machado de assis - o remédio é a crítica

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    O remdio a crtica

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    Organizao, reviso e notas:

    Luiz Cezar de ArajoJefferson Bombachim RibeiroAdemir Jnior Sousa Amaral

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    O remdio a crticaMachado de Assis

    (coletnea de escritos) Editora Concreta, 2015

    Os direitos desta edio pertencem

    E CRua Baro do Gravata, 342, portaria Bairro Menino Deus CEP: 90050-330

    Porto Alegre RS Telefone: (51) 9916-1877 e-mail: [email protected]

    E:Renan Martins dos Santos

    C :Luiz Cezar de Arajo

    O, :Luiz Cezar de Arajo

    Jefferson Bombachim RibeiroAdemir Jnior Sousa Amaral

    T :Luiz Fernando Alves

    C E:

    Hugo de Santa Cruz

    Reservados todos os direitos desta obra. Proibida toda e qualquerreproduo desta edio por qualquer meio ou forma, seja ela eletrnica

    ou mecnica, fotocpia, gravao ou qualquer meio.

    www.editoraconcreta.com.br

    F C

    Assis, Machado de, -Ao O remdio a crtica [livro eletrnico] / coordenao de Luiz Cezar

    de Arajo, edio de Renan Santos. Porto Alegre, RS: Con-creta, .p. :p&b ;

    ISBN ----

    . Literatura brasileira. . Ensaios. . Cartas. . Crtica literria. I. Ttulo.

    CDD-.

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    COLEO BR ASILEIR A

    Aliteratura de grandeza universal que o Brasil produziu entre o perodocolonial e meados do sculo passado, os clssicos, os gnios da nossalngua, os vultos das nossas letras jazem sob escombros. Nossos me-lhores autores e suas obras crtica literria, prosa ficcional, poesia, mem-rias j no o caso dizer que esto fora dos catlogos: esto fora do nosso

    imaginrio. Rompeu-se o tnue fio que nos ligava velha tradio da Beleza.O professor Olavo de Carvalho com razo observa que no Brasil h

    trinta anos no se publica um romance, uma novela, uma pea de teatro quevalha a pena lera, e completa:

    A partir da dcada de 1980, a literatura brasileira desaparece. A complexa erica imagem da vida nacional que se via nas obras dos melhores escritores ento substituda por um sistema de esteretipos, vulgares e mecnicos at odesespero.

    O grande Nelson Rodrigues, comentando o silncio brutal que cercavaGilberto Freyre, j dizia que est em serssima crise vital o pas que noreconhece seus maiores homensb.

    Os poetas, os romancistas, os crticos literrios a elite cultural de um

    aLonga Noite, publicado no Dirio do Comrcio, //, in O mnimo que voc precisasaber para no ser um idiota, Rio de Janeiro, Record, , p. .

    bOs setenta anos de Gilberto Freyre, in O Reacionrio, Rio de Janeiro, Record, , p.

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    pas somente forma-se pela leitura e absoro dos seus clssicos; s assimteremos de novo alta cultura, literatura de verdade, e no essa coisa patticae disforme a que do o nome literatura contempornea brasileira, e que s

    serve para ofender o bom gosto e a inteligncia e abarrotar comitivas emfestas internacionais pagas com dinheiro pblico.

    Recuperar suas obras e aprender dos mestres a proposta da Coleo Bra-sileira. No temos a pretenso de acrescentar nada ao edifcio das letras na-cionais, porque ele j no se encontra mais de p. Cavaremos os escombros, agolpes de picareta se for preciso, para de l recuperar a inteligncia nacional.

    L C ACoordenador da Coleo Brasileira

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    A

    Atravs de campanha no websiteda Concreta para financiar O remdio acrtica, 353 pessoas fizeram sua parte para que este livro se tornasse reali-dade, um gesto pelo qual lhes seremos eternamente gratos. Mais abaixo lis-tamos aquelas que colaboraram para ter seus nomes divulgados nesta seo:

    Adyson da Silva DigenesAlex Quintas de SouzaAlexandre Cavalli das NevesAllan MarcattiAluisio Dantas

    Alysson SouzaAna Elisa VenturiniAnderson SilvaAndr Arthur CostaAndre Assi BarretoAndre Barboza da SilvaAndre BrandoAndre CoutoAndr de Oliveira da Cruz

    Andr EstevesAndr NogueiraAndra Lopes DiasAndrei PazAntonio Chacar Hauaji

    Antnio Emlio Angueth de ArajoAntonio Marcos SaunaArnaldo Bastos CastroArthur de SouzaArthur DutraAssuno MedeirosAugusto Carlos Pola Jr.Benedito SilvaBernardo Cunha de Miranda

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    Bruce Oliveira CarneiroBrunno SilvaBruno Augusto M Peixoto

    Bruno Jos Queiroz CerettaBruno ValliniCaio CazarottoCaio Moyss de LimaCamila CostaCamila Maria S. BernardinoCarla FarinazziCarlos A. CrusiusCarlos Alberto Leite de MouraCarlos Alexander de S. CastroCarlos Eduardo C. R. MachadoCarlos Eduardo de A. de PduaCarlos Eduardo PaulukCecilia BourdonCludia MakiaCludio Mrcio FerreiraClotilde Grosskopf

    Cristian DerosaCristiano EulinoCristiano LaureanoDaniel PinheiroDanilo BessaDavi LemosDavide LanfranchiDayane Adrielli SchneiderDenys William Bachion

    Diego CarvalhoDiego dos Reis OliveiraDiego LuvizonDiogo Ferreira Ribeiro LaurentinoDiogo FontanaDiogo LinharesEderson OliveiraEduardo FernandesEduardo Gabriel

    Eduardo JardimEduardo LeiteEduardo Silva

    Elpdio FonsecaEmanoel CelestinoEmerson Henriques Moraesrico SantosErikson Pietrzack de OliveiraEvandro FerreiraEveraldo LuzEwerton Jos WantrobaFabio DiasFabio Furtado PereiraFabio Rogerio Pires da SilvaFbio Salgado de CarvalhoFelipe CamposFelipe Costa GeraldesFelipe SabinoFilipe ApriglianoFilipe Catapan

    Filipe de AlbuquerqueFilipe Ribeiro de CarvalhoFlavio Aprigliano FilhoFlvio MontenegroFrancisco Igor de Souza e SilvaFred MezarobaGabriel Henrique de L. PereiraGabriel Henrique KnpferGabriel Pereira Bueno

    Genesio da Silva PereiraGensio SaraivaGevanildo Alves PaulinoGilberto SilvaGio Fabiano Voltolini Jr.Giuliano Arajo L. de CarvalhoGleydson dos Santos T. AvelinoGrazielli PozziGuilherme Acurcio Barbosa

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    Guilherme Batista Afonso FerreiraGuilherme BessaGuilherme Callegari

    Guilherme Escorsin RoqueGuilherme Martins S. PereiraGustavo Alves SousaGustavo ArajoGustavo CardosoGustavo CostaGustavo de ArajoGustavo Silveira MachadoGutemberg da Silva CamposHlio Angotti-NetoHenrique CalHumberto CampolinaIber GrimoniIgor Lins VieiraIsadora SaraivaIsmael CittadinIvan Jacopetti do Lago

    Jefferson NascimentoJefferson Zorzi CostaJoo Alberto de Pdua BuenoJoo Gilberto CunhaJoo GomesJoo Marcelo Silva ZigurateJoo Paulo BastosJoo Vitor AlvesJohann Alves

    Jonas Fag Jr.Jonathan de A. F. NascimentoJuliano Erichsen Martins NetoJulio BelmonteJulio Cesar AmorimJulio Cesar Sousa DiasJunior RibeiroLeandro CasareLeandro Pereira

    Leonan RiterLino MoreiraLucas Cardoso da Silva

    Lucas Fischer ZapeliniLuciana Aparecida Rezende CruzLuciano PiresLus Fernando WeffortLuis Gustavo SantAnna MoreiraLuiz Andr Pereira da SilvaLuiz Cludio RibeiroLuiz SoaresLya FerreiraLysandro SandovalMarcelo Correia PereiraMarcelo SperkaMrcio Andr Martins TeixeiraMarco Silveira FernandesMarcos ArajoMarcos Campello de SouzaMarcos Costa

    Marcos Paulo MachadoMarcos VasconcelosMaria da Graa C. QueirozMaria Rita de AguiarMrio Jorge FreireMarkian KalinoskiMrlon Kimmel RodriguesMarlon Rodrigo OliveiraMateus Cruz

    Matheus BegasMatheus OliveiraMiguel Luiz CortezMilene GoesNatanael Pereira BarrosNilson Marques CabralPablo CorbettPaulo JosPaulo Roberto Chedid

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    Pedro Theil Melcop de CastroPietro AiresRafael Canales

    Rafael FalcnRafael HekaveRafael LahmRafael MonteiroRafael Raul StockmannRafael Rocha MatiasRafael VicariRaphael Rocha de Souza MaiaRaphael SilveiraRenato GuimaresRicardo FaracoRicardo GregrioRoberto AlmeidaRoberto CajaravilleRoberto Navarro MaiuriRoberto SmeraRodney Eloy

    Rodolfo Veras CorreiaRodrigo DubalRodrigo MoraisRodrigo Naimayer dos SantosRodrigo Silva ZundtRodrigo Vaz FelicianoRoger AssunpoRomrio RickenRonaldo Silva

    Rosele Martins dos SantosSamuel da Silva MarcondesSrgio RamosSilvio DonatangeloSilvio Livio Simonetti NetoSueli PezzinTarcio SotteTatiana Ramos PradoThiago Abras

    Thiago JunglhausThiago RabeloTiago Toledo

    Ullysses Josu Correia SiqueiraVicente do Prado TolezanoVictor Hugo BarbozaVitor ColivatiVitor Fonseca de MeloVtor SampaioWagner Batista da SilvaWagner CavalcanteWagner Marcelino Gomes da SilvaWaldson MunizWellington HubnerWillian Barbosa Panisa

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    S

    P 15

    PARTE I. ENSAIO

    C I O

    O passado, o presente e o futuro da literatura (1858) 23

    Idias sobre o teatro (1859) 29

    O ideal do crtico (1865) 39

    Propsito (1866) 43

    Notcia da atual literatura brasileira.Instinto de nacionalidade (1873) 46

    A nova gerao (1879) 58

    Henriqueta Renan (1896) 95

    PARTE II. CRTICA LITERRIA

    C II O

    J. M. de Macedo: O culto do dever(1866) 113

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    Jos de Alencar: Iracema (1866) 119

    Ea de Queirs: O Primo Baslio(1878) 125

    Carlos Jansen: Contos seletos das mil e uma noites(1882) 139

    Jos de Alencar: O Guarani (1887) 141

    Jos Verssimo: Cenas da vida amaznica(1899) 145

    Oliveira Lima: Secretrio dEl-Rei (1904) 149

    Joaquim Nabuco: Penses dtaches et souvenirs (1906) 151

    C III O

    Junqueira Freire: Inspiraes do Claustro(1866) 157

    Fagundes Varela: Cantos e Fantasias(1866) 162Porto Alegre: Colombo (1866) 167

    lvares de Azevedo: Lira dos vinte anos (1866) 169

    Alberto de Oliveira: Meridionais (1884) 172

    Magalhes de Azeredo: Procelrias(1898) 174

    Magalhes de Azeredo: Horas Sagradas;Mrio de Alencar: Versos (1902) 179

    C IV O

    Jos de Alencar: Me(1860) 187

    O teatro de Gonalves de Magalhes (1866) 192

    O teatro de Jos de Alencar (1866) 196

    O teatro de Joaquim Manuel de Macedo (1866) 208

    Antnio Jos (1906) 222

    C V C Martins Guimares: Nuvens da Amrica (1869) 237

    Jos Joaquim Pereira de Azurara: Angelina,ou acasos felizes (1869) 247

    Joo Jos de Souza Meneses Junior: As aventurasde um estudante ou Esperana malograda de Henriquee Ptalas divagantes (1870) 254

