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INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6, Edição número 25, Abril/Setembro 2017 - p 1 LÍNGUA ESPANHOLA E LETRAMENTO CRÍTICO: EXPERIÊNCIA E REFLEXÕES Flávia Karolina Lima-Duarte* Sérgio Ifa RESUMO: Esta experiência de ensino tem por objetivo apresentar algumas contribuições da perspectiva do letramento crítico no processo de ensino/aprendizagem de línguas. Embasamos esta experiência nas contribuições do letramento crítico e a formação cidadã. Esta proposta coaduna com os preceitos da Linguística Aplicada Contemporânea, área de pesquisa que problematiza questões referentes ao uso da Língua. Os procedimentos metodológicos para coleta e geração de dados são de natureza qualitativa e os instrumentos utilizados para triangulação e análise de dados são um website, fotos narradas e questionários respondidos pelos estudantes. O resultado dessa experiência demonstra que, com base na perspectiva do letramento crítico, o ensino de línguas pode contribuir com a formação cidadã dos estudantes. Resumen: Esta experiencia didáctica tiene por objetivo presentar algunas contribuciones de la teoría de la literacidad crítica en el proceso de enseñanza/aprendizaje de lenguas. Esta experiencia está apoyada en las contribuciones de los estudios de la literacidad crítica y la formación ciudadana. Esta propuesta coaduna con los preceptos de la Lingüística Aplicada Contemporánea, área de investigación que problematiza cuestiones referentes al uso del lenguaje. Los procedimientos metodológicos para recogida de datos son de naturaleza cualitativa y los instrumentos utilizados para interpretación y análisis de los datos son un sitio web, fotos narradas y cuestionarios respondidos por los estudiantes. El resultado de esa experiencia demuestra que, basados en la perspectiva de la literacidad crítica, la enseñanza de lenguas puede contribuir con la formación ciudadana de los estudiantes. PALAVRAS-CHAVE: Letramento crítico, Língua Espanhola, Ensino Médio PALABRAS-CLAVE: Literacidad crítica, Lengua española, Enseñanza secundaria INTRODUÇÃO Podemos dizer que o contexto histórico do ensino de línguas está relacionado aos métodos de ensino, cuja evolução se deu com base em três paradigmas principais: (1) ênfase no sistema, (2) ênfase na função e (3) ênfase na ideologia. Desse modo, a proposta de método depende da visão que o professor e/ou pesquisador tem sobre o conceito de língua e como concebe ensinar e aprender. Os que defendem a primeira perspectiva compreendem a língua como sistema, o que acarreta no ensino com ênfase

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INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6, Edição número 25, Abril/Setembro 2017 - p

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LÍNGUA ESPANHOLA E LETRAMENTO CRÍTICO: EXPERIÊNCIA E

REFLEXÕES

Flávia Karolina Lima-Duarte*

Sérgio Ifa

RESUMO: Esta experiência de ensino tem por objetivo apresentar algumas contribuições da perspectiva

do letramento crítico no processo de ensino/aprendizagem de línguas. Embasamos esta experiência nas

contribuições do letramento crítico e a formação cidadã. Esta proposta coaduna com os preceitos da

Linguística Aplicada Contemporânea, área de pesquisa que problematiza questões referentes ao uso da

Língua. Os procedimentos metodológicos para coleta e geração de dados são de natureza qualitativa e

os instrumentos utilizados para triangulação e análise de dados são um website, fotos narradas e

questionários respondidos pelos estudantes. O resultado dessa experiência demonstra que, com base na

perspectiva do letramento crítico, o ensino de línguas pode contribuir com a formação cidadã dos

estudantes.

Resumen: Esta experiencia didáctica tiene por objetivo presentar algunas contribuciones de la teoría de

la literacidad crítica en el proceso de enseñanza/aprendizaje de lenguas. Esta experiencia está apoyada

en las contribuciones de los estudios de la literacidad crítica y la formación ciudadana. Esta propuesta

coaduna con los preceptos de la Lingüística Aplicada Contemporánea, área de investigación que

problematiza cuestiones referentes al uso del lenguaje. Los procedimientos metodológicos para recogida

de datos son de naturaleza cualitativa y los instrumentos utilizados para interpretación y análisis de los

datos son un sitio web, fotos narradas y cuestionarios respondidos por los estudiantes. El resultado de

esa experiencia demuestra que, basados en la perspectiva de la literacidad crítica, la enseñanza de

lenguas puede contribuir con la formación ciudadana de los estudiantes.

