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Lusitanos rumo ao Brasil (1500 - 1837) – vol. 1 Maria Lucia Machens Rio de Janeiro - 2017

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Lusitanos rumo ao Brasil(1500 - 1837) – vol. 1

Maria Lucia MachensRio de Janeiro - 2017

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© Copyright 2017 Maria Lucia Machens

A reprodução parcial deste livro, por meio impresso ou eletrônico, é permitida, desde que citada a fonte.

Ilustração da capa Maria Lucia Machens

Capa Maria Lucia Machens

Projeto gráfico e diagramação Gabriela Landeira

M149l2017

721 p.: 21 x 28 cm; vol.1

Lusitanos rumo ao Brasil: 1500 - 1837 / Maria Lucia Machens. Editora Perse, 2017.

CDD: 929.2

1. Genealogia 2. Emigração portuguesa 3. Registro depassaportes 4. Lista de passageiros 5. Registro de imigrantes6. Carta de naturalização.

I. Título

Machens, Maria Lucia, 1950 -

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Em memoria aos meus pais Mario de Souza Martins Dinah A. de Souza Martins

À Elisa Machens, com amor

Aos irmãos e sobrinhos, o meu carinho por tudo.

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Ó mar salgado, quanto do teu sal

são lágrimas de Portugal!

Por te cruzarmos, quantas

mães choraram.

Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar

Para que fosses nosso, ó mar!

Fernando Pessoa

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Honrado pelo amável convite de Maria Lucia Machens, atualmente Diretora Tesoureira do Colégio Bra-sileiro de Genealogia, professora de ensino superior, tradutora, palestrante, genealogista, paleógrafa, pesquisadora e do quadro de CBG desde 2007, procurarei ser o mais objetivo possível.

Nascida em Vitória, Espírito Santo, de família antiga daquele Estado e plena de intelectuais, tem Mestrado em Literatura pela Universidade Federal do Espírito Santo – UFES (2003), é Graduada em Letras pela PUC-RJ (1973), tem extensa passagem pelo magistério universitário, com expressiva lista de publicações e é fluente nos idiomas inglês, alemão, francês e espanhol.

Ingressando no ramo da genealogia, tem publicados artigos genealógicos e se dedicado ao aprimora-mento de estudos paleográficos.

Esta obra – Lusitanos Rumo ao Brasil (1500-1837) – vol.1 – 2017 – é fundamental para a busca pe-las raízes familiares, localizando as pessoas no tempo, no espaço e no contexto social de sua época.

Fruto de longo tempo de pesquisa e consulta de milhares de documentos relacionados em diversas obras, códices e arquivos, é um trabalho longo, meticuloso e fascinante!

A obra vai servir de guia para pesquisas de nossos antepassados de além-mar, os quais, muitas vezes, não encontramos dados na documentação disponível nos arquivos brasileiros.

Sei não ser muito do agrado dos genealogistas patrícios a pesquisa e a publicação de fontes primárias: gostam mais de poder consultá-las do que as relacionar e publicá-las.

Assim sendo, o trabalho de Maria Lucia se reveste de grande significado e importância, quer pela abran-gência (séculos XVI a meados do XX – 1500 a 1837, no 1º volume), quer pelos dados elencados sobre os lusitanos que para aqui vieram, desde o descobrimento do Brasil até o início do século passado.

Auguro sucesso nesta publicação e aguardo, com ansiedade, os dois próximos volumes (1838 – 1866 e 1867 – 1915), ciente do valor desta magnífica pesquisa.

2017Attila A.Cruz Machado,

Membro Titular do CBG.

A GUISA DE PREFÁCIO

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O resultado desta investigação que ora se publica, devido à grande dimensão de informações coletadas, foi dividido em três volumes. O primeiro tomo abrange o período entre 1500-1837, o segundo de 1838-1866 e o terceiro de 1867-1915.

