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LOCAST CIVIC MEDIA

INTERNET MÓVEL, CIDADANIA E INFORMAÇÃO

HIPERLOCAL

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Org. Eduardo Campos Pellanda (PUCRS)

Apresentação: Federico Casalegno (MIT)

LOCAST CIVIC MEDIA

INTERNET MÓVEL, CIDADANIA E INFORMAÇÃO

HIPERLOCAL

Porto Alegre

2010

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© EDIPUCRS, 2010

CAPA Rodrigo VallsILUSTRAÇÃO DA CAPA Bruno TodeschiniREVISÃO DE TEXTO Julia Roca dos SantosEDITORAÇÃO ELETRÔNICA Gabriela Viale Pereira

L811 Locast civic media : internet móvel, cidadania e informação hiperlocal [recurso eletrônico] / org. Eduardo Campos Pellanda ; apres. Federico Casalegno. – Porto Alegre : EDIPUCRS, 2010. 152 p.

Sistema requerido: Adobe Acrobat Reader Modo de acesso: <http://www3.pucrs.br/portal/page/portal/edipucrs/Capa> ISBN 978-85-397-0058-5 (on-line)

1. Comunicação e Tecnologia. 2. Comunicações Sem Fio. 3. Redes Sociais. 4. Jornalismo. I. Pellanda, Eduardo Campos. II. Casalegno, Federico.

CDD 301.16

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SUMÁRIO

Apresentação: Locast: transmissões baseadas no local geográfico, computação móvel em rede e conteúdo pelo usuário ..................... 7

Federico Caslaegno Introdução ......................................................................................... 12 Projeto Locast como exemplo de pesquisa aplicada em comunicação ..................................................................................... 13

Eduardo Campos Pellanda Narração caminhante: as possibilidades da plataforma Locast ... 24

Mágda Rodrigues da Cunha Locast e o potencial da informação geolocalizada ........................ 41

André Fagundes Pase Locast Civic Media e as redes sociais móveis na reconfiguração dos espaços urbanos ....................................................................... 45

Sandra Henriques Mídia Cidadã: repensando o Jornalismo ........................................ 63

Eduardo Ritter Espaços híbridos, a plataforma Locast e algumas possibilidades ..74

Stela Menezes A relação entre o LocastPOA e seus integrantes: uma leitura da produção de sentido ........................................................................ 80

Polianne Merie Espindola Mobilidade e descentralização: Projeto Locast .............................. 92

Gustavo Buss Cezar Jornalismo Colaborativo: uma leitura do imaginário de Porto Alegre através da Plataforma Locast ........................................................ 111

Ana Cecília Bisso Nunes Priscilla Guimarães

Jornalistas cidadãos ...................................................................... 123

Inaiara Cunha

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Locast: Jornalismo Colaborativo e mídias móveis ...................... 128 Bruno Germer Moraes Mauro de Oliveira Plastina

Locast Civic Media: Jornalismo Colaborativo como prática da cidadania e impulso para a ubiquidade da informação ............... 136

Nayane Schaun Brose Mudando o tom: a Plataforma Locast e a publicidade no cotidiano de Porto Alegre. .............................................................................. 144

Gabrielli Tiburi Soares Pires

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APRESENTAÇÃO LOCAST: TRANSMISSÕES BASEADAS NO LOCAL

GEOGRÁFICO, COMPUTAÇÃO MÓVEL EM REDE E CONTEÚDO PELO USUÁRIO

Em 2008, com a minha equipe no MIT Mobile Experience Lab, começamos um projeto de pesquisa com a RAI New Media, a televisão estatal italiana.

Começamos a repensar a televisão, a comunicação e o ecossistema de informação, bem como uma nova forma de as pessoas terem acesso e distribuir conteúdos, baseados em três pressupostos iniciais básicos: 1) a informação da televisão também é distribuída no ambiente físico e não mais somente trancada em casa; 2) a televisão está ligada, como um palimpsesto, pode ser um lugar para nossas redes sociais; 3) a informação é híbrida, misturando o conteúdo gerado pelo usuário com o conteúdo de autoria.

Nós projetamos o Locast, que significa transmissão de eventos baseadas em local [location+ narrow casting], para ser uma plataforma de localização flexível e de vanguarda que combina conteúdos Web distribuídos e aplicações móveis, que criam experiências hiperlocais e altamente conectadas. Locast sobrepõe camadas de informação dentro do espaço físico. Este aumento de espaço real é escolhido democraticamente pelos usuários do Locast, em tempo real, à medida que participam no processo de geração de conteúdo. Cada interação dentro do sistema pode ser vista simultaneamente pelas pessoas envolvidas no espaço físico e aquelas que participam online. A interligação entre os conteúdos, espaços e pessoas é simultânea e ubíqua. O Locast usa serviços baseados em localização a fim de melhorar o conhecimento do contexto oferecendo um conjunto de ferramentas para reconhecer a localização e melhorar a navegação e aumentar a quantidade de informações de qualidade e acessíveis. A plataforma Locast é projetada para ser facilmente combinada com o hardware externo, como dispositivos portáteis, sensores ambientais e outros aparelhos eletrônicos altamente específicos que melhorem o seu potencial

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8 CASLAEGNO, F. • Locast

através de recursos adicionais. A filosofia Open-API torna o Locast uma plataforma ideal para ser aplicada em um número de diferentes contextos, tais como: mídia cidadã, turismo, engajamento cívico, aprendizado baseado no local, jogos urbanos e muitos mais.

Locast é uma plataforma que nos permite projetar rapidamente protótipos e experimentar uma variedade de projetos e ideias. O primeiro projeto foi a experiência de viagem, que nós dividimos em quatro fases:

1. Organizar

Enquanto ainda em casa, os usuários podem organizar a visita, e o Locast fornece uma visão geral sobre o lugar que se deseja conhecer. Os usuários podem acessar vídeos postados pela transmissão da TV RAI ou obtidas pelos arquivos da RAI, ou ainda acessar o conteúdo compartilhado em tempo real por Locasters durante as suas visitas: com roteiros, eBooks e documentos em PDF para serem baixados e lidos quando desejado.

2. Viagens

Ao viajar para o destino, o Locast mantém os usuários informados sobre transportes, previsão do tempo, webcams e alertas de tempo importantes. Usuários podem também criar um guia personalizado e baixá-lo em seus dispositivos móveis (iPods, telefones etc.) para os podcasts serem vistos enquanto viajam para chegar ao seu destino.

3. Descubra e compartilhe

O Locast oferece uma série de ferramentas para melhorar a experiência durante a visita. Sua infraestrutura baseada em uma aplicação web distribuída, um serviço móvel e um dispositivo de visualização de dados wearable pode aumentar a percepção dos espaços e adicionar-lhes novos elementos que enriquecem o conjunto da experiência. A aplicação móvel dá aos seus usuários uma ferramenta eficaz para navegar e orientar, uma vez chegado ao destino. Além disso, os usuários podem assistir a vídeos extraídos de

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arquivos da RAI ou compartilhados por outros Locasters, capturar seus próprios vídeos e espalhá-los em tempo real para a comunidade da plataforma e a todos os amigos em sua rede social (Facebook ou Twitter). Graças ao sistema de posicionamento XPS, as características de localização também estão disponíveis em locais fechados. Finalmente, um dispositivo para vestir pode ser usado para se mover com precisão na cidade, facilmente seguir itinerários e alcançar os lugares que se quer visitar.

4. Mantenha-se em contato

A plataforma Locast permite aos usuários compartilhar memórias e as mantém vivas também na volta para casa. Graças à URL personalizada/página, você pode compartilhar com toda a comunidade Locast, amigos ou pais, a sua experiência em Veneza. No dispositivo de visualização wearable, os dados podem ser convertidos em uma moldura que exibe em tempo real imagens provenientes de outros usuários que estão visitando Veneza com o Locast.

Após o sucesso desta primeira aplicação, iniciou-se uma colaboração frutuosa com a Faculdade de Comunicação da PUCRS (FAMECOS), em Porto Alegre, onde os talentosos professores e estudantes trabalham em um projeto de engajamento cívico.

Com o objetivo de promover o jornalismo participativo e o engajamento cívico, nós projetamos o Locast Civic Media como plataforma móvel e web para exercer a cidadania no processo de captura, reportagem e disseminação de notícias e informações relacionadas com o ambiente urbano. A aplicação móvel permite ao usuário criar reportagens de rua (casts) através de vídeo e áudio e decidir se devem ser apresentados individualmente ou em conjunto com outros tópicos agrupados em áreas ou assuntos. Casts e projetos são criados, coletados e compartilhados em tempo real no site Locast, onde os membros da comunidade inteira podem juntar-se a conversas e comentários de outros casts.

O projeto de pesquisa visa explorar a mídia baseada em localização como uma ferramenta para aumentar a conscientização dos cidadãos sobre eventos e dinâmicas sociais que ocorrem ao seu redor.

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10 CASLAEGNO, F. • Locast

Mais importante ainda, pretendemos observar as dinâmicas que permitem que os cidadãos participem ativamente e se envolvam na comunidade com o compartilhamento de eventos através do Locast. O objetivo principal do projeto foi entender como redes sociais móveis poderiam impactar a cidade e a mídia representativa com as pessoas, ajudando o outro a manter-se informado, socializado e participar ativamente do processo de produção.

Professores e alunos da FAMECOS foram envolvidos ativamente no projeto, e tornou-se possível trabalhar como jornalistas na rua durante todo o período da pesquisa de campo.

Alguns dos principais aspectos do projeto Locast Civic podem ser resumidos nos seguintes pontos: Hiperlocal: O Locast Civic Media fala sobre sua cidade, região, bairro, rua. Propõem-se narrações locais para complementar as globais provenientes de meios de comunicação oficiais. Participativo: Os cidadãos de forma autônoma criam reportagens, discutem com a comunidade e redefinem a agenda de pautas. Flexível: O Locast oferece várias opções para participar na comunidade. Qualquer pessoa com um equipamento digital básico e uma conexão à internet pode encontrar uma maneira de fazer a sua voz ser ouvida. Space 2.0: O Locast aumenta o espaço físico com múltiplas camadas de informações que são democraticamente geradas de baixo para cima por seus usuários. Tempo Real e Onipresente: Jornalistas e cidadãos usando o nosso aplicativo móvel estão estreitamente relacionados com o resto da comunidade. Quando a conversão é criada, ela se torna imediatamente disponível online para ser analisada e visualizada pelos outros membros.

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Os docentes e alunos envolvidos no projeto têm trabalhado muito e apaixonadamente para explorar e repensar a melhor forma de utilizar a comunicação em rede para melhorar o envolvimento cívico com processos democráticos. Esta publicação ilustra elementos-chave do projeto, mostra a riqueza da pesquisa e da oportunidade de uma melhor concepção de um ecossistema de mídia interativa para apoiar o envolvimento cívico e o jornalismo participativo.

Federico Caslaegno

Massachusetts Institute of Technology Mobile Experience Lab, Lab Design

http://mobile.mit.edu http://locast.mit.edu

Agradecimentos: Obrigado ao MIT Mobile Experience Lab, à equipe Locast, em particular a David Boardman e Steve Pomeroy, e à

Faculdade de Comunicação da PUCRS (FAMECOS).

Tradução: Eduardo Campos Pellanda

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INTRODUÇÃO

Este livro é um relato da pesquisa Locast Civic Media, que, em novembro de 2009, esteve realizando o seu teste nas ruas de Porto Alegre. A união da Faculdade de Comunicação da PUCRS (Famecos) e do Mobile Experience Lab (MEL), do MIT, proporcionou este experimento que foi um exemplo de pesquisa aplicada na área da comunicação. O projeto envolveu alunos de graduação, pós-graduação e pesquisadores das duas instituições que em parte estão representados neste trabalho.

Para que tudo fosse possível, tivemos o apoio fundamental do Grupo RBS e da TIM, que não só contribuíram para a infraestrutura do experimento, mas participaram ativamente dos testes. A adição de uma empresa de comunicação como RBS foi fundamental para que fosse possível estudar o funcionamento de uma plataforma como o Locast em um ambiente de jornalismo profissional.

Todas estas conexões nos mostraram fundamentalmente que é possível agregar várias partes da sociedade e duas renomadas instituições de pesquisa para investigar as respostas para todas as novas e complexas transformações do universo da comunicação.

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PROJETO LOCAST COMO EXEMPLO DE PESQUISA APLICADA EM COMUNICAÇÃO

Prof. Dr. Eduardo Campos Pellanda1

RESUMO

Este texto busca relatar algumas percepções do experimento com a plataforma Locast. Trata-se de um sistema de publicação de vídeos através de celulares, desenvolvido pelo Mobile Experience Lab do Massachusetts Institute of Technology (MIT – MEL), que contou com a colaboração de desenvolvimento da PUCRS. A plataforma móvel e online permite aos usuários atuarem de forma ativa no processo de coletar, reportar e disseminar notícias e informações relacionadas com as suas rotinas urbanas. O principal objetivo deste experimento foi entender como se dá a conexão dos locais físicos com os fatos e as informações no ciberespaço. A plataforma teve como foco a discussão e a potencialização de um novo canal de cidadania. PALAVRAS-CHAVE: mobilidade; espaços físicos; virtualização; cidadania; internet.

O desenvolvimento das plataformas móveis de comunicação tem

integrado a percepção de ambientes virtuais e espaços físicos (PELLANDA, 2005). Esta relação acaba transformando a experiência de obtenção de informações relacionadas aos pontos geográficos viabilizadas por tecnologias de detecção de localizações. Esta possibilidade pode vincular acontecimentos com os seus espaços físicos, o que potencialmente pode significar uma nova forma de percepção de notícias, acontecimentos e relatos que acontecem em volta do indivíduo. Neste contexto, este texto busca relatar algumas percepções do experimento com a plataforma Locast.2

No princípio da Internet, a conexão era restrita aos pontos baseados em computadores pessoais conectados aos cabos de rede que

1 Professor e pesquisador da Famecos, da PUCRS, e membro do Programa de Pós-Graduação da mesma instituição. Coordenador do projeto Locast pela PUCRS. 2 http://locast.mit.edu/.

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14 PELLANDA, E. C. • Projeto Locast como exemplo de pesquisa aplicada em comunicação

necessariamente precisavam estar dentro de ambientes fechados. Como consequência, os lugares na cidade estavam deslocados do contexto de dados (MITTCHELL, 2003) não potencializando conexões importantes de contexto histórico, características físicas e outros elementos peculiares dos espaços tangíveis. A profusão dos aparatos móveis, como smartphones atrelados ao espaço de redes de terceira geração, tem caracterizado um quadro de novas janelas para o ciberespaço (LÉVY, 1996). A percepção é de que o processo comunicacional é realizado dentro do monitor do computador (TURKLE, 1995) e a “existência do virtual” acontece somente neste local. O esquema ubíquo de informação que se desenha neste novo quadro da Internet móvel viabiliza o envolvimento do indivíduo com a sua conjuntura informacional geográfica. Um exemplo empírico deste quadro é o sistema de procura do Google Móvel, que classifica o resultado das buscas em relação ao ponto físico da ação de busca em algumas plataformas.

Neste contexto, os lugares nas cidades começam a ser pontos informacionais que se conectam em uma nova camada da rede (MITTCHELL, 2003). Trata-se de uma Cibercidade (LEMOS, 2004) em que, além do fluxo normal de átomos, há uma nova categoria de bits que estão intimamente interligados. Esta relação é nova na história das mídias, que na perspectiva analógica e massiva nunca tiveram uma conexão precisa com o espaço geográfico. Sempre existiram, porém, exemplos como rádios comunitárias ou jornais de bairro, em que a abrangência era focada em indivíduos em uma região e não em um único indivíduo em um ponto físico preciso. Do ponto de vista econômico, é um grande potencial que se abre para as empresas produtoras de conteúdo, mas também se caracteriza por um desafio complexo de se transpor pela grande quantidade de informações que devem ser captadas e processadas.

Um dos grandes efeitos da popularidade dos meios de comunicação móveis não é só o fato de o indivíduo estar always on (PELLANDA, 2005) com um fluxo de dados de informações constante, mas também o fato de ele ser um ponto de compartilhamento de fatos ao seu redor. O trio smartphone, câmera e rede ubíqua somado ainda a softwares inteligentes que se conectam a redes sociais geram um

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Locast Civic Media 15

grande potencial de broadcast de informações de maneira extremamente eficientes. Surge, nesta perspectiva, uma possibilidade de difusão do efeito “cidadão jornalista” (GILLMOR, 2004) que produz conteúdos classificados como UGC.3

Neste cenário, o Mobile Experience Lab do Massachusetts Institute of Technology (MIT – MEL) desenvolveu, inicialmente para a rede de TV italiana RAI, um sistema de publicação de vídeos através de celulares chamado Locast. A PUCRS colaborou na adaptação do sistema para um contexto de mídia cidadã em Porto Alegre. A plataforma móvel e online permite aos usuários atuarem de forma ativa no processo de coletar, reportar e disseminar notícias e informações relacionadas com as suas rotinas urbanas. Este experimento contou com o apoio dos estudantes de graduação e pós-graduação da PUCRS, que atuaram como jornalistas posicionados nas ruas de Porto Alegre durante o período da pesquisa aplicada. Além disso, jornalistas da empresa RBS também utilizaram a plataforma para que fosse testado o uso complementar aos meios do Grupo. A operadora TIM também colaborou com a pesquisa, cedendo 25 aparelhos com o sistema operacional Android e com rede de dados.

Estes usuários captam e distribuem informações de maneira mais rápida e eficiente do que as grandes e lentas estruturas tradicionais de jornalismo. Um exemplo recente deste fato é a foto tirada logo após o avião da U.S Airways pousar no Rio Hudson em Nova Iorque. Essa foto foi tirada por um passageiro de uma balsa com um aparelho iPhone e compartilhada em tempo real via rede Twitter. Trata-se da primeira imagem tirada do fato que, posteriormente, obteve uma larga cobertura da mídia tradicional por se tratar de um acontecimento de relevância. Contudo, uma série de outros fatos, que são menores ao olhar da mídia massiva, acontece ao redor do indivíduo e que pode ter um significado contextualmente diferente pela questão da proximidade geográfica. Esta informação ao redor do indivíduo, captada com o auxílio de artefatos que detectam a posição geográfica, é a que consiste em um fato novo.

A pesquisa teve como objetivo explorar a mídia cidadã aplicada ao contexto do local como ferramenta de divulgação e estimular as 3 User Generated Content.

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16 PELLANDA, E. C. • Projeto Locast como exemplo de pesquisa aplicada em comunicação

dinâmicas sociais realizadas nos bairros. Outra finalidade foi compreender como as redes sociais móveis impactam na cidade e na representação do espaço urbano. Ainda neste sentido, objetivou-se também observar como esta ferramenta ajuda as pessoas a se manterem informadas, engajadas socialmente e com participação ativa nos processos de criação das mídias, sobretudo nas relacionadas com as suas comunidades. Depois do experimento, que durou dez dias, houve uma série de entrevistas individuais e grupo de discussão com os participantes.

1 O SISTEMA LOCAST

Figura 1

A plataforma é composta por um site (Figura 1) que contém as

notícias que foram atualizadas por celular ou na própria página. Neste último caso, a atualização da posição geográfica é feita manualmente. Vinculada com cada notícia está um ponto onde ela foi capturada no mapa, estes fatos podem ser visualizados somente deste modo gráfico.

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Locast Civic Media 17

Deste modo, o indivíduo pode se situar dos acontecimentos ao seu redor, o que representa um modo alternativo de visualização de fatos, já que usualmente os sites e blogs mostram as notícias em modo de destaque pela relevância do fato ou de maneira cronológica. O site teve também a função de cadastrar e gerenciar os usuários do sistema.

Figura 2

Além do site, o centro da plataforma é baseado na aplicação

móvel (Figura 2), que neste caso foi desenvolvida no sistema operacional Android. O software permitiu que os participantes do projeto pudessem capturar vídeos e enviá-los para o site com uma descrição de texto e a informação da posição geográfica capturada pelo GPS4 do aparelho em forma de metadado.5

4 Global Positioning System – sistema de localização da posição geográfica usando satélites e um chip que captura os sinais nos aparelhos celulares.

Estas notícias puderam ser comentadas e também ser compartilhadas na rede Facebook. Um perfil no Twitter também foi criado separadamente e mantido pelos bolsistas do projeto.

5 A informação de latitude e longitude é inserida junto com o arquivo de video, mas só é visualizada pelo sistema do site que traduz a informação para a visualização no mapa.

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18 PELLANDA, E. C. • Projeto Locast como exemplo de pesquisa aplicada em comunicação

2 CONTEÚDOS CONTEXTUALIZADOS AOS LUGARES

No primeiro dia de experimento foi realizado um workshop para demonstrar a plataforma e criar duplas de trabalho. Estas equipes não receberam nenhum tipo de instrução sobre que tipo de informação capturar. Esta foi uma questão proposital e foi planejada com o objetivo de entender que tipo de fatos os integrantes do projeto entederiam como sendo pertinentes para serem compartilhados na plataforma.

Depois dos dez dias de trabalho se observaram diversos tipos de pautas registradas pelos participantes, desde as mais cotidianas como buracos nas ruas e narrações de engarrafamentos até coberturas de eventos, passando por outras mais atemporais que buscavam narrações da vida cotidiana. No caso das informações cotidianas, foi interessante perceber que mesmo os pequenos incidentes da rotina de uma cidade como Porto Alegre ganharam um novo contexto pela questão da localização, pois acontecimentos como ruas fechadas ou acidentes são pertinentes para quem está geograficamente próximo. Por outro lado, quem está distante talvez não tenha necessidade de tomar conhecimento de tal fato. No contexto atual dos sites de notícias este tipo de classificação é inviável.

Neste período, aconteceu também uma das mais severas tempestades que a cidade de Porto Alegre já presenciou, tendo inclusive aulas na PUCRS suspensas devido aos bloqueios das vias urbanas. Esta foi uma pauta não planejada e acabou sendo alvo de vários tipos diferentes de visões por integrantes do projeto que estavam em diversos pontos da cidade. O mapeamento destas informações resultou em uma visão ampla de relatos de diferentes problemas causados pelo incidente natural.

Outro tipo de depoimento foi captado por uma dupla que estava interessada em perceber a visão dos moradores sobre determinado bairro. Com a pergunta: “Este bairro é o coração de Porto Alegre?”, as duas integrantes do projeto registraram relatos sobre diferentes percepções dos locais de trabalho e moradia daqueles cidadãos. Esta ideia resultou em pequenos documentários não editados sobre diferentes percepções que, muitas vezes, possuíam uma linha clara de pensamento entre as pessoas de uma determinada região.

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Já os jornalistas profissionais da empresa RBS tiveram no Locast uma extensão das atuais plataformas de publicação. O sistema acabou sendo usado nos dez dias de experimento de duas maneiras distintas. Em um primeiro momento, foi feito um complemento da matéria tradicional, em alguns casos como um making of da cobertura. Em um segundo momento, foi utilizado para capturar alguns fatos que não teriam espaços nos canais tradicionais. Um dos objetivos desta integração com a empresa era testar como, em um mesmo ambiente, poderiam conviver conteúdos feitos por profissionais e relatos gerados das ruas. Esta dupla fonte de informações, em um futuro em que se fará o uso aberto do sistema e com uma maior densidade de colaborações, pode ser potencialmente rica para um desenho diferenciado de fatos na cidade.

3 LINGUAGENS TRANSFORMADAS

A plataforma Locast teve como base a linguagem audiovisual com os vídeos gerados pelos participantes. Os textos eram basicamente descrições resumidas dos acontecimentos. Especificamente sobre este ponto foram feitas várias observações nas entrevistas individuais e nos grupos. Os vídeos foram todos captados e publicados sem cortes, em plano-sequência, e sem edição. Esta característica foi percebida pelos participantes como um ponto positivo no sentido de relatar fatos. A impressão foi de realismo, uma imagem mais próxima da cena do que a de matérias de TV. A edição foi comparada nas entrevistas como “supressão de realidade”. Esta é, talvez, uma questão que demonstre o desgaste da estética televisiva que não possui uma mudança significativa na transição para os meios digitais (PASE, 2008). O tema da qualidade da imagem gerada por telefones celulares também não foi considerado um problema nesta mesma linha de pensamento. Um dos pontos comentados pelo grupo durante as entrevistas foi a “invisibilidade” da câmera de um aparelho celular, que permitiu que quando a captura era baseada em entrevistas os sujeitos das matérias se mostravam bem mais receptivos do que um contexto tradicional de equipamentos para TV.

Alguns vídeos transcenderam a questão de relatar fatos e privilegiaram a estética mostrando imagens que não necessariamente

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eram úteis, mas tiveram motivações artísticas. Foram cenas inusitadas da cidade, manifestações de arte de rua e algumas experiências de videoarte.

Pela característica desta mídia móvel hiperpessoal, tanto no consumo como na produção do conteúdo, ela tem o potencial para o aparecimento de outras formas de linguagem como percebido na produção do projeto. A imagem em movimento, que possui ainda uma forte ligação com a TV, começa uma mutação como aponta (LEVINSON, 2004, p. 151): “... televisão, como conteúdo individual dos videocassetes, reverte o processo e move filmes de volta da tela pública para o cinescópio individual, que os filmes podem ser vistos por uma pessoa por vez”. Se ainda levarmos em conta que esses conteúdos são pontos de conversação em forma de vídeo, há uma nova perspectiva de expressão mediada pelas redes ubíquas.

4 INFORMAÇÃO GEOLOCALIZADA

O ponto principal do experimento era vincular os fatos, as imagens e as conversações aos lugares onde ocorreram. Toda a estrutura de reconhecimento geográfico que os aparatos móveis proporcionam neste momento histórico permite que se liguem espaços ao seu histórico de acontecimentos, tornando assim um ambiente propício para uma memória cotidiana (CASALEGNO, 2006). Esse mesmo autor foi o responsável pela coordenação do projeto no MIT, sustentando o seu trabalho nesta tese de expansão da cidadania com redes de armazenamento e conversação urbana.

O mapa de acontecimentos no site permite uma nova visualização dos acontecimentos, de maneira que o próprio indivíduo possa fazer suas próprias conexões entre os fatos que são pertinentes ao seu cotidiano. Em uma futura versão devem ser implantados filtros de assuntos, lugares e pessoas para que a observação destes eventos seja mais precisa.

Esta cidade conectada (MITTCHELL, 2003) é composta de uma camada informacional concomitante com as vias físicas. Esta ligação tem o potencial de fortalecer o diálogo da cidadania, como o caso da tempestade em que a visualização das imagens de diferentes regiões

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permitiu um entendimento do todo. Em situações semelhantes, estes fatos vinculados ao mapa podem criar uma conversação que seria peça importante em tópicos como violência, trânsito e grandes eventos. O mapa representa o espelho da polis, mas sem o contexto da camada de informação é somente um nó sem conexão.

A possibilidade de percepção do que está acontecendo em volta do indivíduo também é algo de extrema complexidade neste contexto de junção do ambiente virtual com o físico. Mesmo fatos que podem ser considerados de pouca relevância pública, quando geograficamente perto do sujeito, podem ter uma importância elevada para este indivíduo. A proximidade de uma rua fechada por um incidente é mais relevante individualmente naquele espaço de tempo do que um terremoto em outro país. Do ponto de vista coletivo para as pessoas de uma determinada região, a informação compartilhada pode significar uma conversação de aprimoramento da cidadania e ao mesmo tempo de memória coletiva.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta gama de diferentes possibilidades demonstrou que, no contexto de uma câmera conectada, a base dos smartphones pode ser uma interface entre os lugares físicos, ou átomos, e o fluxo de informação baseada em bits, que formam a base da internet. Se “(...) lugares não podem ser separados de seu contexto de experiência” (SANTAELLA, 2007, p. 161), há agora mais potenciais relações contextuais com informações e trocas sociais em redes de comunidades. À medida que se faz uma foto com tag geográfico de um local e se compartilha em uma rede social, o encadeamento de ações com este espaço físico tende a aumentar.

Ao agregar as informações aos espaços, estes se transformam ao mudar de significado para o sujeito, salientam Castells et al. (2007, p. 171): “Um espaço que flui informações não é um espaço vazio; ele tem relações construídas na rede e envolta dela (...)”. Acionando-se a isto uma nova percepção do entorno (MEYROWITZ, 2003, p. 97), “Como resultado, estamos experimentando uma mudança radical nos nossos sensos de local, identidade, tempo, valores, ética, etiqueta e cultura”.

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Embora este tenha sido um experimento e não uma pesquisa em larga escala, as indicações de potencialidades detectadas foram os resultados mais valiosos. Em dez dias e um número limitado de participantes não é possível medir o impacto social que um sistema como o Locast pode significar. Mas o objetivo principal era começar um processo de pesquisa sobre o tema que poderá constatar se estes potenciais se confirmam. Este vínculo dos espaços físicos com o ciberespaço está em fase embrionária, com manifestações como a rede Foursquare6 e o início do uso de tags geográficas no Twitter.7

A aplicação dos conceitos em um experimento como o Locast permite vislumbrar a validação das teorias e, em um segundo momento, escrevê-las novamente com a contribuição do empírico. Todo o material recolhido pelas entrevistas e observações de campo demonstrou que existe uma natural capacidade para que a ligação dos pontos físicos aos seus contextos factuais e históricos, viabilizados por uma convergência de tecnologias, habilita um potencial único de cidadania.

REFERÊNCIAS

CARON, A. H.; CARONIA, L. referência não encontrada. Moving Cultures - Mobile Communication in Everyday Life. Quebec: McGill-Queen´s University Press, 2007.

CASALEGNO, F. Memória Cotidiana. Porto Alegre: Sulina, 2006.

CASTELLS, M. A era da intercomunicação. Le Monde, (24), 2006.

CASTELLS, M.; FERNÁNDEZ-ARDÈVOL, M.; QIU, J. L.; SEY, A. Mobile Communication and Society - A Global Perspective. Cambridge: MIT Press, 2007.

DERTOUZOS, M. The Unfinished Revolution. New York: HarperCollins, 2001.

GIBSON, W. Neuromancer. Londres: HarperCollins, 1984.

GILLMOR, D. We the Media – Grassroots by the people, for the people. Sebastopol: O’Reilly Media, 2004.

6 http://foursquare.com/. 7 http://twitter.com/.

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Locast Civic Media 23

LÉVY, P. O que é o Virtual. São Paulo: Editora 34, 1996.

LEMOS, A. Cibercidade As Cidades Na Cibercultura. Rio de Janeiro: E-PAPERS, 2004.

LEVINSON, P. Cellphone. New York: Palgrave, 2004.

LIPOVETSKY, G. Os tempos hipermodernos. São Paulo: Editora Barcarolla, 2004.

MEYROWITZ, J. Global nomads in the digital veldt. In: Nyíri (ed.). Mobile democracy. Essays on Society, Self and Politics. Vienna: Passagen Verlag, 2003.

MITTCHELL, W. J. ME++ The Cyborg Self and the Networked City. Boston: MIT Press, 2003.

PASE, A. Vídeo Online: alternativa para as mudanças da TV na cultura digital. Tese (Doutorado em Comunicação Social), Faculdade de Comunicação Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2008.

PELLANDA, E. C. Internet Móvel: Novas Relações na Cibercultura Derivadas Da Mobilidade na Comunicação (PHD Thesis ed.). Porto Alegre, RS, Brazil: Pontifical Catholic University of Rio Grande do Sul – PUCRS, 2005.

RHEINGOLD, H. Smart Mobs. Cambridge: Perseus Publishing, 2003.

SANTAELLA, L. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo, SP: Paulus, 2007.

TURKLE, S. A Vida no Ecrâ - A indentidade na era da Internet. Lisboa: Relógio D’água Editores, 1995.

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NARRAÇÃO CAMINHANTE: AS POSSIBILIDADES DA PLATAFORMA LOCAST

Mágda Rodrigues da Cunha1

RESUMO

O presente artigo faz uma observação e uma análise do projeto e dos resultados da pesquisa desenvolvida por intermédio da parceria entre a PUCRS/Famecos e o MIT/Mobile Lab, com participação do Grupo RBS, de Porto Alegre. A investigação traz à tona para reflexão categorias de análise como critérios narrativos, narração “caminhante”, a narração das cidades e dos lugares e jornalismo participativo. PALAVRAS-CHAVE: narração; mobilidade; tecnologia; cidade; jornalismo participativo.