PALAVRAS-CHAVE: Letramento crítico, Língua Espanhola, Ensino Médio

PALABRAS-CLAVE: Literacidad crítica, Lengua española, Enseñanza secundaria

INTRODUÇÃO

Podemos dizer que o contexto histórico do ensino de línguas está relacionado aos

métodos de ensino, cuja evolução se deu com base em três paradigmas principais: (1)

ênfase no sistema, (2) ênfase na função e (3) ênfase na ideologia. Desse modo, a

proposta de método depende da visão que o professor e/ou pesquisador tem sobre o

conceito de língua e como concebe ensinar e aprender. Os que defendem a primeira

perspectiva compreendem a língua como sistema, o que acarreta no ensino com ênfase

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no léxico e na análise sintática; os que se baseiam na língua como função veem a língua

como algo para atingir um objetivo específico, assim, a ênfase é na ação: falar é fazer; já

os que adotam terceira perspectiva entendem que a língua é usada pelo sujeito para agir

sobre o mundo. (LEFFA, 2012; LEFFA & IRALA, 2014).

Associando essas concepções de língua/linguagem ao documento oficial que rege o

ensino médio no Brasil, as Orientações Curriculares do Ensino Médio (doravante

OCEM), compreendemos que esse documento também defende e propõe metodologias

para o ensino ideológico, uma vez que propõem o ensino de língua estrangeira moderna

com base na perspectiva do letramento, pois defende que a linguagem deve ser

associada ao seu contexto sociocultural (BRASIL, 2006, p. 109). Sendo assim, nós,

professores de línguas, não podemos deixar de promover a reflexão sobre valores

sociais, culturais, políticos e ideológicos, dado que, com as disciplinas da área de

linguagens, “busca-se a formação de indivíduos, o que inclui o desenvolvimento de

consciência social, criatividade, mente aberta para conhecimentos novos, enfim, uma

reforma na maneira de pensar o mundo”. (BRASIL, 2006, p.90).

Para que possamos ensinar de modo que nossos aprendizes possam refletir sobre os

diversos contextos onde se inserem e dos quais participam e/ou conhecem, torna-se

necessário que as aulas sejam planejadas a partir de temas que envolvam questões

sociais, situações ou problemas que fazem parte ou sentido para suas vidas, tais como:

desigualdade social, racismo, feminismo, desemprego, homofobia etc. Com base nisso,

consideramos que os estudantes podem ter muitas vantagens se compreenderem

também a essência do letramento crítico para refletir sobre as situações que permeiam

seu entorno. Entendemos que posicionar-se pela escrita de forma crítica e informada

colabora com sua formação cidadã, conforme preconizam as OCEM:

A disciplina de Línguas Estrangeiras na escola visa ensinar um idioma

estrangeiro e, ao mesmo tempo, cumprir outros compromissos com os

educandos, como, por exemplo, contribuir para a formação de indivíduos

como parte de suas preocupações educacionais (BRASIL, 2006, p.21).

Assim, ao seguirmos essa visão de formação cidadã, tomamos como central o trabalho

com temas ou assuntos globais ou locais, pois a partir disso podemos chegar questões

do convívio social de nossos alunos. Melhor dito, o estudante poderá compreender o

lugar que ocupa na sociedade, questionar(-se) e falar a partir dos problemas de sua

comunidade.

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Com base nessas reflexões, portanto, neste artigo objetivamos apresentar as

contribuições da experiência que tivemos ao provocar diálogos entre letramento crítico

e o ensino de língua espanhola. Para o alcance desse objetivo, três seções, além desta

introdução, organizam o texto: na primeira, são apresentados os conceitos sobre

Letramento Crítico e Letramento Crítico para a formação Cidadã. Na segunda são

descritos os procedimentos metodológicos de geração dos dados para análise. Daremos

mais ênfase no processo, porque consideramos que, por se tratar de uma proposta de

ensino de línguas, poderá ser adaptada por outros professores. Na terceira, é apresentada

a análise de uma foto narrada elaborada por um grupo de alunos, bem como suas

reflexões sobre a elaboração dessa atividade, que promoveu uma atitude de cidadania

por parte de um dos integrantes do grupo. Por fim, nas considerações, falamos sobre as

implicações do estudo para o letramento crítico e a educação cidadã.

1. LETRAMENTO CRÍTICO

A perspectiva do letramento crítico teve início na década de sessenta e tem como base a

pedagogia freiriana, contudo, há distinções entre elas, porque, na contemporaneidade

em que vivemos os problemas e as necessidades são outras. O letramento crítico tem

como um dos focos a problematização de como podemos enxergar e agir nas práticas

sociais diversas; enquanto que a pedagogia de Freire enfocava o descortinamento da

verdade para que o oprimido pudesse enxergar a realidade opressora. Assim, a

perspectiva do LC, portanto, tem por objetivo a busca pelo

[...] desenvolvimento de habilidades que capacitem o cidadão a ler

criticamente as práticas sociais e institucionais e a perceber a

construção social e situada do texto e da linguagem por meio da

compreensão de suas fontes, propósitos, interesses e condições de

produção. (DUBOC, 2012, p.83)

Nesse sentido, a escola tem um papel social importante, porque não basta ensinar a ler e

escrever, é preciso preparar o estudante para que seja um cidadão crítico, que se

posicione. Com isso, nós, professores da área de linguagem devemos trabalhar com

textos que problematizem, de modo que possibilitem que nossos estudantes se tornem

cidadãos contribuam com seu contexto social.

