loureiro, s. r. 2014. do ensino prático à forma escolar
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Cadetes e Alunos-Oficiais: do ensino pela experincia prtica forma escolar.
Samuel Robes Loureiro 1
Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo
Palavras-chave: Ensino Militar; Forma Escolar; Cadetes; Alunos-Oficiais.
Historiadores da Educao como Guy Vincent, Bernard Lahire e Daniel Thin
(2001), ao analisarem a crise do sistema escolar francs, debruaram-se sobre a temtica da
"forma escolar". Nestes estudos foi contestada a produo historiogrfica que defende uma
noo de continusmo entre as formas escolares da Idade Mdia, ou mesmo da
Antiguidade, e a forma escolar contempornea, propondo uma espcie de "evoluo
natural" da escola desde a antiguidade at nossos dias. Esses autores identificam
anacronismos na ideia de continusmo, como a procura por sistemas de ensino primrios,
secundrios e superiores na Antiguidade Clssica e Idade Mdia. Por fim concluem que a
forma escolar, tal qual concebemos, pode ter tido suas origens na Idade Moderna
(VICENTE, et alli, 2001, p. 12).
O presente trabalho tem por objetivo demonstrar, com base em dados
empricos obtidos por meio da pesquisa histrica, que as propostas de Vincent, Lahire e
Thin, com relao origem e a histria da forma escolar, encontram suporte nos estudos na
histria do ensino militar no Brasil. Visando demonstrar a relao entre o conceito de
forma escolar e o estudo histrico, foi utilizada a teoria elaborada por Thompson (1981),
que considera que a teoria no pertence apenas esfera das abstraes, esta ligada tambm
a um
[...] debate entre, por um lado conceitos ou hipteses recebidos,
inadequados ou ideologicamente informados, e, por outro, evidncias
recentes ou inconvenientes [...] Na medida em que uma noo
endossada pelas evidncias, temos ento todo o direito de dizer que ela
existe [...] na histria real (THOMPSON, 1981, p. 53-54).
1 Doutorando do Programa de Ps-Graduao em Educao: Histria, Poltica, Sociedade, da Pontifcia
Universidade Catlica de So Paulo.
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Com base neste referencial, os procedimentos metodolgicos do presente
trabalho usaram a ideia de que os conceitos e as evidncias devem "conversar" entre si, por
meio de comparaes que busquem comprovar a aplicabilidade de determinado conceito
em determinado quadro emprico. Em termos mais prticos, as propostas de Vincent,
Lahire e Thin, no tocante a origem e a histria da forma escolar, devem encontrar suporte
em indcios histricos para serem comprovadas. O que procuraremos demonstrar com o
estudo da histria da formao dos comandantes militares no Brasil. Para tal
questionaremos a verso continuista utilizada para explicar a evoluo do ensino militar e
indicaremos indcios de rupturas entre o sistema de ensino prtico e a forma escolar.
A pesquisa histrica indica que at meados do sculo XVIII a escolha dos
chefes militares se dava a partir de privilgios de nascimento. Perodo em que os filhos dos
nobres recebiam o comando de unidades militares sem a necessidade obrigatria de se
prepararem para tal, o que por diversas vezes resultava em grandes fracassos. Encontramos
na historiografia militar portuguesa fontes que descrevem a inpcia e a falta de preparo dos
comandantes de tropas, incluindo os Oficiais destacados nas colnias. Podemos citar como
exemplo a obra "O Capito de Infantaria Portugus", escrita em 1751 pelo coronel Andr
Ribeiro Coutinho. Trata-se de um manual sobre as funes de um capito de infantaria,
documento onde possvel encontrar crticas a comandantes que no tem conhecimentos
ou experincia na arte militar (RIBEIRO COUTINHO, 1751).
