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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa Universidade Federal da Paraíba 15 a 18 de agosto de 2017 ISSN 2236-1855 3297 MANOEL BOMFIM E HELOÍSA MARINHO: CONCEPÇÕES ACERCA DA EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA ENTRE OS SÉCULOS XIX E XX, NO BRASIL Patrícia Regina Silveira de Sá Brant 1 Rosa Batista 2 Introdução Este trabalho propõe-se a problematizar concepções de infância, de criança e sua educação presentes nos discursos de Manoel Bomfim e Heloísa Marinho. Manoel Bomfim pensa a criança na fase escolar no âmbito da instrução pública dos anos finais do século XIX aos anos 1930. Heloísa Marinho pensa a criança na fase pré-escolar, no contexto dos jardins de infância, nas décadas de 1930 a 1970. Ambos com atuação efetiva na formação de professores no Rio de Janeiro. Acreditamos que esses intelectuais foram tardiamente referenciados na história do pensamento pedagógico moderno brasileiro, assim como pouco considerados nos estudos históricos da criança e da infância. Pretendemos problematizar o discurso de ambos a partir de duas obras em especial. No caso de Manoel Bomfim, o discurso “O respeito à criança” 3 , de 1906, proferido às normalistas na qualidade de paraninfo, Diretor Geral da Instrução Pública e professor da Escola Normal. A obra de Heloísa Marinho é “Vida e Educação no Jardim de Infância”, cuja primeira edição data de 1952 4 . Ao considerar haver uma “significativa tradição de estudos acadêmicos sobre o tema dos intelectuais” na história da educação no Brasil, Vieira (2008) observa, com relação aos anos 2000: “Intelectuais e tradições intelectuais antes desconhecidas vieram à tona, retirando das sombras personagens e cenários antes eclipsados pelo volume significativo de pesquisa sobre alguns líderes do Movimento pela Escola Nova no país”, dos quais destaca 1 Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina. E-Mail: <[email protected]>. 2 Pós-doutoranda pelo Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNPD), na Universidade do Sul de Santa Catarina, Agência financiadora - MEC/CAPES. E-Mail: <[email protected]>. 3 Ao Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa em História da Educação (CDAPH), do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação da Universidade São Francisco, nosso agradecimento sincero pelo acesso a essa obra de Manoel Bomfim. 4 Utilizamos a terceira edição, de 1967, revista e ampliada.

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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 3297

MANOEL BOMFIM E HELOÍSA MARINHO: CONCEPÇÕES ACERCA DA EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA ENTRE OS SÉCULOS XIX E XX, NO BRASIL

Patrícia Regina Silveira de Sá Brant1

Rosa Batista2

Introdução

Este trabalho propõe-se a problematizar concepções de infância, de criança e sua

educação presentes nos discursos de Manoel Bomfim e Heloísa Marinho. Manoel Bomfim

pensa a criança na fase escolar no âmbito da instrução pública dos anos finais do século XIX

aos anos 1930. Heloísa Marinho pensa a criança na fase pré-escolar, no contexto dos jardins

de infância, nas décadas de 1930 a 1970. Ambos com atuação efetiva na formação de

professores no Rio de Janeiro. Acreditamos que esses intelectuais foram tardiamente

referenciados na história do pensamento pedagógico moderno brasileiro, assim como pouco

considerados nos estudos históricos da criança e da infância.

Pretendemos problematizar o discurso de ambos a partir de duas obras em especial. No

caso de Manoel Bomfim, o discurso “O respeito à criança”3, de 1906, proferido às normalistas

na qualidade de paraninfo, Diretor Geral da Instrução Pública e professor da Escola Normal.

A obra de Heloísa Marinho é “Vida e Educação no Jardim de Infância”, cuja primeira edição

data de 19524.

Ao considerar haver uma “significativa tradição de estudos acadêmicos sobre o tema

dos intelectuais” na história da educação no Brasil, Vieira (2008) observa, com relação aos

anos 2000: “Intelectuais e tradições intelectuais antes desconhecidas vieram à tona,

retirando das sombras personagens e cenários antes eclipsados pelo volume significativo de

pesquisa sobre alguns líderes do Movimento pela Escola Nova no país”, dos quais destaca

1 Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina. E-Mail: <[email protected]>. 2 Pós-doutoranda pelo Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNPD), na Universidade do Sul de Santa Catarina,

Agência financiadora - MEC/CAPES. E-Mail: <[email protected]>. 3 Ao Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa em História da Educação (CDAPH), do Programa de Estudos

Pós-Graduados em Educação da Universidade São Francisco, nosso agradecimento sincero pelo acesso a essa obra de Manoel Bomfim.

4 Utilizamos a terceira edição, de 1967, revista e ampliada.

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Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira e Lourenço Filho (2008, p. 67)5. Podemos considerar

ainda, nesse ajuste, a máxima de Sirinelli (1996, p. 246), quando se refere aos intelectuais

considerados de menor “notoriedade”, mas que, engajados na vida da cidade, “tiveram

importância enquanto viveram [...] sem terem adquirido uma reputação relacionada com seu

papel real, representaram um fermento para as gerações intelectuais seguintes, exercendo

uma influência cultural e mesmo às vezes política”.

Ao propormos este estudo, consideramos que o pensamento sobre a infância e as

crianças brasileiras no âmbito histórico da institucionalização de sua educação ainda precisa

encontrar eco nos atuais estudos da área. Dussel e Caruso (2002) enfatizam que os saberes e

práticas educativas são históricos, “produzidos por indivíduos sociais, por pensadores,

grupos, instituições que atuaram em outros contextos”, e mesmo tendo surgido “em situações

concretas como respostas a desafios e problemas específicos, [...] provavelmente, quando as

utilizamos hoje em dia, ainda trazem parte desses significados” (2002, p. 17). Neste sentido,

pretendemos revisitar esses dois intelectuais cujas obras primam pelo rigor do aporte teórico

com base nos estudos da psicologia. Assim, tomamos as palavras de Freitas (2002) em

relação à obra de Manoel Bomfim, as quais entendemos poder estender à Heloísa Marinho:

Talvez a identificação das contrafaces de momentos e pessoas ícones da história da infância ou das disciplinas acadêmicas a ela relacionadas, possa ser reconhecida como estratégia metodológica necessária para compor um movimento analítico complexo, o qual possa ser identificado como uma história das ideias sobre a criança (FREITAS, 2002, p. 346).