Para que possamos refletir a respeito disso, trazemos o questionamento de Janks (2013,

p. 226), “Como a educação pode contribuir para um mundo em que nossos alunos, em

todos os níveis de ensino, tornem-se agentes de mudança?”. Tal indagação foi realizada

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a partir de uma palestra proferida pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton,

em que ele considera que os três maiores problemas do mundo atual são: a

desigualdade, a instabilidade e a sustentabilidade. Sendo assim, precisamos pensar em

atividades educacionais que problematizem a fim de provocar os alunos a serem

criativos e críticos na apresentação das soluções para tais problemas. Uma das

possibilidades que hoje enxergamos é fazer com que eles entendam que textos não são

neutros e por estarmos construindo a todo o momento textos, estamos, portanto, nos

posicionando no mundo. É preciso entender o poder que as palavras têm, isto é, o poder

que atribuímos às palavras que usamos. Dito de outra forma, elas servem para que

possamos nos posicionar no mundo e, principalmente, com o advento da web 2.0, por

meio das redes sociais, os usuários deixam de ser meros consumidores e passam a ser

produtores de informação (GOMES, 2016, p.81). Mas, para isso, é preciso que os

estudantes aprendam a “construir, desconstruir e reconstruir” sua visão sobre as coisas,

como podemos observar na figura 1.

Figura 1 – The redesign cycle

Fonte: Elaborada por Janks em 2010 (apud JANKS, 2013, p.228)

Observa-se que a figura 1 segue um movimento circular que começa com a construção

da visão que temos sobre algo, depois passa para a desconstrução e, finalmente, para a

reconstrução. A desconstrução é uma fase importante do letramento crítico porque está

entre a construção do design e o redesign. Isto é, a desconstrução pode ser

compreendida como aquele momento de reflexão, de ponderação em que a pessoa

percebe as razões, as causas de sua visão anterior. Pode ser compreendida com “caiu a

ficha” do porque a pessoa pensava da forma como pensava. Em seguida, a fase da

reconstrução realça que sua visão inicial passou por um processo e que pode apresentar

visão nova ou mesmo mantendo sua visão anterior, ela pode ser considerada

reconstruída porque está mais informada. Em 2012, Janks reflete novamente a respeito

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desse processo e nos apresenta outra forma de construir, desconstruir e reconstruir.

Vejamos.

Figura 2 – Critique is oriented backwards to design and forwards to redesign

Fonte: Elaborada por Janks (2012, p.153)

Na figura 2, Janks insere mais uma seta entre o design e a crítica, o que representa que

esse movimento de ida e vinda precisaria ser ininterrupto. É nesse movimento

constante de ida e vinda que ampliamos nossas possibilidades de enxergar mais

profunda e informadamente. Entendemos que esse movimento pode não ter fim, mas

esgotado esse movimento por cansaço ou limitação, a reconstrução ou o redesign segue

na sua versão mais informada possível.

Não precisamos de meros decodificadores, mas sim de estudantes que pensem, que

reflitam criticamente. É necessário que paremos de focar exclusivamente na gramática

no ensino de línguas e comecemos a focar em atividades que desenvolvam a criticidade.

Portanto, torna-se necessário promover a reflexão sobre temas e questões pertinentes

aos alunos (tais como: raça, etnias, sexualidade, nacionalidade, sexo, desigualdade

social) por meio da concepção de política. Janks (2012, p. 151-152), diferencia Política

de política. A primeira, com P maiúsculo trata da política de governo, dos acordos de

comércio mundial e as forças de manutenção da paz pelas Nações Unidas; já a política

com p minúsculo refere-se à micropolítica e à vida cotidiana, ou seja, é a política de

identidade, de desigualdade, de raça etc.

Portanto, consideramos pertinente o ensino com base na política, não estamos aqui

dizendo que trabalhar a Política não seja necessário, contudo, se começarmos pela

política, certamente nossos estudantes conseguirão pensar criticamente sobre a

macropolítica. É nesse sentido de pensar em problemáticas que envolvem a política, que

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na próxima subseção teceremos algumas considerações a respeito da contribuição do

letramento crítico para a formação cidadã.

1.2. LETRAMENTO CRÍTICO PARA A FORMAÇÃO CIDADÃ

De acordo com Andreotti (2006), o letramento crítico para a formação cidadã tem por

objetivo proporcionar aos estudantes a capacidade de refletir com criticidade, bem como

ter responsabilidade sobre suas ações e decisões.

O conceito de letramento crítico para a educação cidadã global parte da seguinte

reflexão: “Como lidar com as raízes econômicas e culturais das desigualdades no poder

e na distribuição da riqueza/trabalho num sistema global e incerto?”. (ANDREOTTI,

2006, p.58). Sabemos que essa questão é muito complexa e que não conseguiremos

solucionar com nossas reflexões em sala de aula, mas podemos contribuir para fazer

com que os estudantes compreendam as questões políticas que norteiam essa

problemática. Nós, professores da área de linguagem, podemos realizar algumas ações

que promovam “uma nova missão de civilização”, conforme sugere (ANDREOTTI,

2006, p.58). Nesse sentido, a autora compreende que devemos preparar nossos alunos

para que eles sejam motivados a fazer a diferença.

