[livro ufsc] estudos de teoria literária ii

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Estudos de Teoria Literária II Florianópolis - 2011 Celdon Fritzen Gladir da Silva Cabral Período

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Estudos de Teoria Literária II

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Estudos de Teoria Literária II

Florianópolis - 2011

Celdon FritzenGladir da Silva Cabral8º

Período

Governo FederalPresidente da República: Dilma Vana RousseffMinistro da Educação: Fernando HaddadCoordenador da Universidade Aberta do Brasil: Celso José da Costa

Universidade Federal de Santa CatarinaReitor: Alvaro Toubes PrataVice-Reitor: Carlos Alberto Justo da SilvaSecretário de Educação a Distância: Cícero BarbosaPró-Reitora de Ensino de Graduação: Yara Maria Rauh MüllerPró-Reitora de Pesquisa e Extensão: Débora Peres MenezesPró-Reitor de Pós-Graduação: Maria Lúcia de Barros CamargoPró-Reitor de Desenvolvimento Humano e Social: Luiz Henrique Vieira da SilvaPró-Reitor de Infra-Estrutura: João Batista FurtuosoPró-Reitor de Assuntos Estudantis: Cláudio José AmanteCentro de Ciências da Educação: Wilson Schmidt

Curso de Licenciatura Letras-Português na Modalidade a DistânciaDiretor Unidade de Ensino: Felício Wessling MargottiChefe do Departamento: Izabel Christine SearaCoordenadoras de Curso: Roberta Pires de Oliveira e Zilma Gesser NunesCoordenador de Tutoria: Renato Miguel BassoCoordenação Pedagógica: LANTEC/CEDCoordenação de Ambiente Virtual de Ensino e Aprendizagem: Hiperlab/CCE

Comissão EditorialTânia Regina Oliveira RamosIzete Lehmkuhl CoelhoMary Elizabeth Cerutti-Rizzati

Equipe de Desenvolvimento de Materiais

Laboratório de Novas Tecnologias - LANTEC/CEDCoordenação Geral: Andrea LapaCoordenação Pedagógica: Roseli Zen Cerny

Produção Gráfica e HipermídiaDesign Gráfico e Editorial: Ana Clara Miranda Gern; Kelly Cristine SuzukiCoordenação: Cristiane Amaral, Talita Ávila Nunes, Thiago Rocha Oliveira Adaptação do Projeto Gráfico: Laura Martins Rodrigues, Thiago Rocha OliveiraDiagramação: João Paulo Battisti de Abreu, Pedro Gomides Lopes, Talita Ávila Nunes, Thiago Rocha Oliveira

Tratamento de Imagem: Thiago Rocha OliveiraRevisão gramatical: Daniela Piantola

Design InstrucionalCoordenação: Isabella Benfica BarbosaDesigner Instrucional: Maria Luiza Rosa Barbosa

Copyright © 2011, Universidade Federal de Santa Catarina/LLV/CCE/UFSCNenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, da Coordena-

ção Acadêmica do Curso de Licenciatura em Letras-Português na Modalidade a Distância.Catalogação na fonte elaborada na DECTI da Biblioteca Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina.

Ficha Catalográfica

F919e Fritzen, CeldonEstudos de teoria da literatura II / Celdon Fritzen, Gladir da Silva

Cabral. – Florianópolis : LLV/CCE /UFSC, 2011.

84p. : il. ISBN 978-85-61482-44-2

1. Literatura – Filosofia. 2. Literatura – História e crítica. 3. Modernis-mo (Literatura). 4. Pós-Modernismo. I. Cabral, Gladir da Silva. II. Título.

CDU: 82.01

Sumário

Unidade A : O que é crítica literária? .......................................... 9

1 Contextualizando a crítica ..........................................................................11

2 A crítica literária no Brasil ..........................................................................19

Unidade B : Sociologia da Literatura em debate ..................27

3 Debates críticos: o método dialético de Antonio Candido a partir

de leituras de O cortiço ...............................................................................29

3.1. A leitura estruturalista de Affonso Romano de Sant’Anna ................29

3.2. A leitura sociológica de Antonio Candido .............................................33

3.3 A tréplica de Affonso Romano de Sant’Anna ..........................................37

3.4. Novo contexto e acréscimos: Affonso Romano de Sant’Anna e a reelaboração da leitura .................................................................................42

3.5. A crítica da crítica: Roberto Schwarz .........................................................45

Unidade C : Estudos culturais......................................................51

4 Debates críticos: os estudos culturais e a teoria literária ................53

4.1 Contextualizando os estudos culturais .....................................................54

4.2 A título de exemplo ..........................................................................................62

Palavras finais .....................................................................................................77

Referências ..........................................................................................................79

Apresentação

D iscutir um pouco do panorama da crítica literária brasileira na

contemporaneidade é o objetivo mais geral que gostaríamos de

empreender aqui com você. Isso porque esta disciplina nos ofe-

rece a oportunidade de realizar um estudo em que as correntes e os conceitos

de teoria literária, que você antes estudou, possam ser aqui retomados numa

perspectiva tanto mais ampla quanto localizada. Mais ampla na medida em

que ela tem a liberdade de abordar os problemas de leitura literária contem-

porâneos, os quais oferecem margem a uma diversidade de posicionamentos;

mais localizada, porque em decorrência de tal amplitude, pedagogicamente,

faz-se necessário alguma delimitação que nos permita operar com segurança.

Um recorte, pois, foi efetivado, mas ele não nos retira virtualmente a possibili-

dade de percorrer os caminhos e descaminhos da crítica literária contemporâ-

nea, pois na corrente da comunicação de que participamos todo conhecimen-

to tem história, portanto remetendo a outros que ele nega, reafirma, reforma,

omite etc. O recorte escolhido foi o de privilegiar a formação da crítica brasi-

leira, percorrendo algo de sua historicidade e de suas tensões mais recentes.

Nesse recorte, apontamos como correntes de crítica literária que serão discu-

tidas mais detidamente com você a leitura sociológica e os estudos culturais.

Você poderá se perguntar se não é retomar algo já visto anteriormente, e nós

lhe responderemos que sim e não. Claro que essas perspectivas de abordagem

literária não devem ser novas para você, pois foram vistas anteriormente em

outras disciplinas, e nossa intenção é realmente retomá-las. Porém, interes-

sa-nos fazer isso à luz de sua recepção e de seu debate no Brasil, de modo que

possamos presenciar e participar da discussão crítica contemporânea; se pre-

ferir, do debate em torno da crítica da crítica.

Você também pode indagar-nos se tais discussões não se põem num nível de

teorização que estaria muito longe de um leitor qualquer. Bem, em princípio,

você não é um leitor qualquer, tanto que está fazendo um curso de Letras.

Depois, um leitor não é uma entidade natural, ele se constrói com leituras, re-

leituras e leituras sobre as leituras que fez, o que exige, portanto, aprendizagem.

Por fim, você como licenciado em Letras fatalmente se encontrará em situa-

ções nas quais a atribuição de valor a uma obra literária entrará em discussão,

e presume-se que você precisa dispor de um conhecimento que supere o senso

comum para poder refletir criticamente acerca dessa questão. Essa disciplina,

lembre-se, está empenhada em colaborar na sua formação de leitor literário

por meio da investigação de determinados tópicos da crítica contemporânea.

Celdon e Gladir

Unidade AO que é crítica literária?

O crítico (1962), de Norman Rockwell.

Capítulo 01Contextualizando a crítica

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1 Contextualizando a crítica

Neste primeiro capítulo, deseja-se fazer uma exposição sobre o concei-

to de crítica literária a partir de situações corriqueiras, a fim de paulatinamen-

te situá-lo ante os problemas do julgamento estético e as consequências para o

âmbito da educação literária.

Ao terminar de ler um romance, assistir a uma sessão de cinema, ver uma peça de teatro, contemplar uma coleção de arte em um mu-seu, não raro, acontece de nos posicionarmos em relação à experiência estética, de elaborar em relação ao que foi objeto de nossa vivência al-gum tipo de reflexão que nos possibilite compreender os sentidos que ali foram provocados. Além do diálogo com nossos pensamentos, esse movimento interpretativo e de atribuição de significado pode expandir-se. Seja com alguém que leu também o romance, seja com os amigos que estavam conosco na mesma sessão de cinema, na peça de teatro ou no museu, empenhamo-nos no sentido de buscar uma interpretação ao evento artístico em questão e emitir uma opinião em relação ao efeito que em nós ele causou. Essa opinião pode ser elaborada de modo muito corriqueiro ou também não nos ser clara, visto que a leitura literária, por exemplo, deixou-nos com diversas inquietações, dúvidas. Enfim, são muitas as possibilidades que a experiência estética pode em nós sus-citar em diálogo com nossas memórias pessoais e conhecimentos ad-quiridos. Ela sempre parece que busca em nós uma atitude de resposta, mesmo que seja uma resposta nada positiva.

Ora, as respostas que uma obra literária pode receber são muito diver-

sas. Ao longo de sua formação no curso de Letras, talvez tenha lhe ocor-

rido de ler um conto que achou fabuloso e desapontadamente soube

que seu colega achou a leitura em questão aborrecedora. Você pode

ter ficado em silêncio com a surpresa, mas também pode ter nascido

uma discussão em torno dos argumentos que levaram cada um a ad-

mitir que tal obra recebesse diferentes juízos de vocês. As posições em

relação à leitura literária do conto começaram então, pelo diálogo esta-

belecido, a receber uma fundamentação de modo a justificar o ponto

Estudos de Teoria Literária II

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de vista avaliativo que cada um de vocês defendia. Ou seja: “esse con-

to possui beleza (ou outra qualidade), porque...”, “Não, não acho isso,

porque...”. Talvez você tenha convencido seu colega da validade de seu

juízo e o tenha feito mudar de posição ou você é quem ficou conven-

cido ou, na verdade, vocês entenderam as razões de cada um, mas per-

severaram em suas convicções. Enfim, os modos como suas posições

críticas responderam ao debate são múltiplos.

Toda essa referência a episódios corriqueiros, que envolvem nossas reações e juízos em relação às experiências com algumas formas de arte, é feita com o intuito de mostrar a você como a crítica estética pode ser exercida por nós de modo cotidiano, sem que nos apercebamos disso ni-tidamente. Nesta disciplina, interessa-nos particularmente a crítica lite-rária e, claro, num sentido mais acadêmico do que os exemplos anteriores poderiam sugerir. De toda forma, as situações ilustrativas que apontamos podem nos permitir localizar alguns problemas vinculados ao exercício da crítica e suas relações com algumas correntes da teoria literária que você já estudou, além de situar a importância da crítica em relação à for-mação de leitor literário – a sua e a de seus virtuais educandos.

Pensamos que a esta altura da nossa conversação poderíamos in-troduzir uma definição de crítica literária para ampliar nossa discus-são. Tomemos, pois, a conceituação que abre o verbete sobre crítica no Dicionário de Termos Literários, de Massaud Moisés:

CRÍTICA – Grego krinein, julgar, através do feminino da forma latina cri-

ticu (m). Como revela de pronto a etimologia, a crítica pressupõe, neces-

sariamente, o ato de julgar, isto é, conferir valor às coisas, no caso obras

literárias. Entretanto o vocábulo “crítica”, refletindo a evolução em zigue-

zague sofrida pela atividade que designa, experimentou consideráveis

vicissitudes ao longo dos séculos. (MOISÉS, 2004, p. 113).

Pensamos que dois pontos devem ser objeto de nossa atenção em relação à definição anterior: 1- “a crítica pressupõe, necessariamente, o ato de julgar”; 2- a crítica “experimentou consideráveis vicissitudes ao longo dos séculos”.

Você pode também ler uma definição mais ampla de

crítica literária em E-Dicio-nário de Termos Literários: http://www.edtl.com.pt/index.php?option=com_

mtree&task=viewlink&link_id=860&Itemid=2.

Capítulo 01Contextualizando a crítica

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Quando nos referimos anteriormente à experiência da leitura literá-

ria e aos múltiplos posicionamentos que dela podem advir, fizemos

referência ao fato de que há julgamentos que podem ser conflituo-

sos. Não há necessariamente consenso em relação à recepção de uma

obra literária, e as avaliações podem mesmo ser múltiplas porque, em

princípio, o julgamento estético é um julgamento antes subjetivo que

científico. Ou seja, cada um de nós leria um poema, por exemplo, e

dele extrairia uma interpretação particular, bem como o juízo acer-

ca de seu valor seria baseado unicamente em minha opinião, o que

faz lembrar uma passagem de Grande sertão: veredas, de Guimarães

Rosa (1986, p. 1): “Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe:

pão e pães é questão de opiniães”. Levando você a pensar nas ques-

tões atinentes ao ensino de literatura, tal situação em que a leitura

literária seria encarada como um fato, por excelência, subjetivo co-

loca alguns dilemas. Se cada um dá a sentença conforme sua cabe-

ça, como avaliar objetivamente a compreensão da leitura literária e,

como professor, cooperar no processo de formação do leitor? Toda

leitura seria, então, pertinente? Ainda: se cada um dispõe de legitimi-

dade para escolher suas obras prediletas, por que concordar com a

leitura exclusiva das obras exigidas ou sugeridas pela escola? Por que

ler essas obras, e não outras? Questões importantes essas que devem

fazer você reconhecer a importância do ato crítico, pois seu exercício

acaba por selecionar as obras que valeriam a pena ser lidas.

Bem, voltando ao nosso objetivo aqui, o qual é o de situar as tensões em torno da definição de crítica literária, a essa altura espero que você já tenha se lembrado das disciplinas de teoria literária que cursou, já que lá o debate em torno da objetividade dos estudos literários se colocou como possibilidade ou não dependendo da corrente implicada. Lembre-se que, por exemplo, ao final do século XIX, a crítica impressionista era aquela modalidade de crítica que afirmava serem as impressões susci-tadas pelo texto literário no leitor junto com o conhecimento deste as únicas bases legítimas sobre as quais se poderiam produzir julgamentos. O gosto do crítico, enfim, se tornava o critério decisivo no exercício da crítica literária, o que fazia da discussão da objetividade dos estudos

Esse modo de fazer crítica pode ser observado ainda hoje, principalmente na forma das resenhas publicadas em jornal, por exemplo, comentando ligeiramente os lançamen-tos do mercado editorial.

Estudos de Teoria Literária II

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literários questão a desconsiderar. Lembre-se ainda que, com métodos distintos, tanto a história da literatura quanto o formalismo russo se contrapunham à posição da crítica impressionista, defendendo o estudo científico das obras literárias.

Cremos ser possível fazer uma síntese da discussão que encami-nhamos até aqui. Para isso façamos uma referência a Benedito Nunes, que expõe de modo sucinto como ocorre essa tensão entre a subjetivi-dade e objetividade do exercício da crítica literária.

O que importa assinalar é que a crítica, no sentido de avaliação, interpre-

tação e descrição, recai, de qualquer forma, na órbita do juízo de gosto,

porquanto a literatura lida como literatura, já se inclui no domínio da

arte, e assim, portanto, se acha afetada pelo índice estético do “belo”.

Por pertencer a essa órbita a literatura ingressa na experiência individual

do crítico, cada vez atualizado pela leitura, como modo de acesso ou

discernimento da obra. Ora, nem isolada nem puntiforme, pois que a

obra conhecida se relaciona com outras muitas, tanto horizontalmen-

te, num dado momento, quanto verticalmente na ordem da sucessão

temporal, a experiência individual é também social, porque se acha sob

condições culturais e sociais determinadas. (NUNES, 2009, p. 44).

Perceba, a partir da citação anterior, que a literatura é uma experiência que pertence ao campo do belo, compreendido este como o domínio dos objetos que nos provocam um prazer desinteressado, como quando somos tocados por algo que nos comove e produz em nós uma sensação que relacionamos à beleza, seja um pôr do sol, seja a leitura de um poema. Esse prazer é inegavelmente subjetivo, mas os juízos que fazemos a partir do sentimento do belo e que visam convencer outros de sua fundamentação podem assumir objetividade, visto que as obras literárias não são pontos isolados, sem relação. Elas fazem parte de uma grande cadeia de comunicação que se estabelece diacrônica e sincronicamente, caracterizando-se como diálogos abertos com outras obras já produzidas ou por produzir. Por sua vez, também o crítico não é um sujeito que se constitua independentemente da sua localização espaço-temporal, das condições político-econômicas que lhe atravessam e da dimensão social da linguagem que lhe define o discurso e o seu ser. Portanto, tal como a obra literária, a crítica é uma atividade que demanda elementos de ordem subjetiva e objetiva.

Ensaísta que reunia em seus estudos literatura e

filosofia. É considerado um dos grandes leitores de

Clarice Lispector.

Figura 1 – Caricatura de Benedito Nunes, de Casso.

Uma leitura interessante sobre o tema é História da

beleza, de Umberto Eco, publicado pela Record.

Capítulo 01Contextualizando a crítica

15

Vale lembrar, entretanto, que ainda resta uma decorrência dessas tensões entre critérios objetivos e subjetivos para os quais aponta Benedi-to Nunes. Na definição de crítica literária de Moisés citada acima, observe que ele se refere às “consideráveis vicissitudes ao longo dos séculos” que a crítica literária experimentou. Tais alternâncias não devem também ser coisa desconhecida para você, visto que nas últimas disciplinas de Teoria Literária você teve a oportunidade de estudar as diversas correntes que, de modo pedagógico, foram apresentadas a partir dos critérios intrínse-cos e extrínsecos que as caracterizariam, embora deva ter compreendido que tal divisão muitas vezes não constitui fronteiras rígidas.

Retornando àquela definição de crítica literária que expusemos antes,

você pode já ter percebido de que modo o julgamento do crítico lite-

rário envolve tensões que podem ser sem maior importância para um

leigo, mas para qualquer especialista em literatura, particularmente com

formação em Letras, devem ser consideradas. O percurso da crítica é

tenso, cheio de debates que enriquecem nossa compreensão dos pro-

blemas vinculados à interpretação do texto literário e das relações deste

com o mundo histórico-social que nos cerca.

