordura após fracturas ósseas - Êmbolos de líquido amniótico - complicação da gravidez - Tumores – mixoma auricular - Êmbolos de talco – drogas intravenosas - Corticosteróides – injecções intralesional ou retrobulbares - Êmbolos de ar após traumatismos ou cirurgia - Materiais sintéticos usados na cirurgia cardíaca e vascular
Coagulopatias (anemia de células falciformes, ac. anti-fosfolipídeos) Doença aterosclerótica (aterosclerose da carótida em 45% dos casos) Arterite de células gigantes (pode causar OACR ou neuropatia óptica isquémica) Estados de hipercoaguabilidade Doenças vasculares do colagéneo Policitémia Outras causas raras
Tratamento
Quando o exame oftalmoscópico revela um quadro de oclusão da artéria central da retina
recente, estamos perante uma situação de verdadeira urgência oftalmológica. O
restabelecimento do fluxo sanguíneo retiniano deve ser tentado e o doente deve ser tratado
por Médico Oftalmologista urgentemente.
Como medida de emergência, um Clínico Geral pode tentar comprimir o globo ocular com a
palma da mão, de modo firme, por períodos de dez segundos, aliviando outros dez segundos,
repetidamente e durante cerca de cinco minutos. Por vezes a alteração súbita da pressão
V – PERDA SÚBITA DE VISÃO Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
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intraocular induzida pela pressão manual pode ajudar a mobilizar um êmbolo e contribuir
para o restabelecimento da circulação.
Instituir imediatamente após o diagnóstico, se a baixa de visão ocorreu há menos de 24
horas:
Massagem ocular imediata (digital) Acetazolamida 500 mg IV ou 2 comprimidos de 250 mg oral e um betabloqueador
tópico (ex.: timolol a 0.5%) para baixar a pressão intraocular Administrar CO2 a 5% com 95% de oxigénio (em meio hospitalar), com
monitorização da pressão sanguínea, pulso e estado mental. Paracentese da câmara anterior V.S. se o doente tem mais de 55 anos, para excluir uma arterite de células gigantes;
se a V.S. está elevada, administrar corticosteróide i.v. em altas doses Enviar a Oftalmologista para tratamento e estudo.
5- OCLUSÃO DA VEIA CENTRAL DA RETINA
A oclusão ou trombose da veia central da retina é uma das doenças vasculares da retina mais
frequentes. Clinicamente a perda da acuidade visual pode ser grave, mas o modo de
aparecimento é caracteristicamente menos brusco do que na oclusão da artéria central da
retina. O quadro oftalmoscópico caracteriza-se pela presença de hemorragias retinianas,
dilatação venosa acentuada, manchas algodonosas, edema macular e edema do disco óptico.
Apesar do aspecto dramático do fundo do olho, em que as hemorragias predominam, a
oclusão da veia central da retina não é uma verdadeira urgência oftalmológica, uma vez que
não há um tratamento imediato eficaz.
As oclusões da veia central da retina podem ser genericamente divididas em dois tipos:
isquémica e não-isquémica. A forma não-isquémica é uma forma moderada da doença,
podendo apresentar-se com uma relativa boa visão, apenas com algumas hemorragias
retinianas e raras manchas algodonosas, sem defeito pupilar aferente e com boa perfusão da
retina. Esta forma pode resolver-se com recuperação da acuidade visual ou evoluir para a
forma isquémica.
A forma isquémica é grave, podendo surgir de início ou progredir a partir de uma forma não-
isquémica. Geralmente causa grande baixa de visão, hemorragias retinianas extensas e
manchas algodonosas, com defeito pupilar aferente relativo e zonas de fraca perfusão da
retina. Esta forma pode evoluir para um glaucoma neovascular e perda total da visão.
A artéria e veia central da retina têm uma membrana adventícia comum quando saiem da
cabeça do nervo óptico e passam através da lâmina cribosa. Esta posição anatómica
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predispõe à formação de trombos na veia central por vários factores que incluem diminuição
do fluxo sanguíneo (compressão), alterações da parede vascular (vasculites) e alterações
sanguíneas (deficiência de factores trombolíticos, aumento de factores de coagulação). As
alterações arterioscleróticas da artéria central da retina originam compressão da veia,
causando alterações hemodinâmicas, alterações endoteliais e formação de trombos. Este
mecanismo pode explicar a associação entre a doença arterial (hipertensão arterial) e a
oclusão da veia central da retina.
A oclusão da veia central da retina causa um aumento da resistência à drenagem venosa, com
estase sanguínea e lesões isquémicas da retina. A isquémia retiniana estimula a produção de
factores angiogénicos (“Vascular Endothelial Growth Factor”, VEGF) na cavidade vítrea, o
qual estimula a neovascularização no segmento posterior e anterior do globo ocular,
complicações que podem ocorrer nesta patologia.
O prognóstico da oclusão da veia central da retina depende do restabelecimento do sistema
venoso por recanalização, dissolução do coágulo ou formação de shunts.
A oclusão da veia central da retina ou de um ramo venoso constituem a segunda causa mais
frequente de retinopatias vasculares. Embora possa ocorrer em todos os grupos etários, 90%
dos casos surgem em doentes com mais de 50 anos. A forma não isquémica é mais frequente
do que a isquémica.
História
História: problemas médicos, medicações, doenças oculares? (Hipertensão arterial, diabetes mellitus, doenças cardiovasculares, hemorragias ou alterações da coagulação, vasculite, doenças autoimunes, uso de contraceptivos orais, história de glaucoma).
Verificar pressão arterial Avaliação médica completa, em especial para excluir uma causa cardiovascular Exame oftamológico completo
Sintomas
Perda súbita da visão, usualmente unilateral e sem dor. Pode ser assintomática A perda de visão pode ser súbita ou mais gradual, em dias ou semanas; pode ser
ligeira ou grave
Sinais
Hemorragias retinianas em todos os quadrantes do fundo ocular (ou localizadas, no caso de oclusão de um ramo venoso); podem ser superficiais, em mancha (“dot and blot”), e/ou profundas
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Veias retinianas dilatadas e tortuosas Edema e hemorragias do disco óptico (especialmente nas fases iniciais) Edema macular Podem coexistir manchas algodonosas ou neovascularização da retina e disco óptico
(complicação das formas isquémicas). Formas isquémicas:
- manchas algodonosas (>10), hemorragias retinianas extensas, frequentemente com defeito pupilar aferente e acuidade visual < 1/10.
Formas não-isquémicas: - alterações moderadas do fundo ocular, frequentemente sem defeito pupilar aferente e
com acuidade visual >1/10.
Conduta
História: problemas médicos, medicações, doenças oculares? Verificar pressão arterial Avaliação médica completa, em especial para excluir uma causa cardiovascular Exame oftamológico completo
A angiografia fluoresceínica é um exame muito útil na avaliação da isquémia retiniana (áreas
de não-perfusão capilar), do edema macular e da existência de neovascularização. No
entanto, apenas se revela útil após a reabsorção das hemorragias retinianas (cerca de 4
semanas), que impedem a visualização conveniente da vascularização retiniana
Etiologia
As oclusões venosas retinianas podem estar associadas a:
Doenças vasculares sistémicas
Hipertensão Diabetes mellitus Doença cardiovascular
Discrasias sanguíneas
Policitémia vera Linfomas Leucemias
Alterações da coagulação
Resistência proteína C activada Anticoagulante lúpico Anticorpos anticardiolipina Proteína C Proteína S Antitrombina III
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Paraproteinemia and disproteinemias
Mieloma múltiplo Crioglobulinémia
Vasculite
Sífilis Sarcoidose
D. Autoimunes - LES
Contraceptivos orais em mulheres
Outras causas raras (trauma, drusens do disco óptico, etc.)
Evolução
O doente deve ser observado por um Oftalmologista, sobretudo porque tem de ser
vigiada a sua evolução.
Formas não-isquémicas: observação cada 4 semanas, durante pelo menos 6 meses Formas isquémicas: observação cada 2-3 semanas, durante pelo menos 6 meses Os casos que desenvolvem isquémica e neovascularização necessitam tratamento OVCR não-isquémica:
- Recuperação completa, com boa recuperação da visão, em apenas 10% dos casos - 50% dos casos têm uma acuidade visual final de 1/10 ou menos - 1/3 dos casos evoluem para uma forma isquémica, geralmente no primeiro ano
de evolução • OVCR não-isquémica:
- Mais de 90% dos doentes apresentam uma acuidade visual final de 1/10 ou menos - Cerca de 60% dos doentes desenvolvem neovascularização e complicações
associadas - Cerca de 10% dos casos podem desenvolver OVCR ou outra oclusão venosa no
mesmo olho ou no olho adelfo dentro de 2 anos
Tratamento
Não existe tratamento médico eficaz para a prevenção ou tratamento da oclusão da veia
central da retina. É importante identificar e tratar qualquer problema médico associado, para
reduzir complicações futuras.
Suspensão de anticonceptivos orais; mudança para outra medicação anti-hipertensora; tratar as causas médicas subjacentes
Controlar a pressão intraocular, se esta está elevada Vários tratamentos medicos têm sido preconizados, mas sem consenso científico:
Ácido acetilsalicílico; anti-inflamatórios não-esteróides; anticoagulantes.
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As complicações da OVCR podem e devem ser tratadas. A fotocoagulação laser é o
tratamento de escolha conhecido das complicações associadas a retinopatias vasculares
(retinopatia diabética, oclusões venosas,...). A fotocoagulação laser panretiniana tem sido
usada no tratamento das complicações neovasculares da OVCR mas, no entanto, não existem
protocolos definitivos para indicações e para o momento exacto da sua utilização.
Isquémia e neovascularização:
Fotocoagulação laser panretiniana Crioterapia da retina Injecções intra-vítreas de anti-VEGFs Edema macular:
Fotocoagulação laser focal Injecções intra-vítreas de corticosteróides Injecções intra-vítreas de anti-VEGFs
Complicações
Neovascularização - do segmento anterior, podendo causar glaucoma neovascular - do segmento posterior, podendo causar hemovítreo
Edema macular (causa mais frequente de baixa de visão, mais na não-isquémica) - pode resolver com recuperação de visão - pode desenvolver alterações degenerativas com prognóstico visual pobre - pode desenvolver edema macular cistóide dando origem a um buraco macular
Fibrogliose peri-macular Atrofia óptica
6- NEVRITE ÓPTICA AGUDA
Inflamação aguda do nervo óptico na sua porção intraocular (papilite) ou extraocular (nevrite
óptica retrobulbar). Em crianças, a maioria dos casos de nevrite óptica são processos
imunologicamente mediados relacionados com infecções virusais ou outras, ou com
imunizações. No adulto, frequentemente está associada à esclerose múltipla, sendo muitas
vezes a primeira manifestação, embora possa ocorrer isoladamente. Estudos a longo prazo
demonstraram que até 75% das mulheres que se apresentam com nevrite óptica vêm a
desenvolver esclerose múltipla. Ocasionalmente pode ser devida a processos infecciosos
envolvendo a órbita e os seios peri-nasais ou ocorrer no contexto de uma infecção virusal
sistémica.
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Nevrite óptica
Adulto Criança Unilateral Bilateral
Nevrite óptica retrobulbar Papilite
Frequentemente associada com dor nos movimentos oculares Frequentemente associada a cefaleias
Mais frequentemente idiopática Mais frequente após infecções ou imunizações Grande probabilidade de episódios recorrentes de desmielinização do SNC e do diagnóstico de esclerose múltipla
Baixa probabilidade de episódios recorrentes de desmielinização do SNC e do diagnóstico de esclerose múltipla
Sintomas
Perda de visão no espaço de horas (raro) ou dias (mais comum) podendo ser mínima ou profunda
Usualmente unilateral (mas pode ser bilateral, e em tempos diferentes) Idade típica: 18-45 anos (mas pode surgir em crianças) Dor orbitária, especialmente com o movimento ocular Alteração adquirida da visão cromática Percepção reduzida da intensidade da luz Pode haver sintomas neurológicos acompanhantes ou história de uma síndroma
virusal prévia (vias respiratórias superiores, gastrointestinal)
Sinais
Baixa da acuidade visual (ligeira, moderada ou grave) Deficiente visão cromática Defeito pupilar aferente relativo ou pupila de Marcus-Gunn Defeitos no campo visual (escotomas: central, cecocentral, arqueado, altitudinal)
Outros sinais:
Edema do disco óptico com ou sem hemorragias peripapilares (papilite - mais frequente em crianças e adultos jovens)
Disco óptico de aspecto normal (nevrite óptica retrobulbar - mais comum em adultos).
Etiologia
Idiopática; esclerose múltipla; infecções virusais (sarampo, parotidite, varicela,
mononucleose infecciosa, herpes zooster); inflamações contíguas das meninges, órbita ou
seios perinasais; inflamações granulomatosas (tuberculose, sífilis, sarcoidose); uveítes.
Diagnóstico diferencial
Neuropatia óptica isquémica
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Edema agudo da papila (sem baixa da visão, sem alterações da visão cromática, sem dor)
Hipertensão arterial grave Tumores intraorbitários ou intracraneanos Neuropatias ópticas tóxicas ou nutricionais
Conduta
Exame oftalmológico e neurológico completo Envio do doente a um serviço de Oftalmologia e/ou Neurologia Estudo laboratorial (sangue, LCR, auto-anticorpos), imagiológico (RMN do SNC e
órbitas), outros (campos visuais, potenciais occipitais evocados)
Tratamento
Corticoterapia sistémica endovenosa (altas doses, i.e. Metilprednisolona 1 gr por dia, 3 a 5 dias; seguida de corticoterapia oral curta).
Prognóstico
Em crianças o prognóstico para uma recuperação visual é geralmente bom Em adultos, é comum uma recuperação gradual e lenta da visão; em geral a visão
começa a melhor semanas após o início É comum persistirem déficites da visão cromática e da sensibilidade ao contraste O prognóstico visual final é variável, sendo geralmente pior em doentes que vêm a
desenvolver esclerose múltipla Até 75% dos doentes adultos do sexo feminino e 35% do masculino que inicialmente
apresentam nevrite óptica vêm a desenvolver esclerose múltipla.
Diagnóstico diferencial
Papiledema (sem baixa da visão, sem alterações da visão cromática, sem dor) Neuropatia óptica isquémica Hipertensão arterial grave Tumores intraorbitários ou intracraneanos Neuropatias ópticas tóxicas ou nutricionais
a. Nevrite óptica (Papilite)
A nevrite óptica é uma inflamação do nervo óptico, frequentemente sem causa conhecida,
mas que pode surgir como primeira manifestação de esclerose múltipla. Uma perda súbita de
visão e um defeito pupilar aferente relativo são os componentes habituais do quadro da
nevrite óptica. O disco óptico apresenta-se edemaciado e hiperémico. A observação
oftalmológica e neurológica é fundamental e o início do tratamento urgente.
V – PERDA SÚBITA DE VISÃO Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
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b. Nevrite óptica retrobulbar
Um doente que apresenta uma perda monocular da visão, a qual progride num período de
horas ou dias, e que se acompanha de dor nos movimentos oculares e com um quadro
oftalmológico normal deve fazer pensar numa nevrite óptica retrobulbar. A visão está
diminuída e pode haver defeito pupilar aferente. A observação oftalmológica e neurológica é
fundamental e o início do tratamento urgente.
c. Papiledema
O papiledema é um edema do disco óptico causado por um aumento da pressão
intracraniana. Em contraste com as outras causas de edema do disco óptico, a visão está
geralmente preservada e é um fenómeno bilateral, que se desenvolve em horas a semanas.
