livrogris web

77
PPGCOM UFMG organização Vera Veiga França Bruno Guimarães Martins André Melo Mendes Trajetória, conceitos e pesquisa em comunicação Grupo de Pesquisa em Imagem e Sociabilidade (GRIS):

Upload: tiago-barcelos

Post on 18-Sep-2015

215 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

livro verbetes Gris

TRANSCRIPT

  • PPGCOM UFMG

    o r g a n i z a o

    Vera Veiga FranaBruno Guimares Martins

    Andr Melo Mendes

    Trajetria, conceitos e pesquisa em comunicao

    Grupo de Pesquisa em Imagem e Sociabilidade (GRIS):

  • organizao

    Vera Veiga FranaBruno Guimares Martins

    Andr Melo Mendes

    Grupo de Pesquisa em

    Imagem e Sociabilidade (GRIS):

    Trajetria, conceitose pesquisa em comunicao

    1a edio

    Belo HorizonteFaculdade de Filosofia e Cincias Humanas

    PPGCOM - UFMG2014

  • Universidade Federal de Minas GeraisReitor: Jaime RamirezVice-Reitora: Sandra Goulart de Almeida

    Faculdade de Filosofia e Cincias HumanasDiretor: Fernando Barros FilgueirasVice-Diretor: Carlo Gabriel Kszan Pancera

    Programa de Ps-Graduao em ComunicaoCoordenador: Elton AntunesSub-Coordenadora: Angela Cristina Salgueiro Marques

    Coordenao EditorialBruno Souza LealAngela Cristina Salgueiro Marques

    Padro grfico PPGCom UFMGMarco Severo

    Projeto grfico e diagramaoTiago Barcelos P. Salgado e Bruno Martins

    RevisoPatrcia Falco

    PPGCom UFMGAv. Antnio Carlos, 6627Campus Pampulha4 Andar / Sala 423431270-901Belo Horizonte [email protected] 31 3409-5072

    Conselho EditorialAna Carolina Escosteguy (PUC-RS)Ana Carolina Silva (UFOP) Angela Pryston (UFPE)Benjamim Picado (UFF)Cezar Migliorin (UFF)Christa Berger (Unisinos) Eduardo de Jesus (PUC-Minas)Elisabeth Duarte (UFSM)Eneus Trindade (USP)Fabio Malini (UFES)Ftima Regis (UERJ) Fernando Gonalves (UERJ)Frederico Tavares (UFOP)Gislene Silva (UFSC)Goiamrico Felcio (UFG)Iluska Coutinho (UFJF)Itania Gomes (UFBA)Jorge Cardoso (UFRB/UFBA)Jos Luiz Braga (Unisinos)Kati Caetano (UTP)Luis Mauro S Martino (Casper Lbero)Marcel Vieira (UFPB)Maria Carmem Jacob (UFBA) Mariana Baltar (UFF)Mnica Ferrari (USP)Mozahir Salomo (PUC-Minas)Nilda Jacks (UFRGS)Osmar dos Reis Filho (UFC)Renato Pucci (UAM)Rosana Soares (USP)Rudimar Baldissera (UFRGS)Tiago Soares (UFPE)Vander Casaqui (ESPM)

    G892 Grupo de Pesquisa em Imagem e Sociabilidade (GRIS) : trajetria, conceitos e pesquisa em comunicao / Organizao Vera Veiga Frana, Bruno Guimares Martins, Andr Melo Mendes. -- Belo Horizonte : Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas - PPGCom - UFMG, 2014. 148 p.

    ISBN: 978-85-62707-59-9

    1. Grupo de Pesquisa em Imagem e Sociabilidade. 2. Comunicao. 3. Comunicao Pesquisa. 4. Comunicao Pesquisa Histria. I. Frana, Vera Veiga, 1951- 2. Martins, Bruno Guimares. 3. Mendes, Andr Melo.

    CDD: 301.16 CDD(22.ed.): 302.2 CDU: 301.153.2

    Ao tornar disponvel este livro, quero dizer que ele constitui, para ns, uma vitria, mas tambm uma prestao de contas. Completando uma trajetria de 20 anos, viemos acumulando reflexes e desenvolvendo ferramentas conceituais, conformando um caminho de anlise e uma perspectiva comunicacional. A sistematizao dessas reflexes e a orga-nizao de nossos achados (ainda que de forma parcial) constituiu um trabalho por vezes difcil, porque lento e minucioso, mas que nos gratifica e nos recompensa, pois representa os frutos de um esforo coletivo. Este conjunto materializa nosso esforo e disponibiliza os recursos acumulados para as novas geraes de pesquisadores que passarem pelo Gris, ou para aqueles que se interessarem por nossa perspectiva de trabalho.

    O Gris tem sido um lugar de formao, de promoo de dilogos entre ns, professores da UFMG, e com colegas de outras instituies nacionais e internacionais. Trata-se de um espao significativo, que acumula investimentos intelectuais, institucionais e afetivos.

    Neste sentido, trata-se tambm de uma prestao de contas: UFMG, que nos propi-cia o estmulo para a produo de conhecimento e as necessrias condies de trabalho; Capes, CNPq e Fapemig, agncias que, ao longo dos anos, financiaram nossas pesquisas atravs da concesso de bolsas e recursos (inclusive para esta publicao). E tambm um reconhecimento poltica pblica de investimento na educao e na produo cientfica no Brasil.

    Agradecemos a tantos que, passando pelo Gris ao longo de sua trajetria, deixaram sua contribuio. De forma particular, agradecemos especialmente a todos os autores e queles que colaboraram para a produo desta obra: Elton Antunes e Frederico Tavares, que ini-ciaram o projeto editorial do livro; Bruno Martins e Andr Mendes, que levaram a emprei- tada at o fim e so responsveis pela organizao deste trabalho.

    Vera Veiga Frana

  • sumrio

    introduoLgia Lana, Paula Guimares Simes 7

    i. trajetria e estrutura

    1. GRIS: criao, funcionamento e primeiros projetos Vera Veiga Frana 12

    2. GRISpop Interaes Miditicas e Prticas Culturais Contemporneas Vera Veiga Frana, Lgia Lana, Paula Guimares Simes 19

    3. GRISpress Culturas do Impresso Elton Antunes e Paulo Bernardo Ferreira Vaz 27

    4. GRISorg Interaes em Prticas e Processos Organizacionais ngela Salgueiro Marques e Mrcio Simeone Henriques 32

    5. GRISsom Rudos, sonoridades e canes Nsio Teixeira, Graziela Melo Vianna 41

    6. GRISpub Publicidade, Mdia e Consumo Laura Guimares Corra 44

    ii. conceitos de referncia

    1. Acontecimento Renn Oliveira Frana 51

    2. Contemporneo Vera Veiga Frana, Bruno Guimares Martins, Andr Melo Mendes 55

    3. Cotidiano Beatriz Bretas, Ricardo Duarte 58

    4. Cultura Vera Veiga Frana, Mrcio Gonalves, Fernanda Miranda, Luciana de Oliveira 63

    5. Discurso Carlos Juregui, Vanrochris Vieira 39

    6. Dispositivo Geane Alzamora, Terezinha Silva 75

  • 7. Enquadramento Vera Veiga Frana, Terezinha Silva, Frances Vaz 80

    8. Experincia Lgia Lana, Bruno Guimares Martins, Tiago Barcelos P. Salgado, Fabrcio Jos N. da Silveira 84

    9. Identidade Andr Melo Mendes, Fabrcio Jos N. da Silveira, Frederico de Mello B. Tavares 89

    10. Instituio Raquel Dornelas, Marta Maia, Fabola Souza 96

    11. Interao Vera Veiga Frana, Paula Guimares Simes 99

    12. Memria Renn Frana, Nsio Teixeira, Graziela Mello Vianna 103

    13. Mdia Geane Carvalho Alzamora, Tiago Barcelos P. Salgado 108

    14. Narrativa Elton Antunes 114

    15. Normas e valores Tamires Colho, Laura Guimares Corra 119

    16. Representao Laura Guimares Corra, Fabrcio Jos N. da Silveira 123

    17. Sociabilidade Vera Veiga Frana 127

    18. Sujeito ngela Salgueiro Marques 131

    iii. apndice

    Iniciao Cientfica, Trabalhos de concluso de curso,Dissertaes, Teses, Ps-doutorado 140

    INTRODUO

    Paula Guimares SimesLgia Lana

    Para celebrar os 20 anos de trabalho do GRIS, Grupo de Pesquisa em Imagem e Sociabilidade, vinculado ao Departamento de Comunicao Social da Univer-sidade Federal de Minas Gerais, publicamos este livro, que se encontra dividido em duas partes. Inicialmente, na primeira parte, nos dedicamos a apresentar uma sntese dos 20 anos da trajetria do nosso grupo de pesquisa, assim como uma caracterizao mais especfica dos cinco ncleos que revelam sua organizao atu-al. Temos ento um texto para cada um dos ncleos: GRISpop (Interaes Miditi-cas e Prticas Culturais Contemporneas), GRISpress (Culturas do Impresso), GRISorg (Interaes em Prticas e Processos Organizacionais), GRISsom (Rudos, sonoridades e canes) e GRISpub (Publicidade, Mdia e Consumo). Na segunda parte do livro, apresentamos, sob a forma de verbetes, em ordem alfabtica, alguns conceitos que tm conduzido as pesquisas realizadas pelo grupo.

    A ideia dos verbetes surgiu como uma demanda interna. Ao longo dos anos, pesquisadores vo se revezando no GRIS diversos estudantes, em diferentes nveis (iniciao cientfica, mestrado e doutorado), tm passado pelo grupo, de-senvolvido suas pesquisas e partido; alguns professores se desvincularam do GRIS; inmeros outros, que recentemente chegaram ao Departamento de Comunicao da UFMG, passaram a fazer parte de nossos quadros, criando novos grupos in-ternos. Sentamos falta de organizar e sistematizar nosso trajeto, nossas reflexes, enfim, o legado desses anos de discusso e trabalho. Apresentamos 18 conceitos de referncia para o grupo: acontecimento, contemporneo, cotidiano, cultura, discurso, dispositivo, enquadramento, experincia, identidade, instituio, intera-o, memria, mdia, narrativa, normas e valores, representao, sociabilidade e sujeito. Levou-se em considerao a nossa trajetria de pesquisa: no se trata ape-nas de uma compilao de termos importantes e atuais para a comunicao, mas de conceitos que tm sido utilizados e tambm configurados por nosso tra-balho em artigos, teses, dissertaes e monografias.

    A execuo do livro marcou um momento muito enriquecedor para o grupo e seguiu, fielmente, o carter coletivo do GRIS. Estabelecemos um calendrio de seminrios temticos, em que um/a pesquisador/a ou um grupo de pesquisadores/as ficou responsvel por redigir um verbete especfico. A redao inicial era ento enviada para nossa lista de discusso digital e lida por todos os integrantes do grupo que se encontravam, em nossas reunies das sextas-feiras, para discuti-lo. Os debates, ocorridos ao longo do binio 2012-2013, proporcionavam o adensam-ento terico do verbete e, ao mesmo tempo, seu aprimoramento, de acordo com a dinmica de leitura coletiva.