No limite, muitos dizem hoje que a crítica literária está em crise, pois seu objeto, a literatura, perdeu a especificidade que a distinguia de outras formas de linguagem. Dada a difícil tarefa de definir a especifici-dade do texto literário (a literariedade buscada a partir do formalismo russo por meio da noção de estranhamento, lembra-se?), os critérios estéticos que tradicionalmente eram utilizados para avaliar as obras lite-rárias teriam, para muitos, perdido sua legitimidade, acusados de serem ideológicos. Por ideológico, aqui, você deve entender que a literatura não seria nada desinteressada e em suas manifestações ela tenderia a veicular valores que interessariam à hegemonia de determinados grupos em detrimento de outros (lembra-se das discussões em Teoria Literária sobre os estudos culturais, a crítica feminista, as teorias pós-coloniais?). Pense, então, o seguinte: se você e seu colega não aceitarem, ao final daquela hipotética discussão sobre o conto que você achou fabuloso e ele aborrecedor, a validade do critério usado em cada julgamento parti-cular, será difícil chegar a um consenso.

Sugerimos a retomada dos livros-texto de Teoria da Literatura IV e Teoria da Literatura V.

Estudos de Teoria Literária II

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Em termos muito mais amplos, a crítica hoje, mais que em outros tempos, careceria de consensos, mesmo que provisórios, sobre o que é valor literário. Isso para muitos aponta para uma crise na crítica e na própria literatura, como analisa Leyla Perrone-Moisés (2000, p. 340):

A crítica, como seu próprio nome indica, supõe julgamento (krinein).

Claro está, desde Kant, que se trata aí de juízo reflexivo e não de juízo de-

terminante. O julgamento estético supõe valores consensuais, mesmo

que estes sejam provisórios. O mesmo Kant dizia que, se não se pode

provar o bom fundamento dos juízos estéticos, há no entanto pessoas

capazes de fornecer argumentos e comprovar assim certa autoridade

nesse terreno. Os críticos são aqueles que fornecem argumentos em re-

lação a seus julgamentos. Ora, inexistindo na pós-modernidade critérios

de julgamento e hierarquia de valores consensuais, a atividade crítica

torna-se extremamente problemática.

Para Leyla Perrone-Moisés, os critérios e a hierarquia que permi-

tiam ao crítico julgar o valor literário de uma obra vinham eminen-

temente do cânone, aquela relação de obras consideradas dignas

de apreço pela sua alta manifestação de mestria. Mas quem define

quais são as obras que farão parte do cânone? Por que essas obras e

não outras? Por que não há sul-americanos ou mulheres no cânone?

Questões como essas teriam mostrado os aspectos antes ideológi-

cos que desinteressadamente estéticos na construção do cânone e,

assim, inviabilizado, segundo Leyla Perrone-Moisés, o exercício ava-

liativo da crítica, posto que questionam os “critérios de julgamento

e hierarquia de valores consensuais”.

Esse é um ponto que aprofundaremos na segunda unidade. Por ora, para enriquecer esta discussão, sugerimos que você leia este excerto extraído dos PCNs, a fim de refletir sobre as discussões que aqui cons-truímos e a educação literária:

Se a literatura é arte em palavras, nem tudo que é escrito pode ser consi-

derado literatura, como já dissemos. Essa questão, entretanto, não é tão

simples assim, visto que a linha que divide os campos do literário e do

não literário é bastante tênue, confundindo-se muitas vezes.

Filósofo idealista alemão do século das Luzes e de

grande importância na modernidade pela sua re-

flexão em torno da separa-ção entre o conhecimento

metafísico e religioso.

Capítulo 01Contextualizando a crítica

17

Houve diversas tentativas de estabelecimento das marcas da literarieda-

de de um texto, principalmente pelos formalistas e depois pelos estru-

turalistas, mas essas não lograram muito sucesso, dada a diversidade de

discursos envolvidos no texto literário.

Mais recentemente, deslocou-se o foco do texto para o leitor (visto esse

como coprodutor do texto) e para a intertextualidade, colocando-se em

questão a autonomia e a especificidade da literatura. Como bem aponta

Chiappini (2005), a esse deslocamento de foco correspondem, no ensi-

no da literatura, posições diversas: de um lado, o professor que só traba-

lha com autores indiscutivelmente canônicos, como Machado de Assis,

por exemplo, utilizando-se de textos críticos também consagrados: caso

do professor considerado autoritário, conservador, que aprendeu assim

e assim devolve ao aluno; de outro lado, o professor que lança mão

de todo e qualquer texto, de Fernando Pessoa a raps, passando pelos

textos típicos da cultura de massa: caso do professor que se conside-

ra libertário (por desconstruir o cânone) e democrático (por deselitizar

o produto cultural). Será? − perguntamo-nos. Ainda acompanhando o

raciocínio de Chiappini, se existe o professor “conservador” que igno-

ra outras formas de manifestação artística, não haveria, de outro lado,

na atitude “democrática”, e provavelmente cheia de boas intenções, um

certo desrespeito às manifestações populares, sendo condescendente,

paternalista, populista, “sem adotar o mesmo rigor que se adota para

a cultura de elite”? Ou, acrescentaríamos nós, não haveria demasiada

tolerância relativamente aos produtos ditos “culturais”, mas que visam

somente ao mercado? Se vista assim, essa atitude não seria libertária

ou democrática, mas permissiva. Pior ainda: não estaria embutido nessa

escolha o preconceito de que o aluno não seria capaz de entender/fruir

produtos de alta qualidade?

Em nossa sociedade há fruição segundo as classes na medida em

que um homem do povo está praticamente privado da possibilida-

de de conhecer e aproveitar a leitura de Machado de Assis ou Mário

de Andrade. Para ele, ficam a literatura de massa, o folclore, a sabe-

doria espontânea, a canção popular, o provérbio. Estas modalidades

são importantes e nobres, mas é grave considerá-las como suficien-

tes para a grande maioria que, devido à pobreza e à ignorância, é

impedida de chegar às obras eruditas. (CANDIDO, 1995, p. 256-257).

Qual seria então o lugar do rap, da literatura de cordel, das letras de

músicas e de tantos outros tipos de produção, em prosa ou verso, no en-

sino da literatura? Sem dúvida, muitos deles têm importância das mais

Estudos de Teoria Literária II

18

acentuada, seja por transgredir, por denunciar, enfim, por serem signifi-

cativos dentro de determinado contexto, mas isso ainda é insuficiente

se eles não tiverem suporte em si mesmos, ou seja, se não revelarem

qualidade estética. Gramsci, em 1934, já estabelecera uma diferença

entre valor cultural e valor estético. Muitas obras de grande valor cultu-

ral têm escasso valor estético, até mesmo porque não se propuseram a

isso: é o caso, por exemplo, dos escritos de José do Patrocínio; outros,

mesmo produzidos por artistas não letrados, mas que dominam o fazer

literário – ainda que quase instintivamente −, certamente deverão ser

considerados no universo literário: Patativa do Assaré, por exemplo, e

tantos outros encontrados no nosso rico cancioneiro popular.

Qualquer texto escrito, seja ele popular ou erudito, seja expressão de

grupos majoritários ou de minorias, contenha denúncias ou reafirme o

status quo, deve passar pelo mesmo crivo que se utiliza para os escritos

canônicos: Há ou não intencionalidade artística? A realização correspon-

deu à intenção? Quais os recursos utilizados para tal? Qual seu significa-

do histórico-social? Proporciona ele o estranhamento, o prazer estético?

Sabemos que em literatura uma mensagem ética, política, religio-

sa ou mais geralmente social só tem eficiência quando for redu-

zida a estrutura literária, a forma ordenadora. Tais mensagens são

válidas como quaisquer outras e não podem ser proscritas; mas a

sua validade depende da forma que lhes dá existência como um

certo tipo de objeto. (CANDIDO, 1995, p. 250).

Mas não nos iludamos: sempre haverá, em alguns casos, uma boa mar-

gem de dúvida nos julgamentos, dúvida muitas vezes proveniente dos

próprios critérios de aferição, que são mutáveis, por serem históricos.

Mesmo apresentando dificuldades em casos limítrofes, entretanto, na

maioria das vezes é possível discernir entre um texto literário e um texto

de consumo, dada a recorrência, no último caso, de clichês, de estereóti-

pos, do senso comum, sem trazer qualquer novo aporte. (BRASIL, 2004).

Veja que a questão do valor literário não tem perfil exclusivamente teórico, mas faz parte do nosso cotidiano, principalmente do cotidiano de um professor de literatura. Portanto, pense, no tempo inteiro de vigência desta disciplina, de que maneira as discussões que estamos promovendo se relacionam com a sua vida de leitor literário e a de seus possíveis edu-candos, principalmente as questões que um dia eles podem levantar para você sobre por que ler isso e não aquilo, como também a partir de que critério pode-se dizer que isso é melhor que aquilo. Vamos adiante.

Capítulo 02A crítica literária no Brasil

19

2 A crítica literária no Brasil O que gostaríamos agora nesta seção, depois de localizarmos o conceito de

crítica literária e as tensões a ele inerentes, é discutir com você o processo histó-

rico que envolve a formação da crítica literária no Brasil. Antes de entrarmos

em alguns debates que apontam para os modos pelos quais as posições teóri-

cas e metodológicas são assimiladas e efetivadas na crítica literária brasileira

contemporânea, objeto da próxima Unidade, parece-nos importante localizar a

história dessa crítica, pelo menos em sua face mais recente. Para isso, faremos

valer basicamente um texto de Flora Süssekind: Rodapés, tratados e ensaios: a

formação da crítica brasileira moderna.

O texto de Flora Süssekind foi publicado em 1986, portanto já pos-sui uma distância de mais de duas décadas de nosso presente. De toda forma, ele ainda nos fornece elementos muito preciosos para compre-ender o processo de constituição da crítica literária brasileira, princi-palmente no que se refere às tensões que, de dentro dela mesma, foram surgindo e modificando-a. Foram os antagonismos, tanto no que diz respeito às formas de sua linguagem quanto às suas relações com o pú-blico e as instituições, que levaram a crítica literária brasileira a se trans-formar. É isso que gostaríamos de ver com você agora.

Você deve lembrar-se da referência que fizemos na seção anterior à crítica impressionista, cujos critérios de julgamento baseavam-se na erudição e no subjetivismo do crítico. Ora, observar as modalidades de crítica literária no Brasil, desde o final do século XIX, nos faz encontrá-la entre as mais frequentes na nossa imprensa. No decênio 1940-1950, não é diferente, e ela se apresenta como uma forma hegemônica de lei-tura e julgamento literário do que circula aqui.

Os anos 1940-1950 estão marcados pelo triunfo da “crítica de rodapé”.

O que significa dizer por uma crítica ligada fundamentalmente à não

especialização da maior parte dos que se dedicam a ela, na sua quase

totalidade “bacharéis”; ao meio em que é exercida, isto é, o jornal – o que

lhe traz, quando nada, três características formais bem nítidas: a oscila-

ção entre a crônica e o noticiário puro e simples, o cultivo da eloquên-

cia, já que se tratava de convencer rápidos leitores e antagonistas, e a

adaptação às exigências (entretenimento, redundância e leitura fácil)

e ao ritmo industrial da imprensa; uma publicidade, uma difusão bas-

Estudos de Teoria Literária II

20

tante grande (o que explica, de um lado, a quantidade de polêmicas e,

de outro, o fato de alguns críticos se julgarem verdadeiros “diretores de

consciência de seu público, como costumava dizer Álvaro Lins); e, por

fim, um diálogo estreito com o mercado, com o movimento editorial

seu contemporâneo. (SÜSSEKIND, 2003, p. 16-17).

Quando se faz referência à crítica de rodapé, trata-se de localizar um tipo de gênero jornalístico cuja origem é o século XIX, na França: o folhetim. Caracterizado pela miscelânea e superficialidade, o folhe-tim ocupava a parte de baixo da página do jornal – de onde advém a menção ao rodapé –, e ali eram divulgados artigos de crítica, capítulos de romance, notícias do mundo cultural em geral. Era uma espécie de avô do caderno de variedades que você encontra nos jornais de hoje. Seu surgimento está vinculado ao intuito de incrementar as vendas de jornais, pois tornava fiéis os leitores, aguçando-lhes a curiosidade acerca da continuação dos próximos capítulos do romance, tal como hoje com as telenovelas.

Tendo como origem o ambiente de jornal, é claro que a crítica de rodapé, assim pejorativamente designada pela nova crítica que naquele momento se lhe opunha, não possuía uma compreensão sistêmica de sua atividade, desempenhando seu ofício mais como comentário pes-soal das impressões suscitadas pela obra. Leia este depoimento de Alceu Amoroso Lima sobre sua compreensão da atividade de crítico literário:

A adoção de qualquer sistema de crítica teria sido uma traição a essa

marca profunda. Era talvez a minha fragilidade. Mas se tentasse reagir,

seria insincero comigo mesmo. Seria desonesto. Aliás nunca passou

pela minha cabeça adotar qualquer sistema de crítica, pelo menos de

início. Queria ser apenas um leitor, que analisa suas próprias impressões

de leitura, sem qualquer compromisso nem com um sistema, nem com

um movimento. (LIMA, 1980, p. 31).

O tom da crítica até então a fazia instalar-se numa mistura de gê-nero entre a crônica e a informação, ou seja, entre o comentário breve e descomprometido de acontecimentos – sobretudo, literários – e a no-tícia ao público, oferecendo a este as novidades do mercado editorial para que pudesse se orientar. Ora, esse é outro ponto bastante curioso da ação da crítica naquele momento, o modo como ela fazia parte do cotidiano do público leitor brasileiro, tomando a atenção deste como

Deve-se registrar que esse tipo de crítica é ampla-

mente praticado nos suplementos da imprensa

dedicados a comentar literatura, como o Prosa &

Verso do jornal O Globo, por exemplo.

No que concerne à origem da telenovela, você pode

ler mais sobre o folhe-tim em: MEYER, Marlyse. Folhetim – uma história.

São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

Capítulo 02A crítica literária no Brasil

21

uma espécie de guia valorativo acerca das obras literárias e trabalhan-do em proximidade com o que o mercado de livros oferecia. Sedento do desdobramento das polêmicas, muitas vezes carregadas de ataques pessoais, o público acompanhava pelos periódicos os posicionamentos daqueles homens de letras, que se permitiam acerca de tudo dizer, o que tornava a crítica, afirma Flora Süssekind (2002, p.18), “uma espécie de acontecimento social dentre outros”.

Diga-se que, em certa medida, a crítica naquele momento exerceria a mesma prerrogativa de conhecimento generalizado que a literatura no Brasil teria também realizado. Herdando nosso país, depois da In-dependência, uma frágil estrutura educacional e de órgãos de pesquisa, a literatura desempenhou, analisa Antonio Candido, à falta de agentes de saber especializados, o papel de conhecer e fazer conhecer o país em suas diversas dimensões. Da psicologia social à geografia, da história à medicina, a literatura intervinha como forma de minimizar a ausência de saber especializado: “Ante a impossibilidade de formar aqui pesqui-sadores, técnicos, filósofos, ela preencheu a seu modo a lacuna, criando mitos e padrões que serviram para orientar e dar forma ao pensamento” (CANDIDO, 2000, p. 120).

Escrevendo no intuito de sintetizar as relações entre literatura e cul-tura brasileira na primeira metade do século XX, fim do Estado Novo, continua Antonio Candido, contemporaneamente haveria a exigência de que as linguagens tomassem conta de objetos específicos. Isso cons-tituiria a especialização dos saberes que retiraria à literatura a prerroga-tiva de tudo devorar:

Em nossos dias, estamos assistindo ao fim da literatura onívora, infiltrada

como critério de valor nas várias atividades do pensamento. Assistimos,

assim, ao fim da literatice tradicional, ou seja, da intromissão indevida da

literatura; da literatura sem propósito. Em conseqüência, presenciamos

também a formação de padrões literários mais puros, mais exigentes e

voltados para a consideração de problemas estéticos, não mais sociais

e históricos. É a maneira pela qual as letras reagiram à crescente divisão

do trabalho intelectual, manifestada sobretudo no desenvolvimento das

ciências da cultura, que vão permitindo elaborar, do país, um conheci-

mento especializado e que não reveste mais a forma discursiva. (CAN-

DIDO, 2000, p. 124).

Crítico literário e professor universitário, tem forma-ção originalmente em sociologia. Tem estudos que são referência na crítica literária como a Formação da Literatura Brasileira. Leia mais em matéria sobre os 90 anos desse autor em: http://www4.usp.br/index.php/especiais/14925-os-90-anos-de-antonio-candido-professor-da-fflcH.

Estudos de Teoria Literária II

22

Veja que a mesma restrição de domínio que se operava em relação à literatura,

tornando sua linguagem mais “purificada”, é o que também começava a acon-

tecer no domínio da crítica literária, exigindo que ela também se especializas-

se. Mas o que significa especialização da crítica literária?

Para Flora Süssekind, o crivo dessa noção de especialização pelo qual a crítica literária deverá passar é decorrente da solidificação no país de outra instância de legitimação dos discursos, a universidade, a qual inicia suas atividades na década de 1940. Exemplar desse confronto de discursos envolvendo a crítica de rodapé e a nova crítica universitária seria a polêmica entre Oswald de Andrade e Antonio Candido (2002, p. 20), quando este é acusado pelo poeta modernista de confundir “sério com cacete”, de “propedeuticamente chatear, alinhar coisas que ninguém suporta, utilizar uma terminologia in-folio”.

A linguagem universitária, chamada pejorativamente por Oswald

de Andrade de in-folio, seria aquela que prevaleceria. Sustentada

por um poder que a crítica literária desenvolvida no ambiente aca-

dêmico cada vez mais asseguraria, ela destronaria a crítica impres-

sionista de sua hegemonia nos periódicos brasileiros. Alicerçados

na exigência de teorias e métodos específicos para o exercício da

leitura, os críticos provindos de educação universitária assumiriam

agora as funções de julgar os textos literários.