Como o espaço subaracnoideu do cérebro é contínuo com as baínhas do nervo óptico, o
aumento da pressão do LCR é transmitido à cabeça do nervo óptico resultando em edema
visível no exame do fundo ocular. Enquanto na nevrite óptica a visão está diminuída e há
alteração dos reflexos pupilares, no papiledema a acuidade visual e os reflexos pupilares
estão geralmente normais. As causas de papiledema são potencialmente ameaçadoras da
vida, exigindo um diagnóstico e tratamento precoces:
Lesões do CNS ocupando espaço (tumores) Hipertensão intracraniana idiopática (pseudotumor cerebri)
d. Neuropatia óptica isquémica (não arterítica)
O edema do disco óptico com perda da visão num indivíduo idoso deve fazer pensar num
problema vascular degenerativo (arteriosclerose), mais do que numa causa inflamatória. A
neuropatia óptica isquémica é uma situação de origem vascular que se caracteriza por um
edema pálido do disco óptico, muitas vezes com hemorragias lineares, em chama de vela,
baixa da acuidade visual e alterações do campo visual. A alteração do campo visual atinge de
preferência os campos superior ou inferior e é designada de altitudinal.
e. Neuropatia óptica isquémica arterítica (arterite de células gigantes)
O aparecimento de uma neuropatia óptica isquémica num doente com mais de sessenta anos
deve fazer pensar numa arterite de células gigantes (ou arterite temporal). Outros sintomas
desta forma de arterite sistémica incluem cefaleias, febre, perda de peso, dor e
hipersensibilidade muscular e das articulações, desconforto no acto de pentear o cabelo e a
característica dor ao mastigar. As alterações oftalmológicas podem incluir também diplopia e
V – PERDA SÚBITA DE VISÃO Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
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perda brusca da visão (isquémia em múltiplos territórios vasculares – oclusão da artéria
central da retina, enfartes coroideus, isquémia muscular, etc). A presença de uma neuropatia
óptica isquémica num indivíduo idoso implica um pedido laboratorial da velocidade de
sedimentação (VS). Característicamente encontra-se muito elevada e permite suspeitar do
diagnóstico e iniciar um tratamento precoce (corticoterapia sistémica). Um tratamento
precoce pode evitar uma perda irreversível da visão e o envolvimento do olho adelfo, pelo
que estes doentes devem ser encaminhados, com urgência, para um Oftalmologista.
f. Hipertensão arterial grave
A hipertensão arterial maligna ou acelerada causa geralmente um edema bilateral do disco
óptico mas com alterações retinianas características
g. Tumores intraorbitários
Embora geralmente causem uma perda mais lenta da visão, no diagnóstico diferencial deve
considerar-se, nalguns casos, a hipótese de uma compressão tumoral do nervo óptico no seu
trajecto orbitário. A realização de uma tomografia axial computorizada da região orbitária
está indicada.
h. Neuropatias ópticas tóxicas ou nutricionais
Geralmente causam uma perda progressiva de visão mas originam escotomas centrais ou
centocecais e uma redução da visão cromática, podendo causar atrofia do disco óptico.
Causas de neuropatia óptica nutricionais incluem o tabaco, o etanol, a tiamina e a vitamina B12.
Causas de neuropatia óptica incluem fármacos e químicos como o metanol, o etilenoglicol, o tolueno, o etambutol, isoniazida, digitálicos, vincristina e amiodarona.
i. Traumatismo do nervo óptico (compressão, secção)
Um traumatismo craneano violento, atingindo a região orbitária, pode originar fracturas das
paredes orbitárias e lesão do nervo óptico por compressão ou mesmo secção, com perda
brusca da visão. A secção do nervo óptico causa uma perda irreversível e completa da visão
com abolição reflexos pupilares, muitas vezes com um quadro oftalmoscópico normal.
VI – NEUROFTALMOLOGIA Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
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VI - NEUROFTALMOLOGIA
A Neuroftalmologia é a área da Oftalmologia respeitante às afecções do Sistema Nervoso
relacionadas com a Oftalmologia: a via óptica aferente (as fibras relacionadas com a
transmissão e processamento da informação visual) e as vias eferentes (as vias relacionadas
com o controlo oculomotor e função pupilar), o nervo facial (oclusão palpebral e lacrimação)
e o nervo trigémio (sensibilidade ocular e dos anexos e lacrimação).
Estima-se que praticamente metade de todos os neurónios do córtex cerebral sejam dedicados
ao processamento da informação visual.
A via aferente da retina ao córtex visual primário é constituída pelos fotorreceptores e por 3
neurónios:
1. fotorreceptores 2. células bipolares 3. células ganglionares da retina (e os seus axónios, incluindo quiasma óptico e vias
ópticas) 4. neurónios geniculocalcarinos
O grau de detalhe do exame neuroftalmológico varia consoante as queixas do doente. Por
exemplo num doente com um enfarte occipital é indispensável a avaliação da acuidade visual,
visão cromática e campos visuais. Nas diplopias e anisocórias, a realização de campimetria é
geralmente dispensável, ao contrário de doentes com hipertensão intracraniana ou neoplasias
paraquiasmáticas. A maioria das técnicas de exame neuroftalmológico envolvem material
especializado e que geralmente não está disponível mas existem vários exames simples que
são muitas vezes suficientes para uma avaliação sumária neuroftalmológica.
TESTES DO NERVO ÓPTICO E VIAS ÓPTICAS
1 - Acuidade visual
O exame da Acuidade Visual (AV) é feito em cada olho separadamente. A AV do doente
pode ser testada por qualquer não Oftalmologista com os óculos do doente ou através de um
buraco estenopeico (orifício feito com um alfinete num papel, por exemplo). Podem ser
testadas a AV com uma escala de perto (e com óculos de perto em doentes presbíopes) e para
longe (geralmente a 6 metros e com uma escala de Snellen).
VI – NEUROFTALMOLOGIA Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
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(Exemplo de Escala de Snellen para avaliação da AV a 6m)
2 - Visão cromática
Geralmente é testada com tabelas especiais mas podemos ficar com uma ideia pedido para
comparar em cada olho a saturação de cor de um objecto vermelho (a tampa de uma caneta,
por exemplo). Doentes com patologias do nervo óptico vêem o vermelho menos brilhante no
olho envolvido por comparação com o olho saudável.
3 - Sensibilidade ao contraste
A sensibilidade ao contraste é outra medida da função visual e está geralmente afectada em
patologias do nervo óptico (mas também em maculopatias e cataratas, por exemplo). É
pesquisada com o auxílio de um quadro com letras ou barras em diferentes tonalidades de
cinzento.
VI – NEUROFTALMOLOGIA Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
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(Escala de Pelli-Robson para avaliação da visão de contraste)
4 - Campos visuais
O exame dos campos visuais ajuda a localizar e identificar patologias a vários níveis da via
óptica. É especialmente útil na avaliação de doentes com queixas de diminuição da AV mas
que apresentam uma AV central preservada, para localização das lesões ou após tratamento.
De notar que a imagem é invertida a nível da retina, ou seja, em relação à fixação, o campo
visual nasal é captado pela retina temporal, o campo superior pela retina inferior, etc. A
VI – NEUROFTALMOLOGIA Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
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região localizada 15 graus temporais à fixação e que corresponde à papila ou disco óptico
equivale à mancha cega na campimetria, uma vez que não existem aí fotorreceptores.
Os campos visuais são testados monocularmente podendo ser utilizados vários métodos.
Uma forma simples consiste em pedir ao doente para, tapando um olho de cada vez, olhar
para um ponto da face do examinador e pedir para referir que partes da face estão ausentes.
O método de confrontação consiste em pedir para, fixando um dos olhos do examinador,
contar quantos dedos são mostrados em cada quadrante. As alterações encontradas podem
depois ser confirmadas por exames mais rigorosos e especializados, nomeadamente por
perimetria computorizada.
A disposição das fibras com origem nas metades nasal e temporal de cada olho ao longo da
via óptica leva a que seja possível localizar aproximadamente as alterações a partir do padrão
de defeito campimétrico encontrado. Deste modo, lesões de um dos nervos ópticos (por
exemplo devidas a isquémia, compressão ou desmielinização) provocam defeitos unilaterais
ipsilaterais no campo visual. Existem vários padrões não específicos mas característicos de
diferentes patologias do nervo óptico (altitudinais superiores ou inferiores na isquémia,
centrais ou centrocecais nas nevrites e em algumas neuropatias hereditárias).
Lesões do quiasma óptico e posteriores ao quiasma afectam fibras nervosas com origem em
ambos os olhos e induzem portanto defeitos campimétricos binoculares que têm a
característica de respeitarem geralmente o meridiano vertical que divide os hemicampos
visuais de cada lado. Assim, lesões na vizinhança do quiasma óptico (por exemplo tumores
da hipófise), ao afectarem os axónios das células ganglionares com origem na metade nasal
de cada retina (que decussam a nível do quiasma), induzem geralmente um padrão de defeito
binocular dos hemicampos temporais (hemianópsia bitemporal).
Lesões localizadas posteriormente ao quiasma óptico (por exemplo AVC, tumor ou doença
desmielinizante), ao afectarem as fibras com origem na metade temporal da retina ipsilateral
e da retina nasal contralateral, induzem hemianópsias do hemicampo contralateral à lesão -
hemianópsia homónima lateral direita ou esquerda. De notar que a divisão das fibras
genicocalcarinas num feixe inferior que forma um cotovelo a nível do lobo temporal – ansa
de Meyer - e num feixe que segue directamente para a cisura calcarina, pode originar
defeitos campimétricos homónimos restritos a um quadrante - quadrantópsias homónimas
superiores ou inferiores, respectivamente. De realçar ainda que as hemianópsias podem ser
completas e incompletas (consoante afectem parcial ou totalmente os respectivos
hemicampos) e dentro das incompletas o grau de congruência (isto é, a semelhança do
VI – NEUROFTALMOLOGIA Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
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defeito nos 2 hemicampos) pode ajudar a localizar a lesão. De um modo geral quanto mais
congruente for a hemianópsia incompleta, mais posterior é a lesão na via óptica.
Existe uma excepção à bilateralidade dos defeitos campimétricos em lesões
retroquiasmáticas. Quando olhamos em condições de binocularidade, existe sobreposição
dos 60 graus centrais de ambos os campos visuais. A porção mais periférica dos hemicampos
temporais de cada olho não tem correspondência na via óptica respectiva com fibras do olho
contralateral e existem lesões que podem afectar ou poupar selectivamente esta região com
forma de crescente da periferia temporal do campo visual - crescente temporal.
VI – NEUROFTALMOLOGIA Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
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5 – Fundoscopia
O fundo ocular (a retina e a porção mais anterior do nervo óptico – a papila ou disco óptico)
pode ser observado directamente através da pupila com um oftalmoscópio. A papila normal
tem uma forma ovalada vertical, com bordos bem definidos e de cor rosada, sendo ainda
visualizáveis os vasos da retina no mesmo plano de focagem dos vasos da papila. Em
determinadas afecções da papila ou mesmo intracranianas existe edema da papila e a papila
aparece elevada e com os bordos indefinidos. Pode existir atrofia da papila em situações em
que existe patologia crónica do nervo óptico (por exemplo em tumores, inflamação ou
isquémia crónica) e nestes casos a papila aparece pálida e esbranquiçada. Por outro lado é
possível observar a retina e respectivos vasos de forma a excluir causas retinianas de baixa
de visão. Idealmente a fundoscopia deve ser realizada após dilatação pupilar com colírios
midriáticos e observação do fundo ocular na lâmpada de fenda.
Testes da função pupilar
O exame das pupilas engloba os seguintes parâmetros:
diâmetro e presença de anisocória (diferença de diâmetro de ambas as pupilas) reflexo à luz (directo e consensual) pesquisa de defeito pupilar aferente relativo (teste de Marcus Gunn) dilatação no escuro constrição para perto
As pupilas devem ser testadas no escuro e com o doente a focar um objecto à distância (para
evitar o reflexo para perto). Devem ter o mesmo diâmetro e forma circular, embora
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assimetrias de até 1 mm possam ser normais, especialmente se ambas dilatarem bem e com
velocidade semelhante. As pupilas contraem à luz e para perto por acção do sistema nervoso
parassimpático e dilatam no escuro por acção do simpático. Em regra, numa anisocória, uma
pupila que não dilate é mais evidente no escuro e uma pupila que não contraia é mais visível
à luz.
Existem vários reflexos pupilares que podem ser pesquisados de uma forma simples com um
foco de luz:
Reflexo Directo: ao fazer incidir um foco de luz num dos olhos, a pupila desse olho contrai.
Reflexo Consensual: ao fazer incidir um foco de luz num dos olhos também contrai a pupila contralateral (as fibras nervosas da retina nasal decussam no quiasma, além de que há sinapse de fibras nervosas entre cada núcleo pré-tectal e ambos os núcleos de Edinger-Westphal.
Defeito Pupilar Aferente Relativo (teste de Marcus Gunn): deve ser pesquisado no escuro e consiste em após alguns segundos a incidir um foco luminoso numa pupila, ao passarmos o foco luminoso para a pupila contralateral rapidamente, esta, em vez de contrair pelo reflexo directo, dilata. Este sinal, tão fácil de pesquisar, é um dos sinais mais importantes e sensíveis de patologia assimétrica do nervo óptico (podendo contudo estar presente também em algumas patologias retinianas graves ou em patologias bilaterais simétricas do nervo óptico).
Em algumas patologias com repercussões na pupila existe uma assimetria dos reflexos
pupilares à luz e para perto sendo importante a pesquisa do reflexo para perto (acomodação).
Pede-se ao doente que foque um objecto pequeno à medida que se vai aproximando este do
doente.
Reflexos pupilares normais - reflexo directo à direita e consensual à esquerda e ausência de défice pupilar aferente relativo quando feixe de luz passa para o olho esquerdo
Défice pupilar aferente relativo à esquerda: a pupila esquerda dilata – em vez de se manter contraída - quando o feixe de luz passa do olho direito para o olho esquerdo
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EXAME DAS PÁLPEBRAS O exame das pálpebras inclui:
posição das pálpebras (ptose e retracção) função do elevador das pálpebras avaliação dos movimentos palpebrais relativamente com os movimentos oculares avaliação de massas ou edema palpebral
Imagem da AAO (American Academy of Ophthalmology)
Normalmente a margem palpebral superior localiza-se 1-1,5 mm abaixo do limbo superior
(pesquisa-se sempre a posição palpebral na posição primária do olhar e com o doente sentado
confortavelmente). Se a margem palpebral se encontrar muito elevada o doente apresenta
retracção palpebral; pelo contrário, se estiver muito abaixo do limbo existe ptose ou
blefaroptose.
(Olho direito – retracção pálpebras superior e inferior: Olho esquerdo – Ptose)
Uma afecção relativamente frequente e que induz alteração nas pálpebras é a paralisia facial:
o nervo facial inerva o músculo orbicular das pálpebras e os músculos da mímica facial. A
função deste músculo pode ser avaliada pedindo ao doente que feche os olhos com força
enquanto o examinador contraria este movimento com os polegares. A mímica facial é
testada pedindo ao doente para enrugar a testa, sorrir, soprar, enquanto se tenta observar a
existência de eventuais assimetrias faciais.
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EXAME DOS MOVIMENTOS OCULARES E DA POSIÇÃO DA CABEÇA
Movimentos oculares
Em Neuroftalmologia são muito importantes as alterações agudas dos movimentos oculares.
Devem ser testadas as versões e ducções em todas as posições cardinais do olhar (ver
capítulo Estrabismo).
Pesquisa-se o alinhamento ocular tal como descrito no capítulo de Estrabismo: observa-se o
centramento do reflexo da luz nas pupilas (Hirschberg) e efectua-se o teste de cover para
longe e para perto usando sempre a melhor correcção óptica do doente.
Nos casos que apresentem diplopia deve-se averiguar se a diplopia é mono ou binocular
efectuando a oclusão monocular: a diplopia binocular desaparece com a oclusão de um olho.
O estudo/exame dos movimentos oculares engloba a pesquisa de nistagmus – trata-se de um
tipo de movimento repetitivo e involuntário de vaivém dos globos oculares.
As alterações da direcção do olhar são uma manifestação comum de lesão supra-nuclear. O
movimento do olhar de perseguição é testado pedindo ao doente para seguir um objecto em
movimento lento (ex: caneta); as sacadas são testadas solicitando ao doente que fixe
rapidamente um alvo numa determinada localização.
Posição da cabeça
É importante observar se o doente apresenta uma posição preferencial do olhar ou posição
preferencial da cabeça. Esta pode dever-se a causas não oftalmológicas (torcicolo cervical,
surdez unilateral, por ex.) ou a causas oftalmológicas (posição de bloqueio de nistagmus,
posição de alívio da diplopia binocular nas paralisias dos nervos oculomotores). Os doentes
com paralisias do VI par geralmente rodam a cabeça para o lado da paralisia, os doentes com
ptose palpebral elevam o queixo.
Testes da órbita
Nas situações de retracção palpebral por vezes parece existir pseudo-proptose, tal como
acontece na miopia unilateral, na assimetria facial e no enoftalmus contra-lateral. A proptose
diagnostica-se pela observação dos globos oculares desde cima com o doente sentado e a
olhar em frente e pode ser quantificada pelo exoftalmómetro (ver figura):
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exoftalmometria (imagem AAO)
O diagnóstico diferencial de proptose é extenso dado que se trata provavelmente do sinal
mais importante de orbitopatia. Na neuroftalmologia interessam particularmente a doença de
Graves e as orbitopatias associadas a compressão das vias eferentes, sendo importante
pesquisar a pulsatibilidade da proptose e alterações vasculares orbitárias para despiste de
síndromas da fenda esfenoidal, especialmente fístulas do seio cavernoso e tumores das
estruturas adjacentes (ex tumores intra-cónicos com invasão do seio cavernoso). As massas
intra-orbitárias geralmente desviam o globo ocular na direcção contrária à da lesão.
A - PATOLOGIA DO NERVO ÓPTICO E VIA VISUAL AFERENTE
À patologia do nervo óptico dá-se o nome de neuropatia óptica. Esta pode ser posterior (se
associada a uma papila de aspecto normal) ou anterior (associada a edema da papila).