Os registros foram organizados por ordem cronológica. Foi preservada a grafia original dos nomes e sobrenomes dos documentos registrados; a grande maioria não tinha acentos ortográficos nos registros.

Antigamente, em Portugal, era comum abreviar palavras, nomes, sobrenomes, nomes de cidades, de freguesias, de concelhos, de distritos portugueses, de profissões, dos meses, o que pode ocasionar erros de interpretação do pesquisador menos experiente. Os nomes abreviados foram transcritos por extenso, cito alguns exemplos a título de ilustração:

Enfim, todos foram transcritos de acordo com as regras de paleografia portuguesa. Quanto aos nomes e sobrenomes, muitos tinham diversas grafias, como por exemplo: Barbosa ou Barboza, Cardoso ou Cardozo, Casemiro, Cazemiro ou Casimiro, Geronimo, Hieronimo, Ieronimo ou Jeronimo, Luis ou Luiz, Manuel ou Manoel, Paes ou Pais, Severino ou Zeferino, Sousa ou Souza, ambas versões eram usadas antigamente, variando de acordo com a região, portanto foi mantida a grafia conforme o registro; a única exceção foi Joze, que optei por manter a grafia moderna José.

Amal = Amaral;ago = agosto;Agto = Augusto ou Agostinho;amo = amigo;Anto = Antonio;Ar.o = Araújo; Azo = Azevedo;B.a = Bahia; Bar = Baltasar;Brites = Beatriz; Br.meu = Bartolomeu;Cta = Catarina ou Costa;Ca ou C.na ou Ctta = Catarina;Gar = Gaspar;Go = Gonçalo;Gz. ou Glz = Gonçalves;Grmo = GeronimoH.e = HenriqueJ.mo = Jeronimo;Lra = Leiria; Lxa = Lisboa;Mda = Margarida;

mdor = morador ou mercador;mer = mulher; Mnn.a = Marianna;Mis ou Miz = Martins; Mel = Manoel;Nugra = Nogueira; 9bro ou nro = novembro;Nuz = Nunes; 8bro = outubro;Po = Pero ou Pedro; R. = Reverendo;Roiz = Rodrigues; Sa = SilvaSza = Souza7bro = setembro;tza = Terceira (Ilha); Va = Vila;Vcte = Vicente; Xbro = dezembro;Xer = Xavier; X. N. = cristão-novo;X. V. = cristão velho;

“É preciso, em suma, começar pelo princípio – e aí está, justamente, a dificuldade.” Vergílio Taborda

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Há várias freguesias homônimas, em concelhos portugueses diferentes, ou inclusive no mesmo distrito, o que pode ocasionar uma busca do leitor nas freguesias ou concelhos errados, alguns exemplos: Aba-dia, Abelheira, Alagoas, Albergaria, Aldeia, Aldeia Nova, Arcos, Azenha, Bemposta, Boaças, Boassas, Bouça, Carvalhal, Chã, Cristelo, Cruz, Cruzes, Felgueiras, Fornelos, Freixo, Fundão, Gondomar, Grijó, Outeiro, Paço, Passô, Paçô, Paços, Passos, Portela, Quintela, Sanfins, São Martinho, Torre, Vale de Figueira, Valverde, Várzea, Viana, Venda Nova, Vieira, Vila, Vila Chã, Vila Flor, Vila Nova, Vila Seca, Vila Verde, Vilar, Vilarinho, Vilela, Vimioso, Vinha, Vinhais, Vinhas, Viso, Vista Alegre, Vitoria, Zambujal, Zambujeiro, Zimbral.

É necessário prestar atenção porque algumas freguesias, municípios/concelhos, no decorrer dos sécu-los, foram extintos ou tiveram suas sedes transferidas em Portugal. A maioria da divisão das freguesias portuguesas, em grande parte, teve a sua origem nas paróquias católicas e houve diversas modificações: após as reformas administrativas do séc. XIX; nos primeiros anos após a proclamação da república; em 1910 e em 2013. Alguns concelhos extintos tiveram uma duração bem curta, cerca de três anos, outros duraram diversos séculos. Portugal já teve (em 1774) 886 concelhos e atualmente tem apenas 308. Os concelhos foram criados por decreto-lei em 11.07.1822. Os municípios mais antigos portugueses são os de São João da Pesqueira (1055), Coimbra (1085) e Santarém (1095). Há, nas referencias bibliográficas deste estudo, o endereço eletrônico para consultas.