O projeto desenvolvido em parceria pela PUCRS/Famecos,

MIT/MobileLab e RBS traz à tona, por intermédio de uma situação empírica, a reflexão sobre uma série de fatores e dimensões em torno da narração. Há uma perspectiva que envolve a ausência de um critério narrativo ou da pauta jornalística que traz consigo a pergunta: o que as pessoas decidem narrar quando não recebem um indicativo específico? Vale ressaltar que, na sociedade midiatizada, narradores, profissionais ou não, trazem consigo índices narrativos comuns a vários grupos e historicamente construídos na cultura, pela convivência com os tradicionais meios de comunicação e sua forma de organização de notícias e conteúdos. Há outra discussão importante que diz respeito à narração “caminhante” como decidimos aqui designar, a partir de Certeau (1994), e a consequente relação construída com os espaços, mais especificamente com as cidades. Afinal, a primeira escolha é pela narração das cidades, de seus acontecimentos, de seus problemas, de seus eventos. Caminhar e narrar é a ação que se desenha nesta operação. Mas, quando o projeto envolve também a ideia de cidadania

1 Jornalista, professora e pesquisadora do programa de pós-graduação em Comunicação Social, Faculdade de Comunicação Social (Famecos), PUCRS.

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ou prática do jornalismo participativo, abre outro debate que não é novo, mas que merece ser revisitado permanentemente: Jornalistas versus Cidadãos e a ação narrativa em torno dos acontecimentos. Para tanto, também são recuperados alguns pensamentos em torno da produção jornalística e avaliada a atualização destes mesmos conceitos. Todas as variáveis, entre muitas outras, estão reunidas em torno da pesquisa aqui descrita e analisada.

O que muda no contexto desse projeto é o cruzamento dos hábitos narrativos, culturalmente burilados, com a liberação deste narrador para que escolha, em situação de mobilidade, o que tem importância e o que não tem. Ao circular pela cidade, ele poderá decidir o que deve ser narrado daquele lugar, especificamente. Conforme o foco e interesse desta reflexão, é neste ponto que reside a relevância maior do projeto Locast, em sua fase desenvolvida em Porto Alegre: a observação de práticas narrativas, em um processo que começa a assumir dimensões a cada dia maiores, a situação de mobilidade, não com possibilidade de relato posterior, mas diretamente do lugar, influenciado pelo espaço, portando tecnologia móvel. Essa perspectiva traz ainda possibilidades de reflexão relacionadas à própria narração, à movimentação dos sujeitos narradores, a sua relação com os lugares e também questionamentos referentes à memória.

Com a ampliação de possibilidades tecnológicas móveis e de sistemas para narração, as situações de narração do lugar têm suas dimensões ampliadas. Lemos (2008 p. 207) define tal processo como mídia locativa, conjunto de tecnologias e processos infocomunicacionais, cujo conteúdo informacional vincula-se a um lugar específico. “Locativo é uma categoria gramatical que exprime lugar, como ‘em’, ‘ao lado de’, indicando a localização final ou o momento de uma ação.” O autor acrescenta que as mídias locativas são dispositivos informacionais digitais, cujo conteúdo da informação está diretamente ligado a uma localidade. O processo de emissão e recepção de informação a partir de um determinado local implica uma relação entre lugares e dispositivos móveis digitais até então inédita, conforme esclarece Lemos (2008).

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1 NARRAÇÃO CAMINHANTE

Nessa linha de pensamento, Cunha (2009) entende que a ação narrativa caminhante assume dimensões locais e simultaneamente planetárias, mas distraída. O planeta jamais viveu um momento com tamanho grau de conexão entre as pessoas. Mas estes humanos nunca foram tão distraídos. Paradoxal ou não, este parece ser o retrato do instante planetário. O que se observa nas ruas das cidades, sejam metrópoles ou vilarejos, são caminhantes distraídos para honrar a conexão, exaustivamente mantida por intermédio das tecnologias móveis. Dessa relação, que reúne o contexto planetário e a observação distraída, surge a narração praticada pelos caminhantes em espaços constituídos por camadas de tempos e memórias. É a mesma e é outra comunicação, em que o narrador é também receptor, desenhando um processo complexo. Em consequência da crescente mobilidade humana e tecnológica, além da ampliação dos nós da existência em rede, as ações narrativas ocorrem em larga escala em primeira mão. Há muito mais narradores. O que antes se via à distância, por intermédio dos relatos de outros, hoje se enxerga de perto e se pode contar. Os humanos nunca foram tão móveis.

A virada da modernidade se caracteriza, em primeiro lugar, no século XVII, pela desvalorização do enunciado, pela concentração sobre o ato de enunciar, a enunciação, descreve Certeau (1994). Quando se tinha certeza quanto ao locutor (“Deus fala no mundo”), a atenção se voltava para o ato de decodificar os seus enunciados. Mas, quando essa certeza fica perturbada com as instituições políticas e religiosas que lhe davam garantia, pergunta-se pela possibilidade de localizar substitutos para o locutor único. Surge o problema de uma linguagem que se deve fazer e não mais somente ouvir. Cada discurso particular atesta a ausência do lugar que, no passado, era atribuído ao indivíduo pela organização de um cosmos. Ao perder seu lugar, o indivíduo nasce como sujeito. O lugar que lhe era fixado por uma língua cosmológica, torna-se agora um nada. Isso obriga o sujeito a apoderar-se de um espaço e colocar a si mesmo como um produtor de escritura. A escritura se torna um princípio de hierarquização social.

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Certeau (1994) enfatiza que a prática escriturística assumiu valor mítico nos últimos quatro séculos, reorganizando aos poucos por onde se estendia a ambição ocidental de fazer sua história e, assim, fazer história. A origem não é mais aquilo que se narra, mas a atividade multiforme e murmurante de produtos do texto e de produzir a sociedade como texto. Certeau (1994, p. 226) designa por escritura a atividade concreta que consiste, sobre um espaço próprio, constituir um texto que tem poder sobre a exterioridade da qual foi previamente isolado. O modelo de uma razão produtora escreve sobre o não lugar da folha de papel. Este texto construído num espaço próprio é a utopia fundamental e generalizada do ocidente moderno. “A cidade moderna também: é um espaço circunscrito onde se realizam a vontade de coligir-estocar uma população exterior e a de conformar o campo a modelos urbanos.”

2 A CIDADE NARRADA

A vontade de ver a cidade precedeu os meios de satisfazê-la, relata Certeau (1994). As pinturas medievais ou renascentistas representavam a cidade vista em perspectiva por um olho que, no entanto, jamais existira até então. Essas obras inventavam, ao mesmo tempo, a visão do alto da cidade e o panorama que ela possibilitava. “Essa ficção já transformava o espectador medieval em olho celeste” (CERTEAU, 1994, p.170). Certeau descreve a situação do espectador que sobe ao alto do antigo e agora inexistente World Trade Center, como o mesmo que ser arrebatado até o domínio da cidade. O corpo não está mais enlaçado pelas ruas que o fazem rodar e girar segundo uma lei anônima, nem possuído, jogador ou jogado. Aquele que sobe ao alto foge à massa que carrega e tritura em si mesmo toda identidade de autores ou de espectadores. Será necessário depois cair de novo no sombrio espaço onde circulam multidões que, visíveis lá do alto, embaixo não veem.

Embaixo, a partir dos limiares onde cessa a visibilidade, vivem os praticantes ordinários da cidade. Forma elementar dessa experiência, pensa Certeau (1994), eles são caminhantes, pedestres, cujo corpo obedece aos cheios e vazios de um texto urbano que escrevem sem poder lê-lo. A ideia da não leitura, aqui descrita por Certeau, torna-se

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interessante quando trazida para as situações de narração a partir das plataformas móveis. Os corpos obedecem ainda ao texto urbano, mas não são mais orientados apenas por essa perspectiva. Recebem também a orientação das narrações cruzadas. Os caminhantes ajudam cada vez mais na redação do texto urbano que acabam por ler e, por intermédio da reapropriação, reescrever.

E a própria perspectiva de cegueira do movimento dos corpos na cidade, conforme entende Certeau (1994) também existe numa perspectiva narrativa atualizada, digamos assim.

Esses praticantes jogam com espaços que não veem... Os caminhos que se respondem nesse entrelaçamento, poesias ignoradas de que cada corpo é um elemento assinado por muitos outros, escapam à legibilidade (CERTEAU, 1994, p. 171).

As redes dessas escrituras, pensa Certeau (1994), que avançam e entrecruzam-se, compõem uma história múltipla, sem autor nem espectador, formada em fragmentos de trajetórias e em alterações de espaços. Mas é por intermédio dos passos desses caminhantes que a cidade passa a ter sentido. Quando aborda esta perspectiva, Certeau (1994) afirma que cada uma de suas unidades é algo qualitativo, impossível contá-las. “Sua agitação é um inumerável de singularidades. Os jogos dos passos moldam espaços. Tecem os lugares” (CERTEAU, 1994, p. 176). Os processos do caminhar podem reportar-se em mapas urbanos de maneira a transcreverem-lhes os traços e as trajetórias. Porém, essas curvas remetem à ausência daquilo que passou. Só se deixa captar um resíduo colocado no não tempo de uma superfície de projeção. “Visível, tem como efeito tornar invisível a operação que a tornou possível. Essas fixações constituem procedimentos de esquecimento” (CERTEAU, 1994, p. 176). Nesta evolução, sem dúvida, os processos e operações narrativas tornam-se a cada dia menos visíveis, conforme observa-se em projetos e investigações em torno das plataformas móveis. Os acontecimentos narrados por uma multiplicidade de canais, com origem em fontes diversas, resultam em um texto único, a partir dos muitos fragmentos. A operação propriamente dita é mais sutil, menos visível do que os processos narrativos midiáticos

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centralizados em empresas e construídos até o momento. Muitos narram e leem, gerando um texto interminável, permanentemente tecido.

O ato de caminhar, reflete Certeau (1994), está para o sistema urbano como a enunciação está para a língua ou para os enunciados proferidos. O ato de caminhar parece encontrar uma primeira definição como espaço de enunciação. Considerada através desse prisma, a enunciação pedestre apresenta três características que a distinguem do sistema espacial: o presente, o descontínuo, o fático. Se existe uma ordem espacial que organiza um conjunto de possibilidades, por onde é permitido circular, e proibições, que impedem de prosseguir, o caminhante atualiza algumas delas. Ele tanto as faz ser, como aparecer, mas também as desloca e inventa outras, pois as idas e vindas, as variações ou as improvisações da caminhada, privilegiam, mudam ou deixam de lado elementos espaciais. Entendemos, a partir de Certeau (1994), que essas improvisações são hoje influenciadas por narrativas produzidas e pelos textos compartilhados. A narrativa “caminhante” tem em sua essência o compartilhamento. De nada mais adianta presenciar, seja qual for o fato, a notícia, o acontecimento, se ele não puder ser compartilhado e consequentemente influenciar outras andanças, mudanças de rota. Essa retroinfluência é talvez a principal novidade no processo de permanente deslocamento humano que gera hoje narrativas diversas.

O caminhante transforma, conforme Certeau (1994), em outra coisa cada significante espacial, cria algo descontínuo, seja efetuando triagens nos significantes da “língua” espacial, seja deslocando-os pelo uso que faz deles. “Vota certos lugares à inércia ou ao desaparecimento e, com outros, compõe ‘torneios’ espaciais ‘raros’, ‘acidentais’ ou ilegítimos. Mas isso já introduz a uma retórica da caminhada” (CERTEAU, 1994, p. 178). Esta arte de moldar frases tem como equivalente uma arte de moldar percursos. O uso define o fenômeno social pelo qual um sistema de comunicação se manifesta de fato: remete a uma norma.

“A gesta ambulatória joga com as organizações espaciais, por mais panópticas que sejam: ela não lhes é nem estranha (não se passa alhures) nem conforme (não recebe delas a sua identidade)” (CERTEAU,

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1994 p. 180). Ela insinua as suas muitas referências e citações, modelos sociais, usos culturais, coeficientes pessoais. Ela mesma é o efeito de encontros de ocasiões sucessivas que não cessam de alterá-la e de usá-la “como brasão de outra”. Esses aspectos instauram uma retórica e chegam mesmo a defini-la, pensa Certeau (1994).

“As figuras são gestos dessa metamorfose estilística do espaço. Ou antes, como afirma Rilke, árvores de gestos em movimento” (CERTEAU, 1994, p. 182). “Essas árvores de gestos se movimentam por toda a parte. Suas florestas caminham pelas ruas. Transformam a cena, mas não podem ser fixadas pela imagem em um lugar.” Caminhar é ter falta de lugar. É o processo indefinido de estar ausente e à procura de um próprio. A errância, multiplicada e reunida pela cidade, faz dela uma imensa experiência social da privação de lugar, “esfarelada” por deslocamentos e caminhadas, compensada pelas relações e os cruzamentos desses êxodos que se entrelaçam, criando um tecido urbano. Os lugares, reflete Certeau (1994), são histórias fragmentárias e isoladas em si, dos passados roubados à legibilidade por outro, tempos empilhados que podem se desdobrar. No entanto, estão ali como histórias à espera. Permanecem como quebra-cabeças, enigmas, simbolizações marcadas na dor ou no prazer do corpo. A ideia de histórias à espera entende-se, a partir da observação do projeto aqui analisado, que um processo passa a se complementar. Os lugares são agora narrados porque há possibilidades tecnológicas para tal, não por um determinismo, mas pelo fato de corpos e cidades já estarem há algum tempo em situação narrativa, mas isolada, não compartilhada. O sentido do lugar passa a existir também pela narração do outro e complementada a partir das novas vivências.

E as cidades são, a cada dia, o espaço mais significativo para estas investigações. É, nas cidades, como até foi possível inferir, que convivem as narrativas cruzadas, os textos corpóreos, que se somam numa grande obra textual. É, nas cidades, como afirma Bauman (2009 p.78), onde vive atualmente mais da metade do “gênero humano”. Elas são de certa maneira os depósitos onde se descarregam os problemas criados e não resolvidos no espaço global. São depósitos sob muitos aspectos, como o fenômeno global de poluição do ar e da água e “a

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administração municipal de qualquer cidade deve suportar suas consequências, deve lutar apenas com os recursos locais para limpar as águas, purificar o ar, conter as marés”. Tudo recai sobre a população local, sobre a cidade, sobre o bairro. As cidades são depósitos nos quais se procuram soluções locais para problemas que foram produzidos pela globalização. Talvez a afirmação de Bauman já seja de conhecimento comum, mas ressalta a necessidade de construção de estratégias para a sobrevivência em cidades que historicamente resultam da conformação do campo, reunindo aqueles que vieram de fora, em condições urbanas muitas vezes não satisfatórias. Trata-se, em certa dimensão, de uma comunidade que precisa localizar meios de superação, para solucionar problemas globais, como reflete Bauman (2009). Redes sociais, plataformas tecnológicas para narração compartilhada, a exemplo do próprio Locast, são recursos que podem estar inseridos para proporcionar a inclusão narrativa, com base em tecnologias móveis.

3 MEMÓRIA DO TEMPO PRESENTE

A narração, diretamente do local do fato, em condição de compartilhamento, traz também à evidência a ideia de retroinfluência, conforme descrito anteriormente, a partir de uma memória presente, encurtada pelo tempo de observação, registro e narração. Virilio (2006) define a memória “vivida”, memória do que ocorre no momento, como um elemento novo oferecido pelas tecnologias de comunicação. Isto traz um paradoxo, pois a televisão ou a internet e outras tecnologias promovem a ideia de uma memória do instante presente. “É como se houvesse um efeito de lupa não sobre um objeto, mas sobre um instante no tempo: um efeito de dilatação” (VIRILIO, 2006, p. 93).

Nesta perspectiva, o autor entende que as tecnologias funcionam para a memória como um telescópio. Virilio acredita que a internet e as tecnologias de informação permitirão ver o que se passa no mais curto espaço de tempo, o que se passa na comunicação. Neste ponto de sua reflexão, o autor define que esta é uma memória que diz respeito à comunidade, pois não há memória por si, memória, conforme o seu pensamento, é uma linguagem, um utensílio de comunicação. Não há memória que não seja coletiva. E essa memória

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está sendo construída, conclui-se a partir da investigação aqui analisada, em grande parte com base em tecnologias disponibilizadas para narração. É uma memória escrita a partir de muitos relatos simultâneos, desenhada sobre a ideia de comunidade, construída pelo próprio conhecimento da cidade.

4 JORNALISMO PARTICIPATIVO

Até aqui se analisa a prática narrativa, por intermédio de plataformas tecnológicas móveis, como uma evidência do fato que na modernidade valoriza-se o ato de enunciar. O sujeito passa a ser o enunciador e consequentemente precisa localizar o que narrar. O lugar à espera de ser narrado e já enlaçado com os corpos, transforma-se em elemento ou foco de narração. Neste mesmo processo evolutivo, esses corpos, saídos do campo e conformados pela retórica urbana, precisam ter estratégias de conformação e sobrevivência na modernidade e também em tempos globalizados. Narrar seus fatos, seus problemas, grandes e positivos, ou mesmo os buracos de rua, passam a ser na mesma medida – ou a acender as discussões a respeito – exercícios de um jornalismo participativo.

Jornalismo Participativo, de acordo com Bowman & Willis (2003), é o ato de um cidadão ou grupo de cidadãos atuar na coleta, reportação, análise e disseminação de notícias e informações. O objetivo dessa participação é proporcionar a independência que requer a democracia. No fenômeno do jornalismo participativo, não há critérios jornalísticos formais. É o resultado de muitas conversações simultâneas distribuídas.

Moretzsohn (2006) discute as teorizações que se constroem em torno do chamado jornalismo cidadão ou participativo e o equívoco de apontar um confronto entre cidadãos que desejam comunicar livremente e jornalistas. Em sua reflexão, Moretzsohn (2006, p. 63) também relaciona as alterações no papel do narrador às facilidades proporcionadas pelas novas tecnologias da comunicação. O fato vem provocando, entre muitas outras, a profecia do fim do jornalismo tal como o conhecemos: munido de um celular com câmera, operando um blog na internet, qualquer um se transformaria em repórter.

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Uma pequena pausa para reflexão levaria, entretanto, a arrefecer significativamente o entusiasmo diante dessa perspectiva supostamente democratizante – ou, talvez mais precisamente, libertária –, que acena com o ideal do poder pulverizado entre “todos” e esconde ou despreza os mecanismos através dos quais esse mesmo poder se reorganiza nas mãos dos poderosos de sempre, ao mesmo tempo que desconsidera um aspecto fundamental para sustentar a profecia: o caráter específico da mediação jornalística, que é o que legitima socialmente esse tipo de informação e impõe procedimentos necessários para que se lhe exija a indispensável credibilidade.

A autora cita declaração de Pinto (2005) para quem o papel da edição de informação se torna a cada dia mais necessário. O pesquisador considera provável, no entanto, que esta função tenha de coexistir com formas diversificadas de produção dos cidadãos que uns chamarão jornalismo e que serão a multiplicação de polos de enunciação e a amplificação dos círculos de produção da informação e de opinião na sociedade. Na mesma linha, Pinto (2005) entende que essas tendências, a continuarem e a consolidarem-se, constituirão plataformas relevantes de acompanhamento e de escrutínio público de media e do jornalismo.

Há ainda uma dimensão importante nas possibilidades narrativas de parte do cidadão, quando isto se relaciona ou é proporcionado pelas empresas. No caso do projeto Locast, a plataforma não está baseada em uma empresa de comunicação, mas viveria com certa independência. A observação das ofertas feitas pelas empresas evidencia outra dimensão do processo narrativo, relevante, mas que não está no centro do projeto PUCRS/MIT. Moretzsohn (2006) avalia que os acenos das empresas de comunicação ao “repórter cidadão” têm inapelavelmente esse sentido mistificador de sugerir que o “povo” fala, embora não edite. Além disso, representam uma econômica alternativa para obter matéria-prima a partir de uma mão de obra informal, que ao mesmo tempo se comove com a súbita valorização e retribui com sua audiência fiel.

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A edição é, sem dúvida, um ponto de corte fundamental. A cada dia, mais e mais espaços são oferecidos à audiência, que repentinamente passou a ser valorizada. No caso do Locast, trata-se de uma plataforma, onde não há previsão de edição final ou pós-produção do material, mas narrativas brutas, onde os fatos são apresentados sem uma finalização “perfeita”. Todavia, também não se observa nenhuma interferência da empresa RBS em critérios editoriais ou mesmo na edição final do material, antes de sua publicação.

Ainda sobre jornalismo cidadão, Moretzsohn (2006) sugere que, para recolocar a questão nos trilhos, será preciso recuperar o referencial de autoridade do jornalismo como mediador, implicado ao “quarto poder”. Para isso, pode ser necessário, segundo ela, desmistificar esse conceito e apontar o papel necessariamente político dessa mediação. Por isso, não há dúvida de que o testemunho (inclusive fotográfico ou videográfico) do cidadão sempre será importante, porém necessariamente como fonte a ser adequadamente checada. E isso se confirma na observação da produção narrativa por intermédio do projeto Locast. Todos se interessaram por narrar. Muitos narraram a cidade. Outros narraram os seus fatos, aqueles que lhes eram caros ou com os quais estavam envolvidos. Em boa dose, muitos narram para si e não para uma audiência, como se constitui nos processos tradicionais de comunicação.

Outro aspecto que interessa na observação é que são narrações resultantes do ato de deslocamento. Os jornalistas deixaram as redações com objetivos específicos, narram a partir de um fato em pauta. Seja por cidadãos ou por jornalistas, o conjunto evidencia uma narração sempre em primeira mão, o relato da fonte diretamente envolvida com o acontecimento. Convivem lado a lado na mesma plataforma Locast os fatos como pedras brutas a serem buriladas e polidas, jornalisticamente, e os fatos com suas relações e consequências, a partir de uma produção jornalística. Uma evidência que chama a atenção é o elevado número de projetos, como foram chamados, postados por profissionais da Rádio Gaúcha, pertencente ao Grupo RBS. Também foram distribuídos aparelhos de telefonia celular entre os jornalistas da Zero Hora, o jornal da mesma empresa.

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Uma possível explicação para isso pode estar relacionada ao que descreve Ortriwano (1985, p. 84) de que o rádio foi o primeiro meio de comunicação de massa que deu imediatismo à notícia, graças à possibilidade de divulgar os fatos no exato momento em que eles ocorrem. Mesmo a evolução da telefonia celular foi de grande valia para o rádio, pois aproximou o repórter da audiência, exatamente pela possibilidade de narração diretamente do lugar do acontecimento. Isso ganha força com o uso do telefone celular, alterando o conceito de velocidade e instantaneidade, define Del Bianco (2008).

O que contribuiu para aprofundar e explorar a característica do imediatismo inerente à natureza tecnológica do rádio. O tempo entre o acontecimento e a veiculação da notícia foi encurtado. A cobertura ao vivo criou uma sensação de participação do ouvinte no cenário dos principais acontecimentos políticos da época (DEL BIANCO, 2008, p. 5).

E, quando se aborda a questão do processo de produção da informação, é relevante trazer o pensamento de Ortriwano (1985), para quem a matéria-prima do jornalismo são os acontecimentos que irão ser ou não formatados como notícia. No projeto Locast, observa-se que estes acontecimentos estão todos narrados, com ou sem formatação. Composta de informação atual, que pode ser lida, escrita, filmada, é a própria rotina do jornalista que produz, formata e entrega ao público a mensagem pronta. Ortriwano (1985) considera que a atuação informativa baseia-se na notícia, que pode apresentar-se de forma pura, limitada ao relato simples do fato em sua essência ou de forma ampliada, incluindo-se a reportagem e os comentários, tanto interpretativos como opinativos. A rede da informação apresenta os fatos objetivos, precisos, para quem não pode estar no local, na hora do acontecimento.

E essa é realmente uma dimensão interessante, quando revisitamos os conceitos a respeito da produção jornalística. Se o pensamento de Certeau (1994) aponta que a virada da modernidade iluminou a enunciação, verificamos que as possibilidades tecnológicas narrativas são uma representação da chegada ao contexto contemporâneo, do que começou a ser desenhado anteriormente.

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Interessa cada vez mais, proporcionado pelas plataformas, mas também pelo interesse da audiência, o ato de enunciar. Assim, a ideia de Molotch e Lester (1993, p. 34) de que “as notícias são o resultado desta necessidade invariante de relatos do inobservado, desta capacidade de informar os outros, e o trabalho de produção daqueles que estão nos media”, que coincide com o pensamento de Ortriwano, de 1983, sobre o relato para quem não pode estar no local, precisa ser questionado a partir variante que se torna o local. No conceito de mídia locativa, descrito por Lemos (2008) e demais autores desta mesma linha, o local passa a ser determinante no processo narrativo. Enunciar daquele lugar tem mais relevância e constitui um critério acrescentado ao processo jornalístico tradicional, por intermédio da participação dos cidadãos ou não.

O jornalista, de sua parte, trabalha com acontecimentos que podem ou não ser noticiáveis. Para Rodrigues em Traquina (1993, p. 27), cada acontecimento pertence a uma escala de probabilidades de ocorrência. O fato seria, assim, mais noticiável quanto menor fosse a sua probabilidade de ocorrer.

O acontecimento jornalístico é, por conseguinte, um acontecimento de natureza especial, distinguindo-se do número indeterminado dos acontecimentos possíveis em função de uma classificação ou de uma ordem ditada pela lei das probabilidades, sendo inversamente proporcional à probabilidade de ocorrência. (RODRIGUES, 1993 p. 27).

O tempo determina outra característica da notícia: o imediatismo. Schlesinger destaca: “A notícia é uma mercadoria. Vista de um ponto de vista temporal, é definida pela sua qualidade efêmera e transitória”. No dia a dia das redações de rádio e televisão, pois o jornal não consegue transmitir suas reportagens instantaneamente, o imediatismo de acordo com o autor é um conceito dado ao tempo decorrente entre a ocorrência de um acontecimento e a sua transmissão pública, a notícia.

O imediatismo age como uma medida para a deteriorabilidade. Quanto mais imediatas mais ‘quentes’ são as notícias. São ‘frias’ e ‘velhas’ quando já não podem ser utilizadas durante o dia noticioso em questão. (SCHLESINGER, p. 181).

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Traquina (1993, p. 68), ao falar sobre a notícia, afirma que os jornalistas não são simples observadores passivos, mas participantes ativos no processo de construção da realidade. As notícias, segundo ele, não podem ser vistas como emergindo naturalmente do mundo real, mas acontecem na conjunção de acontecimentos e de textos. “Enquanto o acontecimento cria a notícia, a notícia também cria o acontecimento.”

No que diz respeito à narrativa, o autor entende que, embora sendo índice do real, as notícias registram as formas literárias e as narrativas utilizadas pelos jornalistas para narrar o acontecimento. Ao citar Robert Karl Manoff, Traquina (1993, p. 169) afirma que a escolha narrativa feita pelo jornalista não é inteiramente livre, mas orientada pela aparência que a realidade assume para ele, pelas convenções que moldam a sua percepção e fornecem o repertório formal para a apresentação dos acontecimentos pelas instituições e rotinas. “As formas literárias e as narrativas garantem que o jornalista, sobre a pressão tirânica do fator tempo, consegue transformar, quase instantaneamente, um acontecimento numa notícia.”

As notícias são o resultado de um processo de produção, definido como a percepção, seleção e transformação de uma matéria-prima, no caso os acontecimentos, num produto, que são as notícias. Os acontecimentos são um imenso universo de matéria-prima, pensa Traquina (1993). A observação da experiência Locast, num contexto em que convivem diferentes plataformas tecnológicas disponíveis para narração, amplia a lente ou o foco sobre todos esses conceitos. Coexistem as diferentes aparências que a realidade assume, para jornalistas e para cidadãos, o tempo de narração e de finalização passa a ser determinado, numa expressão um pouco mais forte, pela possibilidade da plataforma que o sujeito for capaz de portar, que pela não linearidade, manterá os projetos sob demanda.

5 CONSIDERAÇÕES NARRATIVAS OU EXPRESSÃO

Narração “caminhante”, narrativas da cidade, memória do tempo presente, jornalismo cidadão, variáveis que se cruzam e que têm na essência a intervenção do sujeito, agora presente no local do acontecimento, permitindo que o lugar indique o critério narrativo, porque

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afinal ele está munido de equipamentos capazes de registrar e compartilhar informações. Mas há intencionalidade no ato narrativo da parte deste sujeito? Sim, o sujeito ingressa num jogo narrativo, por intermédio do qual captura informações e distribui. Mas o que ele deseja, além de estar no centro da evolução de um processo, que encontra sua origem no ingresso na modernidade? Esta pergunta é perseguida por muitas reflexões em torno do tema. Augé (2006) entende que a sociologia real ou a sociedade real é mais complexa do que os modelos que tentam dar conta dela. Na realidade concreta, os elementos que justificam ou dirigem a elaboração de modelos interpretativos não se excluem, mas se sobreadicionam.

Na realidade, tal como podemos observar concretamente, nunca houve desencanto do mundo, nunca houve morte do Homem, fim de grandes relatos ou fim da História, mas houve evoluções, inflexões, mudanças e novas ideias, ao mesmo tempo em que reflexos e motores de mudanças (AUGÉ, 2006, p. 115-116).

Entendemos, a partir da observação das ações narrativas no projeto Locast, que as formas de expressão e as apropriações em relação às tecnologias narrativas encontram-se em diálogo dentro de um mesmo contexto e emergem simultaneamente. Augé (2006) reflete sobre a individualização dos destinos ou dos itinerários e sobre a ilusão da livre escolha individual, o que, segundo ele, desenvolve-se a partir do momento em que se debilitam as cosmologias, as ideologias e as obrigações intelectuais com as quais estão vinculadas. Augé (2006 p.107) cita que “o mercado ideológico se equipara a um self-service, no qual cada indivíduo pode prover-se com peças soltas para ensamblar sua própria cosmologia e ter a sensação de pensar por si próprio”.

Augé (2006) cita o pensamento de Max Weber que, para evocar a modernidade, fala sobre o desencanto do mundo, apresentando três características. A primeira é o desaparecimento dos mitos de origem, dos mitos de fundação, de todos os sistemas de crença que procuram o sentido do presente da sociedade em seu passado. Surge também o desaparecimento de todas as representações e crenças que, vinculadas a

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esta presença do passado, submetiam a existência e, inclusive, a definição do indivíduo de seu meio. O homem do Século das Luzes é o indivíduo dono de si mesmo, de quem a Razão corta os laços supersticiosos com os deuses, com a terra, com sua família, que afronta o porvir e se nega a interpretar o presente baseado em magia ou bruxaria.

Seja qual for o objetivo deste sujeito, agora independente sob uma perspectiva moderna, mas enlaçado no nó da rede que ele mesmo ajuda a tecer, ele é elemento propulsor de uma ação narrativa infinita. É exatamente por conta dessa independência que a produção de conteúdos e textos hoje chega a uma dimensão planetária, capaz de narrar desde o buraco na rua até fatos jornalísticos de grande relevância em escala internacional. Todos eles convivem lado a lado. São fatos, acontecimentos, notícias que circulam como matéria-prima, em estado bruto ou pós-produzido profissionalmente. Não podemos esquecer que já há à disposição dos cidadãos tecnologias móveis capazes de proporcionar finalização profissional, ou próximo disso, dos conteúdos compartilhados. Mas esta é a próxima etapa de um processo desordenado de produção de conteúdos, que permanecerá assim em nosso entendimento e está apenas começando. Mais do que uma estratégia consciente, é uma conformação do sujeito às transformações pelas quais vem passando na modernidade. Mais do que isolamento e navegação solitária, é solidariedade por intermédio do compartilhamento de informações.

REFERÊNCIAS

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LOCAST E O POTENCIAL DA INFORMAÇÃO GEOLOCALIZADA

Dr André Fagundes Pase1

RESUMO

O artigo busca refletir as ações realizadas durante o período de uso da ferramenta Locast em Porto Alegre. Além de observar a implantação e a prática, que sinalizam como as ferramentas completam o ofício jornalístico e as práticas cidadãs, também é possível pensar em futuros desdobramentos da plataforma. PALAVRAS-CHAVE: Locast; jornalismo; geolocalização; citzen journalism.

Uma das marcas da contemporaneidade digital não é apenas a

propagação da informação pelos caminhos digitais, mas a fusão do jornalismo com as linguagens de programação. A natureza open-source do Android permite a criação de aplicações atualizadas praticamente em tempo real com o código livre para colaboração em torno de um objetivo único. No caso do Locast, isto pode ser observado em duas etapas.

Antes de o sistema ser disponibilizado para o público, alguns arquivos precisaram de tradução. Mesmo que o sistema apresentasse palavras do universo digital comum dos usuários, como “login”, foi preciso traduzir parte do material para o português. A atividade foi realizada em paralelo com a equipe de Boston, pois foi necessário validar os arquivos.