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    PARTE III. CORRESPONDNCIA

    C VI C

    redao da Imprensa Acadmica(contrauma insinuao de plgio) (1864) 269

    A Teixeira de Melo (ao autor de Sombras e sonhos) (1864) 270

    A Jos Feliciano de Castilho (sobre Bocage e a peaPrimeiros amores de Bocage, de Mendes Leal) (1865) 273

    A Jos de Alencar (sobre Castro Alves) (1868) 278

    A Ladislau Neto (sobre Pedro Amrico) (1871) 284

    A Felipe Lopes Neto (sobre Guilherme Mata) (1872) 286A Quintino Bocaiva (prefcio a Teatrode Machado de Assis) (1863) 295

    A Caetano Filgueiras (posfcio a Crislidas) (1864) 297

    A Lcio de Mendona (prefcio a Nvoas matutinas)(1872) 299

    A Francisco de Castro (prefcio a Harmonias errantes)(1878) 301

    A Raimundo Correia (introduo a Sinfonias) (1882) 303

    A Enias Galvo (prefcio a Miragens) (1885) 306

    A L. L. Fernandes Pinheiro Jnior (prefcioa Tipos e quadros) (1886) 307

    PARTE IV. MISCELNEA

    C VII N

    Casimiro de Abreu (1861) 313

    Manuel Antnio de Almeida (1861) 314

    Fagundes Varela (1875) 315

    Visconde de Castilho (1875) 317

    Artur de Oliveira (1882) 318

    Pedro Lus Pereira de Sousa (1884) 322

    Artur Barreiros (1885) 325

    Joaquim Serra (1888) 327

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    Francisco Otaviano (1889) 329

    Garnier (1893) 329

    Henrique Lombaerts (1897) 332

    Garrett (1899) 333

    Ea de Queirs (1900) 335

    Ferreira de Arajo (1900) 336

    Eduardo Prado (1901) 338

    C VIII M

    Academia Brasileira de Letras: Discurso Inaugural (1897) 343

    Academia Brasileira de Letras: Sesso de Encerramentodo 1 Ano Acadmico (1897) 344

    A esttua de Jos de Alencar (1906) 346

    O busto de Gonalves Dias (1906) 348

    C IX L

    Um co de lata ao rabo (1878) 353

    Elogio da Vaidade (1878) 359

    Antes a rocha Tarpia (1887) 364

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    P

    LUIZ CEZAR DE ARAJO

    Joaquim Maria Machado de Assis, nascido no Morro do Livramento deum pintor de paredes e de uma costureira aoriana, rfo de me aos9 anos; autodidata cujos anos de adolescncia so completamente obs-

    curos; aprendiz de tipgrafo que no rendia e passava os dias a ler;

    reprter de um dirio, que aos 22 tem de recorrer a um agiota, no conseguepagar e processado; este homem consegue ser antes dos 30 anos o primei-ro crtico brasileiro, segundo lhe dissera Jos de Alencar em carta de 1868.

    A militncia crtica Machado exerceria com regularidade e maestria,de 1865, com a publicao no Dirio do Rio de Janeirode O ideal docrtico, at 1879, quando publicou o longo ensaio A nova gerao, naRevista Brasileira.

    A crtica literria era a principal feio do seu engenho, segundo M-rio de Alencar, seu amigo ntimo e primeiro a organizar sua obra aps sua

    morte. Para Josu MontelloI:Sabendo o que pretendia, e consciente da misso de que estaria investido, Ma-chado de Assis poderia ter sido, mais que Jos Verssimo, mais do que AraripeJunior, o grande crtico literrio de sua gerao, capaz de impor s nossas le-tras as normas do bom gosto, da disciplina, da unidade brasileira, sem preju-zo das diversidades regionais, complementao natural de nosso sentimentoautonmico, capaz de unir e disciplinar as tendncias de nossa cultura.

    I Em Os Inimigos de Machado de Assis, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, , p. .

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    16 Machado de Assis O remdio a crtica

    Deve naturalmente perguntar-se o leitor por que ento Machado aban-dona o ofcio de crtico literrio, no esplendor da sua tcnica, ao fim daquelaque conhecida como a dcada na qual o escritor passaria por significativas

    transformaes, de que resultariam algumas das suas obras-primas. O mes-tre de Pedra Vivaensaia uma respostaII:

    O romance, o conto, a crnica, como reflexo e imagem de seu prprio mundo,esperavam por ele, acima dos litgios naturais, alm da poesia, de que jamaisse distanciou [...]

    Ao longo da vida exemplarmente vivida, repartindo-se entre o posto buro-crtico e a literatura como obra de arte, Machado de Assis se concentrou noseu lar, nos seus livros, nos seus amigos mais chegados, abandonando de vez acrtica literria, de que recolhera, graas sua competncia e sua probidade,

    algumas das inimizades que o acompanhariam pelo resto da vida, revelia dacordialidade com que tentou desfaz-las.

    Machado, portanto, antes de ser o cronista abundante, o fabuloso con-tista e o autor de obras-primas do romance brasileiro, enquanto exerceu acrtica judicativa foi o maior de sua gerao. imprescindvel, pois, conhec--lo, conhecer esse outro Machado, que no o pai da Capitu e esposo de D.Carmo; um outro Machado, que no o funcionrio pblico exemplar, o bommarido; que no o infatigvel fundador da ABL e seu aclamado presidente

    enquanto vivesse; no, tambm, o sarcasta, o analista frio e cruel da almahumana; mas conhecer e diretamente o Machado ensasta, o legislador ejuiz do gosto literrio brasileiro ainda em formao.

    O presente volume, primeiro da Coleo Brasileira, rene o sumo da pro-duo machadiana em ensaio e crtica literria, acrescido de outros escritosde natureza diversa, mas sempre acerca da literatura e dos escritores cor-respondncias, necrolgios, discursos, crticas s avessas, stiras , textosmenos conhecidos, todos eles relquias.

    Como principal texto-fonte adotamos, em regra, o escrutnio de Afrnio

    Coutinho e Jos Galante de Souza, organizadores da Obra Completapubli-cada pela editora Aguilar a partir de 1959, e sem dvida duas das maioresautoridades no que concerne bibliografia machadiana.

    verdade que no h no presente livro nenhum texto indito: os ensaiose crticas vm sendo publicados, aqui e ali, desde 1910, quando Mrio deAlencar iniciou a organizao da obra machadiana. Contudo, ora um textovem s, ora vm todos, numa barafunda; ora meramente em ordem cronol-

    IIOp. cit., p. .

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    17Prefcio

    gica s vezes nem isso vm lanados como coisa menor ao fim de um vo-lume, sob ttulos como miscelnea, isto , textos diversos e inclassificveis.

    Quanto organizao das partes e captulos, e mesmo quanto s espcies

    de textos que, alm das crticas e dos ensaios literrios, deveriam fazer partedeste volume, tudo isso, cremos, j havia sido indicado pelo prprio Macha-do, e por duas vezes: ao organizar os volumes Pginas Recolhidas(1899) eRelquias de Casa Velha(1906). L esto, se bem atentar o leitor, a par decontos e novelas, um ou outro ensaio, uma ou outra crtica de prosa, de po-esia e de teatro, um necrolgio, um discurso...

    O que fizemos, portanto, foi estender o campo de pesquisa, organizandoa produo no-ficcional de Machado segundo parmetros empregados emvida pelo prprio mestre para compor seus livros. Se no prefcio das P-

    ginas RecolhidasMachado chama o livro uma salada, a publicao dasRelquias de Casa Velha, alguns anos depois, viria mostrar que a salada foracomposta com meticulosidade, que no era toa cada um dos seus ingre-dientes, das suas especiarias. Foi confiando nisso que usamo-nos das suasestruturas como quem l uma receita preparada pelo Bruxo, como quem oouvisse dizer, l do Cosme Velho: Quando organizares meus escritos no--ficcionais (no creio que valha o trabalho, mas se a tua afeio por mim teobriga, v l, organiza...), trata de l inserir os meus discursos, so poucos

    e so de um gago, de um tmido, mas no os esqueas; rene tambm oselogios que eu fiz aos amigos, aos vultos da ptria, das letras, quando desuas mortes, porque so pginas que no merecem elas mesmas morrer noesquecimento dos jornais...; recolhe os prefcios que escrevi, h ali a minhasimpatia para com os jovens poetas, h conselhos... Feito o volume, haversde explicar-te e explic-lo ao leitor. Podes copiar, se for o caso, o que eu dis-se na introduo do meu Relquias, para que o leitor v logo te perdoandoas imperfeies:

    Chama-lhe minha vida uma casa, d nome de relquias aos inditos e im-pressos que aqui vo, idias, histrias, crticas, dilogos, e vers explicadoso livro e o ttulo. Possivelmente no tero a mesma suposta fortuna daqueladzia de outros, nem todas valero a pena sair c fora. Depende da tua im-presso, leitor amigo, como depender de ti a absolvio da m escolha.III

    Leitor, alguma explicao era necessria; mas explicar muito gastarpapel, retardar a ao, aborrecer. Vieste aqui para ler o Machado, e noprefcios. Ao Machado!

    III Na seo Advertncia de Relquias de Casa Velha, Rio de Janeiro, Garnier, .

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    18 Machado de Assis O remdio a crtica

    N E

    Nesta coletnea de escritos do Machado, alteramos e atualizamos umasrie de pontuaes e elementos grficos e ortogrficos que para o leitor mo-derno ou soariam como equvocos de diagramao ou simplesmente com-plicariam a leitura.

    claro que, entre tantos fundamentalismos disponveis no mercado, hainda quem busque ser o fundamentalista da grafia, pretedendo que a suafixao seja uma espcie de respeito memria do autor. Mas no o nos-so caso. Edies erram, edies se equivocam, edies se desatualizam. So

    como extenses dos prprios homens, seus artfices. Portanto, se temos apossibilidade de fazer edies melhores do que as predecessoras, nosso de-ver no sentar em cima das escolhas erradas ou no de editores antigos,que acabam dizendo respeito a muitas variveis, desde o simples critrioesttico at as preferncias mais circunstanciais. No caso das ltimas, temosa plena liberdade de nos mover.

    Livros, como seus autores, tambm crescem. Agindo assim, prestamos overdadeiro respeito ao autor e queles que trabalharam para que sua obraatravessasse os tempos no como uma rocha inerme, e sim como um orga-

    nismo vivo, pulsante, presente.

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    IENSAIO

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    CAPTULOI

    O ensasta

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    23Captulo I - O ensasta

    O , 1

    Basta que nos modelemos por aquela renascenteliteratura que floresce em Portugal...

