livro ''teorização do serviço social - documentos de araxa, teresopolis e sumaré (1)

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(lonhcgu ;i mais completa C( >LEÇAO DE SERVIÇO SOCIAL Grupos em Serviço Social Margaret E. Hartford História do Serviço Social Balbina O. Vieira Metodologia do Serviço Social Balbina O. Vieira Um Modelo Genérico para o Serviço Social Maria da Glória Nin Ferreira Modelos de Supervisão em Serviço Social Balbina O Vieira. Noções Básicas do Serviço Social Elizabeth Nicholds Organização da Comunidade e Planejamento Arthur Hillman Reformulação do Serviço Social Alfred Khan Serviço Social Clínico Transferência e Contratransfe- rência Verli Eyer de Araújo Serviço Social Clínico — Um Modelo de Prática Helen Northen Serviço Social Precursores e Pioneiros Balbina O Vieira Serviço Social Processos e Técnicas Balbina O. Vieira Serviço Social e a Revalorização de Grupos Ruth Wilkes Serviço Social Visão Internacional Balbina O. Vieira Teoria e Prática do Serviço Social de Casos Gordon Hamilton Teorias de Serviço Social de Grupo Robert W. Roberts e Helen Northen O Voluntário a Serviço da Sociedade John Huenefeld LIVRARIA AGIR EDITORA Rua Bráulio Comes, 125 (ao lado da Bib. Mun ) Telefone: 25*-4470 Caixa Postal 6040, São Paulo, SP, CEP01051 Rua México, 98-B — Telefone: 240-1978 Caixa Postal 3291, Rio de Janeiro, RJ, CEP 20001 Rua Espírito Santo, 845, Loja 16 - Telefone: 222-3038 Caixa Postal 733, Belo Horizonte, MC, CEP 30000 Atendemos pelo Serviço de Reembolso Postal ISBN 85-220-0169-3 lllllllillllllllllllllllll rsi CO CO 00 36.01 C397t 2.ed. JPBC MON 06665/99 ARAXA TEF^ESÕPOLIS SUMARÉ CO AGIR - CBCISS

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Livro com grande relevância aos estudantes de serviço social.

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Page 1: Livro ''Teorização Do Serviço Social - Documentos de Araxa, Teresopolis e Sumaré (1)

(lonhcgu ;i mais completa C( >LEÇAO DE SERVIÇO SOCIAL Grupos em Serviço Social — Margare t E . Har t ford História do Serviço Social — Balbina O. Vieira Metodologia do Serviço Social — Balbina O. Vieira Um Modelo Genérico para o Serviço Social — Maria da

Glória Nin Fer re i ra Modelos de Supervisão em Serviço Social — Balbina O

Vieira. Noções Básicas do Serviço Social — Elizabeth Nicholds Organização da Comunidade e Planejamento — Arthur

Hi l lman Reformulação do Serviço Social — Alfred Khan Serviço Social Clínico — Transferência e Contratransfe-

rência — Verli Eyer de Araújo Serviço Social Clínico — Um Modelo de Prática — Helen

Nor then Serviço Social — Precursores e Pioneiros — Balbina O

Vieira Serviço Social — Processos e Técnicas — Balbina O. Vieira Serviço Social e a Revalorização de Grupos — Ruth Wilkes Serviço Social — Visão Internacional — Balbina O. Vieira Teoria e Prática do Serviço Social de Casos — Gordon

Hami l ton Teorias de Serviço Social de Grupo — Rober t W. Rober ts

e Helen Nor then O Voluntário a Serviço da Sociedade — John Huenefeld

LIVRARIA AGIR EDITORA Rua Bráulio Comes, 125 (ao lado da Bib. Mun ) — Telefone: 25*-4470 Caixa Postal 6040, São Paulo, SP, CEP01051 Rua México, 98-B — Telefone: 240-1978 Caixa Postal 3291, Rio de Janeiro, RJ, CEP 20001 Rua Espírito Santo, 845, Loja 16 - Telefone: 222-3038 Caixa Postal 733, Belo Horizonte, MC, CEP 30000 Atendemos pelo Serviço de Reembolso Postal

ISBN 85-220-0169-3

lllllllillllllllllllllllll

rsi

CO

CO

00

36.01 C397t 2.ed.

J P B C M O N 06665/99

ARAXA TEF^ESÕPOLIS

SUMARÉ CO

AGIR - CBCISS

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Copyright © do Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais (CBCISS) Direitos para edição em língua portuguesa reservados a ARTES GRÁFICAS INDÚSTRIAS REUNIDAS S.A. (AGIR) Capa de HELENA GEBARA DE MACEDO

CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte. Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais - CBCISS.

C389t Teorização do serviço social / Centro Brasileiro de Cooperação 2. ed. e Intercâmbio de Serviços Sociais. — 2. ed. — Rio de Janeiro:

Agir, 1986. Conteúdo: Documento de Araxá, 1967: teorização do serviço

social. — Documento de Teresópolis, 1970: metodologia do serviço social. — Documento do Sumaré, 1978: cientificidade do serviço social.

Bibliografia. ISBN 85-220-0169-3 1. Serviço social — Teoria. I. Título.

86-0604 CDD - 361.001 CDU - 36.01

LIVRARIA AGIR EDITORA Rua Bráulio Comes, 125 (ao lado da Bib. Mun.) — Telefone: 259-4470 Caixa Postal 6040, São Paulo, SP, CEP01051

Rua México, 98-B - Telefone: 240-1978 Caixa Postal 3291, Rio de Janeiro, RJ, CEP 20001

Rua Espírito Santo, 845, Loja 16 - Telefone: 222-3038 Caixa Postal 733, Belo Horizonte, MC, CEP 30000

Atendemos pelo Serviço de Reembolso Postal

SUMÁRIO APRESENTAÇÃO 7 DOCUMENTO DE ARAXA 11 I n t r o d u ç ã o 19 Capítulo I 23 Capítulo I I 29 Capítulo I I I 41 Nota Final 44 Relação dos Documentos Preparatórios 46? < DOCUMENTO DE TERESÓPOLIS 47 £ In t rodução 53 £ Relatório do Grupo A 57 *c Relatório do Grupo B 73 tá Relação dos Documentos Preparatórios 97 5 DOCUMENTO DO SUMARÉ 101 § In t rodução 107- ca 1 — O Serviço Social e a Cientificidade 113 2 — O Serviço Social e a Fenomenologia 171 3 — O Serviço Social e a Dialética 207

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APRESENTAÇÃO

Os Documentos de Araxá, Teresdpolis e Sumaré cons t i tuem " m a r c o s históricos" do Serviço Social. São p r o d u t o dos es tudos de profissionais competentes reunidos e m Semi­nários promovidos pelo Cent ro Brasi le iro de Cooperação e Intercâmbio d e Serviços Sociais (CBCISS) . /Espe lham a s i tuação d o Serviço Social e m dado m o m e n t o de sua história, e são o resul tado de seu desenvolvimento cientí­fico, embora influenciado p o r acontecimentos sociais e políticos. De fato, desde o início, o Serviço Social preo-cupou-se com de te rminadas ques tões que p õ e m e m jogo. sua própria existência ou sobrevivência./

E m vista dos numerosos es tudos feitos a pa r t i r desses t r ês documentos , esgotou-se a última das edições de cada u m deles. O CBCISS, depois de consul tar vários profis­sionais , resolveu reuni-los n u m só volume, e m nova edição, pe rmi t indo , ass im, facilidade de manuse io p a r a es tudos e consul tas . / No Brasi l , quando , n a década dos anos 30, a Igre ja

desejava fo rmar agentes p a r a a Ação Social, surgiu u m "mode lo franco-belga", de tendência assistencialista, e, ma i s t a rde , o "modelo amer icano" , o "mode lo clínico", apoiado e m teor ias psicodinâmicas. Esses modelos não respond iam a o q u e a Igreja desejava, m a s encon t ravam aplicação e m n u m e r o s a s o b r a s sociais então existentes, o q u e to rnou a prática d a car idade menos empírica e mais racional .

Ora, as mudanças que se e fe tuaram no Brasi l nos anos de pós-guerra — o desenvolvimento económico e político e o p rogresso das ciências sociais — c r i a r a m novas situa­ções problemáticas e m todos os se tores da sociedade.

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8 CBCISS Apesar de absorvidos p o r in tensa at ividade vol tada p a r a

o reconhecimento da prof issão e do ensino de Serviço Social, os ass is tentes sociais não pod iam deixar de cons­ta ta r as dificuldades cr iadas , p a r a a melhor ia da qual idade de vida, p o r práticas sociais que, e m b o r a revelassem gran­de dedicação, pouco contribuíam para a realização dos objet ivos desejados. / Contes tadores mais entus ias tas , inspi rados p o r ideolo­

gias diversas, l evanta ram a bande i ra da " reconcei tuação" no início dos anos 60. Nisso, não faziam ou t r a coisa senão levar p a r a o Serviço Social os ques t ionamentos de ou t r a s disciplinas sociais, políticas e económicas, q u e se locali­zavam pr inc ipa lmente na s univers idades .^

Es t e fenómeno quase universal manifestou-se, e m re­lação ao Serviço Social, na Ing la te r ra e nos Es tados Unidos, m a s sob re tudo na América Latina, e, n o início, situava-se no c a m p o da abs t ração e da teoria .

Foi nessa ocasião que, em 1966, o CBCISS propôs u m es tudo sério, e tão profundo quan to possível, do Serviço Social, a fim de esclarecer os conceitos aceitos, os valores de base e os conhecimentos necessários p a r a u m a prática eficiente.

Assim sendo, realizaram-se, nos últimos quinze anos , t r ês Seminários: em 1967, na cidade mine i ra de Araxá, sobre "Teorização do Serviço Social"; e m 1970, e m Tere-sópolis, E s t a d o do Rio de Jane i ro , sob re "Metodologia do Serviço Social" e, e m 1978, no Centro de Es tudos da Arquidiocese do Rio de Janei ro , no Sumaré, sobre "Cienti-ficidade do Serviço Social".

Aos Seminários de Araxá e Teresópolis seguiram-se en­cont ros regionais, que envolveram, respect ivamente , 741 e 958 assis tentes sociais de todos os E s t a d o s do Brasi l na discussão e avaliação dos assun tos t r a t ados nos Semi­nários. Ao Seminário do Sumaré n ã o houve encont ros sub­sequentes .

O Documento de Araxá — o pr imei ro a ser publ icado — teve grande repercussão , não apenas no Bras i l m a s também no estrangeiro, e foi t raduzido p a r a o inglês e o espanhol . O Documento de Teresópolis foi t raduz ido p a r a o espanhol .

Os Documentos receberam elogios e sofreram críticas, o que não deixa de ser posit ivo. Muitos ar t igos de revis tas

Teorização do Serv. Social 9 e d isser tações de m e s t r a d o ana l i sa ram ou in t e rp re t a ram as posições e ideias, os es tudos e até a história do Serviço Social a pa r t i r dos referidos Documentos . Todos estes t r aba lhos t ê m o seu valor, pois sabemos que não há ciência "constituída", m a s toda ciência se e labora aos poucos , ac rescentando descober tas ao que já se sabe: é a ciência "const i tu in te" . Ê este o caminho q u e o Serviço Social per­cor re : cada t raba lho redigido, cada pesquisa realizada, cada experiência, é u m a ped ra a cons t ru i r a e s t rada percor r ida .

Dentro dessa perspect iva, o presen te volume não apre­senta a íntegra dos já edi tados an te r io rmente . F o r a m reti­r ados os anexos que, na época, t i n h a m u m significado ou u m a razão de ser, m a s que na reedição atual , segundo a opinião de profissionais consul tados , pode r i am ser dis­pensados .

Agora, ao se def ron ta rem com os Documentos de Araxá, Teresópolis e Sumaré, as novas gerações pode rão com­p r e e n d e r / o que eles represen tavam na época p a r a o Ser­viço Soc ia l /Cons t i tuem o m o m e n t o em que a profissão, ao refletir sobre a sua/prática resolveu examinar as bases , n u m a percepção ma io r da real idade, e ingressar , assim, n o caminho da/cientif icidade/

CBCISS Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais.

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COMISSÃO ORGANIZADORA DO SEMINARIO

P R E S I D E N T E Helena I racy Junque i r a

COORDENADORES DE GRUPO Grupo 1 — Balbina Ottoni Vieira Grupo 2 — Ana Adelina Lins Grupo 3 — Neide Lobato Soares Santos Grupo 4 — Mar t a Teres inha Godinho

COMISSÃO DE REDAÇÂO Coordenadora Geral : Jocelyne L. Chamuzeau Maria Amélia da Cruz Leite — Rela tora do Grupo 1 Maria da Glória Lisboa de Nin Fer re i ra — Rela tora

do Grupo 2 Maria Lúcia Carvalho d a Silva — Relatora do

Grupo 3 Edi th Magalhães Mot ta — Rela tora do Grupo 4 Modes ta Manoela Lopes — Rela tora de Plenário Ana Adelina Lins — Rela tora Graziela B renne r — Rela tora Ivany Lopes Rodr igues — Rela tora Maria de Lourdes Malta Sal iba — Rela tora Neide Loba to Soares San tos — Relatora

SECRETARIA EXECUTIVA Mar ia Augusta de Luna Albano — Secretária

Execut iva

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14 CBCISS Maria das Dores Machado — Secretária Executiva

Adjunta HOSPITALIDADE

Leda Afonso Borges SECRETARIA ADMINISTRATIVA

Nelson José Suzano — Coordenador Técnico Ero th ides Menezes Cavalcante — Secretária

PARTICIPANTES Ana Adelina Lins Atila B a r r e t o Balbina Ot toni Vieira Ede l t rudes Guimarães E d i t h Magalhães Mot t a Edy Maciel Monte i ro Francisco de Paula Fe r re i ra Graziela Brenne r Helena I racy Junque i r a Idália Tocant ins Maués I n a h Rangel Caropreso Ivany Lopes Rodr igues Jocelyne L. Chamuzeau José Lucena Dantas Leda Afonso Borges Leila Mar ia Coelho Velho Maria Amélia da Cruz Leite I r . Maria Aparecida Guimarães Maria Augusta de Luna Albano Mar ia da Conceição Machado Maria da Glória Lisboa de Nin Fer re i ra Mar ia das Dores Machado Mar ia de Lourdes Malta Sal iba Mar ia Jul ie ta Costa Calazans Mar ia Lina de Cas t ro Lima Mar ia Lúcia Carvalho d a Silva Marília Bini Pere i ra Mar ta Campos Tauil

Teorização do Serv. Social M a r t h a Teres inha Godinho Mary Cather ine Jennings Mir tes Haickel Fonseca Modes ta Manoela Lopes Neide Lobato Soares San tos Nelson José Suzano Notuburga Rosa Reckziegel Rose Maria Kron land Yolanda Heloísa de Souza Vera Arantes Antunes

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SUMARIO

In t rodução Capítulo I — Considerações sobre a na tureza do

Serviço Social Objetivos do Serviço Social Funções do Serviço Social

Capítulo I I — Metodologia de ação do Serviço Social Adequação da metodologia à s funções d o Serviço Social Serviço Social de Caso Serviço Social de Grupo Desenvolvimento de Comunidade In tegração do Serviço Social Utilização da adminis t ração e m Serviço Social

Capítulo I I I — Serviço Social e a real idade brasi le i ra No ta final Relação dos Documentos preparatórios

Page 8: Livro ''Teorização Do Serviço Social - Documentos de Araxa, Teresopolis e Sumaré (1)

INTRODUÇÃO

1. /O Serviço Social, como disciplina de intervenção na rea l idade social, constituída p o r u m conjunto de conheci­men tos e técnicas, começou a delinear-se e m princípios des te século nos E s t a d o s Unidos, pouco ma i s t a r d e na Europa , e na década dos t r in t a na América Latina e no Brasi l . 2. N a sua evolução, o Serviço Social, como prática insti­tucionalizada, caracterizou-se pelo desempenho de papéis relacionados com (disfunções manifes tadas no nível do indivíduo sob formas de desa jus tamentos sociais e ao m e s m o t e m p o identif icadas ao nível das e s t ru tu ra s sociais. 3. No seu d inamismo intrínseco, desafiado pelas exigên­c i a s do processo de desenvolvimento, /o Serviço Social vem buscando integrar-se nessa real idade e m mudança como u m , en t re ou t ros , i n s t rumen to eficaz p a r a propic iar ao h o m e m meios à p lena realização de sua condição hu­mana./" E s t a tenta t iva de integração do Serviço Social se processa através de revisões contínuas de seus objetivos, papéis, funções e metodologia de ação. 4. / U m esforço de teor ização do Serviço Social /fera impe­ra t ivo inadiável, nes ta fase da sua evolução n o Brasi l . Esse esforço compreender ia a busca de análise e síntese dos seus componen tes universais , dos seus e lementos de especificidade e de sua /adequação ao contexto econômico-lOCial da rea l idade bras i le i ra / 6. O Comité Brasi leiro da Conferência In ternac ional de Serviço Social (CBCISS) del iberou convocar u m grupo dt ass is tentes sociais, representa t ivo da s várias regiões do país, vinculados aos diferentes campos e níveis de ttuaçlo, po r t ado re s das mais var iadas experiências pro-

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20 CBCISS fissionais, p a r a sol idar iamente t en ta r responder àquele impera t ivo . 6. O CBCISS recebeu a cooperação da UNICEP, do Go­verno do Es t ado de Minas Gerais e de organizações pú­blicas e pr ivadas , que au to r i za ram ou faci l i taram a parti­cipação dos assis tentes sociais no referido Seminário. 7. Realizou-se, ass im, na c idade de Araxá, e m Minas Ge­rais , de 19 a 26 de março de 1967, u m encont ro de 38 assis tentes sociais que, pelo s is tema de grupos de es tudo e sessões plenárias, chegaram à elaboração d o presen te documento . 8. De início, pensou o CBCISS e m p rocede r aos es tudos , a t r ibu indo a cinco grupos diferentes t emas que seriam, ao final, d iscut idos e m plenário, solici tando, com esta finalidade, a preparação antec ipada de ro te i ros sob re os conceitos básicos de Serviço Social, Serviço Social de Caso, Serviço Social de Grupo, Desenvolvimento de Co­mun idade e Adminis t ração de P rog ramas . 9. Desde a instalação dos t raba lhos , sentiu-se m a i o r inte­resse dos par t i c ipan tes e m discut i rem, todos , o m e s m o rote i ro sob re conceitos básicos e / e s t u d a r a metodologia sob u m p r i s m a genérico, ao invés da dinâmica dos pro­cessos. / 10. Submet idos ao plenário os dois e squemas de t raba­lho, foi o último aprovado p o r unan imidade , confirmándo­se o vivo /interesse d o g rupo p o r u m es tudo da teorização do Serviço Social/ Adotou-se o ro te i ro cor respondente , sendo os ou t ro s ut i l izados no m o m e n t o dos debates sobre metodologia . 11. Organizaram-se q u a t r o grupos de nove ou onze mem­bros cada u m , cabendo a u m a comissão, constituída p o r represen tan tes de todos os grupos , a redação final do documento q u e o CBCISS ora apresen ta . 12. O Capítulo I analisa os objetivos r emo tos e opera­cionais do Serviço Social, sua na tu reza e funções, com base e m sua evolução histórica, projetando-se, n o en tan to , p a r a o futuro, e m perspect ivas de mudança social. 13. Segue-se o Capítulo I I que es tuda a metodologia do Serviço Social, confrontando-se as concepções a tua is acer­ca dos processos básicos, ao m e s m o t e m p o que p r o c u r a

Teorização do Serv. Social 21 os e lementos const i tut ivos de cada u m . Levan-

i, a problemática da ma io r rentabi l idade na utili-da sua ins t rumenta l idade metodológica,

f ina lmen te , o Capítulo I I I examina a adequação à brasi le i ra do Serviço Social, tal como foi con­

to e visualizado e m sua dinâmica operacional . Ressa l tando como fundamenta l a integração do Ser-Social no processo de desenvolvimento, p ropõe u m a

sm técnica operacional em função do modelo bá-do desenvolvimento, ab r indo novos hor izontes p a r a presença a tuan te que venha a consti tuir-se e m plena •ta ao desafio d o m o m e n t o presente . J -

Es te documento , resul tante de es tudos e reflexões, a t ende r a u m rec lamo dos profissionais do Serviço

De forma alguma, p re t ende ser definitivo. Pelo i r io , o CBCISS e o grupo de assis tentes sociais que

Ibscrevem cons ideram como seu pr incipal mérito sus-debates pos ter iores e es t imular a realização de novas

suisas e es tudos .

I

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Capitulo I

CONSIDERAÇÕES SOBRE A NATUREZA DO SERVIÇO SOCIAL

('17. A posição teórica do Serviço Social n ã o alcançou, • até* o m o m e n t o , u m a definição satisfatória no quad ro dos ! conhecimentos h u m a n o s .

18. .fi d Serviço Social u m a ciência autónoma? U m a cor-t e n t e o define c o m o "Ciência Social Aplicada", p o r se Utilizar dos conhecimentos da Sociologia, Antropologia, Psicologia, Economia , Política e t c , p a r a intervir n a reali­dade social. Ou t ros defendem posições de independência para o Serviço Social, n o quad ro das ciências, a f i rmando possu i r u m s is tema de conhecimentos científicos, norma­t ivos e transmissíveis, e m t o r n o de u m objetivo c o m u m . Há, a inda, os que asseveram que o Serviço Social é u m a déncia q u a n d o sintet iza as ciências psicossociais . 19. Quan to ao c o m p o n e n t e arte,1 o r ig inar iamente incluído nas definições de Serviço Social, verificam-se divergências, f icando, p o r es te mot ivo , a ques tão em abe r to . 30. Pa rece haver , porém, u m cer to consenso e m carac-teriaar o Serviço Social no p lano do conhecimento espe-OUlativo-prático, enquan to se coloca ao nível da aplicação de conhecimentos próprios ou t omados de ou t r a s ciências.

V JUStifica-se, também, considerá-lo como u m a técnica social, p o r q u a n t o influencia o compor t amen to h u m a n o e o meio, SOS seus inter-re lacionamentos . U . ' A evolução dos concei tos de Serviço Social e sua Sistematização c o m o disciplina p e r m i t e m af i rmar a exis-Maola d e componen tes essenciais e que p o d e m ser siste-

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24 CBCJSS mat izados como ins t rumen to de intervenção n a real idade social. Nessa intervenção, o Serviço Social a tua à base das inter-relações do binómio indivíduo-sociedade. Sua teorização se processa a p a r t i r da "praxis" , isto é, o Ser­viço Social pesquisa e identifica os princípios inerentes à sua prática e sis temat iza sua teoria .

/ 22. Como prática insti tucionalizada, o Serviço Social se carac ter iza pela a tuação jun to a indivíduos com desajus­t amen tos familiares e sociais. Tais desa jus tamentos mu i t a s vezes decor rem de e s t ru tu ra s sociais inadequadas . 23. Observa-se que a absorção dos profissionais do Ser­viço Social no plano prático prejudica , p o r vezes, a re­flexão sobre as experiências real izadas e r e t a r d a as opor­tun idades de análise e desenvolvimento de u m quadro de referências que pe rmi t a a definição de sua natureza , difi­cul tando, também, sua colocação no q u a d r o geral das ciências técnicas. 24. Ressalte-se que a análise e crítica do " m o d u s ope-r a n d i " do Serviço Social, nos diversos contextos histórico-cul tura is , se const i tui em elemento fundamenta l à elabo­ração da teor ia des ta disciplina. 25. Ao analisar-se a evolução do Serviço Social no Brasil , verifica-se que o advento do Es t ado paternal is ta , coinci­dente com as origens do Serviço Social, foi fa tor condi­c ionante da mon tagem de u m s is tema de inst i tuições so­ciais que p r o p u n h a m solucionar os p rob lemas através de p r o g r a m a s assistenciais de caráter imediat is ta , caráter

j \ esse que também m a r c o u a s organizações par t icu la res de assistência. 26. Esse passado concorreu p a r a a formação de u m a imagem e de u m a expectativa a respei to do Serviço Social como at ividade de p res t ação de serviços assistenciais . A premênc ia dos p rob l emas sociais e o imedia t i smo do Ser­viço Social, nesse período, dif icul taram a reflexão e a análise que poder i am or ien ta r o Serviço Social e m u m a ação cen t rada de preferência nas e s t r u t u r a s sociais. O Serviço Social, nessa conjuntura , assumiu, en tão , a tarefa de cont r ibui r p a r a a organização técnica daquelas fo rmas de a tuação social.

Teorização do Sens. Social 25 As razões pr incipais dessa diretr iz operacional do iço Social es tão cont idas nesse qu^drcjustóriçp, que ica a ênfase d o Serviço Social no passado , po rquan to

vivência se apresen tou como u m a tentat iva de opor antídoto a u m a linha m e r a m e n t e assistencialista. Do

ÍO modo , con t r ibu iu p a r a u m apelo ao Serviço Social t e r m o s de ação prevent iva. Reconhece-se, en t re tan to , que os carac teres corret ivo,

i t ivo e promocional são u m a pecul iar idade do Ser-Social, n ã o lhe sendo, no en tan to , específicos, u m a

q u e comuns a ou t r a s ciências teórico-práticas. Apre-tam-se, p ra t i camente , n a l inha de s imul tane idade e não opção, recaindo a ênfase e m u m ou ou t ro dos carac-

conforme se jam a real idade ambiental , o m o m e n t o , os objetivos e o enfoque dos p r o g r a m a s .

49. O caráter corret ivo se define c o m o intervenção na JBMiidade p a r a fins de remoção de causas que impedem OU dificultam o desenvolvimento do indivíduo, grupo, íôttunidade e populações.* Nesse sent ido, o Serviço Social fltua aos níveis de mic ro e macroes t ru tu ra , respectiva-j s t n t e , q u a n d o intervém em causas inser idas e m sua esfe-4 * operacional , de admin i s t ração e pres tação de serviços p r e t o s , e quando par t ic ipa da correção de causas que t r anscendam a sua possibi l idade de ação dire ta ou isolada. 80. Ojsaráter prevent ivo do Serviço Social se define como Um processo de in tervenção que p r o c u r a antepor-se às Consequências de u m de te rminado fenómeno. Esse caráter ¿evidenciado quando se p rocu ra evitar a s causas de desa­juste, inser indo e lementos que pos sam eliminá-los, forne­cendo subsídios p a r a med idas de âmbito geral . 81. A relação en t r e o desajuste e a prevenção sugere

possibi l idade de se cons iderar a a tuação prevent iva como UBia decorrência do caráter corret ivo do Serviço Social. Ktase oaso, o Serviço Social apresentar ia , fundamental-

I, oaracteres corret ivo e promocional . O assun to é,

* Neite documento, o termo populações significa um conjunto de famí­lia! e de Individuai localizados numa determinada área, contínua ou não, apreaentando cartai características comuns de vida, sem constituírem pro­priamente uma comunidade.

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26 CBCISS no en tan to , a inda controver t ido, e s tando a merecer inda­gações pos te r iores . 32. O caráter promocional do Serviço Social acha-se con­subs tanc iado na af i rmação de que p romover é capaci tar . Diante dessa colocação, conclui-se que o Serviço Social p r o m o v e quando a tua p a r a habi l i tar indivíduos, grupos , comunidades e populações , fazendo-os atingir-_a_4?lena realização de suas potencial idades. Sob "este p r i sma , a ação d o Serviço Social insere-se no processo de desenvol­v imento , t omado este e m sent ido lato, isto é, aquele que leva à p lena uti l ização dos recursos na tu r a i s e humanos , e, consequentemente , a u m a realização integral do h o m e m . Destaca-se, quan to à p romoção h u m a n a , a importância do processo de conscientização como pon to de pa r t ida p a r a fundamentação ideológica do desenvolvimento global. 33. Nessa o rdem de considerações, os carac teres corre-tivo, prevent ivo e promocional são válidos desde que cons­t i t uam respos ta adequada aos contextos em que o profis­sional do Serviço Social é c h a m a d o a a tua r . Ao se tornar , porém, o contexto social como critério de referência p a r a se aqui la ta r da val idade de quaisquer dos carac te res refe­r idos , n ã o deve o agente do Serviço Social colocar-se n u m a perspect iva p u r a m e n t e estática de acei tação, m a a desem­p e n h a r u m papel que conduza à modificação desse con­texto. 34. Impõe-se es ta reformulação do Serviço Social em novas l inhas de teor ia e de ação p a r a me lhor servir à pessoa h u m a n a e à sociedade. O Serviço Social, agente que intervém na dinâmica social, deve orientar-se no sen­t ido de levar as populações a t o m a r e m consciência dos p rob lemas sociais, cont r ibu indo, também, p a r a o estabe­lecimento de formas de integração popu la r n o desenvolvi­men to do País. 35. As exigências do processo de desenvolvimento mun­dial vêm impondo ao Serviço Social, sobre tudo e m países ou regiões subdesenvolvidos, o desempenho de novos pa­péis. Es tes papéis, e m sua evolução histórica, cons t i tuem fo rmas de inserção da profissão n a real idade econômico-social d o s m e s m o s países o u regiões.

Teorização do Sero. Social 27 36. A p a r t i r desse novo enfoque, o Serviço Social deverá r o m p e r o condic ionamento de sua a tuação ao u so exclu­sivo dos processos de Caso, Grupo e Comunidade , e rever seus e lementos const i tut ivos, e laborando e incorporando novos métodos e processos .