Diante deste e de outros problemas, em meados do sculo XVIII houve um
processo de modernizao das foras armadas portuguesas que observou a questo da falta
de preparo e de experincia dos comandantes militares. Desta forma, em 1757, durante a
chamada era pombalina, foi publicado o alvar rgio que criava a graduao de Cadete na
hierarquia militar. O texto inicial do citado alvar dizia
EU ELREI Fao saber aos que este Alvar virem, que considerando o
muito, que convem ao Meu Real servio, e ao Bem commun dos Meus
Reinos, que a Nobreza delles tenha esclas proprias, para se instruir na
Arte, e disciplina Militar, em que a especulao se faz intil sem huma
quotidiana, e dilatada prtica [...]: Sou Servido ordenar o seguinte:
Em cada Companhia de Infantaria, Cavallaria, Drages, e Artilheria
podero assentar praa tres Fidalgos, ou pessoas de nobreza conhecida
assim da Corte, como das Provincias, com a denominao de Cadtes:
Fazendo petio aos respectivos Directores na qual lhes representem, que
pertendem servir de Cadtes no Regimento, que declararem: E que os
admitta a fazer as suas provas de Nobreza (PORTUGAL, 1757).
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Para incorporar como Cadete, o Fidalgo no poderia ter menos de quinze anos
e nem mais de vinte. Alm disto, poderia ascender na carreira militar, atingindo os postos
mais elevados. Como se depreende do seguinte trecho do citado alvar
Nenhuma pessoa poder ser admittida para assentar praa de Cadete,
tendo menos de quinze annos de idade, ou passando de vinte; porm os
que forem recebidos nesta conformidade pelo mesmo facto da praa, que
assentarem, ficaro dispensados no tempo de servio, para o effeito de
que, antes delle ser completo, posso ser gradualmente nomeados nos
pstos, como pelas Minhas Reaes Ordens est determinado.
Em uma anlise preliminar deste dispositivo possvel verificar uma tentativa
de soluo para a questo da falta de preparo dos comandantes de tropa, a experincia
prtica que seria obtida com o servio junto s unidades operacionais (Companhia de
Infantaria, Cavalaria, Drages e Artilharia). Por outro lado, os privilgios de nascimento
para a escolha dos futuros comandantes permaneceram por meio da obrigao de que os
candidatos a Cadetes apresentassem provas de nobreza. Com este dispositivo as Foras
Armadas portuguesas passaram a adotar a graduao de Cadete como uma forma de
ascenso ao oficialato a partir da experincia de comando que seria adquirida na vivencia
prtica da vida militar por parte dos filhos da nobreza.
Ainda no sentido de modernizar as Foras Armadas, Pombal adotou outras
medidas, como a nomeao do Conde de Lippi como marechal-general do Exrcito
Portugus e o investimento em novas tecnologias militares, como novos canhes e novas
fortificaes (PORTUGAL, 2004). Com a evoluo dos armamentos, em especial do uso
de canhes e dos sistemas de fortificaes, foi necessrio que um grupo de Oficiais fosse
detentor de conhecimentos tcnicos para comandarem os regimentos de artilharia e
construrem as fortificaes necessrias defesa, tanto de Portugal quanto das colnias.
Para tal, foram criados cursos especficos para que os Oficiais das armas ditas cientficas
(artilharia e engenharia) recebessem os conhecimentos necessrios modernizao
almejada.
Nesta fase permaneceram funcionando os dois sistemas: a formao prtica
dada aos Cadetes junto s unidades operacionais e foram criadas "escolas" para a formao
e aprimoramento de alguns Cadetes e Oficiais mais velhos. Um exemplo deste tipo de
"escola" pode ser observado no alvar rgio de 1763 que cria o "Plano, que sua Magestade
manda seguir, e observar no Estabelecimento, Estudos, e Exercicios das Aulas dos
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Regimentos de Artilheria" (Portugal, 1763). Neste plano verificasse um sistema de ensino
terico que deveria ser utilizado para instruir os Oficiais da arma de artilharia com a
designao de "Lentes das Aulas de Artilheria" e determinando a utilizao do mtodo
Monsieur Bellidoro para as aulas de matemtica e o mtodo Monsieur Du Lacq para as
aulas de artilharia (idem). Isso indica o surgimento de um sistema de formao de Oficiais
semelhante forma escolar contempornea, com a existncia de um professor, um mtodo
prprio e predominncia da formao terica em detrimento da formao prtica. A partir
da analise do alvar rgio que cria a graduao de Cadetes e do outro que cria o plano de
aulas de artilharia temos evidencias da existncia de um sistema hbrido que mesclava
formao prtica, na vivencia militar para a maioria dos Oficiais, e formao escolar para
um pequeno grupo.