    I

    Aliteratura e a poltica, estas duas faces bem distintas da sociedadecivilizada, cingiram como uma dupla prpura de glria e de martrioos vultos luminosos da nossa histria de ontem. A poltica elevando

    as cabeas eminentes da literatura, e a poesia santificando com suas inspi-raes atrevidas as vtimas das agitaes revolucionrias, a manifestaoeloqente de uma raa herica que lutava contra a indiferena da poca,sob o peso das medidas despticas de um governo absoluto e brbaro. Oostracismo e o cadafalso no os intimidavam, a eles, verdadeiros apstolosdo pensamento e da liberdade; a eles, novos Cristos da regenerao de umpovo, cuja misso era a unio do desinteresse, do patriotismo e das virtudes

    humanitrias.Era uma empresa difcil a que eles tinham ento em vista. A sociedadecontempornea era bem mesquinha para bradar avante! queles missio-nrios da inteligncia e sustent-los nas suas mais santas aspiraes. Pareceque o terror de uma poca colonial inoculava nas fibras ntimas do povo odesnimo e a indiferena.

    A poesia de ento tinha um carter essencialmente europeu. Gonzaga,2um dos mais lricos poetas da lngua portuguesa, pintava cenas da Arcdia,na frase de Garrett,3em vez de dar uma cor local s suas liras, em vez de dar-

    -lhes um cunho puramente nacional. Daqui uma grande perda: a literaturaescravizava-se, em vez de criar um estilo seu, de modo a poder mais tardeinfluir no equilbrio literrio da Amrica.

    Todos os mais eram assim: as aberraes eram raras. Era evidente quea influncia poderosa da literatura portuguesa sobre a nossa, s podia ser

    1 Publicado originalmente em A Marmota, Rio de Janeiro, e //.2 Toms Antnio Gonzaga (- ou ). Escreveu, entre outros livros, Marlia deDirceu.

    3 Ver nota infra no Captulo VII Necrolgiosdo presente volume.

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    24 Machado de Assis O remdio a crtica

    prejudicada e sacudida por uma revoluo intelectual.Para contrabalanar, porm, esse fato cujos resultados podiam ser funes-

    tos, como uma valiosa exceo apareceu o Uraguaide Baslio da Gama.4Sem

    trilhar a senda seguida pelos outros, Gama escreveu um poema, se no pura-mente nacional, ao menos nada europeu. No era nacional, porque era ind-gena, e a poesia indgena, brbara, a poesia do bore do tup, no a poesianacional. O que temos ns com essa raa, com esses primitivos habitadoresdo pas, se os seus costumes no so a face caracterstica da nossa sociedade?

    Baslio da Gama era entretanto um verdadeiro talento, inspirado pelasardncias vaporosas do cu tropical. A sua poesia suave, natural, tocantepor vezes, elevada, mas elevada sem ser bombstica, agrada e impressiona oesprito. Foi pena que em vez de escrever um poema de to acanhadas pro-pores, no empregasse o seu talento em um trabalho de mais larga esfera.Os grandes poemas so to raros entre ns!

    As odes de Jos Bonifcio5so magnficas. As belezas da forma, a conci-so e a fora da frase, a elevao do estilo, tudo a encanta e arrebata. Algu-mas delas so superiores s de Filinto.6Jos Bonifcio foi a reunio dos doisgrandes princpios, pelos quais sacrificava-se aquela gerao: a literatura e apoltica. Seria mais poeta se fosse menos poltico; mas no seria talvez to co-nhecido das classes inferiores. Perguntai ao trabalhador que cava a terra com

    a enxada, quem era Jos Bonifcio; ele vos falar dele com o entusiasmo deum corao patriota. A odeno chega ao tugrio do lavrador. A razo clara:faltam-lhe os conhecimentos, a educao necessria para compreend-la.

    Os Andradas7foram a trindade simblica da inteligncia, do patriotismo,e da liberdade. A natureza no produz muitos homens como aqueles. Interes-sados vivamente pela regenerao da ptria, plantaram a dinastia bragantinano trono imperial, convictos de que o heri do Ipiranga convinha mais queningum a um povo altamente liberal e assim legaram gerao atual asdouradas tradies de uma gerao fecunda de prodgios, e animada por

    uma santa inspirao.

    4 Baslio da Gama (-). Escritor classicista mineiro, autor da obra pica Uraguai().5 Jos Bonifcio de Andrada e Silva (-). Poltico intelectual e poeta nascido em Santos,So Paulo, fundador da Independncia do Brasil.6 Filinto Elsio, pseudnimo do poeta lisboeta Padre Francisco Manuel do Nascimento (-).

    7 Jos Bonifcio e seus irmos Antnio Carlos e Martim Francisco.

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    25Captulo I - O ensasta

    Sousa Caldas,8 S. Carlos9 e outros muitos foram tambm astros lumi-nosos daquele firmamento literrio. A poesia, a forma mais conveniente eperfeitamente acomodada s expanses espontneas de um pas novo, cuja

    natureza s conhece uma estao, a primavera, teve naqueles homens, ver-dadeiros missionrios que honraram a ptria e provam as nossas riquezasintelectuais ao crtico mais investigador e exigente.

    II

    Uma revoluo literria e poltica fazia-se necessria. O pas no podiacontinuar a viver debaixo daquela dupla escravido que o podia aniquilar.

    A aurora de Sete de Setembro de 1822, foi a aurora de uma nova era.

    O grito do Ipiranga foi o eurekasoltado pelos lbios daqueles que verda-deiramente se interessavam pela sorte do Brasil, cuja felicidade e bem-estarprocuravam.

    O pas emancipou-se. A Europa contemplou de longe esta regeneraopoltica, esta transio sbita da servido para a liberdade, operada pelavontade de um prncipe e de meia dzia de homens eminentemente patriotas.Foi uma honrosa conquista que nos deve encher de glria e de orgulho; e mais que tudo uma eloqente resposta s interrogaes pedantescas de meiadzia de cticos da poca: o que somos ns?

    Havia, digamos de passagem, no procedimento do fundador do imprioum sacrifcio herico, admirvel, e pasmoso. Dois tronos se erguiam diantedele: um, cheio de tradies e de glrias; o outro, apenas sado das mos dopovo, no tinha passado, e fortificava-se s com uma esperana no futuro!Escolher o primeiro, era um duplo dever, como patriota e como prncipe.Aquela cabea inteligente devia dar o seu quinho de glria ao trono de D.Manuel e D. Joo II.10Pois bem! ele escolheu o segundo, com o qual nadaganhava, e ao qual ia dar muito. H poucos sacrifcios como este.

    Mas aps o fiatpoltico, devia vir o fiatliterrio, a emancipao do mun-

    do intelectual, vacilante sob a ao influente de uma literatura ultramarina.Mas como? mais fcil regenerar uma nao, que uma literatura. Para estano h gritos de Ipiranga; as modificaes operam-se vagarosamente; e nose chega em um s momento a um resultado.

    8 Antnio Pereira Sousa Caldas (-), padre e poeta carioca.9 Francisco Carlos Teixeira da Silva (-), mais conhecido como Frei Francisco de SoCarlos, foi um orador e poeta carioca do arcadismo. Assuno () seu poema mais famoso.10 Monarcas portugueses que reinaram durante a poca das grandes navegaes martimas. Por

    falta de herdeiros, D. Manuel sucedeu ao seu primo D. Joo II em .

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    26 Machado de Assis O remdio a crtica

    Alm disso, as erupes revolucionrias agitavam as entranhas do pas;o facho das dissenses civis ardia em coraes inflamados pelas paixes po-lticas. O povo tinha-se fracionado e ia derramando pelas prprias veias a

    fora e a vida. Cumpria fazer cessar essas lutas fratricidas para dar lugar slutas da inteligncia, onde a emulao o primeiro elemento e cujo resulta-do imediato so os louros, fecundos da glria e os aplausos entusisticos deuma posteridade agradecida.

    A sociedade atual no decerto compassiva, no acolhe o talento comodeve faz-lo. Compreendam-nos! ns no somos inimigo encarniado doprogresso material. Chateaubriand11o disse: Quando se aperfeioar o va-por, quando unido ao telgrafo tiver feito desaparecer as distncias, no hode ser s as mercadorias que ho de viajar de um lado a outro do globo,com a rapidez do relmpago; ho de ser tambm as idias. Este pensa-mento daquele restaurador do cristianismo justamente o nosso; nem odesenvolvimento material que acusamos e atacamos. O que ns queremos,o que querem todas as vocaes, todos os talentos da atualidade literria, que a sociedade no se lance exclusivamente na realizao desse progressomaterial, magnfico pretexto de especulao, para certos espritos positivosque se alentam no fluxo e refluxo das operaes monetrias. O predomnioexclusivo dessa realeza parva, legitimidade fundada numa letra de cmbio,

    fatal, bem fatal s inteligncias; o talento pede e tem tambm direito aosolhares piedosos da sociedade moderna: negar-lhos matar-lhe todas as as-piraes, nulificar-lhe todos os esforos aplicados na realizao das idiasmais generosas, dos princpios mais salutares, e dos germens mais fecundosdo progresso e da civilizao.

    III

    , sem dvida, por este doloroso indiferentismo que a gerao atual tem deencontrar numerosas dificuldades na peregrinao; contrariedades que, sem

    abater de todo as tendncias literrias, todavia podem fatig-las reduzindo--as a um marasmo aptico, sintoma doloroso de uma decadncia prematura.

    No estado atual das coisas, a literatura no pode ser perfeitamente umculto, um dogma intelectual, e o literato no pode aspirar a uma existnciaindependente, mas sim tornar-se um homem social, participando dos movi-mentos da sociedade em que vive e de que depende.

    11 Franois-Auguste-Ren Chateubriand (-), visconde de Chateaubriand, grande es-

    critor e diplomata francs.

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    27Captulo I - O ensasta

    Esta verdade, exceto no jornalismo, verifica-se em qualquer outra formaliterria. Ora, ser possvel que assim tenhamos uma literatura conveniente-mente desenvolvida? respondemos pela negativa.

    Tratemos das trs formas literrias essenciais: o romance, o drama e a poesia.Ningum que for imparcial afirmar a existncia das duas primeiras

    entre ns; pelo menos, a existncia animada, a existncia que vive, a exis-tncia que se desenvolve fecunda e progressiva. Raros, bem raros, se tmdado ao estudo de uma forma to importante como o romance; apesarmesmo da convivncia perniciosa com os romances franceses, que discute,aplaude e endeusa a nossa mocidade, to pouco escrupulosa de ferir assuscetibilidades nacionais.

    Podamos aqui assinalar os nomes desses poucos que se tm entregadoa um estudo to importante, mas isso no entra na ordem deste trabalho,pequeno exame genrico das nossas letras. Em um trabalho de mais largasdimenses que vamos empreender analisaremos minuciosamente esses vul-tos de muita importncia decerto para a nossa recente literatura.

    Passando ao drama, ao teatro, palpvel que a esse respeito somos opovo mais parvo e pobreto entre as naes cultas. Dizer que temos teatro, negar um fato; dizer que no o temos, publicar uma vergonha. E todaviaassim . No somos severos: os fatos falam bem alto. O nosso teatro um

    mito, uma quimera. E nem se diga que queremos que em to verdes anos nosergamos altura da Frana, a capital da civilizao moderna; no! Basta quenos modelemos por aquela renascente literatura que floresce em Portugal,inda ontem estremecendo ao impulso das erupes revolucionrias.

