logica x retorica x dialetica diferentes

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  • 7/25/2019 Logica x Retorica x Dialetica Diferentes

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    I Encontro de Pesquisa UFMG 2003

    Lgica X Retrica X Dialtica:

    diferentes abordagens da argumentao

    Marco Antnio Sousa Alves

    UFMG

    [email protected]

    Antes de entrar mais diretamente no objeto desta comunicao, qual seja, as diferentes

    abordagens da argumentao, gostaria de fornecer um panorama geral da teoria da argumentao

    e onde se situa o ponto que ser tratado. Tal introduo se justifica, sobretudo, em razo do

    desconhecimento que em geral os filsofos brasileiros tm do estudo da argumentao.

    Caberia, ento, dar uma definio prvia do que se entende por argumentao. Tal tarefa

    , entretanto, ingrata, pois as definies oferecidas so alvos de intensas crticas e questiona-se,

    at mesmo, a possibilidade de se oferecer uma definio prvia. Apesar disso, s para dar uma

    idia desse territrio, ofereo quatro definies gerais, a primeira de Perelman, a segunda de

    Toulmin, a terceira de Eemeren e a quarta de Habermas:

    Argumentar fornecer argumentos, ou seja, razes a favor ou contra uma determinada

    tese.1

    O termo argumentao ser usado para se referir atividade total de propor teses, p-las

    em questo, respald-las produzindo razes, criticando essas razes, refutando essas

    crticas, e assim em diante.2

    Argumentao uma atividade social, intelectual e verbal servindo para justificar ou

    refutar uma opinio, consistindo em uma constelao de proposies e dirigida no sentido

    de obter a aprovao de um auditrio.3

    1PERELMAN, Cham. Argumentao.In:Enciclopdia Einaudi - Vol.11.Imprensa nacional-casa da moeda,Lisboa, 1987. p.234.2TOULMIN, Stephen; RIEKE, Richard; JANIK, Allan. An introduction to reasoning. 2a ed. New York :Macmillan ; London : Collier Macmillan Publishers 1984 p 14 No original: "The term argumentation will

    Citar:

    ALVES, Marco Antnio Sousa. Lgica x Retrica x Dialtica: diferentes abordagens da argumentao. In: I

    ENCONTRO DE PESQUISA UFMG, Belo Horizonte, 2003. Comunicaes apresentadas no I e II Encontro de Pesquis

    em Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte: Programa de Educao Tutorial (PET)

    Filosofia da UFMG, 2005. Disponvel em http://ufmg.academia.edu/MarcoAntonioSousaAlves/Papers/894367/

    Logica_x_Retorica_x_Dialetica_diferentes_abordagens_da_argumentacao. Acesso em: [data de acesso]

    Contato: [email protected]

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    Chamo argumentaoao tipo de fala em que os participantes tematizam as pretenses de

    validez que se tornam duvidosas e tratam de aceit-las ou recus-las por meio de

    argumentos. Uma argumentao contm razes que esto conectadas de forma

    sistemtica com as pretenses de validez da manifestao ou emisso problematizadas. A

    fora de uma argumentao se mede num contexto dado pela pertinncia das razes 4.

    No pretendo me alongar em comentrios acerca dessas definies. O que se deve reter

    aqui apenas a amplitude do conceito que parece abrigar em seu interior toda situao em que

    razes so oferecidas ou refutadas.

    Quanto importncia do estudo da argumentao para a filosofia, temos que a prtica

    filosfica se caracteriza exatamente pela necessidade de fundamentao, de dar razes para

    comprovar ou refutar determinadas teses. Saber algo implica necessariamente o saber porque e

    reenvia nesse sentido s justificaes potenciais. Diferentes teorias da argumentao estabelecemdiferentes critrios de justificao e diferentes normas de racionalidade. A racionalidade passa a

    ser um conceito que vem de par com a teoria da argumentao, e depende da fiabilidade do saber

    que encarna, ou seja, na sua susceptibilidade de crtica ou de fundamentao. Dessa forma, dito

    irracional aquele que defende suas opinies de modo dogmtico ou que incapaz de as justificar.