O segundo momento aconteceu durante o workshop inicial do Locast, envolvendo os alunos da Faculdade de Comunicação da PUCRS, a equipe da RBS e o time remoto do Mobile Experience Lab do MIT. Os problemas do software eram detectados pelo grupo durante a apresentação e, quase que instantaneamente, o código era atualizado e publicado. Esta possibilidade reduziu em grande parte erros de processo que poderiam ter ocorrido durante a prática do projeto. Compreende-se

1 Doutor, professor de Jornalismo e coordenador da especialização em Desenvolvimento de Jogos Digitais da Famecos/PUCRS. E-mail: [email protected].

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que o mesmo poderia ter sido realizado com o kit de desenvolvimento do iPhone, por exemplo, porém as liberdades de instalação do software sem caminhar para uma loja como a iTunes Store ou sem a necessidade da sincronia como desenvolvedor autorizado garantiram agilidade no projeto.

1 PRÁTICAS E PUBLICAÇÕES

Mesmo com todo o esmero para configurar o sistema, na prática o Locast revelou seu verdadeiro potencial. Além da mobilidade de comunicação, os participantes do projeto utilizaram o material para documentar fatos do cotidiano, problemas com o trânsito e eventos culturais, sobretudo. Além disso, a infeliz tempestade que atingiu Porto Alegre no dia 17 de novembro de 2009 tornou-se uma data especial para avaliar como o Locast poderia ser uma base com informações para orientação em um cenário adverso.

A possibilidade de indexação geográfica dos vídeos permite um olhar duplo sobre o material publicado em tempo real. Não apenas é um mapa com os locais ou uma lista com o que foi publicado recentemente, mas o cruzamento dos dois dados. No caso do dia 17, foi possível visualizar os estragos provocados na cidade de uma maneira diferente. Apenas as notícias ou simples imagens colocadas no Twitter, por exemplo, perdem o contexto espacial, sobretudo quando a população precisa pensar como será o seu deslocamento pela cidade.

Outro aspecto interessante relatado pelos participantes foi a reação dos entrevistados quando filmados. Muitas vezes, as câmeras provocam reações adversas nas pessoas em foco, que apresentam sinais de nervosismo ou intimidação pelo aparelho. O celular age de maneira menos feroz e, dado o seu uso cotidiano, não se torna tão intrusivo em alguns momentos. Além disso, seu manejo fácil permite que seja carregado mais facilmente pelo citzen journalist ou profissional, que já utiliza o aparelho e não necessita de mais gadgets para sua rotina.

A observação das publicações revela que os jornalistas utilizaram a ferramenta inicialmente para informações de contexto da notícia, também conhecidas como “pautas ambientais” no jargão jornalístico, e, sobretudo pela equipe de Zero Hora, como ferramenta para gravação e

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transmissão de entrevistas, com o vídeo servindo para posterior degravação e utilização em matérias textuais.

Este uso parece simples, porém é muito útil para o profissional do texto. Ele conta com um complemento para as suas anotações e ainda enriquece o site da sua publicação, com material captado em outras linguagens que pode ser utilizado pelo impresso como ponte para o online e, o mais importante, auxilia na compreensão dos fatos. Desta forma, a ferramenta digital não obriga o jornalista a realizar mais uma ação, mas sim facilita a sua vida. Muitas vezes, a equipe da redação reage contra mais uma tarefa no ato da reportagem, sobretudo quando envolve o online. Ressaltar que a ação substitui outras e ainda é prática, como observado com o Locast, pode servir no processo de inclusão do celular como companheiro de captação de dados.

Além disso, o uso do Locast para captar os bastidores da captação também foi observado. Porém, este recurso deve ser direcionado para pautas em específico, pois nem tudo o que acontece com a equipe é de interesse do grande público. Controlar esta espécie de publicação, sobretudo valoriza quando ela é colocada em foco.

Apesar de não contar com a pressão pela busca da informação, a equipe de pesquisadores também captou em tempo real, porém preocupados com o fato, não o instante. Muitas vezes a publicação era realizada horas depois, porém houve a busca por um conjunto de planos-sequência, entrevistas e imagens dos fatos sem edição. Esta forma culminou por revelar um vídeo orgânico. Não se trata aqui de rejeitar o fino cuidado da edição, necessário quando há tempo disponível, mas sim observar que a informação direta, desde que acompanhada de uma orientação sonora ou visual do repórter/citzen journalist também é válida. Aliás, esta publicação permite que outra, mais refinada, seja realizada posteriormente.

Desta forma, o Locast completa o trabalho do profissional e permite que o público faça um mapa natural do que acontece ao seu redor. Este conteúdo pode ser utilizado por uma empresa jornalística, desde que não haja interferência no conteúdo ou mesmo o público evite publicar por achar que uma publicação pode ir contra o princípio do site. A moderação e gestão do sistema prescindem de transparência e guias claros.

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2 PROPOSTAS PARA NOVAS AÇÕES

As ações do Locast em Porto Alegre mostram que a ferramenta é única e interessante. O uso pelos profissionais e pesquisadores revela que este foi apenas o primeiro impacto, e a tecnologia tem plenas condições de ser utilizada em outros momentos e com novas possibilidades.

A plataforma já conta com integrações, mas uma eventual conexão com a API do Twitter permitiria não postar do Twitter para o Locast, mas sim o Locast avisar que há um novo cast. Isto permitiria utilizar uma informação pública em uma timeline específica, sem a necessidade de acompanhar uma pessoa em especial. Além disso, informar o nome de usuário no Twitter do publicador permitiria um diálogo provocado pelo Locast, mas sem poluir o ambiente inicial com informações específicas.

Outro uso poderia ser como plataforma para um exercício de newsgaming. Não apenas provocar o público para publicar e valorizar o material no ar com um escore, premiando quem mais contribuísse pelo seu bairro com algum prêmio, mas também posicionando informações em locais específicos. Cada participante do processo poderia publicar o material que encontrasse e, ao participar de uma gincana virtual, promoveria a informação no seu bairro.

Assim, observa-se que o Locast foi um catalisador de processos e despertou profissionais e pesquisadores locais para o uso do celular como vetor de publicação geolocalizada. Novas pesquisas permitirão não apenas avanços, mas também tornarão a ferramenta mais conhecida e respeitada pelo público.

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LOCAST CIVIC MEDIA E AS REDES SOCIAIS MÓVEIS NA RECONFIGURAÇÃO DOS ESPAÇOS URBANOS

Sandra Henriques1

RESUMO

Com o desenvolvimento das tecnologias móveis, novas formas de socialidade passaram a ser construídas pela sociedade pós-moderna. Em redes sociais na internet, as relações passaram a ser desterritorializadas em espaços virtuais promovendo novos agrupamentos entre os indivíduos. Neste trabalho, buscamos salientar os novos processos de reterritorialização dos lugares físicos nas trocas sociais através da telefonia móvel, e como estes vêm alterando a comunicação entre os sujeitos. Nosso foco é observar, através do projeto Locast Civic Media, as possibilidades de reconstrução dos espaços urbanos através de reportagens produzidas, que busquem retratar o cotidiano das comunidades potencializadas pelas redes sociais móveis. PALAVRAS-CHAVE: Locast Civic Media; redes sociais móveis; reterritorialização; pós-modernidade.

INTRODUÇÃO

Com o surgimento da web na década de 90, as possibilidades de uma maior aproximação entre os sujeitos vêm estimulando a interação social e a interferência destes naquilo que é produzido no ciberespaço. Este novo contexto mistura-se ao nosso ambiente cultural quase que de maneira imperceptível.

Através do rápido progresso tecnológico surgem novas formas de socialidade que são proporcionadas e difundidas através de redes estabelecidas pelos meios digitais. Novas concepções sociais estão sendo construídas, revelando particularidades que são características da 1 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS e Bolsista de Mestrado do CNPq. Orientada pelo Prof. Dr. Eduardo Campos Pellanda. E-mail: [email protected]. O presente trabalho foi realizado com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq – Brasil.

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emergência que a sociedade atual têm em interferir no processo comunicacional. Neste sentido, pode-se observar que as formas dos indivíduos interagirem é alterada pelo desenvolvimento da internet e da web e pela potencialidade na qual esta última possui na ampliação do contato entre os indivíduos. Com sua descoberta, as referências de espaço-tempo que determinavam territorialmente o processo de comunicação entre os sujeitos foram sendo caracterizadas pela possibilidade de uma interação virtual mediada pelo computador.

Estas novas formas de comunicação entre os indivíduos estão inseridas em um contexto: a pós-modernidade, quem tem como base a valorização dos indivíduos, das tribos e do cotidiano. A vontade de formação de grupos parte dos indivíduos, criando uma ruptura no processo racional da modernidade. As relações sociais pós-modernas se dão de forma fluída e instantânea, sendo construídas em busca do prazer e da felicidade dos indivíduos.

Com o desenvolvimento das tecnologias móveis, outros fatores são agregados às formas de interação entre os indivíduos. A desterritorialização proporcionada pela virtualidade passa por uma reconfiguração. Atualmente buscamos reterritorializar os espaços urbanos com a possibilidade de comunicação através de internet sem fio, fator este que vem desenvolvendo novas apropriações dos indivíduos em relação aos lugares onde vivem.

Pretendemos mostrar neste trabalho como os indivíduos vêm utilizando estas novas tecnologias de forma a resgatar um sentimento de pertença aos locais, promovendo novos agrupamentos, novas redes sociais móveis que não apenas se utilizam do virtual para interagirem, mas que estão amparadas na hibridização entre os espaços físicos e virtuais reconfigurando os espaços urbanos das cidades.

1 RELAÇÕES SOCIAIS NA PÓS-MORDENIDADE

Para compreendermos como é possível a formação de redes sociais potencializadas pelas tecnologias móveis, devemos procurar compreender como se constroem as relações sociais em nosso momento atual. Utilizaremos como referência a pós-modernidade.

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As vontades dos indivíduos, na pós-modernidade, são mais destacadas do que a imposição de regras sociais, de normas que os induziriam a realizar determinadas ações. Quando inseridos em grupos, as vontades são compartilhadas entre todos e dentro de cada um, somando-se e fazendo valer a unidade que irá mobilizar o grupo (SIMMEL, 2006). Assim se constroem as redes sociais em nosso contexto social atual, baseando-se nas trocas em que um indivíduo exerce efeito sobre os demais, e também sofre efeitos por parte deles. É o que Simmel denomina “sociação”, ou seja, tudo o que está presente no indivíduo de modo a engendrar ou mediatizar sobre os outros, ou a receber esses efeitos dos outros (2006).

Embora não se referindo diretamente ao termo redes sociais, Simmel salienta que as “massas” – os grupos – partilham de um mesmo sentimento e motivação que faz com que surja uma espécie de coletivismo que pode ser direcionado para os mais diversos fins e que, em grupo, o indivíduo vai além das noções de consciência individual, “esse fenômeno se deve provavelmente à influência mútua, ocorrida por intermédio das emanações de sentimentos difíceis de detectar” (SIMMEL, 2006, p. 52). Esses sentimentos podem demonstrar uma satisfação de estar justamente socializado.

Os grupos sociais possuem direções para suas ações muito mais definidas do que o indivíduo. A busca pelo alcance de um objetivo comum seria a finalidade das ações grupais, a unidade de uma rede é fortalecida pela diversidade de sujeitos que a compõem. As trocas entre os indivíduos são partilhadas almejando algo que lhes é de vontade comum. Segundo Simmel (2006), a própria sociedade, em geral, significa a interação dos indivíduos, e esta surge a partir de determinados impulsos ou da busca de certas finalidades comuns. Estes interesses sejam eles sensoriais, ideais, momentâneos, duradouros conscientes, inconscientes, casuais ou teleológicos, formam a base da sociedade humana. Assim, Simmel enfatiza: “(...) quando se considera o indivíduo em si e em seu todo, ele possui qualidades muito superiores àquelas que introduz na unidade coletiva” (SIMMEL, 2006, p. 48).

As diferenças que permeiam as relações entre os indivíduos e os grupos sociais passam por um aspecto importante destacado por

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Simmel “a imortalidade fundamental dos grupos se contrapõe à transitoriedade do indivíduo humano” (SIMMEL, 2006, p. 39) e “a unidade do grupo que se sustenta sobre os indivíduos e seus componentes (...) precisa ser tratada como se ela fosse um sujeito com vida, lei e características internas próprias” (SIMMEL, 2006, p. 40). Assim, podemos considerar que o sujeito não é mais o único ângulo de ataque para a compreensão da vida do indivíduo social e de suas relações com o meio social e natural “é possível que este seja mais dirigido do que ator, mais submetido do que mestre e possessor, em primeiro lugar, de si mesmo e, em seguida da natureza” (MAFFESOLI, 1992, p. 154).

Maffesoli (1992) enfatiza que vivemos atualmente em uma “ambiência objetal” na qual o objeto toma lugar do sujeito, onde o indivíduo não é mais o “eu” poderoso e solitário, mas um objeto entre outros, intercambiável à vontade, e que nisto pode haver um espécie de prazer. A prevalência do objeto é uma forma de se pensar o coletivo: o “eu” cede lugar ao “nós” (p. 156).

O conceito trazido por Maffesoli trata as relações diante do contexto atual, como socialidade, na qual ele ressalta que os indivíduos se agregam de forma espontânea e por afinidades, não por uma relação formada por regras e instituições.

Durante o processo de socialização, os sujeitos buscam uma forma de interação que envolva elementos que levem à troca de ideias e contextos vividos. Os laços sociais se constroem a partir das conexões que se fazem perante aquilo que os indivíduos possuem em comum. Para Maffesoli (2000), é a “força da atração” daqueles que pensam e sentem como o outro que faz com que a interação ocorra entre aqueles que têm os mesmos interesses e vontades,

a ligação entre a emoção compartilhada e a comunalização aberta é que suscita essa multiplicidade de grupos, que chegam a constituir uma forma de laço social, no fim das contas, bem sólido (MAFFESOLI, 2000, p. 18).

Este laço social é algo que está relacionado a uma questão de estar junto, de troca, de pertencer ao grupo. Pode-se avaliar que há uma

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relação de prazer no contato com o outro. Para o autor, o essencial se encontra na invariabilidade do homem em sociedade, na comunhão, na mais-valia do vivido. A douta ignorância e o senso comum são formas importantes de perceber o contexto social e as relações humanas, deixando de lado apenas um processo racional.

Os laços sociais são a efetiva conexão entre os atores sociais que estão envolvidos na interação (RECUERO, 2009) e podem ser compreendidos como laços fortes e fracos (GRANOVETER, 1973), dependendo do grau de interação, de relação entre os indivíduos. Os laços fortes compreendem relações de intimidade, de proximidade entre os sujeitos, já os laços fracos estão relacionados a relações esparsas, fluidas, podendo ser gerados por um interesse em comum entre os indivíduos e que tendem a se dispersar em um curto espaço de tempo, diluindo-se quando os interesses de ambos são saciados.

Para Maffesoli, a sociedade passa por uma reconfiguração. As novas tribos urbanas emergem demonstrando que o estar-junto por vontade, por interesse em comum é o que predomina em nossa vida social. “Ao lado da existência de uma sensação coletiva, vamos assistir ao desenvolvimento de uma lógica de rede” (MAFFESOLI, 2000, p. 121), ou seja, os processos de atração entre os indivíduos se farão por escolha. É o que o autor chama de sociedade eletiva. Em nossa sociedade atual, os nós construídos com outros indivíduos são potencializados pelas novas tecnologias, demonstrando que um novo aspecto tribal está se constituindo de forma a impulsionar a construção de novas formas de sociabilidade.

Diante deste contexto da sociedade em rede (CASTELLS, 1996), é possível perceber que a ampliação das tecnologias foi fator determinante para a potencialização da comunicação entre os sujeitos, que passam cada vez mais a interagirem entre sí através de mediação de computadores e tecnologias de acesso à internet sem fio (telefones celulares, Wi-Fi).

Estas redes são observadas na relação entre atores (pessoas, instituições e grupos) e suas conexões, tratando-se de uma abordagem focada nas estruturas sociais (RECUERO, 2006).

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No ciberespaço, as redes são ampliadas devido à potencialidade da interação mediada pelo computador, o que determina que uma organização social diferenciada seja realizada entre os internautas. Destas organizações surgem as comunidades virtuais. Segundo Rheingold (1993), as comunidades virtuais são os agregados sociais surgidos na Rede (Web), quando os intervenientes de um debate o levam por diante em número e sentimento suficientes para formarem teias de relações pessoais no ciberespaço. Estas novas formas de agregações se apoiam em softwares (blogs, fóruns, chat’s e sites de relacionamentos) que permitem a construção e consolidação das interações. As comunidades virtuais podem ser tratadas como tentativas de explicar como se processam as redes sociais na Internet, através de seu potencial de interação. Porém, com o desenvolvimento da comunicação sem fio, móvel, novas modificações nas práticas sociais vêm ocorrendo, mostrando as potencialidades que as comunidades virtuais, antes desterritorializadas no ciberespaço, têm de se reterritorializar em espaços físicos.

2 TECNOLOGIAS MÓVEIS

As trocas de informações e a interação estão cada vez mais sendo realizadas através de sistemas de internet sem fio (“Wi-Fi” e “Wi-Max”) e telefonia móvel, através dos celulares. São as tecnologias nômades (laptops, palms e celulares, GPS, Bluetooth) que vêm proporcionando que os indivíduos interajam e expandam seus contatos através destas redes telemáticas (LEMOS, 2005). No Brasil, o número de usuários de 3G já chega a 11,9 milhões, contra 11,8 milhões de assinantes da banda larga fixa.

A mobilidade é o movimento dos corpos em espaços, localidades e entre espaços públicos e privados. Através da mobilidade amplia-se a possibilidade de os indivíduos trocarem informações sobre um determinado fato, ampliando a capacidade das trocas e proporcionando a formação de grupos. O “cordão-umbilical” da Internet fixa com as paredes se rompe e nasce uma rede nas ruas, nas praças e até em outros lugares entre paredes (PELLANDA, 2005, p. 84).

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Neste caso podemos observar que novas reconfigurações dos espaços urbanos passam a se desenvolver, pois, a partir do momento em que os indivíduos começam a ter a possibilidade de troca de informações e busca de fatos estando no instante em que os eventos acontecem, os espaços, físico e virtual, passam a interagir e ressignificar os lugares. É o conjunto de processos e tecnologias na emissão de informação digital a partir de lugares/objetos, processada pelos sistemas de internet sem fio. Lemos denomina esse processo de “mídias locativas”. Segundo ele, estas mídias são como um conjunto de tecnologias e processos infocomunicacionais cujo conteúdo informacional vincula-se a um lugar específico (LEMOS, 2008).

Dessa forma, os lugares/objetos passam a dialogar com dispositivos informacionais, enviando, coletando e processando dados a partir de uma relação estreita entre informação digital, localização e artefatos digitais móveis (LEMOS, 2008, p. 207).

Através da telefonia móvel, é possível fotografar, filmar um fato no momento em que ele está acontecendo, bem como redigir uma informação sobre este e enviá-lo via telefone celular com acesso 3G para redes sociais na internet e também para plataformas digitais que permitem a qualquer indivíduo enviar informações. Esta nova forma de apuração e emissão de informações retrata uma nova forma de se fazer jornalismo, o chamado jornalismo cidadão.

Estas tecnologias, muitas vezes são utilizadas para a mobilização, como, por exemplo, no caso das tsunamis que atingiram a Àsia e Àfrica em 2004. Durante esta tragédia, a falta de comunicação impedia que as mídias de comunicação de massa tivessem acesso aos locais da tragédia. Foi então que as tecnologias móveis com acesso à internet sem fio tiveram papel fundamental, ajudando na veiculação de informações sobre o desastre em tempo real através de blogs, celulares e palmtops.

As tecnologias móveis não só transcenderam as limitações geográficas como mostraram como o seu uso está transformando a forma como as pessoas interagem e se relacionam no dia a dia e durante uma tragédia de gigantescas proporções. (LEMOS, online)

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Nesse sentido, podemos observar as potencialidades que as tecnologias móveis possuem na mobilização dos indivíduos. As novas formas de comunicação sem fio estão redefinindo o uso do espaço de lugar e dos espaços de fluxos (CASTELLS, 1996). Estes espaços vêm construindo novas tribos urbanas nômades (MAFFESOLI, 1996), que estão ligadas entre si através de aparelhos móveis conectados à internet.

As mídias móveis vêm construindo novas formas de territorialização. A possibilidade de os processos de localização dos indivíduos por redes sem fios através de plataformas virtuais de geolocalização permitem visualizar mensagens ou encontrar outros indivíduos que estão próximos geograficamente. Estas práticas reforçam a hibridização entre o espaço físico e o ciberespaço, possibilitando novas práticas de espaços e fomentando novas formas de relações sociais.

Algumas formas de agrupamentos já podem ser vistas através da potencialização das tecnologias móveis, como as smart mobs, grupos formados que se unem em multidões para realizar um conjunto de práticas com finalidades artísticas, ou até mesmo com um cunho ativista em relação a determinado fato. Elas são constituídas por pessoas que são capazes de agirem juntas mesmo sem se conhecerem. As pessoas que participam das smart mobs cooperam de maneira inédita porque dispõem de aparatos com capacidade tanto de comunicação como de computação (RHEINGOLD, 2002). Outra tendência na formação destes grupos é chamada de flash mobs, que, embora sejam caracterizadas da mesma forma que as smart mobs, possuem uma peculiaridade: a instantaneidade e a rápida dispersão dos indivíduos. Para Lemos (2005, p. 13):

Podemos dizer que as “smart mobs” são fenômenos de massa. Elas se caracterizam por serem: 1. Abertas que tendem a crescer e onde reina a igualdade (a massa formada é aberta a priori, constituída de indivíduos que não pertencem ao mesmo grupo e que vão exercer o sentimento de igualdade juntando-se); 2. Elas são rítmicas (vão no movimento da convocação – por SMS, e-mails, blogs – onde “a densidade é conscientemente estruturada para esquivar e reaproximar”) e; 3. Elas são rápidas.

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O que diferencia as smart mobs de outras multidões organizadas é o uso de tecnologias digitais móveis como potencializadores destas agregações em espaços públicos. Estes agrupamentos caracterizam as relações sociais pós-modernas, nas quais, como já observamos, são realizadas de maneira individualista, fluida, instável e frágil, porém a valorização emocional das relações se destaca, fazendo com que cada vínculo que um indivíduo construa com o outro seja permeado de sentimentos. A interação entre as pessoas na mobilidade tem possibilitado novas formas de comunicação ubíqua (PELLANDA, 2005).

Estes espaços híbridos de comunicação podem ser chamados de territórios informacionais, dependentes do espaço físico e eletrônico aos quais eles se vinculam, criando pertencimentos, sejam eles simbólicos, relacionais, informacionais. Para Lemos (2008), estes territórios são desenvolvidos pelas mídias pós-massivas, que “permitem a comunicação bidirecional através de um fluxo de informação em rede” (LEMOS, 2008).

3 LOCAST CIVIC MEDIA

O Locast é uma plataforma móvel e online desenvolvida pela parceria entre MIT Mobile Experience Lab (Laboratório de Experiências Móveis do MIT) e a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). O projeto permite que cidadãos atuem de forma ativa no processo de coletar, reportar e disseminar notícias e informações relacionadas com as suas rotinas urbanas.

Notícias e avisos serão criados, coletados e divididos em tempo real através do site Locast e de um aplicativo especialmente desenvolvido para uso em telefones celulares. Em sintonia com a participação democrática permitida pelo projeto, a população é convidada a dialogar com os produtores do Locast pelo site e, também, contribuindo com outros conteúdos captados e enviados pelos seus telefones, câmeras, webcams e gravadores. (LOCAST, online)

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Figura 1: Página inicial Locast

Durante o período inicial de aplicação, de 16 a 23 de novembro

de 2009, o projeto contou com o apoio de estudantes de graduação e pós-graduação da Faculdade de Comunicação Social (Famecos) da PUCRS e do grupo de mídia RBS TV que participaram na busca de fatos cotidianos. O Locast Civic Media tem como intenções explorar a mídia cidadã aplicada ao contexto do local como ferramenta para aumentar a divulgação entre os habitantes de eventos e estimular as dinâmicas sociais realizadas nos bairros, permitir ao público participar de maneira ativa e estimular a comunidade para utilizar o Locast como espaço de compartilhamento de informações e, além disso, auxiliar no reforço das relações entre as pessoas, as instituições e os cidadãos.

O principal objetivo do projeto é compreender como as redes sociais móveis impactam na cidade e na representação do espaço urbano na mídia, como também observar de que forma esta ferramenta ajuda as pessoas a se manterem informadas, engajadas socialmente e com participação ativa nos processos de criação das mídias, sobretudo nas relacionadas com as suas comunidades (LOCAST, online).

O Locast é uma união de processos de geolocalização, plataforma digital e tecnologias móveis, desenvolvido para criar interações hiperlocais

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altamente conectadas, que, através dos indivíduos que fomentam a plataforma com geração de conteúdo, desenvolve experiências coletivas relacionadas a uma informação associada a um espaço físico urbano. Cada interação, dentro do sistema, pode ser vista pelas pessoas envolvidas no espaço físico e os participantes online. A interligação entre os conteúdos, espaços e pessoas é simultânea e ubíqua.

O Locast pode ser utilizado através de telefones celulares com sistema Android Os handsets, onde o indivíduo pode instalar o aplicativo em seu dispositivo móvel. Com este aplicativo os indivíduos poderão gerar geotags sobre fatos e publicá-las em tempo real; podem ser utilizados laptops com webcam; também podem ser utilizados quaisquer dispositivos móveis que possuam câmera integrada, Bluetooth, internet sem fio, assim como câmeras fotográficas e gravadores de voz. Neste sentido, podemos observar que com vários dispositivos móveis é possível fazer parte do processo de construção de informações sobre os territórios urbanos.

Figura 2: Funcionamento do projeto Locast

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O projeto, que teve seu início em 2009, continua disponível para novas informações e reportagens. Até maio de 2010 foram realizados 470 casts – baseados na localização relacionada à informação gerada pelos participantes da pesquisa. Eles consistem em conteúdos multimídias (vídeos e/ou áudios) que contêm geocoordenadas, descrição de tags geossemânticas que podem ser geradas pelos participantes ou recomendadas pela plataforma.

Figura 3: Reportagem realizada durante o projeto Locast

Os 72 participantes do projeto distribuíram-se em diversos locais

da cidade de Porto Alegre, buscando informações sobre fatos noticiosos, bem como procuraram retratar o cotidiano das diferentes comunidades que habitam a cidade.

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Gráfico 1: Enfoque das reportagens realizadas no projeto Locast

Podemos observar que a ênfase às questões cotidianas foi

superior à dada aos fatos que envolvem o contexto local de forma geral. Delimitamos como Cotidianas, as percepções dos participantes acerca de assuntos referentes a problemas, pontos de vista relacionados a questões vividas diariamente pelas comunidades porto-alegrenses. Como Locais, delimitamos as pautas mais abrangentes, que seriam mais prováveis de serem noticiadas pelos meios de comunicação de massa.

Exemplos de alguns casts:

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Entretenimento

Local

Nacional

Cotidiano

Diante deste estudo, ainda que em caráter inicial, podemos

observar que os fatos percebidos pelos participantes têm relação direta com o sentimento de pertença destes com os assuntos relacionados às comunidades que compõem a cidade de Porto Alegre. As interações hiperlocais retrataram o dia a dia dos indivíduos, sobressaindo-se mais do que assuntos relacionados a grandes fatos. O cotidiano dos locais foi “capturado” com um telefone celular pelos participantes de forma a mostrar situações que as pessoas vivem diariamente, mas que estão, na maioria das vezes, fora da pauta das mídias convencionais.

Observamos, assim, uma reconfiguração dos espaços urbanos, uma reapropriação dos espaços físicos proporcionados pelas tecnologias

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móveis. O projeto Locast demonstrou que há espaço para a divulgação dos problemas cotidianos, muitas vezes deixados de lado pelos grandes conglomerados de mídia por uma linha editorial específica ou pelo fato de estes ignorarem tais eventos como não sendo relevantes para o contexto geral informativo, elencando problemas mais gerais das cidades.

A utilização de tecnologias móveis nos evidencia os espaços híbridos, onde há a coexistência dos espaços físicos e virtuais. “O ‘espaço entre’ dois lugares geográficos deixa de ser ignorado para ser ocupado – não importa mais onde se esteja (...)” (PARAGUAI, 2008). O acesso à informação de qualquer local geográfico se torna possível e pode ser compartilhada entre os indivíduos através destas tecnologias.

4 LOCAST E AS REDES SOCIAIS MÓVEIS

Em nosso contexto atual, a telefonia móvel com acesso à internet vem potencializando a interação social entre os indivíduos em suas redes sociais na internet (Twitter, Facebook, Orkut, MySpace, Flickr, entre outras). A proliferação das redes vem sendo potencializada através do acesso de alta velocidade pelos 3G e Smartphones. Estima-se que, até o ano de 2012, o acesso a redes sociais através de celulares será de 975 milhões de internautas em todo mundo.

Com as redes sociais, acessadas através de tecnologias móveis, os internautas poderão não só observar os perfis das pessoas, mas também ter acesso a sua localização geográfica para enfrentarem novas situações sociais ocorridas no cotidiano.

Observamos que os telemóveis auxiliam nas trocas sociais entre indivíduos que possuem seus perfis alocados em redes sociais no ciberespaço. Porém, estas relações são construídas e desenvolvidas em espaços digitais, que são fomentadas com a mediação do computador ou celular podendo os indivíduos interagirem a partir de qualquer local onde estiverem. Estas redes sociais utilizam como espaço comunicacional o ciberespaço. Como podemos observar, a hibridização do espaço físico e virtual faz cada vez mais parte do cotidiano dos indivíduos.

Nosso foco é buscar compreender como estas redes sociais construídas no ciberespaço podem ser desenvolvidas em espaços

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físicos, reconfigurando os espaços urbanos, as cidades. O projeto Locast é um bom exemplo para entendermos esta conjuntura.

Como vimos, as relações sociais pós-modernas estão amparadas em laços sociais fracos, em que a interação entre os indivíduos se dá pelo prazer da troca social, pela fluidez das novas tribos urbanas que vêm construindo as redes sociais em nossa sociedade, potencializadas pelas novas tecnologias de comunicação. Observamos também, a emergência que os indivíduos possuem em fazer parte dos fenômenos sociais como ativistas destes processos, onde as smart e as flash mobs são exemplos dos agrupamentos que se formam em busca de dar destaque a algum fato.

Assim, podemos compreender as potencialidades que as tecnologias possuem na formação de redes sociais móveis, as quais percebemos como sendo grupos que interagem, usando como suporte as tecnologias móveis, em prol de fatos que têm como elo um sentimento de pertença entre os indivíduos. No caso deste estudo nos referimos às redes estabelecidas através do projeto Locast Civic Media, que reuniu indivíduos através das reportagens focadas em questões cotidianas. Como vimos quase metade (40%) das reportagens produzidas pelos participantes do projeto tratou de observar problemas e peculiaridades do dia a dia dos indivíduos e sua percepção das necessidades de suas comunidades.

Estas redes sociais apoiaram-se na mobilidade proporcionada pelas novas tecnologias de comunicação, demonstrando que vários “nós” foram construídos durante a interação entre participantes do Locast, comunidade e espaços urbanos de Porto Alegre. Podemos salientar que motivações na produção destas reportagens foram amparadas em relações sociais focadas em mobilizações em favor de um espaço urbano, unindo a tecnologia na reconfiguração destes espaços. Estas redes sociais móveis foram construídas a partir das mobilizações dos indivíduos e das problemáticas envolvidas nas comunidades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos relatos desenvolvidos neste trabalho, é possível perceber as mudanças nas relações sociais desenvolvidas com as

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novas tecnologias. Passamos a mudar as formas de comunicação quando começamos a interagir com outros indivíduos através da mediação dos computadores, onde o ciberespaço tornou-se um lugar de trocas sociais. A internet, através dos sites de relacionamento, vem desde o início do século XXI proporcionando a formação de tribos online que se reúnem pela vontade, pela identificação dos indivíduos em comunidades virtuais. Assim se formam as redes sociais.

Com o desenvolvimento das tecnologias móveis, através de celulares e redes de internet sem fio, as redes sociais móveis estão cada vez mais emergindo na sociedade atual pós-moderna, mostrando que uma nova forma de agrupamento em locais pode ser construída, possibilitando a reterritorialização dos espaços físicos de contato entre as pessoas.

