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série III 5 LUA

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LUA

n 5

dos cofres o mais enigmático

I I I serieANO XIX

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*A redacção da revista Cofre não obedece ao novo Acordo Ortográfico

FICHA TÉCNICAPRESIDENTE: Tomé Jardim [email protected] | DIRECTORA: Luísa Paiva Boléo [email protected] | EDIÇÃO: Cofre de Previdência | CONSELHO REDACTORIAL: Tomé Jardim / Elder Fernandes / Manuela Charrua / Catarina Santos / Vitor Luz / Susana Inácio / Sónia Ferreira | EDITOR: Francisco Pinteus [email protected] IMAGEM DE CAPA: Andreia Gil | FOTOGRAFIA: Cláudia Peres | DIRECÇÃO CRIATIVA E DESIGN: Andreia Gil | PUBLICIDADE: Sara Ferreira | SECRETÁRIA: Sara Ferreira COLABORADORES DESTE NÚMERO: Alexandra Antunes / Américo Brás Carlos / Ana Rufino / António Pinto de Almeida / Doria Meiilodivah / Fátima Silva / Fernanda Santos / Fernando Rocha / Helena Baeta / João Pedro Granja / Luis Barroso / Luis Ganso / Mafalda Queiroz / Maria Romana Reis / Máximo Ferreira / Mehmet Efkan Alan / Óscar Martins / Patricia Nortadas / Sónia Ferreira / Susana Inácio / Valeria Gonzales CONTACTOS DO COFRE: Rua do Arsenal, Letra E, 1112-8O3 Lisboa e Rua dos Sapateiros, 58, 11OO-579 Lisboa / Telefone: 213 241 O6O / Fax: 213 47O 476 [email protected] NIF: 5OO969442 / IMPRESSÃO: MULTIPONTO, S. A. / ISSN 2182-1437 / DEPÓSITO LEGAl: 324664/11 / REGISTO ERC: 119146 / PERIODICIDADE: Bimestral / TIRAGEM: 45.5OO / PVP: 1,OO€

Pág. 14

Pág. 25

RECEITASUSPIRO DE NATAL

Pág. 4CARTAS

Pág. 10VAMOS BRINDAR!

Pág. 26

Pág. 6

ENTREVISTAAMÉRICO BRÁS CARLOS

1ª REPÚBLICA8 MANDATOS 7 PRESIDENTES

NOVO SÓCIO

Pág. 18RESIDÊNCIAS UNIVERSITÁRIAS

Pág. 28RESIDÊNCIAS SÉNIOR

Pág. 13QUEM É QUEM

INFOGRAFIANATAL

Pág. 20

Pág. 3OConsultório MédicoA Consulta

POR TERRAS DE SUA MAJESTADE

Pág. 36Pág. 22COLUNA DE ASTRONOMIAA Estrela de Belém

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TOMÉ JARDIM

É verdade, estamos quase no fim de mais um ano. Por se tratar da última revista Cofre de 2O15 dirijo-me a todos os leitores e em particular aos venerandos consócios para, de viva voz, dar notícias e fazer o balanço deste ano. Como sabem, o Cofre é uma instituição vocacionada para a solidariedade, a qual deverá estar sempre presente no pensamento da família Cofre. Porém a evolução nos tempos é constante, os horizontes têm, necessariamente, de ser alargados e o enriquecimento cultural faz parte do processo. Também a vertente lúdica não pode ser esquecida, e se a essa vertente conseguirmos aliar um lado pedagógico melhor e se abranger as várias faixas etárias, então temos a certeza de estar no caminho certo. Nem sempre é possível fazer as coisas em tempo útil, umas vezes por nos dificultarem, outros por motivos alheios à nossa vontade e outros ainda por nos ter faltado o tempo. Mas a nossa força e uma equipa jovem e coesa esforça-se por melhorar a qualidade e diversidade dos serviços oferecidos, com um lema na mente: “servir e fazer mais e melhor”. E assim trabalhamos para a evolução e valorização das nossas valências e sobretudo na assis-tência social aos nossos Associados que será, como já disse varia-díssimas vezes, um trabalho infindável. Devemos estar sempre atentos para continuar a proporcionar a todos aqueles que usufruem dos nossos espaços um melhor acolhimento e diversida-

de de ofertas. Para isso é necessário, e como sabem tem sido uma preocupação do Conselho de Administração, melhorar as áreas, consideradas mais sensíveis - os Associados e a sustentabilidade do Cofre. Já nos referimos por diversas vezes, a esta temática, mas nunca é demais insistir na necessidade de todos juntos continuar-mos a trabalhar para a sua manutenção angariando associados, procurando aqueles, que por serem mais jovens, nos tragam a médio e a longo prazo essa sustentabilidade. O grupo de trabalho, ligado ao Núcleo de Acção Social, no qual estão integrados dois prestadores de serviço, a D. Angélica Vieira com larga experiência no marketing e o Sr. Miguel Loureiro, sem esquecer a Drª. Sara Ferreira e o Dr. Pedro Ferreira (este ultimo que terminou a presta-ção de serviços por sua opção) a quem agradeço o trabalho desen-volvido, contribuindo para a recuperação de sócios eliminados e captação de novos como se constata nos 79O Associados/as até ao dia 21 de Dezembro. As bolsas de estudo para estudantes do ensino secundário e universitário para o ano lectivo de 2O15/2O16 têm tido muita procura; as nossas residências universitárias estão esgota-das, sem aumento de mensalidades para este ano lectivo; a bolsa sénior, para os sócios com um rendimento insuficiente para o pagamento da prestação nas nossas residências, terão uma conti-nuidade natural no ano de 2O16.

A estratégia delineada, quanto ao aumento do período de amorti-zação da aquisição de habitação e dos abonos reembolsáveis prossegue e com isso vamos continuar a baixar o valor da presta-ção de cada um, contribuindo para uma maior disponibilidade financeira dos nossos Associados/as. Relativamente ao arrenda-mento, mantemos a decisão de não aplicar o coeficiente de aumento das rendas para o ano de 2O16 e a taxa actual para a aquisição de habitação própria. O Centro de Lazer do Vau teve uma procura e um período de estadias dos mais prolongados da sua existência. Lembramos a todos, aos mais e menos jovens, a nossa Quinta de Santa Iria e a variedade de ofertas na sua estrutura. O Campus de Ciência, até ao momento, único na zona, que certa-mente valorizará a formação de todos e, quem sabe, poderá despertar-lhes interesses até então ignorados nesta área científica. O complexo dispõe, de um planetário e observatório equipados com a mais alta tecnologia, salas de formação e auditório para receber conferências e espectáculos, tendo um palco ligado ao exterior que aumenta consideravelmente a sua dimensão permi-tindo a realização de eventos com uma capacidade acima dos 5OO lugares.Como tivemos de regulamentar a piscina, cumprindo as regras impostas para a utilização pública, foi necessário alterar a profun-didade de 3 metros existente, fixando-a numa quota de 97cm a 1,47metros na descarga e aumentando-a para 27 metros de comprimento para aproveitar os m3 existentes; teremos uma nova piscina infantil com uma quota O na entrada e 5O cm na descarga e com a segurança que este tipo de estruturas exige bem como uma rampa para pessoas com mobilidade reduzida. Trata-se de mais uma oferta naquele Centro. Vamos continuar com a política adop-tada, mantendo os preços para a próxima temporada na Quinta e no Vau. Apesar de prevista no Orçamento a venda de bens de investimento, dos quais demos notícia na revista anterior, dada a dificuldade na obtenção dos elementos exigidos para a sua venda, como é o caso da certificação eléctrica, apenas se formalizou com a assinatura do contrato de promessa, a venda do prédio da Rua dos Sapateiros por 2 milhões de euros. Foi mais uma oportunidade

de negócio. Lembramos que este bem está escriturado na contabi-lidade por 1 milhão duzentos e setenta e cinco mil euros. Dentro da estratégia delineada para a aquisição de imóveis, sempre com o objetivo de obter uma mais-valia para o Cofre e seus Associados, adquirimos um edifício na Estrada das Laranjeiras com o objectivo de ali, depois de realizadas algumas pequenas obras, destiná-lo à centralização dos serviços do Cofre.Nesta revista para além das reportagens e da entrevista ao Profes-sor e nosso associado Dr. Américo Brás Carlos, temos o “Quem é Quem” com os trabalhadores do Departamento de Gestão dos Associados e Património (DGAP): a D. Fernanda Santos, o Sr. Luís Ganso e o Dr. Luís Barroso que contribuem para a boa gestão da correspondência entre serviços e para o exterior; em véspera de eleições evocamos os Presidentes da 1ª República bem como a visita ao Museu da Presidência; o magusto na Quinta; as diversas as festas de Natal: na RUL, RUP, Loures e Vila Fernando. Temos um texto de uma associada sobre o presépio da sua infância e outro de curiosidades sobre brindes; a rúbrica de Astronomia; o Consultório Médico; abordamos uma experiência de emigração sob a perspec-tiva de uma jovem enfermeira e três textos acerca do Natal em países tão diversos como o Peru, a Turquia e a Guiana Francesa; ficamos a conhecer um novo sócio e muito mais para ler.As alterações estatutárias propostas foram retiradas da ordem de trabalhos da Assembleia Geral Extraordinária do dia 14 de Dezem-bro dado ser necessária uma nota prévia explicativa e outros contributos. O nosso Plano de Actividades e Orçamento para o ano de 2O16, apresentados na Assembleia-Geral Ordinária foram apro-vados por larga maioria, são objecto de resumo na página 34 .Como disse, sendo esta a revista do Natal e a última do ano de 2O15, e como final da nossa conversa quero endereçar em meu nome, no do Conselho de Administração e no dos restantes Órgãos Sociais, Mesa da Assembleia Geral e Conselho Fiscal e de todos os trabalha-dores do Cofre um Natal feliz, com saúde, paz e muito amor. Um ano novo com mais esperança e segurança. E não se esqueçam de enviar o vosso contributo para a nossa revista.Com consideração

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É verdade, estamos quase no fim de mais um ano. Por se tratar da última revista Cofre de 2O15 dirijo-me a todos os leitores e em particular aos venerandos consócios para, de viva voz, dar notícias e fazer o balanço deste ano. Como sabem, o Cofre é uma instituição vocacionada para a solidariedade, a qual deverá estar sempre presente no pensamento da família Cofre. Porém a evolução nos tempos é constante, os horizontes têm, necessariamente, de ser alargados e o enriquecimento cultural faz parte do processo. Também a vertente lúdica não pode ser esquecida, e se a essa vertente conseguirmos aliar um lado pedagógico melhor e se abranger as várias faixas etárias, então temos a certeza de estar no caminho certo. Nem sempre é possível fazer as coisas em tempo útil, umas vezes por nos dificultarem, outros por motivos alheios à nossa vontade e outros ainda por nos ter faltado o tempo. Mas a nossa força e uma equipa jovem e coesa esforça-se por melhorar a qualidade e diversidade dos serviços oferecidos, com um lema na mente: “servir e fazer mais e melhor”. E assim trabalhamos para a evolução e valorização das nossas valências e sobretudo na assis-tência social aos nossos Associados que será, como já disse varia-díssimas vezes, um trabalho infindável. Devemos estar sempre atentos para continuar a proporcionar a todos aqueles que usufruem dos nossos espaços um melhor acolhimento e diversida-

de de ofertas. Para isso é necessário, e como sabem tem sido uma preocupação do Conselho de Administração, melhorar as áreas, consideradas mais sensíveis - os Associados e a sustentabilidade do Cofre. Já nos referimos por diversas vezes, a esta temática, mas nunca é demais insistir na necessidade de todos juntos continuar-mos a trabalhar para a sua manutenção angariando associados, procurando aqueles, que por serem mais jovens, nos tragam a médio e a longo prazo essa sustentabilidade. O grupo de trabalho, ligado ao Núcleo de Acção Social, no qual estão integrados dois prestadores de serviço, a D. Angélica Vieira com larga experiência no marketing e o Sr. Miguel Loureiro, sem esquecer a Drª. Sara Ferreira e o Dr. Pedro Ferreira (este ultimo que terminou a presta-ção de serviços por sua opção) a quem agradeço o trabalho desen-volvido, contribuindo para a recuperação de sócios eliminados e captação de novos como se constata nos 79O Associados/as até ao dia 21 de Dezembro. As bolsas de estudo para estudantes do ensino secundário e universitário para o ano lectivo de 2O15/2O16 têm tido muita procura; as nossas residências universitárias estão esgota-das, sem aumento de mensalidades para este ano lectivo; a bolsa sénior, para os sócios com um rendimento insuficiente para o pagamento da prestação nas nossas residências, terão uma conti-nuidade natural no ano de 2O16.

A estratégia delineada, quanto ao aumento do período de amorti-zação da aquisição de habitação e dos abonos reembolsáveis prossegue e com isso vamos continuar a baixar o valor da presta-ção de cada um, contribuindo para uma maior disponibilidade financeira dos nossos Associados/as. Relativamente ao arrenda-mento, mantemos a decisão de não aplicar o coeficiente de aumento das rendas para o ano de 2O16 e a taxa actual para a aquisição de habitação própria. O Centro de Lazer do Vau teve uma procura e um período de estadias dos mais prolongados da sua existência. Lembramos a todos, aos mais e menos jovens, a nossa Quinta de Santa Iria e a variedade de ofertas na sua estrutura. O Campus de Ciência, até ao momento, único na zona, que certa-mente valorizará a formação de todos e, quem sabe, poderá despertar-lhes interesses até então ignorados nesta área científica. O complexo dispõe, de um planetário e observatório equipados com a mais alta tecnologia, salas de formação e auditório para receber conferências e espectáculos, tendo um palco ligado ao exterior que aumenta consideravelmente a sua dimensão permi-tindo a realização de eventos com uma capacidade acima dos 5OO lugares.Como tivemos de regulamentar a piscina, cumprindo as regras impostas para a utilização pública, foi necessário alterar a profun-didade de 3 metros existente, fixando-a numa quota de 97cm a 1,47metros na descarga e aumentando-a para 27 metros de comprimento para aproveitar os m3 existentes; teremos uma nova piscina infantil com uma quota O na entrada e 5O cm na descarga e com a segurança que este tipo de estruturas exige bem como uma rampa para pessoas com mobilidade reduzida. Trata-se de mais uma oferta naquele Centro. Vamos continuar com a política adop-tada, mantendo os preços para a próxima temporada na Quinta e no Vau. Apesar de prevista no Orçamento a venda de bens de investimento, dos quais demos notícia na revista anterior, dada a dificuldade na obtenção dos elementos exigidos para a sua venda, como é o caso da certificação eléctrica, apenas se formalizou com a assinatura do contrato de promessa, a venda do prédio da Rua dos Sapateiros por 2 milhões de euros. Foi mais uma oportunidade

de negócio. Lembramos que este bem está escriturado na contabi-lidade por 1 milhão duzentos e setenta e cinco mil euros. Dentro da estratégia delineada para a aquisição de imóveis, sempre com o objetivo de obter uma mais-valia para o Cofre e seus Associados, adquirimos um edifício na Estrada das Laranjeiras com o objectivo de ali, depois de realizadas algumas pequenas obras, destiná-lo à centralização dos serviços do Cofre.Nesta revista para além das reportagens e da entrevista ao Profes-sor e nosso associado Dr. Américo Brás Carlos, temos o “Quem é Quem” com os trabalhadores do Departamento de Gestão dos Associados e Património (DGAP): a D. Fernanda Santos, o Sr. Luís Ganso e o Dr. Luís Barroso que contribuem para a boa gestão da correspondência entre serviços e para o exterior; em véspera de eleições evocamos os Presidentes da 1ª República bem como a visita ao Museu da Presidência; o magusto na Quinta; as diversas as festas de Natal: na RUL, RUP, Loures e Vila Fernando. Temos um texto de uma associada sobre o presépio da sua infância e outro de curiosidades sobre brindes; a rúbrica de Astronomia; o Consultório Médico; abordamos uma experiência de emigração sob a perspec-tiva de uma jovem enfermeira e três textos acerca do Natal em países tão diversos como o Peru, a Turquia e a Guiana Francesa; ficamos a conhecer um novo sócio e muito mais para ler.As alterações estatutárias propostas foram retiradas da ordem de trabalhos da Assembleia Geral Extraordinária do dia 14 de Dezem-bro dado ser necessária uma nota prévia explicativa e outros contributos. O nosso Plano de Actividades e Orçamento para o ano de 2O16, apresentados na Assembleia-Geral Ordinária foram apro-vados por larga maioria, são objecto de resumo na página 34 .Como disse, sendo esta a revista do Natal e a última do ano de 2O15, e como final da nossa conversa quero endereçar em meu nome, no do Conselho de Administração e no dos restantes Órgãos Sociais, Mesa da Assembleia Geral e Conselho Fiscal e de todos os trabalha-dores do Cofre um Natal feliz, com saúde, paz e muito amor. Um ano novo com mais esperança e segurança. E não se esqueçam de enviar o vosso contributo para a nossa revista.Com consideração

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CARTASde quem diz o que pensa

Aproveito esta oportunidade para dar um contributo/sugestão para o futuro do Cofre de Previdência. Já notei, e entendo perfeita-mente, o esforço que o Cofre tem vindo a desenvolver no sentido de angariar mais associados e, principalmente, angariar associados mais jovens. Todos os esforços e iniciativas neste sentido são dese-jáveis e bem-vindos, mas na minha opinião ainda não são suficien-tes. Passarei a descrever o meu ponto de vista.Em 2O11, no dia em que ingressei na Função Pública, quando assinei contrato com a DGO, nos recursos humanos além do contrato, entregaram-me o formulário da ADSE e dos SSAP, informando das regalias, valores a pagar e que a inscrição naqueles organismos é opcional. Estou a referir-me a um concurso externo, no qual entra-ram cerca de 3O Técnicos Superiores, com idades entre os 25 e os 4O anos. Ninguém nos informou acerca da existência do Cofre, da sua área de actuação, nem das regalias que os seus associados podem beneficiar. Tal como referi no questionário, apenas soube da sua existência, posteriormente, através de familiares e outros colegas mais velhos. Toda a informação que precisei tive de ser eu a ir à procura dela. Isto aconteceu na DGO, mas acredito que acon-teça o mesmo na grande maioria dos organismos da Função Públi-ca. E então pergunto: porquê? Talvez a informação não esteja bem disseminada junto dos departamentos de recursos humanos destes organismos. Não sei se será esse o caso, mas é uma hipótese a considerar.A consequência disto é que quando falo com colegas, mais ou menos da minha idade, quase nenhum tem conhecimento, sequer, da existência do Cofre. Face ao descrito a minha sugestão é:O Cofre devia concentrar esforços no sentido de informar e sensi-bilizar os Recursos Humanos de todos os organismos da Função Pública para a existência do Cofre, condições de admissão, valores e modalidades das quotas, benefícios e regalias, etc. etc. Esses departamentos devem ser um dos grandes veículos de informação para dar a conhecer a existência do Cofre, principalmente no momento de admissão de novos colaboradores.Grato pela atenção dispensada, Com os melhores cumprimentos, João Granja, sócio n.º 1O4795

A Revista Cofre reserva-se o direito de seleccionar e eventualmente reduzir os textos enviados e não prestará informação postal sobre eles. Os textos publicados são da inteira responsabilidade dos seus autores.

Ex. mos SenhoresLeonel Correia, sócio nº 98443 vem pela presente manifestar grande satisfação pelo evento realizado na Quinta de Stª Iria, Covilhã, no fim-de-semana de 13 a 15 de Novembro passado, intitu-lando-se Festa de S. Martinho. Sim, como sócio aprovo este tipo de eventos. Já não ia à Quinta de Stª Iria faz bastante tempo, estou grato pelas mudanças que se fizeram, foram de bom senso. É porque nos falta tempo para recuperar o tempo perdido, e só assim conseguimos gozar o tempo que se nos oferece ao tempo de vida?Mais informo que não querendo criticar a gerência anterior, a que está neste momento a gerir a nossa quinta é, sem sombra de dúvida, muito melhor. A simpatia dos funcionários, a boa disposição, a comida, tudo muito bem servido, o bom vinho da casa, é excelente e recomenda-se! Julgo, no entanto, que no dia da chegada, a recep-ção aos utentes deveria ter sido feita com um beberete, pois se temos bom vinho da quinta e o evento era intitulado de S. Martinho, era fácil ter umas castanhas assadas ou cozidas de modo a mimar os sócios (má língua, eu sei!). Informo que o Sr. Director que nos acompanhou, mais duas funcionárias que foram de Lisboa (não sei o nome e peço desculpa) foram sem sombra de dúvida incansáveis. Cinco estrelas como se costuma dizer, bem como para os senhores professores que nos elucidaram na sessão de observação das estrelas e outros astros no Planetário da Quinta.Gostaria ainda de opinar se não seria possível fazer fins-de-semana tipo excursão em autocarro, com entrada à sexta-feira e saída ao domingo depois do almoço, com visitas guiadas às cidades mais próximas na nossa Quinta.Os melhores cumprimentos.

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50.00€* por pessoa(Transporte incluído para passeio à Serra)Crianças:Até aos 3 anos inclusive - GratuitoDos 4 aos 10 anos inclusive –12.50€Dos 11 aos 14 anos inclusive – 25.00€*Alojamento não incluído

CARNAVAL2016Quinta de Santa Iria

50.00€por pessoa

EMENTA

05/02/2016

JANTAR VENEZIANO

Pizas, massas, brusquetas, tiramisu, aletria e outras iguarias

06/02/2016

JANTAR CARNAVALESCO

Buffet de entradas e sopaPrato de Peixe - Truta SerranaPrato de Carne - Rolo de Carne com hortaliças da quintaBuffet de doces e fruta

07/02/2016

Brunch de domingo

Valor de estadia apenas para o Programa:Single: 14,00€/noiteDuplo: 20,00€/noiteApartamento T1: 30,00€/noiteApartamento T2: 39,00€/noiteCama extra: 5,00€/noite

5 a 7 de FevereiroPROGRAMA

05/02/2016

Jantar Veneziano (pratos italianos, máscaras e outras surpresas)

06/02/2016

Pequeno-almoço

Saída para passeio na Serra, visita à Torre, Covão d’Ametade e ManteigasAlmoço em restaurante típicoVisita a ValhelhasJantar Carnavalesco com animação

07/02/2016

BrunchLate check out

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50.00€* por pessoa(Transporte incluído para passeio à Serra)Crianças:Até aos 3 anos inclusive - GratuitoDos 4 aos 10 anos inclusive –12.50€Dos 11 aos 14 anos inclusive – 25.00€*Alojamento não incluído

CARNAVAL 2016Quinta de Santa Iria

50.00€por pessoa

EMENTA

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JANTAR VENEZIANO

Pizas, massas, brusquetas, tiramisu, aletria e outras iguarias

06/02/2016

JANTAR CARNAVALESCO

Buffet de entradas e sopaPrato de Peixe - Truta SerranaPrato de Carne - Rolo de Carne com hortaliças da quintaBuffet de doces e fruta

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Brunch de domingo

Valor de estadia apenas para o Programa:Single: 14,00€/noiteDuplo: 20,00€/noiteApartamento T1: 30,00€/noiteApartamento T2: 39,00€/noiteCama extra: 5,00€/noite

5 a 7 de FevereiroPROGRAMA

05/02/2016

Jantar Veneziano (pratos italianos, máscaras e outras surpresas)

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Pequeno-almoço

Saída para passeio na Serra, visita à Torre, Covão d’Ametade e ManteigasAlmoço em restaurante típicoVisita a ValhelhasJantar Carnavalesco com animação

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Manuel José de Arriaga Brum da Silveira nasceu na cidade da Horta em 184O, formou-se em Direito foi advogado e quando assu-miu o cargo tinha já 7O anos, casado e com seis filhos tomou posse como 1ª Presidente da República Portuguesa em Agosto de 1911. Pagava renda de casa e não tinha qualquer subsídio para os trans-portes e sem direito a um secretário, valeu-lhe o filho mais velho. Não cumpriu o mandato por raão de um golpe político do General Pimenta de Castro. Foi também poeta e escritor. Faleceu em 1917 e está no Panteão desde 1 de Agosto de 2OO4.Joaquim Teófilo Fernandes Braga, nasceu em Ponta Delgada em 24 de Fevereiro de 1843. Militante do Partido Republicano, exercera interinamente o cargo de Presidente da República por escassos meses. Foi de novo chamado a terminar o mandato de Manuel de Arriaga entre 25 de Maio de 1911 e 5 de Outubro de 1911. Teófilo foi um homem ligado à literatura, aos estudos filosóficos e teve uma determinante acção na consolidação do ideário republicado. Era laico e antimonárquico. Ganhava a vida como professor catedrático de Literaturas Modernas. Conhecido por ser uma pessoa simples, andar de eléctrico e usar a roupa até ficar gasta. Foi poeta, estudou o folclore e o teatro português e publicou a «História da Universida-de de Coimbra.»Bernardino Luís Machado Guimarães nasceu no Rio de Janeiro em 28 de Março de 1851, filho de pai português e mãe brasileira. O casal

regressou em 186O a Portugal. Na maioridade Bernardino Machado optou pela nacionalidade portuguesa. Casou em 1882 com Elzira Dantas Machado (tiveram 18 filhos) e nesse mesmo ano filiou-se no Partido Regenerador. A sua mulher foi a mais interveniente esposa de um presidente da 1ª República, pois interessou-se vivamente pela vida cívica. Com outras mulheres, fundou a «Liga Republicana das Mulheres Portuguesas» e «A Cruzada das Mulheres Portugue-sas» que prestavam apoio social aos militares do Corpo Expedicio-nário que participou na Grande Guerra. Bernardino Machado era como se diz hoje, «um homem de consensos», tinha sido ministro das Obras Públicas, Comércio e Indústria (licenciado em Matemáti-ca e Filosofia), em 1893 e teve acção positiva no ensino profissional. Em 19O3 aderiu ao Partido Republicano. Eleito Presidente da Repú-blica em 6 de Agosto de 1915 com o estalar da Grande Guerra apoiou a participação do nosso país nesse conflito. A Alemanha declarou guerra a Portugal em 9 de Março de 1916. Como era de prever, o seu mandato foi de enorme agitação social devido à falta de bens essenciais e de carvão, entre outros. Bernardino Machado teve de ir a Londres para negociações com o nosso aliado e nessa sua ausência com um golpe de Estado, Sidónio Pais afasta-o do cargo, em 8 de Dezembro de 1917. Bernardino Machado parte para o seu primeiro exílio com a família.Sidónio Bernardino Cardoso da Silva Pais faz-se eleger Presidente

da República por sufrágio universal. Tomou posse como o 4º Presi-dente da jovem república portuguesa em 9 de Maio de 1918. Será o primeiro presidente militar, embora tivesse o curso de Medicina. Foi um presidente amado e odiado. Nasceu em Coimbra em 1 de Maio de 1918. Suspendeu jornais e iniciou um governo semi-ditatorial. No entanto conseguia ser extremamente popular. Sempre impecavel-mente fardado, viajou pelo país e o hino nacional era tocado sempre que aparecia. Restabeleceu as relações diplomáticas com a Santa Sé e tratou de homenagear, de forma patriótica, os militares mortos na Grande Guerra. Fomentava o culto da personalidade e parecia ter um longo mandato, até ser interrompido no dia 14 de Dezembro de 1918, quando foi baleado na estação do Rossio enquanto se preparava para viajar até ao Porto. O Parlamento português, de acordo com a Constituição de 1911 nomeou como novo Presidente da República o contra-almirante Canto e Castro.João do Canto e Castro Silva Antunes, nascido em 19 de Maio de 1862 tinha uma prestigiada vida na Marinha. Este encontra o país em polvorosa, com os monárquicos a declararem a «Monarquia do Norte». Apesar de monárquico esteve do lado da república. Esco-lheu o General Tamagnini Barbosa para chefiar o governo, mas em Janeiro de 1919 convidou para essa função José Relvas, o mesmo que proclamara a República no dia 5 de Outubro, da janela da Câmara Municipal de Lisboa. Portugal recebeu a visita do Presiden-

te do Brasil, Epitácio Pessoa e quem faz o discurso de boas-vindas foi aquele que seria o próximo Presidente da República – António José de Almeida. Canto e Castro acabou o seu mandato em 5 de Outubro de 1919. Esteve apenas 1O meses no cargo. Faleceu em 14 de Março de 1934.António José de Almeida foi o único presidente da 1ª República a cumprir os quatro anos de mandato e com ele Portugal voltou a ter um civil nos destinos do país, Tomou posse em 6 de Agosto de 1919. Nasceu em Vale da Vinha (Penacova) em 17 de Julho de 1866. Formou-se em Medicina em Coimbra e cedo se interessou pela política activa. Exerceu medicina em Angola e São Tomé e foi ministro das Colónias. Formou o Partido Evolucionista que, da fusão com a União Republicana originou o Partido Liberal. Era um grande orador e criou o jornal «República» do qual foi director. Como presi-dente, era mais interveniente, a sua acção em prol do ensino e educação foram importantes, mas historiadores não têm uma opinião convergente sobre ele. Para o Prof. José Mattoso foi um «demagogo» e para Magalhães Lima «O Nuno Álvares da Repúbli-ca». Enfrentou revoltas e greves. O nosso país teve a honra de receber visitas como as dos reis da Bélgica e do príncipe do Mónaco. Durante a sua vigência no cargo os restos mortais dos militares falecidos na Grande Guerra foram trasladados para a capela do «Soldado Desconhecido» no Mosteiro da Batalha, sempre com uma

BIOGRAFIAS

SETE PRESIDENTESOITO MANDATOS

vela acesa em sinal de respeito perene pelas suas vidas ao serviço da pátria. António José de Almeida foi ao Brasil nas comemorações do Centenário da Independência, em 1922. Foi uma viagem triunfal. Terminou o mandato em 1923. Na época a Constituição de 1911) não permitia um segundo mandato. Faleceu em 31 de Outubro de 1929.O 7º Presidente da 1ª República Manuel Teixeira Gomes, nascido em 27 de Maio de 186O, foi uma personalidade curiosa que hoje os jornalistas diriam que não «tinha perfil para o cargo», pois era dado à leitura, escrita e artes, embora tivesse sido ministro dos Negócios Estrangeiros, em Londres, entre 1911 e 1918 (Sidónio demitiu-o), e depois entre 1919 e 1923. Manuel Teixeira Gomes foi eleito Presiden-te da República em 6 de Agosto de 1923. Nasceu rico, filho de um empresário exportador de produtos do Algarve. Como filho único que era, em Coimbra e no Porto fez uma vida de boémio que o pai não contrariou. Viajou pela Europa e começou cedo a colaborar em jornais como «O Primeiro de Janeiro» e «A Luta.» Aos 23 anos sente-se um «social-democrata». Aos 39 anos decidiu ir viver com uma muito jovem algarvia de quem teve duas filhas. Tentou recon-ciliar Partidos o que não conseguiu. Na residência do Palácio de Belém, nas longas noites, o presidente Teixeira Gomes conversava e jogava às cartas com o seu secretário para amenizar a função que não o entusiasmou. Não se sentindo talhado para o cargo, renun-ciou em 11 de Dezembro de 1925.

1ª REPÚBLICA

Aos 65 anos partiu para a Argélia – Bougie (hoje Béjaïa) - e ali passou os últimos anos de vida. Deixou contos, romances, livros de viagens e a peça de teatro «Sabina Feire.» Morreu sozinho em 1941, e em 195O, através do empenho das filhas, regressa ao solo pátrio.As eleições de Novembro de 1925 dão a maioria absoluta aos democratas e o Congresso escolhe Bernardino Machado para Presidente. Talvez o mais bem preparado homem para o cargo de presidente da República, pouco tempo teve apenas seis meses para mostrar o seu valor. Era um democrata e tinha sido ministro do rei D. Carlos, mas o ideário da república passou a ser a sua missão. Os tempos eram ainda de grande agitação. De regresso do exílio Bernardino Machado enfrenta graves problemas financeiros e revoltas a Norte e a Sul. Em 28 de Maio de 1926, em Braga o general Gomes da Costa revolta-se e em Lisboa, uma junta revolucionária chefiada por Mendes Cabeçadas propiciam que Bernardino Macha-do, sem outra solução, lhe tenha entregado o poder. Escreveu: «Quando transmiti os poderes presidenciais, fi-lo a um chefe de governo, de coração republicano, que eu sabia bem que se propu-nha restaurar o mais breve possível a ordem constitucional. Aos seus sucessores eu não os transmitiria.» A república estava em perigo. Em apenas 16 anos a 1ª República foi substituída por uma ditadura militar (1926-1928) e depois uma ditadura nacional até ao 25 de Abril de 1974.

A escassos dias da eleição presidencial, que ocorre no próximo dia 24, as nonas desde o 25 de Abril de 1974, recordamos os oito presidentes da 1ª República, vigente entre 5 de Outubro de 191O e 28 de Maio de 1926.

Texto: Luisa Paiva Boleo

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Manuel José de Arriaga Brum da Silveira nasceu na cidade da Horta em 184O, formou-se em Direito foi advogado e quando assu-miu o cargo tinha já 7O anos, casado e com seis filhos tomou posse como 1ª Presidente da República Portuguesa em Agosto de 1911. Pagava renda de casa e não tinha qualquer subsídio para os trans-portes e sem direito a um secretário, valeu-lhe o filho mais velho. Não cumpriu o mandato por raão de um golpe político do General Pimenta de Castro. Foi também poeta e escritor. Faleceu em 1917 e está no Panteão desde 1 de Agosto de 2OO4.Joaquim Teófilo Fernandes Braga, nasceu em Ponta Delgada em 24 de Fevereiro de 1843. Militante do Partido Republicano, exercera interinamente o cargo de Presidente da República por escassos meses. Foi de novo chamado a terminar o mandato de Manuel de Arriaga entre 25 de Maio de 1911 e 5 de Outubro de 1911. Teófilo foi um homem ligado à literatura, aos estudos filosóficos e teve uma determinante acção na consolidação do ideário republicado. Era laico e antimonárquico. Ganhava a vida como professor catedrático de Literaturas Modernas. Conhecido por ser uma pessoa simples, andar de eléctrico e usar a roupa até ficar gasta. Foi poeta, estudou o folclore e o teatro português e publicou a «História da Universida-de de Coimbra.»Bernardino Luís Machado Guimarães nasceu no Rio de Janeiro em 28 de Março de 1851, filho de pai português e mãe brasileira. O casal

regressou em 186O a Portugal. Na maioridade Bernardino Machado optou pela nacionalidade portuguesa. Casou em 1882 com Elzira Dantas Machado (tiveram 18 filhos) e nesse mesmo ano filiou-se no Partido Regenerador. A sua mulher foi a mais interveniente esposa de um presidente da 1ª República, pois interessou-se vivamente pela vida cívica. Com outras mulheres, fundou a «Liga Republicana das Mulheres Portuguesas» e «A Cruzada das Mulheres Portugue-sas» que prestavam apoio social aos militares do Corpo Expedicio-nário que participou na Grande Guerra. Bernardino Machado era como se diz hoje, «um homem de consensos», tinha sido ministro das Obras Públicas, Comércio e Indústria (licenciado em Matemáti-ca e Filosofia), em 1893 e teve acção positiva no ensino profissional. Em 19O3 aderiu ao Partido Republicano. Eleito Presidente da Repú-blica em 6 de Agosto de 1915 com o estalar da Grande Guerra apoiou a participação do nosso país nesse conflito. A Alemanha declarou guerra a Portugal em 9 de Março de 1916. Como era de prever, o seu mandato foi de enorme agitação social devido à falta de bens essenciais e de carvão, entre outros. Bernardino Machado teve de ir a Londres para negociações com o nosso aliado e nessa sua ausência com um golpe de Estado, Sidónio Pais afasta-o do cargo, em 8 de Dezembro de 1917. Bernardino Machado parte para o seu primeiro exílio com a família.Sidónio Bernardino Cardoso da Silva Pais faz-se eleger Presidente

da República por sufrágio universal. Tomou posse como o 4º Presi-dente da jovem república portuguesa em 9 de Maio de 1918. Será o primeiro presidente militar, embora tivesse o curso de Medicina. Foi um presidente amado e odiado. Nasceu em Coimbra em 1 de Maio de 1918. Suspendeu jornais e iniciou um governo semi-ditatorial. No entanto conseguia ser extremamente popular. Sempre impecavel-mente fardado, viajou pelo país e o hino nacional era tocado sempre que aparecia. Restabeleceu as relações diplomáticas com a Santa Sé e tratou de homenagear, de forma patriótica, os militares mortos na Grande Guerra. Fomentava o culto da personalidade e parecia ter um longo mandato, até ser interrompido no dia 14 de Dezembro de 1918, quando foi baleado na estação do Rossio enquanto se preparava para viajar até ao Porto. O Parlamento português, de acordo com a Constituição de 1911 nomeou como novo Presidente da República o contra-almirante Canto e Castro.João do Canto e Castro Silva Antunes, nascido em 19 de Maio de 1862 tinha uma prestigiada vida na Marinha. Este encontra o país em polvorosa, com os monárquicos a declararem a «Monarquia do Norte». Apesar de monárquico esteve do lado da república. Esco-lheu o General Tamagnini Barbosa para chefiar o governo, mas em Janeiro de 1919 convidou para essa função José Relvas, o mesmo que proclamara a República no dia 5 de Outubro, da janela da Câmara Municipal de Lisboa. Portugal recebeu a visita do Presiden-

te do Brasil, Epitácio Pessoa e quem faz o discurso de boas-vindas foi aquele que seria o próximo Presidente da República – António José de Almeida. Canto e Castro acabou o seu mandato em 5 de Outubro de 1919. Esteve apenas 1O meses no cargo. Faleceu em 14 de Março de 1934.António José de Almeida foi o único presidente da 1ª República a cumprir os quatro anos de mandato e com ele Portugal voltou a ter um civil nos destinos do país, Tomou posse em 6 de Agosto de 1919. Nasceu em Vale da Vinha (Penacova) em 17 de Julho de 1866. Formou-se em Medicina em Coimbra e cedo se interessou pela política activa. Exerceu medicina em Angola e São Tomé e foi ministro das Colónias. Formou o Partido Evolucionista que, da fusão com a União Republicana originou o Partido Liberal. Era um grande orador e criou o jornal «República» do qual foi director. Como presi-dente, era mais interveniente, a sua acção em prol do ensino e educação foram importantes, mas historiadores não têm uma opinião convergente sobre ele. Para o Prof. José Mattoso foi um «demagogo» e para Magalhães Lima «O Nuno Álvares da Repúbli-ca». Enfrentou revoltas e greves. O nosso país teve a honra de receber visitas como as dos reis da Bélgica e do príncipe do Mónaco. Durante a sua vigência no cargo os restos mortais dos militares falecidos na Grande Guerra foram trasladados para a capela do «Soldado Desconhecido» no Mosteiro da Batalha, sempre com uma

vela acesa em sinal de respeito perene pelas suas vidas ao serviço da pátria. António José de Almeida foi ao Brasil nas comemorações do Centenário da Independência, em 1922. Foi uma viagem triunfal. Terminou o mandato em 1923. Na época a Constituição de 1911) não permitia um segundo mandato. Faleceu em 31 de Outubro de 1929.O 7º Presidente da 1ª República Manuel Teixeira Gomes, nascido em 27 de Maio de 186O, foi uma personalidade curiosa que hoje os jornalistas diriam que não «tinha perfil para o cargo», pois era dado à leitura, escrita e artes, embora tivesse sido ministro dos Negócios Estrangeiros, em Londres, entre 1911 e 1918 (Sidónio demitiu-o), e depois entre 1919 e 1923. Manuel Teixeira Gomes foi eleito Presiden-te da República em 6 de Agosto de 1923. Nasceu rico, filho de um empresário exportador de produtos do Algarve. Como filho único que era, em Coimbra e no Porto fez uma vida de boémio que o pai não contrariou. Viajou pela Europa e começou cedo a colaborar em jornais como «O Primeiro de Janeiro» e «A Luta.» Aos 23 anos sente-se um «social-democrata». Aos 39 anos decidiu ir viver com uma muito jovem algarvia de quem teve duas filhas. Tentou recon-ciliar Partidos o que não conseguiu. Na residência do Palácio de Belém, nas longas noites, o presidente Teixeira Gomes conversava e jogava às cartas com o seu secretário para amenizar a função que não o entusiasmou. Não se sentindo talhado para o cargo, renun-ciou em 11 de Dezembro de 1925.

Aos 65 anos partiu para a Argélia – Bougie (hoje Béjaïa) - e ali passou os últimos anos de vida. Deixou contos, romances, livros de viagens e a peça de teatro «Sabina Feire.» Morreu sozinho em 1941, e em 195O, através do empenho das filhas, regressa ao solo pátrio.As eleições de Novembro de 1925 dão a maioria absoluta aos democratas e o Congresso escolhe Bernardino Machado para Presidente. Talvez o mais bem preparado homem para o cargo de presidente da República, pouco tempo teve apenas seis meses para mostrar o seu valor. Era um democrata e tinha sido ministro do rei D. Carlos, mas o ideário da república passou a ser a sua missão. Os tempos eram ainda de grande agitação. De regresso do exílio Bernardino Machado enfrenta graves problemas financeiros e revoltas a Norte e a Sul. Em 28 de Maio de 1926, em Braga o general Gomes da Costa revolta-se e em Lisboa, uma junta revolucionária chefiada por Mendes Cabeçadas propiciam que Bernardino Macha-do, sem outra solução, lhe tenha entregado o poder. Escreveu: «Quando transmiti os poderes presidenciais, fi-lo a um chefe de governo, de coração republicano, que eu sabia bem que se propu-nha restaurar o mais breve possível a ordem constitucional. Aos seus sucessores eu não os transmitiria.» A república estava em perigo. Em apenas 16 anos a 1ª República foi substituída por uma ditadura militar (1926-1928) e depois uma ditadura nacional até ao 25 de Abril de 1974.

Teófilo Braga

Canto e Castro

Sidónio Pais

Bernardino Machado

Manuel de Arriaga António José de AlmeidaManuel Teixeira Gomes

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Manuel José de Arriaga Brum da Silveira nasceu na cidade da Horta em 184O, formou-se em Direito foi advogado e quando assu-miu o cargo tinha já 7O anos, casado e com seis filhos tomou posse como 1ª Presidente da República Portuguesa em Agosto de 1911. Pagava renda de casa e não tinha qualquer subsídio para os trans-portes e sem direito a um secretário, valeu-lhe o filho mais velho. Não cumpriu o mandato por raão de um golpe político do General Pimenta de Castro. Foi também poeta e escritor. Faleceu em 1917 e está no Panteão desde 1 de Agosto de 2OO4.Joaquim Teófilo Fernandes Braga, nasceu em Ponta Delgada em 24 de Fevereiro de 1843. Militante do Partido Republicano, exercera interinamente o cargo de Presidente da República por escassos meses. Foi de novo chamado a terminar o mandato de Manuel de Arriaga entre 25 de Maio de 1911 e 5 de Outubro de 1911. Teófilo foi um homem ligado à literatura, aos estudos filosóficos e teve uma determinante acção na consolidação do ideário republicado. Era laico e antimonárquico. Ganhava a vida como professor catedrático de Literaturas Modernas. Conhecido por ser uma pessoa simples, andar de eléctrico e usar a roupa até ficar gasta. Foi poeta, estudou o folclore e o teatro português e publicou a «História da Universida-de de Coimbra.»Bernardino Luís Machado Guimarães nasceu no Rio de Janeiro em 28 de Março de 1851, filho de pai português e mãe brasileira. O casal

regressou em 186O a Portugal. Na maioridade Bernardino Machado optou pela nacionalidade portuguesa. Casou em 1882 com Elzira Dantas Machado (tiveram 18 filhos) e nesse mesmo ano filiou-se no Partido Regenerador. A sua mulher foi a mais interveniente esposa de um presidente da 1ª República, pois interessou-se vivamente pela vida cívica. Com outras mulheres, fundou a «Liga Republicana das Mulheres Portuguesas» e «A Cruzada das Mulheres Portugue-sas» que prestavam apoio social aos militares do Corpo Expedicio-nário que participou na Grande Guerra. Bernardino Machado era como se diz hoje, «um homem de consensos», tinha sido ministro das Obras Públicas, Comércio e Indústria (licenciado em Matemáti-ca e Filosofia), em 1893 e teve acção positiva no ensino profissional. Em 19O3 aderiu ao Partido Republicano. Eleito Presidente da Repú-blica em 6 de Agosto de 1915 com o estalar da Grande Guerra apoiou a participação do nosso país nesse conflito. A Alemanha declarou guerra a Portugal em 9 de Março de 1916. Como era de prever, o seu mandato foi de enorme agitação social devido à falta de bens essenciais e de carvão, entre outros. Bernardino Machado teve de ir a Londres para negociações com o nosso aliado e nessa sua ausência com um golpe de Estado, Sidónio Pais afasta-o do cargo, em 8 de Dezembro de 1917. Bernardino Machado parte para o seu primeiro exílio com a família.Sidónio Bernardino Cardoso da Silva Pais faz-se eleger Presidente

da República por sufrágio universal. Tomou posse como o 4º Presi-dente da jovem república portuguesa em 9 de Maio de 1918. Será o primeiro presidente militar, embora tivesse o curso de Medicina. Foi um presidente amado e odiado. Nasceu em Coimbra em 1 de Maio de 1918. Suspendeu jornais e iniciou um governo semi-ditatorial. No entanto conseguia ser extremamente popular. Sempre impecavel-mente fardado, viajou pelo país e o hino nacional era tocado sempre que aparecia. Restabeleceu as relações diplomáticas com a Santa Sé e tratou de homenagear, de forma patriótica, os militares mortos na Grande Guerra. Fomentava o culto da personalidade e parecia ter um longo mandato, até ser interrompido no dia 14 de Dezembro de 1918, quando foi baleado na estação do Rossio enquanto se preparava para viajar até ao Porto. O Parlamento português, de acordo com a Constituição de 1911 nomeou como novo Presidente da República o contra-almirante Canto e Castro.João do Canto e Castro Silva Antunes, nascido em 19 de Maio de 1862 tinha uma prestigiada vida na Marinha. Este encontra o país em polvorosa, com os monárquicos a declararem a «Monarquia do Norte». Apesar de monárquico esteve do lado da república. Esco-lheu o General Tamagnini Barbosa para chefiar o governo, mas em Janeiro de 1919 convidou para essa função José Relvas, o mesmo que proclamara a República no dia 5 de Outubro, da janela da Câmara Municipal de Lisboa. Portugal recebeu a visita do Presiden-

te do Brasil, Epitácio Pessoa e quem faz o discurso de boas-vindas foi aquele que seria o próximo Presidente da República – António José de Almeida. Canto e Castro acabou o seu mandato em 5 de Outubro de 1919. Esteve apenas 1O meses no cargo. Faleceu em 14 de Março de 1934.António José de Almeida foi o único presidente da 1ª República a cumprir os quatro anos de mandato e com ele Portugal voltou a ter um civil nos destinos do país, Tomou posse em 6 de Agosto de 1919. Nasceu em Vale da Vinha (Penacova) em 17 de Julho de 1866. Formou-se em Medicina em Coimbra e cedo se interessou pela política activa. Exerceu medicina em Angola e São Tomé e foi ministro das Colónias. Formou o Partido Evolucionista que, da fusão com a União Republicana originou o Partido Liberal. Era um grande orador e criou o jornal «República» do qual foi director. Como presi-dente, era mais interveniente, a sua acção em prol do ensino e educação foram importantes, mas historiadores não têm uma opinião convergente sobre ele. Para o Prof. José Mattoso foi um «demagogo» e para Magalhães Lima «O Nuno Álvares da Repúbli-ca». Enfrentou revoltas e greves. O nosso país teve a honra de receber visitas como as dos reis da Bélgica e do príncipe do Mónaco. Durante a sua vigência no cargo os restos mortais dos militares falecidos na Grande Guerra foram trasladados para a capela do «Soldado Desconhecido» no Mosteiro da Batalha, sempre com uma

vela acesa em sinal de respeito perene pelas suas vidas ao serviço da pátria. António José de Almeida foi ao Brasil nas comemorações do Centenário da Independência, em 1922. Foi uma viagem triunfal. Terminou o mandato em 1923. Na época a Constituição de 1911) não permitia um segundo mandato. Faleceu em 31 de Outubro de 1929.O 7º Presidente da 1ª República Manuel Teixeira Gomes, nascido em 27 de Maio de 186O, foi uma personalidade curiosa que hoje os jornalistas diriam que não «tinha perfil para o cargo», pois era dado à leitura, escrita e artes, embora tivesse sido ministro dos Negócios Estrangeiros, em Londres, entre 1911 e 1918 (Sidónio demitiu-o), e depois entre 1919 e 1923. Manuel Teixeira Gomes foi eleito Presiden-te da República em 6 de Agosto de 1923. Nasceu rico, filho de um empresário exportador de produtos do Algarve. Como filho único que era, em Coimbra e no Porto fez uma vida de boémio que o pai não contrariou. Viajou pela Europa e começou cedo a colaborar em jornais como «O Primeiro de Janeiro» e «A Luta.» Aos 23 anos sente-se um «social-democrata». Aos 39 anos decidiu ir viver com uma muito jovem algarvia de quem teve duas filhas. Tentou recon-ciliar Partidos o que não conseguiu. Na residência do Palácio de Belém, nas longas noites, o presidente Teixeira Gomes conversava e jogava às cartas com o seu secretário para amenizar a função que não o entusiasmou. Não se sentindo talhado para o cargo, renun-ciou em 11 de Dezembro de 1925.

Aos 65 anos partiu para a Argélia – Bougie (hoje Béjaïa) - e ali passou os últimos anos de vida. Deixou contos, romances, livros de viagens e a peça de teatro «Sabina Feire.» Morreu sozinho em 1941, e em 195O, através do empenho das filhas, regressa ao solo pátrio.As eleições de Novembro de 1925 dão a maioria absoluta aos democratas e o Congresso escolhe Bernardino Machado para Presidente. Talvez o mais bem preparado homem para o cargo de presidente da República, pouco tempo teve apenas seis meses para mostrar o seu valor. Era um democrata e tinha sido ministro do rei D. Carlos, mas o ideário da república passou a ser a sua missão. Os tempos eram ainda de grande agitação. De regresso do exílio Bernardino Machado enfrenta graves problemas financeiros e revoltas a Norte e a Sul. Em 28 de Maio de 1926, em Braga o general Gomes da Costa revolta-se e em Lisboa, uma junta revolucionária chefiada por Mendes Cabeçadas propiciam que Bernardino Macha-do, sem outra solução, lhe tenha entregado o poder. Escreveu: «Quando transmiti os poderes presidenciais, fi-lo a um chefe de governo, de coração republicano, que eu sabia bem que se propu-nha restaurar o mais breve possível a ordem constitucional. Aos seus sucessores eu não os transmitiria.» A república estava em perigo. Em apenas 16 anos a 1ª República foi substituída por uma ditadura militar (1926-1928) e depois uma ditadura nacional até ao 25 de Abril de 1974.

A República - Litografia colorida, atribuída a Cândido da Silva

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Museu da Presidência da República, um lugar que nos sugere novas leituras e abordagens à história da instituição presidencial.

Conhece todos os símbolos nacionais? Sabe que quando a bandeira verde está içada no Palácio de Belém, o Presidente encontra-se presente? E que as ofertas dos representantes estrangeiros, desig-nados de “Presentes de Estado”, são símbolos de paz? Estas e muitas outras curiosidades reúnem-se num lugar de conhecimen-to, divulgação e investigação sobre a história do nosso passado recente: o Museu da Presidência da República.Instalado no Palácio de Belém, residência oficial do Presidente da República, este espaço museológico agrega o espólio de ex-chefes de Estado, doado ou emprestado pelos próprios ou suas famílias, desde 191O aos nossos dias.Ao entrar, podemos ver em exposição o relógio de bolso do tenente Mendes Cabeçadas que a bordo do cruzeiro “Adamastor”, marcou o primeiro minuto da República.A Galeria dos Retratos Oficiais apresenta todos os presidentes, com excepção daquele que ainda se encontrar em funções. No final do mandato, este escolhe o pintor da sua preferência que melhor transmita a sua imagem e personalidade enquanto ao serviço do país. Columbano Bordalo Pinheiro, Júlio Pomar ou Paula Rego, foram alguns dos nomes escolhidos pelos anteriores presidentes.A ideia surgiu de uma omissão na Lei, identificada por o então presidente General Ramalho Eanes, quanto ao destino a dar aos

Presentes de Estado recebidos. Tendo como missão o estabeleci-mento de uma relação interactiva entre o cidadão visitante e o espaço que representa a instituição Presidência, o Museu foi inaugurado pelo Presidente Dr. Jorge Sampaio em 2OO4. Questio-nado então sobre a presença dos Presidentes do Estado Novo na exposição, este assume a importância de recordar toda a cronolo-gia histórica nacional.Este espaço, que aposta na interactividade, é um instrumento de educação e cidadania permitindo inclusive, o acesso ao seu arquivo documental. O serviço educativo do museu funciona como ferra-menta essencial de apoio à exploração da história presidencial trabalhando para visitantes de todas as idades. O projecto “Museu em movimento… a caminho da Cidadania” leva o museu às escolas propondo-se, desta forma, chegar a um maior número de crianças.Deste núcleo museológico fazem parte o Palácio de Belém e o Palácio da Cidadela de Cascais, também visitáveis. Várias exposi-ções temáticas decorrem pelo país, como a que está patente na Alfândega do Porto, “Motor da República - Os Carros dos Presiden-tes”, uma mostra de veículos presidenciais.