Recorremos à análise crítica do discurso de Fairclough (2001) que propõe “o uso de

linguagem como forma de prática social” (p. 90), o que implica situar o discurso como um

modo de ação que altera o mundo e os indivíduos no mundo, sugerindo uma espécie de

relação dialética entre discurso e estrutura social.

Ao propormos trazer concepções de infância, de criança e de sua educação por esses

dois intelectuais, circunscritas em duas obras pontuais e, portanto, não procedendo

cotejamento com outras, ou seja, não analisando a trajetória do pensamento de Manoel

Bomfim e Heloísa Marinho no interior de suas próprias obras, o fazemos com a clareza dos

limites que este trabalho nos impõe e sabedores de que um estudo mais aprofundado, já em

curso, é que possibilitará uma envergadura desse porte.

5 Para Brandão (2002), a historiografia sobre o tema da Escola Nova teria sido desenvolvida por meio da construção de uma certa memória-monumento forjada pelos próprios Pioneiros.

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Educação moderna: entre a liberdade e o controle

No Brasil do início dos anos 1900, Manoel Bomfim declara, ao dirigir-se às

normalistas: “Infelizmente, porém, as formas e os processos educativos estão muito longe de

corresponderem a esse ideal, que as condições sociais modernas nos impõem” (1906, p. 14).

Referia-se Bomfim a uma educação moderna que, libertadora de “consciências”, possibilitaria

formar “inteligências livres”, desde as crianças. Combatia assim o “espírito autoritário e

dogmático, que inspirava educação dos regimes de submissão” (1906, p. 15), que ainda

assombrava a educação moderna e liberal. Ou seja, a educação moderna convivia com ideais

que não lhe diziam respeito. Na esteira desse ideal, nos anos iniciais da década de 1950,

Heloísa Marinho assevera, ao dirigir-se a professoras da pré-escola: “O desenvolvimento é

criador. A atividade livre da criança proporciona excelente meio à educação da inteligência

[...]” (1967, p. 51).

Para Fairclough, (2001) “[...] a constituição discursiva da sociedade não emana de um

livre jogo de ideias nas cabeças das pessoas, mas de uma prática social que está firmemente

enraizada em estruturas sociais materiais, concretas, orientando-se para elas” (2001, p. 92).

Nesse sentido, procuramos situar o discurso de Manoel Bomfim, que antecede o de Heloísa

Marinho, em um contexto em que foram propagadas importantes ideias que encontraram eco

na educação nas sociedades ocidentais, entre a segunda metade do século XIX e as primeiras

décadas do século XX.

Cambi (1999) fala de uma “antinomia constitutiva” que atravessa e escora o projeto

moderno de educação, pela constância de um tensionamento entre liberdade e controle, que

reverbera na pedagogia e em sua teorização6.

A Modernidade nasce como uma projeção pedagógica que se dispõe, ambiguamente, na dimensão da libertação e na dimensão do domínio, dando vida a um projeto complexo e dialético, também contraditório, animado por um duplo desafio: o da emancipação e o da conformação, que permanecem no centro da história moderna e contemporânea como uma antinomia constitutiva, talvez não superável, ao mesmo tempo estrutural e caracterizante da aventura educativa do mundo moderno (1999, p. 203, grifos nossos).

Nessa “aventura educativa” da segunda metade do século XIX, o método de ensino

intuitivo é adotado em escolas europeias, norte-americanas e brasileiras7, ao mesmo tempo

6 Cambi (1999) situa Rousseau como um pedagogo atento a essa antinomia da educação moderna, ao delinear duas pedagogias: a “conformadora e conformista” na obra “Contrato” e a “individualista e libertária” em “Emílio” (p. 217).

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em que “tratados, congressos e debates sobre a melhor forma de confinar as crianças para

melhor educá-las mobilizaram educadores, médicos, higienistas, arquitetos e intelectuais

europeus e norte-americanos” (SOUZA, 2014, p. 65). E, ao final desse século, assiste-se ao

feito da universalização e consolidação do ensino primário, chegando ao Brasil, juntamente

com uma nova organização do ensino e de métodos na educação das crianças: “O método

individual, [...], cedeu lugar à predominância do ensino simultâneo, à expansão da escola de

várias classes e vários professores; o método intuitivo foi adotado como ícone da renovação

pedagógica e da modernização do ensino (SOUZA, 2014, p. 37).

Em consonância com esse fenômeno, no Brasil a obrigatoriedade e universalização do

ensino primário confeririam à nação o status de país civilizado. Mas não exclusivamente, pois

a saúde e a educação se emaranham de modo tal a se tornarem dependentes em prol da

consolidação das bases de uma nação moderna. As crianças, sua infância e sua educação

passam a fazer parte da agenda dos discursos sobre a construção de uma sociedade moderna:

“A proteção à infância é o motor que a partir do final do século XIX impulsiona em todo o

mundo ocidental a criação de uma série de associações e instituições para cuidar da criança,

sob diferentes aspectos [...]” (KUHLMANN JR., 2011, p. 464, grifos do autor).

Vale lembrar que no contexto brasileiro essa efervescência em torno da discussão sobre

a educação da criança e os rumos dessa educação, enquanto pilar das nações civilizadas

modernas, passa pela formação do campo educacional8 e pela atuação dos intelectuais. A

intelectualidade brasileira, entre as décadas finais do século XIX e as iniciais do século XX,

atua como difusora e mediadora das ideias europeias e norte-americanas acerca da educação

no país9 e dos padrões civilizatórios para a formação do Estado-Nação, influindo

decisivamente na implantação das instituições republicanas, dada sua efetiva atuação na

esfera pública: “[...] a afirmação dos valores e das instituições republicanas, a causa da

educação do povo e da formação das elites dirigentes são temas que amalgamaram correntes

e tendências culturais e produziram a atmosfera intelectual do período” (VIEIRA, 2004, p. 3,

grifos do autor).

Em prol dessa “missão civilizatória reclamada pelos intelectuais, a questão educacional

ocupou uma dimensão sem precedentes” na pauta da formação da nacionalidade, da

7 Valdemarim (2014), em sua análise sobre a implicação das teorias filosóficas nos métodos de ensino, credita ao empirismo de Bacon e Locke, situado no século XVII, influência determinante em manuais didáticos do método de ensino intuitivo, para além das teorizações de Pestalozzi e Froebel.