Se as tensões no exercício da crítica literária brasileira foram res-saltadas naquele momento (1940-1950) até pôr em descrédito a crítica-crônica, não menos presentes os conflitos deixaram de ser no que se re-fere ao período de hegemonia da crítica universitária. Flora Süssekind, por meio da ênfase em dois principais críticos que emergiram do debate contra a crítica impressionista, Afrânio Coutinho e Antonio Candido, salienta as diferentes matrizes a partir do que a leitura interpretativa da crítica universitária operava e que você estudou em Teoria Literária como as abordagens intrínsecas e extrínsecas do texto literário.

Marcado por essas tensões, o período de 1960-1970 seria para Flora Süssekind o do predomínio da crítica universitária. Na segunda unida-

Capítulo 02A crítica literária no Brasil

23

de desta disciplina, voltaremos a explorar o perfil da crítica de Antonio Candido mais detidamente, por isso deixaremos para momento pos-terior a localização de suas posições teóricas e metodológicas em con-fronto com outras abordagens literárias. Neste momento, interessa-nos muito mais discutir as questões apresentadas por Flora Süssekind em relação ao isolamento na cultura brasileira, como reação do jornalismo à especialidade de sua linguagem acadêmica, que a crítica dos scholars aos poucos vai enfrentar.

Ironicamente, é como a vingança do rodapé que Flora Süssekind intitula o processo pelo qual a crítica universitária começa a perder o espaço público dos jornais sob a argumentação de que sua linguagem era incompatível com o tipo de leitor eleito como alvo: o leitor médio. A partir de 1970, perceber-se-ia uma diminuição dos espaços da mídia jornalística à circulação da produção de crítica literária das universida-des. Entre as razões, a própria resistência do ambiente jornalístico à lin-guagem da crítica scholar, rejeitada pela distância que teria do caráter de crônica ligeira e carregada de adjetivos sem exigência de demonstração argumentativa do discurso da imprensa. Daí – continuam as acusações de setores do jornalismo da década 1970 – a crítica universitária estar deslocada naquele veículo de comunicação, já que não obtinha uma re-cepção positiva do leitor médio, entidade criada para justificar o nível de informação e comentário despretensiosos que se disporia ao público. O que Flora Süssekind, em suma, observa é a diminuição do exercício da reflexão crítica nos jornais em decorrência da maior sintonização destes com a atividade da indústria cultural, voltada ao espetáculo, entreteni-mento e descarte.

Como consequência desse paulatino estreitamento dos meios para a circulação da sua produção nos anos 1970, a crítica universitária vai também assumindo como seu principal interlocutor a si mesma. Trata-va-se, observa Flora Süssekind, de uma veiculação endógena, associa-da ao ambiente acadêmico e tecnocrata do regime militar, empenhado numa valorização da “cientificidade”, que cristaliza a prática de um tipo de gênero acadêmico: o tratado. Assim,

[...] a dificuldade de encontrar interlocutores outros que não os próprios

pares funciona como incentivo à disseminação do “jargão”. Assim com

O nome advém do fato de ser feita por intelectuais com formação acadêmica especializada em estudos literários.

Figura 2 - The art scholar, de André Martins de Barros (ca. 2000)

Estudos de Teoria Literária II

24

a tecnocratização crescente e a ciência tomada como modelo prefe-

rencial de “discurso competente” na sociedade brasileira estimulam uma

obsessiva “cientifização” na linguagem da crítica literária. Não é de estra-

nhar, então, que o tratado tenha se convertido em gênero preferencial

para grande parte da produção universitária. Quando os leitores se tor-

nam cartas marcadas, a linguagem exclusiva deixa de parecer problema

e vira regra geral. (SÜSSEKIND, 2002, p. 32).

Não é com bons olhos, é claro, que Flora Süssekind perce-be essa guinada na crítica universitária, posto que tal movimento de endogênese teria resultado em maior distanciamento da crítica literá-ria acadêmica da discussão com um público mais amplo, diminuindo a inserção de seu objeto, a literatura, nas dimensões da realidade das pes-soas em geral, pois tendia a eleger como veículo de suas manifestações um jargão técnico. Se afastada de um âmbito maior de leitores pela ação dos círculos jornalísticos, vinculados estes aos valores descartáveis da indústria cultural, a adoção do tratado – aqui podendo ser compreendi-do como gênero de investigação científica com linguagem extremamen-te especializada – reforçou esse distanciamento.

Ainda para tornar mais suspeita a atitude encastelada da crítica scholar durante os anos de 1970, Flora Süssekind acusa parte de seus seg-mentos de modismo de métodos de abordagem e descompromisso com a reflexão teórica. Tratar-se-ia de absorver e aplicar métodos de crítica literária importados sem que a reflexão teórica sobre seu alcance e limi-tes se desenvolvesse consequentemente, pois eram muito oportunamente substituídos por outra “onda”. Referências que você deve ter conhecido nas disciplinas de Teoria Literária (“new-criticism, formalismo, estilística, estruturalismo”) teriam feito parte de forma superficial da prática crítica universitária, mais como arremedo de suposta modernização científica que como verificação da validade e alcance interpretativo de um pensa-mento importado para a literatura produzida nas condições histórico-sociais de nossa realidade nacional. Truque retórico semelhante à crítica de rodapé que Flora Süssekind não deixa de observar, pois retomava algo da tradição brasileira de muita retórica e pouca fundamentação teórica; ou seja, grosso modo, o discurso da eloquência que na literatura rendeu personagens como Odorico Paraguaçu1 ou a Carta às Icamiabas2.

Endogênese Crescimento voltado

para dentro (Do gr. éndon, «dentro», +

génesis, «geração»).

1. Odorico Paraguaçu é um personagem criado

por Dias Gomes original-mente para a peça Odo-

rico, o Bem-amado, e que se celebrizou depois na

teledramaturgia brasilei-ra. Prefeito da pequena

cidade de Sucupira, seus discursos eram cômicos

pelo uso de uma eloquên-cia abundante e estéril.

2. Inserida na obra Macu-naima de Mario de Andra-

de, a carta é escrita pelo personagem principal da cidade de São Paulo para

suas súditas na Amazônia. Nela, diferente do colo-quial predominante no

livro, a linguagem tenta parecer erudita e deslizes

ocorrem para desmascarar a pretensão de nossos

literatos de escrever uma língua e falar outra.

Capítulo 02A crítica literária no Brasil

25

Enfim, essa facilidade de trocar de moda metodológica teria reforça-do ainda mais as resistências da nossa crítica universitária em relação à re-flexão teórica como componente da prática de leitura de obras literárias. E estamos em um momento da argumentação do ensaio de Flora Süssekind que tende a localizar sua visão em relação ao momento que presenciava. Vejamos a síntese que ela oferece nas páginas finais de seu percurso:

Falou-se até aqui de três modelos de críticos: o de rodapé (ora mais pró-

ximo do noticiarista, ora do cronista), o universitário de modo geral, e o

teórico, desdobramento do personagem anterior e tendo como marca

distintiva indescartável a auto-reflexão. Da tensão entre o crítico-jorna-

lista e o crítico-scholar se originou o perfil do crítico moderno no Brasil.

Diante da afirmação da crítica universitária, novo embate com o meio

jornalístico em fins dos anos 1960. Dificultado o acesso à imprensa, a

pesquisa universitária se vê restrita praticamente à população acadê-

mica mesmo. E, neste voltar-se sobre si mesma, sobre os próprios pres-

supostos, abre-se o caminho para o surgimento deste terceiro persona-

gem: o crítico teórico. (SÜSSEKIND, 2002, p. 34).

São a nomes como Luiz Costa Lima, Haroldo de Campos e Roberto Schwarz que Flora Süssekind modernamente atribui a classificação de crítico teórico, caracterizado pelo diálogo com a tradição crítica e sua investigação a partir dos pressupostos que fundamentam os discursos, inclusive o seu, portanto uma crítica autorreflexiva. À frente gostaría-mos de discutir alguns exercícios de crítica que nos permitiriam per-ceber esse processo de autorreflexão que constitui traço, segundo Flora Süssekind, da crítica literária moderna. São diálogos entre alguns expo-entes do nosso pensamento investigativo acerca do fenômeno literário que exporemos de modo que você entenda esse processo de autorrefle-xão de forma exemplar.

Antes, gostaríamos de fazer com você algumas reflexões acerca da

expansão do mercado de livros brasileiro, a qual, no momento em

que escrevia Flora Süssekind, era notável. Hoje, são surpreendentes

também os números no que se refere ao mercado editorial no País,

o qual tem alcançado marcas sempre crescentes. Isso significa que

Estudos de Teoria Literária II

26

há maior quantidade de leitores consumindo livros e maior oferta

de títulos para atender a demanda crescente. Naquele momento, a

avaliação que fazia Flora Süssekind da situação via a outra dimensão

do processo: o crescimento do poder do crítico jornalista. Isso por-

que o interesse comercial se colocaria para o mercado como mais re-

levante que a reflexão sobre a dimensão literária e o valor das obras,

o que configuraria novo assalto dos críticos impressionistas.

Bem, hoje temos um fenômeno novo, a internet, a qual é um veícu-lo de circulação de discursos com características bem distintas quando comparadas ao jornal. Você sabe que há na rede uma infinidade de tex-tos de crítica literária vinculados a periódicos, livros, blogs, sites e que se oferecem aos interessados. Nota-se, portanto, que o espaço do jornal que antes se demonstrava tão decisivo para estabelecer comunicação com os leitores e formar sua opinião parece ter perdido sua hegemonia, quiçá sua relevância. De toda maneira, infinidade não é sinônimo de qualidade, de tal forma que diante desse bombardeio de textos de crítica literária que nos é oferecido na internet, talvez tenhamos de fazer nós mesmos aquele salto sobre a própria sombra, ou seja, criticar a críti-ca: conhecer seus pressupostos e métodos, bem como suas implicações ideológicas. A facilidade de acesso não nos inibe de realizar a tarefa de refletir sobre o que a crítica diz e de verificar o alcance da sua luz, bem como o tamanho de sua sombra.

Leia mais!

Há um artigo de Regina Zilberman disponível na internet muito instiga-dor pela discussão envolvendo o crescente mercado editorial brasileiro e a formação crítica de leitores literários nas escolas brasileiras nos últi-mos 40 anos. Veja: http://alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais17/txtcompletos/conferencias/Zilberman.pdf. Também para ter uma visão dos aspectos positivos do impressionismo, veja: CANDIDO, Antonio. Um impressionismo válido. In: DANTAS, Vinícius. Textos de intervenção. São Paulo: Duas Cidades; Editora 34, 2002.

A UFSC, por exemplo, tem diversas publicações no

ambiente virtual. Acesse http://www.periodicos.ufsc.

br/ e veja revistas como Anuário de Literatura, Ma-

fuá e Outra Travessia.

Unidade BSociologia da Literatura em debate

Paisagem brasileira, de Lasar Segall (1924).

Capítulo 03Debates críticos

29

3 Debates críticos: o método dialético de Antonio Candido a partir de leituras de O cortiço

A essa altura de nossas discussões, depois de buscarmos situar você diante

da formação da crítica literária moderna no Brasil, nosso intuito será o de

tentar localizá-lo em alguns debates da nossa crítica contemporânea. Faremos

isso em dois momentos, nesta e na próxima unidade, inicialmente, tentando

abordar a tradição dos estudos sociológicos e seu emprego na leitura literária,

particularmente a partir dos trabalhos de Antonio Candido. Depois, nosso

intuito será fazer você se aproximar dos debates em torno da crítica vinculada

aos estudos culturais no Brasil. Em ambos os casos, buscaremos apresentar

o debate expondo você a argumentos favoráveis e contrários a essas teorias e

modalidades de leitura literária a partir do contexto de nossa crítica nacional.

Tendo em vista os objetivos do capítulo já explicitados, procuramos escolher textos que se colocassem de modo provocativo, oferecendo ar-gumentos capazes de nos fornecer diferentes pontos de vista da corrente de crítica literária que será discutida. O objetivo, reiteramos, seria pôr você na presença de um debate de ideias, de modo a fazê-lo perceber as teorias, os métodos e os conceitos numa relação de diálogo, e assim poder concluir o que está em jogo em determinadas leituras literárias, seu alcance e limites. Enfim, todas as discussões que faremos têm como meta contribuir para o processo formativo do leitor de literatura, pro-cesso que se deseja emancipador.

3.1. A leitura estruturalista de Affonso Romano de Sant’Anna

Para situar você diante do método dialético de Antonio Candido, escolhemos uma célebre polêmica envolvendo esse e outro grande in-telectual de nossa cultura, Affonso Romano de Sant’Anna, em torno de um romance naturalista do século XIX: O cortiço. Mas antes um lem-brete: na sua formação de leitor e de seus possíveis educandos, nunca se

Poeta, cronista, professor universitário e ensaísta com obras de mérito reconhecido. É também responsável por várias ações de promoção do livro e da leitura no país. Visite o site oficial: http://www.affonsoromano.com.br/.

Estudos de Teoria Literária II

30

esqueça de que as informações e os comentários sobre o texto literário não substituem a experiência de leitura dele. Supomos que você já tenha lido O cortiço; se não o fez, leia-o – ou releia-o. Isso lhe dará vivência e conhecimento que serão essenciais para depois melhor dialogar com os textos de crítica literária que estudaremos aqui, o que também serve para outras situações semelhantes.

Antes de falar de Antonio Candido e o método dialético, temos de discutir um artigo de Affonso Romano de Sant’Anna, publicado no início da década de 1970, período que acabamos de abordar na unidade anterior pelo viés de Flora Süssekind. Na ótica dessa autora, lembre-se, esse foi o período em que a crítica literária assumiu um jargão científico que mais a teria afastado do âmbito do jornal e do contato com o públi-co em geral. Tal característica teria feito que ela circulasse, mais estrei-tamente, apenas nos círculos acadêmicos. Não nos parece que o artigo de Affonso Romano de Sant’Anna tenha esse jargão, mas muito do que Flora Süssekind dizia acerca desse hermetismo remete a determinados tecnicismos utilizados principalmente pelas correntes de abordagem in-trínseca do texto, mais especificamente o Estruturalismo. Isso, porém, não será tematizado aqui, é apenas um comentário para você se locali-zar em relação aos textos que anteriormente discutimos.

Pois bem, o Estruturalismo é uma teoria que, baseada na concep-

ção de linguagem de Saussure – do qual você tomou conhecimen-

to na disciplina de Linguística –, propõe o estudo do texto literário

como um sistema de relações. Significa dizer que os elementos que

o constituem (personagens, signos, cenas, versos, imagens etc.) não

possuem valor absoluto, mas relativo. Lembra-se da metáfora do

jogo de xadrez empregada por Saussure para exemplificar o valor

convencional dos signos? Você pode substituir o cavalo, por exem-

plo, por uma pedrinha, e essa pedrinha no tabuleiro terá o mesmo

valor que o cavalo, porque convencionalmente acordamos que ela

substituiu a outra peça e seu valor, enfim, não está nela mesma, mas

Reveja a disciplina de Teoria Literária IV, e mais detidamente o que lá se

diz sobre o Estruturalismo.

Figura 3 – Affonso Romano de Sant’Anna, aquarela sobre cartão de Diogo D’Auriol (2010).

Capítulo 03Debates críticos

31

na relação que mantém com todas as outras peças do tabuleiro. O

texto literário também seria um sistema de relações, de certo modo

um jogo, cujas regras que fazem a significação ocorrer precisariam

ser investigadas. A essa disposição latente do texto literário e que

o organizaria como um sistema chamou-se estrutura. Pesquisá-las

seria a tarefa da crítica literária estruturalista.

Feita essa rápida localização, venhamos para o Brasil do início dos anos 1970 e situemos o trabalho de Affonso Romano de Sant’Anna. Lei-tor da teoria estruturalista, observava ele que o Brasil carecia, naquele momento, de exemplos de análise de obras nacionais nessa vertente crí-tica. Seu objetivo, então, era o de ajudar a preencher essa lacuna, embora na apresentação do livro com os estudos críticos ele não se afirmasse estruturalista. Em todo caso, nesse livro, o que buscava na análise das obras selecionadas eram as estruturas que latentemente as organizavam, a fim de contribuir para o processo de divulgação teórica e pedagógica da moderna crítica literária no Brasil.

Sempre tendo em vista essas organizações ocultas e operativas, no caso de O cortiço, Affonso Romano de Sant’Anna aponta para os mode-los de origem científica, provindos da biologia e da termodinâmica do século XIX, como os responsáveis pela ordem sistêmica dessa obra. Ide-ologicamente, portanto, O cortiço se inspiraria em modelos externos à literatura. O princípio da entropia (termodinâmica) – segundo o qual a energia apesar de constante tende a desorganizar-se – e o evolucionismo biológico ditariam sua organização estrutural.

Seguindo o princípio binário da linguagem conforme Saussure, Affon-so Romano de Sant’Anna estabelece dois grandes conjuntos, o simples e o complexo, para dentro deles localizar os elementos da narrativa e descrever os destinos de cada personagem segundo sua identificação com a entropia ou a evolução. Essas leis científicas serviriam, portanto, de modelo a partir do que todas as relações existentes na narrativa se estruturariam:

Todo esse sistema de transformações é exemplificado por personagens

protótipos, que são reduplicados em uma série de outros personagens

Este livro foi adaptado para o cinema, em 1978, por Francisco Ramalho Junior, que também foi o diretor do filme. Você pode obter mais informa-ções em: http://www.imdb.pt/title/tt0194774/. No Youtube, você também en-contra vídeos com cenas desse filme.

O estruturalismo che-

gou até o Brasil vindo da

França. Sua ênfase nos

aspectos internos do tex-

to por aqui foi por muitos

vista como uma forma

de se adequar à censura

durante o regime militar,

que inibia a discussão

de questões de caráter

político-social.

