madame satà - bocc

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Madame Satã: representações de gênero e raça no cinema brasileiro Joseylson Fagner dos Santos Universidade Federal do Rio Grande do Norte, UFRN RESUMO: O trabalho faz uma discussão sobre representações de gênero, sexualidade e raça através do filme brasileiro Madame Satã (2002), partindo da idéia de um “terceiro cinema” (Prysthon, 2006) que se ancora na estética do subalterno. A leitura de Fanon (2008) acerca da visão do homem branco sobre o homem negro serve de apoio para entender a construção da narrativa do filme, além de tratar a forma como o gênero é trabalhado na obra, já que se trata da história de um homossexual, que é apaixonado pelo transformismo. Enfim, o texto é escrito trabalho com um diálogo entre essas idéias e como elas estão presentes no longa-metragem, discutindo o modo como tais representações são pertinentes para analisar as formas de como esses aspectos são retratados a partir do ponto de vista da memória do personagem carioca até o olhar do cineasta para as questões de gênero, raça e sexualidade. 1

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Madame Satã: representações de gênero e raça no cinema

brasileiro

Joseylson Fagner dos Santos

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, UFRN

RESUMO:

O trabalho faz uma discussão sobre representações de gênero, sexualidade e raça através

do filme brasileiro Madame Satã (2002), partindo da idéia de um “terceiro cinema”

(Prysthon, 2006) que se ancora na estética do subalterno. A leitura de Fanon (2008)

acerca da visão do homem branco sobre o homem negro serve de apoio para entender a

construção da narrativa do filme, além de tratar a forma como o gênero é trabalhado na

obra, já que se trata da história de um homossexual, que é apaixonado pelo

transformismo. Enfim, o texto é escrito trabalho com um diálogo entre essas idéias e

como elas estão presentes no longa-metragem, discutindo o modo como tais

representações são pertinentes para analisar as formas de como esses aspectos são

retratados a partir do ponto de vista da memória do personagem carioca até o olhar do

cineasta para as questões de gênero, raça e sexualidade.

Palavras-chave: Madame Satã; terceiro cinema; transformismo.

Introdução

Madame Satã é uma produção do cinema brasileiro do ano de 2002 que narra a

biografia de João Francisco dos Santos, transformista brasileiro de apelido homônimo

ao filme. O indivíduo representado nesta obra trata-se de um personagem emblemático

da história do Rio de Janeiro, que pertenceu à vida noturna e marginal da cidade durante

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a primeira metade do século XX. Interpretado pelo ator Lázaro Ramos, João Francisco

era freqüentador assíduo da Lapa – mostrada no filme como o reduto da malandragem e

da boemia daquele período – e é considerado referência na cultura marginal urbana do

Rio.

O longa-metragem é ambientado nos anos 1930, “um período em que o Estado

brasileiro, as elites e até mesmo o cidadão comum – homem ou mulher, pobre ou

abastado, negro, branco ou mestiço – se engajaram num esforço de modernização das

instituições, das artes, dos gostos e das atitudes” (LIMA, 2009, p. 2). O roteiro tem

como ponto de partida a prisão de João Francisco, a partir de onde é contada a sua

trajetória pelos bares da Lapa, desde as suas malandragens até o seu desejo em realizar

performances transformistas. O personagem ficou conhecido como Madame Satã após

se apresentar no carnaval carioca no ano de 1942, com uma fantasia baseada no filme

Madam Satan (1930), do cineasta americano Cecil B. DeMille.

Imagens fotográficas, fílmicas e, mais recentemente

videográficas retratam a história visual de uma sociedade,

expressam situações significativas, estilos de vida, gestos,

atores sociais e rituais e aprofundam a compreensão de

expressões estéticas e artísticas. Nesse caso, o que está em

jogo é a análise de imagens e discursos visuais, produzidos

no âmbito de uma cultura, como uma possibilidade para

dialogar com as regras e os códigos dessa cultura. Imagens

podem ser estilizadas como meio de acesso a formas de

compreensão e interpretação das visões de mundo dos

sujeitos e das teias culturais em que eles estão inseridos.

(BARBOSA & CUNHA, 2006: p. 53-4)

A produção cinematográfica brasileira articula representações de culturas

subalternas no discurso biográfico de João Francisco. Homossexual, ladrão, negro e

violento: o retrato de Madame Satã se define como o de uma figura pertencente a

estereótipos estigmatizados pela sociedade no período em que se passa a história. A

imagem de João Francisco – que se trata de um personagem que realmente existiu –

passa a representar, além da questão cultural referente ao período, um olhar

contemporâneo sobre tais questões referentes à época.