8 Vieira (2015) destaca que o conceito de campo, de inspiração bourdesiana, deve ser utilizado com cuidado no contexto que abarca a primeira metade do século XX no Brasil. Em especial, na esfera educacional, defende a noção de campo em formação, um ajustamento para a realidade brasileira.

9 Essas ideias pedagógicas teriam sido utilizadas pela intelectualidade “para justificar reformas no sistema público de ensino, bem como sustentar práticas de formação de professores [...]” (VIEIRA, 2015, p. 79).

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industrialização e do projeto da modernidade (VIEIRA, 2004, p. 3)10. Daros (2013) lembra

que, na cena republicana brasileira, os diferentes projetos de reconstrução nacional em

disputa na busca por legitimidade junto ao Estado explicitavam os interesses em jogo, assim

como suas convicções: “[...] a educação condensava expectativas de controle e organização

social e política e o sistema escolar era considerado um valioso recurso de poder. [...] alvo de

uma acirrada disputa” (2013, p. 360).

Nesse cenário, a implantação das instituições republicanas no Brasil pensadas para a

educação do povo e tendo como mote a educação da criança foi acompanhada pela

cientificidade:

O debate que se iniciou no Brasil no último quartel do século XIX, buscando afastar a educação do plano estritamente moral, político e religioso, ganhou força na primeira metade do século XX. Nos anos de 1930 a Psicologia, a Biologia e a Sociologia, assim como o método experimental, ocuparam grande espaço na elaboração de diferentes teorias da educação, relegando aquelas questões mais afeitas à filosofia para um segundo plano (VIEIRA,

2015, p. 85-86).

Nos domínios da educação, a autoridade da psicologia experimental demarcada por

técnicas de mensuração se propagou, passando a redefinir a pedagogia: “A ciência da

pedagogia amparada na pedagogia do cientista representava, também, a indicação de uma

direção a ser tomada pela sociedade como um todo”, de modo a associar ciência e instrução

na direção de um mundo, agora moderno, civilizado e saudável, tendo como ponto de partida

a criança (FREITAS, 2002, p. 351).

Nesse mesmo sentido, respirando os ares do cientificismo, ideias e teorias explicativas

difundidas a partir da Europa11 encontram ressonância no Brasil e passam a ditar a máxima

de que a composição multirracial do povo brasileiro seria um grande impedimento para a tão

desejada formação da nação. Teorias essas adotadas “por uma parcela considerável dos

intelectuais brasileiros, [...] tendo influência dominante no pensamento social e político do

Brasil, principalmente porque supostamente eivada em dados científicos” (PRIORI &

CANDELORO, 2009).

A intelectualidade brasileira que se ocupava da educação possuía formação diversa,

assim como eram diversos os campos nos quais atuava. No afã de edificar a nação brasileira

10 Uma primeira geração de intelectuais, situada por Pécault (1990) entre os anos 1920 e 1940, teria reivindicado junto ao Estado a autoridade para uma missão política e civilizatória na formação da consciência nacional e promoção da organização social. Já Miceli (2001) combate a ideia dessa missão, pois o Governo Vargas, ao investir no aparato burocrático público e instâncias de produção cultural, entre 1930 e 1945, teria cooptado uma parcela de intelectuais, que por sua vez estabeleciam seus projetos.

11 Dentre as quais, o positivismo de Comte, o evolucionismo de Spencer, o transformismo de Darwin (CAMBI, 1999).

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moderna, a educação não estava restrita ao terreno pedagógico, com o início da República,

seja pela consolidação da pedagogia enquanto saber científico, seja pela mobilização dos

“diferentes agentes interessados nos rumos do país e preocupados em enfrentar as causas do

‘atraso’ brasileiro” (GONTIJO, 2010, p. 13).

É nesse contexto que o médico Manoel Bomfim abandona a carreira na saúde e se

dedica à educação12, realizando estudos, exercendo a docência e defendendo ideias muito

peculiares e em grande medida pioneiras. Por vezes, ideias na contramão do que se ditava

como exemplar, e que comporão o cenário sob o qual Heloísa Marinho irá atuar, também de

modo singular.

Buscamos nos estudos de Vieira (2007; 2015a) o entendimento sobre o que seria o

intelectual moderno da primeira metade do século XX. Sem perder de vista a percepção das

singularidades constituidoras dos intelectuais, também os concebe pela percepção de uma

identidade em comum, ou seja, por recorrências perceptíveis no comportamento social

desses intelectuais, a saber:

1) Sentimento de pertencimento ao estrato social que, ao longo dos séculos XIX e XX, produziu a identidade social do intelectual; 2) engajamento político propiciado pelo sentimento de missão ou dever social; 3) elaboração e veiculação do discurso que estabelece a relação entre educação e modernidade; 4) assunção da centralidade do Estado como agente político capaz de realizar as reformas sociais (VIEIRA, 2011, p. 3, apud VIEIRA, 2015a, p. 7, grifos nossos).

Por meio da discussão conceitual que envolve a polissemia do uso do termo, situamos

Manoel Bomfim e Heloísa Marinho como importantes intelectuais para os estudos históricos

da criança, da infância e do pensamento educacional brasileiro. Procuramos trazê-los à tona

a partir de suas singularidades, mas também pelo que teriam em comum e pela interface que

acreditamos haver em suas ideias.

Manoel Bomfim: “rebelde esquecido”, “vestígio antecedente”

Nascido em Sergipe, em 1868, Manoel Bomfim conclui seus estudos na Faculdade de

Medicina do Rio de Janeiro em 1890, sendo nomeado médico da Secretaria de Polícia do Rio

de Janeiro em 1891 e, no ano seguinte, tenente-cirurgião da Brigada Policial, época em que

publica seus primeiros artigos. Em 1893, pela oposição política ao presidente Floriano

Peixoto, exila-se com a família no interior de São Paulo. Ao retornar para o Rio de Janeiro,

12 Contudo, o médico sempre esteve presente no educador. No laboratório do Pedagogium, à psicologia experimental aliou seus conhecimentos médicos (OLIVEIRA, 2014).