    A estrutura dos verbetes, pois, organiza a maneira como o GRIS, ao longo de 20 anos, vem se apropriando de conceitos especficos. Os verbetes no possuem o

  • 10 ppgcom ufmg trajetria, conceitos e pesquisa em comunicao trajetria, conceitos e pesquisa em comunicao ppgcom ufmg 11

    formalismo de um dicionrio acadmico, tampouco perfazem uma reviso bibli-ogrfica completa dos conceitos apresentados. O conjunto de verbetes sintetiza as discusses mais importantes que vm sendo travadas pelo grupo, evidenciando conceitos-chave que orientam as pesquisas que so feitas no GRIS. Nesse sentido, esta obra resultado de um trabalho coletivo, no somente dos ltimos dois anos, mas da prpria trajetria do GRIS em seus 20 anos de histria. Certamente, a lista de verbetes aqui apresentada no tem a pretenso de esgotar os conceitos impor-tantes no campo da Comunicao e nem este o objetivo da publicao.

    O fundamento terico que orientou a curadoria dos verbetes, sustentando no apenas esta obra, mas o pensamento do prprio grupo, diz respeito noo de comunicao, compartilhada por todas as pesquisas realizadas no GRIS. Entendida como um processo de produo e compartilhamento de sentidos, a comunicao um processo de interao entre diferentes elementos interlocutores, discur-sos, dispositivos, espaos conversacionais e interpretaes. Por meio de discursos materializados em diferentes suportes e instaurados por sujeitos interlocutores em certo contexto, a comunicao sutura distncias, aproxima diferenas e confere destaque singularidade da experincia por meio de um trabalho minucioso. Compartilhamos, assim, de uma perspectiva relacional ou interacional da comu-nicao.

    A comunicao relacional, unidade fundamental das pesquisas do GRIS, possui matrizes tericas que podem parecer divergentes a um olhar mais purista. Os estudos culturais ingleses,1 o pragmatismo norte-americano,2 a sociologia da ao3 e as pesquisas do Mental Research Institute de Palo Alto4 trouxeram, a partir de preocupaes e objetos de pesquisa muito distintos, elementos para sistematizar a maneira como o grupo compreende a comunicao. Ao longo de nossa histria, nos dedicamos a examinar as especificidades de cada uma dessas escolas e teorias, tomando a comunicao como guia e propsito de investigao. Os desafios de visitar distintas reas de estudos como a filosofia e psiquiatria, a sociologia e estu-dos de linguagem foram muito grandes; os ganhos heursticos e as recompensas intelectuais, a nosso ver, so tambm bastante frutferos.

    Os verbetes trazidos nesta coletnea esto configurados por uma leitura que enfatiza a circularidade e a globalidade do processo comunicativo. Nosso olhar busca alcanar a interseo de trs dinmicas bsicas: 1. O quadro relacional entre os sujeitos, que se afetam e se constituem mutuamente, 2. As prticas discursivas e os vestgios materiais que mobilizam e so resultantes da relao comunicacional e 3. A conjuntura sociocultural, quadro mais amplo que pode ser observado nas

    1 Especialmente, vinculados sua tradio marxista, como os trabalhos de Stuart Hall, ao discutir os conceitos de codificao/decodificao, e Raymond Williams, ao tratar da relao entre cultura e sociedade.

    2 Tanto no pensamento de George Herbert Mead (que destaca os gestos significantes na afetao mtua entre os sujeitos), como no de John Dewey (que evidencia a transao e a interao, constituidoras da prpria experincia humana, realizada atravs da comunicao).

    3 Contribuio ancorada nos conceitos de quadro de sentido e teatralizao da vida cotidiana, desenvolvidos por Erving Goffman.

    4 Nas obras de Paul Watzlawick, Gregory Bateson e Don Jackson, que, por meio de uma abordagem interdisciplinar, envolvendo a psiquiatria e a antropologia, propuseram a compreenso de uma pragmtica da comunicao. Os estudos de Palo Alto aprimoraram o tratamento conceitual da relao entre linguagem e comportamento humano.

    situaes especficas. O processo comunicativo vivo, dinmico e instituidor de sentidos e de relaes, um lugar no apenas onde os sujeitos dizem, mas tambm assumem papis e se constroem socialmente.5

    As reflexes do GRIS, portanto, so orientadas por essa viso de comunicao. A partir de metodologias variadas, as mltiplas pesquisas feitas no grupo (mono-grafias, dissertaes e teses, listadas ao final do presente volume)6 orientam-se pela compreenso do fenmeno comunicativo como um processo global. importante destacar o papel fundamental desempenhado pela coordenadora do grupo, Vera Frana, na apropriao de autores e perspectivas tericas recuperados anterior-mente em diferentes textos que sustentam a viso relacional de comunicao, con-solidando tambm uma epistemologia do campo da comunicao no Brasil.

    Esperamos que este trabalho possa contribuir para o compartilhamento de nossa experincia entre aqueles que fazem e desejam fazer pesquisa em comu-nicao no pas. E que possa perpetuar a trajetria de um grupo que procura enfatizar a sua existncia justamente como um grupo e como tal, desenvolver uma cincia orientada por compromisso e dedicao, mas tambm marcada por generosidade e afeto. Boa leitura!

    5 Nossa compreenso do processo comunicativo se apoia em uma reflexo sistematizada por Louis Qur, que tem inspirao pragmatista e procura distinguir dois modelos de comunicao: o modelo epistemolgico (ou paradigma informacional) e o modelo praxiolgico (ou relacional). O modelo praxiolgico da comunicao evidencia a dimenso interacional do processo, realizado por meio da linguagem colocada em ao pelos sujeitos. Aqui, a comunicao emerge em sua dimenso constituidora dos sujeitos e da prpria vida social: por meio de inmeras interaes, os indivduos estabelecem no apenas suas individualidades em espaos intersubjetivos, mas a sociedade em que vivem e que ajudam a construir. Nesse sentido, o paradigma fundado na prxis analisa o processo da comunicao como uma atividade organizadora da subjetividade dos indivduos e da objetividade do mundo.

    6 O material pode ser acessado no site do grupo na internet, .

  • I.

    trajetria e estrutura

  • trajetria, conceitos e pesquisa em comunicao ppgcom ufmg 15

    1. GRIS: criao, funcionamento e primeiros projetos

    Vera Veiga Frana

    Podemos dizer hoje que o GRIS foi criado em 1994 mas esta data correspon-de mais especificamente s primeiras atividades de pesquisa que levaram, posteri-ormente, consolidao de um grupo que, em algum momento (talvez por volta de 1999) nomeamos Grupo de Estudos em Imagem e Sociabilidade GRIS.

    Era o ano de 1993 e o Departamento de Comunicao da Faculdade de Fi-losofia e Cincias Humanas da UFMG iniciava o processo de implantao de um Programa de Ps-Graduao em Comunicao, com o projeto de criao de um mestrado; para viabilizar tal empreendimento, fazia-se necessrio impulsionar a atividade de pesquisa junto ao seu corpo docente. Eu havia recm-chegado de meu doutorado no exterior e, para me integrar a esta dinmica, elaborei em 1994 um projeto de pesquisa que submeti ao CNPq; ele foi aprovado, com algumas bolsas de iniciao cientifica, convidei dois colegas para participarem,1 e a atividade se desenvolveu de forma intensa ao longo de dois anos. No mesmo momento, outro colega, Paulo Bernardo Vaz, tambm desenvolvia um outro projeto igualmente financiado pelo CNPq. Ao trmino dos dois projetos e dando continuidade nossa atividade de pesquisa, elaboramos uma nova proposta, associando as duas equi-pes e convidando ainda outros colegas (ramos seis naquele momento).2 Depois foi um terceiro projeto e, ao envi-lo, nos demos conta de que j constituamos um grupo. Creio que foi naquele momento que surgiu o nome GRIS, associando sociabilidade (rea de concentrao da ps-graduao) com a questo da lingua-gem, representao, enfim, imagem ento GRupo3 de pesquisa em Imagem e Sociabilidade. E foi assim que, sucessivamente, colegas entraram, colegas saram da equipe, acompanhados de seus orientandos da graduao e da ps-graduao, e uma atividade ininterrupta de pesquisa veio promovendo a consolidao do grupo e a configurao de sua especificidade.

    Nos primeiros anos de atividades desenvolvemos projetos integrados; o CNPq enfatizava e estimulava a constituio de grupos, e os projetos integrados eram bem vindos naquela poca. Trs de ns j recebiam bolsa de produtividade daquela instituio desde o primeiro projeto; na sequncia, em projetos seguintes, trs ou-tros entraram no quadro de bolsistas do CNPq. Mais recentemente, em funo de uma mudana de nfase do CNPq, mas tambm devido especializao interna de nossas pesquisas, temos apresentado projetos individuais. A perspectiva cole-tiva, no entanto, permanece por meio de nossa dinmica de trabalho, bem como do desenvolvimento de temticas comuns e de referenciais terico-metodolgico partilhados. O GRIS animado por um forte esprito de grupo; compartilhamos

    1 Foram eles Maria Ceres S. Castro e Paulo Saturnino Figueiredo.2 Respectivamente: Paulo Bernardo Ferreira Vaz, Maria Ceres S. Castro, Csar Guimares, Elton Antunes, Regina

    Helena (esta do Departamento de Histria da Fafich), alm de mim mesma.3 Talvez houvesse tambm algum eco de certa francofonia de alguns constituintes do grupo, associando a nomeao

    com Groupe de Recherche

    da convico de que conhecer no uma atividade solitria, mas algo que apenas se faz em conjunto, com a ajuda e os estmulos do outro.

    Assim que, ao lado dos muitos professores que participaram e ainda partici-pam do GRIS,4 este grupo atuou na formao de inmeros bolsistas de iniciao cientfica, mestrandos e doutorandos. Alm destes, alunos de graduao partici-pam esporadicamente de alguns projetos, na qualidade de estagirio voluntrio5 e/ou aqui desenvolvem sua monografia de concluso de graduao, e alguns ex-alunos da ps-graduao que se tornaram professores em outras instituies de ensino superior mantm alguma forma de participao no grupo. Tambm pas-samos a acolher, a partir de 2008, professores de outras universidades em estgio de ps-doutorado.

    Nos primeiros tempos, na poca dos projetos integrados, eram feitas reunies semanais com a participao de todo o grupo, onde se debatia as questes teri-cas que fundavam a abordagem analtica do problema de pesquisa, bem como questes metodolgicas concernentes aos diferentes recortes do trabalho emprico. Aos poucos o trabalho de cada professor veio ganhando recortes especficos, con-formando domnios prprios, o que levou a uma organizao em torno de sub- grupos, com funcionamento independente e reunies gerais quinzenais ou men-sais para discusso de temas e questes orientadoras do grupo como um todo. Esse formato foi se definindo melhor, at chegar fisionomia atual, com maior autonomia dos grupos internos e manuteno de uma linha terico-metodolgica partilhada.

    A estrutura do GRIS hoje se assemelha mais de um centro de pesquisa: no momento da primeira diviso foram formados trs grupos internos: o GRISpop (Interaes Miditicas e Prticas Culturais Contemporneas), o GRISpress (Cul-turas do Impresso) e o Ponto GRIS (Interaes Telemticas). Posteriormente, com a aposentadoria de uma professora, o Pontogris se desfez e trs outros foram cria-dos: GRISorg (Prticas e Processos Organizacionais); GRISsom (Linguagens Sono-ras) e GRISpub (Publicidade, Mdia e Consumo). Cada grupo, coordenado pelos professores, agrega seus respectivos orientandos da graduao e da ps-graduao (alm de eventuais ex-alunos) e tem uma dinmica prpria. Uma vez por ms so realizadas reunies coletivas que tratam da temtica articuladora dos projetos em andamento, desdobrada em seus eixos conceituais e/ou metodolgicos. Alm disso, o grupo como um todo desenvolve atividades comuns aulas especiais oferecidas aos alunos da graduao e coletividade externa; manuteno do site; publicaes conjuntas.