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1. Madame Satã, por Karim Aïnouz

O filme inicia-se com uma seqüência de imagens que mostra a figura de João

Francisco com o rosto desfigurado e abatido, enquanto uma voz em off o descreve:

O sindicado, que também se diz chamar Benedito Itabajá

da Silva, é conhecidíssimo na jurisdição deste distrito

policial como desordeiro, sendo freqüentador contumaz da

Lapa e suas imediações. É pederasta passivo, usa as

sobrancelhas raspadas e adota atitudes femininas,

alterando até a própria voz. Não tem religião alguma,

fuma, joga e é dado ao vício da embriaguez. Sua instrução

é rudimentar, exprime-se com dificuldades e intercala em

sua conversa palavras da gíria do seu ambiente. É de

pouca inteligência, não gosta do convívio da sociedade por

ver que ela o repele dado os seus vícios. É visto sempre

entre pederastas, prostitutas, proxenetas e outras pessoas

do mais baixo nível social. Ufana-se de possuir

economias, mas como não oferece proventos de trabalho

digno, só podem ser essas economias produto de atos

repulsivos ou criminosos. Pode-se adiantar que o

sindicado já respondeu a vários processos e sempre que

ouvido em cartório, provoca incidentes e agride mesmo os

funcionários da polícia. É um indivíduo de temperamento

calculado, propenso ao crime e por todas as razões

inteiramente nocivo à sociedade. Rio de Janeiro, Distrito

Federal, 12 dias do mês de maio do ano de 1932.

O espectador é convidado a conhecer uma história sobre Madame Satã, e não se

trata especificamente de uma narrativa biográfica, já que não mostra as fases da vida do

personagem, como o nascimento, infância, adolescência, maturidade e morte. De acordo

com Prysthon (2006a), “o curto recorte temporal faz com que na narrativa prepondere o

mito ao invés do rigor histórico” (p. 445). O filme de Karim Aïnouz retrata a vida

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marginal de João Francisco, seus conflitos com polícias e patrões, sua relação familiar

com os companheiros de residência, sendo eles a figura de um homossexual efeminado

com anseios de travesti e uma prostituta que também mora com o filho. Em meio a

essas narrativas aparece também o João Francisco com o desejo artístico de realizar

performances transformistas, que aparece logo nas seqüências iniciais do longa-

metragem, quando ele imitava a vedete para quem trabalhava como auxiliar de

camarim, usando os figurinos da artista escondido e interpretando seus números com

gestuais próprios.

O personagem de Lázaro Ramos retrata o perfil do homossexual malandro1.

Junto com Tabu, interpretado pelo ator Flávio Bauraqui, João Francisco vive aventuras

sexuais e afetivas com outros homens. Ao mesmo tempo em que mostra a malandragem

em obter lucro do homem branco, distinto e com dinheiro no bolso vivido pelo ator

Guilherme Piva, que o procura em busca de uma “moça morena de lábios e coxas

grossas” 2, o personagem também desfruta da experiência de viver uma história

homoafetiva com Renatinho, malandro branco interpretado pelo ator Fellipe Marques,

por quem se apaixona. As cenas são marcadas pelo homoerotismo, que envolve desde o

gestual até a insinuação de relações sexuais entre os personagens.

Outro aspecto da vida de João Francisco é trabalhado no roteiro de Madame

Satã: ele foi um exímio lutador de capoeira. Nas seqüências de perseguição da polícia, o

protagonista se envolve em cenas de luta corporal, além de conseguir fugir da prisão.

Nesse ponto do roteiro, percebe-se uma contraposição aos modelos estabelecidos para o

que seria a figura do homossexual, que sempre fora representado socialmente como um

indivíduo delicado, efeminado, e no filme de Aïnouz estava na figura do malandro, ágil,

dominador, violento. Rocha (2004) apresenta essa discussão quando afirma que “em um

mundo onde predomina a imagem do malandro jogador, machão e explorador de

mulheres, Madame Satã configura-se como um caso exemplar e, simultaneamente, uma

vida extraordinária, pois encerra de maneira paradoxal o ‘ser malandro’ e se apresenta

como um símbolo de fronteira” (p. 14). Sendo assim, a partir de um recorte temporal, o

1 O caráter malandro do personagem, segundo Durst (2005), é explicado sob perspectiva temporal: “a época era de pobreza e desemprego. O trabalho, difícil de conseguir e quase sempre pesado e mal remunerado. Era preciso resistir, sobreviver e dar a volta por cima. Ou por baixo. Era malandro o que fazia isso. No samba e na vida” (p. 13).2 Nessa sequência, a “moça morena de lábios e coxas grossas” é apresentada por João Francisco como sendo a sua própria imagem. Junto com Tabu, os dois levam Álvaro para a habitação deles para realizar essa fantasia do cliente. Enquanto João Francisco o seduz, o colega rouba o dinheiro do moço branco, fazendo-o escapar dali logo após o feito sob a desculpa de uma situação de risco com a polícia. Essa cena descreve o caráter malandro do personagem de Lázaro Ramos, que usa a esperteza para tirar vantagem da oportunidade com o homem tímido, branco e rico.