OBJETIVOS DO SERVIÇO SOCIAL 37. Deve-se fazer, aqui , dist inção en t r e o objet ivo r emo to d o Serviço Social e seus objetivos operacionais , entendi­dos estes como fins imedia tos e intermediários. 38. O objetivo r emo to do Serviço Social p o d e ser consi­de rado como o p rov imento de recursos indispensáveis ao desenvolvimento, à valorização e à melhor ia de condições d o ser h u m a n o , p re s supondo o a tend imen to dos valores universais e a h a r m o n i a en t re estes e os valores cul tura is e individuais. Esses valores funcionam c o m o u m q u a d r o de referência de bens tangíveis e intangíveis, que informa o plano operacional do Serviço Social. 39. Na ausência de u m a teorização suficientemente formu­lada sob re a universal idade da "condição humana" , aceita­se, c o m o q u a d r o de valores, a Declaração Universal dos Direitos d o H o m e m , da s Nações Unidas, que resul tou de u m consenso en t re represen tan tes das ma i s var iadas cul­tu ras . Ressalta-se, en t re tan to , a necessidade d e investiga­ções sistemáticas sobre a matéria, cujos resu l tados venham consol idar o embasamen to teórico do Serviço Social, enri­quecendo, ass im, seu conteúdo. 40. São objetivos operacionais : a ) identificar e t r a t a r pro­b lemas ou dis torções residuais que impedem indivíduos, famílias, grupos , comunidades e populações de alcançarem padrões econômico-socíais compatíveis com a dignidade h u m a n a e es t imula r a contínua elevação desses padrões ; b) colher e lementos e e laborar dados referentes a proble­m a s ou disfunções que es te jam a exigir r e fo rmas das e s t r u t u r a s e s i s temas sociais; c) cr iar condições p a r a tor­nar efetiva a par t ic ipação consciente de indivíduos, grupos , OOmunidades e populações,"seja p romovendo sua integra-çio n a s condições decorrentes de mudanças, seja provo­cando as mudanças necessárias; d ) implan ta r e dinamizar

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28 CBCISS s is temas e equ ipamentos que p e r m i t a m a consecução dos seus objetivos.

PUNÇÕES DO SERVIÇO SOCIAL 41 . Da na tu reza e dos objet ivos do Serviço Social, decor­r e m as suas funções, nos diferentes níveis de a tuação: a ) Política Social: p rovocar o processo de formulação da política social, quando ausente , ou de sua dinamização, q u a n d o inoperante , e provocar sua reformulação q u a n d o necessária; oferecer subsídios, den t ro de u m a perspect iva de globalidade, ao e m b a s a m e n t o dessa política; cr iar sis­t e m a s , canais e ou t ra s condições p a r a a par t ic ipação de quan tos venham a ser at ingidos pélas medidas da política; b ) Planejamento: cont r ibui r com o conhecimento viven-ciado das necessidades, das expectativas, dos valores, ati­t udes e c o m p o r t a m e n t o das comunidades e das popula­ções, face à mudança, n a formulação dos objet ivos e fixa­ção das m e t a s ; con t r ibu i r p a r a a cr iação de condições que p e r m i t a m a par t ic ipação popu la r n o p rocesso de plane­j amen to ; c) Administração de Serviços Sociais: p r o m o v e r e par t ic ipar de pesquisas operacionais ; e labora r o micro-p lane jamento ; implantar , admin i s t r a r e avaliar p r o g r a m a s de serviços sociais; levar os usuários a par t i c ipa r d a pro­g ramação dos serviços; d ) Serviços de atendimento direto, corretivo, preventivo e promocional, destinados a indiví­duos, grupos, comunidades, populações e organizações: t r aba lha r com indivíduos que ap resen tam p rob lemas ou dificuldades de integração social, através de mobil ização d e suas potencia l idades individuais e de uti l ização dos recursos do meio; p roporc iona r o exercício d a vida e m grupo , pr inc ipa lmente q u a n t o ao desempenho de papéis inerentes à vida social; cont r ibui r p a r a capaci ta r a comu­n idade a integrar-se no processo de desenvolvimento atra­vés de ação organizada, com vistas ao a tend imento de suas necessidades e real ização de suas aspirações; t raba­lhar c o m organizações, v isando à adequação de seus obje­tivos e métodos à s exigências d a rea l idade social e sua integração n u m a perspect iva de desenvolvimento.

Capítulo II

METODOLOGIA D E AÇAO DO SERVIÇO SOCIAL 42. P a r a me lhor s i tua r a metodologia de ação do Serviço Social, há q u e enunciar os princípios e pos tu lados que a fundamentam. 43. A au tode te rminação , a individualização, o n ã o julga­m e n t o e a acei tação, enunciados q u e o r i en t am a aplicação d a metodologia de ação do Serviço Social, e m seus t rês processos , t ê m sido classificados como princípios básicos da ação profissional . A análise r igorosa do conteúdo e na tu reza lógica desses princípios leva, contudo , a cons­t a t a r : a ) que se a c h a m reunidos na categoria de princípios t a n t o propos ições de na tu reza ética e metafísica, como n o r m a s p a r a p roced imentos técnicos; b ) quan to aqueles princípios p rop r i amen te relacionados com a ação, verifica­se u m a fo rma de enunciação l igada de m a n e i r a dominan te à s par t i cu la r idades da a tuação d o Serviço Social de Caso e de Grupo . 44. Pa r t indo dessas consta tações , procurou-se en tão clas­sificar aqueles princípios, enunciando-se sob forma de postulados os q u e r ep resen tam os p ressupos tos éticos e metafísicos p a r a a ação do Serviço Social, e c o m o princípios operacionais d a metodologia de ação aqueles q u e enun­c iam p o n t o s básicos nor teadores da a tuação do agente profissional . Entende-se, ass im, como princípios operacio­nais da metodologia aquelas n o r m a s de ação de val idade universa l à prática d e todos os processos d o Serviço Social. 45. Dent re os pos tu lados , conclui-se que pelo menos t rês se acham, explícita ou impl ic i tamente , ado tados c o m o pres­supos tos fundamentadores da a tuação do Serviço Social:

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30 CSC1SS a ) postulado da dignidade da pessoa humana: q u e se en­tende c o m o u m a concepção do ser h u m a n o n u m a posição de eminência ontológica na o r d e m universal e a o qua l t o d a s a s coisas devem es ta r refer idas; b ) postulado da sociabilidade essencial da pessoa humana: que é o reco­nhec imento d a d imensão social intrínseca à na tureza hu­mana , e, e m decorrência do q u e s e . af i rma, o d i re i to de a pessoa h u m a n a encont ra r , na sociedade, a s condições p a r a a s u a auto-realização; c) postulado da perfectibilidade hu­mana: compreende-se c o m o o reconhecimento d e q u e o h o m e m é, n a o r d e m ontológica, u m ser que se auto-realiza n o p l a n o d a h is tor ic idade h u m a n a , e m decorrênc ia do que se admi te a capacidade e potencia l idades na tu ra i s dos in­dividuos, grupos , comunidades e populações p a r a progre­d i r e m e se au topromoverem. 46. Den t re os princípios operacionais d a metodologia de ação, s em desejar esgotar a enunciação, reconhecendo a necess idade de reflexão e análise m a i s aprofundadas a esse respei to , chegou-se a identificar os seguintes: a) estímulo ao exercício d a livre escolha e da responsabi l idade das decisões; b ) respe i to aos valores , p a d r õ e s e p a u t a s cultu­ra is ; c) ensejo à mudança no sent ido da au top romoção e d o enr iquec imento do indivíduo, do grupo, da comunidade , d a s populações ; d ) a t u a ç ã o d e n t r o de u m a perspect iva de global idade n a rea l idade social. 47. São e lementos operacionais da metodologia, c o m u n s a t o d o s os p rocessos , a participação d o h o m e m e m todo o p rocesso d e mudança e o relacionamento en t r e profis-sional-indivíduo, profissional-grupo, profissional-comuni-d a d e e profissional-populações, estabelecido d e m a n e i r a d i re ta ou indireta , dependendo d o t ipo de ação a ser exercida.

ADEQUAÇÃO DA METODOLOGIA ÀS FUNÇÕES DO SERVIÇO SOCIAL

48. O Serviço Social, como técnica, dispõe d e u m a meto­dologia de ação q u e uti l iza d iversos processos . Os proces­sos de Caso, de Grupo e Desenvolvimento de Comunidade foram considerados , até o momen to , o " m o d u s ope rand i " d o Serviço Social e m sua in tervenção n a rea l idade social,

Teorização do Serv, Social 31 sendo que só recentemente se inicia a uti l ização também do processo de t r aba lho com população de mane i r a ma i s sistematizada.* 49. A intervenção na real idade, através de processos de t r aba lho c o m indivíduos, grupos , comunidades e popula­ções, n ã o é característica exclusiva do Serviço Social; o q u e lhe é pecul iar é o enfoque or ientado p o r u m a visão global d o h o m e m , in tegrado em seu s i s tema social. 50. De acordo com a classificação das funções de Serviço Social ado tada nes te documento , que inclui funções aos níveis de política social, p lane jamento , admin is t ração d e Serviços Sociais e p res tação de serviços diretos , verificou-se a necessidade de incorporação de novos processos aos já existentes. 51 . Ao anal isar a na tureza dos diferentes níveis de atua­ção d o Serviço Social, infere-se que estes são de duas categorias : a ) nível d e microa tuação ; b ) nível de macro-a tuação . 52. O nível de mic roa tuação é essencialmente operacional , compreendendo as funções de Serviço Social aos níveis de admin i s t ração e p res tação de serviços dire tos . 53. O nível de mac roa tuação compreende a integração das funções do Serviço Social ao nível de política e planeja­m e n t o p a r a o desenvolvimento. Es sa in tegração supõe a par t ic ipação no p lane jamento , na implantação e n a melhor uti l ização da infra-estrutura social. 54. A infra-es t rutura social é aqui en tendida c o m o "faci­l idades básicas, p r o g r a m a s p a r a saúde, educação, habili­tação e serviços sociais fundamenta i s" que p r e s supõem o atend imento da s seguintes condições: a ) disponibi l idade de u m a l to potencial de empregos p a r a pessoas de diferentes g rupos sócio-econômicos; b ) uti l ização da t e r r a e m bene­fício de toda a população , não só pelo governo local, senão também pelo empresário par t icu la r ; c) existência de u m a rede adequada de comunicações , no sent ido físico (telefo-

* Para alguns, o Serviço Social não atingiu ainda todas as fases de úm processo metodológico universalmente aceito. Outros propõem a substituição dos termos "estudo", "diagnóstico" e "tratamento" por "estudo e análise diagnostica", "planejamento" e "execução", por julgar que estes têm uma conotação mais adequada. Levanta-se dúvida, porém, quanto à adequação dos termos "execução" e "planejamento" em Serviço Social de Caso.

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32 CBCISS ne, rádio etc . ) , e e m t e r m o s de canais sociais p a r a a comu­nicação dos grupos en t r e si e destes com o governo; d ) provisão de amplas facilidades sócio-culturais: inst i tuições educacionais , cul tura is , sociais, recreat ivas etc. 55. Convém salientar , ainda, que a infra-estrutura social foi cons iderada de importância vital, merecendo p r io r idade idêntica e não inferior à assegurada p a r a a solução dos p rob lemas de infra-estrutura económica e física.* 56. A aplicação dos p rocessos de Serviço Social varia de acordo com os níveis de a tuação . 57. O nível de mic roa tuação compreende a pres tação de serviços dire tos , através dos processos de Caso, Grupo e Desenvolvimento de Comunidade e Processos de t raba lho com populações . Es t e último, também empregado a o nível de macroa tuação , é de apl icação recente e está a exigir a elaboração de sua metodologia e estratégia de ação. 58. O processo de Desenvolvimento de Comunidade (DC) é igualmente empregado e m ambos os níveis. No nível de macroa tuação , es te processo se insere e m s i s temas nacio­na is ou regionais de p lane jamento como u m in s t rumen to p a r a estabelecer canais de comunicação com a população e p r o m o v e r a sua par t ic ipação no processo de planeja­men to . 59. Ao nível de macroa tuação , o " m o d u s ope rand i " do Serviço Social consis te em: a ) par t i c ipar de todas as fases de p rog ramação p a r a o macroplano; b ) fo rmula r a meto­dologia e estratégia de ação p a r a e laborar e implan ta r a política social; c) p lane jar e implementa r a infra-estrutura social. 60. Esses níveis de a tuação fo rmam a pirâmide profis­sional necessária ao Serviço Social p a r a a consecução de ' seu objetivo r emo to e objet ivos operacionais .

SERVIÇO SOCIAL DE CASO 61. Considerando-se possu i r o Serviço Social de Caso u m conjunto de conhecimentos teórico-práticos identificável

* Conceito expresso pelo Grupo de Trabalho da Pré-Conferência reali­zada em Charlottesville-Virgínia, antecedendo a XIII Conferência Interna­cional de Serviço Social, E.U.A., 1966.

Teorização do Serv. Social 33 ¡missível, torna-se urgente , n o momen to , focalizar aspectos referentes à sua util ização adequada à

w»de brasi leira , ma i s d o que p r o p r i a m e n t e u m a aten-par t icu lar izada à s u a teoria. Assim, pa r t i ndo da p remis sa de q u e se emprega o

) Social d e Caso j u n t o a pessoas com p rob lemas íldades de re lac ionamento pessoal e social, ou seja,

mer-re lac ionamento social, reconhece-se a validade de uti l ização, e m profundidade, e m serviços especializa-e / o u d e sua adequação ao nível de execução de pro­

n a s amplos , de m o d o a integrar-se no processo de snvolvimento. Nes ta perspect iva, sua aplicação deverá a c o m p a n h a d a pela uti l ização dos processos de g rupo

envolvimento da comunidade . 'Tal pos ição encer ra p a r a o Serviço Social d e Caso

rsguintes implicações: a ) o Serviço Social de Caso deve apl icado de fo rma a capaci tar o cliente a integrar-se t u a comunidade e no processo de desenvolvimento; 0 Serviço Social de Caso deve ser uti l izado naqueles tres e com aqueles indivíduos que, de fato, r eque i ram 1 efetuado o t r a t a m e n t o social à base do re lac ionamento a ten te social /cl iente ( is to é, adoção de critérios sele-

¡M p a r a o seu emprego) ; c) a aplicação do Serviço Social WB Caso deve se r a l iada à de Grupo p a r a a abordagem ou j fc t ra tamento dos aspectos c o m u n s dos p rob lemas -identi-JMtíftdos nos casos; d ) deve, também, se r vinculada ao psjsenvolvimento de pro je tos d e comunidade objet ivando 5 me lhor apare lhamento social e a mobil ização dos indi-duos p a r a conjugação de esforços que visem a remover , l lbninar ou prevenir as causas sociais dos p rob lemas iden-tfctloados no t r a t a m e n t o dos casos."* H . Considera-se a inda q u e contr ibui p a r a a racionalização 'da assistência; p a r a a ação do Serviço Social e m o u t r a s fraas, levando a esta ação a s informações colhidas n o OOnteto d i re to com os efeitos das carências e disfunções

i; considerasse que concorre , também, p a r a a capa-profissional . U m dos aspectos dessa capaci tação

• KPOURI Nadir Gouvêa. Serviço Social de Casos, Escola de Serviço Wb7PUC , Cur» dé atualizaçáo de conhecimentos para assistentes sociais, , d» Trabalhos Práticos.

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34 CBCISS ser ia o t ipo de abordagem individual. Duvida-se, porém da t ranspos ição , com êxito, da abordagem do Serviço So­cial de Caso p a r a o processo de DC.

SERVIÇO SOCIAL DE GRUPO 65. O conceito de Serviço Social de Grupo se modificou e m consequência da evolução histórica, do processo . Tra­dicionalmente, a ação d o ass is tente social se concentrava no g rupo e nele circunscrevia seu l imite. Hoje , busca-se, também, o engajamento efetivo da clientela n o p rocesso social ma i s amplo . A na tureza do p rocesso é, agora, enten­d ida c o m o sócio-educativa, podendo te r caráter terapêut ico e / o u prevent ivo. 66. P a r a efeito de análise, e pelo conteúdo funcional do conceito, apresenta-se a definição de Konopka : "O Serviço Social de Grupo é u m processo de Serviço Social que, através de experiências p ropos i tadas , visa a capaci ta r os indivíduos a m e l h o r a r e m o seu re lac ionamento social e a enf ren ta rem de m o d o m a i s efetivo seus p rob l emas pes­soais, d e g rupo e de comunidade."* 67. Deste concei to infere-se existir u m a significativa cor­re lação en t r e capacidade de re lac ionamento social e ex­periência de grupo. Conclui-se, ainda, des ta definição, que as pessoas necess i tam de ajuda, às vezes profissional , p a r a desenvolverem ou aperfeiçoarem suas potencial idades de re lac ionamento . 68. As a tua i s tendências do Serviço Social de Grupo impl icam o u s o consciente do g rupo como ins t rumen to p a r a alcance dos objetivos visados, o a la rgamento das funções t radicionais do Serviço Social, consequentemente , a inclusão de novas funções, o engajamento dos m e m b r o s e m p r o g r a m a s sociais ma i s amplos e u m a preocupação com o indivíduo, o grupo e as mudanças sócio-culturais. 69. O objetivo do Serviço Social de Grupo é, e m última análise, capaci tar os m e m b r o s do g rupo p a r a u m a efetiva par t ic ipação no p rocesso social.

*JC,?NrOPKA' Gis«la. Social Group Work — a Helping Process Pren tice Hall, Inc. Englewood Cliffs, New Jersey, 1963 * '

Teorização do Serv. Social 35

tComo base d e referência p a r a es ta par t ic ipação , con-a-se que o contexto d o grupo represen ta u m a respos ta ecessidades psicossociais da pessoa h u m a n a , que a teia e m grupo responde a es tas necessidades e que o r i o g rupo é u m ins t rumen to de a tuação n a comuni-n a qua l se acha inser ido.

Os objet ivos operacionais do Serviço Social de Grupo condicionados p o r t r ês variáveis que devem se r con-a d a s global e s imul taneamente : a s necessidades dos b r o s , a finalidade da o b r a e o objet ivo profissional

~ d o assis tente social. , US. As funções do Serviço Social de G r u p o r e spondem a «dois pr incipais t ipos de necessidades: as dos próprios par­t i c ipan te s do g rupo , p o r q u a n t o as experiências de grupo «tendem às necessidades individuais de per tencer e de

J9uto-af i rmar-se , e à s necessidades da sociedade n a qual o g r u p o se acha inser ido, v is to que a s experiências de g rupo desenvolvem o espírito de cooperação mútua. T8. O Serviço Social de Grupo cont r ibu i de m o d o efetivo p a r a o p roces so d e mudança social, q u a n d o busca a ade­quação d a ambivalência h u m a n a . 74. A dinâmica individual decor re dessa ambivalência. E n q u a n t o ser ambivalente , o h o m e m vive e m cons tante p r o c u r a de fo rmas adequadas de auto-realização e delas t a n t o m a i s se ap rox ima quan to ma i s desenvolve, em si, a capac idade de inter-relações (pessoais e de g rupo) grati-f lcadoras . Essas inter-relações se cons t i tuem e m condição e recurso p a r a a s mudanças sociais, a o t e m p o e m que, p o r ai m e s m a s , r ep re sen t am mudanças. 75. Assim, ao intervir nos processos de g rupo , garan t indo q u e eles se desencadeiem e se desenvolvam e m suas for­m a s posi t ivas , o Serviço Social de Grupo cont r ibu i p a r a

> i in t roduz i r as mudanças sociais n a med ida d a s necessida­des do h o m e m . 76. Considera-se que a lguns aspectos de interesse p a r a os ass is tentes sociais de g rupo es tão a merece r e s tudo e reflexão. Dent re eles, deve-se ci tar : o concei to de liderança, O u s o d e at ividades pelo ass is tente social de g rupo , o s grupos a tendidos pelos assis tentes sociais enquan to grupos de formação social e de a tuação social, e os campos de a tuação d o Serviço Social de Grupo .

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36" CBCISS DESENVOLVIMENTO D E COMUNIDADE

77. N u m a visão panorâmica da s i tuação mundia l , obser-va-se q u e o processo de Desenvolvimento de Comunidades (DC) apresenta , n ã o apenas na fase de implantação, como também no desenvolvimento de p rog ramas , a incorporação de equipes diversificadas profiss ionalmente, n e m s e m p r e incluindo assis tentes sociais. 78. Nota-se, porém, que os profissionais in tegrantes des­sas equipes recebem o embasamen to teórico e o treina­m e n t o c o m u m à formação do ass is tente social. 79. No Brasi l , a origem e a evolução do DC estão inti­m a m e n t e l igadas a o Serviço Social, cujo p ionei r i smo se justifica desde a cons ta tação de s u a in t rodução n o país, sendo o DC incorporado , de início, c o m o u m dos processos d o Serviço Social. 80. Pelo exame d a evolução do DC n o Brasi l , podem-se definir q u a t r o e tapas . A p r i m e i r a está ligada à s experiên­cias de organizações de comunidades , insp i radas e m mol­des nor te-americanos , através de tenta t ivas de coordena­ção de serviços e o b r a s sociais em áreas funcionais. 81. A segunda caracteriza-se p o r experiências isoladas, a t ingindo pequenas áreas e com finalidades específicas de melhor ias imedia tas de condições de vida, s em recursos político-administrativos e técnicos e n e m t a m p o u c o a preo­cupação com perspect ivas vol tadas p a r a o se to r económico. 82. A tercei ra fase é definida p o r u m a t rans ição carac­ter izada pelo reconhecimento da necessidade de atender-se a problemáticas es t ru tura i s , mot ivando a necessidade de estabelecimento de me ta s p a r a o desenvolvimento. 83. A quar ta , que se esboça a tua lmen te com esforço defi­nido de e laboração técnica, p rocu ra enfatizar a criação de mecan i smos de par t ic ipação popu la r no processo do desenvolvimento, baseando-se n u m melhor conhecimento d a rea l idade nacional e regional quan to , pr incipalmente , ao ins t rumenta l disponível e à dinâxnica de comporta­m e n t o das populações . Saliente-se q u e a ma io r i a des tes p r o g r a m a s está vinculada a p lanos governamenta is e ope-ram-se e m a lgumas regiões do país. 84. DC é u m processo interprofissional q u e visa a capa­ci tar a comunidade p a r a integrar-se n o desenvolvimento

Teorização do Serv. Social 37 através de ação organizada, p a r a a tendimento de suas ne­cess idades e realizações de suas aspirações . 85. A caracter ização de DC, como processo interprofis­sional, decorre do fato de sua realização ser s empre conse-

1 guida através de pro je tos in tegrados , definidos pe lo eco­nomis ta Dirceu Pessoa* como "empreend imen to que en­volve diversos se tores e, como tal , são obje to de at ividades mult iprofissionais , in terdependentes , que deverão ser con­duzidas in tegra lmente" . 86. P a r a esclarecer ma i s p rofundamente o conteúdo do DC, convém l e m b r a r o documento das Nações Unidas** que destaca as qua t ro contr ibuições de DC aos p r o g r a m a s d e desenvolvimento nacional : a ) "gera o cresc imento eco­nómico e social no p lano local; b ) const i tu i u m canal ade­q u a d o p a r a mútua comunicação en t r e governo e povo; c) colabora n a formação do capital social básico e n a ex­pansão d a infra-estrutura, pelo incentivo às iniciativas lo­cais nesses se tores , l iberando recursos governamenta is que pode rão dest inar-se a invest imentos nacionais impor tan tes ; d ) cria, e m m u i t o s países, as condições prévias necessárias p a r a a evolução dos órgãos do governo local ou p a r a o fortalecimento de inst i tuições que f icaram estacionárias oú que não se a d a p t a r a m à s mudanças". 87. Contr ibuindo na formação do capital social básico e na expansão da infra-estrutura, amplia-se a perspect iva do DC, ressal tando-se a sua integração no desenvolvimento sócio-econômico, através do estímulo ao capital h u m a n o , " t r ans fo rmando recursos h u m a n o s ociosos e m capacidade produt iva , den t ro dos objetivos explicitados pelas próprias comunidades" .* * * 88. N u m a d imensão de in tegração, cons iderando DC como u m processo interprofissional , ressalta-se a posição do

(Serviço Social p resen te n a equipe em todas as fases do

* PFSSOA Dirceu Ação Comunitária como Atividade Programada em Proietos I Seminário de Ação Comunitária do Nordeste, Pernambuco, SUDENE, 1966.

** Comunidad y Desarrollo Nacional, Nações Unidas, 1963. *** Cadernos do IBRA, Desenvolvimento de Comunidades, Rio de Ja­

neiro, Série 1, 1967.

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38 CBCISS t r aba lho , buscando com os demais m e m b r o s a perspect iva global dos diversos p rog ramas setoriais . 89. Po r o u t r o lado, focalizando o papel d o Serviço Social n a in tegração da comunidade no processo de desenvolvi­men to , sua presença é requer ida em todas as fases da ação metódica e d a dinâmica d o processo . 90. A p a r t i r dessas considerações, a contr ibuição espe­cífica do Serviço Social nas equipes profissionais de IX! pode ser a s s im definida: a ) par t ic ipar e m pesquisas ope­racionais; b ) cont r ibui r na elaboração das variáveis p a r a o es tudo, a análise-diagnóstico e a avaliação dos progra­m a s ; c) estabelecer canais de comunicação c o m a comu­nidade, susci tando sua par t ic ipação no es tudo, análise-diagnóstico, p lane jamento e avaliação; d ) cont r ibu i r p a r a adequação das p r io r idades técnicas à s p r io r idades sen t idas pela comunidade; e) dinamizar a comunidade p a r a inte­gração n o p rocesso de desenvolvimento; f) susci tar ino­vações q u e es t imulem a comunidade a ado t a r a t i tudes e compor t amen tos que a levem a op ta r e a a ssumir decisões. 91 . Usa-se, mui to , a m e s m a terminologia p a r a a denomi­nação do processo global e p a r a a faixa de a tuação do Serviço Social. 92. E n t r e profissionais, há a tua lmente tendência p a r a uso d o t e r m o DC. N o en tan to , a expressão Serviço Social de Comunidade , res t r i t amente , é usada p a r a intervenção espe­cífica d o Serviço Social. 93. As Escolas de Serviço Social, e m razão de disposições legislativas, em sua documentação oficial ut i l izam a deno­minação Desenvolvimento e Organização de Comunidade (DOC). 94. Observe-se que as expressões ado tadas a c o m p a n h a m a contínua evolução de apl icação do processo , de acordo c o m as características q u e o m e s m o assumiu e m fases diversas históricas, e m var iados contextos sociais. 95. As funções do Serviço Social em DC são principal­m e n t e or ien tadas p a r a a deflagração dos p rocessos de conscientização, mot ivação e engajamento de lideranças individuais, de g rupos e inst i tuições no sent ido do desen­volvimento. Cabe-lhe, po r t an to , apl icar técnicas, atualmen­te, e m diferentes g raus de e laboração, tais como a de abordagem individual e de grupo, de capaci tação de lide-

Teorização do Serv. Social 39 ça, de nucleação e organização de grupos , de uti l ização

t ru t iva de s i tuações de conflito e tensões sociais.

INTEGRAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL . Den t ro da nova perspect iva da metodologia operacio-", coloca-se a ques tão da in tegração do Serviço Social, discutível o tema. Os elementos conceptuais são escas­

sos; as experiências e m curso , a inda incipientes. VI. E s s a busca de in tegração evidencia o desejo de u m . fnaior r end imento do Serviço Social, podendo-se já iden­tificar a lgumas f o r m a s de abordagem, como: in tegração Aos processos de Serviço Social, de p r o g r a m a s e pro je tos , d a s técnicas dos processos e m p rog ramas , e da docência c o m o exercício profissional e pesquisa . 98. Es sa s fo rmas de abordagem, na prática, apresentam-se sob os seguintes aspectos: a) u m m e s m o órgão aplica, s imul taneamente , os t r ê s processos ; b ) a ação visa à mes­m a clientela, ou seja, indivíduos e grupos in tegrantes de u m a comunidade e / o u população; c ) as características pessoais da clientela e as condições ambienta is da área de a tuação d e t e r m i n a m a escolha d o processo e a passa gem d e u m p a r a o u t r o processo ; d ) identificação da pro­blemática e definição das áreas de abordagem através de Serviço Social de Caso, Serviço Social de Grupo , Desen­volvimento de Comunidade e Traba lho com populações ; e) a t end imento a casos, g rupos , comunidades e popula­ções e m função de problemáticas específicas e através de p r o g r a m a s e / o u p ro je tos que a t endam a essas problemá­ticas . 99. A in tegração da docência, do exercício profissional e da pesquisa a s sume as seguintes características: a) os p r o g r a m a s teórico-práticos de aprendizagem e os progra­m a s profissionais se desenvolvem nas perspect ivas de p r o g r a m a s e p ro je tos in tegrados; b ) a exper imentação nes­tes dois níveis de p r o g r a m a oferece subsídios à pesquisa , c ) os agentes da pesqu i sa enr iquecem a experiência, favo­recendo es ta atualizaçao dos conhecimentos e a síntese das ciências, h u m a n a s .