As relações sociais na pós-modernidade são caracterizadas pela rapidez e pela fluidificação das interações entre os indivíduos. No contexto das redes sociais não poderia ser diferente, o que demonstra que, embora o indivíduo seja o centro do processo, a valorização das relações e do cotidiano das redes é o fator que determina as relações entre os sujeitos. O projeto Locast Civic Media é um bom exemplo destas relações, onde podemos observar que o cotidiano dos indivíduos é destacado em quase metade (40%) das reportagens produzidas, e as motivações que uniram os participantes do projeto, a comunidade e as tecnologias móveis, formaram um tripé, demonstram a possibilidade de reapropriação dos espaços urbanos por meio da hibridização dos espaços físico e virtual.

REFERÊNCIAS

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GRANOVETTER, M. The Strenght of Weak Ties. The Americam Journal of Sociology. Vol. 78, n. 6, p. 1360-1380, maio 1973.

LEMOS, A. Cibercultura e Mobilidade: A era da conexão. 2005. Disponível em: <http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2005/resumos/R1465-1.pdf>. Acesso em: 10 mai. 2010.

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62 HENRIQUES, S. • Locast Civic Media e as redes sociais móveis...

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MAFFESOLI, M. A transfiguração do político. Porto Alegre: Editora Sulina, 1992.

______. No fundo das aparências. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1996.

______. O tempo das tribos: O declínio do individualismo nas sociedades de massa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.

PARAGUAI, L. Tecnologias móveis: circulação e comunicação. In: SANTAELLA, L. (org). Estéticas Tecnológicas. Novos modos de sentir. São Paulo: EDUC, 2008.

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______. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Editora Sulina, 2009.

RHEINGOLD, H. A comunidade virtual. Lisboa: Editora Gradiva, 1993.

______. Multitudes inteligentes. La proxima revolución social. Barcelona: Gedisa, 2002.

SIMMEL, G. Questões fundamentais da sociologia. Rio de Janeiro: Zahar Jorge Zahar Editor, 2006.

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MÍDIA CIDADÃ: REPENSANDO O JORNALISMO

Eduardo Ritter1

RESUMO

Neste estudo buscamos fazer uma análise teórica sobre o jornalismo, a partir de seus conceitos históricos, até chegarmos à ideia de jornalismo cidadão ou mídia cidadã. Para tanto, utilizamos o ponto de vista de teóricos do jornalismo, como Nelson Traquina e o sociólogo francês Pierre Bourdieu, para entendermos como a mídia cidadã pode influenciar nas transformações do campo jornalístico. PALAVRAS-CHAVE: Jornalismo; Mídia Cidadã; Comunicação; Jornalista.

INTRODUÇÃO

A construção desse artigo parte de nossa participação no projeto Locast, desenvolvido numa parceria entre a PUCRS, o MIT e o Grupo RBS de Comunicação. A partir do trabalho prático realizado, com o acréscimo de referências bibliográficas, propomos repensar o jornalismo tradicional, somando a ele, as alterações tecnológicas e a participação mais efetiva do cidadão na produção jornalística.

Para atingirmos nosso objetivo, propomos, inicialmente, realizar uma reconstituição do significado do termo “jornalismo”, sintetizando a visão de autores como Nelson Traquina e Pierre Bourdieu, para, posteriormente, analisarmos como a mídia cidadã, ou o jornalismo cidadão, pode se inserir na produção realizada pelo campo jornalístico, que tem o jornalista enquanto profissional da área.

Sabemos que as novas tecnologias e a possibilidade maior de o cidadão participar da produção jornalística são fundamentais, mas não podemos perder o foco da prática profissional do jornalismo, como já

1 Aluno regular do curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), na linha Práticas profissionais e processos sociopolíticos nas mídias e na comunicação das organizações, e bolsista da Capes. E-mail: [email protected].

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destacava Joseph Pulitzer2

1 PENSANDO E REPENSANDO SOBRE O JORNALISMO

em 1904. Pensando sobre a constituição do curso de nível superior em jornalismo na Universidade de Columbia, Pulitzer aponta uma série de argumentos defendidos pelos críticos à sua ideia e responde a cada uma delas, como por exemplo, se o jornalismo deve ser aprendido somente na redação e não em sala de aula. Ele defende que: “[o aprendizado na redação] não é através do ensinamento intencional, mas pelo treinamento acidental. Não é aprendizado, é trabalho, no qual se espera que cada participante conheça sua tarefa” (PULITZER, 2009, p. 16). Nesse sentido, Pulitzer considera o jornalismo como um serviço público, e não como algo que deve servir a interesses políticos e econômicos, afinal, o jornalista “não é nenhum gestor de negócios, empreiteiro de publicações ou mesmo proprietário” (p. 27). Partindo dessas considerações, vamos tentar entender como o cidadão pode ser inserido nesse processo, sem se perder a essência jornalística.

Sabemos que há um grande número de estudos acerca do tema jornalismo, e são diversos os teóricos respeitados nessa área. Portanto, para abordar esse tema, optamos por utilizar as perspectivas de autores-chave, que delimitam algumas fronteiras no que se refere ao trabalho do jornalista e à função do jornalismo, explorando as características apontadas por eles, sem a preocupação de serem ou não positivas ou negativas.

Comecemos pela pergunta básica, o que é jornalismo? Como destaca Traquina (2005) é absurdo tentarmos definir o que é jornalismo em uma frase, ou mesmo em um livro, afinal, o surgimento da imprensa e do jornalismo, bem como da literatura, ocorreu em diferentes lugares e esteve sempre ligado a outros fatores, que vão além da definição

2 O húngaro Joseph Pulitzer (1847-1911), que deixou o seu país natal para tentar a carreira militar nos Estados Unidos, chegou a tornar o seu jornal The World o principal jornal de New York e doou milhões de dólares para a criação da segunda universidade de jornalismo dos Estados Unidos, em Columbia. A referida obra foi ditada quando Joseph Pulitzer já estava cego, respondendo aos críticos de seu projeto. Duas décadas após a sua morte, foi eleito o maior jornalista de todos os tempos pela Associação Norte-Americana dos Editores de Jornais. Até hoje o prêmio, que leva o seu nome, é a principal distinção que um jornalista pode ganhar nos Estados Unidos.

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contemporânea do que é jornalismo. Porém, resumidamente, tentaremos chegar o mais próximo possível do que possa ser a resposta para essa pergunta tão ampla.

Inicialmente é preciso destacar a divisão do mundo em segmentos locais, regionais e internacionais. Ou seja, de uma forma ou de outra, o jornalismo, em todos os seus gêneros, acaba englobando notícias do local onde o cidadão está inserido, da sua região, de seu país e do mundo. Mas que informação interessa para o receptor, que abre o jornal, ouve o rádio, assiste à televisão e acessa a internet? “Um exame da maioria dos livros e manuais sobre jornalismo define as notícias em última análise como tudo o que é importante e/ou interessante. Isto inclui praticamente a vida, o mundo e o Outer limits” (TRAQUINA, 2005, p. 19).

Entretanto, diferentemente da ficção, o jornalismo está ligado ao mundo real, a acontecimentos reais, ou seja, tanto jornalistas, quanto leitores/ouvintes/telespectadores/internautas esperam do jornalismo informações sobre o mundo no qual eles estão inseridos:

O jornalismo pode ser explicado pela frase que é a resposta à pergunta que muita gente se faz todos os dias – o que é que aconteceu/está acontecendo no mundo?, no Timor? no meu país?, na minha “terra” – o que aconteceu no julgamento de um ex-presidente de um clube desportivo desde ontem – quem ganhou o jogo? (TRAQUINA, 2005, p. 20).

Ou seja, é através do jornalismo que as pessoas buscam informações sobre os últimos acontecimentos, que envolvem as emoções das mesmas: o drama, a tragédia, o choro, o riso, a esperança, a sensação de estarem informadas, a dúvida, o interesse etc. Para chegar a esse ponto, o jornalismo pode apresentar a informação direta, respondendo apenas às seis perguntas do lide, ou pode responder às mesmas perguntas contando histórias.

Dentro desse contexto é que aparece a figura do jornalista que, assim como o jornalismo, pode ser reduzido ao domínio de determinadas técnicas de linguagem, pode ser reduzido a um

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empregado de uma fábrica de notícias (TRAQUINA, 2005). Nesse sentido, também começa a surgir a ideia de cultura profissional:

Basta um olhar distraído aos diversos produtos jornalísticos para confirmar que é uma atividade criativa, plenamente demonstrada, de forma periódica, pela invenção de novas palavras e pela construção do mundo em notícias, embora seja uma criatividade restringida pela tirania do tempo, dos formatos, e das hierarquias superiores, possivelmente do próprio dono da empresa. E os jornalistas não são apenas trabalhadores contratados, mas membros de uma comunidade profissional que há mais de 150 anos de luta está empenhada na sua profissionalização com o objetivo de conquistar maior independência e um melhor estatuto social (TRAQUINA, 2005, p. 22).

Ainda conforme Traquina (2005), dois polos tornaram-se dominantes na emergência do campo jornalístico contemporâneo, que são: o polo econômico, onde as notícias são vistas como um negócio; e o polo ideológica, onde as notícias são vistas como um serviço público. Ou seja, a atividade jornalística, em ambos os casos, está condicionada, com a realização de seu trabalho ocorrendo muitas vezes em contextos difíceis, como, por exemplo, a falta de estrutura no local onde se trabalha, a luta contra o relógio e a pressão pelo fechamento, seja do jornal, do programa radiofônico, televisivo, ou a atualização de um site na internet.

Seguindo essa linha de raciocínio, destacaremos brevemente as duas fases vividas pelo jornalismo gaúcho, que representa o local de onde estamos falando:

[...] O jornalismo gaúcho conheceu até agora duas fases ou regimes jornalísticos. A primeira fase, comandada pelo conceito de jornalismo político-partidário, foi dominante desde a sua formação, em meados do século passado, até a década de 1930. A segunda, dominada pelos conceitos de jornalismo informativo e indústria cultural, começou a se gestar lentamente no início do século, quando surgiram as primeiras empresas jornalísticas, e se consolidou com a formação das atuais redes e monopólios de comunicação. A passagem de uma para a outra durou

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várias décadas e sua contraposição é um artifício didático, porque no movimento histórico as realidades são matizadas e se encontram num fluir cheio de tensões e forças contraditórias, que não se deixam apreender em esquemas (RÜDIGER, 2003, p. 14).

Feita essa consideração, voltando à questão o que é jornalismo? Somos obrigados a mencionar a figura de seus profissionais, ou seja, os jornalistas, que são as pessoas responsáveis por repassar a informação, ou a história real, para o receptor. É justamente por isso que podemos dizer que o jornalista tem poder, porém, como mencionamos, um poder condicionado. “Os jornalistas são participantes ativos na definição e na construção das notícias, e, por consequência, na construção da realidade” (TRAQUINA, 2005, p. 26). Ou seja, os jornalistas, que são figuras significativas, mas não as únicas, do jornalismo (pois temos aí diretores de empresas jornalísticas, departamento comercial, recursos humanos, fontes, técnicos etc.), acabam formando um campo jornalístico, o que implica:

1) Um número ilimitado de “jogadores”, isto é, agentes sociais que querem mobilizar o jornalismo como recurso para as suas estratégias de comunicação; 2) em enjeu ou prêmio que os “jogadores” disputam, nomeadamente as notícias; 3) um grupo especializado, isto é, profissionais do campo, que reivindicam possuir um monopólio de conhecimento ou saberes especializados, nomeadamente o que é notícia e a sua construção (TRAQUINA, 2005, p. 27).

No entanto, antes de entrarmos na crítica feita pelo sociólogo francês, Pierre Burdieu, esclarecemos que dentro desse campo jornalístico estão presentes três polos apontados pelos jornalistas e por muitas vozes da sociedade, segundo Traquina (2005), como o polo positivo (ideologia profissional) e polo negativo (interesse financeiro), reduzindo assim a importância de um terceiro polo, classificado de polo político. É nesse contexto que aparece a polêmica presença da figura do jornalista. Como destaca Traquina (2005), muitos jovens buscam a profissão tentando fugir da rotina das 9h às 17h, como geralmente ocorre com profissões burocráticas. Porém, quando eles estão inseridos

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em uma redação, acabam buscando sempre a realização de pautas no início da tarde, tentando fugir daquelas que os deixarão presos ao trabalho além do horário de saída. Além disso, a profissão de jornalista também tem sido objeto de polêmica, não só entre os próprios jornalistas, mas também para toda a sociedade:

Poucas profissões e poucos profissionais têm sido objeto de tanto escrutínio intensivo e tanta crítica escaldante quanto o jornalismo e os jornalistas. O que é jornalismo? Essa é uma questão que provoca outras questões, muitas questões. Demasiadas para serem respondidas num só livro (TRAQUINA, 2005, p. 31).

Já Pierre Bourdieu faz uma crítica à profissão, destacando alguns pontos conflituosos no campo jornalístico:

Os que estão inscritos no objeto da análise, neste caso partircular os jornalistas, tendem a pensar que o trabalho de enunciação, de desvelamento dos mecanismos, é um trabalho de denúncia, dirigido contra pessoas ou, como se diz, ataques, pessoais, ad hominem (dito isto, se o sociólogo dissesse ou escrevesse um décimo do que escuta quando fala com jornalistas, sobre os casos, por exemplo, ou sobre a fabricação – é bem essa a palavra – da programação, seria denunciado pelos mesmos jornalistas por seu partidarismo e sua falta de objetividade (BOURDIEU, 1997, p. 20-21).

Bourdieu chama a atenção para o fato de que as pessoas geralmente não gostam muito de serem tomadas como objetos ou objetivadas, inclusive os próprios jornalistas, acrescentando que quanto melhor se compreende como um meio de comunicação funciona, mais se compreende que

aqueles que dele participam são tão manipulados quanto manipuladores. Manipulam mesmo tanto melhor, bem frequentemente, quanto mais manipulados são eles próprios e mais inconscientes de sê-lo (BOURDIEU, 1997, p. 21).

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O sociólogo francês também recorre a exemplos retirados da obra de Patrick Champagne, que

[...] mostra como os jornalistas, levados a uma só vez pelas propensões inerentes à sua profissão, à sua visão do mundo, à sua formação, às suas disposições, mas também pela lógica da profissão, selecionam nessa realidade particular que é a vida dos subúrbios um aspecto inteiramente particular (BOURDIEU, 1997, p. 25).

Nesse sentido, Bourdieu explica que os jornalistas têm óculos especiais, “a partir dos quais veem certas coisas e não outras; e veem de certa maneira as coisas que veem. Eles operam uma seleção de construção do que é selecionado” (BOURDIEU, 1997, p. 25). Ou seja, os óculos do jornalista, sua maneira particular de ver o mundo, é que capta essas estruturas invisíveis que organizam o que é percebido. A partir disso, Bourdieu salienta que o princípio da seleção é a busca pelo sensacional e pelo espetacular, porém, ele chama a atenção para o fato de que, muitas vezes, o que é captado pelos seus óculos, não vai ao encontro das expectativas do receptor, que o jornalista julga conhecê-lo.

Os jornalistas, grosso modo, interessam-se pelo excepcional, pelo que é excepcional para eles. O que pode ser banal para os outros poderá ser extraordinário para eles ou ao contrário. Eles se interessam pelo extraordinário, pelo que rompe com o ordinário, pelo que não é cotidiano – os jornalistas coditianos devem oferecer cotidianamente o extracotidiano, não é fácil... Daí o lugar que conferem ao extraordinário ordinário, isto é, previsto pelas expectativas ordinárias, incêncios, inundações, assassinados, variedades (BOURDIEU, 1997, p. 25).

A partir daqui, Bourdieu (1997) chama a atenção de outra limitação, que o sociólogo a considera terrível: o furo. Ou seja, para ser o primeiro a dar a informação (extraordinária), faz-se praticamente tudo, porém, nessa corrida pelo furo e pelo diferente, “acaba-se por fazerem todos a mesma coisa” (BOURDIEU, 1997, p. 27), gerando assim uniformização e banalização.

Para Bourdieu (1997), o jornalista é uma entidade abstrata, que se difere pelo sexo, idade, nível de instrução, o jornal ou meio de

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comunicação onde trabalha. Outra crítica feita por Bourdieu é o que poderíamos classificar de uma espécie de esquizofrenia dos jornalistas, que controlam obcecadamente a concorrência, fazendo jornais para os outros jornalistas, e não para o público em geral:

Ninguém lê tanto jornais quanto os jornalistas, que, de resto, tendem a pensar que todo mundo lê todos os jornais. Eles esquecem que, em primeiro lugar, muita gente não os lê e, em seguida, que aqueles que os leem leem um só. [...] Para os jornalistas, a leitura dos jornais é uma atividade indispensável e o clipping um instrumento de trabalho: para saber o que se vai dizer é preciso saber o que os outros disseram. Esse é um dos mecanismos pelos quais se gera a homogeneidade dos produtos propostos (BOURDIEU, 1997, p. 32).

Além disso, dentro das próprias redações destina-se um tempo considerável para falar dos outros jornais, observando o que a concorrência fez e que não foi feita pela equipe envolvida. Acreditamos que o acompanhamento que um jornal faz da concorrência é um dos instrumentos utilizados pelos jornalistas, no entanto, quando se cria essa esquizofrenia jornalística, classificada por Bourdieu (1997) como jogo de espelhos, acaba gerando “um formidável efeito de barreira, de fechamento mental” (BOURDIEU, 1997, p. 33).

Outra crítica feita por Bourdieu (1997) é a urgência e o fast thinking, destacando a luta do jornalista contra o tempo diariamente, e que essa urgência faz com que o jornalista tenha que pensar muito rapidamente, que ele tenha que pensar em muitas coisas em um curto espaço de tempo (fast thinking).

O sociólogo questiona ainda: “é possível pensar com velocidade?” (BOURDIEU, 1997, p. 40). A resposta para essa pergunta seria, conforme o mesmo autor, que os jornalistas, que no caso precisam pensar rapidamente, lutando contra o tempo, pensam por ideias feitas, ou seja, ideias que são aceitas por todo mundo, banais, convencionais e comuns, “mas são ideias que, quando as aceitamos, já estão aceitas, de sorte que o problema da recepção não se coloca”

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(BOURDIEU, 1997, p. 40). Ou seja, essas ideias já são aceitas tanto pelo emissor quanto pelo receptor.

É nesse contexto que aparecem a mídia cidadã e o jornalismo cidadão, pois os meios digitais, que compõem o webjornalismo, não fogem a estas questões levantadas pelo sociólogo francês. Porém,

isso exige revisão e reestruturação do processo de produção da notícia, inclusive no caso em que os jornalistas ou trabalhadores das notícias [...] confrontam-se com o inesperado, que não pode lhes afastar das matrizes que aceleram o consumo (TARGINO, 2009, p. 49).

Targino (2009) destaca ainda que o jornalismo presente no espaço cibernético, que contempla portais, sites, blogs, que reúne traços da imprensa escrita, televisiva e radiofônica, apresenta

imprecisões ou diferenciação em aspectos quantitativos, conceituais, terminológicos e de categorização, a partir do questionamento básico sobre a legitimidade como notícia (sentido restrito) do que está sendo postado (p. 53).

Ou seja, mesmo se abrindo espaço para o cidadão postar as notícias que ele julga ser importante, ainda há um questionamento quanto à credibilidade, e isso se estende para toda a atividade jornalística, onde se substitui o filtrar, então publicar, para o publicar, então filtrar (TARGINO, 2009).

Como salienta a autora, há muito os sites e blogs deixaram de ser um fenômeno amador de audiência limitada, o que torna impossível de ignorar a blogosfera e as suas repercussões sobre a comunicação social e o jornalismo. Por isso o jornalismo profissional, formado por pessoas que cursaram a universidade projetada por Pulitzer, passa a utilizar esse material, mas sem perder de vista os ideais propostos pelo jornalismo. Um exemplo claro disso, é a utilização de telefones celulares para fornecer vídeos para os meios de comunicação. São inúmeros os exemplos de flagras e denúncias enviadas por cidadãos aos meios de comunicação, feitas a partir de um telefone celular, ou de um vídeo feito a partir da utilização de uma máquina fotográfica digital.

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Para ficarmos em apenas um exemplo, no Município de Santo Ângelo, no interior do Rio Grande do Sul, um cliente de um bar filmou com o celular um vereador humilhando um garçom, falando frases como “sabe com quem você está falando?”. O vídeo foi postado no Youtube, e a partir daí, foi utilizado pela imprensa local para questionar o abuso de poder do legislador.

No entanto, essa ideia nada mais é do que a lógica da relação entre qualquer pessoa e os meios tecnológicos, com a combinação celular-vídeos-fotos-internet [...]. O fato é que eu, como muitos, recebi um vídeo (postado no Youtube em 1° de maio) envolvendo um vereador santo-angelense, onde o cidadão filmou o nosso legislando humilhando um garçom em um bar. Ou seja, esse fato tem potencial jornalístico, pois envolve uma figura pública, enfim, um legislador (RITTER, 2010, p. 9).

Ou seja, nesses casos, a utilização do material amador feito por um cidadão acaba sendo utilizada para o jornalismo, afinal, sem essa participação do cidadão, o fato teria passado despercebido por todos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a realização desse estudo teórico, pensando em nossa participação no projeto Locast, podemos afirmar que a utilização das novas plataformas tecnológicas para o jornalismo é algo fundamental e que já está consolidada, porém, há vários desafios para melhor utilizarmos essas ferramentas. Até que ponto podemos confiar em um vídeo produzido por uma pessoa anônima? Isso não abriria portas para que alguma pessoa má intencionada forje um vídeo para prejudicar outra pessoa? Acreditamos que aqui entra a figura do jornalista profissional, que segue tendo a obrigação de, antes de divulgar esse material, checar a credibilidade do mesmo.

Durante o projeto tivemos a oportunidade de realizar diferentes matérias, mostrando um ponto de vista geralmente não abordado pelo jornalismo tradicional. Estudantes de graduação e pós-graduação da PUCRS saíram às ruas de Porto Alegre para buscar um flagra, para

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captar os problemas do dia a dia da cidade e levar para o receptor, apresentando o mesmo ponto de vista do mesmo, contrariando a ideia de Bourdieu defendendo que os jornalistas escrevem para os jornalistas. Possivelmente a ideia de mídia cidadã, ou de jornalismo cidadão, possa resolver, pelo menos em parte, esse problema já destacado por vários teóricos: que o jornalista olha apenas para o próprio umbigo. E isso vai exatamente contra o que Pulitzer defendia, já em 1904. Esperamos que esse trabalho, bem como o projeto todo, sirva de inspiração para novas ações e novos estudos acerca do tema.

REFERÊNCIAS

BOURDIEU, P. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

PULITZER, J. A escola de jornalismo na Universidade de Columbia – O poder da opinião pública. Florianópolis: Insular, 2009.

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TARGINO, M. das G. Jornalismo Cidadão – Informa ou deforma? Brasília: Ibicti: Unesco, 2009.

TRAQUINA, N. Teorias do jornalismo – Volume I – Porque as notícias são como são. Florianópolis: Insular, 2005.

RITTER, E. Sabe com quem você está falando? Santo Ângelo: Jornal A Tribuna Regional, 2010.

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ESPAÇOS HÍBRIDOS, A PLATAFORMA LOCAST E ALGUMAS POSSIBILIDADES

Stela Menezes1

Na plataforma Locast, o usuário pode experimentar a comunicação mediada por computador (CMC) por meio de um discurso que combina conteúdos gerados pelo usuário com indicadores de localização geográfica. Considerando que todo discurso mediado por computador é um objeto híbrido devido à complexa combinação de aspectos linguísticos e técnicos, percebe-se que a conexão entre multimídia e hiperlinks cria uma multiplicidade de possibilidades comunicativas (como descrito por Santaella, 2008). E, em uma plataforma como a Locast, há ainda uma nova dimensão de significados determinados pelas conexões prioritárias com as localidades físicas onde os conteúdos são produzidos. A convergência entre espaços físicos e espaços criados pelos meios é experimentada em todas as redes sociais da internet. Para a comunidade reunida em torno do Locast, entretanto, esses dois tipos de espacialização são o ponto de partida para a comunicação. Assim, esta é uma rede especialmente motivada pela espacialização híbrida.

A escolha da denominação “espacialização híbrida” merece uma explicação adicional. O adjetivo “híbrido”, amplamente utilizado atualmente em diferentes áreas como física, biologia, tecnologia e as artes, passou por muitas mudanças de uso desde a sua origem. Uma breve digressão pela etimologia e usos pode ajudar a compreender razão para o seu uso aqui, não somente em relação à espacialização na experiência da Locast, mas também aos vários elementos heterogêneos cuja combinação interfere nos processos de comunicação mediada por computador.

O termo híbrido vem do grego hybris. Naqueles primeiros usos, referia-se a algo que era uma insolência ou ultraje, algum tipo de

1 Mestranda de Comunicação PRPPG Famecos PUCRS.

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“presunção contra os deuses”,2

Atualmente, além dos usos biológicos, o termo perdeu parcialmente as conotações negativas e tornou-se parte de noções importantes em outras áreas do conhecimento como linguística, literatura, estudos culturais e cibercultura. Em todos esses exemplos, a aplicação do termo híbrido veio de uma necessidade de referir-se a fenômenos compostos cujos elementos vêm de diferentes origens e cujos resultados mantêm a heterogeneidade de suas partes sem necessariamente compor uma nova unidade homogênea. De acordo com o Webster’s 3rd New International Dictionary, o adjetivo “híbrido” refere-se a algo marcado pela heterogeneidade na origem, composição ou aparência. Fenômenos completamente diferentes podem ser citados como exemplos de híbridos. “Radioterapia” é uma palavra que combina o termo latino radio e o grego therapeia, mas ambos mantêm seus significados originais no termo híbrido. Um carro híbrido é aquele em que tanto o motor elétrico quanto o mecanismo a gasolina podem fornecer a energia de propulsão. Em qualquer caso, o automóvel assim chamado é uma máquina impulsionada por energia e cada uma das diferentes fontes fornece energia de acordo com suas características

algo contrário à perfeição de um mundo além idealizado. Esse uso denota um pensamento que considerava a miscigenação como um tipo de violação contra as leis naturais (Bernd). Ele passou a referir algo nascido de organismos diferentes, algo com ancestrais mistos. O termo é usado em biologia para referir-se ao resultado da cruza de plantas ou animais que correspondem a uma classificação diferente (taxonomia). O peso pejorativo ligado ao termo, desde os gregos, continuou a existir em relação a descendentes mistos ou “impuros”, incluindo os seres humanos. Um pouco desse preconceito ainda permanece em alguns ideais de purismo que veem o inter-racialismo como algo negativo. Além disso, a origem etimológica é responsável pela consideração de alguns sinônimos de híbrido como bastardo, anômalo, mestiço, desnaturante (metais), adulterado, aberração, anormal, e de alguns de seus antônimos como puro, pedigree, puro-sangue.

2 Cf. Online Etymology Dictionary: <http://www.etymonline.com/index.php?search=hybris&searchmode=none>.

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intrínsecas. Da mesma forma, uma videodança é um trabalho de arte híbrido onde a dança é apresentada por meio de vídeo. Ainda que seja apresentada por um meio audiovisual que depende de um aparato técnico para ser visto, o elemento dança continua a ser baseado no corpo; e o elemento vídeo, baseado na máquina.

E então chegamos às questões da CMC e suas formas de discurso híbridas. De acordo com Herring (2007), a CMC é “uma interação entre humanos, predominantemente baseada em texto mediada por computadores em rede ou telefonia móvel”.3

Graças aos desenvolvimentos tecnológicos das mídias de imagem, a predominância de texto na Web tem dividido cada vez mais espaço com imagens em muitas formas, como gráficos, fotografias e imagens em movimento. Não somente é mais fácil agora publicar e acessar as produções audiovisuais através da Web, mas também é mais fácil para o cidadão comum, não especializado em produção audiovisual, tornar-se um videomaker e repórter. Assim, plataformas para a publicação de vídeo como YouTube e Locast tiram vantagem dessa cultura de convergência (JENKINS, 2006 e 2009) e oferecem um espaço de super-hibridização. A hibridização de linguagens com a combinação de matrizes verbais, visuais e sonoras (SANTAELLA, 2001), quando mediadas por computador, é ampliada pela hibridização de espaço, tempo e do corpo e dos meios, discutidos como “espaços instersticiais” por Santaella (2008).

A autora chama de “multimodal” a CMC que combina texto com gráficos em duas ou três dimensões, vídeo e/ou áudio (HERRING, 2002). Além dos diferentes elementos que podem compor as mensagens, a forma de transmissão da CMC pode acontecer entre usuários (privadamente) ou de um usuário para toda a rede. A plataforma Locast combina a interação entre meio e usuário com características dos meios de ampla difusão (broadcasting).

Enquanto plataforma para o compartilhamento de vídeos baseados na localização gerados por usuários e considerando todas as hibridizações que advêm disso, a plataforma Locast surge como um

3 Predominantly text-based human-human interaction mediated by networked computers or mobile telephony.

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instrumento para o desenvolvimento do discurso mediado por computador. Inicialmente, ocorreu a experiência com o turismo em Veneza; depois, outra relacionada às mídias civis e ao jornalismo cidadão em Porto Alegre. Essas interações poderiam certamente ser expandidas para servir a muitos propósitos, não somente pragmáticos e informativos, mas também artísticos, de relacionamento interpessoal ou visando o lazer. Com isso em mente, eu comecei a imaginar algumas outras formas de tirar vantagem da plataforma e tive algumas ideias.

Olhando para a Locast como possível base para uma rede social, conectando pessoas tanto em ambientes mediados como físicos, ocorreu-me a possibilidade de um happening interativo ou mobilização ao longo de um período de tempo acontecendo através da plataforma. A ideia seria, primeiro, escolher alguns locais em uma cidade como Porto Alegre, considerados importantes sob algum tipo de critério (cultural, histórico, administrativo, ou por seus aspectos funcionais ou disfuncionais). Alguém (um nó da rede, podendo ser um indivíduo ou grupo) com uma ideia poderia sugerir um desses lugares pitorescos que pudessem ser visitados na cidade; algo do tipo “registre a sua imagem ao subir as escadas rolantes do Mercado Público de Porto Alegre”. Então, durante alguns meses, os “ativistas” iriam àquele lugar e fariam vídeos, mostrando qualquer tipo de atitude que considerassem apropriada. Essas experiências seriam compartilhadas no site: o resultado seriam imagens de pessoas que tiveram a experiência dos mesmos lugares, mas em diferentes tempos, todas reunidas e dividindo o mesmo espaço mediado e a temporalidade não diferenciada (Castells, 1999). Os contatos interpessoais motivados por esses registros poderiam combinar interações online e offline, possibilitando inclusive a pessoas que vivem nos mesmos arredores, mas nunca se encontraram, a descobrir algo em comum e construir relacionamentos.

Uma variação dessa ideia, e que me pareceu especialmente interessante devido ao meu histórico em arte, é inspirado em performance art, que também é um gênero híbrido cujos resultados derivam de processos de criação heterogêneos. O convite à ação poderia dizer às pessoas que fossem a esses lugares e fizessem uma ação performática como (exemplos para a cidade de Porto Alegre): faça

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um vídeo dizendo um poema na ponte do Guaíba, dançando no túnel da Conceição ou, desenvolvendo a ideia lançada no parágrafo anterior, simplesmente subindo as escadas rolantes do Mercado Público com suas compras de uma maneira não usual. Como resultado, o site teria uma cidade virtual populada por performances daqueles cidadãos criativos que se dispusessem a fazer isso.

À parte os aspectos provavelmente utópicos dessas sugestões, a experiência Locast tem um grande potencial ao permitir que todos possam tornar-se produtores e distribuidores de mídia. Isso já é realizado em outras plataformas como o YouTube, mas o aspecto mais inovador neste projeto é a sua ênfase na conexão com os espaços geográficos. Se as primeiras gerações da era da internet sentiram o impacto da desmaterialização do conceito de “localização”, as próximas podem reencontrar o território físico sem sair dos seus espaços compartilhados no meio eletrônico. O jornalismo cidadão foi uma experiência interessante na cidade de Porto Alegre, mas muitos outros tipos de projetos podem aproveitar essa combinação de espacialidade física e virtual. Que tal fazer, por exemplo, uma coleção de formas de falar exclusivas e expressões usadas pelos habitantes de diferentes lugares com seus gestos e entonações correspondentes? Ou desenvolver uma versão customizável da plataforma, onde um usuário pudesse popular o seu mapa pessoal com vídeos de seus próprios interesses e atividades na cidade, e compartilhá-los com seus amigos ou com futuros visitantes da cidade? As possibilidades são muitas e o projeto merece muitos estudos e incentivos para que essas potências sejam descobertas e exploradas.

