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Energia, USP.

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  • Cana de acar: Usando todo seu potencial energtico:

    Jayme Buarque de Hollanda Pietro Erber

    NAIPPE/USP

    Apoio:

    CNPq

    Pr-reitoria de Pesquisa USP

  • Ncleo de Anlise Interdisciplinar de Polticas e Estratgias da Universidade de So Paulo

    NAIPPE

    Conselho Editorial

    Eduardo Massad Professor Titular do Departamento de Patologia d Chefe da Disciplina Informtica

    Mdica da Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo

    F.A.B Coutinho Professor Associado do Departamento de Patologia e Informtica Mdica da

    Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo

    Luis Fernandez Lopez Professor Associado de Departamento de Patologia e Informtica Mdica da

    Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo

    Marcelo Nascimento Burattini Professor Associado do Departamento de Patologia e Informtica Mdica da

    Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo

    Braz Jos de Arajo (in memoriam)

    Professor Associado do Departamento de Cincia Poltica da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo; Coordenador

    Cientfico do Naippe/USP

    Organizao e Reviso Vilma Duarte Sanchez

    Ilustrator Renato Micheletti de Souza

    NAIPPE/USP Rua Teodoro Sampaio, 115 So Paulo SP Brasil

    CEP 05405-000 Fone: (011) 3061-7435 Fax: (011) 3061-7382-

  • ndice

    Biografia dos autores 03

    Prefcio 05

    Introduo 07

    1- A cana de acar como fonte de energia 08

    2- Uso de energia na produo sucro-alcooleira 08

    3- Usina sucro-alcooleira como exportadora de energia eltrica 09

    4- Uso energtico da cana - outras oportunidades 12

    5- Concluses e lies 15

  • Biografia dos autores

    Jayme Buarque de Hollanda engenheiro formado na PUC -RJ Engenharia Eltrica/Eletronica - 1965; Estatstica ENCE - RJ - 1967 Ps-graduao Automao - ENSA, Paris, Frana - 1966/1967. Atualmente exerce o cargo de diretor geral do Instituto Nacional de Eficincia Energtica - INEE; onde coordena e gerencia vrios projetos do Instituto; Presidente do Conselho Diretor da Associao Brasileira de Veculos Eltricos; Conselheiro Editorial da revista HIBRIDA; Consultor independente; Conferencista em diversos enventos na divulgao da eficincia energtica e aspectos especficos estudados pelo INEE; Exerceu funes anteriormente como; diretor e coordernador de projetos nas empresas: ELETROBRS; EMBRATEL; SIGAME/WBP; ELETROSUL; CEMIG; ELESC; CELPA; CIRPRESS; ABVE- Associao Brasileira do Veculo Eltrico; COGEN-RJ; PROCEL; COPERSUCAR; BNDES. Colunista da ELETRICIDADE MODERNA, CANAL ENERGIA e Portal GD; Fundador do World Alliance for Decentralized Energy - WADE e membro do Conselho Diretor, at 2005. Com vrios artigos publicados nesta rea, participaes nas discusses e negociaes economicas com empresas de energia eltrica e de telecominicaes,estudou a viabilidade do primeiro cabo submarino intecontinental de telecomunicaes saindo do Brasil e responsvel pelo esquema tarifrio de chamadas telefnicas nacionais de longa distncia.

    Pietro Erber engenheiro eltrico formado na Escola Nacional de Engenharia - 1961 - atual Escola de Engenharia da UFRJ; mestrado em engenharia ( sistemas eltricos ) no Rensselaer Polytchnic Institute, em Troy, NY,EUA - 1966; Profissional atuante na rea de engenharia eltrica desde 1962 como engenheiro de Diviso de Energia e Deptos. de Projetos nas empresas: - BNDES(1962-1965); IPEA(1966-1968); ELETROBRS(1968-1996); ESCELSA (1991-1992);- CERJ(1993-1994); CEEE(1995-1996); ELETROBRS (2000-2003). Atividades internacionais: 1975 a 2005: participou de diversos comits de planejamento como: CIGRE - Conferncia internacional de Grandes Redes Eltricas; CIER - Comisso de Integrao Eltrica Regional; CME - Conselho Mundial de Energia. Participa do grupo de trabalho internacional como encarregado da formulao de cenrios polticos-energticos at 2050, como representante do Brasil. Consultoria desde 1997 a 2007 para as empresas: BID; Ministrio de Cincia e Tecnologia; Comit Brasileiro do Conselho Mundial de Energia; Banco Mundial;

  • Banco Dresdner, participou do grupo de consultoria (RCW/JLA) contratado pela ANEEL no desenvolvimento da metodologia para avaliao do Fator X ( incidentes nas atualizaes tarifrias), e nas avaliaes das projees do mercado da CPFL e COELCE quanto a suas revises tarifrias. Publicou diversos artigos no jornal Valor Econmico e no Canal Energia. Atualmente, exerce o cargo de diretor do INNE - Instituto Nacional de Eficincia Energtica e Conselheiro da ACRJ - Associao Comercial do Rio de Janeiro.