Enquanto era aprimorado o processo de formao de Oficiais em Portugal, foi
reforada a defesa da colnia portuguesa na Amrica, para tal foi enviado o Marechal-de-
Campo Joo Henrique Bhm, que realizou grande reforma nas foras militares da colnia,
introduzindo os regulamentos prussianos2 e desenvolvendo "[...] uma verdadeira estrutura
militar" (PAULA, 1970, p. 268 a 269). Em 1774 chegam de Portugal Oficiais
especialmente nomeados para ministrarem aulas de artilharia e iniciar um curso de
"Arquitetura Militar". Em 1792, o Vice-Rei, Conde de Resende, transforma a "aula militar"
em Academia de Artilharia, Fortificao e Desenho, que foi instalada no depsito de
material blico conhecido como "Casa do Trem da Artilharia", localizada na cidade do Rio
de Janeiro (MACHADO, 2011, p. 340 a 341). Nessa Escola Militar a formao do oficial
aproximou-se da ideia da forma escolar contempornea. Eram ministradas aulas de
infantaria, cavalaria, artilharia e engenharia. Os cursos de cavalaria e infantaria duravam
trs anos, o curso de artilharia cinco, e o curso de engenharia seis. Em 1795 criada a
"Nova Academia de Aritmtica, Geometria Prtica, Fortificao, Desenho e Lngua
Francesa", que provavelmente tambm funcionava na "Casa do Trem de Artilharia"
(idem).
Com a chegada da Famlia Real portuguesa no Brasil, o Prncipe Regente D.
Joo reorganiza as foras da colnia, ampliando os efetivos e modernizando as unidades.
Este projeto de modernizao incluiu a criao de uma escola militar para a formao dos
Oficiais do Exrcito. Assim sendo, em dezembro de 1810, foi fundada a Academia Real
2 Regulamento do Conde de Lippi, que durou no Brasil at 1895 (PAULA, 1970, P. 268).
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Militar. Ao analisarmos a Carta de Lei que cria essa academia constatamos que essa escola
possua uma dupla funo: a primeira seria a de formar "[...] hbeis Officiaes [...]"
(BRASIL, 1810); a segunda funo era de formar "[...] Engenheiros geographos e
topographos, que possam tambm ter o util emprego de dirigir objectos administrativos de
minas, de caminhos, portos, canaes, pontes, fontes, e caladas[...]" (idem).
Uma anlise da primeira turma da Academia Real Militar nos permite verificar
a grande diversificao do corpo discente. A turma era composta por setenta e trs alunos,
sendo que sessenta e seis j eram militares que ocupavam diferentes postos e graduaes3 e
sete eram civis. O Mais novo tinha 15 anos de idade e o mais velho 43 (PERES, 2011, p.
29). Estes fatos demonstram alm de um corpo de alunos muito diversificado, a presena
de alguns Oficiais que se matriculavam na escola para aprimorarem seus conhecimentos
tcnicos, visto que j possuam a patente de oficial, eram os chamados Oficiais-Alunos.
Trevisan (1993, pp. 10-11) observa que um dos aspectos do regulamento
editado para a Academia Real Militar em 1810 era a distino entre os alunos, como se
depreende do trecho a seguir:
Um ltimo detalhe, fruto ainda do 'esprito' do Estatuto de 1810, com
origem bem determinada nele, tem especial importncia: as distines
entre espcies de aluno. Em 1810 o Estatuto previa o aluno obrigado e o voluntrio. Ambos, para ingresso, cumpriam duas exigncias: 15 anos completos e dar conta das quatro primeiras operaes. A diferena entre eles que o obrigado sentava praa de soldado ou cadete de Artilharia e prestava servio nessa Arma, o que lhe conferia depois
regalias. O voluntrio estava dispensado desse destino de artilheiro. Em 1823, porque enfim o Estatuto previa diferenas entre os alunos, um ato
do governo independente permite matrcula na Academia Real Militar de
alunos civis, que no firmariam nenhum tipo de compromisso com a
carreira militar. Eram os paisanos. A esse tipo de aluno seria concedido, ao final do curso, um diploma: o de Engenheiro Civil.