REFERÊNCIAS

BERND, Z. Híbrido. In: E-dicionário de termos literários. Disponível em: <http://www2.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/H/hibrido.htm>. Acesso em: 6 junho 2010.

HERRING, S. C. A Faceted Classification Scheme for Computer-Mediated Discourse. In: Language@Internet, 4, article 1, 2007. Available at: <http://www.languageatinternet.de/articles/2007/761> Access in: oct. 6 2009.

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HERRING, S. C. Computer-mediated communication on the internet. In: Annual review of information science and technology, nº36, 2002. Disponível em: <http://ella.slis.indiana.edu/~herring/arist.2002.pdf> Acesso em: 31 março 2010.

JENKINS, H. Convergence culture: where old and new media collide. New York: New York University Press, 2006.

______. What happened before YouTube. In: BURGESS, J.; GREEN, J. YouTube: online video and participatory culture. Cambridge: Polity Press, 2009.

SANTAELLA, L. Matrizes da linguagem e pensamento; sonora, visual, verbal. São Paulo: FAPESP Iluminuras, 2001.

______. A ecologia pluralista das mídias locativas. In: Revista FAMECOS, nº37, 2008. Porto Alegre: EDIPUCRS.

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A RELAÇÃO ENTRE O LOCASTPOA E SEUS INTEGRANTES: UMA LEITURA DA PRODUÇÃO DE SENTIDO

Polianne Merie Espindola1

A compreensão não está ligada à materialidade da comunicação, mas ao social, ao político, ao

existencial, a outras coisas. (MORIN, 2003, p. 8).

RESUMO Diante de uma nova lógica espaço-temporal mundial, a partir da nomeação de pós-modernismo2

1 Relações Públicas, Mestre em Comunicação Social e doutoranda em Comunicação Social pela PUCRS/Brasil. E-mail:

para uma determinada configuração social, cultural, histórica e econômica, é necessário refletir sobre os novos formatos de construção de notícias e conhecimento quanto às transformações ocorridas neste cenário. Para tanto, utilizaremos autores

[email protected]. 2 Admite-se neste artigo que o termo seja uma condição sociocultural do capitalismo contemporâneo. “Foi criado por um grupo de filósofos franceses do pós-guerra que rejeitavam a filosofia existencialista predominante no país no final dos anos 1940 e início dos 50” (JACKSON, 2007, p. 337). Segundo os autores do livro “Introdução às Relações Internacionais”, o pós-modernismo caracteriza-se pelo fim das metanarrativas. Exemplificando alguns autores pós-modernos têm-se: o francês Jean-François Lyotard com seu livro “A Condição Pós-Moderna”, onde ele ratifica o fim das metanarrativas; o norte-americano Fredric Jameson, como a pós-modernidade sendo uma lógica social e cultural do capitalismo, encabeçada em seu livro “A Lógica Cultural do Capitalismo Tardio‟, onde rejeitou explicitamente qualquer oposição moralista à pós-modernidade como um fenômeno cultural. Já o polonês Zygmunt Bauman contribui com a pós-modernidade com o seu conceito e coletânea de livros sobre a liquidez. Esta condição pós-moderna sendo uma realidade ambivalente e multiforme. Em uma variação terminológica, Gilles Lipovetsky cunhou o termo hipermodernidade, onde os tempos atuais são modernos, com uma exarcebação de certas características, tais como o individualismo, o hedonismo, o consumismo. A pós-modernidade é marcada, segundo ele, pelo desinvestimento público, pela perda de sentido das grandes instituições morais, sociais e políticas, e por uma cultura aberta que caracteriza a regulação "cool" das relações humanas, em que predominam tolerância, personalização dos processos de socialização e coexistência pacífico-lúdica dos antagonismos – violência e convívio, modernismo e "retrô", ambientalismo e consumo desbragrado etc. Os pós-modernistas criticam a ideia de que a modernidade leva ao progresso e a uma vida melhor para todos. As contribuições destes autores são: o esvaziamento de egos e conceitos acadêmicos; o questionamento de verdades universais, mas se apresenta um pouco tendenciosa e negativista. Além de afirmar que a desconstrução é melhor que a construção, fato este que nem sempre pode ter tida como verdade absoluta.

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da comunicação, da cultura e seus entornos para propor uma comunicação nova, denominada comunicação supercrítica. Bem como identificar o processo dos interagentes3 no LocastPOA.4

INTRODUÇÃO

A comunicação atualmente, com todas as suas possibilidades, se dá no âmbito altamente efervescente em suas interações, produções, criações e estímulos. E esta comunicação acontece num contexto civilizado, ou seja, cultural. E as diferenças na cultura5

Na cultura há uma diversidade de pontos de vista (dialógico-cultural). Cada indivíduo tem um imprinting cultural

influenciam o indivíduo a entender as particularidades dos seus pares, tornando-o habilidoso com a vivência e com o contato diário com a realidade, com o contexto do outro. O que mais marca numa interlocução são as diferenças entre os interagentes; seja por diferentes percepções, cultura, hábitos, vivências, experiências, área de atuação etc. Apesar de alguns entraves que possam existir, as interações acontecem entre pessoas e grupos que partilham interesses em comum. Pela predisposição e semelhanças referentes às temáticas, faz das interações experiências mais positivas e convergentes.

6

3 Tem-se neste artigo como interagentes os produtores de notícias via celular do projeto LocastPOA que, ao mesmo tempo, são, nas teorias tradicionais da comunicação, os receptores e emissores em uma só pessoa.

compartilhado, mas

4 O projeto Locast Civic Media, aqui no Brasil carinhosamente chamado de LocastPOA, foi proposto pelo MIT – Massachusetts Institute of Technology, em parceria com a Faculdade de Comunicação Social – FAMECOS da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, utilizando o celular como mídia jornalística. 5 Cultura é o processo de produção de acontecimentos que contribui para entender, reportar ou modificar o sistema social. É também um conjunto de ações, de memórias coletivas de um povo, de experiências. A crença, o conhecimento, os costumes, os valores, a língua, os hábitos, as tradições e as opiniões fazem parte de uma cultura e da forma como uma população vivencia os mais diferentes aspectos desta cultura (LARAIA, 2006). “Culture is an intriguing concept. Formally defined, culture is the deposit of knowledge, experiences, beliefs, values, attitudes, meanings, hierarchies, religion, timing, roles, spatial relations, concepts of the universe, and material objects and possessions acquired by a large group of people in the course of generations through individual and group striving” (LARRY, 1988, p. 19, grifo do autor). 6 O termo imprinting cultural é utilizado por Edgar Morin em “Método 4” (2005) para denominar as marcas que a cultura faz no indivíduo desde quando nasce.

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82 ESPINDOLA, P. M. • A relação entre o LocastPOA e seus integrantes

que funciona de maneira individual e que pode ser alterado conforme a experiência e debate de ideias.

Como a comunicação entre as pessoas é realizada por meio de trocas sociais, com o surgimento da internet há uma profunda alteração na forma de comunicar, agir, pensar e se organizar no tempo e no espaço.

A Internet não é uma utopia, nem uma distropia, é um meio em que nos expressamos – através de um código de comunicação específico que devemos compreender sem pretendermos mudar a nossa realidade (CASTELLS, 2004, p. 21 apud CEZAR, 2010, p. 30).

Com esta nova lógica de comunicação, as notícias também estão sofrendo uma transformação, bem como a forma de repassá-las aos seus públicos. A TV se utiliza de vídeos produzidos online para complementar suas programações, a web trouxe para si empresas de outras mídias, como por exemplo, o jornal e o rádio, além de também utilizar imagens feitas a partir do celular para legitimar, muitas vezes, uma notícia. Sendo assim, o projeto LocastPOA, a partir de simulações, está pensando neste processo de hibridação midiática e de notícias para propor uma Civic Media numa época onde o receptor também pode ser emissor.

1 SOCIEDADE, IDENTIDADE E OS INTEGRANTES

Cada cultura guardará de maneira específica a acuidade dos órgãos do sentido em complementação

aos limites de base orgânica. Fornecerá ‘lentes’ olfativas, tácteis, gustativas, auditivas e visuais

particulares. (RODRIGUES, 1989, p. 138). Na engenharia química tem-se um tipo de extração chamado de

supercrítico.7

7 Un fluído supercrítico exhibe propriedades fisicoquímicas entre las de un líquido y la de un gás. Su densidad relativamente alta y parecida a la de los líquidos, le da um buen poder solvente, y la transferéncia de masa relativa a la de un líquido es mayor. Similarmente las viscosidades de los fluídos supercríticos están en un factor de 1 a 100 más bajos que los líquidos. Las solubilidades se incrementan casi exponencialmente con la densidad, pequeños câmbios en la presión pueden resultar en variaciones muy grandes de la solubilidad, lo que da al ingeniero de diseño la capacidad de ajustar a su conveciencia la presión y temperatura, favoreciendo en forma eficiente y selectiva la extracción (ORTIZ, 2003).

Este tipo de subtração serve neste artigo para explicar como

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a sociedade e as pessoas interagem na contemporaneidade: ao mesmo tempo em que se disseminam espontaneamente, são extremamente mutáveis. “A sociabilização humana sempre se deu em redes, sejam elas tecnologicamente articuladas ou não. De um modo geral, percebemos que as sociedades se desenvolvem a partir de nós, conexões” (CEZAR, 2010, p. 30). Num limite entre a liquidez sugerida por Bauman8

e as interações gasosas. É essa fluidez que, suportando forças tangenciais, sofre uma constante mudança de formas quando submetidos a tal pressão social. “Tudo é altamente rápido e recriado na velocidade de nossas tecnologias de comunicação” (ESPINDOLA, 2010, p. 4).

Imagens e atitudes desempenham um papel decisivo na mudança do conteúdo e na forma dos diálogos, determinam o processo de aclimatação ou de compreensão, o conteúdo e a forma diplomática, as reportagens jornalísticas ou particulares (FISCHER, 1980, p. 571).

Em nossa sociedade atual, tudo circula, a cultura que nasce destas espécies de trânsito comunicacional entre os diferentes meios de comunicação, produzem transformações, mas é preciso que se compreenda e saiba de onde falam uns e os outros, a partir de qual competência e para qual visão de mundo. Há um grande volume de informação e um déficit informacional que gera simplificações (ESPINDOLA, 2010).

O processo de decodificação (interpretação) da comunicação que nos chega pode ser profundamente diverso, dependendo da forma de cada comunicação e dos modos através dos quais comunica-se a informação; bem como do conteúdo da comunicação e do grau de conhecimento nela inserido. O conceito de enunciado verbal tem uma estrutura psicológica bem

8 “Os fluidos se movem facilmente. Elas ‘fluem’, ‘escorrem’, ‘esvaem-se’, ‘respingam’, ‘transbordam’, ‘vazam’, ‘inundam’, ‘borrifam’, ‘pingam’; são ‘filtrados’, ‘destilados’; diferentemente dos sólidos, não são facilmente contidos – contornam certos obstáculos, dissolvem outros e invadem ou inundam seu caminho. (...) A extraordinária mobilidade dos fluidos é o que os associa à ideia de ‘leveza’. (...) Associamos ‘leveza’ ou ‘ausência de peso’ à mobilidade e à inconstância: sabemos pela prática que quanto mais leve viajamos, com maior facilidade e rapidez nos movemos” (BAUMAN, 2001, p. 08).

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diferente da estrutura do conceito de comunicação escrita. (LURIA, 1979, p. 77, grifo do autor).

É nesta ambiência que o interagente do LocastPOA está inserido. E sua relação com a produção de notícias via celular, que é uma das propostas do projeto, é moldada pela tecnologia que utiliza e trocas simbólicas maximizadas. “A vida cotidiana apresenta-se como uma realidade interpretada pelos homens e subjetivamente dotada de sentido para eles na medida em que forma um mundo coerente” (BERGER, 1985, p. 35).

Nem tudo o que está presente numa situação é importante para as pessoas nela envolvidas. Na verdade, alguns dos fatores de uma situação impõem-se aos atores, constituindo assim “relevâncias impostas”. Outros são isolados pelo indivíduo, que os considera importantes para ele, no momento; esses assumem uma “relevância volitiva” (SCHUTZ, 1979, p. 22).

Conforme o autor citado acima, os interagentes envolvidos no processo estão inseridos num contexto onde as relevâncias impostas socialmente estão sempre entrando em confronto com suas relevâncias volitivas. Para Schutz, “relevâncias impostas” são as questões que estão para além do indivíduo, são situações de interesse social, muitas vezes, comuns a todos. Já as “relevâncias volitivas” condizem ao que é do interesse do indivíduo. Os interagentes do Civic Media, assim, estarão produzindo notícias que são do seu interesse, mas que despertam a atenção também de seus pares, e não apenas do indivíduo isoladamente. Isto é necessário, pois, para que possamos entender notícia neste artigo como notícia jornalística, mesmo de forma experimental e diferenciada da lógica tradicional, as matérias devem ser pautadas com a finalidade de informar, entreter ou sugerir algo pertinente a quem vai consumir este tipo de informação.

Não somos mais fluidos como sugere Bauman ou Lipovetsky, somos supercríticos, fazendo uma analogia com a engenharia e também com o estado crítico de uma situação (neste caso das interações humanas) (ESPINDOLA, 2010, p. 03).

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Atualmente nos encontramos num momento onde não agimos segundo a liquidez, mas estamos caminhando para interações quase que gasosas.

É essa fluidez que, suportando forças tangenciais, sofre uma constante mudança de formas quando submetidos a tal pressão social. Os fluidos não fixam o espaço nem prendem o tempo. Estão sempre aptos a mudar (ESPINDOLA, 2010, p. 49).

O que é uma problemática, e um paradoxo, a se pensar quando se trata de notícias geolocalizadas realizadas nos moldes do projeto que referimos neste artigo.

A universalidade da linguagem digital e a lógica pura do sistema de comunicação em rede criaram condições tecnológicas para a comunicação horizontal global. Ademais, a arquitetura dessa tecnologia de rede é tal que sua censura ou controle se tornam muito difíceis. O único modo de controlar a rede é não fazer parte dela (CASTELLS, 2000, p. 375 apud CEZAR, 2010, p. 33).

Os interesses são mutáveis e ainda é cedo para identificar o que é pertinente ou não a ser noticiado, dependendo também do público, da faixa etária e de outros determinantes sociais que pautam um perfil de consumidor deste tipo de mídia, além do tipo de informação que estará contida em cada notícia realizada.

... conhecimento e o processamento da informação são fontes de valor e poder (...). Ambos dependem da inovação e da capacidade para difundir em redes que induzem sinergias mediante o intercâmbio de informação e conhecimento (CASTELLS, 2004, p. 265).

2 PROJETO LOCASTPOA

Equipados com celulares que contêm software específico – com a tecnologia Android desenvolvida pelo Google para celulares – alunos realizaram vídeos locais com conteúdos de interesses dos mais variados. O grande diferencial do projeto é a forma de utilização de uma mídia não tradicional para a produção de informação geolocalizada.

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86 ESPINDOLA, P. M. • A relação entre o LocastPOA e seus integrantes

Os vídeos ou áudios são enviados para uma plataforma específica na web e, quando acessados, exibem ao lado um mapa de Porto Alegre indicando onde a matéria foi realizada, permitindo ainda que sejam feitos comentários sobre o conteúdo ou compartilhamento com sites de relacionamento tais como: Youtube, Orkut, Facebook, Twitter, entre outros.

O projeto de pesquisa visa intensificar a produção de informações geolocalizadas, com interesses comuns, que despertem a atenção dos moradores ou frequentadores de certa região da cidade. A dinâmica consiste em informar sobre os mais diversos assuntos que podem ser acessados do celular ou da internet e que são atualizados constantemente. O objetivo é utilizar uma mídia móvel para produção de notícias e estimular o cidadão comum a produzir suas próprias matérias, incentivar o profissional de jornalismo a se atualizar e visualizar um aparelho celular como veículo de informação e comunicação, propiciar novo olhar sobre determinada situação a ser reportada e entender a representação social de redes sociais móveis, ajudando as pessoas a se manterem informadas participando ativamente no processo de produção de mídia.

Este projeto é uma demonstração positiva da evolução da cultura tecnológica e do jornalismo. É uma ressignificação da produção de sentido midiático através de uma mídia móvel. Trata-se de uma desconstrução e reconstrução jornalística, posto que gera novas formas de fazer jornalismo. Principalmente por se tratar de uma atualização e geolocalização constante de informações sobre diversos temas produzidos por cidadãos comuns.

Nestes moldes, todo o controle é do interagente sobre a produção de informação e matéria. A circulação de dados demonstra uma convergência de mídias, saindo da indiferença flutuante do dia a dia. Sendo os vídeos extensões das percepções do interagente, as matérias têm por característica básica a sua maleabilidade a mudanças.

Interagentes que têm acesso ao conteúdo e possuem “permissão para” (leia-se: senha e cadastro) podem modificar o conteúdo da informação, anexá-la a um grupo de reportagens existentes com a mesma temática, interesse ou tags, por exemplo. A ferramenta

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proporciona um espaço de manifestação democrática. O vínculo com a matéria é personalizado, escolhido e constituído de modo individual. São baseadas em socialidades, e sociabilidades que giram em torno de interesses particulares, o sentimento de pertença ao local, com vínculos sociais escolhidos através de julgamentos em face ao que se divulga, gerando também uma interatividade.

(...) a verdadeira interatividade deveria abarcar a possibilidade de resposta autônoma, criativa e não prevista da audiência. Dessa forma, poderia se chegar a um novo estágio onde as figuras dos polos emissor e receptor seriam substituídas pela ‘ideia mais estimulante’ de agentes intercomunicadores. Tal termo nos chama a atenção para o fato de que os envolvidos na relação interativa são agentes, isto é, ativos enquanto se comunicam. E se comunicação pressupõe troca, comunhão, uma relação entre os comunicadores ativos é estabelecida com possibilidade de verdadeiro diálogo, não restrito a uma pequena gama de possibilidades reativas planejadas a priori. (PRIMO, 1998, p. 69, grifo do autor).

Alex Primo propõe que um sistema interativo deveria dar total autonomia ao espectador, como encontramos no caso do LocastPOA. Diferentemente dos sistemas reativos, que trabalham com uma gama predeterminada de escolhas. Nas tecnologias reativas não há lugar para respostas realmente, mas estímulos, escolhas entre alternativas preconcebidas.

Na atual fase da mobilidade e das redes sem fio, estamos imersos no que alguns autores identificam como uma nova relação com o tempo, com o espaço e com os diversos territórios. Trata-se de formas de compressão espaço-temporal (HARVEY, 1992), de desencaixe (GIDDENS, 1991), de desterritorialização (DELEUZE, 1980), de espaços líquidos (BAUMAN, 2001), de novos nomadismos (MAFFESOLI, 1997). Aqui entram em jogo crises de fronteiras: do sujeito, da identidade, do espaço geográfico, da cultura, da política, da economia. A sensação, na globalização atual, é de perdas de fronteiras, de desterritorialização, mas também de novas territorializações (LEMOS, 2007, p. 123).

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88 ESPINDOLA, P. M. • A relação entre o LocastPOA e seus integrantes

As mídias de função pós-massiva, como é o caso no projeto LocastPOA, por sua vez, funcionam a partir de redes onde qualquer um pode produzir informação. Onde os fluxos comunicacionais são bidirecionais (todos – todos) e há uma apropriação do espaço urbano com funções locativas, trazendo novas dimensões de uso e criação de sentido dos espaços urbanos. Com controles dos territórios informacionais específicos.

A cultura “pós-massiva” das redes, em expansão, mostra os impactos socioculturais das tecnologias digitais em um território eletrônico móvel em crescimento planetário. A cibercultura instaura assim uma estrutura midiática ímpar (com funções massivas e pós-massivas) na história da humanidade onde, pela primeira vez, qualquer indivíduo pode produzir e publicar informação em tempo real, sob diversos formatos e modulações, adicionar e colaborar em rede com outros, reconfigurando a indústria cultural (LEMOS, 2007 apud LEMOS, 2003, p. 125).

Paradoxalmente, quanto mais das mídias pós-massivas nos possibilitam interatividade, mobilidade e ubiquidade mais necessitamos de identificação, territorialização e fixação em espaço físico. Esta é uma característica não só das novas tecnologias da informação, mas da sociedade contemporânea como um todo.

3 LOCASTPOA: NOVA INTERFACE DA COMUNICAÇÃO

Nos tempos atuais, afirma Castells (1999), onde sociedades encontram-se cada vez mais

fragmentadas devido às identidades cada vez mais específicas e difíceis de compartilhar, é significante o

esforço por manter uma rede de comunicação que aproxime as individualidades para a construção de

identidades coletivas. (PAZ, 2003, p.70)

Sendo o projeto LocastPOA uma mídia pós-massiva, está

inserida no contexto híbrido da cibercultura. Posto que se refere à conexão mútua entre espaços físicos e espaços virtuais. Esta combinação entre o físico e o digital criada pela mobilidade dos

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interagentes conectados, contribuíram para a emergência das tecnologias portáteis que possibilitam a constante conexão.

Os espaços intersticiais referem-se às bordas entre espaços físicos e digitais, compondo espaços conectados, nos quais se rompe a distinção tradicional entre espaços físicos, de um lado, e digitais, de outro. Assim, um espaço intersticial ou híbrido ocorre quando não mais se precisa ‘sair’ do espaço físico para entrar em contato com ambientes digitais. Sendo assim, as bordas entre os espaços digitais e físicos tornam-se difusas e não mais completamente distinguíveis (SANTAELLA, 2008, p. 21).

A percepção das possibilidades interfaciais não depende apenas da precisão do funcionamento dos nossos órgãos dos sentidos, mas também de outras condições como: a experiência anterior do sujeito, a amplitude de profundidade de suas concepções, a tarefa que se propõem a determinado objeto, a atenção (atenção seletiva) e a motivação.

Toda esta ambiência corrobora com a comunicação supercrítica. Sendo esta proposta de comunicação efervescente, ubíqua e convergente, se liga ao Locast a partir do momento em que seus perfis e objetivos são confrontados.

Enquanto o LocastPOA é uma plataforma geolocalizada híbrida, a comunicação supercrítica propõe uma interação híbrida, entre a liquidez do Bauman e a fugacidade apontada por autores da cibercultura; a disseminação e mutabilidade de ambas; a sociabilização em rede, seja ele ligada à web ou não; as trocas simbólicas maximizadas – pois no LocastPOA os interagentes produzem conforme interesses pessoais e também coletivos, e na comunicação supercrítica o interesse das pessoas é se comunicar cada vez mais, das mais variadas formas possíveis, disseminando informação; a ressignificação do Locast de nova forma de mídia e utilização do jornalismo, do supercrítico da própria comunicação; o fluxo comunicacional bidirecional (todos – todos) em ambos processos; e, finalizando, a socialidade e sociabilidade envolvida.

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90 ESPINDOLA, P. M. • A relação entre o LocastPOA e seus integrantes

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MOBILIDADE E DESCENTRALIZAÇÃO: PROJETO LOCAST

Gustavo Buss Cezar

RESUMO A tessitura contemporânea de nossa sociedade alvitra que atentemos a mobilidade tecnológica de conectividade e a consequente possibilidade de descentralização de notícias. Os espaços urbanos configuram-se em espaços informacionais, nos quais a sociedade em rede articula-se. A partir de aparatos móveis de conexão é possível estar always on, não havendo momento de desconexão. Apresentamos como indício desta lógica o Projeto Locast, desenvolvido pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e MIT (Massachusetts Institute of Technology). PALAVRAS-CHAVE: mobilidade; descentralização; Projeto Locast.

INTRODUÇÃO

A sociedade em rede virtualmente articulada em perspectiva de um espaço de fluxos alvitra que olhemos para um amplo contexto de acesso às informações. Essas inúmeras formas de acesso caracterizam a sociedade em rede, sendo indicadores de uma transformação social e de uma nova lógica corrente. Sendo estes indicadores – as tecnologias móveis, ferramenta de descentralização (PARAGUAI, 2008; MANOVICH, 2005) das notícias, que permitem que as notícias/informações estejam permanentemente disponíveis. As notícias assumem a instantaneidade da rede, rompendo a lógica do tempo de atualização de mídias tradicionais como o jornal impresso, por exemplo.

Para a elaboração deste artigo preocupamo-nos em evidenciá-lo como complemento as características percebidas da sociedade em rede. Nosso entendimento sugere que a mobilidade tecnológica em rede viabiliza para a descentralização de acesso e distribuição de notícias, sendo elas apresentadas em diversas linguagens e formatos (vídeo, áudio e escrita). O panorama Locast é uma plataforma que sobrepõe camadas de informação gerada coletivamente dentro do espaço físico, do hiperlocal ao hiperglobal (rede). Concebendo o projeto Locast como

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um exemplo claro da possibilidade de descentralização de informações e notícias como consequência da mobilidade da sociedade em rede. Contemporâneo de mobilidade estabelece uma nova relação de interação, acesso e emissão de informações e notícias.

1 TECNOLOGIAS MÓVEIS

A olhos vistos a lógica de acessibilidade à rede está sendo transformada em escala ascendente, o que significa plenitude e autonomia da rede ubíqua. Em outras palavras, a rede é independente do meio tecnológico a qual a acessamos, seja via laptop, smartphone, ou a “pia da cozinha” (esta última exemplificação faz referência à Internet das coisas,1

o qual propósito é evidenciar o quão autônoma e acessível pode ser a rede).

Cada vez mais, teremos as tecnologias computacionais em rede efetivamente contaminando o espaço físico. A noção de tecnologia da informação confinada a caixas que chamamos de computadores está mudando irrevogavelmente, mas, (...) é muito mais uma questão social do que resolver simplesmente as questões computacionais (PARAGUAI in SANTAELLA, 2008, p. 249).

Lev Manovich (2005) propõe inúmeros exemplos de ampliação dos espaços físicos, e, por meio de acessibilidade à rede, os espaços potencializam-se em dataspace. A partir dessa transformação podem-se extrair dados do espaço físico, fazendo uso de cellspace ou displays2

1 Projeto idealizado pelo Auto-ID Laboratory do Massachusetts Institute of Technology (MIT), a partir das tecnologias RFID e tecnologia wireless.

de computadores. A possibilidade ubíqua da ampliação do espaço físico autentica a mobilidade e a descentralização das pessoas e notícias, em nossa específica abordagem. O elenco de tecnologias mencionado pelo referido autor mostra as inúmeras maneiras de manter-se conectado à rede:

2 Constructo desenvolvido por David S. Bennahum, em 1998, no qual fazia referência à acessibilidade de e-mail e web sem fio. Lev Manovich amplia este conceito (PARAGUAI in SANTAELLA, 2008, p. 251).

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1. Ubiquitous Computing: a transição de desktops a variados dispositivos distribuídos no espaço. 2. Augmented Reality: a sobreposição dinâmica da informação sobre o campo visual do usuário. 3. Tangible Interfaces: a totalidade do espaço físico, o entorno, é tratada como interface ao empregar objetos como meio de informação. 4. Wearable Computers: incorporação de dispositivos e telecomunicação à roupa. 5. Intelligent Buildings (or Intelligent Architecture): arquiteturas wireless para cellspace. 6. Intelligent Spaces: espaços de monitoramento e interação com o usuário para informações, colaboração e outras atividades. 7. Context-Aware Computing: termo de referência às pesquisas acima mencionadas. 8. Smart Objects: objetos conectados à rede e que apresentam comportamentos inteligentes. 9. Wireless Location Services: recebimento de dados específicos de localização e serviços portáteis wireless como celulares. 10. Sensor Networks: sensores utilizados para vigilância. 11. E-paper (ou e-ink): finos displays para recebimento de informações via wireless (MANOVICH, 2005).

A infraestrutura da rede wireless e tecnologia 3G modificam sensivelmente o comportamento social, bem como os contextos de interação entre os usuários e os sistemas de processamento de informação. Há evidências relevantes que ilustram tal reestruturação social móvel, o que Greenfield apud Paraguai (in SANTAELLA, 2008, p. 250) chama de “processamento de informação dissolvido em comportamento”. Percebemos que a partir das tecnologias de comunicação móvel são desencadeados processos sociais consonantes as possibilidades desses novos meios. A cada nova tecnologia de comunicação uma forma específica de interação ocorre e em algum nível é absorvida socialmente.

Apesar de essas tecnologias se apresentarem com alguma diferença, elas resultam da sobreposição de layers de informação ao espaço físico. Na terceira geração a questão da transmissão de dados

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vai ainda além da 2,5. A velocidade fica entre 384 Kbps e 2 Mbps, podendo assim oferecer serviços como videoconferência, transmissões de áudio e vídeo com qualidade de DVD e outras que exigem banda larga. Nessa 3ª geração, o usuário não nota a diferença de um acesso broadband residencial ou do seu smartphone em qualquer lugar da cidade (PELLANDA, 2005, p. 69).

Alguns teóricos, como Katherine Hayles, vêm nomeando de “espaço híbrido” (também teorizado por Lúcia Santaella) esse espaço no qual a coexistência de contextos distantes e atuais acontece pela diluição de limites físicos e virtuais. O usuário continua presente e atuante no seu espaço físico em torno, enquanto as informações acessadas e transmitidas adicionam outras características a essa experiência fenomenológica (PARAGUAI in SANTAELLA, 2008, p. 250).

O híbrido refere-se à inclusão do virtual ao escopo dos espaços físicos. A reterritorialização é outro viés relativo ao trânsito espacial físico/virtual inerente às tecnologias móveis, estabelecendo significações e ressignificações aos espaços físicos. A fluidez dessa transição é cada vez mais invisível e cotidiana, estabelecendo-se sempre que for necessário, logo se configura uma ação que dispensa o entrar e sair de um espaço (físico/virtual) ou outro, uma vez que se estabelecem concomitantemente. Em outras palavras, com a tecnologia de conexão móvel não há mais espaço interino de desconexão, concorrendo à mobilidade “... always on” (PELLANDA, 2005, p. 69). Este espaço é localizável, não geograficamente, porém por meio do acesso à rede.

Um espaço híbrido assim não está restrito ao uso de gráficos para ampliar espaço digital, nem apenas relacionado ao uso de layers de dados digitais sobre a realidade física. É um espaço conceitual determinado pela diluição entre limites do físico e do virtual a partir do uso de tecnologias nômades. O que significa dizer que é construído pela conexão entre a mobilidade e a comunicação entre usuários e materializado pelas redes estabelecidas entre espaços físicos e virtuais. (PARAGUAI in SANTAELLA, 2008, p. 252).

Manovich (2005) utiliza o termo cellspace, referenciando os dispositivos tecnológicos pessoais de comunicação wireless que

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disponibilizam acesso aos dados dos espaços físicos. Incluem-se as mídias locativas nesta perspectiva, as quais compreendem objetos localizados em espaços físicos ao entorno do usuário e que fornecem informações. É a possibilidade de recebimento de dados específicos relativos à localização e de serviços portáteis wireless, como nos celulares, Wireless Location Services (MANOVICH, 2005).

Cellspace is physical space “filled” with data that can be retrieved by a user using a personal communication device. Some data may come from global networks such as Internet; some may be imbedded in objects located in the space around the user. Moreover, while some data may be available regardless of where the user is in the space, it can be also location specific. The examples of cellspace applications include using GPS to determine your coordinates; or using a cell phone to check in at the airport, to pay for the road tool; or to retrieve information about a product in a store (MANOVICH, 2005, p. 2).

A perspectiva abordada por Paraguai (in SANTAELLA, 2008) concebe três conceitos relacionados às tecnologias móveis enquanto sua mobilidade, relação corpo e espaço e transformações dos processos de uso de interfaces móveis, sendo transparência, ubiquidade e acoplamento.

A ideia de transparência pode ser observada sob dois aspectos complementares. O primeiro evidencia que as tecnologias móveis compõem o background das atividades dos usuários, de modo quase que invisível. O segundo aspecto de transparência diz respeito à passagem das tecnologias móveis de ferramenta funcional à forma natural e cotidiana de uso. Em complemento a esta característica, a autora menciona a calm technology proposta por Weiser (1995); a compreensão de calm technology quando aplicada sob as tecnologias móveis evidencia a transparência do modo como a compreendemos, uma vez que retrocedem silenciosamente ao background quando não em uso. Na medida em que essas tecnologias passam a compor o cotidiano de forma rotineira, se estabelecem entre as condições de uso e background, entre centro e periferia.