  • Prefcio

    Para este nmero, contamos com dois especialistas na rea de energia no Brasil; os engenheiros: Jayme Buarque de Hollanda e Pietro Erber. Ambos do Instituto Nacional de Eficincia Energtica - INEE. O assunto : o uso eficiente do bagao de cana. Como sempre, o NAIPPE procura especialistas que estejam com "a mo na massa". Os dois engenheiros que nos brindam com este ensaio, so pessoas com muita energia e enorme dedicao. Vivem pensando energia e suas implicaes para o Brasil e para o mundo. Estamos seguros de que vocs leitores, gostaro muito de ler a sntese que segue sobre este assunto to importante.

  • Cana de acar: usando todo seu potencial energtico

    Jayme Buarque de Hollanda Pietro Erber

    I foresee the time when industry shall no longer denude the forests which require generations to mature, nor use up the mines which were ages in the making, but shall draw its raw material largely from the annual products of the fields. I am convinced that we shall be able to get out of the yearly crops most of the basic materials which we now get from forest and mine.

    Henry Ford, quoted in Modern Machine, 1934.

    Introduo

    Em resposta s crises do petrleo nos anos 70 e 80, foram feitas diversas tentativas em todo o mundo para substituir derivados do petrleo por fontes renovveis. A nica experincia de grande porte, com xito, foi o uso energtico da cana, no Brasil. O pas produzia apenas 15% de sua necessidade de petrleo e decidiu desenvolver o lcool como substituto da gasolina.

    Em apenas dez anos o lcool j superava a gasolina como combustvel automotivo, e reduzia o impacto na balana comercial de dezenas de bilhes de dlares. Isto exigiu transformaes radicais do mercado consumidor e do setor produtivo e de logstica para introduzir em todo o territrio um novo combustvel lquido. Investimentos em desenvolvimento tecnolgico1aumentaram a produtividade agrcola2 e industrial. Melhorou, tambm, a eficincia de converso do caldo da cana em lcool, que hoje se aproxima dos limites teoricamente possveis3.

    Apesar de reduzir os custos de produo, quando os preos do petrleo caram, em meados dos anos 80 o programa do lcool - PROALCOL, que ainda dependia de subsdios, quase foi extinto, em diversas ocasies. Isto no ocorreu porque era o nico combustvel que poderia acionar uma frota que j compreendia 5 milhes de carros. e porque diversas crises internacionais guerras Ir-Iraque, do Golfo e outros conflitos - contriburam para lembrar que a geopoltica da energia no recomendava que o pas descartasse esta o lcool automotor. Neste cenrio incerto, entretanto, no se desenvolveu o aproveitamento do potencial energtico da cana de forma integral, que inclua a gerao eltrica. A produo apenas do etanol imps uma realidade de notvel desperdcio, que ainda prevalece mas que comea a mudar.

    O texto a seguir explora as principais possibilidades de aumento da eficincia na utilizao da cana de acar como fonte de energia. Existem hoje condies legais e interesse de todos os envolvidos indstria sucro-alcooleira, setor eltrico e governo -

    1 Macedo, I e Horta Nogueira, LA, Cadernos NAE 02/2005, Ncleo de Assuntos Estratgicos da

    Presidncia da Repblica NAE, pg. 135 2 que saltou de 70 t/ha por ano para os atuais 80 t/ha

    3 Macedo, I e Horta Nogueira, LA, Cadernos NAE 02/2005, Ncleo de Assuntos Estratgicos da

    Presidncia da Repblica pg. 133 e 136

  • que podem levar a uma evoluo virtuosa para aumentar a gerao eltrica, apenas aumentando a eficincia energtica na agro-indstria, sem aumento da rea plantada. Essa gerao poder ser acelerada e ampliada, com vantagens significativas para a economia do setor canavieiro e do pas, associada a efeitos ambientais positivos tanto a nvel local quanto global.

    As causas do desperdcio observado por anos a fio devem ser bem avaliadas e compreendidas para que sejam eliminadas. Esta reflexo particularmente importante para o Brasil, pois algumas lies podem ser estendidas ao aproveitamento energtico de outras biomassas.