Nessa perspectiva de letramento crítico, cujo enfoque é a educação para a cidadania,

Dobson (2006), reflete sobre as políticas ambientais. O autor norteia suas reflexões com

o que considera ser uma questão comum no contexto Norte.

Como pode a pobreza severa de metade da humanidade persistir, apesar dos

progressos econômicos e tecnológicos e apesar das normas morais e valores

esclarecidos da nossa civilização ocidental fortemente dominante?

(DOBSON, 2006, p.170 apud ANDREOTTI, 2006, p.59).

Com base nessa reflexão, compreendemos que o autor chama a atenção para as práticas

injustas impostas pelo Norte, que tem como consequência a perpetuação da

desigualdade social, mesmo com tanta riqueza no mundo. Isto é, a globalização nada

mais é do que a evidência dos interesses impostos pelos países do G7, porque eles

decretam quais as necessidades globais e que sempre lhes são favoráveis.

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Para nós, brasileiros, que vivemos num país de terceiro mundo, vivenciamos esse

questionamento de Dobson, porque essa realidade salta a nossos olhos. Na verdade,

temos muitos alunos que vivem em pobreza extrema. O pior é que muitos aceitam essa

situação passivamente, alguns atribuem a pobreza ao querer divino, como, por exemplo,

quando dizem que “foi Deus quem quis assim”. Em consequência disso, se acomodam e

não lutam para que a realidade seja diferente, não questionam as ações dos países

dominantes, tampouco dos políticos que governam as cidades em que residem.

Para Shiva e Dobson (2005, apud ANDREOTTI, 2006, p. 60), apenas alguns países – os

dominantes - têm poderes de globalização, os outros são globalizados, ou seja, são

regidos pelos interesses dos poderosos.

Ampliando esse conceito, Spivak realizou alguns estudos com enfoque nas áreas dos

estudos culturais, da teoria crítica e da análise do discurso colonial. Com base nesses

estudos, ele considera que

A naturalização acontece através da negação da história do imperialismo e

do desequilíbrio de poder entre o „Primeiro‟ e o „Terceiro‟ Mundos no

sistema capitalista global. O resultado dessa naturalização é um discurso de

modernização, onde o colonialismo é ignorado ou é encarado como algo que

já não é preocupante porque faz parte do passado, de maneira a que se pense

que acabou e que não afeta – e não afetou – a construção da situação atual.

(1990 apud ANDREOTTI, 2006, p. 61)

Nessa perspectiva de que a questão do colonialismo foi naturalizada, podemos

exemplificar com o discurso histórico da Espanha, que colonizou vários países na

América Latina. Aquele país enfatiza que eles contribuíram com as Américas, posto

que, com a ajuda deles, agora somos um povo civilizado. A verdade é que, em geral,

acreditamos e defendemos essa versão porque consideramos que tudo na Europa é

melhor. Assim, permanecemos ignorantes e aceitando todas as imposições do Ocidente,

comprando suas ideologias e tentando acompanhar seu desenvolvimento.

De acordo com Biccum, a ignorância autorizada faz com que os pobres se sintam

responsáveis pela própria miséria.

“a pobreza é compreendida como a falta de recursos, serviços, de mercados

e de educação (enquanto direito subjetivo de participar no mercado global) e

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não como falta de controle sobre a produção de recursos ou como um

enfraquecimento imposto”. (apud ANDREOTTI, 2006, p. 61)

Por essa perspectiva, o colonizador é isento de deveres e responsabilidades, o que

contribui para que sejamos explorados. Portanto, é necessário realizarmos atividades

que questionem a ideologia imposta pelos países do primeiro mundo, de maneira que

nossos alunos compreendam que somos parte do problema e da solução desses

problemas.

“O letramento crítico não pretende „revelar a verdade‟ aos aprendizes, mas

sim proporcionar uma oportunidade para que reflitam sobre seu próprio

contexto e sobre as suas suposições epistemológicas e ontológicas suas e dos

outros: como é que acabamos por pensar/ser/sentir/ agir de determinada

forma e as implicações dos nossos sistemas de crenças em termos

locais/globais face às relações de poder desiguais, relações sociais e

distribuição de trabalho e recursos. (ANDREOTTI, 2014, p. 64).

Assim, por essa perspectiva de letramento crítico para a formação cidadã, é necessário

que enfoquemos em ações que reflitam sobre o nosso contexto em que estamos

inseridos e o contexto global, pois o contexto local é uma consequência do global.