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campo de discurso em que se inscreve a figura de Madame Satã é de alguém que

incomoda socialmente, já que além de homossexual, ele consegue reunir em si outras

características que o configuram como transgressor do mundo.

Lima (2009) descreve o personagem:

João Francisco dos Santos, em sua máscara de cidadão,

jamais poderia ser um astro hollywoodiano. Não era

branco, não era belo e desejável como branco e era

nascido no Brasil, um pais periférico. “Já nasceu torto”.

Era um homem negro, mergulhado no drama da sua

negrura não percebida nem por ele nem por sua melhor

amiga Laurita. Iludido ou irônico, ele reivindicava para si

uma condição moderna e elementar de pessoa – em varias

falas se refere a si mesmo como “minha pessoa...” – que se

choca com uma condição de pessoa que a sociedade lhe

atribui. Ou seja, João Francisco insinua todo o tempo, ao

se referir a si mesmo como “minha pessoa...” que se

concebe como homem livre, universal, cidadão dotado de

direitos por posição social – homem de família, provedor e

protetor da vida de uma prostituta, de sua filha e de um

travesti, dotado de status e honrarias – malandro famoso,

admirado e temido na antiga zona da Lapa carioca. Porem,

João Francisco e pessoa para a sociedade hegemônica na

medida em que bem se adequa ao papel de um ser negro,

predeterminado por uma ordem social e simbólica que

antecipadamente prevê seus sentimentos, pensamentos e

ações. (p. 9)

Através do pensamento acima é possível perceber a intenção de Karim Aïnouz

em representar João Francisco enquanto um indivíduo, que embora pertencente a um

estereótipo marginal exacerbado, possuía um ideal de libertação contra os princípios de

desagregação que vivenciou. Num contexto de subordinação econômica, social e racial,

João Francisco recebe o tratamento de anti-herói, quase da mesma forma que

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Macunaíma3, obra literária de Mário de Andrade datada do ano de 1928. Na obra

cinematográfica é o caráter lúdico do personagem4, que encontra na cidade o lugar do

preconceito e do autoritarismo. A analogia se explica pelo fato de que, assim como o

personagem da literatura, João Francisco também possui, além da mesma raça, o perfil

de um malandro querendo tirar proveito da vida.

Apesar da atmosfera de desfavorecimento em que se apresentam as condições

econômicas e sociais de João Francisco, ele encontra nas artes cênicas o refúgio para

sua vontade de viver e vencer na vida. Esse aspecto é retratado em outro momento do

filme, quando João Francisco pede para se apresentar no botequim de Amador,

personagem de Emiliano Queiroz, e encena o número de Scherazade – que costumava

imitar quando trabalhava para a vedete no começo do longa-metragem. O sucesso da

apresentação dá início a uma carreira de destaque como transformista. A continuidade

dessa profissão é abalada a partir de uma situação em que o protagonista sofre

preconceito por parte de um dos fregueses do estabelecimento, o personagem bêbado e

agressivo vivido por Ricardo Blat, que o insulta de “viado”. Mais tarde, João Francisco

é preso por homicídio, culpado pelo assassinato deste personagem e passa 10 anos preso

na cadeia, de onde sai e participa do desfile do bloco-de-rua no carnaval carioca,

vestindo uma fantasia inspirada no filme Madam Satan, inspirada na figura da

performer Josephine Baker, e de onde também veio seu apelido mais tarde: Madame

Satã. A produção cinematográfica encerra com uma fala em off, onde João Francisco

mistura a história vivida com a fantasia, nos versos que contam sobre Scherazade – que

interpretou nas primeiras performances transformistas – e o fascínio pela figura de

Josephine:

Madame Satã – Vivia presa, por 10 anos, num castelo de

uma ilha das arábias, uma princesa de nome Jamassi. No

intuito de inveja, a rainha maléfica tinha aprisionado a

jovem princesa que vivia triste e solitária. Ate que num dia

de carnaval, um cavaleiro em seu camelo libertou a

3 A obra é considerada um dos grandes romances modernistas do Brasil. O personagem-título é um herói sem nenhum caráter, ou anti-herói, que na figura de um índio representa o povo brasileiro, mostrando atração pela cidade de São Paulo e pela máquina. Trata-se de uma obra surrealista, onde se encontram aspectos fantasiosos, com críticas à miscigenação étnica e religiosa.4 Aqui se fala em caráter lúdico sob a justificativa de explicar que o que João Francisco demonstrava buscar, através da direção de Karim Aïnouz, era a diversão. O personagem encontrava na família constituída pela prostituta Laurita e pelo homossexual Tabu um conforto e liberdade para fazer desordem, praticar golpes e realizar suas performances artísticas que desde o início do filme sonhava em fazer.