    1. A Cana de Acar como fonte de energia Segundo o Balano Energtico Nacional BEN, o contedo energtico da cana de acar produzida em 2006 foi de 35 milhes de toneladas equivalentes de petrleo (Mtep), cerca de 15 % das energias primrias do Brasil (energias debitadas da natureza petrleo, carvo, gs natural, cana, etc...), maior fonte depois do petrleo. Superou, inclusive, a energia hidrulica responsvel pela gerao hidreltrica.

    A referida estatstica, na verdade, subestima a importncia da cana na matriz energtica ao omitir a energia das palhas, que pode ser transformada em energia junto com o bagao e que tem um contedo energtico aproximadamente equivalente ao do caldo e ao do bagao da cana4. Ela tambm no inclui o caldo destinado produo de acar. Para manter coerncia com o critrio empregado para o gs natural, a energia contida no caldo destinado produo de acar deveria ser computada como uso no energtico, em rubrica especfica do BEN.

    Quando, para efeito de comparao, se consideram estes fatores, conclui-se que a cana da safra de 2006 tinha um contedo energtico de 71 Mtep, equivalente a uma produo de 1,4 milhes de barris de petrleo por dia, ou seja, prxima da produo brasileira de petrleo naquele ano.

    No entanto, apenas 10 Mtep foram efetivamente usadas pela sociedade como energia5. Assumindo que a energia do caldo tenha sido integralmente transformada em lcool, conclui-se que grande parte da energia do bagao e das palhas originalmente disponvel no campo sub-utilizada ao longo das cadeias de transformao.

    2. Uso de Energia Na Produo Sucro-Alcooleira A atividade sucro-alcooleira demanda energia no processamento industrial que transforma a energia do caldo em lcool e tambm no preparo e tratamento do solo, colheita e transporte da cana entre o campo e a destilaria.

    O processamento industrial da cana necessita de expressiva quantidade de energia trmica para o cozimento do caldo, secagem do acar e destilao do lcool e de energia mecnica para movimentar e moer a cana. Originalmente, calor era suprido com

    4Uma tonelada de cana no campo contm a energia equivalente quela de 1,2 barris de petrleo, dividida em partes aproximadamente iguais, entre a sacarose do caldo, o bagao e as palhas (pontas e folhas). Na colheita tradicional a palha era queimada no campo. A legislao ambiental prev acabar com as queimadas em dez anos. 5 9,3 Mtep de lcool, dos quais 2,1 Mtep foram exportados, 0, 7 Mtep de energia eltrica. O equivalente a

    18,0 Mtep foram destinados a usos no energticos (acar, cachaa, alimentao animal etc.).

  • a queima de madeira das florestas nativas6 e a energia mecnica, com trao animal (inclusive escravos) e rodas dgua.

    Ao longo do sculo XX, as usinas passaram a usar energia eltrica e leo combustvel como insumos energticos. Esta tecnologia foi alterada em seguida crise do petrleo, quando o programa do PROLCOOL programou a substituio de gasolina por lcool com metas que multiplicavam por trinta a produo de lcool em dez anos7.

    Como no pudesse basear essa expanso no uso de um derivado do petrleo e muito menos voltar a usar madeira das florestas j bastante devastadas, a indstria teve que dominar a tecnologia de uso do bagao como principal combustvel, com sistemas de co-gerao que produzem o vapor para o processo e geram localmente a energia eltrica necessrios indstria. Com este arranjo a parte industrial do setor sucro-alcooleira ficou independente do ponto de vista energtico. No final de 2006, tinha 2584 MW8 instalados, 2,7% da potncia eltrica instalada no pas.

    A dependncia de fontes externas de energia ficou resumida ao combustvel usado pelos caminhes e mquinas agrcolas no plantio, colheita e transporte da cana. Foram testados caminhes a lcool, mas apenas os motores diesel se mostraram adequados para atender as elevadas potncias (acima de 300 CV) das mquinas usadas nestas atividades9. Em 2006, para produzir e transportar 426 milhes de toneladas de cana, que produziram 18 bilhes de litros de lcool e 27 milhes de toneladas de acar, os autores estimam que foram consumidos 1,3 bilhes de litros de diesel, 3% do diesel comercializado no pas.

    A relao entre a energia contida no lcool produzido e aquela do combustvel fssil utilizado na sua produo era, em mdia, de 8,3:1, em 2004. Enquanto novos progressos tecnolgicos tendem a aumentar essa relao, o aumento das reas de plantio destinadas s novas usinas, em mdia de maior porte do que as atuais, tendem a diminu-la, medida que as distncias mdias de transporte aumentem. Esta dependncia do lcool da cana em relao aos combustveis fsseis , no entanto, muito inferior do lcool obtido a partir da beterraba ou do milho, na Europa e nos EUA.