    O GRIS realizou dois colquios em torno de temticas que agregam os vrios pesquisadores e grupos: o I CIS - Colquio em Imagem e Sociabilidade Comuni-cao Miditica: instituies, valores e cultura, em 2008, e o II CIS - Colquio em

    4 Alguns professores que participaram do GRIS no seu incio se desligaram e criaram grupos autnomos, que tambm integram nosso programa de ps-graduao. Desta maneira, o GRIS tambm funcionou como matriz para novas experincias.

    5 A fim de dar oportunidade a mais alunos de acompanhar os trabalhos do grupo e se iniciar na pesquisa. Desenvolvemos nos ltimos anos um programa de iniciao cientfica voluntria, o PIC-GRIS, que implica uma disponibilidade menor (10h) e participao pontual em alguma fase da pesquisa de projetos em andamento.

  • 16 ppgcom ufmg trajetria, conceitos e pesquisa em comunicao trajetria, conceitos e pesquisa em comunicao ppgcom ufmg 17

    Imagem e Sociabilidade Acontecimento: reverberaes, em 2011; o resultado dos dois eventos deu origem a duas publicaes.6 Alguns grupos tambm realizaram eventos especficos: o Seminrio Internacional do Som e da Memria (organizado pelo GRISsom) e o Seminrio Temtico Comunicao Organizacional: dimenses tericas, humanas e discursivas (organizado pelo GRISorg), ambos em 2013.

    O GRIS j teve um Acordo de Cooperao com o Centre dtudes des Mouve-ments Sociaux (CEMS), da cole des Hautes tudes en Sciences Sociales (EHEES), Frana, por meio do prof. Louis Qur; atualmente mantm acordo com a Univer-sidade Lusfona do Porto, Portugal, por meio da profa. Isabel Babo-Lana.

    importante dizer que o GRIS, em toda a sua trajetria, contou com o imprescindvel financiamento do CNPq e FAPEMIG, na forma de bolsas e auxlio pesquisa, publicao e eventos.

    Projetos integrados de pesquisa

    Conforme mencionado acima, a fase inicial do GRIS foi caracterizada pelo desenvolvimento de projetos integrados de pesquisa, projetos que acolhiam os subprojetos dos professores participantes. Na fase seguinte, de criao dos grupos internos, os professores apresentaram projetos individuais, marcados, no entanto, por eixos articuladores comuns. Segue abaixo uma breve apresentao dos projetos integrados.

    Candidatos e eleitores: as imagens na comunicao

    Esse foi o primeiro deles, desenvolvido no perodo 1994-1997, e teve como objeto de estudo a campanha eleitoral para o governo de Minas Gerais nas eleies de 1994. O problema de pesquisa se construiu em torno da dinmica de construo da(s) imagem(s) dos candidatos, entendendo-a enquanto um processo resultante do dilogo de trs instncias: a propaganda dos candidatos; o discurso miditico; a leitura e posicionamento dos eleitores. Os conceitos norteadores, naturalmente, se referem imagem, representao e construo das interaes. A pesquisa incluiu uma grande coleta emprica e, do ponto de vista metodolgico, se mostrou bas-tante interessante (a mesma coisa podendo ser dita com relao a seus achados).

    No que se refere aos candidatos, acompanhamos, no perodo de agosto a novembro, as vrias iniciativas e atividades desenvolvidas pelos quatro candida-tos principais: programa eleitoral gratuito pela televiso, agenda diria, folhetos e folders. No caso da mdia, selecionamos um jornal, uma rdio e uma emissora de TV para acompanhar a cobertura jornalstica promovida no mesmo perodo.7 Quanto aos eleitores, trabalhamos com uma pequena amostra semialeatria: 20 famlias de Belo Horizonte, escolhidas proporcionalmente segundo o quadro da

    6 O primeiro CIS deu origem ao livro Mdia, instituies e valores. O segundo CIS resultou no livro Acontecimento: reverberaes.

    7 A TV Globo, na poca, tinha adotado uma poltica de neutralidade distante, e a cobertura televisiva da campanha estadual (havia tambm eleies presidenciais) foi muito pobre, resumindo-se ao acompanhamento da agenda dos candidatos principais.

    estratificao social da populao e distribudas pelas diferentes regies da cidade. Essas famlias foram acompanhadas ao longo dos quatro meses e passaram por seis entrevistas, a primeira antes do incio da propaganda eleitoral, a ltima aps os resultados do segundo turno.

    A pesquisa evidenciou com clareza e riqueza a circularidade do processo comunicativo que enunciamos em nossa concepo da comunicao. Apesar dos limites estabelecidos pela legislao que regulamentava a propaganda eleito-ral na poca,8 pudemos ver que cada candidato estabeleceu estratgias interativas especficas, e nossos entrevistados reagiram/dialogaram com os enquadramentos propostos pelos candidatos, s vezes aderindo, s vezes rejeitando. Nesse dilogo, interveio no apenas o estmulo da propaganda, mas tambm a experincia de vida das pessoas, o conhecimento prvio do candidato e a representao que tinham da poltica, assim como a interao dos candidatos entre si.

    Belo Horizonte, 100 anos depois: as novas condies da experincia

    No perodo seguinte (binio 1997-1999), desenvolvemos um novo projeto voltado para a anlise da comemorao do centenrio da cidade de Belo Hori-zonte. Uma comemorao no constitui um objeto usual de pesquisa em comu-nicao; em nossa abordagem, buscamos apreender a interlocuo construda em torno da dinmica do aniversrio, entendendo que esse processo daria ensejo ao surgimento (e fortalecimento) de alguns lugares de fala; que ele propiciaria uma efervescncia de imagens e representaes em torno de Belo Horizonte; que cons-tituiria ainda um momento de experincia com e na cidade.

    Os pesquisadores participantes (professores e respectivos orientandos) se dividiram em equipes, trabalhando com as vrias instncias envolvidas na come-morao: o poder pblico (Prefeitura de Belo Horizonte), a mdia e os cidados belo-horizontinos. Com relao ao poder pblico, nosso corpus incluiu as vrias falas oficiais do prefeito e de representantes do poder municipal, entrevistas com responsveis, observao dos vrios eventos que compuseram a comemorao ao longo do ano, culminando com a festa de aniversrio, no dia 12 de dezembro de 1997. A cobertura de mdia foi feita selecionando alguns veculos (jornais, rdios e emissoras de tev), acompanhando a cobertura dos eventos selecionados e ain-da matrias pautando diretamente a temtica do centenrio (resgate histrico, memria da cidade). Para colher a fala dos moradores da cidade (o que chama-mos processo de escuta), dois procedimentos foram adotados: entrevistas rpidas com participantes dos eventos observados e entrevistas aprofundadas com uma amostra selecionada de moradores de vrios bairros e diferentes estratos sociais.

    Nossa indagao se dirigiu fora dos discursos (diferentes formas comemo-rativas, representaes disponibilizadas, falas das autoridades) para congregar e atualizar sentidos e ativar o sentimento de pertencimento cidade. Permanecia, portanto, como no projeto anterior, a nfase nas imagens e representaes, bem

    8 A legislao do horrio eleitoral gratuito na televiso restringia a propaganda a gravaes em estdio, resultando em um quase monlogo do candidato, enquadrado em plano americano.

  • 18 ppgcom ufmg trajetria, conceitos e pesquisa em comunicao trajetria, conceitos e pesquisa em comunicao ppgcom ufmg 19

    como sua insero na dinmica das relaes e do posicionamento dos inter-locutores.

    Os resultados da pesquisa foram curiosos: estvamos apostando numa efer-vescncia de imagens e fortalecimento da identidade da cidade, isso no aconte-ceu. A estratgia adotada pelo poder pblico (o calendrio de eventos) se mostrou frgil, e a comemorao foi bastante esvaziada. No obstante, pudemos registrar formas diferentes de relao e valorizao da cidade por parte dos moradores, e captar o projeto poltico que a prefeitura buscou implementar por meio dos eventos.

    Imagens do Brasil: modos de ver, modos de conviver

    Na sequncia do estudo da comemorao dos 100 anos de Belo Horizonte fomos pautados pela ampla comemorao nacional dos 500 anos do descobrimento do Brasil pelos portugueses. Esta ltima instituiu um momento especial, de proli- ferao de imagens e retomada dos mitos de fundao, em que eventos e produes de vrias naturezas surgiram por todos os lados, dizendo, cada um a seu modo, das origens e do que nos constitui. O novo projeto do GRIS (desenvolvido no binio 1999-2001), tambm sua maneira, partilhou dessas inquietaes e buscou refle-tir sobre essa questo ampla, polmica, instigante, que a identidade brasileira. O conceito de identidade foi tomado por ns no como essncia fundadora e definitiva de um povo, mas como trao agregador, imagem de si e do outro que permite o autorreconhecimento e a constituio do sentimento de comunidade; processo mvel que se constri por meio de prticas discursivas e implica/reper-cute no posicionamento dos sujeitos.

    Nosso trabalho de pesquisa no foi em busca de uma identidade brasileira, mas das muitas falas e imagens que a constroem cotidianamente, ncleos ins-tveis de identificao e aglutinao. No empreendemos, nessa direo, uma busca exaustiva, mas fizemos um trabalho de identificao e anlise de situaes e objetos diversificados. Diferentemente do projeto anterior (seja pelo crescimento e especialidade dos grupos internos do GRIS, seja pela prpria natureza do objeto de estudo), neste, diversos estudos foram desenvolvidos de forma relativamente autnoma, tendo como eixo agregador o conceito de identidade, privilegiando a no o que idntico, mas o que permite e estimula relaes. De novo, imagens e sociabilidade: modos de ver, modos de conviver.

    Os objetos recortados em nosso estudo foram: a iconografia dos livros didti-cos de histria do Brasil no que concerne s imagens dos povos fundadores; um conglomerado de vilas de Belo Horizonte, em sua relao com a cidade, falado por seus habitantes e por um meio de comunicao prprio, a Rdio Favela; filmes brasileiros dos anos 1990, desenvolvidos em torno da temtica do serto (e este como um ncleo duro de nossa identidade); os eventos oficiais e a cobertura jornalstica que marcaram o 22 de abril de 2000. Trabalhando com diferentes em-pirias, nosso problema articulou discursos, contextos e posies do sujeito, bus-cando analisar a imbricao entre prticas comunicativas e realidade scio-histri-

    ca. No chegamos propriamente a resultados, mas a uma galeria de imagens, um conjunto de cenas que espelharam o ser brasileiro naquele momento, de comem-orao dos 500 anos da chegada de Cabral s terras brasileiras.9

    A trilogia de narrativas do cotidiano

    O quarto projeto do grupo quebrou, de certa maneira, a sequncia que v-nhamos seguindo, em torno das representaes, e introduziu um novo eixo, alin-havado pelos conceitos de narrativa, cotidiano, sujeitos da comunicao, sujeitos ordinrios. Proposto para o binio 2001-2003 e intitulado Narrativas do cotidiano: na mdia, na rua, ele se desdobrou em dois outros, nos trinios seguintes.10

    Com o Narrativas I, como o nomeamos agora, fizemos um investimento mais terico-conceitual, buscando uma reviso dos novos conceitos que foram introduzidos em nosso repertrio e uma apropriao deles no contexto da pers- pectiva com a qual j trabalhvamos. Naquele momento, a preocupao do grupo foi buscar as articulaes entre mdia e vida cotidiana, com vistas a identificar a dinmica de reflexividade que se instaura entre diferentes instncias da realidade. Interessava-nos pensar as construes miditicas (programas, acontecimentos, figuras emblemticas) como prolongamento das conversaes e preocupaes que atravessam o dia a dia das pessoas comuns; da mesma maneira, buscamos tambm captar o discurso miditico reverberando, alimentando e se transformando no seio das mltiplas interaes da rua, do espao aberto das trocas cotidianas.