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40 CBCISS UTILIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO

E M SERVIÇO SOCIAL 100. A admin i s t ração não é u m processo específico de Serviço Social. O assis tente social, con tudo , no exercício de sua profissão, desempenha funções adminis t ra t ivas quando : a ) ocupa cargo de chefia e de coordenação de equipes na admin is t ração de p rog ramas ; b ) colabora ao nível da formulação de decisões adminis t ra t ivas ; c) part i ­cipa da formulação de política de ação. 101. A admin is t ração consti tui , hoje, u m a disciplina pro­fissional definida, do tada de u m corpo próprio de teor ia e técnicas. 102. O fato de que a ação do Serviço Social pressupõe , sempre , a existência de quadros organizacionais e, conse­quentemente , o mane jo de processos adminis t ra t ivos , co­m o apoio à execução de suas at ividades, está a exigir es­tudos e concei tuação de u m c a m p o da adminis t ração vol­t ada p a r a a problemática específica do Serviço Social. 103. A "Adminis t ração d o Serviço Social" const i tuir ia u m a especialização, a exemplo do que já existe em t e rmos de Adminis t ração Hospi ta la r e Adminis t ração Escolar . 104. O p repa ro adequado , nessa especialização, deve cons­t i tuir requis i to fundamenta l p a r a o profissional de Serviço Social, chamado a exercer funções adminis t ra t ivas no seu campo de ação técnica.

Capítulo III

SERVIÇO SOCIAL E A REALIDADE BRASILEIRA 105. A necessidade do conhecimento da real idade brasi­leira é p ressupos to fundamenta l p a r a que o Serviço Social nela possa inserir-se adequadamente , nes te seu esforço atual de reformulação teórico-prática. Ressalta-se que este conhecimento deve ser consubstanciado e m t e r m o s de diagnóstico da real idade nacional , diagnóstico este indis­pensável a u m p lane jamento p a r a a intervenção na reali­dade brasi leira , com vistas à implantação das necessárias mudanças. 106. O esforço do Serviço Social, nes ta perspect iva, t em e m m i r a u m a contr ibuição posit iva ao desenvolvimento, en tendido este como u m processo de p lane jamento inte­g rado de mudança nos aspectos económicos, tecnológicos, sócio-culturais e político-administrativos. 107. Nesta conotação de desenvolvimento, en tende o Ser­viço Social que o h o m e m deve ser, nele, s imul taneamente , agente e objeto, e m busca de sua p r o m o ç ã o h u m a n a , n u m sent ido abrangedor , de m o d o que os benefícios não se l imitem a frações de populações, m a s a t in jam a todos , propic iando o p leno desenvolvimento de cada u m . 108. É den t ro desse quad ro de referências que o Serviço Social deve definir suas faixas próprias de a tuação , cons­t ru indo modelos específicos de intervenção. 109. P a r a a i n s t r u m e n t a l i d a d e d a intervenção do Serviço Social no Desenvolvimento, faz-se mis te r a e laboração de modelos que s is temat izem a programação global e / o u se­tor ia l .

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42 CBCISS 110. Evidentemente , a fixação d e ta is modelos não é, n e m p o d e ser, de exclusiva responsabi l idade d o Serviço Social, m a s torna-se imprescindível a par t ic ipação des te nes ta ela­bo ração . 111. A título de contr ibuição, apresenta-se este p r ime i ro esquema de modelo de a tuação do Serviço Social, colocado e m perspect iva de Desenvolvimento, reconhecendo-se a necessidade de análise científica que pe rmi t a a avaliação p a r a pos te r io res reformulações . 112. Supõe es te mode lo de a tuação os seguintes ele­men tos :

IDEOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO INTEGRAL; PLANEJAMENTO; MOBILIZAÇÃO DE FORÇAS ORGANIZADAS; CAPITAL ( recursos h u m a n o s e mate r i a i s ) ; TÉCNICA.

113. Pace a este modelo de a tuação , sugere-se como fun­ção e a t ividade do Serviço Social e m u m a escala de micro e macroa tuação . 114. Na IDEOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO INTE­GRAL, a microatuação do Serviço Social ser ia o processo d i re to de conscientização de indivíduos, g rupos e organi­zações de base , enquan to a macroatuação do Serviço Social ser ia o es tabelecimento de u m a política e /ou de medidas que impl iquem: a) u m amplo processo de conscientização dos centros de poder de decisão da sociedade; b)> a inva­l idação dos processos que, implícita ou explici tamente, se­j a m contrários aos ins t rumentos ou estímulos propulsores e aceleradores do desenvolvimento. 115. Assim entendido, o Serviço Social deve formular diretr izes, c r ia r u m a estratégia de ação, de acordo com seus princípios fundamentais, p a r a a t u a r de m a n e i r a gené­rica e, especialmente, frente a de te rminadas s i tuações de bloqueio à mudança. 116. No PLANEJAMENTO, a microatuação do Serviço Social ser ia a inserção de p lane jamento n a s microrrealiza-ções, den t ro de diretr izes e / o u política d o macroplaneja-mento , enquan to a macroatuação do Serviço Social seria: a) inserção consciente das populações no p lane jamento através d o conhecimento de suas potencial idades e dos meios de transformá-los e m ins t rumentos dessa integração;

Teorização do Serv. Social 43 b ) a adoção de medidas que ga ran tam a inserção dos pro­g ramas e at ividades de Serviço Social nos vários níveis do p lane jamento . 117. Na MOBILIZAÇÃO DE FORÇAS ORGANIZADAS, a microatuação do Serviço Social seria: a) identificação, mo­bilização e ar t iculação de indivíduos, grupos e organizações p a r a a par t ic ipação no processo de desenvolvimento; b ) incentivo à formação de novos quadros de liderança, gru­p o s e organizações; c) valorização e capaci tação de qua­d ros de liderança, visando habilitá-los a a t u a r n o processo de desenvolvimento. A macroatuação do Serviço Social seria: a ) valorização e estímulo às inst i tuições p a r a que se capaci tem e estabeleçam sistemática de coordenação e u s e m ou t ros processos dinâmicos que as t o r n e m propul­soras de mudança; b ) in t rodução de s is temas de transfor­m a ç ã o p a r a aquelas inst i tuições que se cons t i tuem em freios e /ou bloqueios à mudança. 118. No CAPITAL, a microatuação do Serviço Social seria a identificação de recursos mater ia i s disponíveis e o estí­m u l o à cr iação de novos recursos q u e se fizerem necessá­rios , enquan to que a macroatuação do Serviço Social seria: a ) implementação dos invest imentos de infra-estrutura social; b ) estímulo à par t ic ipação popu la r e m p r o g r a m a s q u e efetivem os chamados invest imentos de capital fixo; c) contr ibuição p a r a a elevação dps níveis de vida; d ) estabelecimento de p r io r idades p a r a p rog ramas , pro je tos e at ividades, a pa r t i r de necessidades e aspi rações das populações; e) valorização dos recursos h u m a n o s , visando a supe ra r resistências aos p r o g r a m a s e proje tos a serem implan tados ; f) avaliação d o cus to de pessoal e equipa­m e n t o apl icado nos p r o g r a m a s vinculados, d i re ta ou indi-re tamente , ao Serviço Social, t endo em vista a rentabili­dade destes . 119. Na TÉCNICA, a microatuação do Serviço Social se­ria a uti l ização dos processos de Caso, Grupo e Desenvol­v imento de Comunidade , b e m como de técnicas auxil iares, procedendo-se sua seleção e m vista da melhor aplicabili­dade ao desenvolvimento, enquan to que a macroatuação do Serviço Social seria: a ) uti l ização de formas operacio­na is n o sent ido de t rans formação das e s t ru tu ras ; b ) esta­belecimento realístico das condições e das e tapas d o pro­cesso da par t i c ipação popular , p a r a que os p r o g r a m a s se

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44 CBCISS efetivem, revigorando as decisões e ações h u m a n a s , com vis tas ao desenvolvimento; c) par t ic ipar do estabelecimen­t o de sistemáticas de coordenação de at ividades in terpro-fissionais; d ) es tabelecimento de política de estímulo quan­to a empresas e técnicos, objet ivando desper t a r a t i tudes inovadoras capazes de levá-los a ader i r em a o processo de mudança; mot ivação do empresa r i ado p a r a a utilização dos inves t imentos que lhes são oferecidos pelas institui­ções públicas e pr ivadas , v isando ma io r rentabi l idade a suas iniciativas e esforços; incentivo do espírito empre­sarial , v isando ao aperfeiçoamento de iniciativas empíricas e, consequentemente , ma io r contr ibuição ao processo do desenvolvimento; e) ap rofundamento e /ou e laboração da teorização, da s técnicas do p lane jamento e técnicas opera­cionais do Serviço Social, t endo e m vista as exigências a tua is de a b e r t u r a de campos e /ou m e r c a d o de t r aba lho a o nível de macroa tuação . 120. Face à s colocações explicitadas, reconhece-se reque­r e r a a tuação d o Serviço Social o es tabelecimento de cri­térios de p r io r idades e a definição de opções adequadas às exigências da real idade económico-social. 121. O desenvolvimento harmónico d o h o m e m — perma­nen te desafio à a tuação do Serviço Social — exige que sua adequação à real idade seja u m a cons tante . 122. P a r a as t ransformações necessárias a o desenvolvi­men to , faz-se mis te r u m a ampla e consciente par t ic ipação do próprio h o m e m , sujeito e obje to do Serviço Social. Disto decor re a necessidade de u m t r aba lho cientificamente embasado , que fundamente u m a sistemática real is ta e efi­caz à nova estratégia do Serviço Social, n a consecução de seus objet ivos.

NOTA FINAL 123. Os par t ic ipantes do Seminário de Araxá reconhecem a importância do m o m e n t o histórico deste encont ro . Acre­d i t am que a iniciativa e os resul tados des te Seminário const i tuem u m m a r c o no processo de e laboração do con­teúdo técnico-científico do Serviço Social. 124. Refletindo sobre as consequências das opções suge­r idas , cons t a t am a necessidade de profundas reformula-

Teorização do Serv. Social 45 ções na teoria , n a metodologia, no ensino e nos canais de comunicação do Serviço Social com o público. Es t a s res­ponsabi l idades novas, contudo, n ã o os in t imidam. Ao con­trário, são t o m a d a s como desafio. Certos de que as propo­sições des te documento serão objeto de análise crítica, -<le reflexão p o r pa r t e das escolas, dos profissionais, dos ó rgãos de classe e dos es tudan tes de Serviço Social, con­f i a m que es tas formulações se p ro je tem n o fu turo do Serviço Social no Brasi l .

Assinado por todos os participantes.

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RELAÇÃO DOS DOCUMENTOS PREPARATÓRIOS

Roteiros para Discussão Doe. I — Componentes •universais do Serviço Social —

S. Paulo Doe. I I — Metas do Serviço Social — S. Pau lo Doe. I I I — O Serviço Social face ao processo de formu­

lação e implan tação da Política Social — S. Paulo

Doe. IV — Papel d o Serviço Social; funções do Assistente Social — S. Paulo

Doe. V — Serviço Social. Objetivos. Níveis de Atuação. ótica e Metodologia — Helena I . Junque i ra

Todos estes documentos foram publ icados no Suple­m e n t o n.° 4 de 1967, dos Debates Sociais, d o CBCISS.

DOCUMENTO DE TERESÓPOLIS METODOLOGIA DO SERVIÇO SOCIAL II SEMINÁRIO — 10 a 17 de janeiro de

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COMÎSSAO ORGANIZADORA DO SEMINARIO

Helena I racy Junque i r a E d i t h Mot t a

Mar ia Augusta de Luna Albano Mar ia d a s Dores Machado

José Lucena Dantas

COORDENAÇÃO E d i t h Mot ta

HOSPITALIDADE Conselheiro Luiz Gonzaga Marengo Pere i ra

e Dire tor ia do "Hol iday Club"

PARTICIPANTES Angela Anastasia Cardoso Ana Alves Pere i ra Balbina Ot toni Vieira Ed i th M. Mot t a Edy Maciel Monte i ro E v a Teres inha Silveira Faleiros Franc i sco Pau la Fe r re i ra Giselda Bezer ra Helena I racy Junque i r a I s a Maia

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CBCISS Jocelyne L. Chamuzeau José Lucena Dan tas Leda Del Caro Mar ia Augusta de Luna Albano Mar ia da Glória Nin Fer re i ra Mar i a d a s Dores Machado Mar ia Dulce de Moura Beleza Mar ia do Ca rmo C. Falcão Mar ia Helena M. D u a r t e Mar ia Lúcia A. Velho Mar ia de Nazaré Moraes Marília Diniz Carnei ro Mar ina de Bar to lo Mar isa Meira Lopes M a r t a "Teresinha Godinho Mary Cather ine Jennings Nadi r Gouveia Kfouri Nelson José Suzano Rosa da Silva Gandra Suely Gomes Costa Suzana Medeiros Tecla Machado Soeiro Vicente de Pau la Falei ros

SUMARIO

I n t r o d u ç ã o RELATÓRIO DO GRUPO A * 2. Concepção científica da prática do Serviço Social

2.1.1 Fenómenos e variáveis significativos p a r a a prá­tica do Serviço Social Levantamento dos fenómenos e variáveis Identif icação da s funções cor respondentes Classificação das funções

(Quadros: nível biológico, nível doméstico e fa­mil iar , nível educacional , nível cívico-municipal , nível sócio-cultural, nível de segurança)

3. Aplicação da metodologia do Serviço Social Investigação-diagnóstico In te rvenção

Observações sob re o Relatório do Grupo A

* O item 1 foi suprimido nesta edição. Ver Introdução, p. 54.

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52 CBCISS RELATÓRIO DO GRUPO B * 2. Concepção científica da prática do Serviço Social

2.1 Conhecimentos científicos que e m b a s a m a prática do Serviço Social 2.1.1 Fenómenos e variáveis significativos p a r a a

prática d o Serviço Social (Quadro de variáveis segundo o critério d e necess idades e p rob lemas )

2.1.2 Conhecimentos já e laborados pelas ciências sociais 2.1.3 Conhecimentos já e laborados ou que o pos­

s a m ser, pe lo profissional ou p o r qua lquer c ient is ta social

(Quadro de conhecimentos p a r a a prática do Serviço Social) 2.2 Apreciação dos critérios e da s tendências que vêm or ien tando a formulação da metodologia d o Ser­viço Social

(Quadro : especificação da metodologia do Serviço Social segundo os critérios mais usados )

3 . Aplicação da metodologia do Serviço Social 3.1 Metodologia aplicável ao nível de p lane jamento 3.2 Metodologia aplicável a o nível de admin is t ração 3.3 Metodologia aplicável ao nível de p re s t ação de serviços Observações sobre o Relatório do Grupo B

RELAÇÃO DOS DOCUMENTOS PREPARATÓRIOS * O item 1 foi suprimido nesta edição. Ver Apresentação, p. 7.

INTRODUÇÃO

E m 1967, t r i n t a e oito ass is tentes sociais brasi le i ros , a con­vite do CBCISS, reuni ram-se e m Araxá com o objetivo de teor izar s o b r e Serviço Social face à real idade brasi leira . Nesse e n c o n t r o foi e laborado u m relatório a m p l a m e n t e di­vulgado sob o título: DOCUMENTO D E ARAXA.

Se te encon t ros regionais fo ram real izados e m 1968 p a r a levantar opiniões s o b r e a val idade teórica do Documento d e Araxá e recolher subsídios s o b r e os aspectos nele omis­sos e a s reformulações cabíveis. Setecentos e qua ren ta e u m ass is tentes sociais op ina ram sobre a matéria nos en­con t ros regionais real izados em Goiânia, Fortaleza, Ma­naus , Belo Horizonte , Campinas , Por to Alegre e Rio de Jane i ro (GB) . Os resu l tados desses encont ros foram divul­gados n o "Sup lemento de Debates Sociais" n.° 3, agosto de 1969: "Análise do Documento de Araxá — Síntese dos 7 Encontros Regionais". Os depoimentos recebidos revela­r a m , com bas t an t e clareza, a necessidade de u m es tudo so­b r e a Metodologia do Serviço Social face à real idade brasi­leira.

E m respos ta a esta necessidade, o CBCISS p rog ramou novo encont ro p a r a es tudo d o t e m a p ropos to . A comissão organizadora do segundo seminário e laborou o seguinte ro te i ro de t r aba lho :

METODOLOGIA DO SERVIÇO SOCIAL I — 1 Teor ia d o Diagnóstico e da In te rvenção em

Serviço Social — A In te rvenção e m Serviço Social.

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54 CBCISS 2. Teor ia do Diagnóstico e da In te rvenção e m

Serviço Social — O Diagnóstico Social. I I — Diagnóstico e Intervenção em Nível de Pla­

ne jamento , incluindo s i tuações globais e pro­b lemas específicos.

I I I — Diagnóstico e In te rvenção e m Nível de Admi­n i s t ração .

IV — Diagnóstico e In tervenção e m Nível de Pres­tação de Serviços Diretos a Indivíduos, Gru­pos , Comunidades e Populações .

E s s e ro te i ro foi distribuído a 103 assis tentes sociais possíveis par t ic ipan tes do fu turo encont ro . Destes, 33 pu­d e r a m comparecer a o Seminário. Os critérios adotados pelo CBCISS na escolha dos profissionais foram: interesse pelo es tudo da Teor ia do Serviço Social, realizações ou vivência profissional , especialização, regionalidade, repre­sentat ividade de inst i tuições nacionais , públicas e pr ivadas , d ivers idade q u a n t o à procedência inst i tucional , t empo de fo rma tu ra e procedência regional.

Vinte e u m documentos versando sobre os i tens sugeri­dos no ternário pre l iminar foram encaminhados ao CBCISS e pos t e r io rmen te mimeografados e distribuídos en t re os par t ic ipantes , como subsídio ao es tudo da matéria.

E m síntese, o CBCISS recebeu e d is t r ibuiu 11 documen­tos de S. Paulo; 7 da Guanabara ; 1 de Brasília; 1 do E s t a d o do Rio e 1 do Paraná, sendo 6 documentos s o b r e o Tema I ; 5 sobre o T e m a I I ; 2 sobre o T e m a I I I e 3 sobre o T e m a IV. Como se desenvolveu o Seminário

A pr ime i r a reunião de es tudos foi iniciada com o debate sobre a dificuldade de o ternário ser seguido n a íntegra. Discutido o assunto , ficou acer tado q u e o seminário se concent ra r ia no e s tudo de apenas t r ê s pon tos :

1. Fundamentos da metodologia do serviço social. 2. Concepção científica da prática do serviço social. 3. Aplicação da metodologia do serviço social.

Teorização do Serv. Social 55 O es tudo do p r i m e i r o pon to embasar ia a s reflexões so­

b r e os dois últimos e ser ia feito através da análise dos sub­sídios recebidos sobre o assunto . O ternário foi en tão re­e laborado, como se segue:

1. Fundamentos da metodologia do serviço social. 2. Concepção científica da prática do serviço social.

2.1 Conhecimentos científicos que embasam a prá­tica do serviço social.

2.2 Apreciação dos critérios e das tendências que vêm orientando a formulação da metodologia do serviço social.

3. Aplicação da metodologia do serviço social. 3.1 Teorias que fundamentam o diagnóstico e téc­

nicas para sua elaboração. 3.2 Teorias que fundamentam a intervenção e téc­

nicas para sua elaboração. Foi também apresen tada u m a p r o p o s t a de Pesquisa so­

bre Serviço Social no Brasil, documento e laborado p o r u m g r u p o de S. Paulo .

Aceito o ro te i ro de t r aba lho , o Seminário desenvolveu-se n a s seguintes e tapas :

A — Apresentação da p r o p o s t a sobre Pesquisa em Ser­viço Social no Brasil. O assun to desper tou g rande in teresse en t re os par t ic ipan tes e u m subgrupo encarregou-se d a e laboração de u m antepro je to com sugestões de aspectos a s e rem es tudados , levantados o u pesquisados .

B — Análise e deba te , e m plenário, de t r ê s documen tos sob re o T e m a 1: F u n d a m e n t o s d a Metodologia do Serviço Social.1

1 Sobre o assunto foram encaminhados ao CBCISS cinco trabalhos. Os dois não debatidos foram os seguintes:

— "Teoria do diagnóstico e da intervenção em serviço social", de Helena Yracy Junqueira, que, presente no Seminário, considerou-o mais como um roteiro pata futura elaboração.

— "Introdução ao método. Teoria do Diagnóstico Social. Formas de intervenção na realidade", de Ana Augusta de Almeida, que não pôde comparecer ao Seminário.

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56 CBCISS

— Introdução às Questões de Metodologia — Teoria do Diagnóstico e da Intervenção em Serviço Social, p o r Suely Gomes Costa.

— Teoria Metodológica do Serviço Social, uma Abor­dagem Sistemática, p o r José Lucena Dantas.

— Bases para Reformulação da Metodologia do Serviço Social, p o r Tecla Machado Soeiro.

C — Subdivisão dos par t ic ipantes em dois grupos — A e B — pa ra estudo dos temas subsequentes: Tema 2 — Concepção científica do serviço social ; e Tema 3 — Ap l i ­cação da metodo log ia do serviço social .

D — Apresentação, e m plenário, dos documentos ela­borados pelos dois grupos. O Grupo A aprofundou-se mais n o Tema 2, o G r u p o B seguiu f ie lmente o esquema pro­posto. A diversidade nas f o rmas de t raba lho imposs ib i l i ­t o u a fusão dos dois relatórios.

O Relatório Final

Os assistentes sociais que subscrevem o Documento de Teresópolis, conscientes da responsabi l idade assumida, re­conhecem que o assunto deve ser objeto de estudos e reflexões fu turas . A matéria, p o r demais vasta, não pôde ser suf ic ientemente apro fundada n u m encontro de sete dias. O Seminário não pre tendeu esgotar assunto de tão a l ta relevância.

O CBCISS submete à crítica dos assistentes sociais os resultados do Seminário de Teresópolis e espera haver contribuído de a lguma f o r m a para o desenvolv imento de u m Serviço Social que responda cada vez ma is às necessi­dades do H o m e m Bras i l e i ro .

Nesta a tua l edição são apresentados somente os Rela­tórios dos dois grupos. Os documentos preparatórios, d iscut idos o u não no Seminário, f o r a m editados separa­damente.*

* Ver na p. 97 a relação desses documentos, editados pelo CBCISS, na Coleção Temas Sociais.

RELATÓRIO DO GRUPO A

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GRUPO A

Conforme decisão do plenário, os Grupos só es tudaram os Temas 2 e 3, porque o Tema 1 f o i debat ido e m plenário, baseado nos três t raba lhos preparatórios ao Seminário.

O Grupo A, e m resposta ao Tema 2 — Concepção Cien­tífica da Prática do Serviço Social e ao i t e m 2.1 Conheci­mentos Científicos que Embasam a Prática do Serviço Social, — i n i c i o u o estudo pelos 2.1.1 Fenómenos e Variá­veis Significativos para a Prática do Serviço Social, desen-volvendo-o ma is amplamente , não chegando a abordar os i tens seguintes do Tema 2.

Quanto ao Tema 3 — Aplicação da Metodologia do Ser­viço Social, o estudo f o i fe i to a p a r t i r de u m ro t e i r o orga­nizado p o r elementos do próprio Grupo ao término da ela­boração do estudo anter ior .

T E M A 2: CONCEPÇÃO CIENTÍF ICA DA PRATICA DO SERVIÇO SOCIAL

2.1.1 Fenómenos e Variáveis Significativos para a Prática do Serviço Social

O estudo se desenvolveu e m cinco etapas: levantamento de fenómenos signi f icat ivos observados na prática do ser­viço social , correspondentes aos níveis adotados pelo gru­po; levantamento das variáveis signi f icat ivas para o serviço social, nos fenómenos observados; levantamento das fun­ções correspondentes às variáveis levantadas; redução das funções ident i f icadas e, f ina lmente , classificação dessas funções.

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60 CBCISS

A apresentação detalhada das cinco etapas exige, antes, u m a advertência. A sistemática de t raba lho (estudo de fe­nómenos, levantamento de variáveis e identificação de fun­ções) não pretende suger i r que, de o r a e m diante , o ser­viço social se reduza à análise isolada de cada necessidade. Ao contrário, o estudo, p o r s i mesmo, conduz ao reconhe­c imento da global idade e do inter-re lac ionamento das ne­cessidades humanas. Ma i s ainda, certos condic ionantes básicos pa ra a prática do serviço social não decor rem de cada u m dos níveis encarados isoladamente mas das carac­terísticas centrais da sociedade bras i l e i ra , país subdesen­vo l v ido e e m crise mo t i vada p o r u m a fase de transição e de mudanças. É forçoso sal ientar, a inda, que o pape l do serviço social na sociedade bras i l e i ra — e m seu estágio a tua l de desenvolvimento, c o m os choques de opiniões exis­tentes — é u m fenómeno s igni f icat ivo que não deve ser es­quecido na prática pro f i ss iona l .

Com estas ressalvas, são apresentadas, a seguir, as cinco etapas de t raba lho :

l.a Etapa

L E V A N T A M E N T O D E FENÓMENOS S I G N I F I C A T I V O S OBSERVADOS N A PRATICA DO SERVIÇO SOCIAL.

Par t indo do inventário dos níveis 1 e laborado p o r S. L. Lebre t 2 f o i efetuado o levantamento dos fenómenos 8

signi f icat ivos, observados na prática do serviço social nos níveis propostos pelo au to r :

Necessidades básicas

Nível Biológico Nível Doméstico

1 Nível: diferentes planos de realidades da sociedade global nos quais se situam necessidades homogéneas, (Verbete retirado do Dictiotiary of Social Sciences, editado por Julius Gould e William L. Kolb.)

2 Em Dynamique Concrète du Dévéloppement, Paris, Les Editions Ouvrières, 1961, p. 156. 8 Fenómeno (social ou fato social): fatos sociais enquanto objeto de uma observação. (Verbete preparado pelo cientista social E. A. Gellner para o

Dictionary of the Social Sciences, edição da UNESCO.)

Teorização do Serv. Social 61

Nível Residencial

Nível de Equ ipamento Escolar

Necessidades sociais

Nível Social Nível Fami l i a r e de Compor tamento Sexual Nível de Sociabi l idade Nível de V i d a M u n i c i p a l Nível de V i d a Cívica Nível de V i d a Ética e E s p i r i t u a l A esses níveis f o i acrescentado o de "Segurança" Inventar iados os fenómenos, f o i ver i f icada a frequência

de fenómenos semelhantes ou idênticos, e m diferentes ní­veis. Por esta razão, f o i e laborada nova classificação de níveis como se segue:

Nível Biológico e de Equ ipamento Sanitário Nível Doméstico e Fami l i a r Nível Educac iona l Nível Residencial Nível Cívico-Municipal Nível Sócio-Cultural Nível de Segurança F o i necessário, então, reagrupar os fenómenos de acordo

c o m a classificação de níveis adotada pelo grupo . (Ver , no f i na l do Tema 2, Quadros A 1, A 2, A 3, A 4, A 5, A 6 — co luna 1.)

2.o Etapa

IDENTIFICAÇÃO DAS VARIÁVEIS 4 S I G N I F I C A T I V A S PARA O SERVIÇO SOCIAL, NOS FENÓMENOS OB­SERVADOS.

Conhecidos os fenómenos, procurou-se a identificação das diversas f o rmas pelas quais eles se apresentam. Fo i

4 Variável: fator dinâmico cujo desenvolvimento é sincronizado ao desen­volvimento de outro fenómeno. (Verbete preparado pelo cientista social Raymond V. Bowers para o Dictionary of the Social Sciences, edjção da UNESCO.)

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62 CBCISS

desde logo evidenciado que as mesmas variáveis, c o m fre­quência, aparec iam relacionadas a diferentes fenómenos. (Ver Quadros A 1, A 2, A 3, A 4, A 5, A 6, A 7 — coluna 2.)

3. a Etapa

IDENTIFICAÇÃO DAS FUNÇÕES 5 CORRESPONDEN­TES ÀS VARIÁVEIS I N V E N T A R I A D A S .

Conhecidas as variáveis dos fenómenos estudados, fo­r a m ident i f icadas as funções a elas correspondentes. (Ver Quadros A 1, A 2, A 3, A 4, A 5, A 6, A 7 — co luna 3.)

4. a Etapa

REDUÇÃO DAS FUNÇÕES.

Ident i f icadas as possíveis funções do serviço social , f o i tentada u m a f o r m a sintética de expressá-las. (Ver Quadros A 1, A 2, A 3, A 4, A 5, A 6, A 7 — co luna 4.) As funções, como respostas às variáveis selecionadas, são a seguir t ranscr i tas e m o rdem alfabética: admin i s t ra t i va , de asses­sor ia técnica, assistencial, conscientizadora, de criação de recursos, de educação de base, mob i l i zadora , de pesquisa de métodos, de pesquisa de necessidades, de p lane jamento , de política social, social izadora, de substituição de padrões, e terapêutica. Vale ressaltar que, e m Teresópolis, f o i fe i to u m esforço de qua l i f i car as funções reduzidas. A comissão re latora , após ouv i r a opinião de vários part ic ipantes , re­solveu o m i t i r este dado p o r considerar que esta etapa só poderá ser fe i ta depois de estudos mais aprofundados.

5. a Etapa

CLASSIFICAÇÃO DAS FUNÇÕES.