    Assim, a teoria da argumentao, ao estudar a filosofia como prtica argumentativa, constitui uma

    empresa claramente meta-filosfica, que tem por objeto o filosofar ele mesmo.

    O estudo da argumentao, apesar de remontar Antiguidade (sobretudo Aristteles), est

    ainda dando seus primeiros passos. Tendo em vista sua precocidade e tambm sua abrangncia e

    complexidade, tal estudo ainda cercado de grande impreciso e confuso. O presente estudobusca analisar uma tentativa, conhecida como perspectivista, de sanar essa impreciso e jogar

    alguma luz nesse campo.

    Proponho dividir a exposio em trs partes. Na primeira (I), esclareo melhor o que o

    perspectivismo. Na segunda (II), procurarei explicar em que consiste exatamente a abordagem

    retrica, lgica e dialtica da argumentao, partindo dos estudos realizados por Joseph Wenzel.

    Na terceira e ltima parte (III), analiso as vantagens que tal distino nos traz para a compreenso

    dos diversos estudos contemporneos acerca da argumentao.

    I

    Os perspectivistas so tericos que procuram ressaltar as diferentes formas de ver e

    estudar a argumentao. Tal estudo no se interessa pelo fenmeno per se, mas pelos modos de

    olhar para ele. O que est em jogo so as diferentes formas de se compreender o argumentar

    4HABERMAS, Jrgen. Teora de la accin comunicativa I.Madrid: Taurus, 1987. p.37.

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    humano, ou seja, as diferentes perspectivas de se estudar a argumentao. Wayne Brockriede

    define assim o perspectivismo:

    O perspectivismo reconhece que tudo est relacionado com tudo. O ponto de vista

    perspectivista uma forma de focalizar cada imagem por vez sem violar a integridade da

    viso sob anlise.5

    Os perspectivistas afirmam a impossibilidade de estudar o puro argumento, sem qualquer

    contaminao, sem partir de qualquer perspectiva. Um argumento extremamente complexo, o

    que impede uma anlise que foque todos os aspectos simultaneamente. Brockriede usa a metfora

    figura/fundo (figure/ground) para explicar como possvel ressaltar um aspecto de cada vez sem

    perder o conjunto6.O perspectivismo , assim, uma estratgia de nfase (a strategy of emphasis).

    A atividade do terico da argumentao pode ser comparada do fotgrafo, que registra vrios

    ngulos diferentes na tentativa de obter um quadro mais completo de determinado evento. Dessa

    forma, a cmera foca ora o argumento, ora as relaes entre os participantes, ora como se usa alinguagem, ora quais so as regras e procedimentos, etc.

    O perspectivismo abriu um espao enorme para se analisar os diferentes pontos de vista

    adotados no estudo da argumentao. Comeou-se a se questionar sobre como a argumentao

    poderia ser estudada e tambm sobre como historicamente ela o teria sido. O prximo passo da

    apresentao consiste, ento, em apresentar os estudos desenvolvidos por Joseph Wenzel, nos

    quais ele distingue trs perspectivas cruciais, consagradas na tradio ocidental, que nos auxiliam

    a compreender a riqueza do campo da argumentao.

    II

    A originalidade de Wenzel no estaria em criar uma nova abordagem para o estudo da

    argumentao, mas antes em reconhecer as perspectivas existentes, analis-las mais detidamente

    e fornecer, pela primeira vez, um quadro mais amplo de tais estudos, relacionando-os entre si 7.

