mandala: a ciranda do saber animando a prática do bem viver

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O sítio Vambira, situado em Viçosa do Ceará é uma comunidade surpreendente! Por um lado reconhecida pela grande produção de frutas, verduras e hortaliças, à base de agrotóxicos e por outro, está se tornando referência na produção orgânica desses mesmos produtos. Tudo começou há uns cinco anos, quando Conceição Galeno conheceu uma mandala pela TV e através de um Projeto da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Agrário (SDA), em parceria com o STTR, conseguiu R$ 3.100,00 para sua construção. A família tem movimentado os novos conhecimentos e práticas sobre a mandala em diversos espaços. Conceição(45) atua como secretária de mulheres do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) e integra o Grupo de Mulheres da Feira, seu esposo José Aparecido(43), está como presidente da Associação da Escola Família Agrícola da Ibiapaba – AEFARI, seus filhos: Lucas(15), estuda no Curso Técnico Agropecuário da Escola Família Agrícola da IBIAPABA – EFA, Giovane(27), faz o Curso Técnico Agrícola do Instituto Federal do Ceará, e Adriana sua esposa, agricultora e mãe de Jonas Levi (3) e Elias Davi (recém-nascido). Só Cleane(26) mora na cidade vizinha de Tianguá e trabalha no comércio. No início a vizinhança estranhou, achou que tudo era uma loucura, deixar de produzir de uma forma que “dá certo” para voltar ao que já passou, diziam alguns, mas Aparecido logo desmentia: “Não estou voltando estou progredindo, estou saindo do pior para o melhor. Tô visualizando a saúde não só da minha família, mas a saúde dos que estão consumindo o que estamos produzindo”. A mandala combina a produção de fruteiras, hortaliças, verduras, legumes, cereais, ervas cheirosas, medicinais e flores com a criação de peixes e aves. Os canteiros arredondados imitam o sistema solar e o tanque central corresponde ao sol. Assim a energia natural roda, como numa ciranda. A água é abundante, sai de um poço para o tanque central, descendo por gravidade e é trocada todos os dias. Se alguém na feira duvida dessa produção orgânica, logo Aparecido convida para uma visita à mandala. As que vão voltam mais confiantes. Alguns desafios ainda precisam ser vencidos: ter um banco de sementes orgânicas; garantir o selo participativo, construir um minhocário na mandala e promover uma maior divulgação dos produtos agroecológicos para favorecer o aumento da produção, do comércio, da renda familiar e o aperfeiçoamento das técnicas de produção, pela prática dos intercâmbios. Isso já vem acontecendo. A mandala tem recebido muitas visitas de consumidoras/es da Feira das Mulheres de Viçosa e de suas integrantes; professores e estudantes da Universidade Federal do Piauí e do Instituto Federal do Ceará, Campus de Tianguá; da Fundação Cepema; do Grupo de Agricultoras/es de Massapê, através da Cáritas e de famílias do P1+2 gerenciado pela ESPAF. Muitas trocas de saberes, novas práticas e transformações. Conceição se orgulha e não se cansa de repetir a história de Giovane que coletou várias lagartas e colocou-as separadamente em contato com caldas diferentes para descobrir qual delas tinha melhor efeito e descobriu. “A ideia de trabalhar sem o veneno, sem a química é um processo. A cada dia a gente vai aprendendo mais” (Conceição) e Lucas segue o mesmo ritmo “Antes eu não sabia como funcionava uma mandala, não gostava de trabalhar. Através do Francisco Antonio conheci esse projeto. Depois que vi essa forma de produzir diferente, que é a produção organicamente correta, me interessei, estou nela até hoje e não me arrependo”. Construindo novas relações onde tudo e todos estão interligados, Aparecido deixa um convite: “Gostaria que os produtores se juntassem à gente e deixassem essa ganância de querer sempre mais. Não adianta ter uma grande produção e a própria família que produz não consumir, por causa do veneno que usam nos produtos. Peço que repensem, que raciocinem, procurem mais informação e vejam o teor ofensivo dos venenos que estão usando, prejudicando a saúde da família deles e daqueles que consomem os alimentos que eles produzem”. Mandala: A ciranda do saber Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano 8 • nº1834 Julho/2014 Viçosa do Ceará animando a prática do bem viver Realização Apoio

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A história da família de Conceição na construção da Mandala é exemplar na região. Tem trazido profundas transformações no relacionamento famíliar e no modo de produção agrícola. A partir desse ponto, muitas outras relações têm se fortalecido.