Ident i f i cadas quatorze diferentes funções, f o i tentada a classificação das mesmas. Para f ins deste estudo, Função

5 Função: série de atividades organizadas para satisfazer ou executar um fim e/ou um objetivo.

Teorização do Sero. Social 63

em serviço social f o i de f in ida como: " a resposta dada pela intervenção do serviço social a u m a determinada necessi­dade humana , detectada nas variáveis observadas".

Par t indo desse conceito (para f ins de estudo) , f o i pro­posta a seguinte classificação das funções: 6

CLASSIFICAÇÃO DAS FUNÇÕES

r f Educativas

Funções F ins

E m microatuação

E m macroatuação

Mob i l i zadora Educação de

base Substituição de

padrões Conscientiza­

do ra Social izadora

Curativas

Terapêutica Assistencial

Criação de recursos

Política Social

Funções Meios E m m i c r o

e macroatuação

Assessoria Pesquisa Planejamento Administração Política Social

O u t r a possível classificação, atendendo à satisfação de necessidade no tempo: função imedia ta e função mediata .

« Não houve consenso quanto aos níveis de micro e macroatuação e quanto à classificação das funções.

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64 CBCISS

É impo r t an t e sal ientar que os fenómenos, as variáveis e as funções propostas neste documento são apresentados a título exempl i f icat ivo . Por este mo t i v o , não podem ser quant i f icados. Outros fenómenos, outras variáveis e outras funções podem ser encontrados. U m quadro de f in i t i vo só poderá ser apresentado depois de acurados estudos e pes­quisas que, evidentemente, não pode r i am ser tentados du­rante u m seminário. Considera-se necessário estudo mais apro fundado pa ra de f in i r qual a classificação que me lhor atende ao serviço social.

A análise das funções do serviço social conduz ao estudo de sua metodolog ia quando se ver i f ica :

1. que as funções ident i f icadas são, todas elas, de inter­venção. Mesmo as classificadas como de "pesquisa" , referem-se à pesquisa de necessidades e de métodos de intervenção;

2. que as variáveis de u m a só necessidade de t e rm inam a importância de atuação em dois níveis ( m i c r o e m a c r o ) ;

3. a interdependência entre fenómenos e variáveis. As variáveis se repetem e o mesmo dado aparece ora como "fenómeno" ora como "variável".

O p rob l ema do método não pode ser dissociado da ques­tão do objeto.

O prosseguimento da análise das funções evidencia que as variáveis — objeto de intervenção do serviço social — con f i guram situações sociais p rob l ema dentro de u m qua­d r o de subdesenvolvimento. Restaria a indagação: a aná­lise do serviço social, a p a r t i r de ou t ro ponto de referên­cia, levaria aos mesmos resultados?

CONCLUSÃO

O quadro de fenómenos e variáveis levantados, segun­do os níveis de necessidades propostos por Lebret (modelo escolhido para estudo) , evidencia u m a real idade de subde­senvolvimento.

Os fenómenos apontados enquadram-se no princípio de causação c i rcu lar acumulat iva (Gunnard M y r d a l ) , o que

Teorização do Serv. Social 65

leva a crer que t a l princípio deva ser considerado no estu­do metodológico do serviço social. Dada a interdependên­cia entre variáveis e fenómenos, não se pode atuar sobre u m sem considerar os demais. Impõe-se, assim, u m a visão g lobal .

I m p o r t a , a inda, indagar se as funções do serviço social, levantadas para responder àqueles fenómenos e variáveis, respondem também aos indicadores de subdesenvolvimen­to apresentados p o r Lebret e que são:

1 Indicadores básicos

1.1 Baixa renda nac ional per capita 1.2 Subnutrição de impo r t an t e parcela da popula­

ção e amp l i tude de doenças de massas 1.3 Ag r i cu l tu ra p r i m i t i v a , r o t ine i ra , não mecani­

zada 1.4 Debi l idade da in f ra -es t rutura 1.5 Ba ixa industrialização 1.6 Anal fabet ismo 1.7 Ausência ou insuficiência de quadro de cien­

tistas e técnicos

2. Outros indicadores menos comprobatórios

2.1 Predominância do setor agrícola e da popula-lação r u r a l , desemprego e subemprego

2.2 Baixa capacidade f inanceira, taxas de poupan­ça e invest imento pouco elevadas, baixo nível de mercado de capi ta l

2.3 A l t a fecundidade ou ba ixa restrição de nasci­mentos

3. Indicadores apresentados por Alfred Sauvy, cita­dos por Lebret

3.1 Submissão da mu lhe r 3.2 Traba lho i n f a n t i l 3.3 Ausência ou fraqueza das classes médias 3.4 Regime autoritário, ausência de instituições

democráticas

Page 32: Livro ''Teorização Do Serviço Social - Documentos de Araxa, Teresopolis e Sumaré (1)

66 CBCISS

O Quadro de Classificação de Punções evidencia coerên­cia c o m os indicadores de subdesenvolvimento propostos p o r Lebret . Ass im, nas Funções Fins são encontradas Funções Educat ivas, que p r epa ram as populações para p a r t i c i p a r e m do esforço do desenvolvimento e concorrem pa ra r o m p e r es t ruturas menta is rígidas, valores e ,com­por tamentos de resistência à mudança. As Funções Cura­t ivas são necessárias para responder às necessidades bá­sicas de populações marginal izadas ou carentes. As fun­ções ao nível de macroatuação (criação de recursos, pol i ­t i ca social ) podem in t e r f e r i r d i re tamente no quadro do subdesenvolv imento. As Funções Meios são necessárias, em nível de m i c r o e macroatuação, para concretização das Funções F ins .

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Q U A D R O A 1

NÍVEL BIOLÓGICO

FENÓMENOS S I G N I F I C A T I V O S O B S E R V A D O S N A

P R A T I C A D O SERVIÇO S O C I A L

1 Subnutrição

VARIÁVEIS S I G N I F I C A T I V A S P A R A O SERVIÇO S O C I A L N O S FENÓMENOS

O B S E R V A D O S

1. Tabus a l imentares 2. Hábitos a l imentares inadequados 3. B a i x a r enda 4. B a i x a produt iv idade 5. Doenças carenc ia i s e fa lta de higidez

POSSÍVEIS FUNÇÕES D O SERVIÇO S O C I A L ( D E T A L H A D A S )

1. Introdução e/ou substituição de valores no comportamento a l imentar e higiénico

2. Substituição de hábitos a l imentares 3. Assistência f inance i ra 4. P l ane j amento socia l 5. Assistência a l imentar e medicamentosa 6. Participação em pesquisas médico-sociais

FUNÇÕES D O SERVIÇO S O C I A L

( R E D U Z I D A S )

1. De substituição de padrões

2. Ass i s tenc ia l 3. De planejamento 4. De pesquisa de

recursos

2. Doença de massa e endemias

1. Subnutrição 2. Habitação inadequada 3. Flutuação de mão-de-obra 4. B a i x a r enda 5. Ba i xo nível de educação sanitária 6. F a l t a de equipamento da med ic ina

p revent iva e cu ra t i va 7. Ma l aproveitamento dos recursos

existentes

1. Introdução e/ou substituição de valores no comportamento a l imentar e higiénico

2. Substituição de hábitos a l imentares 3. Assistência f inance i ra 4. P l ane jamento 5. Assistência a l imentar e medicamentosa 6. P l ane jamento social , educação hab i tac iona l 7. Introdução e/ou substituição de va lores e

hábitos de saúde e hig iene 8. Pesqu i sa das necessidades e participação em

p lane jamento 9 Divulgação e coordenação dos recursos

existentes

1. De planejamento 2. De educação-base 3. Ass i s tenc ia l 4. De substituição de

padrões 5. De pesquisa de

necessidades 6. Mobi l izadora

3 Alto índice de morb i -dade e ba ixa expec ta ­t iva de v ida

' l . B a i x a renda 2. B a i x o nível de educação sanitária 3. Absenteísmo no trabalho 4. E n t r a v e à mobi l idade socia l 5. F a l t a de equipamento da med ic ina

prevent iva e cura t i va 6. Subnutrição 7. Habitação inadequada 8. Or fandade e v iuvez precoce 9. B a i x a de produt iv idade no trabalho

10. Doença de massa e endemias

1. Assistência f inance i ra 2. P l ane jamento 3. Pesqu i sa de necessidades 4. Assistência medicamentosa e fami l ia r 5. Criação de recursos 6. Divulgação e coordenação dos recursos

existentes 7. Introdução e/ou substituição de va lores no

comportamento a l imentar e higiénico 8. Substituição de hábitos a l imentares 9. Assistência a l imentar

10. P l ane jamento soc ia l e educação habitac ional 11. Colocação fami l ia r 12. Educação sanitária e criação de recursos 13. Introdução e/ou substituição de va lores e

hábitos de saúde e h ig iene 14. Pesqu isa de necessiaaães 15 Participação no p lanejamento

1. Ass i s tenc ia l 2. De pesquisa de

recursos 3. De p lane jamento 4. De criação de r e cu i - o s 5. Mobi l izadora 6. De educação de base 7. De coordenação de

recursos 8. Terapêutica 9. De substituição de

padrões

4. Alto índice de mor t a ­l idade infanti l

1. Subnutrição 2. F a l t a de equipamento da medic ina

p revent iva e cura t i va 3. E n d e m i a s 4. M a l aproveitamento dos recursos

existentes 5. Ba i xo n i v e l de educação sanitária 6. Ba i xo nível de educação doméstica

1. Introdução e/ou substituição de va lores no comportamento a l imentar

2. Substituição de hábitos a l imentares 3. Assistência f inance i ra 4. P l ane jamento 5. Assistência a l imentar e medicamentosa 6. Pesqu i sa de necessidades 7. Participação no p lanejamento 8. P l ane jamento socia l 9. Educação hab i tac iona l

10. Divulgação e coordenação dos recursos existentes

11. Introdução e/ou substituição de valores e hábitos de saúde e h ig iene

12. Introdução e/ou substituição de va lores e hábitos pré-natais e pós-natais

1. De pesquisa de necessidades

2. De p lanejamento 3. D e educação de base 4. Mobi l izadora 5. Ass i s tenc ia l 6. De substituição de

padrões 7. De pesquisa de

recursos

5. Alto Índice de natal idade

1. " Fa l t a de educação sexua l 2. Va lores religiosos 3. Padrões cu l tura i s 4. F a l t a de p lane jamento f ami l i a r 5. Abandono do menor

1. Participação e m programas de educação sexua l

2. Substituição de va lores e padrões cu l tu ra i s 3. Participação e m programas de p lanejamento

fami l ia r 4. Orientação fami l iar e criação de recursos

1. De educação de base 2. De substituição de

padrões 3. De criação de recursos 4. De p lane jamento

6. Insuficiência e má distribuição do equipamento sanitário e raedieo-hogpitalar -

1. Doenças de massas e endemias 2. Alto índice de morbidade 3. A l to índice de morta l idade 4T- Abo"onteism& -no t r aba lhe 5. Ba i xo nível de educação sanitária 6. Alto índice de morta l idade in fant i l 7. B a i x a produtiv idade no trabalho 8. Migrações internas 9. B a i x a expectat iva da v ida

1. Introdução e/ou substituição de va lores no comportamento a l imentar

2. Substituição de hábitos a l imentares

4. P lane jamento socia l 5. Assistência a l imentar e medicamentosa 6. Participação e m pesquisas médico-sociais 7. Pesqu isa de necessidades 8. Assistência f ami l i a r 9. Criação de recursos

10. Divulgação e coordenação dos recursos existentes

11. Educação sanitária 12. Introdução e/ou substituição de va lores e

hábitos de saúde e higiene

1. De p lane jamento 2. De educação de base 3. Ass i s tenc ia l A. De—substituição- -de~ -

padrões 5. De pesquisa de

necessidades 6. Mobi l izadora 7. D e pesquisa de

recursos 8. De coordenação de

recursos 9. Terapêutica

7. Doença psicotóxicas (alcoolismo, uso de entorpecentes etc. l

1. Desintegração f ami l i a r 2. Absenteísmo e ba ixa produt iv idade

de mão-de-obra 3. Morbidade 4. Ba i xo nível econômico-social 5. Desemprego e subemprego

1. Orientação fami l iar 2. Educação sanitária 3. Assistência f inance i ra 4. P l ane j amento socia l 5. Pesqu i sa de necessidades

. 6. Assistência medicamentosa 7. Assistência f ami l i a r 8. Criação de recursos 9. Divulgação e coordenação dos recursos

existentes 10. Introdução e/ou substituição de va lores no

comportamento a l imentar e higiénico 11. Substituição de hábitos a l imentares 12. P l ane jamento 13. Assistência a l imentar

1. De educação de base 2. De pesquisa de

recursos 3. Ass i s tenc ia l 4. De pesquisa de

necessidades 5. De criação de recursos 6. Mobi l izadora 7. Terapêutica 8. De p lane jamento

Page 34: Livro ''Teorização Do Serviço Social - Documentos de Araxa, Teresopolis e Sumaré (1)

NÍVEL DOMÉSTICO E FAMILIAR Q O A D R O * *

P K N O M K N 0 8 S I G N I F I C A T I V O S O B S E R V A D O S N A

P R A T I C A D O SERVIÇO S O C I A L

VARIÁVEIS S I G N I F I C A T I V A S P A R A O SERVIÇO S O C I A L N O S FENÓMENOS

O B S E R V A D O S POSSÍVEIS FUNÇÕES D O SERVIÇO S O C I A L

( D E T A L H A D A S ) FUNÇÕES D O SERVIÇO

S O C I A L ( R E D U Z I D A S )

1. Desagregação e/ou desintegração fami l i a r

1. Processo de mudança soc ia l acelerado 2. Migrações inte rnas 3. Deserção do l a r 4. Presença pa te rna e/ou m a t e r n a

insuf ic iente 5. Conf l i to de gerações 6. Tensões fami l i a res 7. Condições de v i d a inadequada

(habitação, alimentação etc. ) 8. R e n d a f ami l i a r insuf ic iente 9. F a l t a de educação doméstica, educação

sexua l , preparação p a r a o casamento e p lane jamento f ami l i a r

10. G r a n d e s d is tancias ent re o l oca l do traba lho e o l a r

1. Preparacfio pa ra a mudança 2. P l ane j amento soc ia l 3. Assistência especia l izada 4. Orientação fami l ia r 5. Assistência f inance i ra 8. Criação de recursos 7. Educação doméstica 8. Educação s e x u a l 9. Preparação pa r a o casamento

10. Orientação f ami l i a r 11. Participação no p lane jamento urbano

1. Cons r i ent l i a r i o ra 2. D e p lane jamento 3. D e educação de base 4. Ass i s tenc ia l

2. Ausência de u m a po l i t ica f ami l i a r

1. legislação fami l i a r inadequada 2. F a l t a de amparo dos poderes públicos

1. Subs id io pa r a u m a pol i t ica 1. D e pol i t ica soc ia l

3. Distorções no comportamento sexua l

1. Delinquência e perversões sexua i s (homossexua l i smo — prostituição — c r imes sexua i s )

2. Iniciação s e x u a l p r ematu ra e/ou inadequada

3. Educação s e x u a l inadequada ou ausente

4. T a b u s sexua i s

1. Participação e m campanhas de orientação e criação de recursos

2. Orientação fami l i a r 3. Substituição de va lo res e comportamento

1. Terapêutica 2. D e po l i t ica socia l 3. Criação de recursos 4. D e educação de base 5. D e substituição de

padrões

4. Marginalização do menor

1. Delinquência in fant i l e j u v e n i l x. Exploração e sev ic iamento de menores 3. Abandono total e p a r c i a l 4. Uso indev ido do t raba lho do menor 5. Assistência t rad ic iona l não p rop i c i an ­

do a integração do menor A sociedade 8. Desagregação e/ou desintegração

7. Menor excepc iona l

1. Participação e m campanhas de orientação e criação de recursos

2. Subsídios p a r a u m a legislação adequada e sua efet iva aplicação

3. Colaboração na Po l i t i ca Nac iona l do B e m -E s t a r do Menor

4. Orientação fami l i a r

1. Terapêutica 2. Ass i s tenc ia l 3. Criação de recursos 4. D e pol i t ica socia l

S. Carência de equipamentos domésticos

1. B a i x a r enda f ami l i a r 2. F a l t a de educação doméstica 3. P rog ramas de educação doméstica

insuf ic ientes

1. Assistência f inance i r a e promociona l 2. Orientação f ami l i a r 3. Criação de recursos

1. D e educação de base 2 . A s s i s t enc i a l 3. D e criação de recursos

Page 35: Livro ''Teorização Do Serviço Social - Documentos de Araxa, Teresopolis e Sumaré (1)

Q U A D R O A 3

NIVEL EDUCACIONAL

FENÓMENOS S I G N I F I C A T I V O S

O B S E R V A D O S N A P R A T I C A D O

SERVIÇO S O C I A L

VARIÁVE IS S I G N I F I C A T I V A S P A R A O SERVIÇO S O C I A L N O S FENÓMENOS

O B S E R V A D O S POSSÍVEIS FUNÇÕES D O SERVIÇO S O C I A L

( D E T A L H A D A S )

FUNÇÕES D O SERVIÇO S O C I A L

( R E D U Z I D A S )

1. A l t o Índice de anal fabetismo

1. D i f i cu ldade de comunicação v e r b a l e e s c r i ­ta condic ionada ao pensamento magico centrado, impedindo a introjeção de p a ­drões rec iona is

2. E l emento l imi ta t ivo A utilização de i n s t r u ­menta l técnico que dependa da a l fabet i ­zação

3. D i f i cu ldade de acesso a s informações 4. Impedimento ao conhecimento e uso dos

direitos ind iv idua i s 5. D i f i cu ldade de utilização dos recursos da

comunidade 6. E l emento l imitador á participação

ocupaciona l 7. E l emento condic ionador da ba i x a r enda 8. Crianças que não f requentam a escola

(rede esco lar insuf ic iente, evasão, r e p e ­tência)

1. Desenvo lv imento de programas de educa ­ção de base

2. Motivação e encaminhamento para os programas de educação de base

3. Conscientização ou clarificação sociológica 4. Pesqu i sa de métodos adequados 5. Participação nos programas de formação

prof iss ional 6. Assistência ut i l i zada como elemento mo­

t ivador e suplet ivo à alfabetização, prof is ­sionalização e prosseguimento do estudo

7. Mobilização de recursos pa r a extensão da rede escolar

1. De educação de base 2. C la r i f i cadora

(conscientizadora i 3. De pesquisa de

métodos 4. De capacitação

profissional 5. Ass i s tenc ia l 6. Mobi l izadora

2. H ia to nocivo, t raba lho do menor e a l ta se let iv idade

1. D i f icu ldade dos menores da c lasse ba ixa , n a f a i x a de 12 a 14 anos, de prossegui ­r e m os estudos, se i n i c i a r e m no preparo prof iss ional e ing ressa rem no mercado de trabalho

3. Menor excepc iona l : físico, menta l e psicológico

1. F a l t a de condições psicológicas, educac io ­na i s e/ou mater ia is , das famílias, p a r a a educação dos menores

2. Preconce i tos cu l tu ra i s 3. F a l t a de equipamento especial izado

1. Clarificação e educação da família e da comunidade

2. Mobilização de recursos 3. Ass i s t enc ia l sup let iva 4. Terapêutica co r re t i va do menor e da fa ­

mília

1. De substituições de padrões

2. Mobi l izadora 3. Ass i s tenc ia l 4. Terapêutica 5. D e po l i t ica socia l 6. C l a r i f i cadora

Q U A D R O A 4

NÍVEL RESIDENCIAL

FENÓMENOS S I G N I F I C A T I V O S

O B S E R V A D O S N A P R A T I C A D O

SERVIÇO S O C I A L

VARIÁVEIS S I G N I F I C A T I V A S P A R A O SERVIÇO S O C I A L N O S FENÓMENOS

O B S E R V A D O S POSSÍVEIS FUNÇÕES D O SERVIÇO S O C I A L

( D E T A L H A D A S )

FUNÇÕES D O SERVIÇO S O C I A L

( R E D U Z I D A S )

1. P rob l emas de I n f r a -e s t ru tura u r b a n a : — pavimentação — água — esgoto — iluminação — transporte — comunicação

1. D i f i cu ldade de acesso prof iss ional á c l i e n ­te la e v i c e - v e r s a

2. D i f i cu ldade de acesso ao loca l de traba lho e recursos , ocasionando desgaste da c l i e n ­te la

3. P rob l emas de saúde, higiene, abastec i ­mento e segurança

4. Condições de habitação subumana , p ro ­miscu idade e insa lubr idade

5. F a l t a de recursos re lat ivos à educação, saúde, l aze r e bem-es ta r

1. Descentralização dos recursos pa ra a t e n ­dimento à c l i ente la

2. Clarificação sociológica da comunidade, c o m relação aos seus direitos de i n f r a -est rutura

3. Incent i vo à formação de mutirão e m c a -ráter suplet ivo p a r a complementar ações públicas, construções e me lho r i a da casa própria

1. Admin i s t r a t i v a e pesquisa (micro )

2. C l a r i f i cadora (conscient izadora )

3. Mobi l izadora

2. P rob l emas de urbanização: — carência de áreas,

locais e equipamentos

— existência de fave las e cortiços

— def ic it hab i tac iona l

1. G r a n d e percentagem do orçamento apl icado no a lugue l da morad ia

2. Insegurança e mobi l idade

1. Pesquisa , p lane jamento e assessoria aos órgãos locais , estaduais, regionais e n a ­cionais

1. Pesqu i sa (macro ) 2. P l ane jamento 3. Assessor ia

Page 36: Livro ''Teorização Do Serviço Social - Documentos de Araxa, Teresopolis e Sumaré (1)

Q U A D R O A 5

NIVEL CÍVICO-MUNICIPAL

F E N O M E N O S S I G N I F I C A T I V O S

O B S E R V A D O S N A P R A T I C A D O

SERVIÇO S O C I A L

VARIÁVEIS S I G N I F I C A T I V A S P A R A O SERVIÇO S O C I A L N O S F E N O M E N O S

O B S E R V A D O S

POSSÍVEIS FUNÇÕES D O SERVIÇO S O C I A L ( D E T A L H A D A S )

FUNÇÕES D O SERVIÇO S O C I A L

( R E D U Z I D A S )

1. Divisfio mun i c i pa l não corresponde á caracterização geo-sócio-econômica

1. Deformação do s istema n a t u r a l de polarização

1. Aceleração e intensificação dos s istemas de relações sociais

2. Substituição do s i s tema de influência, através de estratégia po l i t ica l o ca l

1. De substituição de padrões

2. Soc ia l izadora 3. D e pol it ica socia l

2. D icotomia entre necess idade dos munic ip ios e ação político-admin i s t ra t iva

1. Ausência de planos diretores 2. Deficiência nos planos e m função das

necessidades munic ipa i s 3. Distorção n a aplicação de planos diretores

de munic ip ios

1. Elaboração de p lane jamento de serviços soc ia i s : — estabelecimento de est ruturas e padrões

de equipamentos sociais — di retr izes de programas — adequação de l e i s — s is tema de distribuição de recursos

2. Substituição de padrões po l iUco -admin i s -trat ivos através de estratégia pol i t ica

1. D e p lane jamento 2. D e pol i t ica soc ia l 3. D e assessoria técnica 4. D e criação de recursos 5. D e substituição de

padrões S. D e po l i t i ca soc ia l

3. Marginalização de fa ixas da população e m relação à v i d a pol i t ica m u n i c i p a l

1. Representação e participação n a v i da po ­lítica mun ic ipa l condic ionada pelo s i s te ­m a de poder t rad ic iona l (mandonismo, coronel ismo. cabos e le itorais etc.)

1. Introdução e aceleração do processo de participação das populações no s is tema de decisão local

1. Mobi l izadora 2. Consc ient izadora

4. Alienação de fa ixas da população e m relação ã v i da mun ic ipa l

1. Consciência mágica face aos problemas que ce r cam as populações mun ic ipa i s

2. Ignorância e m relação às l e i s 3. Pass iv idade em relação aos abusos de

poder 4. Dissensões partidárias e de camadas

sociais 5. Desconhec imento do meio v i v e n c i a l loca l ,

regional, nac iona l e in te rnac iona l

1. Inserção e integração no tempo e no espaço

1. Consc ient izadora

- i -

Q U A D R O A 6

NÍVEL SÓCIO-CULTURAL

FENÔMENOS S I G N I F I C A T I V O S

O B S E R V A D O S N A P R A T I C A D O

SERVIÇO S O C I A L

VARIÁVEIS S I G N I F I C A T I V A S P A R A O SERVIÇO S O C I A L N O S FENÓMENOS

O B S E R V A D O S POSSÍVEIS FUNÇÕES D O SERVIÇO S O C I A L

( D E T A L H A D A S ) FUNÇÕES D O SERVIÇO

S O C I A L ( R E D U Z I D A S )

1. Pensamento centrado no mágico

1. T a b u s e crendices 2. Curande i r i smo 3. Fa ta l i smo 4. Conformismo 5. Mental idade reivindicatória imediat is ta

1. Rompimento das estruturas menta is mágicas

2. Desenvo lv imento do pensamento cr i t ico

1. De substituição de padrões

2. Conscient izadora

2. Marginalização às novas formas de v ida nos grandes centros urbanos

1. Acomodação, passividade, alto grau de anomia

2. Ind iv idua l i smo 3. Relações sociais l imitadas à família e

vizinhança 4. Ausência de participação

1. Montagem de centros de aculturação e educação popular

2. Integração crítica às novas formas de v ida 3. Desenvo lv imento do pensamento crítico 4. Formação socia l (conscientização das d i ­

mensões pessoal e socia l do indivíduo) 5. Desenvo lv imento do comportamento g r u ­

pai (ao nível da satisfação de necess ida ­des objet ivas )

6. Desenvo lv imento das relações comunitá­r ias e societárias

7. Integração às novas fo rmas de relação 8. Capacitação para a utilização dos canais

de participação popular 9. Exercício da participação soc ia l e cu l tu ra l

1. De criação de recursos 2. De planejamento 3. De administração 4. De substituição de

padrões 5. Consc ient izadora 6. De educação de base 7. Socia l izadora 8. Mobi l izadora

3. Ind iv idua l i smo 1. Existência de comportamento grupai so ­mente para f ins de valorização de necess i ­dades sub jet ivas e relações míticas

2. Ausência de hábitos de participação 3. Ausência de consciência de classe e de

consciência de comunidade 4. Acomodação, passividade 5. A n o m i a

1. Dinamização ou implementação de formas associat ivas — a nível de bairro, t r aba ­lho. .. (sociedades amigos do bairro , s i n ­dicato. . .)

2. Desenvo lv imento do comportamento g r u ­pai e da atitude de cooperação

3. Exercício da participação decisória 4. Desenvo lv imento da convivência de c l a s ­

se, consciência de nação etc.

1. De assistência técnica 2. Mobi l izadora 3. Soc ia l izadora 4. Consc ient izadora 5. De pesquisa de método 6. De educação de base 7. De pesquisa de

necess idade 8. De substituição de

padrões

4. Distância socia l 1. Di f icu ldade de comunicação (valores, comportamento e l inguagem)

2. Marginalização socia l e cu l tu ra l

1. Estabe lec imento de canais e formas ade­quadas de comunicação com as populações

2. Integração crítica e exercício d a pa r t i c i ­pação soc ia l e cu l tu r a l

5. Mudanças sociais ace leradas

1. Resistência à mudança 2. C r i s e de geração 3. Comportamentos de l inqi iencia is 4. Rompimento cu l tu ra l

(mudanças de comportamentos, va lores ) (mudanças de papéis da mu lhe r ) (mudança da família: família nuc lear )

1. Rompimento das resistências à mudança 2. Es tudo das tendências de mudança para

in formar as d i retr izes e pr ior idade nos planos sociais

3. Diminuição de tensões geradas pelas m u ­danças (apoio, clarificação)

6. Sociedade de massas 1. Massificação 2. A propaganda através de comunicação

de massas cr iando comportamentos padronizados

1. "Desmassificação" 2. Desenvo lv imento do pensamento crítico

Page 37: Livro ''Teorização Do Serviço Social - Documentos de Araxa, Teresopolis e Sumaré (1)

Q U A D R O A 7

NlVEL DE SEGURANÇA

FENÓMENOS S I G N I F I C A T I V O S

O B S E R V A D O S N A P R A T I C A D O

SERVIÇO S O C I A L

VARIÁVEIS S I G N I F I C A T I V A S P A R A O SERVIÇO S O C I A L N O S FENÓMENOS

O B S E R V A D O S POSSÍVEIS FUNÇÕES D O SERVIÇO S O C I A L

( D E T A L H A D A S ) FUNÇÕES D O SERVIÇO

* S O C I A L ( R E D U Z I D A S )

1. P rob l emas que inte r fe rem n a subsistência: — desemprego — subemprego — nomadismo de

mão-de-obra

1. Desqualificação prof iss ional 2. Menta l idade que envo lve a legislação

soc ia l do traba lho 3. Defasagem entre a oferta e a p rocura no

mercado de traba lho 4. Aculturação de correntes migratórias 5. F a l t a de orientação e organização do

s ind ica l i smo nac iona l 6. Desvinculação da Previdência Soc ia l

1. Criação e mobilização de recursos 2. Educação de base 3. Orientação prof iss ional 4. Assistência judiciária 5. Conscientização através de programas de

formação e legislação traba lhista , p r e v i -denciária e orientação s ind ica l

6. Es tabe lec imento de cana is de comunicação entre os organismos de proteção soc ia l e o público

7. P l ane jamento soc ia l e m relação a programas de mão-de-obra

8. Criação de recursos pa ra aculturação

1. D e educação de base 2. Ass i s t enc ia l 3. Consc ient izadora 4. D e criação de recursos 5. Mobi l izadora 6. D e p lane jamento

2. R iscos soc ia i s : — doenças — ve lh ice — acidentes do

traba lho — morte — encargos sociais

1. Marginalização sócio-legal 2. Desconhec imento do s is tema

previdenciário 3. F a l t a de menta l idade p rev idenc ia l 4. Limitação e deficiência do s is tema da

Previdência

1. Pesqu i sa de necess idades dos beneficiários 2. P rog ramas de extensão p rov idenc ia r i a pa r a

integração da mão-de-obra marg ina l i zada 3. Assistência f inance i ra , med icamentosa e

a l imentar , através de a juda sup let iva 4. P rogramas de prevenção sanitária 5. Fomentos e subsídios pa r a o desenvo lv i ­

mento de equipamentos sociais n a - c o m u n i ­dade, de assistência medica , de r e a b i l i ­tação prof issional , reeducação de e x c e p ­c ional , etc.