    Para Wenzel, o estudo da argumentao estava caracterizado, at ento (dcada de 60-

    70), pela diversidade de abordagens e a aparente incomensurabilidade entre os resultados. A

    5 BROCKRIEDE, Wayne. Constructs, experience and argument (1985). Quarterly Journal of Speech, 71,

    151-63. apud TRAPP, Robert; SCHUETZ, Janice. (eds.) Perspectives on Argumentation: essays in honor ofWayne Brockriede. Prospect Heights, Illinois: Waveland Press, 1990, p.1. No original: Perspectivismrecognizes that everything is related to everything else. A perspectivist view is a way of focusing on one picture ata time without violating the integrity of the view under scrutiny.6Cf. BROCKRIEDE, Wayne. Arguing about understanding (1982). Communication Monographs, 49, 137-147.7O prprio Wenzel, entretanto, reconhece a importncia dos estudos anteriores de Walter R. Fisher & EdwardM. Sayles (The Nature and Functions of Argument, 1966), Maurice Natanson (The Claims of Immediacy, 1965)e Douglas Ehninger & Wayne Brockriede (Decision by debate, 1960).

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    pergunta o que o argumento? vista por ele como enganosa e, se se objetiva criar uma teoria

    da argumentao completa, deve ser substituda pelas seguintes questes8:

    a) Quais so os vrios modos ou perspectivas criados pelos tericos da argumentao

    na construo do argumento?;

    b) Quais interesses ou propsitos nutrem cada perspectiva?;

    c) Qual o ganho em se estudar a argumentao de tal ou tal modo?.

    Partindo dessas questes, Wenzel encontrou trs perspectivas que teriam guiado de fato o

    estudo da argumentao na tradio ocidental. Essas trs perspectivas ou pontos de partida para

    o estudo do argumento no devem ser confundidas com trs tipos de argumento, ou trs sentidos

    diferentes para a palavra argumento. Segundo Wenzel:

    As perspectivas devem ser entendidas como diferentes pontos de vista. Como a planta de

    uma construo, mostrando a viso de frente e dos lados, as trs perspectivas discutidas

    aqui revelam diferentes aspectos de qualquer instncia da argumentao.9

    Essas trs perspectivas podem ser previamente descritas como:

    a) Perspectiva retrica: centrada no processo persuasivo;

    b) Perspectiva dialtica: foca o procedimento que regula as discusses e organiza as

    intervenes;

    c) Perspectiva lgica: explora o argumento como produto e aplica padres de avaliao

    de validade.

    A distino entre as trs abordagens reflete-se, na linguagem ordinria, na diferena entre

    apresentar argumentos (argument as process), engajar-se em uma argumentao ou conduzir

    uma argumentao (argument as procedure) e julgar ou examinar um argumento (argument asproduct). O tema tratado aqui, entretanto, no ser a aplicao ordinria dessa distino, mas a

    importncia terica. Antes de partir para a anlise mais detida de cada uma dessas abordagens,

    reproduzo o quadro elaborado por Wenzel no qual ele apresenta de maneira reduzida os pontos

    principais dessas trs perspectivas10:

    8This essay, therefore, poses a more appropriate set of questions along these lines: What are the severalways in which scholars construe argument? What different perspectives are thereby created? What interests or

    purposes inform each perspective? What can be gained from studying argument in each way? An analysis ofthe three chief perspectives that have guided the study of argument in fact (though often unconsciously) will

    yield a better appreciation of the uses and limits of each one and may pave the way to an eventual synthesis.(WENZEL. Joseph W. Perspectives on Argument. In: BENOIT, William; HAMPLE, Dale; BENOIT, Pamela.(eds.)Readings in Argumentation. Berlin, New York: Foris, pp.121-143, 1992. p.121).9WENZEL, Joseph W. Three perspectives on argument: rhetoric, dialectic, logic. In: TRAPP, Robert; SCHUETZ,Janice. (eds.) Perspectives on Argumentation: essays in honor of Wayne Brockriede. Prospect Heights,Illinois: Waveland Press, pp.9-26, 1990. p.9. No original: The perspectives, therefore, should be understoodas different points of view. Like the plans for a building, showing front, side and top views, the three

    perspectives discussed here reveal different aspects of any instance of argumentation.10Cf. WENZEL. Joseph W. Perspectives on Argument. In: BENOIT, William; HAMPLE, Dale; BENOIT,Pamela. (eds.)Readings in Argumentation. Berlin, New York: Foris, pp.121-143, 1992. p.134.