Estudos de Teoria Literária II

32

secundários. Como uma célula que se multiplica por meiose a narrativa

vai se reduplicando simetricamente na realização de modelos inspira-

dos na série científica. (SANT’ANNA, 1973, p. 98).

Ainda, trabalhando na identificação de pares significativos, o crítico estabelece determinados atributos que seriam próprios do cortiço, con-junto simples; e do sobrado de Miranda, conjunto complexo. O primeiro seria primitivo, vinculado à natureza, por isso instintivo e resolvendo os litígios por meio da violência; o segundo, de caráter complexo, situar-se-ia no polo da cultura e ainda se marcaria pela resolução de conflitos por meio da racionalidade e da troca. O primeiro caracteriza-se pela horizontalida-de que rege as relações; o segundo, pela verticalidade, ou seja, a ascensão social seria possível só no segundo conjunto, portanto fora do cortiço.

Dada essa exposição, João Romão é utilizado por Affonso Romano de Sant’Anna como personagem emblemática da passagem na narrativa do conjunto simples ao complexo, à proporção que o pequeno proprietá-rio da venda, mesmo com expedientes moralmente condenáveis, vai aos poucos acumulando os atributos próprios do conjunto complexo para enfim se tornar um integrante dele: visconde e proprietário da Avenida São Romão. Se o evolucionismo é o modelo que estrutura a trajetória de João Romão, processo inverso ocorre com Jerônimo, salienta Affon-so Romano de Sant’Anna. Corroído pela entropia, Jerônimo afunda-se numa decadência que arrasta a toda família.

Frisamos novamente que o objetivo de Affonso Romano de Sant’Anna é demonstrar que são determinadas leis da biologia e da ter-modinâmica que servem de modelo para a narrativa O cortiço, por isso estruturariam todo o sistema de transformações dos personagens.

Contatamos, todavia, que não só no nível dos personagens se veri-ficaria a ação dos modelos científicos estruturadores, mas também em relação ao espaço se observariam transformações conformadas por eles. Esse é o caso dos cortiços São Romão e Cabeça de Gato, pois enquanto o primeiro se verticaliza/urbaniza depois do incêndio, o segundo mantém os traços de violência primitiva. Ou seja, na leitura de Affonso Romano de Sant’Anna de O cortiço, tanto personagens como espaço reduplicam os modelos de evolução e entropia.

Trata-se da lei da evolução das espécies, segundo a qual só aqueles que melhor se adaptam às

transformações do meio conseguem garantir a

reprodução da espécie, e das leis da física sobre

a energia: ela não se cria, nem se destrói, só se transforma; embora

constante, o grau de desorganização da ener-

gia do universo tende a aumentar, processo a que

se chama de entropia.

Capítulo 03Debates críticos

33

3.2. A leitura sociológica de Antonio Candido

Passemos agora para a abordagem do que é nosso objeto principal nesta seção: o método dialético de Antonio Candido. Lembre-se de que no texto de Flora Süssekind você já teve dele uma exposição prelimi-nar, bem como ao longo do curso já tomou contato com alguns estudos desse autor, como aconteceu na disciplina de Literatura Brasileira I, por exemplo, com a leitura da Formação da literatura brasileira.

Pense o seguinte antes de começarmos nossa discussão: Antonio Candido trabalha, nos textos dele que veremos acerca de O cortiço, com a intenção tanto de fazer uma interpretação sociológica dessa obra como também de propor uma perspectiva de análise crítica que possa se fundamentar numa dialética entre aquilo que antes você estudou como os elementos externo e interno da abordagem literária, integrando-os simultaneamente ao seu método crítico.

Seu intuito é construir, portanto, uma leitura específica de O cortiço e,

ao mesmo tempo, ilustrar uma possibilidade de método dialético que,

por meio da determinação de uma forma específica, reúna articulada

e simultaneamente elementos de ordem histórico-social e estética.

Daí seu primeiro passo em “A passagem do dois ao três” é criticar o modelo binário do estruturalismo, salientando a diferença da refle-xão dialética:

Neste sentido, o marxismo é eminentemente triádico, a partir da dia-

lética de Hegel, sendo por isso mesmo capaz de mostrar que o ritmo

tese-antítese-síntese pressupõe equilíbrios fugazes; e isto permite dar

conta dos conjuntos irregulares, mantendo um reflexo mais fiel da ir-

regularidade dos fatos, que os esquemas diádicos tendem a simplificar,

preferindo à visão dinâmica do processo a contemplação estática dos

sistemas em equilíbrio. (CANDIDO, 2002, p. 52).

O que Antonio Candido tem em mira aqui é a reconsideração do modelo que serve de catalisador das trocas no romance: segundo Affon-

SANTOS, Alckmar Luiz dos; SALES, Cristiano de. Lite-ratura Brasileira I. Florianó-polis: LLV/CCE/UFSC, 2008.

Figura 4 – Caricatura de Antonio Candido (FLIP, 2011).

Estudos de Teoria Literária II

34

so Romano de Sant’Anna, a entropia e o evolucionismo. Como vimos, seriam eles que permitiriam aos elementos de O cortiço ascenderem ou não do mundo da natureza ao mundo da cultura. Para Antonio Candido, há algo de apressado derivado dessa mediação operada por tal modelo no que diz respeito à interpretação do mundo histórico-social efetivada por Affonso Romano de Sant’Anna, para o qual a narrativa de Aluísio Azevedo seria contraideológica na medida em que denunciaria o es-quema de exploração de cortiços no Rio de Janeiro do século XIX, mas ideologicamente subserviente, posto que “cumpre à risca os preceitos na-turalistas seguindo de perto o modelo europeu” (SANT’ANNA, 1973, p. 114). O que acarretaria dizer que O cortiço pouco diria também do con-texto histórico-social brasileiro, preso que está a uma forma estrangeira.

Sem desconsiderar o estudo de Affonso Romano de Sant’Anna, An-tonio Candido passa a adotar a mesma díade Natureza versus Cultura em sua análise, já que ela seria eficiente para dar conta ampla dos significa-dos do romance de Azevedo, porém propõe outra mediação entre esses termos, que seria mais capaz de elucidar tanto o valor estético quanto as implicações histórico-sociais de O cortiço. Entre natureza e cultura, é a exploração do trabalho como mediação que se observa poder oferecer maior riqueza interpretativa. Significa dizer que, entre o conjunto sim-ples e o complexo, o que ressalta a possibilidade de passagem de um ao outro – da Natureza à Cultura – é, portanto, a apropriação da mais-valia.

Isto posto, fica difícil ver O cortiço, no que tem de mais profundamente

significativo, como passagem genérica do estado de natureza ao estado

de cultura, pois mesmo que funcionasse no plano heurístico com sufi-

ciente amplitude, esta oposição demasiado geral só ganharia significa-

do pleno se considerássemos o processo de passagem como mediado

pela exploração do trabalho. A realidade das classes, de alienação, se

interpõe entre as duas categorias extremas e faz ver a dinâmica mais

complexa da narrativa de Aluísio. (CANDIDO, 2002, p. 66).

Mesmo quando lança mão de dialogar como dimensões tão além de dados linguísticos como natureza e cultura, Antonio Candido obser-va limitações da análise imanente do estruturalismo, porque, ao con-trário do que efetiva com os elementos internos do texto, explora sem a mesma meticulosidade a relação deste com os elementos de ordem his-

Capítulo 03Debates críticos

35

tórico-social. O autor continua sua análise, tendo em vista demonstrar que a forma, quando localizada de modo pertinente, é tanto elucidativa do funcionamento das relações histórico-sociais a partir de que o texto literário surgiu como também das próprias relações internas deste.

Ela seria simultaneamente interna e externa, capaz de esclarecer

tanto a obra como o mundo. Para isso, lança o “desafio” de trabalhar

a partir de um dado externo para demonstrar seu deslizamento para

o interior da obra como forma organizadora sem deixar de ser es-

clarecedora das relações sociais no Brasil do século XIX. Trata-se de

um dito popular e de humor agressivo que circulava naquela épo-

ca: “Para Português, Negro e burro, três pês: pão para comer, pano

para vestir, pau para trabalhar”. Nesse enunciado, conclui Antonio

Candido, poder-se-ia observar a redução do humano ao animal pelo

trabalho, posto que essa atividade faria com que o homem (portu-

guês e negro) se colocasse numa situação de exploração, tal qual o

burro e o escravo. Mas quem na sociedade brasileira faria circular

esse enunciado? A sugestão de Antonio Candido é de que se trata

do brasileiro livre, nem escravo nem, óbvio, português.

Analisando o complexo social brasileiro do fim do século XIX, Antonio Candido salientava a relação negativa que o brasileiro livre tinha com o trabalho. Provindo de uma sociedade que historicamente viu no labor algo degradante, quanto mais que realizado por escravos, o brasileiro teria em relação a essa atividade restrições. O trabalho seria aviltante, algo que rebaixa, tanto que próprio do es-cravo ou do animal. Assim também rebaixado se via o português, pela contaminação semântica que o dito dos três pés efetivava. Contudo, pela acumulação que a mediação do trabalho permitia (ou sua exploração), o português ascendia socialmente, o que não deixava de naquele tempo excitar a lusofobia de muitos brasilei-ros, inclusive a Aluísio Azevedo.

Figura 5 – O sapateiro, de Jean Baptiste Debret (ca. 1830).

Estudos de Teoria Literária II

36

Ora, tal dito popular teria, portanto, o poder de ser esclarecedor de certo momento da formação do Brasil no qual o país adquiriria novos contornos em função da divisão de classes operada pela expansão capi-talista. Para muitos brasileiros, tal configuração se mostrava com o viés da lusofobia, porque assim compreendiam a ação de acumulação de ca-pital do imigrante português: ele explorava a riqueza nacional, gerando uma espécie de continuação da situação de colônia para o Brasil.

Ora, esta aquisição assume a forma odiosa (para o romancista) da explo-

ração do nacional pelo estrangeiro. Tanto assim, que nas camadas ime-

diatas de significado deste livro não há qualquer sentimento de justiça

social ou da exploração de classes, mas nacionalismo e xenofobia, ataque

ao abuso do imigrante que vem tirar o nosso “sangue”. Daí a presença de

uma espécie de luta de raças e nacionalidades, num romance que não

questiona expressamente os fundamentos da ordem. O roubo e a explo-

ração desalmada de João Romão são expostos como comportamento-

padrão do português forasteiro, ganhador de fortuna à custa do natural

da terra, denotando da parte do romancista uma curiosa visão popular e

ressentida de freguês endividado de empório. (CANDIDO, 2002, p. 72).

Do ponto de vista da compreensão do pensamento de classe vin-culado aos brasileiros livres no fim do século XIX, o dito nos faz aces-sar as suas contradições, posto que indica o desejo de ascender por via que não seja a do trabalho, mas pela proteção paternal do Estado, como também explicita as divisões sociais que caracterizariam aquele Brasil recém-independente. O dito é como “uma gíria ideológica de classe” que afirma dos que estão embaixo que ali devem ficar; aos que estão em cima, que aqui não é meu lugar, pois sou diferente daqueles que embaixo estão, como também não vejo a hora de retirar o lugar de alguém aí acima para ocupá-lo. Visados como aqueles que não mereceriam estar acima estavam os imigrantes portugueses, que a exploração do trabalho permitiria acu-mular e ascender, o que acalorava o rancor daqueles brasileiros livres.

Voltando à análise interna de O cortiço, para Antonio Candido o dito dos três pês confirma-se ainda como sua forma organizadora. O dito poderia ser visto como a chave social que estrutura as rotas das persona-gens daquele romance numa espécie de jogo do qual a violência também não está ausente. Num caso, é o português que já ascendeu, como Miran-da; em vias de fazê-lo, como João Romão; ou se igualando aos nativos e

Muitos provérbios têm o poder de inconscien-

temente transmitir uma determinada visão de

mundo como se fosse a verdade. Lembramos você

de alguns deles vincula-dos à ideologia do deter-minismo biológico: “Filho

de peixe, peixinho é”; “A fruta não cai longe do pé”;

“Tal pai, tal filho”.

Capítulo 03Debates críticos

37

perdendo a chance, como Jerônimo. Noutro caso (ou noutro Pê), são os negros, mas também brancos e mestiços que não encontrarão saída para sua situação social alienada, assemelhados por essa condição. No último caso, enfim, o animal, todos reduzidos pela perspectiva naturalista à ani-malidade e, ainda mais extremo, pela exploração do trabalho a bestas de carga para o enriquecimento do outro. Ou seja, o dito dos pés se instau-raria, pela visão crítica de Antonio Candido, como uma forma que tanto me permite ler o funcionamento ideológico da sociedade como também o sistema narrativo de O cortiço, e nestes termos o crítico conclui:

Todavia, voltemos à análise interna, como ponto de partida para compre-

ender melhor o externo, agora, não como genérico, mas enquanto mun-

do, vida que nutre a obra. E uma vez chegando neste, podemos refazer

o caminho em sentido inverso, como procurei sugerir pela análise do

dito sentencioso. O dito pode também ser considerado a seu modo um

paradigma externo, pois representa a visão de um grupo, uma coletivi-

dade de pensamento. E a partir dele procuro construir um modelo que

desvende a estrutura interna, singular da obra. Há, portanto a possibili-

dade de um método reversível, que se move nos dois sentidos, e que su-

pere o formal e o não-formal na medida em que chega a este partindo

daquele e àquele partindo deste. (CANDIDO, 2002, p. 76).

Enfim, chamamos atenção para que você observe que todo o esforço de leitura empreendido por Antonio Candido em relação a O cortiço dá-se no intuito de contrapor aos métodos estruturalistas uma compreensão do romance que contemple a importância do elemento histórico-social nele refletido. Essa importância não se reduz, todavia, apenas à percepção de como episódios de caráter externo refletem-se naquele romance, mas diz respeito a como uma determinada forma nos é capaz de revelar tanto do mundo histórico-social no qual a obra emergiu, assim como também da própria organização estética dela, ou seja, a forma é simultaneamente fator de organização e explicação tanto social quanto literário.

3.3 A tréplica de Affonso Romano de Sant’Anna

O diálogo crítico entre Antonio Candido e Affonso Romano de Sant’Anna não ficou por aí. Em 1977, este respondeu com um novo en-saio publicado em livro, no qual se posicionava em relação ao método

Estudos de Teoria Literária II

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dialético. É esse ensaio que gostaríamos agora de discutir com você, a fim de que possa compreender a leitura sociológica da literatura de An-tonio Candido por meio da apresentação de argumentos contrários.

Faça-se, porém, um parêntese. O que estamos abordando aqui é uma polêmica que se apresenta nos textos desses autores de maneira extremamente polida, sem ataques pessoais, e com reconhecimento dos méritos feito mutuamente por cada interlocutor. Nesse aspecto, muito distante estamos de certos traços da crítica de rodapé, com comentários de caráter pessoal, ofensivos, que nela poderiam ser vistos. Trata-se de conquista, pois, da crítica moderna, que estabelece um diálogo respei-toso em que o essencial é o debate crítico de ideias, ao invés do ataque à dignidade da pessoa do interlocutor.

Voltando ao ensaio de Affonso Romano de Sant’Anna, que se chama

sugestivamente “Curtição: ‘O cortiço’ do mestre Candido e o meu”, o ar-

gumento fundamental da tréplica é o de que o fenômeno estético seria

por demais complexo para poder ser reduzido unicamente à mediação

proposta pelo método dialético como sua explicação. Expor essas obje-

ções e verificar como são depois resolvidas ou não em outro ensaio no

qual Antonio Candido retoma a discussão e que em seguida veremos é

o objetivo que agora perseguiremos com você.

Um dos pontos fundamentais em que Affonso Romano de Sant’Anna insiste na avaliação que faz da sua leitura e daquela de Antonio Candido diz respeito às ilusões acerca de um método de conhecimento infalível. Todas as propostas de conhecimento científico seriam passíveis de se tornarem mito porque a verdade não é absoluta. Amparado por um re-lativismo epistemológico, Affonso Romano de Sant’Anna tenta demons-trar que o uso da perspectiva dialética do materialismo histórico tam-bém não se eximiria de tornar-se ilusão, mitologia. Isso porque todos os processos de conhecimento passam inevitavelmente pela experiência de preencher o que ele chama de “vazio”, distância entre o que se tem por meta (telos) e o sujeito. Tal meta poderia ser a verdade, a sociedade justa; enfim, as uvas, como sua metáfora irônica sugere. Todavia, por mais que se esforce o homem (ou a raposa) para alcançar seu objetivo, preenchendo com pontos, linhas e sistemas essa distância até o alvo, o

Capítulo 03Debates críticos

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descontínuo persiste: “O pânico do vazio une as estrelas num vôo, cura as doenças, origina as religiões e ideologias e impele à análise literária” (SANT’ANNA, 1977, p. 217).

Situando o marxismo como mais uma ideologia entre outras, Affon-

so Romano de Sant’Anna aponta ainda sua capacidade restrita para

abarcar, como fundamentação teórica para a crítica literária, a com-

plexidade do fenômeno literário. Ao tomar a mediação econômica –

quem, para quem e como se produz? – como determinante das orga-

nizações sociais, o marxismo teria negligenciado outras mediações

que também se manifestam na literatura (e na vida, é claro). Exemplo

disso seria o baixo rendimento interpretativo do método sociológi-

co quando usado para dar conta de “obras que se abrem num leque

de complexidades”, já que trabalha só na perspectiva de encontrar

relações entre sociedade e literatura. Isso o tornaria um método res-

tritivo, incapaz de dar conta de outras mediações que também ope-

rariam nos textos literários, o que seria também o caso de O cortiço.

Para Affonso Romano de Sant’Anna, pois, o crítico deveria usar o máximo possível de recursos metodológicos para ler o romance de Alu-ísio Azevedo, pois ele seria complexo na sua tessitura.