Frequentemente, cerca de 4 a 6 semanas após o início do processo, as papilas desenvolvem
atrofia óptica, que pode ser segmentar ou difusa. A atrofia óptica além de poder ser devida a
neuropatia, pode ainda ser provocada por patologia a vários níveis nas vias ópticas,
nomeadamente compressão, inflamação, doença desmielinizante, hipertensão intracraniana
ou isquémia. Pode também ser devida a doença ocular primária do nervo óptico (glaucoma,
por exemplo).
Além de poderem induzir perda da AV central e defeitos campimétricos variados as
neuropatias caracterizam-se geralmente por discromatopsia (alteração na visão das cores) e
diminuição da sensibilidade ao contraste, além de alterações dos reflexos pupilares (defeito
pupilar aferente relativo).
Os principais tipos de neuropatias são:
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Inflamatórias (nevrite óptica): idiopática e associada a doença desmielinizante (por exemplo associada à Esclerose Múltipla), infecções sistémicas, doença inflamatória sistémica, neuromielite óptica
Vasculares: neuropatia óptica isquémica anterior (associada a arterite de células gigantes ou não)
Compressivas: neoplásicas ou não Hereditárias Tóxicas e nutricionais Traumáticas Hipertensão intracraniana Glaucomatosa Anomalias congénitas da papila
1 – Nevrite óptica
Dá-se o nome genérico de nevrite óptica a inflamações do nervo óptico. Existem vários tipos
de nevrite óptica, incluindo de etiologia infecciosa (sífilis, bartonelose, herpes zoster) ou
associadas a doença inflamatória sistémica (sarcoidose, lúpus, doença inflamatória
intestinal). Contudo, na maioria dos casos a nevrite é idiopática ou associada a esclerose
múltipla.
A nevrite óptica idiopática é mais frequente em mulheres jovens e caracteriza-se por uma
diminuição variável da AV, geralmente unilateral e de início agudo ou subagudo, com dor
aos movimentos oculares em quase todos os doentes e défice pupilar aferente relativo. À
campimetria observa-se a presença de escotoma frequentemente central e à fundoscopia pode
visualizar-se edema da papila (nevrite óptica anterior ou papilite) ou papila de aspecto
normal em 2/3 dos casos (nevrite óptica retrobulbar). Apesar da grande maioria dos casos
evoluírem favoravelmente com recuperação completa da visão central em muitos dos casos,
estes doentes devem ser referenciados. Além de poder ser necessário instituir tratamento com
corticosteróides endovenosos em doses altas (a corticoterapia oral isolada está
contraindicada) de forma a acelerar a resolução dos sintomas esta afecção está associada a
um risco elevado de vir a desenvolver esclerose múltipla (50% dos casos aos 15 anos). A
ressonância magnética nuclear pode demonstrar alterações do sinal na substância branca
periventricular compatíveis com lesões desmielinizantes e prever o risco de vir a desenvolver
esclerose múltipla. Em alguns doentes com risco elevado de desenvolverem esclerose
múltipla pode estar indicado iniciar terapêutica específica com fármacos imunomodeladores.
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2 - Neuropatia óptica isquémica anterior (NOIA)
A Neuropatia Óptica Isquémica Anterior (NOIA) é a neuropatia óptica aguda mais frequente
acima dos 50 anos. Resulta da oclusão das artérias ciliares posteriores curtas e longas, ramos
da artéria oftálmica. Geralmente pensa-se que os processos oclusivos estejam relacionados
com fenómenos locais de aterosclerose ou vasculite, uma vez que processos embólicos não
foram identificados. As NOIA são mais frequentes em papilas com predisposição
constitucional (papilas pequenas e com escavação pouco acentuada – “crowded disc”).
Clinicamente, caracteriza-se por uma baixa súbita da AV unilateral e indolor, que pode
progredir ao longo de várias horas ou dias e que é quase sempre acompanhada de defeito
pupilar aferente relativo. Devido à anatomia das artérias ciliares posteriores o defeito
campimétrico mais característico é um defeito altitudinal superior ou inferior. À fundoscopia
observa-se geralmente edema da papila (frequentemente sectorial superior ou inferior)
acompanhado de hemorragias peripapilares e exsudados moles e com o tempo acaba por se
desenvolver atrofia da papila.
Apesar do mau prognóstico visual e de não haver tratamento específico para esta neuropatia
é importante o diagnóstico correcto de modo a fazer o rastreio de factores de risco vasculares
e a evitar o diagnóstico incorrecto de nevrite óptica que pode ter consequências graves no
tratamento deste doentes.
Por outro lado, 10% dos casos de NOIA estão associados a arterite de células gigantes, com
risco elevado de atingimento do olho contralateral, tornando a pesquisa desta doença
inflamatória sistémica imprescindível em todos os doentes com NOIA de modo a poder
iniciar rapidamente o tratamento com corticóides. A arterite de células gigantes pode dar
sintomas constitucionais variados, nomeadamente astenia, anorexia e perda de peso, além de
cefaleias e claudicação mandibular. Analiticamente é característico haver elevação da
velocidade de sedimentação e proteína c reactiva, que devem ser sempre pesquisadas.
3 – Neuropatias ópticas tóxicas e nutricionais
Estas neuropatias são frequentemente multifactoriais podendo coexistir vários factores
causais:
tóxicos (tabaco, metanol, envenenamento por chumbo, álcool etílico) farmacológicos (etambutol, amiodarona) nutricionais (défice em vitamina B12 e ácido fólico)
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Caracterizam-se clinicamente por perda progressiva e geralmente simétrica da acuidade
visual, com alterações da visão cromática e escotomas centrais ou centrocecais. Com o
tempo acaba por se desenvolver atrofia óptica. Apesar de nesta fase a neuropatia ser
irreversível, o reconhecimento precoce destas afecções pode permitir a suspensão do agente
causal e correcção nutricional, com melhoria do prognóstico visual.
4 – Papiledema
Papiledema é o termo usado para o edema da papila quase sempre bilateral causado pela
hipertensão intracraniana (HTIC).
Existem inúmeras causas possíveis de HTIC. Dentro das mais frequentes destacam-se:
hidrocefalia massas intracranianas: neoplasias, abcessos, hemorragias intracranianas infecções e inflamações meníngeas trombose venosa cerebral e outras causas de estase venosa cerebral hipertensão intracraniana idiopática
Qualquer que seja a causa, a HTIC induz estase do fluxo axoplasmático a nível dos axónios
do nervo óptico. Inicialmente pode não haver diminuição da AV mas com o tempo
desenvolve-se gliose e atrofia óptica com defeitos campimétricos e perda da AV
irreversíveis. De notar que apesar do papiledema ser indicativo de HTIC, nem sempre a
HTIC induz papiledema.
Clinicamente, além das queixas de cefaleias, observa-se geralmente preservação da AV nas
fases iniciais podendo haver à campimetria. aumento da mancha cega bilateral. Na
fundoscopia as papilas apresentam-se hiperémicas e edematosas, com bordos mal definidos e
apagamento da escavação fisiológica da papila. Pode ainda observar-se ausência da pulsação
venosa espontânea e o ingurgitamento e tortuosidade vasculares, bem como hemorragias
peripapilares e exsudados duros em casos mais graves.
O facto de muitas das etiologias de hipertensão intracraniana e de papiledema serem
potencialmente letais justifica o envio com urgência para avaliação oftalmológica e
neurológica e realização de exames imagiológicos e punção lombar (para medição directa da
pressão intracraniana e análise do líquor).
É de realçar que existem alterações constitucionais da papila que podem dificultar
diagnóstico diferencial com papiledema – pseudopapiledema. Tal acontece por vezes em
VI – NEUROFTALMOLOGIA Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
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doentes hipermétropes, com anomalias papilares congénitas ou com drusens da papila
(corpos refringentes na espessura da papila diagnosticáveis por ecografia ocular).
5 – Patologia do quiasma óptico
Os nervos ópticos convergem posteriormente no quiasma óptico, onde decussam as fibras
nervosas com origem na retina nasal de ambos os olhos. O facto de nesta estrutura com cerca
de 1 cm3 de volume estarem todos os axónios das células ganglionares torna-a especialmente
susceptível a lesões focais, particularmente lesões expansivas na vizinhança da sela turca.
Dentro destas as mais comuns são os adenomas da hipófise, que está localizada abaixo do
quiasma óptico. Estas neoplasias benignas necessitam em regra de crescer cerca de 1 cm
antes de começarem a comprimir o quiasma óptico e a induzir alterações visuais. É frequente
serem diagnosticados adenomas de pequenas dimensões em TAC ou ressonâncias realizadas
por qualquer motivo, mas estas lesões não induzirem alterações visuais. Outras patologias
menos frequentes que podem induzir compressão a nível do quiasma óptico são os
craniofaringiomas e os meningiomas (do esfenóide, por exemplo). Por outro lado, a artéria
carótida interna e o seio cavernoso estão em relação com a face lateral do quiasma, podendo
patologias a este nível também determinar alterações visuais.
Seja qual for a etiologia, as lesões a nível do quiasma óptico induzem diminuição da AV e da
visão cromática e da de contraste, com hemianópsia bitemporal que respeita geralmente o
meridiano vertical mas que pode ser bastante assimétrica entre os 2 campos visuais.
6 – Patologias retroquiasmáticas
As fibras nervosas com origem nas células ganglionares da retina nasal após decussarem no
quiasma óptico seguem pela via óptica, juntamente com as fibras nervosas com origem na
retina temporal ipsilateral e após sinapse no corpo geniculado lateral, até ao hemisfério
cerebral correspondente. Cada via óptica e o córtex occipital contêm portanto a
representação do hemicampo contralateral, de forma que lesões posteriores ao quiasma
óptico induzem hemianópsias (ou quadrantanópsias) homónimas do lado contralateral ao da
lesão. As alterações campimétricas causadas por lesões na porção mais anterior da via óptica
são relativamente raras, sendo muito mais frequentes hemianópsias induzidas por lesões
posteriores ao corpo geniculado lateral, nomeadamente a nível das radiações ópticas e córtex
visual primário.
O córtex visual primário encontra-se localizado no lobo occipital e é o destino principal das
aferências retinianas. Encontra-se dividido pela fissura interhemisférica no lobo occipital
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esquerdo e direito (e no hemicampo visual direito e esquerdo, respectivamente). Cada lobo
occipital (e cada hemicampo) é dividido pela fissura calcarina que é perpendicular à fissura
interhemisférica num quadrante visual superior e inferior. A nível do córtex cerebral existe
uma representação ampliada das aferências retinianas com origem na mácula, que
representam mais de metade de toda a área cortical visual primária.
A grande maioria das hemianópsias homónimas causadas por lesões corticais são resultado
de isquémia nos territórios das artérias cerebrais média e posterior, sendo as neoplasias
menos frequentes. Em caso de suspeita de hemianópsia homónima por confrontação estes
doentes devem ser referenciados para confirmação diagnóstica e realização dos exames
imagiológicos apropriados para posterior orientação terapêutica.
7 – Perda transitória de visão
Por perda transitória de visão entendem-se crises de perda súbita de visão ou defeitos
campimétricos de duração inferior a 24 h, análogas aos acidentes isquémicos transitórios
(AIT). Apesar de poderem ser provocados por patologia ocular primária (glaucoma agudo de
ângulo fechado, drusens da papila, oclusões parciais da veia central da retina, etc) estes
episódios são geralmente causados por isquémia a nível do sistema nervoso central. O facto
das queixas serem mono ou binoculares pode auxiliar à localização do processo isquémico
(anterior ou posterior ao quiasma óptico, respectivamente) e constitui o passo mais
importante na avaliação inicial das perdas transitórias de visão. No entanto, em doentes com
queixas de perdas campimétricas isso nem sempre é fácil e a realização de campimetria por
confrontação por vezes pode ser de grande auxílio. A investigação etiológica deve incluir
uma história completa dos antecedentes nomeadamente história de enxaqueca, de acidentes
isquémicos prévios e factores de risco cardiovasculares. O exame físico sumário deve incluir
medição da pressão arterial e glicemia capilar e palpação do pulso radial (que pode
evidenciar uma arritmia como causa dos sintomas). Estes doentes devem ser referenciados
para o oftalmologista para exclusão de causas oculares e para o neurologista para ser feito o
diagnóstico etiológico. Entre outros exames pode estar indicado fazer ecodoppler carotídeo
ou angio-ressonância magnética (para pesquisar placas de aterosclerose nos vasos
intracranianos e do pescoço) e electrocardiograma e ecocardiograma (para pesquisar
arritmias, valvulopatias e outras patologias cardíacas). Além do tratamento etiológico quando
possível, está geralmente indicada a prescrição de antiagregantes plaquetares a estes doentes
e correcção de eventuais factores de risco cardiovasculares.
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B – PATOLOGIA DAS PUPILAS
O exame das pupilas apesar de não consumir muito tempo e de não exigir equipamento
especializado frequentemente serve para identificar a existência de patologia e mesmo
estabelecer o diagnóstico sem mais exames. A avaliação dos reflexos pupilares fornece
informação objectiva acerca do nervo óptico. Apesar de qualquer patologia que diminua a
visão poder em teoria levar a alterações dos reflexos pupilares, patologias que afectem o
nervo óptico induzem geralmente alterações em maior grau da função pupilar mesmo que o
grau de diminuição da acuidade visual não seja significativo.
O tamanho da pupila é regulado por 2 músculos de acções opostas: o dilatador e o esfíncter
da pupila. Quando a luz incide num dos olhos ambas as pupilas contraem de igual modo
(reflexos directo e consensual). A informação aferente é transmitida pelas células
ganglionares da retina através do nervo óptico, quiasma e faixas ópticas até ao núcleo pré-
tectal do mesencéfalo. Ambos os núcleos pré-tectais recebem aferências de ambos os olhos e
enviam eferências para ambos os núcleos de Edinger-Westphal. Daqui saem fibras
parassimpáticas que viajam ao longo do trajecto do III par até ao gânglio ciliar na órbita. As
fibras pós-ganglionares inervam o músculo ciliar (responsável pela acomodação do cristalino)
e o esfíncter da pupila (constrição da pupila) numa proporção de 30:1. A dilatação pupilar é
mediada por fibras adrenérgicas do sistema nervoso simpático, com origem no hipotálamo. O
1º neurónio da via desce do hipotálamo até à coluna cervical. O 2º neurónio viaja através do
plexo braquial e sobre o ápex do pulmão até ao gânglio cervical superior, próximo da
bifurcação da artéria carótida comum. O 3º neurónio sobe ao longo da espessura da
adventícia da artéria carótida interna, através do seio cavernoso e entra na órbita juntamente
com o ramo oftálmico do V par. As fibras simpáticas inervam o dilatador da íris e os
músculos de Müller, estes responsáveis em grau menor pela elevação da pálpebra superior.
Existem fibras simpáticas com origem no gânglio cervical superior e que são responsáveis
pela sudorese e vasodilatação.
Na presença de uma anisocória (assimetria dos diâmetros pupilares) deve-se proceder a um
exame sistemático dado que apesar de frequentemente se estar na presença de uma anisocória
fisiológica existem patologias potencialmente mortais cujo primeiro sinal pode ser uma
anisocória. Anisocórias inferiores a 0,3 mm não são geralmente detectáveis. As anisocórias
são causadas geralmente por um desequilíbrio entre o sistema nervoso simpático e
parassimpático, podendo também ser pós-traumáticas e congénitas.
O primeiro passo na avaliação de uma anisocória é determinar qual é a pupila anormal (a
miotica ou a midriática), o que nem sempre é fácil. Por vezes a existência de outros sinais
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pode facilitar este processo (ex. ptose, exotropia). Na maioria dos casos esta identificação
baseia-se na comparação do diâmetro pupilar no escuro e na luz.
Se a anisocória for maior no escuro, a pupila anormal é geralmente a miotica (e a anomalia
está no dilatador da pupila ou no simpático). Se for maior à luz a pupila anormal é a
midriática (e a anomalia está no esfíncter da pupila ou no parassimpático).
De seguida devem ser avaliados os reflexos pupilares à luz com atenção à simetria da
resposta e realizado o teste de Marcus Gunn.
CAUSAS DE ANISOCÓRIA:
1 – Miose (anisocória maior no escuro):
A existência de miose pode estar relacionada com a utilização de fármacos (por exemplo
colírios antiglaucomatosos à base de pilocarpina) ou com patologia ocular (cirurgias prévias,
síndroma pseudoexfoliativo, sinéquias posteriores). Com excepção destas causas oculares, as
anisocórias maiores no escuro são mais frequentemente devidas às 2 seguintes situações:
1.1 – Anisocória fisiológica
Cerca de 15-20% da população tem diferenças variáveis ao longo do tempo dos diâmetros
pupilares de etiologia indefinida e que podem alternar entre os olhos. A anisocória destes
casos é geralmente inferior a 0,5 mm e mantida na luz e no escuro ou maior no escuro. Nestes
casos pode ser útil observar fotos antigas do doente que confirmam ser a situação crónica. Os
reflexos pupilares são normais e simétricos.