    3. Usina sucro-alcooleira como exportadora de Energia Eltrica A presso das caldeiras das indstrias instaladas no contexto do PROLCOOL foi padronizada em 22 bar, uma presso relativamente baixa, em que as centrais de energia atuam tambm como piras de bagao. Nestas condies, a usina atende suas necessidades e pode, com algum investimento, gerar e exportar para a rede pblica at 10 kWh excedentes por tonelada de cana processada (tabela I). medida que a presso da caldeira e a temperatura do vapor aumentam,, cresce a eficincia energtica10 do processo. Assim, uma caldeira de 80 bar, usando a mesma quantidade de bagao, pode exportar entre 40 e 60 kWh por tonelada de cana moda.

    6 J no sculo XVIII, entretanto, Padre Antonil relata o abandono de engenhos por falta de lenha em sua

    vizinhana !Cultura e Opulncia do Brasil por suas Drogas e Minas, Andreoni GA (Antonil) 7 De 500 milhes de litros/ano para 13 bilhes.

    8 BEN 2007

    9Para o plantio, colheita, transporte e outras operaes no campo so consumidos cerca de 3 litros de leo diesel por tonelada de cana. 10

    (Energia do vapor + Energia eltrica) / Energia do bagao

  • As usinas tambm podem gerar durante a entressafra, utilizando bagao e palhas estocadas durante a safra. Com isto, quase dobra o potencial de exportao de energia eltrica. Clculos dos autores mostram que os investimentos em sistemas de extrao/condensao e na construo de ptios para estocar a biomassa so compensadores.

    TABELA I Potencial de Exportao de Energia das Usinas Sucro-alcooleiras12

    A ltima linha da Tabela I, da gaseificao, discutida mais adiante.

    As usinas de cana, alm da energia, oferecem algumas vantagens para o sistema eltrico brasileiro:

    proximidade do mercado: a maioria das usinas esto prximas das cargas, portanto as perdas de transporte so baixas, dispensam grandes investimentos em transmisso e aumentam a confiabilidade do servio na rea;

    rapidez para desenvolvimento: o prazo de desenvolvimento de dois a trs anos, bem inferior ao das usinas convencionais, inclusive trmicas;

    maior confiabilidade: geradores de 40 a 80 MW com diversidade espacial, aumentam a confiabilidade do servio na sub-transmisso e distribuio;

    sazonalidade complementar das hidreltricas: a gerao das usinas sucro-alcooleiras, sobretudo na regio Sudeste, complementa a das hidreltricas13 visto que coincide com os meses de menor afluncia hidrolgica e de depleo dos reservatrios, o que aumenta a quantidade de energia disponvel no sistema instalado.

    garantia do sistema: as usinas que operam apenas na safra podem ser equipadas para operarem com outro combustvel alm da biomassa, adicionando reservas de baixo custo para o sistema.

    A coluna Consumo Brasil, direita da tabela I, apresenta o potencial terico de produo em relao ao consumo em 2002. So nmeros expressivos que no podem ser simplesmente esquecidos e levantam a dvida sobre quais as razes para este desperdcio. De um lado esta atividade no se ajustava cultura do setor eltrico e de outro as empresas de cana viam dificuldade para abrir um novo negcio de capital

    11 Dados relativos a 2002.

    12 Macedo, I e Horta Nogueira, LA, Cadernos NAE 02/2005, Ncleo de Assuntos Estratgicos da

    Presidncia da Repblica NAE, pg. 141 13

    Trabalhando com esta diversidade os operadores do sistema eltrico conseguem operar as hidreltricas de forma mais racional e com menos incerteza de risco, o que, na prtica, faz com que o sistema instalado produza mais energia.

    Energia Excedente

    Potencial Brasil

    Consumo Brasil11

    Tecnologia Sazonalidade kWh/tc TWh MWmd %

    TG contrapresso 22 bar 300oC

    Safra 0 10 3,5 800 1,1

    TG contrapresso 80 bar 480oC

    Safra 40 - 60 21,0 4.800 6.5

    Sist

    . a

    Vap

    or

    TG extrao/condensao 80 bar 480oC

    Ano todo 100 - 150 52,5 7.000 16,3

    Gaseificao/TG Ano todo 200 - 300 105,0 14.000 32,6

  • intensivo e muito diferente das suas atividades tradicionais. Alm disso, nos anos 90, a queda dos preos do petrleo e, ao mesmo tempo, a valorizao da moeda brasileira prejudicavam duplamente a economia do setor de cana.