Em 1812, a Escola Militar muda da "Casa do Trem de Artilharia" para uma
nova sede no Largo de So Francisco, tambm na cidade do Rio de Janeiro, onde
permaneceu at 1858. Nesse perodo a Escola manteve a sua dupla funo: formar Oficiais
para o Exrcito e engenheiros que supririam as necessidades da nao. Em razo disso, a
maior parte das discusses sobre o sistema de ensino da escola militar girava em torno dos
problemas relativos a um ensino excessivamente terico e afastado das necessidades do
3 Capites, Tenentes, Sargentos-mores, Sargentos, Furriis, Cabos, Soldados e Cadetes (PERES, 2011, p. 29).
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Exrcito, ou de um ensino voltado quase que exclusivamente prtica militar, o que
dificultava a formao dos engenheiros necessrios nao.
Mesmo com a criao de uma escola formadora de Oficiais, com uma aparente
consagrao da forma escolar, o sistema de formao de Oficiais nos "Corpos de Tropa"
manteve-se. Continuou a existir a figura do Cadete como a principal sistema de formao
de Oficiais. Isto confirma a manuteno do sistema hbrido de educao militar, que
mantinha a forma escolar para um pequeno grupo e a formao pela vivncia prtica para a
maioria.
No sculo XIX, o problema que surgiu foi a falta de interesse por parte dos
filhos da aristocracia pela carreira militar. Shultz (1971) verificou que a partir da primeira
metade do sculo XIX a aristocracia dos grandes proprietrios de terras brasileiros preferiu
a ocupao de "[...] funes mais lucrativas de carter poltico e judicial aos postos do
oficialato" (SCHULZ, 1971, p. 238). A criao e a difuso das Faculdades de Direito e
Medicina absorveu o filhos das elites agrrias, em detrimento da carreira militar. Para
suprir a falta de interesse dos filhos da aristocracia pela carreira militar e poder completar
os quadros necessrios manuteno das Foras Armadas no tocante necessidade de
Oficiais, em 1820 so criadas as figuras dos Segundos Cadetes e Soldados Particulares.
Esta norma flexibiliza a exigncia de pertencimento a nobreza para ascenso ao oficialato.
Passaram a ser aceitos como Segundos Cadetes ou Soldados Particulares "[...] os filhos dos
Oficiais de patente das tropas de linha do Exrcito do Brasil, ou de pessoas condecoradas
com hbito de alguma das ordens [...]" (PORTUGAL, 1820). Os Segundos Cadetes e os
Soldados Particulares poderiam ascender na carreira do oficialato da mesma maneira que
os Cadetes criados em 1757 (denominados a partir de 1820 como Primeiros Cadetes).
Com estes mecanismos, durante o sculo XIX, a maior parcela dos Oficiais das
armas de infantaria e cavalaria era oriunda dos Cadetes e Soldados Particulares.
Constituam os chamados Oficiais formados na "Tradio dos Corpos de Tropa", que
galgavam os postos por vivencia prtica nos quartis. Este sistema hbrido tinha seus
problemas, especialmente com relao s questes decorrentes da excessiva formao
terica dada para os Oficiais formados na Escola Militar, que receberam a alcunha de
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Oficiais Doutores, e a falta de conhecimentos dos Oficiais formados nos Corpos de Tropa,
apelidados de tarimbeiros4.