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princesa, que correu a pé ate chegar na sua Lapa querida.

A princesa foi logo se apressando de preparar sua fantasia

pra o desfile dos caçadores de veados. Jamassi vestida,

desfilou com brilhantismo no carnaval de 42. E Jamassi

ficou conhecida assim pro resto do mundo como

MADAME SATÃ!

2. A estética do subalterno em Madame Satã

O universo representado em Madame Satã é o de uma cultura subalterna5,

reforçada através de uma concepção visual que valoriza as imagens da periferia, de um

submundo existente e onde se passa a história de João Francisco. Na maioria das

seqüências a unidade estética do filme foi elaborada através de cenários utilizando

ambientes fechados ou abertos noturnos, sem muita iluminação. Bares, cabarés e o

cortiço onde vive o personagem-título são localizados em meio à paisagem urbana do

bairro carioca da Lapa. A composição de tais elementos, para Lima (2009) “favorece,

no espectador, a impressão de precariedade material em que viviam os personagens,

assim como a impressão da precariedade moral que lhes era atribuída” (p. 15). A

atmosfera de pobreza na qual é imerso Madame Satã é representado aqui como o

principal fator que caracteriza o filme como um produto que Prysthon (2006b) define

como “Terceiro Cinema”:

De acordo com a idéia de transformação da sociedade pela

conscientização trazida à tona pelos ideais terceiro-

mundistas, os principais temas dos filmes do Terceiro

Cinema vão ser a pobreza, a opressão social, a violência

urbana das metrópoles inchadas e miseráveis, a

recuperação da história dos povos colonizados e oprimidos

e a constituição das nações. Os praticantes do Terceiro

Cinema recusam adotar um modelo único de estratégias

formais ou transformar-se em um “estilo”, embora isto não

5 Santos (2001) fala em identidades subalternas como aquelas que correspondem a situações em que o poder de declarar a diferença se combina com o poder para resistir ao poder que a declara inferior. Se não há resistência, não há identidade subalterna, mas apenas subalternidade. (p. 46-7)

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tenha significado que eles estivessem alheios ao cinema

mundial e à idéia de um modelo, se aberto, ao menos em

linhas gerais unificador. (p. 4)

A autora utiliza o termo para referir-se à idéia de um cinema periférico, que

aborda temáticas nas esferas marginalizadas da sociedade, centralizando a questão

daqueles que estão destituídos. A concepção de um “terceiro cinema” surge a partir da

consciência terceiro-mundista aplicada pelas delimitações da geografia contemporânea

aos países considerados subdesenvolvidos. Recebe influências estéticas da Nouvelle

Vague6 francesa e do neo-realismo italiano7, possibilitando a consolidação de linguagens

individuais dos principais expoentes do movimento (PRYSTHON, 2006b). Sobre a

perspectiva de uma cultura globalizada, Bhabha (2007) pontua:

Quando o mundo se torna sombrio por causa das opiniões

contraditórias e ambivalentes, a estética – a ficção, a arte,

a poesia, a teoria, a metáfora – vem iluminar a nossa

difícil situação cultural e política. No centro da

experiência estética reside a voz interlocutória da

expressão cultural que baseia a criatividade humana e a

democracia política. (p. 25)

Stam (2006) contextualiza o surgimento do Terceiro Cinema em meio a uma

crítica à estética do cinema contemporâneo, denunciada por causa de um eurocentrismo

que abarca uma imitação generalizada da cinematografia hollywoodiana.

A noção de Terceiro Cinema surgiu da Revolução Cubana,

do peronismo e da “terceira via” de Perón na Argentina,

bem como de movimentos cinematográficos como o

Cinema Novo no Brasil. Esteticamente, o movimento se

6 Movimento artístico do cinema francês inserido no movimento contestatório próprio dos anos 1960. A expressão foi utilizada para fazer referência a novos cineastas franceses, que sem grande apoio financeiro produziam seus primeiros filmes unidos por uma vontade comum de transgredir as regras normalmente aceitas para o cinema mais comercial.7 Movimento cultural surgido na Itália com maiores expressões no cinema, que se caracterizou pelo uso de elementos de realidade numa peça de ficção, aproximando-se das características que definem o filme documentário. Contrariando o cinema tradicional de ficção, o neo-realismo italiano buscou representar a realidade social e econômica de uma época.

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inspirou em correntes tão diversas quanto à montagem

soviética, o teatro épico de Brecht, o neo-realismo italiano

e até mesmo o “documentário social de Grierson” (...)