    A modificao radical destes fatores, j no final do sculo, modificou o panorama do lcool combustvel, que ficou mais barato do que a gasolina. Pressionadas pelos consumidores, as montadoras introduziram os carros flex em 2004, revigorando o mercado do lcool que, no plano internacional, tambm passou a despertar interesse como oxigenador da gasolina, para substituir o poluente MTBE, que derivado do petrleo. A opo pelo lcool do milho por sua vez amplia o mercado desse combustvel. A difuso de sua produo, com excedentes exportveis, envolvendo outros pases, o elemento que falta para sua caracterizao como commodity.

    No obstante, mesmo durante a crise de 2001, a gerao de energia eltrica da cana no teve um papel proporcional a seu potencial e ao fato de que poderia ser desenvolvida muito rapidamente. Considerada alternativa, esta energia foi incorporada ao Programa de Incentivo s Fontes Alternativas PROINFA que, a ttulo de incentivo, ofereceu um preo inferior ao das demais alternativas, inclusive das termeltricas a gs natural.

    Embora tenha havido vendas espordicas de energia para o sistema eltrico desde o incio do PROALCOOL, somente a partir do final do sculo passado, comearam efetivamente as operaes de maior porte, medida que o sistema de vapor de algumas usinas chegava ao fim de sua vida til, sendo substitudo por equipamentos mais eficientes. Foi importante, tambm, a configurao do novo modelo do setor eltrico (1996), que facilitou o comrcio da energia. Em 2004 houve novos avanos no modelo, e em 2006, a oferta de crditos do BNDES em condies atraentes para as instalaes de vapor de alta presso e a criao de novas usinas de cana de grande porte para atender a demanda crescente de lcool levaram muitas usinas a se equiparem para gerar energia eltrica, como parte integrante do negcio. Em 2007, as vendas ao setor eltrico ultrapassaram 200 MW mdios .

    Na atualidade, 90% das usinas ainda usam sistemas com presso de 22 bar, indicando que uma parte importante das vendas de energia para o sistema pode ter esta origem. Estudos no INEE indicam que os investimentos para equipar usinas para produzir energia so perfeitamente compatveis com as tarifas mdias atuais. No surpresa que vrias usinas j esto se orientando para serem produtoras de energia eltrica, valendo notar que j existem instalaes que operam com 92 bar e h notcias de estudos para o uso de presses ainda mais elevadas.

    Aos poucos autoridades e reguladores vo considerar este como um cenrio natural, aperfeioando normas e diretrizes que pressuponham a gerao distribuda, como vem ocorrendo em diversos pases. Novos mecanismos de comercializao de gerao distribuda comeam a ser praticados. Em maio de 2008, por exemplo, no leilo privado de bioeletricidade houve a venda de 44 MW mdios (MWm) reunindo 12 vendedores e 23 compradores.

    Das novas unidades, geralmente de capacidade maior do que a mdia atual, muitas estaro situadas em reas ainda no utilizadas pelo setor sucro-alcooleiro, como o sul de Gois e Mato-Grosso do Sul, menos servidas por sistemas de sub-transmisso eltrica do que as reas tradicionais de produo, como o interior do Estado de So Paulo e o norte do Paran. Assim, paralelamente ao investimento nas novas usinas alcooleiras, ser

  • necessrio investir na expanso daquelas redes eltricas, de modo a permitir o escoamento da energia gerada.

    Estima-se que a produo de cana salte de 569 milhes de toneladas na safra de 2008 para 728 milhes de toneladas at 201214 com um salto equivalente do potencial de gerao. Na viso dos autores o aproveitamento da energia eltrica ser importante pois, ao diversificar as fontes de renda do negcio da cana, reduz os riscos do negcio trazendo um hedge para esta atividade. Estudos do INEE indicam que embora os investimentos variem de usina para usina, estes so viveis, alguns com expectativa de elevadas taxas de retorno. Observa-se nessa indstria, assim, uma evoluo virtuosa, que poder ser acelerada e ampliada, com notveis vantagens para a prpria e para o pas, inclusive reduzindo os custos de transmisso, pela proximidade dessas geradoras em relao ao mercado.