RENDER DA GUARDA

No 3.º Domingo de cada mês, às 11,OO horas da manhã, realiza-se a cerimónia do render solene da Guarda Nacional Republicana, na frontaria do Palácio de Belém.

Texto: Sónia Ferreira e Susana InácioFotografia: Imagens de Luz

OUTRAS FORMAS DE OLHAR A REPÚBLICA

FP - QUEM É O AMÉRICO BRÁS CARLOS?

ABC - Natural de Azambuja. Quase 64 anos, obcecado pela independência e pela justiça, cada vez com menos palavras e mais reflexão. Fez o curso industrial de electricista e a partir daí foi, durante 11 anos, sempre a trabalhar e a estudar à noite. Foi técnico de instrumentação industrial, quase engenheiro eletrotécnico, aos 21 anos comandou várias dezenas doutros jovens portugueses e angolanos nas matas de Angola junto à fronteira com o Zaire. Juris-ta, fiscalista, consultor do FMI e do Tesouro dos Estados Unidos, docente da Faculdade de Direito de Lisboa e do ISCTE. Tem-se em boa conta e não se importa de falar do que fez e faz, mas acha uma perda de tempo dizer o que pensa que é (os outros, que não sabem nada de mim, que opinem).

LB - NO SEU CASO O GOSTO PELA POESIA VEIO NO LEITE MATER-NO OU SÓ DESPERTOU NA IDADE DAS PRIMEIRAS PAIXÕES?

ABC: O gosto e o contacto sério com a poesia começou apenas por

volta dos 2O anos; e não teve a ver com as primeiras paixões que, por sinal, começaram muito mais cedo. Até lá, eu quase só lia prosa e escrevia contos. Aliás o meu primeiro prémio literário é uma menção honrosa na modalidade “conto”. Só mais tarde percebi o que era a grande poesia.

LB - QUAIS OS AUTORES QUE O INSPIRARAM? CLÁSSICOS? ACTU-AIS?

ABC: Considerando que fui e sou um leitor assíduo de poesia portu-guesa, hão de confluir em mim várias influências. Nesta matéria devo levar também em conta o que outros, que muitos considero, notaram. Por exemplo, o António Manuel Pires Cabral disse que no “Adágio, Romanza e Grave” pareceu-lhe andar por ali a influência de Cesário Verde; o mesmo notou José Jorge Letria e acrescentou Drummond de Andrade. Alguma verdade tem de haver nisso e acho que há. Mas no que escrevo andará também, penso eu, a sombra de Pessoa e Alberto Caeiro, Ruy Belo, de T.S. Eliot, de Jorge Luís Borges, de António Ramos Rosa e certamente de outros que agora não recordo.

LB- A QUEM DEDICOU OS PRIMEIROS VERSOS?

ABC: A ninguém em particular. Recordo bem que os meus primei-ros poemas foram determinados pela guerra colonial. E eram essencialmente de incompreensão e raiva por já me ver (como acontecia aos outros jovens da minha geração) a ser arrancado durante três anos à família, aos amigos e amigas, aos projectos profissionais, escolares e de vida, para ser despejado numa guerra incompreensível a milhares de quilómetros. Nunca publiquei esses poemas e ainda bem. Teriam algum força panfletária, mas eram maus.

LB - QUANDO PESQUISAMOS O SEU NOME NO «GOOGLE» SURGEM OS SEUS «MAIORES SUCESSOS» COMO «IMPOSTOS – TEORIA GERAL» OU «GUIA DOS IMPOSTOS EM PORTUGAL». A ÁREA FISCAL TEM ENCANTOS DESCONHECIDOS?

ABC: Eu ainda reconheço encantos na fiscalidade. A ideia de reparti-ção de sacrifícios patrimoniais individuais para financiamento de bens (e do bem) comuns, assente unicamente em critérios de justiça, é uma ideia cheia de significado e faz com que os meus livros e outros textos que vou publicando nesta área sejam escritos com prazer, que aliás, também resulta da intransigente liberdade e completa independência (não procuro agradar a quaisquer pessoas ou interesses, nem admito que o rigor vá só até ao ponto em que toca os interesses do próprio) com que os escrevo.

LB - FEZ O CURSO DE DIREITO, E PREPARA DOUTORAMENTO. A DOCÊNCIA É TÃO DESAFIANTE COMO A ESCRITA LITERÁRIA?

ABC: Sabe, eu tenho uma carreira docente universitária de 3O anos, a que junto a de formador da Administração Tributária, e sempre gostei de leccionar. Os alunos também gostavam das minhas aulas, a avaliar pelo que escreviam nos respectivos inquéritos de avalia-ção. Hoje só raramente dou aulas e não lhes sinto a falta. Com o chamado processo de Bolonha, os meus alunos que eram dos 4º e 5º anos das licenciaturas passaram a ser do 2º ano com muito menor maturidade e conhecimentos gerais e isso, junto ao que me parece ser uma cada vez menor exigência, também ajudou a algum desencanto.

LB - É UM HOMEM VIAJADO. GOSTAVA DE VIVER NOUTRO PAÍS? ONDE E PORQUÊ?

ABC: De facto, considero-me uma pessoa viajada mas não posso dizer que gostava de viver noutro país. Até por conhecer muitos outros países, sei que as irritações e desânimos que temos perante factos que por aqui ocorrem, também os teríamos no estrangeiro. E aqui sempre há alguma segurança, convivialidade, boa comida a

preço razoável e bom clima.

LB - É SABIDO QUE HÁ GRANDES ESCRITORES E POETAS QUE EXERCERAM PROFISSÕES MUITO POUCO INSPIRADORAS, COMO O CASO DE FERNANDO PESSOA QUE ERA CONTABILISTA. COMO DIVIDE ESSAS DUAS FACETAS EM SI?

ABC: Sobre o nosso Pessoa, importa dizer que, ao contrário do que muitas vezes se quer fazer crer, ele não foi contabilista ou guarda--livros (como então se dizia) apenas como modo de ganhar a vida. Ele foi um estudioso da contabilidade e da gestão das empresas, como se pode ver nos vários artigos que publicou, designadamente, na revista Comércio e Contabilidade que criou com o seu cunhado.Quanto às minhas facetas literária e de jurista, convivem bem. O jurista beneficia da mão treinada do escritor e ao escritor também dá jeito apanhar de vez em quando um banho de realidade.

LB - É UM AUTOR DISCIPLINADO? HORAS CERTAS PARA ESCRE-VER, PELA NOITE DENTRO OU LOGO PELA ALVORADA?

ABC: Não é propositado, mas é muito pela noite fora. Durante o dia, ainda tenho alguns compromissos não literários por cumprir.

LB - NOS ÚLTIMOS TRÊS ANOS PUBLICOU TRÊS LIVROS DE POESIA COM ASSINALÁVEL ÊXITO- «ADÁGIO, ROMANZA E GRAVE»; AS FLORES BRANCAS DO FRANGIPANI» E EM OUTUBRO PASSADO «PAIS E FILHOS, AVÓS E NETOS, EM VERSOS DISCRE-TOS». JÁ TEM OUTRO OU OUTROS NA FORJA?

ABC: Sim, tenho relativamente avançado um livro de poemas, mas que vai ficar uns bons meses “a amadurecer” e um livro de contos para crianças cujo trabalho já começou.

LB - QUE OUTRAS ARTES O FASCINAM?

A pintura certamente, mas não são muitos os pintores e os traba-lhos que me tocam como me tocam os grandes livros. Estão neste grupo reduzido “As Meninas” de Velásquez e sobretudo a sua “Ren-dição de Breda” também conhecido pela “tela das lanças” (há neste quadro uma verticalidade e uma nobreza quer de vencedores quer de vencidos que sempre me comovem); também quase tudo de William Turner (quem gosta, não pode perder a Tatte Gallery antiga); e os quadros da planície de Crau, de Van Gogh; e do nosso Amadeu de Sousa Cardoso (o quadro “Avant la corrida” é soberbo!). Além disso, gosto muita da gravura para além de valorizar a sua técnica muito particular. E Portugal teve e tem grandes artistas na gravura: Bartolomeu Cid dos Santos, David de Almeida, Rogério Ribeiro, Pomar, Botelho, Nikias….Na música emociono-me com peças muito diversas: desde o “Con-certo Bacarisse” e o “Concerto de Aranjuez” de Joaquin Rodrigo e o “Adágio” de Albinoni, até ao “Time after Time” do Milles Davis, passando pelo “A whiter shade of pale” dos Procol Harum e pelos belos discos do Zeca Afonso e do Fausto. Como vê, nada preso a um único estilo ou época.

LB - A PERGUNTA DO COSTUME. SE SÓ PUDESSE LEVAR PARA UMA ILHA (NÃO FATALMENTE DESERTA) UM LIVRO, UMA MÚSICA E UMA TELA QUAIS ESCOLHERIA?

ABC: Trocava a música e a tela por livros e levava: “O que diz Molero” de Dinis Machado, “Ficções” de Jorge Luís Borges e uma colectânea de toda a poesia de Fernando Pessoa e seus heterónimos (talvez dispensasse Álvaro de Campos).

FP - AO LONGO DESTES ANOS DE VIDA, QUANDO É QUE SURGE O POETA: AGORA QUE COMEÇOU A EDITAR, OU HÁ MUITA POESIA NA "GAVETA"?

ABC – Com alguma consistência, o poeta surge na segunda metade da década de 7O. Os prémios literários são um reflexo disso. Nunca deixei de ler e de escrever (não há aliás outra maneira de aprender a escrever bem que não seja lendo os melhores) e na gaveta ainda anda por lá muita coisa, mas não creio que se aproveite muito. Hoje, gosto de muito pouco do que por lá ficou.

FP - NA TUA POESIA, AGORA COM A VIDA ESTABILIZADA, HÁ UM ACERTO DE CONTAS COM AS AGRURAS DO PRINCÍPIO DA VIDA? SÃO AS MEMÓRIAS DE UMA INFÂNCIA FELIZ EM CONTRAPONTO À GUERRA COLONIAL? O QUE FOI PARA TI A GUERRA COLONIAL?

ABC: Não, acerto de contas com a vida, não. Muitas vezes, a vida nem sequer é de boas contas: pensamos que estão saldadas e ela vem pedir-nos mais. Não vale a pena…o melhor mesmo é viver cada dia em paz consigo mesmo.Esta pergunta toca, aliás, uma temática que tem dividido os poetas. É o problema da contaminação ou não da arte pelo passado e pela vivência do poeta. Por exemplo, o grande poeta Carlos Drummond de Andrade era um defensor convicto da “incontaminação”. É claro que a mim também me custa ver poemas centrados e carregados do eu de quem os escreve, numa espécie de exercício de vaidade, ou de psicanálise, ou de auto ajuda tão em voga. O mesmo para referências à sua cidade natal ou à sua região. Por outro lado, porém, acho impossível que alguém no seu processo criativo escape à influência do que foi na infância e adolescência. Eu, já que me perguntas, adoro ir ao “armário azul da minha infância” (este verso é do José Jorge Letria) para reinventar imagens que dela retiro.Quanto à guerra colonial, foi para mim o que foi para muitos jovens: uma experiência marcante que podia ter corrido mal, mas felizmente no meu caso correu sem danos. Eu era um operacional (atirador de cavalaria) e fui mobilizado em rendição individual e metido dentro de um rectângulo de arame farpado, onde já estavam cerca de 100 homens. Nos muitos quilómetros em redor não havia quaisquer povoações. Só mato. Um verdadeiro “cu de Judas”. Porque o grupo de combate tinha sido dizimado numa emboscada que causou mais de duas dezenas de baixas, foi recom-pletado com soldados que vinham castigados de outros pontos de Angola, e ali estava eu para na semana seguinte, os começar a

comandar em operações de 4 dias (e 3 noites, que eram as que custavam mais a passar); às vezes debaixo de trovoadas inclemen-tes outras vezes de um sol abrasador, já sem água e já sem suportar o cheiro das rações de combate. E não digo mais...

FP - A VIDA PROFISSIONAL COMO FISCALISTA, CONSULTOR INTERNACIONAL OU PROFESSOR "ESTRANGULOU" O POETA OU FOI A SECURA DA VIDA PROFISSIONAL QUE FEZ SURGIR O POETA?

Na resposta a essa pergunta há uma evidência factual: a poesia chegou antes dos impostos. Aquela chegou no início da década de 7O (mesmos os prémios chegaram no meio e no final dessa década) e os impostos chegaram só em 1982 (liquidador tributário estagiário em Azambuja).A propósito desta pergunta, lembro-me que uma vez um crítico literário glosou o facto do poeta Ruy Cinatti, que exercia normal-mente a sua profissão de agrónomo, estar ligado ao estudo da produção de cortiça. O dito crítico terá dito qualquer coisa como: nunca saberemos quantos bons poemas não ficaram “enrolhados” devido à actividade profissional do poeta. Mas também não sei se os poetas que se isolam anos a fio, apenas escrevendo, não estão a perder algo de importante que só existe cá fora.

FP - PODE-SE DIZER QUE NA ACTIVIDADE DO COFRE TAMBÉM HÁ POESIA?

ABC – Bem, pelo menos quando se fazem sessões de apresentação de certos livros, é provável que haja (riso). O auditório tem aliás fixada à parede uma figura do Fernando Pessoa. Agora mais a sério, a poesia requer algo que a actividade e a gestão do Cofre, ou de qualquer organização cujo património é de um colectivo, também requerem: rigor e clareza.

LB - NESTA ÚLTIMA REVISTA DO COFRE REFERENTE A 2O15, PODE DEIXAR UMA PALAVRA AOS NOSSOS SÓCIOS E FAMILIARES. UM LEMA PARA A VIDA OU APENAS UMA SAUDAÇÃO?

ABC: Talvez aplicasse à vida e ao que ela deve ter de grandioso e de emocionante, o que o prémio Nobel da literatura, Octávio Paz disse da poesia, quando escreveu: “A poesia ou é um salto mortal ou não é nada”.E, com os votos de Bom Ano Novo, deixava aqui o último poema do meu mais recente livro “Pais e Filhos, Avós e Netos, em versos discretos”:Se eu tivesseapenas uma palavra para te dar,como a quem partindo em viagem,Se dá um conselho, um guião,Dar-te-ia apenas a palavra coragem.E dir-te-ia:- Tem cuidado, mas medo não!

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Museu da Presidência da República, um lugar que nos sugere novas leituras e abordagens à história da instituição presidencial.

Conhece todos os símbolos nacionais? Sabe que quando a bandeira verde está içada no Palácio de Belém, o Presidente encontra-se presente? E que as ofertas dos representantes estrangeiros, desig-nados de “Presentes de Estado”, são símbolos de paz? Estas e muitas outras curiosidades reúnem-se num lugar de conhecimen-to, divulgação e investigação sobre a história do nosso passado recente: o Museu da Presidência da República.Instalado no Palácio de Belém, residência oficial do Presidente da República, este espaço museológico agrega o espólio de ex-chefes de Estado, doado ou emprestado pelos próprios ou suas famílias, desde 191O aos nossos dias.Ao entrar, podemos ver em exposição o relógio de bolso do tenente Mendes Cabeçadas que a bordo do cruzeiro “Adamastor”, marcou o primeiro minuto da República.A Galeria dos Retratos Oficiais apresenta todos os presidentes, com excepção daquele que ainda se encontrar em funções. No final do mandato, este escolhe o pintor da sua preferência que melhor transmita a sua imagem e personalidade enquanto ao serviço do país. Columbano Bordalo Pinheiro, Júlio Pomar ou Paula Rego, foram alguns dos nomes escolhidos pelos anteriores presidentes.A ideia surgiu de uma omissão na Lei, identificada por o então presidente General Ramalho Eanes, quanto ao destino a dar aos

Presentes de Estado recebidos. Tendo como missão o estabeleci-mento de uma relação interactiva entre o cidadão visitante e o espaço que representa a instituição Presidência, o Museu foi inaugurado pelo Presidente Dr. Jorge Sampaio em 2OO4. Questio-nado então sobre a presença dos Presidentes do Estado Novo na exposição, este assume a importância de recordar toda a cronolo-gia histórica nacional.Este espaço, que aposta na interactividade, é um instrumento de educação e cidadania permitindo inclusive, o acesso ao seu arquivo documental. O serviço educativo do museu funciona como ferra-menta essencial de apoio à exploração da história presidencial trabalhando para visitantes de todas as idades. O projecto “Museu em movimento… a caminho da Cidadania” leva o museu às escolas propondo-se, desta forma, chegar a um maior número de crianças.Deste núcleo museológico fazem parte o Palácio de Belém e o Palácio da Cidadela de Cascais, também visitáveis. Várias exposi-ções temáticas decorrem pelo país, como a que está patente na Alfândega do Porto, “Motor da República - Os Carros dos Presiden-tes”, uma mostra de veículos presidenciais.

RENDER DA GUARDA

No 3.º Domingo de cada mês, às 11,OO horas da manhã, realiza-se a cerimónia do render solene da Guarda Nacional Republicana, na frontaria do Palácio de Belém.

Texto: Sónia Ferreira e Susana InácioFotografia: Imagens de Luz

OUTRAS FORMAS DE OLHAR A REPÚBLICA

FP - QUEM É O AMÉRICO BRÁS CARLOS?

ABC - Natural de Azambuja. Quase 64 anos, obcecado pela independência e pela justiça, cada vez com menos palavras e mais reflexão. Fez o curso industrial de electricista e a partir daí foi, durante 11 anos, sempre a trabalhar e a estudar à noite. Foi técnico de instrumentação industrial, quase engenheiro eletrotécnico, aos 21 anos comandou várias dezenas doutros jovens portugueses e angolanos nas matas de Angola junto à fronteira com o Zaire. Juris-ta, fiscalista, consultor do FMI e do Tesouro dos Estados Unidos, docente da Faculdade de Direito de Lisboa e do ISCTE. Tem-se em boa conta e não se importa de falar do que fez e faz, mas acha uma perda de tempo dizer o que pensa que é (os outros, que não sabem nada de mim, que opinem).

LB - NO SEU CASO O GOSTO PELA POESIA VEIO NO LEITE MATER-NO OU SÓ DESPERTOU NA IDADE DAS PRIMEIRAS PAIXÕES?

ABC: O gosto e o contacto sério com a poesia começou apenas por

volta dos 2O anos; e não teve a ver com as primeiras paixões que, por sinal, começaram muito mais cedo. Até lá, eu quase só lia prosa e escrevia contos. Aliás o meu primeiro prémio literário é uma menção honrosa na modalidade “conto”. Só mais tarde percebi o que era a grande poesia.

LB - QUAIS OS AUTORES QUE O INSPIRARAM? CLÁSSICOS? ACTU-AIS?

ABC: Considerando que fui e sou um leitor assíduo de poesia portu-guesa, hão de confluir em mim várias influências. Nesta matéria devo levar também em conta o que outros, que muitos considero, notaram. Por exemplo, o António Manuel Pires Cabral disse que no “Adágio, Romanza e Grave” pareceu-lhe andar por ali a influência de Cesário Verde; o mesmo notou José Jorge Letria e acrescentou Drummond de Andrade. Alguma verdade tem de haver nisso e acho que há. Mas no que escrevo andará também, penso eu, a sombra de Pessoa e Alberto Caeiro, Ruy Belo, de T.S. Eliot, de Jorge Luís Borges, de António Ramos Rosa e certamente de outros que agora não recordo.

LB- A QUEM DEDICOU OS PRIMEIROS VERSOS?

ABC: A ninguém em particular. Recordo bem que os meus primei-ros poemas foram determinados pela guerra colonial. E eram essencialmente de incompreensão e raiva por já me ver (como acontecia aos outros jovens da minha geração) a ser arrancado durante três anos à família, aos amigos e amigas, aos projectos profissionais, escolares e de vida, para ser despejado numa guerra incompreensível a milhares de quilómetros. Nunca publiquei esses poemas e ainda bem. Teriam algum força panfletária, mas eram maus.

LB - QUANDO PESQUISAMOS O SEU NOME NO «GOOGLE» SURGEM OS SEUS «MAIORES SUCESSOS» COMO «IMPOSTOS – TEORIA GERAL» OU «GUIA DOS IMPOSTOS EM PORTUGAL». A ÁREA FISCAL TEM ENCANTOS DESCONHECIDOS?

ABC: Eu ainda reconheço encantos na fiscalidade. A ideia de reparti-ção de sacrifícios patrimoniais individuais para financiamento de bens (e do bem) comuns, assente unicamente em critérios de justiça, é uma ideia cheia de significado e faz com que os meus livros e outros textos que vou publicando nesta área sejam escritos com prazer, que aliás, também resulta da intransigente liberdade e completa independência (não procuro agradar a quaisquer pessoas ou interesses, nem admito que o rigor vá só até ao ponto em que toca os interesses do próprio) com que os escrevo.

LB - FEZ O CURSO DE DIREITO, E PREPARA DOUTORAMENTO. A DOCÊNCIA É TÃO DESAFIANTE COMO A ESCRITA LITERÁRIA?

ABC: Sabe, eu tenho uma carreira docente universitária de 3O anos, a que junto a de formador da Administração Tributária, e sempre gostei de leccionar. Os alunos também gostavam das minhas aulas, a avaliar pelo que escreviam nos respectivos inquéritos de avalia-ção. Hoje só raramente dou aulas e não lhes sinto a falta. Com o chamado processo de Bolonha, os meus alunos que eram dos 4º e 5º anos das licenciaturas passaram a ser do 2º ano com muito menor maturidade e conhecimentos gerais e isso, junto ao que me parece ser uma cada vez menor exigência, também ajudou a algum desencanto.

LB - É UM HOMEM VIAJADO. GOSTAVA DE VIVER NOUTRO PAÍS? ONDE E PORQUÊ?

ABC: De facto, considero-me uma pessoa viajada mas não posso dizer que gostava de viver noutro país. Até por conhecer muitos outros países, sei que as irritações e desânimos que temos perante factos que por aqui ocorrem, também os teríamos no estrangeiro. E aqui sempre há alguma segurança, convivialidade, boa comida a

preço razoável e bom clima.

LB - É SABIDO QUE HÁ GRANDES ESCRITORES E POETAS QUE EXERCERAM PROFISSÕES MUITO POUCO INSPIRADORAS, COMO O CASO DE FERNANDO PESSOA QUE ERA CONTABILISTA. COMO DIVIDE ESSAS DUAS FACETAS EM SI?

ABC: Sobre o nosso Pessoa, importa dizer que, ao contrário do que muitas vezes se quer fazer crer, ele não foi contabilista ou guarda--livros (como então se dizia) apenas como modo de ganhar a vida. Ele foi um estudioso da contabilidade e da gestão das empresas, como se pode ver nos vários artigos que publicou, designadamente, na revista Comércio e Contabilidade que criou com o seu cunhado.Quanto às minhas facetas literária e de jurista, convivem bem. O jurista beneficia da mão treinada do escritor e ao escritor também dá jeito apanhar de vez em quando um banho de realidade.

LB - É UM AUTOR DISCIPLINADO? HORAS CERTAS PARA ESCRE-VER, PELA NOITE DENTRO OU LOGO PELA ALVORADA?

ABC: Não é propositado, mas é muito pela noite fora. Durante o dia, ainda tenho alguns compromissos não literários por cumprir.

LB - NOS ÚLTIMOS TRÊS ANOS PUBLICOU TRÊS LIVROS DE POESIA COM ASSINALÁVEL ÊXITO- «ADÁGIO, ROMANZA E GRAVE»; AS FLORES BRANCAS DO FRANGIPANI» E EM OUTUBRO PASSADO «PAIS E FILHOS, AVÓS E NETOS, EM VERSOS DISCRE-TOS». JÁ TEM OUTRO OU OUTROS NA FORJA?

ABC: Sim, tenho relativamente avançado um livro de poemas, mas que vai ficar uns bons meses “a amadurecer” e um livro de contos para crianças cujo trabalho já começou.

LB - QUE OUTRAS ARTES O FASCINAM?

A pintura certamente, mas não são muitos os pintores e os traba-lhos que me tocam como me tocam os grandes livros. Estão neste grupo reduzido “As Meninas” de Velásquez e sobretudo a sua “Ren-dição de Breda” também conhecido pela “tela das lanças” (há neste quadro uma verticalidade e uma nobreza quer de vencedores quer de vencidos que sempre me comovem); também quase tudo de William Turner (quem gosta, não pode perder a Tatte Gallery antiga); e os quadros da planície de Crau, de Van Gogh; e do nosso Amadeu de Sousa Cardoso (o quadro “Avant la corrida” é soberbo!). Além disso, gosto muita da gravura para além de valorizar a sua técnica muito particular. E Portugal teve e tem grandes artistas na gravura: Bartolomeu Cid dos Santos, David de Almeida, Rogério Ribeiro, Pomar, Botelho, Nikias….Na música emociono-me com peças muito diversas: desde o “Con-certo Bacarisse” e o “Concerto de Aranjuez” de Joaquin Rodrigo e o “Adágio” de Albinoni, até ao “Time after Time” do Milles Davis, passando pelo “A whiter shade of pale” dos Procol Harum e pelos belos discos do Zeca Afonso e do Fausto. Como vê, nada preso a um único estilo ou época.

LB - A PERGUNTA DO COSTUME. SE SÓ PUDESSE LEVAR PARA UMA ILHA (NÃO FATALMENTE DESERTA) UM LIVRO, UMA MÚSICA E UMA TELA QUAIS ESCOLHERIA?

ABC: Trocava a música e a tela por livros e levava: “O que diz Molero” de Dinis Machado, “Ficções” de Jorge Luís Borges e uma colectânea de toda a poesia de Fernando Pessoa e seus heterónimos (talvez dispensasse Álvaro de Campos).

FP - AO LONGO DESTES ANOS DE VIDA, QUANDO É QUE SURGE O POETA: AGORA QUE COMEÇOU A EDITAR, OU HÁ MUITA POESIA NA "GAVETA"?

ABC – Com alguma consistência, o poeta surge na segunda metade da década de 7O. Os prémios literários são um reflexo disso. Nunca deixei de ler e de escrever (não há aliás outra maneira de aprender a escrever bem que não seja lendo os melhores) e na gaveta ainda anda por lá muita coisa, mas não creio que se aproveite muito. Hoje, gosto de muito pouco do que por lá ficou.

FP - NA TUA POESIA, AGORA COM A VIDA ESTABILIZADA, HÁ UM ACERTO DE CONTAS COM AS AGRURAS DO PRINCÍPIO DA VIDA? SÃO AS MEMÓRIAS DE UMA INFÂNCIA FELIZ EM CONTRAPONTO À GUERRA COLONIAL? O QUE FOI PARA TI A GUERRA COLONIAL?

ABC: Não, acerto de contas com a vida, não. Muitas vezes, a vida nem sequer é de boas contas: pensamos que estão saldadas e ela vem pedir-nos mais. Não vale a pena…o melhor mesmo é viver cada dia em paz consigo mesmo.Esta pergunta toca, aliás, uma temática que tem dividido os poetas. É o problema da contaminação ou não da arte pelo passado e pela vivência do poeta. Por exemplo, o grande poeta Carlos Drummond de Andrade era um defensor convicto da “incontaminação”. É claro que a mim também me custa ver poemas centrados e carregados do eu de quem os escreve, numa espécie de exercício de vaidade, ou de psicanálise, ou de auto ajuda tão em voga. O mesmo para referências à sua cidade natal ou à sua região. Por outro lado, porém, acho impossível que alguém no seu processo criativo escape à influência do que foi na infância e adolescência. Eu, já que me perguntas, adoro ir ao “armário azul da minha infância” (este verso é do José Jorge Letria) para reinventar imagens que dela retiro.Quanto à guerra colonial, foi para mim o que foi para muitos jovens: uma experiência marcante que podia ter corrido mal, mas felizmente no meu caso correu sem danos. Eu era um operacional (atirador de cavalaria) e fui mobilizado em rendição individual e metido dentro de um rectângulo de arame farpado, onde já estavam cerca de 100 homens. Nos muitos quilómetros em redor não havia quaisquer povoações. Só mato. Um verdadeiro “cu de Judas”. Porque o grupo de combate tinha sido dizimado numa emboscada que causou mais de duas dezenas de baixas, foi recom-pletado com soldados que vinham castigados de outros pontos de Angola, e ali estava eu para na semana seguinte, os começar a

comandar em operações de 4 dias (e 3 noites, que eram as que custavam mais a passar); às vezes debaixo de trovoadas inclemen-tes outras vezes de um sol abrasador, já sem água e já sem suportar o cheiro das rações de combate. E não digo mais...

FP - A VIDA PROFISSIONAL COMO FISCALISTA, CONSULTOR INTERNACIONAL OU PROFESSOR "ESTRANGULOU" O POETA OU FOI A SECURA DA VIDA PROFISSIONAL QUE FEZ SURGIR O POETA?

Na resposta a essa pergunta há uma evidência factual: a poesia chegou antes dos impostos. Aquela chegou no início da década de 7O (mesmos os prémios chegaram no meio e no final dessa década) e os impostos chegaram só em 1982 (liquidador tributário estagiário em Azambuja).A propósito desta pergunta, lembro-me que uma vez um crítico literário glosou o facto do poeta Ruy Cinatti, que exercia normal-mente a sua profissão de agrónomo, estar ligado ao estudo da produção de cortiça. O dito crítico terá dito qualquer coisa como: nunca saberemos quantos bons poemas não ficaram “enrolhados” devido à actividade profissional do poeta. Mas também não sei se os poetas que se isolam anos a fio, apenas escrevendo, não estão a perder algo de importante que só existe cá fora.

FP - PODE-SE DIZER QUE NA ACTIVIDADE DO COFRE TAMBÉM HÁ POESIA?

ABC – Bem, pelo menos quando se fazem sessões de apresentação de certos livros, é provável que haja (riso). O auditório tem aliás fixada à parede uma figura do Fernando Pessoa. Agora mais a sério, a poesia requer algo que a actividade e a gestão do Cofre, ou de qualquer organização cujo património é de um colectivo, também requerem: rigor e clareza.

LB - NESTA ÚLTIMA REVISTA DO COFRE REFERENTE A 2O15, PODE DEIXAR UMA PALAVRA AOS NOSSOS SÓCIOS E FAMILIARES. UM LEMA PARA A VIDA OU APENAS UMA SAUDAÇÃO?

ABC: Talvez aplicasse à vida e ao que ela deve ter de grandioso e de emocionante, o que o prémio Nobel da literatura, Octávio Paz disse da poesia, quando escreveu: “A poesia ou é um salto mortal ou não é nada”.E, com os votos de Bom Ano Novo, deixava aqui o último poema do meu mais recente livro “Pais e Filhos, Avós e Netos, em versos discretos”:Se eu tivesseapenas uma palavra para te dar,como a quem partindo em viagem,Se dá um conselho, um guião,Dar-te-ia apenas a palavra coragem.E dir-te-ia:- Tem cuidado, mas medo não!

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Page 12: LUA - cofre.org · com a mais alta tecnologia, salas de formação e auditório para receber conferências e espectáculos, tendo um palco ligado ao ... última revista Cofre de 2O15

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O acto de celebrar com vinho remonta à Antiguidade, talvez no séc. IV a. C. No paganismo só se encostavam os recipientes aos lábios e, no início, derramavam o conteúdo na mesa ou no chão, em louvor das divindades. Depois passaram a beber a maior parte, dedicando, aos deuses, apenas, alguns goles. Na Roma Antiga brindava-se com um copo/taça que passava de mão em mão como prevenção de envenenamento. Assim, o primeiro a beber era o anfitrião media-dor de acordos que celebravam o fim de guerras e outras disputas.Os Bárbaros batiam, fortemente, com as canecas para que os conteúdos se misturassem, impedindo que houvesse um traidor que ousasse envenenar todas ou uma bebida e que, deste modo, viria, também esse, a morrer.Embora de origem longínqua o brinde só se popularizou no séc. XVI quando começou a ser moda na Inglaterra onde era referido como, Toast (pão torrado) o qual era posto no fundo de uma taça que passava de mão em mão. Ao último cabia a torrada, a saber a vinho.

BRINDE - A frase «Ich Bring Dir’s» (Ofereço-te, trago-te, bebo por Ti) seria pronunciada por mercenários que nos séculos XV e XVI, recrutados no Sacro Império Romano Germânico, serviam os Habsburgo e que acabaram por combater, também, a favor de vários príncipes da Europa. Eram os Landsknecht (território+servo). Na época do Renascimento lutaram em Castela onde os locais resumiram a referida frase à palavra Brindis (corruptela de Bring) que, em português, deu Brinde. O primeiro registo na nossa língua data de meados do séc. XVII e está num livro do Padre Manuel dos Anjos. Outros dizem que Brinde virá de Brindisi, cidade italiana nas costas do Adriático. Dali, após uma ceia que culminava com ruido-sos votos de boa sorte, os jovens aristocratas romanos embarca-vam para a Grécia a fim de aperfeiçoar a sua educação. Como curiosidade, podemos dizer que Virgílio, autor da Eneida (séc. I a. C.) faleceu na referida cidade.

SAÚDE - O desejo de saúde está, desde sempre e em muitos países, associado ao brinde. Terá surgido por causa dos alimentos e bebidas serem muito mal conservados e a sua deterioração provo-car doenças e, até, a morte. Assim, nada melhor que pedir Saúde após um gostoso, mas, também eventualmente perigoso banque-te. Por outro lado, as bebidas, tiveram, na origem, o conceito de vinculação a um dos deuses. Depois, foram, transformadas em remédios sob a forma de licores, (apetite) e digestivos e, até, elixires de longa vida.Em Portugal além da palavra Saúde diz-se, por vezes, Chinchin. Embora possa sugerir o toque das taças, o monossílabo chinês significa Felicidade e, a dobrar, Chinchin, Muita Felicidade.

OS CINCO SENTIDOS - O bater de copos/taças tem outra explica-ção a qual poderemos considerar de poética. Dionísio, o deus grego do vinho e da fertilidade terá iniciado o gesto que provocava sons, completando, assim, a experiência sensorial na degustação do vinho. Até então, só eram atingidos quatro dos cinco sentidos: Visão, olfacto, tacto (contacto com taça/garrafa), e paladar ou gosto. Desta maneira o ritual da bebida passava a ter, também, um elemento sonoro para a alegria ser completa.

CHAMPAGNE – Região de França, a 15O km a Noroeste de Paris, que deu nome à bebida inventada, segundo se diz, em 1668, pelo bene-ditino Dom Pérignon, Abade de Hautvillers. Uma das suas colheitas deu um vinho muito forte que expelia rolhas e rebentava garrafas como se o Demónio estivesse dentro delas. Então, o monge contro-lou a fermentação e utilizou arames para segurar as rolhas de cortiça. Sem lhe tirar a força e o espírito, apaziguou o vinho e possi-bilitou o prazer e a emoção de saborear uma bebida que parece abençoada pois é sinónimo de concórdia e de festa.

Só passados cerca de dois séculos é que o espumante foi reconhe-cido como produto de alta qualidade. Antigamente, todo o vinho que tivesse gás carbónico era considerado defeituoso. O champag-ne ganhou popularidade no tempo de Luís XV. Napoleão dizia que” É merecido na vitória e necessário na derrota”.A região de Champagne só viria a ser delimitada, oficialmente, em 1927. Entretanto, acabou por se vulgarizar, não faltando em festas e actos comemorativos familiares, colectivos ou institucionais que não dispensam esse ritual em que se expressam os melhores votos.Em Portugal produzem-se, pelo método champanhês, vários espumantes de qualidade e de preço acessível, alargando a possi-bilidade de sua utilização.

BRINDE FINAL - O Brinde envolve um certo misticismo que o gesto acompanha. Por isso se ergue a taça à altura do coração e da fronte. O brinde acontece tanto num simples repasto como num grande banquete. No altar de um templo como na modesta mesa em que comemos, ao elevarem-se os copos estabelece-se a comunhão.O brinde aqui acontece em espírito.Àqueles que leram esta minha modesta prosa resultado de alguma pesquisa e consulta de textos, ergo a minha taça com votos de Saúde e Alegria. E Boas Festas!

VAMOS BRINDAR!Texto: Fernando Cordeiro dos Santos Rocha (casado com a sócia do Cofre, Lisette Maia Cortesão, nº 4536O)

FP - QUEM É O AMÉRICO BRÁS CARLOS?

ABC - Natural de Azambuja. Quase 64 anos, obcecado pela independência e pela justiça, cada vez com menos palavras e mais reflexão. Fez o curso industrial de electricista e a partir daí foi, durante 11 anos, sempre a trabalhar e a estudar à noite. Foi técnico de instrumentação industrial, quase engenheiro eletrotécnico, aos 21 anos comandou várias dezenas doutros jovens portugueses e angolanos nas matas de Angola junto à fronteira com o Zaire. Juris-ta, fiscalista, consultor do FMI e do Tesouro dos Estados Unidos, docente da Faculdade de Direito de Lisboa e do ISCTE. Tem-se em boa conta e não se importa de falar do que fez e faz, mas acha uma perda de tempo dizer o que pensa que é (os outros, que não sabem nada de mim, que opinem).

LB - NO SEU CASO O GOSTO PELA POESIA VEIO NO LEITE MATER-NO OU SÓ DESPERTOU NA IDADE DAS PRIMEIRAS PAIXÕES?

ABC: O gosto e o contacto sério com a poesia começou apenas por

volta dos 2O anos; e não teve a ver com as primeiras paixões que, por sinal, começaram muito mais cedo. Até lá, eu quase só lia prosa e escrevia contos. Aliás o meu primeiro prémio literário é uma menção honrosa na modalidade “conto”. Só mais tarde percebi o que era a grande poesia.

LB - QUAIS OS AUTORES QUE O INSPIRARAM? CLÁSSICOS? ACTU-AIS?

ABC: Considerando que fui e sou um leitor assíduo de poesia portu-guesa, hão de confluir em mim várias influências. Nesta matéria devo levar também em conta o que outros, que muitos considero, notaram. Por exemplo, o António Manuel Pires Cabral disse que no “Adágio, Romanza e Grave” pareceu-lhe andar por ali a influência de Cesário Verde; o mesmo notou José Jorge Letria e acrescentou Drummond de Andrade. Alguma verdade tem de haver nisso e acho que há. Mas no que escrevo andará também, penso eu, a sombra de Pessoa e Alberto Caeiro, Ruy Belo, de T.S. Eliot, de Jorge Luís Borges, de António Ramos Rosa e certamente de outros que agora não recordo.

LB- A QUEM DEDICOU OS PRIMEIROS VERSOS?

ABC: A ninguém em particular. Recordo bem que os meus primei-ros poemas foram determinados pela guerra colonial. E eram essencialmente de incompreensão e raiva por já me ver (como acontecia aos outros jovens da minha geração) a ser arrancado durante três anos à família, aos amigos e amigas, aos projectos profissionais, escolares e de vida, para ser despejado numa guerra incompreensível a milhares de quilómetros. Nunca publiquei esses poemas e ainda bem. Teriam algum força panfletária, mas eram maus.

LB - QUANDO PESQUISAMOS O SEU NOME NO «GOOGLE» SURGEM OS SEUS «MAIORES SUCESSOS» COMO «IMPOSTOS – TEORIA GERAL» OU «GUIA DOS IMPOSTOS EM PORTUGAL». A ÁREA FISCAL TEM ENCANTOS DESCONHECIDOS?

ABC: Eu ainda reconheço encantos na fiscalidade. A ideia de reparti-ção de sacrifícios patrimoniais individuais para financiamento de bens (e do bem) comuns, assente unicamente em critérios de justiça, é uma ideia cheia de significado e faz com que os meus livros e outros textos que vou publicando nesta área sejam escritos com prazer, que aliás, também resulta da intransigente liberdade e completa independência (não procuro agradar a quaisquer pessoas ou interesses, nem admito que o rigor vá só até ao ponto em que toca os interesses do próprio) com que os escrevo.

LB - FEZ O CURSO DE DIREITO, E PREPARA DOUTORAMENTO. A DOCÊNCIA É TÃO DESAFIANTE COMO A ESCRITA LITERÁRIA?

ABC: Sabe, eu tenho uma carreira docente universitária de 3O anos, a que junto a de formador da Administração Tributária, e sempre gostei de leccionar. Os alunos também gostavam das minhas aulas, a avaliar pelo que escreviam nos respectivos inquéritos de avalia-ção. Hoje só raramente dou aulas e não lhes sinto a falta. Com o chamado processo de Bolonha, os meus alunos que eram dos 4º e 5º anos das licenciaturas passaram a ser do 2º ano com muito menor maturidade e conhecimentos gerais e isso, junto ao que me parece ser uma cada vez menor exigência, também ajudou a algum desencanto.

LB - É UM HOMEM VIAJADO. GOSTAVA DE VIVER NOUTRO PAÍS? ONDE E PORQUÊ?

ABC: De facto, considero-me uma pessoa viajada mas não posso dizer que gostava de viver noutro país. Até por conhecer muitos outros países, sei que as irritações e desânimos que temos perante factos que por aqui ocorrem, também os teríamos no estrangeiro. E aqui sempre há alguma segurança, convivialidade, boa comida a

preço razoável e bom clima.

LB - É SABIDO QUE HÁ GRANDES ESCRITORES E POETAS QUE EXERCERAM PROFISSÕES MUITO POUCO INSPIRADORAS, COMO O CASO DE FERNANDO PESSOA QUE ERA CONTABILISTA. COMO DIVIDE ESSAS DUAS FACETAS EM SI?

ABC: Sobre o nosso Pessoa, importa dizer que, ao contrário do que muitas vezes se quer fazer crer, ele não foi contabilista ou guarda--livros (como então se dizia) apenas como modo de ganhar a vida. Ele foi um estudioso da contabilidade e da gestão das empresas, como se pode ver nos vários artigos que publicou, designadamente, na revista Comércio e Contabilidade que criou com o seu cunhado.Quanto às minhas facetas literária e de jurista, convivem bem. O jurista beneficia da mão treinada do escritor e ao escritor também dá jeito apanhar de vez em quando um banho de realidade.

LB - É UM AUTOR DISCIPLINADO? HORAS CERTAS PARA ESCRE-VER, PELA NOITE DENTRO OU LOGO PELA ALVORADA?

ABC: Não é propositado, mas é muito pela noite fora. Durante o dia, ainda tenho alguns compromissos não literários por cumprir.

LB - NOS ÚLTIMOS TRÊS ANOS PUBLICOU TRÊS LIVROS DE POESIA COM ASSINALÁVEL ÊXITO- «ADÁGIO, ROMANZA E GRAVE»; AS FLORES BRANCAS DO FRANGIPANI» E EM OUTUBRO PASSADO «PAIS E FILHOS, AVÓS E NETOS, EM VERSOS DISCRE-TOS». JÁ TEM OUTRO OU OUTROS NA FORJA?

ABC: Sim, tenho relativamente avançado um livro de poemas, mas que vai ficar uns bons meses “a amadurecer” e um livro de contos para crianças cujo trabalho já começou.

LB - QUE OUTRAS ARTES O FASCINAM?

A pintura certamente, mas não são muitos os pintores e os traba-lhos que me tocam como me tocam os grandes livros. Estão neste grupo reduzido “As Meninas” de Velásquez e sobretudo a sua “Ren-dição de Breda” também conhecido pela “tela das lanças” (há neste quadro uma verticalidade e uma nobreza quer de vencedores quer de vencidos que sempre me comovem); também quase tudo de William Turner (quem gosta, não pode perder a Tatte Gallery antiga); e os quadros da planície de Crau, de Van Gogh; e do nosso Amadeu de Sousa Cardoso (o quadro “Avant la corrida” é soberbo!). Além disso, gosto muita da gravura para além de valorizar a sua técnica muito particular. E Portugal teve e tem grandes artistas na gravura: Bartolomeu Cid dos Santos, David de Almeida, Rogério Ribeiro, Pomar, Botelho, Nikias….Na música emociono-me com peças muito diversas: desde o “Con-certo Bacarisse” e o “Concerto de Aranjuez” de Joaquin Rodrigo e o “Adágio” de Albinoni, até ao “Time after Time” do Milles Davis, passando pelo “A whiter shade of pale” dos Procol Harum e pelos belos discos do Zeca Afonso e do Fausto. Como vê, nada preso a um único estilo ou época.

LB - A PERGUNTA DO COSTUME. SE SÓ PUDESSE LEVAR PARA UMA ILHA (NÃO FATALMENTE DESERTA) UM LIVRO, UMA MÚSICA E UMA TELA QUAIS ESCOLHERIA?

ABC: Trocava a música e a tela por livros e levava: “O que diz Molero” de Dinis Machado, “Ficções” de Jorge Luís Borges e uma colectânea de toda a poesia de Fernando Pessoa e seus heterónimos (talvez dispensasse Álvaro de Campos).

FP - AO LONGO DESTES ANOS DE VIDA, QUANDO É QUE SURGE O POETA: AGORA QUE COMEÇOU A EDITAR, OU HÁ MUITA POESIA NA "GAVETA"?

ABC – Com alguma consistência, o poeta surge na segunda metade da década de 7O. Os prémios literários são um reflexo disso. Nunca deixei de ler e de escrever (não há aliás outra maneira de aprender a escrever bem que não seja lendo os melhores) e na gaveta ainda anda por lá muita coisa, mas não creio que se aproveite muito. Hoje, gosto de muito pouco do que por lá ficou.

FP - NA TUA POESIA, AGORA COM A VIDA ESTABILIZADA, HÁ UM ACERTO DE CONTAS COM AS AGRURAS DO PRINCÍPIO DA VIDA? SÃO AS MEMÓRIAS DE UMA INFÂNCIA FELIZ EM CONTRAPONTO À GUERRA COLONIAL? O QUE FOI PARA TI A GUERRA COLONIAL?

ABC: Não, acerto de contas com a vida, não. Muitas vezes, a vida nem sequer é de boas contas: pensamos que estão saldadas e ela vem pedir-nos mais. Não vale a pena…o melhor mesmo é viver cada dia em paz consigo mesmo.Esta pergunta toca, aliás, uma temática que tem dividido os poetas. É o problema da contaminação ou não da arte pelo passado e pela vivência do poeta. Por exemplo, o grande poeta Carlos Drummond de Andrade era um defensor convicto da “incontaminação”. É claro que a mim também me custa ver poemas centrados e carregados do eu de quem os escreve, numa espécie de exercício de vaidade, ou de psicanálise, ou de auto ajuda tão em voga. O mesmo para referências à sua cidade natal ou à sua região. Por outro lado, porém, acho impossível que alguém no seu processo criativo escape à influência do que foi na infância e adolescência. Eu, já que me perguntas, adoro ir ao “armário azul da minha infância” (este verso é do José Jorge Letria) para reinventar imagens que dela retiro.Quanto à guerra colonial, foi para mim o que foi para muitos jovens: uma experiência marcante que podia ter corrido mal, mas felizmente no meu caso correu sem danos. Eu era um operacional (atirador de cavalaria) e fui mobilizado em rendição individual e metido dentro de um rectângulo de arame farpado, onde já estavam cerca de 100 homens. Nos muitos quilómetros em redor não havia quaisquer povoações. Só mato. Um verdadeiro “cu de Judas”. Porque o grupo de combate tinha sido dizimado numa emboscada que causou mais de duas dezenas de baixas, foi recom-pletado com soldados que vinham castigados de outros pontos de Angola, e ali estava eu para na semana seguinte, os começar a

comandar em operações de 4 dias (e 3 noites, que eram as que custavam mais a passar); às vezes debaixo de trovoadas inclemen-tes outras vezes de um sol abrasador, já sem água e já sem suportar o cheiro das rações de combate. E não digo mais...

FP - A VIDA PROFISSIONAL COMO FISCALISTA, CONSULTOR INTERNACIONAL OU PROFESSOR "ESTRANGULOU" O POETA OU FOI A SECURA DA VIDA PROFISSIONAL QUE FEZ SURGIR O POETA?

Na resposta a essa pergunta há uma evidência factual: a poesia chegou antes dos impostos. Aquela chegou no início da década de 7O (mesmos os prémios chegaram no meio e no final dessa década) e os impostos chegaram só em 1982 (liquidador tributário estagiário em Azambuja).A propósito desta pergunta, lembro-me que uma vez um crítico literário glosou o facto do poeta Ruy Cinatti, que exercia normal-mente a sua profissão de agrónomo, estar ligado ao estudo da produção de cortiça. O dito crítico terá dito qualquer coisa como: nunca saberemos quantos bons poemas não ficaram “enrolhados” devido à actividade profissional do poeta. Mas também não sei se os poetas que se isolam anos a fio, apenas escrevendo, não estão a perder algo de importante que só existe cá fora.

FP - PODE-SE DIZER QUE NA ACTIVIDADE DO COFRE TAMBÉM HÁ POESIA?

ABC – Bem, pelo menos quando se fazem sessões de apresentação de certos livros, é provável que haja (riso). O auditório tem aliás fixada à parede uma figura do Fernando Pessoa. Agora mais a sério, a poesia requer algo que a actividade e a gestão do Cofre, ou de qualquer organização cujo património é de um colectivo, também requerem: rigor e clareza.

LB - NESTA ÚLTIMA REVISTA DO COFRE REFERENTE A 2O15, PODE DEIXAR UMA PALAVRA AOS NOSSOS SÓCIOS E FAMILIARES. UM LEMA PARA A VIDA OU APENAS UMA SAUDAÇÃO?

ABC: Talvez aplicasse à vida e ao que ela deve ter de grandioso e de emocionante, o que o prémio Nobel da literatura, Octávio Paz disse da poesia, quando escreveu: “A poesia ou é um salto mortal ou não é nada”.E, com os votos de Bom Ano Novo, deixava aqui o último poema do meu mais recente livro “Pais e Filhos, Avós e Netos, em versos discretos”:Se eu tivesseapenas uma palavra para te dar,como a quem partindo em viagem,Se dá um conselho, um guião,Dar-te-ia apenas a palavra coragem.E dir-te-ia:- Tem cuidado, mas medo não!

Chinchin!

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Page 13: LUA - cofre.org · com a mais alta tecnologia, salas de formação e auditório para receber conferências e espectáculos, tendo um palco ligado ao ... última revista Cofre de 2O15

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NOTA BIOGRÁFICA

Fernando Cordeiro dos Santos Rocha

Nasceu em 18 de Agosto de 1929 no Porto, onde vive e sempre trabalhou nos Meios Audiovisuais. Nos tempos livres do Liceu e do Conservatório de Música, participava em Programas, primeiro na Rádio Clube Infantil e, depois, nos pequenos Emissores. Mais tarde, frequentando o ICP/ISCAP, entra na EN/RDP onde foi, sucessiva-mente, Locutor, Arquivista Musical, Assistente de Música Erudita e Chefe da Secção de Discos, Fitas, Documen-tação Sonora, Arquivo Histórico e Música Viva (Partituras). Acumulando, é admitido na RR como Locutor/Rea-lizador, chegando a ser Encarregado da Programação e Delegado da Gerência. Colaborou na RTP desde a inauguração dos Estúdios do Monte da Virgem, como Locutor, Repórter e Actor. Representou também no TEP. Acompanha, há 3O anos, o movimen-to das Confrarias Gastronómicas e é membro fundador de algumas. Parti-cipou, em França, na formação da Conferência Europeia das Confrarias das Regiões da Europa e na constitui-ção da Federação Portuguesa.

O acto de celebrar com vinho remonta à Antiguidade, talvez no séc. IV a. C. No paganismo só se encostavam os recipientes aos lábios e, no início, derramavam o conteúdo na mesa ou no chão, em louvor das divindades. Depois passaram a beber a maior parte, dedicando, aos deuses, apenas, alguns goles. Na Roma Antiga brindava-se com um copo/taça que passava de mão em mão como prevenção de envenenamento. Assim, o primeiro a beber era o anfitrião media-dor de acordos que celebravam o fim de guerras e outras disputas.Os Bárbaros batiam, fortemente, com as canecas para que os conteúdos se misturassem, impedindo que houvesse um traidor que ousasse envenenar todas ou uma bebida e que, deste modo, viria, também esse, a morrer.Embora de origem longínqua o brinde só se popularizou no séc. XVI quando começou a ser moda na Inglaterra onde era referido como, Toast (pão torrado) o qual era posto no fundo de uma taça que passava de mão em mão. Ao último cabia a torrada, a saber a vinho.

BRINDE - A frase «Ich Bring Dir’s» (Ofereço-te, trago-te, bebo por Ti) seria pronunciada por mercenários que nos séculos XV e XVI, recrutados no Sacro Império Romano Germânico, serviam os Habsburgo e que acabaram por combater, também, a favor de vários príncipes da Europa. Eram os Landsknecht (território+servo). Na época do Renascimento lutaram em Castela onde os locais resumiram a referida frase à palavra Brindis (corruptela de Bring) que, em português, deu Brinde. O primeiro registo na nossa língua data de meados do séc. XVII e está num livro do Padre Manuel dos Anjos. Outros dizem que Brinde virá de Brindisi, cidade italiana nas costas do Adriático. Dali, após uma ceia que culminava com ruido-sos votos de boa sorte, os jovens aristocratas romanos embarca-vam para a Grécia a fim de aperfeiçoar a sua educação. Como curiosidade, podemos dizer que Virgílio, autor da Eneida (séc. I a. C.) faleceu na referida cidade.