Sou de opinião que devem ser aplicados tantos modelos quantos sejam

os que o analista perceba na latência da obra. Por isto creio que a apli-

cação da mediação do “trabalho” ou da “acumulação do capital” explica

parcialmente o livro, atingindo seus aspectos aspectuais e não estrutu-

rais. A tensão dessa obra estaria na coabitação de diversos níveis de sua

elaboração e nos diversos níveis de leitura que ela permite. [...] Ao que

parece, a análise sociológica além de não dar conta dos vários modelos

que A. Azevedo deixou à mostra (como os extraídos da Biologia e Física)

silencia sobre uma série de outros aspectos como a eroticidade e as

relações de poder da comunidade. (SANT’ANNA, 1977, p. 224.

Pensamos que você deve se perguntar como se podem compreender

mais exatamente esses modelos importantes no romance de Aluísio

Azevedo e que Affonso Romano de Sant’Anna mais genericamente

Estudos de Teoria Literária II

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designa de “eroticidade e as relações de poder da comunidade”? Quais

seriam, pois, as outras mediações que observa latentes em O cortiço e

que permaneceriam negligenciadas pela leitura sociológica de Anto-

nio Candido, esperando por um olhar capaz de cobrir sua relevância?

Vejamos isso! Querendo ressaltar a multiplicidade de modelos que pululam em O cortiço, a referência ao modo pelo qual a mulher padece uma situação de exploração particular no romance, no sentido de não só explorada pelas relações de trabalho aviltantes, mas enquanto gênero, é mencionada como a primeira mediação que, injustamente, não teria sido considerada relevante por Antonio Candido.

A relação Homem versus Mulher seria vital na leitura de Affon-so Romano de Sant’Anna, pois esclarece aspectos da própria sociedade, além do que é também homóloga às relações econômicas. O corpo fe-minino é reduzido no romance a moeda de troca, como nos casos de Estela e Bertoleza. Além do mais, o feminino ainda se manifestaria na relação Mulher versus Mulher como outra possibilidade de relação so-cial enraizada também numa economia da libido. No caso de Pombinha e Léonie, é “a descoberta do sexo como meio de ascensão social pela porta transversa do homossexualismo” (SANT’ANNA, 1977, p. 226). (Aqui, esperamos que você se recorde que essa observação de Affonso Romano de Sant’Anna está amparada na emergência da crítica literária feminista que estudou em Teoria Literária V).

Outro aspecto significativo e negligenciado por Antonio Candido, segundo Affonso Romano de Sant’Anna, você deve ter observado, é o fundamento do critério de ascensão social e de quem ascende. O que é vencer ou ser vencido socialmente para alguém como Rita Baiana, “que menospreza a reificação e opta pela sensualidade sem vencer, nem ser vencida” (SANT’ANNA, 1977, p. 228)? Não há uma compreensão ide-ológica do que seja ascender socialmente nesse modo como Antonio Candido a estabelece no romance, já que só o homem português “ven-ce” e outras possibilidades seriam desconsideradas? Affonso Romano de Sant’Anna ainda pondera que há uma classe média emergente que

Capítulo 03Debates críticos

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também se elevaria ao fim do romance, quando muitos migram para a Avenida São Romão. A acumulação, nessa perspectiva, continua o autor, “não se faz apenas através de Romão, mas em termos grupais, e a clas-se média aparece mediatizando pólos que Marx polarizou em excesso” (SANT’ANNA, 1977, p. 228).

Finalmente, é a própria mediação do trabalho que sofre observa-

ções por parte de Affonso Romano de Sant’Anna. Primeiro, sua capa-

cidade de explicar a especificidade da sociedade brasileira, pois ela

não se mostraria estrutural no nosso caso se não articulada ao ócio.

É à “sociologia da malandragem” que Affonso Romano de Sant’Anna

se refere e cuja importância destaca enquanto componente da nos-

sa tradição cultural. Além disso, no romance, não necessariamente

todo aquele que trabalha consegue ascensão social (o que seria o

caso de Jerônimo), nem aqueles que enriqueceram o conseguiram

por meio exclusivo do labor honesto (Romão).

Ainda outros pontos são comentados por Affonso Romano de Sant’Anna – a desconsideração da presença de negros e a escolha de uma forma exterior ao texto do romance analisado (o dito dos três pés) para proceder à análise –, como você deve ter observado, mas não os abordaremos aqui. Salientemos, por fim, em relação ao ensaio de Affon-so Romano de Sant’Anna, a sua imagem do crítico literário como aque-le que deve utilizar-se dos mais diversos conhecimentos provindos de diferentes áreas para fazer valer a complexidade do fenômeno literário, mais especificamente a de O cortiço:

Isto nos faz retomar a questão inicial de que não é possível uma análise

ampla desse romance usando apenas um elemento mediador ou ape-

nas um modelo. Há que selecionar os mais pertinentes e reagenciá-los

sistematicamente. Por isto a tarefa do analista literário é das mais árduas.

Ele tem que somar onde outros especialistas se contentam em se res-

tringir. Não que ele tenha que ser um filósofo, um sociólogo, um antro-

pólogo, um psicanalista, um matemático, etc. Mas quanto mais ele sou-

ber dessas disciplinas afins e de outras que não são consideradas afins,

melhor para ele e melhor para a literatura. (SANT’ANNA, 1977, p. 234).

Estudos de Teoria Literária II

42

Façamos uma observação para você que está acompanhando nossos

comentários com certa inquietação. Você pode estar se perguntando

qual é, pois, o ponto de vista correto e se nós, os autores deste texto, não

estaríamos reticentes quanto a oferecer uma posição diante dessa po-

lêmica. Bem, você não deixa de ter razão em nos cobrar um posiciona-

mento, mas parece-nos que neste momento o mais importante é deixar

suas reflexões críticas assumirem o papel principal. Nosso intuito é que

você entenda o valor e o alcance do método dialético de Antonio Candi-

do a partir do saudável debate. Seja você, pois, também um debatedor!

3.4. Novo contexto e acréscimos: Affonso Romano de Sant’Anna e a reelaboração da leitura

Em 1991, Antonio Candido publica uma nova versão do ensaio sobre O cortiço, incorporando elementos anteriormente produzidos e acrescentando outros. Passou-se um tempo considerável entre essa pu-blicação e a tréplica de Affonso Romano de Sant’Anna (de 1977) para dizermos que se trata de uma continuidade direta daquele debate. Na verdade, poderíamos dizer que possa ser uma resposta àquele texto de Affonso Romano de Sant’Anna, mas muito mais à penetração na crítica literária brasileira da influência francesa de Derrida, o desconstrucio-nismo. Isso pode se mostrar mais evidente quando em seguida discu-tirmos um ensaio de Roberto Schwarz. Agora se trata de ler com você o novo ensaio de Antonio Candido, principalmente enfatizando os novos aspectos de sua análise de O cortiço que nele se apresentam, bem como reiterando a particularidade de sua crítica dialética.

Mudando tacitamente o alvo da sua análise, o objetivo não seria mais questionar o binarismo do método estruturalista, mas, de modo mais explícito, localizar o método dialético em relação à teoria da in-tertextualidade. Segundo essa teoria, você já viu, um texto é feito de ou-tros textos, em relação aos quais pode ser – às vezes simultaneamente – comentário, ironia, citação, modelo, imitação etc. Levada ao extremo,

Capítulo 03Debates críticos

43

a teoria da intertextualidade dissolve conceitos tradicionais da literatura comparada como fontes e influência, pois se poderia dizer que, como um texto é sempre uma imitação de outros textos, não há texto que seja absolutamente original.

Bem, é a partir dessa situação paradoxal que Antonio Candido coloca

a questão da gênese da obra literária: sua geração advém de outros

textos ou ela se forma a partir da experiência com a realidade recria-

da pelo autor? Ou seja, as condições de possibilidade de uma deter-

minada obra são dadas pelo intertexto ou pela vivência histórico-so-

cial de alguém que cria um mundo novo em cada obra? Para Antonio

Candido, a solução não está em nenhum dos polos exclusivamente,

mas na sua integração, já que tanto a natureza do texto quanto a do

autor é ambígua: nem o texto está totalmente dissociado do mundo,

nem o autor cria um novo absoluto a partir de si. Isso estabelece a

questão de fundo, de método crítico, que será perseguida: “um pro-

blema de filiação de textos e de fidelidade aos contextos”.

Assim, O cortiço seria sob certo aspecto um livro influenciado por L’Assommoir, de Zola, portanto cópia deste; por outro lado, a necessida-de de representar o contexto em que estava inserido fez com que Aze-vedo produzisse uma obra com elementos inovadores comparados ao livro de Zola, portanto original. Ou seja, tudo isso faz com que O cortiço seja uma obra que encarna ao mesmo tempo a dependência e a liberda-de. Como isso ocorreria?

Não há dúvida de que é o modelo do romance naturalista que é perseguido por Azevedo, e tanto no livro de Zola quanto no do autor brasileiro estamos diante do retrato da pobreza em habitações precárias, tudo isso explicado por determinismos mesológicos. Todavia, diz Anto-nio Candido, a diversidade temática de O cortiço é maior, já que aborda maior número de assuntos que Zola, o qual compôs uma obra muito mais vasta, na qual tratou com especificidade diversas questões. O grau de desenvolvimento do Brasil do século XIX, ainda pobre em diversida-de social se comparado à França, teria feito Aluísio Azevedo concentrar na mesma obra diferentes problemas. O mais diferencial de todos diria

Émile Zola foi um impor-tante escritor francês do final do século XIX, que levou as teses da ciência da época para a literatura escrevendo uma série de romances naturalistas que integram o ciclo Rougon-Macquart.

Concepção da biologia que confere ao meio ambiente capacidade de determinar o modo de ser das espécies.

Estudos de Teoria Literária II

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respeito ao modo da acumulação capitalista representado na figura de Romão e aqueles que são por ele explorados, moradores do cortiço.

Ao contrário de L’Assommoir, trata-se de uma história de trabalhado-

res intimamente ligados ao projeto econômico de um ganhador de

dinheiro, por isso o romancista pôs ao lado da habitação coletiva dos

pobres o sobrado dos ricos, meta visada pelo esforço de João Romão.

A consciência das condições próprias do meio brasileiro interferiu na

influência literária, tornando o exemplo francês uma fórmula capaz de

funcionar com liberdade e força criadora em circunstâncias diferentes.

(CANDIDO, 1991, p. 113).

A mediação do trabalho e sua exploração como fator de acumu-lação em um capitalismo primitivo você já viu anteriormente e deve ter observado que as páginas retomam discussão já por nós abordada. Sigamos, portanto, os acréscimos ao ensaio anterior que Antonio Can-dido articula agora na esteira do problema da filiação de textos e de fidelização a contextos.

Você observou que Antonio Candido se refere a uma dialética do es-

pontâneo e do dirigido para situar nova diferença de O cortiço em rela-

ção a L’Assommoir e, ao mesmo tempo, vinculá-la ao contexto brasileiro.

Por essa diferença pode-se compreender a representação da natureza,

que no romance de Zola é ausente em função do grau de urbanização

da França, mas em O cortiço é uma dimensão fundamental. Isso porque,

país periférico e subdesenvolvido, a natureza aqui se mostrava no coti-

diano fluminense (até hoje assim é, não?) como uma evidência que no

romance de Azevedo atua como realidade orgânica que se insinua nas

personagens, comandando suas ações, só se subjugando à direção do

novo capitalista, Romão. É ele que doma a natureza brasileira, dando a

ela utilidade e lucro, salienta Antonio Candido.

Essa diferença em relação a L’Assommoir mais se explica, continua Antonio Candido, pela “fidelidade” que Aluísio Azevedo mantém em re-lação ao contexto brasileiro, pois preserva, por um lado, a nossa tradição romântica de ênfase à natureza local; mas, por outro, retrata essa nature-za numa dimensão naturalista e avessa ao otimismo romântico. Instado

Capítulo 03Debates críticos

45

pela necessidade de fazer uma literatura empenhada, Azevedo teria feito do cortiço uma espécie de alegoria do Brasil, projetando ali um com-plexo de relações de vária ordem, afirma Antonio Candido. Seguindo as pretensas leis do determinismo mesológico e da teoria racial, Azevedo realizaria no seu romance um tipo de causalidade em que a natureza brasileira produziria uma raça avessa à civilização. Sua exuberância e ca-lor seriam um apelo sexual que estaria no fomento da mestiçagem bra-sileira, tipo decaído de raça, fantoche da natureza tropical brasileira. Em última instância, só Romão, o “colonizador”, daria conta de subjugá-la.

Ora, tal posição em relação à natureza e aos tipos étnicos cons-tituiria uma espécie de sentimento contraditório na intelectualidade brasileira daquele momento, que Azevedo não deixou de representar também, de modo indireto, no seu romance. Enfim, a partir dessa cons-tatação de que o país é feito sobre uma natureza avessa à civilização, suporte de uma população mestiça que a teoria racial dizia ser inferior, como sentir orgulho de ser brasileiro?

No Brasil, quero dizer, n’O Cortiço, o mestiço é capitoso, sensual, irrequie-

to, fermento de dissolução que justifica todas as transgressões e consti-

tui em face do europeu um perigo e uma tentação. Por isso, não espanta

que João Romão encarasse e manipulasse essa massa inquietadora com

o desprezo utilitarista dos homens superiores de outra cepa. Por que

então apresentá-lo de maneira tão acerba? Por que mostrar nele um

explorador abjeto, se a sua matéria-prima era uma caterva desprezível?

Esta contradição do livro é a própria contradição do Naturalismo; é a

manifestação em Aluísio da ambivalência de sua geração. (CANDIDO,

1991, p. 121).

3.5. A crítica da crítica: Roberto Schwarz

Você deve ter observado que o estudo de Antonio Candido da obra de Azevedo ganhou mais corpo, mas a tese básica manteve-se: a propos-ta de integrar na análise a perspectiva imanente e transcendente ao texto literário por meio de uma forma (o dito dos três pés) que simultanea-mente as explique continua no centro da investigação. Dois acréscimos ainda se mostram: 1) a problematização da relação com o modelo euro-peu, L’Assommoir; 2) o cortiço como alegoria do Brasil.

Alegoria “simbolismo que abrange o conjunto de uma obra, num pro-cesso em que o acordo entre os elementos do plano concreto e aque-les do plano abstrato se dá traço a traço [...] sequência logicamente ordenada de metáforas que exprimem ideias diferentes das enuncia-das” (HOUAISS, 2009, não paginado). No E-Dicionário de Termos Li-terários, você encontra uma explicação mais ampla sobre ‘alegoria’: <http://www.edtl.com.pt/index.php?option=com_e&task=viewlink&link_id=532&Itemid=2>.

Estudos de Teoria Literária II

46

Faltaria, pensamos, retomar um ponto que desde a primeira versão da crítica literária de O cortiço acom-panha o estudo: a discussão sobre métodos de análise. Vimos que na década de 1970, era o estruturalismo o alvo visado por Antonio Candido. Os acréscimos feitos na versão de 1991 também sugerem ser um posicio-namento sobre teorias e metodologias de abordagem literária, o que “De cortiço em cortiço” tacitamente propõe. Tais proposições de crítica à crítica literária é o

que gostaríamos de discutir agora com você através de uma leitura feita por Roberto Schwarz em ensaio publicado em 1999.

Nesse ensaio, Roberto Schwarz arrazoa sobre os aspectos que fa-zem de “De cortiço em cortiço” paradigmático para a compreensão da inovação do método dialético de Antonio Candido, como também di-rige comentários críticos a abordagens contemporâneas, as quais des-privilegiariam a discussão sobre as relações sobre literatura e sociedade baseadas, de modo geral, num relativismo pós-moderno. São os argu-mentos de Schwarz em relação ao valor do método dialético de Antonio Candido comparado a outras perspectivas de abordagem literária que gostaríamos de discutir agora com você.

Diversas questões são abordadas por Roberto Schwarz situando o ensaio de Antonio Candido no universo da crítica literária contem-porânea, mas é a questão da gênese e interpretação da obra literária no contexto das relações entre culturas centrais e periféricas que parece as-sumir maior corpo. Para isso, Roberto Schwarz enfatiza a importância da categoria de forma social na compreensão de tal relação.

Lembra ele que é um modelo europeu o usado por Aluísio Azevedo em O cortiço, com muitas passagens lembrando episódios e temas da-quele. Entretanto, aqui, a forma do romance naturalista é acondicionada pelo escritor ao apelo da realidade brasileira, o que permitiria no mes-mo movimento dar conta tanto de questões próprias a cada sociedade particular, como também fazer isso à luz das especificidades da com-posição literária de L’Assommoir e O cortiço. Ou seja, a partir da forma romance naturalista destaca-se a sociedade de perfil urbano-industrial lá e a de um capitalismo primitivo aqui, por exemplo.

Aluno de Antonio Can-dido, escreveu vários

estudos sobre Machado de Assis, além de outros

objetos. Vem de tradição marxista e é autor de im-

portantes análises sobre a particularidade da forma-

ção social brasileira. Leia entrevista com Roberto

Schwarz em: http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/

v23n67/11.pdf. Também assista ao vídeo com

conferência em: <http://www.youtube.com/

watch?v=9n_jqDxEW9s>.

Figura 6 - Roberto Schwarz – crítico literário, fotografado por Leonardo Wen.

Esse romance de Zola narra a trajetória decaden-

te da personagem Ger-vaise, impulsionada pelo alcoolismo, em meio aos

bairros pobres de Paris. O título pode ser traduzido como porrete, armadilha,

taberna.

Capítulo 03Debates críticos

47

Ora, poder-se-ia insistir então se o que o escritor nacional estaria fa-

zendo não fosse mais que uma cópia, já que é a um modelo estrangei-

ro que obedece, reforçando a compreensão da subserviência de nossa

cultura à europeia. Contudo, retomando Antonio Candido, observa

Roberto Schwarz, vê-se que de modo absoluto não, pois há na com-

posição modificações feitas por Azevedo. Tais mudanças permitem

que o modelo do romance naturalista (que no fundo poderia natura-

lizar as relações entre ricos e pobres, mostrando estes como fadados

pela raça a serem explorados) seja aqui – provavelmente não de modo

consciente por Azevedo – redimensionado de modo a representar a

ideologia vilã da elite local no contexto de acumulação capitalista.