    Os diferentes grupos internos do GRIS se ocuparam de recortes e investimen-tos j mais especializados e autnomos: as interlocues no espao telemtico; o dilogo do fotojornalismo com a cidade e a forma de retratar o outro social; o modo operatrio da tev que lhe permite inserir na intimidade domstica, na pau-ta das conversaes, no tecido da vida social, bem como a dinmica dos usos da televiso no dia a dia das pessoas.

    O projeto seguinte, no trinio 2003-2006, foi chamado Narrativas do II: consonncias e dissonncias no mbito da comunicao. Nessa segunda fase, fomos buscar no seio da produo miditica a presena da diversidade discursiva, con-figurando atritos, reajustes e a convivncia entre diferentes sujeitos, discursos e lugares de fala. Em meios diversos, como a televiso, o jornal, a internet, pudemos evidenciar que a mdia, longe de ostentar um quadro homogneo, um terreno estriado, marcado por rudos, contradies, dissonncias.

    O terceiro projeto desta linha, Narrativas do cotidiano III: a interface televisiva e os sujeitos ordinrios (trinio 2007-2010), embora traduzindo a trajetria comum e projetando perspectivas partilhadas, j no se caracterizou como projeto inte-grado. Ele constituiu a passagem para preocupaes agora ligadas temtica da experincia, agenciamento, construo dos acontecimentos, figuras pblicas.

    Nosso trajeto veio consolidando uma perspectiva, uma abordagem da comuni-cao que enfatiza sua dimenso relacional, sua insero no domnio da experin-

    9 Os resultados desta pesquisa foram publicados em um livro, Imagens do Brasil: modos de ver, modos de conviver.10 A durao dos projetos acompanhava a durao das bolsas do CNPq, que a partir de 2005 passam a ser de trs anos.

  • 20 ppgcom ufmg trajetria, conceitos e pesquisa em comunicao

    cia e do cotidiano, bem como os atravessamentos de sentido provocados pelas inseres vivas e dinmicas de sujeitos reais. Mdia e vida social so marcadas por um movimento de reflexividade.

    A consolidao dessa perspectiva nos permite buscar, no mbito das prticas miditicas, uma leitura do quadro normativo e axiolgico de nossa sociedade. A mdia constitui um lugar atravessado pelas instituies sociais; ela atua na consolidao, debate e mudana de valores. Assim, anlises de acontecimentos miditicos e da construo de figuras pblicas nos do a ver, mais do que eventos conjunturais ou trajetrias individuais, a dinmica de fortalecimento/enfraqueci-mento de normas e valores e a solidez ou fragilidade de algumas instituies bsi-cas da sociedade.

    Ao longo desses anos e dentro da perspectiva que marca o lugar do GRIS, podemos dizer que nosso percurso perseguiu um mesmo fio de interesse: con-gregar mdia e sociedade, relaes e representaes, imagem e sociabilidade. Nossa dinmica de trabalho, que se organiza em torno da construo de uma temti-ca comum e seu desdobramento especfico nos projetos de cada pesquisador, permitiu o aprofundamento de um ncleo conceitual de referncia e a formatao de um perfil para o nosso grupo. Por meio dos vrios projetos, vimos consolidar-se uma abordagem da comunicao, e avanos tericos e metodolgicos foram alcanados. Respondidas as indagaes sobre a circularidade e reflexividade que se processam entre mdia e vida social, sobre o papel dos sujeitos e a diversidade no seio da mdia, uma etapa foi vencida. Nesta etapa seguinte, e por meio dos projetos agora desenvolvidos no mbito de cada grupo, temos procurado investigar a m-dia enquanto sintoma da sociedade lugar atravessado pelas instituies sociais, pelo seu sistema normativo (pelo enfraquecimento/fortalecimento das normas), pelo debate dos valores. Por meio das prticas comunicativas e hoje, com grande nfase, das prticas miditicas a vida social se constri e se d a ver.

    2. GRISpopInteraes Miditicas e Prticas Culturais Contemporneas1

    Vera Veiga FranaPaula Guimares SimesLgia Lana

    O GRISpop um dos grupos fundadores do GRIS e tem como eixo condutor o estudo das relaes entre mdia e sociedade, tendo em vista o conceito de interao comunicativa. Esta entendida como uma ao reciprocamente referenciada de sujeitos que se engajam (e se afetam) mutuamente em um processo de produo e compartilhamento de sentidos em certo contexto. Dessa forma, enfatiza-se uma perspectiva interacional da comunicao em oposio viso linear e transmissiva do paradigma clssico, que orientou muitas pesquisas no campo da comunicao. Alm disso, destaca-se o papel da comunicao na prpria constituio da vida social: por meio das inmeras interaes travadas entre os sujeitos que uma so-ciedade se constitui, se afirma e tambm se transforma.

    Nesse sentido, ao olhar para as interaes entre mdia e sociedade, no toma-mos estas duas como entidades autnomas e separadas. So sujeitos (em interao) que constroem os produtos miditicos, ou seja, a prpria sociedade que constitui a mdia. Tais produtos, por sua vez, so apropriados e ressignificados pelos sujeitos no contexto social, e esses sentidos participam da configurao desse contexto.

    Alm de ser constituidora da sociedade, a comunicao vista como edifica-dora da cultura outro conceito ordenador das pesquisas do GRISpop. Na pers- pectiva traada por R. Williams e pelos estudos culturais, cultura entendida em sua dimenso prtica e simblica ela se refere a um conjunto de prticas e de representaes (normas, valores, crenas e costumes) que atravessam as demais prticas sociais, tensionando-as e sendo por elas tensionadas; orientam e refletem a experincia dos sujeitos, e so marcadas pelos jogos de poder e as contradies da sociedade. Est em permanente processo de construo pelos indivduos, sendo, portanto, atualizada por meio das diferentes aes e interaes que estes realizam no mundo.

    Compartilhamos de uma viso ampliada de cultura, que inclui no apenas os grandes clssicos da literatura e da arte, mas toda produo de sentido realizada pelos sujeitos na vida cotidiana. Nessa perspectiva, a mdia entendida como uma das instituies centrais na constituio da cultura contempornea e, portanto, um lugar privilegiado de anlise para a compreenso da mesma.

    Nesse universo cultural, nossas pesquisas se interessam, sobretudo, pela afir-mao, atualizao e/ou transformao de normas e valores, os quais permitem que sujeitos avaliem as situaes vividas e ajam em cada uma delas. Em linhas gerais, normas tendem a trazer julgamentos em torno do que certo e o que er-rado e, nesse sentido, tm um carter mais universalizante. Os valores, por sua

    1 Agradecemos ao CNPq, FAPEMIG e PRPq/UFMG o auxlio concedido ao desenvolvimento de nossos projetos.

  • 22 ppgcom ufmg trajetria, conceitos e pesquisa em comunicao trajetria, conceitos e pesquisa em comunicao ppgcom ufmg 23

    vez, dizem respeito a concepes de bem, ou seja, quilo que considerado bom ou desejvel para um sujeito ou grupo em determinada situao, sendo mais flexveis que as normas. Ao olhar para diferentes interaes que se processam entre a mdia e a sociedade, nossas pesquisas atentam para o modo como valores e normas so evidenciados, afirmados e contestados, buscando elucidar traos conformadores do contexto social e cultural contemporneo.

    Debruando-nos sobre o ambiente cultural hodierno, privilegiamos a anlise da produo miditica popular. O popular por ns entendido, em primeiro lugar, a partir de sua identificao com o pblico: popular aquilo que tem ampla difuso e aceitao, aquilo de que um pblico ampliado gosta e consome. Mas essa perspectiva de popular sobretudo entendida em sua vinculao com as prticas e a experincias dos grupos subalternos da sociedade, com as relaes de classe e as formas de luta, resistncia e dominao vividas e atualizadas pelas chamadas classes populares ou de baixa renda. Em decorrncia, nosso enfoque do popular atenta para as misturas, as hibridaes e as contradies que o constituem. A cul-tura popular , assim, vista como esse terreno de embates, de ambiguidades que se revelam nesses processos de hibridao configuradores do popular miditico contemporneo.

    Nosso foco, no entanto, no incide apenas na mdia e em seus produtos, mas volta-se sobretudo para a interlocuo que estes estabelecem com a audincia. Entendemos que um produto miditico como uma telenovela ou um telejornal convoca e constitui pblicos que se posicionam em relao a diferentes situa-es, aes e personagens, revelando no apenas traos desses sujeitos annimos individualmente, mas da sociedade em que se inscrevem de forma mais ampla. Os sujeitos annimos ou os indivduos ordinrios sempre fizeram parte de nossas reflexes dos moradores de favelas aos consumidores de telenovela, passando pela audincia de telejornais policiais e pelos leitores de jornais populares.

    Mais recentemente, nosso olhar foi captado pela presena marcante das celebridades na contemporaneidade. Certamente, isso no um fenmeno recen-te; o novo, que instiga nossa reflexo, o perfil e as caractersticas dessas perso-nalidades; os valores que ostentam e as formas de convocao; o modo como se projetam na cena social atualmente, a partir da utilizao de diferentes dispositivos miditicos em busca de visibilidade e reconhecimento. Reconhecimento esse se constri na interao entre celebridades e sujeitos ordinrios annimos os quais permanecem, assim, em nossa agenda de pesquisa.

    Outro conceito que vem orientando nossas pesquisas mais recentemente o de acontecimento. Este entendido como uma ocorrncia que emerge em um contex-to e afeta a vida dos sujeitos annimos e clebres. Ele instaura uma descontinui-dade na experincia desses sujeitos e por meio dessa ruptura que procuramos captar possveis mudanas no quadro de valores, por exemplo. A noo de acon-tecimento tem se revelado muito profcua para apreender a relao entre mdia e sociedade grande eixo estruturador de nossas reflexes, conforme destacado acima.

    Nossos projetos, nossa histria

    Como indicado nos captulos anteriores, nos primeiros dez anos de existncia do GRIS, de 1994 a 2004, foram desenvolvidos cinco projetos integrados, envol-vendo recortes e enfoques especficos, conforme o interesse e capacitao das equi-pes envolvidas. Naquele momento o grupo era unificado, mas as escolhas temti-cas e as especialidades comearam a ser construdas.

    O primeiro projeto (Candidatos e eleitores: as imagens na comunicao, desen-volvido entre 1994 e 1997), pesquisou a construo da imagem pblica dos can-didatos ao governo do estado de Minas Gerais nas eleies de 1994, por meio da anlise dos materiais de campanha e da entrevista com eleitores. Dentre outros aspectos destacados pela pesquisa, nosso interesse voltou-se particularmente para a dinmica interacional entre essas instncias discursivas e os eleitores, sugerindo que as representaes dos candidatos eram constitudas a partir da circularidade entre mdia e pessoas comuns.