SAÚDE - O desejo de saúde está, desde sempre e em muitos países, associado ao brinde. Terá surgido por causa dos alimentos e bebidas serem muito mal conservados e a sua deterioração provo-car doenças e, até, a morte. Assim, nada melhor que pedir Saúde após um gostoso, mas, também eventualmente perigoso banque-te. Por outro lado, as bebidas, tiveram, na origem, o conceito de vinculação a um dos deuses. Depois, foram, transformadas em remédios sob a forma de licores, (apetite) e digestivos e, até, elixires de longa vida.Em Portugal além da palavra Saúde diz-se, por vezes, Chinchin. Embora possa sugerir o toque das taças, o monossílabo chinês significa Felicidade e, a dobrar, Chinchin, Muita Felicidade.

OS CINCO SENTIDOS - O bater de copos/taças tem outra explica-ção a qual poderemos considerar de poética. Dionísio, o deus grego do vinho e da fertilidade terá iniciado o gesto que provocava sons, completando, assim, a experiência sensorial na degustação do vinho. Até então, só eram atingidos quatro dos cinco sentidos: Visão, olfacto, tacto (contacto com taça/garrafa), e paladar ou gosto. Desta maneira o ritual da bebida passava a ter, também, um elemento sonoro para a alegria ser completa.

CHAMPAGNE – Região de França, a 15O km a Noroeste de Paris, que deu nome à bebida inventada, segundo se diz, em 1668, pelo bene-ditino Dom Pérignon, Abade de Hautvillers. Uma das suas colheitas deu um vinho muito forte que expelia rolhas e rebentava garrafas como se o Demónio estivesse dentro delas. Então, o monge contro-lou a fermentação e utilizou arames para segurar as rolhas de cortiça. Sem lhe tirar a força e o espírito, apaziguou o vinho e possi-bilitou o prazer e a emoção de saborear uma bebida que parece abençoada pois é sinónimo de concórdia e de festa.

Só passados cerca de dois séculos é que o espumante foi reconhe-cido como produto de alta qualidade. Antigamente, todo o vinho que tivesse gás carbónico era considerado defeituoso. O champag-ne ganhou popularidade no tempo de Luís XV. Napoleão dizia que” É merecido na vitória e necessário na derrota”.A região de Champagne só viria a ser delimitada, oficialmente, em 1927. Entretanto, acabou por se vulgarizar, não faltando em festas e actos comemorativos familiares, colectivos ou institucionais que não dispensam esse ritual em que se expressam os melhores votos.Em Portugal produzem-se, pelo método champanhês, vários espumantes de qualidade e de preço acessível, alargando a possi-bilidade de sua utilização.

BRINDE FINAL - O Brinde envolve um certo misticismo que o gesto acompanha. Por isso se ergue a taça à altura do coração e da fronte. O brinde acontece tanto num simples repasto como num grande banquete. No altar de um templo como na modesta mesa em que comemos, ao elevarem-se os copos estabelece-se a comunhão.O brinde aqui acontece em espírito.Àqueles que leram esta minha modesta prosa resultado de alguma pesquisa e consulta de textos, ergo a minha taça com votos de Saúde e Alegria. E Boas Festas!

FP - QUEM É O AMÉRICO BRÁS CARLOS?

ABC - Natural de Azambuja. Quase 64 anos, obcecado pela independência e pela justiça, cada vez com menos palavras e mais reflexão. Fez o curso industrial de electricista e a partir daí foi, durante 11 anos, sempre a trabalhar e a estudar à noite. Foi técnico de instrumentação industrial, quase engenheiro eletrotécnico, aos 21 anos comandou várias dezenas doutros jovens portugueses e angolanos nas matas de Angola junto à fronteira com o Zaire. Juris-ta, fiscalista, consultor do FMI e do Tesouro dos Estados Unidos, docente da Faculdade de Direito de Lisboa e do ISCTE. Tem-se em boa conta e não se importa de falar do que fez e faz, mas acha uma perda de tempo dizer o que pensa que é (os outros, que não sabem nada de mim, que opinem).

LB - NO SEU CASO O GOSTO PELA POESIA VEIO NO LEITE MATER-NO OU SÓ DESPERTOU NA IDADE DAS PRIMEIRAS PAIXÕES?

ABC: O gosto e o contacto sério com a poesia começou apenas por

volta dos 2O anos; e não teve a ver com as primeiras paixões que, por sinal, começaram muito mais cedo. Até lá, eu quase só lia prosa e escrevia contos. Aliás o meu primeiro prémio literário é uma menção honrosa na modalidade “conto”. Só mais tarde percebi o que era a grande poesia.

LB - QUAIS OS AUTORES QUE O INSPIRARAM? CLÁSSICOS? ACTU-AIS?

ABC: Considerando que fui e sou um leitor assíduo de poesia portu-guesa, hão de confluir em mim várias influências. Nesta matéria devo levar também em conta o que outros, que muitos considero, notaram. Por exemplo, o António Manuel Pires Cabral disse que no “Adágio, Romanza e Grave” pareceu-lhe andar por ali a influência de Cesário Verde; o mesmo notou José Jorge Letria e acrescentou Drummond de Andrade. Alguma verdade tem de haver nisso e acho que há. Mas no que escrevo andará também, penso eu, a sombra de Pessoa e Alberto Caeiro, Ruy Belo, de T.S. Eliot, de Jorge Luís Borges, de António Ramos Rosa e certamente de outros que agora não recordo.

LB- A QUEM DEDICOU OS PRIMEIROS VERSOS?

ABC: A ninguém em particular. Recordo bem que os meus primei-ros poemas foram determinados pela guerra colonial. E eram essencialmente de incompreensão e raiva por já me ver (como acontecia aos outros jovens da minha geração) a ser arrancado durante três anos à família, aos amigos e amigas, aos projectos profissionais, escolares e de vida, para ser despejado numa guerra incompreensível a milhares de quilómetros. Nunca publiquei esses poemas e ainda bem. Teriam algum força panfletária, mas eram maus.

LB - QUANDO PESQUISAMOS O SEU NOME NO «GOOGLE» SURGEM OS SEUS «MAIORES SUCESSOS» COMO «IMPOSTOS – TEORIA GERAL» OU «GUIA DOS IMPOSTOS EM PORTUGAL». A ÁREA FISCAL TEM ENCANTOS DESCONHECIDOS?

ABC: Eu ainda reconheço encantos na fiscalidade. A ideia de reparti-ção de sacrifícios patrimoniais individuais para financiamento de bens (e do bem) comuns, assente unicamente em critérios de justiça, é uma ideia cheia de significado e faz com que os meus livros e outros textos que vou publicando nesta área sejam escritos com prazer, que aliás, também resulta da intransigente liberdade e completa independência (não procuro agradar a quaisquer pessoas ou interesses, nem admito que o rigor vá só até ao ponto em que toca os interesses do próprio) com que os escrevo.

LB - FEZ O CURSO DE DIREITO, E PREPARA DOUTORAMENTO. A DOCÊNCIA É TÃO DESAFIANTE COMO A ESCRITA LITERÁRIA?

ABC: Sabe, eu tenho uma carreira docente universitária de 3O anos, a que junto a de formador da Administração Tributária, e sempre gostei de leccionar. Os alunos também gostavam das minhas aulas, a avaliar pelo que escreviam nos respectivos inquéritos de avalia-ção. Hoje só raramente dou aulas e não lhes sinto a falta. Com o chamado processo de Bolonha, os meus alunos que eram dos 4º e 5º anos das licenciaturas passaram a ser do 2º ano com muito menor maturidade e conhecimentos gerais e isso, junto ao que me parece ser uma cada vez menor exigência, também ajudou a algum desencanto.

LB - É UM HOMEM VIAJADO. GOSTAVA DE VIVER NOUTRO PAÍS? ONDE E PORQUÊ?

ABC: De facto, considero-me uma pessoa viajada mas não posso dizer que gostava de viver noutro país. Até por conhecer muitos outros países, sei que as irritações e desânimos que temos perante factos que por aqui ocorrem, também os teríamos no estrangeiro. E aqui sempre há alguma segurança, convivialidade, boa comida a

preço razoável e bom clima.

LB - É SABIDO QUE HÁ GRANDES ESCRITORES E POETAS QUE EXERCERAM PROFISSÕES MUITO POUCO INSPIRADORAS, COMO O CASO DE FERNANDO PESSOA QUE ERA CONTABILISTA. COMO DIVIDE ESSAS DUAS FACETAS EM SI?

ABC: Sobre o nosso Pessoa, importa dizer que, ao contrário do que muitas vezes se quer fazer crer, ele não foi contabilista ou guarda--livros (como então se dizia) apenas como modo de ganhar a vida. Ele foi um estudioso da contabilidade e da gestão das empresas, como se pode ver nos vários artigos que publicou, designadamente, na revista Comércio e Contabilidade que criou com o seu cunhado.Quanto às minhas facetas literária e de jurista, convivem bem. O jurista beneficia da mão treinada do escritor e ao escritor também dá jeito apanhar de vez em quando um banho de realidade.

LB - É UM AUTOR DISCIPLINADO? HORAS CERTAS PARA ESCRE-VER, PELA NOITE DENTRO OU LOGO PELA ALVORADA?

ABC: Não é propositado, mas é muito pela noite fora. Durante o dia, ainda tenho alguns compromissos não literários por cumprir.

LB - NOS ÚLTIMOS TRÊS ANOS PUBLICOU TRÊS LIVROS DE POESIA COM ASSINALÁVEL ÊXITO- «ADÁGIO, ROMANZA E GRAVE»; AS FLORES BRANCAS DO FRANGIPANI» E EM OUTUBRO PASSADO «PAIS E FILHOS, AVÓS E NETOS, EM VERSOS DISCRE-TOS». JÁ TEM OUTRO OU OUTROS NA FORJA?

ABC: Sim, tenho relativamente avançado um livro de poemas, mas que vai ficar uns bons meses “a amadurecer” e um livro de contos para crianças cujo trabalho já começou.

LB - QUE OUTRAS ARTES O FASCINAM?

A pintura certamente, mas não são muitos os pintores e os traba-lhos que me tocam como me tocam os grandes livros. Estão neste grupo reduzido “As Meninas” de Velásquez e sobretudo a sua “Ren-dição de Breda” também conhecido pela “tela das lanças” (há neste quadro uma verticalidade e uma nobreza quer de vencedores quer de vencidos que sempre me comovem); também quase tudo de William Turner (quem gosta, não pode perder a Tatte Gallery antiga); e os quadros da planície de Crau, de Van Gogh; e do nosso Amadeu de Sousa Cardoso (o quadro “Avant la corrida” é soberbo!). Além disso, gosto muita da gravura para além de valorizar a sua técnica muito particular. E Portugal teve e tem grandes artistas na gravura: Bartolomeu Cid dos Santos, David de Almeida, Rogério Ribeiro, Pomar, Botelho, Nikias….Na música emociono-me com peças muito diversas: desde o “Con-certo Bacarisse” e o “Concerto de Aranjuez” de Joaquin Rodrigo e o “Adágio” de Albinoni, até ao “Time after Time” do Milles Davis, passando pelo “A whiter shade of pale” dos Procol Harum e pelos belos discos do Zeca Afonso e do Fausto. Como vê, nada preso a um único estilo ou época.

LB - A PERGUNTA DO COSTUME. SE SÓ PUDESSE LEVAR PARA UMA ILHA (NÃO FATALMENTE DESERTA) UM LIVRO, UMA MÚSICA E UMA TELA QUAIS ESCOLHERIA?

ABC: Trocava a música e a tela por livros e levava: “O que diz Molero” de Dinis Machado, “Ficções” de Jorge Luís Borges e uma colectânea de toda a poesia de Fernando Pessoa e seus heterónimos (talvez dispensasse Álvaro de Campos).

FP - AO LONGO DESTES ANOS DE VIDA, QUANDO É QUE SURGE O POETA: AGORA QUE COMEÇOU A EDITAR, OU HÁ MUITA POESIA NA "GAVETA"?

ABC – Com alguma consistência, o poeta surge na segunda metade da década de 7O. Os prémios literários são um reflexo disso. Nunca deixei de ler e de escrever (não há aliás outra maneira de aprender a escrever bem que não seja lendo os melhores) e na gaveta ainda anda por lá muita coisa, mas não creio que se aproveite muito. Hoje, gosto de muito pouco do que por lá ficou.

FP - NA TUA POESIA, AGORA COM A VIDA ESTABILIZADA, HÁ UM ACERTO DE CONTAS COM AS AGRURAS DO PRINCÍPIO DA VIDA? SÃO AS MEMÓRIAS DE UMA INFÂNCIA FELIZ EM CONTRAPONTO À GUERRA COLONIAL? O QUE FOI PARA TI A GUERRA COLONIAL?

ABC: Não, acerto de contas com a vida, não. Muitas vezes, a vida nem sequer é de boas contas: pensamos que estão saldadas e ela vem pedir-nos mais. Não vale a pena…o melhor mesmo é viver cada dia em paz consigo mesmo.Esta pergunta toca, aliás, uma temática que tem dividido os poetas. É o problema da contaminação ou não da arte pelo passado e pela vivência do poeta. Por exemplo, o grande poeta Carlos Drummond de Andrade era um defensor convicto da “incontaminação”. É claro que a mim também me custa ver poemas centrados e carregados do eu de quem os escreve, numa espécie de exercício de vaidade, ou de psicanálise, ou de auto ajuda tão em voga. O mesmo para referências à sua cidade natal ou à sua região. Por outro lado, porém, acho impossível que alguém no seu processo criativo escape à influência do que foi na infância e adolescência. Eu, já que me perguntas, adoro ir ao “armário azul da minha infância” (este verso é do José Jorge Letria) para reinventar imagens que dela retiro.Quanto à guerra colonial, foi para mim o que foi para muitos jovens: uma experiência marcante que podia ter corrido mal, mas felizmente no meu caso correu sem danos. Eu era um operacional (atirador de cavalaria) e fui mobilizado em rendição individual e metido dentro de um rectângulo de arame farpado, onde já estavam cerca de 100 homens. Nos muitos quilómetros em redor não havia quaisquer povoações. Só mato. Um verdadeiro “cu de Judas”. Porque o grupo de combate tinha sido dizimado numa emboscada que causou mais de duas dezenas de baixas, foi recom-pletado com soldados que vinham castigados de outros pontos de Angola, e ali estava eu para na semana seguinte, os começar a

comandar em operações de 4 dias (e 3 noites, que eram as que custavam mais a passar); às vezes debaixo de trovoadas inclemen-tes outras vezes de um sol abrasador, já sem água e já sem suportar o cheiro das rações de combate. E não digo mais...

FP - A VIDA PROFISSIONAL COMO FISCALISTA, CONSULTOR INTERNACIONAL OU PROFESSOR "ESTRANGULOU" O POETA OU FOI A SECURA DA VIDA PROFISSIONAL QUE FEZ SURGIR O POETA?

Na resposta a essa pergunta há uma evidência factual: a poesia chegou antes dos impostos. Aquela chegou no início da década de 7O (mesmos os prémios chegaram no meio e no final dessa década) e os impostos chegaram só em 1982 (liquidador tributário estagiário em Azambuja).A propósito desta pergunta, lembro-me que uma vez um crítico literário glosou o facto do poeta Ruy Cinatti, que exercia normal-mente a sua profissão de agrónomo, estar ligado ao estudo da produção de cortiça. O dito crítico terá dito qualquer coisa como: nunca saberemos quantos bons poemas não ficaram “enrolhados” devido à actividade profissional do poeta. Mas também não sei se os poetas que se isolam anos a fio, apenas escrevendo, não estão a perder algo de importante que só existe cá fora.

FP - PODE-SE DIZER QUE NA ACTIVIDADE DO COFRE TAMBÉM HÁ POESIA?

ABC – Bem, pelo menos quando se fazem sessões de apresentação de certos livros, é provável que haja (riso). O auditório tem aliás fixada à parede uma figura do Fernando Pessoa. Agora mais a sério, a poesia requer algo que a actividade e a gestão do Cofre, ou de qualquer organização cujo património é de um colectivo, também requerem: rigor e clareza.

LB - NESTA ÚLTIMA REVISTA DO COFRE REFERENTE A 2O15, PODE DEIXAR UMA PALAVRA AOS NOSSOS SÓCIOS E FAMILIARES. UM LEMA PARA A VIDA OU APENAS UMA SAUDAÇÃO?

ABC: Talvez aplicasse à vida e ao que ela deve ter de grandioso e de emocionante, o que o prémio Nobel da literatura, Octávio Paz disse da poesia, quando escreveu: “A poesia ou é um salto mortal ou não é nada”.E, com os votos de Bom Ano Novo, deixava aqui o último poema do meu mais recente livro “Pais e Filhos, Avós e Netos, em versos discretos”:Se eu tivesseapenas uma palavra para te dar,como a quem partindo em viagem,Se dá um conselho, um guião,Dar-te-ia apenas a palavra coragem.E dir-te-ia:- Tem cuidado, mas medo não!

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NOTA BIOGRÁFICA

Fernando Cordeiro dos Santos Rocha

Nasceu em 18 de Agosto de 1929 no Porto, onde vive e sempre trabalhou nos Meios Audiovisuais. Nos tempos livres do Liceu e do Conservatório de Música, participava em Programas, primeiro na Rádio Clube Infantil e, depois, nos pequenos Emissores. Mais tarde, frequentando o ICP/ISCAP, entra na EN/RDP onde foi, sucessiva-mente, Locutor, Arquivista Musical, Assistente de Música Erudita e Chefe da Secção de Discos, Fitas, Documen-tação Sonora, Arquivo Histórico e Música Viva (Partituras). Acumulando, é admitido na RR como Locutor/Rea-lizador, chegando a ser Encarregado da Programação e Delegado da Gerência. Colaborou na RTP desde a inauguração dos Estúdios do Monte da Virgem, como Locutor, Repórter e Actor. Representou também no TEP. Acompanha, há 3O anos, o movimen-to das Confrarias Gastronómicas e é membro fundador de algumas. Parti-cipou, em França, na formação da Conferência Europeia das Confrarias das Regiões da Europa e na constitui-ção da Federação Portuguesa.

O acto de celebrar com vinho remonta à Antiguidade, talvez no séc. IV a. C. No paganismo só se encostavam os recipientes aos lábios e, no início, derramavam o conteúdo na mesa ou no chão, em louvor das divindades. Depois passaram a beber a maior parte, dedicando, aos deuses, apenas, alguns goles. Na Roma Antiga brindava-se com um copo/taça que passava de mão em mão como prevenção de envenenamento. Assim, o primeiro a beber era o anfitrião media-dor de acordos que celebravam o fim de guerras e outras disputas.Os Bárbaros batiam, fortemente, com as canecas para que os conteúdos se misturassem, impedindo que houvesse um traidor que ousasse envenenar todas ou uma bebida e que, deste modo, viria, também esse, a morrer.Embora de origem longínqua o brinde só se popularizou no séc. XVI quando começou a ser moda na Inglaterra onde era referido como, Toast (pão torrado) o qual era posto no fundo de uma taça que passava de mão em mão. Ao último cabia a torrada, a saber a vinho.

BRINDE - A frase «Ich Bring Dir’s» (Ofereço-te, trago-te, bebo por Ti) seria pronunciada por mercenários que nos séculos XV e XVI, recrutados no Sacro Império Romano Germânico, serviam os Habsburgo e que acabaram por combater, também, a favor de vários príncipes da Europa. Eram os Landsknecht (território+servo). Na época do Renascimento lutaram em Castela onde os locais resumiram a referida frase à palavra Brindis (corruptela de Bring) que, em português, deu Brinde. O primeiro registo na nossa língua data de meados do séc. XVII e está num livro do Padre Manuel dos Anjos. Outros dizem que Brinde virá de Brindisi, cidade italiana nas costas do Adriático. Dali, após uma ceia que culminava com ruido-sos votos de boa sorte, os jovens aristocratas romanos embarca-vam para a Grécia a fim de aperfeiçoar a sua educação. Como curiosidade, podemos dizer que Virgílio, autor da Eneida (séc. I a. C.) faleceu na referida cidade.

SAÚDE - O desejo de saúde está, desde sempre e em muitos países, associado ao brinde. Terá surgido por causa dos alimentos e bebidas serem muito mal conservados e a sua deterioração provo-car doenças e, até, a morte. Assim, nada melhor que pedir Saúde após um gostoso, mas, também eventualmente perigoso banque-te. Por outro lado, as bebidas, tiveram, na origem, o conceito de vinculação a um dos deuses. Depois, foram, transformadas em remédios sob a forma de licores, (apetite) e digestivos e, até, elixires de longa vida.Em Portugal além da palavra Saúde diz-se, por vezes, Chinchin. Embora possa sugerir o toque das taças, o monossílabo chinês significa Felicidade e, a dobrar, Chinchin, Muita Felicidade.

OS CINCO SENTIDOS - O bater de copos/taças tem outra explica-ção a qual poderemos considerar de poética. Dionísio, o deus grego do vinho e da fertilidade terá iniciado o gesto que provocava sons, completando, assim, a experiência sensorial na degustação do vinho. Até então, só eram atingidos quatro dos cinco sentidos: Visão, olfacto, tacto (contacto com taça/garrafa), e paladar ou gosto. Desta maneira o ritual da bebida passava a ter, também, um elemento sonoro para a alegria ser completa.

CHAMPAGNE – Região de França, a 15O km a Noroeste de Paris, que deu nome à bebida inventada, segundo se diz, em 1668, pelo bene-ditino Dom Pérignon, Abade de Hautvillers. Uma das suas colheitas deu um vinho muito forte que expelia rolhas e rebentava garrafas como se o Demónio estivesse dentro delas. Então, o monge contro-lou a fermentação e utilizou arames para segurar as rolhas de cortiça. Sem lhe tirar a força e o espírito, apaziguou o vinho e possi-bilitou o prazer e a emoção de saborear uma bebida que parece abençoada pois é sinónimo de concórdia e de festa.

Só passados cerca de dois séculos é que o espumante foi reconhe-cido como produto de alta qualidade. Antigamente, todo o vinho que tivesse gás carbónico era considerado defeituoso. O champag-ne ganhou popularidade no tempo de Luís XV. Napoleão dizia que” É merecido na vitória e necessário na derrota”.A região de Champagne só viria a ser delimitada, oficialmente, em 1927. Entretanto, acabou por se vulgarizar, não faltando em festas e actos comemorativos familiares, colectivos ou institucionais que não dispensam esse ritual em que se expressam os melhores votos.Em Portugal produzem-se, pelo método champanhês, vários espumantes de qualidade e de preço acessível, alargando a possi-bilidade de sua utilização.

BRINDE FINAL - O Brinde envolve um certo misticismo que o gesto acompanha. Por isso se ergue a taça à altura do coração e da fronte. O brinde acontece tanto num simples repasto como num grande banquete. No altar de um templo como na modesta mesa em que comemos, ao elevarem-se os copos estabelece-se a comunhão.O brinde aqui acontece em espírito.Àqueles que leram esta minha modesta prosa resultado de alguma pesquisa e consulta de textos, ergo a minha taça com votos de Saúde e Alegria. E Boas Festas!

FP - QUEM É O AMÉRICO BRÁS CARLOS?

ABC - Natural de Azambuja. Quase 64 anos, obcecado pela independência e pela justiça, cada vez com menos palavras e mais reflexão. Fez o curso industrial de electricista e a partir daí foi, durante 11 anos, sempre a trabalhar e a estudar à noite. Foi técnico de instrumentação industrial, quase engenheiro eletrotécnico, aos 21 anos comandou várias dezenas doutros jovens portugueses e angolanos nas matas de Angola junto à fronteira com o Zaire. Juris-ta, fiscalista, consultor do FMI e do Tesouro dos Estados Unidos, docente da Faculdade de Direito de Lisboa e do ISCTE. Tem-se em boa conta e não se importa de falar do que fez e faz, mas acha uma perda de tempo dizer o que pensa que é (os outros, que não sabem nada de mim, que opinem).

LB - NO SEU CASO O GOSTO PELA POESIA VEIO NO LEITE MATER-NO OU SÓ DESPERTOU NA IDADE DAS PRIMEIRAS PAIXÕES?

ABC: O gosto e o contacto sério com a poesia começou apenas por

volta dos 2O anos; e não teve a ver com as primeiras paixões que, por sinal, começaram muito mais cedo. Até lá, eu quase só lia prosa e escrevia contos. Aliás o meu primeiro prémio literário é uma menção honrosa na modalidade “conto”. Só mais tarde percebi o que era a grande poesia.

LB - QUAIS OS AUTORES QUE O INSPIRARAM? CLÁSSICOS? ACTU-AIS?

ABC: Considerando que fui e sou um leitor assíduo de poesia portu-guesa, hão de confluir em mim várias influências. Nesta matéria devo levar também em conta o que outros, que muitos considero, notaram. Por exemplo, o António Manuel Pires Cabral disse que no “Adágio, Romanza e Grave” pareceu-lhe andar por ali a influência de Cesário Verde; o mesmo notou José Jorge Letria e acrescentou Drummond de Andrade. Alguma verdade tem de haver nisso e acho que há. Mas no que escrevo andará também, penso eu, a sombra de Pessoa e Alberto Caeiro, Ruy Belo, de T.S. Eliot, de Jorge Luís Borges, de António Ramos Rosa e certamente de outros que agora não recordo.

LB- A QUEM DEDICOU OS PRIMEIROS VERSOS?

ABC: A ninguém em particular. Recordo bem que os meus primei-ros poemas foram determinados pela guerra colonial. E eram essencialmente de incompreensão e raiva por já me ver (como acontecia aos outros jovens da minha geração) a ser arrancado durante três anos à família, aos amigos e amigas, aos projectos profissionais, escolares e de vida, para ser despejado numa guerra incompreensível a milhares de quilómetros. Nunca publiquei esses poemas e ainda bem. Teriam algum força panfletária, mas eram maus.

LB - QUANDO PESQUISAMOS O SEU NOME NO «GOOGLE» SURGEM OS SEUS «MAIORES SUCESSOS» COMO «IMPOSTOS – TEORIA GERAL» OU «GUIA DOS IMPOSTOS EM PORTUGAL». A ÁREA FISCAL TEM ENCANTOS DESCONHECIDOS?

ABC: Eu ainda reconheço encantos na fiscalidade. A ideia de reparti-ção de sacrifícios patrimoniais individuais para financiamento de bens (e do bem) comuns, assente unicamente em critérios de justiça, é uma ideia cheia de significado e faz com que os meus livros e outros textos que vou publicando nesta área sejam escritos com prazer, que aliás, também resulta da intransigente liberdade e completa independência (não procuro agradar a quaisquer pessoas ou interesses, nem admito que o rigor vá só até ao ponto em que toca os interesses do próprio) com que os escrevo.

LB - FEZ O CURSO DE DIREITO, E PREPARA DOUTORAMENTO. A DOCÊNCIA É TÃO DESAFIANTE COMO A ESCRITA LITERÁRIA?

ABC: Sabe, eu tenho uma carreira docente universitária de 3O anos, a que junto a de formador da Administração Tributária, e sempre gostei de leccionar. Os alunos também gostavam das minhas aulas, a avaliar pelo que escreviam nos respectivos inquéritos de avalia-ção. Hoje só raramente dou aulas e não lhes sinto a falta. Com o chamado processo de Bolonha, os meus alunos que eram dos 4º e 5º anos das licenciaturas passaram a ser do 2º ano com muito menor maturidade e conhecimentos gerais e isso, junto ao que me parece ser uma cada vez menor exigência, também ajudou a algum desencanto.

LB - É UM HOMEM VIAJADO. GOSTAVA DE VIVER NOUTRO PAÍS? ONDE E PORQUÊ?

ABC: De facto, considero-me uma pessoa viajada mas não posso dizer que gostava de viver noutro país. Até por conhecer muitos outros países, sei que as irritações e desânimos que temos perante factos que por aqui ocorrem, também os teríamos no estrangeiro. E aqui sempre há alguma segurança, convivialidade, boa comida a

preço razoável e bom clima.

LB - É SABIDO QUE HÁ GRANDES ESCRITORES E POETAS QUE EXERCERAM PROFISSÕES MUITO POUCO INSPIRADORAS, COMO O CASO DE FERNANDO PESSOA QUE ERA CONTABILISTA. COMO DIVIDE ESSAS DUAS FACETAS EM SI?

ABC: Sobre o nosso Pessoa, importa dizer que, ao contrário do que muitas vezes se quer fazer crer, ele não foi contabilista ou guarda--livros (como então se dizia) apenas como modo de ganhar a vida. Ele foi um estudioso da contabilidade e da gestão das empresas, como se pode ver nos vários artigos que publicou, designadamente, na revista Comércio e Contabilidade que criou com o seu cunhado.Quanto às minhas facetas literária e de jurista, convivem bem. O jurista beneficia da mão treinada do escritor e ao escritor também dá jeito apanhar de vez em quando um banho de realidade.

LB - É UM AUTOR DISCIPLINADO? HORAS CERTAS PARA ESCRE-VER, PELA NOITE DENTRO OU LOGO PELA ALVORADA?

ABC: Não é propositado, mas é muito pela noite fora. Durante o dia, ainda tenho alguns compromissos não literários por cumprir.

LB - NOS ÚLTIMOS TRÊS ANOS PUBLICOU TRÊS LIVROS DE POESIA COM ASSINALÁVEL ÊXITO- «ADÁGIO, ROMANZA E GRAVE»; AS FLORES BRANCAS DO FRANGIPANI» E EM OUTUBRO PASSADO «PAIS E FILHOS, AVÓS E NETOS, EM VERSOS DISCRE-TOS». JÁ TEM OUTRO OU OUTROS NA FORJA?

ABC: Sim, tenho relativamente avançado um livro de poemas, mas que vai ficar uns bons meses “a amadurecer” e um livro de contos para crianças cujo trabalho já começou.

LB - QUE OUTRAS ARTES O FASCINAM?

A pintura certamente, mas não são muitos os pintores e os traba-lhos que me tocam como me tocam os grandes livros. Estão neste grupo reduzido “As Meninas” de Velásquez e sobretudo a sua “Ren-dição de Breda” também conhecido pela “tela das lanças” (há neste quadro uma verticalidade e uma nobreza quer de vencedores quer de vencidos que sempre me comovem); também quase tudo de William Turner (quem gosta, não pode perder a Tatte Gallery antiga); e os quadros da planície de Crau, de Van Gogh; e do nosso Amadeu de Sousa Cardoso (o quadro “Avant la corrida” é soberbo!). Além disso, gosto muita da gravura para além de valorizar a sua técnica muito particular. E Portugal teve e tem grandes artistas na gravura: Bartolomeu Cid dos Santos, David de Almeida, Rogério Ribeiro, Pomar, Botelho, Nikias….Na música emociono-me com peças muito diversas: desde o “Con-certo Bacarisse” e o “Concerto de Aranjuez” de Joaquin Rodrigo e o “Adágio” de Albinoni, até ao “Time after Time” do Milles Davis, passando pelo “A whiter shade of pale” dos Procol Harum e pelos belos discos do Zeca Afonso e do Fausto. Como vê, nada preso a um único estilo ou época.

LB - A PERGUNTA DO COSTUME. SE SÓ PUDESSE LEVAR PARA UMA ILHA (NÃO FATALMENTE DESERTA) UM LIVRO, UMA MÚSICA E UMA TELA QUAIS ESCOLHERIA?

ABC: Trocava a música e a tela por livros e levava: “O que diz Molero” de Dinis Machado, “Ficções” de Jorge Luís Borges e uma colectânea de toda a poesia de Fernando Pessoa e seus heterónimos (talvez dispensasse Álvaro de Campos).

FP - AO LONGO DESTES ANOS DE VIDA, QUANDO É QUE SURGE O POETA: AGORA QUE COMEÇOU A EDITAR, OU HÁ MUITA POESIA NA "GAVETA"?

ABC – Com alguma consistência, o poeta surge na segunda metade da década de 7O. Os prémios literários são um reflexo disso. Nunca deixei de ler e de escrever (não há aliás outra maneira de aprender a escrever bem que não seja lendo os melhores) e na gaveta ainda anda por lá muita coisa, mas não creio que se aproveite muito. Hoje, gosto de muito pouco do que por lá ficou.

FP - NA TUA POESIA, AGORA COM A VIDA ESTABILIZADA, HÁ UM ACERTO DE CONTAS COM AS AGRURAS DO PRINCÍPIO DA VIDA? SÃO AS MEMÓRIAS DE UMA INFÂNCIA FELIZ EM CONTRAPONTO À GUERRA COLONIAL? O QUE FOI PARA TI A GUERRA COLONIAL?

ABC: Não, acerto de contas com a vida, não. Muitas vezes, a vida nem sequer é de boas contas: pensamos que estão saldadas e ela vem pedir-nos mais. Não vale a pena…o melhor mesmo é viver cada dia em paz consigo mesmo.Esta pergunta toca, aliás, uma temática que tem dividido os poetas. É o problema da contaminação ou não da arte pelo passado e pela vivência do poeta. Por exemplo, o grande poeta Carlos Drummond de Andrade era um defensor convicto da “incontaminação”. É claro que a mim também me custa ver poemas centrados e carregados do eu de quem os escreve, numa espécie de exercício de vaidade, ou de psicanálise, ou de auto ajuda tão em voga. O mesmo para referências à sua cidade natal ou à sua região. Por outro lado, porém, acho impossível que alguém no seu processo criativo escape à influência do que foi na infância e adolescência. Eu, já que me perguntas, adoro ir ao “armário azul da minha infância” (este verso é do José Jorge Letria) para reinventar imagens que dela retiro.Quanto à guerra colonial, foi para mim o que foi para muitos jovens: uma experiência marcante que podia ter corrido mal, mas felizmente no meu caso correu sem danos. Eu era um operacional (atirador de cavalaria) e fui mobilizado em rendição individual e metido dentro de um rectângulo de arame farpado, onde já estavam cerca de 100 homens. Nos muitos quilómetros em redor não havia quaisquer povoações. Só mato. Um verdadeiro “cu de Judas”. Porque o grupo de combate tinha sido dizimado numa emboscada que causou mais de duas dezenas de baixas, foi recom-pletado com soldados que vinham castigados de outros pontos de Angola, e ali estava eu para na semana seguinte, os começar a

comandar em operações de 4 dias (e 3 noites, que eram as que custavam mais a passar); às vezes debaixo de trovoadas inclemen-tes outras vezes de um sol abrasador, já sem água e já sem suportar o cheiro das rações de combate. E não digo mais...

FP - A VIDA PROFISSIONAL COMO FISCALISTA, CONSULTOR INTERNACIONAL OU PROFESSOR "ESTRANGULOU" O POETA OU FOI A SECURA DA VIDA PROFISSIONAL QUE FEZ SURGIR O POETA?

Na resposta a essa pergunta há uma evidência factual: a poesia chegou antes dos impostos. Aquela chegou no início da década de 7O (mesmos os prémios chegaram no meio e no final dessa década) e os impostos chegaram só em 1982 (liquidador tributário estagiário em Azambuja).A propósito desta pergunta, lembro-me que uma vez um crítico literário glosou o facto do poeta Ruy Cinatti, que exercia normal-mente a sua profissão de agrónomo, estar ligado ao estudo da produção de cortiça. O dito crítico terá dito qualquer coisa como: nunca saberemos quantos bons poemas não ficaram “enrolhados” devido à actividade profissional do poeta. Mas também não sei se os poetas que se isolam anos a fio, apenas escrevendo, não estão a perder algo de importante que só existe cá fora.

FP - PODE-SE DIZER QUE NA ACTIVIDADE DO COFRE TAMBÉM HÁ POESIA?

ABC – Bem, pelo menos quando se fazem sessões de apresentação de certos livros, é provável que haja (riso). O auditório tem aliás fixada à parede uma figura do Fernando Pessoa. Agora mais a sério, a poesia requer algo que a actividade e a gestão do Cofre, ou de qualquer organização cujo património é de um colectivo, também requerem: rigor e clareza.

LB - NESTA ÚLTIMA REVISTA DO COFRE REFERENTE A 2O15, PODE DEIXAR UMA PALAVRA AOS NOSSOS SÓCIOS E FAMILIARES. UM LEMA PARA A VIDA OU APENAS UMA SAUDAÇÃO?

ABC: Talvez aplicasse à vida e ao que ela deve ter de grandioso e de emocionante, o que o prémio Nobel da literatura, Octávio Paz disse da poesia, quando escreveu: “A poesia ou é um salto mortal ou não é nada”.E, com os votos de Bom Ano Novo, deixava aqui o último poema do meu mais recente livro “Pais e Filhos, Avós e Netos, em versos discretos”:Se eu tivesseapenas uma palavra para te dar,como a quem partindo em viagem,Se dá um conselho, um guião,Dar-te-ia apenas a palavra coragem.E dir-te-ia:- Tem cuidado, mas medo não!

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Page 14: LUA - cofre.org · com a mais alta tecnologia, salas de formação e auditório para receber conferências e espectáculos, tendo um palco ligado ao ... última revista Cofre de 2O15
Page 15: LUA - cofre.org · com a mais alta tecnologia, salas de formação e auditório para receber conferências e espectáculos, tendo um palco ligado ao ... última revista Cofre de 2O15

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QUEM É QUEM ccofre

Sou o Luís Barroso, tenho 41 anos e entrei para o Cofre em Junho 2OO7 na função de auxiliar administrativo. Fui reforçar a equipa do Arquivo, que dava apoio aos outros departamentos na manuten-ção, consulta e actualização permanente de dados sobre os sócios e as suas regalias e actividades. Na mesma equipa, colaborava na organização do serviço diário de correio, assim como na sua entre-ga na estação dos C.T.T. afecta à área. Algum tempo depois, ao efectivar-se a transferência da maior parte dos serviços da Rua do Arsenal para a Rua dos Sapateiros, passei a executar também, tarefas de recolha e distribuição de documentos entre os departa-mentos nos diversos andares assim como entre as duas instalações referidas. Este trabalho estendeu-se, mais tarde, às instalações do Cofre na Rua da Prata.Actualmente sou assistente técnico no Departamento de Gestão de Associados e Património, mantenho em parte as actividades referi-das, e colaboro na introdução informática de dados de novos sócios, assim como na actualização dos dados dos associados já existentes.Espero que, no exercício destas funções, dê o meu contributo para uma boa comunicação entre departamentos e entre os sócios e o Cofre, com o objectivo último de melhorar o desempenho e imagem da Instituição a que pertenço.

LUIS BARROSO

Sou o Luis Ganso, com 5O anos, e faço parte desta Instituição desde O1/O2/1988. Quando entrei foi para a Reprografia, com a função de Auxiliar Administrativo, já dei o meu contributo em quase todos os Departamentos.Atualmente continuo como Auxiliar Administrativo, colocado nos Serviços Financeiros e faço um pouco de tudo.Os meus hobbies são pesca e caça.O meu muito obrigada à Instituição Cofre, sempre ao dispor

LUÍS GANSO

FP - QUEM É O AMÉRICO BRÁS CARLOS?

ABC - Natural de Azambuja. Quase 64 anos, obcecado pela independência e pela justiça, cada vez com menos palavras e mais reflexão. Fez o curso industrial de electricista e a partir daí foi, durante 11 anos, sempre a trabalhar e a estudar à noite. Foi técnico de instrumentação industrial, quase engenheiro eletrotécnico, aos 21 anos comandou várias dezenas doutros jovens portugueses e angolanos nas matas de Angola junto à fronteira com o Zaire. Juris-ta, fiscalista, consultor do FMI e do Tesouro dos Estados Unidos, docente da Faculdade de Direito de Lisboa e do ISCTE. Tem-se em boa conta e não se importa de falar do que fez e faz, mas acha uma perda de tempo dizer o que pensa que é (os outros, que não sabem nada de mim, que opinem).

LB - NO SEU CASO O GOSTO PELA POESIA VEIO NO LEITE MATER-NO OU SÓ DESPERTOU NA IDADE DAS PRIMEIRAS PAIXÕES?

ABC: O gosto e o contacto sério com a poesia começou apenas por

volta dos 2O anos; e não teve a ver com as primeiras paixões que, por sinal, começaram muito mais cedo. Até lá, eu quase só lia prosa e escrevia contos. Aliás o meu primeiro prémio literário é uma menção honrosa na modalidade “conto”. Só mais tarde percebi o que era a grande poesia.

LB - QUAIS OS AUTORES QUE O INSPIRARAM? CLÁSSICOS? ACTU-AIS?

ABC: Considerando que fui e sou um leitor assíduo de poesia portu-guesa, hão de confluir em mim várias influências. Nesta matéria devo levar também em conta o que outros, que muitos considero, notaram. Por exemplo, o António Manuel Pires Cabral disse que no “Adágio, Romanza e Grave” pareceu-lhe andar por ali a influência de Cesário Verde; o mesmo notou José Jorge Letria e acrescentou Drummond de Andrade. Alguma verdade tem de haver nisso e acho que há. Mas no que escrevo andará também, penso eu, a sombra de Pessoa e Alberto Caeiro, Ruy Belo, de T.S. Eliot, de Jorge Luís Borges, de António Ramos Rosa e certamente de outros que agora não recordo.

LB- A QUEM DEDICOU OS PRIMEIROS VERSOS?

ABC: A ninguém em particular. Recordo bem que os meus primei-ros poemas foram determinados pela guerra colonial. E eram essencialmente de incompreensão e raiva por já me ver (como acontecia aos outros jovens da minha geração) a ser arrancado durante três anos à família, aos amigos e amigas, aos projectos profissionais, escolares e de vida, para ser despejado numa guerra incompreensível a milhares de quilómetros. Nunca publiquei esses poemas e ainda bem. Teriam algum força panfletária, mas eram maus.

LB - QUANDO PESQUISAMOS O SEU NOME NO «GOOGLE» SURGEM OS SEUS «MAIORES SUCESSOS» COMO «IMPOSTOS – TEORIA GERAL» OU «GUIA DOS IMPOSTOS EM PORTUGAL». A ÁREA FISCAL TEM ENCANTOS DESCONHECIDOS?

ABC: Eu ainda reconheço encantos na fiscalidade. A ideia de reparti-ção de sacrifícios patrimoniais individuais para financiamento de bens (e do bem) comuns, assente unicamente em critérios de justiça, é uma ideia cheia de significado e faz com que os meus livros e outros textos que vou publicando nesta área sejam escritos com prazer, que aliás, também resulta da intransigente liberdade e completa independência (não procuro agradar a quaisquer pessoas ou interesses, nem admito que o rigor vá só até ao ponto em que toca os interesses do próprio) com que os escrevo.

LB - FEZ O CURSO DE DIREITO, E PREPARA DOUTORAMENTO. A DOCÊNCIA É TÃO DESAFIANTE COMO A ESCRITA LITERÁRIA?

ABC: Sabe, eu tenho uma carreira docente universitária de 3O anos, a que junto a de formador da Administração Tributária, e sempre gostei de leccionar. Os alunos também gostavam das minhas aulas, a avaliar pelo que escreviam nos respectivos inquéritos de avalia-ção. Hoje só raramente dou aulas e não lhes sinto a falta. Com o chamado processo de Bolonha, os meus alunos que eram dos 4º e 5º anos das licenciaturas passaram a ser do 2º ano com muito menor maturidade e conhecimentos gerais e isso, junto ao que me parece ser uma cada vez menor exigência, também ajudou a algum desencanto.

LB - É UM HOMEM VIAJADO. GOSTAVA DE VIVER NOUTRO PAÍS? ONDE E PORQUÊ?

ABC: De facto, considero-me uma pessoa viajada mas não posso dizer que gostava de viver noutro país. Até por conhecer muitos outros países, sei que as irritações e desânimos que temos perante factos que por aqui ocorrem, também os teríamos no estrangeiro. E aqui sempre há alguma segurança, convivialidade, boa comida a

preço razoável e bom clima.

LB - É SABIDO QUE HÁ GRANDES ESCRITORES E POETAS QUE EXERCERAM PROFISSÕES MUITO POUCO INSPIRADORAS, COMO O CASO DE FERNANDO PESSOA QUE ERA CONTABILISTA. COMO DIVIDE ESSAS DUAS FACETAS EM SI?

ABC: Sobre o nosso Pessoa, importa dizer que, ao contrário do que muitas vezes se quer fazer crer, ele não foi contabilista ou guarda--livros (como então se dizia) apenas como modo de ganhar a vida. Ele foi um estudioso da contabilidade e da gestão das empresas, como se pode ver nos vários artigos que publicou, designadamente, na revista Comércio e Contabilidade que criou com o seu cunhado.Quanto às minhas facetas literária e de jurista, convivem bem. O jurista beneficia da mão treinada do escritor e ao escritor também dá jeito apanhar de vez em quando um banho de realidade.

LB - É UM AUTOR DISCIPLINADO? HORAS CERTAS PARA ESCRE-VER, PELA NOITE DENTRO OU LOGO PELA ALVORADA?

ABC: Não é propositado, mas é muito pela noite fora. Durante o dia, ainda tenho alguns compromissos não literários por cumprir.

LB - NOS ÚLTIMOS TRÊS ANOS PUBLICOU TRÊS LIVROS DE POESIA COM ASSINALÁVEL ÊXITO- «ADÁGIO, ROMANZA E GRAVE»; AS FLORES BRANCAS DO FRANGIPANI» E EM OUTUBRO PASSADO «PAIS E FILHOS, AVÓS E NETOS, EM VERSOS DISCRE-TOS». JÁ TEM OUTRO OU OUTROS NA FORJA?

ABC: Sim, tenho relativamente avançado um livro de poemas, mas que vai ficar uns bons meses “a amadurecer” e um livro de contos para crianças cujo trabalho já começou.

LB - QUE OUTRAS ARTES O FASCINAM?

A pintura certamente, mas não são muitos os pintores e os traba-lhos que me tocam como me tocam os grandes livros. Estão neste grupo reduzido “As Meninas” de Velásquez e sobretudo a sua “Ren-dição de Breda” também conhecido pela “tela das lanças” (há neste quadro uma verticalidade e uma nobreza quer de vencedores quer de vencidos que sempre me comovem); também quase tudo de William Turner (quem gosta, não pode perder a Tatte Gallery antiga); e os quadros da planície de Crau, de Van Gogh; e do nosso Amadeu de Sousa Cardoso (o quadro “Avant la corrida” é soberbo!). Além disso, gosto muita da gravura para além de valorizar a sua técnica muito particular. E Portugal teve e tem grandes artistas na gravura: Bartolomeu Cid dos Santos, David de Almeida, Rogério Ribeiro, Pomar, Botelho, Nikias….Na música emociono-me com peças muito diversas: desde o “Con-certo Bacarisse” e o “Concerto de Aranjuez” de Joaquin Rodrigo e o “Adágio” de Albinoni, até ao “Time after Time” do Milles Davis, passando pelo “A whiter shade of pale” dos Procol Harum e pelos belos discos do Zeca Afonso e do Fausto. Como vê, nada preso a um único estilo ou época.

LB - A PERGUNTA DO COSTUME. SE SÓ PUDESSE LEVAR PARA UMA ILHA (NÃO FATALMENTE DESERTA) UM LIVRO, UMA MÚSICA E UMA TELA QUAIS ESCOLHERIA?

ABC: Trocava a música e a tela por livros e levava: “O que diz Molero” de Dinis Machado, “Ficções” de Jorge Luís Borges e uma colectânea de toda a poesia de Fernando Pessoa e seus heterónimos (talvez dispensasse Álvaro de Campos).

FP - AO LONGO DESTES ANOS DE VIDA, QUANDO É QUE SURGE O POETA: AGORA QUE COMEÇOU A EDITAR, OU HÁ MUITA POESIA NA "GAVETA"?

ABC – Com alguma consistência, o poeta surge na segunda metade da década de 7O. Os prémios literários são um reflexo disso. Nunca deixei de ler e de escrever (não há aliás outra maneira de aprender a escrever bem que não seja lendo os melhores) e na gaveta ainda anda por lá muita coisa, mas não creio que se aproveite muito. Hoje, gosto de muito pouco do que por lá ficou.

FP - NA TUA POESIA, AGORA COM A VIDA ESTABILIZADA, HÁ UM ACERTO DE CONTAS COM AS AGRURAS DO PRINCÍPIO DA VIDA? SÃO AS MEMÓRIAS DE UMA INFÂNCIA FELIZ EM CONTRAPONTO À GUERRA COLONIAL? O QUE FOI PARA TI A GUERRA COLONIAL?

ABC: Não, acerto de contas com a vida, não. Muitas vezes, a vida nem sequer é de boas contas: pensamos que estão saldadas e ela vem pedir-nos mais. Não vale a pena…o melhor mesmo é viver cada dia em paz consigo mesmo.Esta pergunta toca, aliás, uma temática que tem dividido os poetas. É o problema da contaminação ou não da arte pelo passado e pela vivência do poeta. Por exemplo, o grande poeta Carlos Drummond de Andrade era um defensor convicto da “incontaminação”. É claro que a mim também me custa ver poemas centrados e carregados do eu de quem os escreve, numa espécie de exercício de vaidade, ou de psicanálise, ou de auto ajuda tão em voga. O mesmo para referências à sua cidade natal ou à sua região. Por outro lado, porém, acho impossível que alguém no seu processo criativo escape à influência do que foi na infância e adolescência. Eu, já que me perguntas, adoro ir ao “armário azul da minha infância” (este verso é do José Jorge Letria) para reinventar imagens que dela retiro.Quanto à guerra colonial, foi para mim o que foi para muitos jovens: uma experiência marcante que podia ter corrido mal, mas felizmente no meu caso correu sem danos. Eu era um operacional (atirador de cavalaria) e fui mobilizado em rendição individual e metido dentro de um rectângulo de arame farpado, onde já estavam cerca de 100 homens. Nos muitos quilómetros em redor não havia quaisquer povoações. Só mato. Um verdadeiro “cu de Judas”. Porque o grupo de combate tinha sido dizimado numa emboscada que causou mais de duas dezenas de baixas, foi recom-pletado com soldados que vinham castigados de outros pontos de Angola, e ali estava eu para na semana seguinte, os começar a

comandar em operações de 4 dias (e 3 noites, que eram as que custavam mais a passar); às vezes debaixo de trovoadas inclemen-tes outras vezes de um sol abrasador, já sem água e já sem suportar o cheiro das rações de combate. E não digo mais...

FP - A VIDA PROFISSIONAL COMO FISCALISTA, CONSULTOR INTERNACIONAL OU PROFESSOR "ESTRANGULOU" O POETA OU FOI A SECURA DA VIDA PROFISSIONAL QUE FEZ SURGIR O POETA?

Na resposta a essa pergunta há uma evidência factual: a poesia chegou antes dos impostos. Aquela chegou no início da década de 7O (mesmos os prémios chegaram no meio e no final dessa década) e os impostos chegaram só em 1982 (liquidador tributário estagiário em Azambuja).A propósito desta pergunta, lembro-me que uma vez um crítico literário glosou o facto do poeta Ruy Cinatti, que exercia normal-mente a sua profissão de agrónomo, estar ligado ao estudo da produção de cortiça. O dito crítico terá dito qualquer coisa como: nunca saberemos quantos bons poemas não ficaram “enrolhados” devido à actividade profissional do poeta. Mas também não sei se os poetas que se isolam anos a fio, apenas escrevendo, não estão a perder algo de importante que só existe cá fora.

FP - PODE-SE DIZER QUE NA ACTIVIDADE DO COFRE TAMBÉM HÁ POESIA?

ABC – Bem, pelo menos quando se fazem sessões de apresentação de certos livros, é provável que haja (riso). O auditório tem aliás fixada à parede uma figura do Fernando Pessoa. Agora mais a sério, a poesia requer algo que a actividade e a gestão do Cofre, ou de qualquer organização cujo património é de um colectivo, também requerem: rigor e clareza.

LB - NESTA ÚLTIMA REVISTA DO COFRE REFERENTE A 2O15, PODE DEIXAR UMA PALAVRA AOS NOSSOS SÓCIOS E FAMILIARES. UM LEMA PARA A VIDA OU APENAS UMA SAUDAÇÃO?

ABC: Talvez aplicasse à vida e ao que ela deve ter de grandioso e de emocionante, o que o prémio Nobel da literatura, Octávio Paz disse da poesia, quando escreveu: “A poesia ou é um salto mortal ou não é nada”.E, com os votos de Bom Ano Novo, deixava aqui o último poema do meu mais recente livro “Pais e Filhos, Avós e Netos, em versos discretos”:Se eu tivesseapenas uma palavra para te dar,como a quem partindo em viagem,Se dá um conselho, um guião,Dar-te-ia apenas a palavra coragem.E dir-te-ia:- Tem cuidado, mas medo não!

Sou a Fernanda Santos, tenho 57 anos e entrei para o Cofre em Janeiro de 2O12 para a R.S. de Loures. Exercia funções como assis-tente operacional no sector de limpeza e trouxe de lá boas memó-rias das conversas com os utentes. Em Janeiro de 2O15 fui transfe-rida para os serviços administrativos na R. dos Sapateiros exercen-do actualmente funções relacionadas com receção/expedição do correio, saídas dos ofícios e intercâmbio de documentação entre departamentos. Tento sempre dar o meu melhor na expectativa de aprender mais para poder contribuir para o bom funcionamento desta instituição da qual me orgulho de ser funcionária.

FERNANDA SANTOS

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QUEM É QUEM ccofre

Sou o Luís Barroso, tenho 41 anos e entrei para o Cofre em Junho 2OO7 na função de auxiliar administrativo. Fui reforçar a equipa do Arquivo, que dava apoio aos outros departamentos na manuten-ção, consulta e actualização permanente de dados sobre os sócios e as suas regalias e actividades. Na mesma equipa, colaborava na organização do serviço diário de correio, assim como na sua entre-ga na estação dos C.T.T. afecta à área. Algum tempo depois, ao efectivar-se a transferência da maior parte dos serviços da Rua do Arsenal para a Rua dos Sapateiros, passei a executar também, tarefas de recolha e distribuição de documentos entre os departa-mentos nos diversos andares assim como entre as duas instalações referidas. Este trabalho estendeu-se, mais tarde, às instalações do Cofre na Rua da Prata.Actualmente sou assistente técnico no Departamento de Gestão de Associados e Património, mantenho em parte as actividades referi-das, e colaboro na introdução informática de dados de novos sócios, assim como na actualização dos dados dos associados já existentes.Espero que, no exercício destas funções, dê o meu contributo para uma boa comunicação entre departamentos e entre os sócios e o Cofre, com o objectivo último de melhorar o desempenho e imagem da Instituição a que pertenço.