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um ano depois, abandona a carreira na medicina13, sendo nomeado subdiretor do

Pedagogium14, permanecendo na instituição até seu fechamento, em 1919. Entre 1905 a 1911,

envolve-se em atividades políticas15. Desde 1897 era professor na Escola Normal, vindo a

assumir a cadeira de Pedagogia e a responder como diretor interino, ao mesmo tempo em

que passa a diretor de Instrução Pública do Distrito Federal, esse último cargo até 1900. Por

meio da comissão pedagógica nomeada pela prefeitura, em 1902 vai para Europa estudar

Psicologia, sendo aluno de Alfred Binet e Georges Dumas, no mesmo laboratório frequentado

pelo então jovem Jean Piaget16, retornando ao Brasil um ano depois17. Em 1906 retorna ao

Pedagogium como diretor interino, ano em que inaugura nessa instituição o primeiro

laboratório de psicologia experimental do país. Em 1916 é nomeado professor de Psicologia

Aplicada e Educação da Escola Normal (FREITAS, 2002; GONTIJO, 2010). Paralelamente,

Bomfim tem atuação efetiva na produção editorial, como redator, secretário, fundador ou

diretor em obras como o mensário “Educação e Ensino”, revista oficial da Instrução Pública,

ou o periódico “A República”. Em 1905, junto com outros intelectuais, cria a revista infantil

“O Tico-Tico”, por 56 anos editada (AGUIAR, 2000; FREITAS, 2002; GONTIJO, 2010).

Árduo defensor da educação como caminho precípuo para a superação dos atrasos da

nação brasileira, Manoel Bomfim morre em 19 de abril de1932, ano em que é lançado o

Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova em defesa do ensino público gratuito, laico e

obrigatório, causas defendidas intensamente por ele. Bomfim publicou obras de cunho

didático para o curso primário e ensino médio, dentre as quais “Através do Brasil: livro de

leitura para o curso médio” (1910), escrito com Olavo Bilac, tendo alcançado, até 1962, 64

edições; escreveu livros expondo suas ideias progressistas sobre a construção da nação

brasileira e sobre sua história, assim como sobre as nações latino-americanas como em “A

América Latina, males de origem” (1903), situando-o como um crítico à historiografia;

dedicou obras aos estudos da psicologia, dentre as quais “Noções de psychologia”, que reúne

as notas de seu curso ministrado na Escola Normal (1916), e “O método dos testes” (1926).

13 A morte da filha primogênita durante seu exílio em São Paulo teria desencadeado a desilusão do médico com a profissão (AGUIAR, 2000).

14 Freitas (2002) atribui ao Pedagogium o envolvimento maior de Bomfim com a educação, instituição concebida como um museu pedagógico, vindo a se tornar um centro de estudos e pesquisa, com vistas a reformas no ensino público.

15 Em 1907, deixa a Instrução Pública Municipal e assume vaga na Câmara dos Deputados, tentando reeleição no ano seguinte, sem êxito (GONTIJO, 2010).

16 Em 1923, Bomfim publicou o livro “Pensar e Dizer” sobre o papel da linguagem na psique humana como instância socializadora, mesmo ano da publicação de “A linguagem e o pensamento da criança na Europa”, de Piaget (GONTIJO, 2010).

17 Os postos alçados por Manoel Bomfim nos lugares por onde passou podem ser em grande medida atribuídos a uma rede de sociabilidade mantida por meio de afinidades pessoais ou profissionais, inclusive entre intelectuais que divergiam de suas ideias (MALLMAN, 2016).

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Em “Lições de pedagogia: teoria e prática” (1915)18, que reúne suas aulas na Escola Normal

do Distrito Federal, dedicou-se a documentar sua prática docente e guardar a memória dos

conteúdos lecionados diante das reformas curriculares em curso nessa instituição (AGUIAR,

2000; FREITAS, 2002; GONTIJO, 2010; OLIVEIRA 2014).

Aguiar (1998) apresenta Manoel Bomfim como um intelectual de seu tempo, por sua

vida e obra, embora esquecido entre os grandes ícones a partir de seu “contradiscurso”. Este

diz respeito, entre outras ideias, àquela que o intelectual sergipano defendeu enfaticamente,

contra o racismo científico, à época absorvido por grande parte da elite dirigente e da

intelectualidade. A partir desse contradiscurso, Bomfim formula sua tese de que a superação

dos males do Brasil e da América Latina se daria pela educação.

Para Bomfim, seria por meio de indivíduos devidamente instruídos em sua capacidade

de liberdade e responsabilidade que se chegaria à verdadeira democracia, e não pelo

progresso. Sustenta sua tese de que a educação e instrução do povo, e a transformação do

quadro educacional brasileiro, “romperia com a herança colonial e iniciaria o progresso

renovado do desenvolvimento”, ideia que teria acompanhado toda a sua trajetória intelectual

(PRIORI & CANDALERO, 2009, p. 4). O atraso brasileiro seria explicado pela falta de

instrução do povo e não pela sua composição multirracial. Nesse contradiscurso, quando se

referia à criança aludia convicto ao povo brasileiro que, “recuperado pela sua instituição mais

importante – a escola primária – possuía os predicados suficientes para emancipar o país

como um todo [...], desembaraçá-lo dos séculos de deformação originados no processo de

formação colonial a que foi submetido [...]” (FREITAS, 2002, p. 368).

Para Fairclough (2001), na representação do discurso há uma organização que interfere

em seus tipos, funções e na sua força “ilocucionária”, no sentido de se querer “impor uma

interpretação para o discurso representado” (2001, p. 155). Desse modo, considera que o

produtor do texto se utiliza do recurso da “pressuposição” em sua composição, ou seja,

proposições tomadas como estabelecidas, como identificado no discurso de Bomfim em

relação à educação como redentora dos males brasileiros.

O contradiscurso sobre os rumos tomados pela psicologia experimental também

comporá as ideias pioneiras desse intelectual. Em meio à força que tomaram no Brasil a

psicometria e a pedagogia experimental, a criança e o homem miscigenado tornaram-se

“objetos de práticas laboratoriais destinadas a aferir possibilidades e, principalmente,

18 Oliveira (2014) destaca que, mesmo não tendo escrito um livro para educação de professores, o conteúdo apresentado de forma complexa nessa obra teria cumprido tal tarefa, não devendo em nada “se comparada aos diferentes compêndios que circularam, destinados à formação de professores” (2014, p. 78).

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impossibilidades das pessoas, diante dos imperativos da civilização”. Manoel Bomfim teria

sinalizado ser possível estruturar uma ciência da criança que não se limitasse à

antropometria e à eugenia (FREITAS, 2002, p. 349).