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Page 1: Mandala: A ciranda do saber animando a prática do bem viver

O sítio Vambira, situado em Viçosa do Ceará é uma comunidade s u r p r e e n d e n t e ! P o r u m l a d o reconhecida pela grande produção de frutas, verduras e hortaliças, à base de agrotóxicos e por outro, está se tornando referência na produção orgânica desses mesmos produtos. Tudo começou há uns cinco anos, quando Conceição Galeno conheceu uma mandala pela TV e através de um Projeto da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Agrário (SDA), em parceria com o STTR, conseguiu R$ 3.100,00 para sua construção.

A família tem movimentado os novos conhecimentos e práticas sobre a mandala em diversos espaços. Conceição(45) atua como secretária de mulheres do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) e integra o Grupo de Mulheres da Feira, seu esposo José Aparecido(43), está como presidente da Associação da Escola Família Agrícola da Ibiapaba – AEFARI, seus filhos: Lucas(15), estuda no Curso Técnico Agropecuário da Escola Família Agrícola da IBIAPABA – EFA, Giovane(27), faz o Curso Técnico Agrícola do Instituto Federal do Ceará, e Adriana sua esposa, agricultora e mãe de Jonas Levi (3) e Elias Davi (recém-nascido). Só Cleane(26) mora na cidade vizinha de Tianguá e trabalha no comércio.

No início a vizinhança estranhou, achou que tudo era uma loucura, deixar de produzir de uma forma que “dá certo” para voltar ao que já passou, diziam alguns, mas Aparecido logo desmentia: “Não estou voltando estou progredindo, estou saindo do pior para o melhor. Tô visualizando a saúde não só da minha família, mas a saúde dos que estão consumindo o que estamos produzindo”.

A mandala combina a produção de fruteiras, hortaliças, verduras, legumes, cereais, ervas cheirosas, medicinais e flores com a criação de peixes e aves. Os canteiros arredondados imitam o sistema solar e o tanque central corresponde ao sol. Assim a energia natural roda, como numa ciranda. A água é abundante, sai de um poço para o tanque central, descendo por gravidade e é trocada todos os dias.

Se alguém na feira duvida dessa produção orgânica, logo Aparecido convida para uma visita à mandala. As que vão voltam mais confiantes.

Alguns desafios ainda precisam ser vencidos: ter um banco de sementes orgânicas; garantir o selo participativo, construir um minhocário na mandala e promover uma maior d i v u l g a ç ã o d o s p r o d u t o s agroecológicos para favorecer o aumento da produção, do comércio, da renda familiar e o aperfeiçoamento das técnicas de produção, pela prática dos intercâmbios. Isso já vem acontecendo. A mandala tem recebido muitas visitas de consumidoras/es da Feira das Mulheres de Viçosa e de suas integrantes; professores e estudantes da Universidade Federal do Piauí e do Instituto Federal do Ceará, Campus de Tianguá; da Fundação Cepema; do Grupo de Agricultoras/es de Massapê, através da Cáritas e de famílias do P1+2 gerenciado pela ESPAF. Muitas trocas de saberes, novas práticas e transformações.

Conceição se orgulha e não se cansa de repetir a história de Giovane que coletou várias lagartas e colocou-as separadamente em contato com caldas diferentes para descobrir qual delas tinha melhor efeito e descobriu. “A ideia de trabalhar sem o veneno, sem a química é um processo. A cada dia a gente vai aprendendo mais” (Conceição) e Lucas segue o mesmo ritmo “Antes eu não sabia como funcionava uma mandala, não gostava de trabalhar. Através do Francisco Antonio conheci esse projeto. Depois que vi essa forma de produzir

diferente, que é a produção organicamente correta, me interessei, estou nela até hoje e não me arrependo”.

Construindo novas relações onde tudo e todos estão interligados, Aparecido deixa um convite: “Gostaria que os produtores se juntassem à gente e deixassem essa ganância de querer sempre mais. Não adianta ter uma grande produção e a própria família que produz não consumir, por causa do veneno que usam nos produtos. Peço que repensem, que raciocinem, procurem mais informação e vejam o teor ofensivo dos venenos que estão usando, prejudicando a saúde da família deles e daqueles que consomem os alimentos que eles produzem”.

M andala: A ciranda do saber

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 8 • nº1834

Julho/2014

V içosa do Ceará

animando a prática do bem viver

Realização Apoio

Page 2: Mandala: A ciranda do saber animando a prática do bem viver

O diálogo, a partilha de conhecimentos na família; a substituição dos remédios farmacêuticos por plantas medicinais, maior participação das mulheres nos espaços de decisão familiar, gerando autonomia financeira, o respeito e a valorização do seu trabalho, na casa e no campo e as novas relações com o ambiente são mudanças significativas geradas a partir do trabalho na mandala. Como diz Giovane, “Mudou nossa mentalidade, o espírito é outro, a gente tem mais confiança na terra, e a vê como um ser vivo, cada plantação, como um ser vivo e temos respeito por eles. A gente aprende, com a mandala, a viver”.