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    Resumo das trs perspectivas

    Perspectiva retrica focando

    o arguir (arguing) como

    processo

    Perspectiva dialtica

    focando a argumentao

    (argumantation) como

    procedimento

    Perspectiva lgica focando

    o argumento (argument)

    como produto

    Fim prtico persuaso crtica julgamento

    Fim terico entender as condies da

    eficcia argumentativa

    explicar as condies de

    uma argumentao crtica e

    sincera

    estabelecer padres de

    validade e fora dos

    argumentos (sound

    argument)

    Situao situaes retricas naturais arenas de discursos

    regrados

    campo do argumento

    Regras regras sociais tcitas regras procedimentais

    explcitas

    regras inferenciais explcita

    Padro de

    qualidade

    eficcia (effectiveness) sinceridade (candidness) fora conclusiva (soudness

    Falante ator social ingnuo advogado consciente explicao impessoal

    Ouvintes auditrio particular visada universalista auditrio universal

    a) retrica

    A argumentao vista sob o ngulo de processo seria um fenmeno que ocorre quando

    atores sociais se dirigem a outros com o fim de ganhar a adeso. Tal estudo acentua o carter

    contextual11, a ao humana em situao (real, concreta, particular e imediata), no sentido de

    persuadir algum12. Cito Wenzel:

    11Habermas compreende a dimenso retrica de forma oposta ao particularismo ressaltado por Wenzel. Odiscurso argumentativo visto como processo , para Habermas, aquele que visa satisfazer condies ideais

    para a comunicao. Aqui interessam as estruturas de uma situao ideal da linguagem imunizada contra arepresso e a desigualdade. Habermas pretende satisfazer essa exigncia a partir da reconstruo dascondies universais de simetria, mediante uma investigao sistemtica das contradies performativas esustentando a possibilidade de uma situao ideal de fala onde apenas o melhor argumento aja

    coercitivamente. A intuio fundamental ligada a esse plano caracteriza-se pela inteno de convencer umauditrio universal. Nesse ponto, Habermas cita Perelman como aquele que introduziu essa expresso

    justamente como uma construo ideal na qual todos os seres racionais seriam participantes. Considero umequvoco essa leitura de Habermas, pois a visada ao auditrio universal caracteriza justamente oconvencimento e no a persuaso, que o objeto prprio da retrica. Nesse sentido, concordo com ainterpretao que Wenzel d ao prprio Habermas, caracterizando-o como dialtico e deixando o termoretrico para designar aquilo que Perelman descreveu como persuaso, ou seja, a adeso de um auditrio

    particular.12 A useful set of distinctions derives from Perelman's characterization of audiences as particular oruniversal. The rhetorical audience is understood as a particular assemblage of persons either in actuality or in

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    Para ser mais preciso, quando se fala do estudo da argumentao a partir da perspectiva

    retrica, quer-se dizer que se busca compreender certos elementos embutidos no

    processo de persuaso. Ento, a perspectiva retrica constri o argumentar como um

    processo persuasivo.13

    Uma boa teoria retrica aquela que consegue mostrar como adaptar eficazmente um

    discurso a um auditrio particular. Os manuais de retrica dos sofistas seriam exemplos claros

    dessa abordagem na antiguidade e os trabalhos de Wolfgang Klein14 seriam um exemplo de

    abordagem retrica contempornea. Iscrates, uma vez que acrescenta um valor moral prtica

    persuasiva, no se preocupa mais unicamente com a eficcia do discurso. Tambm para

    Aristteles e Perelman, a abordagem retrica s pode ser atribuda com reservas, pois ambos

    abrem espao para uma argumentao qualificada (o raciocnio dialtico para o primeiro e a visada

    ao auditrio universal para o segundo).