    Para que estas tradues enervando a nossa cena dramtica? Para queesta inundao de peas francesas, sem o mrito da localidade e cheias deequvocos, sensabores s vezes, e galicismos, a fazer recuar o mais denoda-do francelho?

    evidente que isto a cabea de Medusa, que enche de terror as ten-

    dncias indecisas, e mesmo as resolutas. Mais de uma tentativa ter decertoabortado em face desta verdade pungente, deste fato doloroso.

    Mas a quem atribu-lo? Ao povo? O triunfo que obtiveram as comdiasdo Pena, e do Sr. Macedo,12prova o contrrio. O povo no avaro em aplau-dir e animar as vocaes; saber agrad-lo, o essencial.

    fora de dvida, pois, que a no existir no povo a causa desse mal,

    12 Tratam-se dos escritores Martins Pena (-) e Joaquim Manuel de Macedo (-). Pena teria inaugurado a comdia de costumes no Brasil. Sobre Macedo, ver nota

    infrano Captulo II- O crtico de prosa.

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    no pode existir seno nas direes e empresas. Digam o que quiserem, asdirees influem neste caso. As tentativas dramticas naufragam diante des-te czariatode bastidores, imoral e vergonhoso, pois que tende a obstruir

    os progressos da arte. A traduo o elemento dominante, nesse caos quedevia ser a arca santa onde a arte pelos lbios dos seus orculos falasse sturbas entusiasmadas e delirantes. Transplantar uma composio dramticafrancesa para a nossa lngua, tarefa de que se incumbe qualquer bpedeque entende letra redonda. O que provm da? O que se est vendo. A artetornou-se uma indstria; e parte meia dzia de tentativas bem sucedidassem dvida, o nosso teatro uma fbula, uma utopia.

    Haver remdio para a situao? Cremos que sim. Uma reforma dra-mtica no difcil neste caso. H um meio fcil e engenhoso: recorra-se soperaes polticas. A questo de pura diplomacia; e umgolpe de Estadoliterrio no mais difcil que uma parcela de oramento. Em termos claros,um tratado sobre direitos de representao reservados, com o apndice deum imposto sobre tradues dramticas, vem muito a plo, e convm perfei-tamente s necessidades da situao.

    Removido este obstculo, o teatro nacional ser uma realidade? Respon-demos afirmativamente. A sociedade, Deus louvado! uma mina a explorar, um mundo caprichoso, onde o talento pode descobrir, copiar, analisar, uma

    aluvio de tipos e caracteres de todas as categorias. Estudem-na: eis o queaconselhamos s vocaes da poca!A escola moderna presta-se precisamente ao gosto da atualidade. As Mu-

    lheres de Mrmore, O Mundo Equvoco, A Dama das Camliasagradaram,apesar de tradues. As tentativas do Sr. Alencar tiveram um lisonjeiro su-cesso. Que mais querem? A transformao literria e social foi exatamen-te compreendida pelo povo; e as antigas idias, os cultos inveterados, vocaindo proporo que a reforma se realiza. Qual o homem de gosto queatura no sculo XIX umapunhaladainsulsa tragicamenteadministrada, ou

    os trocadilhos sensabores da antiga farsa?No divaguemos mais; a questo est toda neste ponto. Removidos os

    obstculos que impedem a criao do teatro nacional, as vocaes dram-ticas devem estudar a escola moderna. Se uma parte do povo est aindaaferrada s antigas idias, cumpre ao talento educ-la, cham-la esfera dasidias novas, das reformas, dos princpios dominantes. assim que o teatronascer e viver; assim que se h de construir um edifcio de proporesto colossais e de um futuro to grandioso.

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    29Captulo I - O ensasta

    I

    13

    um fiatde reforma que precisa este caos.

    I

    A

    arte dramtica no ainda entre ns um culto; as vocaes definem--se e educam-se como um resultado acidental. As perspectivas dobelo no so ainda o m da cena; o fundo de uma posio importan-

    te ou de um emprego suave, que para l impele as tendncias balbuciantes.As excees neste caso so to raras, to isoladas que no constituem umprotesto contra a verdade absoluta da assero.

    No sendo, pois, a arte um culto, a idia desapareceu do teatro e ele redu-ziu-se ao simples foro de uma secretaria de Estado. Desceu para l o oficialcom todos os seus atavios: a pndula marcou a hora do trabalho, e o talentoprendeu-se no montono emprego de copiar as formas comuns, cedias efatigantes de um aviso sobre a regularidade da limpeza pbica.

    Ora, a espontaneidade pra onde o oficialcomea; os talentos, em vezde se expandirem no largo das concepes infinitas, limitaram-se estradaindicada pelo resultado reale representativo das suas fadigas de trinta dias.Prometeu atou-se ao Cucaso.

    Daqui uma poro de pginas perdidas. As vocaes viciosas e simpticassufocaram debaixo da atmosfera de gelo, que parece pesar, como um sudriode morto sobre a tenda da arte. Daqui o pouco ouro que havia, l vai quaseque despercebido no meio da terra que preenche a mbula sagrada.

    Sero desconhecidas as causas dessa prostituio imoral? No difcil

    assinalar a primeira, e talvez a nica que maiores efeitos tem produzido.Entre ns no h iniciativa.No h iniciativa, isto , no h mo poderosa que abra uma direo aos

    espritos; h terreno, no h semente; h rebanho, no h pastor; h plane-tas, mas no h outro sistema.

    A arte para ns foi sempre rf; adornou-se nos esforos, impossveis quase,de alguns caracteres de ferro, mas, caminho certo, estrela ou alvo, nunca os teve.

    13 Publicado originalmente em O Espelho, I, /; II, /; III, //.

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    Assim, basta a boa vontade de um exame ligeiro sobre a nossa situaoartstica para reconhecer que estamos na infncia da moral; e que ainda ta-teamos para darmos com a porta da adolescncia que parece escondida nas

    trevas do futuro.A iniciativa em arte dramtica no se limita ao estreito crculo do tabla-

    do vai alm da rampa, vai ao povo. As platias esto aqui perfeitamenteeducadas? A resposta negativa.

    Uma platia avanada, com um tablado balbuciante e errado, um ana-cronismo, uma impossibilidade. H uma interna relao entre uma e outro.Sfocles14hoje faria rir ou enjoaria as massas, e as platias gregas pateariamde boa vontade uma cena de Dumas15ou Barrire.16

    A iniciativa, pois, deve ter uma mira nica: a educao. Demonstrar aosiniciados as verdades e as concepes da arte; e conduzir os espritos flutu-antes e contrados da platia esfera dessas concepes e dessas verdades.Desta harmonia recproca de direes acontece que a platia e o talentonunca se acham arredados no caminho da civilizao.

    Aqui h um completo deslocamento: a arte divorciou-se do pblico. H en-tre a rampa e a platia um vcuo imenso de que nem um nem outra se apercebe.

    A platia ainda dominada pela impresso de uma atmosfera, dissipadahoje no verdadeiro mundo da arte, no pode sentir claramente as condies

    vitais de uma nova esfera que parece encerrar o esprito moderno. Ora, artetocava a explorao dos novos mares que se lhe apresentam no horizonte,assim como o abrir gradual, mas urgente, dos olhos do pblico. Uma inicia-tiva firme e fecunda o elixir necessrio situao; um dedo que, grupandoplatia e tablado, folheie a ambos a grande bblia da arte moderna com todaas relaes sociais, do que precisamos na atualidade.

    Hoje no h mais pretenses, creio eu, de metodizar uma luta de escola, eestabelecer a concorrncia de dois princpios. claro ou simples que a arteno pode aberrar das condies atuais da sociedade para perder-se no mun-

    do labirntico das abstraes. O teatro para o povo o que o coroera para oantigo teatro grego; uma iniciativa de moral e civilizao. Ora, no se podemoralizar fatos de pura abstrao em proveito das sociedades; a arte nodeve desvairar-se no doido infinito das concepes ideais, mas identificar-se

    14 Sfocles (- a.C.) nasceu em Colono e considerado um dos maiores dramaturgosgregos. Autor de dipo Rei.15 Alexandre Dumas (-), prolfico escritor francs, autor de Os Trs Mosqueteirose de O Conde de Monte Cristo.

    16 Thodore Barrire (-), dramaturgo parisiense.

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    31Captulo I - O ensasta

    com o fundo das massas; copiar, acompanhar o povo em seus diversos mo-vimentos, nos vrios modos da sua atividade.

    Copiar a civilizao existente e adicionar-lhe uma partcula, uma das

    foras mais produtivas com que conta a sociedade em sua marcha de pro-gresso ascendente.

    Assim os desvios de uma sociedade de transio l vo passando e artemoderna toca corrigi-la de todo. Querer levantar luta entre um princpiofalso, decado, e uma idia verdadeira que se levanta, encerrar nas gradesde uma gaiola as verdades puras que se evidenciavam no crebro de Salomode Caus.17

    Estas apreenses so tomadas de alto e constituem as bordas da crateraque preciso entrar. Desamos ate as aplicaes locais.

    A arena da arte dramtica entre ns to limitada, que difcil fazer apli-caes sem parecer assinalar fatos, ou ferir individualidades. De resto, desobre individualidades e fatos que irradiam os vcios e as virtudes, e sobre elesassenta sempre a anlise. Todas as suscetibilidades, pois, so inconseqentes a menos que o erro ou a maledicncia modelem estas ligeiras apreciaes.

    A reforma da arte dramtica estendeu-se at ns e pareceu dominar defi-nitivamente uma frao da sociedade.

    Mas isso o resultado de um esforo isolado operando por um gru-

    po de homens. No tem ao larga sobre a sociedade. Esse esforo tem-semantido e produzido os mais belos efeitos; inoculou em algumas artrias osangue das novas idias, mas no o pde ainda fazer relativamente a todoo corpo social.

    No h aqui iniciativa direta e relacionada com todos os outros grupose filhos da arte.

    A sua ao sobre o povo limita-se a um crculo to pequeno que dificil-mente faria resvalar os novos dogmas em todas as direes sociais.

    Fora dessa manifestao singular e isolada, h algumas vocaes que de

    bom grado acompanhariam o movimento artstico de sorte a tomarem umadireo mais de acordo com as opinies do sculo. Mas so ainda vocaes iso-ladas, manifestaes impotentes. Tudo abafado e se perde na grande massa.

    Assinaladas e postas de parte certas crenas ainda cheias de f, esse amorainda santificado, o que resta? Os mercadores entraram no templo e l fo-ram pendurar as suas alfaias de fancaria. So os jesutas da arte; os jesutasexpuseram o Cristo por tabuleta e curvaram-se sobre o balco para absorver

    17 Grande engenheiro francs que viveu entre e , autor de Les Raisons de forces.

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    as fortunas. Os novos invasores fizeram o mesmo, a arte a inscrio comque parecem absorver fortunas e seiva.

    A arte dramtica tornou-se definitivamente uma carreira pblica.

    Dirigiram mal as tendncias e o povo. Diante das vocaes colocaram oshorizontes de um futuro inglrio, e fizeram crer s turbas que o teatro foi fei-to para passatempo. Aquelas e este tomaram caminho errado; e divorciaram--se na estrada da civilizao.

    Deste mundo sem iniciativa nasceram o anacronismo, as anomalias, as con-tradies grotescas, as mascaradas, o marasmo. A musa do tablado doidejoucom os vestidos de arlequim no meio das apupadas de uma multido bria.

    um fiatde reforma que precisa este caos.H mister de mo hbil que ponha em ao, com proveito para a arte e

    para o pas, as subvenes improdutivas, empregadas na aquisio de indi-vidualidades parasitas.