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O conceito de ubiquidade e mobilidade complementam-se, sendo compreendidos distintamente. “A ubiquidade não é ausência de movimento, mas outra forma de relacionar o espaço com as possibilidades de deslocamento” (PARAGUAI in SANTAELLA, 2008, p. 253). A mobilidade é a possibilidade de deslocamento entre dois pontos geográficos, sem, no entanto, perder a possibilidade de acesso/conexão à rede. O autor Leonard Kleinrock refletindo sobre computação nômade e de multiacessos aproxima as ideias de nomadicidade e mobilidade.

The focus of nomadicity is on the system support needed to provide a rich set of capabilities and services to the nomad as he/she moves from place to place in a transparent and convenient form (KLEINROCK, 2000, p. 46).

O último conceito associado às tecnologias móveis é o acoplamento, essa ideia faz referência à usabilidade desses aparatos. Em sentido stricto, o acoplamento dá ênfase maior à estética, ao conforto da portabilidade.

Plant (2001), refletindo sobre os efeitos dos telefones celulares nas vidas individuais e sociais, traz referência sobre como essa tecnologia móvel é chamada em diversas línguas.

Em francês é chamado Le portable, ou Le G, que tem origem em GSM. Em finlandês o termo kanny refere-se à extensão da mão. Em alemão é handy. Em espanhol é movil. Americanos usam o termo cell phone. Em árabe, algumas vezes é chamados de el móbile, mas frequentemente de sayaar ou makhmul (ambos referem-se ao ato de carregar). Em tailandês é moto. Em japonês é keitai, ou mesmo apenas ke-tai. Em chinês é sho ji (máquina de mão) (PLANT apud PARAGUAI in SANTAELLA, 2008, p. 254).

Esses dispositivos móveis de conexão à rede, cada vez mais transparentes ao nosso cotidiano, provocam uma modificação sobre a relação público/privado, quando em espaços urbanos públicos se articulam ações que em outro período eram realizadas em locais privados. A reformulação do espaço urbano público em poder dessas

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tecnologias portáteis de conexão à rede e o fim dos espaços de desconexão sugerem uma descentralização sobre os padrões de sociabilidade e comunicação. Ao passo que carregar consigo a rede – no bolso –, viabiliza novos modos de ser socialmente, bem como receber e disseminar informações de forma descentralizada.

2 AMBIENTES INFORMACIONAIS

Dentro do panorama social de rede percebe-se uma crescente variação de modos e meios de se obter informação. Para evidenciarmos esta realidade e compor tal cenário, propomos, neste fragmento, uma elucidação a respeito de mídias locativas como parte de um amplo ambiente informacional.

Mídias locativas englobam conteúdos como realidade móvel aumentada, mapeamento e monitoramento de movimento, geotags, anotações urbanas, wireless Mobile Games etc. Nosso viés trata de mídias locativas sob a perspectiva de acesso a informações, sejam elas jornalísticas ou não, e a consequente reconfiguração do espaço social. Buscamos, em Lúcia Santaella (2008a, b) e André Lemos (2008), apoio teórico para tal.

Refletir sobre mídias locativas nos remete, invariavelmente, ao aspecto territorial das informações. A virtualidade implica a ausência matérica para obtenção e atualização de informações, mesmo que para sua “captação” seja necessário suporte tecnológico. Mídias locativas e territórios informacionais são assuntos de separação tênue, sendo fundamental a abordagem de ambas. Segundo Santaella (2008b, p. 22), mídias locativas:

São dispositivos que permitem que as pessoas localizem-se a si mesmas e a outras no espaço geográfico e que conectem informação a posições geográficas. Cada vez mais, essas tecnologias da mobilidade, sensíveis a lugares podem acessar a Internet, permitindo que a informação seja armazenada e recuperada a partir de base de dados remotos (SANTAELLA, 2008b, p. 22).

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Conceber mídias locativas como forma de obtenção e distribuição de informações, valida a ideia de uma transformação social, tanto para articulação informacional quanto territorial. As informações assumem novas posições geográficas, apresentando-se em espaços não tradicionais, como o jornal impresso. Como já havíamos acordado para uma não comparação entre mídias, apenas ressaltamos para uma realidade subjacente à virtualidade. Lemos (2008, p. 207) concebe mídias locativas como “processos de emissão e recepção de informação a partir de um determinado local. Isso implica uma relação entre lugares e dispositivos móveis digitais até agora inédita”, o que reforça a ideia de novas possibilidades de acesso à informação, remodelando a geografia social, tanto física quanto virtual.

Castells (2000, 2004) e Santaella (2008a, b) percebem que a locatividade associada à mobilidade vem promovendo um sentido de deslocamento. Referindo-se tanto a tecnologia portátil quanto ao acesso a informações presente no espaço de fluxos (Castells), ou espaços intersticiais (Santaella). Trazendo tal consideração sob o aspecto que evidenciamos em nosso estudo, o deslocamento modifica o modo como nos relacionamos com as mídias tradicionais (jornal, TV, rádio), com novas mídias e com o acesso à informação.

Santaella (2008a, p. 95) refere-se a uma cultura da mobilidade baseada em dispositivos móveis. Essa apropriação tecnológica promove o “surgimento de novas espacialidades de acesso, presença e interação”, sendo, sob o aspecto acesso, que abordamos a temática locativa. A disponibilidade de acesso (à Internet) em qualquer lugar e a qualquer momento ocasiona uma alteração sob a lógica de obtenção de informações.

[...] o mundo tecnológico não está separado do mundo físico, mas está incrustado nele, fornecendo novos modos de compreendê-lo e apropriar dele. A mediação tecnológica do ciberespaço condiciona a emergência de novas práticas culturais (...) os recursos tecnológicos se hibridizam, transformando as mídias locativas em um campo múltiplo, disponível em muitas versões, dependendo do modo como são operadas e dos usos que lhes são agregados (SANTAELLA, 2008a, p. 96).

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A tecnologia de acesso, aparatos comunicacionais de conectividade à Internet, está cada vez mais presente no cotidiano da sociedade contemporânea. As informações passam a ser processadas por artefatos sem fio (wireless) como GPS, smartphones, palms, laptops. Sendo por meio de redes wi-fi, WAP, 3G que se tem acesso à Internet, ao conteúdo da rede. O uso generalizado de acesso sem fio vem “alterando os modos como compreendemos as relações entre as pessoas, ações e os espaços em que elas ocorrem” (SANTAELLA, 2008a, p. 98). Além disso, percebemos uma modificação no modo como as pessoas vêm consumindo informação, ou seja, a mediação tecnológica móvel viabiliza o constante acesso a informações e a uma atualização segundo a segundo.

Nossos autores de referência partilham de ideia semelhante. Castells (2000) propõe o espaço de fluxos, Santaella (2008a, b) uma espacialidade de acessos e espaços intersticiais e Lemos (2008) utiliza o termo ciberurbe, a fim de demonstrar a dimensão virtual das informações em paralelo à instância física da sociedade. O fluxo de informações está presente invisivelmente por todos os espaços, porém, para acessá-los, faz-se necessário o uso de aparatos de conexão. Simbolicamente é como se por meio de uma mídia móvel fosse possível extrair informações do ar para a interface de um smartphone, por exemplo. A partir da arquitetura virtual formada pelos nós da rede, mídias digitais captam e codificam informações desse espaço de fluxos. O vocábulo hibridismo exprime tal ideia, sugerindo a “interconexão dos espaços físicos de circulação com os espaços virtuais de informação a que os usuários de dispositivos móveis se conectam” (SANTAELLA, 2008b, p. 20).

Os espaços intersticiais referem-se às bordas entre espaços físicos e digitais, compondo espaços conectados, nos quais rompe a distinção tradicional entre espaços físicos, de um lado e digitais, de outro. Assim, espaço intersticial ou híbrido ocorre quando não mais se precisa ‘sair’ do espaço físico para entrar em contato com ambientes virtuais (SANTAELLA, 2008b, p. 21).

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Com as tecnologias portáteis, evidencia-se uma nova característica da sociedade em rede de estar constantemente conectado a espaços virtuais, bem como a possibilidade de levar a Internet (e todo seu conteúdo) no bolso, ao alcance das mãos dos usuários. Os espaços intersticiais exprimem uma dissolução entre as fronteiras rígidas entre o espaço físico e o virtual. Este espaço não pertence a nenhuma das interfaces, configurando “múltiplas camadas de conexões entre o físico e o virtual” (SANTAELLA, 2008b, p. 22).

Refletindo sobre ciberurbe, a paisagem comunicacional contemporânea, Lemos (2008) vê as mídias locativas como processos pós-massivos, de fluxo informacional descentralizado. A customização característica deste processo viabiliza que qualquer pessoa possa “produzir, processar, armazenar e circular informações sobre vários formatos e modulações” (LEMOS, 2008, p. 217). O fluxo comunicacional e informacional passa por grande modificação frente à realidade móvel e locativa. Dentro dessa perspectiva, o “fluxo comunicacional se dá por redes sem fio e dispositivos móveis, caracterizando a era da comunicação ubíqua, senciente e pervasiva das mídias locativas” (LEMOS, 2008, p. 218). Com isso, evidenciamos fortes indicativos de uma ruptura sob a lógica centralizada e linear de obtenção de informações. A periodicidade de atualização de uma mídia tradicional, como o jornal impresso (24 horas), uma vez ao dia, é colocada dentro de um contexto novo.

Lemos (2008, p. 218), ao refletir sobre os aspectos das cidades contemporâneas, as cibercidades, evidencia para um “tratamento inteligente da informação a partir de dispositivos sem fio que aliam mobilidade, personalização e localização”. Compreendemos que as mídias locativas são mais um fator determinante para a modificação de práticas sociais e de articulação da informação. Lemos (2008) define ciberurbe como sendo a dimensão informacional da sociedade contemporânea, de alta conectividade e velocidade de fluxo informacional.

Trata-se efetivamente (...) de uma nova relação entre a esfera midiática e o espaço urbano. Com as mídias locativas, as trocas informacionais não emergem nem dos meios de massa (rádio, TV, jornais), nem do ciberespaço acessado em espaços fechados (espaços

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privados ou semipúblicos), mas de objetos que emitem localmente informações que são processadas através de artefatos móveis (LEMOS, 2008, p. 219).

Claramente nossa abordagem sobre mídias locativas está no limiar entre a relação social espaço-temporal e de novas formas de acesso à informação. Espaço, mobilidade e tecnologia são elementos indispensáveis para se pensar em mídias locativas. As mídias locativas, além de ocasionarem novas apropriações do espaço urbano, modificam o acesso ao fluxo informacional, sob a lógica da mobilidade por territórios informacionais. Os espaços urbanos passam a ser territórios informacionais, ou seja, zonas de acesso à informação.

Lemos (2008, p. 221) compreende por territórios informacionais “o acesso e o controle informacional (...) a partir de dispositivos móveis e redes sem fio”. Como já mencionado, o território informacional assemelha-se muito à proposição de Castells (2000) com o espaço de fluxos. É um ambiente movente e híbrido entre o espaço virtual e o espaço físico. Lemos (2008, p. 221) exemplifica esse tipo de território como “o lugar de acesso sem fio em um parque por redes wi-fi é um território informacional, distinto do espaço físico parque do espaço eletrônico Internet”. Vale ressaltar que se tem conhecimento da distinção teórica existente entre espaço e lugar, porém não é de fundamental abordagem para o presente contexto. Para tal, seria necessário um distanciamento ao estudo desta dissertação.

O referido autor, ao discorrer sobre mídias locativas e territórios informacionais, viabiliza a reflexão de mudança sob a lógica de acesso e atualização de informações, concebendo mídias massivas de um lado e território informacional de outro. Em mídias massivas, engloba-se rádio, televisão, revistas e jornais. Dentro do território informacional, estão as tecnologias de acesso, como: celular, wi-fi/wi-Max, Bluetooth, RFID. As mídias pós-massivas, com base em Lemos (2008), mídias eletrônicas e digitais, nas quais se enquadram as mídias locativas, formam o território informacional. Essa divisão quer evidenciar a possibilidade de interação e comunicação bidirecional, por meio de informação em rede. E, nesse espaço, quem controla o fluxo informacional é o próprio indivíduo. “O controle da informação em mobilidade e no espaço público vai construir

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uma diferença em relação ao consumo informacional dos meios massivos” (LEMOS, 2008, p. 224).

Figura 1 – Mídias massivas versus território informacional Fonte: LEMOS in SANTAELLA; ARANTES, (2008, p. 207).

O jornal, como mídia tradicional, tem por característica a

mobilidade, entretanto há ausência de conectividade. Assim como um aparato portátil de conexão, o jornal em papel pode ser transportado para qualquer lugar, mas para acompanhar o fluxo de informações disponível, é necessária a atualização constante, o que só ocorre a partir da conectividade. As mídias de informação, dentro da esfera virtual, têm a instantaneidade como característica. A atualização é feita ininterruptamente de segundo a segundo, diferentemente ao que ocorre com o jornal impresso.

Além de uma modificação sob o aspecto relacional entre informação e espaço urbano, as mídias pós-massivas promovem novas formas de acesso à informação e estabelecem pontos de acesso ao espaço de fluxo ou ao ambiente intersticial. As informações passam a ser captadas por meios não tradicionais e, a partir de aparatos comunicacionais e conexões variadas, é possível ter acesso à informação e à atualização constante.

3 CONECTIVIDADE DA REDE

A proposição deste fragmento é evidenciar estatisticamente o aumento do uso e penetração da rede em escala global. O que propicia

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a potencialização das tecnologias móveis e ambientes informacionais. Mesmo sabendo da necessidade da rede sem fio para tal.

A pesquisa realizada pela Internet Usage and World Population Statistics data de 31 de março de 2009.

Fonte: http://www.internetworldstats.com/stats.htm, 2009.

A pesquisa apresenta um comparativo entre os anos 2000 e

2008, estabelecendo a população estimada de cada continente e o número de usuários de internet em ambos os períodos. Analisando os dados, verificamos um expressivo aumento no número de usuários do ano de 2000 a 2008. O crescimento vertiginoso é identificado em todos os continentes pesquisados. No continente africano, por exemplo, o crescimento do número de usuários a rede foi de 1.100%, ou seja, de 4 milhões e 514 mil usuários, em 2000, para 54 milhões e 171 mil, em 2008. Entretanto, ao que tange a penetração da rede nesse continente versus população total, o percentual é de apenas 5,6%. O que evidencia que o crescimento de usuários está diretamente ligado à situação econômica, política e cultural de determinada regiões. Em contrabalanço, o maior índice de penetração da rede em relação à população refere-se ao continente norte-americano, com 74,4%.

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Locast Civic Media 105

Note: GNI is Gross National Income per capita, and corresponds to World Bank

data in US dollars. Fonte: http://www.internetworldstats.com/sa/br.htm, 2009.

Ao analisarmos as estatísticas brasileiras, em oito anos o

crescimento de usuários de internet foi substancial. No ano de 2000 a penetração da rede era de 2,9%, o que representava 5 milhões de usuários. Já no ano de 2008, o número de usuários identificado foi de 67 milhões e 510 mil usuários, ou seja, 34,4% de penetração.

A quantificação global de usuários de internet em 31 de março de 2009 é de 1 bilhão e 596 milhões e 270 mil e 108 usuários, sendo que a população mundial é de quase 7 bilhões. O gráfico abaixo mostra o percentual de usuários em cada continente.

Figura 2 – Percentual de usuários em perspectiva continental

Fonte: http://www.internetworldstats.com/stats.htm.

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A pesquisa realizada fornece dois resultados quando estabelecido o parâmetro entre população e número de usuários. Sendo um dos resultados o número de usuários; e o segundo, o percentual de penetração da rede em dada região. Evidenciando assim a não concordância entre número de população e o nível de penetração. Ou seja, a quantidade populacional não é um fator determinante para o montante de usuários, como evidenciam os gráficos a seguir.

Fonte: http://www.internetworldstats.com/stats.htm.

O continente norte-americano tem a maior penetração de rede,

porém está em terceiro lugar em nível de quantidade de usuários. O continente asiático apresenta o maior número de usuários, entretanto, está em sexta posição ao que se refere penetração de rede. A América Latina encontra-se na mesma posição em ambas estatísticas, ou seja, o número de usuários está equilibrado ao nível de penetração da rede.

4 DESCENTRALIZAÇÃO – O PROJETO LOCAST

O principal objetivo da pesquisa Locast é encontrar formas que permitam aos cidadãos atuarem ativamente no processo de criação da informação, distribuição e acesso democrático ao conteúdo através das mídias móveis. A Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) – Porto Alegre (Brasil), em colaboração com o MIT Mobile Experience Lab (Laboratório de Experiências Móveis do MIT), desenvolve

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uma inovadora plataforma móvel e online que permite aos cidadãos atuarem de forma ativa no processo de coletar, reportar e disseminar notícias e informações relacionadas com as suas rotinas urbanas. Este experimento com mídia cidadã contará com o apoio dos estudantes de graduação e pós-graduação da Faculdade de Comunicação Social (Famecos) da PUCRS, que atuaram como jornalistas posicionados nas ruas de Porto Alegre durante o período da pesquisa aplicada. Notícias e avisos serão criados, coletados e divididos em tempo real através do site Locast e de um aplicativo especialmente desenvolvido para uso em telefones celulares. Em sintonia com a participação democrática permitida pelo projeto, a população é convidada a dialogar com os produtores do Locast pelo site e também contribuindo com outros conteúdos captados e enviados pelos seus telefones, câmeras, webcams e gravadores. A pesquisa tem como objetivo explorar a mídia cidadã aplicada ao contexto do local como ferramenta para aumentar a divulgação entre os habitantes de eventos e estimular as dinâmicas sociais realizadas nos bairros. Mais importante, permite ao público participar de maneira ativa e estimular a comunidade para utilizar o Locast como espaço de compartilhamento de informações. Além disso, auxilia no reforço das relações entre as pessoas, as instituições e cidadãos. Desta forma, o principal objetivo do projeto é compreender como as redes sociais móveis impactam na cidade e na representação do espaço urbano na mídia. Também busca observar como esta ferramenta ajuda as pessoas a se manterem informadas.

A perspectiva que queremos evidenciar em aproximar as tecnologias móveis e a descentralização é justamente que a partir de aparatos móveis de conexão a rede pode-se receber e disseminar notícias sob uma nova lógica – descentralizada. A potencialidade das informações em rede e a possibilidade de estar always on, por meio celulares, redes wireless, WAP, Wi-Fi, Bluetooth, GSM, CDMA, smartphones etc., o espaço físico urbano deixa de ser o espaço de desconexão de outrora, tornando-se parte do processo que contextualiza a potencialidade de descentralização de notícias. A título de ilustração e “primeiras evidências”, apresenta-se o projeto Locast, que sob a luz de Lev Manovich (2005), pode ser concebido como Wireless Location Services: recebimento de dados específicos de localização e serviços portáteis wireless como celulares.

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108 CEZAR, G. B. • Mobilidade e descentralização

Em posse de dispositivos móveis – smartphones 3G – com conexão à rede, alunos da graduação e pós-graduação ocuparam o espaço urbano da cidade de Porto Alegre produzindo conteúdo do tipo áudio e vídeo. Um aplicativo móvel e integrado a plataforma Android3

A ideia assemelha-se ao que se entende por jornalismo cívico, ou cidadão, porém sem necessidade de formatação teórica. Em uma perspectiva ampliada, a sociedade como um todo fazendo uso desses dispositivos móveis é capaz de “cobrir” fatos que ocorrem em contexto a seu cotidiano.

nos celulares foi desenvolvido pelo MIT, a partir do qual o conteúdo capturado em formato de vídeo, áudio e escrita pode ser enviado e disponibilizado em tempo real ao site do projeto.

Figura 3 – Geolozalização

Fonte: http://locast.mit.edu/civic/map/content/, 2009.

3 Sistema operacional desenvolvido pelo Google.

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Figura 4 – Página web do Locast

Fonte: http://locast.mit.edu/civic/map/content/, 2009. Percebemos o projeto como evidência de descentralização de

notícias, fatos ou informações. O Locast (“Lo”: location; “cast”: envio, lançamento) é uma plataforma de sincronização que possibilita o envio de informações geolocalizadas desde um celular a uma webpage, disponibilizando a visualização de notícias de acordo com a posição geográfica. O conteúdo, ou cast, enviado diretamente do local do acontecimento passa a ser disponibilizado e organizado de acordo com sua postagem, o mais recente assume a primeira posição no elenco de casts, como mostra a Figura 3. O funcionamento/filtro das postagens na plataforma deve se estabelecer sob a lógica de confiabilidade, número de postagens, de comentários, feitos pelos próprios usuários. Concebemos o projeto Locast como um exemplo claro da possibilidade de descentralização de informações e notícias como consequência da mobilidade da sociedade em rede. O Locast é uma plataforma flexível baseada na web que combina aplicações móveis e experiências urbanas de conectividade. Locast sobrepõe camadas de informação gerada

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110 CEZAR, G. B. • Mobilidade e descentralização

coletivamente dentro do espaço físico, do hiperlocal ao hiperglobal (rede). O aumento do espaço urbano é democraticamente operado pelos usuários do Locast, em tempo real, participando do processo de geração de conteúdo de forma descentralizada.

REFERÊNCIAS

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JORNALISMO COLABORATIVO: UMA LEITURA DO IMAGINÁRIO DE PORTO ALEGRE ATRAVÉS DA

PLATAFORMA LOCAST

Ana Cecília Bisso Nunes1

Priscilla Guimarães

2

RESUMO

O jornalismo colaborativo transpôs a barreira entre cidadãos e profissionais de comunicação. Produzir conteúdos deixou de ser privilégio de jornalistas para se tornar um direito de todo ser humano. Os dispositivos móveis (celulares) desempenham papel importante neste processo, sendo responsáveis por fotos do instante de acontecimentos como catástrofes e atentados. Além disso, a internet propiciou um espaço de comunicação diferenciado, onde todos podem expressar-se de maneira simples e para todo o mundo. A utilização destes recursos por profissionais para desvendar a identidade e o imaginário de uma cidade é original. Perceber as reações ao uso de celulares para a produção de conteúdo merece atenção. Desta forma, o presente artigo faz uma análise da importância do uso dos celulares e da plataforma Locast (mídia para produzir, compartilhar e geolocalizar vídeos) no jornalismo colaborativo para desvendar assuntos relevantes de uma comunidade e como envolvê-la. A capital do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, é palco para o projeto “onde fica o coração de Porto Alegre?”: um conjunto de vídeos realizados com um celular nas ruas da cidade e o objeto de estudo deste trabalho. PALAVRAS-CHAVE: celular; imaginário; jornalismo colaborativo; mobilidade; Porto Alegre.

1 Estudante de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Email: [email protected]. 2 Jornalista pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, mestranda em Comunicação Social – Pontifícia Católica do Rio Grande do Sul, e-mail: [email protected].

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INTRODUÇÃO

Novos caminhos e novos significados compreendem a atividade jornalística atualmente. Para entender tais mudanças, é preciso debruçar-se sobre a evolução tecnológica dos meios de comunicação e a democratização do uso destes meios. Também é necessário observar que o processo de produzir e reportar narrativas é elaborado por diferentes autores, com diferentes linguagens e temas. A forma de se relacionar com bits informacionais que circulam pelo planeta sugere uma transformação da própria dimensão da informação. O jornalismo, enquanto uma atividade da comunicação social, apresenta-se com outros padrões para a sociedade, assim como é utilizado com outros critérios.

A relação entre a tecnologia dos meios de comunicação e a sociedade dirige-se para uma perspectiva na qual, segundo Mark Weiser (1991), os computadores estarão cada vez mais integrados no ambiente natural do homem e que essa tendência significa a proximidade de alcançar o verdadeiro potencial das tecnologias da informação. Desta forma, novos conceitos passam a integrar o entendimento das práticas de jornalismo, como comunicação ubíqua, mobilidade, instantaneidade, noções de tempo e espaço, entre outros. E, assim, essa integração do homem com os computadores indica também o domínio de ferramentas de comunicação e capacidade de produção de conteúdo, de narrativas (JENKINS, 2006).

Se as práticas de comunicar-se estão acessíveis e democráticas, certamente o jornalismo – atividade de interesse comum – também é impactado e inserido neste comportamento social de produzir informação. No livro We the Media (2006), Dan Gilmor descreve este novo contexto.

But something else, something profound, was happening: news was being produced by regular people who had something to say and show, and not solely by the ’official’ news organizations that had traditionally decided how the first draft of history would look. The first draft of history was being written, in part,

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by the former audience. It was possible – it was inevitable – because of the internet3

(GILMOR, 2006).

Desta forma, os sítios de jornalismo colaborativo, onde cidadãos são ativos na sugestão e produção de pautas, têm alto potencial de desenvolvimento. Isto se deve não só à possibilidade de participar de uma narrativa, mas defini-la, gerando mobilização (RHEINGOLD, 2003). Para ratificar este contexto, uma pesquisa realizada em 2008, pelo Biving Groups com sites de jornais americanos, evidenciou que 58% das marcas já abriram espaço para UGC (User Generated Content) (apud Spyer, 2009). No mesmo livro, Spyer destaca ainda que iniciativas de jornalismo colaborativo podem hoje ser encontradas em diversos lugares do mundo como Chile, Estados Unidos, Espanha, França e Itália. A publicação cita também iniciativas no Brasil como Eu Repórter (O Globo), Você Repórter (Terra), Minha Notícia (iG), VCnoG1 (G1), Leitor Repórter (Zero Hora e Jornal do Brasil) e Meu JC (Jornal do Commercio – PE).

Assim como a produção e diversificação do jornalismo movimenta-se, a informação também sofre o que poderíamos chamar de uma mudança de estado, tanto em relação à corporificarão de um bit quanto à circulação do mesmo. Mídia locativa é o termo criado para designar a informação veiculada baseada em geolocalização. Para André Lemos, as mídias locativas desenham o que o autor denomina de território informacional (2007). A visão de Michael Curry (1999) também expõe a redefinição de lugar. O autor afirma que a pertinência dos lugares está relacionada ao contexto das ações do ser humano. E justamente o esclarecimento dos pontos sobre o contexto de uma ação é de suma importância para a eficácia da comunicação. Para Malcolm McCullough (2004), o uso do contexto otimiza o processo, desmassifica-o, cria apropriação.

Estas afirmações sobre mídia locativa (apropriações de espaços através de informação geolocalizada) são significativas no contexto do

3 Mas algo mais, algo profundo, estava acontecendo: notícias estavam sendo produzidas por pessoas comuns que tinham alguma coisa para dizer e mostrar, e não mais somente pelas organizações midiáticas oficiais que tradicionalmente decidiam como o primeiro esboço da história iria parecer. O primeiro rascunho da história estava sendo escrito, em parte, por quem forma a audiência. Isso foi possível – isso foi inevitável – por causa da internet. Tradução livre das autoras.

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jornalismo colaborativo e seu potencial de mobilização e geração de envolvimento social. O autor Alain Bourdin (2001) explica que três grandes dimensões fundamentam o vínculo social: a troca, o sentimento de pertencer à humanidade e o “viver junto” e partilhar o mesmo cotidiano. Bourdin também aponta que a revolução na mobilidade e na tecnologia inaugura novas escalas de organização social, onde o local privilegiaria a diversidade, as diferenças e a multiplicidade. Maffesoli (1987) apresenta o conceito de “estar junto” como socialidade, o que, para ele, seria um conjunto de práticas cotidianas que escapam ao controle social rígido, configurado em tribalismo e presenteísmo e, que estas questões das relações sociais são parte inerente entre a tecnologia e sociedade.

Mídias produzem espacialização, ação social sobre um espaço. Se a comunicação ubíqua está diretamente relacionada ao quesito sociabilidade e se as práticas sociais foram alteradas desde o surgimento de redes virtuais até práticas que misturam atividades presenciais e online através da localização, como afirma McCullough (2004), existe o desenho de um espaço híbrido, em que virtual e físico formam uma terceira dimensão.

O surgimento de uma nova noção de espaço – baseada não mais em geografia ou política, mas em informação – também produz um novo imaginário. Imaginário social, segundo Castoriadis (2007), é uma imagem projetada sobre si mesmo, sobre a própria sociedade. Quando temos uma sociedade ressignificando territórios, é possível que haja diferenças de percepção em relação à estrutura íntegra de uma cidade e em relação às tribos que a compõem. Em termos simbólicos, do macroambiente para o microambiente, os mapas se desencontram. Para Sandra Pesavento (2002), as ideias e imagens são reapropriadas em tempos e espaços diferentes e essas representações podem construir um acesso ao urbano, às cidades. O uso do jornalismo colaborativo, através de uma plataforma de mídia locativa, poderia contribuir justamente para planificar este imaginário e compartilhar diferentes visões.

Desta forma, o ponto de partida deste artigo é uma experiência de jornalismo colaborativo: o projeto Locast.4

4

Durante duas semanas

http://locast.mit.edu/civic.

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do mês do novembro 2009, as autoras participaram da experiência realizada pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) em parceria com a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e o Grupo RBS. A plataforma, desenvolvida pelo instituto norte-americano, foi testada no Brasil na cidade de Porto Alegre por um grupo composto por estudantes, graduados e pós-graduados em comunicação. Através do uso do programa e de celulares do tipo Android, os participantes foram convidados a produzir vídeos com a possibilidade de localizar geograficamente os conteúdos. O meio era o mesmo para todos os usuários, mas o modo de utilizar o aparelho, a abordagem dos assuntos e os tópicos a serem tratados eram uma escolha do próprio autor do conteúdo.

O projeto “onde fica o coração de Porto Alegre?” realizado pelas autoras deste artigo é o foco deste trabalho. Composto por cinco vídeos capturados em diferentes locais da cidade, as autoras puderam analisar Porto Alegre através do olhar e das impressões daqueles que andam pelas ruas todos os dias. Mais do que isso, foi possível perceber a reação dos entrevistados ao uso do celular como ferramenta de produção de conteúdo. As repórteres caminharam por pontos tradicionais da cidade, conversaram com quem transitava nestes locais e fizeram aos entrevistados a mesma pergunta: é este local o coração de Porto Alegre? Se não é, onde ele fica? As repostas e as reações são diversificadas e, juntas, compõem uma amostra do imaginário da Capital gaúcha.

1 O PROJETO “ONDE FICA O CORAÇÃO DE PORTO ALEGRE?”

1.1 Prerrogativas e foco

Foi preciso analisar as possibilidades e diferenciais da plataforma para conceber a ideia do projeto e seus objetivos. Assim, alguns pontos foram observados: o Locast é concebido de forma a localizar a informação gerada, volumetrizando espaços e objetos e traçando novos desenhos informacionais nas áreas cobertas; devido ao seu caráter de mídia (ainda) experimental, em construção e social-cidadão, a plataforma poderia trazer conteúdos mais espontâneos e, inclusive, subjetivos a respeito dos temas propostos; os recursos disponíveis

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permitiam as autoras debruçar-se sobre Porto Alegre, entender a sua geografia e história, tentando assim, conceber um projeto que contemplasse a cidade de forma mais completa, com um assunto menos perene e de alto envolvimento social e, por fim, que explorasse bem o espaço territorial e a plataforma.

Além disso, em rápida pesquisa sobre a cidade foi detectado que seu mapa aponta um crescimento desordenado e não planejado, em sentido radial, partindo do Lago Guaíba, e que o bairro centro localiza-se exatamente no início de todos os raios. Se o centro não é, de fato, o centro geométrico da cidade, este bairro foi por muito tempo o chamado coração de Porto Alegre – o lugar onde há um grande fluxo de pessoas transitando todos os dias, em que é possível comprar, trabalhar, passear, namorar e, além disso, concentra instituições políticas e governamentais. Com o passar dos anos, Porto Alegre ganhou diversos novos bairros bem estruturados e, de certa forma, quase autossuficientes. Muitas das atividades realizadas no bairro centro também passaram a ser oferecidas por outras zonas da cidade. Ao decorrer deste desenvolvimento, os bairros foram ganhando forma, habitantes e personalidade. E, é claro, afeto bairrista de pertencimento e orgulho.

A cidade mudou muito. A opinião e o imaginário das pessoas provavelmente também. O tema instigou as autoras. Seria possível que existisse uma ideia bastante fragmentada, por parte dos habitantes a respeito do significado do bairro centro, a respeito da imagem de cada bairro e, também, a respeito do imaginário da cidade como um todo.

1.2 Definição da experiência

Para elaborar o material, foi preciso definir previamente o estilo de filmagem, a abordagem dos entrevistados, a linguagem utilizada pelas repórteres e a duração média dos vídeos. Para ter um resultado satisfatório de pesquisa, era preciso pensar nos espectadores dos materiais depois de publicados, no meio em que ele seria veiculado, no caso, a internet, e naqueles que fariam parte do processo: os entrevistados.