    Como o potencial de gerao da tabela I terico, importante estimar sua possvel contribuio, nos prximos anos. Admite-se que a totalidade da produo incremental seja processada mediante tecnologias energeticamente eficientes e que 20% das usinas existentes sejam modernizadas (o que constitui uma hiptese conservadora, em vista das condies financeiras dessa gerao, com pay-back estimado pelo INEE em menos de 4 anos). Admite-se ainda que, em mdia, os excedentes de energia eltrica dessas usinas sejam, em mdia, de 80 kWh/t. Assim, a produo de energia eltrica disponibilizada por essas usinas seria de 26,2 TWh, correspondentes a uma potncia instalada de 5 mil MW ou seja, da mesma ordem de grandeza do crescimento anual de toda a demanda do pas. Note-se que essa oferta poderia ser ampliada mediante incentivos ao aumento da eficincia de parcela mais expressiva das usinas j existentes.

    4. Uso Energtico da Cana outras oportunidades Alm do aumento da presso das caldeiras, h diversas oportunidades para aumentar a eficincia energtica deste setor que resulta na exportao mais formas e maior quantidade de energia a partir da mesma quantidade de cana plantada e reduo de custos dos produtos energticos da cana. A seguir apresenta-se uma breve discusso sobre algumas das principais possibilidades que os autores consideram mais viveis e que se encontram em variados estgios de estudo.

    I. Bio-gs. A destilao de um litro de lcool produz de 10 a 14 litros de vinhaa. A digesto anaerbica desse material produz um gs rico em metano e o efluente usado como um fertilizante menos agressivo que a vinhaa. De uma tonelada de cana possvel produzir gs com um contedo energtico de 67 x 10 kcal, ou seja, da ordem de 10 % da energia do bagao. Estudo para uma usina que produz 600 mil litros/dia de lcool estima uma produo de biogs de 75.600 Nm/dia que pode gerar, em uma turbina a gs, 6.540 kwh/hora de energia eltrica15 .

    O bio-digestor um equipamento relativamente simples formado de uma cmara de fermentao onde ocorre a biodigesto da matria orgnica e produzido o bio-gs.. O IPT realizou, em seguida ao PROALCOOL, diversas experincias e trabalhos. Na safra 1985/86, foi instalado um prottipo industrial com volume de 500 m que apresentou

    14 Mdia das estimativas do PNE de 04/2008 (CONAB/MAPA);

    15 Fonte:Lamo(1991), citado por Granato, Eder e Silva, Celso L.; GERAO DE ENERGIA

    ELTRICA A PARTIR DO RESSUO VINHAA; http://www.feagri.unicamp.br/energia/agre2002/pdf/0027.pdf

  • resultados positivos, mas a experincia foi descontinuada. Na verdade no havia uso para uma nova fonte de energia enquanto as usinas no tivessem como esco-la. H notcias de novas experincias que devem ser anunciadas em breve.

    II. Hidrlise. Uma alternativa queima da biomassa a converso da celulose deste material em lcool atravs da hidrlise enzimtica ou cida. Desta forma se aumenta a produo de lcool e se reduz o potencial de gerao eltrica que passa a ser feita usando predominantemente o material no celulsico do bagao e das folhas.

    A hidrlise enzimtica objeto da maior parte dos estudos efetuados atualmente a nvel mundial, por oferecer maior converso e um grande potencial de reduo de custos a mdio/longo prazo. H vrias opes de processos em estudo hoje, mas nenhum em fase comercial.16

    A hidrlise cida foi usada durante a Segunda Guerra e at hoje produz etanol e metanol em pases da antiga Unio Sovitica. No Brasil, houve vrias experincias desde 1977, inclusive a implantao, em 1980, da COALBRA, uma fbrica projetada para produzir 30.000 l/dia de etanol, que no teve sucesso econmico. H pesquisas em curso no Brasil e existe um processo industrial patenteado.

    III. Gaseificao Neste processo, um reator que opera em altas temperaturas (>1000 oC) provoca uma combusto incompleta da biomassa e produz um gs combustvel (basicamente monxido de carbono - CO) com o qual se pode: (a) gerar energia eltrica em uma turbina a gs ou; (b) produzir combustveis lquidos pela sntese de Fischer-Tropsch. Neste processo a biomassa gaseificada alta temperatura, obtendo-se hidrognio e monxido carbnico, alm de metano. Os dois primeiros constituem o chamado gs de sntese que passa por um processo cataltico para que se obtenha combustvel lquido (SYNFUEL), cujo refino gera produtos semelhantes ao leo diesel, gasolina e ao GLP.

    A primeira alternativa apresenta a grande vantagem de ter uma alta eficincia de converso (+ 41%). Nos anos 90, foi desenvolvido o projeto SIGAME (Sistema Integrado de Gaseificao de Madeira e Produo de Eletricidade) para instalar uma usina de 32,2 MW na Bahia visando testar seu uso na prtica. Foram investidos US$ 15 milhes em estudos que apontaram a viabilidade tcnico-econmica do projeto na poca. Seu desenvolvimento teve o apoio financeiro do Global Environment Fund - GEF17, mas foi descontinuado por dificuldades administrativas.