Tanto o termo “Cinema de Terceiro Mundo” quanto

“Terceiro Cinema” implicam usos táticos e polêmicos para

uma prática cultural de pretensões políticas, desde que

sejam tomados como projetos concebidos coletivamente e

não como entidades “essenciais” preconcebidas. (p. 59)

A representação dos marginalizados e da periferia resgata o discurso da

diferença, ao mesmo tempo em que insere as subalternidades no debate cultural. Sobre o

filme Madame Satã, Prysthon (2006a) observa a temática explícita de tais fronteiras:

“sua noção de subalternidade está muito próxima da idéia de marginalidade, do conceito

de minoria, o foco é o submundo carioca dos anos 30, seus modos e, mais

entusiasticamente, suas modas” (p. 445). Na obra de Karim Aïnouz existe a valorização

dessa cultura periférica, através das concepções estéticas que priorizam cenários e

diálogos onde a realidade do personagem-título dialoga com o espectador no intuito de

traduzir o sentimento de subordinação vivido por João Francisco.

José (2007) fala do “cinema de autor” 8 de Phrysthon apresentando o termo

“cinema marginal”, que consiste em uma produção “à margem da sociedade de

consumo e das grandes produções, fitas de orçamento baixos, simples, abordando temas

insólitos e inesperados, ‘realizando uma profunda análise do homem e seus valores”

(p.156-7). A concepção da autora fala que esta característica se aplica tanto em filmes

eróticos quanto nos projetos tropicalistas, nas fitas de terror e em metáforas políticas:

O cinema marginal dava voz a personagens totalmente

desestruturados que se encontravam à margem da

sociedade, porque, para além da militância política

existiam as prostitutas, bandidos, homossexuais, drogados,

pervertidos, degenerados. Era a estética do grotesco, onde

o kitsch, o burlesco, as imagens sujas e desfocadas

predominavam. Histórias estranhas, com personagens

estranhos, anti-heróis da realidade brasileira. (p. 159)

8 “Cinema de autor” é outra forma pela qual Phrysthon se apropria para se referir ao “Terceiro Cinema”.

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Sob a perspectiva de uma “globalização da miséria”, José discute a exploração

do grotesco, que passa a ser explorado pelo cinema marginal da época em que surgiu

influenciado pelo surgimento da idéia do “cinema de autor”, junto com influências do

movimento underground9 americano. A crítica levantada é apresentada em parâmetros

de uma diferenciação com relação ao cinema contemporâneo, refletindo uma nova

ordem mundial.

Se nos anos 1970, o cinema brasileiro recorria ao exótico,

psicodélico ou ao absurdo para falar sobre nossa realidade,

neste começo de milênio, nenhuma plástica é mais

necessária. Primeiro, vivemos num dos melhores períodos

da conjuntura brasileira, sem necessidade de usarmos

metáforas ou paródias para fazer qualquer tipo de análise

ou crítica ao país, os anos de chumbo passaram. (p. 161)

O cinema possibilita “o modelo de um mundo possível – que pode ser

experimentado, e que é abertura no presente em direção ao futuro – e não o retrato, fiel

ou enganador, de uma dada realidade, seja ela interna ou externa” (LUZ: 1998, p. 240).

Através desse pensamento entendemos que, em Madame Satã, não se trata de um retrato

gratuito da biografia de João Francisco dos Santos, porém uma experiência fílmica,

quase que documental, com a narração de um período de modernização de subordinação

das identidades, onde o papel do malandro representa o discurso da extrapolação dessas

fronteiras sociais em busca da sobrevivência.

A reconstituição da vida de Madame Satã no filme de Aïnouz é tematizada como

uma obra que faz referência ao Terceiro Cinema, por a narrativa de um personagem

periférico e a subalternidade do ambiente, porém sem a utilização de uma estética

grotesca ou caricatural para representar as situações cotidianas do mito da boemia

carioca. Os elementos cênicos do filme funcionam como recursos visuais utilizados pela

direção para evocar as atmosferas: de precariedade das condições sociais e econômicas

9 Expressão utilizada para designar o ambiente cultural que foge dos padrões comerciais e modismos midiáticos. Também chamado de contra-cultura, esse ambiente cultural pode ser caracterizado em movimentos musicais, como gótico e rap; na literatura, como a poesia marginal; e na arte, como o grafite e street art.

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do protagonista; da legitimidade da cor e da sexualidade de João Francisco; da

cronologia onde se insere a história de Madame Satã.

3. A cor de Satã: a representação do negro no filme

O corpo negro é imagem e representação em Madame Satã (LIMA, 2003, p. 4).