1.2 - Síndroma de Horner
A síndroma de Horner deve-se à interrupção a qualquer nível da via simpática responsável
pela dilatação pupilar e caracteriza-se clinicamente pela tríade miose, ptose e anidrose (isto é
ausência de sudorese) ipsilaterais. Os casos congénitos apresentam também heterocromia da
íris (íris ipsilateral mais clara que a contralateral).
A miose da síndroma de Horner é tipicamente ligeira e inferior a 1mm e, à observação num
ambiente iluminado, a actividade do constritor da íris contralateral (mediada pelo
parassimpático) pode mascarar a anisocória. Por outro lado, além da anisocória ser maior no
escuro, existe um atraso na dilatação da pupila miótica no escuro (superior a 15 segundos em
alguns casos) que é muito característica.
A ptose ligeira (1 a 2 mm) observada nesta síndroma deve-se a interrupção da inervação do
músculo de Müller, não ocorrendo a ptose completa que é característica das parésias do III
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par (ver adiante). A anidrose, devida a lesões do 1º e 2º neurónio da via simpática, é pouco
frequente e não tem grande valor diagnóstico.
A aplicação de colírio de cocaína (que inibe a recaptação da norepinefrina na junção
neuromuscular) provoca a dilatação das pupilas em condições normais. Na síndroma de
Horner a pupila afectada não dilata (ou dilata menos que o olho contralateral) porque existe
pouca norepinefrina na junção neuromuscular pós-ganglionar. A diferenciação de lesões do 1º
e 2º neurónios das lesões do 3º neurónio pode ainda ser feita por recurso a colírio de
hidroxianfetamina, que promove a libertação de norepinefrina na junção neuromuscular e a
dilatação pupilar em casos de Horner do 1º e 2º neurónios, mas não do 3º neurónio.
A síndroma de Horner pode ter múltiplas etiologias relacionadas com lesões a qualquer nível
da cadeia simpática, algumas delas graves como a dissecção carotídea, tumores do ápex do
pulmão, tumores intracranianos ou cervicais, pelo que é importante a referenciação urgente
para confirmação diagnóstica e exames adicionais. Uma percentagem significativa de lesão
do 2º neurónio é tumoral e o doente deve ser referenciado a um internista.
2 - Midríase (anisocória maior na luz)
Além de poderem ser causadas por traumatismos, cirurgias oculares e patologias oculares
(sinéquias posteriores, glaucoma de ângulo fechado) as anisocórias mais aparentes à luz que
ao escuro podem estar relacionadas com a utilização de fármacos midriáticos ou com
patologia a nível do parassimpático.
2.1 – Midríase farmacológica
Existem várias substâncias que induzem midríase, por vezes após exposição involuntária em
que a associação causal por vezes pode ser difícil de estabelecer. Estas substâncias são
agonistas simpáticos ou antagonistas parassimpáticos e entram na composição de colírios
(atropina, tropicamida, fenilefrina, por exemplo) ou outro tipo de medicamentos
(nebulizadores broncodilatadores, reguladores da função intestinal). Por vezes a midríase
ocorre após exposição a pesticidas organofosforados ou após contacto com algumas plantas,
muitas vezes após o doente esfregar os olhos com as mãos contaminadas.
A midríase farmacológica pode ser uni ou bilateral e caracteriza-se por ser de grandes
dimensões (diâmetro pupilar superior a 7 mm) e de contorno regular, observando-se
frequentemente ausência de reflexos à luz e ao perto (especialmente no caso de antagonistas
parassimpáticos). Para confirmar o diagnóstico de midríase farmacológica procede-se a
aplicação de pilocarpina a 0,1% (para excluir Pupila de Adie, ver adiante) e pilocarpina a 1%
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verificando-se que a pupila midriática não contrai (ou contrai menos que a pupila normal
contralateral). É importante confirmar-se o diagnóstico de midriase farmacológica de forma a
excluir causas graves de anisocória, mesmo que em muitas situações nunca se chegue a
identificar o agente causal específico.
2.2 – Pupila tónica de Adie
A pupila de Adie resulta de lesões do gânglio ciliar ou das fibras nervosas parassimpáticas
pós-ganglionares. Caracteriza-se pela existência de uma anisocória maior à luz que ao escuro.
A pupila afectada encontra-se dilatada e reage mal à luz e melhor ao reflexo ao perto
(dissociação luz-perto), além de que demora a voltar a dilatar (daí “tónica”). Por vezes a
pupila aparece miótica depois do doente estar a ler na sala de espera. A razão desta assimetria
nas respostas à luz e ao perto deve-se ao facto de haver mais fibras nervosas pós-ganglionares
para o músculo ciliar (acomodação) do que para o esfíncter da íris (reflexo à luz), numa
relação de 30:1.
Esta afecção de etiologia desconhecida é benigna e a anisocória tem tendência a resolver com
o tempo ou a reverter ficando a pupila mais miótica que a contralateral, É mais frequente em
mulheres jovens, pode ser bilateral e provoca fotofobia (pela midríase) e dificuldade na visão
para perto (pela parésia da acomodação). Pode ser confirmada farmacologicamente pelo facto
da pupila afectada contrair com pilocarpina diluída a 0,1% (ao contrário da pupila normal)
devido a fenómenos de hipersensibilidade resultantes da desinervação.
2.3 - Parésia/paralisia do III par
As fibras parassimpáticas que inervam o esfíncter da pupila ocupam a porção dorsomedial e
mais superficial do nervo oculomotor, o que as torna especialmente susceptíveis à
compressão. Deste modo, parésias do III par em que existe envolvimento pupilar devem fazer
suspeitar imediatamente de lesões compressivas ao longo do trajecto do nervo. A causa mais
comum de compressão são aneurismas a nível da junção da artéria comunicante posterior
com a carótida interna, os quais geralmente crescem para baixo e para dentro, comprimindo
as fibras pupilares. Assim, a questão fundamental na avaliação inicial das parésias do III par é
avaliar se existe ou não compromisso pupilar. Note-se que numa fase inicial pode não haver
anisocória nem alterações dos reflexos pupilares mas estas alterações surgem eventualmente
na 1ª semana, pelo que estes doentes devem ser seguidos atentamente nos primeiros dias.
A midríase das lesões compressivas do III par quase nunca surge isoladamente. Existem
outros sinais associados de parésias do III par, nomeadamente ptose e limitação global ou
VI – NEUROFTALMOLOGIA Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
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parcial dos músculos extraoculares inervados por este nervo (ver adiante) que devem ser
pesquisados. A pupila afectada encontra-se em midríase - não tão acentuada na maioria dos
casos como nas midríases farmacológicas - e a anisocória é mais acentuada na luz que no
escuro. Além do compromisso dos músculos extraoculares e da ptose presentes nestas
situações, o diagnóstico das parésias do III par pode ser feito farmacologicamente. A pupila
em midríase não contrai em resposta à pilocarpina a 0,1% (ao contrario da pupila de Adie)
mas contrai com a pilocarpina a 1% (ao contrario das midríases farmacológicas).
O risco elevado de ruptura dos aneurismas da comunicante posterior torna urgente a avaliação
das parésias do III par em que existe compromisso pupilar, sendo necessária a realização
urgente de exames imagiológicos (angio-TAC ou angio-RMN e por vezes angiografia
cerebral).
C - PATOLOGIA PALPEBRAL
Os principais movimentos palpebrais são os realizados pelo músculo orbicular (MO -
inervado pelo VII par) e pelo músculo elevador da pálpebra superior (EPS – inervado pelo III
par). No pestanejo apresentam inervação equilibrada recíproca mas noutras alterações este
equilíbrio pode estar alterado, constituindo mais uma pista no diagnóstico e na pesquisa de
alterações centrais dos movimentos palpebrais.
Além do orbicular e o EPS, existe outro músculo que contribui para a manutenção da abertura
da fenda palpebral. Trata-se do músculo de Müller, dependente do sistema nervoso simpático
e localizado no tarso superior.
As lesões neuro-musculares e as lesões dos nervos periféricos podem causar défices da
motricidade palpebral, tais como ptose variável ao longo do dia na miastenia gravis, ptose na
paralisia do III par, ptose progressiva nas miopatias mitocondriais (ex: síndroma de Kearns-
Sayre), retracção palpebral na doença de Graves e na regeneração aberrante do III Par. Uma
pálpebra com a forma de um S horizontal pode ser sugestivo de neurofibromatose (os
neurofibromas palpebrais podem ainda causar ptose mecânica). Por vezes observa-se
equimose palpebral em situações de neuroblastoma, leucemia ou amiloidose.
Lesões centrais que causam alterações dos movimentos palpebrais
Consideram-se três grupos de lesões supra-nucleares dos movimentos palpebrais: as
alterações da coordenação entre os movimentos oculares e palpebrais, as alterações do
pestanejo e da posição estática da pálpebra superior e ainda as alterações dos movimentos
palpebrais voluntários.
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O núcleo da comissura posterior controla a inibição da modulação nervosa do EPS, estando
envolvido em dissociações entre o movimento ocular e palpebral, como a retracção palpebral
observada, por exemplo, na síndroma de Parinaud (paralisia da supraversão), na doença de
Parkinson e na paralisia progressiva supra-nuclear.
O pestanejo espontâneo e o reflexo consistem em dois mecanismos: a inibição do tónus da
actividade basal do EPS (que mantém a fenda palpebral aberta) e da acção do m. orbicular. A
inibição do EPS precede e prolonga a actividade do MO. O pestanejo espontâneo nos adultos
apresenta variabilidade individual estimada entre 10-20 por minuto. A sua frequência altera-
se significativamente em doentes com patologia neurológica relacionada com deficits de
transmissão nos receptores dopaminérgicos. Esta configuração normal está comprometida,
por exemplo, na doença de Parkinson e no blefarospasmo.
Lesões periféricas que causam alterações dos movimentos palpebrais
Paralisia facial (VII Par)
Trata-se de uma afecção relativamente frequente e que induz alterações da função palpebral.
A paralisia/parésia do VII par pode ser central ou periférica.
O VII par craneano (N. Facial) controla os músculos responsáveis pela mímica facial e pelo
pestanejo. Lesões do VII par podem resultar em paralisias faciais, originando alterações da
função palpebral (pestanejo, oclusão da fenda palpebral, lagoftalmus) e alterações da
integridade do filme lacrimal.
A paralisia do VII par pode ser causada pela infecção pelo V. Herpes Zoster (síndroma de
Ramsay-Hunt), trauma ou tumores mas, em cerca de metade dos casos, a causa não é
identificada (paralisia de Bell).
Um dos aspectos mais importantes das paralisias faciais consiste no tratamento
oftalmológico, dado que a função visual pode ficar gravemente comprometida: olho seco,
úlceras de exposição, falta de pestanejo e ectropion paralítico/lagoftalmus. Na maioria dos
casos o tratamento inicia-se pela prescrição de colírios lubrificantes durante o dia e oclusão
do globo ocular com pomada durante a noite. Em casos graves pode mesmo ser necessário
efectuar tarsorrafia (sutura das pálpebras).
1 - Ptose
As anomalias da posição das pálpebras incluem a oclusão involuntária da fenda palpebral,
geralmente associada à impossibilidade de abrir os olhos - ptose.
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Ptose dta/ pseudo-ptose esq (blefarocalásia)
Tipos de Ptose:
- Miogénica: ou por défice de função do EPS. Pode ser congénita ou adquirida. Esta última
frequentemente associa-se a doenças musculares localizadas ou difusas, como a distrofia
muscular ou a distrofia miotónica.
- Aponevrótica– resulta da deiscência, degenerescência ou desinserção da aponevrose do EPS
da sua inserção normal no tarso superior. É o tipo mais frequente de ptose na idade adulta
- Neurogénica – resulta de defeitos da inervação do EPS. Pode ser congénita ou adquirida.
Neste capítulo falaremos da adquirida, especialmente da ptose de instalação súbita no
contexto de paralisia do III Par e das paralisias supra-nucleares (“ptose central”). Também
pode estar associada à síndroma de Horner
Neuro-muscular – resulta de anomalias da junção neuro-muscular, como acontece na miastenia gravis e no botulismo.
Mecânica – resulta de excesso de peso palpebral que interfere com o movimento palpebral (edema palpebral, tumores palpebrais, por exemplo)
Ptose mecânica por angioma palpebral
Traumática – resulta de traumatismo do EPS ou da respectiva aponevrose (ex: laceração palpebral).
Na maioria dos casos a ptose resulta do enfraquecimento da aponevrose do EPS causada pela
idade avançada ou por traumatismo.
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As causas neuroftalmológicas de ptose incluem a síndroma de Horner, a paralisia do III Par e
a miastenia gravis. A ptose palpebral superior na síndroma de Horner raramente ultrapassa os
2 mm dado que esse é o grau de função do músculo de Müller, inervado pelo Simpático. A
pálpebra inferior frequentemente aparenta estar elevada na síndroma de Horner (“ptose
inversa”) porque o músculo tarsal inferior é também inervado pelo Simpático. A ptose na
paralisia do III Par pode estar ausente, ser parcial ou completa, dependendo do grau de lesão
da divisão superior do N oculomotor comum. A ptose bilateral pode ser observada nas lesões
do núcleo centro-caudal dado haver envolvimento dos núcleos do III Par.
2 - Retracção palpebral
Trata-se da abertura excessiva da fenda palpebral, observando-se a esclera superior ao limbo
corneano na posição primária do olhar.
As principais causas neuroftalmológicas de retracção palpebral são: miopática (ex: orbitopatia
de Graves, em que pode ser uni ou bilateral) e neuropática (ex: lesões supra-nucleares na
síndroma de Parinaud, frequentemente associadas a alterações do mesencéfalo dorsal na
região da comissura posterior).
Ptose à direita, retracção palpebral à esquerda
Refere-se ainda a pseudo-retracção palpebral que resulta da resposta fisiológica à ptose da
pálpebra contra-lateral (lei de Hering). Quando se suspeita de retracção palpebral deve-se
excluir ptose contra-lateral.
A retracção palpebral pode ainda resultar de traumatismo prévio ou cirurgia, pelo que é
importante interrogarem-se estes antecedentes, bem como o seu início e variação temporal.
3 - Blefarospasmo
Definem-se por contracções bilaterais, episódicas e involuntárias do músculo orbicular. Na
maioria dos casos aparecem em adultos (5ª década) com um predomínio pelo sexo feminino
(3:1). Por vezes podem-se associar a espasmos involuntários dos músculos da face inferior
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(síndroma de Meige ou disquinésia orofacial). Na maioria dos casos desconhece-se a
etiologia (blefarospasmo essencial) que possivelmente estará relacionada com disfunção dos
gânglios basais e do sistema límbico. Frequentemente estes casos evoluem para situações de
blefarospasmo bilateral. Pode estar presente em doentes com Parkinson, doença de
Huntington, paralisia progressiva supranuclear, esclerose múltipla e ainda nos enfartes do
tronco cerebral.
Nas crianças é raro, tratando-se geralmente de uma situação benigna e auto-limitada mas que
também pode estar associada à síndroma de Tourette.
Actualmente o tratamento do blefarospasmo consiste na quimio-desinervação pela injecção
de toxina botulínica no M. Orbicular. Em casos graves pode estar indicada a cirurgia
(miectomia do Orbicular ou raramente secção selectiva do VII Par).
Síndroma de Meige
D – PATOLOGIA DOS MOVIMENTOS OCULARES
1 - Paralisias supra-nucleares
São as paralisias do olhar conjugado (ex: restrição do olhar conjugado para a direita) e do olhar
não conjugado (ex: convergência), cuja regulação integra o sistema vestibular, a via do
movimento de perseguição e a via das sacadas. Geralmente são as sacadas que estão alteradas nas
fases iniciais das paralisias supra-nucleares, só posteriormente sendo atingidos os movimentos de
perseguição pelas lesões mais extensas. As principais pistas no diagnóstico deste tipo de lesões
são a alteração do reflexo óculo-vestibular (responsável por manter a fixação do olhar apesar dos
movimentos da cabeça) e o fenómeno de Bell. Nos doentes com alterações dos movimentos
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verticais é importante realizar o teste da cabeça da boneca que testa o reflexo óculo-vestibular - a
elevação do globo ocular é sugestiva de paralisia supra-nuclear.
As sacadas originam-se na formação reticular paramediana pôntica (sacadas horizontais) e no
fascículo intersticial rostral medial longitudinal acima do núcleo vermelho, no mesencéfalo
(sacadas verticais). Na génese dos movimentos de perseguição (mais complexos) estão
envolvidas várias estruturas como o cerebelo (vermis, pedúnculos cerebelosos médios),
região occipito-temporo-parietal, córtex medial superior temporal e córtex frontal. Esta
complexa rede nervosa envia neurónios para os centros integradores dos movimentos
oculares localizados sobretudo no mesencéfalo, onde se conectam com os núcleos dos pares
craneanos óculo-motores e com neurónios aferentes do labirinto, entre outros.