Numa outra perspectiva, então, essas mudanças operadas em O cor-tiço fazem dele, “cópia”, superior ao original? Sobrepujaríamos com isso nosso complexo de inferioridade colonial?, pergunta Roberto Schwarz.

Nem por isso entretanto estas [noções de original e cópia] se tornam

supérfluas, como querem os amigos da intertextualidade e de Derrida,

os quais mal ou bem supõem um espaço literário que não existe, sem

fronteiras, homogêneo e livre, onde tudo, inclusive o original – e por-

tanto nada –, é cópia. Só por ufanismo ou irreflexão alguém dirá que

a eventual superioridade de um artista latino-americano sobre o seu

exemplo europeu indica a paridade cultural das áreas respectivas, por aí

ocultando as desigualdades e sujeições que teriam de ser nosso assunto

por excelência. (SCHWARZ, 1999, p. 26).

Roberto Schwarz aponta, na citação anterior, para uma determi-nada consequência da compreensão da teoria da intertextualidade, se-gundo a qual nenhum texto na verdade é em última instância original, porque nele outros estão incorporados. Levada tal compreensão para a história das culturas, a divisão destas em centrais e periféricas se mos-traria também sem fundamento. No fundo, poder-se-ia concluir que o sentimento de inferioridade por ser uma cultura de imitação, no caso da América Latina, existiria mais por um efeito ideológico construído pelo colonizador e assimilado pelo colonizado, portanto, que pelas condições de sincronia que constituem o espaço literário, “onde tudo, inclusive o original – e portanto nada –, é cópia”. Para Roberto Schwarz, todavia, o

Estudos de Teoria Literária II

48

mérito da leitura de Antonio Candido é dar conta da relação de imitação e novidade no romance de Aluísio Azevedo em relação a Émile Zola, sem deixar de considerar a diferença do subdesenvolvimento brasileiro, que não desapareceria por uma discussão de cunho filosófico sobre o original e o modelo, já que foi historicamente produzido.

Observe que são as posturas que desconsiderariam a historicidade

como importante dimensão no ato da crítica as mais visadas pela me-

tacrítica de Roberto Schwarz. É o caso do formalismo que, na ânsia de

supervalorizar a forma como legitimadora da autonomia e distinção do

discurso literário em relação a outras práticas de linguagem, acaba fa-

zendo da forma algo destituído de contato com o mundo, sem referên-

cia, o que significaria o seu confinamento (SCHWARZ, 1999, p. 31).

Isso não faz, porém, do método dialético de Antonio Candido uma retomada da leitura típica da história literária, a qual faria o trabalho de justaposição entre fatos do contexto, biografia de autores e as obras de um determinado período. Não, não se trata de construir um “pa-norama de época, no qual em seguida se inserem os livros que se quer explicar” (SCHWARZ, 1999, p. 33), abordagem que é tradicional no ensino brasileiro de literatura e que você com certeza conhece.

A sociedade com todas as suas nuances históricas, políticas, eco-nômicas e culturais é um elemento de explicação da obra de Aluísio Azevedo, diz Roberto Schwarz, mas a partir de dentro, como forma or-ganizadora. Isso dá outro viés à compreensão das relações entre o inter-no e externo porque ambos são articulados a um mesmo movimento que esclarece tanto um quanto outro, tanto o contexto da obra como seu dinamismo interno. No caso do dito infame achado por Antonio Candido “a questão anterior da ‘fidelidade a contextos’ muda de caráter: em lugar do modelo pronto, dado e a copiar, que funciona como um estímulo de fora, temos uma presença estruturada – externa? interna? –, presa a práticas sociais específicas e parte, através destas, da história contemporânea” (SCHWARZ, 1999, p. 36).

Sobre a história literária e seu papel no ensino de

literatura, não deixe de ler as observações feitas nos

PCN, “Orientações curricu-lares para o ensino médio”, particularmente na página 76. Acesse o link http://por-tal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volume_01_inter-

net.pdf.

Capítulo 03Debates críticos

49

Leia mais!

É importante para que você possa ter acesso a outros pontos de vista em crítica literária a fim de apreciar outros argumentos. Para tomar conhe-cimento dos interlocutores tácitos que se contrapõem à visão sociológi-ca de Antonio Candido e Roberto Schwarz, você pode ler: SANTIAGO, Silviano. O entre-lugar do discurso latino-americano. In: _____. Uma literatura nos trópicos: ensaios sobre dependência cultural. São Paulo: Perspectiva1978. Sugerimos também: CAMPOS, Haroldo de. O seqües-tro do barroco na formação da literatura brasileira: o caso Gregório de Matos. Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado, 1989.

Unidade COs Estudos Culturais

Roda de samba no terreiro, de Heitor dos Prazeres (1962).

Capítulo 04Debates críticos

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Debates críticos: os estudos culturais e a teoria literáriaO objetivo deste capítulo é fazer uma breve apresentação dos estudos

culturais e uma análise de sua contribuição para a crítica literária brasileira

nas questões relacionadas à literatura e seus vínculos com poder, cultura,

arte e identidade.

Continuando nossos passos pelos caminhos da crítica literária brasileira na contemporaneidade, vamos falar um pouco da recepção e dos desdobramentos de uma corrente literária nascida originalmente na Europa, depois levada para os Estados Unidos e também exportada para os campos da América do Sul e com a qual você teve contato na disciplina de Teoria Literária V. Como já foi dito anteriormente, os tex-tos literários e até mesmo os textos de crítica literária não nascem no além, não caem do céu prontos, não acontecem no vácuo, mas surgem em certas circunstâncias específicas, lugares, momentos, contextos so-ciais diversos. A perspectiva teórica encabeçada pelos estudos culturais parte dessa posição e, por isso, não contempla o texto literário como objeto sagrado, obra de gênio, indecifrável, inefável, intocável, portanto sagrada. Para essa corrente teórica, todo texto nasce em determinado contexto histórico, político, social e cultural. Nada é neutro. Tudo faz sombra. Tudo oscila e pode ser deslocado.

Aqui nesta unidade, gostaríamos de trilhar com você e discutir a partir dos estudos culturais outro percurso de investigação da crítica literária contemporânea no Brasil. Nosso intuito aqui seria aprofun-dar uma discussão sobre essa corrente, com que você já teve contato, colocando-o também diante de um debate em que argumentos são lan-çados com a intenção de problematizar as relações entre poder, cultu-ra, arte e identidade. Para isso, discutiremos com você três artigos de críticos nacionais. Os dois primeiros visam localizá-lo diante das ques-tões levantadas pelos estudos culturais, seja em seu favor ou contra. A seguir um exercício de crítica literária com base nos estudos culturais será compartilhado com você, de modo que possa ter uma escuta mais atenta dos procedimentos e do alcance interpretativo dessa corrente da crítica literária.

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KAMITA, Rosana Cássia. Teoria Literária V. Floria-nópolis: LLV/CCE/UFSC, 2010.

Estudos de Teoria Literária II

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4.1 Contextualizando os estudos culturais

Por considerar que textos nascem na história, em determinado espaço geográfico e cultural, os estudos culturais acabam se caracteri-zando por uma postura eminentemente crítica e reflexiva em relação à tradição e à cultura prevalecentes, no sentido de revisar valores, dis-cursos do passado e atualizá-los dentro da contemporaneidade. Uma das premissas básicas do movimento é a ideia de que a formação e a manifestação da cultura estão diretamente relacionadas com as relações sociais. Outra premissa é a de que “cultura envolve poder, contribuindo para produzir assimetrias nas capacidades dos indivíduos e dos grupos sociais para definir e satisfazer suas necessidades” (JOHNSON, 2006, p. 13). E, finalmente, como desdobramento lógico da premissa anterior, a cultura é um espaço de diferenças e conflitos sociais. Dessa maneira, romances, poemas, contos, todos os textos nascem em meio ao burbu-rinho de vozes diversas, interesses conflitantes, diferentes posições de poder. A literatura não apenas testemunha essas diferenças e tensões, como também ela mesma colabora para manter ou modificar esses con-flitos. De todo modo, o texto literário jamais será objeto neutro, que esteja acima ou além das conjunturas imediatas ligadas ao poder e à rea-lidade social. Inicialmente, o movimento elaborou diversos trabalhos de crítica literária, mas posteriormente foi abrindo seu escopo para outros focos de interesse, outras manifestações culturais (CULLER, 1999).

Por chamar a atenção para o vínculo entre cultura, sociedade e poder, os estudos culturais trazem consigo uma carga de engajamento político muito forte. Não é à toa que eles vêm acompanhando passo a passo, ao longo dos últimos anos, os movimentos ideológicos e sociais de esquerda, como o feminismo, a luta pelos direitos civis de cidadãos afrodescendentes nos Estados Unidos, os movimentos de migração da África para a Europa, ao lado dos debates em torno de questões relacio-nadas à raça, etnicidade, nação, gênero e até mesmo ecologia. As afini-dades com o feminismo remontam ao início da década de 1970, como você pôde perceber quando da leitura do artigo de Affonso Romano de Sant’Anna, na unidade anterior.

Capítulo 04Debates críticos

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Em termos metodológicos, os estudos culturais se apropriam de vários campos do saber: filosofia, sociologia, antropologia, história, crí-tica literária. Certamente, a interdisciplinaridade parece ser sua marca principal, e o ecletismo metodológico ou teórico, seu maior risco. Como disciplina acadêmica, os estudos culturais buscam utilizar as diversas metodologias de pesquisa e problematização disponíveis nos diversos campos do saber.

Neste momento é preciso lembrar a observação de Renato Ortiz de

que a realidade brasileira é diferente da de Birmingham, na Inglater-

ra, e dos Estados Unidos da América (ORTIZ, 2004, p. 120): os eixos

temáticos e as abordagens propostos lá e aqui são diferentes. O Bra-

sil tem suas especificidades. Aqui os estudos culturais parecem ser

feitos “pelas bordas”, expressão de Pierre Bourdieu, na periferia dos

campos sociais [sociologia, antropologia, literatura], diferentemen-

te do caráter mais rigoroso e disciplinar das universidades europeias

e norte-americanas (ORTIZ, 2004, p. 121). No Brasil, o processo, na

academia, é sempre fragmentado, uma experiência não totaliza-

dora, não globalizadora. A transdisciplinaridade, por exemplo, não

ocorre plenamente, pois os conflitos entre grupos fechados de in-

teresse acadêmico imperam. Neste sentido, os europeus trabalham

muito mais coordenadamente.

Dessa forma, os estudos culturais agregam em sua teoria multidis-ciplinar categorias da filosofia, da psicologia, da psicanálise, da sociolo-gia, da antropologia e da semiótica a fim de ver como determinados tra-ços da vida social, numa cultura, aparecem na obra literária (BORDINI, 2006). No caso da teoria literária, método: análise cultural e não mais literária. O método dos estudos culturais

[s]upõe uma primeira etapa atenta a toda espécie de elementos de lin-

guagem, ênfases, repetições, omissões, imagens, ambigüidades, perso-

nagens, incidentes, enredo e tema. Isso é feito não pelo elemento em si,

mas tendo em vista sua funcionalidade ao mesmo tempo estética, psi-

cológica e cultural. [...] A segunda etapa determina o campo de valores

socioculturais que a obra selecionou, refletiu, transformou ou rejeitou

(BORDINI, 2006, p. 14).

Pierre Bourdieu (1930-2002)Antropólogo e filósofo francês estudioso da cultura, do poder e dos símbolos na sociedade.

Estudos de Teoria Literária II

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Dessa maneira, privilegia-se a sociedade, seus valores, visão de mundo, sistema, rituais, arte, etc. Esse processo é sempre dialético, in-completo e não ortodoxo, enfatizando os vínculos socioculturais da obra, a “materialidade dos processos de produção e recepção” (BORDI-NI, 2006, p. 14).

Concomitantemente à multiplicidade de disciplinas envolvidas no

trabalho dos estudos culturais, percebe-se também a diversidade

de objetos de estudo, que vão desde textos literários a programas

de tevê, música popular, teatro, literatura, cinema, internet, jornal,

etc. Em suas pesquisas, eles analisam a ideologia nos programas de

tevê, nos textos de propaganda, a recepção desses “textos”, visto que

a cultura manifesta-se de várias maneiras nos vários segmentos da

sociedade. Nos estudos culturais, percebe-se claramente a celebra-

ção da cultura popular, dos “processos materiais do público leitor”,

o apelo à democratização do acesso à alta cultura e a ampliação da

discussão para os campos da cultura (BORDINI, 2006, p. 14-15).

Vamos agora acompanhar um pouco mais de perto os passos de Maria da Glória Bordini em sua reflexão a respeito do surgimento dos estudos culturais e suas implicações. Segundo ela, uma das grandes mu-danças trazidas pela chamada pós-modernidade é o fato de a arte não verbal igualar-se cada vez mais à arte verbal na busca pelo status de arte (BORDINI, 2006). Ela comenta como o romance policial e o artesanato indígena, por exemplo, são vistos hoje e como se torna problemático definir o que é arte e o que não é? Surge a questão da literariedade e, na sequência, a questão da abertura do cânone para as manifestações populares de cultura. O respeito pela diversidade cultural tornou-se pri-mordial hoje e afetou radicalmente o modo de produzir, ler e comentar literatura. Como observa Bordini (2006, p. 17),

[c]om o avanço de seus estudos, [os pensadores franceses, em especial

Roland Barthes] vão constatando que a estrutura narrativa, postulada

como invariante, pode explicar quaisquer bens culturais em que se con-

te uma história, pondo por terra a ilusão de que certas obras literárias

Capítulo 04Debates críticos

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narrativas excepcionais seriam fruto de mentes privilegiadas e só pode-

riam ser fruídas e não analisadas e entendidas no seu funcionamento

estético.

A autora ainda enfatiza o objetivo dos estudos culturais, segundo um de seus precursores, Raymond Williams: dar acesso a todos da co-munidade à cultura, e não apenas a uma classe social (BORDINI, 2006). Dessa forma,

[o] intento é ressocializar e rehistoricizar a grande arte, tornada abstrata

nas mãos das elites, bem como promover as manifestações das classes

populares e das minorias a um estado de dignidade cultural que não

lhes é concedido (BORDINI, 2006, p. 14).

Esse interesse por vários objetos e essa valorização dos itens menos nobres e privilegiados da cultura, por força de um impulso democrático e no afã de uma postura política condizente com os ideais de libertação e resistência à opressão, você deve ter percebido, permitiu aos represen-tes dos estudos culturais abrir a discussão a respeito do cânone, contes-tando seus critérios, postura altamente criticada pelos seus opositores. Para estes, a contestação do cânone gera o empobrecimento cultural da população, recorre a elementos não literários, isto é, privilegia obras de qualidade duvidosa, a despeito das possíveis boas intenções políticas e de engajamento social.

Caminhando nessa mesma direção, você observou, Leyla Perrone-Moisés também crê que esquecer a própria tradição cultural e focar apenas numa posição contra o cânone ocidental é um dos equívocos dos culturalistas brasileiros (PERRONE-MOISÉS, 2004, p. 6). Para ela, o filósofo Jacques Derrida, que você já viu na discussão da unidade an-terior, vai além da mera rejeição da tradição: “O princípio da citaciona-lidade, da intertextualidade, que preside à análise derridiana de textos, implica a existência de uma tradição” (PERRONE-MOISÉS, 2004, p. 6). E continua:

Derrida não é um relativista, no sentido de lançar mão de todas as tra-

dições culturais como equivalentes. A desconstrução pensa a relação

com o outro da tradição e da comunidade de uma maneira que nada

tem a ver com o relativismo epistemológico e ético da chamada ‘pós-

modernidade’. (PERRONE-MOISÉS, 2004, p. 6).

Raymond Williams (1921-1988), nascido no País de Gales, foi um importante crítico literário, novelis-ta e pensador influente no campo dos estudos culturais.

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Jacques Derrida dialoga com os intelectuais da tradição ocidental, não os rejeita, e propõe-se a “endossar [contresigner] com meu próprio sangue, minha própria tinta, meu próprio trabalho, rubricar o que eles fizeram de uma maneira que seus fantasmas possam não apenas apro-var e reconhecer algo, mas ser enriquecidos com um dom” (DERRIDA, 1996, p. 220 apud PERRONE-MOISÉS, 2004, p. 6). Jacques Derrida va-loriza o conceito de comunidade e tradição e jamais propôs a “explosão” do cânone ocidental (PERRONE-MOISÉS, 2004, p. 6).

Um termo caro aos estudos culturais é identidade, que não se cons-

titui numa essencialidade contida no ser humano, como se pensava

nos tempos anteriores ao século XVII, mas é fruto de suas relações.

Na perspectiva dos estudos culturais, a identidade é construída por

meio do discurso, da linguagem, em meio a relações de poder e em

meio a muitas reverberações, múltiplas vozes, num processo cheio

de contradições. As identidades são construídas com base na dife-

rença do outro, e não na semelhança, como sugere a própria raiz da

palavra (idios: o que é igual, próprio). Trata-se de um processo histó-

rico que se dá na relação com o outro e por meio de representações.

Identidade é um movimento contínuo de construção e reconstrução.

Ela trafega por uma via dupla: a identidade que invento para mim

mesmo e a identidade que os outros me atribuem. O que sou está

em tensão, em movimento entre essas duas forças. As identidades

são construídas por meio de práticas sociais, portanto o indivíduo

sozinho não as tem.