1. De pesquisa de necessidades

2. De educação de base 3. D e capacitação

prof iss ional 4. Ass i s tenc ia l 5. Mobi l izadora 6. D e criação e

desenvo lv imento de recursos

7. Consc ient izadora

BIBLIOTECA CENTRAL

Page 38: Livro ''Teorização Do Serviço Social - Documentos de Araxa, Teresopolis e Sumaré (1)

T E M A 3: APLICAÇÃO DA M E T O D O L O G I A DO SERVIÇO S O C I A L

O estudo da metodologia do serviço social partiu das se­guintes reflexões:

1. A necessidade gera a função. 2. Cada necessidade é manifesta em uma ou mais va­

riáveis significativas, gerando, cada variável, uma ou mais funções.

3. As variáveis que geram u m dado fenómeno podem se situar em níveis diferentes correspondentes a várias intervenções profissionais (objeto profissio­nal ) .

4. Uma determinada profissão, dentro do mesmo nível de necessidade, pode ser levada a atuar em várias escalas de intervenção.

5. Uma determinada profissão pode, dentro de um mesmo nível de necessidade, ser levada a atuar em várias formas de intervenção profissional.

6. A frequência do fenómeno com as mesmas variáveis determina a relevância do fenómeno.

7. A relevância do fenómeno, numa dada população, define a caracterização do fenómeno em "coletivo" e "particular" .

8. Na intervenção profissional do serviço social pode-se, portanto, destacar as seguintes correlações: 8.1 Fenómeno coletivo, em função de variáveis que

transcendem a capacidade dos indivíduos, exi­ge intervenção ao nível da estrutura além da intervenção ao nível particular (indivíduos, grupos, comunidades).

Page 39: Livro ''Teorização Do Serviço Social - Documentos de Araxa, Teresopolis e Sumaré (1)

68 CBCISS

8.2 Fenómeno coletivo, em função de variáveis de­pendentes dos indivíduos, exige intervenção ao nível particular além da intervenção ao nível da estrutura.

8.3 Fenómeno individual, em função de variáveis que transcendem os indivíduos, exige interven­ção ao nível particular além da intervenção aó nível de estrutura.

8.4 Fenómeno individual, em função de variáveis que dependem dos indivíduos, exige interven­ção ao nível particular além da intervenção ao nível da estrutura (se for relevante).

9. Na intervenção profissional do serviço social póde­se, portanto, destacar que: 9.1 O fenómeno, particular ou coletivo, exige uma

intervenção simultanea aos níveis de estrutura e particular.

9.2 A variável significativa para o serviço social exige uma intervenção específica, reduzida a uma dada função.

10. A intervenção do Serviço Social, ao nível da estru­tura e ao nível particular, exige processos defini-nidos de ação coerentes com a fenomenologia da variável identificada.

Os itens 1 a 7 destas reflexões oferecem subsídios para a configuração da "investigação-diagnóstico" e os itens sub­sequentes para a da "intervenção", permitindo a formula­ção da Sequência do Procedimento Metodológico de Inter­venção do Serviço Social, como se segue:

1. Investigação-diagnóstico

1.1 Levantamento de necessidades 1.2 Levantamento de variáveis significativas de ca­

da necessidade 1.3 Verificação da relevância do fenómeno 1.4 Verificação da interdependência das variáveis

(causação circular acumulativa) 1.5 Formulação de hipóteses 1.6 ^terminação, com base nas hipóteses formu­

ladas:

Teorização do Serv. Social 69

1.6.1 das funções 1.6.2 das escalas ou níveis de atuação 1.6.3 das formas de atuação

2. Intervenção

2.1 Montagem do plano de intervenção nas variáveis 2.1.1 Seleção de processo em função de:

— fenomenologia da (s ) variável (eis) s igni f icat i­v a ^ )

— relevância do fenómeno (nível de es t ru tura e indivíduo)

2.2 Implantação e execução do p lano (contro le das variáveis)

2.3 Avaliação (confirmação ou infirmação das h i ­póteses)

CONCLUSÃO

Este proced imento conf igura a própria metodolog ia ge­nérica do serviço social encontrada em qualquer escala e f o r m a de atuação.

Ressalta-se que o proced imento metodológico que não tenha po r ob je t ivo a intervenção, mas que vise à verif ica­ção da val idade dos conhecimentos do serviço social e/ou a produção de novos conhecimentos com vistas à forma­ção de sua teor ia , conduz a investigações científicas em serviço social.

Angela A. Cardoso — MG Ir. Angela Beleza — PB Ana Alves Pereira — GB Edith Motta — GB Edy Pinto Maciel Monteiro — GB Eva Faleiros — DF Francisco de Paula Ferreira — GB Isa Maia — PB Jocelyne Chamuzeau — SP Maria da Glória Nin Ferreira — GB Maria das Dores Machado — GB Maria do Carmo C. Falcão — SP

Page 40: Livro ''Teorização Do Serviço Social - Documentos de Araxa, Teresopolis e Sumaré (1)

CBCISS

Maria Lúcia Alves Velho — GB Marina de Bartolo — SP Nadir Gouveia Kfouri — SP Nelson José Suzano — SP Rosa da Silva Gandra — MG Suely Gomes Costa — RJ

OBSERVAÇÕES SOBRE O RELATÓRIO DO GRUPO A

Nível de Segurança

Ao inventário dos níveis elaborados pelo Pe. Lebret f o i acrescentado o nível de "segurança", o qua l corresponde­r i a à necessidade do ser humano sentir-se proteg ido cont ra o desamparo e os riscos da existência.

No levantamento efetuado e m Teresópolis f o r a m apon­tados como signi f icat ivos para o Serviço Social em relação a esse nível os fenómenos que d i zem respeito à inseguran­ça face à subsistência (desemprego, subemprego e out ros ) e à proteção con t ra os riscos cobertos pelo Seguro Social .

U m t raba lho de reflexão poster ior leva-nos, no entanto, a f o r m u l a r algumas observações em to rno desse nível e dos fenómenos analisados.

A p r i m e i r a observação se refere à própria natureza des­ses fenómenos. O Pe. Lebret , ao estabelecer as necessida­des humanas básicas e sociais, não menc ionou os fenóme­nos re lat ivos à economia, po r situá-los n u m a ou t ra o rd em de fenómenos ligados à in f ra -es t rutura . Ao analisar, no en­tanto , o nível de "segurança" tornou-se evidente a re­percussão desses fenómenos económicos no que se refere à subsistência. Surge aqu i u m a indagação: apesar de fugir­mos ao esquema do Pe. Lebret , deveremos deter-nos diante desses fenómenos económicos? Parece-nos que s im , tanto mais que mencionamos apenas repercussões deles face à "segurança".

Nessa l i nha de pensamento parece-nos, então, que o u t r o nível de necessidades básicas e sociais, om i t i do provavel­mente pelas suas relações c o m os fenómenos de economia, deve também ser acrescentado aos demais: o nível de v ida pro f i ss iona l .

Page 41: Livro ''Teorização Do Serviço Social - Documentos de Araxa, Teresopolis e Sumaré (1)

72 CBCISS

U m a segunda observação quanto ao nível de segurança prende-se à questão de te rmino log ia . A designação segu­rança é vaga e imprec isa . E m l inguagem de ciências jurídi­cas e sociais ex istem tentat ivas de se estabelecer u m a dis­tinção entre seguro social, seguridade social e segurança social , dent ro da seguinte conceituação:

O seguro social é a instituição que t e m p o r f ina l idade ga­r a n t i r os meios de subsistência aos indivíduos at ingidos pelos riscos sociais: doença, inval idez, desemprego, aciden­te, mo r t e , velhice e out ros .

A seguridade social compreende u m con junto de medi­das que v i sam especialmente à liberação do h o m e m face à necessidade em geral, inclusive face aos riscos sociais. Sua f inal idade é a de assegurar níveis razoáveis de existência.

Já a "segurança social" vem sendo de f in ida como o con­j u n t o de medidas de o rdem económica, política e social destinadas a garant i r o bem-estar social e m geral .

Este último conceito é demasiado amp lo e abranger ia vários dos níveis básicos e sociais.

Fo i o que de certo modo sent iu o g rupo que p o r ocasião do I I Encon t r o Regional de São Paulo d i s cu t iu o nível de segurança. Tentando amp l i a r o que já f o ra proposto e m Teresópolis (prob lemas de subsistência e seguro socia l ) , o g rupo percebeu que esse conceito de segurança levá-lo-ia a abranger fenómenos já estudados em todos os outros níveis.

Parece-nos, pois , aconselhável que, mesmo que não se que i ra adotar a t e rmino log ia "seguridade soc ia l " , que se l i m i t e o conteúdo do nível de "segurança" aos fenómenos ligados à subsistência e à proteção con t ra os r iscos.

Jocelyne Chamuzeau Nadir G. Kfouri Maria do Carmo C. Falcão

RELATÓRIO DO GRUPO B

Page 42: Livro ''Teorização Do Serviço Social - Documentos de Araxa, Teresopolis e Sumaré (1)

GRUPO B

Conforme o que f i cou decidido, os Grupos só estudaram os Temas 2 e 3 po rque o Tema 1 f o i debatido em plenário, baseado nos três t rabalhos preparatórios.

O Grupo B, no exame do Tema 2 — Concepção Científi­ca da Prática do Serviço Social, abordou-o em todos os itens previstos. No i t e m 2.1 — Conhecimentos Científicos que Embasam a Prática do Serviço Social, i n i c i ou pelos 2.1.1 Fenómenos e Variáveis Significativos para o Serviço Social e, em seguida, abo rdou os 2.1.2 Conhecimentos Ela­borados pelas Ciências Sociais e os 2.1.3 Conhecimentos Elaborados no Campo da Profissão pelo Profissional ou Outro Cientista Social. Aprec iou também os 2.2 Critérios e Tendências que Vêm Orientando a Formulação da Meto­dologia do Serviço Social.

Quanto ao Tema 3 — Aplicação da Metodologia do Ser­viço Social, ordenou-o di ferentemente do esquema prev is to .

T E M A 2: CONCEPÇÃO CIENTÍT ICA DA PRATICA DO SERVIÇO SOCIAL

2.1 Conhecimentos Científicos que Embasam a Prática do Serviço Social

2.1.1 FENÓMENOS E VARIÁVEIS S I G N I F I C A T I V O S PARA A PRATICA DO SERVIÇO SOCIAL

Fo i d iscut ido , in ic ia lmente , o p rob l ema dos critérios a serem seguidos no exame dos fenómenos e variáveis sig­ni f icat ivos para a prática do serviço social. Decidiu-se i n i -

Page 43: Livro ''Teorização Do Serviço Social - Documentos de Araxa, Teresopolis e Sumaré (1)

s i Ca

Q U A D R O B 1

QUADRO DE FENÓMENOS E VARIÁVEIS SEGUNDO O CRITÉRIO D E NECESSIDADES E PROBLEMAS

E S P E C I ­F ICAÇÃO

Níveis de V i d a

N E C E S S I ­D A D E S

Saúde

Alimentação

Habitação

Educação

Segurança S e r i a l

P R O B L E M A S

Ba i xos níveis sanitários Carência e má utilização de recursos Di f icu ldade de acesso aos recursos ex istentes

Carência a l imentar A l t a incidência do gasto a l imentar no orça­mento fami l ia r Padrões a l imentares inadequados

De f ic i t hab i tac iona l Más condições habi tac ionais Ausência e insuficiência do equipamento urbano

Ana l fabet ismo Evasão escolar e b a i x a escolar idade Despreparo prof iss ional Despreparo pa r a integração n a sociedade e m transformação Inadequação do s is tema educac iona l

Desemprego e subemprego Categorias prof issionais não atendidas pe la Previdência Soc i a l Atendimento def ic iente e insuf ic iente dos beneficiários da Previdência Soc i a l Insuficiência de s i s tema de amparo legal Distorções no s i s tema de proteção lega l

F a l t a de recursos p a r a o lazer Inadequação das oportunidades e condic&es

E S P E C I ­F I C A Ç Ã O

Sis tema de Relações

N E C E S S I ­D A D E S

Substituição de padrões de lazer

R e n d a

Integração Soc ia l

Mudança C u l t u r a l

Transformação Ins t i tuc iona l

Comunicação Soc ia l

P R O B L E M A S

B a i x a renda , má distribuição da renda Pauper i smo Padrões de consumo inadequados

Marg ina l idade es t ru tura l Estratificação soc ia l Ausência de participação socia l G rupos minoritários Migrações desordenadas

Pa te rna l i smo Defasagem de va lores e padrões cu l tu ra i s Massificação Confl ito e indefinições do va lores Pensamento mágico

Desorganização e f ami l i a r C l iente l i smo Imediat i smo e de tomada Confl itos e relações do

Page 44: Livro ''Teorização Do Serviço Social - Documentos de Araxa, Teresopolis e Sumaré (1)

2.1.2 C O N H E C I M E N T O S JÁ E L A B O R A D O S P E L A S CIÊN­C I A S S O C I A I S

Feita a listagem inicial dos fenómenos e variáveis da prática profissional, foram analisadas as áreas de conhe­cimentos pertinentes a cada fenómeno e variável. Partindo-se da categorização dos problemas segundo os diversos setores de necessidades, foi procurada a identificação das ciências que oferecem conceituações desses problemas.

Fo i considerado, entretanto, que, para análise mais com­pleta das ciências ou áreas de conhecimentos que fornecem explicações para os fenómenos e variáveis da prática pro­fissional, torna-se imprescindível distinguir os níveis em que esses mesmos fenómenos e variáveis podem ser consi­derados. Foi , por isso, adotado um esquema de distinção em 3 níveis de atuação:

a) Prestação direta de serviços. b) Administração de serviços sociais. c) Planejamento de serviços sociais. Procedendo à análise da relação entre os problemas e

necessidades e as diversas áreas de conhecimentos já defi­nidos, chegou-se, finalmente, a um esquema de classificação dos conhecimentos básicos pertinentes à prática de serviço social, conforme a relação que se segue:

a) Prestação direta de Serviços

Área geral

Economia, psicologia, psicologia social, dinâmica de grupo, antropologia cultural, sociologia das institui-

Page 45: Livro ''Teorização Do Serviço Social - Documentos de Araxa, Teresopolis e Sumaré (1)

78 CBCISS

COes, sociologia da comunicação, sociologia urbana, sociologia do desenvolvimento, teoria da educação de base, teoria da comunicação, teoria do planejamento, teoria administrativa, ciência politica, legislação social, estatística, filosofia e ética.

Área especializada

Higiene e saúde pública, psicopatologia, nutrição, eco­nomia doméstica, sociologia da previdência, sociologia do lazer, pedagogia e didática, legislação social, teoria da educação de base, teoria da recreação, dinâmica de grupo.

b) Administração de Serviços Sociais

Economia, antropologia cultural, sociologia do desen­volvimento, sociologia das instituições, teoria da edu­cação de base, instituições de direito, ciência política, filosofia e ética, teoria da comunicação, teoria admi­nistrativa, demografia, teoria do planejamento, teoria do desenvolvimento, pesquisa, estatística, política social.

c) Planejamento de Serviços Sociais

Global

Economia, antropologia cultural, sociologia das insti­tuições, sociologia urbana, planejamento dos recursos humanos, instituições de direito, ciência política, filo­sofia e ética, teoria administrativa, urbanismo, socio­logia do desenvolvimento, teoria do desenvolvimento, politica social, pesquisa, estatística, demografia, teoria do planejamento.

Teorização do Sero. Social 79

Setorial

Economia, antropologia cultural, filosofia da •duca* ção, demografia, sociologia da educação, sociologia da previdência, sociologia do lazer, sociologia dai insti­tuições, sociologia urbana, planejamento dos recursos humanos, instituições de direito, ciência politica, filo­sofia e ética, teoria administrativa, teoria do planeja­mento, urbanismo, ecologia, sociologia do desenvolvi­mento, política social, pesquisa, estatística.

2.1.3 C O N H E C I M E N T O S JÁ E L A B O R A D O S O U Q U E O POSSAM S E R , NO CAMPO DA PROFISSÃO, P E L O P R O F I S S I O N A L OU POR Q U A L Q U E R C I E N T I S T A S O C I A L

A enumeração dos conhecimentos deste item teve como pressuposto metodológico as constatações de fato no cam­po profissional.

Com o objetlvo de abrir perspectivas para a investigação no campo profissional, as áreas de conhecimento foram classificadas em "para" , " em" , e "sobre" o serviço social.

— Os conhecimentos para o serviço social referem-se àqueles que servem como elemento básico e propedêutico ao estudo do serviço social.

— Os conhecimentos em serviço social relacionam-se com a profissão em suas atividades teóricas e práticas. São conhecimentos instrumentadores tia prática.

— Os conhecimentos sobre o serviço social têm-no co­mo objeto de investigação específica.

Para fins didáticos, foram anotados os níveis teórico e prático relativos a cada classe de conhecimentos. E s t a divisão não desconhece a relação dinâmica entre os dois níveis. Não se trata, também, de uma listagem de disci­plinas, mas da enumeração de áreas de conhecimentos que podem configurar uma ou mais disciplinas, podendo ainda desdobrar-se em outras.

O assunto pode ser visualizado no quadro que se segue:

Page 46: Livro ''Teorização Do Serviço Social - Documentos de Araxa, Teresopolis e Sumaré (1)

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Q U A D R O B 2

ESPECIFICAÇÕES DA METODOLOGIA DO SERVIÇO SOCIAL SEGUNDO OS CRITÉRIOS MAIS USADOS *"

S I S T E M A - C L I E N T E O B J E T I V O S

O P E R A C I O N A I S D O MÉTODO

VARIÁVEIS D A S ITUAÇÃO H U M A N A

I N S T R U M E N T O S D E T R A B A L H O NÍVEIS D E A T U A Ç A O

P R O C E D I M E N T O LÓGICO F A C E A

S ITUAÇÃO S O C I A L -P R O B L E M A

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2. S . S . Caso S. S . G r u p o S . S . Comunidade

Pesquisa Soc ia l Administração de

B e m - E s t a r Soc ia l

I I . Araxá

S. S . Caso S. S . G rupo Des. Comunidade S. S . c/Populações S. S . c/Organizações

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S. S . Caso S. S . G r u p o S. S . Comunidade S. S . Societário S . S . Ins t i tuc iona l

T rad i c i ona l

Prestação S . S . Caso direta de S. S . G r u p o serviços S. S . C o m u ­

nidade

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Araxá

„ J Política Soc ia l Macro ^ P l a n e j a m e n t o

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Nota : O documento admite que D C e S S R com p o p u ­lações pode s i tua r - se t a m ­bém n a macroatuaçio.

Documentos preparatórios de Teresópolis

Diagnóstico

I n t e r v e n e s *

Page 47: Livro ''Teorização Do Serviço Social - Documentos de Araxa, Teresopolis e Sumaré (1)

Teorização do Serv. Social 81

2.2 APRECIAÇÃO DOS CRITÉRIOS E DAS ÍJUWDAW-C I A S Q U E VÊM O R I E N T A N D O A FORMULAÇÃO DA M E T O D O L O G I A DO SERVIÇO SOCIAL»

O estudo desse item partiu da análise de u m quadro sobre as especificações da Metodologia do Serviço Social, segundo os critérios mais usuais. (Quadro B 2)

A N A L I S E DO QUADRO

A análise do quadro suscitou as seguintes conside­rações:

S I S T E M A - C L I E N T E

Discutidos os esquemas de categorização dos métodos de serviço social oferecidos pela corrente tradicional, que se inspira no modelo americano, assim como os formu­lados pelo Seminário de Araxá e pelo Instituto de Serviço Social de São Paulo, conclui-se que a apreciação da meto­dologia do Serviço Social não pode ser feita, exclusiva­mente, a partir do critério de identificação do "Sistema-Cliente" ou "Unidade-Cliente".

A apreciação da metodologia, segundo esse critério — sistema-cliente — limita a questão quase que exclusiva­mente ao nível da prática direta, impedindo que se consi­derem válidos outros níveis de atuação. Assim, concluiu-se que, embora o enfoque de análise seja válido, ele deve ser considerado como parte de um esquema mais amplo em que se distingam, preliminarmente, os diversos níveis de atuação do serviço social.

O B J E T I V O S O P E R A C I O N A I S DO MÉTODO

Na discussão dessa variável, reconheceu-se que, não obstante seja necessária a especificação dos métodos, não

1 O Grupo B pretendeu inicialmente fazer uma análise mais completa, mas, por premência do tempo, somente foram arrolados e analisados oi critérios mais usuais de especificações da Metodologia do Serviço Social.

Page 48: Livro ''Teorização Do Serviço Social - Documentos de Araxa, Teresopolis e Sumaré (1)

CBCISS

«ditem elaborações suficientes a este respeito. Conside-rou-se, por exemplo, que, ao se tratar dos objetivos da prática, os mesmos são determinados no próprio momen­to da intervenção. Portanto, tentar determinar objetivos permanentes, que sirvam de critérios para especificar métodos, requer que se proceda à categorização dos pró­prios objetivos. E m face das análises feitas, concluiu-se pela não apreciação da metodologia do serviço social se­gundo esse critério.

VARIÁVEIS DA SITUAÇÃO HUMANA

Também em relação a esse critério não existe elabo­ração suficiente. A perspectiva do "homem individual­mente", o "homem em grupo" e o "homem em comuni­dade", como quadro de referências para apreciação das variáveis, apresenta uma tónica psicologista e predomi­nantemente ligada à microatuação. Apesar dessa limita­ção, o critério foi reconhecido como válido, necessitando ser pesquisado e formulado de maneira a superar essas limitações. Fo i lembrado que a perspectiva adotada ba-seou-se fundamentalmente na variável "agrupamento". Torna-se imprescindível considerar outras variáveis co­mo: "equipamento", "necessidades e problemas" e "estru­turas" .

I N S T R U M E N T O S D E T R A B A L H O

Analisando esse critério, concluiu-se não ser o mesmo pertinente à análise da especificação do método de servi­ço social por referir-se ao aspecto operativo do método, ou seja, às técnicas que instrumentam sua aplicação.

NÍVEIS D E ATUAÇAO

Inicialmente, reconheceu-se que a categoria "níveis de atuação" é um dos critérios válidos para a especificação dos métodos de serviço social, e que a distinção dos níveis em " m i c r o " e "macro" , conforme proposto no Documen­to de Araxá, é uma abordagem adequada.

I min ll I l l l i l i l i l

Teorização do Serv. Social iS

Duas questões foram preliminarmente oolOoadM; — especificação dos métodos de serviço aoolftl tot Otda

nível de atuação; — definição e esclarecimento dos conceitos de "mioro"

e "mac ro " na atuação do serviço social. As formulações do Documento de Araxá sobre a pri­

meira questão, utilizadas em documentos do CFAS," são merecedoras de reexame a fim de melhor precisarem os critérios de categorização.

A análise dos conceitos da segunda questão, "micro " e "macro" , partiu do modelo proposto em um dos do­cumentos preparatórios deste Seminário,3 segundo o qual estes dois níveis de atuação podem ser categorizados a partir dos seguintes aspectos:

Nível macro — noções de:

— magnitude (grande) — agregação — ausência de relação direta entre o agente profissio­

nal e o sistema-cliente no processo de prestação de serviços

Nível micro — noções de:

— magnitude (pequeno) — individualização ou alcance social restrito — presença da relação direta entre o agente profissio­

nal e o sistema-cliente no processo de prestação de serviços

A discussão do assunto levou à formulação de outro modelo que ressalta duas variáveis básicas:

— Nível de decisão — global e setorial; — Volume de intervenção.

2 Conselho Federal de Assistentes Sociais, CFAS. Resolução n." 3, de 25/10/1968.

3 DANTAS, José Lucena, "Teoria metodológica, uma abordagem cientí­fica".

Page 49: Livro ''Teorização Do Serviço Social - Documentos de Araxa, Teresopolis e Sumaré (1)

84 CBCISS

Nenhum dos dois modelos foi totalmente aceito. Re-conhece-se, assim, que os conceitos de "m ic ro " e "mac ro " necessitam estudos em maior profundidade a partir da correlação entre as variáveis ressaltadas.

P R O C E D I M E N T O LÓGICO P A C E A SITUAÇÃO S O C I A L P R O B L E M A

Reconheceu-se a dificuldade da abordagem da "situa­ção social problema", como critério da especificação me­todológica, porquanto essa questão, necessariamente, leva ao debate do objeto do serviço social. Concluiu-se que, apesar do objeto condicionar a determinação dos méto­dos, este fato não impede que se trate do problema me­todológico e que o tratamento das duas questões pode e deve ser conduzido, concomitantemente, num esclareci­mento mútuo dos diversos problemas. De qualquer forma, deixou-se de entrar na análise das "situações sociais pro­b lemas" como critério de especificação, por considerar-se que a questão do objeto ainda não está suficientemente aclarada na teoria da profissão.

A adoção do "procedimento lógico" face as variáveis significativas para o serviço social, como critério para es­pecificação da metodologia do serviço social, conduz à discussão do problema da estrutura lógica e operacional do método do serviço social. O tratamento do assunto, ao nível da profissão de serviço social, requer esclareci­mento de aspectos e conceitos que devem ser buscados na história e na filosofia das ciências. Ao nível da profis­são, reconheceu-se que as colocações tradicionais subdi­videm o método em diversas fases que, em última instân­cia, podem ser agrupadas em duas grandes categorias:

— fases predominantemente de conhecimento: — fases predominantemente de ação.

Fases predominantemente de conhecimento

Nesta categoria incluem-se as fases geralmente concei­tuadas como estudo, diagnóstico e prognóstico.

Teorização do Serv. Social 86

Discutindo a validade do esquema de oonotltutgfto dai fases predominantemente de conhecimento, rtCOnheotU*M que o mesmo é insatisfatório. Verificou-se qut, na pffAtlca, a autonomização das fases de estudo, diagnóstico • prog­nóstico tem levado o assistente social a dedioar-it, predo­minantemente, à coleta e análise de dados sem, multai vezes, formular de modo consistente um diagnóstico OOm o respectivo prognóstico. Acresce, também,-que até 0 mo­mento, os assistentes sociais não receberam o instrumen­tal necessário para a elaboração do diagnóstico que é feito num processo dinâmico de aproximações sucessivas.

Os documentos apresentados ao Seminário procuraram mostrar as inconsistências do esquema tradicional, tendo alguns, inclusive, proposto que todas essas fases fossem conceituadas como de "diagnóstico".

Apreciando a questão, julgou-se válido que se buscas­sem, na estrutura do método científico, contribuições para o esclarecimento do assunto. Assim, numa primeira apro­ximação do problema, as operações que constituem esta fase poderiam ser compreendidas dentro do seguinte es­quema:

Ao nível da constatação

Enumerar e descrever

Ao nível da explicação Comparar e distinguir Classificar e conceituar Relacionar as variáveis (hipóteses) Sistematizar (teoria) Singularizar Prever as tendências

Fases predominantemente de ação

Nesta categoria incluem-se as fases geralmente concei­tuadas como: plano de tratamento — tratamento — pla­nejamento e implementação — formulação dos planos — tratamento ou execução.

Page 50: Livro ''Teorização Do Serviço Social - Documentos de Araxa, Teresopolis e Sumaré (1)

86 CBCISS

Analisando a terminologia do esquema tradicional e com base no pressuposto de que existe um conjunto de ope­rações predominantemente práticas no método profissio­nal, aceitou-se o conceito de intervenção planejada, trazido ao Seminário em alguns documentos preparatórios, para denominar essa categoria de operação.

Segundo um dos documentos preparatórios,4 a inter­venção planejada constituiu-se em uma série de operações racionalmente preparadas, em cujo processo dinâmico poder-se-iam distinguir três momentos:

— preparação das ações — execução efetiva — avaliação Ainda segundo o mesmo documento, nesse processo en-

contram-se implícitos os seguintes raciocínios: integran­te — pro jetante — experimental.

Na discussão do assunto, concluiu-se sobre a necessi­dade de afirmar o sentido do termo "intervenção" numa perspectiva científica (a expressão vem sendo usada nas ciências sociais) e a importância de ser aprofundado o estudo sobre sua viabilidade intrínseca.