Na dcada de 1850, durante a Guerra contra Uribe e Rosas (1851-1852), o
ministro de guerra5 passou a preocupar-se com a formao profissional dos Oficiais do
Exrcito. O quadro era considerado grave, o prprio Almanaque Militar de 1857 nos
informa que os Oficiais dos corpos tcnicos (engenharia, artilharia e estado-maior) tinham
passado pela Escola Militar, sendo que "[...] apenas 31 dentre os 354 de infantaria e a 20
dos 119 da cavalaria [...]"(SCHULZ, 1971, p. 238) tinham frequentado um curso superior.
Surgem tentativas para solucionar o problema da falta de conhecimentos tcnicos dos
Oficiais formados na "Tradio dos Corpos de Tropa".
A primeira soluo dada foi a Lei de Promoes6, que estipulava que para ser
promovido a capito era necessrio o curso completo de sua arma. Como isto inviabilizaria
a promoo dos Oficiais formados na "Tradio dos Corpos de Tropa" e existiam muito
Oficiais nesta condio, incluindo Oficiais superiores, foi criada uma exceo para os
quadros das armas de infantaria e de cavalaria. Para estas armas, somente um tero dos
Oficiais dos quadros necessitaria da formao na Escola Militar. Em 1851 foi criado um
curso de infantaria e cavalaria no Rio Grande do Sul, onde se concentravam a maioria das
tropas. Efetivamente instalado em 18537, este curso deu oportunidade para que muitos
Oficiais tivessem uma rpida instruo terica prximo das unidades em que serviam
(MACHADO, 2011).
Enquanto isto, na Escola Militar, visando o equilbrio entre o ensino terico e o
ensino prtico, tentou-se adotar o modelo francs de duas escolas, uma terica e outra de
aplicao. Para tal, em 1855, a Escola Militar dividida em duas escolas. Permanece no
Largo de So Francisco a Escola Militar, ministrando um curso cientfico de forma
4 Neste perodo surge o termo "Tarimbeiro", derivado da palavra tarimba, que era a cama de campanha do
soldado, uma cama tosca e rude. Inicialmente a alcunha era utilizada de forma pejorativa, indicando Oficiais
com pouca instruo. Posteriormente passou a ser usada de forma a exaltar o Oficial que tinha experincia
em combate (MACHADO, 2011, p. 352). 5 Durante a Guerra contra Uribe e Rosas, o ministro da guerra do Brasil era o Tenente-Coronel Manuel
Felizardo de Sousa Melo, bacharel em matemtica pela Universidade de Coimbra, foi lente da Real
Academia Militar quando capito do corpo real de engenheiros, o que explica a preocupao dele com a
formao dos Oficiais (N.A.). 6 Lei n. 585 de 6 de Setembro de 1850.
7 Nas mesmas instalaes funcionaram a "[...]Escola Militar de Porto Alegre (1851-57); Militar Preparatria
(1858-66); Militar Auxiliar (1860-62); Preparatria (1863-64) (Interrupo) e o Curso de Infantaria e
Cavalaria da Provncia (1874-76) e [...] Escola Militar da Provncia transferida [...] em 1883 [...]"para novas
instalaes, ainda na cidade de Porto Alegre (BENTO, 1987, p.9).
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semelhante escola Politcnica de Paris. Para o ensino aplicado, semelhante escola de
Aplicao de Metz, foi criada em 1855, no forte de So Joo, a Escola de Aplicao. Em
1858 a escola de Aplicao passa a funcionar em um novo prdio, na Praia Vermelha.
Em 1858 a Escola Militar no Largo de So Francisco passou a ser denominada
de Escola Central. Na dcada de 1860, com as reformas do Ministro Sebastio do Rego
Barros8 e a primeira reforma Polidoro
9, o curso de engenharia separado do curso de
artilharia, e a Escola Militar na Praia Vermelha passa a ministrar os cursos das trs armas -
artilharia, cavalaria e infantaria. Enquanto isso, a Escola Central ministraria somente os
cursos de engenharia, tanto para civis quanto para militares, e algumas matrias do curso
de estado-maior. Com isto, inicia-se a separao definitiva do curso de engenharia civil da
formao militar (MACHADO, 2011).