Há um detalhe interessante e importante sobre Lamego, cidade antiquíssima, que já existia na época dos romanos; e por ser uma cidade localizada em zona estratégica, formando uma encruzilhada de diversas vias importantes, foi cobiçada, dominada e ocupada por diversos califas mouros, mas foi finalmente retomada pelos portugueses em 1057. Situada no norte de Portugal, na fronteira de Trás-os-Montes e Alto Douro com a Beira interior, fica exatamente na região do Douro, entre as cidades de Vila Real e Viseu. Inicialmente Lamego foi prevista como sede de distrito, localizada na cidade de Lamego. O distrito de Lamego como divisão administrativa de Portugal foi criado em 1835, mas devido à posição geográfica mais central da cidade de Viseu, a sede do distrito de Lamego foi deslocada para Viseu e incorporada pelo distrito de Viseu. Apesar de administrativamente o concelho de Lamego atualmente pertencer ao distrito de Viseu (Beira Alta), o concelho de Lamego geograficamente pertence à região de Trás-os-Montes e Alto Douro e tem 24 freguesias. Um outro fato importante e inusitado: é que a diocese de Lamego é a única diocese portuguesa que não corresponde a uma capital de distrito, portanto os genealogistas e pesquisadores tem que redobrar a atenção na procura de arquivos paroquiais de seus antepassados nesta região; nem sempre, os arquivos estão disponíveis no arquivo distrital de Viseu, mas no da diocese de Lamego ou respectivos arquivos paroquiais das freguesias do concelho de Lamego.

Grande parte deste estudo foi elaborado graças aos manuscritos de fontes diversas, inclusive digitalizados: documentos oficiais, requerimentos para passaportes, registros portugueses de passaportes internos e para fora do reino, registros de guias de transito, lista de passageiros de diversos vapores, listagem de controle, registros efetuados em algumas hospedarias no Brasil, registros de requerimentos encontrados nos arquivos distritais portugueses: Açores, Aveiro, Braga, Bragança, Castelo Branco, Coimbra, Fafe, Guarda, Ilha da Madeira, Leiria, Lisboa, Portalegre, Porto, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu. Também foram extraídas informações de correspondências oficiais, de testamentos, de inventários e de inúmeros autos de fé da Inquisição de: Coimbra, Évora e Lisboa, cujas sentenças eram, em diversos processos, o degredo para o Brasil, e também de obras, de autores, sobre este tópico.

Havia vários tipos de degredo impostos pelo Tribunal do Santo Ofício: nas galés, nas diversas colônias e alguns dentro de Portugal; nos autos de fé pesquisados houve o degredo para as seguintes regiões: Alcoutim, Algarve, Álmodovar, Angola, Brasil, Castro Mirim, Chaves, Elvas, Évora, Guiné, Ilha do Príncipe,

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Ilha de São Tomé, Leiria, Miranda, Ponteira da Beira (Almeida) e Portalegre. Muitos desses degredos foram comutados para degredo no Brasil.