2. METODOLOGIA

Por se tratar de uma experiência didática na área da linguística aplicada, nossa

metodologia se deu a partir do conceito de pós-método, que conforme Kumaravadivelu

(2006), os métodos de ensino de línguas sofreram interferência da contemporaneidade,

com base na ideia do pós-modernismo, pós-estruturalismo e pós-humanismo. Para esse

autor, “qualquer pedagogia com base no pós-método tem que ser construída pelo

próprio professor, levando em consideração particularidades políticas, culturais, sociais

e linguísticas”. (KUMARAVADIVELU, 2006, p.69 apud Leffa, 2012, p.398). Portanto,

seguimos as orientações metodológicas de Leffa & Irala (2014), para os quais a visão o

método não deve ser compreendida como receita que deve ser seguida à risca, ou seja, o

método deve adaptado ao contexto específico de cada professor. Esse autores defendem

ainda o ensino baseado em tarefas, para tanto, três passos se fazem necessários: (1)

planejar a atividade, (2) produto final como resultado do projeto e (3) contextualizar o

projeto de acordo com o contexto social do estudante.

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Relatamos a experiência de uma professora de Língua Espanhola no Instituto Federal de

Alagoas em uma turma de Química do quarto ano. A experiência didática aqui

apresentada refere-se ao tema discriminação racial. A aula iniciou com duas perguntas

aos alunos para objetivar o foco da tarefa de escuta e para introduzir a temática

1. ¿Conoces a algún gitano? ¿Qué sabes sobre los gitanos? ¿Hay gitanos en Brasil?

¿Qué ellos hacen?;

Das várias respostas que os alunos verbalizaram, duas revelam a previsível visão

preconceituosa e de senso comum que brasileiros também revelam ter porque

discriminamos ciganos por aqui também:

Frida Kahlo: Professora, dizem que os homens ciganos são muito machistas

e que eles batem muito em suas mulheres.

Diego Rivera: Lá na praia do Francês têm muitos ciganos e eles vivem

querendo roubar os turistas, com essas estórias de ler as mãos.

Percebemos que os alunos apenas repassam as informações construídas sócio-

culturalmente sem ao menos tentar conhecer um pouco da cultura desse povo.

Após essa etapa, mostramos aos estudantes um vídeo que está disponível no seguinte

endereço eletrônico: http://ultimahora.es/noticias/nacional/2015/04/08/148934/lanzan-

campana-para-rae-cambie-definicion-gitano.html. Esse vídeo é um comercial em que a

Real Académia Española lança uma campanha para mudar a definição de gitano no

dicionário, que em geral é pejorativa e os trata com o adjetivo de trapaceiros. Em

seguida fizemos outra pergunta “¿Te parece que los españoles tienen buena convivencia

con los gitanos?”

Pablo Neruda respondeu: “Nossa, professora, fiquei com pena deles (das

crianças que aparecem nos comerciais) agora. É ruim você morar em um

lugar onde as pessoas te discriminam”.

Josefina Pla: Professora, mas aqui no Brasil os negros também sofrem muito

preconceito, né mesmo?

Essa discussão foi muito interessante, porque eles trouxeram o tema – discriminação –

para a realidade deles. Vale ressaltar que Josefina Pla é uma estudante negra e de baixa

renda e que possivelmente já sofreu bastante preconceito. O comentário dela em sala de

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aula fez com que a que a professora que aplicou esta atividade relembrasse o dia em que

lhe ofereceu carona, pois voltaram tarde de uma visita técnica e, como Josfina era a

única que ficaria sozinha na parada de ônibus próximo ao IFAL – que por sinal é

bastante insegura -, a professora perguntou-lhe se queria carona até a Praça do

Centenário, onde o fluxo de pessoas é mais intenso, portanto, menos perigoso. Ela

aceitou, mas, curiosamente, sentou-se no banco de trás. Então a professora disse:

Josefina venha pra frente! Ao que respondeu: E pode professora? Isso nos fez pensar

que ela realmente já deve ter sido vítima de preconceito e que essa atividade fez com

que ela se lembrasse de alguma situação vivida por ela.

Depois de debatermos um pouco a respeito dos diversos tipos de preconceito, eles

assistiram a um documentário, disponível em

https://www.youtube.com/watch?v=KEB2kaVQOrI&noredirect=1, que retrata a

posição social dos ciganos na Espanha, ou seja, são invisibilizados pela sociedade.

Além disso, esse documentário mostra a importância dos ciganos para a cultura

espanhola, como, por exemplo, na dança flamenca, que é conhecida mundialmente.

Após um longo tempo de debate a respeito dos ciganos, o tema abandono dominou a

aula. O estudante Roa Bastos disse: “Isso só acontece porque o governo abandona as

pessoas”. Foi, então, quando começamos a refletir sobre esse tema em nossa cidade,

Maceió.

Com o objetivo de atender aos interesses e necessidades dos alunos, combinamos que

eles se dividiriam em grupos compostos por até cinco pessoas para escolherem sobre

qual tipo de abandono eles gostariam de fazer o trabalho que havíamos proposto. Das

cinco equipes, os subtemas escolhidos foram: idosos (dois grupos ficaram com este

mesmo tema), doença, Riacho Salgadinhoi e moradores de rua.