    No segundo projeto (Belo Horizonte 100 anos depois: as novas condies da experincia, desenvolvido de 1997 a 1999), chamou nossa ateno a distncia per-cebida entre os discursos oficiais do poder pblico (prefeitura) sobre a cidade e as falas e o sentimento de pertencimento cidade enunciados pelos belorizontinos. Em seguida, entre 1999 e 2001, no projeto Imagens do Brasil: modos de ver, modos de conviver, voltado para a anlise de um novo evento cerimonial, a comemora-o dos 500 anos do Brasil, nosso recorte de pesquisa ocupou-se especificamente dos discursos das classes mais baixas moradores de favela do Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte, alm de programas veiculados pela Rdio Favela; nosso interesse foi a noo de identidade brasileira que aflorou no seio das celebraes, fortemente articulada com a noo (e sentimento) de alteridade.

    O quarto projeto (Narrativas do cotidiano: na mdia, na rua, de 2001 a 2003) teve como objetivo perceber como os valores presentes na sociedade ganhavam forma nas cenas cotidianas. Nosso recorte voltou-se para as interlocues entre as conversas do dia a dia e a conversao miditica especialmente na televiso. O ltimo projeto integrado de pesquisa do GRIS, Narrativas do cotidiano II: consonncias e dissonncias no mbito da comunicao, foi desenvolvido entre 2003 e 2007. Esse projeto marcou uma fase importante para o GRIS, etapa de amadurecimento, consolidao e efervescncia de nosso trabalho. Os subgrupos, que se organizavam em torno de problemas e objetos especficos, ganharam nomes prprios, todos derivados da sigla GRIS: GRISpop, GRISpress e Ponto GRIS. A partir desse momento, os projetos dos pesquisadores, embora mantendo um ponto de ligao e dilogo, passaram a ser individuais.2

    No sabemos dizer exatamente a data em que nosso nome surgiu, nem mesmo quem foi o seu autor; no entanto, podemos afirmar seguramente que nosso marco

    2 Foram desenvolvidos desde ento os seguintes projetos: Narrativas do cotidiano III: a interface televisiva e os sujeitos ordinrios (trinio 2007-2010); Prticas comunicativas, valores, instituies. (2010-2014); Valores em movimento no cenrio miditico-social: leitura dos acontecimentos e da interveno pblica dos sujeitos (em curso), sob a responsabilidade da profa. Vera V. Frana, e o projeto Da morte biografia: acontecimentos, celebridades e vida social (em curso), sob a responsabilidade da profa. Paula G. Simes.

  • 24 ppgcom ufmg trajetria, conceitos e pesquisa em comunicao trajetria, conceitos e pesquisa em comunicao ppgcom ufmg 25

    inicial situa-se em 2005, ano em que organizamos a publicao dos resultados da pesquisa sobre os programas populares da televiso brasileira na coletnea Narrati-vas televisivas.3 A referncia ao pop no nome do grupo , pois, uma clara refern-cia aos programas populares, mas nossa proposta nunca foi, como mostramos em nossa trajetria at aqui, restringir nosso objeto de estudo televiso.

    Desde o incio, nossas pesquisas se propem a destacar e investigar aqueles aspectos que espelham e tocam a vida e o cotidiano das classes populares, a con-vocao e a atrao efetuadas por certos produtos, a relao com valores e com uma prtica que simples, prosaica. Na pesquisa a respeito do centenrio de Belo Horizonte, o GRISpop mostrou, por exemplo, por meio da observao participante nos eventos da prefeitura e de entrevistas aprofundadas com moradores da cidade, que a programao e o calendrio das festividades se mostraram fracos, porque o sentido de comemorao no foi incorporado no cotidiano dos moradores. A pesquisa revelou as formas diferentes de relao e valorizao da cidade, captando o projeto poltico que a prefeitura buscou implementar por meio dos eventos.

    Nosso trabalho enfatiza a maneira como pblicos diferenciados leem e se posi-cionam no dilogo com a mdia. Ao analisar as imagens dos candidatos nas eleies para governador em 1994, no primeiro projeto, nossas concluses sugeriram que as candidaturas de Hlio Costa, Eduardo Azeredo, Jos Alencar e Carlo no se constituram somente por meio das propagandas eleitorais ou da mera manipu-lao ideolgica da mdia; a pesquisa revelou as tenses e os acordos elaborados entre essa srie de discursos e a percepo do eleitor, que ora aderia ao discurso oficial, ora o rejeitava, sendo definido pela experincia de vida, pelo conhecimento prvio do candidato e pela percepo que tinham da poltica, assim como pela interao dos candidatos entre si.

    Assim, a unidade analtica da diversidade de objetos que estudamos a bus-ca pelas dinmicas interativas, pelo dilogo com a vida social, e o interesse pelo comum, pelo cotidiano, por aquilo que tece a vida mida; essa a abordagem que vem sendo perseguida desde suas primeiras pesquisas pelo subgrupo que se con-figurou posteriormente como GRISpop. A trajetria do grande grupo GRIS indica que, sobretudo a partir do Narrativas II, em razo do amadurecimento de nosso trabalho coletivo e da fora aglutinadora que o nome prprio trouxe aos subproje-tos, o enfoque do GRISpop se desenvolveu e se tornou mais claro.

    No projeto Narrativas II, o GRIS tinha como objetivo refletir sobre os rudos, os embates de valores, as dissonncias, a presena do mltiplo e do contraditrio em produtos miditicos diversos, questionando o suposto carter monoltico e unssono da mdia. Em nosso recorte especfico, elegemos como objeto de estudo os programas populares televisivos, suas ambivalncias e contradies no contexto social contemporneo. A anlise emprica revelou que, a despeito dos enquadra-mentos propostos pelos apresentadores e pelas narrativas de emisses como Hora da Verdade e Programa do Ratinho, havia momentos tambm de dissonncias, em

    3 Publicada pela editora Autntica, em 2006, a coletnea fez parte da srie Narrativas do cotidiano: na mdia, na rua, que tambm trouxe os resultados das pesquisas dos subgrupos GRISpress (Narrativas fotogrficas) e do Ponto GRIS (Narrativas telemticas).

    que os entrevistados, geralmente oriundos de classes mais baixas, expressavam suas discordncias com as perspectivas impostas pelos programas. Em Domingo do Fausto, por exemplo, um caminhoneiro, que havia salvado algumas pessoas em um acidente ocorrido em 1982, foi enquadrado pelo programa como humilde heri trgico aquele que se sacrifica em benefcio dos outros sem esperar reco- nhecimento. No programa transmitido ao vivo, no entanto, sua atuao contrariou o enquadramento proposto, ao apresentar por iniciativa prpria, e para desgosto do apresentador suas aspiraes, sua histria e seu desejo, latente durante todo o perodo de anonimato, por ser reconhecido. Outros inmeros exemplos seme- lhantes foram explorados pelas quatro pesquisas apresentadas naquele momento.

    As dissonncias, observadas de maneira emprica na anlise dos programas, tambm trouxeram problemas tericos importantes. Nesse sentido, dois autores influenciaram bastante nosso trabalho: Mikhail Bakhtin e Stuart Hall nosso sufixo pop refere-se s suas inspiraes fundadoras e fundamentais. O GRISpop entende o popular no como uma cultura parte (ou, menos ainda, como o lugar da ausncia de cultura), mas como terreno de enfrentamento e de mistura, de pene trao do hegemnico e de construo de resistncias.

    Desde aquele perodo, a questo do popular tornou-se uma consolidada pers- pectiva terica, possibilitando respostas a diversas indagaes e permitindo a cons truo de estratgias metodolgicas distintas. Os programas Domingo Legal (SBT) e o Pnico na TV (Rede TV), por exemplo, foram examinados por meio de um estudo de recepo. As interpelaes da televiso popular e as apropria-es feitas pelas pessoas comuns indicaram a existncia de complexas redes de formao de sentidos, que atravessaram classes populares, gostos estticos e rituais com a televiso. Uma outra pesquisa se voltou ao estudo de um jornal tabloide de circulao local, o Super Notcias (que havia se tornado, em menos de um ano, o jornal de maior circulao em todo o pas). O trabalho investigou os motivos de in-teresse dos leitores belo-horizontinos, e as concluses apontaram que o sucesso de vendas estava relacionado a aspectos promocionais, mercadolgicos e ritualsticos, mas tambm a processos emocionais e sensveis, ligados ao cotidiano das pessoas comuns.

    Nossa dedicao ao aprofundamento do debate sobre a cultura popular fez com que o quadro terico dos estudos culturais ressaltasse e consolidasse, ainda, uma segunda perspectiva de estudo: a compreenso da identidade e da diferena. A problemtica, que havia sido trazida pela primeira vez no estudo de caso da Rdio Favela, foi, a partir daquele momento, dinamizada. Os estudos culturais demonstram que a identidade um processo recursivo, em permanente cons-truo, posicionando continuamente as pessoas no mundo que podem se afirmar como partes de um ns e se diferenciar dos outros. Os discursos constituem os artefatos de produo e de disputas pelas identidades. Nesse sentido, os processos comunicativos, que j vinham sendo analisados pelo GRISpop sob uma perspec-tiva interacional, circular e integrada, so instncias profcuas para a compreenso das identidades.

  • 26 ppgcom ufmg trajetria, conceitos e pesquisa em comunicao trajetria, conceitos e pesquisa em comunicao ppgcom ufmg 27

    Em busca da investigao do par identidade/diferena, muitos trabalhos do GRISpop se propuseram a analisar questes relacionadas identidade de gnero, categoria que, problematizada intensamente nas ltimas quatro dcadas, aperfeio-ou a compreenso terica e poltica das lutas pelas identidades. A vivncia da femi-nilidade por moradoras de uma vila muito pobre de Belo Horizonte foi analisada a partir das interlocues com a apresentadora Ana Maria Braga, do programa Mais Voc. Em um estudo de recepo, a pesquisa mostrou que a apresentadora no reiterava concepes masculinas hegemnicas, dando espao para anseios e expectativas de mulheres comuns. Outras duas pesquisas, que tiveram como ob-jeto de estudo a publicidade, examinaram, por outro lado, a cristalizao de iden-tidades dominantes. As campanhas publicitrias de cerveja, marcadas por temas como prazer, sexualidade e erotismo, revelaram-se como local de reproduo da sociedade patriarcal. A publicidade de homenagem para o dia das mes e o dia dos pais, analisada em anncios televisivos e impressos, conferiu s mulheres a respon-sabilidade pelo cuidado com os filhos e, aos homens, a distrao e o lazer.

    O lugar das mulheres na poltica foi investigado em duas pesquisas sobre a primeira presidenta do Brasil, Dilma Rousseff. A primeira tratou da construo de sua imagem como candidata presidencial; a segunda, das opinies de colunistas polticas sobre sua atuao. As concluses dos estudos demonstraram, em linhas gerais, a constante exigncia da performance de papis tradicionais de feminilidade em um ambiente historicamente masculino, reforando a j existente desigualdade entre homens e mulheres na poltica. Em uma pesquisa mais recente, represen-taes femininas hegemnicas foram investigadas no mbito da prpria mdia, a partir do ideal hiperssexualizado da pin-up.

    Representaes da masculinidade tambm perpassaram nossas pesquisas, a partir de uma anlise da telenovela Ti-ti-ti por meio de trs personagens: um gal clssico, um heri homossexual e um heterossexual afeminado. A pesquisa, desenvolvida mais recentemente, revelou a abertura para novas formas de repre- sentaes identitrias na mdia massiva que, apesar de tomar a masculinidade tradicional como referncia, pode tambm se afastar de sua normatizao.