Indubitavelmente, a relação de portugueses que vieram para o Brasil é bem maior do que a neste trabalho compilada. Há períodos nos quais não existe uma lista de passageiros disponível; mas, tudo registrado no presente estudo foi obtido em documentos oficiais ou obras documentadas. É possível que ocorra algum erro devido à interpretação dos garranchos, muitas vezes ilegíveis, de alguns párocos, escre-ventes ou funcionários públicos e também das inúmeras abreviações utilizadas por eles, ou devido a tinta que se tornou delével ou que borrou o documento. Gostaria de ressaltar que alguns registros que foram digitalizados apresentam erros, mas foram copiados como foram registrados; no caso de dúvidas seria recomendável tentar localizar a transcrição original, mesmo assim, esta pesquisa, sem dúvida, contribuirá para o enriquecimento e o conhecimento das raízes da genealogia brasileira. E também, pode, deve instigar e estimular a enriquecedora pesquisa, de inúmeros genealogistas, historiadores, estudantes e interessados nesta área, sobre os registros aqui enunciados. Apesar dos três volumes que serão publicados, trata-se apenas de uma ínfima amostra do vasto material que existe e ainda precisa ser descoberto ou recuperado.

Os portugueses representam o maior contingente de imigrantes que vieram para o Brasil. Esta imigração ocorreu em diversas ocasiões desde o descobrimento. Estatisticamente, a maioria dos portugueses que imigraram para o Brasil são provenientes da região Norte e Noroeste de Portugal: Minho, Trás-os-Montes, Douro Litoral, Beira Alta, Beira Litoral e Estremadura. Além deles, um fluxo considerável de imigrantes eram oriundos de Lisboa, Porto, Viseu e das ilhas: Madeira e Açores.

Podemos afirmar que a imigração iniciou com a colonização quando aportaram os primeiros colonos portugueses, embora alguns historiadores só considerem imigrantes os indivíduos que vieram para o Brasil após a independência; inicialmente, foi um fenômeno predominantemente masculino, foram raríssimas as mulheres portuguesas que imigraram para a colônia.

O Pe. Manuel da Nóbrega preocupado com o excesso de libido dos colonos e temendo que gerassem apenas mestiços, escreve uma carta ao rei de Portugal pedindo que mandasse mulheres portuguesas para o Brasil, pois eram mais recatadas do que as indígenas: “Vossa Alteza mande muitas órfãs e se não houver muitas venham de mistura delas e quaisquer (prostitutas), porque são tão desejadas as mulheres brancas cá, que quaisquer farão cá muito bem a terra”.1

A partir do século XVI foram degredados para o Brasil os condenados __ nobres, fidalgos e homens do povo, entre eles cristãos-novos e ciganos __ “por crimes de pequenos furtos, promessas de casamento não cumpridas, vício em jogo, lesa-majestade, seduções, adultérios, sodomia, misticismo, judaísmo e blasfêmias, entre outros do gênero”, a fim de puni-los, mas também com o intuito de povoar a colônia e explorar o território nacional.2 Segundo Oliveira Lima, inúmeros casos de degredados incorreram na pena “por delitos insignificantes e nada infamantes e bem assim por motivo que chamaríamos políticos”.3 Havia também condenados por graves crimes contra o Estado ou administração, como por exemplo, escrivães que adulteravam o texto das subscrições das Cartas ou Provisões, apresentadas ao Rei para

1. Purgando pecados e limpando a europa: o degredo no cotidiano dos primeiros séculos de colonização do brasil http://www.cerescaico.ufm.br/mneme/anais/st_trab_pdf/pdf_9/saules_st9.pdf2. Purgando pecados e limpando a europa: o degredo no cotidiano dos primeiros séculos de colonização do brasil http://www.cerescaico.ufm.br/mneme/anais/st_trab_pdf/pdf_9/saules_st9.pdf3. OLIVEIRA LIMA, in Nova Lusitânea – História da Colonização portuguesa no Brasil, p.280.

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que as assinasse, ou falsificadores de moeda ou do selo oficial, ou para quem vendia munições ou mantimentos para os mouros.

A pena de degredo poderia ser temporária ou perpétua, de acordo com a gravidade do crime cometido, mas os degredados para o Brasil não o seriam por menos de 5 anos. E como o degredado temporário, após cumprir a sua pena, teria que pagar a sua passagem de volta para Portugal, que na época era caríssima, a maioria permanecia em solo brasileiro. Há também, vários casos de presos que tiveram sua pena de morte comutada em degredo para o Brasil, porque na época, esta punição, era uma das penalidades mais sérias, só sendo superada pela sentença de morte.