Para este último grupo, a proposta era deixá-los bem à vontade a fim de capturar depoimentos verdadeiros e espontâneos. Para isso, as repórteres abordaram os transeuntes de maneira bem informal e

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corriqueira. Já em relação aos espectadores, a ideia era gerar identificação e localismo. Sendo o espaço, as ruas de Porto Alegre, parte disso já estava sendo realizado. Eu vejo minha cidade e consigo me colocar no lugar de quem está falando, ou seja, “poderia ser eu”. A câmera do celular no mesmo ângulo de visão das produtoras transmite ao espectador a ideia de participação e “espelhamento”.

Ao pensar no veículo que seria utilizado para visualização e distribuição do material, foi definido o tamanho médio e corroborado o estilo. A internet permite uma abordagem mais informal dos conteúdos e como o usuário escolhe o que quer ver, o tamanho dos vídeos pode ser um pouco mais extenso, pois o público é segmentado à medida que escolhe assistir ou não ao material. Desta forma, foi definido um tamanho de aproximadamente 15 minutos, podendo variar para mais ou menos.

A filmagem foi realizada em plano-sequência, opção das autoras para uma utilização plena dos recursos da plataforma Locast, pois, desta forma, o vídeo não necessitaria edição e poderia ser publicado instantaneamente. Além disso, é possivel que, quanto menor for a intervenção no material, mais credibilidade ele pode transmitir. Assim, os vídeos começam no instante em que se aperta o botão de “gravar” e se encerram somente ao apertar o parar: sem edição, sem cortes e sem saber previamente como seriam estes vídeos. As repórteres comentam enquanto andam pelas ruas da cidade, passando a ideia de “somos porto-alegrenses como você” e não elaboram os textos previamente. Apenas ajustam iluminação e som antes de iniciar o processo de gravação.

O primeiro vídeo foi realizado no centro da cidade, partindo dos pressupostos do projeto citado anteriormente. A partir dali, os pontos foram propostos pelos próprios entrevistados que os citaram como espaço importante (coração) de Porto Alegre.

2 ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA

2.1 Uso do celular e da plataforma Locast

O projeto “Onde fica o coração de Porto Alegre?” comprova que os dispositivos móveis são produtores de conteúdo tão eficazes como filmadoras profissionais ou outros equipamentos utilizados somente por

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aqueles especializados na produção de reportagens ou notícias. O grau de eficiência do meio depende muito mais do resultado que se pretende atingir e de que forma do que de fatores como iluminação e qualidade de imagens.

O equipamento utilizado no projeto não filmava em alta definição e em pouca luz apresentava características como borramento de imagem. Além disso, transferir o material para a plataforma gerava uma perda de qualidade. Apesar de tudo isso, foi possível perceber que o dispositivo gerou possibilidades de filmagem e interação que não aconteceriam da mesma forma com outro tipo de equipamento.

O tamanho reduzido e a aparência mais amadora transmitida pelo aparelho pareciam gerar certo conforto ao entrevistado, que, por vezes, estendiam a conversa por mais tempo ou convidavam as repórteres a entrar em suas casas, como acontece na gravação do bairro Ipanema. Os vídeos evidenciam conversas espontâneas e pouco retraídas. Em comparação à experiência das autoras deste artigo no trabalho com câmeras profissionais, ambas constataram que os questionamentos quanto ao destino do vídeo ou recusa ao falar por timidez ocorreram com menor frequência e intensidade.

Além do fator receptividade, o celular facilitou na hora de realizar as filmagens. Através dele, filmar em plano sequência e realizar movimentos de câmera (cima, baixo e até filmar a si mesmo) foi mais prático e não necessitou de grande força física, como acontece com câmeras profissionais de grande porte e seus acessórios. Não era preciso tripé nem bolsa para carregar o equipamento. As repórteres tinham apenas uma mão ocupada, segurando o celular, o que gerava grande praticidade para realizar o trabalho.

Por outro lado, as imagens de menor qualidade do que as produzidas por equipamentos profissionais não afetaram de forma alguma a visualização dos conteúdos na internet: era possível enxergar claramente as ações e entender onde elas se passavam. O celular cumpriu seu papel eficazmente: foi possível realizar o estilo de filmagem que se fora proposto, a receptividade por parte das pessoas foi satisfatória, havendo inclusive momentos de descontração e o resultado final não teve problemas por causa da qualidade, não interferindo na visualização do material.

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Além dos fatores técnicos e de forma, o celular possuía instalada a plataforma Locast, que disponibiliza o arquivamento já com os conteúdos de tags, título e localização geográfica do material dentro do próprio celular. Por vezes, era difícil escrever no teclado virtual do telefone e as teclas de salvar ou cancelar o vídeo eram muito próximas no layout da plataforma, o que causava desconforto e, algumas vezes, até perda do material. De forma geral, o programa desenvolvido pelo MIT é prático e satisfatório, precisando ainda de ajustes para utilização plena dos recursos. Para mexer, no entanto, é necessário conhecimento prévio ou a leitura de um tutorial para familiarização.

2.2 OS VÍDEOS

As particularidades e a identidade de cada lugar foram evidenciadas no material multimídia. Foi possível perceber que cada ponto pesquisado tem um ritmo próprio e um imaginário peculiar. A reação das pessoas era diferente em cada espaço, sendo mais ou menos receptivas de acordo com ele. A paisagem de Ipanema propiciou conversas mais longas e convites para entrar em casa. Apenas alguns cidadãos que estavam caminhando ou praticando exercícios se recusaram a falar. O ritmo era diferente do bairro Azenha e Centro. As pessoas de Ipanema demonstravam menos pressa e outra receptividade, talvez até pelo dia da semana escolhido. O vídeo de Ipanema foi realizado em um final de semana e os outros dois em dias normais de trabalho. Apesar disso, o vídeo da redenção, realizado no mesmo dia do de Ipanema apresenta também um ritmo diverso. É menos agitado que o centro, mas menos receptivo que Ipanema, onde as pessoas não demonstravam às vezes até prazer em falar sobre aquele assunto.

É possível notar também o apego de quem mora nestes locais pelas regiões estudadas. É o caso do senhor que trabalha no bar no Centro e faz questão que mostremos a fachada do estabelecimento, ou da senhora da Azenha que conta sua história de engajamento para a realização de melhorias no bairro. Na Redenção e no Parcão, a área verde foi o destaque dos depoimentos. No primeiro local, o apego e as lembranças do ambiente foram destacados, como se pode notar pelo

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relato do senhor que associou o parque da Redenção ao coração, pois aprendera a andar de bicicleta no local e dele tinha lembranças afetivas. No segundo ambiente, uma situação curiosa: muitos dos cidadãos que lá estavam naquela quarta-feira não eram de Porto Alegre e estavam somente de passagem pelo parque. Um cenário que mostra que o local não é só de descanso e lazer, mas uma rota de passagem para trabalhadores e cidadãos durante a semana.

Em relação aos depoimentos, é possível perceber nos vídeos que a maioria desenvolve o assunto sem dificuldades. O tema das perguntas faz parte do cotidiano daqueles que participam e a empatia por ele parece facilitar na hora de expressar-se, como acontece com aqueles que moram ou têm maior contato diário com o local. Algumas pessoas tiveram conversas mais prolixas com as repórteres, mostrando vontade de expressar sua opinião e falando, inclusive de outros assuntos envolvendo aquele ambiente, como problemas ou sugestões de melhorias para o local. Desta forma, as autoras perceberam que o assunto diz respeito ao próprio locus existencial dos entrevistados, o gerou interesse e disposição de muitos a responder e se envolver.

De acordo com esta amostra, na memória dos porto-alegrenses, poucos bairros são relevantes, sendo citados aqueles com representação histórica, socioeconômica ou de qualidade de vida. Na maioria dos casos, todos os entrevistados consideram o bairro onde estão o coração da cidade. Outros citam também o Centro ou dizem não saber onde seria este espaço.

Em relação ao bairro Centro, para quem mora, trabalha ou vivenciou o tempo de um centro efervescente econômica e culturalmente, ele ainda é o coração de Porto Alegre. As principais justificativas são a de origem (ou seja, este é o lugar onde tudo começou), comércio (é aqui que os negócios acontecem) e localização (tudo começa e termina no Centro). Há também os que não costumam frequentar o local, mas ainda assim o definem como coração da cidade, tendo argumentos histórico-afetivos.

Já o bairro Azenha é citado como o coração de Porto Alegre, tanto por quem mora ou transita. As principais justificativas foram o comércio forte, o ponto como zona de ligação (rua que liga zonas norte e sul da

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cidade). Na Zona Sul de Porto Alegre, o bairro Ipanema é considerado o coração da cidade por causa da qualidade de vida e tranquilidade. Aqui a denominação assume um significado de bem-estar, oposto ao entendimento de desenvolvimento econômico ou mesmo histórico.

No bairro Moinhos de Vento, o coração é associado principalmente ao Parcão – seu respiro verde no meio de construções e seu moinho histórico, além do alto poder aquisitivo dos moradores. E, enfim, o bairro Bom Fim, representado neste trabalho pelo parque da Redenção, é o coração de Porto Alegre em função de sua área verde no meio da cidade e por sua característica de ativismo político. Além disso, algumas pessoas demonstraram apego afetivo devido a memórias e situações importantes de sua vida que lá vivenciaram, como aprender a andar de bicicleta etc.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Locast é uma plataforma adaptável e convergente a este estilo de projeto, contribuindo no processo desde a captura até a apresentação do conteúdo e sua navegação. No entanto, para que um tema como este realizado se torne concretamente uma construção coletiva, a plataforma poderia estar disponível para mais pessoas. Um dos principais ganhos que o Locast traz para a produção de conteúdo é a possibilidade de ver e tocar uma informação em conjunto com outras pessoas, trocando impressões planificadas: planificando o imaginário e permitindo gerar crítica sobre o conteúdo simbólico de uma cidade.

De qualquer maneira, é preciso lembrar que jornalismo colaborativo é afetado pela localidade, pela personalidade social do lugar, pela rotina e o momento em que o vídeo/material é realizado. Nunca há opinião absoluta, só contextual. De fato, seria necessário um estudo mais aprofundado para obter representações mais assertivas.

O que foi possível obter como dado é que Porto Alegre é uma cidade de muitos bairros e de muitas tribos e de significados distintos sobre o que é coração. No entanto, o que parece ser valorizado enquanto símbolo da capital são os atributos economia, história e natureza. De forma geral, Porto Alegre apresenta um imaginário bastante arquetípico sobre os bairros testados e, assim como sua geografia, seu simbólico

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também é descentralizado e varia de acordo com as atividades sociais em cada espaço e em cada época. Independentemente do que realmente existe na cidade, o imaginário da Capital gaúcha está constituído com base em pertencimento, valores e afeto.

REFERÊNCIAS

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JORNALISTAS CIDADÃOS

Inaiara Cunha1

O que acontece com os fatos específicos de cada comunidade, com os acontecimentos em que nenhum veículo pode estar presente? Ficaremos sem cobertura jornalística? Não teremos nenhum material? São para estas situações que o Jornalismo Cidadão surgiu. Foi para suprir necessidades de comunicação que a sociedade possuía que os cidadãos passaram a também ter voz. Durante os dias 16 e 23 de novembro de 2009, os alunos da PUCRS, guiados por pesquisadores do MIT (Massachussets Institute of Technology) e com o apoio de 11 profissionais do Grupo RBS, obtiveram a experiência de comunicar como cidadãos. Utilizando um celular ou máquina fotográfica foi possível registrar e transmitir acontecimentos e fatos para todos os interessados.

O Jornalismo Cidadão vem crescendo e ganhando destaque no Brasil e no mundo. Cada vez mais encontram-se mídias tradicionais e veículos de massa utilizando depoimentos de cidadãos que presenciaram o fato e que, juntamente com o material editado, torna a matéria mais verídica. Pensando nesta didática, o projeto LocastPOA foi desenvolvido. Durante o período da pesquisa todos os envolvidos foram a diversas regiões de Porto Alegre relatar fatos relevantes por sua perspectiva para pequenas comunidades ou para todo o município.

Diversas experiências durante o processo foram surpreendentes a todos. Como estudantes de comunicação, os participantes tinham a visão tradicional de fazer reportagem, com estruturas semelhantes a um jornal de veículos de massa. No entanto, ao produzir os casts (vídeos que eram publicados no site da MIT), era possível criar e filmar da forma que cada um desejasse, sem levar em consideração o formato ou a linguagem. Por ser uma produção de jornalismo cidadão não era necessário seguir nenhum manual ou regras. Só se fazia imprescindível, que fosse transmitido o conteúdo desejável da maneira mais adequada.

1 Estudante do quinto semestre de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

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124 CUNHA, I. • Jornalistas cidadãos

Com total liberdade foi possível visualizar diversos ângulos e formatos distintos nos vídeos publicados. Pessoas que acreditavam que a imagem comunicava por si só, sem fazer comentários, somente filmavam. Havia aqueles que não queriam aparecer em frente às câmeras e também quem preferia agendar com uma fonte e entrevistá-la sobre o assunto em debate. A singularidade de cada imagem é que transmitia a personalidade de cada cidadão que estava ali se comunicando com quem, posteriormente, iria ver no site.

O ganho de uma comunicação realizada desta maneira é que a mesma liberdade e sentimento que a pessoa sente ao filmar e relatar o que está vivenciando, é a característica que o telespectador procura neste tipo de diálogo. Fãs de algo ou alguém se identificarão mais com aquele material que será produzido por outra pessoa que também adora determinado assunto, em vez de um repórter de um grande veículo, que muitas vezes nem tem total conhecimento sobre o tema que está cobrindo. Cada vez mais a comunicação que ganha destaque é aquela que transmite com melhor veracidade o fato.

As filmagens realizadas, bem como o conteúdo escrito neste meio, diferente de muita coisa que se encontra na mídia tradicional, são produzidas com prazer. E é por estes fatos que se percebe que além de ser um meio de comunicação, também se tornou uma maneira de ligar pessoas. Através do jornalismo cidadão, aqueles que antes não se comunicavam e não expressavam suas opiniões passaram a se comunicar. Com a mesma amplitude que um Twitter tem, foi possível acompanhar um fato curioso durante a pesquisa. Em um dos dias, houve um temporal que parou a cidade. Neste momento, acompanharam-se todos que estavam ligados à rede publicar matérias de onde se encontravam. O impressionante é que, com todo o conteúdo, foi possível realizar um raio-X imediato do caos por que o município e seus moradores estavam passando. Em momentos como este se percebe o quanto ainda a mídia tradicional não consegue abranger a todos e a tudo.

O jornalismo cidadão também surge com o intuito de abrir espaço para aqueles assuntos que não ganhavam cobertura por interessar somente a um grupo pequeno da sociedade. No entanto, deve ter-se o cuidado que não é por que se destina a poucas pessoas que o assunto

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não é relevante. Com ferramentas como o Locast, pequenas comunidades ganham voz e podem se comunicar sobre todos os assuntos desejados. Foi identificada exatamente esta necessidade durante a produção de conteúdo em Porto Alegre. Problemas de bairros pequenos, bem como eventos menores, receberam cobertura jornalística e puderam ser acompanhados pela grande massa que antes não encontrava essas informações em lugar algum.

É necessário observar que mídias como esta devem ter uma boa divulgação e se comunicar com outras redes sociais e veículos para obter sucesso e alcançar seu objetivo: atingir a todos. Por tratar de diversos assuntos que nem sempre atingem um grande público, muitas pessoas devem ter a ciência da ferramenta para esta atingir um maior número de pessoas. Foi observado que, por ainda não ser uma mídia conhecida, não havia um número elevado de visitas. No entanto, no momento em que eram divulgadas em redes sociais da internet como Orkut, Twitter e Facebook, as publicações no site eram mais visualizadas e ganhavam destaque.

Outra grande facilidade encontrada ao realizar os vídeos e os conteúdos durante a pesquisa foi a praticidade e a alta mobilidade que era utilizar o software no celular. Ao contrário de equipamentos tradicionais, os celulares não eram percebidos em meio à multidão. Com isso, o material filmado era muito mais natural. Diferente de um celular que já se tornou familiar a todos e por isso não aterroriza ninguém, muitas pessoas ainda possuem um desconforto em frente às câmeras e luzes, modificando inclusive suas atitudes e respostas.

No entanto, é bom ressaltar que, infelizmente, o amadorismo do equipamento da mesma forma que trouxe imagens mais naturais e reais, nem sempre foi de boa qualidade. Vídeos que eram capturados à noite ou muito distante do fato infelizmente não ficaram muito nítidos. Por se tratar de uma câmera de celular, por mais que o software e o aparelho fossem de excelente qualidade, os vídeos não chegariam ao profissionalismo de produções da mídia tradicional. Encontra-se um duelo entre dois pontos fortes: a qualidade técnica versus a naturalidade das imagens.

Resta saber o que para o receptor importa mais? Qual é o ponto mais relevante na comunicação? Mesmo não sendo um material

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produzido por profissionais, não se deve nunca perder o foco de que o que se deseja passar é uma mensagem, comunicar ao internauta algum acontecimento. O jornalismo cidadão, mesmo tendo uma linguagem e uma técnica livre, continua sendo uma informação e uma maneira de se comunicar com a massa. E, para se tornar significante, deve ser completo e conter novidades.

Já utilizado em ferramentas e mídias existentes, o monitoramento e o processo de fidelidade de usuários é indispensável para o bom andamento. O site desenvolvido pelo MIT possui a possibilidade de monitoramento de conteúdo. O material que é publicado pode ser revisado por profissionais que têm o poder de vetar, se necessário, algo impróprio. A ação é importante, pois se tem a certeza que será utilizada somente para fins comunicativos e não para a divulgação de conteúdos indevidos. Além disso, há o controle dos perfis que mais publicam material significativo e com maior frequência. Aqueles que são fiéis começam a ter maior autonomia e abertura. Com isso o meio se torna mais confiável, e os indivíduos fazem da atividade uma rotina prazerosa.

Durante a pesquisa os alunos puderam acompanhar o seu crescimento dentro da rede criada. No caso, verificar a popularidade de seus vídeos, quantas visualizações obtiveram, quem mais publicava e quem era mais popular. Com isso o gosto pela produção crescia e o desempenho individual era melhor. Não foi utilizado nenhum tipo de monitoramento de conteúdo pelos responsáveis devido à confiança do trabalho realizado. Mas no caso de acesso à mídia por todo e qualquer público se fará necessário o acompanhamento das publicações. Afinal, este será, futuramente, o grande diferencial entre os jornalistas e os cidadãos que comunicam para a massa.

Os graduados em jornalismo têm o conhecimento necessário para guiar e monitorar o conteúdo de forma que, aquele material que foi produzido pelo indivíduo que estava presente no episódio, torne-se interessante e indispensável para a divulgação do fato. Jornalistas de hoje devem trabalhar em conjunto com o que é produzido pelos cidadãos, afinal não há como os profissionais estarem presentes a todos os lugares em todos os momentos. Deve-se assumir este limite que se

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tem e procurar curá-lo com o apoio daquele que é o maior interessado no trabalho realizado por estes profissionais, ou seja, a população.

É importante lembrar que colaboração é uma palavra-chave para a elaboração da comunicação. Ao invés do profissional de jornalismo buscar estratégias para bloquear a produção de conteúdo por todos, ele deve se juntar a estes que têm o desejo de se expressar. Ambos caminhando juntos, um maior número de acontecimentos será reportado com maior veracidade. A internet existe para ligar as pessoas e deve ser dessa maneira que ela deve ser utilizada. A comunicação online é mais dinâmica e mais ágil. O tempo de resposta é praticamente momentâneo e tais qualidades devem ser levadas em conta. Do contrário, todo o progresso que foi obtido com o desenvolvimento tecnológico, e a globalização será perdida.

Com o crescimento das nações é fundamental que cada vez mais a população esteja efetivamente em todas as esferas da sociedade. Desde a política até a comunicação de massa. Afinal, mesmo produzindo uma quantia significativa de conteúdo, o cidadão não consegue realizar o trabalho profissional de um repórter, com toda a estrutura de um veículo de massa. Nem como um profissional consegue reproduzir todos os fatos que acontecem. É na criação de novas ferramentas como o Locast que obteremos a democratização da comunicação.

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LOCAST: JORNALISMO COLABORATIVO E MÍDIAS MÓVEIS

Bruno Germer Moraes

Mauro de Oliveira Plastina1

RESUMO

Este artigo foi realizado como parte das atividades desenvolvidas no projeto Locast Civic Media, desenvolvido em parceria entre Famecos, RBS e MIT. Apresenta um estudo da visão dos autores sobre jornalismo colaborativo, o uso da ferramenta e as formas narrativas empregadas durante a execução do projeto. PALAVRAS-CHAVE: Locast; jornalismo colaborativo; cidadão; mobilidade; convergência; plataforma híbrida.

Pode-se dizer que a participação de não jornalistas na produção

de conteúdo jornalístico nasceu praticamente junto com o jornalismo. Essa participação ocorreu, ao longo da história, em maior ou menor grau, variando conforme o envolvimento cívico e as possibilidades técnicas de cada região. Atualmente, o desenvolvimento em escala global, fundamentalmente na área técnica, possibilitou que o tráfego de informações crescesse vertiginosamente. Assim, a distância entre jornalistas e não jornalistas diminuiu a ponto de, em certos casos, ser difícil fazer distinção entre eles. A expansão da internet em banda larga e o surgimento de telefones celulares que permitem fotografar, gravar áudio e vídeo e produzir textos resultou na criação de uma cultura de convergência. Porém, como afirma Henry Jenkins, convergência não se trata de uma mera reunião de múltiplas funções de mídia no mesmo aparelho, mas “representa uma mudança cultural já que os consumidores são encorajados a procurar por novas informações e fazer conexões entre conteúdos de mídia dispersos” (JENKINS, 2006, p 3).

1 Estudantes de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Participantes do projeto Locast Civic Media no segundo semestre de 2009.

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Dessa forma, com o movimento migratório das mídias e, consequentemente das notícias, para o ambiente de compartilhamento e relacionamento da internet – onde não mais existe um grande centro produtor de conteúdo, mas um conjunto de pontos produtores desse conteúdo – o jornalismo vem se valendo cada vez mais da participação de leitores/ouvintes/espectadores. Os espaços de publicação de notícias enviadas pelos “consumidores” nos portais de grandes empresas jornalísticas ainda tangenciam as possibilidades de construção conjunta de conteúdo que a internet garante. Isso se deve ao fato de essas matérias enviadas pelos não jornalistas estarem sujeitas ao crivo de um editor, ou seja, um jornalista profissional.

Isso é um reflexo do receio que a grande mídia tem do modo como a informação é produzida e circula na internet. Por estar habituada a ser a produtora do conteúdo e por partir dela a sua circulação, a grande mídia ainda não compreendeu que a “conversa” que se estabelece, ou que deveria se estabelecer, entre o jornalista e o consumidor de notícias não é uma ameaça. De acordo com Dan Gillmor (2006), a mudança do jornalismo “de uma palestra para uma conversa” é uma evolução que “obrigará as várias comunidades de interesse a se adaptarem. Todos, de jornalistas às pessoas que cobrimos, às nossas fontes e ao público, devem mudar seus modos de agir” (GILLMOR, 2006, p 5).

Disposta e aberta a essa conversa, a plataforma híbrida Locast Civic Media une dispositivos móveis à web. Tem como objetivo propiciar o engajamento das pessoas no processo de coletar, reportar e disseminar notícias relacionadas ao ambiente urbano colocando o cidadão no centro da produção e da divulgação de informações. De acordo com André Lemos, tem-se uma nova relação entre as pessoas, o lugar e a tecnologia:

As mídias locativas são dispositivos informacionais digitais cujo conteúdo da informação está diretamente ligado a uma localidade. Trata-se de processos de emissão e recepção de informação a partir de um determinado local. Isso implica uma relação entre lugares e dispositivos móveis digitais até então inédita (LEMOS, 2008).

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130 MORAES, B. G.; PLASTINA, M. de O. • Locast

O termo “Locast” é resultado de uma alteração da palavra em inglês broadcast, que significa “transmitir, difundir”. O verbo inglês vem da junção entre broad (amplo, largo) e cast (lançar, projetar). A retirada de broad e a colocação de loc, de local, locativo, cria um neologismo que traz a ideia fundamental do projeto: transmitir informações hiperlocais, voltadas a uma comunidade determinada geograficamente.

O conteúdo do site do Locast (http://locast.mit.edu/civic) é produzido através de smartphones com a plataforma Android do Google. É necessário instalar um aplicativo que permite a gravação de vídeo e áudio (casts). Com ele é possível criar projetos para classificar o material e editar o texto que o acompanhará. Pode-se, também, acrescentar conteúdo diretamente na página da web, mas o modo mais fácil e ágil é através do aplicativo. Trata-se de uma ótima ferramenta para o jornalismo colaborativo, pois é um meio capaz de reunir informação produzida por diversas pessoas, de modo organizado, prático e acessível. Transcende o modo tradicional de produção de conteúdo baseado num emissor único. Conforme Fonseca e Lindermann:

A principal característica dessa nova modalidade de produção e circulação é a superação do modelo transmissionista emissor-meio-mensagem-receptor, típico do modelo convencional, uma vez que o receptor torna-se agente produtor. A ideia de participação é, justamente, descentralizar a emissão, oportunizando que mais vozes tenham vez no espaço público (FONSECA; LINDERMANN, 2008).

Nosso projeto para plataforma Locast se chamou “Ruas da cidade” e surgiu da vontade de mostrar aspectos relacionados às ruas de Porto Alegre. A ideia original era reportar problemas de trânsito. Porém, ela foi um pouco modificada. Depois da produção dos primeiros casts, parecidos com a cobertura da mídia tradicional, optamos pelo aproveitamento de uma característica dos celulares: a mobilidade. Além disso, o projeto inclinou-se em direção à relação dos cidadãos e os problemas urbanos, não somente no trânsito. Os vídeos passaram a “inserir” o espectador na experiência de se deslocar pelas ruas de Porto Alegre. Desse modo, mostramos acontecimentos hiperlocais de uma forma mais próxima da visão do cidadão e realçamos a imersão na realidade, demonstrando

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como o fato reportado influi na vida da população local. Este tipo de jornalismo, que cobre eventos locais, é retratado por Nelson de Oliveira, que comenta o uso de redes sociais em Salvador e Fortaleza para as pessoas ajudarem a falar dos problemas que fortes chuvas causaram nas cidades. “O papel do cidadão foi fundamental na difusão de conteúdos hiperlocais, porque, por questões estruturais e econômicas, a cobertura jornalística não pode alcançar tal amplitude.”

No primeiro dia, utilizamos um formato de notas cobertas de telejornalismo, com movimento da câmera como se estivesse sobre um tripé e texto em off. No primeiro cast, “Retorno proibido na Avenida Princesa Isabel”, fomos ao local já sabendo que motoristas costumavam realizar uma manobra irregular. Então, procuramos um lugar próximo à esquina das avenidas Princesa Isabel e João Pessoa, de modo que pudéssemos enquadrá-la no vídeo e, com um breve movimento de câmera, conseguíssemos captar a rua que os motoristas deveriam utilizar para fazer o retorno. Estávamos em dupla, de modo que, enquanto um filmava, o outro falava ao microfone do celular, narrando o texto sem aparecer na filmagem, depois de algum ensaio. A diferença entre esse primeiro vídeo e o tipo de material produzido para televisão é, como se vê, muito pequena.

Depois, nos deslocamos para outra via da cidade que apresentava problemas: um retorno num ponto que ligava três avenidas havia sido fechado num dos sentidos pela prefeitura. Porém, uma placa permanecia no local indicando a existência daquele retorno e condutores faziam a conversão pela contramão ou contornando as peças de concreto do bloqueio. Mostramos ainda uma alternativa ao retorno fechado, através de uma rua sem pavimentação. Novamente, os casts produzidos tinham um estilo telejornalístico, com imagens do ambiente e áudio em off.

No dia seguinte, escolhemos a pauta de modo mais genérico, procurando por lugares onde achávamos que encontraríamos assunto. Primeiro, circulamos pelo Centro de Porto Alegre para “procurar” por notícias. Lá, usamos pela primeira vez uma pessoa no vídeo ao coletarmos um depoimento de um engenheiro que trabalhava no projeto do Aeromóvel (um tipo de metrô). A gravação foi feita numa das

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132 MORAES, B. G.; PLASTINA, M. de O. • Locast

plataformas do trem. Quem transmite as informações é alguém diretamente relacionado à notícia. Ainda assim, trata-se de um recurso tradicionalmente usado pela televisão.

No terceiro dia, ocorreu um fato que possibilitou testar o uso móvel e rápido do Locast: uma forte chuva atingiu Porto Alegre, e os ventos derrubaram alguns postes de luz na Avenida Ipiranga, próximo à PUCRS. A via foi bloqueada, causando congestionamento nas cercanias da universidade. Com o celular, conseguimos registrar imagens dos postes caídos sobre a avenida minutos depois do fato e o tráfego lento das avenidas de entorno ao campus. A experiência mostrou que a plataforma Locast pode ser muito útil no registro de ocorrências como esta, porque o aplicativo envia os dados para o site rapidamente, assim que o cast é finalizado. Porém, não é capaz de vencer o rádio para informar a população sobre um grande congestionamento por duas razões: o rádio já tem uma posição consolidada e seria difícil para um condutor acessar a internet enquanto dirige, mesmo pelo celular.

No dia seguinte à chuva, fomos à esquina da Avenida Venâncio Aires com a Rua Santana. A fachada do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) estava sendo restaurada. Neste cast, utilizamos a câmera em movimento representando os olhos de uma pessoa e sua voz narradando o acontecimento. Ao mostrarmos o percurso de atravessar a rua e percorrer o trecho destinado aos pedestres dentro da via, já que a calçada estava bloqueada por estruturas metálicas para a reforma, representamos a visão de uma pessoa fazendo aquele trajeto, imergindo na realidade. Este formato caracterizaria o Locast como mídia cidadã de um jornalismo colaborativo. Conforme Gillmor, “A audiência pode fazer parte do processo – e está ficando cada vez mais claro que ela deve ser” (GILLMOR, 2006, p 111). Por este motivo nunca utilizamos o próprio jornalista em cena.

Em uma rua próxima ao colégio, nos deparamos com um buraco com cerca de meio metro de profundidade que havia sido aberto em razão da chuva do dia anterior. A Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), responsável pela fiscalização de trânsito e pela sinalização das ruas, foi avisada e colocou um cavalete para sinalizar o local. O buraco permaneceu aberto por quase duas semanas.

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Comerciantes locais usaram um boneco para protestar contra a demora para reparar a via. A criadora do boneco afirmou que o conserto só foi feito depois que o buraco foi mencionado na grande mídia.

Para os casts produzidos nos dias subsequentes, continuamos nos deslocando a pontos da cidade em que pensávamos que encontraríamos pautas, como na Estação Rodoviária de Porto Alegre, local de grande circulação de pedestres. Deparamo-nos com uma pequena reforma numa das portas: o acesso próximo à estação do Trensurb havia recebido uma rampa com corrimão para facilitar a passagem de pessoas idosas e/ou com bagagens. Solicitamos a uma funcionária para filmá-la com o celular enquanto reportasse informações sobre a reforma, mas ela não nos atendeu, alegando ter outras atribuições. Assim, fizemos a gravação mostrando o ambiente e percorrendo o novo acesso. Num outro lugar com grande circulação, o Aeroporto Internacional Salgado Filho, fizemos um cast sobre a sinalização confusa do estacionamento coberto. Antes de começarmos a gravar, pedimos autorização à administração. O funcionário que nos atendeu, ao perceber que usaríamos um telefone para filmar, aceitou prontamente nosso pedido, sem sequer se preocupar em saber quem éramos. Nestes dois casos, percebe-se uma aparente despreocupação ou desvalorização das mídias móveis. Algumas pessoas parecem ainda não terem percebido que a produção de conteúdo se adapta às novas tecnologias de comunicação.

Contudo, o momento mais significativo de todas as filmagens ocorreu durante uma gravação numa rua na Zona Sul de Porto Alegre. O asfalto da Otacílio Gonçalves da Silva Filho estava em condições bastante precárias, com dezenas de buracos, que aumentavam a cada chuva. Além disso, a falta de um bueiro para escoar a água impossibilitava a reparação da pista. Enquanto filmávamos, um morador das proximidades se aproximou e perguntou se o que fazíamos se tratava de algum tipo de protesto. Ele, então, manifestou o desejo de que houvesse algum tipo de mobilização das pessoas que usavam aquela rua para que fossem tomadas providências para o conserto da pavimentação. Uma plataforma como o Locast pode servir como ligação

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entre as pessoas dispostas a apontar problemas de uma localidade e aquelas responsáveis por encontrar soluções para estes problemas.