O discurso visual está presente no uso de composição de imagens combinadas através

de elementos cênicos que legitimam a condição étnica do personagem-título. No

contexto da obra, João Francisco sofre preconceito social pela sua raça e classe social,

ao mesmo tempo em que esse fator o aproxima de oportunidades, como na seqüência de

imagens onde o personagem de Guilherme Piva (um homem branco, distinto e rico,

embora tímido) o procura na esperança de encontrar “uma moça morena, de lábios e

pernas grossas”, que se traduz na genitália do transformista. O encontro rende um plano

com o companheiro de quarto, Tabu, para roubar o seu dinheiro enquanto ele é entretido

na cama. Nesse sentido, a cor da pele é um atributo favorável a sua condição de

malandro, à medida que homens brancos o procuram para satisfazer fantasias sexuais.

Há também, em outro momento, a seqüência em que o também malandro

Renatinho, interpretado por Fellipe Marques, se entrega a João Francisco. Em uma cena

homoerótica entre o branco e o negro os planos são detalhados e os músculos dos dois

atores são colocados em contraste visual. Nessa experiência sexual, o transformista

desempenha o papel de ativo na cama com o homem branco. O recurso permite

observar, do ponto de vista de uma concepção estética, a questão do negro dominando o

branco na cama, tornando-se uma cena provocativa a partir do ponto em que se

compreende que, tradicionalmente as sociedades ocidentais representam essa relação de

forma contrária.

Frantz Fanon analisa que há atitude de negação, por grande maioria da

população negra, com relação à cor da sua pele, devido à postura de inferioridade

sentida ao colonizador – o homem branco. O pensamento do autor que examina as

relações raciais entre negros e brancos aponta o colonialismo como um sistema racista,

resultando no comportamento fóbico dos próprios indivíduos negros (FANON, 2008).

Em Madame Satã ocorre justamente o contrário. O personagem de João Francisco luta

para vencer a subordinação que lhe é imposta por causa de sua cor, e nessa situação é

que se desencadeiam diversas das situações de conflito entre ele e a sociedade, ou entre

ele e o poder público representado pela polícia. A direção do filme opta pela

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legitimidade da cor negra da pele de Lázaro Ramos para referenciar o orgulho sentido

pelo transformista, aspecto percebido através de planos em detalhes e closes que

valorizam o contraste de cores entre a pele do protagonista e os outros elementos

cênicos da obra.

Através de Madame Satã é perceptível, como Fanon afirma ainda, como se

projeta o olhar do homem branco sobre o negro. Nas seqüências em que João Francisco

mantém relações sexuais com homens brancos que o procuram, ele desempenha o papel

sexual de ativo, refletindo o plano genital em que se localiza a visualização da imagem

do negro perante o branco na sociedade ocidental: “quanto aos pretos, eles em a

potência sexual. Pensem bem, com a liberdade que têm em plena selva! Parece que

dormem em qualquer lugar e a qualquer momento. Eles são genitais” (2008, p. 138). O

autor ainda analisa que “para a maioria dos brancos, o negro representa o instinto sexual

(não educado). O preto encarna a potência genital acima da moral e das interdições” (p.

152). Além dessa simbolização do biológico, a obra de Aïnouz ainda aborda a questão

da dimensão corporal do olhar do branco sobre o negro. João Francisco é capoeirista, e

através de seus golpes ágeis e destemidos consegue enfrentar os perigos que o

ameaçam, demonstrando também a valorizado do “selvagem” aliada à postura agressiva

do personagem.

No pensamento de Lívio Sansone sobre a internacionalização da cultura negra

sob a perspectiva do processo de globalização, encontramos que

os meios de comunicação de massa e a indústria cultural

distribuem pelo mundo afora imagens e estereótipos

brancos sobre os negros; essas imagens (por exemplo, a

representação dos negros como extremamente sensuais e

naturais que, em sua forma mais extrema, é produto dos

sistemas de relações raciais polarizados) acabam

influenciando a auto-imagem e as visões de mundo de

negros e brancos em outros países. (p. 69)

O cinema nacional, uma reprodução desses estereótipos apontados por Fanon e

Sansone. Dirigido por Carlos Diegues, o filme Xica da Silva (1976) 10 trazia em seu

10 Xica e João Francisco possuem em comum a imposição de uma identidade que resiste à idéia de subalternidade nos espaços sociais em que vivem. Enquanto uma encontra essa resistência na ascensão social, o outro usa a malandragem para representar o incômodo com esta tal condição.

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papel principal uma escrava negra, interpretada pela atriz Zezé Motta, consumida pelo

desejo de ascensão social. Na obra, que apresenta claramente a visão colonialista, o

negro é representado como escravo, ser inferior e subordinado às vontades do homem

branco, que pertence à corte e veste roupas nobres. De fato, Xica consegue alcançar o

posto de dama da corte, e no jogo de interesses entre ambos os núcleos (o da nobreza e

o dos escravos), podemos encontrar e negrofobia entre os próprios escravos, presente na

negação de suas etnias e origens.