    b) dialtica

    Dentre os vrios sentidos que esse termo possui, Wenzel o emprega como um mtodo, um

    sistema ou procedimento para regular discusses15. O estudo sob o ngulo do procedimento

    acentua a forma de se conduzir o discurso. Ao dialtico interessa as estruturas de uma

    concorrncia ritualizada pelos melhores argumentos. Dentre as regras que visam permitir esse tipo

    especial de interao esto: o reconhecimento da sinceridade dos participantes, as regras de

    distribuio dos encargos de argumentao, a ordenao dos temas e contribuies, o princpio de

    inrcia (segundo o qual apenas as opinies controversas precisam ser justificadas), o princpio darelevncia (que regula a pertinncia dos argumentos), dentre outros. Os participantes no so mais

    vistos como meros atores sociais, mas como pleiteantes auto-conscientes e motivados unicamente

    the speaker's construal of persons he addresses. The act of rhetoric is an adaptation of ideas to particularpersons in a particular situation (WENZEL. Joseph W. Perspectives on Argument. In: BENOIT, William;HAMPLE, Dale; BENOIT, Pamela. (eds.)Readings in Argumentation. Berlin, New York: Foris, pp.121-143,1992. p.132).13 WENZEL. Joseph W. Perspectives on Argument. In: BENOIT, William; HAMPLE, Dale; BENOIT,Pamela. (eds.) Readings in Argumentation. Berlin, New York: Foris, pp.121-143, 1992. p.124. No original:

    To be more precise, when we speak of studying "argument" from the rhetorical perspective, we mean that weseek to understand certain elements embedded in the process of persuasion. Thus, the rhetorical perspectiveconstrues "arguing" as a persuasive process.14KLEIN. Argumentation und Argument apud HABERMAS, Teora de la accin comunicativa I. Madrid:Taurus, 1987.15Of all the meanings of the term "dialectic," the one I employ here takes dialectic to be a method, asystem, or a procedure for regulating discussions among people. The ultimate object of such regulation is to

    produce good decisions. (WENZEL, Joseph W. Three perspectives on argument: rhetoric, dialectic, logic. In:TRAPP, Robert; SCHUETZ, Janice. (eds.) Perspectives on Argumentation: essays in honor of WayneBrockriede. Prospect Heights, Illinois: Waveland Press, pp.9-26, 1990. p.14).

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    pelo esforo cooperativo da compreenso e da deciso. O aspecto cooperativo ressaltado pela

    aceitao prvia das regras a serem seguidas.

    O objetivo de uma teoria dialtica projetar e usar mtodos de tomada de deciso coletiva.

    Seu fim ltimo, como mtodo argumentativo, promover um exame crtico. A intuio fundamental

    ligada a esse plano caracteriza-se pela inteno de acabar a discusso com um acordo motivado

    racionalmente. Tal via nos remete prtica socrtica de discusso, que consistia em um jogo de

    pergunta/resposta cujo objetivo no era defender a prpria viso, mas sim proceder juntos um

    exame crtico de forma a encontrar a melhor filosofia16.A teoria crtica de Habermas, a proposta

    pragma-dialtica de Eemeren & Grootendorst17 e o mtodo de correo argumentativa de

    Ehninger18seriam exemplos contemporneos de abordagens dialticas da argumentao.

    c) lgica

    Do ponto de vista lgico, a argumentao uma cadeia de proposies (premissas econcluses) concebidas abstratamente, ignorando-se o processo comunicativo. Ao lgico interessa

    as estruturas que determinam as construes dos argumentos e suas relaes entre si. A questo

    saber quais as propriedades intrnsecas a um argumento que o tornam slido, concludente.