    Como todos os parmetros mudaram no sentido de aumentar a viabilidade (preo do petrleo mais alto, tecnologia de gaseificao aperfeioada, turbinas para gs pobre, melhores e mais baratas, modelo institucional aperfeioado), de se esperar que uma retomada desta proposta resulte em um salto quantitativo de eficincia como se pode constatar na tabela I. (pag. 10)

    A segunda alternativa, de transformao do gs em combustvel lquido (SYNFUEL), um processo testado usando gs originado no carvo mineral. Foi usado durante a Segunda Guerra pela Alemanha e hoje empregado na frica do Sul. H muitas pesquisas em todo o mundo para aperfeioar esta rota.

    16 Para mais detalhes ver P.A. Soares e C.E.V. Rossell, Converso da Celulose pela tecnologia

    ORGANOSOLV, NAIPPE, disponvel em www.naippe.fm.usp.br 17

    Fundo da ONU para investir na reduo das agresses ambientais.

  • IV. Veculos Hbridos A dependncia do diesel pelo setor da cana tende a aumentar com a mecanizao da colheita e aumento da distncia de transporte (hoje em torno de 25 km) que pode at dobrar nas novas usinas cuja capacidade de moagem de quatro a seis vezes maior que no passado. Este um srio problema no apenas pelo aumento das incertezas quanto a um item de custo importante mas tambm porque prejudica a imagem do lcool como uma energia renovvel. Usar lcool como combustvel seria da maior importncia pois, alm de proporcionar uma reduo aprecivel dos custos, aumentaria substancialmente a relao entre a energia renovvel produzida e a energia fssil consumida pelo setor sucro-alcooleiro.

    A alternativa mais eficiente para resolver este problema a trao eltrica hbrida18. Trata-se de empregar veculos acionados por motor(es) eltrico(s), cuja energia gerada a bordo por um grupo motor-gerador acionado por motor a lcool. Usado em locomotivas, caminhes de mineradoras e em nibus urbanos, esta soluo pode ser aplicada em caminhes e mquinas agrcolas. O uso de motores a lcool (ciclo Otto) possvel pois a demanda por potncia menor do que a observada no caminho convencional19 . Alm disso, possvel instalar um ou mais sistemas geradores em paralelo no mesmo veculo.

    A tecnologia muito efetiva em uma movimentao do tipo arranca-pra, caracterstica da operao no campo e j dominada, no Brasil, para acionar nibus. Portanto, possvel considerar sua aplicao nos caminhes de transporte de cana.

    V. Eletrificao da usina A maior disponibilidade de energia eltrica nas usinas aumenta as chances de melhorar a eficincia no processo. O salto mais importante esperado ocorre quando se substitui o acionamento das moendas, tradicionalmente feito com turbinas a vapor, por motores eltricos.

    Caso o transporte seja eletrificado (ver acima), as prximas geraes de veculos podero usar a energia eltrica produzida na usina e armazenada em baterias20. Alm de um grande incremento de eficincia esta possibilidade deve diminuir custos ao reduzir o uso de combustveis lquidos, seja lcool ou diesel.

    VI. Produtividade agrcola A produtividade agrcola, que sempre cresceu nos ltimos anos, deve manter esta tendncia o que redunda necessariamente em maior eficincia. Registre-se, tambm, que como os objetivos at aqui eram exclusivamente voltados para o setor sucro-alcooleiro, as pesquisas foram sempre orientadas para a produo de acares. Com o novo vetor energtico da produo eltrica possvel imaginar que a seleo de espcies se oriente para tambm considerar esta aplicao da cana de acar.

    VII. Carvo Vegetal No Brasil h diversos fabricantes de equipamentos que densificam as biomassas residuais transformando-as em briquetes ou pellets de material combustvel, hoje comercializado, inclusive para o exterior, como substituto da madeira para combusto direta.

    18 Jayme Buarque de Hollanda; palestra de no VE 2006; www.inee.org.br

    19 O motor a combusto interna opera com o torque e rotaes timos de projeto e possvel ter mais de

    um gerador operando em paralelo. 20

    So os chamados veculos plug-in

  • H tambm experincias feitas no Brasil para transformar a biomassa residual em carvo vegetal21 com produo simultnea de volteis (bio-leos pirolticos). A demanda por carvo vegetal para fins siderrgicos pode aumentar muito na medida que seja cerceada a produo com madeira nativa que hoje atende, de forma criminosa, mais de metade da demanda. O mercado para o alcatro uma espcie de petrleo leve sem contaminao ainda precisa ser organizado mas o produto tem importante potencial comercial, dado que pode ser queimado diretamente, produzir biodiesel e para a obteno de variados produtos no energticos.