Aps a participao do Brasil na guerra contra o Paraguai, a necessidade de
novos engenheiros civis e o desenvolvimento de conhecimentos tcnicos adquiridos nos
campos de batalha foraram uma nova reforma que separou os cursos militares do curso de
engenharia civil. Em 1874, na velha sede do Largo de So Francisco passou a funcionar o
curso de formao de engenheiros civis, sob a administrao do Ministrio do Imprio,
agora com a denominao de Escola Politcnica. A Escola da Praia Vermelha passou a
funcionar como uma clssica Escola Militar, com os cursos de infantaria, cavalaria,
artilharia, engenharia e estado-maior (MOTTA, 2001).
Com o passar dos anos, a Escola Militar da Praia Vermelha seria consagrada
como a escola responsvel pela formao terica dos futuros Oficiais do Exrcito e foram
criadas escolas de aplicao, como a Escola Preparatria e Ttica do Realengo. Neste
processo a Escola Militar da Praia Vermelha, muito em razo da grande influencia do
positivismo de Comte em seu currculo, passou a ser conhecida como "Tabernculo da
Cincia" e seus alunos ficaram conhecidos como "Mocidade Militar" (LOUREIRO, 2012,
p. 49 a 66).
Mesmo com estas mudanas na Escola Militar, na dcada de 1880 a jovem
oficialidade do Exrcito Imperial era composta majoritariamente por Oficiais formados nos
Corpos de Tropa, sendo considerados mal instrudos. O brasilianista MacCan (2007)
8 Decreto 2.582, de 21 de abril de 1860.
9 Lei 1.163, de 30 de julho de 1862, e Decreto 3.083, de 28 do abril de 1863.
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observa que e os escales superiores eram constitudos por veteranos da guerra contra o
Paraguai, desprestigiados pelo Parlamento e pela sociedade, "[...] at os alunos das escolas
militares e os Oficiais subalternos ridicularizavam suas medalhas de guerra" (idem, p. 28 a
29). O soldo era a nica fonte de renda dos Oficiais e as promoes sofriam forte
influencia poltica, "[...] Capites podiam esperar de dez a quinze anos para chegar a major
[...]" (idem, p. 29), e os ministros civis, com formao jurdica, ocupavam cada vez mais
espao no gabinete ministerial, em detrimento dos Oficiais com formao tcnica. Com
relao tropa "[...] ex-escravos e a escoria da sociedade compunham grande parte dos
praas, recrutados por esquadres de alistamento compulsrio" (idem, p. 29).
Este quadro ensejou uma ruptura dos Oficiais com o regime estabelecido, o que
culminou com a proclamao da Repblica e uma srie de reformas no sistema de ensino
militar (CASTRO, 2000). O novo regime tinha por princpios o fim dos privilgios de
nascimento oriundos do perodo monrquico e a consagrao da formao tcnica dos
militares em escolas, o que em outras palavras significa a consagrao da forma escolar
como sistema de formao dos comandantes de unidades militares. Diversos documentos
indicam esta mudana, como a "Mensagem dirigida ao Congresso Nacional pelo
generalissimo Manoel Deodoro da Fonseca", chefe do Governo Provisrio da Repblica
dos Estados Unidos do Brasil, em 15 de novembro de 1890, publicada no Dirio do
Legislativo do Brasil de 16/11/1890 (Dirio do Congresso Nacional, 1890, p. 27 a 31). O
trecho a seguir demonstra a preocupao com a formao dos militares:
[...] no seria possvel demorar a decretao de reformas que collocassem
as foras armadas do Brazil em condies de responder pela integridade
do solo brazileiro, pela inquebrantada manuteno da ordem geral.