As lesões hemisféricas podem apresentar-se com alterações dos movimentos de perseguição
para o lado da lesão, ao contrário do que acontece com a via das sacadas: as lesões
geralmente são do lado contrário à direcção das sacadas, ou seja, em lesões da via direita
observam-se sacadas para o lado esquerdo. As paralisias dos movimentos de perseguição são
raras e quando observadas sugerem lesão estrutural do SNC ou epilepsia.
A distinção entre alterações dos movimentos de perseguição e alterações das sacadas pode ser
importante: nas doenças do cerebelo e do tronco cerebral podemos observar alterações
irregulares dos movimentos de perseguição, pelo que os doentes necessitam de efectuar
sacadas rápidas para conseguirem seguir um alvo em movimento. Em doentes com enfartes
da ponte que envolvam apenas a formação reticular paramediana pôntica, as sacadas
horizontais podem estar alteradas e o movimento de perseguição preservado, porque a
maioria das fibras dos movimentos de perseguição não fazem sinapses neste local.
2 - Paralisias e parésias periféricas ou infra-nucleares
Nesta secção abordaremos apenas as paralisias adquiridas, excluindo as congénitas.
Consideramos paralisia se não existir qualquer inervação do músculo (quebra completa da via
eferente) e parésia se persistir alguma função muscular, isto é, quando se verifica algum grau
de inervação (défice variável da via eferente).
A principal queixa dos doentes com parésias/paralisias infranucleares é a diplopia (imagem
dupla). Nestas situações um determinado objecto está alinhado com a fóvea de um dos olhos
e com uma região extrafoveal do olho contra-lateral.
Na avaliação inicial da diplopia deve-se estabelecer se a diplopia é mono ou binocular
efectuando a oclusão monocular: a diplopia binocular desaparece com a oclusão de um dos
olhos. Com raríssimas excepções a diplopia monocular é causada por alterações oculares:
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astigmatismo, queratocone, iridotomias, membrana pré-retiniana, catarata, sub-luxação do
cristalino.
As diplopias binoculares (que desaparecem com a oclusão monocular) podem classificar-se
em transitórias ou permanentes. No primeiro grupo as mais frequentes são as diplopias que
variam com a posição do olhar (ex: diplopia vertical apenas no olhar para baixo e para dentro
nas parésias do IV par) e as diplopias que variam de intensidade ao longo do dia (ex: diplopia
mais grave ao final do dia na miastenia gravis).
As diplopias binoculares permanentes classificam-se em neurogénicas (por paralisias dos
pares craneanos) e miogénicas/restritivas (por restrição dos movimentos oculares, na maioria
dos casos secundária a patologia da órbita). Nas diplopias restritivas geralmente não existem
diferenças entre as versões e as ducções.
É importante perguntar ao doente quais as posições do olhar em que tem diplopia, quais os
factores desencadeantes, a duração da diplopia, factores de alívio (ex: o repouso alivia a
diplopia na miastenia) e sintomatologia associada. Uma história clínica mal executada pode
induzir em erros graves de diagnóstico.
Paralisias/parésias dos nervos oculomotores
Os III, IV e VI pares cranianos inervam os músculos extra-oculares responsáveis pelo
posicionamento e movimento dos globos oculares na órbita. As paralisias dos músculos extra-
oculares resultantes de lesões num ou em todos estes nervos cranianos resulta na falência de
movimentos oculares, habitualmente perdendo-se a coordenação de movimentos binoculares:
estrabismos paralíticos. Os estrabismos paralíticos são por regra inconcomitantes e a diplopia
varia com a direcção do olhar.
Paralisia do III par
Um doente com paralisia (ou parésia) do III par pode apresentar quadros clínicos muito
distintos, desde paralisias vasculopáticas isoladas do III par (que melhoram após algum
tempo de evolução) até parésias associadas a lesões potencialmente mortais (como
aneurismas intracranianos). As causas mais significativas associadas a paralisia do III par são
a hemorragia sub-aracnoideia (ruptura de aneurisma da A. Comunicante posterior), meningite
ou lesões infiltrativas das meninges (neoplásicas e infecciosas).
Na paralisia do III par deve-se pesquisar o envolvimento da via pupilar eferente pois as lesões
do III par associadas a alterações da pupila podem dever-se a aneurisma da artéria
comunicante posterior, obrigando nestes casos a estudo imagiológico complementar. No
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entanto, nas paralisias recentes do III par sem envolvimento da pupila na apresentação os
doentes deverão ser observados diariamente na primeira semana para excluir o aparecimento
de lesão do parassimpático (envolvimento pupilar).
Doente com Aneurisma da A. comunicante posterior esq e paralisia do III par.
Na paralisia unilateral do III par observamos frequentemente ptose, hipotropia e exotropia do lado
afectado (tanto o m. OS e o m. RE mantêm a respectiva inervação). Geralmente observa-se ptose,
que em certos casos pode ocluír a pupila; se a ptose não for grave (e não ocluír totalmente a
pupila) a midríase pode ser sintomática (encadeamento com a luz); a paralisia da acomodação por
vezes associada às lesões do III par causa visão desfocada para perto.
A apresentação clínica da paralisia do III par pode-nos orientar para o local mais provável da
lesão neurológica, pelo que importa distinguir o tipo de paralisia segundo o local provável da
lesão neurológica: paralisia do III par nuclear, infra-nuclear e fascicular (nesta incluem-se as
paralisias completas do tronco nervoso – intracranianas – e as paralisias das divisões superior
ou inferior – intraorbitárias).
Ao longo do seu trajecto o III par tem relação com outros pares cranianos, nomeadamente a
nível da fenda esfenoidal e seio cavernoso pelo que devem também ser pesquisadas as
funções do IV par (observar a intorsão das veias conjuntivais), do V par (pesquisar a
sensibilidade corneana e a sensibilidade facial) e do VI par (abdução).
Nos doentes com paralisias do III par é importante pesquisar a regeneração aberrante, cuja
presença sugere uma lesão sub-aguda ou crónica, provavelmente de natureza compressiva.
Outros sinais neurológicos podem estar presentes, constituindo pistas adicionais na suspeita
clínica de localização da lesão do III par.
Paralisias isoladas do III par
Definem-se pela ausência de outros sinais neurológicos e podem ser completas e incompletas.
São mais frequentes nos doentes com idade superior a 60 anos associando-se geralmente a
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HTA, aterosclerose e/ou diabetes mellitus. Este tipo de paralisias não envolvem quase nunca
a função pupilar. Apesar de terem geralmente evolução benigna e de a paralisia poder
resolver em alguns meses em casos especiais (paralisias recorrentes, dolorosas, com evolução
ao longo de alguns meses) pode ser necessário estudo adicional.
Parésia do III par esquerdo: exotropia e hipotropia em posição primária. Observar ainda défice na adução e
elevação
Paralisia do IV par
Trata-se da paralisia mais frequente dos movimentos cicloverticais.
Na suspeita de paralisia do IV par é importante documentar as versões e observar fotos
antigas do doente, bem como determinar a amplitude fusional. Nas paralisias antigas a
posição preferencial da cabeça (inclinação para o lado contralateral ao lado afectado)
frequentemente está presente em fotos antigas e os doentes geralmente apresentam boa
amplitude de fusão.
Parésia do OS dto
O IV par, dado ser aquele que tem o trajecto intracraniano mais longo é muito susceptível a
lesão associada aos traumatismos cranianos fechados.
É o único nervo craniano que emerge do lado oposto do tronco cerebral (na face dorsal do
mesencéfalo) ao músculo extra-ocular que inerva.
As causas mais prováveis de paralisias adquiridas do IV par são: TCE fechado, HTA,
Diabetes, vasculopatias, tumores cerebrais. A miastenia gravis deve ser considerada
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especialmente em casos que agravam ao longo do dia; no entanto a parésia do IV par isolada
habitualmente não está associada a ptose, uma das características da miastenia. A paralisia
isolada do IV par raramente é causada por Esclerose Múltipla.
As paralisias isoladas do IV par são muito difíceis de diagnosticar por estudos imagiológicos
mas, tal como nos outros estrabismos paralíticos, o exame motor ocular e o exame
oftalmológico permitem o diagnóstico clínico.
Na síndroma da fenda esfenoidal, tal como nas lesões compressivas do seio cavernoso, pode
observar-se envolvimento variável de outros nervos (III, V, VI e S Simpático).
À semelhança dos outros estrabismos paréticos o tratamento das paralisias do IV par pode ser
conservador (oclusão, prescrição de lentes prismáticas) ou cirúrgico (cirurgia dos M.
Oblíquos).
Paralisia do VI par
As paralisias do VI são as paralisias oculomotoras mais frequentes.
Paralisia do R. Ext dto (observar a endotropia em posição primária)
O VI par craniano (nervo abducente) inerva o músculo recto externo. Tipicamente os doentes
queixam-se de diplopia binocular horizontal que agrava ao olharem na direcção do músculo
parético.
Nas paralisias periféricas do VI par observam-se desvios do alinhamento ocular apenas no
plano horizontal, ao contrário das lesões do núcleo deste nervo craniano, em que existe
geralmente paralisia do olhar ipsilateral, por envolvimento das conexões com o núcleo do III
par (ver Estrabismo).
Tal como o IV par, o VI par apresenta um longo trajecto no espaço sub-aracnoideu, o que
explica a sua lesão em situações de hipertensão intracraniana em que pode ocorrer
estiramento do nervo contra o clivus. A associação frequente das lesões do VI par à HIC
torna obrigatória a pesquisa de edema da papila em todos os doentes com parésias do VI par.
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Paralisia do VI par direito (ausência de abdução ao olhar para a direita)
Nos idosos a causa mais frequente de parésias do VI par é a mononeuropatia isquémica,
especialmente em doentes com factores de risco cardiovasculares, devendo nestes casos ser
excluída a arterite de células gigantes. Nas paralisias do VI par em jovens deve ser feito
sempre estudo imagiológico pela relativa frequência de etiologias potencialmente graves
(neoplasias, por exemplo) e eventualmente punção lombar e outros exames de diagnóstico.
O diagnóstico diferencial de paralisia/parésia do VI par (défice da abdução) faz-se com
endoforias descompensadas, fracturas da parede interna da órbita com encarceramento do M.
Recto Medial, orbitopatia de Graves, lesões orbitárias (especialmente neoplasias) e miastenia
gravis.
Tratamento dos estrabismos paralíticos
Tratamento conservador – inicialmente limitado a observação e medidas de alívio sintomático: oclusão monocular para alívio da diplopia (desvios graves do alinhamento ocular) ou prescrição de lentes prismáticas se o ângulo do desvio for pequeno.
Tratamento cirúrgico – nos doentes que não recuperam a função muscular até 1 ano após a instalação da paralisia, que apresentam diplopia binocular e ptose, pode ser necessária cirurgia de estrabismo e/ou cirurgia reparadora da ptose no caso das paralisias do III par. Por vezes, em alternativa, opta-se pela injecção de toxina botulínica no músculo antagonista do músculo paralítico.
3 – Miastenia Gravis
Trata-se de uma doença auto-imune em que o organismo produz autoanticorpos que
bloqueiam a acção ou aceleram a degradação dos receptores da acetilcolina. Caracteriza-se
por fadiga muscular acentuada que melhora com o repouso. É mais frequente em mulheres na
2ª década de vida; nos homens geralmente tem início mais tarde, a partir dos 50 anos.
Em 90% dos casos afecta os músculos oculomotores e o elevador da pálpebra superior
caracterizando-se por ptose e diplopia que se acentuam com o esforço muscular e ao longo do
dia. Os sintomas podem agravar-se com infecções associadas, calor e alguns fármacos
(aminoglicosídeos, por exemplo).
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A característica principal da miastenia gravis é a variabilidade tanto da ptose como do
alinhamento ocular. Os doentes podem apresentar ainda fraqueza dos músculos faciais,
dificuldade na mastigação e deglutição, bem como astenia dos membros e do tronco, nos
casos mais graves com dificuldade respiratória.
De notar que apesar de mais de metade dos doentes terem inicialmente envolvimento ocular
exclusivo, apenas numa fracção destes a doença se mantém ocular (miastenia gravis ocular).
A generalização dos músculos afectados nestes doentes dá-se em regra nos primeiros 2 a 3
anos após o início das queixas oculares.
Pesquisa-se com o teste do Edrofónio (Tensilon®), um inibidor da acetilcolinesterase: a ptose
e a diplopia melhoram após a injecção e.v., permitindo o diagnóstico de miastenia gravis.
Também se pode avaliar a melhoria da ptose com repouso ou após aplicação de gelo sobre a
pálpebra (o teste com gelo não é tão sensível na diplopia).
Analiticamente podem ser doseados os anticorpos anti-receptores da acetilcolina. O timo
pode produzir anticorpos, pelo que se imagiologicamente estiver aumentado de volume pode
estar indicado efectuar timectomia. Outras opções terapêuticas são a plasmaferese, inibidores
da acetilcolinesterase e, nas fases de agravamento clínico, corticoterapia sistémica.
Deve-se considerar a miastenia gravis no diagnóstico diferencial de todos os doentes com
alterações dos movimentos oculares de início recente, especialmente nos casos associados a
ptose palpebral. A miastenia gravis pode simular qualquer combinação de parésias
oculomotoras.
4 – Nistagmus
Nistagmus são oscilações involuntárias e rítmicas dos movimentos oculares, podendo ter
ambas as fases de igual amplitude e velocidade (nistagmus pendulares) ou, mais
frequentemente, uma fase lenta seguida de um movimento sacádico de refixação (nistagmus
sacádicos).
Os nistagmus podem ser congénitos (motores ou sensoriais) ou adquiridos (com maior
interesse em Neuroftalmologia). Podem também ser conjugados ou desconjugados
(dissociados) e classificados ainda quanto ao tipo de movimentos (horizontais, verticais,
torsionais ou qualquer combinação destes vários tipos). Apesar de poderem ser unilaterais,
nestes casos deve-se pesquisar sempre a presença de nistagmus bilateral assimétrico.
Os nistagmus adquiridos podem ter origem em qualquer lesão que afecte os mecanismos da
fixação: o sistema vestibular, o reflexo óculovestibular e o sistema de integração que engloba
o cerebelo, as vias vestibulares e núcleos oculomotores.
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Nistagmus associado a hipovisão
Aparece em doentes cuja acuidade visual para longe (mono ou binocular) é inferior a 1/10.
Este tipo de nistagmus é frequentemente monocular e surge 1 a 20 anos após a instalação do
défice visual. É geralmente pendular (horizontal ou vertical) e frequentemente melhora com a
convergência, de forma que a visão para perto geralmente é melhor que a visão para longe.
O nistagmus pode também estar relacionado com doenças oftalmológicas congénitas (ex:
acromatópsia, glaucoma congénito, amaurose congénita de Leber, hipoplasia congénita do
nervo óptico) embora geralmente nestas situações o nistagmus seja geralmente de tipo
sacádico.
Os nistagmus secundários a défices visuais adquiridos tendem a ser pendulares (ex: nevrite
óptica, lesões isquémicas da protuberância ou esclerose múltipla).
Podem também surgir nistagmus monoculares pendulares adquiridos não atribuíveis a défice
visual acentuado que, ao contrário dos primeiros, necessitam de avaliação imagiológica
obrigatória para excluir lesões da protuberância, cerebelo e mesecéfalo (as mais frequentes,
nomeadamente as lesões de EM). Geralmente são incapacitantes por causarem oscilopsia
mesmo na posição primária do olhar (sensação de ver os objectos a “balançar”).
Nistagmus parético
Trata-se do tipo mais frequente de nistagmus e ocorre associado à manutenção prolongada da
posição extrema do olhar para um dos lados, em doentes com parésias oculomotoras ou com
alterações nos mecanismos que mantém a posição extrema do globo ocular na órbita (álcool,
fármacos – sedativos e anticonvulsivantes -, lesões a nível do tronco cerebral e cerebelo).
Caracteristicamente não surge em posição primária e na maioria dos casos não necessita de
tratamento.
O diagnóstico diferencial deste nistagmus é feito com o nistagmus fisiológico que se pode
manifestar em qualquer pessoa nas posições extremas do olhar (horizontal, apenas).
Apresenta uma amplitude pequena e uma velocidade grande e não apresenta outras alterações
dos movimentos oculares, nem diplopia binocular. Além disso, o nistagmus fisiológico
extingue-se com o tempo e desaparece quando o olho se desloca para uma posição
ligeiramente menos excêntrica.
Nistagmus vestibular
O nistagmus vestibular pode ser central ou periférico, é geralmente de tipo sacádico e
caracteriza-se geralmente por respeitar a lei de Alexander, ou seja agrava-se quando o doente
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olha na direcção da fase rápida do nistagmus. O nistagmus vestibular periférico está
associado a patologia do ouvido e via vestibular (ex. doença de Menière e labirintite), estando
geralmente associado a surdez e vertigem e agravando com os movimentos da cabeça e
melhorando com a fixação (piora no escuro, por ex).