LUIS BARROSO

Sou o Luis Ganso, com 5O anos, e faço parte desta Instituição desde O1/O2/1988. Quando entrei foi para a Reprografia, com a função de Auxiliar Administrativo, já dei o meu contributo em quase todos os Departamentos.Atualmente continuo como Auxiliar Administrativo, colocado nos Serviços Financeiros e faço um pouco de tudo.Os meus hobbies são pesca e caça.O meu muito obrigada à Instituição Cofre, sempre ao dispor

LUÍS GANSO

FP - QUEM É O AMÉRICO BRÁS CARLOS?

ABC - Natural de Azambuja. Quase 64 anos, obcecado pela independência e pela justiça, cada vez com menos palavras e mais reflexão. Fez o curso industrial de electricista e a partir daí foi, durante 11 anos, sempre a trabalhar e a estudar à noite. Foi técnico de instrumentação industrial, quase engenheiro eletrotécnico, aos 21 anos comandou várias dezenas doutros jovens portugueses e angolanos nas matas de Angola junto à fronteira com o Zaire. Juris-ta, fiscalista, consultor do FMI e do Tesouro dos Estados Unidos, docente da Faculdade de Direito de Lisboa e do ISCTE. Tem-se em boa conta e não se importa de falar do que fez e faz, mas acha uma perda de tempo dizer o que pensa que é (os outros, que não sabem nada de mim, que opinem).

LB - NO SEU CASO O GOSTO PELA POESIA VEIO NO LEITE MATER-NO OU SÓ DESPERTOU NA IDADE DAS PRIMEIRAS PAIXÕES?

ABC: O gosto e o contacto sério com a poesia começou apenas por

volta dos 2O anos; e não teve a ver com as primeiras paixões que, por sinal, começaram muito mais cedo. Até lá, eu quase só lia prosa e escrevia contos. Aliás o meu primeiro prémio literário é uma menção honrosa na modalidade “conto”. Só mais tarde percebi o que era a grande poesia.

LB - QUAIS OS AUTORES QUE O INSPIRARAM? CLÁSSICOS? ACTU-AIS?

ABC: Considerando que fui e sou um leitor assíduo de poesia portu-guesa, hão de confluir em mim várias influências. Nesta matéria devo levar também em conta o que outros, que muitos considero, notaram. Por exemplo, o António Manuel Pires Cabral disse que no “Adágio, Romanza e Grave” pareceu-lhe andar por ali a influência de Cesário Verde; o mesmo notou José Jorge Letria e acrescentou Drummond de Andrade. Alguma verdade tem de haver nisso e acho que há. Mas no que escrevo andará também, penso eu, a sombra de Pessoa e Alberto Caeiro, Ruy Belo, de T.S. Eliot, de Jorge Luís Borges, de António Ramos Rosa e certamente de outros que agora não recordo.

LB- A QUEM DEDICOU OS PRIMEIROS VERSOS?

ABC: A ninguém em particular. Recordo bem que os meus primei-ros poemas foram determinados pela guerra colonial. E eram essencialmente de incompreensão e raiva por já me ver (como acontecia aos outros jovens da minha geração) a ser arrancado durante três anos à família, aos amigos e amigas, aos projectos profissionais, escolares e de vida, para ser despejado numa guerra incompreensível a milhares de quilómetros. Nunca publiquei esses poemas e ainda bem. Teriam algum força panfletária, mas eram maus.

LB - QUANDO PESQUISAMOS O SEU NOME NO «GOOGLE» SURGEM OS SEUS «MAIORES SUCESSOS» COMO «IMPOSTOS – TEORIA GERAL» OU «GUIA DOS IMPOSTOS EM PORTUGAL». A ÁREA FISCAL TEM ENCANTOS DESCONHECIDOS?

ABC: Eu ainda reconheço encantos na fiscalidade. A ideia de reparti-ção de sacrifícios patrimoniais individuais para financiamento de bens (e do bem) comuns, assente unicamente em critérios de justiça, é uma ideia cheia de significado e faz com que os meus livros e outros textos que vou publicando nesta área sejam escritos com prazer, que aliás, também resulta da intransigente liberdade e completa independência (não procuro agradar a quaisquer pessoas ou interesses, nem admito que o rigor vá só até ao ponto em que toca os interesses do próprio) com que os escrevo.

LB - FEZ O CURSO DE DIREITO, E PREPARA DOUTORAMENTO. A DOCÊNCIA É TÃO DESAFIANTE COMO A ESCRITA LITERÁRIA?

ABC: Sabe, eu tenho uma carreira docente universitária de 3O anos, a que junto a de formador da Administração Tributária, e sempre gostei de leccionar. Os alunos também gostavam das minhas aulas, a avaliar pelo que escreviam nos respectivos inquéritos de avalia-ção. Hoje só raramente dou aulas e não lhes sinto a falta. Com o chamado processo de Bolonha, os meus alunos que eram dos 4º e 5º anos das licenciaturas passaram a ser do 2º ano com muito menor maturidade e conhecimentos gerais e isso, junto ao que me parece ser uma cada vez menor exigência, também ajudou a algum desencanto.

LB - É UM HOMEM VIAJADO. GOSTAVA DE VIVER NOUTRO PAÍS? ONDE E PORQUÊ?

ABC: De facto, considero-me uma pessoa viajada mas não posso dizer que gostava de viver noutro país. Até por conhecer muitos outros países, sei que as irritações e desânimos que temos perante factos que por aqui ocorrem, também os teríamos no estrangeiro. E aqui sempre há alguma segurança, convivialidade, boa comida a

preço razoável e bom clima.

LB - É SABIDO QUE HÁ GRANDES ESCRITORES E POETAS QUE EXERCERAM PROFISSÕES MUITO POUCO INSPIRADORAS, COMO O CASO DE FERNANDO PESSOA QUE ERA CONTABILISTA. COMO DIVIDE ESSAS DUAS FACETAS EM SI?

ABC: Sobre o nosso Pessoa, importa dizer que, ao contrário do que muitas vezes se quer fazer crer, ele não foi contabilista ou guarda--livros (como então se dizia) apenas como modo de ganhar a vida. Ele foi um estudioso da contabilidade e da gestão das empresas, como se pode ver nos vários artigos que publicou, designadamente, na revista Comércio e Contabilidade que criou com o seu cunhado.Quanto às minhas facetas literária e de jurista, convivem bem. O jurista beneficia da mão treinada do escritor e ao escritor também dá jeito apanhar de vez em quando um banho de realidade.

LB - É UM AUTOR DISCIPLINADO? HORAS CERTAS PARA ESCRE-VER, PELA NOITE DENTRO OU LOGO PELA ALVORADA?

ABC: Não é propositado, mas é muito pela noite fora. Durante o dia, ainda tenho alguns compromissos não literários por cumprir.

LB - NOS ÚLTIMOS TRÊS ANOS PUBLICOU TRÊS LIVROS DE POESIA COM ASSINALÁVEL ÊXITO- «ADÁGIO, ROMANZA E GRAVE»; AS FLORES BRANCAS DO FRANGIPANI» E EM OUTUBRO PASSADO «PAIS E FILHOS, AVÓS E NETOS, EM VERSOS DISCRE-TOS». JÁ TEM OUTRO OU OUTROS NA FORJA?

ABC: Sim, tenho relativamente avançado um livro de poemas, mas que vai ficar uns bons meses “a amadurecer” e um livro de contos para crianças cujo trabalho já começou.

LB - QUE OUTRAS ARTES O FASCINAM?

A pintura certamente, mas não são muitos os pintores e os traba-lhos que me tocam como me tocam os grandes livros. Estão neste grupo reduzido “As Meninas” de Velásquez e sobretudo a sua “Ren-dição de Breda” também conhecido pela “tela das lanças” (há neste quadro uma verticalidade e uma nobreza quer de vencedores quer de vencidos que sempre me comovem); também quase tudo de William Turner (quem gosta, não pode perder a Tatte Gallery antiga); e os quadros da planície de Crau, de Van Gogh; e do nosso Amadeu de Sousa Cardoso (o quadro “Avant la corrida” é soberbo!). Além disso, gosto muita da gravura para além de valorizar a sua técnica muito particular. E Portugal teve e tem grandes artistas na gravura: Bartolomeu Cid dos Santos, David de Almeida, Rogério Ribeiro, Pomar, Botelho, Nikias….Na música emociono-me com peças muito diversas: desde o “Con-certo Bacarisse” e o “Concerto de Aranjuez” de Joaquin Rodrigo e o “Adágio” de Albinoni, até ao “Time after Time” do Milles Davis, passando pelo “A whiter shade of pale” dos Procol Harum e pelos belos discos do Zeca Afonso e do Fausto. Como vê, nada preso a um único estilo ou época.

LB - A PERGUNTA DO COSTUME. SE SÓ PUDESSE LEVAR PARA UMA ILHA (NÃO FATALMENTE DESERTA) UM LIVRO, UMA MÚSICA E UMA TELA QUAIS ESCOLHERIA?

ABC: Trocava a música e a tela por livros e levava: “O que diz Molero” de Dinis Machado, “Ficções” de Jorge Luís Borges e uma colectânea de toda a poesia de Fernando Pessoa e seus heterónimos (talvez dispensasse Álvaro de Campos).

FP - AO LONGO DESTES ANOS DE VIDA, QUANDO É QUE SURGE O POETA: AGORA QUE COMEÇOU A EDITAR, OU HÁ MUITA POESIA NA "GAVETA"?

ABC – Com alguma consistência, o poeta surge na segunda metade da década de 7O. Os prémios literários são um reflexo disso. Nunca deixei de ler e de escrever (não há aliás outra maneira de aprender a escrever bem que não seja lendo os melhores) e na gaveta ainda anda por lá muita coisa, mas não creio que se aproveite muito. Hoje, gosto de muito pouco do que por lá ficou.

FP - NA TUA POESIA, AGORA COM A VIDA ESTABILIZADA, HÁ UM ACERTO DE CONTAS COM AS AGRURAS DO PRINCÍPIO DA VIDA? SÃO AS MEMÓRIAS DE UMA INFÂNCIA FELIZ EM CONTRAPONTO À GUERRA COLONIAL? O QUE FOI PARA TI A GUERRA COLONIAL?

ABC: Não, acerto de contas com a vida, não. Muitas vezes, a vida nem sequer é de boas contas: pensamos que estão saldadas e ela vem pedir-nos mais. Não vale a pena…o melhor mesmo é viver cada dia em paz consigo mesmo.Esta pergunta toca, aliás, uma temática que tem dividido os poetas. É o problema da contaminação ou não da arte pelo passado e pela vivência do poeta. Por exemplo, o grande poeta Carlos Drummond de Andrade era um defensor convicto da “incontaminação”. É claro que a mim também me custa ver poemas centrados e carregados do eu de quem os escreve, numa espécie de exercício de vaidade, ou de psicanálise, ou de auto ajuda tão em voga. O mesmo para referências à sua cidade natal ou à sua região. Por outro lado, porém, acho impossível que alguém no seu processo criativo escape à influência do que foi na infância e adolescência. Eu, já que me perguntas, adoro ir ao “armário azul da minha infância” (este verso é do José Jorge Letria) para reinventar imagens que dela retiro.Quanto à guerra colonial, foi para mim o que foi para muitos jovens: uma experiência marcante que podia ter corrido mal, mas felizmente no meu caso correu sem danos. Eu era um operacional (atirador de cavalaria) e fui mobilizado em rendição individual e metido dentro de um rectângulo de arame farpado, onde já estavam cerca de 100 homens. Nos muitos quilómetros em redor não havia quaisquer povoações. Só mato. Um verdadeiro “cu de Judas”. Porque o grupo de combate tinha sido dizimado numa emboscada que causou mais de duas dezenas de baixas, foi recom-pletado com soldados que vinham castigados de outros pontos de Angola, e ali estava eu para na semana seguinte, os começar a

comandar em operações de 4 dias (e 3 noites, que eram as que custavam mais a passar); às vezes debaixo de trovoadas inclemen-tes outras vezes de um sol abrasador, já sem água e já sem suportar o cheiro das rações de combate. E não digo mais...

FP - A VIDA PROFISSIONAL COMO FISCALISTA, CONSULTOR INTERNACIONAL OU PROFESSOR "ESTRANGULOU" O POETA OU FOI A SECURA DA VIDA PROFISSIONAL QUE FEZ SURGIR O POETA?

Na resposta a essa pergunta há uma evidência factual: a poesia chegou antes dos impostos. Aquela chegou no início da década de 7O (mesmos os prémios chegaram no meio e no final dessa década) e os impostos chegaram só em 1982 (liquidador tributário estagiário em Azambuja).A propósito desta pergunta, lembro-me que uma vez um crítico literário glosou o facto do poeta Ruy Cinatti, que exercia normal-mente a sua profissão de agrónomo, estar ligado ao estudo da produção de cortiça. O dito crítico terá dito qualquer coisa como: nunca saberemos quantos bons poemas não ficaram “enrolhados” devido à actividade profissional do poeta. Mas também não sei se os poetas que se isolam anos a fio, apenas escrevendo, não estão a perder algo de importante que só existe cá fora.

FP - PODE-SE DIZER QUE NA ACTIVIDADE DO COFRE TAMBÉM HÁ POESIA?

ABC – Bem, pelo menos quando se fazem sessões de apresentação de certos livros, é provável que haja (riso). O auditório tem aliás fixada à parede uma figura do Fernando Pessoa. Agora mais a sério, a poesia requer algo que a actividade e a gestão do Cofre, ou de qualquer organização cujo património é de um colectivo, também requerem: rigor e clareza.

LB - NESTA ÚLTIMA REVISTA DO COFRE REFERENTE A 2O15, PODE DEIXAR UMA PALAVRA AOS NOSSOS SÓCIOS E FAMILIARES. UM LEMA PARA A VIDA OU APENAS UMA SAUDAÇÃO?

ABC: Talvez aplicasse à vida e ao que ela deve ter de grandioso e de emocionante, o que o prémio Nobel da literatura, Octávio Paz disse da poesia, quando escreveu: “A poesia ou é um salto mortal ou não é nada”.E, com os votos de Bom Ano Novo, deixava aqui o último poema do meu mais recente livro “Pais e Filhos, Avós e Netos, em versos discretos”:Se eu tivesseapenas uma palavra para te dar,como a quem partindo em viagem,Se dá um conselho, um guião,Dar-te-ia apenas a palavra coragem.E dir-te-ia:- Tem cuidado, mas medo não!

Sou a Fernanda Santos, tenho 57 anos e entrei para o Cofre em Janeiro de 2O12 para a R.S. de Loures. Exercia funções como assis-tente operacional no sector de limpeza e trouxe de lá boas memó-rias das conversas com os utentes. Em Janeiro de 2O15 fui transfe-rida para os serviços administrativos na R. dos Sapateiros exercen-do actualmente funções relacionadas com receção/expedição do correio, saídas dos ofícios e intercâmbio de documentação entre departamentos. Tento sempre dar o meu melhor na expectativa de aprender mais para poder contribuir para o bom funcionamento desta instituição da qual me orgulho de ser funcionária.

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Page 16: LUA - cofre.org · com a mais alta tecnologia, salas de formação e auditório para receber conferências e espectáculos, tendo um palco ligado ao ... última revista Cofre de 2O15

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FP - QUEM É O AMÉRICO BRÁS CARLOS?

ABC - Natural de Azambuja. Quase 64 anos, obcecado pela independência e pela justiça, cada vez com menos palavras e mais reflexão. Fez o curso industrial de electricista e a partir daí foi, durante 11 anos, sempre a trabalhar e a estudar à noite. Foi técnico de instrumentação industrial, quase engenheiro eletrotécnico, aos 21 anos comandou várias dezenas doutros jovens portugueses e angolanos nas matas de Angola junto à fronteira com o Zaire. Juris-ta, fiscalista, consultor do FMI e do Tesouro dos Estados Unidos, docente da Faculdade de Direito de Lisboa e do ISCTE. Tem-se em boa conta e não se importa de falar do que fez e faz, mas acha uma perda de tempo dizer o que pensa que é (os outros, que não sabem nada de mim, que opinem).

LB - NO SEU CASO O GOSTO PELA POESIA VEIO NO LEITE MATER-NO OU SÓ DESPERTOU NA IDADE DAS PRIMEIRAS PAIXÕES?

ABC: O gosto e o contacto sério com a poesia começou apenas por

volta dos 2O anos; e não teve a ver com as primeiras paixões que, por sinal, começaram muito mais cedo. Até lá, eu quase só lia prosa e escrevia contos. Aliás o meu primeiro prémio literário é uma menção honrosa na modalidade “conto”. Só mais tarde percebi o que era a grande poesia.

LB - QUAIS OS AUTORES QUE O INSPIRARAM? CLÁSSICOS? ACTU-AIS?

ABC: Considerando que fui e sou um leitor assíduo de poesia portu-guesa, hão de confluir em mim várias influências. Nesta matéria devo levar também em conta o que outros, que muitos considero, notaram. Por exemplo, o António Manuel Pires Cabral disse que no “Adágio, Romanza e Grave” pareceu-lhe andar por ali a influência de Cesário Verde; o mesmo notou José Jorge Letria e acrescentou Drummond de Andrade. Alguma verdade tem de haver nisso e acho que há. Mas no que escrevo andará também, penso eu, a sombra de Pessoa e Alberto Caeiro, Ruy Belo, de T.S. Eliot, de Jorge Luís Borges, de António Ramos Rosa e certamente de outros que agora não recordo.

LB- A QUEM DEDICOU OS PRIMEIROS VERSOS?

ABC: A ninguém em particular. Recordo bem que os meus primei-ros poemas foram determinados pela guerra colonial. E eram essencialmente de incompreensão e raiva por já me ver (como acontecia aos outros jovens da minha geração) a ser arrancado durante três anos à família, aos amigos e amigas, aos projectos profissionais, escolares e de vida, para ser despejado numa guerra incompreensível a milhares de quilómetros. Nunca publiquei esses poemas e ainda bem. Teriam algum força panfletária, mas eram maus.

LB - QUANDO PESQUISAMOS O SEU NOME NO «GOOGLE» SURGEM OS SEUS «MAIORES SUCESSOS» COMO «IMPOSTOS – TEORIA GERAL» OU «GUIA DOS IMPOSTOS EM PORTUGAL». A ÁREA FISCAL TEM ENCANTOS DESCONHECIDOS?

ABC: Eu ainda reconheço encantos na fiscalidade. A ideia de reparti-ção de sacrifícios patrimoniais individuais para financiamento de bens (e do bem) comuns, assente unicamente em critérios de justiça, é uma ideia cheia de significado e faz com que os meus livros e outros textos que vou publicando nesta área sejam escritos com prazer, que aliás, também resulta da intransigente liberdade e completa independência (não procuro agradar a quaisquer pessoas ou interesses, nem admito que o rigor vá só até ao ponto em que toca os interesses do próprio) com que os escrevo.

LB - FEZ O CURSO DE DIREITO, E PREPARA DOUTORAMENTO. A DOCÊNCIA É TÃO DESAFIANTE COMO A ESCRITA LITERÁRIA?

ABC: Sabe, eu tenho uma carreira docente universitária de 3O anos, a que junto a de formador da Administração Tributária, e sempre gostei de leccionar. Os alunos também gostavam das minhas aulas, a avaliar pelo que escreviam nos respectivos inquéritos de avalia-ção. Hoje só raramente dou aulas e não lhes sinto a falta. Com o chamado processo de Bolonha, os meus alunos que eram dos 4º e 5º anos das licenciaturas passaram a ser do 2º ano com muito menor maturidade e conhecimentos gerais e isso, junto ao que me parece ser uma cada vez menor exigência, também ajudou a algum desencanto.

LB - É UM HOMEM VIAJADO. GOSTAVA DE VIVER NOUTRO PAÍS? ONDE E PORQUÊ?

ABC: De facto, considero-me uma pessoa viajada mas não posso dizer que gostava de viver noutro país. Até por conhecer muitos outros países, sei que as irritações e desânimos que temos perante factos que por aqui ocorrem, também os teríamos no estrangeiro. E aqui sempre há alguma segurança, convivialidade, boa comida a

preço razoável e bom clima.

LB - É SABIDO QUE HÁ GRANDES ESCRITORES E POETAS QUE EXERCERAM PROFISSÕES MUITO POUCO INSPIRADORAS, COMO O CASO DE FERNANDO PESSOA QUE ERA CONTABILISTA. COMO DIVIDE ESSAS DUAS FACETAS EM SI?

ABC: Sobre o nosso Pessoa, importa dizer que, ao contrário do que muitas vezes se quer fazer crer, ele não foi contabilista ou guarda--livros (como então se dizia) apenas como modo de ganhar a vida. Ele foi um estudioso da contabilidade e da gestão das empresas, como se pode ver nos vários artigos que publicou, designadamente, na revista Comércio e Contabilidade que criou com o seu cunhado.Quanto às minhas facetas literária e de jurista, convivem bem. O jurista beneficia da mão treinada do escritor e ao escritor também dá jeito apanhar de vez em quando um banho de realidade.

LB - É UM AUTOR DISCIPLINADO? HORAS CERTAS PARA ESCRE-VER, PELA NOITE DENTRO OU LOGO PELA ALVORADA?

ABC: Não é propositado, mas é muito pela noite fora. Durante o dia, ainda tenho alguns compromissos não literários por cumprir.

LB - NOS ÚLTIMOS TRÊS ANOS PUBLICOU TRÊS LIVROS DE POESIA COM ASSINALÁVEL ÊXITO- «ADÁGIO, ROMANZA E GRAVE»; AS FLORES BRANCAS DO FRANGIPANI» E EM OUTUBRO PASSADO «PAIS E FILHOS, AVÓS E NETOS, EM VERSOS DISCRE-TOS». JÁ TEM OUTRO OU OUTROS NA FORJA?

ABC: Sim, tenho relativamente avançado um livro de poemas, mas que vai ficar uns bons meses “a amadurecer” e um livro de contos para crianças cujo trabalho já começou.

LB - QUE OUTRAS ARTES O FASCINAM?

A pintura certamente, mas não são muitos os pintores e os traba-lhos que me tocam como me tocam os grandes livros. Estão neste grupo reduzido “As Meninas” de Velásquez e sobretudo a sua “Ren-dição de Breda” também conhecido pela “tela das lanças” (há neste quadro uma verticalidade e uma nobreza quer de vencedores quer de vencidos que sempre me comovem); também quase tudo de William Turner (quem gosta, não pode perder a Tatte Gallery antiga); e os quadros da planície de Crau, de Van Gogh; e do nosso Amadeu de Sousa Cardoso (o quadro “Avant la corrida” é soberbo!). Além disso, gosto muita da gravura para além de valorizar a sua técnica muito particular. E Portugal teve e tem grandes artistas na gravura: Bartolomeu Cid dos Santos, David de Almeida, Rogério Ribeiro, Pomar, Botelho, Nikias….Na música emociono-me com peças muito diversas: desde o “Con-certo Bacarisse” e o “Concerto de Aranjuez” de Joaquin Rodrigo e o “Adágio” de Albinoni, até ao “Time after Time” do Milles Davis, passando pelo “A whiter shade of pale” dos Procol Harum e pelos belos discos do Zeca Afonso e do Fausto. Como vê, nada preso a um único estilo ou época.

LB - A PERGUNTA DO COSTUME. SE SÓ PUDESSE LEVAR PARA UMA ILHA (NÃO FATALMENTE DESERTA) UM LIVRO, UMA MÚSICA E UMA TELA QUAIS ESCOLHERIA?

ABC: Trocava a música e a tela por livros e levava: “O que diz Molero” de Dinis Machado, “Ficções” de Jorge Luís Borges e uma colectânea de toda a poesia de Fernando Pessoa e seus heterónimos (talvez dispensasse Álvaro de Campos).

FP - AO LONGO DESTES ANOS DE VIDA, QUANDO É QUE SURGE O POETA: AGORA QUE COMEÇOU A EDITAR, OU HÁ MUITA POESIA NA "GAVETA"?

ABC – Com alguma consistência, o poeta surge na segunda metade da década de 7O. Os prémios literários são um reflexo disso. Nunca deixei de ler e de escrever (não há aliás outra maneira de aprender a escrever bem que não seja lendo os melhores) e na gaveta ainda anda por lá muita coisa, mas não creio que se aproveite muito. Hoje, gosto de muito pouco do que por lá ficou.

FP - NA TUA POESIA, AGORA COM A VIDA ESTABILIZADA, HÁ UM ACERTO DE CONTAS COM AS AGRURAS DO PRINCÍPIO DA VIDA? SÃO AS MEMÓRIAS DE UMA INFÂNCIA FELIZ EM CONTRAPONTO À GUERRA COLONIAL? O QUE FOI PARA TI A GUERRA COLONIAL?

ABC: Não, acerto de contas com a vida, não. Muitas vezes, a vida nem sequer é de boas contas: pensamos que estão saldadas e ela vem pedir-nos mais. Não vale a pena…o melhor mesmo é viver cada dia em paz consigo mesmo.Esta pergunta toca, aliás, uma temática que tem dividido os poetas. É o problema da contaminação ou não da arte pelo passado e pela vivência do poeta. Por exemplo, o grande poeta Carlos Drummond de Andrade era um defensor convicto da “incontaminação”. É claro que a mim também me custa ver poemas centrados e carregados do eu de quem os escreve, numa espécie de exercício de vaidade, ou de psicanálise, ou de auto ajuda tão em voga. O mesmo para referências à sua cidade natal ou à sua região. Por outro lado, porém, acho impossível que alguém no seu processo criativo escape à influência do que foi na infância e adolescência. Eu, já que me perguntas, adoro ir ao “armário azul da minha infância” (este verso é do José Jorge Letria) para reinventar imagens que dela retiro.Quanto à guerra colonial, foi para mim o que foi para muitos jovens: uma experiência marcante que podia ter corrido mal, mas felizmente no meu caso correu sem danos. Eu era um operacional (atirador de cavalaria) e fui mobilizado em rendição individual e metido dentro de um rectângulo de arame farpado, onde já estavam cerca de 100 homens. Nos muitos quilómetros em redor não havia quaisquer povoações. Só mato. Um verdadeiro “cu de Judas”. Porque o grupo de combate tinha sido dizimado numa emboscada que causou mais de duas dezenas de baixas, foi recom-pletado com soldados que vinham castigados de outros pontos de Angola, e ali estava eu para na semana seguinte, os começar a

AMÉRICO BRÁS CARLOS

P E R F I L

E N T R E V I S T A

ffacetas

O POETA E O JURISTA EM VERSOS SERENOS

Conduzida por:Francisco Pinteus e Luísa P. Boléo

comandar em operações de 4 dias (e 3 noites, que eram as que custavam mais a passar); às vezes debaixo de trovoadas inclemen-tes outras vezes de um sol abrasador, já sem água e já sem suportar o cheiro das rações de combate. E não digo mais...

FP - A VIDA PROFISSIONAL COMO FISCALISTA, CONSULTOR INTERNACIONAL OU PROFESSOR "ESTRANGULOU" O POETA OU FOI A SECURA DA VIDA PROFISSIONAL QUE FEZ SURGIR O POETA?

Na resposta a essa pergunta há uma evidência factual: a poesia chegou antes dos impostos. Aquela chegou no início da década de 7O (mesmos os prémios chegaram no meio e no final dessa década) e os impostos chegaram só em 1982 (liquidador tributário estagiário em Azambuja).A propósito desta pergunta, lembro-me que uma vez um crítico literário glosou o facto do poeta Ruy Cinatti, que exercia normal-mente a sua profissão de agrónomo, estar ligado ao estudo da produção de cortiça. O dito crítico terá dito qualquer coisa como: nunca saberemos quantos bons poemas não ficaram “enrolhados” devido à actividade profissional do poeta. Mas também não sei se os poetas que se isolam anos a fio, apenas escrevendo, não estão a perder algo de importante que só existe cá fora.

FP - PODE-SE DIZER QUE NA ACTIVIDADE DO COFRE TAMBÉM HÁ POESIA?

ABC – Bem, pelo menos quando se fazem sessões de apresentação de certos livros, é provável que haja (riso). O auditório tem aliás fixada à parede uma figura do Fernando Pessoa. Agora mais a sério, a poesia requer algo que a actividade e a gestão do Cofre, ou de qualquer organização cujo património é de um colectivo, também requerem: rigor e clareza.

LB - NESTA ÚLTIMA REVISTA DO COFRE REFERENTE A 2O15, PODE DEIXAR UMA PALAVRA AOS NOSSOS SÓCIOS E FAMILIARES. UM LEMA PARA A VIDA OU APENAS UMA SAUDAÇÃO?

ABC: Talvez aplicasse à vida e ao que ela deve ter de grandioso e de emocionante, o que o prémio Nobel da literatura, Octávio Paz disse da poesia, quando escreveu: “A poesia ou é um salto mortal ou não é nada”.E, com os votos de Bom Ano Novo, deixava aqui o último poema do meu mais recente livro “Pais e Filhos, Avós e Netos, em versos discretos”:Se eu tivesseapenas uma palavra para te dar,como a quem partindo em viagem,Se dá um conselho, um guião,Dar-te-ia apenas a palavra coragem.E dir-te-ia:- Tem cuidado, mas medo não!

C

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14cofre

FP - QUEM É O AMÉRICO BRÁS CARLOS?

ABC - Natural de Azambuja. Quase 64 anos, obcecado pela independência e pela justiça, cada vez com menos palavras e mais reflexão. Fez o curso industrial de electricista e a partir daí foi, durante 11 anos, sempre a trabalhar e a estudar à noite. Foi técnico de instrumentação industrial, quase engenheiro eletrotécnico, aos 21 anos comandou várias dezenas doutros jovens portugueses e angolanos nas matas de Angola junto à fronteira com o Zaire. Juris-ta, fiscalista, consultor do FMI e do Tesouro dos Estados Unidos, docente da Faculdade de Direito de Lisboa e do ISCTE. Tem-se em boa conta e não se importa de falar do que fez e faz, mas acha uma perda de tempo dizer o que pensa que é (os outros, que não sabem nada de mim, que opinem).

LB - NO SEU CASO O GOSTO PELA POESIA VEIO NO LEITE MATER-NO OU SÓ DESPERTOU NA IDADE DAS PRIMEIRAS PAIXÕES?

ABC: O gosto e o contacto sério com a poesia começou apenas por

volta dos 2O anos; e não teve a ver com as primeiras paixões que, por sinal, começaram muito mais cedo. Até lá, eu quase só lia prosa e escrevia contos. Aliás o meu primeiro prémio literário é uma menção honrosa na modalidade “conto”. Só mais tarde percebi o que era a grande poesia.

LB - QUAIS OS AUTORES QUE O INSPIRARAM? CLÁSSICOS? ACTU-AIS?

ABC: Considerando que fui e sou um leitor assíduo de poesia portu-guesa, hão de confluir em mim várias influências. Nesta matéria devo levar também em conta o que outros, que muitos considero, notaram. Por exemplo, o António Manuel Pires Cabral disse que no “Adágio, Romanza e Grave” pareceu-lhe andar por ali a influência de Cesário Verde; o mesmo notou José Jorge Letria e acrescentou Drummond de Andrade. Alguma verdade tem de haver nisso e acho que há. Mas no que escrevo andará também, penso eu, a sombra de Pessoa e Alberto Caeiro, Ruy Belo, de T.S. Eliot, de Jorge Luís Borges, de António Ramos Rosa e certamente de outros que agora não recordo.

LB- A QUEM DEDICOU OS PRIMEIROS VERSOS?

ABC: A ninguém em particular. Recordo bem que os meus primei-ros poemas foram determinados pela guerra colonial. E eram essencialmente de incompreensão e raiva por já me ver (como acontecia aos outros jovens da minha geração) a ser arrancado durante três anos à família, aos amigos e amigas, aos projectos profissionais, escolares e de vida, para ser despejado numa guerra incompreensível a milhares de quilómetros. Nunca publiquei esses poemas e ainda bem. Teriam algum força panfletária, mas eram maus.

LB - QUANDO PESQUISAMOS O SEU NOME NO «GOOGLE» SURGEM OS SEUS «MAIORES SUCESSOS» COMO «IMPOSTOS – TEORIA GERAL» OU «GUIA DOS IMPOSTOS EM PORTUGAL». A ÁREA FISCAL TEM ENCANTOS DESCONHECIDOS?

ABC: Eu ainda reconheço encantos na fiscalidade. A ideia de reparti-ção de sacrifícios patrimoniais individuais para financiamento de bens (e do bem) comuns, assente unicamente em critérios de justiça, é uma ideia cheia de significado e faz com que os meus livros e outros textos que vou publicando nesta área sejam escritos com prazer, que aliás, também resulta da intransigente liberdade e completa independência (não procuro agradar a quaisquer pessoas ou interesses, nem admito que o rigor vá só até ao ponto em que toca os interesses do próprio) com que os escrevo.

LB - FEZ O CURSO DE DIREITO, E PREPARA DOUTORAMENTO. A DOCÊNCIA É TÃO DESAFIANTE COMO A ESCRITA LITERÁRIA?

ABC: Sabe, eu tenho uma carreira docente universitária de 3O anos, a que junto a de formador da Administração Tributária, e sempre gostei de leccionar. Os alunos também gostavam das minhas aulas, a avaliar pelo que escreviam nos respectivos inquéritos de avalia-ção. Hoje só raramente dou aulas e não lhes sinto a falta. Com o chamado processo de Bolonha, os meus alunos que eram dos 4º e 5º anos das licenciaturas passaram a ser do 2º ano com muito menor maturidade e conhecimentos gerais e isso, junto ao que me parece ser uma cada vez menor exigência, também ajudou a algum desencanto.

LB - É UM HOMEM VIAJADO. GOSTAVA DE VIVER NOUTRO PAÍS? ONDE E PORQUÊ?

ABC: De facto, considero-me uma pessoa viajada mas não posso dizer que gostava de viver noutro país. Até por conhecer muitos outros países, sei que as irritações e desânimos que temos perante factos que por aqui ocorrem, também os teríamos no estrangeiro. E aqui sempre há alguma segurança, convivialidade, boa comida a

preço razoável e bom clima.

LB - É SABIDO QUE HÁ GRANDES ESCRITORES E POETAS QUE EXERCERAM PROFISSÕES MUITO POUCO INSPIRADORAS, COMO O CASO DE FERNANDO PESSOA QUE ERA CONTABILISTA. COMO DIVIDE ESSAS DUAS FACETAS EM SI?

ABC: Sobre o nosso Pessoa, importa dizer que, ao contrário do que muitas vezes se quer fazer crer, ele não foi contabilista ou guarda--livros (como então se dizia) apenas como modo de ganhar a vida. Ele foi um estudioso da contabilidade e da gestão das empresas, como se pode ver nos vários artigos que publicou, designadamente, na revista Comércio e Contabilidade que criou com o seu cunhado.Quanto às minhas facetas literária e de jurista, convivem bem. O jurista beneficia da mão treinada do escritor e ao escritor também dá jeito apanhar de vez em quando um banho de realidade.

LB - É UM AUTOR DISCIPLINADO? HORAS CERTAS PARA ESCRE-VER, PELA NOITE DENTRO OU LOGO PELA ALVORADA?

ABC: Não é propositado, mas é muito pela noite fora. Durante o dia, ainda tenho alguns compromissos não literários por cumprir.

LB - NOS ÚLTIMOS TRÊS ANOS PUBLICOU TRÊS LIVROS DE POESIA COM ASSINALÁVEL ÊXITO- «ADÁGIO, ROMANZA E GRAVE»; AS FLORES BRANCAS DO FRANGIPANI» E EM OUTUBRO PASSADO «PAIS E FILHOS, AVÓS E NETOS, EM VERSOS DISCRE-TOS». JÁ TEM OUTRO OU OUTROS NA FORJA?

ABC: Sim, tenho relativamente avançado um livro de poemas, mas que vai ficar uns bons meses “a amadurecer” e um livro de contos para crianças cujo trabalho já começou.

LB - QUE OUTRAS ARTES O FASCINAM?

A pintura certamente, mas não são muitos os pintores e os traba-lhos que me tocam como me tocam os grandes livros. Estão neste grupo reduzido “As Meninas” de Velásquez e sobretudo a sua “Ren-dição de Breda” também conhecido pela “tela das lanças” (há neste quadro uma verticalidade e uma nobreza quer de vencedores quer de vencidos que sempre me comovem); também quase tudo de William Turner (quem gosta, não pode perder a Tatte Gallery antiga); e os quadros da planície de Crau, de Van Gogh; e do nosso Amadeu de Sousa Cardoso (o quadro “Avant la corrida” é soberbo!). Além disso, gosto muita da gravura para além de valorizar a sua técnica muito particular. E Portugal teve e tem grandes artistas na gravura: Bartolomeu Cid dos Santos, David de Almeida, Rogério Ribeiro, Pomar, Botelho, Nikias….Na música emociono-me com peças muito diversas: desde o “Con-certo Bacarisse” e o “Concerto de Aranjuez” de Joaquin Rodrigo e o “Adágio” de Albinoni, até ao “Time after Time” do Milles Davis, passando pelo “A whiter shade of pale” dos Procol Harum e pelos belos discos do Zeca Afonso e do Fausto. Como vê, nada preso a um único estilo ou época.

LB - A PERGUNTA DO COSTUME. SE SÓ PUDESSE LEVAR PARA UMA ILHA (NÃO FATALMENTE DESERTA) UM LIVRO, UMA MÚSICA E UMA TELA QUAIS ESCOLHERIA?

ABC: Trocava a música e a tela por livros e levava: “O que diz Molero” de Dinis Machado, “Ficções” de Jorge Luís Borges e uma colectânea de toda a poesia de Fernando Pessoa e seus heterónimos (talvez dispensasse Álvaro de Campos).

FP - AO LONGO DESTES ANOS DE VIDA, QUANDO É QUE SURGE O POETA: AGORA QUE COMEÇOU A EDITAR, OU HÁ MUITA POESIA NA "GAVETA"?

ABC – Com alguma consistência, o poeta surge na segunda metade da década de 7O. Os prémios literários são um reflexo disso. Nunca deixei de ler e de escrever (não há aliás outra maneira de aprender a escrever bem que não seja lendo os melhores) e na gaveta ainda anda por lá muita coisa, mas não creio que se aproveite muito. Hoje, gosto de muito pouco do que por lá ficou.

FP - NA TUA POESIA, AGORA COM A VIDA ESTABILIZADA, HÁ UM ACERTO DE CONTAS COM AS AGRURAS DO PRINCÍPIO DA VIDA? SÃO AS MEMÓRIAS DE UMA INFÂNCIA FELIZ EM CONTRAPONTO À GUERRA COLONIAL? O QUE FOI PARA TI A GUERRA COLONIAL?

ABC: Não, acerto de contas com a vida, não. Muitas vezes, a vida nem sequer é de boas contas: pensamos que estão saldadas e ela vem pedir-nos mais. Não vale a pena…o melhor mesmo é viver cada dia em paz consigo mesmo.Esta pergunta toca, aliás, uma temática que tem dividido os poetas. É o problema da contaminação ou não da arte pelo passado e pela vivência do poeta. Por exemplo, o grande poeta Carlos Drummond de Andrade era um defensor convicto da “incontaminação”. É claro que a mim também me custa ver poemas centrados e carregados do eu de quem os escreve, numa espécie de exercício de vaidade, ou de psicanálise, ou de auto ajuda tão em voga. O mesmo para referências à sua cidade natal ou à sua região. Por outro lado, porém, acho impossível que alguém no seu processo criativo escape à influência do que foi na infância e adolescência. Eu, já que me perguntas, adoro ir ao “armário azul da minha infância” (este verso é do José Jorge Letria) para reinventar imagens que dela retiro.Quanto à guerra colonial, foi para mim o que foi para muitos jovens: uma experiência marcante que podia ter corrido mal, mas felizmente no meu caso correu sem danos. Eu era um operacional (atirador de cavalaria) e fui mobilizado em rendição individual e metido dentro de um rectângulo de arame farpado, onde já estavam cerca de 100 homens. Nos muitos quilómetros em redor não havia quaisquer povoações. Só mato. Um verdadeiro “cu de Judas”. Porque o grupo de combate tinha sido dizimado numa emboscada que causou mais de duas dezenas de baixas, foi recom-pletado com soldados que vinham castigados de outros pontos de Angola, e ali estava eu para na semana seguinte, os começar a

AMÉRICO BRÁS CARLOS

P E R F I L

E N T R E V I S T A

ffacetas

O POETA E O JURISTA EM VERSOS SERENOS

Conduzida por:Francisco Pinteus e Luísa P. Boléo

comandar em operações de 4 dias (e 3 noites, que eram as que custavam mais a passar); às vezes debaixo de trovoadas inclemen-tes outras vezes de um sol abrasador, já sem água e já sem suportar o cheiro das rações de combate. E não digo mais...

FP - A VIDA PROFISSIONAL COMO FISCALISTA, CONSULTOR INTERNACIONAL OU PROFESSOR "ESTRANGULOU" O POETA OU FOI A SECURA DA VIDA PROFISSIONAL QUE FEZ SURGIR O POETA?

Na resposta a essa pergunta há uma evidência factual: a poesia chegou antes dos impostos. Aquela chegou no início da década de 7O (mesmos os prémios chegaram no meio e no final dessa década) e os impostos chegaram só em 1982 (liquidador tributário estagiário em Azambuja).A propósito desta pergunta, lembro-me que uma vez um crítico literário glosou o facto do poeta Ruy Cinatti, que exercia normal-mente a sua profissão de agrónomo, estar ligado ao estudo da produção de cortiça. O dito crítico terá dito qualquer coisa como: nunca saberemos quantos bons poemas não ficaram “enrolhados” devido à actividade profissional do poeta. Mas também não sei se os poetas que se isolam anos a fio, apenas escrevendo, não estão a perder algo de importante que só existe cá fora.

FP - PODE-SE DIZER QUE NA ACTIVIDADE DO COFRE TAMBÉM HÁ POESIA?

ABC – Bem, pelo menos quando se fazem sessões de apresentação de certos livros, é provável que haja (riso). O auditório tem aliás fixada à parede uma figura do Fernando Pessoa. Agora mais a sério, a poesia requer algo que a actividade e a gestão do Cofre, ou de qualquer organização cujo património é de um colectivo, também requerem: rigor e clareza.

LB - NESTA ÚLTIMA REVISTA DO COFRE REFERENTE A 2O15, PODE DEIXAR UMA PALAVRA AOS NOSSOS SÓCIOS E FAMILIARES. UM LEMA PARA A VIDA OU APENAS UMA SAUDAÇÃO?

ABC: Talvez aplicasse à vida e ao que ela deve ter de grandioso e de emocionante, o que o prémio Nobel da literatura, Octávio Paz disse da poesia, quando escreveu: “A poesia ou é um salto mortal ou não é nada”.E, com os votos de Bom Ano Novo, deixava aqui o último poema do meu mais recente livro “Pais e Filhos, Avós e Netos, em versos discretos”:Se eu tivesseapenas uma palavra para te dar,como a quem partindo em viagem,Se dá um conselho, um guião,Dar-te-ia apenas a palavra coragem.E dir-te-ia:- Tem cuidado, mas medo não!

C

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K

Page 17: LUA - cofre.org · com a mais alta tecnologia, salas de formação e auditório para receber conferências e espectáculos, tendo um palco ligado ao ... última revista Cofre de 2O15

15cofre

FP - QUEM É O AMÉRICO BRÁS CARLOS?

ABC - Natural de Azambuja. Quase 64 anos, obcecado pela independência e pela justiça, cada vez com menos palavras e mais reflexão. Fez o curso industrial de electricista e a partir daí foi, durante 11 anos, sempre a trabalhar e a estudar à noite. Foi técnico de instrumentação industrial, quase engenheiro eletrotécnico, aos 21 anos comandou várias dezenas doutros jovens portugueses e angolanos nas matas de Angola junto à fronteira com o Zaire. Juris-ta, fiscalista, consultor do FMI e do Tesouro dos Estados Unidos, docente da Faculdade de Direito de Lisboa e do ISCTE. Tem-se em boa conta e não se importa de falar do que fez e faz, mas acha uma perda de tempo dizer o que pensa que é (os outros, que não sabem nada de mim, que opinem).

LB - NO SEU CASO O GOSTO PELA POESIA VEIO NO LEITE MATER-NO OU SÓ DESPERTOU NA IDADE DAS PRIMEIRAS PAIXÕES?

ABC: O gosto e o contacto sério com a poesia começou apenas por

volta dos 2O anos; e não teve a ver com as primeiras paixões que, por sinal, começaram muito mais cedo. Até lá, eu quase só lia prosa e escrevia contos. Aliás o meu primeiro prémio literário é uma menção honrosa na modalidade “conto”. Só mais tarde percebi o que era a grande poesia.

LB - QUAIS OS AUTORES QUE O INSPIRARAM? CLÁSSICOS? ACTU-AIS?

ABC: Considerando que fui e sou um leitor assíduo de poesia portu-guesa, hão de confluir em mim várias influências. Nesta matéria devo levar também em conta o que outros, que muitos considero, notaram. Por exemplo, o António Manuel Pires Cabral disse que no “Adágio, Romanza e Grave” pareceu-lhe andar por ali a influência de Cesário Verde; o mesmo notou José Jorge Letria e acrescentou Drummond de Andrade. Alguma verdade tem de haver nisso e acho que há. Mas no que escrevo andará também, penso eu, a sombra de Pessoa e Alberto Caeiro, Ruy Belo, de T.S. Eliot, de Jorge Luís Borges, de António Ramos Rosa e certamente de outros que agora não recordo.

LB- A QUEM DEDICOU OS PRIMEIROS VERSOS?

ABC: A ninguém em particular. Recordo bem que os meus primei-ros poemas foram determinados pela guerra colonial. E eram essencialmente de incompreensão e raiva por já me ver (como acontecia aos outros jovens da minha geração) a ser arrancado durante três anos à família, aos amigos e amigas, aos projectos profissionais, escolares e de vida, para ser despejado numa guerra incompreensível a milhares de quilómetros. Nunca publiquei esses poemas e ainda bem. Teriam algum força panfletária, mas eram maus.

LB - QUANDO PESQUISAMOS O SEU NOME NO «GOOGLE» SURGEM OS SEUS «MAIORES SUCESSOS» COMO «IMPOSTOS – TEORIA GERAL» OU «GUIA DOS IMPOSTOS EM PORTUGAL». A ÁREA FISCAL TEM ENCANTOS DESCONHECIDOS?

ABC: Eu ainda reconheço encantos na fiscalidade. A ideia de reparti-ção de sacrifícios patrimoniais individuais para financiamento de bens (e do bem) comuns, assente unicamente em critérios de justiça, é uma ideia cheia de significado e faz com que os meus livros e outros textos que vou publicando nesta área sejam escritos com prazer, que aliás, também resulta da intransigente liberdade e completa independência (não procuro agradar a quaisquer pessoas ou interesses, nem admito que o rigor vá só até ao ponto em que toca os interesses do próprio) com que os escrevo.

LB - FEZ O CURSO DE DIREITO, E PREPARA DOUTORAMENTO. A DOCÊNCIA É TÃO DESAFIANTE COMO A ESCRITA LITERÁRIA?

ABC: Sabe, eu tenho uma carreira docente universitária de 3O anos, a que junto a de formador da Administração Tributária, e sempre gostei de leccionar. Os alunos também gostavam das minhas aulas, a avaliar pelo que escreviam nos respectivos inquéritos de avalia-ção. Hoje só raramente dou aulas e não lhes sinto a falta. Com o chamado processo de Bolonha, os meus alunos que eram dos 4º e 5º anos das licenciaturas passaram a ser do 2º ano com muito menor maturidade e conhecimentos gerais e isso, junto ao que me parece ser uma cada vez menor exigência, também ajudou a algum desencanto.

LB - É UM HOMEM VIAJADO. GOSTAVA DE VIVER NOUTRO PAÍS? ONDE E PORQUÊ?

ABC: De facto, considero-me uma pessoa viajada mas não posso dizer que gostava de viver noutro país. Até por conhecer muitos outros países, sei que as irritações e desânimos que temos perante factos que por aqui ocorrem, também os teríamos no estrangeiro. E aqui sempre há alguma segurança, convivialidade, boa comida a

preço razoável e bom clima.

LB - É SABIDO QUE HÁ GRANDES ESCRITORES E POETAS QUE EXERCERAM PROFISSÕES MUITO POUCO INSPIRADORAS, COMO O CASO DE FERNANDO PESSOA QUE ERA CONTABILISTA. COMO DIVIDE ESSAS DUAS FACETAS EM SI?

ABC: Sobre o nosso Pessoa, importa dizer que, ao contrário do que muitas vezes se quer fazer crer, ele não foi contabilista ou guarda--livros (como então se dizia) apenas como modo de ganhar a vida. Ele foi um estudioso da contabilidade e da gestão das empresas, como se pode ver nos vários artigos que publicou, designadamente, na revista Comércio e Contabilidade que criou com o seu cunhado.Quanto às minhas facetas literária e de jurista, convivem bem. O jurista beneficia da mão treinada do escritor e ao escritor também dá jeito apanhar de vez em quando um banho de realidade.

LB - É UM AUTOR DISCIPLINADO? HORAS CERTAS PARA ESCRE-VER, PELA NOITE DENTRO OU LOGO PELA ALVORADA?

ABC: Não é propositado, mas é muito pela noite fora. Durante o dia, ainda tenho alguns compromissos não literários por cumprir.

LB - NOS ÚLTIMOS TRÊS ANOS PUBLICOU TRÊS LIVROS DE POESIA COM ASSINALÁVEL ÊXITO- «ADÁGIO, ROMANZA E GRAVE»; AS FLORES BRANCAS DO FRANGIPANI» E EM OUTUBRO PASSADO «PAIS E FILHOS, AVÓS E NETOS, EM VERSOS DISCRE-TOS». JÁ TEM OUTRO OU OUTROS NA FORJA?

ABC: Sim, tenho relativamente avançado um livro de poemas, mas que vai ficar uns bons meses “a amadurecer” e um livro de contos para crianças cujo trabalho já começou.

LB - QUE OUTRAS ARTES O FASCINAM?

A pintura certamente, mas não são muitos os pintores e os traba-lhos que me tocam como me tocam os grandes livros. Estão neste grupo reduzido “As Meninas” de Velásquez e sobretudo a sua “Ren-dição de Breda” também conhecido pela “tela das lanças” (há neste quadro uma verticalidade e uma nobreza quer de vencedores quer de vencidos que sempre me comovem); também quase tudo de William Turner (quem gosta, não pode perder a Tatte Gallery antiga); e os quadros da planície de Crau, de Van Gogh; e do nosso Amadeu de Sousa Cardoso (o quadro “Avant la corrida” é soberbo!). Além disso, gosto muita da gravura para além de valorizar a sua técnica muito particular. E Portugal teve e tem grandes artistas na gravura: Bartolomeu Cid dos Santos, David de Almeida, Rogério Ribeiro, Pomar, Botelho, Nikias….Na música emociono-me com peças muito diversas: desde o “Con-certo Bacarisse” e o “Concerto de Aranjuez” de Joaquin Rodrigo e o “Adágio” de Albinoni, até ao “Time after Time” do Milles Davis, passando pelo “A whiter shade of pale” dos Procol Harum e pelos belos discos do Zeca Afonso e do Fausto. Como vê, nada preso a um único estilo ou época.

LB - A PERGUNTA DO COSTUME. SE SÓ PUDESSE LEVAR PARA UMA ILHA (NÃO FATALMENTE DESERTA) UM LIVRO, UMA MÚSICA E UMA TELA QUAIS ESCOLHERIA?

ABC: Trocava a música e a tela por livros e levava: “O que diz Molero” de Dinis Machado, “Ficções” de Jorge Luís Borges e uma colectânea de toda a poesia de Fernando Pessoa e seus heterónimos (talvez dispensasse Álvaro de Campos).

FP - AO LONGO DESTES ANOS DE VIDA, QUANDO É QUE SURGE O POETA: AGORA QUE COMEÇOU A EDITAR, OU HÁ MUITA POESIA NA "GAVETA"?

ABC – Com alguma consistência, o poeta surge na segunda metade da década de 7O. Os prémios literários são um reflexo disso. Nunca deixei de ler e de escrever (não há aliás outra maneira de aprender a escrever bem que não seja lendo os melhores) e na gaveta ainda anda por lá muita coisa, mas não creio que se aproveite muito. Hoje, gosto de muito pouco do que por lá ficou.

FP - NA TUA POESIA, AGORA COM A VIDA ESTABILIZADA, HÁ UM ACERTO DE CONTAS COM AS AGRURAS DO PRINCÍPIO DA VIDA? SÃO AS MEMÓRIAS DE UMA INFÂNCIA FELIZ EM CONTRAPONTO À GUERRA COLONIAL? O QUE FOI PARA TI A GUERRA COLONIAL?