As proposições existentes foram consideradas insufi­cientes. Fo i reconhecida, portanto, a necessidade de maio­res investigações sobre o assunto.

Discutiu-se, também, a relação entre "intervenção" e "diagnóstico", considerando-se que, no plano lógico, o diag­nóstico e a intervenção são dois momentos autónomos que integram o método profissional: o conhecer e o agir. No plano operacional, porém, esta questão ainda é discutível e deve ser aprofundada.

Concluiu-se que, em serviço social, a complexidade das variáveis de nível quantitativo formam uma rede que difi­culta a correlação entre os dois momentos: conhecimento e ação.

Como resultado das reflexões, a ser utilizado no estudo no próximo item — Aplicação da metodologia do serviço social — foram identificadas as seguintes operações:

* D A N T A S , José Lucena — Obra citada.

Teorização do Serv. Social 87

Enumerar e descrever . Comparar e distinguir , Classificar e conceituar

4, Relacionar as variáveis V 6. Sistematizar

• 8. Singularizar 1 7. Indicar a viabilidade ou prever as tendências

8. Preparar as ações è. Executar

10. Avaliar

T E M A 3: APLICAÇÃO DA M E T O D O L O G I A DO SERVIÇO S O C I A L

Na apreciação do Tema 3 não foi seguido o esquema reformulado pelo plenário. O Grupo B preferiu que a matéria fosse ordenada como se segue:

1.1 — Metodologia aplicável ao nível de planejamento

3.2 — Metodologia aplicável ao nível de administração em serviço social.

3.3 — Metodologia aplicável ao nível de prestação de serviços diretos.

O planejamento foi considerado como o procedimento que orienta a tomada de decisões politicas racionais, com vistas ao desenvolvimento.

Neste sentido, concebe-se o planejamento como um pro-Ofiso integrado e interdisciplinar, no qual se inclui a disci­pl ina do serviço social.

O papel do serviço social no referido processo se des­dobra na sua presença efetiva nas etapas técnicas de: a) •laboração de planos e b) estabelecimento da participação da população no planejamento através de suas organiza­ções representativas.

O processo de planejamento compõe-se de quatro eta­pas sucessivas, de natureza política, técnica, administrati-

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88 CBCISS

va e técnico-administrativa, correspondente aos seguintes passos:

— definição de políticas — elaboração de planos — implantação dos planos — controle e avaliação.

Fo i estudado, apenas, o papel do serviço social na etapa técnica de elaboração dos planos, que pode compreender as seguintes fases:

a) Identificação de necessidades e aspirações; b ) Identificação de recursos; c ) Diagnóstico; d) Formulação de objetivos e definição de^ metas e

prioridades; e) Estabelecimento de padrões e normas de sistemas

e serviços; t) Detalhamento de programas e projetos. Destas fases, as primeiras parecem referir-se mais dire-

tamente ao diagnóstico profissional, e as três últimas à área da intervenção.

Quanto ao DIAGNÓSTICO, sugerem-se, como hipótese de trabalho, considerações sobre o seguinte quadro:

Categorias de diagnóstico aplicáveis em Serviço Social

Categorias de diagnóstico, em planejamento, utilizáveis

pelo Serviço Social

Enumerar e descrever Identificação de necessida­des e aspirações

Identificação de recursos

Comparar e distinguir Classificar e conceituar Relacionar as variáveis es­

tabelecendo as hipóteses Sistematizar Singularizar

Diagnóstico

Prever tendências

Teorização do Serv. Social 89

Quanto à INTERVENÇÃO, pode-se formular o seguinte quadro hipotético:

Categorias de intervenção utilizáveis em Serviço Social

Categorias de intervenção em planejamento, utilizáveis

pelo Serviço Social

Estabelecer hipóteses operacionais

Formular opções

Formulação dos objetivos e definição de metas e prioridades

Formular diretrizes e normas

Estabelecimento de padrões e normas de sistemas e serviços

Mediatizar as hipóteses, opções, diretrizes e normas

Detalhamento de programas e projetos

No processo de planejamento, a intervenção se situa em dois momentos: decisão e execução. O primeiro corres­ponde à etapa de elaboração de planos (de natureza téc­nica) e o segundo à etapa de implantação (de natureza administrativa).

No processo de planejamento, a etapa de controle e avaliação constitui uma categoria autónoma, não se in­cluindo especificamente no momento de intervenção do serviço social.

A atuação específica do serviço social no diagnóstico e na intervenção em planejamento não foi aprofundada, sendo entretanto reconhecida sua importância.

A metodologia e o conteúdo do planejamento social estão ainda em elaboração, inclusive para o setor de ser­viços sociais no planejamento integrado. 8

• Há conhecimento de que no U N R I S D estão em elaboração eitudoi de indicadores sociais com vistas ao planejamento para o desenvolvimento social, por ex. : D R E W N O S W S K Y , lean, " L e s facteuri économlquei el sociaux du dévéloppement", Genève, U N R I S D , 1966,

Para estudo da matéria foram sugerido» o» seguintes documentos prepa­ratórios ao Seminário de Metodologia do Serviço Social, publicações do CBC ISS , 1969:

— G O D I N H O , Marta Teresinha — SP. "Diagnóstico e intervenção a nível de planejamento, incluindo situações globais e problemas específicos".

Page 52: Livro ''Teorização Do Serviço Social - Documentos de Araxa, Teresopolis e Sumaré (1)

90 CBCISS

3.2 — Metodologia aplicável ao nível de administração em Serviço Social

O tema foi elaborado a partir da contribuição oferecida por um dos documentos preparatórios do Seminário.*1

Para fins de estudo, foram elaboradas as seguintes con-ceituações: Diagnóstico — Conjunto de operações visando à coleta e

à interpretação de dados, à luz de hipóteses para deter­minação dos objetivos dos programas, metas e projetos.

Intervenção — Conjunto de operações administrativas vi­sando à execução e à avaliação de resultados. As diversas operações do processo administrativo foram

enquadradas nas várias fases do procedimento lógico. (Ver p. 91.)

3.3 Metodologia aplicável ao nivel da prestação de ser­viços dtretos

O procedimento lógico foi adotado como hipótese de trabalho para a exploração do diagnóstico e da intervenção do serviço social ao nível da prestação de serviços di retos.

A seguir, foram analisadas as três modalidades da prá­tica, na concepção tradicional: caso, grupo e comunidade. Ta l posição não significou aceitação de "caso" , "grupo" e "comunidade" como métodos de serviço social, nem a im­possibilidade da identificação de outros métodos.

Aplicando o modelo para a identificação da estrutura lógica do diagnóstico aos níveis de "caso" , "grupo" e "co­munidade", concluiu-se que:

— F E R R E I R A , Francisco de Paula —- GB . "Planejamento Económico e Social. Semelhanças e diferenças".

— B A P T I S T A , Myriam Veras — PR. "Diagnóstico e intervenção a nível de planejamento incluindo situações globais e problemas específicos".

— F A U S T I N T , Gino. " A programação dos Serviços. Reflexões sobre Metodologia".

— C O R N E L Y , Seno A. — RS . "Planejamento Local Integrado no Brasil" .

8 C H A M U Z E A U , Jocelyne Louise. "Diagnóstico e Intervenção a nível de Administração em Serviço Social " — SP. C B C I S S , 1969.

Teorização do Serv. Social 91

Este procedimento resultou na elaboreçlo do quadro que se segue:

P R O C E S S O LÓGICO P R O C E S S O A D M I M l t V B A t l V e

Co le ta de dados

E n u m e r a r e descrever

— Levantamento de dado i s l g n l M a *

— Análise de documentação de f e r v i -ço socia l

Z c^Multas" » técnicos sdmln l s t rado -r e t e elementos d a população

- A n á l i s e bibliográfica — Consul tas a fontes secundária»

E s t a b e l e c i ­mento de hipóteses

C o m p a r a r e d ist inguir

Diagnóstico socia l propr iamente d i to : E s t a b e l e c i ­mento de hipóteses

C lass i f i ca r • conceituar

1

_ conhec imento das neces i idades d » população, aspirações, « O ^ ^ v a a . demandas, processos de pa r t i c i pa ­ção soc ia l

Re l ac ionar as variáveis

— Inventário dos recursos humanos , mater ia i s e f inanceiros existente», Sstenuts de atendimento, fórmulas

S ingu la r i za r Já empregadas

P r e v e r tendências

Preparação da ac to

. Disposições do p lane jamento nac i o ­na l ; regional , setor ia l que se r e l a ­c i onam com o programa e/ou c o m a área de atuaçao

P lano de aç ío : — Prog ramas e Projeto.7

Organização

Execução Direção: — Implantação _ Coordenação — Supervisão — Motivação — Tre inamento

Avaliação Controle e avaliação: _ Sistema» d » processamento de i n

formações — Sistemas de avaliação

T A k M . do s u t e m . cuente , d . .ituaeío problema, do . ob jet ivo , d . entidade.

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92 CBCISS

a) ao nível de " caso " e de "grupo", o modelo subespe-cifica em demasia as operações a serem realizadas, tornando extremamente difícil a tarefa de diagnos­ticar;

b) ao nível de "comunidade", existe uma metodologia de pesquisas que vem sendo utilizada e que não reflete, necessariamente, o modelo. A adequação do modelo, sem o exame dessa metodologia, seria im­profícuo.

Refletindo sobre as dificuldades encontradas, no esforço de identificar a estrutura lógica do diagnóstico, segundo o modelo proposto, conclui-se que:

a) todas as operações previstas supõem um quadro teórico de explicação dos fenómenos e variáveis e que, sem a definição desse quadro teórico, o modelo não permite uma reflexão a nível concreto, e exem-, plificativo;

b) não seria correto tomar como quadro de referên­cias uma ou outra corrente teórica do serviço so­cial, aprioristicamente escolhida, assim como nãp seria correto permanecer a um nível de abstração lógica que o próprio modelo representa.

Tentando minimizar as dificuldades encontradas na apli­cação do modelo na fase diagnostica, foram analisadas as diversas operações propostas e conclui-se que:

a) na operação enumerar e descrever não se prescinde de uma operação de identificar os dados e a subdi­visão enumerar pode ser reduzida a descrever; a primeira etapa passa a apresentar-se, então, como identificar e descrever;

b) as operações comparar e distinguir e classificar e conceituar podem ser reduzidas a uma única — classificar;

c) as operações relacionar as variáveis e singularizar podem ser reduzidas a uma operação mais global, que seria explicar e compreender;

Teorização do Serv. Social 93

d) a operação prever as tendéneiat (oorrMpondfQdO a prognóstico da terminologia trididonal) ttrla mantida;

e) no momento de enumerar e descrever Já M tornam necessárias hipóteses preliminares de diagnôItlOO.

Analisando as operações propostas ao nível de interven­ção, conclui-se que:

a) as operações sugeridas — preparação da ação, eie« cução e avaliação — correspondem às operações conhecidas, tradicionalmente, sob os títulos de: pla­no de tratamento, execução ou tratamento e ava­liação;

b) as dificuldades encontradas na aplicação do modelo na fase de diagnóstico repetem-se na fase da inter­venção de vez que é necessário, também, u m quadro teórico explicativo das variáveis ocorrentes na inter­venção;

c ) não há, entretanto, necessidade de alterar as cate­gorias propostas no modelo inicial.

E s t e raciocínio conduziu à formulação de u m novo quadro:

Identificar e descrever Classificar

Diagnóstico Expl icar e compreender Prever tendências

Preparação da ação Intervenção Execução Intervenção

Avaliação

Recomenda-se que este quadro seja analisado, em ou­tras oportunidades, sob os pontos de vista teórico e ope­racional, partindo-se, sempre, de um embasamento teórico suficientemente explicitado.

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riUIlG.

94 CBCISS

Balbina O. Vieira — GB Gisela Bezerra — GB Helena Iracy Junqueira — S P José Lucena Dantas — DF Leda Del Caro — MG Maria Augusta de Luna Albano — GB Maria Helena M. Duarte — MG Marília Diniz Carneiro — GB Marisa Meira Lopes — GB Marta Teresinha Godinho — SP Mary Catherine Jennings— USA Maria Nazaré Moraes — BA Suzana Medeiros — SP Tecla Machado Soeiro — GB Vicente Faleiros DF

OBSERVAÇÕES S O B R E O RELATÓRIO DO GRUPO B

Quanto às observações solicitadas pelo C B C I S S sobre o Relatório do Grupo B, gostaria de ressaltar que o esque­ma apresentado para o diagnóstico e a intervenção, por força da premência do tempo, não pôde ser aprofundado. Decorre daí que parece demasiadamente rígido, formal, visto que os próprios conceitos nele contidos estão implí­citos. Destaco os pontos que seguem para melhor inter­pretação do esquema.

— Na realização do diagnóstico, ao enumerar e descre­ver, estão em jogo os seguintes elementos:

— u m sistema referencial teórico, segundo o qual os dados são colhidos. Trata-se de um conjunto de elementos próprios do observador, do feixe de hipóteses que adote, dos critérios de seleção que aplique. Isto conecta este nível com o seguinte de explicação. Os conceitos não são próprios e exclusivos de uma "explicação", mas elementos fundamentais na própria descrição;

— u m sistema instrumental de mensuração, pelo qual São quantificadas as variáveis em observação. Para isto torna-se necessária a operacionalização das variáveis da prática do Serviço Social em indicadores e índices;

— as necessidades, em termos operacionais, hão de exprimir-se, indutivamente enumeradas e instrumentali­zadas por suas características externas.

— A hipótese de diagnóstico se distingue da hipótese operacional. A primeira compreende a relação "fator-fun-ção", "causa-efeito" ou "condição-aparecimento". O termo fator significa a condição necessária, suficiente ou coope­rante do aparecimento de um fenómeno. A hipótese ope­racional significa a relação "meio-fim", "caminho-objetivo".

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96 CBCISS

No entrelaçamento dos dois tipos de hipóteses interligam-se também diagnóstico e ação.

— As hipóteses de diagnóstico objetivam, justamente, estabelecer o nexo de interdependência entre as variáveis, isto é, entre os indicadores das necessidades, ressaltando aqueles que intervêm no maior número, destacando as variáveis de ação.

— Diante dos objetivos a alcançar e do diagnóstico sur­gem caminhos alternativos, ou sejam, hipóteses opera­cionais.

— O termo sistematizar (teoria) sugere a inserção de uma análise num conjunto global e estrutural, isto é, na própria teoria, por exemplo, a do Desenvolvimento e do Subdesenvolvimento.

— O planejamento implica em singularizar e prever tendências, quando se colocam as metas físicas da ação. É preciso então levar em conta:

— o volume do trabalho — o produto final — os benefícios — os meios O volume do trabalho se exprime seja pelas atividades

totais, quantificadas de preferência, sendo o produto final apenas o resultado e que em termos de benefícios signi­fica a realização do atendimento ou satisfação de uma necessidade.

Quanto aos meios, é preciso estabelecê-los em termos de hipóteses operacionais.

— A execução não constitui um momento isolado do planejamento, da conceituação. Nela e por ela é que se põem à prova as hipóteses operacionais, os conceitos, as variáveis de diagnóstico operacionalizadas. As leis cientí­ficas, nomológicas, podem ser aplicadas na execução, nela se verificando as "leis da ação", nomopragmáticas.

Tenho certeza de que as contribuições deste Seminário engendrarão a reflexão sistemática, justamente por não se considerarem definitivas, mas uma aproximação provi­sória.

Vicente Faleiros

RELAÇÃO DOS D O C U M E N T O S PREPARATÓRIOS

Baseados no ternário preliminar foram elaborados os trabalhos preparatórios, cuja relação damos a seguir, reu­nidos de acordo com o tema a que se referem.

T E M A I

1. Teoria do diagnóstico e da intervenção em Serviço Social

A intervenção em Serviço Social

2. Teoria do diagnóstico e da intervenção em Serviço Social

O diagnóstico em Serviço Social

Introdução ao método. Teoria do diagnóstico social. Formas de intervenção na realidade. ALMEIDA , Ana Augusta — Mim. 24 fls. Introdução à metodologia. Teoria do diagnóstico e da intervenção em Serviço Social COSTA, Suely Gomes — Debates Sociais, Suplemento n.° 4, 1970. A teoria metodológica do Serviço Social. Uma aborda­gem sistemática. DANTAS, José Lucena — Debates Sociais, Suplemento n.° 4, 1970. Teoria do diagnóstico e da intervenção em Serviço Social: a intervenção em Serviço Social; o diagnóstico em Serviço Social. J U N Q U E I R A , Helena I racy — Mim. 11 fls.

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CBCISS

Levantamento da situação atual e tendências do Ser­viço Social no Brasil nos seus aspectos conceptual e operacional. JUNQUE I RA , Helena Iracy — Mim. 5 fls. Bases para a reformulação da metodologia do Serviço Social. S O E I R O , Tecla Machado — Debates Sociais, Suple­mento n.° 4, 1970.

T E M A I I

Diagnóstico e intervenção em nível de planejamento incluindo situações globais e problemas específicos

Aspectos da aplicação das técnicas de planejamento na atuação profissional dos assistentes sociais. B A P T I S T A , Myriam Veras — Mim. 13 fls. Planejamento local integrado no Brasil CORNELY, Seno — Mim. 52 fls. Planejamento económico e social. F E R R E I R A , Francisco de Paulo — Mim. 10 fls. Diagnóstico e intervenção a nível de planejamento, in­cluindo situações globais e problemas específicos. GODINHO, Marta Terezinha — Mim. 3 fls. Urbanização e planejamento GODINHO, Marta Terezinha — Mim. 16 fls.

T E M A I I I

Diagnóstico e intervenção em nível de administração

Diagnóstico e intervenção a nível de administração em Serviço Social. CHAMUZEAU , Jocelyne L . — Mim. 8 fls. Diagnóstico e intervenção a nível de administração em Serviço Social

F E R R E I R A , Francisco de Paula — Mim. 12 fls.

T E M A I V Diagnóstico e intervenção em nível de prestação de serviços diretos a indivíduos, grupos, comunidades, populações

Teorização do Serv. Social 99

Diagnóstico e intervenção ao nível de prestação dê ser­viços diretos a grupos. BUGALHO, Lei la Maria Vieira R E I S , Dulce Botelho S I L V A , I lda Lopes Rodrigues Diagnóstico e intervenção ao nível de prestação de ser­viços diretos a grupos. MOTTA, Ed i th — Mim. 8 fls. Sugestões de roteiro para estudo do tema: diagnóstico e intervenção a nível de prestação de serviços diretos a indivíduos, grupos, comunidades e populações. Z I L L I O T O , Maria Cecília CAVA N E T O , Luiz AUR, B . Amin — Mim. 2 fls.

T R A B A L H O S NAO R E L A C I O N A D O S D I R E T A M E N T E COM O T E M A R I O P R E L I M I N A R

Verbalização e relacionamento em Serviço Social. C O R T E Z , José Pinheiro R I B E I R O , Arcelina SUZANO, Nelson José FALCÃO, Maria do Carmo C. Subsídios para o I I Seminário: Conclusões das reu­niões preparatórias realizadas em São Paulo — novem­bro a dezembro de 1969. Grupo de assistentes sociais da Esco l a de Serviço So­cial de S. Paulo — Mim. 4 fls. Subsidio para o estudo do processo de supervisão. JUNQ UEIRA , Helena I racy — Mim. 1 fl. Montagem de um programa para estágio de aluno do ciclo profissional — 1.° ano. M E L O , Joceline Guimarães — Mim. 6 fls. Sugestões para a realização de uma pesquisa de âmbi­to nacional sobre a situação do Serviço Social no Brasil. M E L O , Joceline Guimarães SANTOS, Antônio Gonçalves dos B E R L I N K , Maria Helena S I L V A , Maria Lúcia Carvalho CABRAL , Maria Carmelita R E Q U I X A , Renato

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DOCUMENTO DO SUMARÉ

C I E N T I F I C I D A D E DO SERVIÇO SOCIAL

III SEMINÁRIO — 20 a 24 de novembro de 1978

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COMISSÃO COORDENADORA DO SEMINÁRIO

Coordenação geral: Leila Maria Vieira Bugalho

Consultores: Anna Augusta de Almeida Creusa Capalbo Helena Iracy Junqueira

Grupo de apoio: Maria Augusta de Luna Albano Maria das Dores Machado

Participantes

Anita Aline Albuquerque Costa Anna Stella de Andrade Furtado Balbina Ottoni Vieira Celina Magalhães Ellery Dulce Malheiros Araújo Ilda Lopes Rodrigues da Silva Jocelyne Louise Chamuzeau Julia Maria Nin Ferreira Leila Maria Vello de Magalhães Lusia Sinval Pinto Maria Amélia da Cruz Leite Maria Durvalina Fernandes Maria da Glória Nin Ferreira Maria Luiza Testa Tambellini Maria Madalena do Nascimento Tecla Machado Soeiro Terezinha Arnaud Urana Harada Ono Zilah Timotheo da Costa

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SUMARIO

Introdução 1. O' Serviço Social e a cientificidade

1.1 Documento de base: A cientificidade do Serviço Social GRUPO DO RIO DE JANEIRO

1.1.1 Considerações em torno dos questionamentos levantados sobre o Documento 1.1

1.2 Documento de base: Reflexões sobre o processo histórico-científico de construção do objeto do Serviço Social GRUPO DE SAO PAULO

1.2.1 Considerações em torno dos questionamentos levantados sobre o Documento 1.2

2. O Serviço Social e a fenomenologia 2.1 Conferência: Algumas considerações sobre a feno­

menologia que podem interessar ao Serviço Social CREUSA CAPALBO

2.2 Documento de base: Reflexões em torno da cons­trução do Serviço Social a partir de uma aborda­gem de compreensão, ou seja, interpretação feno­menologia do estudo científico do Serviço Social. GRUPO DO RIO DE JANEIRO

2.2.1 Considerações em torno dos questionamentos levantados sobre o Documento 2.2

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2.3 Roteiro de reflexão: Fenomenologia — Proposições a serem discutidas pelos grupos. GRUPO DE SAO PAULO

O Serviço Social e a dialética 3.1 Conferência: Considerações sobre o pensamento

dialético em nossos dias. CREUSA CAPALBO

3.2 Documento de base: Serviço Social e Cultura — uma alternativa para discussão das relações assis­tente social-clientela, GRUPO DO RIO DE JANEIRO

3.2.1 Considerações em torno dos questionamentos levantados sobre o Documento 3.2

3.3 Roteiro de Reflexão: Dialética e Serviço Social. GRUPO DE SAO PAULO

INTRODUÇÃO

De 20 a 24 de novembro de 1978, vinte e cinco assistentes sociais, a convite do CBCISS, reuniram-se no Centro de Estudos do Sumaré, no Rio de Janeiro, com o objetivo principal de continuar os estudos de teorização do Ser­viço Social iniciados em 1967 com o Seminário de Araxá, cujo documento final — o Documento de Araxá — foi con­siderado por muitos como um marco teórico do Serviço Social no Brasil. Decorridos dez anos, era desejável reto­mar esse Documento e possibilitar novos questionamentos na linha da sistematização teórica por ele iniciado.

PREPARAÇÃO DO SEMINÁRIO

Assim, desenvolveu-se um processo preparatório, de me­didas e estudos, para o Seminário.

Primeiramente, buscou-se conhecer a opinião de diver­sos assistentes sociais, em outubro de 1976, através de uma pesquisa lançada no I I Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, realizado, naquela data, em Recife.

A seguir, em agosto de 1977, ofícios dirigidos a 276 profissionais solicitaram sugestões sobre a retomada do Documento de Araxá para um estudo e possível reformu­lação.

Dessas medidas preliminares, das respostas e sugestões recebidas, resultaram, em primeiro, a opção pela não alte­ração do Documento de Araxá e, portanto, pela sua preser­vação histórica, e, em segundo, a compreensão de novas proposições, que levaram à identificação de questionamen­tos básicos. Emergiram, pois, as novas propostas, que indicam o segundo objetivo do Seminário: ensejar refle-

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108 CBCISS

xões sobre novas proposições que, no momento, estão a exigir um esforço de crítica e formulação teórica.

Foram relacionados três questionamentos interdepen­dentes:

Questionamento I — O Serviço Social numa perspecti­va do método científico de cons­trução e aplicação do Serviço Social.

Questionamento I I — O Serviço Social a partir de uma abordagem de compreensão, ou seja, interpretação fenomenold-gica do estudo científico do Ser­viço Social.

Questionamento I I I — O Serviço Social a partir de uma abordagem dialética, ou seja, teo­ria de interpretação com base no método dialético, entendido em sentido metodológico: a relação entre o objeto construído por uma ciência, o método emprega­do e o objeto real visado por essa ciência.

Foi proposto, então, que a elaboração dos documentos de base do Seminário, abordando esses três temas, tivesse a participação, em grupo, de assistentes sociais. O critério adotado para a localização dos grupos foi a existência de Cursos de Mestrado em Serviço Social, recaindo daí a esco­lha em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre.

A Coordenação Técnica do Seminário comunicou-se pes­soalmente com as três capitais mencionadas, em fevereiro e março de 1978, ficando constituídos, em cada uma, três grupos, para a abordagem dos três temas. Convencionou-se, também, quanto aos grupos: os membros deveriam ser assistentes sociais brasileiros; o número de membros seria irrestrito; haveria a escolha de um coordenador de grupo, que seria o elemento de ligação com a Coordenação Téc­nica do Seminário; participariam do Seminário, no máxi­mo, seis representantes de cada grupo.

Teorização do Serv. Social 109

É preciso ressaltar a participação bastante ativa e dedi­cada dos elementos dos grupos no estudo desses temas.

Quanto ao 3.° objetivo do Seminário — provocar ques­tionamentos sobre a viabilidade das proposições face à Realidade Brasileira — foram convidados especialmente assistentes sociais, um de cada Estado, para prepararem documentos relativos a programas desenvolvidos em seu Estada, indicando: a aplicação de métodos ou teorias; da­dos sobre a intervenção do Serviço Social; campos de atuação; escolas e número de assistentes sociais.

Assim, chegou-se ao resultado seguinte: Recebeu a Coordenação seis trabalhos, elaborados nessa

fase preparatória do Seminário: três do Rio de Janeiro e três de São Paulo (entre estes, dois eram roteiros de refle­xão). Os grupos de Porto Alegre não enviaram nenhuma contribuição, embora tivessem realizado diversas reuniões preparatórias.

Tema-questionamento I

1. A cientificidade do Serviço Social. (Rio de Janeiro) 2. Reflexões sobre o processo histórico-científico de

construção do objeto do Serviço Social. (São Paulo)

Tema-questionamento II

3. Reflexões sobre a construção do Serviço Social a partir de uma abordagem de compreensão, ou seja, interpretação fenomenológica do estudo científico do Serviço Social. (Rio de Janeiro)

4. Roteiro de reflexão: Fenomenologia e Serviço Social. Proposições a serem discutidas pelos grupos. (São Paulo)

Tema-questionamento III

5. Serviço Social e Cultura — uma alternativa para discussão das relações assistente social/clientela. (Rio de Janeiro)

6. Roteiro de reflexão: Dialética e Serviço Social. (São Paulo)

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110 CBCISS

Recebeu, também, a Coordenação oito trabalhos relati­vos à Realidade Brasileira e o Serviço Social, que deverão ser considerados em estudos posteriores para dar conti­nuidade a este Seminário.

O SEMINÁRIO

O Seminário desenvolveu-se dentro da seguinte metodo­logia de trabalho.

O programa constituiu-se dos três temas básicos rela­tivos aos questionamentos acima referidos:

1. O SERVIÇO SOCIAL E A CIENTIFICIDADE. 2. O SERVIÇO SOCIAL E A FENOMENOLOGIA. 3. O SERVIÇO SOCIAL E A DIALÉTICA.

Estudou-se cada tema, através de:

— conferência: subsídios filosóficos para a reflexão so­bre o Serviço Social;

— estudo em grupos: leitura e análise crítica de um ou mais documentos sobre o tema, levantando-se novos questionamentos sobre eles;

— sessão plenária: apresentação da síntese dos questio­namentos levantados sobre os documentos, interpre­tados pelos redatores dos respectivos documentos.

O Seminário evidenciou principalmente um esforço re­flexivo, como um processo que continua em aberto, e de­mandará novos estudos, outros encontros, uma constante perspectiva crítica. Não houve intenção de chegar a con­clusões, mas de contribuir para a vitalidade desse processo.

Esta publicação apresenta os trabalhos do Seminário na ordenação seguinte:

O Capítulo I versa sobre o Serviço Social e a cientifici-dade, e inclui dois documentos de base. O primeiro, pre­parado pelo grupo do Rio de Janeiro (ver acima item 1), seguido da apresentação das considerações, feitas em ple­nário, sobre os questionamentos levantados sobre o do­cumento. O segundo, preparado pelo grupo de São Paulo (ver acima item 2), igualmente seguido das considerações,

Teorização do Serv. Social 111

em sessão plenária, sobre os questionamentos feitos sobre ele.

O Capítulo I I aborda o Serviço Social e a fenomenolo­gia, e inclui: a conferência inicial, pela Prof. a Creusa Ca­palbo, que expõe os aspectos da fenomenologia que podem interessar o Serviço Social; o documento de base, prepa­rado pelo grupo do Rio de Janeiro (ver acima item 3), se-guindo-se as considerações feitas, em sessão plenária, em torno dos questionamentos levantados sobre esse documen­to. Inclui ainda o roteiro de reflexão, preparado pelo grupo de São Paulo, sobre a abordagem fenomenológica no Ser­viço Social (ver item 4).