    A questo de gnero tambm esteve presente em outros estudos sobre tele-novelas. Uma pesquisa sobre Laos de Famlia procurou apreender a constituio da famlia na sociedade contempornea, evidenciando, particularmente, o lugar ocupado pela mulher. Outra pesquisa enfocou representaes do amor em tele-novelas de diferentes horrios em um mesmo recorte temporal (Sabor da Paixo, O Beijo do Vampiro e Mulheres Apaixonadas). Nesse estudo, que elucidou trans-formaes na experincia amorosa na contemporaneidade, foram percebidas mudanas tambm nos papis sociais atribudos a homens e mulheres nesse con-texto.

    Conflitos relacionados s identidades de classe tambm constituram pro-blemas de nossas pesquisas. Uma das investigaes refletiu sobre representaes das juventudes de classe mdia no cinema brasileiro recente. A telenovela Avenida Brasil foi analisada tendo em vista as representaes da classe C construdas em sua narrativa. O estudo mostrou como as desigualdades sociais, bem como as mu-

    danas ocorridas na sociedade brasileira nos ltimos anos, so evidenciadas em um produto ficcional como uma telenovela. A questo das desigualdades sociais tambm emergiu em um estudo sobre Porto dos Milagres. A anlise procurou apre-ender temticas presentes no discurso telenovelstico e sua insero no processo de constituio da identidade nacional. No programa Minha Periferia, as formas de representao social dos moradores das periferias do Brasil foram investigadas a partir do conceito de legitimidade cultural. A pesquisa revelou a existncia de instabilidades das autoridades tradicionais e demandas por reformulaes do lugar social de determinados grupos.

    Devido mobilizao que provocam no pblico brasileiro, os reality shows, formatos que, desde o incio dos anos 2000, compem de maneira crescente a pro-gramao televisiva, foram objetos de estudo de inmeras pesquisas do GRISpop. J analisamos diferentes edies do Big Brother Brasil, procurando apreender as interaes que se estabelecem tanto internamente no programa (entre os prprios participantes, e entre estes e o apresentador, Pedro Bial) quanto entre o programa e seu pblico. O programa dolos foi objeto de anlise de uma pesquisa que bus-cou discutir a performance de seus participantes bem como os valores por eles encarnados.

    A apreenso dos valores que constroem a sociedade brasileira contempornea foi o objetivo da anlise de um reality show de dana (Se ela dana, eu dano) e outro de moda (Esquadro da Moda). O programa Troca de Famlia tambm foi investigado, no intuito de apreender valores, papis e comportamentos sociais que marcam a nossa sociedade e que podem ser percebidos no prprio discurso do reality show. O que se pode perceber nesses estudos a busca pela anlise das inte-raes estabelecidas a partir dos programas e o modo como estas revelam aspectos do contexto social mais amplo em que se inscrevem.

    Uma temtica marcante desse contexto, e tambm presente em nossas dis-cusses, a da violncia. Esta j foi abordada em anlises do extinto programa televisivo Linha Direta, do programa Brasil Urgente, do programa radiofnico Itatiaia Patrulha e do TUF Brasil (The Ultimate Fighter: Brasil). Procuramos per-ceber como a violncia aparece e tematizada em programas como esses e o que isso revela no mundo em que vivemos.

    Os telejornais tambm integram os recortes de pesquisa do grupo, com dife- rentes objetivos. O Jornal Nacional foi analisado a fim de compreender a emoo que constituidora de suas narrativas edificantes que procuram sensibilizar as audincias. Diferentes telejornais policiais (Aqui e Agora e Cidade Alerta) foram analisados a partir de seu formato, bem como das estratgias utilizadas por eles para conquistar o pblico. A srie de reportagens Nova frica, por sua vez, foi abordada na tentativa de compreender os modos como o jornalismo conversa com e sobre o outro. O programa jornalstico e humorstico CQC tambm foi objeto de reflexo do grupo: o foco foi em um de seus quadros o Proteste J e o enquadra-mento de poder que se efetiva a partir dele.

    Programas televisivos tambm foram estudados na tentativa de compreender a (oni)presena das celebridades na cena pblica contempornea. O programa TV

  • 28 ppgcom ufmg trajetria, conceitos e pesquisa em comunicao

    Fama foi investigado tendo em vista a relao entre pblico e privado na tema-tizao da vida das figuras pblicas. Na anlise de Pnico na TV, o objetivo foi apreender o modo como o programa se relaciona com diferentes celebridades construindo-as, afirmando-as e/ou desconstruindo-as. Tendo como temtica essa construo da fama no sculo XXI, outros estudos se voltaram para celebridades especficas, como a modelo Gisele Bndchen, a apresentadora de TV Luciana Gimenez, o ex-jogador de futebol Ronaldo Fenmeno, alm de personalidades que se constituem a partir da internet, como o blogueiro Izzy Nobre. Cada uma dessas pesquisas tem suas especificidades, mas podemos destacar um objetivo comum: refletir sobre as figuras pblicas como polo de identificao e reconhecimento dos sujeitos, a partir dos valores compartilhados socialmente que so projetados pela imagem pblica de tais figuras.

    Nos ltimos anos, o conceito de acontecimento vem orientando inmeras pes-quisas no GRISpop (assim como em outros grupos que integram o GRIS). Ele j foi utilizado para compreender uma ocorrncia poltica de grande repercusso, como o Mensalo (denunciado em 2005), alm de microacontecimentos a este as-sociados; um crime passional que teve ampla cobertura miditica (o assassinato da jovem Elo Pimentel, em 2008); as ocorrncias que constroem a trajetria de vida de uma celebridade; as manifestaes ocorridas no Brasil em junho de 2013. Com essas pesquisas, a noo de acontecimento vem se revelando uma ferramenta heurstica valiosa na apreenso dos valores e traos de uma sociedade objetivo marcante nas investigaes realizadas em toda a trajetria do grupo.

    Esse panorama, traado de forma muito breve aqui, no pretendeu esgotar as pesquisas desenvolvidas pelo grupo (no caberia aqui estender a apresentao dos objetivos e resultados de cada uma delas). Procuramos demonstrar a varie-dade de objetos e temticas que povoam nossas reflexes, que se situam no ter- reno terico mais amplo apresentado na primeira parte do texto. Como destacado anteriormente, compartilhamos do interesse pela anlise de diferentes interaes comunicativas e do modo como estas configuram a vida social contempornea e seu quadro de valores, manifestando uma particular aproximao das temticas relacionadas com os pblicos de baixa renda e o cenrio das desigualdades sociais em nosso pas. Esta a forma de expressar a insero de nosso trabalho no terreno de uma cincia comprometida com a justia social e com o avano da sociedade brasileira.

    3. GRISpressCulturas do Impresso

    Elton AntunesPaulo Bernardo Ferreira Vaz

    Se os vrios ncleos de pesquisa ganharam forma e nome quando o GRIS j estava consolidado, vale lembrar que o GRISpress j germinava desde a formao do grupo, em 1994, desde o primeiro projeto integrado proposto e realizado por vrios pesquisadores. Ou at mesmo antes da formao daquele conglomerado GRIS. O primeiro projeto de pesquisa, realizado individualmente por Paulo Ber-nardo Ferreira Vaz, teve como objeto a imprensa em Minas Gerais no sculo XIX. Em jornais do perodo 1828-1900 conservados em acervos de So Joo del Rey, Sabar e Ouro Preto, investigou-se a face que tinha a imprensa mineira em seu nascimento e sua evoluo oitocentista.

    Ato contnuo concluso desta pesquisa individual, foi construdo o projeto sobre a primeira fase da imprensa em Belo Horizonte, 1895-1926, proposto dos professores Maria Cres P. S. Castro e Paulo Bernardo Ferreira Vaz, realizado no binio 1995-1997, que integrou uma grande equipe de bolsistas de iniciao cient-fica. Ao final desta pesquisa, haviam sido publicados dois livros sobre a primeira fase da imprensa em Belo Horizonte.1

    A primeira obra, Folhas do tempo, inscreveu-se no movimento de reflexo acerca dos 100 anos da imprensa em Belo Horizonte, analisando a evoluo dos jornais da capital. Contou com decisiva pesquisa documental na Coleo Linhares da Biblioteca da Universidade Federal de Minas Geais e no acervo do Arquivo Pblico Mineiro e j destacava a uma inteno de pensar a imprensa articulando de forma orgnica sua forma grfica e editorial a elementos da vida social e coti- diana.

    J o segundo trabalho, Itinerrios da imprensa de Belo Horizonte, reuniu em catlogo acervo de 839 ttulos elaborado pelo colecionador Joaquim Linhares com publicaes que emergiram na cidade de sua fundao at 1954. De novo, a diver-sidade da imprensa e de impressos, sob o regime da informao jornalstica ou no, era visada buscando compreender como temticas, linguagens, formatos e a vida na cidade se misturavam para compor a imagem da capital.

    Essa arqueologia do impresso no GRIS mostra como as distintas teorizaes convergem para um campo analtico no qual a imprensa e o impresso so vistos na sua composio articuladora de diversas matrias significantes layout, tex-tos, fotografias, ttulos etc. que ultrapassa uma visada meramente lingustica do texto e busca alcan-lo como constitudo e constituindo a vida na e da cidade. Tal perspectiva apontava para alm da dicotomia forma e contedo. Os estudos em torno do jornalismo impresso, por exemplo, estiveram atentos maneira como a paginao ajudava a instituir a identidade do jornal operando uma articulao que

    1 CASTRO; VAZ, 1997; LINHARES, 1997.

  • 30 ppgcom ufmg trajetria, conceitos e pesquisa em comunicao trajetria, conceitos e pesquisa em comunicao ppgcom ufmg 31

    permitia a emergncia do jornal como um dispositivo caracterstico de mltiplos agenciamentos de sujeitos, prticas, linguagens, formas e significados.

    nesse sentido que a pgina nos aparece ento como uma unidade significa-tiva fundamental para compreenso dos dirios, o lugar onde se encontram e viabilizam relaes entre o leitor e o jornal: alm do acordo quanto aos contedos (o que, como e porque se fala de determinados acontecimentos), a pgina produz e antecipa sensibilidades estticas e o elemento que articula a atualizao dos rituais de leitura. Maurice Moulliaud, Jean Franois Ttu e Roger Chartier sero alguns dos autores seminais na sustentao dessa perspectiva do grupo.

    Tomar a pgina como unidade fundamental de significado implicou assumir teoricamente a ideia de que as diferentes matrias significantes no impresso fazem parte de um texto multimodal (tempos depois comeamos a falar em texto verbo-visual, na esteira de outro autor importante, Gonzalo Abril), aquele cujo sentido construdo a partir da articulao entre imagtico, verbal, layout, elementos gr- ficos etc.

    O projeto de pesquisa seguinte, realizado no binio 1997-1999, contava com a participao de todos os pesquisadores j envolvidos no GRIS egressos dos dife- rentes setores da Comunicao Social: Mdia Impressa, Relaes Pblicas, Teorias da Comunicao e at mesmo da Histria. Neste mbito, foi desenvolvido o pro-jeto Belo Horizonte 100 anos depois: as novas condies da experincia, no qual se realizou um grande estudo sobre as comemoraes do centenrio da capital mi-neira em trs instncias: poder pblico, mdia e cidados. Fez parte da empiria do material colhido para este projeto no apenas a imprensa belo-horizontina mas tambm folhetos e outras formas de comunicao visual empregadas na divulgao das comemoraes do centenrio, como um prenncio da formao do GRISpress.