ABC: Não, acerto de contas com a vida, não. Muitas vezes, a vida nem sequer é de boas contas: pensamos que estão saldadas e ela vem pedir-nos mais. Não vale a pena…o melhor mesmo é viver cada dia em paz consigo mesmo.Esta pergunta toca, aliás, uma temática que tem dividido os poetas. É o problema da contaminação ou não da arte pelo passado e pela vivência do poeta. Por exemplo, o grande poeta Carlos Drummond de Andrade era um defensor convicto da “incontaminação”. É claro que a mim também me custa ver poemas centrados e carregados do eu de quem os escreve, numa espécie de exercício de vaidade, ou de psicanálise, ou de auto ajuda tão em voga. O mesmo para referências à sua cidade natal ou à sua região. Por outro lado, porém, acho impossível que alguém no seu processo criativo escape à influência do que foi na infância e adolescência. Eu, já que me perguntas, adoro ir ao “armário azul da minha infância” (este verso é do José Jorge Letria) para reinventar imagens que dela retiro.Quanto à guerra colonial, foi para mim o que foi para muitos jovens: uma experiência marcante que podia ter corrido mal, mas felizmente no meu caso correu sem danos. Eu era um operacional (atirador de cavalaria) e fui mobilizado em rendição individual e metido dentro de um rectângulo de arame farpado, onde já estavam cerca de 100 homens. Nos muitos quilómetros em redor não havia quaisquer povoações. Só mato. Um verdadeiro “cu de Judas”. Porque o grupo de combate tinha sido dizimado numa emboscada que causou mais de duas dezenas de baixas, foi recom-pletado com soldados que vinham castigados de outros pontos de Angola, e ali estava eu para na semana seguinte, os começar a

comandar em operações de 4 dias (e 3 noites, que eram as que custavam mais a passar); às vezes debaixo de trovoadas inclemen-tes outras vezes de um sol abrasador, já sem água e já sem suportar o cheiro das rações de combate. E não digo mais...

FP - A VIDA PROFISSIONAL COMO FISCALISTA, CONSULTOR INTERNACIONAL OU PROFESSOR "ESTRANGULOU" O POETA OU FOI A SECURA DA VIDA PROFISSIONAL QUE FEZ SURGIR O POETA?

Na resposta a essa pergunta há uma evidência factual: a poesia chegou antes dos impostos. Aquela chegou no início da década de 7O (mesmos os prémios chegaram no meio e no final dessa década) e os impostos chegaram só em 1982 (liquidador tributário estagiário em Azambuja).A propósito desta pergunta, lembro-me que uma vez um crítico literário glosou o facto do poeta Ruy Cinatti, que exercia normal-mente a sua profissão de agrónomo, estar ligado ao estudo da produção de cortiça. O dito crítico terá dito qualquer coisa como: nunca saberemos quantos bons poemas não ficaram “enrolhados” devido à actividade profissional do poeta. Mas também não sei se os poetas que se isolam anos a fio, apenas escrevendo, não estão a perder algo de importante que só existe cá fora.

FP - PODE-SE DIZER QUE NA ACTIVIDADE DO COFRE TAMBÉM HÁ POESIA?

ABC – Bem, pelo menos quando se fazem sessões de apresentação de certos livros, é provável que haja (riso). O auditório tem aliás fixada à parede uma figura do Fernando Pessoa. Agora mais a sério, a poesia requer algo que a actividade e a gestão do Cofre, ou de qualquer organização cujo património é de um colectivo, também requerem: rigor e clareza.

LB - NESTA ÚLTIMA REVISTA DO COFRE REFERENTE A 2O15, PODE DEIXAR UMA PALAVRA AOS NOSSOS SÓCIOS E FAMILIARES. UM LEMA PARA A VIDA OU APENAS UMA SAUDAÇÃO?

ABC: Talvez aplicasse à vida e ao que ela deve ter de grandioso e de emocionante, o que o prémio Nobel da literatura, Octávio Paz disse da poesia, quando escreveu: “A poesia ou é um salto mortal ou não é nada”.E, com os votos de Bom Ano Novo, deixava aqui o último poema do meu mais recente livro “Pais e Filhos, Avós e Netos, em versos discretos”:Se eu tivesseapenas uma palavra para te dar,como a quem partindo em viagem,Se dá um conselho, um guião,Dar-te-ia apenas a palavra coragem.E dir-te-ia:- Tem cuidado, mas medo não!

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Page 18: LUA - cofre.org · com a mais alta tecnologia, salas de formação e auditório para receber conferências e espectáculos, tendo um palco ligado ao ... última revista Cofre de 2O15

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FP - QUEM É O AMÉRICO BRÁS CARLOS?

ABC - Natural de Azambuja. Quase 64 anos, obcecado pela independência e pela justiça, cada vez com menos palavras e mais reflexão. Fez o curso industrial de electricista e a partir daí foi, durante 11 anos, sempre a trabalhar e a estudar à noite. Foi técnico de instrumentação industrial, quase engenheiro eletrotécnico, aos 21 anos comandou várias dezenas doutros jovens portugueses e angolanos nas matas de Angola junto à fronteira com o Zaire. Juris-ta, fiscalista, consultor do FMI e do Tesouro dos Estados Unidos, docente da Faculdade de Direito de Lisboa e do ISCTE. Tem-se em boa conta e não se importa de falar do que fez e faz, mas acha uma perda de tempo dizer o que pensa que é (os outros, que não sabem nada de mim, que opinem).

LB - NO SEU CASO O GOSTO PELA POESIA VEIO NO LEITE MATER-NO OU SÓ DESPERTOU NA IDADE DAS PRIMEIRAS PAIXÕES?

ABC: O gosto e o contacto sério com a poesia começou apenas por

volta dos 2O anos; e não teve a ver com as primeiras paixões que, por sinal, começaram muito mais cedo. Até lá, eu quase só lia prosa e escrevia contos. Aliás o meu primeiro prémio literário é uma menção honrosa na modalidade “conto”. Só mais tarde percebi o que era a grande poesia.

LB - QUAIS OS AUTORES QUE O INSPIRARAM? CLÁSSICOS? ACTU-AIS?

ABC: Considerando que fui e sou um leitor assíduo de poesia portu-guesa, hão de confluir em mim várias influências. Nesta matéria devo levar também em conta o que outros, que muitos considero, notaram. Por exemplo, o António Manuel Pires Cabral disse que no “Adágio, Romanza e Grave” pareceu-lhe andar por ali a influência de Cesário Verde; o mesmo notou José Jorge Letria e acrescentou Drummond de Andrade. Alguma verdade tem de haver nisso e acho que há. Mas no que escrevo andará também, penso eu, a sombra de Pessoa e Alberto Caeiro, Ruy Belo, de T.S. Eliot, de Jorge Luís Borges, de António Ramos Rosa e certamente de outros que agora não recordo.

LB- A QUEM DEDICOU OS PRIMEIROS VERSOS?

ABC: A ninguém em particular. Recordo bem que os meus primei-ros poemas foram determinados pela guerra colonial. E eram essencialmente de incompreensão e raiva por já me ver (como acontecia aos outros jovens da minha geração) a ser arrancado durante três anos à família, aos amigos e amigas, aos projectos profissionais, escolares e de vida, para ser despejado numa guerra incompreensível a milhares de quilómetros. Nunca publiquei esses poemas e ainda bem. Teriam algum força panfletária, mas eram maus.

LB - QUANDO PESQUISAMOS O SEU NOME NO «GOOGLE» SURGEM OS SEUS «MAIORES SUCESSOS» COMO «IMPOSTOS – TEORIA GERAL» OU «GUIA DOS IMPOSTOS EM PORTUGAL». A ÁREA FISCAL TEM ENCANTOS DESCONHECIDOS?

ABC: Eu ainda reconheço encantos na fiscalidade. A ideia de reparti-ção de sacrifícios patrimoniais individuais para financiamento de bens (e do bem) comuns, assente unicamente em critérios de justiça, é uma ideia cheia de significado e faz com que os meus livros e outros textos que vou publicando nesta área sejam escritos com prazer, que aliás, também resulta da intransigente liberdade e completa independência (não procuro agradar a quaisquer pessoas ou interesses, nem admito que o rigor vá só até ao ponto em que toca os interesses do próprio) com que os escrevo.

LB - FEZ O CURSO DE DIREITO, E PREPARA DOUTORAMENTO. A DOCÊNCIA É TÃO DESAFIANTE COMO A ESCRITA LITERÁRIA?

ABC: Sabe, eu tenho uma carreira docente universitária de 3O anos, a que junto a de formador da Administração Tributária, e sempre gostei de leccionar. Os alunos também gostavam das minhas aulas, a avaliar pelo que escreviam nos respectivos inquéritos de avalia-ção. Hoje só raramente dou aulas e não lhes sinto a falta. Com o chamado processo de Bolonha, os meus alunos que eram dos 4º e 5º anos das licenciaturas passaram a ser do 2º ano com muito menor maturidade e conhecimentos gerais e isso, junto ao que me parece ser uma cada vez menor exigência, também ajudou a algum desencanto.

LB - É UM HOMEM VIAJADO. GOSTAVA DE VIVER NOUTRO PAÍS? ONDE E PORQUÊ?

ABC: De facto, considero-me uma pessoa viajada mas não posso dizer que gostava de viver noutro país. Até por conhecer muitos outros países, sei que as irritações e desânimos que temos perante factos que por aqui ocorrem, também os teríamos no estrangeiro. E aqui sempre há alguma segurança, convivialidade, boa comida a

preço razoável e bom clima.

LB - É SABIDO QUE HÁ GRANDES ESCRITORES E POETAS QUE EXERCERAM PROFISSÕES MUITO POUCO INSPIRADORAS, COMO O CASO DE FERNANDO PESSOA QUE ERA CONTABILISTA. COMO DIVIDE ESSAS DUAS FACETAS EM SI?

ABC: Sobre o nosso Pessoa, importa dizer que, ao contrário do que muitas vezes se quer fazer crer, ele não foi contabilista ou guarda--livros (como então se dizia) apenas como modo de ganhar a vida. Ele foi um estudioso da contabilidade e da gestão das empresas, como se pode ver nos vários artigos que publicou, designadamente, na revista Comércio e Contabilidade que criou com o seu cunhado.Quanto às minhas facetas literária e de jurista, convivem bem. O jurista beneficia da mão treinada do escritor e ao escritor também dá jeito apanhar de vez em quando um banho de realidade.

LB - É UM AUTOR DISCIPLINADO? HORAS CERTAS PARA ESCRE-VER, PELA NOITE DENTRO OU LOGO PELA ALVORADA?

ABC: Não é propositado, mas é muito pela noite fora. Durante o dia, ainda tenho alguns compromissos não literários por cumprir.

LB - NOS ÚLTIMOS TRÊS ANOS PUBLICOU TRÊS LIVROS DE POESIA COM ASSINALÁVEL ÊXITO- «ADÁGIO, ROMANZA E GRAVE»; AS FLORES BRANCAS DO FRANGIPANI» E EM OUTUBRO PASSADO «PAIS E FILHOS, AVÓS E NETOS, EM VERSOS DISCRE-TOS». JÁ TEM OUTRO OU OUTROS NA FORJA?

ABC: Sim, tenho relativamente avançado um livro de poemas, mas que vai ficar uns bons meses “a amadurecer” e um livro de contos para crianças cujo trabalho já começou.

LB - QUE OUTRAS ARTES O FASCINAM?

A pintura certamente, mas não são muitos os pintores e os traba-lhos que me tocam como me tocam os grandes livros. Estão neste grupo reduzido “As Meninas” de Velásquez e sobretudo a sua “Ren-dição de Breda” também conhecido pela “tela das lanças” (há neste quadro uma verticalidade e uma nobreza quer de vencedores quer de vencidos que sempre me comovem); também quase tudo de William Turner (quem gosta, não pode perder a Tatte Gallery antiga); e os quadros da planície de Crau, de Van Gogh; e do nosso Amadeu de Sousa Cardoso (o quadro “Avant la corrida” é soberbo!). Além disso, gosto muita da gravura para além de valorizar a sua técnica muito particular. E Portugal teve e tem grandes artistas na gravura: Bartolomeu Cid dos Santos, David de Almeida, Rogério Ribeiro, Pomar, Botelho, Nikias….Na música emociono-me com peças muito diversas: desde o “Con-certo Bacarisse” e o “Concerto de Aranjuez” de Joaquin Rodrigo e o “Adágio” de Albinoni, até ao “Time after Time” do Milles Davis, passando pelo “A whiter shade of pale” dos Procol Harum e pelos belos discos do Zeca Afonso e do Fausto. Como vê, nada preso a um único estilo ou época.

LB - A PERGUNTA DO COSTUME. SE SÓ PUDESSE LEVAR PARA UMA ILHA (NÃO FATALMENTE DESERTA) UM LIVRO, UMA MÚSICA E UMA TELA QUAIS ESCOLHERIA?

ABC: Trocava a música e a tela por livros e levava: “O que diz Molero” de Dinis Machado, “Ficções” de Jorge Luís Borges e uma colectânea de toda a poesia de Fernando Pessoa e seus heterónimos (talvez dispensasse Álvaro de Campos).

FP - AO LONGO DESTES ANOS DE VIDA, QUANDO É QUE SURGE O POETA: AGORA QUE COMEÇOU A EDITAR, OU HÁ MUITA POESIA NA "GAVETA"?

ABC – Com alguma consistência, o poeta surge na segunda metade da década de 7O. Os prémios literários são um reflexo disso. Nunca deixei de ler e de escrever (não há aliás outra maneira de aprender a escrever bem que não seja lendo os melhores) e na gaveta ainda anda por lá muita coisa, mas não creio que se aproveite muito. Hoje, gosto de muito pouco do que por lá ficou.

FP - NA TUA POESIA, AGORA COM A VIDA ESTABILIZADA, HÁ UM ACERTO DE CONTAS COM AS AGRURAS DO PRINCÍPIO DA VIDA? SÃO AS MEMÓRIAS DE UMA INFÂNCIA FELIZ EM CONTRAPONTO À GUERRA COLONIAL? O QUE FOI PARA TI A GUERRA COLONIAL?

ABC: Não, acerto de contas com a vida, não. Muitas vezes, a vida nem sequer é de boas contas: pensamos que estão saldadas e ela vem pedir-nos mais. Não vale a pena…o melhor mesmo é viver cada dia em paz consigo mesmo.Esta pergunta toca, aliás, uma temática que tem dividido os poetas. É o problema da contaminação ou não da arte pelo passado e pela vivência do poeta. Por exemplo, o grande poeta Carlos Drummond de Andrade era um defensor convicto da “incontaminação”. É claro que a mim também me custa ver poemas centrados e carregados do eu de quem os escreve, numa espécie de exercício de vaidade, ou de psicanálise, ou de auto ajuda tão em voga. O mesmo para referências à sua cidade natal ou à sua região. Por outro lado, porém, acho impossível que alguém no seu processo criativo escape à influência do que foi na infância e adolescência. Eu, já que me perguntas, adoro ir ao “armário azul da minha infância” (este verso é do José Jorge Letria) para reinventar imagens que dela retiro.Quanto à guerra colonial, foi para mim o que foi para muitos jovens: uma experiência marcante que podia ter corrido mal, mas felizmente no meu caso correu sem danos. Eu era um operacional (atirador de cavalaria) e fui mobilizado em rendição individual e metido dentro de um rectângulo de arame farpado, onde já estavam cerca de 100 homens. Nos muitos quilómetros em redor não havia quaisquer povoações. Só mato. Um verdadeiro “cu de Judas”. Porque o grupo de combate tinha sido dizimado numa emboscada que causou mais de duas dezenas de baixas, foi recom-pletado com soldados que vinham castigados de outros pontos de Angola, e ali estava eu para na semana seguinte, os começar a

comandar em operações de 4 dias (e 3 noites, que eram as que custavam mais a passar); às vezes debaixo de trovoadas inclemen-tes outras vezes de um sol abrasador, já sem água e já sem suportar o cheiro das rações de combate. E não digo mais...

FP - A VIDA PROFISSIONAL COMO FISCALISTA, CONSULTOR INTERNACIONAL OU PROFESSOR "ESTRANGULOU" O POETA OU FOI A SECURA DA VIDA PROFISSIONAL QUE FEZ SURGIR O POETA?

Na resposta a essa pergunta há uma evidência factual: a poesia chegou antes dos impostos. Aquela chegou no início da década de 7O (mesmos os prémios chegaram no meio e no final dessa década) e os impostos chegaram só em 1982 (liquidador tributário estagiário em Azambuja).A propósito desta pergunta, lembro-me que uma vez um crítico literário glosou o facto do poeta Ruy Cinatti, que exercia normal-mente a sua profissão de agrónomo, estar ligado ao estudo da produção de cortiça. O dito crítico terá dito qualquer coisa como: nunca saberemos quantos bons poemas não ficaram “enrolhados” devido à actividade profissional do poeta. Mas também não sei se os poetas que se isolam anos a fio, apenas escrevendo, não estão a perder algo de importante que só existe cá fora.

FP - PODE-SE DIZER QUE NA ACTIVIDADE DO COFRE TAMBÉM HÁ POESIA?

ABC – Bem, pelo menos quando se fazem sessões de apresentação de certos livros, é provável que haja (riso). O auditório tem aliás fixada à parede uma figura do Fernando Pessoa. Agora mais a sério, a poesia requer algo que a actividade e a gestão do Cofre, ou de qualquer organização cujo património é de um colectivo, também requerem: rigor e clareza.

LB - NESTA ÚLTIMA REVISTA DO COFRE REFERENTE A 2O15, PODE DEIXAR UMA PALAVRA AOS NOSSOS SÓCIOS E FAMILIARES. UM LEMA PARA A VIDA OU APENAS UMA SAUDAÇÃO?

ABC: Talvez aplicasse à vida e ao que ela deve ter de grandioso e de emocionante, o que o prémio Nobel da literatura, Octávio Paz disse da poesia, quando escreveu: “A poesia ou é um salto mortal ou não é nada”.E, com os votos de Bom Ano Novo, deixava aqui o último poema do meu mais recente livro “Pais e Filhos, Avós e Netos, em versos discretos”:Se eu tivesseapenas uma palavra para te dar,como a quem partindo em viagem,Se dá um conselho, um guião,Dar-te-ia apenas a palavra coragem.E dir-te-ia:- Tem cuidado, mas medo não!

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FP - QUEM É O AMÉRICO BRÁS CARLOS?

ABC - Natural de Azambuja. Quase 64 anos, obcecado pela independência e pela justiça, cada vez com menos palavras e mais reflexão. Fez o curso industrial de electricista e a partir daí foi, durante 11 anos, sempre a trabalhar e a estudar à noite. Foi técnico de instrumentação industrial, quase engenheiro eletrotécnico, aos 21 anos comandou várias dezenas doutros jovens portugueses e angolanos nas matas de Angola junto à fronteira com o Zaire. Juris-ta, fiscalista, consultor do FMI e do Tesouro dos Estados Unidos, docente da Faculdade de Direito de Lisboa e do ISCTE. Tem-se em boa conta e não se importa de falar do que fez e faz, mas acha uma perda de tempo dizer o que pensa que é (os outros, que não sabem nada de mim, que opinem).

LB - NO SEU CASO O GOSTO PELA POESIA VEIO NO LEITE MATER-NO OU SÓ DESPERTOU NA IDADE DAS PRIMEIRAS PAIXÕES?

ABC: O gosto e o contacto sério com a poesia começou apenas por

volta dos 2O anos; e não teve a ver com as primeiras paixões que, por sinal, começaram muito mais cedo. Até lá, eu quase só lia prosa e escrevia contos. Aliás o meu primeiro prémio literário é uma menção honrosa na modalidade “conto”. Só mais tarde percebi o que era a grande poesia.

LB - QUAIS OS AUTORES QUE O INSPIRARAM? CLÁSSICOS? ACTU-AIS?

ABC: Considerando que fui e sou um leitor assíduo de poesia portu-guesa, hão de confluir em mim várias influências. Nesta matéria devo levar também em conta o que outros, que muitos considero, notaram. Por exemplo, o António Manuel Pires Cabral disse que no “Adágio, Romanza e Grave” pareceu-lhe andar por ali a influência de Cesário Verde; o mesmo notou José Jorge Letria e acrescentou Drummond de Andrade. Alguma verdade tem de haver nisso e acho que há. Mas no que escrevo andará também, penso eu, a sombra de Pessoa e Alberto Caeiro, Ruy Belo, de T.S. Eliot, de Jorge Luís Borges, de António Ramos Rosa e certamente de outros que agora não recordo.

LB- A QUEM DEDICOU OS PRIMEIROS VERSOS?

ABC: A ninguém em particular. Recordo bem que os meus primei-ros poemas foram determinados pela guerra colonial. E eram essencialmente de incompreensão e raiva por já me ver (como acontecia aos outros jovens da minha geração) a ser arrancado durante três anos à família, aos amigos e amigas, aos projectos profissionais, escolares e de vida, para ser despejado numa guerra incompreensível a milhares de quilómetros. Nunca publiquei esses poemas e ainda bem. Teriam algum força panfletária, mas eram maus.

LB - QUANDO PESQUISAMOS O SEU NOME NO «GOOGLE» SURGEM OS SEUS «MAIORES SUCESSOS» COMO «IMPOSTOS – TEORIA GERAL» OU «GUIA DOS IMPOSTOS EM PORTUGAL». A ÁREA FISCAL TEM ENCANTOS DESCONHECIDOS?

ABC: Eu ainda reconheço encantos na fiscalidade. A ideia de reparti-ção de sacrifícios patrimoniais individuais para financiamento de bens (e do bem) comuns, assente unicamente em critérios de justiça, é uma ideia cheia de significado e faz com que os meus livros e outros textos que vou publicando nesta área sejam escritos com prazer, que aliás, também resulta da intransigente liberdade e completa independência (não procuro agradar a quaisquer pessoas ou interesses, nem admito que o rigor vá só até ao ponto em que toca os interesses do próprio) com que os escrevo.

LB - FEZ O CURSO DE DIREITO, E PREPARA DOUTORAMENTO. A DOCÊNCIA É TÃO DESAFIANTE COMO A ESCRITA LITERÁRIA?

ABC: Sabe, eu tenho uma carreira docente universitária de 3O anos, a que junto a de formador da Administração Tributária, e sempre gostei de leccionar. Os alunos também gostavam das minhas aulas, a avaliar pelo que escreviam nos respectivos inquéritos de avalia-ção. Hoje só raramente dou aulas e não lhes sinto a falta. Com o chamado processo de Bolonha, os meus alunos que eram dos 4º e 5º anos das licenciaturas passaram a ser do 2º ano com muito menor maturidade e conhecimentos gerais e isso, junto ao que me parece ser uma cada vez menor exigência, também ajudou a algum desencanto.

LB - É UM HOMEM VIAJADO. GOSTAVA DE VIVER NOUTRO PAÍS? ONDE E PORQUÊ?

ABC: De facto, considero-me uma pessoa viajada mas não posso dizer que gostava de viver noutro país. Até por conhecer muitos outros países, sei que as irritações e desânimos que temos perante factos que por aqui ocorrem, também os teríamos no estrangeiro. E aqui sempre há alguma segurança, convivialidade, boa comida a

preço razoável e bom clima.

LB - É SABIDO QUE HÁ GRANDES ESCRITORES E POETAS QUE EXERCERAM PROFISSÕES MUITO POUCO INSPIRADORAS, COMO O CASO DE FERNANDO PESSOA QUE ERA CONTABILISTA. COMO DIVIDE ESSAS DUAS FACETAS EM SI?

ABC: Sobre o nosso Pessoa, importa dizer que, ao contrário do que muitas vezes se quer fazer crer, ele não foi contabilista ou guarda--livros (como então se dizia) apenas como modo de ganhar a vida. Ele foi um estudioso da contabilidade e da gestão das empresas, como se pode ver nos vários artigos que publicou, designadamente, na revista Comércio e Contabilidade que criou com o seu cunhado.Quanto às minhas facetas literária e de jurista, convivem bem. O jurista beneficia da mão treinada do escritor e ao escritor também dá jeito apanhar de vez em quando um banho de realidade.

LB - É UM AUTOR DISCIPLINADO? HORAS CERTAS PARA ESCRE-VER, PELA NOITE DENTRO OU LOGO PELA ALVORADA?

ABC: Não é propositado, mas é muito pela noite fora. Durante o dia, ainda tenho alguns compromissos não literários por cumprir.

LB - NOS ÚLTIMOS TRÊS ANOS PUBLICOU TRÊS LIVROS DE POESIA COM ASSINALÁVEL ÊXITO- «ADÁGIO, ROMANZA E GRAVE»; AS FLORES BRANCAS DO FRANGIPANI» E EM OUTUBRO PASSADO «PAIS E FILHOS, AVÓS E NETOS, EM VERSOS DISCRE-TOS». JÁ TEM OUTRO OU OUTROS NA FORJA?

ABC: Sim, tenho relativamente avançado um livro de poemas, mas que vai ficar uns bons meses “a amadurecer” e um livro de contos para crianças cujo trabalho já começou.

LB - QUE OUTRAS ARTES O FASCINAM?

A pintura certamente, mas não são muitos os pintores e os traba-lhos que me tocam como me tocam os grandes livros. Estão neste grupo reduzido “As Meninas” de Velásquez e sobretudo a sua “Ren-dição de Breda” também conhecido pela “tela das lanças” (há neste quadro uma verticalidade e uma nobreza quer de vencedores quer de vencidos que sempre me comovem); também quase tudo de William Turner (quem gosta, não pode perder a Tatte Gallery antiga); e os quadros da planície de Crau, de Van Gogh; e do nosso Amadeu de Sousa Cardoso (o quadro “Avant la corrida” é soberbo!). Além disso, gosto muita da gravura para além de valorizar a sua técnica muito particular. E Portugal teve e tem grandes artistas na gravura: Bartolomeu Cid dos Santos, David de Almeida, Rogério Ribeiro, Pomar, Botelho, Nikias….Na música emociono-me com peças muito diversas: desde o “Con-certo Bacarisse” e o “Concerto de Aranjuez” de Joaquin Rodrigo e o “Adágio” de Albinoni, até ao “Time after Time” do Milles Davis, passando pelo “A whiter shade of pale” dos Procol Harum e pelos belos discos do Zeca Afonso e do Fausto. Como vê, nada preso a um único estilo ou época.

LB - A PERGUNTA DO COSTUME. SE SÓ PUDESSE LEVAR PARA UMA ILHA (NÃO FATALMENTE DESERTA) UM LIVRO, UMA MÚSICA E UMA TELA QUAIS ESCOLHERIA?

ABC: Trocava a música e a tela por livros e levava: “O que diz Molero” de Dinis Machado, “Ficções” de Jorge Luís Borges e uma colectânea de toda a poesia de Fernando Pessoa e seus heterónimos (talvez dispensasse Álvaro de Campos).

FP - AO LONGO DESTES ANOS DE VIDA, QUANDO É QUE SURGE O POETA: AGORA QUE COMEÇOU A EDITAR, OU HÁ MUITA POESIA NA "GAVETA"?

ABC – Com alguma consistência, o poeta surge na segunda metade da década de 7O. Os prémios literários são um reflexo disso. Nunca deixei de ler e de escrever (não há aliás outra maneira de aprender a escrever bem que não seja lendo os melhores) e na gaveta ainda anda por lá muita coisa, mas não creio que se aproveite muito. Hoje, gosto de muito pouco do que por lá ficou.

FP - NA TUA POESIA, AGORA COM A VIDA ESTABILIZADA, HÁ UM ACERTO DE CONTAS COM AS AGRURAS DO PRINCÍPIO DA VIDA? SÃO AS MEMÓRIAS DE UMA INFÂNCIA FELIZ EM CONTRAPONTO À GUERRA COLONIAL? O QUE FOI PARA TI A GUERRA COLONIAL?

ABC: Não, acerto de contas com a vida, não. Muitas vezes, a vida nem sequer é de boas contas: pensamos que estão saldadas e ela vem pedir-nos mais. Não vale a pena…o melhor mesmo é viver cada dia em paz consigo mesmo.Esta pergunta toca, aliás, uma temática que tem dividido os poetas. É o problema da contaminação ou não da arte pelo passado e pela vivência do poeta. Por exemplo, o grande poeta Carlos Drummond de Andrade era um defensor convicto da “incontaminação”. É claro que a mim também me custa ver poemas centrados e carregados do eu de quem os escreve, numa espécie de exercício de vaidade, ou de psicanálise, ou de auto ajuda tão em voga. O mesmo para referências à sua cidade natal ou à sua região. Por outro lado, porém, acho impossível que alguém no seu processo criativo escape à influência do que foi na infância e adolescência. Eu, já que me perguntas, adoro ir ao “armário azul da minha infância” (este verso é do José Jorge Letria) para reinventar imagens que dela retiro.Quanto à guerra colonial, foi para mim o que foi para muitos jovens: uma experiência marcante que podia ter corrido mal, mas felizmente no meu caso correu sem danos. Eu era um operacional (atirador de cavalaria) e fui mobilizado em rendição individual e metido dentro de um rectângulo de arame farpado, onde já estavam cerca de 100 homens. Nos muitos quilómetros em redor não havia quaisquer povoações. Só mato. Um verdadeiro “cu de Judas”. Porque o grupo de combate tinha sido dizimado numa emboscada que causou mais de duas dezenas de baixas, foi recom-pletado com soldados que vinham castigados de outros pontos de Angola, e ali estava eu para na semana seguinte, os começar a

comandar em operações de 4 dias (e 3 noites, que eram as que custavam mais a passar); às vezes debaixo de trovoadas inclemen-tes outras vezes de um sol abrasador, já sem água e já sem suportar o cheiro das rações de combate. E não digo mais...

FP - A VIDA PROFISSIONAL COMO FISCALISTA, CONSULTOR INTERNACIONAL OU PROFESSOR "ESTRANGULOU" O POETA OU FOI A SECURA DA VIDA PROFISSIONAL QUE FEZ SURGIR O POETA?

Na resposta a essa pergunta há uma evidência factual: a poesia chegou antes dos impostos. Aquela chegou no início da década de 7O (mesmos os prémios chegaram no meio e no final dessa década) e os impostos chegaram só em 1982 (liquidador tributário estagiário em Azambuja).A propósito desta pergunta, lembro-me que uma vez um crítico literário glosou o facto do poeta Ruy Cinatti, que exercia normal-mente a sua profissão de agrónomo, estar ligado ao estudo da produção de cortiça. O dito crítico terá dito qualquer coisa como: nunca saberemos quantos bons poemas não ficaram “enrolhados” devido à actividade profissional do poeta. Mas também não sei se os poetas que se isolam anos a fio, apenas escrevendo, não estão a perder algo de importante que só existe cá fora.

FP - PODE-SE DIZER QUE NA ACTIVIDADE DO COFRE TAMBÉM HÁ POESIA?

ABC – Bem, pelo menos quando se fazem sessões de apresentação de certos livros, é provável que haja (riso). O auditório tem aliás fixada à parede uma figura do Fernando Pessoa. Agora mais a sério, a poesia requer algo que a actividade e a gestão do Cofre, ou de qualquer organização cujo património é de um colectivo, também requerem: rigor e clareza.

LB - NESTA ÚLTIMA REVISTA DO COFRE REFERENTE A 2O15, PODE DEIXAR UMA PALAVRA AOS NOSSOS SÓCIOS E FAMILIARES. UM LEMA PARA A VIDA OU APENAS UMA SAUDAÇÃO?

ABC: Talvez aplicasse à vida e ao que ela deve ter de grandioso e de emocionante, o que o prémio Nobel da literatura, Octávio Paz disse da poesia, quando escreveu: “A poesia ou é um salto mortal ou não é nada”.E, com os votos de Bom Ano Novo, deixava aqui o último poema do meu mais recente livro “Pais e Filhos, Avós e Netos, em versos discretos”:Se eu tivesseapenas uma palavra para te dar,como a quem partindo em viagem,Se dá um conselho, um guião,Dar-te-ia apenas a palavra coragem.E dir-te-ia:- Tem cuidado, mas medo não!

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RESIDÊNCIAS UNIVERSITÁRIAS

FP - QUEM É O AMÉRICO BRÁS CARLOS?

ABC - Natural de Azambuja. Quase 64 anos, obcecado pela independência e pela justiça, cada vez com menos palavras e mais reflexão. Fez o curso industrial de electricista e a partir daí foi, durante 11 anos, sempre a trabalhar e a estudar à noite. Foi técnico de instrumentação industrial, quase engenheiro eletrotécnico, aos 21 anos comandou várias dezenas doutros jovens portugueses e angolanos nas matas de Angola junto à fronteira com o Zaire. Juris-ta, fiscalista, consultor do FMI e do Tesouro dos Estados Unidos, docente da Faculdade de Direito de Lisboa e do ISCTE. Tem-se em boa conta e não se importa de falar do que fez e faz, mas acha uma perda de tempo dizer o que pensa que é (os outros, que não sabem nada de mim, que opinem).

LB - NO SEU CASO O GOSTO PELA POESIA VEIO NO LEITE MATER-NO OU SÓ DESPERTOU NA IDADE DAS PRIMEIRAS PAIXÕES?

ABC: O gosto e o contacto sério com a poesia começou apenas por

volta dos 2O anos; e não teve a ver com as primeiras paixões que, por sinal, começaram muito mais cedo. Até lá, eu quase só lia prosa e escrevia contos. Aliás o meu primeiro prémio literário é uma menção honrosa na modalidade “conto”. Só mais tarde percebi o que era a grande poesia.

LB - QUAIS OS AUTORES QUE O INSPIRARAM? CLÁSSICOS? ACTU-AIS?

ABC: Considerando que fui e sou um leitor assíduo de poesia portu-guesa, hão de confluir em mim várias influências. Nesta matéria devo levar também em conta o que outros, que muitos considero, notaram. Por exemplo, o António Manuel Pires Cabral disse que no “Adágio, Romanza e Grave” pareceu-lhe andar por ali a influência de Cesário Verde; o mesmo notou José Jorge Letria e acrescentou Drummond de Andrade. Alguma verdade tem de haver nisso e acho que há. Mas no que escrevo andará também, penso eu, a sombra de Pessoa e Alberto Caeiro, Ruy Belo, de T.S. Eliot, de Jorge Luís Borges, de António Ramos Rosa e certamente de outros que agora não recordo.

LB- A QUEM DEDICOU OS PRIMEIROS VERSOS?

ABC: A ninguém em particular. Recordo bem que os meus primei-ros poemas foram determinados pela guerra colonial. E eram essencialmente de incompreensão e raiva por já me ver (como acontecia aos outros jovens da minha geração) a ser arrancado durante três anos à família, aos amigos e amigas, aos projectos profissionais, escolares e de vida, para ser despejado numa guerra incompreensível a milhares de quilómetros. Nunca publiquei esses poemas e ainda bem. Teriam algum força panfletária, mas eram maus.

LB - QUANDO PESQUISAMOS O SEU NOME NO «GOOGLE» SURGEM OS SEUS «MAIORES SUCESSOS» COMO «IMPOSTOS – TEORIA GERAL» OU «GUIA DOS IMPOSTOS EM PORTUGAL». A ÁREA FISCAL TEM ENCANTOS DESCONHECIDOS?

ABC: Eu ainda reconheço encantos na fiscalidade. A ideia de reparti-ção de sacrifícios patrimoniais individuais para financiamento de bens (e do bem) comuns, assente unicamente em critérios de justiça, é uma ideia cheia de significado e faz com que os meus livros e outros textos que vou publicando nesta área sejam escritos com prazer, que aliás, também resulta da intransigente liberdade e completa independência (não procuro agradar a quaisquer pessoas ou interesses, nem admito que o rigor vá só até ao ponto em que toca os interesses do próprio) com que os escrevo.

LB - FEZ O CURSO DE DIREITO, E PREPARA DOUTORAMENTO. A DOCÊNCIA É TÃO DESAFIANTE COMO A ESCRITA LITERÁRIA?

ABC: Sabe, eu tenho uma carreira docente universitária de 3O anos, a que junto a de formador da Administração Tributária, e sempre gostei de leccionar. Os alunos também gostavam das minhas aulas, a avaliar pelo que escreviam nos respectivos inquéritos de avalia-ção. Hoje só raramente dou aulas e não lhes sinto a falta. Com o chamado processo de Bolonha, os meus alunos que eram dos 4º e 5º anos das licenciaturas passaram a ser do 2º ano com muito menor maturidade e conhecimentos gerais e isso, junto ao que me parece ser uma cada vez menor exigência, também ajudou a algum desencanto.

LB - É UM HOMEM VIAJADO. GOSTAVA DE VIVER NOUTRO PAÍS? ONDE E PORQUÊ?

ABC: De facto, considero-me uma pessoa viajada mas não posso dizer que gostava de viver noutro país. Até por conhecer muitos outros países, sei que as irritações e desânimos que temos perante factos que por aqui ocorrem, também os teríamos no estrangeiro. E aqui sempre há alguma segurança, convivialidade, boa comida a

preço razoável e bom clima.

LB - É SABIDO QUE HÁ GRANDES ESCRITORES E POETAS QUE EXERCERAM PROFISSÕES MUITO POUCO INSPIRADORAS, COMO O CASO DE FERNANDO PESSOA QUE ERA CONTABILISTA. COMO DIVIDE ESSAS DUAS FACETAS EM SI?

ABC: Sobre o nosso Pessoa, importa dizer que, ao contrário do que muitas vezes se quer fazer crer, ele não foi contabilista ou guarda--livros (como então se dizia) apenas como modo de ganhar a vida. Ele foi um estudioso da contabilidade e da gestão das empresas, como se pode ver nos vários artigos que publicou, designadamente, na revista Comércio e Contabilidade que criou com o seu cunhado.Quanto às minhas facetas literária e de jurista, convivem bem. O jurista beneficia da mão treinada do escritor e ao escritor também dá jeito apanhar de vez em quando um banho de realidade.

LB - É UM AUTOR DISCIPLINADO? HORAS CERTAS PARA ESCRE-VER, PELA NOITE DENTRO OU LOGO PELA ALVORADA?

ABC: Não é propositado, mas é muito pela noite fora. Durante o dia, ainda tenho alguns compromissos não literários por cumprir.

LB - NOS ÚLTIMOS TRÊS ANOS PUBLICOU TRÊS LIVROS DE POESIA COM ASSINALÁVEL ÊXITO- «ADÁGIO, ROMANZA E GRAVE»; AS FLORES BRANCAS DO FRANGIPANI» E EM OUTUBRO PASSADO «PAIS E FILHOS, AVÓS E NETOS, EM VERSOS DISCRE-TOS». JÁ TEM OUTRO OU OUTROS NA FORJA?

ABC: Sim, tenho relativamente avançado um livro de poemas, mas que vai ficar uns bons meses “a amadurecer” e um livro de contos para crianças cujo trabalho já começou.

LB - QUE OUTRAS ARTES O FASCINAM?

A pintura certamente, mas não são muitos os pintores e os traba-lhos que me tocam como me tocam os grandes livros. Estão neste grupo reduzido “As Meninas” de Velásquez e sobretudo a sua “Ren-dição de Breda” também conhecido pela “tela das lanças” (há neste quadro uma verticalidade e uma nobreza quer de vencedores quer de vencidos que sempre me comovem); também quase tudo de William Turner (quem gosta, não pode perder a Tatte Gallery antiga); e os quadros da planície de Crau, de Van Gogh; e do nosso Amadeu de Sousa Cardoso (o quadro “Avant la corrida” é soberbo!). Além disso, gosto muita da gravura para além de valorizar a sua técnica muito particular. E Portugal teve e tem grandes artistas na gravura: Bartolomeu Cid dos Santos, David de Almeida, Rogério Ribeiro, Pomar, Botelho, Nikias….Na música emociono-me com peças muito diversas: desde o “Con-certo Bacarisse” e o “Concerto de Aranjuez” de Joaquin Rodrigo e o “Adágio” de Albinoni, até ao “Time after Time” do Milles Davis, passando pelo “A whiter shade of pale” dos Procol Harum e pelos belos discos do Zeca Afonso e do Fausto. Como vê, nada preso a um único estilo ou época.

LB - A PERGUNTA DO COSTUME. SE SÓ PUDESSE LEVAR PARA UMA ILHA (NÃO FATALMENTE DESERTA) UM LIVRO, UMA MÚSICA E UMA TELA QUAIS ESCOLHERIA?

ABC: Trocava a música e a tela por livros e levava: “O que diz Molero” de Dinis Machado, “Ficções” de Jorge Luís Borges e uma colectânea de toda a poesia de Fernando Pessoa e seus heterónimos (talvez dispensasse Álvaro de Campos).

FP - AO LONGO DESTES ANOS DE VIDA, QUANDO É QUE SURGE O POETA: AGORA QUE COMEÇOU A EDITAR, OU HÁ MUITA POESIA NA "GAVETA"?

ABC – Com alguma consistência, o poeta surge na segunda metade da década de 7O. Os prémios literários são um reflexo disso. Nunca deixei de ler e de escrever (não há aliás outra maneira de aprender a escrever bem que não seja lendo os melhores) e na gaveta ainda anda por lá muita coisa, mas não creio que se aproveite muito. Hoje, gosto de muito pouco do que por lá ficou.

FP - NA TUA POESIA, AGORA COM A VIDA ESTABILIZADA, HÁ UM ACERTO DE CONTAS COM AS AGRURAS DO PRINCÍPIO DA VIDA? SÃO AS MEMÓRIAS DE UMA INFÂNCIA FELIZ EM CONTRAPONTO À GUERRA COLONIAL? O QUE FOI PARA TI A GUERRA COLONIAL?

ABC: Não, acerto de contas com a vida, não. Muitas vezes, a vida nem sequer é de boas contas: pensamos que estão saldadas e ela vem pedir-nos mais. Não vale a pena…o melhor mesmo é viver cada dia em paz consigo mesmo.Esta pergunta toca, aliás, uma temática que tem dividido os poetas. É o problema da contaminação ou não da arte pelo passado e pela vivência do poeta. Por exemplo, o grande poeta Carlos Drummond de Andrade era um defensor convicto da “incontaminação”. É claro que a mim também me custa ver poemas centrados e carregados do eu de quem os escreve, numa espécie de exercício de vaidade, ou de psicanálise, ou de auto ajuda tão em voga. O mesmo para referências à sua cidade natal ou à sua região. Por outro lado, porém, acho impossível que alguém no seu processo criativo escape à influência do que foi na infância e adolescência. Eu, já que me perguntas, adoro ir ao “armário azul da minha infância” (este verso é do José Jorge Letria) para reinventar imagens que dela retiro.Quanto à guerra colonial, foi para mim o que foi para muitos jovens: uma experiência marcante que podia ter corrido mal, mas felizmente no meu caso correu sem danos. Eu era um operacional (atirador de cavalaria) e fui mobilizado em rendição individual e metido dentro de um rectângulo de arame farpado, onde já estavam cerca de 100 homens. Nos muitos quilómetros em redor não havia quaisquer povoações. Só mato. Um verdadeiro “cu de Judas”. Porque o grupo de combate tinha sido dizimado numa emboscada que causou mais de duas dezenas de baixas, foi recom-pletado com soldados que vinham castigados de outros pontos de Angola, e ali estava eu para na semana seguinte, os começar a

comandar em operações de 4 dias (e 3 noites, que eram as que custavam mais a passar); às vezes debaixo de trovoadas inclemen-tes outras vezes de um sol abrasador, já sem água e já sem suportar o cheiro das rações de combate. E não digo mais...

FP - A VIDA PROFISSIONAL COMO FISCALISTA, CONSULTOR INTERNACIONAL OU PROFESSOR "ESTRANGULOU" O POETA OU FOI A SECURA DA VIDA PROFISSIONAL QUE FEZ SURGIR O POETA?

Na resposta a essa pergunta há uma evidência factual: a poesia chegou antes dos impostos. Aquela chegou no início da década de 7O (mesmos os prémios chegaram no meio e no final dessa década) e os impostos chegaram só em 1982 (liquidador tributário estagiário em Azambuja).A propósito desta pergunta, lembro-me que uma vez um crítico literário glosou o facto do poeta Ruy Cinatti, que exercia normal-mente a sua profissão de agrónomo, estar ligado ao estudo da produção de cortiça. O dito crítico terá dito qualquer coisa como: nunca saberemos quantos bons poemas não ficaram “enrolhados” devido à actividade profissional do poeta. Mas também não sei se os poetas que se isolam anos a fio, apenas escrevendo, não estão a perder algo de importante que só existe cá fora.

FP - PODE-SE DIZER QUE NA ACTIVIDADE DO COFRE TAMBÉM HÁ POESIA?

18cofre

ABC – Bem, pelo menos quando se fazem sessões de apresentação de certos livros, é provável que haja (riso). O auditório tem aliás fixada à parede uma figura do Fernando Pessoa. Agora mais a sério, a poesia requer algo que a actividade e a gestão do Cofre, ou de qualquer organização cujo património é de um colectivo, também requerem: rigor e clareza.

LB - NESTA ÚLTIMA REVISTA DO COFRE REFERENTE A 2O15, PODE DEIXAR UMA PALAVRA AOS NOSSOS SÓCIOS E FAMILIARES. UM LEMA PARA A VIDA OU APENAS UMA SAUDAÇÃO?

ABC: Talvez aplicasse à vida e ao que ela deve ter de grandioso e de emocionante, o que o prémio Nobel da literatura, Octávio Paz disse da poesia, quando escreveu: “A poesia ou é um salto mortal ou não é nada”.E, com os votos de Bom Ano Novo, deixava aqui o último poema do meu mais recente livro “Pais e Filhos, Avós e Netos, em versos discretos”:Se eu tivesseapenas uma palavra para te dar,como a quem partindo em viagem,Se dá um conselho, um guião,Dar-te-ia apenas a palavra coragem.E dir-te-ia:- Tem cuidado, mas medo não!

Ho, ho, ho!O Natal chegou à RUP!Para muitos esta é a época mais especial do ano, dedicada à família, união e partilha. E foi o que se tentou retratar no passado dia 11, com o jantar de Natal realizado entre os jovens da Residência Universitária do Porto.Que esta noite sempre seja lembrada com carinho!Tchin Tchin!Feliz Natal!

RUP

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RUL

A noite estava fria, os galos cantavam lá fora, mas dentro da nossa residência o quentinho sentia-se pela cozinha e pela sala e ouvia--se: “Que cheirinho!”. Foi noite de jantar à volta de uma mesa lumi-nosa para comemorar mais um Natal.Pão alentejano recheado, tarde salgada, paté de atum, azeitonas, queijos, bacalhau com natas e brócolos, arroz-doce e baba de camelo renovaram as forças para os trabalhos e exames antes do tão desejado regresso a casa.Dias antes todos deram as boas vindas ao Natal: o pinheiro decora-do, o presépio feito pelas residentes, as estrelinhas de papel, as árvores de livros, o pai natal e o boneco de neve deram um sabor natalício à nossa sala.O serão foi passado com o jogo “Adivinha quem sou eu!” tendo como protagonistas a Ana Portas, Bernardo Rocha e Pedro Fialho enquanto os restantes tentavam adivinhar. É de salientar a veia teatral apurada destes três residentes.A RUL deseja a todos um brilhante Natal e um 2O16 repleto de força e saúde!

HO, HO, HO!!!

Texto: Fátima Silva

Texto: Ana Rufino

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K

rresidencias

RESIDÊNCIAS UNIVERSITÁRIAS

FP - QUEM É O AMÉRICO BRÁS CARLOS?

ABC - Natural de Azambuja. Quase 64 anos, obcecado pela independência e pela justiça, cada vez com menos palavras e mais reflexão. Fez o curso industrial de electricista e a partir daí foi, durante 11 anos, sempre a trabalhar e a estudar à noite. Foi técnico de instrumentação industrial, quase engenheiro eletrotécnico, aos 21 anos comandou várias dezenas doutros jovens portugueses e angolanos nas matas de Angola junto à fronteira com o Zaire. Juris-ta, fiscalista, consultor do FMI e do Tesouro dos Estados Unidos, docente da Faculdade de Direito de Lisboa e do ISCTE. Tem-se em boa conta e não se importa de falar do que fez e faz, mas acha uma perda de tempo dizer o que pensa que é (os outros, que não sabem nada de mim, que opinem).

LB - NO SEU CASO O GOSTO PELA POESIA VEIO NO LEITE MATER-NO OU SÓ DESPERTOU NA IDADE DAS PRIMEIRAS PAIXÕES?

ABC: O gosto e o contacto sério com a poesia começou apenas por

volta dos 2O anos; e não teve a ver com as primeiras paixões que, por sinal, começaram muito mais cedo. Até lá, eu quase só lia prosa e escrevia contos. Aliás o meu primeiro prémio literário é uma menção honrosa na modalidade “conto”. Só mais tarde percebi o que era a grande poesia.

LB - QUAIS OS AUTORES QUE O INSPIRARAM? CLÁSSICOS? ACTU-AIS?

ABC: Considerando que fui e sou um leitor assíduo de poesia portu-guesa, hão de confluir em mim várias influências. Nesta matéria devo levar também em conta o que outros, que muitos considero, notaram. Por exemplo, o António Manuel Pires Cabral disse que no “Adágio, Romanza e Grave” pareceu-lhe andar por ali a influência de Cesário Verde; o mesmo notou José Jorge Letria e acrescentou Drummond de Andrade. Alguma verdade tem de haver nisso e acho que há. Mas no que escrevo andará também, penso eu, a sombra de Pessoa e Alberto Caeiro, Ruy Belo, de T.S. Eliot, de Jorge Luís Borges, de António Ramos Rosa e certamente de outros que agora não recordo.

LB- A QUEM DEDICOU OS PRIMEIROS VERSOS?

ABC: A ninguém em particular. Recordo bem que os meus primei-ros poemas foram determinados pela guerra colonial. E eram essencialmente de incompreensão e raiva por já me ver (como acontecia aos outros jovens da minha geração) a ser arrancado durante três anos à família, aos amigos e amigas, aos projectos profissionais, escolares e de vida, para ser despejado numa guerra incompreensível a milhares de quilómetros. Nunca publiquei esses poemas e ainda bem. Teriam algum força panfletária, mas eram maus.

LB - QUANDO PESQUISAMOS O SEU NOME NO «GOOGLE» SURGEM OS SEUS «MAIORES SUCESSOS» COMO «IMPOSTOS – TEORIA GERAL» OU «GUIA DOS IMPOSTOS EM PORTUGAL». A ÁREA FISCAL TEM ENCANTOS DESCONHECIDOS?

ABC: Eu ainda reconheço encantos na fiscalidade. A ideia de reparti-ção de sacrifícios patrimoniais individuais para financiamento de bens (e do bem) comuns, assente unicamente em critérios de justiça, é uma ideia cheia de significado e faz com que os meus livros e outros textos que vou publicando nesta área sejam escritos com prazer, que aliás, também resulta da intransigente liberdade e completa independência (não procuro agradar a quaisquer pessoas ou interesses, nem admito que o rigor vá só até ao ponto em que toca os interesses do próprio) com que os escrevo.

LB - FEZ O CURSO DE DIREITO, E PREPARA DOUTORAMENTO. A DOCÊNCIA É TÃO DESAFIANTE COMO A ESCRITA LITERÁRIA?

ABC: Sabe, eu tenho uma carreira docente universitária de 3O anos, a que junto a de formador da Administração Tributária, e sempre gostei de leccionar. Os alunos também gostavam das minhas aulas, a avaliar pelo que escreviam nos respectivos inquéritos de avalia-ção. Hoje só raramente dou aulas e não lhes sinto a falta. Com o chamado processo de Bolonha, os meus alunos que eram dos 4º e 5º anos das licenciaturas passaram a ser do 2º ano com muito menor maturidade e conhecimentos gerais e isso, junto ao que me parece ser uma cada vez menor exigência, também ajudou a algum desencanto.

LB - É UM HOMEM VIAJADO. GOSTAVA DE VIVER NOUTRO PAÍS? ONDE E PORQUÊ?

ABC: De facto, considero-me uma pessoa viajada mas não posso dizer que gostava de viver noutro país. Até por conhecer muitos outros países, sei que as irritações e desânimos que temos perante factos que por aqui ocorrem, também os teríamos no estrangeiro. E aqui sempre há alguma segurança, convivialidade, boa comida a

preço razoável e bom clima.

LB - É SABIDO QUE HÁ GRANDES ESCRITORES E POETAS QUE EXERCERAM PROFISSÕES MUITO POUCO INSPIRADORAS, COMO O CASO DE FERNANDO PESSOA QUE ERA CONTABILISTA. COMO DIVIDE ESSAS DUAS FACETAS EM SI?

ABC: Sobre o nosso Pessoa, importa dizer que, ao contrário do que muitas vezes se quer fazer crer, ele não foi contabilista ou guarda--livros (como então se dizia) apenas como modo de ganhar a vida. Ele foi um estudioso da contabilidade e da gestão das empresas, como se pode ver nos vários artigos que publicou, designadamente, na revista Comércio e Contabilidade que criou com o seu cunhado.Quanto às minhas facetas literária e de jurista, convivem bem. O jurista beneficia da mão treinada do escritor e ao escritor também dá jeito apanhar de vez em quando um banho de realidade.

LB - É UM AUTOR DISCIPLINADO? HORAS CERTAS PARA ESCRE-VER, PELA NOITE DENTRO OU LOGO PELA ALVORADA?

ABC: Não é propositado, mas é muito pela noite fora. Durante o dia, ainda tenho alguns compromissos não literários por cumprir.

LB - NOS ÚLTIMOS TRÊS ANOS PUBLICOU TRÊS LIVROS DE POESIA COM ASSINALÁVEL ÊXITO- «ADÁGIO, ROMANZA E GRAVE»; AS FLORES BRANCAS DO FRANGIPANI» E EM OUTUBRO PASSADO «PAIS E FILHOS, AVÓS E NETOS, EM VERSOS DISCRE-TOS». JÁ TEM OUTRO OU OUTROS NA FORJA?