Um grande número de portugueses cristãos-novos e também descendentes de judeus se estabeleceu no Brasil colonial a fim de fugir da Inquisição. Na armada de Cabral e nas expedições que vieram para o Brasil, logo após o descobrimento, havia inúmeros cristãos-novos e judeus. Entre eles podemos en-contrar os primeiros médicos em solo brasileiro. Este êxodo foi ocasionado pelo medo da Inquisição. “Muitos cristãos-novos, chegando ao Brasil, queriam esconder o passado para o bem de seus filhos, para não expô-los à perseguição da Inquisição e à discriminação da sociedade. Viviam como católicos, com a esperança de poder um dia retornar à fé judaica.”4

Egon e Frieda Wolf realizaram uma pesquisa com os documentos encontrados no Arquivo Histórico Judaico de Pernambuco cujo trecho transcrevo “Frei Manuel Callado [SIC, grifo dos autores] no seu livro ‘O Vleroso Lucideno e Triunfo da Liberdade’ Lisboa, 1668), contemporâneo da ocupação holandesa, informou (pp. 170-71):

‘O Arrecife estaua cheo de Judeos, & muitos viuião já por as freguesias de campo, & erão senhores dos engenhos (...) & que se todos se não declarauão, & circuncidauão como tinhão feito Gaspar Francisco da Costa, Simão do Vale, Vasco Fernandes, & seus filhos, Balthazar de Afonseca, Simão Drago, & outros, era porque temião que (...)tornasse (...) Parnambuco a ser de Portugueses, & fossem rigorosamente castigados.”5

Estima-se que no século XVI cerca de 14% da população branca era formada por cristãos-novos e muitos deles ocupavam cargos oficiais. Em Pernambuco, no período entre 1579-1620, cerca de 32% dos donos de engenho de cana-de-açúcar eram de origem judaica.

Em 1645, durante a Guerra da Restauração surge o primeiro documento legal que proíbe a saída do cidadão, de Portugal para o estrangeiro, sem autorização prévia; o não cumprimento dessa regra acar-retaria pesadas sanções aos infratores. Em 1709, D. João V decreta a necessidade de um passaporte para quem viajasse para o Brasil.

A partir do século XVII a imigração portuguesa se tornou significativa, quando a Coroa Portuguesa, após o declínio do comércio com a Ásia, voltou a sua atenção para o Brasil.

Havia uma preocupação, por parte do governo português, em garantir o controle do território brasileiro, porque o futuro de Portugal como potência econômica dependia da ocupação e defesa da colônia, por-tanto era fundamental a povoação do Brasil, daí a política em promover a colonização com casais nas regiões do Maranhão e Pará entre 1619-1677.

4. HERSON, Bella. Cristãos-novos e seus descendentes na medicina brasileira. 1500-1850, p.30.5. WOLFF, Egon e Frieda. Quantos judeus estiveram no Brasil Holandês e outros ensaios. Rio de Janeiro, 1991, p.7.

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Famílias açorianas chegaram ao Maranhão, com Estacio da Silveira em 1619; eram cerca de 300 casais. Em 1621, mais 40 casais chegaram com Antonio Ferreira de Bettencourt e Jorge de Lemos Bettencourt. Em 1625 chegou mais outra leva de famílias com Francisco Coelho de Carvalho.

Em 1620 chegaram ao Pará cerca de 200 casais de colonos com Manoel Correa de Melo. Em 1676 desembarcaram em Belém cerca de 50 casais provenientes da Ilha de Faial.

Portugal, com o intuito de ganhar novos mercados, incentivou o cultivo da cana de açúcar, por ser a produção do açúcar um produto muito bem cotado no comércio europeu. Muitos portugueses imigra-ram para a colônia e instalaram engenhos para produzirem açúcar no litoral do Brasil. A exportação do açúcar transformou-se em um grande alicerce econômico e gerou grandes lucros para a Coroa Portuguesa.