Além de problematizar a contribuição da psicologia experimental para a pedagogia,

Bomfim declara-se contrário à educação autoritária e dogmática dos oitocentos, tomando

como ideal da educação “formar indivíduos que saibam ser livres, justos e bons. [...] Homens

livremente ativos, com o sentimento justo das suas responsabilidades, realmente humanos e

sociais – eis o que se pede à educação moderna, a que se dá o nome de educação liberal”

(BOMFIM, 1906, p. 13). Contudo, destaca que a educação liberal não constitui ausência de

uma intervenção educativa, mas de formação do caráter: “É o apuro das energias individuais,

pela definição e a afirmação das vontades e aptidões” (BOMFIM, 1906, p. 14).

Freitas (2002), ao recuperar os estudos de Bomfim sobre a criança, empenha-se em

“desgrudar obra e autor da condição de parte de um contexto que só se materializa como

interesse historiográfico enquanto ‘prenúncio de uma era’, esta sim representada como uma

era governada pela moderna ciência do conhecimento sobre a criança” (2002, p. 348). O

autor defende que, mesmo devendo ser pensado como contraface ao período que segue, no

qual Lourenço Filho despontaria nos estudos da psicologia da educação brasileira com os

“Testes abc”, não faria sentido “aferir o quantum de Lourenço Filho já estava presente na

obra de Manoel Bomfim”, dadas as realidades e contextos distintos19 (FREITAS, 2002, p.

369). Ao tratar do caráter inovador do trabalho de Manoel Bomfim, “que antecipou o de

outros em alguns aspectos”, lembra que o intelectual sergipano “é mais do que um vestígio do

tempo no qual a psicologia da educação ensaiava os primeiros passos” (2002, p. 369), ou

seja, Bomfim20 vem sendo tratado equivocadamente como “vestígio antecedente”.

Em seu discurso são evidenciadas profundas zonas de luz e sombra que perpassam sua

trajetória no campo da educação. Não se trata de analisar com profundidade sua adensada

trajetória, tampouco suas diferentes obras, mas de recuperar suas contribuições acerca das

concepções de infância, criança e educação no discurso dirigido às normalistas em 1906 – “O

respeito à criança” –, que reverberaram no pensamento pedagógico moderno no Brasil.

Imbuído de espírito nacionalista que emergia no Brasil Republicano, Bomfim destaca-se por

suas ideias de caráter sociológico e histórico acerca da realidade brasileira, ao colocar em

19 Freitas (2002) lembra que Lourenço Filho teria referenciado Bomfim na história da formação da Psicologia no Brasil.

20 Antunes (2016) destaca que nas obras de Bomfim aparecem concepções em acordo com a época, já criticadas e superadas, mas também ideias que, ainda permanecendo nos campos da Pedagogia e da Psicologia, são criticáveis, o que não diminui a potência de sua produção.

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evidência as condições de vida da população e a condição de ser brasileiro. Nesse sentido,

lança luzes sobre a educação da criança como uma obra social e histórica:

Se a Educação é o preparo moral do ser humano e a formação dos elementos sociais, fôra impossível conduzi-la bem sem ter em vista as condições da vida moral e civil nas sociedades para que se preparam os indivíduos, condições que se apresentam hoje, essencialmente diversas do que eram há cem ou duzentos anos (BOMFIM, 1906, p. 12).

A identificação da infância como objeto de intervenção educativa, circunscrita às

condições da vida moral e civil na sociedade, vai constituir-se, na perspectiva de Bomfim, na

alavanca que possibilitará uma intervenção que as condições sociais modernas impõem.

Neste sentido, destaca Freitas (2002, p. 360), Bomfim assume a bandeira em defesa da

universalização da instrução primária, projetando-se como pesquisador da individualidade

infantil no que diz respeito aos processos de aprendizagem. Uma educação moderna cujo

“preceito básico é o respeito absoluto à individualidade da criança. A criança tem que ser

assistida, guiada, nutrida, confortada sem que porém a sua personalidade seja deformada ou

suplantada” (BOMFIM, 1906, p. 13). Conservar o que é próprio da criança, “garantir-lhe a

plena posse da sua personalidade, armá-la para a vida, protegê-la contra as perversões e

servidões possíveis” (1906, p. 14).

Na educação do “novo homem” exigida pela nova ordem social pensada por Bomfim, a

criança é objeto de uma intervenção pedagógica pautada na sua conservação e

aperfeiçoamento, perspectivando o homem que será, o cidadão que se busca edificar. A

educação da criança constitui-se como uma questão social e moral contra as condições reais

de miséria e pobreza em que estão imersas, num modelo de sociedade cujas implicações

econômicas, políticas e sociais estão enraizadas “na lógica da dominação externa imposta

pelo colonialismo combinada com a dominação interna imposta pelas elites dirigentes”

(PRIORI e CANDELORO, 2009, p. 3).

A educação da infância é defendida por Bomfim como instrumento de formação e

desenvolvimento do que existe potencialmente nos indivíduos: o espírito da iniciativa, a força

da vontade própria, a espontaneidade, a independência e diversidade de aptidões e

originalidade (BOMFIM, 1906). Sua crítica ao espírito dogmático e autoritário da educação

da criança dirige-se à lógica da submissão própria do colonialismo e da dominação das

classes dirigentes:

Os que mais se apuram num sistema educativo, tornam-se talentos de receptividade, instrumentos úteis de vontades alheias... Fôra mesmo impropriedade chama-los educados. São adestrados... Precisam permanentemente de quem os queira possuir e saiba fazer valer as

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habilidades que adquiriram. Tais indivíduos, qualquer que seja o regime político são os menos livres do universo, formarão permanentemente o rebanho dos conduzidos e dos espoliados, confundidos e incaracterizados, como os tipos da animalidade inferior – lesmas e sanguessugas, tôdas com a mesma feição, as mesmas raias, nos mesmos pontos (BOMFIM, 1906, p. 16).