    Esta necessidade palpitante no entra na vista dos nossos governos. Limi-tam-se ao apoio material das subvenes e deixam entregue o teatro a mosou profanas ou malficas.

    O desleixo, as lutas internas, so os resultados lamentveis desses desviosda arte. Levantar um paradeiro a essa corrente despenhada de desvarios, aobra dos governos e das iniciativas verdadeiramente dedicadas.

    II

    Se o teatro como tablado degenerou entre ns, como literatura umafantasia do esprito.

    No se argumente com meia dzia de tentativas, que constituem apenasuma exceo; o poeta dramtico no ainda aqui um sacerdote, mas umcrente de momento que tirou simplesmente o chapu ao passar pela porta dotemplo. Orou e foi caminho.

    O teatro tornou-se uma escola de aclimatao intelectual para que setransplantaram as concepes de estranhas atmosferas, de cus remotos.A misso nacional, renegou-a ele em seu caminhar na civilizao; no temcunho local; reflete as sociedades estranhas, vai ao impulso de revoluesalheias sociedade que representa, presbita da arte que no enxerga o quese move debaixo das mos.

    Ser aridez de inteligncia? no o creio. fecunda de talentos a sociedadeatual. Ser falta de nimo? talvez; mas ser essencialmente falta de emula-o. Essa a causa legtima da ausncia do poeta dramtico; essa no outra.

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    33Captulo I - O ensasta

    Falta de emulao? Donde vem ela? Das platias?Das platias. Mas preciso entender: das platias, porque elas no tm,

    como disse, uma seduo real e conseqente.

    J assinalei a ausncia de iniciativa e a desordem que esteriliza e matatanto elemento aproveitvel que a arte em caos encerra. A essa falta de umraio condutor se prende ainda a deficincia de poeta dramticos.

    Uma educao viciosa constitui o paladar das platias. Fizeram ar emface das multides uma procisso de manjares esquisitos de um sabor es-tranho, no festim da arte, os naturalizaram sem cuidar dos elementos quefermentavam em torno de nossa sociedade, e que s esperavam uma mopoderosa para tomarem uma forma e uma direo.

    As turbas no so o mrmore que cede somente ao trescalar laboriosodo escopro, so a argamassa que se amolda presso dos dedos. Era fcildar-lhes uma fisionomia; deram-lha. Os olhos foram rasgados para veremsegundo as convenincias singulares de uma autocracia absoluta.

    Conseguiram faz-lo.Habituaram a platia nos boulevards; elas esqueceram as distncias e gra-

    vitam em um crculo vicioso. Esqueceram-se de si mesmas; e os czares da artelisonjeiam-lhes a iluso com esse manjar exclusivo que deitam mesa pblica.

    Podiam dar a mo aos talentos que se grupam nos derradeiros degraus

    espera de um chamado.Nada!As tentativas nascem pelo esforo sobre-humano de alguma inteligncia

    onipotente mas passam depois de assinalar um sacrifcio, mais nada!E, de feito, no mau este proceder. uma mina o estrangeiro, h sempre

    que tomar mo; e as inteligncias no so mquinas dispostas s vontadese convenincias especulativas.

    Daqui o nascimento de uma entidade: o tradutor dramtico, espcie de cria-do de servir que passa, de uma sala a outra, os pratos de uma cozinha estranha.

    Ainda mais essa!Dessa deficincia de poetas dramticos, que de coisas resultam! que des-

    locamentos!Vejamos.Pelo lado da arte o teatro deixa de ser uma reproduo da vida social na

    esfera de sua localidade. A crtica resolver debalde o escalpelo nesse ventresem entranhas prprias, pode ir procurar o estudo do povo em outra face;no teatro no encontrar o cunho nacional; mas uma galeria bastarda, umgrupo furta-cor, uma associao de nacionalidades.

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    A civilizao perde assim a unidade. A arte, destinada a caminhar na van-guarda do povo como uma preceptora, vai copiar as sociedades ultrafronteiras.

    Tarefa estril!

    No pra aqui. Consideremos o teatro como um canal de iniciao. Ojornal e a tribuna so os outros dois meios de proclamao e educao p-blica. Quando se procura iniciar uma verdade busca-se um desses respira-douros e lana-se o pomo s multides ignorantes. No pas em que o jornal,a tribuna e o teatro tiverem um desenvolvimento conveniente as caligenscairo aos olhos das massas; morrer o privilgio, obra de noite e da som-bra; e as castas superiores da sociedade ou rasgaro os seus pergaminhos oucairo abraadas com eles, como em sudrios.

    assim, sempre assim; a palavra escrita na imprensa, a palavra falada natribuna, ou a palavra dramatizada no teatro, produziu sempre uma transfor-mao. o grande fiatde todos os tempos.

    H porm uma diferena: na imprensa e na tribuna a verdade que se querproclamar discutida, analisada, e torcida nos clculos da lgica; no teatroh um processo mais simples e mais ampliado; a verdade parece nua, semdemonstrao, sem anlise.

    Diante da imprensa e da tribuna as idias abalroam-se, ferem-se, e lutampara acordar-se; em face do teatro o homem v, sente, palpa; est diante de

    uma sociedade viva, que se move, que se levanta, que fala, e de cujo compos-to se deduz a verdade, que as massas colhem por meio de iniciao. De umlado a narrao falada ou cifrada, de outro a narrao estampada, a socie-dade reproduzida no espelho fotogrfico de forma dramtica.

    quase capital a diferena.No s o teatro um meio de propaganda, como tambm o meio mais

    eficaz, mais firme, mais insinuante. justamente o que no temos.As massas que necessitam de verdades, no as encontraro no teatro des-

    tinado reproduo material e improdutiva de concepes deslocadas danossa civilizao e que trazem em si o cunho de sociedades afastadas.

    uma grande perda; o sangue da civilizao, que se inocula tambm nasveias do povo pelo teatro, no desce a animar o corpo social: ele se levantardificilmente embora a gerao presente enxergue o contrrio com seus olhosde esperana.

    Insisto pois na assero: o teatro no existe entre ns: as excees soesforos isolados que no atuam, como disse j, sobre a sociedade em geral.No h um teatro nem poeta dramtico...

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    35Captulo I - O ensasta

    Dura verdade, com efeito! Como! pois imitamos as frivolidades estran-geiras, e no aceitamos os seus dogmas de arte? um problema talvez; associedades infantes parecem balbuciar as verdades, que deviam proclamar

    para o prprio engrandecimento. Ns temos medo da luz, por isso que aempanamos de fumo e vapor.

    Sem literatura dramtica, e com um tablado, regular aqui, verdade, masdeslocado e defeituoso ali e alm, no podemos aspirar a um grande passona civilizao. arte cumpre assinalar como um relevo na histria as aspi-raes ticas do povo e aperfeio-las e conduzi-las, para um resultado degrandioso futuro.

    O que necessrio para esse fim?Iniciativa e mais iniciativa.

    III

    O C D

    A literatura dramtica tem, como todo o povo constitudo, um corpopolicial, que lhe serve de censura e pena: o conservatrio.

    Dois so, ou devem ser, os fins desta instituio: o moral e o intelectual.

    Preenche o primeiro na correo das feies menos decentes das concepesdramticas; atinge ao segundo analisando e decidindo sobre o mrito liter-rio dessas mesmas concepes.

    Com estes alvos um conservatrio dramtico mais que til, necess-rio. A crtica oficial, tribunal sem apelao, garantido pelo governo, susten-tado pela opinio pblica, a mais fecunda das crticas, quando pautadapela razo, e despida das estratgias surdas.

    Todas as tentativas, pois, todas as idias para nulificar uma instituiocomo esta, nulificar o teatro, e tirar-lhe a feio civilizadora que por ven-

    tura lhe assiste.Corresponder definio que aqui damos desse tribunal de censura, a

    instituio que temos a chamada Conservatrio Dramtico? Se no corres-ponde, onde est a causa desse divrcio entre a idia e o corpo?

    Dando primeira pergunta uma negativa, vejamos onde existe essa cau-sa. evidente que na base, na constituio interna, na lei de organizao. Asatribuies do Conservatrio limitam-se a apontar os pontos descarnadosdo corpo que a decncia manda cobrir: nunca as ofensas feitas s leis do pas,e religio... do Estado; mais nada.

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    Assim procede o primeiro fim a que se prope uma corporao dessaordem; mas o segundo? nem uma concesso, nem um direito.

    Organizado desta maneira era intil reunir os homens da literatura nesse

    tribunal; um grupo de vestais bastava.No sei que razo se pode alegar em defesa da organizao atual do nosso

    Conservatrio, no sei. Viciado na primitiva, no tem ainda hoje uma frmu-la e um fim mais razovel com as aspiraes do teatro e com o senso comum.

    Preenchendo o primeiro dos dois alvos a que deve atender, o Conserva-trio, em vez de se constituir um corpo deliberativo, torna-se uma simplesmquina, instrumento comum, no sem ao, que traa os seus juzos sobreas linhas implacveis de um estatuto que lhe serve de norma.

    Julgar de uma composio pelo que toca s ofensas feitas moral, s leise religio, no discutir-lhe o mrito puramente literrio, no pensamentocriador, na construo cnica, no desenho dos caracteres, na disposio dasfiguras, no jogo da lngua.

    Na segunda hiptese h mister de conhecimentos mais amplos, e conheci-mentos tais que possam legitimar uma magistratura intelectual. Na primeira,como disse, basta apenas meia dzia de vestais e duas ou trs daquelas fidal-gas devotas do rei de Mafra. Estava preenchido o fim.

    Julgar do valor literrio de uma composio, exercer uma funo civi-

    lizadora, ao mesmo tempo que praticar um direito do esprito; tomar umcarter menos vassalo, e de mais iniciativa e deliberao.Contudo por vezes as inteligncias do nosso Conservatrio como que sa-

    codem esse freio que lhe serve de lei, e entram no exerccio desse direito quese lhe nega; no deliberam, verdade, mas protestam. A esttua l vai tomarvida nas mos de Prometeu, mas a inferioridade do mrmore fica assinaladacom a autpsia do escopro.

    Mas ganha a literatura, ganha a arte com essas anlises da sombra? Ga-nha, quando muito, o arquivo. A anlise das concepes, o estudo das pro-

    sdias, vo morrer, ou pelo menos dormir no p das estantes.No esta a misso de um Conservatrio dramtico. Antes negar a inte-

    ligncia que limit-la ao estudo enfadonho das indecncias, e marcar-lhe asinspiraes pelos artigos de uma lei viciosa.

    E note-se bem! esta uma questo de grande alcance. Qual a in-fluncia de um Conservatrio organizado desta forma? E que respeito podeinspirar assim ao teatro?

    Trocam-se os papis. A instituio perde o direito de juiz e desce na razoda ascendncia do teatro.

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    37Captulo I - O ensasta

    Faam ampliar as atribuies desse corpo; procurem dar-lhe outro ca-rter mais srio, outros direitos mais iniciadores; faam dessa sacristia deigreja um Tribunal de censura.

    Completem, porm, toda essa mudana de forma. Qual o resultado doannimo? Se o Conservatrio um jri deliberativo, deve ser inteligente; epor que no h de a inteligncia minguar os seus juzos? Em matria de arteeu no conheo suscetibilidades nem interesses. Emancipem o esprito, hode respeitar-lhe as decises.