    Note-se que os termos mdia impressa ou imprensa sempre estiveram pre-sentes em pesquisas individuais realizadas desde 1990 e, posteriormente, em pesquisas integradas, poca em que tais projetos se encaixavam na linha de pes-quisa Comunicao e Linguagens do Programa de Ps-Graduao em Comuni-cao Social, que nascia e crescia ao mesmo tempo que o GRIS.

    Nos primeiros projetos realizados a dinmica de trabalho se dava em torno de projetos unificados, coordenados por diferentes pesquisadores pertencentes s duas linhas de pesquisa da Ps-Graduao, Processos Comunicativos e Prticas Sociais, e Linguagens, que, posteriormente se fragmentou em outras linhas. A par-tir de 2001 as atividades de pesquisa do GRIS passaram a se organizar tendo como ponto de partida a construo de uma temtica comum com desdobramentos especficos em subprojetos coordenados por cada pesquisador.

    Como fruto e sntese desse percurso, o primeiro volume da coletnea Narra-tivas do Cotidiano, Na mdia, na rua,2 expe a perspectiva de trabalho do grupo integrado por meio da discusso de alguns conceitos nucleadores das reflexes ali empreendidas: narrativa, sujeitos da comunicao, mdia, cotidiano, experincia esttica, entre outros.

    2 GUIMARES, 2006.

    Os trabalhos desenvolvidos eram articulados em seminrios quinzenais com os objetivos de discutir e afinar as questes terico-metodolgicas fundantes dos problemas de cada pesquisa. Paralelamente a esses grandes seminrios, os par-ticipantes de cada subgrupo do GRIS se reuniam quinzenalmente para discutir seus prprios projetos, sendo estes caracterizados por recortes empricos e pro-cedimentos de anlise especficos. Alm das pesquisas dos professores, todos os orientandos de graduao (bolsistas de Iniciao Cientfica) e de ps-graduao desenvolviam projetos individuais, cujas temticas contemplavam problemas e amostras caros ao grupo como um todo.

    Naquilo que concernia s atividades especficas dos participantes do GRISpress, o terceiro volume da coletnea Narrativas do Cotidiano, Narrativas fotogrficas,3 indica e sintetiza o ncleo temtico do Grupo de Estudos sobre as Culturas do Im-presso. Alm disso, apresentava algumas anlises de narrativas visuais que foram desenvolvidas pelo grupo at a data de sua publicao.

    Os pesquisadores ligados ao GRISpress se dedicavam a investigar as mltiplas formas de mediao permitidas por e em vrios dispositivos impressos: jornais, revistas, livros e peas avulsas como letreiros em placas de sinalizao, entre ou-tros. Assim, como elemento congregador, todos esses estudos voltavam-se para a noo conceitual de dispositivo; a anlise da pgina como unidade significante; a articulao entre os discursos publicitrios e jornalsticos no dispositivo impresso; a figurao do leitor no universo da mdia impressa; e a evoluo e transformao do suporte impresso na ecologia miditica.

    Por meio dos vrios projetos desenvolvidos, vimos consolidar-se uma aborda-gem prpria da comunicao que nos permitiu alcanar avanos tericos e meto- dolgicos significativos. Abordagem e avanos que puderam ser demonstrados de maneira clara a partir dos relatos das atividades e anlises levadas a cabo nos vrios projetos concludos por cada um dos pesquisadores envolvidos, em qualquer um dos nveis acadmicos: graduao, mestrado, doutorado e ps-doutorado, todos em Comunicao Social.

    Tal prenncio teve prosseguimento no projeto realizado pelos pesquisadores do GRIS no binio seguinte: 1999-2001, quando todos se debruaram sobre as Imagens do Brasil: modos de ver, modos de conviver.4

    Neste projeto foram feitas reflexes sobre a questo da identidade brasileira por meio de busca empreendida nos dizeres e imagens produzidas e divulgadas pela mdia na poca da comemorao dos 500 anos de descobrimento do Brasil. Aqui, mais uma vez, os pesquisadores do ainda no formado GRISpress mergu- lharam as pginas de livros didticos da histria do Brasil distribudos pelo MEC para escolas de todo o pas, interessados em dela extrair a histria narrada por suas ilustraes, nas quais se retratavam personagens que passam por representantes do povo brasileiro.

    O GRISpress, assim como os seus demais congneres, acaba por tomar forma e nome a partir do desenho dos projetos seguintes, realizados respectivamente nos

    3 VAZ, 2006.4 FRANA, 2002.

  • 32 ppgcom ufmg trajetria, conceitos e pesquisa em comunicao trajetria, conceitos e pesquisa em comunicao ppgcom ufmg 33

    binios 2001-2003 e 2003-2005, intitulados Narrativas do Cotidiano: na mdia, na rua (fase 1) e Consonncias e dissonncias no mbito da Comunicao (fase 2).5 Dentre os pesquisadores da mdia impressa, Elton Antunes desenvolvia seu projeto de doutorado pesquisando sobre a temporalidade nos jornais, debruado sobre a mesma empiria na qual Paulo Bernardo Vaz e seus orientandos de graduao investigavam. Resultou sua tese Videntes e imprevidentes: temporalidade e modos de construo do sentido de atualidade em jornais impressos dirios, defendida na UFBA em 2007.

    A partir de 2005, o subgrupo de pesquisa estava definitivamente formado e consolidado sob a dupla coordenao de Elton Antunes e Paulo Bernardo Vaz, que dando continuidade s suas prprias investigaes, integravam seus orientan-dos de graduao e de ps-graduao nas pesquisas sob sua responsabilidade.

    Esse percurso indica que o grupo caminhou por diferentes problemticas na tentativa de pensar a relao texto impresso e experincia: a complexidade prag-mtica da circulao material e das condies de produo de um texto, o que sempre nos levou metodologicamente para a delicada questo da delimitao do incio e do fim de um texto, da sua unidade; a relao de interdependncia: o texto que sempre , ao mesmo tempo, uma disposio (sua caracterizao como um elemento grfico na pgina), uma composio (sua construo por meio de lin-guagens especficas) e uma justaposio (a combinatria dos diferentes elementos e o estabelecimento de relaes entre eles); os textos impressos e suas redes de relacionamentos; os textos e os mundos moldados no qual o leitor convidado a se apresentar.

    Ou seja, o GRISpress, mais do que suportes, sempre buscou lidar com aspec-tos que envolvem uma cultura que alimenta e alimentada por um complexo de prticas miditicas e organiza instituies cruciais da sociedade contempornea. A cultura do impresso vem assim sendo analisada como vetor de um conjunto de normas, valores e regras que historicamente desenharam instituies como, por exemplo, o jornalismo.

    No ltimo perodo do grupo, com outras dinmicas, possvel indicar a salin-cia de uma outra dimenso crucial do GRISpress, a historicidade como elemento essencial para a compreenso dos nossos objetos. A entrada no grupo do professor Bruno Guimares Martins, autor da tese Corpo sem cabea: Paula Brito e a Petalo- gica, defendida na Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro PUC-Rio, e a participao do professor da Universidade do Rio de Janeiro, Mrcio Souza Gonalves, especialista na articulao comunicao, subjetividade, livros e cultura impressa, durante o seu estgio ps-doutoral em 2012/2013, colocaram em novo patamar tais preocupaes terico-metodolgicas.

    Nesse trabalho de reflexo, desconstituem-se compreenses que muitas vezes so tomadas como verdades tericas, como a do impresso como lugar do estvel, do estabilizado e do normativo, a de uma histria linear e sem descontinuidades daquilo que muitas vezes se compreende apenas enquanto dispositivo tcnico.

    5 GUIMARES, 2006.

    A questo da histria das prticas comunicativas em torno do impresso ganha rele-vo definitivo no grupo. Emergem novos e profcuos entendimentos da pgina como lugar de inscrio e articulao de textos e imagens instituem visibilidades, legi- bilidades e inteligibilidades; das figuras diversas de leitor em seus confrontos com elementos tipogrficos, iconogrficos e grficos na pgina que em sua ex/posio e sua dis/posio material, admitem dis/cursos de leitura variados e variveis que qualificam a pgina como unidade significativa da cultura do impresso; da compreenso das materialidades como aliceradas em experincias, instituies, prticas, processos tcnicos e condies scio-histricas peculiares e em comple- xas relaes no quadro dos diferentes suportes miditicos.

    Referncias

    CASTRO, M. C. P. S.; VAZ, P. B. F. (Orgs.). Folhas do tempo. Belo Horizonte: UFMG, 1997.FRANA, V. R. V. et. al. (Org.). Imagens do Brasil. Belo Horizonte: Autntica, 2002.GUIMARES, C.; FRANA, V. R. V. (Orgs.). Na mdia, na rua: narrativas do cotidiano. Belo Horizonte: Autntica,

    2006.LINHARES, J. Itinerrio da Imprensa em Belo Horizonte: 1895-1954. Belo Horizonte: Editora UFMG; Fundao Joo

    Pinheiro, 1997.VAZ, P. B. F. (Org.). Narrativas fotogrficas. Belo Horizonte: Autntica, 2006.

  • trajetria, conceitos e pesquisa em comunicao ppgcom ufmg 35

    4. GRISorgInteraes em Prticas e Processos Organizacionais

    Mrcio Simeone Henriquesngela Cristina Salgueiro Marques

    A histria do Grupo de Pesquisa sobre Interaes e Prticas em Processos Organizacionais (GRISorg) tem incio em um momento de expanso do corpo docente do Departamento de Comunicao Social da UFMG e de reformulao do currculo da graduao. As reflexes produzidas nesse contexto, sobretudo entre os anos de 2010 e 2011, buscavam, entre outros objetivos, atender ne-cessidade de constituir um quadro docente capaz de investir no ensino e for-mao de alunos do curso de Relaes Pblicas. No mbito da reorganizao departamental, a insero de novos docentes no domnio de Comunicao Es-tratgica (sobretudo das professoras Luciana de Oliveira e Valria Raimundo) levou necessidade de fazer uma composio coletiva em termos de estudos e pesquisas. Nesse mesmo perodo, a insero do professor Mrcio Simeone no corpo de docentes que integram ps-graduao em Comunicao Social da UFMG e a expectativa de futura insero das duas docentes no PPGCOM fez com que essa composio se materializasse na proposta de um grupo de estu-dos. Mrcio, Luciana e Valria participavam, naquele momento, das atividades e encontros promovidos pelo GRIS que, devido ampliao do quadro docente do Departamento de Comunicao Social (DCS), passou organizar-se em n-cleos (os subgrupos). Assim, esses trs professores propuseram a formao de um grupo de pesquisa que se configurasse como um desses ncleos vinculados ao GRIS e que tratasse de questes ligadas Comunicao Organizacional e s Relaes Pblicas.1 Isso se mostrou uma deciso acertada, visto que foi possvel gerar uma integrao interessante e buscar aprofundar os pontos conceituais e metodolgicos comuns. A este grupo vieram juntar-se, em 2011, as professoras ngela Marques e Fbia Lima.