ABC: Sim, tenho relativamente avançado um livro de poemas, mas que vai ficar uns bons meses “a amadurecer” e um livro de contos para crianças cujo trabalho já começou.

LB - QUE OUTRAS ARTES O FASCINAM?

A pintura certamente, mas não são muitos os pintores e os traba-lhos que me tocam como me tocam os grandes livros. Estão neste grupo reduzido “As Meninas” de Velásquez e sobretudo a sua “Ren-dição de Breda” também conhecido pela “tela das lanças” (há neste quadro uma verticalidade e uma nobreza quer de vencedores quer de vencidos que sempre me comovem); também quase tudo de William Turner (quem gosta, não pode perder a Tatte Gallery antiga); e os quadros da planície de Crau, de Van Gogh; e do nosso Amadeu de Sousa Cardoso (o quadro “Avant la corrida” é soberbo!). Além disso, gosto muita da gravura para além de valorizar a sua técnica muito particular. E Portugal teve e tem grandes artistas na gravura: Bartolomeu Cid dos Santos, David de Almeida, Rogério Ribeiro, Pomar, Botelho, Nikias….Na música emociono-me com peças muito diversas: desde o “Con-certo Bacarisse” e o “Concerto de Aranjuez” de Joaquin Rodrigo e o “Adágio” de Albinoni, até ao “Time after Time” do Milles Davis, passando pelo “A whiter shade of pale” dos Procol Harum e pelos belos discos do Zeca Afonso e do Fausto. Como vê, nada preso a um único estilo ou época.

LB - A PERGUNTA DO COSTUME. SE SÓ PUDESSE LEVAR PARA UMA ILHA (NÃO FATALMENTE DESERTA) UM LIVRO, UMA MÚSICA E UMA TELA QUAIS ESCOLHERIA?

ABC: Trocava a música e a tela por livros e levava: “O que diz Molero” de Dinis Machado, “Ficções” de Jorge Luís Borges e uma colectânea de toda a poesia de Fernando Pessoa e seus heterónimos (talvez dispensasse Álvaro de Campos).

FP - AO LONGO DESTES ANOS DE VIDA, QUANDO É QUE SURGE O POETA: AGORA QUE COMEÇOU A EDITAR, OU HÁ MUITA POESIA NA "GAVETA"?

ABC – Com alguma consistência, o poeta surge na segunda metade da década de 7O. Os prémios literários são um reflexo disso. Nunca deixei de ler e de escrever (não há aliás outra maneira de aprender a escrever bem que não seja lendo os melhores) e na gaveta ainda anda por lá muita coisa, mas não creio que se aproveite muito. Hoje, gosto de muito pouco do que por lá ficou.

FP - NA TUA POESIA, AGORA COM A VIDA ESTABILIZADA, HÁ UM ACERTO DE CONTAS COM AS AGRURAS DO PRINCÍPIO DA VIDA? SÃO AS MEMÓRIAS DE UMA INFÂNCIA FELIZ EM CONTRAPONTO À GUERRA COLONIAL? O QUE FOI PARA TI A GUERRA COLONIAL?

ABC: Não, acerto de contas com a vida, não. Muitas vezes, a vida nem sequer é de boas contas: pensamos que estão saldadas e ela vem pedir-nos mais. Não vale a pena…o melhor mesmo é viver cada dia em paz consigo mesmo.Esta pergunta toca, aliás, uma temática que tem dividido os poetas. É o problema da contaminação ou não da arte pelo passado e pela vivência do poeta. Por exemplo, o grande poeta Carlos Drummond de Andrade era um defensor convicto da “incontaminação”. É claro que a mim também me custa ver poemas centrados e carregados do eu de quem os escreve, numa espécie de exercício de vaidade, ou de psicanálise, ou de auto ajuda tão em voga. O mesmo para referências à sua cidade natal ou à sua região. Por outro lado, porém, acho impossível que alguém no seu processo criativo escape à influência do que foi na infância e adolescência. Eu, já que me perguntas, adoro ir ao “armário azul da minha infância” (este verso é do José Jorge Letria) para reinventar imagens que dela retiro.Quanto à guerra colonial, foi para mim o que foi para muitos jovens: uma experiência marcante que podia ter corrido mal, mas felizmente no meu caso correu sem danos. Eu era um operacional (atirador de cavalaria) e fui mobilizado em rendição individual e metido dentro de um rectângulo de arame farpado, onde já estavam cerca de 100 homens. Nos muitos quilómetros em redor não havia quaisquer povoações. Só mato. Um verdadeiro “cu de Judas”. Porque o grupo de combate tinha sido dizimado numa emboscada que causou mais de duas dezenas de baixas, foi recom-pletado com soldados que vinham castigados de outros pontos de Angola, e ali estava eu para na semana seguinte, os começar a

comandar em operações de 4 dias (e 3 noites, que eram as que custavam mais a passar); às vezes debaixo de trovoadas inclemen-tes outras vezes de um sol abrasador, já sem água e já sem suportar o cheiro das rações de combate. E não digo mais...

FP - A VIDA PROFISSIONAL COMO FISCALISTA, CONSULTOR INTERNACIONAL OU PROFESSOR "ESTRANGULOU" O POETA OU FOI A SECURA DA VIDA PROFISSIONAL QUE FEZ SURGIR O POETA?

Na resposta a essa pergunta há uma evidência factual: a poesia chegou antes dos impostos. Aquela chegou no início da década de 7O (mesmos os prémios chegaram no meio e no final dessa década) e os impostos chegaram só em 1982 (liquidador tributário estagiário em Azambuja).A propósito desta pergunta, lembro-me que uma vez um crítico literário glosou o facto do poeta Ruy Cinatti, que exercia normal-mente a sua profissão de agrónomo, estar ligado ao estudo da produção de cortiça. O dito crítico terá dito qualquer coisa como: nunca saberemos quantos bons poemas não ficaram “enrolhados” devido à actividade profissional do poeta. Mas também não sei se os poetas que se isolam anos a fio, apenas escrevendo, não estão a perder algo de importante que só existe cá fora.

FP - PODE-SE DIZER QUE NA ACTIVIDADE DO COFRE TAMBÉM HÁ POESIA?

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ABC – Bem, pelo menos quando se fazem sessões de apresentação de certos livros, é provável que haja (riso). O auditório tem aliás fixada à parede uma figura do Fernando Pessoa. Agora mais a sério, a poesia requer algo que a actividade e a gestão do Cofre, ou de qualquer organização cujo património é de um colectivo, também requerem: rigor e clareza.

LB - NESTA ÚLTIMA REVISTA DO COFRE REFERENTE A 2O15, PODE DEIXAR UMA PALAVRA AOS NOSSOS SÓCIOS E FAMILIARES. UM LEMA PARA A VIDA OU APENAS UMA SAUDAÇÃO?

ABC: Talvez aplicasse à vida e ao que ela deve ter de grandioso e de emocionante, o que o prémio Nobel da literatura, Octávio Paz disse da poesia, quando escreveu: “A poesia ou é um salto mortal ou não é nada”.E, com os votos de Bom Ano Novo, deixava aqui o último poema do meu mais recente livro “Pais e Filhos, Avós e Netos, em versos discretos”:Se eu tivesseapenas uma palavra para te dar,como a quem partindo em viagem,Se dá um conselho, um guião,Dar-te-ia apenas a palavra coragem.E dir-te-ia:- Tem cuidado, mas medo não!

Ho, ho, ho!O Natal chegou à RUP!Para muitos esta é a época mais especial do ano, dedicada à família, união e partilha. E foi o que se tentou retratar no passado dia 11, com o jantar de Natal realizado entre os jovens da Residência Universitária do Porto.Que esta noite sempre seja lembrada com carinho!Tchin Tchin!Feliz Natal!

RUP

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RUL

A noite estava fria, os galos cantavam lá fora, mas dentro da nossa residência o quentinho sentia-se pela cozinha e pela sala e ouvia--se: “Que cheirinho!”. Foi noite de jantar à volta de uma mesa lumi-nosa para comemorar mais um Natal.Pão alentejano recheado, tarde salgada, paté de atum, azeitonas, queijos, bacalhau com natas e brócolos, arroz-doce e baba de camelo renovaram as forças para os trabalhos e exames antes do tão desejado regresso a casa.Dias antes todos deram as boas vindas ao Natal: o pinheiro decora-do, o presépio feito pelas residentes, as estrelinhas de papel, as árvores de livros, o pai natal e o boneco de neve deram um sabor natalício à nossa sala.O serão foi passado com o jogo “Adivinha quem sou eu!” tendo como protagonistas a Ana Portas, Bernardo Rocha e Pedro Fialho enquanto os restantes tentavam adivinhar. É de salientar a veia teatral apurada destes três residentes.A RUL deseja a todos um brilhante Natal e um 2O16 repleto de força e saúde!

HO, HO, HO!!!

Texto: Fátima Silva

Texto: Ana Rufino

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Page 21: LUA - cofre.org · com a mais alta tecnologia, salas de formação e auditório para receber conferências e espectáculos, tendo um palco ligado ao ... última revista Cofre de 2O15

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FP - QUEM É O AMÉRICO BRÁS CARLOS?

ABC - Natural de Azambuja. Quase 64 anos, obcecado pela independência e pela justiça, cada vez com menos palavras e mais reflexão. Fez o curso industrial de electricista e a partir daí foi, durante 11 anos, sempre a trabalhar e a estudar à noite. Foi técnico de instrumentação industrial, quase engenheiro eletrotécnico, aos 21 anos comandou várias dezenas doutros jovens portugueses e angolanos nas matas de Angola junto à fronteira com o Zaire. Juris-ta, fiscalista, consultor do FMI e do Tesouro dos Estados Unidos, docente da Faculdade de Direito de Lisboa e do ISCTE. Tem-se em boa conta e não se importa de falar do que fez e faz, mas acha uma perda de tempo dizer o que pensa que é (os outros, que não sabem nada de mim, que opinem).

LB - NO SEU CASO O GOSTO PELA POESIA VEIO NO LEITE MATER-NO OU SÓ DESPERTOU NA IDADE DAS PRIMEIRAS PAIXÕES?

ABC: O gosto e o contacto sério com a poesia começou apenas por

volta dos 2O anos; e não teve a ver com as primeiras paixões que, por sinal, começaram muito mais cedo. Até lá, eu quase só lia prosa e escrevia contos. Aliás o meu primeiro prémio literário é uma menção honrosa na modalidade “conto”. Só mais tarde percebi o que era a grande poesia.

LB - QUAIS OS AUTORES QUE O INSPIRARAM? CLÁSSICOS? ACTU-AIS?

ABC: Considerando que fui e sou um leitor assíduo de poesia portu-guesa, hão de confluir em mim várias influências. Nesta matéria devo levar também em conta o que outros, que muitos considero, notaram. Por exemplo, o António Manuel Pires Cabral disse que no “Adágio, Romanza e Grave” pareceu-lhe andar por ali a influência de Cesário Verde; o mesmo notou José Jorge Letria e acrescentou Drummond de Andrade. Alguma verdade tem de haver nisso e acho que há. Mas no que escrevo andará também, penso eu, a sombra de Pessoa e Alberto Caeiro, Ruy Belo, de T.S. Eliot, de Jorge Luís Borges, de António Ramos Rosa e certamente de outros que agora não recordo.

LB- A QUEM DEDICOU OS PRIMEIROS VERSOS?

ABC: A ninguém em particular. Recordo bem que os meus primei-ros poemas foram determinados pela guerra colonial. E eram essencialmente de incompreensão e raiva por já me ver (como acontecia aos outros jovens da minha geração) a ser arrancado durante três anos à família, aos amigos e amigas, aos projectos profissionais, escolares e de vida, para ser despejado numa guerra incompreensível a milhares de quilómetros. Nunca publiquei esses poemas e ainda bem. Teriam algum força panfletária, mas eram maus.

LB - QUANDO PESQUISAMOS O SEU NOME NO «GOOGLE» SURGEM OS SEUS «MAIORES SUCESSOS» COMO «IMPOSTOS – TEORIA GERAL» OU «GUIA DOS IMPOSTOS EM PORTUGAL». A ÁREA FISCAL TEM ENCANTOS DESCONHECIDOS?

ABC: Eu ainda reconheço encantos na fiscalidade. A ideia de reparti-ção de sacrifícios patrimoniais individuais para financiamento de bens (e do bem) comuns, assente unicamente em critérios de justiça, é uma ideia cheia de significado e faz com que os meus livros e outros textos que vou publicando nesta área sejam escritos com prazer, que aliás, também resulta da intransigente liberdade e completa independência (não procuro agradar a quaisquer pessoas ou interesses, nem admito que o rigor vá só até ao ponto em que toca os interesses do próprio) com que os escrevo.

LB - FEZ O CURSO DE DIREITO, E PREPARA DOUTORAMENTO. A DOCÊNCIA É TÃO DESAFIANTE COMO A ESCRITA LITERÁRIA?

ABC: Sabe, eu tenho uma carreira docente universitária de 3O anos, a que junto a de formador da Administração Tributária, e sempre gostei de leccionar. Os alunos também gostavam das minhas aulas, a avaliar pelo que escreviam nos respectivos inquéritos de avalia-ção. Hoje só raramente dou aulas e não lhes sinto a falta. Com o chamado processo de Bolonha, os meus alunos que eram dos 4º e 5º anos das licenciaturas passaram a ser do 2º ano com muito menor maturidade e conhecimentos gerais e isso, junto ao que me parece ser uma cada vez menor exigência, também ajudou a algum desencanto.

LB - É UM HOMEM VIAJADO. GOSTAVA DE VIVER NOUTRO PAÍS? ONDE E PORQUÊ?

ABC: De facto, considero-me uma pessoa viajada mas não posso dizer que gostava de viver noutro país. Até por conhecer muitos outros países, sei que as irritações e desânimos que temos perante factos que por aqui ocorrem, também os teríamos no estrangeiro. E aqui sempre há alguma segurança, convivialidade, boa comida a

preço razoável e bom clima.

LB - É SABIDO QUE HÁ GRANDES ESCRITORES E POETAS QUE EXERCERAM PROFISSÕES MUITO POUCO INSPIRADORAS, COMO O CASO DE FERNANDO PESSOA QUE ERA CONTABILISTA. COMO DIVIDE ESSAS DUAS FACETAS EM SI?

ABC: Sobre o nosso Pessoa, importa dizer que, ao contrário do que muitas vezes se quer fazer crer, ele não foi contabilista ou guarda--livros (como então se dizia) apenas como modo de ganhar a vida. Ele foi um estudioso da contabilidade e da gestão das empresas, como se pode ver nos vários artigos que publicou, designadamente, na revista Comércio e Contabilidade que criou com o seu cunhado.Quanto às minhas facetas literária e de jurista, convivem bem. O jurista beneficia da mão treinada do escritor e ao escritor também dá jeito apanhar de vez em quando um banho de realidade.

LB - É UM AUTOR DISCIPLINADO? HORAS CERTAS PARA ESCRE-VER, PELA NOITE DENTRO OU LOGO PELA ALVORADA?

ABC: Não é propositado, mas é muito pela noite fora. Durante o dia, ainda tenho alguns compromissos não literários por cumprir.

LB - NOS ÚLTIMOS TRÊS ANOS PUBLICOU TRÊS LIVROS DE POESIA COM ASSINALÁVEL ÊXITO- «ADÁGIO, ROMANZA E GRAVE»; AS FLORES BRANCAS DO FRANGIPANI» E EM OUTUBRO PASSADO «PAIS E FILHOS, AVÓS E NETOS, EM VERSOS DISCRE-TOS». JÁ TEM OUTRO OU OUTROS NA FORJA?

ABC: Sim, tenho relativamente avançado um livro de poemas, mas que vai ficar uns bons meses “a amadurecer” e um livro de contos para crianças cujo trabalho já começou.

LB - QUE OUTRAS ARTES O FASCINAM?

A pintura certamente, mas não são muitos os pintores e os traba-lhos que me tocam como me tocam os grandes livros. Estão neste grupo reduzido “As Meninas” de Velásquez e sobretudo a sua “Ren-dição de Breda” também conhecido pela “tela das lanças” (há neste quadro uma verticalidade e uma nobreza quer de vencedores quer de vencidos que sempre me comovem); também quase tudo de William Turner (quem gosta, não pode perder a Tatte Gallery antiga); e os quadros da planície de Crau, de Van Gogh; e do nosso Amadeu de Sousa Cardoso (o quadro “Avant la corrida” é soberbo!). Além disso, gosto muita da gravura para além de valorizar a sua técnica muito particular. E Portugal teve e tem grandes artistas na gravura: Bartolomeu Cid dos Santos, David de Almeida, Rogério Ribeiro, Pomar, Botelho, Nikias….Na música emociono-me com peças muito diversas: desde o “Con-certo Bacarisse” e o “Concerto de Aranjuez” de Joaquin Rodrigo e o “Adágio” de Albinoni, até ao “Time after Time” do Milles Davis, passando pelo “A whiter shade of pale” dos Procol Harum e pelos belos discos do Zeca Afonso e do Fausto. Como vê, nada preso a um único estilo ou época.

LB - A PERGUNTA DO COSTUME. SE SÓ PUDESSE LEVAR PARA UMA ILHA (NÃO FATALMENTE DESERTA) UM LIVRO, UMA MÚSICA E UMA TELA QUAIS ESCOLHERIA?

ABC: Trocava a música e a tela por livros e levava: “O que diz Molero” de Dinis Machado, “Ficções” de Jorge Luís Borges e uma colectânea de toda a poesia de Fernando Pessoa e seus heterónimos (talvez dispensasse Álvaro de Campos).

FP - AO LONGO DESTES ANOS DE VIDA, QUANDO É QUE SURGE O POETA: AGORA QUE COMEÇOU A EDITAR, OU HÁ MUITA POESIA NA "GAVETA"?

ABC – Com alguma consistência, o poeta surge na segunda metade da década de 7O. Os prémios literários são um reflexo disso. Nunca deixei de ler e de escrever (não há aliás outra maneira de aprender a escrever bem que não seja lendo os melhores) e na gaveta ainda anda por lá muita coisa, mas não creio que se aproveite muito. Hoje, gosto de muito pouco do que por lá ficou.

FP - NA TUA POESIA, AGORA COM A VIDA ESTABILIZADA, HÁ UM ACERTO DE CONTAS COM AS AGRURAS DO PRINCÍPIO DA VIDA? SÃO AS MEMÓRIAS DE UMA INFÂNCIA FELIZ EM CONTRAPONTO À GUERRA COLONIAL? O QUE FOI PARA TI A GUERRA COLONIAL?

ABC: Não, acerto de contas com a vida, não. Muitas vezes, a vida nem sequer é de boas contas: pensamos que estão saldadas e ela vem pedir-nos mais. Não vale a pena…o melhor mesmo é viver cada dia em paz consigo mesmo.Esta pergunta toca, aliás, uma temática que tem dividido os poetas. É o problema da contaminação ou não da arte pelo passado e pela vivência do poeta. Por exemplo, o grande poeta Carlos Drummond de Andrade era um defensor convicto da “incontaminação”. É claro que a mim também me custa ver poemas centrados e carregados do eu de quem os escreve, numa espécie de exercício de vaidade, ou de psicanálise, ou de auto ajuda tão em voga. O mesmo para referências à sua cidade natal ou à sua região. Por outro lado, porém, acho impossível que alguém no seu processo criativo escape à influência do que foi na infância e adolescência. Eu, já que me perguntas, adoro ir ao “armário azul da minha infância” (este verso é do José Jorge Letria) para reinventar imagens que dela retiro.Quanto à guerra colonial, foi para mim o que foi para muitos jovens: uma experiência marcante que podia ter corrido mal, mas felizmente no meu caso correu sem danos. Eu era um operacional (atirador de cavalaria) e fui mobilizado em rendição individual e metido dentro de um rectângulo de arame farpado, onde já estavam cerca de 100 homens. Nos muitos quilómetros em redor não havia quaisquer povoações. Só mato. Um verdadeiro “cu de Judas”. Porque o grupo de combate tinha sido dizimado numa emboscada que causou mais de duas dezenas de baixas, foi recom-pletado com soldados que vinham castigados de outros pontos de Angola, e ali estava eu para na semana seguinte, os começar a

comandar em operações de 4 dias (e 3 noites, que eram as que custavam mais a passar); às vezes debaixo de trovoadas inclemen-tes outras vezes de um sol abrasador, já sem água e já sem suportar o cheiro das rações de combate. E não digo mais...

FP - A VIDA PROFISSIONAL COMO FISCALISTA, CONSULTOR INTERNACIONAL OU PROFESSOR "ESTRANGULOU" O POETA OU FOI A SECURA DA VIDA PROFISSIONAL QUE FEZ SURGIR O POETA?

Na resposta a essa pergunta há uma evidência factual: a poesia chegou antes dos impostos. Aquela chegou no início da década de 7O (mesmos os prémios chegaram no meio e no final dessa década) e os impostos chegaram só em 1982 (liquidador tributário estagiário em Azambuja).A propósito desta pergunta, lembro-me que uma vez um crítico literário glosou o facto do poeta Ruy Cinatti, que exercia normal-mente a sua profissão de agrónomo, estar ligado ao estudo da produção de cortiça. O dito crítico terá dito qualquer coisa como: nunca saberemos quantos bons poemas não ficaram “enrolhados” devido à actividade profissional do poeta. Mas também não sei se os poetas que se isolam anos a fio, apenas escrevendo, não estão a perder algo de importante que só existe cá fora.

FP - PODE-SE DIZER QUE NA ACTIVIDADE DO COFRE TAMBÉM HÁ POESIA?

ABC – Bem, pelo menos quando se fazem sessões de apresentação de certos livros, é provável que haja (riso). O auditório tem aliás fixada à parede uma figura do Fernando Pessoa. Agora mais a sério, a poesia requer algo que a actividade e a gestão do Cofre, ou de qualquer organização cujo património é de um colectivo, também requerem: rigor e clareza.

LB - NESTA ÚLTIMA REVISTA DO COFRE REFERENTE A 2O15, PODE DEIXAR UMA PALAVRA AOS NOSSOS SÓCIOS E FAMILIARES. UM LEMA PARA A VIDA OU APENAS UMA SAUDAÇÃO?

ABC: Talvez aplicasse à vida e ao que ela deve ter de grandioso e de emocionante, o que o prémio Nobel da literatura, Octávio Paz disse da poesia, quando escreveu: “A poesia ou é um salto mortal ou não é nada”.E, com os votos de Bom Ano Novo, deixava aqui o último poema do meu mais recente livro “Pais e Filhos, Avós e Netos, em versos discretos”:Se eu tivesseapenas uma palavra para te dar,como a quem partindo em viagem,Se dá um conselho, um guião,Dar-te-ia apenas a palavra coragem.E dir-te-ia:- Tem cuidado, mas medo não!

“O meu país natal é o Peru e o país que sinto como a minha segunda casa é Portugal. Vou contar como vivi o Natal em lados distintos do mundo. No Peru é verão nesta época do ano. Decoramos as casas e colocamos luzes coloridas nas portas e nas árvores e todas as ruas estão iluminadas. O jantar de 24 de dezembro é muito variado porque o Perú sofreu muitas influências de culturas estrangeiras. Quase sempre o jantar tem cozido de peru com salada, mas também há quem coma cozido de porco ou frango, arroz branco e molho de maçã. Bebemos sempre chocolate quente e comemos panetone, que é um bolo de natal de origem italiana. À meia-noite bebemos champagne para comemorar o Natal. As crianças que ainda estão acordadas a essa hora podem abrir as suas prendas, as outras abrem na manhã do dia 25. Eu regresso sempre à minha cidade para celebrar o Natal na casa dos meus avós, com a minha mãe, tios e primos. Gosto muito deste dia porque é uma oportuni-dade para dizer obrigada a Deus pelas bênçãos que dá à minha vida e à minha família. O Natal que passei em Portugal foi uma das melhores experiências da minha vida. Foi a minha primeira vez fora de casa e também, a primeira que nesta quadra em que eu não estava com a minha familia. Sentia muitas saudades de casa mas sabia que não podia voltar até ao ano seguinte, mas acho que Deus ofereceu-me a melhor prenda de Natal: uma nova família com quem partilhar aquela data tão importante; a minha família da Residência Universitária de Lisboa e a família Gomez-Cruz, a família da minha professora de Portugues no Perú. Com a minha família da Residência tive um jantar muito bonito. Pela primeira vez comi muita, muita, muita comida! As sobremesas eram grandes, o baca-lhau com natas foi o meu preferido e gostaria de fazê-lo cá para a minha família o experimentar. As luzes na cidade de Lisboa eram muito bonitas e tive a oportunidade de estar no Porto onde as ruas cheias iluminadas também estavam lindas. Tive saudades da minha família, mas gostei imenso de partilhar o Natal com pessoas tao queridas e boas que me deram tanto afecto. Finalmente, só tenho a dizer que não importa o lugar onde estejamos no Natal. O impor-tante é com quem se esteja. Seja no Perú, em Portugal ou noutro país deste maravilhoso mundo. Desejo que todos tenham a oportu-nidade de passar o Natal com a família e amigos. “

“No meu país, a Guiana Francesa, geralmente celebro o Natal em família. Comemos salsicha vermelha e outras especialidades, como as "pâtés créoles" feitas com carne de porco e especiarias, o "boudin rouge" feito com sangue de porco e especiarias (parece estranho mas é muito bom) ou "jambon créole" que é uma receita de fiambre assado com um molho doce feito à base de ananás. No dia 25 de dezembro, vamos à missa e, em seguida, vamos reunir com toda a família para uma grande refeição. O Natal em Lisboa é uma época maravilhosa! As decorações são mágicas. Eu espero ser capaz de voltar muito rapidamente para apresentar à minha família a magia dum Natal português.”

NATAL PELO MUNDO

PERU

TURQUIA

GUIANA FRANCESA

Pelos ex-residentes da RUL

“O meu nome é Efkan, sou da Turquia e estudei seis meses em Portugal. No meu país não celebramos o Natal, mas durante o período em que estive em Portugal guardei muitas e incríveis recordações desta quadra. Durante o Natal, tivemos a oportunidade de experimentar a culinária portuguesa e ouvir a música tradicional desta época festiva. É tudo muito diferente das tradições do meu país e eu adorei experimentar os costumes portugueses.Gostei muito de ter conhecido a Serra da Estrela e o Centro de Lazer da Covilhã com toda a paisagem que o envolve. Foram momentos que nunca esquecerei.”

Valeria Gonzalez, 22 anos

Efkan Alan, 24 anos

Doria Meiilodivah, 23 anos

Joyeux Noel!

Noeliniz ve yeni yiliniz kutlu olsun!

Feliz Navidad!

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Page 22: LUA - cofre.org · com a mais alta tecnologia, salas de formação e auditório para receber conferências e espectáculos, tendo um palco ligado ao ... última revista Cofre de 2O15

FP - QUEM É O AMÉRICO BRÁS CARLOS?

ABC - Natural de Azambuja. Quase 64 anos, obcecado pela independência e pela justiça, cada vez com menos palavras e mais reflexão. Fez o curso industrial de electricista e a partir daí foi, durante 11 anos, sempre a trabalhar e a estudar à noite. Foi técnico de instrumentação industrial, quase engenheiro eletrotécnico, aos 21 anos comandou várias dezenas doutros jovens portugueses e angolanos nas matas de Angola junto à fronteira com o Zaire. Juris-ta, fiscalista, consultor do FMI e do Tesouro dos Estados Unidos, docente da Faculdade de Direito de Lisboa e do ISCTE. Tem-se em boa conta e não se importa de falar do que fez e faz, mas acha uma perda de tempo dizer o que pensa que é (os outros, que não sabem nada de mim, que opinem).

LB - NO SEU CASO O GOSTO PELA POESIA VEIO NO LEITE MATER-NO OU SÓ DESPERTOU NA IDADE DAS PRIMEIRAS PAIXÕES?

ABC: O gosto e o contacto sério com a poesia começou apenas por

volta dos 2O anos; e não teve a ver com as primeiras paixões que, por sinal, começaram muito mais cedo. Até lá, eu quase só lia prosa e escrevia contos. Aliás o meu primeiro prémio literário é uma menção honrosa na modalidade “conto”. Só mais tarde percebi o que era a grande poesia.

LB - QUAIS OS AUTORES QUE O INSPIRARAM? CLÁSSICOS? ACTU-AIS?

ABC: Considerando que fui e sou um leitor assíduo de poesia portu-guesa, hão de confluir em mim várias influências. Nesta matéria devo levar também em conta o que outros, que muitos considero, notaram. Por exemplo, o António Manuel Pires Cabral disse que no “Adágio, Romanza e Grave” pareceu-lhe andar por ali a influência de Cesário Verde; o mesmo notou José Jorge Letria e acrescentou Drummond de Andrade. Alguma verdade tem de haver nisso e acho que há. Mas no que escrevo andará também, penso eu, a sombra de Pessoa e Alberto Caeiro, Ruy Belo, de T.S. Eliot, de Jorge Luís Borges, de António Ramos Rosa e certamente de outros que agora não recordo.

LB- A QUEM DEDICOU OS PRIMEIROS VERSOS?

ABC: A ninguém em particular. Recordo bem que os meus primei-ros poemas foram determinados pela guerra colonial. E eram essencialmente de incompreensão e raiva por já me ver (como acontecia aos outros jovens da minha geração) a ser arrancado durante três anos à família, aos amigos e amigas, aos projectos profissionais, escolares e de vida, para ser despejado numa guerra incompreensível a milhares de quilómetros. Nunca publiquei esses poemas e ainda bem. Teriam algum força panfletária, mas eram maus.

LB - QUANDO PESQUISAMOS O SEU NOME NO «GOOGLE» SURGEM OS SEUS «MAIORES SUCESSOS» COMO «IMPOSTOS – TEORIA GERAL» OU «GUIA DOS IMPOSTOS EM PORTUGAL». A ÁREA FISCAL TEM ENCANTOS DESCONHECIDOS?

ABC: Eu ainda reconheço encantos na fiscalidade. A ideia de reparti-ção de sacrifícios patrimoniais individuais para financiamento de bens (e do bem) comuns, assente unicamente em critérios de justiça, é uma ideia cheia de significado e faz com que os meus livros e outros textos que vou publicando nesta área sejam escritos com prazer, que aliás, também resulta da intransigente liberdade e completa independência (não procuro agradar a quaisquer pessoas ou interesses, nem admito que o rigor vá só até ao ponto em que toca os interesses do próprio) com que os escrevo.

LB - FEZ O CURSO DE DIREITO, E PREPARA DOUTORAMENTO. A DOCÊNCIA É TÃO DESAFIANTE COMO A ESCRITA LITERÁRIA?

ABC: Sabe, eu tenho uma carreira docente universitária de 3O anos, a que junto a de formador da Administração Tributária, e sempre gostei de leccionar. Os alunos também gostavam das minhas aulas, a avaliar pelo que escreviam nos respectivos inquéritos de avalia-ção. Hoje só raramente dou aulas e não lhes sinto a falta. Com o chamado processo de Bolonha, os meus alunos que eram dos 4º e 5º anos das licenciaturas passaram a ser do 2º ano com muito menor maturidade e conhecimentos gerais e isso, junto ao que me parece ser uma cada vez menor exigência, também ajudou a algum desencanto.

LB - É UM HOMEM VIAJADO. GOSTAVA DE VIVER NOUTRO PAÍS? ONDE E PORQUÊ?

ABC: De facto, considero-me uma pessoa viajada mas não posso dizer que gostava de viver noutro país. Até por conhecer muitos outros países, sei que as irritações e desânimos que temos perante factos que por aqui ocorrem, também os teríamos no estrangeiro. E aqui sempre há alguma segurança, convivialidade, boa comida a

preço razoável e bom clima.

LB - É SABIDO QUE HÁ GRANDES ESCRITORES E POETAS QUE EXERCERAM PROFISSÕES MUITO POUCO INSPIRADORAS, COMO O CASO DE FERNANDO PESSOA QUE ERA CONTABILISTA. COMO DIVIDE ESSAS DUAS FACETAS EM SI?

ABC: Sobre o nosso Pessoa, importa dizer que, ao contrário do que muitas vezes se quer fazer crer, ele não foi contabilista ou guarda--livros (como então se dizia) apenas como modo de ganhar a vida. Ele foi um estudioso da contabilidade e da gestão das empresas, como se pode ver nos vários artigos que publicou, designadamente, na revista Comércio e Contabilidade que criou com o seu cunhado.Quanto às minhas facetas literária e de jurista, convivem bem. O jurista beneficia da mão treinada do escritor e ao escritor também dá jeito apanhar de vez em quando um banho de realidade.

LB - É UM AUTOR DISCIPLINADO? HORAS CERTAS PARA ESCRE-VER, PELA NOITE DENTRO OU LOGO PELA ALVORADA?

ABC: Não é propositado, mas é muito pela noite fora. Durante o dia, ainda tenho alguns compromissos não literários por cumprir.

LB - NOS ÚLTIMOS TRÊS ANOS PUBLICOU TRÊS LIVROS DE POESIA COM ASSINALÁVEL ÊXITO- «ADÁGIO, ROMANZA E GRAVE»; AS FLORES BRANCAS DO FRANGIPANI» E EM OUTUBRO PASSADO «PAIS E FILHOS, AVÓS E NETOS, EM VERSOS DISCRE-TOS». JÁ TEM OUTRO OU OUTROS NA FORJA?

ABC: Sim, tenho relativamente avançado um livro de poemas, mas que vai ficar uns bons meses “a amadurecer” e um livro de contos para crianças cujo trabalho já começou.

LB - QUE OUTRAS ARTES O FASCINAM?

A pintura certamente, mas não são muitos os pintores e os traba-lhos que me tocam como me tocam os grandes livros. Estão neste grupo reduzido “As Meninas” de Velásquez e sobretudo a sua “Ren-dição de Breda” também conhecido pela “tela das lanças” (há neste quadro uma verticalidade e uma nobreza quer de vencedores quer de vencidos que sempre me comovem); também quase tudo de William Turner (quem gosta, não pode perder a Tatte Gallery antiga); e os quadros da planície de Crau, de Van Gogh; e do nosso Amadeu de Sousa Cardoso (o quadro “Avant la corrida” é soberbo!). Além disso, gosto muita da gravura para além de valorizar a sua técnica muito particular. E Portugal teve e tem grandes artistas na gravura: Bartolomeu Cid dos Santos, David de Almeida, Rogério Ribeiro, Pomar, Botelho, Nikias….Na música emociono-me com peças muito diversas: desde o “Con-certo Bacarisse” e o “Concerto de Aranjuez” de Joaquin Rodrigo e o “Adágio” de Albinoni, até ao “Time after Time” do Milles Davis, passando pelo “A whiter shade of pale” dos Procol Harum e pelos belos discos do Zeca Afonso e do Fausto. Como vê, nada preso a um único estilo ou época.

LB - A PERGUNTA DO COSTUME. SE SÓ PUDESSE LEVAR PARA UMA ILHA (NÃO FATALMENTE DESERTA) UM LIVRO, UMA MÚSICA E UMA TELA QUAIS ESCOLHERIA?

ABC: Trocava a música e a tela por livros e levava: “O que diz Molero” de Dinis Machado, “Ficções” de Jorge Luís Borges e uma colectânea de toda a poesia de Fernando Pessoa e seus heterónimos (talvez dispensasse Álvaro de Campos).

FP - AO LONGO DESTES ANOS DE VIDA, QUANDO É QUE SURGE O POETA: AGORA QUE COMEÇOU A EDITAR, OU HÁ MUITA POESIA NA "GAVETA"?

ABC – Com alguma consistência, o poeta surge na segunda metade da década de 7O. Os prémios literários são um reflexo disso. Nunca deixei de ler e de escrever (não há aliás outra maneira de aprender a escrever bem que não seja lendo os melhores) e na gaveta ainda anda por lá muita coisa, mas não creio que se aproveite muito. Hoje, gosto de muito pouco do que por lá ficou.

FP - NA TUA POESIA, AGORA COM A VIDA ESTABILIZADA, HÁ UM ACERTO DE CONTAS COM AS AGRURAS DO PRINCÍPIO DA VIDA? SÃO AS MEMÓRIAS DE UMA INFÂNCIA FELIZ EM CONTRAPONTO À GUERRA COLONIAL? O QUE FOI PARA TI A GUERRA COLONIAL?

ABC: Não, acerto de contas com a vida, não. Muitas vezes, a vida nem sequer é de boas contas: pensamos que estão saldadas e ela vem pedir-nos mais. Não vale a pena…o melhor mesmo é viver cada dia em paz consigo mesmo.Esta pergunta toca, aliás, uma temática que tem dividido os poetas. É o problema da contaminação ou não da arte pelo passado e pela vivência do poeta. Por exemplo, o grande poeta Carlos Drummond de Andrade era um defensor convicto da “incontaminação”. É claro que a mim também me custa ver poemas centrados e carregados do eu de quem os escreve, numa espécie de exercício de vaidade, ou de psicanálise, ou de auto ajuda tão em voga. O mesmo para referências à sua cidade natal ou à sua região. Por outro lado, porém, acho impossível que alguém no seu processo criativo escape à influência do que foi na infância e adolescência. Eu, já que me perguntas, adoro ir ao “armário azul da minha infância” (este verso é do José Jorge Letria) para reinventar imagens que dela retiro.Quanto à guerra colonial, foi para mim o que foi para muitos jovens: uma experiência marcante que podia ter corrido mal, mas felizmente no meu caso correu sem danos. Eu era um operacional (atirador de cavalaria) e fui mobilizado em rendição individual e metido dentro de um rectângulo de arame farpado, onde já estavam cerca de 100 homens. Nos muitos quilómetros em redor não havia quaisquer povoações. Só mato. Um verdadeiro “cu de Judas”. Porque o grupo de combate tinha sido dizimado numa emboscada que causou mais de duas dezenas de baixas, foi recom-pletado com soldados que vinham castigados de outros pontos de Angola, e ali estava eu para na semana seguinte, os começar a

comandar em operações de 4 dias (e 3 noites, que eram as que custavam mais a passar); às vezes debaixo de trovoadas inclemen-tes outras vezes de um sol abrasador, já sem água e já sem suportar o cheiro das rações de combate. E não digo mais...

FP - A VIDA PROFISSIONAL COMO FISCALISTA, CONSULTOR INTERNACIONAL OU PROFESSOR "ESTRANGULOU" O POETA OU FOI A SECURA DA VIDA PROFISSIONAL QUE FEZ SURGIR O POETA?

Na resposta a essa pergunta há uma evidência factual: a poesia chegou antes dos impostos. Aquela chegou no início da década de 7O (mesmos os prémios chegaram no meio e no final dessa década) e os impostos chegaram só em 1982 (liquidador tributário estagiário em Azambuja).A propósito desta pergunta, lembro-me que uma vez um crítico literário glosou o facto do poeta Ruy Cinatti, que exercia normal-mente a sua profissão de agrónomo, estar ligado ao estudo da produção de cortiça. O dito crítico terá dito qualquer coisa como: nunca saberemos quantos bons poemas não ficaram “enrolhados” devido à actividade profissional do poeta. Mas também não sei se os poetas que se isolam anos a fio, apenas escrevendo, não estão a perder algo de importante que só existe cá fora.

FP - PODE-SE DIZER QUE NA ACTIVIDADE DO COFRE TAMBÉM HÁ POESIA?

ABC – Bem, pelo menos quando se fazem sessões de apresentação de certos livros, é provável que haja (riso). O auditório tem aliás fixada à parede uma figura do Fernando Pessoa. Agora mais a sério, a poesia requer algo que a actividade e a gestão do Cofre, ou de qualquer organização cujo património é de um colectivo, também requerem: rigor e clareza.

LB - NESTA ÚLTIMA REVISTA DO COFRE REFERENTE A 2O15, PODE DEIXAR UMA PALAVRA AOS NOSSOS SÓCIOS E FAMILIARES. UM LEMA PARA A VIDA OU APENAS UMA SAUDAÇÃO?

ABC: Talvez aplicasse à vida e ao que ela deve ter de grandioso e de emocionante, o que o prémio Nobel da literatura, Octávio Paz disse da poesia, quando escreveu: “A poesia ou é um salto mortal ou não é nada”.E, com os votos de Bom Ano Novo, deixava aqui o último poema do meu mais recente livro “Pais e Filhos, Avós e Netos, em versos discretos”:Se eu tivesseapenas uma palavra para te dar,como a quem partindo em viagem,Se dá um conselho, um guião,Dar-te-ia apenas a palavra coragem.E dir-te-ia:- Tem cuidado, mas medo não!

2Ocofre

1848 Victoria e Albert, reis de Inglaterra, mostram a sua árvore de Natal num jornal inglês, dando inicio à tradição das mesmas por todas as casas.

1851 O primeiro calendário do advento conhecido neste ano.

1843 Charles Dickens escreve o “Conto de Natal”, em apenas 6 semanas.Foi também neste ano desenhado e enviado o primeiro postal de Natal.

Nos Estados Unidos existem alguns canais televivos que simulam uma lareira acesa (durante os dias 24 e 25) para replicar o imaginário natalicio nos lares americanos que não têm lareira.

No México é tradição fazerem-se as “posadas” (presépios) e partirem-se as “piñatas” que dentro contêm doces e decorações que simbolizam os comporta-mentos menos bons que as pessoas tiveram durante o ano No Uruguai o Natal o Natalé

passado em familia e é passado em em casa dos avós

Na Guatemala celebra-se o Natal com desfiles de estátuas religiosas gigantes pelas ruas

No dia 5 de Dezembro os austríacos saem à rua mascarados para celebrar a existência do Krampus, espécie de demonio que pune as crianças mal comportadas.

Natal

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FP - QUEM É O AMÉRICO BRÁS CARLOS?

ABC - Natural de Azambuja. Quase 64 anos, obcecado pela independência e pela justiça, cada vez com menos palavras e mais reflexão. Fez o curso industrial de electricista e a partir daí foi, durante 11 anos, sempre a trabalhar e a estudar à noite. Foi técnico de instrumentação industrial, quase engenheiro eletrotécnico, aos 21 anos comandou várias dezenas doutros jovens portugueses e angolanos nas matas de Angola junto à fronteira com o Zaire. Juris-ta, fiscalista, consultor do FMI e do Tesouro dos Estados Unidos, docente da Faculdade de Direito de Lisboa e do ISCTE. Tem-se em boa conta e não se importa de falar do que fez e faz, mas acha uma perda de tempo dizer o que pensa que é (os outros, que não sabem nada de mim, que opinem).

LB - NO SEU CASO O GOSTO PELA POESIA VEIO NO LEITE MATER-NO OU SÓ DESPERTOU NA IDADE DAS PRIMEIRAS PAIXÕES?

ABC: O gosto e o contacto sério com a poesia começou apenas por

volta dos 2O anos; e não teve a ver com as primeiras paixões que, por sinal, começaram muito mais cedo. Até lá, eu quase só lia prosa e escrevia contos. Aliás o meu primeiro prémio literário é uma menção honrosa na modalidade “conto”. Só mais tarde percebi o que era a grande poesia.

LB - QUAIS OS AUTORES QUE O INSPIRARAM? CLÁSSICOS? ACTU-AIS?

ABC: Considerando que fui e sou um leitor assíduo de poesia portu-guesa, hão de confluir em mim várias influências. Nesta matéria devo levar também em conta o que outros, que muitos considero, notaram. Por exemplo, o António Manuel Pires Cabral disse que no “Adágio, Romanza e Grave” pareceu-lhe andar por ali a influência de Cesário Verde; o mesmo notou José Jorge Letria e acrescentou Drummond de Andrade. Alguma verdade tem de haver nisso e acho que há. Mas no que escrevo andará também, penso eu, a sombra de Pessoa e Alberto Caeiro, Ruy Belo, de T.S. Eliot, de Jorge Luís Borges, de António Ramos Rosa e certamente de outros que agora não recordo.

LB- A QUEM DEDICOU OS PRIMEIROS VERSOS?

ABC: A ninguém em particular. Recordo bem que os meus primei-ros poemas foram determinados pela guerra colonial. E eram essencialmente de incompreensão e raiva por já me ver (como acontecia aos outros jovens da minha geração) a ser arrancado durante três anos à família, aos amigos e amigas, aos projectos profissionais, escolares e de vida, para ser despejado numa guerra incompreensível a milhares de quilómetros. Nunca publiquei esses poemas e ainda bem. Teriam algum força panfletária, mas eram maus.

LB - QUANDO PESQUISAMOS O SEU NOME NO «GOOGLE» SURGEM OS SEUS «MAIORES SUCESSOS» COMO «IMPOSTOS – TEORIA GERAL» OU «GUIA DOS IMPOSTOS EM PORTUGAL». A ÁREA FISCAL TEM ENCANTOS DESCONHECIDOS?

ABC: Eu ainda reconheço encantos na fiscalidade. A ideia de reparti-ção de sacrifícios patrimoniais individuais para financiamento de bens (e do bem) comuns, assente unicamente em critérios de justiça, é uma ideia cheia de significado e faz com que os meus livros e outros textos que vou publicando nesta área sejam escritos com prazer, que aliás, também resulta da intransigente liberdade e completa independência (não procuro agradar a quaisquer pessoas ou interesses, nem admito que o rigor vá só até ao ponto em que toca os interesses do próprio) com que os escrevo.

LB - FEZ O CURSO DE DIREITO, E PREPARA DOUTORAMENTO. A DOCÊNCIA É TÃO DESAFIANTE COMO A ESCRITA LITERÁRIA?

ABC: Sabe, eu tenho uma carreira docente universitária de 3O anos, a que junto a de formador da Administração Tributária, e sempre gostei de leccionar. Os alunos também gostavam das minhas aulas, a avaliar pelo que escreviam nos respectivos inquéritos de avalia-ção. Hoje só raramente dou aulas e não lhes sinto a falta. Com o chamado processo de Bolonha, os meus alunos que eram dos 4º e 5º anos das licenciaturas passaram a ser do 2º ano com muito menor maturidade e conhecimentos gerais e isso, junto ao que me parece ser uma cada vez menor exigência, também ajudou a algum desencanto.

LB - É UM HOMEM VIAJADO. GOSTAVA DE VIVER NOUTRO PAÍS? ONDE E PORQUÊ?

ABC: De facto, considero-me uma pessoa viajada mas não posso dizer que gostava de viver noutro país. Até por conhecer muitos outros países, sei que as irritações e desânimos que temos perante factos que por aqui ocorrem, também os teríamos no estrangeiro. E aqui sempre há alguma segurança, convivialidade, boa comida a

preço razoável e bom clima.

LB - É SABIDO QUE HÁ GRANDES ESCRITORES E POETAS QUE EXERCERAM PROFISSÕES MUITO POUCO INSPIRADORAS, COMO O CASO DE FERNANDO PESSOA QUE ERA CONTABILISTA. COMO DIVIDE ESSAS DUAS FACETAS EM SI?

ABC: Sobre o nosso Pessoa, importa dizer que, ao contrário do que muitas vezes se quer fazer crer, ele não foi contabilista ou guarda--livros (como então se dizia) apenas como modo de ganhar a vida. Ele foi um estudioso da contabilidade e da gestão das empresas, como se pode ver nos vários artigos que publicou, designadamente, na revista Comércio e Contabilidade que criou com o seu cunhado.Quanto às minhas facetas literária e de jurista, convivem bem. O jurista beneficia da mão treinada do escritor e ao escritor também dá jeito apanhar de vez em quando um banho de realidade.

LB - É UM AUTOR DISCIPLINADO? HORAS CERTAS PARA ESCRE-VER, PELA NOITE DENTRO OU LOGO PELA ALVORADA?

ABC: Não é propositado, mas é muito pela noite fora. Durante o dia, ainda tenho alguns compromissos não literários por cumprir.

LB - NOS ÚLTIMOS TRÊS ANOS PUBLICOU TRÊS LIVROS DE POESIA COM ASSINALÁVEL ÊXITO- «ADÁGIO, ROMANZA E GRAVE»; AS FLORES BRANCAS DO FRANGIPANI» E EM OUTUBRO PASSADO «PAIS E FILHOS, AVÓS E NETOS, EM VERSOS DISCRE-TOS». JÁ TEM OUTRO OU OUTROS NA FORJA?

ABC: Sim, tenho relativamente avançado um livro de poemas, mas que vai ficar uns bons meses “a amadurecer” e um livro de contos para crianças cujo trabalho já começou.

LB - QUE OUTRAS ARTES O FASCINAM?

A pintura certamente, mas não são muitos os pintores e os traba-lhos que me tocam como me tocam os grandes livros. Estão neste grupo reduzido “As Meninas” de Velásquez e sobretudo a sua “Ren-dição de Breda” também conhecido pela “tela das lanças” (há neste quadro uma verticalidade e uma nobreza quer de vencedores quer de vencidos que sempre me comovem); também quase tudo de William Turner (quem gosta, não pode perder a Tatte Gallery antiga); e os quadros da planície de Crau, de Van Gogh; e do nosso Amadeu de Sousa Cardoso (o quadro “Avant la corrida” é soberbo!). Além disso, gosto muita da gravura para além de valorizar a sua técnica muito particular. E Portugal teve e tem grandes artistas na gravura: Bartolomeu Cid dos Santos, David de Almeida, Rogério Ribeiro, Pomar, Botelho, Nikias….Na música emociono-me com peças muito diversas: desde o “Con-certo Bacarisse” e o “Concerto de Aranjuez” de Joaquin Rodrigo e o “Adágio” de Albinoni, até ao “Time after Time” do Milles Davis, passando pelo “A whiter shade of pale” dos Procol Harum e pelos belos discos do Zeca Afonso e do Fausto. Como vê, nada preso a um único estilo ou época.

LB - A PERGUNTA DO COSTUME. SE SÓ PUDESSE LEVAR PARA UMA ILHA (NÃO FATALMENTE DESERTA) UM LIVRO, UMA MÚSICA E UMA TELA QUAIS ESCOLHERIA?

ABC: Trocava a música e a tela por livros e levava: “O que diz Molero” de Dinis Machado, “Ficções” de Jorge Luís Borges e uma colectânea de toda a poesia de Fernando Pessoa e seus heterónimos (talvez dispensasse Álvaro de Campos).

FP - AO LONGO DESTES ANOS DE VIDA, QUANDO É QUE SURGE O POETA: AGORA QUE COMEÇOU A EDITAR, OU HÁ MUITA POESIA NA "GAVETA"?

ABC – Com alguma consistência, o poeta surge na segunda metade da década de 7O. Os prémios literários são um reflexo disso. Nunca deixei de ler e de escrever (não há aliás outra maneira de aprender a escrever bem que não seja lendo os melhores) e na gaveta ainda anda por lá muita coisa, mas não creio que se aproveite muito. Hoje, gosto de muito pouco do que por lá ficou.

FP - NA TUA POESIA, AGORA COM A VIDA ESTABILIZADA, HÁ UM ACERTO DE CONTAS COM AS AGRURAS DO PRINCÍPIO DA VIDA? SÃO AS MEMÓRIAS DE UMA INFÂNCIA FELIZ EM CONTRAPONTO À GUERRA COLONIAL? O QUE FOI PARA TI A GUERRA COLONIAL?

ABC: Não, acerto de contas com a vida, não. Muitas vezes, a vida nem sequer é de boas contas: pensamos que estão saldadas e ela vem pedir-nos mais. Não vale a pena…o melhor mesmo é viver cada dia em paz consigo mesmo.Esta pergunta toca, aliás, uma temática que tem dividido os poetas. É o problema da contaminação ou não da arte pelo passado e pela vivência do poeta. Por exemplo, o grande poeta Carlos Drummond de Andrade era um defensor convicto da “incontaminação”. É claro que a mim também me custa ver poemas centrados e carregados do eu de quem os escreve, numa espécie de exercício de vaidade, ou de psicanálise, ou de auto ajuda tão em voga. O mesmo para referências à sua cidade natal ou à sua região. Por outro lado, porém, acho impossível que alguém no seu processo criativo escape à influência do que foi na infância e adolescência. Eu, já que me perguntas, adoro ir ao “armário azul da minha infância” (este verso é do José Jorge Letria) para reinventar imagens que dela retiro.Quanto à guerra colonial, foi para mim o que foi para muitos jovens: uma experiência marcante que podia ter corrido mal, mas felizmente no meu caso correu sem danos. Eu era um operacional (atirador de cavalaria) e fui mobilizado em rendição individual e metido dentro de um rectângulo de arame farpado, onde já estavam cerca de 100 homens. Nos muitos quilómetros em redor não havia quaisquer povoações. Só mato. Um verdadeiro “cu de Judas”. Porque o grupo de combate tinha sido dizimado numa emboscada que causou mais de duas dezenas de baixas, foi recom-pletado com soldados que vinham castigados de outros pontos de Angola, e ali estava eu para na semana seguinte, os começar a

comandar em operações de 4 dias (e 3 noites, que eram as que custavam mais a passar); às vezes debaixo de trovoadas inclemen-tes outras vezes de um sol abrasador, já sem água e já sem suportar o cheiro das rações de combate. E não digo mais...

FP - A VIDA PROFISSIONAL COMO FISCALISTA, CONSULTOR INTERNACIONAL OU PROFESSOR "ESTRANGULOU" O POETA OU FOI A SECURA DA VIDA PROFISSIONAL QUE FEZ SURGIR O POETA?