O Capítulo I I I apresenta o Serviço Social e a dialética, e inclui: a conferência inicial, pela Prof. a Creusa Capalbo, sobre o pensamento dialético em nossos dias; o documento de base, preparado pelo grupo do Rio de Janeiro (ver aci­ma item 5), seguido das considerações, em sessão plenária, sobre os pontos abordados nos questionamentos sobre o documento. Inclui ainda o roteiro de reflexão preparado pelo grupo de São Paulo sobre o mesmo tema (ver acima item 6).

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O SERVIÇO SOCIAL E A C I E N T I F I C I D A D E

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1.1 Documento de Base

A CIENTIFICIDADE DO SERVIÇO SOCIAL

Balbina Ottoni Vieira Maria Cristina Salomão de Almeida Maria da Glória Nin Ferreira (Coordenadora) Maria Teresinha Bruzzi de Andrade Tecla Machado Soeiro (Rio de Janeiro)

Apresentação

O presente trabalho, como subsídio para os estudos do I I I Seminário Nacional de Teoria do Serviço Social, tem como tema a CIENTIFICIDADE NO SERVIÇO SOCIAL.

O grupo preocupou-se, inicialmente, em conceituar "cien-tificidade" e para tal partiu do estudo do livro "DINÂMI­CA DA PESQUISA EM CIÊNCIAS SOCIAIS", nele encon­trando duas contribuições valiosas:

— a possibilidade de se explicar o que se passa, a nível fenomenológico, nos fenómenos sociais onde o ho­mem intervém como agente, através do processo da ação;

— a possibilidade de serem utilizadas quatro diferentes abordagens metodológicas para a constituição do objeto nas ciências sociais.

Sem se preocupar com a indagação se o serviço social é uma arte ou uma ciência, e não pretendendo apresentar

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116 CBCISS

uma exemplificação inédita de teorização, o grupo decidiu tomar como referência uma das construções teóricas do serviço social já realizadas, sendo escolhida a tese de Ho-ward Goldstein em seu livro "SOCIAL WORK PRACTICE-A UNITARY APPROACH".

Evidentemente, outros autores e obras poderiam ter sido utilizados, tanto para a conceituação de cientificidade quanto para referenciar o estágio atual da teorização do serviço social. Poderiam ser lembrados, entre outros, di­versos autores latino-americanos, a excelente contribuição de Harriett M. Bartlett em sua obra já traduzida e publi­cada, "A BASE DO SERVIÇO SOCIAL", ou, ainda, a tese de Anna Augusta de Almeida, "POSSIBILIDADES E LI­MITES DA TEORIA DO SERVIÇO SOCIAL", recentemente publicada.

A escolha recaiu em Goldstein, entretanto, porque sua obra ainda não é bastante conhecida dos brasileiros e me­rece ser divulgada e analisada, pela riqueza de informa­ções e elevado grau de sistematização que oferece, dentro de uma linha simples e atualizada.

Conceito de cientificidade1

Uma grande interrogação se ergue a propósito do es­tudo dos fenómenos sociais. Pode-se recorrer nesse do­mínio aos métodos que mostraram seu valor no domínio das ciências da natureza? A própria ideia de um conheci­mento científico é aplicável quando tratamos de uma or­dem de realidade, na qual o homem intervém a título essencial enquanto agente?

Desde o momento em que a ação desempenha um pa­pel, existe inevitavelmente referência a motivações, obje­tivos, valores. Será que essa ordem de realidade é possível de ser objetivada? Duas possibilidades se apresentam: a primeira é encontrar um meio de analisar os fenómenos sociais em particular, colocando os agentes entre parên­teses e fazendo aparecer os "sistemas", que poderiam ser

1 BRUYNE, Paul de, HERMAN Jacques e S C H O O T H E E T E Mare. Dinâmica da Pesquisa em Ciências Sociais. Rio de Janeiro, Francisco Alves,

Teorização do Serv. Social 117

tratados pelos métodos que demonstraram seu valor no estudo dos sistemas materiais.

Isso não significa que seja necessário "reduzir" os fe­nómenos humanos a seus substratos biológicos e/ou físi­cos, mas tentar explicar o que se passa a nível fenomenoló-gico, i.e., ao nível dos "observáveis" a partir do comporta­mento dos constituintes elementares do sistema estuda­do, por meio de hipóteses estatísticas convenientes sobre esses constituintes (o subjacente).

Tal redução constituiria uma explicação "real" dos fe­nómenos humanos, em termos de fenómenos elementares, estabelecendo uma analogia formal entre o funcionamen­to de uma entidade física complexa e o de uma unidade de comportamento e/ou de uma unidade de interação so­cial.

A outra possibilidade consiste em renunciar completa­mente a todos os recursos sugeridos pelas ciências da na­tureza e forjar um instrumental original de análise, adap­tado à própria natureza do objeto estudado, i.e., do que pertence propriamente ao contexto da ação.

Ora, ação não é um processo "em terceira pessoa", pas­sível de ser analisado em termos de variáveis, de ser ins­crito num esquema de exterioridade; é um processo que é a aplicação de um sentido e que é constituído de um ex­tremo ao outro por tal aplicação.

Se se quer chegar a um verdadeiro conhecimento da realidade social, é necessário captá-la (a ação) em sua pró­pria produção, i.e., considerar a ação nela mesma, em sua efetuação e não em seus efeitos.

Assim, ao esquema da explicação que utiliza a linguagem do sistema, opõe-se o esquema da compreensão que utiliza a linguagem do sentido. Cada um desses procedimentos traz dificuldades. No primeiro, ao tratar os fatos como coisas, rejeitamos o que é de ordem das significações, das intencionalidades, das finalidades, dos valores, enfim, tudo aquilo que constitui a face interna da ação. Na segunda, o caminho da compreensão poderá nos levar de maneira ine­vitável a uma perspectiva subjetiva.

Qual então o melhor método? O essencial é encontrar um método, graças ao qual seja possível, em princípio, atingir uma concepção concordante. O que está em ques-

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118 CBCISS

tão neste debate é a ideia de um conhecimento cientifico dos fatos sociais.

Parece que a única noção coerente e precisa de cientí-ficidade é adotar o caminho da análise sistemática.

A cientificidade representa uma ideia reguladora, não um modelo determinado, considerado elaborado uma vez por todas, ou em vias de elaboração. O empreendimento (tal como se desenvolveu no quadro das ciências da natu­reza) desenvolveu-se simultaneamente em dois planos: o dos conteúdos e o dos critérios, o que significa que sempre se duplicou com sua própria metateoria, sem contudo es­tar consciente disto. A epistemologia moderna, portanto, representa a passagem ao estado explícito dessa metateo­ria imanente:

— no plano dos conteúdos, vemos o empreendimento elaborar seus métodos, formular seus princípios, es­tabelecer seus resultados;

— no plano das normas (critérios), vemos o empreen­dimento procurar um caminho, tateando, retifican-do-se a si mesmo, abandonando certas vias, orientan-do-se, de maneira cada vez mais decidida, para cer­tas direções privilegiadas. Existe aqui como que uma teleología imanente da pesquisa, mas uma teleolo­gía que se constrói sem um "telos" premeditado, que estabeleceria "a pr ior i " o devir da ciência.

Quando a reflexão sobre a ciência se organiza de ma­neira explícita, nada mais faz do que passar para a expres­são esse processo interno de autofinalização; é o que ex­plica que as formulações que lhe propõe possam ter um caráter normativo. A norma de que se trata não vem de nenhum outro lugar, senão do próprio processo, pelo qual a ciência se constitui em seu devir histórico.

O que parece essencial não é o resultado a que se che­gou, mas o processo de interação que levou a esse resul­tado.

Se existe um "devir" da ideia de cientificidade, devemos admitir que existem determinações imanentes que impõem ao processo histórico o seu aspecto, comandado por condi­ções mais gerais.

Teorização do Serv. Social 119

No entanto, não é possível indicar de modo preciso em que consistem essas determinações gerais, que caracteri-aam a ideia de cientificidade em sua significação mais ge­ral, pois é apenas no "devir" efetivo da ciência que esta ideia se mostra a nós. Portanto, não é possível elaborar uma metodologia das ciências humanas, tomando como norma diretora uma ideia de cientificidade já constituída.

Mas se esse esforço não pode ser medido por uma nor­ma preestabelecida, nem por isso é arbitrário. Ele é leva­do por uma intencionalidade de constituinte que se asse­gura de si mesma e descobre suas próprias virtualidades no próprio procedimento, no qual se realiza. A pesquisa é sempre tateante, mas ao progredir elabora critérios que lhe permitem orientar-se de modo cada vez mais preciso, os quais, aliás, ela não pára de aperfeiçoar, confrontando de modo crítico os métodos utilizados e os resultados. De um ponto de vista lógico, a aquisição efetiva de um sa­ber é comandada por uma metodologia que obedece, ela própria, a uma norma diretora. Na realidade histórica de seu devir, o procedimento científico é ao mesmo tempo: aquisição de um saber, aperfeiçoamento de uma metodolo­gia e elaboração de uma norma. Estamos, assim, diante de um processo evolutivo caracterizado pela auto-organi-zação: o que é produzido em dado momento não é acres­centado simplesmente ao que já foi produzido anterior­mente, mas cria condições novas que tornarão possível uma produção futura.

Para se conseguirem, no interior da ciência, os proces­sos constituintes, a epistemologia deve dirigir sua atenção para os procedimentos ou momentos genéticos do devir e não para os resultados da ciência já constituída.

A ciência não é simplesmente o prolongamento da visão espontânea do mundo, ou uma formulação um pouco so­fisticada do que se oferece à percepção. Ela só consegue fazer com que captemos aspectos inéditos da realidade, na medida em que começa por substituir o campo perceptivo por um domínio de objetos que ela constrói por seus pró­prios meios. É, precisamente, partindo da construção do objeto que se poderá captar o aspecto dinâmico do proce­dimento científico. Isto porque essa própria construção deve ser compreendida como um processo dinâmico do procedimento científico.

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120 CBCISS

Não existe, portanto, um momento no qual se poderia dizer que a construção do objeto está acabada e que a fase da análise começa; na realidade, a construção prossegue. A construção é, pois, uma operação contínua, nunca acaba­da, pois a partir do momento em que se conseguir (a cons­trução) não tarda a suscitar novos problemas.

O objeto científico não está colocado na esfera ideal de sua existência por uma espécie de iniciativa absoluta do pensamento. Ele é elaborado num meio preexistente, feito de esboços operatórios diversos, articulados uns sobre os outros, de maneira precisa e definindo um espaço de vir­tualidade do qual o objeto, uma vez construído, represen­tará uma das atualizações possíveis. Este campo consti­tuinte é o da prática metodológica, que poderá ser estru­turado a partir de quatro pólos: o pólo epistemológico — o pólo teórico — o pólo morfológico e o pólo técnico.

Esse espaço metodológico quadripolar não configura momentos separados da pesquisa, mas aspectos particula­res de uma mesma realidade de produção de discursos e de práticas científicas.

Esses quatro pólos (cada um dos quais determina uma articulação específica em categorias organizadoras subor­dinadas) induzem, no campo da prática metodológica, a tensões que tomam precisamente esse campo produtivo. Em outras palavras, as interações que se criam entre os pólos levam o campo a um determinado potencial de pro­dutividade e poder-se-ia representar a constituição do obje­to, como o aparecimento de uma singularidade do campo, em condições que são determinadas pela natureza das inte­rações entre as condições de produção do saber.

A tese de Howard Goldstein

De acordo com o autor, a afirmativa de que o serviço social tem uma base comum de conhecimentos suscita duas questões principais.

Uma diz respeito à identificação dos conhecimentos que compõem essa base comum, e Goldstein afirma que:

"A prática do serviço social não é orientada pelos conceitos de uma única teoria. Ao contrário, a aqui-

Teorização do Serv. Social 121

Espaço Metodológico

Métodos

Dialética Fenomenologia Quantificação Lógica hipotético-

dedutiva

Quadros de

Análise

Tipologias Tipo ideal Sistemas Modelos estru­

turais

Pólo Epistemológico

Pólo Teórico \

Pólo Morfológico

Pólo Técnico

Quadros de

Referên­cia

Positivismo Compreensão Funcionalismo Estruturalismo

Modos de

Inves­tigação

Estudo de caso Estudo comparativo Experimentações Simulação

sição de uma variedade de teorias e conceitos que explicam as várias dimensões da personalidade, a dinâmica dos grupos e das famílias e a atividade das organizações e das comunidades prepara o assisten­te social para selecionar e utilizar, com liberdade e flexibilidade, os que forem aplicáveis às suas tare­fas."2

A outra questão, a mais importante de acordo com o autor, e para cujo esclarecimento pretende colaborar em sua obra, refere-se a como os conhecimentos das ciências sociais e do comportamento podem ser sistematizados e ordenados para oferecerem ao serviço social uma funda­mentação coerente com a prática.

2 G O L D S T E I N , Howard, Social Work Practice — A unitary approach. South Caroline, University S.C. Press. 1973. P. 17.

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122 CBCISS

Partindo desses pressupostos, uma das primeiras preo­cupações do autor é a de classificar os conhecimentos apli­cáveis na moderna prática do serviço social em quatro grandes níveis, informando que irá desenvolver o seu tra­balho utilizando os dois níveis intermediários. Os quatro grandes níveis são:

— conceitos gerais — são a mais alta ofdem de abstra-ção; servem para organizar e expandir percepções e ajudar na aquisição das grandes bases de entendi­mento de certos fenómenos em termos conceptuais e hipotéticos; teorias e conceitos de personalidade, ordem social e desvio podem ser colocados neste nível de conhecimentos;

— conceitos funcionais — são de natureza mais especí­fica; provêm da compreensão de fenómenos particula­res e, por sua objetividade e lógica, fazem esses fe­nómenos acessíveis à manipulação; incluem-se, por exemplo, aspectos da teoria da comunicação e da dinâmica de grupo;

— estratégias — são guias para uma eficiente e efetiva aplicação de conhecimentos em dadas situações; são prescrições para ação em circunstâncias especiais;

— ações — são operações táticas; são os procedimen­tos explícitos empregados em relação a unidades so­ciais, problemas ou tarefas específicas, dentro de l i ­mites particulares.

Após essas considerações, o autor irá desenvolver a pri­meira parte de sua obra, sob o título "Base conceptual da prática". Ele constrói, então, uma teoria sobre a prática do serviço social, a qual, se for analisada a partir do mo­delo topológico da pesquisa, utiliza:

— no pólo epistemológico — o método fenomenológico; — no pólo teórico — o quadro de referência estrutural-

funcionalista; — no pólo morfológico — o quadro de análise sistémico; — no pólo técnico — o estudo comparativo.

Teorização do Serv. Social 123

Assim, procura demonstrar que o serviço social tem sua própria substância e estrutura (propósitos, objetivos e ope­rações) que se virtualizam pela interação de três sistemas principais: o sistema-assistente social, o sistema-cliente e o sistema-mudança.

Cada um desses sistemas é analisado e um grande des­taque é dado, no 6.° capítulo da obra, aos objetivos da prática do serviço social. Segundo o autor:

"O objetivo do serviço social é a orientação do pro­cesso de aprendizagem social, um processo que se desenvolve dentro do contexto e como consequência de um relacionamento humano intencional."8

Embora o autor tenha explicado a cientif icidade do ser­viço social, esse capítulo é um esboço de uma teoria em serviço social,

O conceito de aprendizagem social é analisado de modo a eliminar os aspectos semânticos que o ligam a atividades escolares e a relacioná-lo com o serviço social. Segundo o autor:

"O ajustamento social e a mudança são produtos de uma série lógica de experiências de aprendizagem que não se referem a modos, técnicas ou práticas escolares."4

Tendo colocado a prática do serviço social como um meio e não como um fim em si mesmo, o autor dirá que o significado da intervenção do serviço social se encontra na:

" . . . competência profissional do serviço social está na habilidade para, responsável e conscientemente, entrar e tornar-se uma parte do complexo sistema da interação humana para produzir mudanças nos padrões existentes de cognição e comportamento."6

8 Op. cif., p. 5. * Idem, p. 154. 6 Idem, p. 6.

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124 CBCISS

Especificando mais o propósito central do serviço social, diz que o mesmo é:

" . . . preparar os meios e as oportunidades pelos quais as pessoas podem alcançar, achar alternativa, organizar-se a respeito, opor-se, ou, então, caminhar livremente, havendo-se com condições que interfe­rem em sua vida produtiva."8

Como a aprendizagem é negociada (troca de informações e de conhecimentos) através dos processos de comunicação, esses processos são também analisados. Como a busca de fins, imediatos ou futuros, é um motivo típico da condição humana, o autor associa às suas reflexões o estudo do pro­cesso de solução de problemas.

Como conclusão da primeira parte do trabalho, o autor oferece um modelo, uma configuração da prática do ser­viço social, que reúne:

— como processos desenvolvidos pelo sistema-cliente — a solução de problemas e a aprendizagem;

— como processo desenvolvido pelo sistema-assistente social — a intervenção;

— como processo bidirecional — o processo de comu­nicação.

Tais processos ocorrem simultaneamente durante as três fases da prática do serviço social: inicial, nuclear, final.

Na segunda parte da obra, intitulada "As estratégias e negociações da prática do serviço social", o autor pro­cura demonstrar a operacionalidade de seu modelo téc­nico, oferecendo as normas gerais para as ações profis­sionais e uma farta exemplificação, sem pretender esgotar todas as possibilidades do modelo. De acordo com sua proposição, essas normas gerais (estratégias) podem apli­car diferentes teorias e aplicar-se a diferentes tipos de clientes e de ambientes.

8 Idem, p, 7.

Teorização do Serv. Social 125

MODELO TOPOLÓGICO DE PESQUISA

Pólo Função órbita

Epistemo­lógico

•vigilância crítica •garantia da objeti-vação, i.e., da pro­dução do objeto científico

• explicitar regras de transformação do objeto científico

• criticar seus fun­damentos

— processos discursi­vos ou métodos muito gerais

• dialética • fenomenologia • lógica hipotético-

dedutiva • quantificação

(não se excluem mu­tuamente)

Teórico —guiar a elaboração ' das hipóteses e a

construção dos con­ceitos

— é o lugar da for­mulação sistemáti­ca dos objetos cien­tíficos

Morfológico -enunciar regras de estruturação, de formação do objeto científico

- impõe uma certa fi­gura, uma certa or­dem em seus ele­mentos

-modelos/cópia ou simulacros

— quadros de referên­cia

• positivista • compreensivo • funcionalista • estruturalista (inspiram o pólo teó­rico — fornecem os

paradigmas) — quadros de análise • tipologia • tipo ideal • sistema • modelos

estruturais

Técnico —controlar a coleta de dados

— constatar os fatos para confrontá-los com a teoria que os suscitou

— modos de investigação

• estudos de casos • estudos

comparativos • experimentações • simulação

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126 CBCISS

Conclusão

Se o Serviço Social for considerado simplesmente como descrição e transformação de situações existentes estará fora da prática científica, a qual supõe ter como objeto o conhecimento, a explicação. Em outras palavras, se os aspectos epistemológicos e teóricos forem negligenciados em proveito apenas de manipulações técnicas de caráter pragmático e terapêutico, a discussão sobre a cientifici-dade do Serviço Social talvez se encontre encerrada antes mesmo de iniciada.

Mas, se o caráter cientifico do Serviço Social puder ser interpretado como o da busca de um consenso intersubje-tivo sobre um campo delimitado de análise sobre o qual se estruturam conhecimentos e conceitos próprios ou ori­ginados das ciências humanas de um modo geral, para uma posterior aplicação, então será possível declarar a sua existência e acolher as ideias de Goldstein como uma valio­sa contribuição à construção do Serviço Social científico.

LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO

Publicações do CBCISS sobre o Objeto do Serviço Social

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA D E ESCOLAS D E SERVIÇO SOCIAL, Rio de Janeiro. //. Curso de aperfeiçoamento para docentes de serviço so­cial; reflexões sobre natureza e metodologia de ação social, Rio de Janeiro, 1967. 243 ps., ps. 42-4.

FONTOURA, Amaral. Introdução ao serviço social. Rio de Janeiro, Mareei Berens, 1950. 512 ps., ps. 61-85.

JUNQUEIRA, Helena Iracy. O serviço social como profissão. Rio de Ja­neiro, CBCISS, 1974. 10,14 ps.. ps. 2-8 (CBCISS, 87).

K F O U R Y . Nadyr Gouvêa. Determinação do objeto de serviço social e os problemas que coloca. Debates Sociais, Rio de Janeiro, 8(14):25-38, maio, 1972.

SILVA, Ilda Lopes Rodrigues da. Introdução ao pensamento de Mary Richmond: construção do diagnóstico social. Rio de Janeiro, PUC, 1976, 97 ps.

SILVA, Maria Lúcia Carvalho da. Objeto do serviço social: nova propo­sição. Rio de Janeiro, CBCISS, 1977, 39 ps. (CBCISS, 126).

SOEIRO, Tecla Machado. Bases de uma reformulação do serviço social: o objeto do serviço social: Debates Sociais-Suplemento, Rio de Janeiro, (4): 123-68, nov., 1970.

reorteaçõo do Serv. Social 127

Os elementos essenciais do service social: o b j * » d o serviço social. De-bâtes Sociais-Suplemento, Rio de Janeiro, (2):26-35, jun., i«w.

TRABAJoTocial dentro del proceso de cambio. Revista de Traba,o Social, Rarwlnna (58V91-113, 2° trim., 1975.

V I E I R A Balbina Ottoni. Serviço social: processos e téenicas. Rio de Janeiro, Agir, 1969. 391 ps., ps. 36-7.

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1.1.1 CONSIDERAÇÕES EM TORNO DOS QUESTIONA­MENTOS LEVANTADOS NO SEMINÁRIO SOBRE O DOCUMENTO DE BASE 1.1: Cientificidade do Serviço Social

I . Apresentação

O grupo, diante do tema que lhe cabia desenvolver, "A cientificidade do Serviço Social", resolveu partir da ideia contida no livro de DE BREYNE e outros sobre a "Dinâ­mica da Pesquisa em Ciências Sociais", sem a preocupação do objeto específico do Serviço Social.

No livro, encontrada a pluralidade dos procedimentos científicos, o grupo achou que todos ajudavam à constru­ção do Serviço Social.

Neste momento, achou por bem escolher um exemplo de construção da teoria científica do Serviço Social e tomar o livro de HOWARD GOLDSTEIN, que, partindo do pólo epistemológico, apresenta um corte fenomenológico do Serviço Social, chegando ao final a um quadro de análise sistémico. Goldstein, na sua obra, visa a uma operacionalidade, partindo de conceitos fundamentais e estratégicos.

I I . Questionamentos e respostas

Os vários questionamentos apresentados pelos subgru­pos em plenário foram agrupados pelo seu conteúdo, sem a preocupação de identificar de qual dos subgrupos partiu, assim como a ordem de procedência.

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1. Admitida a pluralidade de procedimentos científicos, por que a preocupação do objeto específico do Ser­viço Social?

Admitimos a pluralidade para construir a ciência e por isso mesmo escolhemos um autor que procura o científico no Serviço Social. No entanto, não tivemos a preocupação de chegar ao objeto do S. S., mas, simplesmente, verificar como Goldstein o procurou. Goldstein nos dá um referen­cial, critérios que auxiliam a chegar a uma teoria.

2. Qual a contribuição que o estudo do grupo trouxe para o Serviço Social?

O esquema adotado ajuda a pensar e a elaborar sobre a científicidade do Serviço Social. Existem vários esquemas para se avaliar a científicidade. Tínhamos que optar por um e optamos por este. Foi altamente gratificante para o grupo verificar a coerência de Goldstein no desenvolver de sua ideia, enfim, num método que tem como objetivo a científicidade do Serviço Social. Goldstein nos apresenta uma sistemática, um procedimento científico para o Ser­viço Social, provou que é possível realizar isto. Apresen­tamos um trabalho baseado num estudo já feito. Para entendê-lo é indispensável ter lido Goldstein.

3. Se o movimento de reconceituação questiona as co­locações funcionalistas, por que a escolha do modelo de Goldstein?

Não existe uma só corrente de reconceituação. O movi­mento de reconceituação não é um privilégio dos latino­americanos. Goldstein se fundamenta na teoria do conhe­cimento e na teoria da aprendizagem e nisto se aproxima da linha latino-americana, está preocupado com a recon­ceituação. No entanto, não há dúvida que pertence à cor­rente funcionalista, aliás muito forte nos Estados Unidos. A ciência pode chegar à verdade por vários caminhos, sem necessidade de abandonar o que está para trás quando isto for considerado procedente.

Teorização do Serv. Social 131

4. Questiona-se a afirmação de que a compreensão po­derá levar inevitavelmente a uma perspectiva sub­jetiva: poderá ou não levar a essa perspectiva?

Este questionamento é também colocado pelos próprios autores do livro "Dinâmica da Pesquisa em Ciências So­ciais" na p. 11. No nosso trabalho não houve uma afirma­ção neste sentido, mas a confirmação dos riscos apresen­tados pelos autores quanto ao método compreensivo.

5. O grupo assume a proposição de que o Serviço Social deva aplicar somente conhecimentos de outras disci­plinas, conforme colocações do seu estudo na p. 18. Qual a postura que o grupo adota?

Em Teresópolis foram admitidos três níveis de conhe­cimentos ou seja:

— conhecimentos para o S. S. (de outras ciências); — conhecimentos sobre o S. S. (que é, sua evolução, seu

histórico, etc.); — conhecimentos do S. S. (a partir de conhecimentos

prévios e da prática).

O grupo não concorda que se deva tomar ou adotar posições de outras disciplinas. É bem possível que nem mesmo Goldstein tenha sido bem interpretado. Acredita­mos que só se possam produzir conhecimentos de Serviço Social a partir da conceituação do objeto formal do Ser­viço Social. Para Tecla Machado Soeiro, membro do grupo., esta é a sua tese há muito tempo.

6. Goldstein tem abordagens sistémicas, mas, episte­mologicamente, é fenomenológico. Por que apresen­tar então o seu modelo como sistémico (pólo mor fológico)?

Realmente parece uma contradição. Goldstein analisa o Serviço Social como fenómeno e procura sua intenciona­lidade, mas, quando situa o Serviço Social como um siste­ma dentro de outro sistema, usa a linguagem da teoria

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132 CBCISS

dos sistemas. E mais aínda quando procura operacionali-zar. Só um estudo mais profundo de conteúdo poderia superar o impasse.

7. Se o grupo adota urna postura fenomenológica, como explicar a questão dos objetivos sistémicos implíci­tos na visão de Goldstein?

Colocamo-nos numa postura fenomenológica para pro­curar entender a proposta de Goldstein, fosse qual fosse sua posição, no caso, sistémica. O que ele tenta é opera-cionalizar, e pareceu-nos válido tomar este autor para aná­lise, mesmo sendo ele sistémico.

1.2 Documento de base

REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO HISTÓRICO-CIENTIFICO DE CONSTRUÇÃO DO OBJETO DO

SERVIÇO SOCIAL

Denise M . F. P. Delgado Helena Iracy Junqueira Maria do Carmo B. Falcão Maria José T. Peixoto Maria Lúcia Carvalho da Silva (Coordenadora) Suzana A. R. Medeiros Consultores: Evaldo Â. Vieira Geraldo Pinheiro Machado (São Paulo)

"A transformação das ideias e ações tem três momentos decisivos: a opção por uma estratégia e uma tática; a opção por certas técnicas operativas; e a análise da ação realizada para recolher juízos que enriqueçam ou modifiquem a teoria da qual partimos.

Somente assim procedendo, com todos os requisitos da ciência, o Serviço Social poderá considerarse realmente uma praxis, na perspectiva de um continuum dialético."

HERMAN C. KRUSE "Introducción a la teoría científica

del Servicio Social" — 1972

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134 CBCISS

I . Apresentação

Em Araxá, Estado de Minas Gerais, de 19 a 26 de março de 1967, o CBCISS promoveu um encontro de trinta e oito assistentes sociais, denominado " I Seminário de Teoriza­ção de Serviço Social", do qual resultou o "Documento de Araxá" (D.A.), publicado em número especial da revista Debates Sociais, em maio daquele mesmo ano.

O D.A. alcançou significativa repercussão não só entre assistentes sociais, instituições de ensino, órgãos de classe e entidades de Serviço Social do Brasil, como da América Latina e dos E.U.A., atingindo, assim, seu escopo principal que era suscitar debates e estimular novos estudos e esforços de teorização de Serviço Social, particularmente em nosso País.

O DA., em síntese, considera e expõe alguns componen­tes básicos da natureza do Serviço Social, aspectos de sua metodologia de ação, e adequação de sua dinâmica operacional à realidade brasileira.

Em 1968, tendo em vista oportunizar uma análise ampla e crítica do DA., o CBCISS, em conjunto com organismos de Serviço Social, realizou sete (7) encontros regionais, respectivamente, nos Estados de Goiás, Ceará, Amazonas, Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, com a participação de 741 assistentes sociais.