    A proposta ao GRIS para constituio desse ncleo fez-se na forma de redao de uma ementa que traduzisse nossas preocupaes de estudos e pesquisas e escolheu-se o nome Grupo de Estudos sobre Interaes em Prticas e Processos Organizacionais. Um exame dessa ementa revela, de um lado, alguns traos comuns que compartilhamos entre ns e com o GRIS e, de outro, algumas preo-cupaes especficas decorrentes de nosso investimento em pesquisas e projetos relacionados Comunicao Organizacional. Com relao s interfaces existentes com o GRIS, podemos destacar a abordagem relacional conferida a nossos de-senhos terico-metodolgicos de pesquisa, a inspirao nas teorias da ao (e do pragmatismo) em suas diversas vertentes analticas, uma preocupao com o tra-

    1 Quando refletimos acerca de como as Relaes Pblicas se inserem no mbito da pesquisa da Comunicao Organizacional, temos que considerar que muitas vezes sua abordagem tangencial se deu principalmente por ser esta uma rea muito aplicada, formando-se a por muito tempo uma dicotomia entre vises prescritivas e crticas, o que prejudicou sobremaneira sua teorizao.

    tamento discursivo das relaes de poder, das disputas de sentido e dos conflitos polticos travados em mbitos institucionais e cotidianos.

    Outra interface importante de nossas reflexes com o GRIS se estabelece por meio da noo de pblicos como uma modalidade de experincia, desenvol-vida por Louis Qur.2 Associada a essa noo, podemos tambm citar a contri-buio de Joo Pissarra Esteves,3 que prope uma ideia de pblicos como forma de sociabilidade. Partindo de um ponto de vista diferente daquele proposto por Qur, Esteves argumenta que os pblicos, organizados em redes de comunicao, retiram sua fora da comunicao para serem capazes de intervir de forma eficaz e racional nos debates travados na esfera pblica. Para ele, no interior dos pblicos, a comunicao e o discurso assumem funes polticas emancipatrias. Em am-bas perspectivas h um evidente lao com as questes da mobilizao social (que entendemos como um processo de formao e movimentao de pblicos) e prti-cas organizacionais discursivas. Percebemos, nessa perspectiva, o fortalecimento e aprofundamento das discusses epistemolgicas desse mbito de pesquisa, que tambm pode ser compreendido como um campo de produo de saber, apreen-dido por meio de uma prtica discursiva que rene objetos, tipos de formulao, conceitos e escolhas tericas, em constante relao de foras e, portanto, de poder.4

    Sobre as preocupaes especficas que norteiam nossas pesquisas e estudos em Comunicao Organizacional, salientamos que nossos objetos de anlise com muita frequncia no so as organizaes em si mesmas, mas a configurao de vnculos (interacionais e reflexivos) e processos comunicativos que se inserem nas dinmicas entre organizaes e pblicos, no interior de organizaes e em modos de fazer organizacionais. Nesse sentido, as organizaes configuram-se mais como um lcus de observao dessas relaes e como um ator importante no processo social. Mais ainda, afirmamos que as noes de pblico e espao pblico so cen-trais para o entendimento dos vnculos e dinmicas comunicacionais que deseja-mos compreender. Acreditamos que a proeminncia dessas noes aponta para uma contribuio histrica das Relaes Pblicas para pensar a Comunicao: o vis poltico (na relao entre privado e pblico), a formao e movimentao de pblicos (no contexto da sociedade de massas), a formao de opinio pblica, a propaganda, a visibilidade, a controvrsia pblica.

    O grupo se dedica ainda a desenvolver reflexes ligadas formao dos pblicos a partir dos vnculos de sociabilidade, a qualidade e a dinmica desses vnculos e as tenses e relaes de poder que constituem tais vnculos no interior de dispositivos hierarquizados. Ou seja, buscamos responder como se formam e se movimentam os pblicos na sociedade na sua relao com as organizaes e as condies dessa relao em termos de prticas de poder. Isso significa voltar nossa ateno para os fluxos discursivos na formao de questes e controvrsias pblicas e que a todo o tempo interferem na tenso dinmica entre as fronteiras do privado e do pblico. Reconhecemos que isso pode ser visto, dentre outras coisas,

    2 QUR, 2003.3 ESTEVES, 2004.4 FOUCAULT, 2012.

  • 36 ppgcom ufmg trajetria, conceitos e pesquisa em comunicao trajetria, conceitos e pesquisa em comunicao ppgcom ufmg 37

    pelos processos de midiatizao, comunicao estratgica, consumo e individu-alizao. Talvez, dentre esses elementos, devssemos destacar com maior nfase a questo da estratgia e da comunicao estratgica. No pensamos, no entanto, na comunicao estratgica como aquela que privilegiada nas interaes que se estabelecem no mbito das organizaes, mas como um fator presente nas relaes que se do em pblico (ou seja, pensamos na estratgia como prtica dos diversos atores em pblico). Isso pressupe remover a viso unilateral da estratgia em favor de uma viso relacional (e reflexiva), ao mesmo tempo que remete para a condio pblica desses processos que temos buscado compreender.

    Por uma perspectiva crtica para a Comunicao Organizacional

    A comunicao que se desenvolve no contexto das organizaes no tem como objeto as instituies em si, mas a prpria dinmica comunicativa com foco no ambiente organizacional. Essa perspectiva tem-se traduzido na prtica em algumas temticas sobre as quais nosso olhar se dirige, no excludentes entre si:

    a) as interaes no contexto intra e extraorganizacional; b) a produo de sentidos pelos sujeitos no mbito organizacional; c) a produo discursiva das e nas organizaes; d) as relaes de poder tais como derivam das relaes intra e extraorga-nizacionais.

    Acreditamos que deste conjunto de temas que emergem os diversos objetos empricos das pesquisas correntes que adotam a rubrica de Comunicao Orga-nizacional. evidente que, sendo o campo da Comunicao de interfaces, tam-bm operamos da mesma forma. Tendemos a ver, portanto, a Comunicao Orga-nizacional (ou no contexto das organizaes) mais como um tema, dentre muitos que os estudos da comunicao podem tomar como apropriados. De certo modo, possvel afirmar que, de modo mais amplo, colocamos em questo o complexo de relaes que se do no mbito das organizaes relaes em vrios nveis (in-terpessoal, intergrupal, interinstitucional) e em organizaes de qualquer natureza (pblica, privada ou do terceiro setor).

    Nesse processo, outras reas (sociologia e administrao, proeminentemente) passam a se interessar pela Comunicao Organizacional, promovendo influncia sobre a rea da comunicao. Contudo, a influncia contrria se d num compasso bem menor e pouco oferece em reciprocidade (talvez explicada por caractersticas bem prprias do desenvolvimento heternomo da rea de comunicao). A nosso ver, no acreditamos que seja o caso de marcar a especificidade da Comunicao Organizacional e constituir-se como rea ou subrea, mas de aprofundar o tema nas suas interlocues entre as diversas reas. O aprofundamento do tema pode trazer maior riqueza de perspectivas, desde que o debate seja realmente qualifica-do. E tambm pode produzir outro efeito que, at ento limitado, tem crescido em importncia: contribuir para o conjunto dos estudos da prpria comunicao.

    Entre essas contribuies possvel apontar aquelas trazidas pela vertente crtica dos estudos organizacionais, que ressaltam a comunicao como consti-tutiva das organizaes e da vida organizacional. Estudiosos dessa vertente, como Mumby5 e Deetz,6 do ateno a temas relativos a controle, resistncia e ideolo-gia. Segundo Mumby, o foco da pesquisa crtica deve ser a articulao dinmica, complexa e conflituosa entre prticas humanizadoras, de avaliao de discursos de afirmao de poder e de construo de resistncias. A pesquisa crtica considera centrais os conceitos e prticas de conversao aberta, deliberao, dilogo e cola-borao, alm de destacar os processos discursivos de configurao da identidade organizacional e da interao organizao/sociedade (comunidade).

    Assumindo a perspectiva da virada lingustica,7 esses autores consideram que um olhar crtico sobre a comunicao pode promover uma sensibilidade relacional politicamente atenta para nossas anlises. A comunicao sempre acontece per-meada de relaes de poder, equilbrio e reciprocidade e, por isso, preciso achar meios normativos para formas mais livres e abertas de interao. Assim, estudos crticos de comunicao pretendem revelar e vencer formas assimtricas, explcitas e ocultas, de relaes de poder que violam a reciprocidade.8

    Ainda na perspectiva de Deetz, importante salientar que ele desenvolve a ideia de que as decises tomadas pelas organizaes, de qualquer natureza, afetam diretamente a nossa vida, o nosso cotidiano. Essa uma perspectiva que nos parece interessante, que vincula a tomada de decises organizacionais aos sujeitos tanto individual quanto coletivamente. Ela destaca que todas as demais formas com que estabelecemos os nossos vnculos no podem abstrair esse conjunto de influncias ou simplesmente isol-lo.

    Um olhar crtico sobre a comunicao estratgica no seio de prticas tradi-cionais de gerenciamento confere destaque a formas participativas de comunica-o informadas pelas noes de discurso, humanizao, negociao, mediao de conflitos, argumentao e dilogo. As organizaes passam a ser vistas, sob essa perspectiva, como entidades produtoras de sentido que do forma a modos parti-culares de entendimento. Anlises de metforas, smbolos, mitos, rituais, histrias, narrativas e discursos so caractersticas do papel central conferido comunicao na produo e reproduo de culturas organizacionais. Tambm so valorizadas

    5 MUMBY, 2005.6 DEETZ, 2010.7 A expresso virada lingustica ganhou fora em 1967, quando Richard Rorty editou uma coletnea com o ttulo

    de The linguistic turn. A partir da, a expresso ganhou popularidade. Habermas (2005), ao comentar a obra de Rorty, ressalta como a linguagem central para a representao e a comunicao do conhecimento, uma vez que este s se concretiza por meio da justificao pblica. Essa expresso tambm destaca o fato de que ns no temos nenhum acesso independente s entidades no mundo. Esse acesso depende de nossas prticas lingusticas de atingir compreenso e do contexto, linguisticamente constitudo, do nosso mundo vivido (HABERMAS, 2005, p. 173). Para Habermas, a virada lingustica marca o entendimento de que os fatos comunicados no podem ser separados do processo de comunicao e, alm disso, o conhecimento no coincide mais com a correspondncia de sentenas e fatos (a intersubjetividade na obteno de entendimento toma o lugar da objetividade da experincia), mas ele fruto das interaes que se estabelecem no espao pblico de um mundo vivido, compartilhado intersubjetivamente pelos usurios da linguagem (HABERMAS, 2005, p. 173).

    8 Assim como assinala Deetz (2010, p.87): a reciprocidade leva ao desenvolvimento de concepes que ajudam as pessoas a saber como possibilitar que todos os pontos de vista tenham uma oportunidade para influenciar decises coletivas; a se abrir a mudanas devidas, a novas ideias e relaes com o mundo e os outros; a resistir a tentativas de controle e a encorajar a oposio, a independncia e a diferena.

  • 38 ppgcom ufmg trajetria, conceitos e pesquisa em comunicao trajetria, conceitos e pesquisa em comunicao ppgcom ufmg 39

    as dinmicas de interlocuo das organizaes com diferentes pblicos, com des-taque para a importncia da imposio de poder e para a configurao de pr-ticas resistncia.9 As organizaes so vistas por essa abordagem como constru-es discursivas, salientando-se o papel reflexivo dos discursos em suas dinmicas comunicativas, cultura organizacional e formao do capital social nas interaes internas e externas.

    Um problema de fundo que se apresenta quando tratamos as organizaes de maneira imbricada em nosso cotidiano trat-las como entes privados, ainda que sejam reconhecidas como parte do contexto social. H, por certo, um ponto cego nessa viso, que diz respeito s organizaes que no so privadas (no sen-tido de propriedade). Sob a perspectiva de gesto elas so tomadas, em termos gerais, como semelhantes s organizaes empresariais, privadas. Por