Depois de os estudantes selecionarem os subtemas, eles ficaram encarregados de fazer

um vídeo com fotos narradas e de disponibilizarem esse material em blog ou site que

também deveria ser elaborado por eles. Para a realização das fotos narradas, eles teriam

que ir a campo para entrevistar e conhecer um pouco mais sobre o contexto das pessoas

e dos locais abandonadas pela sociedade e pelo Poder Público. É importante ressaltar

que, ao narrar a história dos abandonados, eles teriam que fazer uso de alguns pontos

gramaticais que estavam aprendendo no semestre: verbos ser y estar, vocabulário sobre

presentación.

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Os blogs com as fotos narradas se revelaram com alto grau de sensibilidade e criticidade

por parte dos alunos. Diante de tanta riqueza de informações, aplicamos um

questionário para melhor compreender a visão dos estudantes em relação a esse tema.

Portanto, os instrumentos que serão utilizados para a análise dos dados, tendo em vista

que essa experiência didática é de natureza qualitativa, são um website, fotos narradas e

questionários. Por questões de delimitação de espaço no gênero discursivo – artigo –,

neste trabalho analisaremos apenas os dados da equipe que ficou com o subtema Riacho

Salgadinho. Por questão de ética, os estudantes desses grupos serão identificados por

nomes fictícios.

Posteriormente a entrega das fotos narradas e de assistirmos todas em sala de aula,

combinamos que a segunda etapa consistiria em uma visita técnica. Portanto, para

finalizar a grande experiência pela qual todos passaram, resolvemos que iríamos fazer

uma ação presencial, pontual para que pudéssemos dar nossa pequena contribuição a

algumas dessas pessoas que tanto nos ajudaram mas que, infelizmente, estão na

condição de abandono. Em uma discussão em grupo, os estudantes resolveram que

queriam visitar o Asilo LEA.

Logo depois da escolha do local, marcamos uma visita técnica, cujo foco era passar uma

tarde com os idosos para ouvir suas histórias. A partir das recordações desses idosos

organizamos um livro de memórias que disponibilizamos na biblioteca da Instituição. A

importância da aprendizagem dos aspectos gramaticais não passou despercebidamente,

pois os tempos verbais vistos em aulas anteriores se fizeram mais que presentes e

importantes para conseguirem exatamente expressar suas conversas com os idosos:

verbos en pretérito indefinido, perfecto e imperfecto. Ter ouvido histórias fez toda a

diferença. Com a necessidade real de uso contextualizado, as histórias recontadas pelos

alunos fez todo sentido e aprenderam que gramatica só faz sentido quando usamos no

dia a dia. Os estudantes ficaram tão extasiados com essa visita que propuseram uma

campanha de arrecadação de roupas, calçados e produtos de higiene para levar à Casa

de Apoio São José (este foi o outro asilo visitado por outra equipe). Fizemos a

arrecadação, mas, infelizmente, não tivemos tempo de compartilhar de uma tarde com

essas moradoras por causa do encerramento do ano letivo, mas os materiais doados

foram entregues pela professora e por duas estudantes, integrantes da equipe que

fizeram as fotos narradas a respeito das moradoras da Casa de Apoio São José.

Imagem 1 – Visita ao asilo Imagem 2 – Cartaz Navidad con ellas

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Fonte: Arquivo pessoal dos professores Fonte: Elaborado por uma estudante

As imagens 1 e 2 coroaram a experiência exitosa dos participantes da turma de

Química. Na primeira podemos observar alguns momentos dos estudantes com os

idosos: alimentando-os e ouvindo suas histórias. Na segunda imagem temos um cartaz

elaborado por uma das estudantes para arrecadar roupas, calçados e alimentos que

foram entregues na Casa de Apoio São José. É importante evidenciar que o Grêmio

estudantil fez questão de participar dessa campanha recebendo e guardando os objetos

coletados.

3. DE ESTUDANTE À CIDADÃO

Nesta seção analisamos os dados dos alunos que elaboraram as fotos narradas com o

subtema Riacho Salgadinho e cidadania exercida de um estudante que compõe este

grupo. O enfoque desta análise será na contribuição do letramento crítico para a

formação cidadã, mais precisamente uma reflexão sobre o meio ambiente, que fez com

que um dos estudantes refletisse sobre um problema em seu bairro.

Quando falamos a respeito do tema abandono, um dos estudantes logo se manifestou e

disse: “nossa equipe irá falar sobre o riacho Salgadinho”. A professora estranhou e

disse: “mas o tema é abandono”, e um dos estudantes respondeu: “sim, professora, mas

a senhora não acha que esse riacho está abandonado pelo Poder Público?”. Realmente o

aluno tem razão e teve, inclusive, uma visão mais ampla do que a professora sobre um

tema muito importante: falta de preservação do meio ambiente.

Iniciamos nossa análise pela imagem do site que eles elaboraram. O título da matéria é

“El abandono y la contaminación de las águas: El caso del Riacho Salgadinho”.