Para atingir este desideratum de tanto alcance, era indispensavel comear
pela elevao do nvel moral do soldado brazileiro, dar-lhe a instruco
necessaria, aperfeioar-lhe o conhecimento e manejo das armas, formar-
lhe o caracter e a disciplina militares, e tirar aos servios a expresso de
imposto de sangue, para qualifical-os como a mais elevada e a mais nobre
funco publica que o cidado chamado a desempenhar. Cumpri elevar
tambem o nivel dos estudos superiores, adapatal-os aos progressos,
programas e adeantamentos da civilisao moderna nas especialidades
que a um militar devem ser familiares, e preparar assim os mais altos
destinos para essa mocidade que acode fervorosa de todos os angulos da
Republica, pedindo logares nas fileiras do nosso exercito (Dirio do
Congresso Nacional, 1890, p. 31).
No mesmo diapaso desta mensagem, durante os trabalhos do Congresso
Constituinte de 1890 foi discutido o fim dos ttulos de nobreza e dos privilgios de
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nascimento oriundos do perodo monrquico no Brasil. Nos anais desse Congresso
observamos que na 31 Seo, de 13 de janeiro de 1891, o Deputado Barbosa Lima levou a
plenrio o fim do ttulo de Cadete (BRASIL, 1924, p. 495-497). Por fora desta e de outras
discusses, com a Constituio de 1891 foram extintos os ttulos de nobreza, incluindo os
ttulos de Cadetes10
. Desta forma o acesso ao oficialato por meio de privilgios de
nascimento foi encerrado.
Cabe ressaltar que continuaram a existir alguns Cadetes, pois a prpria
Constituio de 1891 consagrou o principio jurdico do direito adquirido11
. Desta forma as
pessoas que j gozavam do ttulo de Cadetes antes da promulgao da carta magna
continuariam com este ttulo, mas no seriam promovidas a Oficiais sem que
frequentassem a Escola Militar e no surgiriam novos Cadetes. Os que frequentavam a
Escola Militar passaram a utilizar a graduao de Aluno-Oficial, apenas alguns
mantiveram em seus uniformes o distintivo tpico do ttulo de Cadete. Cmara (1985)
verificou que isto se deve interpretao de que o ttulo Cadete era muito relacionado com
privilgios oriundos do perodo Imperial e a graduao de Aluno-Oficial tinha uma
conotao mais "Republicana". Sob o aspecto da histria da educao, no podemos
esquecer que a figura do "Aluno" tem forte ligao com a forma escolar, o que demonstra o
predomnio da Escola Militar como forma de acesso ao oficialato no Brasil em detrimento
do ensino pela vivencia experimentado pelos Cadetes dos sculos XVIII e XIX.
Uma nova reforma ocorre em 190512
que define que s poderiam ingressar na
Escola Militar os praas de pr13
com no mnimo seis meses de efetivo servio em um
Corpo do Exrcito; que apresentem aptido para o servio militar e conduta irrepreensvel,
atestada pelo comandante do Corpo de Tropa em que servia; robustez fsica, comprovada
em inspeo de sade; ter mais de 17 e menos de 22 anos de idade; ser solteiro ou vivo
sem filhos; e apresentar atestado de aprovao em exames de desenho linear, portugus,
francs, ingls ou alemo, aritmtica, lgebra, geometria e trigonometria, elementos de
mecnica e astronomia, fsica e qumica, histria natural, geografia e histria,
10
Vide art. 72 da Constituio de 1891. 11
Vide art. 58 da Constituio de 1891. 12
Vide Decreto n 5.698, de 2 de outubro de 1905. 13
Nome dado categoria inferior da hierarquia militar (soldado), tambm podendo ser denominada praa de
pret ou simplesmente praa (N.A.).
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especialmente do Brasil, tudo de acordo com regulamento do Gymnasio Nacional14
.
Tambm foi proibida a matricula de Oficiais nos cursos da Escola Militar.
A partir da reforma de 1905 a nica maneira de ascenso ao oficialato era a
frequncia aos cursos da Escola Militar. Isto pe fim ao sistema de formao dos Oficiais
com base na experincia prtica de um "Fidalgo" pela vivencia junto a uma unidade
operacional. Para matricular-se na Escola Militar no era mais necessrio comprovar a
nobreza. Passou a ser necessria a aprovao em uma espcie de processo seletivo que
exigia outros valores que no apenas os privilgios de nascimento. Este processo
consagrou a forma escolar como nica maneira de ascenso ao oficialato, inaugurando a
era dos Alunos-Oficiais e determinando efetivamente o fim dos Cadetes e dos Oficiais-
Alunos.