Em seu discurso, Bomfim apresenta-se como defensor de uma criança peculiar,

inocente e dotada de qualidades específicas. Desse modo, a educação da criança tem como

premissa o reconhecimento da sua incompletude, da falta de “maturidade” intelectual e

moral, da incapacidade de controlar seus desejos. Por isso, a ideia de adaptação ou

acomodação ao meio21:

A criança é instável nos seus projetos, inconsistente, aparentemente ilógica no proceder, porque não sabe ajustar a sua atividade inexperiente à vivacidade dos desejos. Tôda dificuldade lhe parece invencível. Indicai-lhe os meios de disciplinar as suas próprias forças, e levai-lhe a convicção de que não há dificuldades para uma vontade tenaz e inteligente, numa alma capaz de desejos fortes (BOMFIM, 1906, p. 20).

Uma concepção romântica de criança impera nos contributos de Bomfim, no que se

refere aos atributos inerentes a sua atividade natural: “Os corações infantis, puros e

confiantes” precisam ser nutridos pelo educador por meio da sua bondade e afeto para um

desabrochar da consciência (BOMFIM, 1906, p. 11). Desse modo, “O verdadeiro educador é

um libertador de consciências, um revelador de talentos, um definidor de caracteres; e só se

pode confiar essa missão às inteligências livres, aos corações sinceros e bons, aos caracteres

lógicos e vigorosos” (1906, p. 14).

Bomfim faz referência aos “defeitos” da criança que, sejam herdados ou adquiridos,

deveriam ser corrigidos por ela própria. Fala da indisciplina como forma de resistência, como

uma “revolta interior” da criança diante de uma educação que lhe tolhe “de toda a

originalidade e de toda a iniciativa” (1906, p. 17): “É a consciência pessoal do aluno que

deveis visar. [...] Se há defeitos a corrigir, apresentai-os à consciência da criança – que ela os

reconheça e os examine, e por si mesma, esforçadamente, os corrija” (1906, p. 18). E insiste:

“Restituí à criança a plenitude das suas energias, revigorai o seu caráter, e assista por vós, ela

se corrigirá, sem que a sua individualidade se deforme, ou venha perder as qualidades que

lhe dão relevo” (1906, p. 18). Para Bomfim, é pelo apelo à razão e consciência da criança que

se consegue sua obediência e não pela imposição. Do mesmo modo, pelo instinto da imitação

a criança naturalmente obedece, dado que repete atos e pensamentos observados nas

atividades sociais.

21 Filiado à teoria de Darwin, para Bomfim a natureza da criança deveria ser trabalhada em função da acomodação ao meio, mas sem interferir na natureza infantil (OLIVEIRA, 2014).

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Poderíamos falar também de uma visão romântica da sociedade, uma utopia, nesse

discurso de Bomfim às normalistas, quando se refere a um novo tempo em curso e da “livre

harmonia” nas relações sociais: “Desapareceu na ordem civil e na vida moral essa vontade

superior, impositiva, dominadora das consciências; a soberania se generalizou pela

universalidade dos cidadãos, e é na liberdade e na justiça que se baseia toda a organização

social” (BOMFIM, 1906, p. 12-13).

Heloísa Marinho: “uma tradição esquecida”

A professora Heloísa Marinho nasceu em 1903 na cidade de São Paulo, e faleceu em

1994, no Rio de Janeiro. Formou-se em 1923 como professora primária no Curso Normal do

Colégio Bennett (RJ): “Da Universidade de Chicago, onde as ideias de John Dewey criaram a

escola ativa, a professora Eva Louise Heyde trouxe, em 1921, para o Colégio Bennett, a

renovação” (MARINHO, 1980, p. 149). Os ideais da “renovação” estiveram presentes na sua

formação inicial no Brasil, advindos da Universidade de Chicago, onde mais tarde iria

estudar, concluindo o bacharelado em Psicologia e a especialização em Filosofia, em 1928.

De volta ao Brasil, leciona Psicologia Geral no Colégio Bennett, em 1929. Em 1934

ingressa no Instituto de Educação do Rio de Janeiro (IERJ)22 como professora assistente de

Lourenço Filho23, o que sinaliza a consolidação da influência escolanovista em sua trajetória

intelectual. Em 1936, na Universidade de Frankfurt, na Alemanha, estuda a Psicologia da

Gestalt. No Colégio Bennett, em 1939, empreendeu a implantação do Instituto Técnico para

formar professoras pré-primárias e, dez anos depois, o curso de Especialização em Educação

Pré-Primária, sendo inicialmente categorizado como pós-normal e, posteriormente,

reconhecido como curso superior (LEITE FILHO, 2011).

Algumas de suas pesquisas publicadas foram desenvolvidas no IERJ, com apoio do

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP). Sua produção pode ser

situada entre os anos 1930 e 1970, a exemplo das publicações: “A influência Social na

Formação do Gosto” (1937), sob orientação do professor norte-americano Karl Duncker;

“Aprendizagem da escrita na escola primária” (1940); “O vocabulário da criança de sete anos”

(1944), sob orientação de Lourenço Filho; “Métodos de Ensino da Leitura” (1945); “Lógica e

desenho” (1945); “Escala do Desenvolvimento Físico, Sociológico e Social da Criança

22 O IERJ é constituído, desde a sua criação, em 1932, de uma escola secundária e de uma escola de professores, tendo como anexos, para fins de demonstração e prática de ensino, um jardim de infância e uma escola primária (LEITE FILHO, 1997, p. 2).

23 Por sua atuação no IERJ com Lourenço Filho, passa a ser reconhecida como professora e pesquisadora, mas também como autoridade da educação pré-primária no campo da educação (LEITE FILHO, 2011).

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Brasileira” (1957). Heloísa Marinho é autora de quatro livros: “Vida e educação no Jardim de

Infância”, de 1952; “Vida, Educação e Leitura”, 1976; “Currículo por Atividades”, 1978, e

“Estimulação Essencial”, 1978.

Suas ideias também circularam por meio de publicações nos boletins da Organização

Mundial de Educação Pré-Escolar (OMEP)24. Publicou artigos em revistas, editou e produziu

muitos trabalhos, incluindo o filme “O jogo de Construção” (1938), matérias em jornais,

monografias, textos, ensaios e apostilas. Realizou pesquisas sobre a linguagem da criança,

sempre embasada em estudos empíricos, sob influência ou orientação dos

professores/pesquisadores com os quais teve contato em universidades estrangeiras.

Algumas das suas pesquisas faziam parte de programas nacionais do INEP.