A evolução do jornalismo e das mídias em geral tem proporcionado um debate sobre como a informação pode ser passada de uma forma que atinja todos os públicos e seus interesses. O Locast surge nessa ideia como uma plataforma de ajuda para que a informação seja disseminada e buscada de uma forma mais prática e rápida. Já que o interesse de um morador de Porto Alegre pode não ser o mesmo que o de um morador de Fortaleza, a hiperlocalidade do fato surge como fator preponderante para a consolidação do jornalismo cidadão.

Segundo Vírgínia Fonseca e Cristiane Lindemann (2008), a liberdade garantida às pessoas de produzir e disseminar conteúdo através da internet pode representar uma volta ao jornalismo meramente opinativo do século XV, uma vez que todos podem “exercer o papel de jornalista, articulista, analista dos fatos do dia”. Além disso, “também podem ser difundidas inverdades ou matérias comprometidas por interesses políticos, pessoais, econômicos etc.”. Contudo, a divulgação de informações viciadas não é privilégio da internet e, na mesma medida em que é possível noticiar fatos não comprovados na realidade, pode-se, através da própria internet, potencializar o alerta sobre as informações inverídicas. Para Gillmor, esse problema pode ser ao menos reduzido a partir do momento em que se desenvolva uma cultura de credibilidade:

Quando eu vejo ou escuto algo que eu acho que possa valer a pena reportar ao meu público, eu verifico, ou cito pessoas com credibilidade que poderiam saber mais ou ir até a fonte (humana ou documental). Se eu linko algo intrigante no meu blog, mas não sei se é verdade, eu ofereço essa advertência. Geralmente, eu não repito simplesmente um post anônimo. Se o fato em questão não veio de uma fonte em que eu confie, eu o verifico. Usuários de informações online precisam desenvolver filtros semelhantes. Eles precisam de uma hierarquia de credibilidade (GILLMOR, 2006, p 189).

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O Locast possui um sistema democrático para apontar a credibilidade de quem cria conteúdo para a plataforma. Os próprios usuários classificam a qualidade do material baseados em critérios como relevância e veracidade, garantindo a quem o produziu um status de maior credibilidade. Dessa forma, a ideia comumente disseminada de que a informação divulgada na internet não tem fundamento cai por terra, pois é um conhecimento produzido pelas pessoas, para as pessoas e, principalmente, verificado por elas.

REFERÊNCIAS

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GILLMOR, D. We the media. Editora O’Reilly Media Inc., Califórnia, 2006.

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LEMOS, A. Mídia locativa e territórios informacionais. Estéticas tecnológicas. Novos modos de sentir, organizado por Priscila Arantes e Lúcia Santaella, ed. Educ/sp, 2008.

OLIVEIRA, N. Jornalismo participativo e informação hiperlocal: o papel de mashups e hashtags na construção da notícia em redes sociais. Apresentado no DT Comunicação Multimídia no XXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.

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LOCAST CIVIC MEDIA: JORNALISMO COLABORATIVO COMO PRÁTICA DA CIDADANIA E IMPULSO PARA A

UBIQUIDADE DA INFORMAÇÃO

Nayane Schaun Brose1

RESUMO

O presente artigo traz algumas impressões e fragmentos do projeto Locast Civic Media, parceria FAMECOS-MIT, que experimentou a realidade das mudanças oriundas do processo de convergência. Considerando o contexto de mobilidade e fluxo de conteúdo em diversos formatos para diferentes dispositivos, hoje, qualquer pessoa pode ser, com sua bagagem e limitações, produtora e consumidora de conteúdos. Com força, o jornalismo-cidadão ou jornalismo colaborativo vem contribuir, principalmente, com a diversidade e facilidade no acesso a informações compartilhadas, que podem repercutir em diversas proporções. PALAVRAS-CHAVE: Locast Civic Media; Comunicação; mobilidade; convergência; cibercultura; informação; jornalismo; publicidade; plataforma móvel; Android; jornalismo colaborativo; cidadão-repórter; democracia; livre-expressão.

A informação passou a ter um valor bastante significativo. Em

tempos de velocidade, urgência e ansiedade de informação, é preciso registrar, reportar, ensinar, compartilhar e, principalmente, saber lidar com a informação que surge ou se modifica a cada segundo. Para Richard Wurman (1999), há uma expectativa imensa sobre o conhecimento passado pela comunicação, sobretudo quando ela está nas mãos outras pessoas (editores, produtores, veículos, agências...) que decidem quais notícias o público deve receber (e como receber), são pessoas que restringem o fluxo de informação. Esse processo é uma das causas de ansiedade de informação, que é estimulada principalmente pela cultura do “é preciso saber mais e mais sobre tudo”. Nesse contexto, a informação se tornou poder.

1 Publicitária e graduanda em Jornalismo Famecos PUCRS.

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A era da convergência é um tempo de transição. É um momento de transformação cultural em que as antigas e novas mídias e formas de se fazer comunicação se chocam (ou se complementam, ainda não se sabe), em que o produtor e o consumidor de mídia interagem de maneiras ainda imprevisíveis. Nesse sentido, há uma circulação desenfreada de conteúdos por diversas plataformas e meios que dependem totalmente da participação ativa dos consumidores de informação à medida que eles são incentivados a trazer novas informações e a fazer novas conexões em meio muitos conteúdos de mídia dispersos. Este modelo (cultura participativa) contrasta totalmente com a ultrapassada ideia de consumidor passivo, simples receptor de informações através dos meios de comunicação. Agora temos os papéis de produtores e consumidores de informação como participantes que interagem por completo, numa nova realidade ainda desconhecida (JENKINS, 2009).

Sendo a cibercultura uma “resultante da convergência entre a socialidade contemporânea e as novas tecnologias de base microeletrônicas” (LEMOS, 2002, p. 18), uma das suas principais funções é o acesso à distância aos recursos de um computador (LÉVY, 1999). Palavras de ordem que já representavam a utilização da web, como “disponibilizar” (notícias, textos, imagens, vídeos), “expor-se” (blogs, videoblogs), “trocar” (uploads e downloads) e “colaborar” (sites construídos por autorias coletivas – o chamado “coletivismo online”) (SANTAELLA, 2007, p. 182) agora também estão presentes em outros dispositivos ligados à internet que não apenas o computador. As novas tecnologias midiáticas fizeram com que o conteúdo fluísse por canais e formatos distintos, e, assim, os aparelhos celulares se tornaram peças fundamentais para o processo de convergência das mídias (JENKINS, 2009).

O projeto Locast Civic Media representa todo o potencial de velocidade da informação. Em sua fase incial, a prática uniu a mobilidade e a web na captura de vídeos e áudios por meio de telefones celulares com a tecnologia Android, pelos quais foram reportados notícias e acontecimentos nos ambientes urbanos de Porto Alegre. Locast Civic Media trouxe alunos e profissionais da comunicação atuando como o cidadão-repórter, peça-chave do jornalismo colaborativo, coletando materiais que foram disponibilizados em tempo real na internet.

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138 BROSE, N. S. • Locast Civic Media

“A cultura da convergência é altamente produtiva” (JENKINS, 2009, p. 341): o jornalismo-cidadão faz crescer imensamente a velocidade, a quantidade de conteúdo produzido e compartilhado na internet, além de ser facilitador do acesso. Hoje, é fácil criar um blog ou contas em redes sociais e alimentá-los com qualquer tipo de informação e obter retorno disso. Para Pierre Lévy:

As realidades virtuais servem cada vez mais como mídia de comunicação. De fato, várias pessoas geograficamente dispersas podem alimentar simultaneamente uma base de dados por meio de gestos e, em retorno, receber dela informações sensoriais. Quando uma das pessoas modifica o conteúdo da memória digital compartilhada, os outros percebem imediatamente o novo estado do ambiente comum. Como a posição e a imagem virtuais de cada um também encontram-se gravadas na base de dados, cada vez que um dos parceiros se move ou modifica a descrição de sua imagem, os outros percebem seu movimento. [...] As realidades virtuais compartilhadas, que podem fazer comunicar milhares ou mesmo milhões de pessoas, devem ser consideradas dispositivos de comunicação ‘todos-todos’, típicos da cibercultura (LÉVY, 1999, p. 105).

O princípio básico do processo de colaboração de informação e mobilidade (e do projeto Locast Civic Media) é, por exemplo: 1) Há um local comum na internet onde são adicionados conteúdos constantemente; 2) Um indivíduo A captura um material áudio/vídeo sobre um acidente na Avenida Cavalhada, em Porto Alegre, através do seu celular; 3) Disponibiliza este material na web pelo próprio telefone móvel (no caso do projeto Locast, via aplicativo Locast no celular com plataforma Android); 4) Um indivíduo B, aluno da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e morador da zona sul de Porto Alegre, está a caminho da universidade e ouviu falar no problema de trânsito. Ele decide acessar a internet pelo celular para descobrir o motivo do congestionamento e encontra o material disponibilizado pelo indivíduo A e muda a rota de deslocamento, evitando horas de espera para chegar ao local desejado; 5) O indivíduo B, depois de ver o

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material, decide dividi-lo com conhecidos via Twitter e Facebook, aumentando a abrangência da informação. Tudo de forma muito veloz.

Se os antigos consumidores de informação eram passivos, previsíveis e isolados, os novos são ativos, possuem caráter migratório, são leais a redes e meios de comunicação e são também mais conectados socialmente. Se antes os esforços dos consumidores de mídia eram silenciosos e invisíveis, agora são barulhentos e públicos (JENKINS, 2009). A participação extremamente ativa deste novo consumidor fez com que a ideia de jornalismo colaborativo (ou jornalismo cidadão) se disseminasse. O projeto Locast faz ver que, hoje, qualquer pessoa pode alimentar a necessidade de informação sem precisar ser especialista, apenas baseando-se na natureza humana que é extremamente curiosa na busca de informação. Esta participação não deixa de ser cidadania sendo exercida.

Durante as etapas do projeto, muito se pensou sobre os impactos que essa nova realidade (ou facilidade) poderia causar, e até onde eles iriam. Diferente do que se pensa, a participação do público como produtor de conteúdo, no caso, não vem destruir uma cultura comercial como se imagina, mas traz a oportunidade de diversidade cultural em que a cultura comercial é reescrita, modificada, corrigida, com novos pontos de vista e diferentes possibilidades, então ela é posta a circular novamente (JENKINS, 2009). Logo, veículos, jornalistas e demais profissionais de comunicação não devem se posicionar contra a nova situação em que a comunicação se encontra, em que surgem “jornalistas-cidadãos”, mas sim aceitar a necessidade de coexistir, saber lidar com a nova corrente, sem concorrer:

A convergência corporativa coexiste com a convergência alternativa. Empresas de mídia estão aprendendo a acelerar o fluxo de conteúdo de mídia pelos canais de distribuição para aumentar as oportunidades de lucros, ampliar mercados e consolidar seus compromissos com o público. Consumidores estão aprendendo a utilizar as diferentes tecnologias para ter um controle mais completo sobre o fluxo da mídia e para interagir com outros consumidores. As promessas desse novo ambiente de mídia provocam expectativas de um fluxo

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mais livre de ideias e conteúdos. Inspirados por esses ideais, os consumidores estão lutando pelo direito de participar mais plenamente de sua cultura. Às vezes, a convergência corporativa e a convergência alternativa se fortalecem mutuamente, criando relações mais próximas e mais gratificantes entre produtores e consumidores de mídia (JENKINS, 2009, p. 46).

Bem como a nova situação social de interação entre produtores e consumidores de comunicação, as transformações e a velocidade das notícias, outro fator relevante que não pode deixar de ter atenção é o impacto sobre a prática jornalística. Fernando Firmino da Silva (2009) afirma que as mudanças na prática, na cultura das redações e no processo de produção e distribuição de conteúdo são provenientes de um novo ambiente de convergência com uma multiplicidade de suportes e expansão da mobilidade. Para ele, a introdução das platafomas móveis trouxe a capacidade de expandir a mobilidade para a produção e consumo da notícia, assim, tanto produtores e consumidores se encontram num estado de movimento, em situação ubíqua e “pervasiva”. No processo de produção é possível publicar conteúdos instantaneamente, entrar ao vivo e facilitar o deslocamento sem maiores equipamentos, há também a possibilidade de atualização mais contínua de conteúdos podendo alimentar a ânsia por notícias atualizadas com agilidade, logo, o celular ou o conjunto de tecnologias móveis torna-se ideal para a prática, permitindo a instantaneidade ubíqua da notícia em diversos formatos e situações de geolocalização como parte integrante da rotina de produção, consumo e circulação de conteúdos (SILVA, 2008, AGUADO; MARTINEZ, 2008 apud SILVA, F.F., 2009).

A etapa inicial do projeto Locast Civic Media, que aconteceu no final de 2009, caracterizou-se pelo imediatismo, interatividade, instantaneidade e “pureza” da informação. Ao sair a campo para fazer coberturas foi possível disponibilizar rapidamente o material coletado, definir a geolocalização para dar pontos referenciais do acontecimento e manter o caráter “amador”, sem edições, trazendo toda a essência da veracidade e naturalidade da captação, para Henry Jenkins (2009, p. 45), “quando as pessoas assumem o controle das mídias, os resultados podem ser maravilhosamente criativos podem ser também uma má

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notícia para todos os envolvidos”. De fato, ser cidadão-repórter permite diferentes abordagens, pontos de vista inesperados. Quando uma pessoa sem o “olhar jornalístico” capta uma informação e a divide, esta carrega uma bagagem cheia das particularidades do indivíduo que a produziu.

O processo de coleta de informações no projeto Locast é merecedor do termo “interatividade” como uma das principais características, já que esta palavra carrega a ideia de participação ativa de um indivíduo em uma transação de informação, logo, um receptor de informação nunca é passivo. Desta forma, a interatividade estabelecida no processo de comunicação por mundos virtuais (no caso a disponibilização na internet) faz com que seja possível que pessoas distantes possam entrar em contato e comunicar-se por meio do compartilhamento de uma “telememória” em que qualquer indivíduo, independentemente da sua posição geográfica ou suporte físico tenha acesso (LÉVY, 1999).

“Na era informacional, a comunicação deve ser pensada como direito e não somente como negócio, ou seja, a gratuidade ajuda a consolidar a ideia da comunicação como um direito humano essencial” (SILVEIRA, S.A., p. 41). Um fator que merece atenção em toda a questão de informação em tempos de convergência, também visto no projeto Locast. Trata-se da utilização como representatividade cidadã. Uma das equipes do projeto noticiou sobre as condições precárias e engarrafamentos de algumas vias secundárias de Porto Alegre, este interesse aponta a visibilidade que o jornalismo cidadão tem, de trabalhar um assunto que nem sempre é contemplado pelos grandes veículos. Atualmente, a impressão que se tem é que estas abordagens, que mostram as carências do ponto de vista da população, já não estão tão presentes ou não têm recebido alguma atenção ou destaque dos grandes veículos. A participação popular, por meio do jornalismo-cidadão, vem também reaproximar a opinião pública do jornalismo, fazendo com que o público se sinta melhor representado. A exemplo do processo feito no projeto Locast, a mobilidade permite maior liberdade de expressão ao cidadão produtor de conteúdo. Isto pode, futuramente, numa utilização em larga escada, incentivar uma democratização dos conteúdos (notícias) disponibilizados às pessoas devido à facilidade de

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produção e acesso. O trecho de Jenkins (2009, p. 325-326) ilustra a situação atual da mídia diante da sociedade:

A indústria midiática está adotando a cultura da convergência por várias razões: estratégias baseadas na convergência exploram as vantagens dos conglomerados; a convergência cria múltiplas formas de vender conteúdos aos consumidores; a convergência consolida a fidelidade do consumidor, numa época em que a fragmentação do mercado e o aumento da troca de arquivos ameaçam os modos antigos de fazer negócios. Em alguns casos, a convergência está sendo estimulada pelas corporações como um modo de moldar o comportamento do consumidor. Em outros casos, a convergência está sendo estimulada pelos consumidores, que exigem que as empresas de mídia sejam mais sensíveis a seus gostos e interesses.

Dessa forma, este desenvolvimento tecnológico que acompanhamos, ao invés de ser uma força contra, de separação, alienação ou estagnação das formas de solidariedade sociais, poderá servir como instrumento de cooperação e solidariedade múltiplas (LEMOS, 2002). Esta força promovida pela participação popular de notícias de comunidades/localidades menores ou extremamente específicas pode proporcionar alguma pressão frente a governos, buscando serem vistos/ouvidos, esperando ações.

Enfim, a convergência não depende de qualquer mecanismo de distribuição específica, ela representa a mudança de paradigma em que a circulação de conteúdos de mídias específicos viaja por diversos canais direcionados a diferentes formas de acesso a estes conteúdos (JENKINS, 2009). O projeto Locast vem experimentar as profundas modificações que da sociedade atual sofreu em poucos anos (convergência). A todo o momento, em qualquer lugar, é possível encontrar conteúdos/fatos recém-registrados e disponibilizados por qualquer pessoa no mundo, seja ela especialista no assunto ou não. Este indivíduo vai produzir materiais com “marcas pessoais” de acordo com a sua bagagem cultural e vivência social acrescidos a intenções particulares, e compartilhará em segundos, deixando disponível ao

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acesso de outros indivíduos. Hoje, pode-se viver no papel de produtor e consumidor de comunicação seja por qualquer motivo, na fala de Henry Jenkins (2009, p. 341): “a participação torna-se importante direito político, [...] o surgimento de novas tecnologias sustenta um impulso democrático para permitir que mais pessoas criem e circulem mídia”.

REFERÊNCIAS

JENKINS, H. Cultura da convergência. 2 ed. São Paulo: Aleph, 2009.

LEMOS, A. Cibercultura, tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2002.

LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999.

SANTAELLA, L. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007.

WURMAN, R. S. Ansiedade de Informação. São Paulo: Cultura Editores Associados, 1999.

SILVA, F. F. Tecnologias móveis como plataformas de produção no jornalismo. In: LEMOS, A.; JOSGRILBERG, F. (Org.). Comunicação e Mobilidade: aspectos socioculturais das tecnologias móveis de comunicação no Brasil. Salvador: EDUFBA, 2009.

SILVEIRA, S. A. da. Espectro aberto e mobilidade para a inclusão digital no Brasil. In: LEMOS, A.; JOSGRILBERG, F. (Org.). Comunicação e Mobilidade: aspectos socioculturais das tecnologias móveis de comunicação no Brasil. Salvador: EDUFBA, 2009.

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MUDANDO O TOM: A PLATAFORMA LOCAST E A PUBLICIDADE NO COTIDIANO DE PORTO ALEGRE.

Gabrielli Tiburi Soares Pires1

RESUMO

A publicidade está presente no nosso cotidiano de diversas formas. As mídias alternativas são uma forma criativa e de divulgar as marcas. O presente artigo objetiva mostrar aspectos da experiência da autora participando do projeto Locast, aliando os vídeos de informação e de peculiaridades sobre a cidade de Porto Alegre, para mostrar peças publicitárias em mídias alternativas, presentes no cotidiano da cidade. PALAVRAS-CHAVE: Mídia Civil; Publicidade e Propaganda; Mídias Alternativas; Porto Alegre.

INTRODUÇÃO

Somos todos sedentos por informação, adoramos telejornais e pautamos muitos dos assuntos do cotidiano com as notícias que lá vemos. Porém, com a diversificação dos meios de obtermos essas informações, nos tornamos cada vez mais insatisfeitos e críticos ao que assistimos na televisão. O desafio dos telejornais, segundo Elizabeth Duarte (2007, p. 36), “seria fugir da chatice das notícias requentadas e da prisão das bancadas; em outros termos, propor novos formatos, mudar de tom”. O telespectador, entretanto, não mais passivo, começa a concretizar um sonho expressado desde a pré-história – com as pinturas rupestres, passando pela fotografia e pelo cinema – que torna-se possível através das novas tecnologias: registrar a sua realidade, captar as histórias e as notícias de seu interesse que não estão na mídia tradicional, mas que tem vasto campo na internet.

Disto deriva o sucesso de muitos canais de vídeo na web, que divulgam personagens cotidianos, tornando-os famosos, e muitas informações noticiadas por cidadãos, muito antes das empresas de 1 Estudante de Comunicação Social: Publicidade e Propaganda. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected].

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comunicação. Mesmo com os avanços das tecnologias 3D e HD (alta definição de vídeo), o sucesso desses sites baseia-se em vídeos amadores, feitos através câmeras digitais compactas ou de aparelhos celulares. Este artigo aborda aspectos da realização do projeto da plataforma Locast2

1 PROJETO PUBLICIDADE EM PORTO ALEGRE

uma experiência de mídia cidadã, realizado na cidade de Porto Alegre, durante duas semanas do mês de novembro de 2009, desenvolvido pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) em parceria com a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e o Grupo RBS, no qual a autora participou.

1.1 Idealização e Realização

Não só vídeos de caráter jornalístico possuem espaço na plataforma Locast. Propondo-se ser uma mídia civil, ou cidadã, o Locast traz espaço a assuntos que informem a população sobre tudo o que acontece na cidade – seja do outro lado, ou bem próximo a quem assiste – de modo geolocalizado. Essa maneira de informar e de contar histórias através dos vídeos pode ser concebida através de outro viés da comunicação: a publicidade e propaganda. Como o grupo de alunos de graduação e pós da PUCRS que participou do desenvolvimento dos vídeos para a plataforma era constituído das três habilitações da comunicação social (Jornalismo, Relações Públicas e Publicidade e Propaganda), foi designado aos alunos desta última, que exercitassem a criatividade e criassem um projeto para abrigar a publicidade e propaganda no cotidiano de Porto Alegre.

O projeto denominado pelo grupo “Publicidade em Porto Alegre”3

Observando o olhar dos cidadãos quanto à interferência da publicidade na cidade e em suas vidas, foi percebido pela autora que a população entende a propaganda através das mídias tradicionais,

não teve critérios definidos previamente. Cada aluno ficou responsável por trazer suas visões e observações sobre a publicidade e propaganda na cidade.

2 http://locast.mit.edu/civic. 3 http://locast.mit.edu/civic/projects/62.

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principalmente a televisão. Há, porém, outras inúmeras mídias alternativas que possuem maior interferência no cenário da capital e que detêm outras funções, além de difundir uma marca. Martine Joly afirma que, embora a imagem da mídia tenha se tornado sinônimo de televisão e publicidade, “os termos não são, contudo, sinônimos. A publicidade encontra-se decerto na televisão, mas também nos jornais, revistas, nas paredes das cidades. Tampouco é unicamente visual” (JOLY, 1996, p. 14). Partindo disso, a autora foi buscar diferentes mobiliários que reflitam a publicidade de outras maneiras, que não a tradicional, no cotidiano de Porto Alegre.

1.2 Orelhões Te Liga na Cultura4

O primeiro exemplo encontrado de mídia diferenciada foram os orelhões customizados dentro do campus do Centro da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Os orelhões, há algum tempo sem telefones públicos em seu interior, foram pintados, todos diferenciados entre si, pelos alunos do curso de Design e passaram a abrigar cartazes do projeto Te Liga na Cultura, trazendo informações da programação cultural da Universidade, como o Unimúsica. Os orelhões aliam a informação da programação cultural à criatividade dos alunos e a prática do que foi aprendido em sala de aula. Além disso, embelezam e intrigam quem passa não só pelo campus do Centro, mas por outros campi da Universidade. Assim como a autora, todo o grupo de alunos participantes do projeto foi surpreendido pela simplicidade e pelo impacto desta mídia pouco conhecida pelos porto-alegrenses, mas que se tornou um símbolo deste campus da UFRGS.

1.3 Quadras esportivas da Pepsi5

Em 2008, a Pepsi iniciou uma campanha de revitalização urbana. Uma votação da população decidiria um “presente” que a companhia daria à respectiva cidade. Em Porto Alegre, a promoção “Eu amo Porto” adotou a Orla do Guaíba e o Parque Farroupilha. As três quadras esportivas construídas próximo ao Gasômetro (futebol, basquete e vôlei), vários

4 http://locast.mit.edu/civic/content/157. 5 http://locast.mit.edu/civic/content/979.

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esguichos d’água, para refrescar quem passa pela orla, e a modificação do entorno das novas quadras (com flores, bancos, mesas de xadrez) são mostradas em outro vídeo. O projeto segue a linha de crescimento sustentável da Companhia, em todo o mundo. Com essa iniciativa, a Pepsi agregou sua marca ao lazer dos finais de semana de muitos gaúchos.

1.4 Mídias na PUCRS

Nas universidades podemos encontrar maior experimentação em mídias e peças publicitárias, como já vimos o caso dos Orelhões na UFRGS. Na PUCRS, temos a captação de dois vídeos com propagandas diferenciadas. Um deles chama atenção pela tecnologia empregada: os Totens Digitais6

Outro vídeo sobre publicidade na PUCRS mostrava os Bus Stop

, colocados no saguão de entrada da Faculdade de Comunicação Social (Famecos) e no corredor em frente à escada no primeiro andar. Os totens são grandes telas de LCD de orientação vertical, que causam impacto pela mobilidade das imagens e também pelo formato, já que nosso olho está muito acostumado às proporções maiores na horizontal, tendo a sensação de conforto e segurança. Como a base dos totens é muito menor que a altura, forma-se uma composição desequilibrada, desafiando, para nossos olhos, a gravidade (MASCELLI, 1998). Essa mídia digital divulgava os vencedores do Portfólio de Publicidade e Propaganda da Famecos de 2008/9. Aos participantes escolhidos, era possível ver seu trabalho exibido a todos na faculdade e, aos demais alunos, além de verem os trabalhos vencedores, a mídia incentivava a inscrição na próxima edição do Portfólio.

7

da nova campanha do Vida Urgente, da Fundação Thiago Moraes de Gonzaga, falando sobre a velocidade máxima permitida para veículos nas vias da universidade. A campanha desenvolvida por alunos e professores do Espaço Experiência8

6

, contando também com fôlders informativos e outros mobiliários próximos às áreas de maior trânsito de veículos e aos acessos aos estacionamentos.

http://locast.mit.edu/civic/content/976. 7 http://locast.mit.edu/civic/content/978. 8 Núcleo de aprendizado da Famecos, com interação de diversas áreas da comunicação em que trabalham alunos em estágio e voluntários.

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2 O USO DO CELULAR NA EXPERIÊNCIA E A PLATAFORMA LOCAST

Para a captação de todos os vídeos foram utilizados celulares com sistema operacional Android, desenvolvido pelo Google. Esses dispositivos móveis mostraram-se muito eficientes para captação de vídeos no formato pretendido para a plataforma. Os celulares vêm sendo usados para vários fins (JENKINS, 2009) já produziam conteúdos como filmes amadores. Agora tem uma adaptação, para fins jornalísticos, utilizando plataformas como o Locast.

Apesar de a qualidade do vídeo ser baixa e diminuir quando enviada para o site, os vídeos ganharam espontaneidade dos entrevistados, das pessoas que passavam no local e inclusive dos produtores dos vídeos. Sem o peso do equipamento profissional, e sem a preocupação com a segurança, podendo captar os vídeos sozinhos, ou em pequenos grupos, foi possível gravar imagens até mesmo dentro de um ônibus lotado, ou durante um dia de muita chuva que congestionou a cidade, em nossas duas semanas de execução do projeto, em que foram gravados vídeos em ônibus, carros e até a pé, com auxílio apenas de guarda-chuvas para se proteger do temporal.9

A câmera na mão, entretanto, parecia inicialmente uma adversidade, mas cada um dos participantes soube utilizá-la de forma que se sentisse mais confortável. A autora optou por utilizar a câmera como personagem, para potencializar a noção de intimidade e de confiabilidade com o espectador, como se este estivesse vendo a imagem do mesmo ângulo de quem lhe comunica o que se passa no local.

A não edição, a integralidade e o imediatismo de captação dos vídeos mostraram-se parte da utilização dessa nova ferramenta que, apesar de exigir maior controle (ou desapego à perfeição) de quem faz os vídeos, mostrou um tom de informalidade e ao mesmo tempo de confiabilidade, diferente do jornalismo tradicional, porém mais próximo da web. Encontrar um formato de maior confiabilidade, principalmente na internet, é um ponto muito relevante se pensarmos que atualmente 9 Os vídeos mencionados não fazem parte do projeto “Publicidade em Porto Alegre”, analisado no presente artigo, mas fazem parte de outros projetos da autora e de outros alunos, podendo ser visualizados no site do projeto Locast.

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“qualquer imagem passou a ser manipulável e pode perturbar a distinção entre real e virtual” (JOLY, 1996, p. 26). Essa experimentação com uma nova forma de comunicar, através de um novo suporte, facilitou a utilização de uma linguagem que ainda está em construção e uma expressão cultural que desponta de forma intensa na internet.

Mais ainda, as novas tecnologias encorajam a capacidade de criação. [...] A internet, após a televisão e o rádio em suas épocas, relança um imaginário, uma procura de estilos e de forma que exprimem a modernidade. Essas técnicas são ao mesmo tempo veículos de outras formas de cultura e de espaços de criação da cultura contemporânea (WOLTON, 2003, p. 87).

Dominique Wolton defende ainda que “é urgente diminuir a pressão da técnica sobre a comunicação, pois o essencial desta é de outra ordem: cultural e social” (WOLTON, 2003, p. 187). A técnica, entretanto, não precisa ser abandonada, ela deve ser transformada e adaptada para esses novos meios de transmitir a comunicação, seguindo novos formatos, “mudando o tom”, como afirmou Elizabeth Duarte (2007) e envolvendo o espectador.

A inicial impossibilidade de postar os vídeos no exato momento em que foram captados, não foi um grande problema, já que o site, inicialmente, não havia sido divulgado na mídia oficial, estava sendo abastecido e aperfeiçoado. A maior dificuldade de captação de um grande número de vídeos deve-se à pouca quantidade de aparelhos celulares, obrigando aos alunos a combinar horários para revezá-los, e atrapalhando muitas vezes, um dos objetivos do Locast: relatar acontecimentos não pautados previamente. Especificamente para o projeto relatado neste artigo, também não foi um problema a inicial impossibilidade de enviar os vídeos automaticamente através da plataforma contida no celular, pois os vídeos citados podem ser vistos muito tempo após sua captação e publicação, sem perderem o sentido ou o interesse do espectador.

A plataforma, encontrada nos aparelhos móveis, é de fácil manipulação, podendo ser utilizada por qualquer cidadão com acesso a um dispositivo móvel que grave vídeos. Também a geolocalização

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automática, realizada pelo GPS (global positioning system) contido no aparelho, é um diferencial importante entre os demais sites de carregamento de vídeo. Além disso, o Locast destaca-se por conter apenas vídeos de caráter informativo, e sobre a cidade de Porto Alegre; quem procura notícias sobre acontecimentos de sua região, curiosidades, informações turísticas, ou de lazer, não corre o risco de encontrar vídeos totalmente deslocados do assunto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A maioria dos cidadãos limita-se a ver a publicidade como peças para a televisão. Surge disso a visão de publicidade como poluição e agressão à população. Porém, ao entendermos outras faces da publicidade – como ela pode ser simples, criativa, bela –, vamos percebê-la menos nociva e a serviço do consumidor. Além de transformar a ideia do que é noticiável e dar espaço a fatos locais e peculiares, o projeto Locast, passou a promover a boa publicidade presente na cidade, para conscientizar a população de como é possível empregá-la de forma correta e prevenir a todos contra a publicidade abusiva.

O desenvolvimento do projeto Locast proporcionou mais uma iniciativa de caracterização de uma nova linguagem para o conteúdo informativo, mais próxima ao público da internet. Através disso, espera-se proporcionar mais espaço para o cidadão informar e contribuir, também, para a criação de novas técnicas e formas de cultura contemporânea.

REFERÊNCIAS

DUARTE, E. B. Telejornais: Incidências do tempo sobre o tom. In: BASTOS, E. D.; CASTRO, M. L. D. de (orgs.). Comunicação Audiovisual: gêneros e formatos. Porto Alegre: Sulina, 2007.

GALVÃO, G. Arte em movimento. São Paulo: Centro Cultural do Banco do Brasil, 2006.

JENKINS, H. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2009.

JOLY, M. Introdução à análise da imagem. Campinas, SP: Papirus, 1996.

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MASCELLI, J. V. Los cinco principios básicos de la cinematografía. Barcelona: Bosch Casa Editorial, S.A., 1998.

WOLTON, D. Internet, e depois? Uma teoria crítica das novas mídias. Porto Alegre: Sulina, 2003.

<euamoporto.com> Acessado em 18 de maio de 2010.

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