A partir de 1670 o valor exportado do açúcar sofre quedas acentuadas, cerca de 80% da receita do governo e da Coroa Portuguesa era proveniente de uma série de impostos sobre o açúcar, portanto com o declínio do ciclo da cana-de-açúcar, os governantes portugueses compreenderam que a única maneira de manter a colônia e a própria Coroa Portuguesa seria na descoberta de pedras e metais preciosos no Brasil.

No final do século XVII, os bandeirantes paulistas encontraram pedras preciosas em Minas Gerais, dando início ao ciclo do ouro. As notícias das descobertas de ouro geram um imenso fluxo migratório para as regiões mineradoras; chegaram à colônia centenas de milhares de colonos, cerca de 50% da população que habitava o Brasil na época estava ali concentrada.

O governo português restringe a emigração para a colônia temendo um despovoamento de Portugal e cria uma série de impostos e regras: de circulação de bens e pessoas, de controle e de exploração das minas. Houve na ocasião uma exigência frustrada de um passaporte especial para o ingresso na região das minas que se tornou inviável.

Em Portugal, na época de Pombal, o cidadão português perde sua liberdade de locomoção dentro do país. Foi expedido um alvará, em 13 de agosto de 1760, regulando a expedição de passaportes internos para os portugueses poderem circular no interior do país. A polícia faz um minucioso controle desses documentos. Esta exigência perdurou cerca de um século.

Todo cidadão que fosse pernoitar em outra localidade teria que tirar um passaporte e apresentá-lo às autoridades locais da cidade/comarca que visitava. A única exceção permitida era para as pessoas que se locomoviam nos distritos da Corte, para as pessoas que fossem para as suas fazendas ou quintas, para as pessoas que viviam a cinco léguas ao redor da mesma Corte e costumavam trazer para ela mantimentos, e os gêneros necessários para o uso da população, como por exemplo, carvão, lenha, madeiras, etc., desde que este transporte fosse por via terrestre.

Caso este transporte fosse feito pelo rio abaixo, ou de alguns portos, era obrigatório a tirar um passaporte interno. Estes passaportes tinham a validade de 30 dias até 1 ano, portanto é possível encontrar registros de passaportes internos e constatar a mobilidade demográfica em Portugal e também os passaportes para os habitantes que viajavam para o exterior ou imigravam para outros países.

Portugal preocupado com o território sul brasileiro fomenta a imigração de casais açorianos para a região de Santa Catarina. Entre 1748 e 1756 chegaram cerca de 6000 colonos portugueses no litoral de Santa Catarina, mas eles não se estabeleceram no interior da região, como previa a Coroa Portu-

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guesa ao incentivar essa imigração, com diversas regalias, tais como: glebas de terras demarcadas como propriedade para cada casal, recebimento de duas vacas e uma égua, sementes, ferramentas para o cultivo, armas, munição e alimentos para o sustento alimentar inicial. Ao invés, esses colonos optaram por se estabelecerem ao longo do litoral, onde fundaram pequenas vilas e viveram da pesca e da produção do trigo.

No final do século XVIII a exploração do ouro entrou em declínio, em decorrência do exaurimento das minas.

Em 1808 a Família Real Portuguesa chega ao Rio de Janeiro fugindo de Napoleão e passa a governar Portugal do Brasil. A corte e a alta administração portuguesa também imigram para o Rio de Janeiro nesta ocasião.

Há pouca documentação sobre a imigração portuguesa para o Brasil entre 1822 e 1850. Inúmeros imi-grantes não possuíam passaporte, mas houve uma substancial movimentação demográfica portuguesa rumo ao Brasil neste período. Muitos deles, ao chegaram em solo brasileiro, não eram registrados; tinham poucos recursos e como eram subsidiados por negociantes ou por capitães de navios, que pagavam suas passagens, já partiam de Portugal com dívidas e, ao atracarem aqui, alguns eram empregados diretamente para as lavouras e fazendas dos grandes latifundiários, que tinham dificuldades de encon-trar mão-de-obra.