Um caso curioso foi o renascimento da graduao de Cadete no Brasil em um
processo que durou entre 1931 e 1934. Pesquisadores como Celso Castro (1994) e Loureiro
(2012) evidenciaram que na dcada de 1930, logo aps assumir o governo provisrio,
Getlio Vargas teve que enfrentar o problema da rebeldia na Escola Militar do Realengo,
escola formadora dos Oficiais do Exrcito poca15
. Para solucionar esta questo foi
nomeado o ento coronel Jos Pessoa para o comando da escola. Entre 1931 e 1934, esse
Oficial promoveu uma verdadeira reforma na escola, quando foi recriada a graduao de
Cadete e foram inventadas as tradies do uniforme histrico, do espadim e do Corpo de
Cadetes. Essa reforma tinha o objetivo de, por meio da criao do sentimento de
pertencimento a um grupo aristocrtico com seu prprio cerimonial, smbolos e tradies,
inculcar nos alunos uma disciplina tal que os afastasse da perniciosa poltica, que havia
conduzido geraes de Oficiais rebeldia dos movimentos tenentistas da dcada de 1920
no Brasil.
Essa reforma trabalhou especialmente com a formulao de uma nova cultura
escolar por meio da adaptao de tradies presentes nas principais Escolas Militares do
mundo ocidental, como West-Point, Saint-Cyr, Sandhurst, estabelecimentos de formao
de Oficiais do Exrcito norte-americano, francs e ingls respectivamente. Algumas das
tradies dessas escolas foram assimiladas, readaptadas e impregnadas de elementos da
14
Vide Art. 17 do Decreto n 5.698, de 2 de outubro de 1905. 15
A Escola Militar da Praia Vermelha, o "Tabernculo da Cincia", foi fechada no incio de 1905 em razo
do envolvimento dos alunos da escola com a Revolta da Vacina (N.A.).
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12
biografia oficial do Duque de Caxias, descrito como um general apoltico e disciplinado.
Nesse processo foi construdo um novo modelo de oficial para o Exrcito, uma
anttese do padro dos Oficiais rebeldes que participaram dos movimentos tenentistas da
dcada de 1920 e que iniciaram suas carreiras como Alunos-Oficiais. Surge a ideia de um
novo aluno da Escola Militar, o Cadete de Caxias, que no se caracteriza mais como um
detentor de privilgios de nascimento e formado por meio da vivencia prtica dos quartis,
como os antigos Cadetes. Uma espcie de amalgama que funde caractersticas tanto dos
antigos Cadetes quanto dos Alunos-Oficiais, o Cadete de Caxias passa a ser visto como
membro de uma elite intelectual e moral, por ter sido aprovado em processo seletivo e
receber formao em uma Escola Militar. O que demonstra que, apesar do ttulo de Cadete,
permaneceu a forma escolar como principal mecanismo para a educao profissional dos
comandantes do Exrcito brasileiro.
A partir dos indcios detectados por meio da pesquisa histrica, podemos
concluir que a histria do sistema de formao dos comandantes de unidades militares no
Brasil um caso tpico de um sistema de formao profissional que evoluiu de uma
educao, na qual os conhecimentos eram transmitidos a partir da vivencia dos futuros
Oficiais na vida militar, para um modelo hbrido que mesclava a formao por meio da
vivencia nos quartis e a educao por meio de uma escola, at que no sculo XX ficou
consagrada a forma escolar como nica maneira de acender ao oficialato. Este estudo
comprova a ideia de Vicent, Lahire e Thin sobre a origem e a histria da forma escolar a
partir da idade moderna. Resta ainda ampliar este estudo para outros tipos e sistemas
escolares e verificar at que ponto os conceitos da forma escolar so aplicveis "Histria
Real".
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