A comparação entre esta última obra e Madame Satã consiste no fato de

perceber os tratamentos diferentes dados para protagonistas negros no cinema brasileiro.

Tal análise apresenta a possibilidade de, através de experiências fílmicas, poder se

observar as percepções acerca da identidade negra em períodos diferentes do cinema

nacional. Marc-Henri Piault observa que “para a antropologia, o cinema e os diversos

métodos audiovisuais são tanto instrumentos de observação, instrumentos de transcrição

e interpretação de realidades sociais diferentes quando instrumentos para ilustração e

difusão das pesquisas” (p. 63). Permite-se avaliar, a partir desse pensamento, o quanto a

identidade negra tem passado por um processo de legitimidade entre o ano de produção

da primeira obra (1976) e o da produção de Madame Satã (2002). Porém uma coisa em

comum ainda se percebe entre as duas películas: a busca de liberdade social e, com ela,

a extinção de estereótipos condicionados pela raça.

4. O corpo entre gêneros: a performance de João Francisco

Existem dois personagens assumidamente homossexuais no núcleo principal:

João Francisco e Tabu. Eles estabelecem uma relação familiar com a prostituta Laurita,

personagem de Marcélia Cartaxo, que também mora com o filho. Os três personagens

vivem no submundo de um cortiço, mas é nesse espaço em que acontecem os momentos

de diversão entre eles. Fora dali estão sujeitos ao mundo do qual precisam para

sobreviver, expostos ao perigo de uma sociedade autoritária e preconceituosa daquela

época.

Na seqüência em que João Francisco briga após ter sido insultado por um

freguês do botequim onde se apresentava de “viado”, ele impõe o seu direito à

diferença: “Eu sou bicha porque eu quero, e não deixo de ser homem por causa disso

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não”. A opção do diretor pela cena demonstra a busca de Madame Satã não pelo

reconhecimento enquanto artista popular, mas sim pelo direito a uma diferença

comportamental. Enquanto o seu companheiro de moradia Tabu apresenta gestuais

efeminados e uma caracterização marcada pela identidade travesti, João Francisco

apenas usa a performance artística para destacar o seu fascínio pela arte transformista,

sem que isso afete o seu comportamento social11. A postura do personagem de Lázaro

Ramos é masculina: ele se veste como homem, age de forma como tal e tem na força

física o principal atributo da sua imagem. Já o papel interpretado por Flávio Bauraqui se

veste com roupas femininas quando está em casa e possui um gestual e comportamento

efeminado. O que acontece com Tabu é que ele não possui identidade de gênero

masculina12.

Madame Satã é um corpo drag:

Os sujeitos, quando montados de drag, unem, em um

único corpo, características físicas e psicológicas de

ambos os gêneros, sendo e estando masculinos e

femininos ao mesmo tempo, em um jogo de composição

de gêneros que questiona a rigidez do conceito de

identidade. (CHIDIAC & OLTRAMARI, 2004, p. 472)

João Francisco é um indivíduo transgênero13 que adquire signos gestuais,

indumentários e comportamentais convencionados como sexo feminino e justapõe tais

características à anatomia masculina, através de uma performance de gênero conhecida

como female impersonation14. A afeição pelas performances artísticas é sublinhada

desde as seqüências iniciais do filme, quando ele as fazia no camarim da vedete Vitória

do número de Scherazade. O reconhecimento do personagem como Madame Satã

11 Com relação aos fenômenos de metamorfose de gênero apresentados, o travesti seria um papel de gênero onde o indivíduo passa a ter identidade e papel social de gênero como opostos ao sexo designado no nascimento, passando a representar esse papel 24h por dia, enquanto que o transformista consiste na representação desse papel social de gênero apenas para fins performáticos. 12 Identidade de gênero refere-se ao gênero em que o indivíduo se identifica, também utilizado para referir-se ao gênero que se atribui ao indivíduo tendo como base o que se reconhece como indicadores de papel social de gênero.13 O termo “transgênero” refere-se à característica de trânsito entre gêneros apropriada por travestis, transexuais, transformistas e crossdressers, que consiste em representar, em um corpo masculino, os elementos convencionados como sendo do sexo feminino.14 Processo de transformação de gênero no sentido masculino para o feminino através da teatralização e do uso de indumentária e atributos gestuais e comportamentais, em que o artista atua como mulher, sendo a base dessa apresentação a própria transformação do performer.