Heloísa Marinho é lembrada por Leite Filho (1998) como “uma tradição esquecida”,

mesmo diante de sua vida e obra. Ou seja, vemos nessa autora outra voz que pouco apareceu

na história do pensamento pedagógico moderno e na história das ideias sobre a criança e sua

educação. Os estudos sobre a professora Heloísa Marinho anunciam inicialmente sua

importância na educação pré-escolar do Rio de Janeiro, segundo Leite Filho (1998),

considerada “a educadora de quase todas as educadoras dos jardins de infância na cidade do

Rio de Janeiro, no período que vai de 1934 até 1978” (p. 5). Já Brant (2013)25 evidencia a

abrangência do pensamento de Heloísa Marinho para além das fronteiras do Rio de Janeiro,

em especial, por meio dos cursos oferecidos pela OMEP em suas diversas regionais,

afirmando que suas ideias encontraram eco na formação de professoras em outras cidades

brasileiras.

“Vida e Educação no Jardim de Infância”, seu primeiro livro, foi organizado em 195226,

juntamente com um grupo de professoras, pela necessidade de sistematização do trabalho e

orientação da docência com crianças pequenas, em razão da escassez de publicações: “Nas

livrarias eram quase inexistentes os bons livros sobre o assunto. Uns que outros encontrados,

eram escritos em idioma estrangeiro e, portanto, inacessíveis à maioria dos professores”

(SILVEIRA, 1967, p. 8).

Nessa obra, Heloísa Marinho consubstanciou seu pensamento e suas ideias sobre um

“bom jardim de infância” e uma “boa professora”, balizadas nos ideais escolanovistas. Desse

24 Leite Filho (2011) destaca que Heloísa Marinho sempre se fez presente na organização, “quer na vida associativa, em cursos e encontros nacionais, quer em congressos internacionais” (2011, p. 96). Brant (2013) ressalta em pesquisa dos boletins da OMEP Brasil de 1975, 1976 e 1977, que a circulação de seu pensamento se deu por meio da divulgação de cursos ministrados, publicação de artigos e propaganda de suas obras.

25 Nessa pesquisa, o pensamento de Heloísa Marinho é trazido como um dos pilares na constituição do perfil das primeiras professoras da educação infantil da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis, na década de 1970.

26 O livro utilizado nesta pesquisa é a terceira edição, de 1967, revista e ampliada.

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modo, “a educação deveria ser desenvolvida pela experiência, com respeito à maturidade de

cada criança, às diferenças individuais e às suas potencialidades criadoras. [...] para colocar

em marcha a educação nova” (BRANT, 2013, p. 189).

Em consonância com essa concepção de educação, Heloísa Marinho defendia na

formação de professoras “sobretudo, uma sólida fundamentação científica, estudos e

pesquisas experimentais sobre o desenvolvimento infantil e a observação da criança”

(KUHLMANN JÚNIOR, 2000, p. 486), assim como manifestava interesse e preocupação

com a atuação das professoras em outras realidades sociais.

Na educação das crianças, a “boa professora” deveria estimular a atividade espontânea

e o trabalho criativo, respeitando as diferenças, a capacidade e o nível de entendimento de

cada criança. Acreditava que “o progresso da criança apresenta acentuadas diferenças

individuais”. (MARINHO, 1967, p. 42) e que as atividades deveriam ser desenvolvidas a

partir do avanço natural e com afetividade: “No bom Jardim de Infância, o carinho das

mestras [...] sabe dirigir e estimular a criança sem imposição. [...] A evolução natural

determina o progresso das atividades” (1967, p. 44).

Segundo Fairclough (2001) é possível mapear conexões entre a linguagem do discurso e

as práticas sociais. Escolanovista convicta, Heloísa Marinho é enfática ao afirmar: “Não é

possível traçar normas rígidas de um programa pré-escolar. O desenvolvimento é criador. A

criança conquista seu mundo pela experiência própria” (MARINHO, 1967, p. 42). Em sua

opinião, a professora do jardim de infância não deveria dar aulas, mas orientar a criança,

mediar a aprendizagem pela experiência e vivência, o que não significa dizer que se

desprezaria o conhecimento e sim respeitar suas fases de desenvolvimento, sua natureza:

“Satisfação e contrariedade exercem influência decisiva na aprendizagem. A imposição de

tarefas demasiadamente difíceis, em desconformidade com a natureza infantil, prejudica a

educação” (1967, p. 84).

Heloísa Marinho, no decorrer de toda a obra “Vida e educação no jardim de infância”, é

enfática ao exaltar o papel do mundo social no desenvolvimento da criança. Acreditava que a

aprendizagem se daria pelo crescimento natural da criança nas vivências, por meio da

variedade de materiais e de experiências. Isso contribuiria não só para seu desenvolvimento,

como também para sua convivência social no jardim de infância e para a formação da sua

personalidade. Evidencia o papel do meio social ao tratar da importância da brincadeira na

incorporação de atitudes: “A experiência social precede a formação de conceitos intelectuais”

(MARINHO, 1967, p. 33). Quando refere-se à linguagem, também ratifica a valoração do

meio social: “Não há, pois, a menor dúvida em que a linguagem dependerá da atividade

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própria da criança; [...]. O meio social influencia a aquisição da linguagem e das ideias. A

pobreza de vivências e de contatos sociais tem como inevitável o atraso mental” (1967, p. 41,

grifos da autora).

Para Heloísa Marinho: “A atividade livre da criança proporciona excelente meio à

educação da inteligência, do gosto, da sociabilidade” (MARINHO, 1967, p. 51). Para essa

educadora, a espontaneidade da criança, se tolhida pelo adulto, retardaria o seu

desenvolvimento, independência e atividade criadora. Acredita que a riqueza de experiências

apresentadas à criança “aos poucos alargam o âmbito dos conhecimentos infantis”

(MARINHO, 1967, p. 29). Na orientação educativa propagada por Heloísa Marinho, a

liberdade de escolha e a evolução natural se constituem em premissas básicas a serem

respeitadas na realização das atividades pela criança, contribuindo para o desenvolvimento

de suas próprias aptidões. Desse modo, a professora de jardim de infância deveria “organizar

condições favoráveis à evolução criadora e natural, proporcionando variedade de material e

de experiências em ambiente de compreensiva convivência social” das crianças (1967, p. 49).

Todo o seu pensamento na obra “Vida e Educação no Jardim de Infância” é permeado pelo

respeito à criança e suas fases de desenvolvimento: “Não se pode exigir da criança

compreensão moral que não seja ao alcance de seu desenvolvimento” (1967, p. 35).