Outros que permaneciam nas grandes cidades, por terem pouca instrução e serem pobres, disputavam o mercado de trabalho com os homens livres pobres, mamelucos, mulatos, libertos e habitavam nas áreas de cortiço.

Segundo o representante do governo português no Rio de Janeiro, Sr. Ildelfonso Leopoldo Bayard, “a demanda por trabalhadores portugueses nesta época era tão grande, que qualquer emigrante encontrava emprego em menos de oito dias após a chegada.”

O comércio do Rio de Janeiro e de outras cidades brasileiras foi, durante séculos, dominado por portu-gueses, portanto nesta época, também houve um número considerável de imigração de caixeiros. Este monopólio era alimentado por estes profissionais, cuja mão-de-obra era de confiança, composta por jovens de 13 e 14 anos, treinados no norte de Portugal, Porto e Alto Minho por conta de seus familiares. Esses jovens caixeiros imigravam para o Brasil com o intuito de trabalharem cerca de 15 horas diárias e amealharem dinheiro para depois estabelecerem suas próprias lojas.

No século XIX, a imigração foi bem vista pelas autoridades brasileiras e foram sancionadas leis nas quais a cidadania era concedida a todo europeu que a solicitasse.

Em meados do século XIX, com o crescimento demográfico, Portugal enfrentava uma séria crise de desemprego, os jovens menos preparados, especialmente os camponeses, não conseguiam trabalho devido a mecanização de algumas atividades agrícolas e acreditando que o Brasil era o tão sonhado Eldorado e que aqui enriqueceriam rapidamente, resolveram se aventurar por estas terras. Neste pe-ríodo o fluxo imigratório português foi imenso e intenso. Uma expressiva população do norte e noroeste português, especialmente das regiões Beira Alta e Trás-os-Montes abandonaram Portugal. O perfil do imigrante português sofre uma transformação radical: as mulheres e as crianças menores de 14 anos, pobres, órfãs ou abandonadas representam 20% do total de imigrados.

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Houve uma grande massa de imigrantes de 1891 a 1929, cerca de 362.156 portugueses vieram para o Brasil e a grande maioria deles vai trabalhar na lavoura. Havia neste período uma grande oferta de trabalho devido a demanda de mão-de-obra com a abolição da escravidão. O governo brasileiro incen-tivou a emigração dos portugueses, espanhóis, italianos e alemães para trabalhar nas fazendas de café, pecuária e usinas de açúcar. A crise econômica mundial de 1929 e a política migratória brasileira adotada a partir desta época ocasionou uma queda brusca no fluxo de imigrantes e a guerra mundial culmina com a suspenção de viagens atlânticas.

A partir do final do século XIX até 1960, a maior parte dos imigrantes portugueses são provenientes do norte de Portugal, sobretudo de Viseu, Aveiro, Coimbra, e da região de Trás-os-Montes: Bragança e Vila Real.

Os destinos desses imigrantes foram os mais diversos: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Macaé, Manaus, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Ribeirão Preto, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Santos, São Paulo, São Vicente, Sergipe ou simplesmente para o Império do Brasil e decidiam, ao atracar, para onde iriam.

Ao indicar os registros de onde foram compiladas as informações citadas nesta obra, optei por abreviar a fonte com algumas iniciais ou o sobrenome do autor, mas nas referencias bibliográficas consta o título completo, seguido pela abreviação usada.

A fim de facilitar a consulta da obra, devido ela conter muitas páginas, o índice onomástico será publicado simultaneamente em um livreto a parte.

Compartilho com o leitor o fruto da minha pesquisa e desejo que faça bom proveito desta obra. E quem sabe. possa, um dia, talvez complementá-la.

Maria Lucia Machens Associada do CBG