    O objetivo de uma teoria lgica descobrir e empregar padres para o juzo racional. Eles

    desenvolvem, assim, cnones de inferncias vlidas que nos permitem tomar certas expresses

    por conhecimento fivel. O movimento da lgica informal, como os trabalhos realizados por Blair &

    Johnson19e o diagrama de Toulmin20so exemplos de abordagens lgicas da argumentao.

    III

    16The simplest form of dialectic is that depicted in Plato's dialogues, where two people alternate in the rolesof speaker and interlocutor, critically testing one another's opinions in an effort to arrive at the trueanswer to some philosophical question (WENZEL, Joseph W. Three perspectives on argument: rhetoric,dialectic, logic. In: TRAPP, Robert; SCHUETZ, Janice. (eds.) Perspectives on Argumentation: essays in honorof Wayne Brockriede. Prospect Heights, Illinois: Waveland Press, pp.9-26, 1990. p.14).17Cf. EEMEREN, Frans H. van; GROOTENDORST, Rob. Argumentation, communication, and fallacies: aPragma-Dialectical Perspective. Hillsdale, New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 1992.18 Cf. EHNINGER, Douglas. Argument as Method: its Nature, its Limitations and its Uses. In: BENOIT,William; HAMPLE, Dale; BENOIT, Pamela. (eds.) Readings in Argumentation. Berlin, New York: Foris,

    pp.145-159, 1992.19Cf. BLAIR & JOHNSON.Informal Logic. Edgepress, 1980; BLAIR, J. Anthony. Everyday argumentationfrom an informal logic perspective. In: BENOIT, William; HAMPLE, Dale; BENOIT, Pamela. (eds.)Readings in Argumentation. Berlin, New York: Foris, 1992. p.357-376; JOHNSON, Ralph H. Logicnaturalized: recovering a tradition. In: EEMEREN, Frans H van; GROOTENDORST, Rob; BLAIR, JAnthony; WILLARD, Charles A (eds.) Argumentation: across the lines of discipline. Dordrecht/Holland,Providence/USA: Foris, pp.47-56, 1987.20Cf. TOULMIN, Stephen. The uses of Argument. Cambridge University Press, 1964 (1aed.: 1958).

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    A taxonomia oferecida por Wenzel interessante por vrios motivos21:

    1) Ela permite que se adote vrias abordagens complementares no estudo da

    argumentao;

    2) Ela nos permite observar como estudos tradicionais da argumentao se

    assentavam em perspectivas distintas;

    3) A partir dela, podemos avaliar melhor os resultados obtidos por cada

    abordagem e tambm compreender melhor como esses resultados se

    relacionam entre si sem se exclurem mutuamente;

    4) Ao escolher quais perspectivas adotar, delimita-se o que se considera

    importante estudar, evitando que se estude a argumentao a partir de todos

    os caminhos possveis ao mesmo tempo (o que s gera confuso);

    Entendo que o perspectivismo ajuda a eliminar a impreciso, em razo da clareza que ele

    oferece para o estudo das diversas teorias da argumentao22. Assim como a palavra argumento

    tem sentidos distintos

    23

    , tambm a pergunta o que um bom argumento? pode receber aomenos trs respostas distintas, que, como foi visto, pode ser o argumento eficaz (retrica), o

    argumento slido (lgica) ou o argumento sincero e crtico (dialtica)24.

    21 Como justifica o prprio Wenzel: First, it acknowledges the legitimacy of multiple approaches to thestudy of argument. There is no need to choose between a "process" or "product" orientation, for each one isvaluable at different times for different purposes. Second, once we begin to see how different researchtraditions are grounded in different perspectives, we can appreciate how each kind of research produces uniqueresults, how it differs from other approaches, but also how different perspectives relate to one another.Third, recognizing that there are so many possible perspectives enables one to admit to limitations: not everyonecan study argumentation in every way. So, in choosing which perspectives to employ, we take a stand onwhat questions we consider important in the study of argumentation (WENZEL, Joseph W. Three

