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EÇA DE QUEIRÓS, OS MAIAS - Alguns Apontamentos O TÍTULO – Os Maias O romance Os Maias conta a história da família Mais, através de três personagens masculinas que representam três gerações, correspondentes a momentos histórico-políticos e culturais diferentes: Família Maia Política Estética Literária Afonso + Maria Eduarda Runa Pedro + Maria Monforte Carlo s + Maria Eduarda Revoluções Liberais (Absolutismo / Liberalismo) Início do Romantismo Regeneração (decadência do Liberalismo) Romantismo Regeneração Ultra-Romantismo Realismo Nota: é de referir ainda a alusão breve a Caetano da Maia, pai de Afonso, pertencente à geração marcada pela decadência do absolutismo O trajecto da família Maia entrelaça-se com a história do século XIX, servindo o conjunto das três gerações sucessivas para retratar a evolução de uma sociedade que continua a não encontrar um rumo certo de modernidade. O SUBTÍTULO – Episódios da Vida Romântica (visão crítica de uma época) Os Episódios da Vida Romântica constituem-se como “flagrantes” da vida portuguesa onde estão representados os defeitos caracterizadores da sociedade da segunda metade do século XIX, em múltiplos aspectos, através de figurantes:

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EÇA DE QUEIRÓS, OS MAIAS - Alguns Apontamentos

O TÍTULO – Os Maias

O romance Os Maias conta a história da família Mais, através de três personagens masculinas que representam três gerações, correspondentes a momentos histórico-políticos e culturais diferentes:

Família Maia Política Estética LiteráriaAfonso + Maria Eduarda Runa

Pedro + Maria Monforte

Carlos + Maria Eduarda

Revoluções Liberais(Absolutismo / Liberalismo)

Início do Romantismo

Regeneração(decadência do Liberalismo)

Romantismo

Regeneração Ultra-RomantismoRealismo

Nota: é de referir ainda a alusão breve a Caetano da Maia, pai de Afonso, pertencente à geração marcada pela decadência do absolutismo

O trajecto da família Maia entrelaça-se com a história do século XIX, servindo o conjunto das três gerações sucessivas para retratar a evolução de uma sociedade que continua a não encontrar um rumo certo de modernidade.

O SUBTÍTULO – Episódios da Vida Romântica (visão crítica de uma época)

Os Episódios da Vida Romântica constituem-se como “flagrantes” da vida portuguesa onde estão representados os defeitos caracterizadores da sociedade da segunda metade do século XIX, em múltiplos aspectos, através de figurantes:

Nos episódios observam-se as acções, as atitudes e os comportamentos do protagonista da intriga principal – Carlos da Maia – e dos figurantes, representantes de diferentes aspectos da sociedade portuguesa da segunda metade do século XIX.

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Trata-se de uma tela viva, onde se movimentam figuras da elite portuguesa pertencentes a diversos sectores (finanças, política, diplomacia, administração pública, jornalismo, literatura, aristocracia).

O leitor é conduzido por Carlos da Maia aos locais frequentados pelos importantes do Reino e, através do seu olhar, acede ao retrato desse Portugal medíocre, apático, atrasado, provinciano em que, por vezes, situações e personagens atingem a categoria de caricatura.

O narrador critica, ironiza, satiriza e deforma em excesso um ou vários traços caracterizadores da Nação, exprimindo, deste modo, a necessidade urgente de reformar os hábitos, os costumes e sobretudo a mentalidade de uma gente tão tacanha, tão limitada, tão ridícula.

O romance Os Maias denuncia os vícios da Pátria para a qual Eça de Queirós olhava do exterior. De facto, o afastamento de Portugal, por razões profissionais, possibilitava-lhe realizar a análise objectiva, por vezes impiedosa, de uma sociedade ridícula, decadente, tão distanciada da civilização estrangeira que ele tão bem conhecia.

A ARQUITECTURA DO ROMANCE

Eça quis contar a história duma família, Os Maias, através de várias gerações; o subtítulo indica uma segunda intenção, descrever certo estilo de vida – o romântico - através de episódios da vida de uma sociedade em que a família Maia se insere.

Em esquema, a arquitectura d’ Os Maias poderia representar-se assim:

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INTR

OD

UÇÃ

O

I-II

Localização no tempo: “No Outono de 1875”Localização no espaço: O Ramalhete – “a casa que Os Maias vieram habitar em Lisboa”A personagem central: Os Maias, “uma antiga família da Beira”, “reduzida a dois varões, o senhor da casa, Afonso da Maia, um velho já, quase antepassado, mais idoso que o século, e o seu neto Carlos que estudava medicina em Coimbra”.

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Juventude, exílio e casamento de AfonsoInfância e educação de Pedro

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ria Paixão de Pedro por Maria MonforteNamoro “à antiga, plantado a uma esquina”CasamentoTraição e fuga de Maria MonforteSuicídio de Pedro

III-

IV

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pal

Infância e educação de Carlos em Santa OláviaEstudos em CoimbraViagem de Carlos pela Europa

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DA

ACÇÃ

O

IV-V Carlos da Maias em Lisboa: o consultório, o laboratórioO diletantismo de Carlos e de Ega

VI Apresentação de Carlos à sociedade lisboeta: jantar no Hotel CentralCarlos vê Maria Eduarda

VII Carlos e as suas paixões: O romance com a Gouvarinho A obsessão pela “brasileira” (Maria Eduarda)

VIII Viagem a SintraIX Carlos, como médico, visita, no Hotel Central, Rosa, a filha de seis anos de Maria EduardaX As corridas de cavalosXI Carlos conhece Maria EduardaXII Jantar em casa dos Gouvarinho

Declaração de Carlos a Maria EduardaXIII A Toca – lugar de encontros amorosos entre Carlos e Maria Eduarda

A consumação da relaçãoRuptura de Carlos com a Gouvarinho

XIV Paixão de Carlos e Maria EduardaSemelhança de Carlos com a mãe de Maria EduardaAs revelações de Castro Gomes sobre a sua relação com Maria Eduarda

XV A vida e educação de Maria EduardaEncontro de Maria Eduarda com GuimarãesEpisódio da Corneta do DiaboEpisódio no Jornal A Tarde

XVI Sarau no Teatro da TrindadeRevelações de Guimarães a Ega, entregando-lhe um cofre para Carlos ou para “a irmã”

XVII Revelações de Ega a Carlos, entregando-lhe o cofreRevelações de Carlos a AfonsoIncesto consciente de CarlosEncontro de Carlos com AfonsoMorte de AfonsoRevelações a Maria EduardaPartida de Maria Eduarda

EPÍL

OG

O

Viagem de CarlosRegresso a Lisboa dez anos depois: Carlos e Ega desiludidos Estagnação de Portugal

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INTRIGA

No romance, Os Maias, existem duas histórias que constituem a intriga secundária e a intriga principal.Intriga secundária: os amores infelizes de Pedro da Maia e de Maria MonforteIntriga principal: os amores incestuosos de Carlos da Maia e de Maria Eduarda

INTRIGA SECUNDÁRIA

Pedro, único filho de Afonso da Maia e de Maria Eduarda Runa, apaixona-se fatalmente por Maria Monforte, mulher bela que aparece em Lisboa, acompanhada pelo pai, que enriquecera com o tráfico de negros.

Contra a vontade de Afonso, Pedro casa com Maria Monforte e dela tem dois filhos, Maria Eduarda e Carlos Eduardo.

O casal vive faustosamente em Lisboa, no palacete de Arroios e, um dia, Pedro traz para casa um belo príncipe italiano com quem Maria Monforte foge, levando consigo a filha, Maria Eduarda. Nesse mesmo dia, Pedro corre para o palacete de Benfica, reconcilia-se com o pai, após quatro anos de separação, entrega-lhe o filho que Maria Eduarda lhe deixara, e suicida-se cobardemente.

O palacete é fechado e Afonso da Maia parte com o neto para Santa Olávia.

INTRIGA PRINCIPAL

Em 1875, Carlos Eduardo, após ter-se formado em Medicina, em Coimbra, vem viver com o seu avô, Afonso da Maia, no Ramalhete, em Lisboa.

Carlos tenta concretizar os seus projectos profissionais, mas acaba por falhar todos os seus planos. Entretanto, integra-se na elite da capital, frequentando espaços sociais requintados.

É no peristilo do Hotel Central, antes do jantar em honra do banqueiro Cohen, que Carlos, na companhia de Craft, observa a chegada de Maria Eduarda por quem se apaixona de imediato.

Depois de várias tentativas para conhecer pessoalmente Maria Eduarda, Carlos convive com esta, envolvendo-se numa profunda paixão, plenamente correspondida.

É na Toca, situada na Quinta dos Olivais, que os dois apaixonados cometem involuntariamente o incesto.O amor de Carlos por Maria Eduarda é tão forte que resiste ao facto de saber que ela tivera um passado

pouco recomendável, havendo mesmo uma filha – Rosicler. No entanto, a felicidade de Carlos será completamente destruída pelas revelações de uma carta de Maria Monforte na qual Maria Eduarda é identificada como filha de Pedro da Maia (irmã de Carlos).

Apesar de saber a verdade, Carlos comete incesto de forma consciente e Afonso morre de desgosto. Sentindo-se extremamente culpado e arrependido, Carlos separa-se definitivamente de Maria Eduarda que parte para França.

Carlos viaja para o estrangeiro com o seu amigo Ega e fica a residir em Paris, regressando a Portugal apenas no ano de 1887.

RELAÇÃO ENTRE A INTRIGA SECUNDÁRIA E A INTRIGA PRINCIPAL

A intriga secundária é fundamental para o desenvolvimento da intriga principal.As consequências dos amores infelizes e trágicos de Pedro da Maia e de Maria Monforte separam os dois

irmãos que crescem sem terem conhecimento da verdade. Maria Eduarda desconhece a identidade do pai e pensa ter tido apenas uma irmã que morrera em pequenina. Carlos acredita que sua mãe a sua irmã estavam mortas como lhe dissera o avô.

A intriga principal alicerça-se nos acontecimentos desse passado longínquo e no desconhecimento da verdade, apresentando-se como consequência directa da intriga secundária.

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SEMELHANÇAS ENTRE A INTRIGA SECUNDÁRIA E A INTRIGA PRINCIPAL

O romance Os Maias conta a história da família Maia aniquilada pelo destino inexorável. É possível encontrar, nas tramas das intrigas, algumas semelhanças:

INTRIGA SECUNDÁRIA INTRIGA PRINCIPALPedro apaixona-se perdidamente por Maria Monforte (bela, loura, esbelta, uma deusa), quando a vê pela primeira vez.

Carlos apaixona-se fatalmente por Maria Eduarda (bela, loura, elegante, uma deusa), quando a observa pela primeira vez.

Pedro casa com Maria Monforte contra a vontade de Afonso.

Carlos vive com Maria Eduarda, desejando casar com ela, mas não confronta o avô com esse desejo, por temer a sua oposição.

Pedro suicida-se Carlos comete incesto voluntariamente.Após a morte de Pedro, Vilaça afirma que Afonso não dura mais de um ano.

Depois de saber que Carlos continua envolvido com Maria Eduarda, Afonso morre de desgosto.

DELIMITAÇÃO DA NARRATIVA

Considerando os dois níveis da história, teremos n’ Os Maias uma acção fechada e uma acção aberta. O nível da intriga identifica-se com aquilo a que se costuma chamar uma acção fechada, porque todos os seus acontecimentos se encadeiam numa sucessão causa-efeito e porque, até ao fim da obra, tudo se soluciona, não havendo possibilidades de continuação para além do desenlace. De acordo com esta ideia, pode considerar-se que a intriga d’ Os Maias é constituída fundamentalmente pelos amores de Carlos e Maria Eduarda assim como pelo desfecho trágico, isto é, a descoberta do incesto e a morte de Afonso da Maia. Depois desta última, pode dizer-se que a intriga d’ Os Maias se encontra praticamente concluída; o que não significa, no entanto, que, com isso se encerre a acção, pois todo o capítulo XVIII constitui ainda um prolongamento, embora ocorrido dez anos mais tarde.

O ESPAÇO

ESPAÇO FÍSICOExterior

Santa Olávia Infância e educação de PedroCoimbra Estudos de CarlosLisboa: Baixa Aterro Campo Grande Olivais

Vida social de CarlosLocal onde se passa a intriga principalLocal privilegiado para a visão crítica da sociedade portuguesa da 2.ª metade do séc. XIX

InteriorO Ramalhete Salas de convívio e de lazer

O escritório de Afonso tem um aspecto de “uma severa câmara de prelado”O quarto de Carlos tem um ar de “quarto de bailarina”O jardim tem um valor simbólico

A Vila Balzac Reflecte a sensualidade de EgaO consultório de Carlos Revela o dandismo de CarlosA Toca Espaço carregado de simbolismo. Revela amores ilícitos.

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O espaço físico exterior acompanha o percurso da personagem central e é motivo para a representação de atributos inerentes ao espaço social.Os espaços interiores estão de acordo com a escola realista/naturalista: interacção entre o Homem e o ambiente que o rodeia.

ESPAÇO SOCIALOs Maias é um romance de espaço (social) porque nele desfila uma galeria imensa de figuras que

caracterizam a sociedade lisboeta: as classes dirigentes, a alta aristocracia e a burguesia. Cumpre um papel eminentemente crítico.

ESPAÇO PSICOLÓGICOConstituído pelas zonas de consciência da personagem, manifesta-se em momentos de maior densidade

dramática. É sobretudo Carlos que desvenda os meandros da sua consciência, ocupando também Ega lugar de relevo.

Carlos - Sonho de Carlos no qual evoca a figura de Maria Eduarda (cap.VI)- Nova evocação de Maria Eduarda em Sintra (cap.VIII)- Reflexões de Carlos sobre o parentesco que o liga a Maria Eduarda (cap. XVII)- Visão do Ramalhete e do Avô após o incesto (cap. XVII)- Contemplação de Afonso da Maia morto no jardim (cap. XVII)

Ega - Reflexões e inquietações após a descoberta da identidade de Maria Eduarda (cap. XVI)

A representação do espaço psicológico permite definir a composição destas personagens como personagens modeladas e implica, obviamente, a presença da subjectividade. Este facto sai do âmbito da estética naturalista.

O TEMPO

TEMPO CRONOLÓGICO / TEMPO DA HISTÓRIAPreparação da acção Acção Conclusão

Antes de 1800 1820 a 1822 1830, 1848, 1858 e 1870 1875 a 1877 1887Nascimento de Afonso (“mais idoso que o século”)

Afonso “a atirar foguetes de lágrimas à constituição”.

Referências ao Ramalhete e a Os Maias Relação de Pedro e Maria MonforteNascimento de Carlos e de Maria EduardaMorte de PedroEducação de Carlos(…)

Relação de Carlos e Maria Eduarda

Morte de Afonso

“Luminosa e macia manhã de Janeiro de 1887” – Carlos regressa

O tempo concreto de Os Maias é extremamente lento, carregado de elementos significativos e abrange o decurso de várias gerações: Afonso, o varão íntegro e forte; Carlos, o diletante e ocioso; Pedro da Maia, o representante de uma época exacerbadamente romântica.

TEMPO NARRATIVO / TEMPO DO DISCURSODepois de situar a acção em 1875, o narrador estabelece uma ordem para a pluralidade do tempo da

história, quer alternando a ordem dos factos e o ritmo temporal, com o recurso a analepses (recuos no tempo) e reduções temporais (por intermédio de resumos, sumários e elipses), quer apresentando os acontecimentos em

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registos competitivos, ou, simplesmente, mantendo a ordem do discurso a acompanhar a ordem temporal (isocronias).

Analepse na diegese Acção principalOutono de 1875

1820 a 1875 Outono de 1875 Janeiro de 1877 Janeiro de 1877

No Ramalhete

Caetano da MaiaJuventude de AfonsoJuventude e amores de PedroFuga de Maria MonforteSuicídio de PedroEducação de Carlos Primeira viagem de Carlos

Afonso, no Ramalhete, espera a chegada de Carlos da sua longa viagem pela Europa

Relação de Carlos e Maria Eduarda

Morte de Afonso e partida de Carlos

Regresso de Carlos a LisboaEncontro com Ega.

ANALEPSESO início do romance situa-se no Outono de 1875. Estamos na terceira geração, na história de Carlos.

Apercebemo-nos, no entanto, que será necessário recuar no tempo para encontrar explicações para alguns factos do presente. Assim, surgem as analepses:

A história d’ Os Maias até 1875Quando se fala de Afonso da Maia, afirma-se que a sua “existência nem sempre assim correra com a

tranquilidade larga e clara de um belo rio de Verão”.Está criada a necessidade e encontrado o pretexto para uma longa analepse que vai recordar os cerca de

sessenta anos anteriores:- juventude, exílio e casamento de Afonso;- juventude, educação e amores de Pedro;- ruptura de Pedro com Afonso;- fuga de Maria Monforte;- suicídio de Pedro;- educação de Carlos em Santa Olávia e estudos em Coimbra;- viagem pela Europa.

“E então Carlos Eduardo partira para a sua longa viagem pela Europa. Um ano passou. Chegara esse Outono de 1875: e o avô, instalado no Ramalhete, esperava por ele ansiosamente.” (cap. IV)

Maria Eduarda recorda o seu passadoA pergunta de Carlos “Onde nasceste tu, por fim?” provoca uma analepse sobre factos que tinham sido

“esquecidos” e que só agora são explicados.Assim, num misto de discurso indirecto livre e de discurso directo, ficamos a conhecer os pormenores do

passado de Maria Eduarda, contados pela própria personagem.Esta analepse escapa, por isso, à focalização omnisciente do narrador dado que Maria Eduarda apenas

conhece o que a sua mãe lhe contara. E assim se mantém o mistério do passado da personagem.

A cartaA carta de Maria Monforte (lida por Ega a Vilaça) vem, finalmente, revelar a verdadeira identidade de Maria

Eduarda. Esclarecido todo o mistério do seu passado, o desfecho trágico dos amores incestuosos adivinha-se.

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REDUÇÕES TEMPORAISO período compreendido entre 1820 e 1875 foi sujeito a anisocronias (o tempo narrativo é menor do que o

tempo da história), conseguidas através do recurso a resumos e a elipses.

RESUMOS OU SUMÁRIOSRedução do tempo da história, por síntese dos factos ocorridos.Exemplo: “Seu pai morreu de súbito, ele teve de regressar a Lisboa. Foi então que conheceu D. Maria

Eduarda Runa, filha do conde de Runa, uma linda morena, mimosa e um pouco adoentada. Ao fim do luto casou com ela. Teve um filho, desejou outros; e começou logo, com belas ideias de patriarca moço, a fazer obras no palacete de Benfica, a plantar em redor arvoredos, preparando tectos e sombras à descendência amada que lhe encantaria a velhice.” (cap. I)

É através de sumários que ficamos a conhecer:- juventude, exílio e casamento de Afonso;- crescimento, educação, crises e aventuras amorosas de Pedro;- formação universitária e aventuras românticas de Carlos.

ELIPSESOmissão de alguns factos ou mesmo de alguns períodos da história.Exemplos: “Outros anos tranquilos passaram sobre Santa Olávia. Depois uma manhã de Junho, em

Coimbra…”; “Mas, passado ano e meio, num lindo dia de Março, Ega reapareceu no Chiado.” (cap. III)

ISOCRONIASTentativa de fazer corresponder o tempo narrativo ao tempo da história. Realça-se a importância dos factos.

Recorre-se ao discurso directo e a descrições pormenorizadas de ambientes e de personagens.Exemplos: suicídio de Pedro; o sarau; o momento das revelações da verdadeira identidade de Maria

Eduarda; (…)

TEMPO PSICOLÓGICOA passagem do tempo influencia as personagens, não apenas no seu envelhecimento, mas também em

mudanças comportamentais. Esse referencial de mutações, que reflecte vivências e emoções das personagens, é o tempo psicológico.

Exemplos:- A noite em que Pedro ma Maia se apercebeu do desaparecimento de Maria Monforte e o comunicou ao

pai;- As horas passadas no consultório, que Carlos considera monótonas;- Carlos recorda o primeiro beijo que a condessa de Gouvarinho lhe dera: “O criado entrou com a bandeja – e

Carlos, de pé junto da mesa, remexendo o açúcar no copo, recordava sem saber porquê, aquela tarde em que a condessa, pondo-lhe uma rosa no casaco, lhe dera o primeiro beijo; revia o sofá onde ela caíra com um rumor de sedas amarrotadas… Como tudo isto era já vago e remoto.” (cap. XVII)

- No último capítulo, Carlos e Ega visitam e contemplam o velho Ramalhete (em Janeiro de 1887) e reflectem sobre o passado e sobre o presente; numa das suas intervenções, Carlos, com emoção e nostalgia, recorda, valorizando, o tempo aí passado: “-É curioso! Só vivi dois anos nesta casa, e é nela que me parece estar metida a minha vida inteira!” (cap. XVIII)

NARRADOR

Quanto à presença, o narrador d’ Os Maias é heterodiegético, narra os acontecimentos na terceira pessoa.

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Quanto à ciência, a focalização é de dois tipos: omnisciente e interna.A focalização omnisciente (= total conhecimento da diegese, caracteriza exaustivamente as personagens e os

espaços e manipula o tempo segundo as suas opções ideológicas) predomina nos primeiros capítulos: renovação do Ramalhete; juventude de Afonso; educação de Pedro; suicídio de Pedro; formação de Carlos em Coimbra.

A partir do capítulo IV, predomina a focalização interna (= contar a história de acordo com a capacidade de conhecimento de uma ou mais personagens – a informação é condicionada pela subjectividade e limitação de conhecimentos) sob o ponto de vista de algumas personagens, como Carlos e Ega, embora surja já no capítulo III sob a visão de Vilaça, quando visita Santa Olávia.

A focalização interna ganha particular significado com a visão de Carlos da Maia que dá um contributo fundamental na construção das personagens Afonso da Maia, Ega e Maria Eduarda.

Pelos olhos críticos de Carlos são dados a conhecer grande parte dos espaços sociais que a personagem passa a frequentar quando chega a Lisboa.

A focalização interna de Ega ganha particular relevo nos episódios do jornal “A Tarde” e no Sarau do Teatro da Trindade.

INTENÇÃO DO AUTOR AO CONCEBER A OBRA

A intenção de Eça de Queirós, ao conceber a obra Os Maias é, reconhecidamente, criticar a aristocracia e a alta burguesia portuguesas dos fins do século XIX.

Essa intenção concretiza-se, genericamente, através da acentuação da antinomia entre a educação e cultura de Carlos e a mediocridade de uma sociedade romântica “acéfala e monótona” (no dizer de Carlos Reis). Isto não invalida, no entanto, que o próprio Carlos venha a deixar-se embrulhar pela podridão que o rodeava.

Com efeito, a sociedade romântica, representada, por exemplo, pelo ultra-romantismo de Alencar, pela educação retrógrada de Pedro e de Eusebiozinho, pelo adultério de Raquel Cohen e da Condessa de Gouvarinho, pela incompetência do Conde Gouvarinho e pela mediocridade cínica e provinciana de Dâmaso não podia deixar de contrastar com a educação moderna (“britânica”), a cultura e o gosto de Carlos da Maia. Afonso, seu avô, sonhara fazer dele um cidadão “útil ao seu país” e não um “vadio” ou um “amador”.

Mas entre o sonho e a realidade vai uma grande distância. Todos sabemos que nem todos os sonhos se concretizam. E este é um deles. Carlos por nascimento e por formação, tem, de facto, um grande ascendente sobre todos os que o rodeiam. Mas, paulatinamente, o meio lisboeta, povoado de medíocres janotas, ociosos e parasitas, encarregar-se-á de o transformar num “dandy” e num diletante que, no momento mais decisivo da sua vida, irá fraquejar de maneira absurda e trágica (incesto).

No fim de contas, Eça de Queirós pretenderá demonstrar que, naquela sociedade lisboeta, e, por extensão, em toda a sociedade portuguesa da época, nem aqueles que pareciam constituir a esperança de redenção da classe dirigente e do país tinham um carácter e uma vontade suficientemente fortes e íntegros para garantirem a continuidade de Portugal como país independente.

Com o fracasso dos sonhos do avô e de todos os projectos de Carlos é toda uma época e todo um país que falha. É que, no dizer acertado de Jacinto do Prado Coelho, Portugal é “a grande personagem latente na obra de Eça, sua obsidiante preocupação”.

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