O nistagmus vestibular central está associado a patologia do tronco cerebral e cerebelo, não
estando geralmente associado a vertigem e surdez. Geralmente não se agrava com os
movimentos da cabeça.
Nistagmus “Downbeat”
Este nistagmus é um nistagmus sacádico cuja fase rápida se dirige para baixo. Está
geralmente presente em posição primária melhorando no olhar para cima e agravando no
olhar para baixo, com agravamento da oscilopsia (e perturbação grave da leitura, por
exemplo).
O nistagmus “downbeat” está frequentemente associado a lesões da junção cervico-medular e
do cerebelo.
Nistagmus “Upbeat”
Trata-se doutro nistagmus sacádico, em que a fase rápida se dirige para cima. Geralmente
agrava ao olhar para cima, podendo estar associado a lesões da medula alongada, cerebelo, e
tronco cerebral.
Nistagmus pendular adquirido
Trata-se de um dos tipos mais frequentes de nistagmus, sendo muito incapacitante pela
oscilopsia associada. A causa mais frequente é a Esclerose Múltipla e as neuropatias ópticas
desmielinizantes.
Nistagmus “Seesaw”
É um nistagmus raro, pendular não conjugado e alternante com ciclos de elevação e intorsão
de um dos olhos e depressão e extorsão do olho contralateral, com reversão no ciclo seguinte.
É muito característico de lesões paraquiasmáticas, nomeadamente tumores pituitários e
craniofaringioma com compressão do quiasma óptico e consequente diminuição da acuidade
visual. Pode ainda ser encontrado na displasia septo-óptica e nas lesões do tronco cerebral.
VI – NEUROFTALMOLOGIA Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
120
Tratamento dos nistagmus
O tratamento do nistagmus tem como objectivo diminuir a oscilopsia e melhorar a acuidade
visual. Existem vários fármacos usados empiricamente para tentar melhorar o nistagmus
(baclofeno, valproato, clonazepam) mas, com a excepção actualmente da gabapentina e da
memantina no nistagmus pendular adquirido, os resultados são geralmente maus.
E - PATOLOGIA DA ÓRBITA
Os sinais clínicos de patologia orbitaria são: vascularização, quemose e edema conjuntival,
proptose e espessamento palpebral. Na maioria das lesões orbitárias o exame motor ocular,
exame oftalmológico e exame das pupilas completam o estudo clínico.
A proptose é avaliada com o exoftalmómetro: consideram-se patológicas em doentes
emétropes as proptoses acima de 22 mm e com assimetrias superiores a 3 mm. Se a proptose
for acompanhada de dor, deve-se suspeitar de síndroma da fenda esfenoidal ou lesões
localizadas no seio cavernoso e vizinhança – caracterizados por proptose e edema orbitário,
parésias/paralisias dos músculos inervados pelos nervos que entram na órbita (III, IV, VI) e
alterações da sensibilidade (V par).
Na fístula carotido-cavernosa um sinal característico é a dilatação dos vasos episclerais e
conjuntivais (“vasos de medusa”), bem como o espessamento da veia oftálmica superior
observado nos exames imagiológicos.
1 - Orbitopatia tiroideia / Orbitopatia de Graves
A orbitopatia de Graves é uma doença auto-imune em que surgem autoanticorpos dirigidos
contra os fibroblastos orbitários e contra a glândula tiróide, mais frequentemente associado ao
hipertiroidismo. Em cerca de 20% dos casos a orbitopatia precede o hipertiroidismo e em
30% dos casos não existe hipertiroidismo odendo cursar com hipo ou normotiroidismo.
A orbitopatia de Graves aparece em cerca de 25% dos doentes com doença de Graves.
Tipicamente a orbitopatia de Graves é mais frequente em mulheres na 4ª década de vida mas
pode surgir em qualquer idade. A apresentação clínica da orbitopatia é muito variável, desde
a forma ligeira auto-limitada (mais frequente, geralmente apresenta úlceras corneanas de
exposição) até às formas mais graves em que se pode distinguir a fase aguda/activa e a fase
não activa da doença.
Os sinais clínicos dividem-se em: palpebrais (é a causa mais frequente de retracção
palpebral), corneanos (secundários à exoftalmia e exposição do globo ocular), musculares
(espessamento dos músculos extra-oculares com diplopia variável de tipo restritivo) e
VI – NEUROFTALMOLOGIA Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
121
orbitários (proptose, hipertensão intra-ocular e compressão do nervo óptico a nível do ápex
orbitário).
O diagnóstico da orbitopatia de Graves é sobretudo clínico mas necessita de avaliação
adicional sobre a função tiroideia (doseamento de T3 e T4, TSH e anticorpos anti-tiroideus) e
sobre as lesões orbitárias (ecografia orbitária, TAC ou mais raramente RMN).
O tratamento local médico oftalmológico deve ser instituído no início da orbitopatia e
consiste em hidratantes da superfície ocular e penso oclusivo se necessário e fármacos anti-
hipertensores oculares se indicado.
(orbitopatia de Graves em fase activa)
Na fase activa ou inflamatória da orbitopatia de Graves o tratamento geralmente consiste na
corticoterapia sistémica, podendo ser associados fármacos supressores da tiróide,
imunossupressores e radioterapia quando os outros estão contraindicados. Em casos extremos
com risco de perda da visão pode ser necessário efectuar descompressão orbitária urgente
para aliviar a compressão do nervo óptico.
A fase não activa da orbitopatia caracteriza-se pela estabilização dos sinais clínicos,
permitindo o planeamento atempado das cirurgias necessárias. Quando necessário, inicia-se
pela descompressão da órbita para tratamento da neuropatia óptica compressiva e da
proptose. Segue-se a cirurgia de Estrabismo (tratamento da miopatia restritiva e da diplopia
binocular permanente) e por fim a cirurgia palpebral (tratamento da retracção palpebral e
úlceras de exposição).
2 - Oftalmoplegia externa progressiva crónica (OEPC)
Trata-se de uma doença caracterizada pela paralisia progressiva lenta dos músculos extra-
oculares. Geralmente apresenta-se com ptose bilateral simétrica seguida de oftalmoparésia
VI – NEUROFTALMOLOGIA Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
122
meses ou anos após a instalação da ptose. Na maioria dos casos não se verifica envolvimento
dos músculos ciliar e pupilar.
A OEPC é uma das manifestações mais comuns das miopatias mitocondriais e pode associar-
se a quadro de fraqueza muscular esquelética generalizada mais comum no hemicorpo
superior. O tratamento é sintomático e controverso Raramente está indicada cirurgia de
correcção da ptose dada a ausência do fenómeno de Bell. A cirurgia de músculos extra-
oculares não produz resultados satisfatórios, pelo que actualmente em situações de diplopia
binocular incapacitante se opta por tratar os doentes com oclusão monocular, prescrição de
prismas e, eventualmente, injecção de toxina botulínica no músculo responsável pelo desvio.
VII – MANIFESTAÇÕES OCULARES DE DOENÇAS SISTÉMICAS Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
123
VII - MANIFESTAÇÕES OCULARES DE DOENÇAS SISTÉMICAS
Introdução
Quase todas as doenças sistémicas poderão apresentar manifestações oculares. É importante
que qualquer Médico tenha conhecimento das principais manifestações oculares das doenças
sistémicas mais frequentes. Por sua vez o Oftalmologista está obrigado a colaborar no
diagnóstico destas doenças, através das suas manifestações oculares e a participar no seu
tratamento.
Uma enumeração de todas as manifestações oculares das doenças sistémicas está para além do
objectivo deste capítulo. A retinopatia diabética é a primeira causa de cegueira no mundo
ocidental entre os 20 e os 65 anos. A sua descrição será por isso mais detalhada. Outras
doenças serão abordadas de forma mais sucinta ou meramente descritiva.
A- RETINOPATIA DIABÉTICA
Introdução
A retinopatia diabética é a complicação ocular mais grave da Diabetes Mellitus. É de carácter
progressivo e constitui a primeira causa de cegueira na faixa etária dos 20 aos 65 anos.
Estima-se que o risco de cegueira nos diabéticos é 10 a 20 vezes superior ao da população não
diabética. Em regra não existe retinopatia diabética avaliável na observação do fundo do olho
antes de decorrerem 5 anos de doença. No entanto, em cerca de 5% dos casos os pacientes já
têm retinopatia diabética no momento do diagnóstico da diabetes tipo 2, o que significa que o
paciente já tem a doença há pelo menos 5 anos. Na diabetes tipo 1 a retinopatia não ameaça a
visão até aos cinco primeiros anos após o diagnóstico nem antes da puberdade. Após 15 anos
de diabetes, praticamente todos os diabéticos tipo 1 e cerca de 2/3 do tipo 2 possuem
retinopatia diabética não proliferativa. A perda de visão pode ocorrer de três formas
(isoladamente ou em conjunto): neovascularização, edema macular e/ou isquémia macular. O
tratamento padronizado para a retinopatia diabética inclui um bom controlo metabólico e da
tensão arterial, a fotocoagulação laser e a cirurgia. A eficácia dos anti-angiogénicos intra-
vítreos no tratamento da neovascularização retiniana e do edema macular está a ser testada,
isoladamente e em associação com a fotocoagulação laser.
VII – MANIFESTAÇÕES OCULARES DE DOENÇAS SISTÉMICAS Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
124
Epidemiologia
O aumento da esperança de vida deu origem a uma maior prevalência de doenças crónicas e
de entre elas sobressai a diabetes mellitus. A diabetes afecta, no mínimo, 10 milhões de
cidadãos europeus. Nos EUA, a diabetes tipo 1 representa 5-10% da população diabética
(entre 800 000 e 1,6 milhões). Em Portugal, o Inquérito Nacional de Saúde forneceu-nos uma
aproximação à prevalência da diabetes em Portugal. Numa amostra da população portuguesa
com cerca de 50 mil pessoas, este inquérito estima em menos de 5% o número de diabéticos,
cerca de 500 mil pessoas. Este número estaria aliás de acordo com outras estimativas da
ordem dos 2-4% na população em geral. Em relação à incidência, através da rede "Médicos-
sentinela" foi possível obter estimativas para Portugal da ordem dos 2,5 por mil habitantes,
valor que tem vindo a aumentar em ambos os sexos e com valores mais elevados para o sexo
feminino. As taxas de incidência da diabetes são superiores às dos AVCs ou dos enfartes
agudos do miocárdio.
Dados mais recentes – o estudo da prevalência da diabetes em Portugal publicado em 2009 -
mostraram números muito mais elevados que o esperado. Assim, a prevalência da diabetes
verificada para a população portuguesa foi de 11,7%, com diferenças significativas entre os
homens (14,2%) e mulheres (9,5%). Tinham diagnóstico prévio da doença 6,6% das pessoas e
5,1 % das pessoas não sabiam que tinham diabetes. Em números totais o estudo aponta para a
existência de 905.035 portugueses entre os 20 e os 79 anos com diabetes, dos quais 395.134
(43,6% do total) não sabem que são portadores desta doença crónica. Com “Pré-Diabetes” foi
encontrada uma percentagem de 23,2% entre os 20 e 79 anos, o que corresponde a 1.782.663
pessoas com “Pré-Diabetes”. Assim, cerca de 35% da população portuguesa, entre os 20 e os
79 anos (2.687.698 portugueses), sofre de diabetes ou de “pré-diabetes”. Os Açores aparecem
com os valores regionais mais elevados do país com uma prevalência de 14,3% (9,2% com
diabetes diagnosticada e 5,1% com diabetes não diagnosticada).
Não existem dados epidemiológicos seguros sobre a incidência e prevalência da retinopatia
diabética em Portugal. A prevalência de retinopatia diabética (com qualquer grau de
gravidade) na população diabética é de cerca de 30%. A prevalência de retinopatia diabética
com perda de visão é de 10%. A probabilidade de um paciente diabético vir a ser portador de
retinopatia diabética irá depender principalmente do seu tipo de diabetes (Tipo 1 ou Tipo 2),
da duração da doença, do controlo metabólico e do risco familiar. Há maior risco de
retinopatia diabética na diabetes tipo 1, se existir mau controlo metabólico, maior duração da
doença e/ou outros casos de retinopatia diabética em familiares próximos. Após 15 anos de
doença, a prevalência da retinopatia diabética é de cerca de 98% para diabetes tipo 1 e 58%
VII – MANIFESTAÇÕES OCULARES DE DOENÇAS SISTÉMICAS Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
125
para a diabetes tipo 2. A prevalência de cegueira devida à retinopatia diabética (visão igual ou
inferior a 1/10) é de cerca de 5% e a incidência é de cerca de 1,2%.
Prevenção da retinopatia diabética.
O aparecimento da retinopatia diabética pode ser adiado e as suas fases mais graves podem
ser evitadas se forem tomadas as medidas necessárias.
As primeiras medidas de prevenção da retinopatia diabética devem incluir um bom controlo
da glicémia, da tensão arterial, do colesterol e do peso e a promoção do exercício físico.
Todos os diabéticos tipo 2 devem ser observados por um Oftalmologista, com dilatação da
pupila, logo na altura do diagnóstico da diabetes e depois anualmente. Os diabéticos tipo 1
devem ser observados logo no início da puberdade e, quando a doença surge após a
puberdade, devem ser observados no máximo 5 anos após o início da doença.
Quando surge retinopatia diabética será o Oftalmologista a avaliar a gravidade da doença e a
estabelecer os prazos de observação.
Fisiopatologia
Crê-se que a exposição da retina a altas concentrações de glicose é responsável pelas lesões
retinianas. A gravidade da retinopatia correlaciona-se com um mau controle metabólico e um
controle com glicémias quase normais atrasa a progressão da retinopatia diabética. Foram
propostos vários mecanismos moleculares e várias hipóteses para explicar a toxicidade da
glicose associada à retinopatia diabética. Esta toxicidade resultaria fundamentalmente da
hiperglicémia prolongada que daria início a uma cadeia de reacções químicas, tendo sido
descritas duas vias diferentes: a via da glicosilação não enzimática e a via do poliol. Durante
uma hiperglicémia prolongada, a glicose liga-se ao grupo amino de proteínas (sem que haja
actuação enzimática – via da glicosilação não enzimática), dando origem aos produtos
intermediários da glicosilação, um processo reversível com a normalização da glicémia. Em
seguida, agora por um mecanismo enzimático e irreversível, tais produtos intermediários
passam a Produtos Finais da Glicosilação (PFG), que têm a propriedade de aprisionarem à sua
estrutura proteínas não glicosiladas. Os PFG ligam-se a receptores celulares diversos
presentes nas células endoteliais, monócitos, linfócitos e macrófagos, levando a um aumento
da permeabilidade endotelial e da actividade pró-coagulante. Os PFG ligam-se também às
proteínas estruturais das hemácias, alterando sua forma e função, alteração que pode ser
doseada por um exame laboratorial – o do doseamento da hemoglobina glicosilada. Ao
ligarem-se às proteínas livres os PFG causam também proliferação da matriz extracelular e
VII – MANIFESTAÇÕES OCULARES DE DOENÇAS SISTÉMICAS Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
126
inactivação do óxido nítrico, levando a uma perda da auto-regulação capilar, inclusive
retiniana. A via do Poliol, está mais relacionada com o derrame microvascular, em que a
glicose em excesso no sangue é convertida a sorbitol, pela acção de uma enzima chamada de
aldolase redutase. O sorbitol além de causar lise celular por aumento da osmolaridade é
convertido a mioinisitol, depressor da sódio/potássio ATPase, o que provoca lesão nas células
de Schwan e pericitos (célula mesenquimatosa, encontrada ao redor dos capilares e no caso
dos retinianos com capacidade contráctil).
O VEGF ou factor de proliferação do endotélio vascular (produzido pelas células do EP,
células de Muller, células ganglionares e pericitos) parece ter um papel preponderante na
formação de neovasos na papila e/ou na retina e no aumento da permeabilidade vascular que
conduz ao edema macular. Actua inibindo a apoptose das células endoteliais, promovendo a
sua proliferação e aumentando a permeabilidade da barreira hemato-retiniana. A sua produção
aumenta na presença de hipóxia.
Outros mecanismos propostos para explicar a retinopatia diabética, incluem o “stress”
oxidativo, a activação da proteina kinase C, a formação de produtos finais de glicosilação, a
produção de óxido nítrico, a inflamação de baixa intensidade, etc.
As alterações neuronais associadas à retinopatia diabética incluem morte celular, gliose e
alteração do metabolismo do glutamato e podem surgir antes de aparecerem sintomas francos
ou sinais de alteração vascular. A nível vascular podem surgir igualmente várias alterações
antes de aparecerem sinais ou sintomas de retinopatia diabética. São exemplos o aumento da
permeabilidade da barreira hemato-retiniana, as alterações na auto-regulação e o aumento do
fluxo sanguíneo. À medida que a doença avança as alterações tornam-se manifestas e
aparecem hemorragias, microaneurismas e áreas de oclusão capilar. A retinopatia diabética
poderá ser considerada uma doença micro-angiopática, inflamatória e neuro-degenerativa.