Na resposta a essa pergunta há uma evidência factual: a poesia chegou antes dos impostos. Aquela chegou no início da década de 7O (mesmos os prémios chegaram no meio e no final dessa década) e os impostos chegaram só em 1982 (liquidador tributário estagiário em Azambuja).A propósito desta pergunta, lembro-me que uma vez um crítico literário glosou o facto do poeta Ruy Cinatti, que exercia normal-mente a sua profissão de agrónomo, estar ligado ao estudo da produção de cortiça. O dito crítico terá dito qualquer coisa como: nunca saberemos quantos bons poemas não ficaram “enrolhados” devido à actividade profissional do poeta. Mas também não sei se os poetas que se isolam anos a fio, apenas escrevendo, não estão a perder algo de importante que só existe cá fora.

FP - PODE-SE DIZER QUE NA ACTIVIDADE DO COFRE TAMBÉM HÁ POESIA?

ABC – Bem, pelo menos quando se fazem sessões de apresentação de certos livros, é provável que haja (riso). O auditório tem aliás fixada à parede uma figura do Fernando Pessoa. Agora mais a sério, a poesia requer algo que a actividade e a gestão do Cofre, ou de qualquer organização cujo património é de um colectivo, também requerem: rigor e clareza.

LB - NESTA ÚLTIMA REVISTA DO COFRE REFERENTE A 2O15, PODE DEIXAR UMA PALAVRA AOS NOSSOS SÓCIOS E FAMILIARES. UM LEMA PARA A VIDA OU APENAS UMA SAUDAÇÃO?

ABC: Talvez aplicasse à vida e ao que ela deve ter de grandioso e de emocionante, o que o prémio Nobel da literatura, Octávio Paz disse da poesia, quando escreveu: “A poesia ou é um salto mortal ou não é nada”.E, com os votos de Bom Ano Novo, deixava aqui o último poema do meu mais recente livro “Pais e Filhos, Avós e Netos, em versos discretos”:Se eu tivesseapenas uma palavra para te dar,como a quem partindo em viagem,Se dá um conselho, um guião,Dar-te-ia apenas a palavra coragem.E dir-te-ia:- Tem cuidado, mas medo não!

21cofre

1863 Thomas Nast cria a figura moderna do Pai Natal.

1882 É noticiada a primeira árvore de Natal enfeitada com luzes eléctricas, por Edward Johnson.

1939 Rudolfo, a rena mais famosa, é imaginada por Robert L. May.

Na Austrália o Natal é celebrado na praia e o Pai Natal usa uma prancha de surf ou um barco ao invés do tradicional trenó.

Na India decoram as plantas nativas do país, como a bananeira e a mangueira transformando-as em árvores de Natal.

No Vietname as crianças colocam os sapatos à porta para receberem os seus presentes.

Na Rússia o Natal é comemorado no dia 7 de Janeiro. Durante o regime comunista, as árvores de Natal foram banidas e substituídas pelas árvores de Ano Novo.

Em Itália, no dia 5 de Janeiro, Befana, que é uma bruxa, visita as casas, deixando doces para as crianças boas e um pedaço de carvão para as que se portaram mal.

A terra do Pai Natal, a Lapónia, situa-se na Finlândia.

Na África do Sul e na maioria dos países africanos o Natal baseia-se em várias celebrações religiosas. A familia reune-se ao ar livre para a confraternização dos dias 24 e 25.

Nos Paises Baixos mais polémicos, celebra--se a festa do Zwarte Piet que é considerado o ajudante negro do Pai Natal. No dia 5 de Dezembro as pessoas pintam o rosto de preto e usam perucas negras enquanto desfilam nas ruas.

Em França no dia 25 de Dezembro, as pessoas devem fazer as pazes com quem possam estar zangadas.

Na Dinamarca, um duende traves-so chamado Nisse pode aparecer caso as pessoas não lhe deixem uma tigela de pudim de arroz.

BoasFestas

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Nesta época de Natal, é de tradição elaborar listas de prendas e outros artigos geralmente utilizados num período em que, independentemente da intensidade de fé religiosa, se continua o culto das reuniões familiares em ambientes algo recatados, muitos deles decorados com as figuras do “presépio”. Apesar de algumas ideias recentes de alterar o número e diversidade de tais figuras, não deixa de ser frequente a “cabana do Menino Jesus” sobre a qual é (quase sempre) representada uma “estrela com cauda” ou, mais propriamente, um cometa. Ao que parece, a intenção é que tal símbolo materialize a citação bíblica de um “sinal” que os “Reis Magos” terão visto no céu e que os guiou até ao local de nascimento do “filho de Deus”.É antiga a especulação sobre o que terão visto Gaspar, Melchior e Baltazar mas é muito possível ter sido algo muito diferente do que, actualmente, a nossa lógica permite conceber. Não é fácil imaginar-mos outra coisa que não seja qualquer fenómeno que envolva astros brilhantes, sejam planetas ou a Lua, um cometa ou “estrelas cadentes”, ou mesmo uma supernova, isto é, a explosão violenta de uma estrela, o que a faria destacar anormalmente das outras e, eventualmente, ser observável em pleno dia.A maior dificuldade encontrada nas tentativas de estabelecer a

natureza de tal fenómeno reside, essencialmente, na determinação da data em que ele ocorreu, pois, os conhecimentos e recursos tecnológicos actuais poderiam facilitar a reconstituição do céu de então, identificar fenómenos astronómicos que, eventualmente, tivessem ocorrido nessa época ou mesmo tentar encontrar registos – naquela região da terra ou noutros locais distantes – de aconteci-mentos observados num passado já distante.Na verdade, se do ponto de vista religioso – ou, simplesmente, tradi-cional – não é muito importante conhecer rigorosamente o momento em que Cristo nasceu (basta acreditar que nasceu), para relacionar o facto descrito com qualquer acontecimento astronó-mico, é indispensável conhecer, com rigor, quando ele ocorreu. E foi esse propósito a que Kepler se lançou quando, depois de ter obser-vado, em 16O3, os planetas Júpiter e Saturno muito próximos no céu, aos quais se juntou Marte, pouco tempo depois, fez cálculos que o levaram a perceber que no ano 4 a.C. – data já então admitida como provável para o nascimento de Cristo – tinha ocorrido um fenómeno semelhante de conjunção de planetas.

Desde então não cessou a produção de trabalhos e publicações sobre hipóteses de datas e tipo de fenómenos sem, no entanto, se ter progredido consideravelmente em relação ao conjecturado no princípio do século XVII. Uma das hipóteses, e que tem a ver com a decoração da “Cabana do Menino Jesus”, é de que o “sinal celeste” tenha sido um cometa, o que - perante as dificuldades resultantes de não se poder precisar a data e não se encontrarem registos em que a aparição seja descrita - não poderá ser tomado como seguro. No entanto, a aceitar-se tal ideia, o “sinal” poderia coincidir com o cometa de Halley e que a sua “aparição” na decoração das cabanas dos presépios se tenha verificado a partir do início do século XIV.De facto, em 13O1, Giotto di Bondone incluiu um cometa no seu famoso quadro “A Adoração dos Reis Magos” que decora o interior da capela Arena, em Pádua. Na ocasião, a visão do cometa foi tão espectacular que não admira ter inspirado o pintor e arquiteto a

COLUNA DE ASTRONOMIA Texto: Prof. Máximo Ferreira

A ESTRELA DE BELÉM

FP - QUEM É O AMÉRICO BRÁS CARLOS?

ABC - Natural de Azambuja. Quase 64 anos, obcecado pela independência e pela justiça, cada vez com menos palavras e mais reflexão. Fez o curso industrial de electricista e a partir daí foi, durante 11 anos, sempre a trabalhar e a estudar à noite. Foi técnico de instrumentação industrial, quase engenheiro eletrotécnico, aos 21 anos comandou várias dezenas doutros jovens portugueses e angolanos nas matas de Angola junto à fronteira com o Zaire. Juris-ta, fiscalista, consultor do FMI e do Tesouro dos Estados Unidos, docente da Faculdade de Direito de Lisboa e do ISCTE. Tem-se em boa conta e não se importa de falar do que fez e faz, mas acha uma perda de tempo dizer o que pensa que é (os outros, que não sabem nada de mim, que opinem).

LB - NO SEU CASO O GOSTO PELA POESIA VEIO NO LEITE MATER-NO OU SÓ DESPERTOU NA IDADE DAS PRIMEIRAS PAIXÕES?

ABC: O gosto e o contacto sério com a poesia começou apenas por

volta dos 2O anos; e não teve a ver com as primeiras paixões que, por sinal, começaram muito mais cedo. Até lá, eu quase só lia prosa e escrevia contos. Aliás o meu primeiro prémio literário é uma menção honrosa na modalidade “conto”. Só mais tarde percebi o que era a grande poesia.

LB - QUAIS OS AUTORES QUE O INSPIRARAM? CLÁSSICOS? ACTU-AIS?

ABC: Considerando que fui e sou um leitor assíduo de poesia portu-guesa, hão de confluir em mim várias influências. Nesta matéria devo levar também em conta o que outros, que muitos considero, notaram. Por exemplo, o António Manuel Pires Cabral disse que no “Adágio, Romanza e Grave” pareceu-lhe andar por ali a influência de Cesário Verde; o mesmo notou José Jorge Letria e acrescentou Drummond de Andrade. Alguma verdade tem de haver nisso e acho que há. Mas no que escrevo andará também, penso eu, a sombra de Pessoa e Alberto Caeiro, Ruy Belo, de T.S. Eliot, de Jorge Luís Borges, de António Ramos Rosa e certamente de outros que agora não recordo.

LB- A QUEM DEDICOU OS PRIMEIROS VERSOS?

ABC: A ninguém em particular. Recordo bem que os meus primei-ros poemas foram determinados pela guerra colonial. E eram essencialmente de incompreensão e raiva por já me ver (como acontecia aos outros jovens da minha geração) a ser arrancado durante três anos à família, aos amigos e amigas, aos projectos profissionais, escolares e de vida, para ser despejado numa guerra incompreensível a milhares de quilómetros. Nunca publiquei esses poemas e ainda bem. Teriam algum força panfletária, mas eram maus.

LB - QUANDO PESQUISAMOS O SEU NOME NO «GOOGLE» SURGEM OS SEUS «MAIORES SUCESSOS» COMO «IMPOSTOS – TEORIA GERAL» OU «GUIA DOS IMPOSTOS EM PORTUGAL». A ÁREA FISCAL TEM ENCANTOS DESCONHECIDOS?

ABC: Eu ainda reconheço encantos na fiscalidade. A ideia de reparti-ção de sacrifícios patrimoniais individuais para financiamento de bens (e do bem) comuns, assente unicamente em critérios de justiça, é uma ideia cheia de significado e faz com que os meus livros e outros textos que vou publicando nesta área sejam escritos com prazer, que aliás, também resulta da intransigente liberdade e completa independência (não procuro agradar a quaisquer pessoas ou interesses, nem admito que o rigor vá só até ao ponto em que toca os interesses do próprio) com que os escrevo.

LB - FEZ O CURSO DE DIREITO, E PREPARA DOUTORAMENTO. A DOCÊNCIA É TÃO DESAFIANTE COMO A ESCRITA LITERÁRIA?

ABC: Sabe, eu tenho uma carreira docente universitária de 3O anos, a que junto a de formador da Administração Tributária, e sempre gostei de leccionar. Os alunos também gostavam das minhas aulas, a avaliar pelo que escreviam nos respectivos inquéritos de avalia-ção. Hoje só raramente dou aulas e não lhes sinto a falta. Com o chamado processo de Bolonha, os meus alunos que eram dos 4º e 5º anos das licenciaturas passaram a ser do 2º ano com muito menor maturidade e conhecimentos gerais e isso, junto ao que me parece ser uma cada vez menor exigência, também ajudou a algum desencanto.

LB - É UM HOMEM VIAJADO. GOSTAVA DE VIVER NOUTRO PAÍS? ONDE E PORQUÊ?

ABC: De facto, considero-me uma pessoa viajada mas não posso dizer que gostava de viver noutro país. Até por conhecer muitos outros países, sei que as irritações e desânimos que temos perante factos que por aqui ocorrem, também os teríamos no estrangeiro. E aqui sempre há alguma segurança, convivialidade, boa comida a

preço razoável e bom clima.

LB - É SABIDO QUE HÁ GRANDES ESCRITORES E POETAS QUE EXERCERAM PROFISSÕES MUITO POUCO INSPIRADORAS, COMO O CASO DE FERNANDO PESSOA QUE ERA CONTABILISTA. COMO DIVIDE ESSAS DUAS FACETAS EM SI?

ABC: Sobre o nosso Pessoa, importa dizer que, ao contrário do que muitas vezes se quer fazer crer, ele não foi contabilista ou guarda--livros (como então se dizia) apenas como modo de ganhar a vida. Ele foi um estudioso da contabilidade e da gestão das empresas, como se pode ver nos vários artigos que publicou, designadamente, na revista Comércio e Contabilidade que criou com o seu cunhado.Quanto às minhas facetas literária e de jurista, convivem bem. O jurista beneficia da mão treinada do escritor e ao escritor também dá jeito apanhar de vez em quando um banho de realidade.

LB - É UM AUTOR DISCIPLINADO? HORAS CERTAS PARA ESCRE-VER, PELA NOITE DENTRO OU LOGO PELA ALVORADA?

ABC: Não é propositado, mas é muito pela noite fora. Durante o dia, ainda tenho alguns compromissos não literários por cumprir.

LB - NOS ÚLTIMOS TRÊS ANOS PUBLICOU TRÊS LIVROS DE POESIA COM ASSINALÁVEL ÊXITO- «ADÁGIO, ROMANZA E GRAVE»; AS FLORES BRANCAS DO FRANGIPANI» E EM OUTUBRO PASSADO «PAIS E FILHOS, AVÓS E NETOS, EM VERSOS DISCRE-TOS». JÁ TEM OUTRO OU OUTROS NA FORJA?

ABC: Sim, tenho relativamente avançado um livro de poemas, mas que vai ficar uns bons meses “a amadurecer” e um livro de contos para crianças cujo trabalho já começou.

LB - QUE OUTRAS ARTES O FASCINAM?

A pintura certamente, mas não são muitos os pintores e os traba-lhos que me tocam como me tocam os grandes livros. Estão neste grupo reduzido “As Meninas” de Velásquez e sobretudo a sua “Ren-dição de Breda” também conhecido pela “tela das lanças” (há neste quadro uma verticalidade e uma nobreza quer de vencedores quer de vencidos que sempre me comovem); também quase tudo de William Turner (quem gosta, não pode perder a Tatte Gallery antiga); e os quadros da planície de Crau, de Van Gogh; e do nosso Amadeu de Sousa Cardoso (o quadro “Avant la corrida” é soberbo!). Além disso, gosto muita da gravura para além de valorizar a sua técnica muito particular. E Portugal teve e tem grandes artistas na gravura: Bartolomeu Cid dos Santos, David de Almeida, Rogério Ribeiro, Pomar, Botelho, Nikias….Na música emociono-me com peças muito diversas: desde o “Con-certo Bacarisse” e o “Concerto de Aranjuez” de Joaquin Rodrigo e o “Adágio” de Albinoni, até ao “Time after Time” do Milles Davis, passando pelo “A whiter shade of pale” dos Procol Harum e pelos belos discos do Zeca Afonso e do Fausto. Como vê, nada preso a um único estilo ou época.

LB - A PERGUNTA DO COSTUME. SE SÓ PUDESSE LEVAR PARA UMA ILHA (NÃO FATALMENTE DESERTA) UM LIVRO, UMA MÚSICA E UMA TELA QUAIS ESCOLHERIA?

ABC: Trocava a música e a tela por livros e levava: “O que diz Molero” de Dinis Machado, “Ficções” de Jorge Luís Borges e uma colectânea de toda a poesia de Fernando Pessoa e seus heterónimos (talvez dispensasse Álvaro de Campos).

FP - AO LONGO DESTES ANOS DE VIDA, QUANDO É QUE SURGE O POETA: AGORA QUE COMEÇOU A EDITAR, OU HÁ MUITA POESIA NA "GAVETA"?

ABC – Com alguma consistência, o poeta surge na segunda metade da década de 7O. Os prémios literários são um reflexo disso. Nunca deixei de ler e de escrever (não há aliás outra maneira de aprender a escrever bem que não seja lendo os melhores) e na gaveta ainda anda por lá muita coisa, mas não creio que se aproveite muito. Hoje, gosto de muito pouco do que por lá ficou.

FP - NA TUA POESIA, AGORA COM A VIDA ESTABILIZADA, HÁ UM ACERTO DE CONTAS COM AS AGRURAS DO PRINCÍPIO DA VIDA? SÃO AS MEMÓRIAS DE UMA INFÂNCIA FELIZ EM CONTRAPONTO À GUERRA COLONIAL? O QUE FOI PARA TI A GUERRA COLONIAL?

ABC: Não, acerto de contas com a vida, não. Muitas vezes, a vida nem sequer é de boas contas: pensamos que estão saldadas e ela vem pedir-nos mais. Não vale a pena…o melhor mesmo é viver cada dia em paz consigo mesmo.Esta pergunta toca, aliás, uma temática que tem dividido os poetas. É o problema da contaminação ou não da arte pelo passado e pela vivência do poeta. Por exemplo, o grande poeta Carlos Drummond de Andrade era um defensor convicto da “incontaminação”. É claro que a mim também me custa ver poemas centrados e carregados do eu de quem os escreve, numa espécie de exercício de vaidade, ou de psicanálise, ou de auto ajuda tão em voga. O mesmo para referências à sua cidade natal ou à sua região. Por outro lado, porém, acho impossível que alguém no seu processo criativo escape à influência do que foi na infância e adolescência. Eu, já que me perguntas, adoro ir ao “armário azul da minha infância” (este verso é do José Jorge Letria) para reinventar imagens que dela retiro.Quanto à guerra colonial, foi para mim o que foi para muitos jovens: uma experiência marcante que podia ter corrido mal, mas felizmente no meu caso correu sem danos. Eu era um operacional (atirador de cavalaria) e fui mobilizado em rendição individual e metido dentro de um rectângulo de arame farpado, onde já estavam cerca de 100 homens. Nos muitos quilómetros em redor não havia quaisquer povoações. Só mato. Um verdadeiro “cu de Judas”. Porque o grupo de combate tinha sido dizimado numa emboscada que causou mais de duas dezenas de baixas, foi recom-pletado com soldados que vinham castigados de outros pontos de Angola, e ali estava eu para na semana seguinte, os começar a

comandar em operações de 4 dias (e 3 noites, que eram as que custavam mais a passar); às vezes debaixo de trovoadas inclemen-tes outras vezes de um sol abrasador, já sem água e já sem suportar o cheiro das rações de combate. E não digo mais...

FP - A VIDA PROFISSIONAL COMO FISCALISTA, CONSULTOR INTERNACIONAL OU PROFESSOR "ESTRANGULOU" O POETA OU FOI A SECURA DA VIDA PROFISSIONAL QUE FEZ SURGIR O POETA?

Na resposta a essa pergunta há uma evidência factual: a poesia chegou antes dos impostos. Aquela chegou no início da década de 7O (mesmos os prémios chegaram no meio e no final dessa década) e os impostos chegaram só em 1982 (liquidador tributário estagiário em Azambuja).A propósito desta pergunta, lembro-me que uma vez um crítico literário glosou o facto do poeta Ruy Cinatti, que exercia normal-mente a sua profissão de agrónomo, estar ligado ao estudo da produção de cortiça. O dito crítico terá dito qualquer coisa como: nunca saberemos quantos bons poemas não ficaram “enrolhados” devido à actividade profissional do poeta. Mas também não sei se os poetas que se isolam anos a fio, apenas escrevendo, não estão a perder algo de importante que só existe cá fora.

FP - PODE-SE DIZER QUE NA ACTIVIDADE DO COFRE TAMBÉM HÁ POESIA?

ABC – Bem, pelo menos quando se fazem sessões de apresentação de certos livros, é provável que haja (riso). O auditório tem aliás fixada à parede uma figura do Fernando Pessoa. Agora mais a sério, a poesia requer algo que a actividade e a gestão do Cofre, ou de qualquer organização cujo património é de um colectivo, também requerem: rigor e clareza.

LB - NESTA ÚLTIMA REVISTA DO COFRE REFERENTE A 2O15, PODE DEIXAR UMA PALAVRA AOS NOSSOS SÓCIOS E FAMILIARES. UM LEMA PARA A VIDA OU APENAS UMA SAUDAÇÃO?

ABC: Talvez aplicasse à vida e ao que ela deve ter de grandioso e de emocionante, o que o prémio Nobel da literatura, Octávio Paz disse da poesia, quando escreveu: “A poesia ou é um salto mortal ou não é nada”.E, com os votos de Bom Ano Novo, deixava aqui o último poema do meu mais recente livro “Pais e Filhos, Avós e Netos, em versos discretos”:Se eu tivesseapenas uma palavra para te dar,como a quem partindo em viagem,Se dá um conselho, um guião,Dar-te-ia apenas a palavra coragem.E dir-te-ia:- Tem cuidado, mas medo não!

fazer dele a “Estrela de Belém”, hipótese que só muito mais tarde – no século XVII – se tornaria possível admitir como legítima, depois de o astrónomo Edmond Halley ter estabelecido a sua periodicida-de, da qual foi possível concluir que a aparição de 13O1 terá sido a décima sétima vez que o cometa se tornara visível depois da época considerada como a do nascimento de Cristo. Apesar de a análise dos testemunhos (registos em papel, pedras ou outros materiais) não ter (ainda) permitido fixar rigorosamente a data do nascimento de Cristo, e ser quase certo que não terá sido em período tão frio como dezembro, nem no ano que continuamos a considerar como o “início da nossa era”, é natural que, nesta época – com ou sem presépios decorados com cometas ou outros “sinais – mais do que em qualquer outra, nos alheemos dos preciosismos científicos para nos envolvermos numa espécie de ritual em que a família e os amigos constituem o principal objecto da palavra Natal.

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Nesta época de Natal, é de tradição elaborar listas de prendas e outros artigos geralmente utilizados num período em que, independentemente da intensidade de fé religiosa, se continua o culto das reuniões familiares em ambientes algo recatados, muitos deles decorados com as figuras do “presépio”. Apesar de algumas ideias recentes de alterar o número e diversidade de tais figuras, não deixa de ser frequente a “cabana do Menino Jesus” sobre a qual é (quase sempre) representada uma “estrela com cauda” ou, mais propriamente, um cometa. Ao que parece, a intenção é que tal símbolo materialize a citação bíblica de um “sinal” que os “Reis Magos” terão visto no céu e que os guiou até ao local de nascimento do “filho de Deus”.É antiga a especulação sobre o que terão visto Gaspar, Melchior e Baltazar mas é muito possível ter sido algo muito diferente do que, actualmente, a nossa lógica permite conceber. Não é fácil imaginar-mos outra coisa que não seja qualquer fenómeno que envolva astros brilhantes, sejam planetas ou a Lua, um cometa ou “estrelas cadentes”, ou mesmo uma supernova, isto é, a explosão violenta de uma estrela, o que a faria destacar anormalmente das outras e, eventualmente, ser observável em pleno dia.A maior dificuldade encontrada nas tentativas de estabelecer a

natureza de tal fenómeno reside, essencialmente, na determinação da data em que ele ocorreu, pois, os conhecimentos e recursos tecnológicos actuais poderiam facilitar a reconstituição do céu de então, identificar fenómenos astronómicos que, eventualmente, tivessem ocorrido nessa época ou mesmo tentar encontrar registos – naquela região da terra ou noutros locais distantes – de aconteci-mentos observados num passado já distante.Na verdade, se do ponto de vista religioso – ou, simplesmente, tradi-cional – não é muito importante conhecer rigorosamente o momento em que Cristo nasceu (basta acreditar que nasceu), para relacionar o facto descrito com qualquer acontecimento astronó-mico, é indispensável conhecer, com rigor, quando ele ocorreu. E foi esse propósito a que Kepler se lançou quando, depois de ter obser-vado, em 16O3, os planetas Júpiter e Saturno muito próximos no céu, aos quais se juntou Marte, pouco tempo depois, fez cálculos que o levaram a perceber que no ano 4 a.C. – data já então admitida como provável para o nascimento de Cristo – tinha ocorrido um fenómeno semelhante de conjunção de planetas.

Desde então não cessou a produção de trabalhos e publicações sobre hipóteses de datas e tipo de fenómenos sem, no entanto, se ter progredido consideravelmente em relação ao conjecturado no princípio do século XVII. Uma das hipóteses, e que tem a ver com a decoração da “Cabana do Menino Jesus”, é de que o “sinal celeste” tenha sido um cometa, o que - perante as dificuldades resultantes de não se poder precisar a data e não se encontrarem registos em que a aparição seja descrita - não poderá ser tomado como seguro. No entanto, a aceitar-se tal ideia, o “sinal” poderia coincidir com o cometa de Halley e que a sua “aparição” na decoração das cabanas dos presépios se tenha verificado a partir do início do século XIV.De facto, em 13O1, Giotto di Bondone incluiu um cometa no seu famoso quadro “A Adoração dos Reis Magos” que decora o interior da capela Arena, em Pádua. Na ocasião, a visão do cometa foi tão espectacular que não admira ter inspirado o pintor e arquiteto a

“A Adoração dos Reis Magos”, Giotto, 13O1

FP - QUEM É O AMÉRICO BRÁS CARLOS?

ABC - Natural de Azambuja. Quase 64 anos, obcecado pela independência e pela justiça, cada vez com menos palavras e mais reflexão. Fez o curso industrial de electricista e a partir daí foi, durante 11 anos, sempre a trabalhar e a estudar à noite. Foi técnico de instrumentação industrial, quase engenheiro eletrotécnico, aos 21 anos comandou várias dezenas doutros jovens portugueses e angolanos nas matas de Angola junto à fronteira com o Zaire. Juris-ta, fiscalista, consultor do FMI e do Tesouro dos Estados Unidos, docente da Faculdade de Direito de Lisboa e do ISCTE. Tem-se em boa conta e não se importa de falar do que fez e faz, mas acha uma perda de tempo dizer o que pensa que é (os outros, que não sabem nada de mim, que opinem).

LB - NO SEU CASO O GOSTO PELA POESIA VEIO NO LEITE MATER-NO OU SÓ DESPERTOU NA IDADE DAS PRIMEIRAS PAIXÕES?

ABC: O gosto e o contacto sério com a poesia começou apenas por

volta dos 2O anos; e não teve a ver com as primeiras paixões que, por sinal, começaram muito mais cedo. Até lá, eu quase só lia prosa e escrevia contos. Aliás o meu primeiro prémio literário é uma menção honrosa na modalidade “conto”. Só mais tarde percebi o que era a grande poesia.

LB - QUAIS OS AUTORES QUE O INSPIRARAM? CLÁSSICOS? ACTU-AIS?

ABC: Considerando que fui e sou um leitor assíduo de poesia portu-guesa, hão de confluir em mim várias influências. Nesta matéria devo levar também em conta o que outros, que muitos considero, notaram. Por exemplo, o António Manuel Pires Cabral disse que no “Adágio, Romanza e Grave” pareceu-lhe andar por ali a influência de Cesário Verde; o mesmo notou José Jorge Letria e acrescentou Drummond de Andrade. Alguma verdade tem de haver nisso e acho que há. Mas no que escrevo andará também, penso eu, a sombra de Pessoa e Alberto Caeiro, Ruy Belo, de T.S. Eliot, de Jorge Luís Borges, de António Ramos Rosa e certamente de outros que agora não recordo.

LB- A QUEM DEDICOU OS PRIMEIROS VERSOS?

ABC: A ninguém em particular. Recordo bem que os meus primei-ros poemas foram determinados pela guerra colonial. E eram essencialmente de incompreensão e raiva por já me ver (como acontecia aos outros jovens da minha geração) a ser arrancado durante três anos à família, aos amigos e amigas, aos projectos profissionais, escolares e de vida, para ser despejado numa guerra incompreensível a milhares de quilómetros. Nunca publiquei esses poemas e ainda bem. Teriam algum força panfletária, mas eram maus.

LB - QUANDO PESQUISAMOS O SEU NOME NO «GOOGLE» SURGEM OS SEUS «MAIORES SUCESSOS» COMO «IMPOSTOS – TEORIA GERAL» OU «GUIA DOS IMPOSTOS EM PORTUGAL». A ÁREA FISCAL TEM ENCANTOS DESCONHECIDOS?

ABC: Eu ainda reconheço encantos na fiscalidade. A ideia de reparti-ção de sacrifícios patrimoniais individuais para financiamento de bens (e do bem) comuns, assente unicamente em critérios de justiça, é uma ideia cheia de significado e faz com que os meus livros e outros textos que vou publicando nesta área sejam escritos com prazer, que aliás, também resulta da intransigente liberdade e completa independência (não procuro agradar a quaisquer pessoas ou interesses, nem admito que o rigor vá só até ao ponto em que toca os interesses do próprio) com que os escrevo.

LB - FEZ O CURSO DE DIREITO, E PREPARA DOUTORAMENTO. A DOCÊNCIA É TÃO DESAFIANTE COMO A ESCRITA LITERÁRIA?

ABC: Sabe, eu tenho uma carreira docente universitária de 3O anos, a que junto a de formador da Administração Tributária, e sempre gostei de leccionar. Os alunos também gostavam das minhas aulas, a avaliar pelo que escreviam nos respectivos inquéritos de avalia-ção. Hoje só raramente dou aulas e não lhes sinto a falta. Com o chamado processo de Bolonha, os meus alunos que eram dos 4º e 5º anos das licenciaturas passaram a ser do 2º ano com muito menor maturidade e conhecimentos gerais e isso, junto ao que me parece ser uma cada vez menor exigência, também ajudou a algum desencanto.

LB - É UM HOMEM VIAJADO. GOSTAVA DE VIVER NOUTRO PAÍS? ONDE E PORQUÊ?

ABC: De facto, considero-me uma pessoa viajada mas não posso dizer que gostava de viver noutro país. Até por conhecer muitos outros países, sei que as irritações e desânimos que temos perante factos que por aqui ocorrem, também os teríamos no estrangeiro. E aqui sempre há alguma segurança, convivialidade, boa comida a

preço razoável e bom clima.

LB - É SABIDO QUE HÁ GRANDES ESCRITORES E POETAS QUE EXERCERAM PROFISSÕES MUITO POUCO INSPIRADORAS, COMO O CASO DE FERNANDO PESSOA QUE ERA CONTABILISTA. COMO DIVIDE ESSAS DUAS FACETAS EM SI?

ABC: Sobre o nosso Pessoa, importa dizer que, ao contrário do que muitas vezes se quer fazer crer, ele não foi contabilista ou guarda--livros (como então se dizia) apenas como modo de ganhar a vida. Ele foi um estudioso da contabilidade e da gestão das empresas, como se pode ver nos vários artigos que publicou, designadamente, na revista Comércio e Contabilidade que criou com o seu cunhado.Quanto às minhas facetas literária e de jurista, convivem bem. O jurista beneficia da mão treinada do escritor e ao escritor também dá jeito apanhar de vez em quando um banho de realidade.

LB - É UM AUTOR DISCIPLINADO? HORAS CERTAS PARA ESCRE-VER, PELA NOITE DENTRO OU LOGO PELA ALVORADA?

ABC: Não é propositado, mas é muito pela noite fora. Durante o dia, ainda tenho alguns compromissos não literários por cumprir.

LB - NOS ÚLTIMOS TRÊS ANOS PUBLICOU TRÊS LIVROS DE POESIA COM ASSINALÁVEL ÊXITO- «ADÁGIO, ROMANZA E GRAVE»; AS FLORES BRANCAS DO FRANGIPANI» E EM OUTUBRO PASSADO «PAIS E FILHOS, AVÓS E NETOS, EM VERSOS DISCRE-TOS». JÁ TEM OUTRO OU OUTROS NA FORJA?

ABC: Sim, tenho relativamente avançado um livro de poemas, mas que vai ficar uns bons meses “a amadurecer” e um livro de contos para crianças cujo trabalho já começou.

LB - QUE OUTRAS ARTES O FASCINAM?

A pintura certamente, mas não são muitos os pintores e os traba-lhos que me tocam como me tocam os grandes livros. Estão neste grupo reduzido “As Meninas” de Velásquez e sobretudo a sua “Ren-dição de Breda” também conhecido pela “tela das lanças” (há neste quadro uma verticalidade e uma nobreza quer de vencedores quer de vencidos que sempre me comovem); também quase tudo de William Turner (quem gosta, não pode perder a Tatte Gallery antiga); e os quadros da planície de Crau, de Van Gogh; e do nosso Amadeu de Sousa Cardoso (o quadro “Avant la corrida” é soberbo!). Além disso, gosto muita da gravura para além de valorizar a sua técnica muito particular. E Portugal teve e tem grandes artistas na gravura: Bartolomeu Cid dos Santos, David de Almeida, Rogério Ribeiro, Pomar, Botelho, Nikias….Na música emociono-me com peças muito diversas: desde o “Con-certo Bacarisse” e o “Concerto de Aranjuez” de Joaquin Rodrigo e o “Adágio” de Albinoni, até ao “Time after Time” do Milles Davis, passando pelo “A whiter shade of pale” dos Procol Harum e pelos belos discos do Zeca Afonso e do Fausto. Como vê, nada preso a um único estilo ou época.

LB - A PERGUNTA DO COSTUME. SE SÓ PUDESSE LEVAR PARA UMA ILHA (NÃO FATALMENTE DESERTA) UM LIVRO, UMA MÚSICA E UMA TELA QUAIS ESCOLHERIA?

ABC: Trocava a música e a tela por livros e levava: “O que diz Molero” de Dinis Machado, “Ficções” de Jorge Luís Borges e uma colectânea de toda a poesia de Fernando Pessoa e seus heterónimos (talvez dispensasse Álvaro de Campos).

FP - AO LONGO DESTES ANOS DE VIDA, QUANDO É QUE SURGE O POETA: AGORA QUE COMEÇOU A EDITAR, OU HÁ MUITA POESIA NA "GAVETA"?

ABC – Com alguma consistência, o poeta surge na segunda metade da década de 7O. Os prémios literários são um reflexo disso. Nunca deixei de ler e de escrever (não há aliás outra maneira de aprender a escrever bem que não seja lendo os melhores) e na gaveta ainda anda por lá muita coisa, mas não creio que se aproveite muito. Hoje, gosto de muito pouco do que por lá ficou.

FP - NA TUA POESIA, AGORA COM A VIDA ESTABILIZADA, HÁ UM ACERTO DE CONTAS COM AS AGRURAS DO PRINCÍPIO DA VIDA? SÃO AS MEMÓRIAS DE UMA INFÂNCIA FELIZ EM CONTRAPONTO À GUERRA COLONIAL? O QUE FOI PARA TI A GUERRA COLONIAL?

ABC: Não, acerto de contas com a vida, não. Muitas vezes, a vida nem sequer é de boas contas: pensamos que estão saldadas e ela vem pedir-nos mais. Não vale a pena…o melhor mesmo é viver cada dia em paz consigo mesmo.Esta pergunta toca, aliás, uma temática que tem dividido os poetas. É o problema da contaminação ou não da arte pelo passado e pela vivência do poeta. Por exemplo, o grande poeta Carlos Drummond de Andrade era um defensor convicto da “incontaminação”. É claro que a mim também me custa ver poemas centrados e carregados do eu de quem os escreve, numa espécie de exercício de vaidade, ou de psicanálise, ou de auto ajuda tão em voga. O mesmo para referências à sua cidade natal ou à sua região. Por outro lado, porém, acho impossível que alguém no seu processo criativo escape à influência do que foi na infância e adolescência. Eu, já que me perguntas, adoro ir ao “armário azul da minha infância” (este verso é do José Jorge Letria) para reinventar imagens que dela retiro.Quanto à guerra colonial, foi para mim o que foi para muitos jovens: uma experiência marcante que podia ter corrido mal, mas felizmente no meu caso correu sem danos. Eu era um operacional (atirador de cavalaria) e fui mobilizado em rendição individual e metido dentro de um rectângulo de arame farpado, onde já estavam cerca de 100 homens. Nos muitos quilómetros em redor não havia quaisquer povoações. Só mato. Um verdadeiro “cu de Judas”. Porque o grupo de combate tinha sido dizimado numa emboscada que causou mais de duas dezenas de baixas, foi recom-pletado com soldados que vinham castigados de outros pontos de Angola, e ali estava eu para na semana seguinte, os começar a

comandar em operações de 4 dias (e 3 noites, que eram as que custavam mais a passar); às vezes debaixo de trovoadas inclemen-tes outras vezes de um sol abrasador, já sem água e já sem suportar o cheiro das rações de combate. E não digo mais...

FP - A VIDA PROFISSIONAL COMO FISCALISTA, CONSULTOR INTERNACIONAL OU PROFESSOR "ESTRANGULOU" O POETA OU FOI A SECURA DA VIDA PROFISSIONAL QUE FEZ SURGIR O POETA?

Na resposta a essa pergunta há uma evidência factual: a poesia chegou antes dos impostos. Aquela chegou no início da década de 7O (mesmos os prémios chegaram no meio e no final dessa década) e os impostos chegaram só em 1982 (liquidador tributário estagiário em Azambuja).A propósito desta pergunta, lembro-me que uma vez um crítico literário glosou o facto do poeta Ruy Cinatti, que exercia normal-mente a sua profissão de agrónomo, estar ligado ao estudo da produção de cortiça. O dito crítico terá dito qualquer coisa como: nunca saberemos quantos bons poemas não ficaram “enrolhados” devido à actividade profissional do poeta. Mas também não sei se os poetas que se isolam anos a fio, apenas escrevendo, não estão a perder algo de importante que só existe cá fora.

FP - PODE-SE DIZER QUE NA ACTIVIDADE DO COFRE TAMBÉM HÁ POESIA?

ABC – Bem, pelo menos quando se fazem sessões de apresentação de certos livros, é provável que haja (riso). O auditório tem aliás fixada à parede uma figura do Fernando Pessoa. Agora mais a sério, a poesia requer algo que a actividade e a gestão do Cofre, ou de qualquer organização cujo património é de um colectivo, também requerem: rigor e clareza.

LB - NESTA ÚLTIMA REVISTA DO COFRE REFERENTE A 2O15, PODE DEIXAR UMA PALAVRA AOS NOSSOS SÓCIOS E FAMILIARES. UM LEMA PARA A VIDA OU APENAS UMA SAUDAÇÃO?

ABC: Talvez aplicasse à vida e ao que ela deve ter de grandioso e de emocionante, o que o prémio Nobel da literatura, Octávio Paz disse da poesia, quando escreveu: “A poesia ou é um salto mortal ou não é nada”.E, com os votos de Bom Ano Novo, deixava aqui o último poema do meu mais recente livro “Pais e Filhos, Avós e Netos, em versos discretos”:Se eu tivesseapenas uma palavra para te dar,como a quem partindo em viagem,Se dá um conselho, um guião,Dar-te-ia apenas a palavra coragem.E dir-te-ia:- Tem cuidado, mas medo não!

fazer dele a “Estrela de Belém”, hipótese que só muito mais tarde – no século XVII – se tornaria possível admitir como legítima, depois de o astrónomo Edmond Halley ter estabelecido a sua periodicida-de, da qual foi possível concluir que a aparição de 13O1 terá sido a décima sétima vez que o cometa se tornara visível depois da época considerada como a do nascimento de Cristo. Apesar de a análise dos testemunhos (registos em papel, pedras ou outros materiais) não ter (ainda) permitido fixar rigorosamente a data do nascimento de Cristo, e ser quase certo que não terá sido em período tão frio como dezembro, nem no ano que continuamos a considerar como o “início da nossa era”, é natural que, nesta época – com ou sem presépios decorados com cometas ou outros “sinais – mais do que em qualquer outra, nos alheemos dos preciosismos científicos para nos envolvermos numa espécie de ritual em que a família e os amigos constituem o principal objecto da palavra Natal.

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24cofre

É o tempo das grandes chuvadas e do frio por isso os campos estalam de verdes, os musgos atapetam paredes e muros e a crian-çada ficou livre dos deveres escolares. Agora há tempo de armar o presépio nas suas casas, usando os musgos recolhidos dos muros e dos valados, que contornam os lameiros. Depois, irão juntar-se para ir visitar os grandes presépios: da igreja, das colectividades e espreitar as montras das lojas.Era assim, nos tempos da minha infância! Era assim que celebráva-mos os tempos do advento, criando juntos os momentos que hoje, ao recordar, me enternecem e me enchem de calor o coração. Só assim, consigo experimentar o sentimento próprio do Natal! É com este espírito, que vos quero convocar para uma ida à nossa igreja, a igreja da minha infância.Quero dar-vos um retrato do que guardo da visita ao presépio: lá está ele, fizeram-no mesmo à entrada do lado direito da porta principal, assente sobre as grandes lajes, antes do sobrado e dos bancos corridos onde os devotos se ajoelham para rezar. Está tudo muito bem, muito harmonioso. No chão com o musgo rodeado de heras, e aqui e ali umas pedrinhas e no ar o aroma das ervas corta-das de fresco. É sobre estas, que estão colocadas as figuras, enor-mes para a nossa estatura de crianças curiosas.Reparei que ainda não colocaram o Menino Jesus, mas já lá está a manjedoura que lhe vai servir de bercinho, atrás, a vaca e o burri-nho, ao lado, S. José com o seu bordão. Nossa Senhora agasalhou--se no manto e está de joelhos, aguardando o passar do tempo até nasceu o seu filho. Ainda somos muito garotos para entender este seu gesto e para lhe desejarmos uma hora muito pequenina, mas, os nossos olhos enternecidos, miram tudo, das cores das vestes à posição que ocupam as diferentes figuras. Nenhum de nós ousa

fazer comentários, todos sabemos, que na igreja temos de falar baixinho mas desta vez, não é só por esse respeito não, é por temer que falando algum de nós, possa a nossa voz, espantar o burro, e este, armar para alí uma sarrafusca tremenda! Nas igrejas, quer-se silêncio. Ah! Já reparaste no pastor? E nas poucas ovelhas que traz? Eu gosto muito dele, imagino-me ali chamando as ovelhas com o meu poderoso assobio, sabendo o nome de cada uma e de todas, e o cão? Gosto do pastor, porque tem o poder de escutar o silêncio do universo inteiro, pode ouvir os balidos e o tilintar dos chocalhos, encantar-se com o nascer do sol, e macambuziar ao poente, espreitar os fulgores das primeiras estrelas, e à noite, acender a candeia e ficar na choça a praticar a arte de esculpir com a sua navalha. E quando a jorna chegar ao fim, e regressar com o rebanho, há-de trazer as peças esculpidas no alforge e há-de mostrá-las à saída da missa de Domingo. E os Reis Magos? Já viste? Além, mais afasta-dos. Olha, ainda têm muito caminho para andar. São figuras impo-nentes, vestidas com ricos trajes, e trazem nas mãos grandes presentes e chegam montados em magníficos camelos, guiados por uma estrela especial. Sim, estão mais para além, mas hão-de chegar, ficar aqui mais perto, mas só depois de nascer o Menino, e nessa altura, é já tarde! Já estamos de regresso à escola, e já pouco nos interessa que nos falem de Epifanias! O tempo, é já outro, sinal que a magia de Natal terminou! E nós? Crianças de brincar dias inteiros por quintais e lameiros, saltar muros e fazer corridas, have-mos de deixar toda a magia desta quadra para regressar aos traba-lhos, sacolas à tiracolo. Temos de saber os nomes dos rios, das serras, de coisas que nunca vimos e estão nos livros, coisas de saber, e será tempo de apanhar reguadas se falharmos na tabuada!

O PRESÉPIO DA NOSSA IGREJA

Texto: Maria Romana Reis, sócia nº 54473

Recordações de infância

FP - QUEM É O AMÉRICO BRÁS CARLOS?

ABC - Natural de Azambuja. Quase 64 anos, obcecado pela independência e pela justiça, cada vez com menos palavras e mais reflexão. Fez o curso industrial de electricista e a partir daí foi, durante 11 anos, sempre a trabalhar e a estudar à noite. Foi técnico de instrumentação industrial, quase engenheiro eletrotécnico, aos 21 anos comandou várias dezenas doutros jovens portugueses e angolanos nas matas de Angola junto à fronteira com o Zaire. Juris-ta, fiscalista, consultor do FMI e do Tesouro dos Estados Unidos, docente da Faculdade de Direito de Lisboa e do ISCTE. Tem-se em boa conta e não se importa de falar do que fez e faz, mas acha uma perda de tempo dizer o que pensa que é (os outros, que não sabem nada de mim, que opinem).

LB - NO SEU CASO O GOSTO PELA POESIA VEIO NO LEITE MATER-NO OU SÓ DESPERTOU NA IDADE DAS PRIMEIRAS PAIXÕES?

ABC: O gosto e o contacto sério com a poesia começou apenas por

volta dos 2O anos; e não teve a ver com as primeiras paixões que, por sinal, começaram muito mais cedo. Até lá, eu quase só lia prosa e escrevia contos. Aliás o meu primeiro prémio literário é uma menção honrosa na modalidade “conto”. Só mais tarde percebi o que era a grande poesia.

LB - QUAIS OS AUTORES QUE O INSPIRARAM? CLÁSSICOS? ACTU-AIS?

ABC: Considerando que fui e sou um leitor assíduo de poesia portu-guesa, hão de confluir em mim várias influências. Nesta matéria devo levar também em conta o que outros, que muitos considero, notaram. Por exemplo, o António Manuel Pires Cabral disse que no “Adágio, Romanza e Grave” pareceu-lhe andar por ali a influência de Cesário Verde; o mesmo notou José Jorge Letria e acrescentou Drummond de Andrade. Alguma verdade tem de haver nisso e acho que há. Mas no que escrevo andará também, penso eu, a sombra de Pessoa e Alberto Caeiro, Ruy Belo, de T.S. Eliot, de Jorge Luís Borges, de António Ramos Rosa e certamente de outros que agora não recordo.

LB- A QUEM DEDICOU OS PRIMEIROS VERSOS?

ABC: A ninguém em particular. Recordo bem que os meus primei-ros poemas foram determinados pela guerra colonial. E eram essencialmente de incompreensão e raiva por já me ver (como acontecia aos outros jovens da minha geração) a ser arrancado durante três anos à família, aos amigos e amigas, aos projectos profissionais, escolares e de vida, para ser despejado numa guerra incompreensível a milhares de quilómetros. Nunca publiquei esses poemas e ainda bem. Teriam algum força panfletária, mas eram maus.

LB - QUANDO PESQUISAMOS O SEU NOME NO «GOOGLE» SURGEM OS SEUS «MAIORES SUCESSOS» COMO «IMPOSTOS – TEORIA GERAL» OU «GUIA DOS IMPOSTOS EM PORTUGAL». A ÁREA FISCAL TEM ENCANTOS DESCONHECIDOS?

ABC: Eu ainda reconheço encantos na fiscalidade. A ideia de reparti-ção de sacrifícios patrimoniais individuais para financiamento de bens (e do bem) comuns, assente unicamente em critérios de justiça, é uma ideia cheia de significado e faz com que os meus livros e outros textos que vou publicando nesta área sejam escritos com prazer, que aliás, também resulta da intransigente liberdade e completa independência (não procuro agradar a quaisquer pessoas ou interesses, nem admito que o rigor vá só até ao ponto em que toca os interesses do próprio) com que os escrevo.

LB - FEZ O CURSO DE DIREITO, E PREPARA DOUTORAMENTO. A DOCÊNCIA É TÃO DESAFIANTE COMO A ESCRITA LITERÁRIA?

ABC: Sabe, eu tenho uma carreira docente universitária de 3O anos, a que junto a de formador da Administração Tributária, e sempre gostei de leccionar. Os alunos também gostavam das minhas aulas, a avaliar pelo que escreviam nos respectivos inquéritos de avalia-ção. Hoje só raramente dou aulas e não lhes sinto a falta. Com o chamado processo de Bolonha, os meus alunos que eram dos 4º e 5º anos das licenciaturas passaram a ser do 2º ano com muito menor maturidade e conhecimentos gerais e isso, junto ao que me parece ser uma cada vez menor exigência, também ajudou a algum desencanto.

LB - É UM HOMEM VIAJADO. GOSTAVA DE VIVER NOUTRO PAÍS? ONDE E PORQUÊ?

ABC: De facto, considero-me uma pessoa viajada mas não posso dizer que gostava de viver noutro país. Até por conhecer muitos outros países, sei que as irritações e desânimos que temos perante factos que por aqui ocorrem, também os teríamos no estrangeiro. E aqui sempre há alguma segurança, convivialidade, boa comida a

preço razoável e bom clima.

LB - É SABIDO QUE HÁ GRANDES ESCRITORES E POETAS QUE EXERCERAM PROFISSÕES MUITO POUCO INSPIRADORAS, COMO O CASO DE FERNANDO PESSOA QUE ERA CONTABILISTA. COMO DIVIDE ESSAS DUAS FACETAS EM SI?

ABC: Sobre o nosso Pessoa, importa dizer que, ao contrário do que muitas vezes se quer fazer crer, ele não foi contabilista ou guarda--livros (como então se dizia) apenas como modo de ganhar a vida. Ele foi um estudioso da contabilidade e da gestão das empresas, como se pode ver nos vários artigos que publicou, designadamente, na revista Comércio e Contabilidade que criou com o seu cunhado.Quanto às minhas facetas literária e de jurista, convivem bem. O jurista beneficia da mão treinada do escritor e ao escritor também dá jeito apanhar de vez em quando um banho de realidade.

LB - É UM AUTOR DISCIPLINADO? HORAS CERTAS PARA ESCRE-VER, PELA NOITE DENTRO OU LOGO PELA ALVORADA?

ABC: Não é propositado, mas é muito pela noite fora. Durante o dia, ainda tenho alguns compromissos não literários por cumprir.

LB - NOS ÚLTIMOS TRÊS ANOS PUBLICOU TRÊS LIVROS DE POESIA COM ASSINALÁVEL ÊXITO- «ADÁGIO, ROMANZA E GRAVE»; AS FLORES BRANCAS DO FRANGIPANI» E EM OUTUBRO PASSADO «PAIS E FILHOS, AVÓS E NETOS, EM VERSOS DISCRE-TOS». JÁ TEM OUTRO OU OUTROS NA FORJA?

ABC: Sim, tenho relativamente avançado um livro de poemas, mas que vai ficar uns bons meses “a amadurecer” e um livro de contos para crianças cujo trabalho já começou.

LB - QUE OUTRAS ARTES O FASCINAM?

A pintura certamente, mas não são muitos os pintores e os traba-lhos que me tocam como me tocam os grandes livros. Estão neste grupo reduzido “As Meninas” de Velásquez e sobretudo a sua “Ren-dição de Breda” também conhecido pela “tela das lanças” (há neste quadro uma verticalidade e uma nobreza quer de vencedores quer de vencidos que sempre me comovem); também quase tudo de William Turner (quem gosta, não pode perder a Tatte Gallery antiga); e os quadros da planície de Crau, de Van Gogh; e do nosso Amadeu de Sousa Cardoso (o quadro “Avant la corrida” é soberbo!). Além disso, gosto muita da gravura para além de valorizar a sua técnica muito particular. E Portugal teve e tem grandes artistas na gravura: Bartolomeu Cid dos Santos, David de Almeida, Rogério Ribeiro, Pomar, Botelho, Nikias….Na música emociono-me com peças muito diversas: desde o “Con-certo Bacarisse” e o “Concerto de Aranjuez” de Joaquin Rodrigo e o “Adágio” de Albinoni, até ao “Time after Time” do Milles Davis, passando pelo “A whiter shade of pale” dos Procol Harum e pelos belos discos do Zeca Afonso e do Fausto. Como vê, nada preso a um único estilo ou época.

LB - A PERGUNTA DO COSTUME. SE SÓ PUDESSE LEVAR PARA UMA ILHA (NÃO FATALMENTE DESERTA) UM LIVRO, UMA MÚSICA E UMA TELA QUAIS ESCOLHERIA?

ABC: Trocava a música e a tela por livros e levava: “O que diz Molero” de Dinis Machado, “Ficções” de Jorge Luís Borges e uma colectânea de toda a poesia de Fernando Pessoa e seus heterónimos (talvez dispensasse Álvaro de Campos).

FP - AO LONGO DESTES ANOS DE VIDA, QUANDO É QUE SURGE O POETA: AGORA QUE COMEÇOU A EDITAR, OU HÁ MUITA POESIA NA "GAVETA"?

ABC – Com alguma consistência, o poeta surge na segunda metade da década de 7O. Os prémios literários são um reflexo disso. Nunca deixei de ler e de escrever (não há aliás outra maneira de aprender a escrever bem que não seja lendo os melhores) e na gaveta ainda anda por lá muita coisa, mas não creio que se aproveite muito. Hoje, gosto de muito pouco do que por lá ficou.

FP - NA TUA POESIA, AGORA COM A VIDA ESTABILIZADA, HÁ UM ACERTO DE CONTAS COM AS AGRURAS DO PRINCÍPIO DA VIDA? SÃO AS MEMÓRIAS DE UMA INFÂNCIA FELIZ EM CONTRAPONTO À GUERRA COLONIAL? O QUE FOI PARA TI A GUERRA COLONIAL?