Figura 3 – A poluição do Riacho Salgadinho

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Fonte: Elaborado pelos estudantes. Disponível em: https://trabajodeespanolifal.wordpress.com/

Como pode ser observado na Figura 3, o início da foto narrada apresenta o esgoto que

corre no riacho Saldinho. Por se tratar de estudantes do IFAL, sabemos que essa

imagem não foi escolhida aleatoriamente, posto que sofremos diariamente com o mau

cheiro desse riacho que localiza-se muito próximo ao Instituto, o que demonstra que

eles refletiram sobre seu próprio contexto (ANDREOTTI, 2014, p.64). Essa

compreensão pode ser observada no seguinte trecho da narrativaii:

En Maceió, en el barrio llamado Poço, tenemos un ejemplo muy marcante de

la degradación ambiental. El Riacho Salgadinho dejó de ser un lugar

habitado por peces y se convirtió en frecuentado por las ratones enormes,

cucarachas y alcantarilla. Su fuente llegó a ser llamado el Pozo Azul, a causa

de su coloración de cristalina y azul del agua. Pero lo que antes era un

arroyo, ahora convertida en una alcantarilla. El que observa el arroyo

Salgadinho de hoy no se puede imaginar que hace alguns años su agua fue

limpia, clara, dulce e potable, ya que al pasar por ese sitio es inevitable el

incomodo con el mal odor das aguas residuales.

Esse subtema selecionado por eles traz um problema da Política Global, contudo, os

estudantes abordaram com base na política cotidiana, tendo em vista que enfocaram

num problema local. É importante ressaltar que refletir sobre a política, nos termos de

Janks (2012), pode contribuir também para reflexão sobre a Política, além de contribuir

para ações que colaborem com melhorias em seu contexto social.

Uma importante reflexão apresentada também nessa narrativa é o destino que dão ao

lixo, conforme podemos observar.

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En los años 90, el Arroyo Salgadinho llegó a ser considerado el río con la

major contaminación del estado. Esa realidad no se ha cambiado y sigue

siendo hasta nuestros días. Cada descarga de una casa es un atentado contra

el medio ambiente. El canal hoy funciona como un coche coletor en que

basta jugar las bolsas de basura que él su encarega de llevá a la mar.

Ao dizerem que “Esa realidad no se ha cambiado” demonstra que eles refletem sobre o

problema, porque afirmam que “Cada descarga de una casa es un atentado contra el

medio ambiente”, nesses trechos eles deixam evidente que riacho se transformou em um

esgoto que leva todo o lixo para o mar. Ou seja, o abandono do Poder Público permitiu

a contaminação das águas do riacho e agora permite a contaminação do mar, que é o

principal fator de renda da turística cidade de Maceió.

Outro fator importante é que os estudantes finalizam a narração deixando uma crítica ao

Poder Público, que nada faz para a preservação das belezas naturais da cidade.

Mientras que el arroyo Salgadinho pierde cada vez más su función social y

se convierte en sinónimo de desorden y un extenso problema urbano para la

población de Maceió, nada es hecho por el Ayuntamiento, el Gobierno del

Estado e incluso el Gobierno Federal. Como reflejo citamos la falta de

interés de la gente por ese sitio, que afecta el turismo y la belleza de la

ciudad de Maceió, además de la exposición de la población circundante a

problemas de salud. El Arroyo Salgadinho pide ayuda por décadas de

abandono.

Note que eles atribuem o descaso às três esferas do Poder Público: municipal, estadual e

federal, deixando evidente que o riacho precisa de ajuda. Com isso percebemos que

esses estudantes sabem que os governantes não se preocupam com o meio ambiente.

Como forma de reforçar essa interpretação, perguntamos por que escolheram esse

subtema. As respostas foram as seguintes:

Diego Rivera: o abandono do Riacho Salgadinho é um problema que atinge

a comunidade e também não há muita cobrança da população ao órgão

responsável.

Gabriel García Márquez: Escolhi essa temática, pois a realidade de

descaso que atinge o abandono do Riacho Salgadinho é uma questão com a

qual todos aqueles estudantes que transitam no entorno do IFAL tem

contato.

Julio Cortázar: É uma problemática enfrentada pela sociedade, pois o

riacho que era uma fonte de subsistência, hoje é a principal causa de doenças

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para a população. O principal ponto observado é a “lei do retorno”, pois a

própria sociedade foi causadora da poluição e agora sofre com as

consequências de seu abandono.

Conforme podemos observar, Diego e Gabo atribuem esse problema ao Poder Público.

Não obstante, Julio atribui o problema à sociedade como um todo, o que demonstra que

ele tem uma visão mais ampla a respeito desse problema e da falta de cuidados da

população com o meio ambiente.

Nessa perspectiva de letramento crítico em que o estudante pode ser um cidadão crítico

capaz realizar transformações em seu contexto local, relataremos um fato que

enriqueceu bastante esta experiência didática. Em junho de 2015, durante o processo de

elaboração das fotos narradas, um dos integrantes deste grupo – Gabriel –, por saber que

a professora possui habilitação em letras português e espanhol, pediu-lhe para que lesse

uma carta e solicitou que observasse se havia alguma incoerência no texto e também

para verificar se ele estava sendo claro e objetivo.