    VIII. Outras Oportunidades Novas atividades energo-intensivas podem ter interesse em se instalar nas proximidades da usina. Um exemplo interessante que vem crescendo nos ltimos anos a industrializao da levedura do lcool. Este material de elevado valor protico e que era perdido hoje comea a ser produzido para competir com grande vantagem com as fontes tradicionais.

    Em sntese, o setor de cana brasileiro, alm de exportar quantidades crescentes de energia eltrica para a rede pblica, que vai reduzir o uso de gs natural na gerao eltrica, possvel substituir a maior parte do diesel consumido na produo e transporte da cana pelo lcool usando trao eltrica.

    A perspectiva em mdio prazo, portanto que este setor seja um exportando lquido de importantes quantidades de energia reduzindo ainda mais a dependncia aos combustveis fsseis.

    5. Concluso e Lies Passadas quase trs dcadas do PROALCOOL pode-se dizer que, apesar do programa ter tido srias dificuldades e ter passado por caminhos tortuosos, foi um sucesso. O Brasil tornou-se o maior e mais competitivo produtor de lcool etlico do mundo. Logrou assim substituir parte expressiva da gasolina e seus aditivos por uma fonte de energia renovvel, em resposta crise de petrleo da dcada de 1970 e, com a modernizao do parque produtivo, reduziu tambm os custos de produo do acar.

    Em termos energticos, no entanto, foi apenas uma revoluo parcial, que se limitou questo automotiva, problema crucial na crise do petrleo. Hoje, no entanto, existem as condies para completar o ciclo energtico do setor sucro-alcooleiro, com o desenvolvimento da gerao distribuda.

    A virtude menos percebida da produo brasileira de etanol no est no combustvel em si, mas na cana de acar que, alm de produzir os acares, fornece a energia que permite seu processamento. No entender este fato leva a dificuldades hoje observadas onde o etanol tem origem no milho e na beterraba, que reduzem minimamente a dependncia de combustveis fsseis e competem com a produo de alimentos.

    O crescimento do negcio eltrico apenas um incio de um processo mais rico que, como visto no exame das novas tecnologias e que deve ter variados desdobramentos dependendo da localizao e vocao de cada usina de cana. Colocam-se a diversas questes: Produzir energia eltrica sazonal ou anualmente? Com que tecnologia? Investir na produo de levedura? Vale a pena desenvolver outros energticos alm da energia eltrica ?

    21 Ver mais informaes em www.bioware.com.br

  • A experincia j comprova a viabilidade econmica da ampliao do escopo econmico da cana de acar, inicialmente dedicada apenas ao acar, depois tambm ao lcool combustvel e, mais recentemente, embora em nvel incipiente, produo de energia eltrica destinada ao mercado e venda de levedura.

    Como desafio para as universidades e centros de pesquisa, alem da prpria indstria de equipamentos, vislumbra-se novo salto de eficincia no uso da biomassa de cana , com sua gaseificao prvia gerao de vapor e eletricidade, que possivelmente triplicaria os excedentes proporcionados pelas caldeiras de alta presso e outros elementos de projeto das usinas, como a eletrificao das moendas. Em particular, o emprego de sistemas BIG-GT, j estudados e ensaiados em pequena escala no Brasil, podero ser desenvolvidos no apenas para a utilizao da biomassa de cana mas tambm de outras biomassas, em particular a madeira.

    Nova srie NAIPPE Cadernos:

    1- Elementos para uma proposta alternativa para o desenvolvimento do capitalismo no Brasil.

    (Frederico Jayme Katz)

    2- O setor Sucroalcooleiro e o Domnio Tecnolgico. (Paulo Augusto Soares / co-autoria: Carlos Eduardo Vaz Rossell)

    3- Converso da Celulose pela Tecnolgica Organosolv. (Paulo Augusto Soares / co-autoria: Carlos Eduardo Vaz Rossell)

    4- Energia Nuclear para o Brasil: Opo ou Necessidade? (Jose Goldemberg)

    5- Cana de Acar: Usando todo o seu potencial Eergtico. (Jayme Buarque de Hollanda / Pietro Erber)

  • Doc1.pdfLivreto_cana_aucar.pdfDoc2.pdf