    ***

    Ser fcil uma emancipao do esprito neste caso? . Basta que os go-vernos compreendam um dia esta verdade de que o teatro no uma simplesinstituio de recreio, mas um corpo de iniciativa nacional e humana.

    Ora, os governos que tm descido o olhar e a mo a tanta coisa ftil, norepararam ainda nesta nesga de fora social, apeada de sua ao, arredadade seu caminho por caprichos mal-entendidos, que a fortuna colocou porfatalidade sombra da lei.

    Criaram um Conservatrio Dramtico por instinto de imitao, criaramuma coisa a que tiveram a delicadeza ou mau gosto de chamar teatro normal,

    e dormiram descansados, como se tivessem levantado uma pirmide no Egito.Ora, todos ns sabemos o que esse Conservatrio e este teatro normal;todos ns temos assistido s agonias de um e aos desvarios do outro; todostemos visto como essas duas instituies destinadas caminharem de acordona rota da arte, divorciaram-se de alvo e de estrada. O Conservatrio com-prometeu a dignidade do seu papel, ou antes o obrigaram a isso, e o teatro,acordando um dia com instinto de Csar, tentou conquistar todo o mundoda arte, e entreviu tambm que lhe cumpria comear a empresa por um tri-bunal de censura.

    Com esta guerra civil no mundo dramtico, limitadas as decises de cen-sura, est claro, e claro a olhos nus que a arte sofria e com ela a massapopular, as platias. A censura estava obrigada a suicidar-se de um direito esubscrever as frioleiras mais insensatas que o teatro entendesse qualificar decomposio dramtica.

    Este estado de coisas que eu percebo, inteligncia mnima como sou, serpercebido tambm pelos governos? No fcil de aceitar a hiptese nega-tiva, porquanto evidentemente no os posso considerar abaixo de mim natica do esprito. Concordo pois, que os governos no tm sido estranhos

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    nesta anarquia da arte, e ento uma negligncia assim, depe muito contraa conscincia do poder.

    No h fugir daqui. Onde est esse projeto sobre a literatura dramtica

    apresentado h tempos na cmara temporria? Era matria de contrabando,e as aspiraes polticas estavam ocupadas em negcios que visavam outrosalvos mais slidos ou pelo menos mais reais. Esse projeto, dando um cartermais srio ao teatro, abria as suas portas s inteligncias dramticas pormeio de um incentivo honroso. Trazia em si um princpio de vida: l foi parao barbante do esquecimento!

    simples, e no carece de larga observao: os governos em matria dearte e literatura olham muito de alto; no tomam o trabalho de descer anlise para dar a mo ao que o merece.

    Entretanto o que se pede no uma vigilncia exclusiva; ningum preten-de do poder emprego absoluto dos seus sentidos e faculdades. Nesta questosobretudo fcil o remdio; basta uma reforma pronta, inteiria, radical, e oConservatrio Dramtico entrar na esfera dos deveres e direitos que fazemcompletar o pensamento de sua criao.

    Com o direito de reprovar e proibir por incapacidade intelectual, com a vi-seira levantada ao esprito da abolio do annimo, o Conservatrio, como dis-se acima, deixa de ser uma sacristia de igreja para ser um tribunal de censura.

    E sabem o que seria ento esse tribunal? uma muralha de inteligncia sirrupes intempestivas que o capricho quisesse fazer no mundo da arte, sbacanais indecentes e parvas que ofendessem a dignidade do tablado, porqueinfelizmente fato lquido, h l tambm uma dignidade.

    O Conservatrio seria isso e estaria nas linhas do seu dever e de seu direito.Mas no meio destes reparos, resta ainda um fato importante a litera-

    tura dramtica.Com uma reforma no Conservatrio, parece-me claro que ganhava tam-

    bm a arte escrita. No temos (ningum ser to ingnuo que confesse esse ab-

    surdo) no temos literatura dramtica, na extenso da frase; algumas estrelasno fazem uma constelao: so lembranas deixadas no tablado por distra-o, palavras soltas, aromas queimados, despidos de todo o carter sacerdotal.

    No podia o Conservatrio tomar um encargo no sentido de fazer de-senvolver o elemento dramtico na literatura? As vantagens so evidentes alm de emancipar o teatro, no expunha as platias aos barbarismos dastradues de fancaria que compem uma larga parte dos nossos repertrios.

    Mas, entendam bem! inculco esse encargo ao Conservatrio, mas a umConservatrio que eu imagino, que alm de possuir os direitos conferidos

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    39Captulo I - O ensasta

    por uma reforma, deve possuir esses direitos de capacidade conferidos pelainteligncia e pelos conhecimentos.

    No ofender com isto as inteligncias legtimas do atual Conservatrio.

    Eu no nego o sol; o que nego, ou pelo menos o que condeno em conscinciaso as sombras que no do luz e que mareiam a luz.

    Um Conservatrio ilustrado em absoluto uma garantia para o teatro,para a platia e para a literatura.

    Para faz-lo assim basta que o poder faa descer essa reforma to desejada.

    O

    18

    ...s assim que teremos uma grande literatura.

    Exercer a crtica, afigura-se a alguns que uma fcil tarefa, como aoutros parece igualmente fcil a tarefa do legislador; mas, para a re-presentao literria, como para a representao poltica, preciso teralguma coisa mais que um simples desejo de falar multido. Infelizmente a opinio contrria que domina, e a crtica, desamparada pelos esclarecidos,

    exercida pelos incompetentes.So bvias as conseqncias de uma tal situao. As musas, privadas de

    um farol seguro, correm o risco de naufragar nos mares sempre desconhecidosda publicidade. O erro produzir o erro; amortecidos os nobres estmulos,abatidas as legtimas ambies, s um tribunal ser acatado, e esse, se o maisnumeroso, tambm o menos decisivo. O poeta oscilar entre as sentenasmal concebidas do crtico, e os arestos caprichosos da opinio; nenhuma luz,nenhum conselho, nada lhe mostrar o caminho que deve seguir e a morteprxima ser o prmio definitivo das suas fadigas e das suas lutas.

    Chegamos j a estas tristes conseqncias? No quero proferir juzo, queseria temerrio, mas qualquer pode notar com que largos intervalos apare-cem as boas obras, e como so raras as publicaes seladas por um talentoverdadeiro. Quereis mudar esta situao aflitiva? Estabelecei a crtica, mas acrtica fecunda, e no a estril, que nos aborrece e nos mata, que no refletenem discute, que abate por capricho ou levanta por vaidade; estabelecei acrtica pensadora, sincera, perseverante, elevada ser esse o meio de re-

    18 Publicado originalmente no Dirio do Rio de Janeiro, //.

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    erguer os nimos, promover os estmulos, guiar os estreantes, corrigir ostalentos feitos; condenai o dio, a camaradagem e a indiferena essas trschagas da crtica de hoje ponde em lugar deles a sinceridade, a solicitude e

    a justia s assim que teremos uma grande literatura. claro que a essa crtica, destinada a produzir tamanha reforma, deve-

    -se exigir as condies e as virtudes que faltam crtica dominante e paramelhor definir o meu pensamento, eis o que eu exigiria no crtico do futuro.

    O crtico atualmente aceito no prima pela cincia literria; creio at queuma das condies para desempenhar to curioso papel, despreocupar-se detodas as questes que entendem com o domnio da imaginao. Outra, entre-tanto, deve ser a marcha do crtico; longe de resumir em duas linhas cujasfrases j o tipgrafo as tem feitas o julgamento de uma obra, cumpre-lhemeditar profundamente sobre ela, procurar-lhe o sentido ntimo, aplicar-lheas leis poticas, ver enfim at que ponto a imaginao e a verdade conferen-ciaram para aquela produo. Deste modo as concluses do crtico servemtanto obra concluda, como obra em embrio. Crtica anlise a crticaque no analisa a mais cmoda, mas no pode pretender a ser fecunda.

    Para realizar to multiplicadas obrigaes, compreendo eu que no bastauma leitura superficial dos autores, nem a simples reproduo das impres-ses de um momento; pode-se, verdade, fascinar o pblico, mediante uma

    fraseologia que se emprega sempre para louvar ou deprimir; mas no nimodaqueles para quem uma frase nada vale, desde que no traz uma idia, essemeio impotente, e essa crtica negativa.

    No compreendo o crtico sem conscincia. A cincia e a conscincia, eisas duas condies principais para exercer a crtica. A crtica til e verdadeiraser aquela que, em vez de modelar as suas sentenas por um interesse, querseja o interesse do dio, quer o da adulao ou da simpatia, procure produ-zir unicamente os juzos da sua conscincia. Ela deve ser sincera, sob penade ser nula. No lhe dado defender nem os seus interesses pessoais, nem

    os alheios, mas somente a sua convico, e a sua convico, deve formar-seto pura e to alta, que no sofra a ao das circunstncias externas. Poucolhe deve importar as simpatias ou antipatias dos outros; um sorriso com-placente, se pode ser recebido e retribudo com outro, no deve determinar,como a espada de Breno,19o peso da balana; acima de tudo, dos sorrisos e

    19 Breno foi um lder celta que em ou a.C. aniquilou o exrcito romano. Aps j estarestabelecido o peso a ser pago em ouro pelos romanos aos vencedores, lanou sua espada nabalana, aumentando o valor a ser dado em resgate. Teria ento exclamado Vae Victis, Ai

    dos vencidos!.

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    41Captulo I - O ensasta

    das desatenes, est o dever de dizer a verdade, e em caso de dvida, antescal-la, que neg-la.

    Com tais princpios, eu compreendo que difcil viver; mas a crtica no

    uma profisso de rosas, e se o , -o somente no que respeita satisfaontima de dizer a verdade.

    Das duas condies indicadas acima decorrem naturalmente outras, tonecessrias como elas, ao exerccio da crtica. A coerncia uma dessas con-dies, e s pode pratic-la o crtico verdadeiramente consciencioso. Comefeito, se o crtico, na manifestao dos seus juzos, deixa-se impressionarpor circunstncias estranhas s questes literrias, h de cair freqentementena contradio, e os seus juzos de hoje sero a condenao das suas aprecia-es de ontem. Sem uma coerncia perfeita, as suas sentenas perdem todoo vislumbre de autoridade, e abatendo-se condio de ventoinha, movidaao sopro de todos os interesses e de todos os caprichos, o crtico fica sendounicamente o orculo dos seus inconscientes aduladores.

    O crtico deve ser independente independente em tudo e de tudo in-dependente da vaidade dos autores e da vaidade prpria. No deve curar deinviolabilidades literrias, nem de cegas adoraes; mas tambm deve serindependente das sugestes do orgulho, e das imposies do amor prprio.A profisso do crtico deve ser uma luta constante contra todas essas depen-

    dncias pessoais, que desautoram os seus juzos, sem deixar de perverter aopinio. Para que a crtica seja mestra, preciso que seja imparcial armadacontra a insuficincia dos seus amigos, solcita pelo mrito dos seus advers-rios e neste ponto, a melhor lio que eu poderia apresentar aos olhos docrtico, seria aquela expresso de Ccero,20quando Csar mandava levantaras esttuas de Pompeu: levantando as esttuas do teu inimigo que tu con-solidas as tuas prprias esttuas.