Lucas também vivencia essas mudanças e diz: “Passei a viver diferente, a enxergar a vida de forma diferente. Antes, qualquer animal que eu via eu matava, não importava o que era e agora não, quando vejo, não mato e se vejo alguém machucando ou querendo matar um animal, eu vou lá e defendo, porque tudo é

importante”.

As mulheres são as verdadeiras gerentes da mandala, conta Giovane. Ele observa que os homens da família, quando estão concentrados no trabalho, só pensam no que fizeram depois de feito. Já as mulheres, percebem muito mais o que está acontecendo no campo e o que precisa ser modificado, ao mesmo tempo em que estão trabalhando e conclui dizendo: “Se não fosse elas cobrando, eu não teria feito o que estou fazendo... Estou aprendendo, elas estão coordenando”.

No sistema agroecológico o que as mulheres dizem é analisado e aplicado. Na produção convencional é o homem que controla todo o processo, a mulher não dá opinião nem decide e ainda cuida sozinha de todas as tarefas da casa. No sistema agroecológico há momentos em que quem cuida da casa são os homens e não há lugar certo para homens e mulheres, diz Giovane e Adriana completa: “No convencional a gente produz mais para vender e no sistema agroecológico a gente tá se importando com o que a gente vai produzir para consumir”.

A perseverança da família, tem trazido mudanças para a comunidade. Alguns vizinhos já procuram conhecer a produção de defensivos naturais, como as caldas do alho, do fumo, do nim e a urina da vaca que ajudam a vencer a ação das traças, formigas, lagartas e outros insetos. Lucas aprendeu na prática e fala: “O povo diz que tem plantas que só produzem com veneno. Plantei na nossa área e vi que dá certo e não precisa de muito trabalho, sem veneno até diminui”. Jonas Levi, segue seu pai na pulverização, brincando sem medo porque não há mais agrotóxicos.

Para chegar a esses bons resultados vários parceiros entraram na “roda”: o Movimento Ibiapabano de Mulheres, STTRs, Budega do Povo, Cáritas, Cepema, Pastoral Social da Diocese de Tianguá, os Programas P1MC e P1+2 e as consumidoras/es. Todos animam essa iniciativa para que ela continue circulando.

A área de meio hectare da mandala mudou. A terra árida, branca, fraca, está forte, mudou a cor, minhocas, pássaros e insetos voltaram, mas o perigo mora ao lado, e para se protegerem dos agrotóxicos da vizinhança, Conceição e Adriana iniciaram uma “cerca viva” de bananeiras e de capim. O risco existe, mas diminuiu bastante.

Certa vez a comunidade foi atacada por uma lagarta que devorava a couve. Todo o ambiente dessa cultura estava contaminado. Depois de muito trabalho para vencer o problema, Giovane chegou à conclusão de que: “Graças a esse sistema de não poluir o chão, ele por si só criou sua própria resistência. Não foram só as caldas de nim, alho e de fumo colocadas, aplicando duas vezes por semana. Venci a praga e fui o único que conseguiu produzir”. Aparecido lembra que os insetos são necessários, benéficos e precisam ser considerados como assistentes da produção.

No Instituto Federal de Educação, Giovane tem defendido a agroecologia provocando debates quentes com os colegas e professores. Outro dia, após uma visita da sua turma à mandala, os professores resolveram reproduzir esse sistema no Instituto, através de um projeto financiado pelo Banco do Nordeste do Brasil.

É bonito ver a produção da mandala rica e diversificada, tem cheiro verde, coentro, rúcula, cenoura, beterraba, alface, salsinha, pimentão, couve-flor, couve manteiga, capim santo, abobrinha, brócolis, feijão verde, milho, banana, mamão, macaxeira, acerola, cravo de defunto, hortelã, espinafre, citronela, amora, alfavaca...Cria-se também peixe (só para o consumo da família) e aves(galinha e ganso).

A comercialização dos produtos é feita em Viçosa do Ceará através da Budega do Povo e da Feira das Mulheres; em Tianguá na CEASA; em Fortaleza, através

da Fundação Cepena e do Grupo Orgânicos da Serra. Com isso a produtividade tem crescido. A Cooperativa Budega do Povo, espaço de comercialização, de formação, divulgação, integração, fortalecimento da agroecologia e da economia popular solidária é uma importante força contra o atravessador que persiste, mas diminui.

Cresce a produtividade, a área produtiva e a comercialização. Conceição lembra: “Antes eram levados para a feira 60 a 70 molhos de cheiro verde e 50 pés de alface e as vezes sobrava, hoje levamos 300 molhos de cheiro verde e 200 pés de alface e ainda falta”.

Articulação Semiárido Brasileiro – CearáBoletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas