made in labéu

5
1 Universidade Nove de Julho Uninove Curso: História Disciplina: História do Brasil III (2012-1) Professor responsável: Geraldo José Alves Priscila Cassanti Sil Pereira RA 311108749 - Turma 3º B - Manhã TEMÁTICA: A EXPERIÊNCIA OPERÁRIA MADE IN LABÉU Durante muito tempo, a imagem que se teve sobre o operariado na primeira república foi atribuída em decorrência de seus protestos: “movimentos classificados como milenaristas, banditismo social, das turbas urbanas e das multidões revolucionárias, ludistas e outras práticas paralelas de protesto social ilegal no campo e na cidade (...) 1 . Isso deve-se ao fato desses registros terem sido elaborados por órgãos policiais e pelas classes dominantes. O controle dessa classe era necessário para manter uma estabilidade que beneficiava somente as elites proprietárias das fábricas e do poder vigente. O fim do império e o início da República foi uma época caracterizada por uma grande movimentação de ideias, em geral importadas da Europa. Na maioria das vezes, eram ideias mal absorvidas ou absorvidas de modo parcial e seletivo, resultando em grande confusão ideológica. Liberalismo, positivismo, socialismo, anarquismo misturavam-se e combinavam-se das maneiras mais esdrúxulas na boca e na pena das pessoas mais inesperadas. Contudo, seria enganoso descartar as ideias da época como simples desorientação. (CARVALHO, 1987: 42). Refletiam sim, uma mudança no campo da mentalidade coletiva (CARVALHO, 1987). No caso das ideias anarquistas próprias do operariado -, fazia-se necessário abafá-las, com a finalidade de manter no poder os que lá já estavam. Para neutralizá-las, a classe dominante utilizou-se, dentre outras formas de violência, das repressões ideológicas - um mecanismo criado pelos sistemas de poder para a contenção das manifestações operárias que se faz valer de discursos sedutores sobre o que é tido como “correto, bom, moral, legalizado” e revela-se de natureza tão manipuladora e opressora como aqueles que se utilizam da força física para com o oprimido. 1 A Historiografia sobre o protesto popular: uma contribuição para o estudo das revoltas urbanas (p.1)

Upload: emerson-mathias

Post on 18-Dec-2014

313 views

Category:

Education


1 download

DESCRIPTION

 

TRANSCRIPT

Page 1: Made in Labéu

1

Universidade Nove de Julho – Uninove

Curso: História Disciplina: História do Brasil III (2012-1)

Professor responsável: Geraldo José Alves Priscila Cassanti Sil Pereira – RA – 311108749 - Turma – 3º B -

Manhã

TEMÁTICA: A EXPERIÊNCIA OPERÁRIA

MADE IN LABÉU

Durante muito tempo, a imagem que se teve sobre o operariado na

primeira república foi atribuída em decorrência de seus protestos:

“movimentos classificados como milenaristas, banditismo social, das turbas

urbanas e das multidões revolucionárias, ludistas e outras práticas paralelas

de protesto social ilegal no campo e na cidade (...)1. Isso deve-se ao fato

desses registros terem sido elaborados por órgãos policiais e pelas classes

dominantes. O controle dessa classe era necessário para manter uma

estabilidade que beneficiava somente as elites proprietárias das fábricas e

do poder vigente.

O fim do império e o início da República foi uma época caracterizada por

uma grande movimentação de ideias, em geral importadas da Europa.

Na maioria das vezes, eram ideias mal absorvidas ou absorvidas de

modo parcial e seletivo, resultando em grande confusão ideológica.

Liberalismo, positivismo, socialismo, anarquismo misturavam-se e

combinavam-se das maneiras mais esdrúxulas na boca e na pena das

pessoas mais inesperadas. Contudo, seria enganoso descartar as ideias

da época como simples desorientação. (CARVALHO, 1987: 42).

Refletiam sim, uma mudança no campo da mentalidade coletiva

(CARVALHO, 1987). No caso das ideias anarquistas – próprias do operariado

-, fazia-se necessário abafá-las, com a finalidade de manter no poder os

que lá já estavam. Para neutralizá-las, a classe dominante utilizou-se,

dentre outras formas de violência, das repressões ideológicas - um

mecanismo criado pelos sistemas de poder para a contenção das

manifestações operárias – que se faz valer de discursos sedutores sobre o

que é tido como “correto, bom, moral, legalizado” e revela-se de natureza

tão manipuladora e opressora como aqueles que se utilizam da força física

para com o oprimido.

1 A Historiografia sobre o protesto popular: uma contribuição para o estudo das

revoltas urbanas (p.1)

Page 2: Made in Labéu

2

A repressão ideológica vai interferir no imaginário, influindo no processo do

pensar a respeito sobre o conflito estabelecido e que se quer se opor,

induzindo a uma nova identidade, em favor do opressor, num jogo de

interesses a ser alcançado.

Qual era o objetivo das manifestações operárias? Era obter melhores

condições de trabalho, melhores salários e garantias trabalhistas, ou seja,

itens referenciais em uma sociedade mais justa e igualitária, a conquista da

cidadania e do respeito como cidadãos que deveriam ser. “Reduzidos a uma

pobreza crescente, conforme aumentava a riqueza da sociedade, os

operários passavam a sonhar com uma sociedade sem classes, em que a

abolição da propriedade privada garantiria a todos a satisfação de suas

necessidades.” (MARX, 1978: XVI)

Esses cidadãos que clamavam por seus direitos foram vistos como

indivíduos criminosos, predispostos à prática do mal, uma perigosa classe

de anarquistas e socialistas2. Essa visão, ainda predominante em boa parte

de um imaginário social, foi marcada pela classe governante, com o intuito

de não ver ruir o seu poderio através do capitalismo, como afirma Christina

Lopreato3. Porém, os ideais anarquistas propunham “a construção de uma

nova sociedade, a Anarquia, na qual existiria a liberdade plena, sem

estorvos, a igualdade de direitos para todos e a vida social seria regida pelo

princípio da solidariedade”4.

Um dos meios de manutenção do poderio dos industriários – membros da

classe dominante - era feito através das vilas operárias, onde havia tudo

que o morador necessitava para seu conforto e comodidade como casa,

armazém, igreja, farmácia, creche, escola para os filhos, salões de baile,

etc. Tudo para que o operário não precisasse sair dali, e tivesse uma vida

digna. Em verdade, estabeleciam-se ali, normas de condutas condizentes

com o proponente (proprietário e patrão), para que seus funcionários

estivessem resguardados de qualquer intolerância. Fazia-se necessário

cuidar da sua produção. Em discurso produzido para a Vila operária Maria

Zélia, podemos desconfiar que o interesse não era realmente beneficiar o

operário:

(...) A Sociedade de medicina poderia fazer um apelo aos industriais, no

sentido de construir casas para seus operários, não só no sentido de

lhes oferecer vida melhor, como para estabilizá-los, no que lucrará a

própria indústria. (...)5

Até mesmo atividades de lazer eram oferecidas dentro das vilas operárias.

2 Jornal O Correio Paulistano, 3 de agosto de 1893 IN: Christina Lopreato. 3 O espírito da revolta. A greve geral anarquista de 1917. Unicamp (1996). 4 Idem. 5 Vila Maria Zélia: visões de uma vila operária em São Paulo (1917-1940).

Page 3: Made in Labéu

3

O grande objetivo deste tipo de evento era unir toda a comunidade da

vila, a fim de mostrar que todos os tipos de lazer oferecidos fora da vila

existiam dentro dela e com toda organização, disciplina e dentro da

moral, mas, acima de tudo, sem as ideologias que corrompiam o

trabalhador. (...) 6

Para a imprensa anarquista, ao proporcionar tantos benefícios dentro das

Vilas, industriários como Jorge Street, tinham em mente o controle absoluto

dos funcionários quando da construção de cidadelas inteiramente isoladas

do convívio social.7

De acordo com Morangueira, o próprio Jorge Street vale-se do discurso

emotivo de que todos são uma única família, de que não existem diferenças

entre eles, excluindo a relação patrão-empregado. Em certa ocasião,

sabendo de uma possível greve, utilizou-se de uma criança, para mostrar a

todos a “importância da união” e harmonia entre eles, quando, na verdade,

estava unicamente defendendo os seus interesses como patrão e explorador

da mão de obra operária.

A igreja católica, em boa parte, também exerceu um papel

fundamental nesse projeto de contenção, “garantindo desde o berçário a

reprodução passiva da força de trabalho como apêndice do patrimônio

capitalista”8. Um dos exemplos desse tipo de intervenção foi no que se

refere ao controle social da Vila Maria Zélia, quando adquirida por Nicolau

Scarpa. “Um verdadeiro arsenal ideológico montado pela Igreja na Vila

operária.9(...)”