ABC: Não, acerto de contas com a vida, não. Muitas vezes, a vida nem sequer é de boas contas: pensamos que estão saldadas e ela vem pedir-nos mais. Não vale a pena…o melhor mesmo é viver cada dia em paz consigo mesmo.Esta pergunta toca, aliás, uma temática que tem dividido os poetas. É o problema da contaminação ou não da arte pelo passado e pela vivência do poeta. Por exemplo, o grande poeta Carlos Drummond de Andrade era um defensor convicto da “incontaminação”. É claro que a mim também me custa ver poemas centrados e carregados do eu de quem os escreve, numa espécie de exercício de vaidade, ou de psicanálise, ou de auto ajuda tão em voga. O mesmo para referências à sua cidade natal ou à sua região. Por outro lado, porém, acho impossível que alguém no seu processo criativo escape à influência do que foi na infância e adolescência. Eu, já que me perguntas, adoro ir ao “armário azul da minha infância” (este verso é do José Jorge Letria) para reinventar imagens que dela retiro.Quanto à guerra colonial, foi para mim o que foi para muitos jovens: uma experiência marcante que podia ter corrido mal, mas felizmente no meu caso correu sem danos. Eu era um operacional (atirador de cavalaria) e fui mobilizado em rendição individual e metido dentro de um rectângulo de arame farpado, onde já estavam cerca de 100 homens. Nos muitos quilómetros em redor não havia quaisquer povoações. Só mato. Um verdadeiro “cu de Judas”. Porque o grupo de combate tinha sido dizimado numa emboscada que causou mais de duas dezenas de baixas, foi recom-pletado com soldados que vinham castigados de outros pontos de Angola, e ali estava eu para na semana seguinte, os começar a

comandar em operações de 4 dias (e 3 noites, que eram as que custavam mais a passar); às vezes debaixo de trovoadas inclemen-tes outras vezes de um sol abrasador, já sem água e já sem suportar o cheiro das rações de combate. E não digo mais...

FP - A VIDA PROFISSIONAL COMO FISCALISTA, CONSULTOR INTERNACIONAL OU PROFESSOR "ESTRANGULOU" O POETA OU FOI A SECURA DA VIDA PROFISSIONAL QUE FEZ SURGIR O POETA?

Na resposta a essa pergunta há uma evidência factual: a poesia chegou antes dos impostos. Aquela chegou no início da década de 7O (mesmos os prémios chegaram no meio e no final dessa década) e os impostos chegaram só em 1982 (liquidador tributário estagiário em Azambuja).A propósito desta pergunta, lembro-me que uma vez um crítico literário glosou o facto do poeta Ruy Cinatti, que exercia normal-mente a sua profissão de agrónomo, estar ligado ao estudo da produção de cortiça. O dito crítico terá dito qualquer coisa como: nunca saberemos quantos bons poemas não ficaram “enrolhados” devido à actividade profissional do poeta. Mas também não sei se os poetas que se isolam anos a fio, apenas escrevendo, não estão a perder algo de importante que só existe cá fora.

FP - PODE-SE DIZER QUE NA ACTIVIDADE DO COFRE TAMBÉM HÁ POESIA?

ABC – Bem, pelo menos quando se fazem sessões de apresentação de certos livros, é provável que haja (riso). O auditório tem aliás fixada à parede uma figura do Fernando Pessoa. Agora mais a sério, a poesia requer algo que a actividade e a gestão do Cofre, ou de qualquer organização cujo património é de um colectivo, também requerem: rigor e clareza.

LB - NESTA ÚLTIMA REVISTA DO COFRE REFERENTE A 2O15, PODE DEIXAR UMA PALAVRA AOS NOSSOS SÓCIOS E FAMILIARES. UM LEMA PARA A VIDA OU APENAS UMA SAUDAÇÃO?

ABC: Talvez aplicasse à vida e ao que ela deve ter de grandioso e de emocionante, o que o prémio Nobel da literatura, Octávio Paz disse da poesia, quando escreveu: “A poesia ou é um salto mortal ou não é nada”.E, com os votos de Bom Ano Novo, deixava aqui o último poema do meu mais recente livro “Pais e Filhos, Avós e Netos, em versos discretos”:Se eu tivesseapenas uma palavra para te dar,como a quem partindo em viagem,Se dá um conselho, um guião,Dar-te-ia apenas a palavra coragem.E dir-te-ia:- Tem cuidado, mas medo não!

Colecção de presépios em vários materiais

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Quando decidi ir para Inglaterra, fui à procura de uma carreira em enfermagem, coisa que, hoje em dia, não existe em Portugal. Tal como tantos enfermeiros, vivia em casa dos pais, tinha um contrato precário (recibos verdes) e não sabia o dia de amanhã. Chegada a Londres, trazia uma mala cheia de incertezas quanto ao futuro. No início, sente-se a euforia de estar num país estrangeiro, longe de casa, dependendo de nós mesmos e enfrentando o Mundo. Mas os primeiros meses não foram fáceis na adaptação a um país com uma língua e costumes diferentes dos nossos, com o seu o tempo frio (principalmente no Inverno) e até mesmo na relação entre as pessoas. Passados os primeiros seis meses, comecei a habituar-me ao país, a encetar amizades e conhecer novos lugares. Mas fica sempre a sensação que somos mais um estrangeiro que por aqui anda, que sente falta da sua língua, da sua comida, do Sol, do mar, do cheiro e gosto do pão quentinho acabado de sair do forno, do Pastel de Nata e da Bola de Berlim que comemos com tanto prazer.À medida que os anos passam, as idas e vindas deviam ficar cada vez mais fáceis, mas pelo contrário, ficam cada vez mais difíceis. Quando no avião nos dizem que vamos aterrar em Portugal, as lágrimas começavam a correr pela cara. Depois vemos os pais, família e os amigos à nossa espera no aeroporto, loucos por nos darem um abraço e nós corremos rampa abaixo porque as sauda-des são mais que muitas. Nos dias passados em Portugal, a minha mãe faz as minhas comidas favoritas, vou aos jogos de futebol com o pai (no meu caso, o Belenenses), há lanches com os avós, noitadas com os amigos, passeios para sentir o Sol e o mar, vejo televisão portuguesa e leio jornais; tudo isto carrega os dias de memórias para aguentar os meses,até ao próximo regresso.Trabalho num hospital central na zona de Londres, onde tive já o prazer de conhecer vários portugueses com os quais convivo regu-larmente. Umas das coisas que todos sentimos é que aqui existe um maior respeito pelos enfermeiros. Sabem que os enfermeiros portugueses são muito bons naquilo que fazem e têm grandes conhecimentos trazidos das universidades portuguesas. É muito bom sermos reconhecidos pelo nosso valor enquanto profissionais.

A pior altura do ano é o Natal, porque queremos estar junto da família e amigos e não podemos. Em Londres fazem-se festas pelas ruas para assinalar o acender das luzes de Natal, temos o “Winter Wonderland” (Feira Popular de Natal), ringues de gelo onde miúdos e graúdos podem divertir-se a patinar e com alguma sorte, pode-mos ter neve. Eu gosto particularmente dos jantares de Natal com os colegas de trabalho que sabem bem para celebrar mais um ano de trabalho em conjunto. O único problema é que, nos dias 25 e 26 de Dezembro os transportes públicos não circulam e nestes dias os hospitais contratam táxis para garantir a deslocação dos funcioná-rios para o trabalho. Mas a grande festa do ano é a Passagem de Ano. Aos milhares as pessoas juntam-se em Waterloo para assisti-rem ao fogo-de-artifício junto ao “London Eye”.De um modo geral, considero muito positiva esta minha aventura em Terras de Sua Majestade, mesmo longe do meu país conheci pessoas espectaculares, tenho família e amigos que me apoiam incondicionalmente e a oportunidade e sorte de fazer aquilo que gosto e para o que tenho vocação.

Texto: Patrícia Nortadas (familiar de sócia do Cofre)POR TERRAS DE SUA MAJESTADE

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26cofre

NOVO SÓCIO ccofre

Nasci em Lisboa, na freguesia de Alvalade. A minha carreira profis-sional ainda é curta (1O anos), pelo que espero e desejo que o maior desafio profissional ainda esteja a caminho. Vivo no Montijo e traba-lho em Lisboa, por isso conduzo de casa até ao cais dos barcos. De barco sigo para Lisboa e, daí até ao local de trabalho, desloco-me de autocarro ou de eléctrico. Se me perguntam qual o maior sonho por realizar respondo que a minha vida não é movida por sonhos. Costumo traçar objectivos e definir prazos para os cumprir. Até há cerca de dois/três anos, era um indivíduo sedentário, com um enorme apetite e cheguei a pesar 115 kg. Certo dia, houve um episó-dio que marcou a minha vida desde então. Tive necessidade de apertar os atacadores de um sapato na rua, num local que não tinha qualquer sítio onde me pudesse sentar ou apoiar, e foi com enorme dificuldade que consegui levar a cabo essa tarefa tão simples. Pensei para mim: isto não pode continuar assim! Tenho de mudar!Nesse dia, tracei 3 objectivos:- No curto prazo, perder peso; no médio prazo, 1º: participar numa corrida de 1O km e 2º numa meia-maratona; a longo prazo, partici-par numa prova de triatlo e (eventualmente) numa maratona.Iniciei uma dieta rigorosa, comprei umas sapatilhas para treinar e uma fita com um aparelho de monitorização de batimentos cardía-cos.Hoje peso menos de 9O kg. Já participei em mais de uma dezena de corridas de 1O km; já fiz duas meias-maratonas; Falta-me fazer a prova de triatlo… mas hei de lá chegar!Soube da existência do Cofre de Previdência através de familiares e colegas de trabalho (todos mais velhos). Falaram-me sempre do Cofre como uma Instituição respeitada e com bons benefícios e regalias para os associados. No imediato, pretendo vir a usufruir dos Centros de Lazer, mas além disso, o objectivo da minha inscrição é alargar e complementar os benefícios sociais que a Função Pública tem para oferecer (além da ADSE e dos SSAP), mais concretamen-te a nível de benefícios em empréstimo à habitação, caso venha a precisar no futuro. Antes de me fazer sócio não conhecia a revista. Já tive a oportunidade de dar uma espreitadela a edições de anos anteriores (disponíveis no site do Cofre) e noto um esforço e uma evolução positiva, principalmente desde 2O15. Não apenas no grafismo, mas também nos conteúdos, estando agora mais voca-cionada para um público de faixas etárias mais baixas.

Adoro Portugal no seu todo! A grande maioria das minhas férias e viagens têm sido feitas em Portugal. É difícil escolher um local favorito quando o leque é tão vasto, por isso prefiro nomear mais do que um: a norte, Ponte-de-Lima e todo Douro Vinhateiro; no centro, Lisboa e o concelho de Idanha-a-Nova; a sul, Évora, Castelo de Vide e toda a Costa Alentejana; a ilha da Madeira (especialmente o interior, com a sua floresta Laurissilva). Gostava de fazer um cruzeiro! É um desejo de longa data. Seja no Mediterrâneo, nos fiordes da Escandinávia ou até mesmo nas Caraíbas, tanto faz. Mas essa(s) viagem (viagens) terei de fazer, aconteça o que acontecer.Adoro animais e tudo o que diga respeito à Natureza. Por vezes as pessoas têm dificuldade de perceber, mas é precisamente esta minha adoração pela Natureza que me leva a não ter qualquer animal de estimação. Vivo num pequeno apartamento e seria incapaz de “enjaular” um animal num ambiente que, na minha opinião, não lhe é «natural». Além disso, com um horário a tempo inteiro e com o tempo que preciso para a família e amigos (do qual não prescindo), não sobraria muito para lhes dar a atenção e companhia que tanto precisam.O meu padrinho de baptismo vivia numa quinta relativamente grande, com muito espaço ao ar livre e tinha mais do que um cão. Mas os cães nunca entraram em casa. Quando alguém lhe pergun-tava “porquê”, ele respondia: “Adoro os meus cães! Trato-os bem, alimento-os bem, dou-lhes todo o carinho e cuidados de saúde que eles precisam. Somos muito amigos! Mas nesta amizade, eu nunca vou a casa deles (entenda-se casota), e eles nunca vêm à minha!”

JOÃO PEDRO FERNANDES TAVARES GRANJA 36 anos, sócio nº 1O4795

Não posso concordar mais!Se abordar os meus gostos musicais direi que depende do momen-to e do estado de espírito. De manhã, ao acordar, músicas mais mexidas e ritmadas como rock, rap ou hip-hop. No final do dia prefiro músicas mais calmas. Em momentos de stress ou ansiedade gosto de me refugiar no chill out ou na música clássica. Quando me sinto bem, oiço qualquer estilo de música. As 5 mais são “1979” – The Smashing Pumpkins; “Barcelona” – Freddie Mercury & Monser-rat Caballé; “Lisboa” – Tara Perdida;“Accidently in Love” – Counting Crows; “Primavera” – The Gift, “Voar” – Xutos & Pontapés.No Verão prefiro a praia; no Inverno o campo. Mas mesmo assim no Inverno, desde que não chova, quem recusa uma caminhada à beira-mar, bem agasalhado e em boa companhia?Quanto a cozinhar e não sendo um grande chef, safo-me bem a fazer grelhados na companhia dos meus amigos. Para mim os coentros têm um paladar inigualável! Ficam bem em qualquer prato de peixe ou de carne, cozinhados ou crus, em saladas e até mesmo nas sanduiches. Neste momento não estou a ler qualquer livro, mas já tenho na mesa-de-cabeceira o “Nenhum Olhar” do José Luís Peixoto. É um escritor que tenho vindo a descobrir e tem cativado a minha aten-ção, não só pela simplicidade e fluidez do discurso, mas principal-mente pela clareza com que expõe os sentimentos. Deixei a meio “Os Pilares da Terra – Vol. II” do Ken Follet, mas não está esquecido. Espero terminá-lo até ao final do ano.Ah e não tenho nenhum cofre em casa, apenas um mealheiro.

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27cofre

Nasci em Lisboa, na freguesia de Alvalade. A minha carreira profis-sional ainda é curta (1O anos), pelo que espero e desejo que o maior desafio profissional ainda esteja a caminho. Vivo no Montijo e traba-lho em Lisboa, por isso conduzo de casa até ao cais dos barcos. De barco sigo para Lisboa e, daí até ao local de trabalho, desloco-me de autocarro ou de eléctrico. Se me perguntam qual o maior sonho por realizar respondo que a minha vida não é movida por sonhos. Costumo traçar objectivos e definir prazos para os cumprir. Até há cerca de dois/três anos, era um indivíduo sedentário, com um enorme apetite e cheguei a pesar 115 kg. Certo dia, houve um episó-dio que marcou a minha vida desde então. Tive necessidade de apertar os atacadores de um sapato na rua, num local que não tinha qualquer sítio onde me pudesse sentar ou apoiar, e foi com enorme dificuldade que consegui levar a cabo essa tarefa tão simples. Pensei para mim: isto não pode continuar assim! Tenho de mudar!Nesse dia, tracei 3 objectivos:- No curto prazo, perder peso; no médio prazo, 1º: participar numa corrida de 1O km e 2º numa meia-maratona; a longo prazo, partici-par numa prova de triatlo e (eventualmente) numa maratona.Iniciei uma dieta rigorosa, comprei umas sapatilhas para treinar e uma fita com um aparelho de monitorização de batimentos cardía-cos.Hoje peso menos de 9O kg. Já participei em mais de uma dezena de corridas de 1O km; já fiz duas meias-maratonas; Falta-me fazer a prova de triatlo… mas hei de lá chegar!Soube da existência do Cofre de Previdência através de familiares e colegas de trabalho (todos mais velhos). Falaram-me sempre do Cofre como uma Instituição respeitada e com bons benefícios e regalias para os associados. No imediato, pretendo vir a usufruir dos Centros de Lazer, mas além disso, o objectivo da minha inscrição é alargar e complementar os benefícios sociais que a Função Pública tem para oferecer (além da ADSE e dos SSAP), mais concretamen-te a nível de benefícios em empréstimo à habitação, caso venha a precisar no futuro. Antes de me fazer sócio não conhecia a revista. Já tive a oportunidade de dar uma espreitadela a edições de anos anteriores (disponíveis no site do Cofre) e noto um esforço e uma evolução positiva, principalmente desde 2O15. Não apenas no grafismo, mas também nos conteúdos, estando agora mais voca-cionada para um público de faixas etárias mais baixas.

Adoro Portugal no seu todo! A grande maioria das minhas férias e viagens têm sido feitas em Portugal. É difícil escolher um local favorito quando o leque é tão vasto, por isso prefiro nomear mais do que um: a norte, Ponte-de-Lima e todo Douro Vinhateiro; no centro, Lisboa e o concelho de Idanha-a-Nova; a sul, Évora, Castelo de Vide e toda a Costa Alentejana; a ilha da Madeira (especialmente o interior, com a sua floresta Laurissilva). Gostava de fazer um cruzeiro! É um desejo de longa data. Seja no Mediterrâneo, nos fiordes da Escandinávia ou até mesmo nas Caraíbas, tanto faz. Mas essa(s) viagem (viagens) terei de fazer, aconteça o que acontecer.Adoro animais e tudo o que diga respeito à Natureza. Por vezes as pessoas têm dificuldade de perceber, mas é precisamente esta minha adoração pela Natureza que me leva a não ter qualquer animal de estimação. Vivo num pequeno apartamento e seria incapaz de “enjaular” um animal num ambiente que, na minha opinião, não lhe é «natural». Além disso, com um horário a tempo inteiro e com o tempo que preciso para a família e amigos (do qual não prescindo), não sobraria muito para lhes dar a atenção e companhia que tanto precisam.O meu padrinho de baptismo vivia numa quinta relativamente grande, com muito espaço ao ar livre e tinha mais do que um cão. Mas os cães nunca entraram em casa. Quando alguém lhe pergun-tava “porquê”, ele respondia: “Adoro os meus cães! Trato-os bem, alimento-os bem, dou-lhes todo o carinho e cuidados de saúde que eles precisam. Somos muito amigos! Mas nesta amizade, eu nunca vou a casa deles (entenda-se casota), e eles nunca vêm à minha!”

NOTA BIOGRÁFICA:

Nasci em Lisboa, freguesia de Alvalade, em Janeiro de 1979. Vivo no Montijo desde que me divorciei e não tenho filhos. Estou, no entan-to, a recompor a minha vida amorosa e espero vir a constituir famí-lia e ser pai.Fiz a licenciatura em contabilidade no ISCAL e estou inscrito na Ordem dos Contabilistas Certificados, desde 2OO5.Trabalhei nos departamentos financeiros de duas empresas do sector imobiliário e turístico e, antes de ingressar na Função Públi-ca, trabalhei no núcleo financeiro de uma empresa municipal. Em Abril de 2O11 iniciei funções na Direcção-Geral do Orçamento, como Técnico Superior.Desde Outubro do presente ano, sou funcionário dos Serviços de Acção Social da Universidade de Lisboa, também como Técnico Superior, no núcleo financeiro deste organismo.Na hora de viajar e ir de férias gosto de dar preferência a destinos em Portugal, mas já tive oportunidade de ir às Maldivas, e visitar as cidades de Barcelona, Estocolmo, Copenhaga, Bruxelas e Amester-dão.Actualmente o meu hobby favorito é a corrida.

Não posso concordar mais!Se abordar os meus gostos musicais direi que depende do momen-to e do estado de espírito. De manhã, ao acordar, músicas mais mexidas e ritmadas como rock, rap ou hip-hop. No final do dia prefiro músicas mais calmas. Em momentos de stress ou ansiedade gosto de me refugiar no chill out ou na música clássica. Quando me sinto bem, oiço qualquer estilo de música. As 5 mais são “1979” – The Smashing Pumpkins; “Barcelona” – Freddie Mercury & Monser-rat Caballé; “Lisboa” – Tara Perdida;“Accidently in Love” – Counting Crows; “Primavera” – The Gift, “Voar” – Xutos & Pontapés.No Verão prefiro a praia; no Inverno o campo. Mas mesmo assim no Inverno, desde que não chova, quem recusa uma caminhada à beira-mar, bem agasalhado e em boa companhia?Quanto a cozinhar e não sendo um grande chef, safo-me bem a fazer grelhados na companhia dos meus amigos. Para mim os coentros têm um paladar inigualável! Ficam bem em qualquer prato de peixe ou de carne, cozinhados ou crus, em saladas e até mesmo nas sanduiches. Neste momento não estou a ler qualquer livro, mas já tenho na mesa-de-cabeceira o “Nenhum Olhar” do José Luís Peixoto. É um escritor que tenho vindo a descobrir e tem cativado a minha aten-ção, não só pela simplicidade e fluidez do discurso, mas principal-mente pela clareza com que expõe os sentimentos. Deixei a meio “Os Pilares da Terra – Vol. II” do Ken Follet, mas não está esquecido. Espero terminá-lo até ao final do ano.Ah e não tenho nenhum cofre em casa, apenas um mealheiro.

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RESIDÊNCIA SÉNIOR DE LOURES

Dia 19 de Dezembro, foi dia de festa na Residência Sénior de Loures. Com o Natal a chegar juntamos família e amigos para festejarmos esta época Natalícia.Entre muitas cantigas e risadas, assistimos a um ótimo espetáculo, que se iniciou com atuação do pequeno Pedro que, com apenas 8 anos, nos surpreendeu com as melodias da sua flauta transversal.De seguida, a Catarina e a Beatriz (amiga e bisneta da nossa residente D. Mª Edite Peleira), abrilhantaram a tarde com a sua bela dupla em voz e guitarra, logo seguidas da funcionária Otília Magaia que nos presentou com uma música de Natal moçambicana.Seguiu-se o habitual vídeo com o resumo das atividades de 2O15 e por fim o Coro da Residência subiu ao palco enchendo o auditório de alegria com músicas de Natal. E que bem estiveram!Terminámos a tarde em grande, saboreando os pratos típicos desta época festiva, num grande lanche convívio.Com os votos de que em 2O16 a tradição se mantenha, agradece-mos a presença de todos os nossos amigos e familiares e do Presi-dente Dr. Tomé Jardim que nos acompanharam durante toda esta grande festa.

Um Feliz Natal e um Bom Ano!

FESTA DE NATAL

Pedro a tocar flauta Otília Magaia canta músicas africanas

Texto: Mafalda Queiroz

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RESIDÊNCIA SÉNIOR DE LOURES

Dia 19 de Dezembro, foi dia de festa na Residência Sénior de Loures. Com o Natal a chegar juntamos família e amigos para festejarmos esta época Natalícia.Entre muitas cantigas e risadas, assistimos a um ótimo espetáculo, que se iniciou com atuação do pequeno Pedro que, com apenas 8 anos, nos surpreendeu com as melodias da sua flauta transversal.De seguida, a Catarina e a Beatriz (amiga e bisneta da nossa residente D. Mª Edite Peleira), abrilhantaram a tarde com a sua bela dupla em voz e guitarra, logo seguidas da funcionária Otília Magaia que nos presentou com uma música de Natal moçambicana.Seguiu-se o habitual vídeo com o resumo das atividades de 2O15 e por fim o Coro da Residência subiu ao palco enchendo o auditório de alegria com músicas de Natal. E que bem estiveram!Terminámos a tarde em grande, saboreando os pratos típicos desta época festiva, num grande lanche convívio.Com os votos de que em 2O16 a tradição se mantenha, agradece-mos a presença de todos os nossos amigos e familiares e do Presi-dente Dr. Tomé Jardim que nos acompanharam durante toda esta grande festa.

Um Feliz Natal e um Bom Ano!

FESTA DE NATAL

Pedro a tocar flauta Otília Magaia canta músicas africanas

Texto: Mafalda Queiroz

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RESIDÊNCIA SÉNIOR DE VILA FERNANDO

O passarinho não cantou às quatro da madrugada na Residência Sénior de Vila Fernando, porque a essa hora os 28 residentes preci-savam de dormir bem para se prepararem para a Festa do Natal de 2O15. Amanheceu o dia 17 de Dezembro (véspera da Festa) e toda a gente andou numa azáfama. Verificar se todas as luzes e enfeites estavam no local certo, se os bolos, azevias, coscorões e sonhos estavam a sair da cozinha, pois há sobremesas que se fazem de véspera. Dar os retoques finais, nas decorações, mesas, sacos de prendas e cartões de Natal. A roupa mais bonita já passada a ferro esperava na cadeira. Tudo tão lindo como o candeeiro da entrada, elaborado por todos os residentes com copos transparentes reciclados, enfiados de forma a recriar uma esfera com luzinhas minúsculas quais estrelinhas caídas de alguma estrela cadente. Ainda no dia 17, pelas duas da tarde a chegada mais desejada foi a da cabeleireira Maria João. Pentear e pôr ainda mais bonitas 18 senho-ras de idades acima dos 8O é uma excitação. Depois sim, podiam olhar-se no espelho e dizer para si próprias: «Estou bonita.» E o dia chegou ao fim. Nasceu radioso o dia 18, a fazer esquecer que estamos oficialmente o Inverno. Pelas 4 da tarde o Sr. Padre Moisés ensinou como partici-par na missa, não apenas cantando hinos ao Deus Menino, mas fazendo uma muito simples coreografia com as mãos e braços, ora para o ar, ora cruzados junto ao coração. A Fátima Madeira em pouco tempo afinou o coro e a eucaristia foi muito participada. Seguiu-se o lanche ajantarado, com as mesas compostas com tudo o que uma festa de Natal exige. Faltava apenas a tão esperada música. Nos seus alegres trajes o grupo “Voz Amiga da Terrugem” começou a sua contagiante actuação. E quase de imediato esque-ceram-se dores nos pés e joelhos e os pares começaram a dançar, com uma enorme alegria sempre ao ritmo do tambor e da sarronca. A D. Amélia foi a primeira e levantar-se da cadeira e trocou de par até o cansaço a vencer. Confessou-me que os seus 88 anos já lhe fazem bater mais rapidamente o coração. Mas pouco depois lá estava de novo a voltear. Ao meu lado o mais recente residente, Sr. José Paiva confidenciou-me que estava feliz com todo o carinho que ali recebia de toda a gente. Ele é um dos 8 utentes do sexo masculino que escolheram aquela casa, que tem ambiente de lar no seu sentido de família. E o grupo da Terrugem, com 8 elementos presentes (são 12) cantaram mais e mais até entoarem a música do

passarinho que gosta de cantar à sua amada pelas 4 da madrugada. Toda a gente a entoou em coro. Foi uma festa linda. De Lisboa estiveram presentes o presidente do C.A. Dr. Tomé Jardim (como todos os anos), a Dr.ª Sónia Ferreira (Psicóloga) que é a «mulher dos sete ofícios» e esteve a fotografar o evento (que já colocou no “Facebook”) e eu, a directora da revista, Luísa Paiva Boléo, que com o maior prazer verifiquei que naquela casa há muitos rostos verda-deiramente felizes. Foram distribuídos presentes a todos os residentes. E já bem cansados, mas de sorrisos no rosto a partir das 19H3O foram pouco a pouco recolhendo aos seus quartos, sempre acompanhados pela atenta equipa liderada pela Dª Maria do Mar. Boas Festas!

QUANDO O ESPÍRITO DE NATAL ANDA NO ARTexto: L.P.B.

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RESIDÊNCIA SÉNIOR DE LOURES

Dia 19 de Dezembro, foi dia de festa na Residência Sénior de Loures. Com o Natal a chegar juntamos família e amigos para festejarmos esta época Natalícia.Entre muitas cantigas e risadas, assistimos a um ótimo espetáculo, que se iniciou com atuação do pequeno Pedro que, com apenas 8 anos, nos surpreendeu com as melodias da sua flauta transversal.De seguida, a Catarina e a Beatriz (amiga e bisneta da nossa residente D. Mª Edite Peleira), abrilhantaram a tarde com a sua bela dupla em voz e guitarra, logo seguidas da funcionária Otília Magaia que nos presentou com uma música de Natal moçambicana.Seguiu-se o habitual vídeo com o resumo das atividades de 2O15 e por fim o Coro da Residência subiu ao palco enchendo o auditório de alegria com músicas de Natal. E que bem estiveram!Terminámos a tarde em grande, saboreando os pratos típicos desta época festiva, num grande lanche convívio.Com os votos de que em 2O16 a tradição se mantenha, agradece-mos a presença de todos os nossos amigos e familiares e do Presi-dente Dr. Tomé Jardim que nos acompanharam durante toda esta grande festa.

Um Feliz Natal e um Bom Ano!

FESTA DE NATAL

Pedro a tocar flauta Otília Magaia canta músicas africanas

Texto: Mafalda Queiroz

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CONSULTÓRIO MÉDICOs saude

Por Dr. António Pinto de Almeida | Médico

Vamos abordar um tema que, demasiadas vezes, leva a que muitos doentes se interroguem sobre o porquê de, no final de algumas consultas que têm com diferentes médicos, quando por vezes se sentem “vazios”, sem qualquer tipo de vontade ou de esperança em fazer o que o clínico aconselhou, o que pode representar a não adesão a uma terapêutica ou a qualquer medida de prevenção que seja essencial à manutenção ou recuperação do seu estado de saúde física ou mental e à melhor qualidade de vida que possam desejar. Esta sensação estranha que o doente sofre significa, quase sempre, o fraco entendimento sobre o que foi abordado entre ele e o médico na consulta, dificultando a empatia e levando ao seu afastamento cujo resultado é sempre negativo. Ora comunicar, deriva do latim “comunicare” que significa partilhar, tornar comum. A comunicação interpessoal é um processo de partilha de informação e compreensão entre duas pessoas, sendo um fenómeno dinâmico e complexo em que diversos factores, quer os que afectam o indivíduo física ou psicologicamente, quer a circunstância, agem e interagem, como veremos mais adiante. Neste processo de partilha, um emissor transmite uma mensagem a um receptor por um canal de comunicação, que é o meio físico pelo qual é enviada a mensagem. A mensagem é transmitida pelo emissor através de um código (sistema de sinais previamente convencionado, que representam e transmitem in formação). Para que exista comunicação é preciso que os intervenientes tenham em comum o mesmo código. Assim, o emissor emite a sua mensa-gem no código comum, que é depois retrovertido pelo receptor, significando isto a codificação e descodificação. A eficiência da mensagem não depende só da intenção do emissor, mas sobretu-do da reação e compreensão que o receptor faz da mensagem, através do feedback. Depende ainda de alguns factores que podem

perturbar a transmissão da mensagem. A estes factores chama-mos ruído, interferências e barreiras que tanto se podem encontrar no emissor, como no canal de comunicação, no código ou no recep-tor. Como exemplos; no emissor - por palavras mal articuladas ou voz pouco audível; no canal de comunicação - a chamada telefóni-ca com interferências ou que cai; no código - a linguagem herméti-ca (habitual em alguns médicos) ou uso de línguas diferentes; no receptor - a falta de atenção deste por estar a escrever ou ver computador, etc..Como se verifica, a comunicação interpessoal faz com que o emis-sor seja simultaneamente receptor e vice-versa. E como se comu-nica? Comunicamos por duas formas, através da comunicação verbal (oral e escrita) e não-verbal (expressão e sentimentos). Convém saber que a comunicação verbal representa cerca de 1O% e a não-verbal de 9O%, na compreensão da informação que nos é transmitida, sendo a não-verbal mais fidedigna da autenticidade dos sentimentos. Isto significa que a comunicação não acontece só quando é consciente e intencional, ela é, igualmente, espontânea ou involuntária e existe naquilo que se faz ou não se faz.O Sr. Paul Watzlawick, austríaco posteriormente emigrado e nacio-nalizado norte-americano e grande estudioso da problemática da comunicação no século passado, agrupou cinco axiomas na comu-nicação. 1º- É impossível não se comunicar. Significa que todo o comporta-mento é uma forma de comunicação e tem valor de mensagem. Como não existe o oposto ao comportamento…2º- Toda a comunicação tem dois níveis: conteúdo e relaçãoPara além do significado das palavras (conteúdo), o modo como é dito ou a forma como se diz, revela ao receptor como deve ser entendida a mensagem (relação).

3º - Pontuação da sequência comunicativaA pontuação organiza e é vital para a interação. A discordância na pontuação provoca o conflito e define a natureza da relação.4º - Existem dois tipos de comunicação: digital e analógica. Os seres humanos comunicam desta forma e, nisso, são os únicos. O conte-údo é digital - objectivo, preciso e complexo. A relação é analógica- subjectiva e mais rica nos afectos.5º- As formas de comunicação são simétricas ou complementares, conforme sejam baseadas na igualdade ou na diferença. As simé-tricas, na relação entre amigos ou marido e mulher (igualdade).As complementares, na relação pai /filho ou professor e aluno (autoridade/diferença). Assim, ao sabermos e percebermos um pouco mais o processo de comunicação interpessoal e a forma como funciona, percebemos igualmente a razão e importância deste tema e como poderemos melhorar a eficácia e a qualidade do acto médico mais importante e mais praticado em todo o mundo - a consulta. A consulta assenta principalmente na troca de mensagens, através das queixas do doente, concertando os valores e crenças do doente com as prioridades de uma prática clínica rigorosa, ética e tecnicamente baseada nas evidências científica e clínica.É um ser humano que, quando sofre, nos procura para o ajudarmos e tratarmos. E como ser humano tem matéria, tem espírito, tem inteligência e emoções, tem Alma. Tudo isto está presente quando comunica com alguém e, obviamente, com o seu médico. Não sabe

o que a afecta por vezes tem alguma “ideia”, mas compreende que isso lhe provoca alterações substantivas na sua qualidade de vida, quer de relação, quer profissional, familiar, a todos os níveis e pede ajuda.Já sabemos que é impossível não comunicar. Sabemos igualmen-te, que há sempre dois níveis na comunicação - conteúdo e relação, ou seja, a forma verbal e a forma não-verbal.Então, as questões pertinentes que nos devemos colocar serão:- Que forma de comunicação deverá ser estabelecida na consulta, simétrica ou complementar?- Como poderemos minimizar, quer as interferências, quer os ruídos e barreiras, na comunicação?- Quais as implicações éticas, na comunicação?«Listen to the patient, he is telling you the diagnosis… It is more important to know what sort of patient has a disease, than what sort of disease a patient has…» Estas afirmações de William Osler, médico canadiano, representam seguramente, a meu ver, um dos maiores e mais importantes contributos e avanços, da História da Medicina Moderna, ao reconhecer e promover o contributo das áreas de ciências huma-nas, ética e comportamentais, juntamente com as ciências biomé-dicas, como condição imprescindível do exercício pleno da profis-são médica. Disso falarei na segunda parte deste artigo, na próxima revista.Votos de Festas felizes e de um bom Ano Novo.

A COMUNICAÇÃO MÉDICO-PACIENTE E NÃO SÓ…A CONSULTA

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1 - Princípios Fundamentais

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Vamos abordar um tema que, demasiadas vezes, leva a que muitos doentes se interroguem sobre o porquê de, no final de algumas consultas que têm com diferentes médicos, quando por vezes se sentem “vazios”, sem qualquer tipo de vontade ou de esperança em fazer o que o clínico aconselhou, o que pode representar a não adesão a uma terapêutica ou a qualquer medida de prevenção que seja essencial à manutenção ou recuperação do seu estado de saúde física ou mental e à melhor qualidade de vida que possam desejar. Esta sensação estranha que o doente sofre significa, quase sempre, o fraco entendimento sobre o que foi abordado entre ele e o médico na consulta, dificultando a empatia e levando ao seu afastamento cujo resultado é sempre negativo. Ora comunicar, deriva do latim “comunicare” que significa partilhar, tornar comum. A comunicação interpessoal é um processo de partilha de informação e compreensão entre duas pessoas, sendo um fenómeno dinâmico e complexo em que diversos factores, quer os que afectam o indivíduo física ou psicologicamente, quer a circunstância, agem e interagem, como veremos mais adiante. Neste processo de partilha, um emissor transmite uma mensagem a um receptor por um canal de comunicação, que é o meio físico pelo qual é enviada a mensagem. A mensagem é transmitida pelo emissor através de um código (sistema de sinais previamente convencionado, que representam e transmitem in formação). Para que exista comunicação é preciso que os intervenientes tenham em comum o mesmo código. Assim, o emissor emite a sua mensa-gem no código comum, que é depois retrovertido pelo receptor, significando isto a codificação e descodificação. A eficiência da mensagem não depende só da intenção do emissor, mas sobretu-do da reação e compreensão que o receptor faz da mensagem, através do feedback. Depende ainda de alguns factores que podem

perturbar a transmissão da mensagem. A estes factores chama-mos ruído, interferências e barreiras que tanto se podem encontrar no emissor, como no canal de comunicação, no código ou no recep-tor. Como exemplos; no emissor - por palavras mal articuladas ou voz pouco audível; no canal de comunicação - a chamada telefóni-ca com interferências ou que cai; no código - a linguagem herméti-ca (habitual em alguns médicos) ou uso de línguas diferentes; no receptor - a falta de atenção deste por estar a escrever ou ver computador, etc..Como se verifica, a comunicação interpessoal faz com que o emis-sor seja simultaneamente receptor e vice-versa. E como se comu-nica? Comunicamos por duas formas, através da comunicação verbal (oral e escrita) e não-verbal (expressão e sentimentos). Convém saber que a comunicação verbal representa cerca de 1O% e a não-verbal de 9O%, na compreensão da informação que nos é transmitida, sendo a não-verbal mais fidedigna da autenticidade dos sentimentos. Isto significa que a comunicação não acontece só quando é consciente e intencional, ela é, igualmente, espontânea ou involuntária e existe naquilo que se faz ou não se faz.O Sr. Paul Watzlawick, austríaco posteriormente emigrado e nacio-nalizado norte-americano e grande estudioso da problemática da comunicação no século passado, agrupou cinco axiomas na comu-nicação. 1º- É impossível não se comunicar. Significa que todo o comporta-mento é uma forma de comunicação e tem valor de mensagem. Como não existe o oposto ao comportamento…2º- Toda a comunicação tem dois níveis: conteúdo e relaçãoPara além do significado das palavras (conteúdo), o modo como é dito ou a forma como se diz, revela ao receptor como deve ser entendida a mensagem (relação).

3º - Pontuação da sequência comunicativaA pontuação organiza e é vital para a interação. A discordância na pontuação provoca o conflito e define a natureza da relação.4º - Existem dois tipos de comunicação: digital e analógica. Os seres humanos comunicam desta forma e, nisso, são os únicos. O conte-údo é digital - objectivo, preciso e complexo. A relação é analógica- subjectiva e mais rica nos afectos.5º- As formas de comunicação são simétricas ou complementares, conforme sejam baseadas na igualdade ou na diferença. As simé-tricas, na relação entre amigos ou marido e mulher (igualdade).As complementares, na relação pai /filho ou professor e aluno (autoridade/diferença). Assim, ao sabermos e percebermos um pouco mais o processo de comunicação interpessoal e a forma como funciona, percebemos igualmente a razão e importância deste tema e como poderemos melhorar a eficácia e a qualidade do acto médico mais importante e mais praticado em todo o mundo - a consulta. A consulta assenta principalmente na troca de mensagens, através das queixas do doente, concertando os valores e crenças do doente com as prioridades de uma prática clínica rigorosa, ética e tecnicamente baseada nas evidências científica e clínica.É um ser humano que, quando sofre, nos procura para o ajudarmos e tratarmos. E como ser humano tem matéria, tem espírito, tem inteligência e emoções, tem Alma. Tudo isto está presente quando comunica com alguém e, obviamente, com o seu médico. Não sabe

o que a afecta por vezes tem alguma “ideia”, mas compreende que isso lhe provoca alterações substantivas na sua qualidade de vida, quer de relação, quer profissional, familiar, a todos os níveis e pede ajuda.Já sabemos que é impossível não comunicar. Sabemos igualmen-te, que há sempre dois níveis na comunicação - conteúdo e relação, ou seja, a forma verbal e a forma não-verbal.Então, as questões pertinentes que nos devemos colocar serão:- Que forma de comunicação deverá ser estabelecida na consulta, simétrica ou complementar?- Como poderemos minimizar, quer as interferências, quer os ruídos e barreiras, na comunicação?- Quais as implicações éticas, na comunicação?«Listen to the patient, he is telling you the diagnosis… It is more important to know what sort of patient has a disease, than what sort of disease a patient has…» Estas afirmações de William Osler, médico canadiano, representam seguramente, a meu ver, um dos maiores e mais importantes contributos e avanços, da História da Medicina Moderna, ao reconhecer e promover o contributo das áreas de ciências huma-nas, ética e comportamentais, juntamente com as ciências biomé-dicas, como condição imprescindível do exercício pleno da profis-são médica. Disso falarei na segunda parte deste artigo, na próxima revista.Votos de Festas felizes e de um bom Ano Novo.

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2 - Ouça o paciente, ele está a dizer-lhe o diagnóstico. É mais importante saber que espécie de paciente tem a doença, do que espécie doença tem o paciente...

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O teatro é, desde a Antiguidade Clássica, um momento de catarse e foi nessa perspectiva que assistimos no passado 8 de novembro à tragédia “Hamlet”, levada à cena pela Companhia de Teatro de Almada e o Teatro da Cornucópia no Teatro Municipal Joaquim Benite, em Almada.“Finalmente Hamlet” escreveu Sophia de Mello Breyner Andersen na tradução do texto de William Shakespeare que entregou a Luís Miguel Cintra que agora a encenou. A primeira peça de teatro que vi em adulto foi precisamente no Teatro da Cornucópia com Luís Miguel Cintra, por isso não podia faltar a esta possibilidade de o ver actuar pela última vez em palco.Estavam assim reunidos todos os elementos para quatro horas sagradas, ao longo das quais nos confrontamos com o nosso íntimo, as nossas inseguranças, assistimos ao debate entre o cinismo e a ética na luta desfreada pelo poder, pelo bem e o mal que há em cada um de nós próprios personificados no jovem que pugna pela justiça sem querer manchar as mãos de sangue e trair o idealismo.A história do príncipe da Dinamarca veio desta forma à cena e podemos finalmente apreciá-la em todo o seu esplendor, numa iniciativa que o Cofre da Previdência tornou mais próxima.

Texto: Óscar Martins, sócio n.º 98758Fotografia: Teatro Municipal Joaquim Benite

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O teatro é, desde a Antiguidade Clássica, um momento de catarse e foi nessa perspectiva que assistimos no passado 8 de novembro à tragédia “Hamlet”, levada à cena pela Companhia de Teatro de Almada e o Teatro da Cornucópia no Teatro Municipal Joaquim Benite, em Almada.“Finalmente Hamlet” escreveu Sophia de Mello Breyner Andersen na tradução do texto de William Shakespeare que entregou a Luís Miguel Cintra que agora a encenou. A primeira peça de teatro que vi em adulto foi precisamente no Teatro da Cornucópia com Luís Miguel Cintra, por isso não podia faltar a esta possibilidade de o ver actuar pela última vez em palco.Estavam assim reunidos todos os elementos para quatro horas sagradas, ao longo das quais nos confrontamos com o nosso íntimo, as nossas inseguranças, assistimos ao debate entre o cinismo e a ética na luta desfreada pelo poder, pelo bem e o mal que há em cada um de nós próprios personificados no jovem que pugna pela justiça sem querer manchar as mãos de sangue e trair o idealismo.A história do príncipe da Dinamarca veio desta forma à cena e podemos finalmente apreciá-la em todo o seu esplendor, numa iniciativa que o Cofre da Previdência tornou mais próxima.

Texto: Óscar Martins, sócio n.º 98758Fotografia: Teatro Municipal Joaquim Benite

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S. MARTINHO E SANTA IRIA ENCONTRO NO MAGUSTO

Texto: Helena Baeta e Alexandra Antunes

Promovendo um convívio único, no fim-de-semana de 13 a 15 de Novembro decorreu o Magusto na Quinta de Sta. Iria, proporcionan-do aos associados presentes, familiares e amigos, momentos de puro agrado. Após o acolhimento individual permitindo algum tempo de ócio, os sócios foram posteriormente convidados a degustar o magnífico repasto confecionado com produtos alusivos à época.Terminada a refeição, todos foram convidados a assistir a uma sessão no Planetário e observação das estrelas e astros, tendo o grupo sido presenteado com um céu totalmente limpo. A experiên-cia, verdadeiramente gratificante, foi concluída com um reconfor-tante chocolate quente e mimos da Quinta.Sábado amanheceu com um surpreendente sol outonal, convidan-do ao passeio a Cuidad Rodrigo (província de Salamanca). Quais Cruzados, o grupo partiu à descoberta, acompanhados por duas excelentes guias locais, pelo interior da muralha, deste maravilhoso município do século XII reedificado por Dom Rodrigo, visitando os seus imponentes monumentos como a Câmara, Catedral, Praça Central, Marco da Batalha da Independência, entre outros. Extasia-dos pelos edifícios bem cuidados, foram ainda reveladas as 32 casas senhoriais existentes (algumas requalificadas) estando, no momento, quatro habitadas pelas nobres famílias.No regresso tardio, todos de juntaram para um extraordinário jantar, a que já nos habituou o chef Francisco que se prolongou pela noite dentro, convidando a um pé de dança acompanhada por música ao vivo, muitas castanhas e boa jeropiga. Domingo, foi dia de despedidas pois a viagem de regresso era longa. Tomado o peque-no-almoço, recheado de iguarias várias foi a vez de o Cofre entregar a todos os presentes uma pequena lembrança produzida na Quinta. Fazemos votos que o reencontro esteja para breve.

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RESUMO DAS ASSEMBLEIAS DO DIA 14 DE DEZEMBROPor L.P.B.

Conforme estipulam os Estatutos do Cofre de Previdência, realiza-se na primeira quinzena de Dezembro de cada ano a Assembleia-Geral Ordinária e apresentação do Relatório de Actividades e Orçamento para o ano de 2O16, levado à apreciação e votação pelos sócios, o qual foi aprovado por larga maioria. Para além daquela foi agendada, para o mesmo dia, como foi amplamente divulgado, no sítio do Cofre e jornais, uma Assembleia Geral Extraordinária para discussão e votação de algumas alterações estatutárias. Em conformidade, no dia 14 de Dezem-bro p.p. o Sr. Dr. João Adelino Marques Pereira, na qualidade de Presidente da Mesa, às 18hOO deu início à Assembleia Geral Extraordinária. Tendo verificado que não havia 1OO sócios presentes foi a mesma convocada para daí a uma hora. Assim a Assembleia teve início às 19hOO com os sócios presentes.Foram levantadas dúvidas por alguns associados, acerca da legalidade da 2ª convocatória, por na 1ª convocatória não se ter explicitado esta prática, já amplamente usada em assembleias deste teor. No entanto o Presidente da Mesa considerou que era apenas uma irregularidade e não uma nulidade, daí prosseguir a Assembleia com a ordem de trabalhos lida e seguida.Foi dada a palavra ao Presidente do C. A. Dr. Tomé Jardim que informou a assistência que este órgão tinha deliberado não discutir na presen-te Assembleia as alterações propostas e retirar a discussão para ser mais divulgada e apreciada numa próxima Assembleia Geral Extraordi-nária a realizar nos primeiros meses de 2O16.Houve alguns sócios do Cofre que manifestaram o seu agrado e apenas um o seu desagrado por vir preparado para a análise e discussão. Foi assim dada como terminada a sessão, não sem antes ter sido aprovada por maioria a respectiva acta.A Assembleia Geral Ordinária teve início às 21hOO conforme convocatória. Depois de aberta a sessão pelo presidente da Mesa, Dr. João Adeli-no Marques Pereira, foi dada a palavra ao Dr. Tomé Jardim, presidente do C.A. que fez a introdução ao Orçamento para o ano de 2O16, apre-sentado pela Dr.ª Gisela Martins. Seguiram-se as intervenções, que resumimos nestes pontos, não necessariamente pela mesma ordem:

• Dúvidas quanto à composição da Mesa nomeadamente o facto de além da composição da Mesa da Assembleia Geral (Dr. João Adelino Marques Pereira, presidente, Dr. Norberto Severino e Dr. Laudelino Pinheiro, secretários) estarem também os presidentes do C.A. e do Conselho Fiscal e outras incertezas quanto a pormenores de procedimento e gravação das Assembleias Gerais. No final foi pedido que as actas das Assembleias sejam remetidas aos sócios (presentes) mais cedo;• Preocupação com a perda de associados e novas formas de os angariar privilegiando os mais jovens;• Venda das instalações da Rua dos Sapateiros e solicitação de mais informações sobre os procedimentos e avaliações;• Preocupação com as dívidas em contencioso;• Viabilidade do terreno de Queluz e de Arcozelo que vieram de anteriores gestões do CPFAE;• Mais esclarecimentos sobre a visita da Inspecção Geral de Finanças e da Polícia Judiciária aos serviços do Cofre.

O Presidente do C.A. respondeu a todas as perguntas, lembrando que a composição da Mesa sempre assim foi e nas anteriores gestões sempre estiveram os sete elementos. De seguida leu o Parecer da PGR relacionado com os Estatutos nomeadamente nos artigos 94º, 95º e 111º depois do processo de nulidade apresentada pelo sócio João Vicente, o qual não teve provimento.Relativamente às investigações o Presidente do C.A. leu uma síntese do Relatório da Inspecção Geral de Finanças, publicado no sítio e no Editorial da revista CFR nº 3 – III série, nada mais dizendo para não ferir o segredo de justiça a que está vinculado.Sobre as dívidas ao Cofre foi interpelado também o Dr. Elder Fernandes, na qualidade de Presidente do Conselho Fiscal que explicou como o CPFAE, instituição de carácter social se depara com situações de sócios devedores de verbas avultadas, muitas delas originadas por doen-ças graves ou perda significativa de rendimentos inviabilizando os pagamentos. Salientando que o Cofre sabe que a vida das pessoas está em primeiro lugar. No fim das intervenções foram dadas informações (ver preâmbulo do Orçamento) e houve um sócio que ao fim de 4O anos de associado foi à sua primeira Assembleia e fez diversas sugestões de ordem prática, entre outras passar as Informações para o ponto 1 da ordem de traba-lhos para que se não repitam as perguntas que, entretanto, já foram respondidas. Depois da aprovação da acta pela maioria, a Mesa endere-çou votos de Boas Festas aos presentes e foi dada por encerrada a Assembleia Geral Ordinária por volta das 23h25.

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INSTALAÇÕES ELÉCTRICAS DE BAIXA, MÉDIA E ALTA TENSÃOAR CONDICIONADO E REFRIGERAÇÃOFABRICO E MONTAGEM DE ESCADAS, PORTÕES, VEDAÇÕES METÁLICAS E GRADES DE SEGURANÇAVENDA, MONTAGEM, ASSISTÊNCIA E REPARAÇÃO DE ELECTROBOMBASENERGIA SOLAR - PAINÉIS TÉRMICOS E FOTOVOLTAICOSSISTEMAS DE BOMBAGEM E PRODUÇÃO DE ENERGIAVENDA, MONTAGEM, REPARAÇÃO E MANUTENÇÃO DE SISTEMAS DE SEGURANÇA CONTRA INCÊNDIOTODO O TIPO DE TRABALHOS DE METALOMECÂNICA E METALÚRGICASOLDADURA E TRATAMENTO DE SUPERFÍCIESCONSTRUÇÃO E MONTAGEM DE ESTRUTURAS METÁLICAS INDUSTRIAIS

TÉCNICAVIÇOSA | Parque Industrial, Lt. 204/205 7160-999 Vila Viçosa [email protected]

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INGREDIENTES:

- 6 claras de ovo à temperatura ambiente

- 1 pitada de sal

- 2 colheres de sobremesa de amido de milho (Maisena)

- 1 colher de sobremesa de vinagre de vinho branco

- 1 saqueta de extracto de baunilha

COBERTURA:

- Mistura de frutos silvestres(mirtilo, framboesas e groselhas)

PREPARAÇÃO:

- Pré-aqueça o forno a 18Oº. - Separe as claras das gemas dos 6 ovos. - Bata as claras em castelo com uma pitada sal. Quando a espuma começar a ficar mais consistente, adicione 25O gramas de açúcar em pó, colher a colher lentamente.- Depois junte o extracto de baunilha, amido de milho (maisena) peneirado e vinagre de vinho branco e envolva tudo com a ajuda de uma espátula. -Baixe a temperatura do forno para os 14Oº.- Com a ajuda de um prato desenhe numa folha de papel vegetal dois círculos (um circulo de diâmetro maior para a base e um circulo de diâmetro menor para o topo). Coloque em dois tabulei-ros o merengue preenchendo a forma dos círculos.- Deixe o merengue cozer durante 1 hora e 1O minutos sem nunca abrir o forno. O merengue vai ficar com um tom dourado e uma capa crocante e o seu interior ficará macio. - Deixe arrefecer dentro do forno e com a porta entreaberta.- Cubra a Pavlova, com frutos silvestres, o contraste do doce do suspiro com a acidez dos frutos silvestres é muito agradável.

RECEITA: Cláudia PeresFOTOGRAFIA: Cláudia Peres

PAVLOVAcom frutos vermelhos

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Suspiro de Natal

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CondiçõesInclui: autopullman de turismo + 1 noite de alojamento no Hotel A Esteva | 3 estrelas, em Castro Verde, com pequeno-almoço e jantar incluído com bebidas + 1 noite de alojamento no Hotel BejaParque | 4 estrelas, em Beja, com pequeno-almoço e jantar incluído com bebidas + 2 almoços e 1 jantar em restaurantes locais com bebidas incluídas + cruzeiro na Barragem do Alqueva com almoço no Restaurante da Marina + acompanhamento por guia interprete nacional durante toda a viagem + visitas e entradas dos monumentos + seguro de viagem Abreu. Exclui: despesas de carácter particular + tudo o que não estiver devidamente mencionado como incluído no programa Nota: os preços foram calculados com base nas tarifas hoteleiras vigentes. Poderão eventualmente ser

Não efectuamos qualquer tipo de reserva.

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Itinerário:1º dia: Lisboa / Tróia / Castro Verde2º dia: Castro Verde / Mértola / Beja3º dia: Beja / Serpa / Monsaraz / Lisboa

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