A modernidade tardia ou a chamada pós-modernidade fez alterar completamente os processos de construção identitária. Nas palavras da pesquisadora Maria da Glória Bordini, “a antiga unidade cultural, cen-trada no conceito de nação e das línguas pátrias, foco de identificação e ligação social pelo menos desde o século XIX, já não vigora” (2006, p. 12). Essas alterações têm direta relação com os estudos literários na medida em que “[a] existência de múltiplas culturas, distribuídas em tribos e facções, regiões, cidades e bairros, ou até na esquina ou no condomínio, cada uma com sua especificidade e necessidades, determina uma altera-

Capítulo 04Debates críticos

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ção radical no campo dos estudos literários” (BORDINI, 2006, p. 12). E aqui faço lembrar o comentário de uma das grandes autoridades sobre estudos culturais no Brasil, Ana Carolina Escosteguy. Segundo ela,

[…] os estudos culturais questionam a produção de hierarquias sociais

e políticas a partir de oposições entre tradição e inovação, entre a gran-

de arte e as culturas populares, ou, então, entre níveis de cultura – por

exemplo, alta e baixa, cultura de elite e cultura de massa. A consequên-

cia natural desse debate é a revisão dos cânones estéticos ou mesmo de

identidades regionais e nacionais que se apresentam como universais

ao negarem ou encobrirem determinações de raça, gênero e classe. (ES-

COSTEGUY, 2001, p. 41).

Todas essas ações têm direta relação com os estudos literários e pro-vocam grandes debates em torno de questões como a definição do con-ceito de cultura, a construção das identidades nacionais e culturais em textos literários, a representação da mulher, da criança e, conforme já vi-mos, a alteração, rejeição do cânone literário. Além disso, a síndrome das influências também se fará presente nos debates, a busca por uma funda-mentação teórica puramente nacional em contraponto com a dependên-cia intelectual de categorias construídas na Europa ou em outros países.

Decorrente das questões vinculadas à identidade, o termo multicul-

turalismo também precisa ser abordado: sua fonte são os estudos

culturais a partir dos Estados Unidos. Nessa perspectiva, a cultura não

é mais vista como homogênea, mas como um mosaico composto de

diversos segmentos da sociedade e de outras sociedades (BORDINI,

2006). “Preside, pois, esse fenômeno, a idéia de diferença e, princi-

palmente, a de que as diferenças podem co-existir pacificamente,

sem perder suas características próprias e sem serem dominadas por

algum conceito universalista ou humanista que as uniformize” (BOR-

DINI, 2006, p. 15). O grande problema da perspectiva multiculturalis-

ta norte-americana é a celebração da diferença pela diferença, man-

tendo uma certa compreensão de que os diferentes vivem ou devem

viver pacificamente, sem conflito. Ora, diferenças geram conflitos.

É preciso que se estudem os conflitos que ocorrem na sociedade.

Estudos de Teoria Literária II

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“O termo multiculturalismo é criado nos Estados Unidos, para deno-

minar não uma disciplina, mas um sistema de pensamento e de in-

tervenção social fundado na noção de descentramento e diferença

do pós-estruturalismo francês” (BORDINI, 2006, p. 18).

Nessa perspectiva,

pensar uma sociedade multicultural seria admitir o outro não como al-

teridade ameaçadora para a integridade do sujeito, mas como um ou-

tro eu que permite o autoconhecimento e o auto-aperfeiçoamento por

contraste, usando-se o mesmo princípio do traço diferencial sem o qual

o sentido não se configura (BORDINI, 2006, p. 19).

E ainda mais: “A mentalidade multicultural parte do suposto de que a realidade é uma construção humana, ou seja, que aquilo que acre-ditamos ser real não passa de uma versão, dependente das teorias que a descrevem e dos interesses a que estas obedecem” (p. 20). Desse modo, não há mais realidade objetiva, apenas interpretações, relativização dos valores. Como consequência lógica disso, continua Maria da Gloria Bordini: “Se a realidade só se oferece através das subjetividades que a descrevem, os valores se tornam relativos, pois a verdade do que se diz sobre algo está condicionada por uma história pessoal ou por uma con-venção coletiva” (BORDINI, 2006, p. 21).

Entretanto, ainda segundo Maria da Gloria Bordini, o processo pode ter aspectos positivos: a literatura oferecendo, por exemplo, um sistema de valores aos sujeitos; os sujeitos construindo-se por meio da literatura em harmonia com o outro, emancipadamente (2006, p. 21). Sem dúvida, tal postura é bastante otimista em relação ao ser humano e um tanto ingênua em relação às condições sociais, políticas e econômi-cas determinadas pelo sistema capitalista. Para Leyla Perrone-Moisés, está claro que

[o] ‘multiculturalismo’, conceito liberal politicamente correto, pelo que

implica de tolerância à diversidade cultural, na prática favorece a cria-

ção de guetos estanques, convivendo no mesmo espaço, transforma-

dos em objetos de estudos particularistas, apaziguadores de conflitos

Capítulo 04Debates críticos

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sociais e, em última instância, incentivadores de prósperos nichos mer-

cadológicos (2004, p. 5).

Para Jacques Derrida, continua Leyla Perrone-Moisés (2004, p. 5), o outro é irredutível ao mesmo, “por isso considera as palavras ‘tolerân-cia’, ‘fraternidade’ e ‘integração’ como insuficientes para inventar o novo cosmopolitismo que o mundo de hoje exige (Ver A. Dufourmantelle/J. Derrida 1997 e J. Derrida 1997)”. Como frisa muito bem a autora, Der-rida não prega o apagamento das diferenças, a convivência pacífica, mas a continuidade do conflito, da tensão e a necessidade de negociação. “É uma relação de tensão; essa hospitalidade é tudo, menos fácil e serena” (DERRIDA, 1999 apud PERRONE-MOISÉS, 2004, p. 5). Derrida é con-tra a moralização do termo “outro”, que para ele nada tem de moral.

É também nos Estados Unidos que o estruturalismo, o pós-estru-turalismo e as ideias de Derrida vingam entre os anos 1960-1980, num contexto marcado pela Guerra Fria, pela Guerra do Vietnã, por movi-mentos sociais de juventude, de liberação sexual, luta pelos direitos ci-vis dos negros e índios norte-americanos, feminismo, movimento gay (BORDINI, 2006, p. 18). O que marca a perspectiva multiculturalista é a desvinculação do marxismo, que sempre esteve presente nos estu-dos culturais na Inglaterra. Nas palavras de Maria da Gloria Bordini (2006, p. 18):

[a] discussão sobre identidades múltiplas e diferenças culturalmente si-

tuadas propiciava o encaminhamento de condutas políticas sem pres-

supor a luta de classes ou a determinação da superestrutura ideológica

pela base econômica, princípios do marxismo penosamente conserva-

dos, num meio claramente hostil à contestação do capitalismo, por uma

escassa camada de intelectuais progressistas.

Até aqui temos acompanhado o comentário crítico de algumas inte-lectuais – Maria da Glória Bordini, Leyla Perrone-Moisés e Ana Carolina Escosteguy – acerca dos estudos culturais, suas implicações teóricas e sua inserção no contexto do debate acadêmico brasileiro. A seguir, vamos co-mentar um texto acadêmico que ilustra muito bem um processo de leitu-ra crítica possível a partir da perspectiva dos estudos culturais. Vejamos.

Estudos de Teoria Literária II

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4.2 A título de exemplo

Vamos dar, então, mais um passo em nossa caminhada pela crítica literária contemporânea. A fim de exemplificar a aplicação dos estudos culturais aos estudos literários, vamos comentar o artigo “Identidades

e nomadismos”, de Zilá Bernd (1999). A autora se alinha à perspectiva derridiana, que tenta fugir das armadilhas da essen-cialização das identidades. Prefere, por isso, não utilizar o termo identidade, mas identificação, tudo para garantir a mo-bilidade do conceito, a abertura para fu-turas alterações, para a relativização das representações. Sua análise foca a pro-dução de identidades dentro das tensões entre os processos de colonização e des-colonização da América Latina em geral

e do Brasil em particular e tenta alertar para os perigos da fixação das identidades, a imobilidade, que segundo ela seria uma forma de fetichis-mo. Zilá Bernd sugere que a essencialização das identidades, ainda que na boa intenção da luta contra o racismo, prejudica a literariedade dos textos produzidos, isto é, a construção de identidades fixas prejudica a qualidade da literatura que se faz. Isso é muito interessante na medida em que uma das críticas que se fazem aos estudos culturais, conforme já dissemos, é quanto à relativização dos critérios de literariedade e a aber-tura do cânone a textos de menor valor e a escritores periféricos.

Para Zilá Bernd, o grande risco das tentativas de construção da identidade é a fossilização, “que se transforme em um sistema de va-sos estanques, originando cristalizações discursivas, criando cordões de isolamento entre cidadãos, ou condenando à morte a literariedade (quando se trata de expressar a identidade através de textos literários)” (1999, p. 95-96). Nesse aspecto, seu trabalho está em consonância com a perspectiva de Leyla Perrone-Moisés, que afirma que um dos erros dos estudos étnicos é a essencialização, a supervalorização da raça (PER-RONE-MOISÉS, 2004, p. 3), a “busca de uma africanidade essencial”,

Figura 7 – Zila Bernd

Capítulo 04Debates críticos

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que não enxerga as diferenças entre os negros em outras partes do mun-do (PERRONE-MOISÉS, 2004, p. 4), por exemplo. Nesses termos, o oprimido tende a ser exaltado e visto como superior, e o texto literário vira “discurso panfletário”. Então, num movimento paralelo, ocorre a exaltação da literatura menor como necessariamente boa e melhor, sem o cotejamento com as literaturas hegemônicas e sem critérios específi-cos que possam avaliar minimamente a literariedade do texto produzi-do. Isso ocorre com alguma frequência nos textos de crítica literária rea-lizados na perspectiva do pós-colonialismo (PERRONE-MOISÉS, 2004, p. 4-5). O problema apontado por Perrone-Moisés é “a generalização da ‘margem’, a demonização do ‘centro hegemônico’ e a valorização essen-cialista do ‘entre-lugar’” (2004, p. 4). Ou seja, o erro é sempre o mesmo: essencialização.

O texto de Zilá Bernd é dividido em duas partes, uma mais teórica discutindo os processos de identificação de acordo com intelectuais de alguma forma ligados ou afins aos estudos culturais, e outra focada na análise da literatura negra brasileira, também dentro da abordagem das questões de identificação e representação.

Na primeira parte, a autora comenta o etnocentrismo que carac-teriza alguns textos inaugurais da descoberta e colonização das Amé-ricas, que acabam negando a existência dos povos que ali habitavam. Segundo ela, os colonizadores, viajantes e aventureiros definem aquelas nações pela falta, pela ausência, pela negatividade, o que oferece a deixa para a afirmação dos europeus que estavam chegando (BERND, 1999). Ao utilizarem o artifício da negação, os europeus estavam atribuindo uma identidade àqueles povos e àquelas terras. Cristóvão Colombo, por exemplo, vai chamar aqueles povos de índios e “só conseguirá descrever as gentes que observa através da utilização de oxímoros: eles são de uma ‘disformidad fremosa’. Freqüentemente as descrições se caracterizam pela negatividade: ‘eles eram gentes desprovidas de tudo; eles andam nus; eles não têm armas nem as conhecem; eles não têm ferro; não per-tencem a nenhuma seita’” (COLOMBO, 1991, p. 61 e 100 apud BERND, 1999, p. 96-97). Como se vê, os povos indígenas são os povos do não, não isso, não aquilo.

Estudos de Teoria Literária II

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Outro texto colonial citado por Zilá Bernd é de autoria de Jacques Cartier (1534), um explorador francês viajando pelo Canadá, que igual-mente descreve os povos indígenas em termos de falta de tudo: de civi-lização, de progresso, de cultura, de Deus: “ce sont des gens effarables et sauvaiges” e “le Canada est la terre que Dieu donna à Cayn” (CARTIER apud BERND, 1999, p. 97).

Ao lado desse texto, a autora cita a carta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal (1500), que também caracteriza os povos indígenas pela via da negação: “eles vão nus, sem nenhuma vestimenta para co-brir-lhes as vergonhas” e “não houve mais palavra nem entendimento com eles, pois sua barbárie é tal que não se chegava a compreendê-los” (CAMINHA apud BERND, 1999, p. 97). Ela cita ainda o conquistador espanhol Francisco Pizarro, para quem os índios são sujeitos sem “rei, nem lei, nem fé” (apud BERND, 1999, p. 97).

Para Zilá Bernd, o quadro está claro: esses relatos transbordam de exemplos de etnocentrismo e recusa do outro, rejeição da alteridade, uma construção que se tornou perene na história das Américas e que acabou por gerar preconceito, racismo, violência, justificando inclusive todo o processo de saque, dominação e exploração comercial. Tal pri-meira leitura sobre os povos autóctones das Américas realizada pelos descobridores e aventureiros seria confirmada séculos mais tarde pela filosofia de Hegel, por exemplo, ao negar aos povos americanos e africa-nos a capacidade de acessar “o mundo da Razão” em seu livro Lições de Filosofia da História Universal (1999, p. 97). Essa falta, essa negação, essa amputação original, esse “luto da origem” (Régine Robin), contraposto a inúmeras tentativas de encontrar outra versão, outra narrativa, marcaria nossa cultura, nossa literatura e nossa identidade (BERND, 1999, p. 98).

É então que a autora retoma Derrida e um escritor das Antilhas chamado Édouard Glissant (Martinica, 1928-2011) para pontuar a ur-gência de uma concepção não acabada de identidade, portanto mais apropriadamente chamada de “identificação”, uma concepção mais di-nâmica, que também é o que defende Stuart Hall. Assim, a preferência por termos como identificação, e não identidade, crioulização, e não crioulidade, americanização, e não americanidade (BERND, 1999, p. 98). O desdobramento disso seria a busca por uma narrativa a partir

Stuart Hall (1932): sociólo-go e teórico dos estudos culturais, foi por muitos

diretor do Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS), sediado

em Birmingham, na Ingla-terra.

CrioulidadeA palavra “crioulidade”

apela para uma es- sência, algo fixo e ma-terializado nos corpos

dos sujeitos, enquanto a palavra “crioulização” sugere mais a ideia de

processo e movimento, algo mais provisório e

evanescente.

“eles são gente assustado-ra e selvagem”; “o Canadá

é a terra que Deus deu a Caim”.

Capítulo 04Debates críticos

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do crioulo, do negro, do desterrado, alienado em sua própria terra, e foi assim que surgiu uma resposta e um movimento cuja bandeira seria o conceito de negritude. Entretanto, essa resposta segue a mesma tendên-cia à fixidez encontrada nos textos da colonização, a mesma essencia-lização, desta vez a essencialização da diferença. Por isso, a tarefa que Glissant deslinda para os povos colonizados seria a de criar um discurso autoral, uma narrativa de si que fosse dinâmica, que levasse em conside-ração o outro, que fosse movimento e não fóssil.

Ao “nomadismo invasor” dos conquistadores europeus, Édouard Glissant (apud BERND, 1999, p. 99) propõe o “nomadismo circular”, característico dos povos das Américas, de subsistência, sustentável. O processo de dominação cultural teve um caráter muito claro de renome-ação das terras, dos espaços, das pessoas que por aqui viviam e também da própria cultura existente, mas sempre em termos combativos de ne-gação, arrogância e imposição. O que restou a esses povos violentados foi o revide, a resposta em termos de oposição direta (BERND, 1999, p. 99-100). Estava definido o roteiro, fechado o círculo, os povos indígenas poderiam apenas reagir e não mais agir, dar resposta e não interpelar. A proposta de Glissant, a do “nomadismo circular”, quebra o encanto e a dominação na medida em que propõe

uma volta revalorizante a práticas anteriores à chegada dos europeus

como a errância ou o nomadismo que, por conterem a noção de relação

e de diversidade, podem nortear os processos de recuperação identitá-

ria. O conceito de deriva permite, assim, relançar o debate identitário

como processo em perpétua e indispensável movência. Neste modelo,

pensa-se a identidade não como fortalecimento de uma raiz única, mas

como rizoma, ou seja, a raiz multiplicada que se abre em busca do outro,

aceitando o múltiplo e o diverso como base da (re)elaboração identitá-

ria. (BERND, 1999, p. 100).

Em consonância com as ideias de Derrida e Glissant, a autora cita o sociólogo francês Michel Maffesoli (1944–), que cunhou o conceito paradoxal de “enraizamento dinâmico”, o qual reafirma a ideia de que “a identidade não é um alvo a ser atingido, mas algo que se vive na tensão, em uma permanente incompletude” (BERND, 1999, p. 100). Maffesoli não fala de identidade, mas de identidades, de vários papéis que uma pessoa é levada a assumir na sociedade em que vive, de modo que haja

Escritor, poeta, romancis-ta, teatrólogo e ensaísta francês.

Estudos de Teoria Literária II

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sempre uma noção de incompletude, uma ambivalência, sempre “na tensão entre o apelo do enraizamento e a tentação da errância”. Por tudo isso, a ideia de negritude, cheia de certezas e fundamentos, precisa dar lugar a um conceito mais frouxo e provisório, o de “crioulização”, algo que o escritor Patrick Chamoiseau (Martinica, 1953–) viu em sua pró-pria cultura e propôs ao comentar:

Ameríndios, békés, indianos, negros, chineses, mulatos, madeirenses,

sírio-libaneses... Nós quisemos preservar purezas originais, mas nos vi-

mos atravessados uns pelos outros. O Outro me modifica e eu o mo-

difico. Seu contato me anima e eu o animo. E estes desdobramentos

nos oferecem ângulos de sobrevida, e nos desselam e nos amplificam.

Cada outro torna-se um componente de mim, embora permaneça dis-

tinto. Eu me torno o que sou em meu apoio aberto sobre o Outro. E esta

relação ao Outro me abre em cascatas de infinitas relações a todos os

outros, uma multiplicação que funda a unidade e a força de cada indiví-

duo: Crioulização! Crioulidade! (CHAMOISEAU, 1997, p. 200 apud BERND,

1999, p. 101, tradução da autora)

A afinidade ou até mesmo a semelhança como conceito de alte-ridade de Bakhtin, o olhar do outro, o excedente de visão, está muito evidente. Certamente, é evidente também o otimismo com que o outro é visto como essencialmente amistoso e colaborador. A autora vê aqui uma aproximação com as ideias de Nestor Canclini e o compósito de lin-guagens, a interação do múltiplo, mestiçagem, impureza, composição.