14

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aconteceu após o carnaval de 1942, após cumprir a pena de 10 anos pelo homicídio do

personagem de Ricardo Blat. A inspiração de João Francisco veio do filme Madam

Satan, do cineasta americano Cecil B. DeMille, que traz a figura da performer negra

Josephine Baker, considerada emblema da negrofilia do movimento da vanguarda

européia, por causa da exacerbação da imagem caricatural do negro, assim como a

reiteração do seu primitivismo e, em um plano paradoxal, uma nova aspiração de

modernidade advinda de certa liberação da mulher, de um espontaneísmo e ruptura aos

valores morais burgueses (LINS, 2009, p. 10). De acordo com Lima (2009),

João Francisco dos Santos encontrou na mise em scene um

modelo de expressão social e artístico de liberação das

amarras do ideal de masculinidade que suportava no corpo

do homem negro. Um tanto quanto homem, um tanto

quanto mulher, homem valente, viril, duro, mas também

feminino, sensual e “pederasta passivo”. Exímio

capoeirista, desaforado e agressivo, mas também bom

amante e sedutor na atitude e no gesto diante da ausência

ou na impossibilidade de fazer-se ouvir ou ser entendido

através das palavras. Onde se esperava a mulher em João

Francisco, se manifestava o homem, onde se reconhecia o

homem, se apresentava a mulher, onde se esboçava o anjo,

se revelava Madame Satã. (10)

O filme representa um momento na história do país onde se constatam

primórdios da arte transformista. O fenômeno atual apresenta um ideal estético

transformado que, diferente da performance transformista representada nos anos 1930

através de Madame Satã, a drag queen15 contemporânea apresenta uma anatomia

plasticamente modificada de forma protética, com o uso de acessórios como peruca,

enchimento no lugar dos seios e uma maquiagem mais exagerada, representada no filme

americano Priscilla - a rainha do deserto16 (1994), do cineasta Stephan Elliot. Segundo

Judith Butler (2003):

15 Termo contemporâneo utilizado para designar o homem que se traveste de mulher para fins artísticos, onde o ato de montar o personagem significa a criação de todos os aspectos que o irão compor, como maquiagem, codinome, comportamento, indumentária, jeito de falar, etc.16 Título original: The adventures of Priscilla, Queen of The Desert.

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A performance do Drag brinca com a distinção entre a

anatomia do performista e o gênero que está sendo

performado. Mas estamos, na verdade, na presença de três

contingentes da corporeidade significante: sexo

anatômico, identidade de gênero e performance de gênero.

Se a anatomia do performista já é distinta do seu gênero, e

se os dois se distinguem do gênero da performance, então

a performance sugere uma dissonância não só entre sexo e

performance, mas entre sexo e gênero, e entre gênero e

performance. (p. 196)

A performance apresentada no filme representa um ideal estético que justapõe

signos gestuais e comportamentais ao corpo masculino de João Francisco, sustentando

ainda mais a diferença entre ele e Tabu, que passa o tempo todo vestido com roupas de

mulher, sendo considerado então um indivíduo travesti. É essa diferenciação que o

personagem reivindica no filme, pelo preconceito sofrido pelo gênero – quando é

insultado de “viado” –, além do sofrido pela raça e pela classe social.

5. Considerações Finais

A obra de Karim Aïnouz promove um discurso representativo acerca do ideal de

liberdade social almejado pelo personagem de Madame Satã. Partindo da idéia de um

“terceiro cinema”, a concepção estética do filme promove a abordagem da cultura

marginal, tendo como principais referenciais para a discussão os temas: preconceito

racial, social e de gênero sofrido enfrentados por João Francisco dos Santos na obra

cinematográfica. A película também apresenta o discurso sobre a malandragem,

representada através de Madame Satã como sendo um aspecto de rebeldia e

sobrevivência, de negação da imposição de uma identidade subalterna conferida a sua

pessoa por causa da cor e reforçada principalmente no que diz respeito à situação

econômica do personagem-título.

O recorte temporal realizado pela direção do filme permite avaliar as

representações de tais fenômenos, focalizando passagens da vida do de João Francisco

onde se registram os conflitos que marcaram a sua luta pela liberdade social. A

16

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representação artística do transformista passa a ser mostrada como um aspecto da sua

vida em que é apresentada a condição de performista enquanto, no campo discursivo, a

condição de artista performático além de explicar o fascínio do personagem pela

performance de gênero serve para indicar a necessidade de diferenciação entre o homem

vivido por Lázaro Ramos e o “viado” referido na agressão moral sofrida em

determinado momento do filme.

O tratamento de Karim Aïnouz para esta narração nos permite avaliar, com

postura reflexiva, todo o contexto cultural e social em que viveu este personagem,

utilizando-se de elementos cênicos para evidenciar os aspectos íntimos, sociais e

artísticos da vida de Madame Satã.

A partir da obra, a dialética brasileira encontra um instrumento para a avaliação

do pensamento do homem branco sobre o homem negro, além das devidas questões de

raça, gênero e cultura marginal abordada no filme.

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Janeiro: Zahar, 2006.

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XICA da Silva. Direção: Carlos Diegues. Brasil: Embrafilme, 1976. 1 VHS (107 min.),

son., color.

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