As lesões na retinopatia diabética
Os microaneurismas são geralmente o primeiro sinal fundoscópico da retinopatia diabética.
Normalmente aumentam em número e tamanho com o decorrer da doença; são originados por
uma fragilidade da parede vascular capilar retiniana, levando a uma protusão e incompetência
vascular de que pode resultar derrame microvascular, hemorragia e edema de retina. Os
exsudatos duros são resultado do extravasamento de plasma através das áreas fragilizadas,
levando a uma acumulação de lipoproteínas além de macrófagos repletos de lipídos, dispostos
ao redor dos microaneurismas. Há regressão espontânea em meses ou anos, caso não haja
perpetuação do derrame ou no caso de fotocoagulação a laser. Caso contrário, surgem os
VII – MANIFESTAÇÕES OCULARES DE DOENÇAS SISTÉMICAS Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
127
depósitos crónicos, levando a uma estrutura em placa densa podendo tornar-se permanentes.
Os exsudatos duros sub-foveais deixam sequelas com diminuição da acuidade visual, devido a
lesões nos fotorreceptores. A oclusão nos capilares retinianos na camada de fibras nervosas
origina isquémia e interrupção do fluxo axoplasmático com acúmulo do material transportado
pelos axônios ocasionando um aspecto branco e opaco. Estas lesões são conhecidas como
manchas algodonosas ou exsudatos moles. As hemorragias profundas (puntiforme) são
características da retinopatia diabética. Se forem superficiais (em chama de vela) ou apenas
periféricas deve suspeitar-se de outra etiologia que não a retinopatia diabética. O edema da
mácula é a principal causa da diminuição da acuidade visual na retinopatia diabética não
proliferativa. Resulta de alteração da barreira hemato-retiniana com aumento da
permeabilidade e derrame a nível dos capilares e arteríolas acarretando um espessamento
retiniano focal ou difuso. As IRMAs (intra-retinal microvascular abnormalities ou anomalias
microvasculares intra-retinianas) são dilatações, tortuosidades e irregularidade no calibre dos
capilares retinianos. A neovascularização é uma complicação grave da retinopatia diabética
que pode levar a perda acentuada ou total de visão por hemovítreo, proliferação vítreo-
retiniana e/ou descolamento da retina. A oclusão capilar e arteriolar e a perda da auto-reto-
regulação dos vasos retinianos condicionam uma diminuição do aporte de oxigénio. Sob
hipóxia persistente os pericitos, as células endoteliais e o epitélio pigmentar da retina irão
libertar factores de crescimento vascular (tais como o factor de crescimento de fibroblasto
básico, factor de crescimento do endotélio vascular e factor de crescimento de substância
análoga a insulina), promovendo uma neovascularização compensatória.
Classificação da retinopatia diabética
A retinopatia diabética pode ser classificada de acordo com a sua gravidade em proliferativa
(RDP) e não proliferativa (RDNP). A mais utilizada é a classificação clínica internacional do
GDRPG – Global Diabetic Retinopathy Project Group 2002 (quadro 1) feita com base na
observação do fundo ocular/retinografia e tendo como base a classificação do ETDRS (Early
Treatment Diabetic Retinopaty Study).
VII – MANIFESTAÇÕES OCULARES DE DOENÇAS SISTÉMICAS Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
128
Classificação da RD / Grau de gravidade proposto
Sinais encontrados na fundoscopia
Sem retinopatia aparente Sem alterações RD não proliferativa ligeira Risco de RDP – 1 ano: 5%
Apenas microaneurismas
RD não proliferativa moderada. Risco de RDP – 1 ano: 5-27%
Mais do que apenas microaneurismas mas menos do que RDNP grave.
RD não proliferativa grave Risco de RDP – 1 ano: 50%
Qualquer um dos seguintes: (regra 4:2:1) - hemorragias intraretinianas nos quatro quadrantes (nº ≥ 20 hemorragias por quadrante) - vasos em rosário em dois ou mais quadrantes -anomalias microvasculares intraretinianas (IRMA) em pelo menos um quadrante - Sem sinais de retinopatia proliferativa
RDNP muito grave Risco de RDP - 1 ano: 75%
2 ou mais lesões de RDNP grave
RD proliferativa -Neovascularização ou -Hemorragia vítrea/pré-retiniana
A RDP pode ser classificada de acordo com a sua gravidade da seguinte forma:
RDP baixo risco NVD (neovasos no disco óptico) <1/4 DA (disco de área) ou NVE (neovasos “elsewhere” ou não papilares) <1/2 DA.
RDP alto risco NVD (no DO ou dentro de 1 D) mas com área ≥ 1/4 do D ou NVE associada a hemorragia vítrea ou pré-retiniana.
RDP com doença ocular diabética avançada
Qualquer dos seguintes: hemovítreo/ hemorragia pré-retiniana Rubeose da íris Descolamento de retina traccional Proliferação fibrovascular com tracção
O edema macular pode ser classificado como clinicamente significativo se apresentar:
Espessamento da retina a 500 µm ou menos da fóvea ou Exsudatos duros e espessamento da retina a 500 µm ou menos da fóvea ou Espessamento retiniano com área ≥ a 1 DD e a menos de 1 DD do centro da fóvea.
A classificação Clínica Internacional / Graus de gravidade do Edema macular (GDRPG –
Global Diabetic Retinopathy Project Group 2002; International Council of Ophthalmology
utiliza a seguinte terminologia:
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Classificação / Grau edema macular Sinais encontrados
EM aparentemente ausente Sem espessamento aparente da retina ou exsudados duros
EM aparentemente presente Algum espessamento retiniano ou exsudados duros no pólo posterior
Se está presente edema macular (EM), pode ser classificado da seguinte forma:
Ligeiro: Algum espessamento retiniano ou exsudados duros no pólo posterior mas distantes do centro da mácula Moderado: Espessamento retiniano ou exsudados duros aproximando-se do centro da mácula mas não o atingindo Grave: Espessamento da retina ou exsudados duros atingindo o centro da mácula
A presença de exsudados duros constitui um sinal de edema macular, recente ou em fase de
reabsorção. O Edema Macular Diabético (EMD) é definido como um espessamento da retina.
Classicamente a observação tridimensional da retina é efectuada pela observação do fundo
ocular com lente usando o biomicroscópio/fotografias estereoscópicas do fundo ocular. O
OCT (ocular optic coherent tomography ou tomografia de coerência óptica) ao mostrar fluido
intra ou sub-retiniano permite quantificar o edema retiniana e avaliar a sua progressão com ou
sem tratamento.
A angiografia fluoresceínica é o exame complementar standard para a avaliação da
retinopatia diabética. Permite identificar os focos ou áreas de oclusão e de derrame capilar e
arteriolar, os microanuerismas e os neovasos. Constitui, de facto, o único meio de detectar e
estudar áreas de isquémia retiniana e, particularmente, de isquémia macular. Outras situações
em que a angiografia fluoresceínica poderá ser usada são a avaliação de alterações da
acuidade visual sem causa aparente, os quadros de RDNP severa para determinar o grau de
isquémia retiniana e na detecção de NVE subtis em pacientes com RDP. A angiografia
fluoresceínica não é um método adequado para o rastreio de RD.
Tratamento
Tratar a retinopatia diabética é uma tarefa difícil e complexa. Múltiplos factores influenciam o
resultado da acção terapêutica. O atraso no tratamento é a causa mais evidente de insucesso
terapêutico mas outros factores existem que levam ao insucesso ou sucesso relativo no
controlo da RD, particularmente no controlo do edema macular difuso. A intervenção ao nível
dos factores sistémicos é crucial para o sucesso de qualquer das propostas terapêuticas. Nunca
VII – MANIFESTAÇÕES OCULARES DE DOENÇAS SISTÉMICAS Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
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será demais referir que está amplamente provado que o rigoroso controlo metabólico da
diabetes, da hipertensão arterial e dislipidémias, assim como evitar factores de risco tais como
a obesidade (controlo do perímetro abdominal e índice de massa corporal) são importantes
para a evolução desta patologia, assim como a prática regular de exercício e a alimentação
com fibras, verduras e frutos, dieta de tipo Mediterrânica. É geralmente aceite, e de acordo
com as observações e conclusões de vários estudos, o interesse e sinergismo terapêutico de:
1- controlo metabólico com redução tanto quanto possível do Hb A1c para valores 7
% ou o valor da glicémia em jejum de 110 mg/dl;
2- controlo da TA diastólica sempre 80 mmHg, sistólica 130mmHg. (ADA);
3- controlo do colesterol e triglicerídeos;
4- redução da obesidade com dieta adequada;
5- programa de actividade física diária;
6- função renal mantida.
A nível oftalmológico recomenda-se o seguinte PROTOCOLO:
1- Sem lesões de retinopatia diabética: Controle oftalmológico anual
Excepções:
Diabetes tipo 1 – o primeiro controlo será feito após a puberdade ou depois de
passados 5 anos do diagnóstico de diabetes. A partir do início da puberdade o controlo anual é
obrigatório dado o alto risco de complicações e carácter agressivo das mesmas.
Gravidez – A primeira observação deverá ser efectuada antes da concepção ou o mais
cedo possível no primeiro trimestre, sendo as reavaliações aos 3-6 meses se não for detectada
RD (ou esta for ligeira) ou 1-3 meses se for detectada RDNP moderada. Estadios mais graves
são abrangidos pelo protocolo respectivo de acordo com a gravidade.
2- a – Com retinopatia não proliferativa ligeira ou moderada mas sem edema macular:
controle oftalmológico anual (ligeira) ou semestral (moderada);
2- b -Retinopatia diabética não proliferativa ligeira ou moderada com edema macular
ameaçando a fóvea: tratar o edema macular com fotocoagulação laser e reavaliar às 8 a 12
semanas. Se o edema não ameaçar a fóvea (não clinicamente significativo) recomenda-se
reavaliar entre 2 a 4 meses.
3- Com retinopatia diabética não proliferativa grave
Avaliações a cada 2-4 meses. Os períodos mais curtos são aconselhados para os diabéticos
tipo1, insistindo na necessidade de optimizar o controlo metabólico (mais de metade dos
pacientes (50,2%) desenvolverão RD proliferativa em menos de 1 ano e cerca de 1/3 destes
VII – MANIFESTAÇÕES OCULARES DE DOENÇAS SISTÉMICAS Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
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(14,6%) terão RDP de alto risco). Apesar de nos estudos ETDRS, não ser formalmente
recomendada a fotocoagulação panretiniana, deverá ser uma opção nestes doentes, em
especial nos seguintes casos: doentes que não vão cumprir com o esquema de seguimento
(lembramos que o controlo deve ser realizado pelo menos de 4 em 4 meses); mau controlo
metabólico da diabetes; ter realizado previamente cirurgia de catarata; ter catarata parcial que
vai impedir futura fototerapia laser; laser prévio a cirurgia de catarata; gravidez; olho adelfo
com RD proliferativa; hipertensos graves; diabetes 1 no jovem – por ter um desenvolvimento
muito agressivo e rápido.
No caso de uma RDNP muito grave aconselha-se uma panfotocoagulação (em 4 ou 5 sessões
cada uma de 400-500 impactos de 500 micra na retina), com intervalos médios de 3 semanas
entre sessão. Se existir edema macular associado dever-se-á proceder de acordo com o que se
descreve à frente. O doente deverá ser controlado ao fim de aproximadamente 2-4 meses do
fim do esquema de fotocoagulação panretiniana (PRP) e, se a RD se encontrar inactiva e
estável, passar a ser reobservado cada 6 meses.
4- -Retinopatia diabética proliferativa
Na RDP deve ser realizada, logo que possível, a fotocoagulação laser panretiniana (PRP)
sendo esta ainda mais urgente, nos casos de RDP com critérios de alto risco, devido à
possibilidade de perda acentuada de visão por hemorragia vítrea. Neste caso será
recomendável terminá-la em um a dois meses, em sessões espaçadas de uma a duas semanas
efectuando 500-600 impactos de 500 micra na retina ou equivalente, de acordo com a lente de
tratamento laser em uso. O controlo oftalmológico, após a realização da fotocoagulação
panretiniana, deve ser efectuado, preferencialmente, ao fim de 2-3 meses, devendo ser
encurtado este período nos casos mais graves. Os doentes já com pan-fotocoagulação, nos
quais não se verificou uma regressão completa dos neovasos, ou que apresentem novas áreas
de neovascularização na retina, no disco ou no segmento anterior (íris), ou ainda com novas
hemorragias vítreas, têm indicação para a realização de reforço do laser, em padrão “fill in”
(confluência) podendo ir até aos 4 ou 5 mil spots. Se ainda assim a situação não se estabiliza
ou se se observam zonas de risco, deve-se proceder a cirurgia vítreo-retiniana (CVR). A
vitrectomia está também indicada em casos de proliferação fibrovascular com tracção macular
associada, hemovítreos refractários ou recorrente, descolamentos traccionais da retina que
coloquem a visão em risco, rubeose ou neovasos refractários ao laser.
VII – MANIFESTAÇÕES OCULARES DE DOENÇAS SISTÉMICAS Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra
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Conclusão
A Retinopatia Diabética é a primeira causa de cegueira na idade produtiva. É uma doença
multifactorial sendo o tempo de duração da Diabetes mellitus e o controle metabólico os
principais factores de risco. A patogénese da retinopatia diabética permanece ainda apor
compreender na sua totalidade. Os achados fundoscópicos que se encontram na retinopatia
diabética são os microaneurismas, exsudatos duros, manchas algodonosas, hemorragias intra,
ou pré-retinianas, edema da mácula, IRMAs, vasos em rosário, neovascularização e
descolamento de retina. Os microaneurismas são os primeiros achados fundoscópicos. O
edema de mácula por um lado, o hemovítreo e o descolamento de retina, por outro, são as
principais causas de cegueira na retinopatia diabética não proliferativa e proliferativa,
respectivamente. O diagnóstico precoce, a prevenção (recomendações gerais de controle
metabólico, pela Hb glicosilada, prevenção de co-morbilidade e cuidados na gravidez) e o
seguimento são importantes para retardar o início ou progressão da retinopatia diabética,
levando a um melhor prognóstico. O tratamento padronizado para a retinopatia diabética é a
fotocoagulação laser, focal ou em grelha macular para o edema macular e a fotocoagulação
pan-retiniana para a RDP. As formas complicadas de retinopatia diabética proliferativa
poderão ser tratadas cirurgicamente.
B- RETINOPATIA HIPERTENSIVA
Introdução
A hipertensão arterial (HTA) está associada a lesões vasculares no cérebro, coração, rins e
olhos. A retinopatia hipertensiva consiste num conjunto de alterações dos vasos da retina que
estão relacionadas com lesões microvasculares causadas pela pressão arterial elevada. A HTA
causa constrição arteriolar focal e/ou generalizada, muito provavelmente mediada por auto-
regulação. Esta é a resposta primária das arteríolas da retina à HTA. No entanto, o grau de
constrição depende da fibrose pré-existente. Por esta razão, a vasoconstrição hipertensiva é
observada, na sua forma pura, apenas em indivíduos jovens. Em indivíduos mais idosos, a
rigidez das arteríolas da retina devida a esclerose previne o aparecimento do mesmo grau de
vasoconstrição observado nos indivíduos mais jovens. Uma duração prolongada de uma
tensão arterial particularmente elevada pode levar ao aparecimento de alteração da
permeabilidade da barreira hemato-retiniana, com derrame de plasma e glóbulos vermelhos,
aparecimento de hemorragias, manchas algodonosas e depósitos lipídicos intra-retinianos
(exsudatos duros) em forma de estrela macular. O aumento brusco da TA (hipertensão
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acelerada) pode estar associado a necrose fibrinóide a nível das arteríolas coroideias, edema
da papila, manchas algodonosas, hemorragias e oclusão de áreas da coriocapilar.
Patogénese
A retinopatia hipertensiva é caracterizada por:
Vasoconstrição arteriolar: pode ser focal ou difusa. A HTA grave pode levar ao
desenvolvimento de manchas algodonosas.
Aumento da permeabilidade vascular: provoca hemorragias retinianas em forma de
chama de vela e edema da retina. O edema crónico da retina pode resultar no
aparecimento de exsudados duros, à volta da fóvea, com uma configuração macular
em estrela. O edema do disco óptico surge na HTA acelerada.
Arteriolosclerose: Ocorre espessamento da parede do vaso, caracterizado
histologicamente por hipertrofia e hialinização. O sinal clínico mais importante é a
presença de alterações em cruzamentos arterio-venosos. A sua presença indica que a
HTA está presente há muitos anos.