Essa catequese tentava garantir, pois, a passagem da barbárie à

civilização pela via da passividade do rebanho, da ordem e paz no

trabalho, evitando o pecado que traria para o progresso do capital

qualquer ovelha desgarrada. Nesse sentido, o anticlericalismo dos

grupos era plenamente cabível: a imagem de “vampiros sociais”

desenvolvida por A Lanterna, em relação aos cléricos, ganhava

contornos de dramática verdade, dada a função da ideologia católica”10.

É possível prever o conteúdo de determinada reunião de cléricos em Minas

Gerais, quando da publicação da resposta do jornal “A Lanterna”, de 8 de

outubro de 1914:

Sciente de que se pretende levar a efeito uma mistificação com o fim de

iludir o ingenuo operariado deste Estado, por parte de uma quadrilha

negra de piratas que, vendo-se perdidos por um vendaval que ameaça

6 Idem.

7 Idem.

8 Nem pátria, nem patrão – vida operária e cultura anarquista no Brasil.

9 Idem.

10 Idem.

Page 4: Made in Labéu

4

destruir-lhes a nave perigosa para a sociedade, procuram no operariado

mineiro a taboa de salvação, (...) todos, inclusive o capitão, reunidos

num congresso católico para tratar da questão operária (!), do ensino e

da educação moral e técnica do operariado (!!!). Nós operários,

considerando que não precisamos de uma educação moral, por ser

imoral e nem tão pouco técnica, por sermos operários (...)”.11

Dado o ocorrido: da reunião de cléricos e a resposta irônica aos mesmos, é

perceptível o movimento de reprimenda existente na época pela Igreja, ou

parte dela, em conformidade com as classes dominantes e conservadoras.

É claro que grande parte das pessoas reprimidas ideologicamente, iriam

questionar-se a respeito de suas atitudes, pois que esse “jogo” tinha essa

intenção: de reverter a mentalidade, causando confusão em suas

ideologias, fazendo com que houvesse um repensar sobre as ações

cometidas e as que se queriam cometer. Embora permanecessem os que se

mantiveram íntegros nas propostas de mudanças sociais – estes obtiveram

conquistas em favor de muitos -, o sistema conseguiu sufocar outros

tantos, através da imposição no imaginário de que, quem se rebela é quem

está errado, é o bandido. Essa mentalidade permaneceu e pode ser

observada no dia a dia, em várias situações. Muito embora estudos sobre

esse processo venham demonstrar a construção social, as questões das

lutas de classes são vistas como utopia.

Embora a diferença de classes ainda permaneça, a atenção foi desviada. Os

movimentos sociais perderam para os individuais. A cultura que impera é a

de massa. Para ser belo deve-se estar dentro dos padrões. As inquietações

podem ser curadas pelos psicotrópicos ou pela busca religiosa. Foi incutida

a ideia de rotular em belo frasco a “normalidade”. E desde então tenta-se

comprar essa ideologia. A construção de uma nova mentalidade por parte

das classes dominantes, resultaram na apatia das classes dominadas. E a

luta observada não é mais pela democracia, é a luta para se chegar ao

poder – individualmente - através da escada capitalista.

11 Jornal A Lanterna. 08/10/1914, p. 7.

Page 5: Made in Labéu

5

BIBLIOGRAFIA

CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados – o Rio de Janeiro e a república que não foi. São Paulo: Cia. das Letras, 1987.

HARDMAN, F. F. Nem pátria, nem patrão. São Paulo: editora Brasiliense, 1983. LOPREATO, Christina R. O espírito da revolta. A greve geral anarquista de

1917. Campinas, UNICAMP: 1989. MARX, Karl. Manuscritos econômicos-filosóficos e outros textos. São Paulo:

Abril Cultural, 1978. MORANGUEIRA, Vanderlice de Souza. Vila Maria Zélia: visões de uma vila

operária em São Paulo (1917-1940).SP: FFLCH-USP, 2006. PAMPLONA, Marco A. A historiografia sobre o protesto popular: sua contribuição

para o estudo das revoltas urbanas, in: Revista Estudos Históricos, RJ, n. 17, 1996.