    perspectives on argument: rhetoric, dialectic, logic. In: TRAPP, Robert; SCHUETZ, Janice. (eds.) Perspectiveson Argumentation: essays in honor of Wayne Brockriede. Prospect Heights, Illinois: Waveland Press, pp.9-26, 1990. p.11).22 ...the taxonomy provided by the three perspectives may, in itself, help to clarify the significance of

    previous work in argumentation as well as the potentialities of future lines of research. The significance ofmuch previous research becomes clearer when framed within the purview of the three perspectives.(WENZEL. Joseph W. Perspectives on Argument. In: BENOIT, William; HAMPLE, Dale; BENOIT, Pamela.(eds.)Readings in Argumentation. Berlin, New York: Foris, pp.121-143, 1992. p.136).23Cf. os estudos de Daniel OKeefe (Two concepts of argument, 1977): Argument1 refere-se a um tipo de

    proferimento ou ato comunicativo. algo que a pessoa faz, profere. (Ex: ele emitiu um argumento).Argument2 refere-se a um tipo particular de interao. algo que as pessoas tm, se engajam, participam.(Ex: Eles participaram de uma argumentao). Alm desses dois sentidos, temos o Argument0, proposto porHample (The functions of argument, 1983), que corresponde dimenso cognitiva do argumento, o processo

    mental que ocorre na mente das pessoas.24The particular normative stance of each perspective can be seen in the answers each gives to the question."What is a good argument?" The rhetorician would say something like, "Good arguing consists in the

    production of discourse (in speech or writing) that effectively helps members of a social group solveproblems or make decisions." The dialectician might say, "Good argumentation consists in the systematicorganization of interaction (e.g., a debate, discussion, trial, or the like) so as to produce the best possibledecisions." The logician might say, "A good argument is one in which a clearly stated claim is supported

    by acceptable, relevant and sufficient evidence." (WENZEL, Joseph W. Three perspectives on argument:rhetoric, dialectic, logic. In: TRAPP, Robert; SCHUETZ, Janice. (eds.) Perspectives on Argumentation: essaysin honor of Wayne Brockriede. Prospect Heights, Illinois: Waveland Press, pp.9-26, 1990. p.12).

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    Ao no perceber essas diferenas, o estudo da argumentao se viu envolto em pseudo-

    problemas. Um exemplo tpico o debate sobre a relevncia da lgica para a retrica, como a

    crtica de Willard ao modelo de Toulmin, dizendo que a complexidade dos argumentos persuasivos

    no podia ser adequadamente explicitada por um diagrama lgico25.Outro pseudo-problema seria

    a pesquisa de uma validade retrica, como pretende McKerrow, acreditando ser o campo da

    argumentao complexo demais para ser avaliado logicamente26.

    Uma teoria completa da argumentao deveria conseguir levar em considerao esses

    trs aspectos em conjunto. Como compara Wenzel:

    Assim como o corpo humano pode ser estudado anatomicamente ou fisiologicamente ou

    quimicamente, tambm o processo da argumentao pode ser estudado retoricamente,

    dialeticamente ou logicamente. Em cada caso, os vrios estudos se complementam e

    enriquecem um ao outro.27

    Mas, apesar de defender as trs perspectivas como legtimas, complementares eindispensveis para uma teoria completa da argumentao, Wenzel mostra maior simpatia pela

    abordagem dialtica, acreditando estar a o lugar central na conceitualizao da argumentao,

    onde o rigor lgico e o apelo retrico so combinados no exame crtico das teses28. Tal tambm

    acontece com Habermas, que tambm reconhece a necessidade de se levar em conta essas trs

    abordagens, mas acaba atrofiando a sua proposta no dialtico29.