Essa carta se tratava de um memorando endereçado à Secretaria de Infraestrutura de

Maceió, cujo conteúdo era uma solicitação para que a equipe de infraestrutura fosse

consertar uma ponte que dá acesso ao Conjunto da Virgem dos Pobres III, no bairro

Trapiche, local onde o estudante reside, conforme pode ser observado no

acompanhamento de protocolo.

Com base nessa ação de Gabo, nota-se que o estudante consegue deixar de ser uma

pessoa que espera por soluções e se torna um agente de mudança, pois está tentando

resolver um problema do interesse dele e de todas as pessoas que moram naquele bairro.

Sendo assim, compreendemos que a atividade sobre o abandono contribuiu para a

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formação cidadã desse estudante. O interessante é que o próprio estudante reconhece

que essa atividade ampliou sua visão como cidadão (ver resposta abaixo) para a

pergunta feita: “Dentro do tema que você selecionou, como você via essa questão do

abandono e como você vê agora? Essa atividade contribuiu de alguma maneira para sua

formação pessoal? Se contribuiu, diga em que aspecto foi essa contribuição.” O

estudante que escreveu a carta respondeu:

Gabriel: Não tinha uma visão ampla acerca desse tema. Após o contato com

o trabalho pude ampliar esse conceito, de modo a entender que o abandono

vai além das questões pessoais e sociais, abrangendo também o Poder

Público. Contribuiu para que eu pudesse aperfeiçoar o olhar acerca de

algumas ações públicas, fortalecendo minha visão como cidadão.

Esse trecho demonstra que o estudante compreendeu que pode exercer sua cidadania,

promovendo mudança na sociedade em que vive e ao refletir sobre esses problemas de

política, conseguiu ampliar sua visão para os problemas que estão em seu entorno.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base nos resultados da atividade desenvolvida por essa equipe e pelas outras que

não estão sendo analisadas neste artigo, defendemos que a perspectiva do letramento

crítico contribui e muito para que possamos ministrar aulas que preparam os estudantes

não apenas para exames nacionais e vestibulares, mas também para serem pessoas mais

reflexivas e ativas na sociedade em que vivem.

No que se refere ao uso da língua espanhola, apesar de as produções apresentarem

alguns erros, não há nada que pudesse atrapalhar a comunicação ou a compreensão a

respeito do tema que foi exposto. É preciso salientar que este é o primeiro e único ano

que eles têm a disciplina de Língua Espanhola na Instituição.

Sobre os blogs e site, onde foram armazenadas as fotos narradas, eles não obtiveram o

alcance de visualização tão expressivo, mas certamente os resultados dessa experiência

didática podem ser melhorados na próxima aplicação. Uma mudança que os estudantes

sugeriram que, em vez de colocarmos as sequências nos blogs, seria melhor usar o

Facebook para divulgação dos materiais por eles produzidos.

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Finalmente, apesar de os blogs não serem tão visualizados, não podemos deixar de

evidenciar que esta atividade contribuiu para a formação cidadã de pelo menos um

estudante, como foi relatado na seção de análise dos dados. Isso demonstra que essa

experiência já atingiu seu objetivo, visto que tivemos um estudante que se propôs a

solucionar um problema de seu contexto social. Nesse sentido, consideramos que nós,

professores de linguagem, precisamos pensar em mais atividades que promovam o

ensino de língua e consciência cidadã, porque, assim, contribuímos para que as pessoas,

os bairros e as comunidades invisíveis de Maceió sejam evidenciadas e se tornem

visíveis para o Poder Público, pois, como disseram os meus alunos em uma das

narrativas: Maceió es más que playa. Sim, Maceió tem uma população imensa que

carece de ajuda e nós, com o advento da web 2.0, podemos fazer algo para que os

estudantes usem seus textos (suas vozes) para lutar pelos que são abandonados pela

sociedade e pelo Poder Público.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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espiadinha na sala de aula: ensinando línguas adicionais no Brasil. Pelotas, RS, Educat,

2014, p. 21-48.

Professora Mestre do Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT) em exercício provisório no Instituto

Federal de Alagoas (IFAL). Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística da

Universidade Federal de Alagoas (PPGL/UFAL).

Professor Doutor no Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística da Universidade Federal de

Alagoas (PPGL/UFAL).

i O Riacho Salgadinho foi outrora um fluxo de água limpa, habitat de peixes. Atualmente nele desaguam

os dejetos de uma boa parte da cidade de Maceió o que faz com que se torne um esgoto a céu aberto. Está

localizado bem próximo ao IFAL e em suas águas fétidas, além dos dejetos encontramos uma grande

quantidade de lixos.

ii A transcrição foi realizada de acordo com a narração dos estudantes, isto é, não apontamos os

equívocos cometidos por eles, porque queremos deixar evidente que isso não afetou na compreensão da

narração deles.