Algumas considerações

O respeito à individualidade da criança na formação de sua personalidade é recorrente

no discurso de Manoel Bomfim às normalistas em 1906. Liberdade, originalidade,

espontaneidade, iniciativa, vontade própria, independência são palavras valorizadas no

vocabulário empregado pelo autor e por ele utilizadas para definir a criança em seus ímpetos

naturais, os quais não deveriam ser reprimidos. Do mesmo modo, no contexto que segue o

de Bomfim, em 1952, encontramos no pensamento de Heloísa Marinho, pela obra dirigida às

professoras do jardim de infância, a mesma tônica discursiva do respeito às individualidades

infantis e da não imposição do adulto na educação das crianças, o que lhes roubaria a

espontaneidade, a criatividade, influindo na formação de sua personalidade. A relevância do

papel do meio social no desenvolvimento da criança e de sua personalidade está expresso nas

duas obras aqui revisitadas.

A identificação de uma mesma retórica discursiva ao longo dos anos, à luz dos estudos

de Fairclough (2001), é compreendida pela perspectiva intertextual atribuída aos textos,

acentuada por sua historicidade, de modo a naturalizar certos discursos no decorrer do

tempo. Freitas (2002, p. 368) já demarca ser “interessante notar que não há tema

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relacionado ao debate educacional suscitado na década de 1930 que não tenha sido

antecipado por Manoel Bomfim”.

Observa-se na retórica discursiva de Bomfim a relação constante que estabelece entre a

educação da criança e o adulto por vir, na representação do indivíduo social e produtivo, mas

posto que livre, feliz, esclarecido de sua capacidade e inteligência, “intrépido e ativo” para

criar e trabalhar em prol da sociedade moderna em curso: “Esse é o homem ativo, esse é o

indivíduo social. Nele o mundo se refaz, e a humanidade se engrandece e se renova”

(BOMFIM, 1906, p. 24). E conclui, no discurso dirigido às normalistas: “São esses os

cidadãos que realizam as democracias; são esses os cidadãos que deveis formar para o Brasil”

(Idem).

Podemos dizer que esses dois intelectuais em alguma medida se aproximam por suas

singularidades em torno de uma identidade em comum: ambos atuaram no magistério, em

especial, na formação de professores no Rio de Janeiro; confiavam na importância da

autoridade científica dos professores para a boa educação das crianças; tendo em comum a

formação em Psicologia, aplicaram com autoridade seus conhecimentos na área da educação,

primando pela pesquisa empírica em seus estudos; em suas obras as ideias sobre educação e

psicologia coexistem; o que pensaram sobre a criança, a infância e sua educação estava em

grande medida em sintonia; a produção de ambos não se restringiu aos livros publicados,

incluíram outros impressos de modo a diversificarem o modo de circular e propagar ideias;

pertenceram ao estrato da elite intelectual, cada qual em sua época, seja em atuações mais

particularizadas, seja no trabalho coletivo junto a outros intelectuais; a missão e o dever

social fizeram parte de suas trajetórias, seja pelos lugares que ocuparam, seja por

acreditarem potencialmente na educação da criança.

Em Manoel Bomfim e Heloísa Marinho, as concepções de criança, infância e sua

educação estão circunscritas a uma demarcação social e psicopedagógica na direção da

problematização da natureza da criança, que acompanha as décadas finais do século XIX e as

iniciais do século XX no Brasil, na esteira das ideias pedagógicas europeias e norte-

americanas então propagadas.

O modelo pedagógico apresentado por Manoel Bomfim coloca em primeiro plano: a

necessidade de fortalecimento individual para evitar a dependência a valores sociais

relacionados à submissão; o desenvolvimento das potencialidades e da capacidade voltadas

para a conservação e autonomia das crianças; a liberdade pela consciência. Tudo isso tendo

em vista “que implementam a formação de indivíduos que possuam condições de não se

submeter aos poderes estabelecidos porque são capazes de julgamentos e realização próprias”

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(VALDEMARIN, 2004, p. 169). Em Heloísa Marinho também conseguimos localizar tais

concepções, mas acreditamos ser por meio do contexto vivido por Bomfim que suas ideias se

evidenciam com mais clareza, ao se posicionar contrário ao poder impositivo dos “regimes de

submissão”, que acreditava ressoar diretamente na educação das crianças: “A sorte da

posteridade, o progresso, o futuro, dependem do que surge de novo e de imprevisto na

personalidade dessas crianças, que hoje vos são confiadas. Seria monstruoso conservá-las

como instrumentos das vossas vontades, quando, para fazer valer os dons pessoais, precisam

elas de ter vontade própria” (BOMFIM, 1906, p. 14).

Neste estudo explicita-se a concepção de criança, infância e sua educação

fundamentada na perspectiva da renovação da educação vinculada a um projeto de

transformação da sociedade, no qual a escola é considerada o lócus por excelência para

operar as transformações necessárias à implantação de um novo projeto de sociedade

fundamentado na ordem e no progresso. Egle Becchi (apud SOUZA, 2010, p. 162) considera

que “o século XX, comemorado como da ‘criança’, é portanto o século no qual a criança passa

de classe, de idade, de categoria, demográfica e civil à sujeito sempre mais individualizado,

governado, formado, estudado”. A criança ganha visibilidade, torna-se objeto de observação e

análise, estudada nas suas particularidades individuais e sociais, constituindo-se, este novo

conhecimento, no alicerce que edificará a nova concepção de ação educativa moderna e

científica.

Referências

AGUIAR, R. C. O rebelde esquecido: tempo, vida e obra de Manuel Bomfim. Rio de Janeiro: Topbooks, 2000. ANTUNES, M. A. M. Sobre a obra de Manoel Bomfim: Um estudo sobre lições de pedagogia: teoria e pratica da educação. Psicologia Escolar e Educacional, São Paulo. V. 20, n. 2, maio-ago, 2016: 397-402. BOMFIM, M. O respeito à criança. Discurso pronunciado como paraninfo de turma da Escola Normal, de 1906. Rio de Janeiro, 1906, 26 p. Acervo Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa em História da Educação (CDAPH) do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação da Universidade São Francisco. BRANT, P. R. S. S. Do perfil desejado: a invenção da professora de educação infantil da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis (1976-1980). Dissertação de Mestrado em Educação. Universidade do Estado de Santa Catarina. Florianópolis, 2013.

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