    25Cf. WILLARD, Charles Arthur. On the utility of descriptive diagrams for the analysis and criticism ofarguments. In: BENOIT, William; HAMPLE, Dale; BENOIT, Pamela. (eds.) Readings in Argumentation.Berlin, New York: Foris, 1992. p.239-257.26Cf. McKERROW, Ray E. Rhetorical Validity: an Analysis of three Perspectives on the Justification ofRhetorical Argument. In: BENOIT, William; HAMPLE, Dale; BENOIT, Pamela. (eds.) Readings inArgumentation. Berlin, New York: Foris, 1992. p.297-311.27 WENZEL. Joseph W. Perspectives on Argument. In: BENOIT, William; HAMPLE, Dale; BENOIT,Pamela. (eds.) Readings in Argumentation. Berlin, New York: Foris, pp.121-143, 1992. p.125. No original:But just as the human body can be studied anatomically or physiologically or chemically, so the processes ofargumentation can be studied rhetorically or dialectically or logically. In each case, the several studiescomplement and enrich one another28...the dialectical perspective should now be recognized, analyzed, and investigated on an equal footingwith the rhetorical and logical. It is my impression that works addressed to the concerns of the dialectical

    perspective have not been so well integrated into the scholarship and teaching of argumentation as have theother two (the one notable exception seems to be Ehninger and Brockriede,Decision by Debate). Although I amnot prepared to develop the argument here, I suspect that the dialectical perspective may deserve the central

    place in a conceptualization of argument, for it is only within the framework of a dialectical encounter that theresources of rhetorical appeal and logical rigor are combined for the critical testing of theses.(WENZEL.Joseph W. Perspectives on Argument. In: BENOIT, William; HAMPLE, Dale; BENOIT, Pamela. (eds.)Readings in Argumentation. Berlin, New York: Foris, pp.121-143, 1992. p.140).29 A crtica seria que, ainda que Habermas considere que o bom desenvolvimento de uma teoria daargumentao necessita considerar esses trs aspectos em conjunto, tal coordenao se d de formadesequilibrada na prpria proposta habermasiana, que pende mais para o aspecto da motivao racional emdetrimento dos outros dois. Dessa forma, a perspectiva da argumentao que se desenha no eixohabermasiano comunicao/racionalidade estabelece a primazia da normatividade sobre a efetividadeargumentativa (CARRILHO. Rhtoriques de la modernit. Paris: PUF, 1992. p.108). A perspectiva

  • 7/25/2019 Logica x Retorica x Dialetica Diferentes

    10/10

    I Encontro de Pesquisa UFMG 2003 10

    Concluso

    Gostaria de concluir essa comunicao ressaltando o objetivo principal da minha fala, que

    foi mostrar como o perspectivismo permite jogar alguma luz nos estudos da argumentao,

    oferecendo um quadro que permite compreender melhor as diferentes formas de se abordar o

    assunto e, tambm, os diferentes resultados obtidos. Alm disso, tal classificao ajuda a evitar

    alguns pseudo-problemas, advindos de uma viso mope.

    Concordo com a afirmao de Wenzel e de Habermas de que uma teoria completa da

    argumentao precisa levar em considerao essas trs abordagens. Entendo tambm que no

    caso da argumentao filosfica, a abordagem dialtica seria mais valiosa, na medida em

    prescreve normas para a discusso racional sem precisar abstrair de sua dimenso comunicativa,

    discursiva. nesse sentido que desenvolvo atualmente no mestrado um estudo sobre o auditrio

    universal, tal como Perelman o compreende. Espero assim poder jogar alguma luz na problemticapretenso filosfica verdade e objetividade, alm de clarear em que sentido se apela razo e

    qual limite pode existir em tal pretenso.

    comunicativa oferece uma concepo divergente do elemento retrico e do argumentativo, acentuando ocarter normativo do ltimo e ornamental do primeiro. Tal no se coaduna bem com aquilo que disse o

    perspectivismo. Isso explicaria a facilidade com que Habermas separa a persuaso do convencimento nointerior do discurso argumentativo e sua orientao de maneira exclusiva em direo reconstruo desituaes ideais, atrofiando sua teoria da argumentao no normativo dialtico (por ele descrito comoretrico).