Estadiamento
1. Classificação de Keith-Wagener-Barker (1939)
Alterações vasos da retina Manifestações sistémicas
Grupo 1 Vasoconstrição ligeira das arteríolas, esclerose e arteríolas tortuosas
HTA ligeira, assintomática
Grupo 2 Contrição focal, esclerose e cruzamentos arterio-venosos
HTA persistente Poucos sintomas
Grupo 3 Retinopatia: manchas algodonosas, arteriolosclerose e hemorragias
HTA persistente Cefaleias, vertigens, alterações ligeiras das funções renal, cardíaca e cerebral
Grupo 4 Edema neuro-retiniano, papiledema; estrias de Siegrist*; pontos de Elschning**
TA persistentemente aumentada. Cefaleias, astenia, perda ponderal, dispneia; alteração das funções renal, cardíaca e cerebral
*Hiperpigmentações lineares do epitélio pigmentado localizadas sobre vasos coroideus com esclerose (coroidopatia hipertensiva) ** Áreas do epitélio pigmentado amareladas (fase aguda) ou hiperpigmentadas e com uma margem hipopigmentada (fase de cicatrização) que recobrem zonas de oclusão da coriocapilar (coroidopatia hipertensiva).
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2. Classificação de Scheie (a mais utilizada - 1953):
Estadio 0 – diagnóstico de HTA, mas sem alterações visíveis a nível da retina Estadio 1 – Estreitamento arteriolar difuso, sem contrição focal; alargamento do reflexo luminoso com compressão arterio-venosa mínima Estadio 2 – Estreitamento arteriolar mais pronunciado, com contrição focal; alteração do reflexo da luz e cruzamentos artério-venosos mais pronunciados Estadio 3 – Estreitamento focal e difuso com hemorragia retiniana; arteríolas com aspecto em fio de cobre; cruzamentos com compressão artério-venosa mais proeminente Estadio 4 – Edema da retina, exsudados duros, edema do disco óptico; arteríolas com aspecto em fio de prata; cruzamentos artério-venosos muito alterados
3. Classificação de Scheie modificada
Grau 0 – sem alterações Grau 1 – raros estreitamentos arteriais Grau 2 – Estreitamentos arteriais com constrições focais Grau 3 – alterações encontradas no grau 2 + hemorragias da retina e/ou exsudados Grau 4 – grau 3 + edema do disco
Sintomas
Pode estar associada a cefaleias. A diminuição da acuidade visual pode ocorrer em estadios
mais avançados.
Sinais
- Vasoconstrição arteriolar localizada ou generalizada, normalmente bilateral - HTA crónica:
alterações dos cruzamentos artério-venosos arteriolosclerose alargamento do reflexo da luz (aspecto em fio de cobre e de prata) manchas algodonosas hemorragias em chama de vela macroaneurismas arteriais oclusão de um ramo da artéria ou veia central da retina
- HTA maligna (acelerada): exsudados duros, com configuração macular em estrela edema retiniano manchas algodonosas hemorragias em chama de vela papiledema Necrose fibrinóide
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Diagnóstico diferencial
Retinopatia diabética: as hemorragias normalmente são mais pequenas; os microaneurismas
são comuns.
Doenças do colagéneo: podem apresentar-se com múltiplas manchas algodonosas, mas sem outros sinais característicos de retinopatia hipertensiva.
Anemia: predomina a hemorragia, sem alterações marcadas nas artérias Retinopatia por radiação: pode ser semelhante à retinopatia diabética. Oclusão da veia central da retina ou oclusão de ramo da veia central da retina:
hemorragias múltiplas, unilaterais, veias dilatadas e tortuosas, sem vasoconstrição arteriolar; pode ser consequência de HTA.
Tratamento
Controlar a HTA e, se for secundária, tratar a causa.
C- DOENÇAS HEMATOLÓGICAS
Além de hemorragias subconjuntivais e de hifemas (sangue na câmara anterior) espontâneos,
os pacientes portadores de leucemias podem apresentar sinais de hiperviscosidade e congestão
retiniana, predispondo à oclusão venosa retiniana (de ramo ou da veia central). O sinal mais
característico (mas não patognomónico) das leucemias é a mancha de Roth no fundo de olho,
(hemorragias com acumulação de fibrina no centro). Além disso, os doentes podem
desenvolver edema de papila como manifestação de envolvimento do SNC ou palidez de
papila. Existe envolvimento ocular em cerca de 100% das leucemias. Os infiltrados retinianos
podem assemelhar-se a manchas algodonosas. Nas anemias poderá opbservar-se hemorragias,
exsudatos algodonosos e tortuosidade venosa. O aumento acentuado da viscosidade sanguínea
tem sido demonstrado nas policitémias e leucemias, que se caracterizam por um acréscimo
absoluto ou relativo do número de elementos celulares existentes na corrente sanguínea. O
mesmo acontece nas hemoglobinopatias com aumento da viscosidade e resistência ao fluxo
sanguíneo, iniciando-se, assim um círculo vicioso de deficiência em oxigénio cada vez maior,
falciformação progressiva e estase venosa mais acentuada. Valores muito elevados de
viscosidade plasmática estão presentes ainda em muitas disproteinémias e são uma
característica da macroglobulinémia, a qual se caracteriza pela presença no sangue de
globulinas de grande peso molecular. Também no mieloma múltiplo a presença duma
hiperproteinémia causa um acentuado aumento na viscosidade plasmática. Um aspecto de
relevo na patologia vascular retiniana destas doenças é o facto de, em muitos casos, o sistema
venoso retiniano ser o único que apresenta lesões, encontrando-se os vasos uveais, cerebrais e
de outros territórios vasculares do organismo, completamente normais.
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O quadro oftalmoscópico que se observa nestas doenças caracteriza-se pela turgescência
venosa, mais ou menos acentuada, mostrando-se os ramos venosos dilatados e sinuosos. As
lesões vasculares são mais acentuadas na periferia. Podem surgir zonas de edema,
microaneurismas e neovascularização. As lesões exsudativas são geralmente profundas e
constituem exsudatos duros. Na policitémia o sinal mais característico é a dilatação venosa
generalizada com coloração avermelhada muito acentuada do fundo. Na drepanocitose são
mais frequentes as neoformações vasculares, principalmente na periferia.
Finalmente na macroglobulinémia e na mielomatose os ramos venosos, dilatados e muito
tortuosos, adoptam aspectos característicos em “fiada de salsichas” ou em “colar de pérolas”,
com extrema abundância de microaneurismas.
A alteração capilaro-venosa inicial fundamentalmente responsável pelo desencadeamento do
processo lesivo parece ser a proliferação endotelial reactiva à maior viscosidade, estase e
hipoxémia local, a qual acarreta alteração da Barreira Hemato-Retiniana, com exsudação,
formação de microaneurismas e desenvolvimento de pequenas oclusões capilaro-venosas que
mais contribuem para o agravamento do processo.
D- DOENÇAS IDIOPÁTICAS
1- Sarcoidose
É uma doença crónica que afecta vários órgãos entre os quais o globo ocular. As
manifestações oculares surgem em cerca de 20 - 50% dos casos e constituem o primeiro sinal
da doença em cerca de 7%. Pode apresentar a nível ocular uveíte anterior, uveite posterior,
uveite intermédia, nevrite óptica e granulomas conjuntivais ou da glândula lacrimal.
A sarcoidose é particularmente comum em mulheres de origem africana entre os 20 e 40 anos
de idade. As alterações laboratoriais incluem calcémia aumentada (12% dos doentes),
elevação da enzima de conversão da angiotensina (75%) e alterações no exame radiológico do
tórax (80%). Surgem queixas de astenia em 50% dos casos. A biopsia da conjuntiva é fácil e
informativa. As alterações oculares da sarcoidose podem ocorrer sem quaisquer sintomas
pelo que é importante enviar para exame oftalmológico todos os doentes com suspeita de
sarcoidose. O envolvimento do sistema nervoso central é mais frequente quando há alterações
oculares.
Uma das alterações que pode ocorrer na sarcoidose é o aparecimento do olho seco por
infiltração inflamatória da glândula lacrimal, uma situação que surge também numa grande
variedade de patologias do foro reumatológico. Note-se que estas doenças do tecido conectivo
apresentam também alterações do fundo ocular em que predominam as vasculites. Nestas
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situações, contudo, as arteriolites são as mais frequentes. Os sintomas que são característicos
de olho seco incluem a sensação de ardor ou de corpo estranho (areias) nos olhos,
especialmente no fim do dia. Há também acumulação de muco nas pálpebras ao acordar. Por
vezes, os pacientes aceitam com dificuldade um diagnóstico de olho seco por apresentarem
epífora, por a secura do olho ser tal que causa lacrimejo reflexo. O tratamento inclui a
aplicação em colírio de lágrimas artificiais e por vezes um colírio lubrificante ao deitar. Por
vezes, em associação com patologias sistémicas graves, como na artrite reumatóide a situação
pode ser grave e causar problemas corneanos.
2- Toxémia da gravidez
Pode provocar oclusão dos vasos coroideus e descolamento exsudativo da retina. Em regra
melhora após o parto.
E- NEOPLASIAS
1- Metástases
Afectam o globo ocular e anexos em 5% dos carcinomas. O pulmão, a mama, e o tracto
genito-urinário masculino são os locais mais frequentes de origem das metásteses. Estas
podem provocar diminuição da acuidade visual, exoftalmia e defeitos do campo visual ao
atingirem o SNC, a coroide ou a órbita.
2- Linfoma histiocitário: Afecta o olho e o cérebro. Causa uveite refractária ao tratamento
com anti-inflamatórios.
Síndrome de Von Hippel-Lindau
Associação de hemangioblastoma de retina ou nervo óptico com manifestações sistémicas,
como hemangioblastoma de medula espinal ou cerebelo, tumores como carcinoma renal ou
feocromocitoma, quistos renais, pâncreáticos, hepáticos, pulmonares ou nos ovários e
policitemia. O hemangioblastoma de retina aparece entre a 2ª e 3ª décadas de vida e causa
diminuição da acuidade visual.
Neurofibromatose
Doença autossómica dominante com penetrância e expressividade variadas.
Caracteristicamente, os pacientes com neurofibromatose apresentam nódulos de Lisch na íris.
Podem apresentar fibromas das pálpebras, neurofibromas plexiformes e hemiatrofia facial. O
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glaucoma congénito que pode surgir é unilateral, associado a neurofibroma ou hemiatrofia
facial no mesmo lado e é de difícil controle. No fundo de olho, pode haver nevus coroideu,
astrocitomas de retina ou gliomas do nervo óptico.
Síndrome de Sturge-Weber
Doença caracterizada pela presença de hemangiomas em pele e meninges. Glaucoma
congénito pode estar presente no mesmo lado do nevus flameus, principalmente se a lesão de
pele afecta a pálpebra superior. É de difícil tratamento. Também pode desenvolver
hemangioma da episclera ou de corpo ciliar.
F- ALTERAÇÕES HORMONAIS
1- Oftalmopatia tiroideia
Poderá existir oftalmopatia tiroideia com eutiroidismo. De facto, muitos casos apresentam a
doença oftalmológica sem evidências clínicas ou laboratoriais da doença endócrina. A
oftalmopatia tiroideia é a causa mais comum de exoftalmia (ou proptose) uni e bilateral. O
paciente poderá apresentar queixas de lacrimejo, fotofobia, sensação de corpo estranho e
diplopia. Há dois estágios da doença orbitária: inflamatório agudo e quiescente. Na fase
aguda, o olho apresenta-se congestionado, com edema palpebral e periorbital, com hiperemia
conjuntival (mais pronunciada na região da carúncula) e quemose. Há infiltração celular de
tecidos intersticiais e hipertrofia dos músculos extrínsecos. Os pacientes podem desenvolver
quadros de olho seco. Caracteristicamente, apresentam o sinal de Von Grafe: ao olhar para
baixo, a pálpebra superior não acompanha o movimento ocular em sincronia. Esses pacientes
desenvolvem retracção palpebral e proptose. A preocupação nessa fase é a queratopatia de
exposição e a neuropatia compressiva. Devido à proptose e à retracção palpebral, não é
possível a muitos desses pacientes realizar oclusão palpebral, mantendo conjuntiva e córnea
expostas. Também devido à hipertrofia e à congestão dos músculos extrínsecos, pode haver
compressão do nervo óptico, o que leva a diminuição da acuidade visual e defeitos de campo
visual. Esses pacientes podem ser tratados com corticoterapia, radioterapia ou descompressão
orbitária dependendo de cada caso.
Na fase não-aguda, o paciente pode desenvolver diplopia e restrição dos músculos, como
resultado de fibrose dos mesmos. A cirurgia de estrabismo está indicada em casos específicos.
2- Tumores da hipófise: compressão do quiasma ou nervos craneanos com defeitos
campimétricos, diminuição da acuidade visual e oftalmoplegia.
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G- ALTERAÇÕES PSÍQUICAS
Alterações funcionais visuais podem estar associadas a histeria, somatização ou simulação. As
queixas mais frequentes incluem perda de visão monocular ou binocular, visão tubular,
diplopia, espasmos palpebrais e dor ocular.O diagnóstico diferencial com alterações orgânicas
pode ser difícil. Existem vários testes para detectar simulação. Um método simples consiste
em avaliar a acuidade visual a distâncias diferentes. Se um paciente vê 1/10 a 6 metros, deve
ver 2/10 a 3 metros e 4/10 a 1,5 metros. Um simulador em regra vê sempre 1/10 a qualquer
distancia.
Manifestação ocular – pálpebras, músculos, anexos
Doenças sistémicas associadas
Entrópion / Ectrópion Penfigóide cicatricial, doença de Hansen, síndrome de Stevens-Johnson
Exoftalmia Doenças de tiróide, pseudotumor orbitário, celulites orbitárias, vasculites orbitárias, mucormicose, fístula arteriovenosa, trombose de seio cavernoso
Retracção palpebral Doenças da tiróide, síndrome de Parinaud, hidrocefalia, síndrome de Down, uremia
Ptose Idade, paralisia ou regeneração aberrante de III par, síndrome de Horner, miastenia gravis, distrofia miotónica, miopatia
Edema da pálpebra Alergia, anasarca, hipotiroidismo, síndrome da veia cava superior
Xantelasmas Hipercolesterolémia Poliose (cílios ou sobrancelhas brancos prematuramente)
Síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada, síndrome de Waardenburg
Madarose (perda de cílios) Alopecia generalizada, psoríase, mixedema, LES, Sifilis, doença de Hansen, doenças psiquiátricas
Estrabismo Sistema nervoso central, pares craneanos, miopatias Manifestação ocular – Conjuntiva Doenças sistémicas associadas Hemorragia sub-conjuntival HTA, manobra de Valsalva, discrasias sanguíneas,
idiopática, deficiência em vitamina C Pigmentação conjuntival Alteração racial, melanoma, doença de Addison,
gravidez, radiação, drogas (clorpromazina), intoxicação por metal (arginose)
Simbléfaro (aderência entre conjuntiva tarsal e ocular)
Síndrome de Stevens-Johnson, radiação, penfigóide cicatricial
Olho seco Querato-conjuntivite sicca, doenças reumatológicas, alergias.
Conjuntivite Alergias, infecçao por clamídeas, herpes Manifestação ocular – Córnea, esclera, episclera
Doenças sistêmicas associadas
Esclerite LES, artite reumatóide, doença de Wegener, poliarterite nodosa, herpes zóster
Opacificação da córnea, ceratite Doenças metabólicas (mucopolissacaridose, mucolipidose), paralisia do facial com exposição da córnea, artrite reumatóide, LES
Anel de Kaiser-Fleischer D. Wilson Esclera azul Osteogénese imperfeita Dilatação dos vasos episclerais Melanoma de úvea, fístula arteriovenosa, policitemia
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vera, leucemia, trombose de veia oftálmica ou de seio cavernoso
Manifestação ocular – Úvea (íris, coróideia e corpo ciliar)
Doenças sistémicas associadas
Heterocromia de íris Síndrome de Horner, carcinoma metastático, síndrome de Waardeburg, hemossiderose, siderose, leucemia, linfoma.
Uveíte anterior Doenças reumatológicas (artrite reumatóide, artrite reumatóide juvenil), infecciosas (sífilis, tuberculose, toxoplasmose, Hansen), doença de Behçet, sarcoidose, espondilartropatias
Aniridia (ausência de íris) Tumor de Wilms Metástases para coróide Mama, pulmão, sistema gastrointestinal, rins, testículos Manifestação ocular – Cristalino Doenças sistêmicas associadas Ectopia lentis (luxação ou subluxação do cristalino)
Síndrome de Marfan, síndrome de Weil Marchesani, homocistinúria
Catarata Galactosemia, rubéola congênita, síndrome de Down, síndrome de Patau, síndrome de Edwards, síndrome de Turner
Microesferofaquia (cristalino pequeno e redondo) Síndrome de Weil Marchesani Manifestação ocular – Retina e nervo óptico Doenças sistêmicas associadas Astrocitoma de retina e nervo óptico Esclerose tuberosa Glioma de nervo óptico Neurofibromatose Hemangioma capilar da retina Síndrome de von Hippel-Lindau
Estrias angióides Pseudoxantoma elástico, doença de Ehlers-Danlos, doença de Paget
Edema da papila HTA, Arterite de células gigantes, hipertensão intra-craneana benigna (bilateral ou papiledema)