    A tolerncia ainda uma virtude do crtico. A intolerncia cega, e acegueira um elemento do erro; o conselho e a moderao podem corrigir

    e encaminhar as inteligncias; mas a intolerncia nada produz que tenha ascondies de fecundo e duradouro.

    preciso que o crtico seja tolerante, mesmo no terreno das diferenas deescola: se as preferncias do crtico so pela escola romntica, cumpre nocondenar, s por isso, as obras-primas que a tradio clssica nos legou, nemas obras meditadas que a musa moderna inspira; do mesmo modo devem

    20 Marco Tlio Ccero (- a.C.), orador, vulgarizador das idias filosficas gregas emRoma, poltico, advogado, exerceu uma influncia universal, s supervel no mundo antigo

    por Plato.

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    os clssicos fazer justia s boas obras dos romnticos e dos realistas, tointeira justia, como estes devem fazer s boas obras daqueles. Pode haverum homem de bem no corpo de um maometano, pode haver uma verdade

    na obra de um realista. A minha admirao pelo Cid21no me fez obscureceras belezas de Ruy Blas.22A crtica que, para no ter o trabalho de meditar eaprofundar, se limitasse a uma proscrio em massa, seria a crtica da des-truio e do aniquilamento.

    Ser necessrio dizer que uma das condies da crtica deve ser a ur-banidade? Uma crtica que, para a expresso das suas idias, s encontrafrmulas speras, pode perder as esperanas de influir e dirigir. Para muitagente ser esse o meio de provar independncia; mas os olhos experimenta-dos faro muito pouco caso de uma independncia que precisa sair da salapara mostrar que existe.

    Moderao e urbanidade na expresso, eis o melhor meio de convencer;no h outro que seja to eficaz. Se a delicadeza das maneiras um dever detodo homem que vive entre homens, com mais razo um dever do crtico,e o crtico deve ser delicado por excelncia. Como a sua obrigao dizer averdade, e diz-la ao que h de mais suscetvel neste mundo, que a vaidadedos poetas, cumpre-lhe, a ele sobretudo, no esquecer nunca esse dever. Deoutro modo, o crtico passar o limite da discusso literria, para cair no

    terreno das questes pessoais; mudar o campo das idias, em campo depalavras, de doestos, de recriminaes se acaso uma boa dose de sanguefrio, da parte do adversrio, no tornar impossvel esse espetculo indecente.

    Tais so as condies, as virtudes e os deveres dos que se destinam anlise literria; se a tudo isto juntarmos uma ltima virtude, a virtude daperseverana, teremos completado o ideal do crtico.

    Saber a matria em que fala, procurar o esprito de um livro, descarn-lo,aprofund-lo, at encontrar-lhe a alma, indagar constantemente as leis dobelo, tudo isso com a mo na conscincia e a convico nos lbios, adotar

    uma regra definida, a fim de no cair na contradio, ser franco sem aspere-za, independente sem injustia, tarefa nobre essa que mais de um talentopodia desempenhar, se se quisesse aplicar exclusivamente a ela. No meu en-tender mesmo uma obrigao de todo aquele que se sentir com fora detentar a grande obra da anlise conscienciosa, solcita e verdadeira.

    Os resultados seriam imediatos e fecundos. As obras que passassem do

    21 Le Cid(), de Corneille (-), um dos maiores escritores do classicismo francs.A obra foi baseada em Las mocedades del Cid, de Guilln de Castro (-).

    22 Ruy Blas um drama do poeta romntico Victor Hugo (-).

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    43Captulo I - O ensasta

    crebro do poeta para a conscincia do crtico, em vez de serem tratadasconforme o seu bom ou mau humor, seriam sujeitas a uma anlise severa,mas til; o conselho substituiria a intolerncia, a frmula urbana entraria no

    lugar da expresso rstica a imparcialidade daria leis, no lugar do capri-cho, da indiferena e da superficialidade.

    Isto pelo que respeita aos poetas. Quanto crtica dominante, como nose poderia sustentar por si, ou procuraria entrar na estrada dos deveres dif-ceis, mas nobres, ou ficaria reduzida a conquistar de si prpria, os aplausosque lhe negassem as inteligncias esclarecidas.

    Se esta reforma, que eu sonho, sem esperanas de uma realizao prxi-ma, viesse mudar a situao atual das coisas, que talentos novos! que novosescritos! que estmulos! que ambies! A arte tomaria novos aspectos aosolhos dos estreantes; as leis poticas to confundidas hoje, e to capricho-sas seriam as nicas pelas quais se aferisse o merecimento das produes,e a literatura alimentada ainda hoje por algum talento corajoso e bem enca-minhado veria nascer para ela um dia de florescimento e prosperidade. Tudoisso depende da crtica. Que ela aparea, convencida e resoluta e a sua obraser a melhor obra dos nossos dias.

    P23

    ... o remdio a crtica.

    Atemperatura literria est abaixo de zero. Este clima tropical, quetanto aquece as imaginaes, e faz brotar poetas, quase como fazbrotar as flores, por um fenmeno, alis explicvel, torna pregui-osos os espritos, e nulo o movimento intelectual. Os livros que aparecemso raros, distanciados, nem sempre dignos de exame da crtica. H decertoexcees to esplndidas quanto raras, e por isso mesmo mal compreendidasdo presente, graas ausncia de uma opinio. At onde ir uma situaosemelhante, ningum pode diz-lo, mas os meios de iniciar a reforma, essesparecem-nos claros e smplices, e para achar o remdio basta indicar a na-tureza do mal.

    23 Publicado originalmente no Dirio do Rio de Janeiro, //.

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    A nosso ver, h duas razes principais desta situao: uma de ordem ma-terial, outra de ordem intelectual. A primeira, que se refere impresso doslivros, impresso cara, e de nenhum lucro pecunirio, prende-se inteiramente

    segunda que a falta de gosto formado no esprito pblico. Com efeito,quando aparece entre ns essa planta extica chamada editor, se os escri-tores conseguem encarreg-lo, por meio de um contrato, da impresso dassuas obras, claro que o editor no pode oferecer vantagem aos poetas, pelasimples razo de que a venda do livro problemtica e difcil. A opinio quedevia sustentar o livro, dar-lhe voga, coro-lo enfim no Capitlio moderno,essa, como os heris de Tcito24, brilha pela ausncia. H um crculo limita-do de leitores; a concorrncia quase nula, e os livros aparecem e morremnas livrarias. No dizemos que isso acontea com todos os livros, nem comtodos os autores, mas a regra geral essa.

    Se a ausncia de uma opinio literria torna difcil a publicao dos li-vros, no esse o menor dos seus inconvenientes; h outro, de maior alcance,porque de futuro: o cansao que se apodera dos escritores, na luta entre avocao e a indiferena. Daqui se pode concluir que o homem que trabalha,apesar de tais obstculos, merece duas vezes as bnos das musas. Um exem-plo: apareceu h meses um livro primoroso, uma obra selada por um verda-deiro talento, alis conhecido e celebrado. Iracemafoi lida, foi apreciada mas

    no encontrou o agasalho que uma obra daquelas merecia. Se alguma vez sefalou na imprensa a respeito dela, mais detidamente, foi para deprimi-la; eisso na prpria provncia que o poeta escolhe para teatro do seu romance.Houve na Corte, quem se ocupasse igualmente com o livro, mas a apreciaodo escritor, reduzida a uma opinio isolada, no foi suficiente para encami-nhar a opinio, e promover as palmas a que o autor tinha incontestvel di-reito. Ora, se depois desta prova, o Sr. Conselheiro Jos de Alencar25atirassea sua pena a um canto, e se limitasse a servir ao pas no cargo pblico queocupa, triste diz-lo, mas ns cremos que a sua absteno estava justificada.

    Felizmente, o autor dO Guarani uma dessas organizaes raras que achamno trabalho sua prpria recompensa, e lutam menos pelo presente, do quepelo futuro. Iracema, como obra do futuro, h de viver, e temos f de que serlida e apreciada, mesmo quando muitas das obras que esto hoje em voga,servirem apenas para a crnica bibliogrfica de algum antiqurio paciente.

    24 Cornlio Tcito (- a.C.), historiador, poltico e orador romano. Segundo Otto MariaCarpeaux, a sua prosa elptica, concentrada, impregnada de sentido obscuro, como os versosde um poeta hermtico.

    25. Ver nota infrano Captulo II - O crtico de prosa.

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    45Captulo I - O ensasta

    A fundao da Arcdia Fluminense26foi excelente num sentido: no cre-mos que ela se propusesse a dirigir o gosto, mas o seu fim decerto que foiestabelecer a convivncia literria, como trabalho preliminar para obra de

    maior extenso. Nem se cuide que esse intento de mnimo valor: a convi-vncia dos homens de letras, levados por nobres estmulos, pode promoverativamente o movimento intelectual; a Arcdia j nos deu algumas produ-es de merecimento incontestvel, e se no naufragar, como todas as coisasboas do nosso pas, pode-se esperar que ela contribua para levantar os esp-ritos do marasmo em que esto.

    Qual o remdio para este mal que nos assoberba, este mal de que spodem triunfar as vocaes enrgicas, e ao qual tantos talentos sucumbem?O remdio j tivemos ocasio de indic-lo em um artigo que apareceu nes-ta mesma folha: o remdio a crtica. Desde que, entre o poeta e o leitor,aparecer a reflexo madura da crtica, encarregada de aprofundar as con-cepes do poeta para as comunicar ao esprito do leitor; desde que umacrtica conscienciosa e artista, guiar a um tempo, a musa no seu trabalho, eo leitor na sua escolha, a opinio comear a formar-se, e o amor das letrasvir naturalmente com a opinio. Nesse dia os cometimentos ilegtimos nosero to fceis; as obras medocres no podero resistir por muito tempo; opoeta, em vez de acompanhar o gosto mal formado, olhar mais seriamente

    para sua arte; a arte no ser uma distrao, mas uma profisso, alta, sria,nobre, guiada por vivos estmulos; finalmente, o que hoje exceo, seramanh uma regra geral.

    Os que no conhecerem de perto o autor destas linhas, vo naturalmenteatribuir-lhe, depois desta exposio, uma inteno imodesta que ele no tem.No, o lugar vago da crtica no se preenche facilmente, no basta ter mostradoalgum amor pelas letras para exercer a tarefa difcil de guiar a opinio e as mu-sas, nem essa tarefa pode ser desempenhada por um s homem; e as eminentese raras qualidades do crtico, so de si to difceis de encontrar, que eu no sei

    se temos no Imprio meia dzia de pensadores prprios para esse mister.Assim que, estas semanas literrias no passam de revistas bibliogrficas;

    seguramente que nos no limitaremos a noticiar livros, sem exame, sem es-tudo; mas da a exercer influncia no gosto, e a pr em ao os elementosda arte, vai uma distncia infinita. Se os livros, porm, so poucos, se raroaparecem as vocaes legtimas, como preencher esta tarefa? A esta pergun-ta dos nossos leitores temos uma resposta fcil. Se as publicaes no so

    26 Sociedade fundada por Machado de Assis em , de carter artstico-literria.

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    freqentes, h obras na estante nacional, que podem nos dias de carnciaocupar a ateno do cronista; e assim, por exemplo, que uma das primeirasobras de que nos ocuparemos ser a Iracemado Sr. Jos de Alencar. Antes,

    porm, de trazer para estas colunas a irm mais moa de Moema e de Lin-dia, to formosa, como elas, e como elas to nacional, diremos alguma coi-sa do ltimo romance do Sr. Dr. Macedo, O culto do dever, que acaba de serpublicado em volume. A prxima revista ser consagrada ao livro do autordA Moreninha, que no meio das suas preocupaes polticas, no se esquecedas musas. Mas que fruto nos traz ele da sua ltima excurso ao Parnaso? o que veremos na prxima semana.