O problema na construção de identidades de caráter fixo é que

elas seguem uma lógica binária: negros vs. brancos; mulheres vs.

homens; jovens vs. velhos; católicos vs. protestantes. Essa lógica é

também excludente, pois não concebe a possibilidade de olhar a

realidade a partir do ponto de vista do outro. Na verdade, ela torna

a literatura uma impossibilidade, visto que parte da experiência de

leitura de um romance, por exemplo, consiste em identificar-se com

o outro, no caso uma personagem, e entrar na pele dele, isto é, olhar

a vida pelos olhos do outro, uma experiência vicária. Segundo Leyla

Perrone-Moisés (2004, p. 1), o próprio “Derrida aponta e questiona,

nesses textos, os dualismos hierárquicos em que o primeiro termo

Nestor García Canclini (1939–): antropólogo e

pensador argentino inte-ressado nas questões da

cultura e da pós-moderni-dade.

Capítulo 04Debates críticos

67

tem sido historicamente privilegiado: ser/não-ser, fala/escrita, reali-

dade/aparência, masculino/feminino, etc.”. O processo crítico inau-

gurado por Derrida é infinito, pois não há ponto final, não há última

palavra, síntese, “já que o sentido último é sempre diferido” (PER-

RONE-MOISÉS, 2004, p. 1). “Por não se imobilizar jamais numa afir-

mação plena, a desconstrução leva freqüentemente a aporias. ‘Nem

isso, nem aquilo’, ‘por um lado, por outro’, são formulações freqüen-

tes no discurso de Derrida” (PERRONE-MOISÉS, 2004, p. 1). “A aporia

é o limite da desconstrução, que visa ao deslocamento do sentido,

numa atitude de crítica permanente” (PERRONE-MOISÉS, 2004, p. 1).

A aporia seria o reconhecimento da insolubilidade, a constatação do

beco sem saída em que se meteram os significados, o que exige do

intelectual, do leitor, uma atitude mais humilde, menos dogmática,

portanto mais flexível à revisão e ao diálogo.

O pensador indiano Homi Bhabha (1949–) propõe uma saída para o impasse do binarismo das oposições: o conceito de “espaço intersticial”, segundo Bernd uma lógica diferenciada, um terceiro espaço, algo que ela também chama de um “entre-lugar”, que permitiria a superação dos opostos. A autora cita, inclusive, o autor brasileiro Guimarães Rosa, em seu conto “A terceira margem do rio”, como sugerindo algo parecido, um espaço imaginário além da lógica comum (BERND, 1999, p. 102). Tal impasse (o binarismo) e a proposição de uma alternativa também foram experimentados por Jean-Jacques Derrida, que fez a primeira crítica:

Se o sentido só se constitui por oposição de traços distintivos, ele nota

que a dualidade das oposições implica sempre a hierarquização e a

dominância, inclusive política, do primeiro termo. Assim, branco/preto,

além de permitir a distinção semântica e perceptiva das duas cores, dá

à sociedade branca poder sobre a negra na própria disseminação do

sentido pela linguagem (BORDINI, 2006, p. 17-18).

O risco da hierarquização e da fixidez está sempre presente. Por isso é preciso fazer a desconstrução: “Para tanto, [Derrida] postula uma radicalização da noção de diferença, que ao mesmo tempo mantém a dessemelhança, mas a adia” (BORDINI, 2006, p. 18). Leyla Perrone-

Estudos de Teoria Literária II

68

Moisés, em seu artigo intitulado “Desconstruindo os Estudos Culturais”, questiona, por exemplo, o feminismo, que se diz seguidor de Derrida: contra o falogocentrismo, mas cujos textos se contradizem ao pres- supor uma essencialização do feminino para justificar a “escrita femi-nina” (2004, p. 2), o que seria uma forma de idealização, um resvalo metafísico. Outro problema que Leyla Perrone-Moisés percebe no fe-minismo é a pregação da superioridade do feminino, a hostilidade ao masculino (2004, p. 2-3), portanto uma forma de dualismo excludente e hierarquizante. Nessa perspectiva, ele reforça o machismo ao criar es-tereótipos: “Ontologizando ‘a mulher’, definindo-a pelo pré-simbólico, pela intuição, por uma vivência intensa do corpo, pela maternidade, as feministas reafirmam as características atribuídas às mulheres, desde sempre, pelo patriarcado” (2004, p. 3).

Com bases nessas considerações teóricas a partir da contribuição de tantos intelectuais ligados aos estudos culturais e à sociologia, Zilá Bernd aproxima-se dos textos literários produzidos por negros brasilei-ros. A autora mesma define essa literatura como sendo aquela “onde um ‘eu’ enunciador assume uma identidade negra, buscando recuperar as raízes da cultura afro-brasileira e preocupando-se em protestar contra o racismo e o preconceito de que é vítima até hoje a comunidade negra brasileira” (BERND, 1999, p. 103).

A tese principal da autora é de que, na busca por uma identidade que responda aos 350 anos de escravidão e preconceito a que foi expos-ta, a comunidade negra tende a produzir uma identidade de revide, de resposta radical, que se inclina a diluir a força poética de sua arte. Dessa maneira a literatura negra tende

a assumir a causa dos direitos de igualdade dos negros brasileiros, trans-

formando seus contos e poemas em bandeiras de luta contra a violên-

cia discriminatória de que é vítima a comunidade afro-brasileira. É nossa

tese que, ao erguer esta bandeira de defesa dos direitos humanos e ao

tecer a trama narrativa ou poética com os fios da revolta e da denúncia,

esta literatura tende a perder sua literariedade, tornando-se estereotipa-

da. (BERND, 1999, p. 103).

Capítulo 04Debates críticos

69

Ou seja, ao criar uma narrativa enraizada na oposição ao europeu, a comunidade afrodescendente acaba cedendo ao processo de enraiza-mento, tornando-se historicamente inerte e culturalmente irrelevante.

O corpus da pesquisa é composto por uma antologia de textos lite-rários (contos, poemas e ensaios), intitulada Cadernos Negros, escritos pelo grupo Quilombhoje, criado em São Paulo em 1978. A autora cons-tata que a publicação foi perdendo vigor ao longo dos anos na medi-da em que repetia suas fórmulas e seus temas, levando a uma “(quase) completa exaustão do manancial simbólico que a nutre” (1999, p. 104). E, segundo a autora, os textos brilhantes que contém apenas confirmam a regra geral. Ou seja, apesar da boa causa, apesar da correção política e dos ideais, a literariedade dos textos fica a desejar, segundo o juízo de Zilá Bernd. Os textos assim presos à rigidez de uma forma preestabe-lecida acabam excluindo leitores que não pertençam à comunidade de afrodescendentes. Como exemplo, a autora traz um poema do início da coleção (1982), em que o poeta expressa seu desejo de que sua arte faça diferença, que tenha relevância histórica e mude a condição do povo:

O meu poema não basta.

Não leva o pão à mesa;

Não constrói a moradia.

…............

Bem sei, o meu poema não basta,

Mas ai do povo

Que não tem seus cantores. (PAULA, 1982, p. 55 apud BERND, 1999,

p. 104).

Ao mesmo tempo em que o poeta revela seu anseio de fazer dife-rença, ele reconhece os limites de sua poesia, suas incapacidades.

Em seguida, a autora traz um poema publicado em 1996 que apre-senta as mesmas características do escritor que, com sua arte, enfrenta as desigualdades de uma sociedade preconceituosa e injusta:

Estudos de Teoria Literária II

70

As minhas palavras de pedra

Hoje as quero rolando pelas ladeiras

Nas mãos dos moleques de rua,

Rompendo telhados de vidro

Dos antigos maus vizinhos, das caras de cor de lua

Quero as palavras de pedra, pelas ruas da cidade. (CORREA, 1996, p.

119 apud BERND, 1999, p. 104).

Como se pode perceber, mantém-se a fé no poder da palavra po-ética para perturbar o comodismo da sociedade cercada pela presença da cultura do branco. Para Bernd, isso é sinal de que o tom dos textos poéticos e as aspirações dos seus autores pouco mudaram depois de 20 anos.

Outra característica que a autora encontra nos textos poéticos da antologia é o tom de martírio, o exercício da “martirologia”, que é o cul-tivo da memória dos sofrimentos do passado, desde os tempos da escra-vidão, as injustiças, o racismo, as injúrias, a violência contra os negros brasileiros. Segundo a autora, esse tipo de poema está crivado de res-sentimento e lamentação:

Omissão de aperitivo copo cheio

Receio de ser negro

Negaceio

Meneio de cabeça

Cabeçada

Em aguçada ponta cheia de ilusão...

Desculpa esfarrapada

Na garupa do cavalo fugitivo no galope à procura do não-ser

Conivência de trair toda vivência

Com agressões tão violentas de

“não sei, não senti, não vi”

Capítulo 04Debates críticos

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riso falso camuflado na vergonha

riso ódio que detesta e não contesta

só se fecha nesta mágoa de gol contra (CUTI, 1982, p. 18-19 apud

BERND, 1999, p. 105).

E, conforme a autora aponta, dez anos depois, na publicação Ca-dernos Negros n. 15 o ressentimento continua presente.

Minha vida minha vida

É ilha de sofrimento

Cercada de injustiça por todos os lados

Meu irmão onde a saída

Senão a força da rebeldia

…...............

Vítima de perseguição

Encurralado marginalizado

Neste mundo neste mundo

Meu irmão tenho vontade

De sair como um demente

Gritando gritando pelos campos

E ruas e praças das cidades

Que é preciso urgentemente

Limpar com papel higiênico

A cara cristã da sociedade. (ASSUMPÇÃO, 1992, p. 9 apud BERND,

1999, p. 105-106).

Como observa a autora, outro exemplo de repetição de fórmula, a vitimização do afrodescendente (BERND, 1999). Evidentemente, o pro-

Estudos de Teoria Literária II

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blema do preconceito continua, e o preconceito também não mudou, o que poderia ter mudado é a abordagem do escritor, os recursos que ele utilizou. O sofrimento humano também continua e é agudo, mas isso não significa que as soluções poéticas tenham de ser as mesmas. Para a autora, esse tipo de poesia, escrita como revide, faz o poeta cair “numa perversa armadilha que é a de encerrar-se num círculo vicioso que o impede de inovar, de ir à busca das enormes riquezas contidas na oralidade africana que poderiam vir a oxigenar esta poesia” (BERND, 1999, p. 106).

O passado de sofrimento e tortura ainda está presente neste próxi-mo exemplo trazido por Bernd, extraído do n. 11 dos Cadernos Negros, de 1988:

Fiz do chicote um laço

Das chicotadas pelourinho

Enforquei feitores

Chicoteei capitães do mato

Ceguei, retalhei sinhozinhos

Refugiei-me nas emoções

Sou impune

Livre. (ALVES, 1988, p. 50 apud BERND, 1999, p. 106)

Como se vê, a lógica do rancor em relação ao passado e o caráter previsível do poema revelam seu caráter ideológico e a fixidez das iden-tidades aqui representadas. O que ocorre com esse poema é a presença determinante de um projeto político que dirige as escolhas da lingua-gem poética, de modo a se tornar direta, unívoca, cristalizada. O que deveria ser do interesse da sociedade como um todo se torna referência e patrimônio simbólico de uma única tribo, uma comunidade fechada.

O poema segue uma agenda política predeterminada, como é o caso do próximo e último exemplo:

Capítulo 04Debates críticos

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Quanto te envolver

Em minha negritude

Pegarás em armas

Armas-palavras

E sairás pelas ruas

Aos brados

Pegarás vida

E serás ressuscitado

Da catacumba, imunda. (ALBERTO, 1986 apud BERND, 1999, p. 107)

Como se pode notar, observa a autora, a literatura proposta pela co-munidade de afrodescendentes do Brasil tem-se caracterizado pela busca de um contradiscurso, pela formulação de uma resposta às provocações e imposições historicamente perpetradas pelos brancos descendentes de europeus. Por não serem incluídos no cânone da literatura brasileira, eles buscam formular um projeto literário e identitário próprio.

A autora não nega o valor da literatura e seu poder para transfor-mar a sociedade, mesmo em regimes autoritários ou em sociedades do-minadas por relações opressoras e antidemocráticas. Na pior das hipó-teses, a literatura cumprirá o papel de ironizar o poder, de rir-se dele e desmascarar suas incoerências e abusos, como o bobo da corte dos tem-pos medievais. O poder da literatura, nesses casos, não está na ênfase com que a frase é dita ou na eloquência com que faz a denúncia, mas na sutileza, na ambiguidade, “naquilo que esconde ou camufla” (BERND, 1999, p. 108).

A autora também alerta para o perigo de generalizações. Como bem adverte, ela limitou-se a estudar apenas o grupo Quilombhoje, e não toda a comunidade negra do Brasil. Reconhece que há escritores refinados entre os afrodescendentes, uma poesia mais sutil e complexa, e indica autores como:

Edimilson de A. Pereira (1963–): poeta mineiro nascido em ӃJuiz de Fora (MG), doutor em comunicação e cultura e profes-sor da Faculdade de Letras da UFJF;

Estudos de Teoria Literária II

74

Oliveira Silveira (1941-2009): poeta vanguardista gaúcho e um Ӄdos criadores do Grupo Palmares, de Porto Alegre (RS);

Ronald Augusto da Costa (1961-): poeta gaúcho nascido na Ӄcidade de Rio Grande, inicialmente ligado à poesia margi-nal e experimental, também atua como músico popular e compositor; e

Miriam Alves: escritora negra que começou a publicar seus po- Ӄemas e contos em 1983. Foi integrante do Quilombhoje Litera-tura no período de 1980 a 1989.

Esses autores fazem uma literatura que vai além dos projetos polí-ticos imediatos, da agenda e das bandeiras da comunidade de onde se originam. Dessa forma, a autora antevê o momento em que

a literatura negra passará a ocupar um lugar mais importante no con-

texto da literatura e da sociedade brasileiras quando deixar de exprimir

através de retórica grandiloqüente e de forma tão categórica as violên-

cias e os constantes ataques aos direitos humanos de que ainda são

vítimas os negros brasileiros (BERND, 1999, p. 109).

O que caracterizará essa grande poesia será justamente a capacida-de de escamotear e “trapacear com a linguagem”.

Concluindo, a autora reafirma a importância da linguagem literária na busca pelo preenchimento do vazio, para a superação da angústia, e invoca o conceito de antropofagia dos modernistas brasileiros, que se assemelha ao conceito de nomadismo dos povos das Antilhas, para indicar a necessidade de uma produção cultural caracterizada pela mo-bilidade, pelo dinamismo, e oferecer uma superação das narrativas de colonização (BERND, 1999, p. 109-110).

Como você pode observar, os estudos culturais pretendem uma leitura

do texto literário que leve em conta a realidade social e histórica em

que o texto é produzido. O artigo de Zilá Bernd optou por analisar uma

antologia de obras que não fazem parte do cânone, o que é caracterís-

tico da preocupação dos estudos culturais, com o debate das questões

identitárias, étnicas, raciais, via literatura.

Capítulo 04Debates críticos

75

Certamente, há muito mais que estudar e aprofundar neste campo da teoria literária. Os estudos culturais são muito amplos e a diversidade de abordagens que eles permitem é bastante grande, indo muito além do espaço que nos é disponibilizado. Tendo já uma caminhada de quase 50 anos de história, essa corrente da crítica literária continua vigorosa no sentido de renovar o pensamento crítico e propor questões bastante per-tinentes aos dilemas do ser humano nos dias de hoje. Evidentemente, não há unanimidade, não há sequer consenso. O debate está aberto. Da mes-ma forma que os estudos culturais se opõem ao estudo do texto isolado da realidade social e histórica, eles também são criticados por se deixa-rem levar pela correnteza do relativismo pós-moderno, num discurso que acaba abandonando o texto literário em favor de outros interesses.

Leia mais!

Indicação de leitura: Recomendamos muito a leitura do livro Crítica Cult, de autoria da prof. Eneida Maria de Souza, em que a autora discu-te temas como cultura, modernidade tardia, identidade na perspectiva latino-americana. Recomendamos também a leitura do livro Altas lite-raturas, de Leyla Perrone-Moisés, que apresenta uma discussão sobre a formação do cânone ocidental e traz uma reflexão ampla e profunda sobre o exercício da crítica literária e as mudanças de valores e pensa-mentos trazidas pela chamada pós-modernidade.

Palavras finais

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Palavras finaisEm nossa caminhada, chegamos a um ponto em que divisamos os

limites de nossa própria época. Ao redor, inúmeras vozes, inúmeras pos-sibilidades de significação e ressignificação da realidade. Adiante, uma avenida impressionante de textos a serem lidos, comentados, discutidos. Atrás de nós, uma trajetória que não pode ser esquecida nem abando-nada, nossa própria história. Entre a memória e os projetos de futuro, nossa identidade em constante construção. Dentro de nós, o Outro que nos habita e convida para o diálogo. Então, sigamos adiante.

Como você pode ver, a crítica literária tem tudo a ver com você e com sua vida. Longe de ser um passatempo de pessoas muito cultas e esnobes, a literatura e a reflexão sobre a literatura querem tocar o miolo de nossa existência no mundo e nos provocar a, de forma consciente, disciplinada e, por que não dizer, criativa, ler e reescrever a realidade. E haja leitura.

É isso. Leitura. Crítica literária não é nada mais, nada menos que isso: leitura rigorosa e responsável do texto literário, responsável no sen-tido bakhtiniano da palavra, de ser ativa, de buscar respostas e fazer questionamentos. É também uma experiência partilhada, um exercício comunitário, uma prática cultural. Ao mesmo tempo, é um ato criativo, quase como se fosse uma forma de escritura. Nenhuma leitura é final. Nenhuma leitura substitui o texto original. Nenhuma leitura anterior substitui a sua própria leitura. Por outro lado, toda leitura surge em meio a discordâncias, conflitos de ideias, turbulências.

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Referências

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