    N .I 27

    ...eis aqui por alto os defeitos e as excelnciasda atual literatura brasileira.

    Quem examina a atual literatura brasileira reconhece-lhe logo, como

    primeiro trao, certo instinto de nacionalidade. Poesia, romance, to-das as formas literrias do pensamento buscam vestir-se com as cores

    do pas, e no h negar que semelhante preocupao sintoma de vitalidadee abono de futuro. As tradies de Gonalves Dias28, Porto Alegre29e Ma-galhes30so assim continuadas pela gerao j feita e pela que ainda agoramadruga, como aqueles continuaram as de Jos Baslio da Gama e SantaRita Duro.31Escusado dizer a vantagem deste universal acordo. Interro-gando a vida brasileira e a natureza americana, prosadores e poetas acharo

    ali farto manancial de inspirao e iro dando fisionomia prpria ao pen-samento nacional. Esta outra independncia no tem Sete de Setembro nemcampo de Ipiranga; no se far num dia, mas pausadamente, para sair mais

    27 Publicado originalmente em O Novo Mundo, //.28 Ver nota infrano Captulo VIII - Machado discursa.29 V. nota infrano Cap. III - Ocrtico de poesia.30 V. nota infra Cap. IV -O crtico de teatro.31 Frei Jos de Santa Rita Duro (-), poeta brasileiro do perodo colonial. autor de

    Caramuru ().

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    duradoura; no ser obra de uma gerao nem duas; muitas trabalharopara ela at perfaz-la de todo.

    Sente-se aquele instinto at nas manifestaes da opinio, alis mal for-

    mada ainda, restrita em extremo, pouco solcita, e ainda menos apaixonadanestas questes de poesia e literatura. H nela um instinto que leva a aplau-dir principalmente as obras que trazem os toques nacionais. A juventudeliterria, sobretudo, faz deste ponto uma questo de legtimo amor-prprio.Nem toda ela ter meditado os poemas de Uruguaie Caramurucom aquelaateno que tais obras esto pedindo; mas os nomes de Baslio da Gama eDuro so citados e amados, como precursores da poesia brasileira. A razo que eles buscaram em roda de si os elementos de uma poesia nova, e de-ram os primeiros traos de nossa fisionomia literria, enquanto que outros,Gonzaga por exemplo, respirando alis os ares da ptria, no souberamdesligar-se das faixas da Arcdia nem dos preceitos do tempo. Admira-se--lhes o talento, mas no se lhes perdoa o cajado e a pastora, e nisto h maiserro que acerto.

    Dado que as condies deste escrito o permitissem, no tomaria eu sobremim a defesa do mau gosto dos poetas arcdicos nem o fatal estrago queessa escola produziu nas literaturas portuguesa e brasileira. No me parece,todavia, justa a censura aos nossos poetas coloniais, iscados daquele mal;

    nem igualmente justa a de no haverem trabalhado para a independncialiterria, quando a independncia poltica jazia ainda no ventre do futuro, emais que tudo, quando entre a metrpole e a colnia criara a histria a ho-mogeneidade das tradies, dos costumes e da educao. As mesmas obrasde Baslio da Gama e Duro quiseram antes ostentar certa cor local do quetornar independente a literatura brasileira, literatura que no existe ainda,que mal poder ir alvorecendo agora.

    Reconhecido o instinto de nacionalidade que se manifesta nas obras des-tes ltimos tempos, conviria examinar se possumos todas as condies e

    motivos histricos de uma nacionalidade literria; esta investigao (pontode divergncia entre literatos), alm de superior s minhas foras, daria emresultado levar-me longe dos limites deste escrito. Meu principal objeto atestar o fato atual; ora, o fato o instinto de que falei, o geral desejo decriar uma literatura mais independente.

    A apario de Gonalves Dias chamou a ateno das musas brasileiraspara a histria e os costumes indianos. Os Timbiras, I-Juca Pirama, Tabirae outros poemas do egrgio poeta acenderam as imaginaes; a vida das tri-bos, vencidas h muito pela civilizao, foi estudada nas memrias que nos

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    deixaram os cronistas, e interrogadas dos poetas, tirando-lhes todos algumacoisa, qual um idlio, qual um canto pico.

    Houve depois uma espcie de reao. Entrou a prevalecer a opinio de

    que no estava toda a poesia nos costumes semibrbaros anteriores nossacivilizao, o que era verdade e no tardou o conceito de que nada tinha apoesia com a existncia da raa extinta, to diferente da raa triunfante, oque parece um erro.

    certo que a civilizao brasileira no est ligada ao elemento india-no, nem dele recebeu influxo algum; e isto basta para no ir buscar entreas tribos vencidas os ttulos da nossa personalidade literria. Mas se isto verdade, no menos certo que tudo matria de poesia, uma vez que tragaas condies do belo ou os elementos de que ele se compe. Os que, como oSr. Varnhagen,32negam tudo aos primeiros povos deste pas, esses podem lo-gicamente exclu-los da poesia contempornea. Parece-me, entretanto, que,depois das memrias que a este respeito escreveram os Srs. Magalhes eGonalves Dias, no lcito arredar o elemento indiano da nossa aplicaointelectual. Erro seria constitu-lo um exclusivo patrimnio da literatura bra-sileira; erro igual fora certamente a sua absoluta excluso. As tribos indge-nas, cujos usos e costumes Joo Francisco Lisboa33cotejava com o livro deTcito e os achava to semelhantes aos dos antigos germanos, desaparece-

    ram, certo, da regio que por tanto tempo fora sua; mas a raa dominadoraque as freqentou, colheu informaes preciosas e no-las transmitiu comoverdadeiros elementos poticos. A piedade, a minguarem outros argumentosde maior valia, devera ao menos inclinar a imaginao dos poetas para ospovos que primeiro beberam os ares destas regies, consorciando na litera-tura os que a fatalidade da histria divorciou.

    Esta hoje a opinio triunfante. Ou j nos costumes puramente indianos,tais quais os vemos nOs Timbiras, de Gonalves Dias, ou j na luta do ele-mento brbaro com o civilizado, tem a imaginao literria do nosso tempo

    ido buscar alguns quadros de singular efeito, dos quais citarei, por exemplo,

    32 Francisco Adolfo de Varnhagen, Visconde de Porto Seguro (-). Monarquista, foi omais completo entre os historiadores brasileiros na opinio de Otto Maria Carpeuax. EscreveuHistria Geral do Brasil, Caramuru, Cartas ao Sr. Dr. L. F. da Veiga acerca das Cartas Chilenas,Cancioneirinho de trovas antigas, etc. Como diplomata fez uma srie de misses diplomticasem vrios pases da Amrica do Sul e, em , em Viena; representou o Brasil em noCongresso Estatstico de So Petersburgo. Era muito respeitado por intelectuais como OliveiraLima, Joo Francisco Lisboa e Capistrano de Abreu.33 Joo Francisco Lisboa (-), poltico, jornalista e escritor brasileiro, autor, entreoutros, deJornal de Timon(-) e Vida do Padre Vieira. Para o crtico lvaro Lins, como

    prosador, aproxima-se dele, naquele perodo, to s Manuel Antnio de Almeida.

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    49Captulo I - O ensasta

    a Iracema, do Sr. J. de Alencar, uma das primeiras obras desse fecundo ebrilhante escritor.

    Compreendendo que no est na vida indiana todo o patrimnio da lite-

    ratura brasileira, mas apenas um legado, to brasileiro como universal, nose limitam os nossos escritores a essa s fonte de inspirao. Os costumescivilizados, ou j do tempo colonial, ou j do tempo de hoje, igualmenteoferecem imaginao boa e larga matria de estudo. No menos que eles,os convida a natureza americana, cuja magnificncia e esplendor natural-mente desafiam a poetas e prosadores. O romance, sobretudo, apoderou-sede todos esses elementos de inveno, a que devemos, entre outros, os livrosdos Srs. Bernardo Guimares,34que brilhante e ingenuamente nos pinta oscostumes da regio em que nasceu, J. de Alencar, Macedo, Slvio Dinarte(Escragnolle Taunay),35Franklin Tvora,36e alguns mais.

    Devo acrescentar que neste ponto manifesta-se s vezes uma opinio,que tenho por errnea: a que s reconhece esprito nacional nas obras quetratam de assunto local, doutrina que, a ser exata, limitaria muito os cabe-dais da nossa literatura. Gonalves Dias, por exemplo, com poesias prpriasseria admitido no panteo nacional; se excetuarmos Os Timbiras, os outrospoemas americanos, e certo nmero de composies, pertencem os seus ver-sos pelo assunto a toda a mais humanidade, cujas aspiraes, entusiasmo,

    fraquezas e dores geralmente cantam; e excluo da as belas Sextilhas de Frei

    34 Bernardo Joaquim da Silva Guimares (-), grande expoente do Romantismo, es-creveu diversos livros de poesia e romances, entre eles o famoso A escrava Isaura (). Parao crtico Rodrigo Gurgel, Bernardo Guimares foi um escritor desigual, verdade, mas demltiplas faces, que no se subordinou completamente retrica folhetinesca e deu os primeirospassos do nosso regionalismo. o patrono da Cadeira n da Academia Brasileira de Letras.35 Pseudnimo de Alfredo d'Escragnolle Taunay, o Visconde De Taunay (-), de fam-lia nobre do Rio de Janeiro, foi criado num ambiente culto. Seu pai era diretor da Academia deBelas-Artes, foi fundador do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro e um dos preceptoresde D. Pedro II. Taunay lutou na Guerra do Paraguai, incorporado comisso dos engenheiros

    militares do exrcito. Ligado ao Partido Conservador, foi presidente das provncias de SantaCatarina (-) e do Paran (). Monarquista convicto, foi fiel a D. Pedro II ata morte. Escreveu romances, memrias, livros tcnicos e pedaggicos. Foi, com Machado deAssis, censor do Conservatrio Dramtico (onde se conheceram, em ) e membro do ClubeBeethoven. o autor de A retirada da Laguna(), escrita originalmente em francs e reco-nhecida pelo crtico Rodrigo Gurgel como obra magnfica, um belo e instigante relato daguerra, obra bem superior ao seu romance Inocncia, e que se iguala melhor prosa surgida noBrasil at hoje. O romance Inocncia () foi chamado por seu amigo Machado, em carta aTaunay de //, de jia literria.36 Joo Franklin da Silveira Tvora (-), advogado, jornalista, poltico, romancis-ta e teatrlogo cearense. Fundou a Associao dos Homens de Letras e foi scio do InstitutoHistrico e Geogrfico Brasileiro. EscreveuOs ndios de Jaguaribe(), precursor do roman-

    ce indianista. o autor do romance Um casamento no arrabalde().

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    Anto, que essas pertencem unicamente literatura portuguesa, no s peloassunto que o poeta extraiu dos historiadores lusitanos, mas at pelo estiloque ele habilmente fez antiquado. O mesmo acontece com os seus dramas,

    nenhum dos quais tem por teatro o Brasil. Iria longe se tivesse de citar outrosexemplos de casa, e no acabaria se fosse necessrio recorrer aos estranhos.Mas, pois que isto vai ser impresso em terra americana e inglesa, pergunta-rei simplesmente se o autor do Song of Hiawathano o mesmo autor daGolden Legend,37que nada tem com a terra que o viu nascer, e cujo cantoradmirvel