A síntese dos resultados dos sete encontros regionais foi igualmente publicada na revista Debates Sociais, em agosto de 1969, em número especial, e contém considerações e opiniões sobre a validade teórica, aspectos omissos, for­mulações, indagações e recomendações relativas ao DA.

Entre pontos omissos de maior relevância do DA., no que diz respeito aos aspectos gerais sobre a natureza do Serviço Social, foi largamente apontada a falta de defini­ção do seu objeto, pois apenas vagamente se afirma que para as transformações necessárias ao desenvolvimento faz-se mister uma ampla e consciente participação do próprio homem como sujeito e objeto.

A determinação do objeto foi considerada nos sete en­contros regionais tão essencial à elaboração de um conceito de Serviço Social como a definição de sua natureza e obje-tivos, abordados mais detidamente pelo D.A.

Teorização do Serv. Social 135

Quanto às indagações realizadas sobre o objeto do Ser­viço Social foram ressaltadas as seguintes:

— qual o objeto do Serviço Social: o homem com pro­blemas ou o homem como sujeito do processo de transformação, ou seja, como agente de mudança?

— o objeto do Serviço Social se encontra na interação social; nas situações-problemas; no homem como ser individual; no homem como ser social; no homem como pessoa?

Nos sete encontros regionais não foi possível buscar-se possíveis respostas às indagações acima, que passaram a ser formuladas em termos de algumas propostas genéricas no " I I Seminário de Teorização de Serviço Social", pro­movido pelo CBCISS de 10 a 17 de janeiro de 1970, em Teresópolis, Estado do Rio de Janeiro, com a participação de trinta e três assistentes sociais.

O tema central desse I I Seminário versou sobre a meto­dologia do Serviço Social face à realidade brasileira, em razão de esta área de estudo ter sido reconhecida como de grande necessidade nos sete encontros regionais.

Assegurou-se, assim, uma linha de continuidade de ques­tionamento e sistematização teórica de Serviço Social, ini­ciada em Araxá e imprescindível a um processo de acumu­lação e renovação científica.

Desse I I Seminário resultou o "Documento de Teresó­polis" (D.T.), publicado na revista Debates Sociais, Suple­mento n.° 4, em novembro de 1970, e também muito divulgado.

As propostas do objeto do Serviço Social constantes no D.T. expressam que:

— o objeto do Serviço Social define-se como o estudo das formas de "defesa e sobrevivência" dos indiví­duos e das sociedades e das formas de agressão aos indivíduos e às sociedades, se um dos fins do Serviço Social for a transformação dos homens e das socie­dades (como pretende afirmar o D.A.). Trata-se de limitar apenas este estudo a alguns níveis institucio­nais (Suely Gomes Costa);

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136 CBCISS

— o objeto do Serviço Social está na área das "situa­ções sociais-problemas" que definem o modelo de atuação do Serviço Social. Em relação ao problema de "necessidades" e "situações sociais-problemas", podem ser consideradas como dois aspectos de uma só questão. Neste sentido pode-se dizer que o preen­chimento de necessidades surgidas com o processo de desenvolvimento constitui a "situação social-pro-blema do desenvolvimento", sendo o conceito de ne­cessidade também relativizado (José Lucena Dantas);

— o objeto do Serviço Social pode ser definido como o processo de orientação social, ou seja, o processo desenvolvido pelo homem a f im de obter soluções normais para dificuldades sociais. Esse processo é um dos que se desenrolam no processo social básico — a interação social — tal como o processo educa­cional (Tecla Machado Soeiro).

Tais propostas ensejaram reflexões que, por sua vez, motivaram a elaboração de diversas novas proposições sobre o objeto e outros componentes da estrutura básica do Serviço Social e que estão, no momento, exigindo um esforço de crítica e formulação mais abrangentes.

É com esta intenção que o CBCISS organiza atualmente o " I I I Seminário de Teorização de Serviço Social", no qual, entre outros temas, propõe para discussão específica o problema do objeto do Serviço Social, omisso no D.A., esboçado no D.T. e apresentado em outros trabalhos ou obras de autoria de diversos assistentes sociais, tanto do Brasil, como da América Latina e dos E.U.A.

I I . Introdução

O presente documento é fruto de elaboração de um grupo de sete assistentes sociais de São Paulo, portanto, um documento coletivo, em atendimento ao convite feito pelo CBCISS para apresentação de subsídios à reflexão do problema do objeto do Serviço Social no I I Seminário acima referido.

Para a elaboração (leste documento o grupo de assis­tentes sociais contou também com a consultoria de espe-

Teorização do Serv. Social 137

cialistas nas áreas de filosofia das ciências e de sociologia e política, que foram, sem dúvida, de especial valia.

Trata-se de um documento que, em virtude do curto período de tempo concedido ao grupo para sua feitura (inicialmente, um mês e meio e, depois, cerca de dois meses e meio) e das dificuldades sempre existentes de tempo disponível e de conjugação de horários convenientes a todos os participantes para reuniões e encontros neces­sários, tem limitações evidentes, entre as quais destaca-se aquela de não se poder ter atingido um grau de profun­didade desejável.

No entanto, a reflexão crítica desenvolvida pelo grupo, entre enfoques heterogéneos e divergentes, propiciou um diálogo de muita abertura, que parece ter condicionado uma contribuição, que se pensa criativa, ao se tentar situar globalmente e não fragmentariamente uma abordagem à problemática do objeto do Serviço Social.

Para tanto, o grupo adotou como procedimentos meto­dológicos, num amplo quadro de pensamento crítico, expressão livre e espontânea de ideias, relato de experiên­cias vividas de intervenção sócio-profissional, conversas informais, levantamento, leitura e análise de textos espe­cíficos referentes ao estudo do objeto do Serviço Social, levantamento, leitura e análise de material bibliográfico de apoio, redação por todos os participantes de textos preliminares sobre pontos diversos considerados funda­mentais nos debates, segundo roteiro traçado consensual­mente, síntese geral desses textos e redação final do documento.

O estudo assim orientado realizou-se num total de oito reuniões, algumas gerais de todo o grupo, outras, parciais, com alguns participantes que formaram subgrupos, tendo em vista facilitar ou acelerar o andamento dos trabalhos.

O grupo assumiu como postura principal a preocupação de procurar uma aproximação à definição do objeto do Serviço Social dentro da compreensão de ciência como movimento nascido e consolidado no período histórico moderno, visando ao domínio e apropriação das forças da natureza e do homem, através de processos específicos de conhecimento, dos quais ressalta-se para o Serviço Social a relação teoria/ação.

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138 CBCISS

Neste sentido, o grupo enfatiza e defende que o estudo do objeto do Serviço Social não se esgota nas teorias do conhecimento ou da epistemologia, como foi geralmente considerado nos diversos trabalhos até então produzidos, mas exige teorias da ação, pois para o Serviço Social a ação é a sua própria razão de ser além de colocar-se como fundamento da teoria ou fonte principal de conhecimento.

Segue-se, finalmente, o texto do documento, apresentado em bloco, que se espera possa amadurecer e precisar-se com as discussões que se processarão no I I I Seminário, pois é ainda um material apenas encaminhado ao tema/ desafio que vem sendo a construção do objeto do Serviço Social.

No final do texto encontram-se: notas, contendo concei­tos de algumas categorias básicas utilizadas, na exposição, segundo as entende o grupo, e a bibliografia consultada.

I I I . Reflexões sobre a natureza do Serviço Social

A partir de 1965 vive-se na América Latina e no Brasil um movimento de reconceituação do Serviço Social que se propôs inicialmente a uma ruptura das influências euro­peias e norte-americana, a um esforço de revisão do apa­rato teórico, metodológico e filosófico da disciplina e a uma denúncia da ação profissional como realizada em função dos interesses das classes dominantes.

Atualmente, passados treze anos, pode-se identificar, como resultados deste movimento de reconceituação, entre outros, avanços importantes quanto à reformulação teórica de alguns tópicos fundamentais do Serviço Social, como revisão dos métodos tradicionais, busca de uma metodo­logia básica, questionamento critico da teoria geral, forma­ção de uma nova consciência ideológica e científica dos assistentes sociais.

Hoje, o movimento de reconceituação adentra nova etapa, qual seja, a de ir além da criação de pré-condições ao surgimento ou ressurgimento da epistemologia1 do Serviço Social para, numa preocupação de globalidade, encetar também o caminho teórico da abstração concep-

\ Ver nota n.' 1, p. 155.

Teorização do Serv. Social 139

tualizadora da atividade prática como fonte de conhe­cimento.

Cada vez mais reconhece-se que o trabalho teórico deve fundamentar-se nos fenõmenos, processos e fatos reais e nas ações empreendidas.

Pensa-se que a partir de um marco propiciado tanto pelas teorias do conhecimento como pelas teorias da ação, numa interação dialética2 destas, será possível imprimir-se ao processo de reconceituação do Serviço Social caracte­rísticas mais científicas.

Desse modo, a preocupação central do desenvolvimento científico do Serviço Social redireciona-se no sentido de procurar superar a antiga distancia entre teoria e ação, com vistas a uma síntese entre ambas, bu seja, a uma praxis' dinâmica e continuamente renovada.

Incorporando-se ao momento presente de reconceitua­ção, o grupo que subscreve o documento em pauta preo-cupou-se primeiramente, como pano de fundo, em consi­derar a natureza do Serviço Social, através de suas várias e controvertidas acepções que intentam defini-lo como ciência, tecnologia, arte e ciência técnica.

O grupo não se perfilou a nenhuma dessas compreen­sões, embora julgue necessário que se processe um maior questionamento delas, adotando a acepção que visualiza o Serviço Social em estreita correlação com as ciências humanas, na condição atual de prática ou disciplina pro­fissional com virtualidades para se tornar uma ciência praxiológica.

O Serviço Social caracteriza-se como prática ou disci­plina profissional em virtude de atuar em realidades sociais concretas, mediante processos intencionais de ação trans­formadora, podendo produzir conhecimentos e teorias a partir e voltado para esta ação e seus resultados.

Neste sentido, o Serviço Social se constitui, de fato, isto é, comprovadamente, uma prática ou disciplina profissio­nal, em razão de possuir um corpo de conhecimentos em relativo grau de sistematização referente a seus compo­nentes básicos, a saber:

2 Ver nota n.' 2, p. 156. » Ver nota n. 3, p. 159.

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140 CBCISS

— valores, ideologias, princípios filosóficos e éticos que informam e norteiam a ação;

— objetivos ou finalidades que se propõe alcançar e que, sendo intencionados, postulam posicionamentos;

— conhecimentos sobre os fenómenos objeto da ação; — método de ação na realidade e processos técnicos

consentâneos; — atitudes e habilidades relacionadas ao sentir e agir

profissionais.

Na condição de prática ou disciplina profissional o Ser­viço Social persegue um comportamento progressivamente científico, visando a que a sistematização de seus conhe­cimentos e ação se torne cada vez mais coerente, orgânica, consistente e objetiva.

A este respeito, cabe explicitar que o comportamento científico perseguido pelo Serviço Social é tão-somente um meio e não um f im em seu processo de construção.

Em decorrência, não é demais, segundo o grupo, tornar a assinalar que o Serviço Social não alcançou ainda um estágio de ciência, embora, na atualidade, se encontre par­ticularmente interessado e empenhado neste problema, mediante processo intenso e vivo de reflexão, investigação e sistematização de conhecimentos, propondo-se a efetivar, com prioridade, ação embasada em fundamentos científi­cos para conhecer, explicar e atuar em dada realidade social.

Tem-se por convicção que o Serviço Social assim se encajninhando chegará a atingir grau ou graus mais avan­çados de sistematização, o que lhe permitirá, por seu turno, contribuir mais específica e ativamente para inter­câmbio e desenvolvimento das ciências humanas, com as quais tão intimamente se relaciona, partilhando conheci­mentos, questões e referenciais teóricos.

O Serviço Social tem por pressuposto básico que sua teoria se elabora num processo dinâmico teoria/ação/ teoria, o que faz, no âmbito da ciência, ser, pela ação, a descoberta de novos fatos e, pelo trabalho teórico, a criação de novas sínteses explicativas de domínios cada vez mais amplos da realidade, constituindo esta relação dialética teoria/ação/teoria um dos processos mais rele­vantes do desenvolvimento das ciências.

Teorização do Serv. Social 141

Isso implica que a fundamentação científica que o Ser­viço Social, como prática ou disciplina profissional, pro­cura desenvolver, alicerça-se, para o grupo, no conceito de ciência acumulada e renovada do conhecimento, como re­sultado do grau de consciência possível do homem sobre o seu meio, isto é, das possibilidades de apropriação e compreensão progressiva que este faz através de suas re­lações com o mundo circundante.

Como consequência, para que a ciência adquira signi­ficado, é necessário percebê-la em relação:

— ao homem sujeito e objeto da ciência; — à unidade dialética teoria/ação/teoria; — à historicidade4 da ciência e de seus métodos.

Daí, reconhecer-se que, em cada momento histórico, o que se entende por "ciência" é a forma mais perfeita que pode assumir a capacidade humana para compreender e discernir a realidade, e que a ação transformadora da rea­lidade revela sempre novos aspectos, fenómenos, proprie­dades da existência no e com o mundo, resultando deste processo o ciclo sem fim do progresso do saber científico e da ação transformadora do homem.

Não se entende, por conseguinte, que, em termos de comportamento científico, o Serviço Social se atrele a uma única abordagem filosófico-científica, pois todas elas se fundamentam numa dada visão e compreensão do homem e do mundo, ou seja, têm por base leis e princípios que, por sua vez, se consubstanciam em modos e sistemas para conhecer e atuar.

Absolutizar ou dogmatizar uma única abordagem seria absolutizar um único caminho, ou seja, negar a ciência ou o comportamento científico de uma prática ou disciplina profissional.

Assim, é inadequado enclausurar a ciência e o compor­tamento científico de uma prática ou disciplina profissio­nal nesta ou naquela corrente filosófica, sociológica, ou psicológica, em virtude de ser a ciência um movimento anterior a qualquer posicionamento e um projeto histórico em permanente construção.

* Ver nota n. 4, p. 161.

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142 CBCISS

Vale observar, ainda, sob um ângulo de especificidade do comportamento científico do Serviço Social, que na passagem da teoria à ação destaca-se com especial impor­tância a problemática do valor, cuja análise comporta, en­tre outros, os seguintes aspectos:

— existência dentro da própria ciência de categorias valorativas identificadas como valor de ciência, como, por exemplo, a objetividade;

— identificação de valores nos fatos observados que constituem objeto de estudo dos cientistas sociais, como, por exemplo, a escala de valores vivida por determinado grupo social em investigação;

— escalas de valores professadas pelos cientistas, inte­grantes de uma dada realidade social, como, por exemplo, o apreço à cultura letrada, ao avanço tecno­lógico, etc;

— escalas de valores das instituições sociais, como, por exemplo, a intercomplementaridade na prestação de serviços.

No que diz respeito às escalas de valores professadas pelos cientistas, pode-se dizer que são um dos principais problemas das ciências humanas e das práticas e disci­plinas profissionais. Problema, contudo, a ser equacionado simplesmente em termos de um problema epistemológico, de forma a tornar-se não obstáculo à ciência, mas instru­mento científico. É o caso, por exemplo, do cientista que, ao vivenciar como um valor a cultura letrada e elaborar este tema como problema epistemológico, poderá formu­lar um modelo de observação sistemática de grupos em que iletrado não seja valor negativo.

O problema em questão remete-se ainda ao fato de que não há ciência que não sofra a influência de classe, pois os valores não são apenas pessoais, mas também grupais.

O Serviço Social, como prática e disciplina profissional, tem ainda toda sua ação impregnada de valores que trans­cendem dos valores científicos e que decorrem de uma concepção de homem e de sociedade.

O Serviço Social formula seus valores universais par­tindo do homem e enfocando-o como um ser racional, com prerrogativas de liberdade, individualidade e sociabilidade,

Teorização do Sèrv. Social 143

um ser em situação, sujeito e objeto da história, num continuum vir a ser e, por isso, capaz de transformar-se e transformar o mundo.

Para o Serviço Social um valor não deixa de o ser pelo fato de não ser respeitado num dado momento histórico. O que diverge dentro de sistemas culturais e políticas diferentes são as formas e abordagens de ação do Serviço Social, podendo-se, neste sentido, falar em operacionali-zação ou instrumentalização de valores para a ação, a par­tir de um quadro referencial de valores, voltados para um dado contexto.

Desse modo, o aspecto ideológico faz parte integrante do Serviço Social, pois a direção para a qual é orientada sua ação transformadora pressupõe sempre uma opção ideológica. O compromisso filosófico, ideológico, valorativo e científico do Serviço Social com o ser humano implica necessariamente um contínuo diálogo despreconceituoso e aberto que permita chegar a um esquema conceptual que sirva de parâmetro para orientar sua ação profissional a respostas operacionais válidas face à problemática de uma determinada realidade social.

Os valores, dessa forma, são uma questão essencial para o Serviço Social e outras disciplinas profissionais que atuam cóm a problemática humana e social, pois é impos­sível ignorar as contradições agudas da realidade social em que se vive.

A ação profissional deixa de ser pragmática, neutra e conformista e passa a se tornar uma exigência de ação intencional.

Os valores, decorrentes dos posicionamentos ideológi­cos do Serviço Social, informam e dão sentido e direção à sua ação, orientando não apenas a formulação de finali­dades ou objetivos, como a seleção dos meios a aplicar.

Face às diferentes correntes filosóficas que podem fun­damentar a concepção e operação do Serviço Social, seria de se desejar que, além de se definirem posições ideoló­gicas, fossem adotados valores básicos, bem como valores culturais e outros de caráter conjuntural, que viessem a se constituir em posicionamentos de uma profissão, cujos agentes professem diferentes filosofias.

Em síntese, o Serviço Social aqui tomado como prática e disciplina profissional não exclui, pelo contrário, postula

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144 CBCISS

uma teoria que o embase, formada por conhecimentos providos pelas ciencias humanas e por aqueles que o pró­prio exercício profissional enseja.

Compreende ainda uma formulação de juízos de valor e de princípios norteadores da ação, pois que esta se dirige ao homem e à sociedade.

A metodologia básica do Serviço Social, compreendida como a investigação diagnóstica e intervenção planejada, adquire especificidade quando da sua aplicação ao objeto específico do Serviço Social, em busca de objetivos especí­ficos em cada situação concreta.

No que diz respeito a atitudes e habilidades relaciona­das ao sentir e agir profissionais, decorrem do fator sub­jetivo necessariamente presente na prática do assistente social, não devendo tal componente ser minimizado numa abordagem globalizante do Serviço Social.

IV. Reflexões sobre o problema de busca de definição ou construção do objeto do Serviço Social

Dentre os componentes que formam a estrutura básica do Serviço Social, já aludidos, o objeto merece destaque pela sua condição intrínseca de definir sobre "o quê" recai a ação, podendo ser entendido, neste sentido, como o con­junto de situações, fenómenos e variáveis passíveis de uma ação determinada.

Na teoria do conhecimento, o objeto detém uma posição central de reflexão porque nele se encontram dois elemen­tos-chave: o conhecedor e a realidade, cuja relação levanta questões de como se vai construindo o conhecimento e de como o objeto vai sendo conhecido pela experiência, que por sua vez é sempre uma atividade do sujeito.

Na teoria da ação, o objeto também detém uma posição central, pois que dentre os componentes básicos de estru­tura das disciplinas profissionais desempenha papel pre­ponderante na composição dos referenciais para a ação, dentro de um processo histórico.

Quanto ao Serviço Social, o papel preponderante do objeto pode assumir a condição de especificador na con­cretização do processo de intervenção. Embora especifi­cador, resultará sempre de um processo histórico de cons­trução por aproximações sucessivas.

Teorização do Serv. Social 145

O grupo registra uma emergente posição que considera a reflexão sobre o objeto pertinente apenas às ciências que não as disciplinas profissionais, às quais cabe tão-somente ocupar-se dos objetivos, posição esta que traduz uma visão reducionista da consistência teórica das disci­plinas profissionais, desconsiderando assim a construção do objeto no próprio âmbito da relação teoria/ação.

A medida que o Serviço Social avança do ponto de vista de uma ação científica, as dificuldades inerentes à deli­mitação do objeto vão sendo superadas e os contornos do objeto do Serviço Social vão se manifestando e se delimi­tando mais concretamente.

No Serviço Social, como antes se abordou, a ação pos­tula uma definição de propósitos, um "para quê" atuar, como prática ou disciplina profissional que é. Donde, seu objeto, como o das outras disciplinas profissionais, man­tém estreita interdependência com as finalidades ou obje­tivos que se propõem, bem como inter-relação destes com um posicionamento filosófico, ideológico e valorativo, e com posturas metodológicas adequadas ou pertinentes.

A formulação do objeto do Serviço Social supõe a apli­cação de métodos, entre os quais os mais usuais são:

— empirista — quando se verifica uma supremacia do dado quantificável ou observável, cons­trução de uma "matriz" e, a partir desta, elaboração da teoria;

— formalista — quando* se efetiva a construção de "modelos" fundados na logicidade for­mal do pensamento, sem base no pro­cesso histórico concreto;

— dialética — quando se constrói a partir da con­cepção da realidade enquanto movi­mento no processo histórico; o méto­do é considerado pelos efeitos con­cretos na produção de conhecimentos e na própria ação.

O grupo, ao tender para o enfoque dialético na cons­trução do objeto, identifica como critérios básicos para sua formulação uma dupla perspectiva: conjuntura teó­rica caracterizada pelo desenvolvimento científico da ciên-

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cia, dos modos de produção, das formações sociais e das conjunturas políticas — e inserção da ação social no con­texto da problemática da realidade social.

Desse modo, o objeto do Serviço Social se configuraria a partir da análise das conjunturas de cada sociedade, o que constitui um elemento histórico a ser cruzado com os elementos teóricos elaborados com base na.ação profis­sional e em seus resultados.

Constata-se que, após a eclosão do movimento de re-conceituação do Serviço Social, seu objeto ou sistemas de objeto vêm sendo formulados, via de regra, em nível de generalidade e numa pluralidade de enfoques, tanto por assistentes sociais norte-americanos, como latino-america­nos e brasileiros, apesar de todos reconhecerem que este componente deva ser enfocado como área central de preo­cupação no processo de sistematização da teoria/ação do Serviço Social.

O problema da especificidade do objeto do Serviço Social constituiu sempre, e hoje mais do que nunca, uma questão polémica que se situa principalmente entre duas tendências em confronto, isto é, a de caráter tecnocrático, que leva a uma fragmentação do objeto, e a de caráter integrativo das ciências humanas, nas quais o Serviço Social se informa, que, mesmo ao estudarem um aspecto de particularização do objeto, visualizam-no no contexto de totalidade ou de articulação de relações.

No Serviço Social, o objeto não é estabelecido a priori, mas vai se definindo no próprio processo de ação, e, nota­damente, na interação daquele processo com três elemen­tos essenciais, a saber:

— referencial teórico, já mencionado; — fins ou objetivos a serem alcançados, mediante re­

lação que estes estabelecem com o objeto; — e método, entendido na perspectiva de relações de

conhecimento e transformação do objeto.

Tendo em vista levantar para análise proposições sobre o objeto, elaboradas neste período de reconceituação, apre-senta-se a seguir um elenco de dezoito propostas que se pensa serem representativas das múltiplas contribuições

Teorização do Serviço Social 147

de assistentes sociais norte-americanos, hispano-america-nos e brasileiros.

São elas, resumidamente:

1. SHAUN GOVENLOCK (1966) — Face a um engaja­mento racional, considera como proposta para rea­grupar as várias preocupações teórico-práticas do Serviço Social, o funcionamento social, entendido numa perspectiva sistemática de interação recíproca, a transação bilateral entre pessoa e meio social, em relação a uma influência sobre o desenvolvimento do potencial especificamente humano.

2. HARRIET BARTLETT (1970) — O foco central do Serviço Social é o funcionamento social, conceito este dirigido ao que acontece entre pessoas e meio social através de uma interação entre ambos. Assim, pessoa e situação, pessoa e meio são englobados em um único conceito, o que exige que eles sejam visualizados inte-gradamente e vinculem os aspectos "psico" e "social".

Os assistentes sociais analisam a personalidade e a situação para melhor entenderem seus elementos significativos, depois reúnem as partes e vêem as pes­soas e situações, como um todo, no trabalho com as mesmas.

O conceito de funcionamento social pode ser ex­presso para o Serviço Social da seguinte maneira:

pessoas « > interação < > meio confronto equilíbrio exigências

3. HERMAN C. KRUSE (1972) — Infere, a respeito do objeto, a existência de duas posições dicotômicas.

Na l . a , o objeto do Serviço Social é a repercussão nas pessoas dos problemas sociais. Na 2.a, o objeto do Serviço Social são os problemas sociais derivados da sociopatologia ou da situação de dependência e subdesenvolvimento.

Na l . a posição, a teoria do Serviço Sócia} deve ser fundamentalmente antropofílica, compreendendo co­mo disciplinas afins básicas a biologia, a psicologia e a antropologia filosófica.

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Na 2. a posição, a teoria do Serviço Social deve ser sociofílica, compreendendo como disciplinas afins básicas a economia, a sociologia, a psicologia social e a política.

Ressalta que a imprecisão do objeto do Serviço Social é o grande obstáculo para elucidar o problema da metodologia básica.

4. NATALIO KISNERMAN (1972) — Ao partir do con­ceito de objeto como aquilo que uma disciplina estuda e transforma por sua ação, propõe que no Serviço Social reconceituado, isto é, orientado para a com­preensão e transformação científica da realidade so­cial, o objeto sejam as situações-problemas geradas por carências e necessidades sociais.

Esclarece os componentes desta definição do se­guinte modo:

— situação — tudo o que constitui a realidade para um homem, um grupo, uma instituição ou co­munidade. Realidade é, assim, o conhecido, ain­da que não se tenha consciência dela.

— situação-problema — é- uma situação-limite já que atua como freio, dificultando a realização dos homens. São dimensões concretas e "histó­ricas de uma realidade determinada.

5. BÓRIS ALÉXIS LIMA (1976) — Propõe como objeto do Serviço Social, a partir do homem limitado em sua praxis transformadora pela estrutura económica que o cerceia e por uma superestrutura ideológica e polí­tica que o aliena, a ação social do homem oprimido e explorado.

6. ANTOLIN LOPEZ MEDINA (1971) — Delimita como objeto do Serviço Social pessoas, grupos e comuni­dades em sua problemática vital do cotiãiano enfo­cada em um contexto integral de desenvolvimento.

7. VICENTE DE PAULA FALEIROS (1972) — O objeto do Serviço Social é o homem considerado sujeito-objeto numa relação dialética que se concretiza na prática social, como ação transformadora deste ho­mem e sociedade numa perspectiva histórica ideoló-

Teorização do Sero. Social 149

gica. A prática social é concebida pelo autor como sendo constituída pela produção de bens materiais, luta de classes, experimentação científica e atividade artística.

É uma prática crítica e revolucionária. 8. LEILA LIMA e ROBERTO RODRIGUEZ (1977) — Pa­

ra ambos, no processo da ação do Serviço Social, objeto e objetivos são considerados interdependente-mente e se definem genericamente como estudo da prática social e, nesta, da ação concreta desenvolvida através da conscientização, capacitação e organização.

Consideram preliminarmente que cabe às ciências sociais estudar a totalidade social e ao Serviço Social clarificar sua vinculação à produção de conhecimen­to nos aspectos particulares que o caracterizam, não sendo, dessa maneira, o objeto do Serviço Social um campo exclusivo e privativo da disciplina.

O objeto e objetivos devem ter como marcos glo­bais de reflexão os campos de bem-estar social e das políticas sociais.

9. SUELY GOMES COSTA (1970). 10. JOSÉ LUCENA DANTAS (1970). 11. TECLA MACHADO SOEIRO (1970).

As proposições destes três autores estão expostas na introdução deste trabalho.

12. NADIR G. KFOURI (1972) — A autora considera que nas disciplinas práticas ou profissionais são os obje­tivos que determinam sua especificidade, pois, tendo que intervir e/ou controlar os fenómenos sobre os quais incide sua ação (objeto), tem que definir, defi-nindo-se em relação a que intervém.

Assim, o objeto do Serviço Social é constituído por fenómenos concernentes ao ser humano no pro­cesso de inter-relações com o seu meio social sob a perspectiva de mobilização e de desenvolvimento de potencialidades humanas e sociais.

13. SUZANA A. DA ROCHA MEDEIROS (1974) — Define ser o objeto do Serviço Social o homem no processo de interação com seu meio social, que se configura por aspectos da vida cotidiana ou da dinâmica de

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uma realidade social concreta, não tratados por ou­tras ciências sociais.

Tais aspectos ou situações-problemas são entendi­dos pela autora como algo a ser resolvido.

14. MARIA DO CARMO B. DE CARVALHO FALCÃO (1976) — Considera ser o objeto de intervenção do Serviço Social determinado fenómeno ' ou situação-problema, cuja solução ou modificação exige a ope­ração do sistema de relações existentes entre unida­des de natureza psicossocial (indivíduos, famílias, grupos, comunidades), social (organismos sociais), política (estruturas, sistemas e subsistemas) e outras que possam vir a se configurar.

Essas relações se processam nos níveis micro e macrossocial de intervenção, os quais são interdepen­dentes e intercomplementares.

15. ADA PELLEGRINI LEMOS (1974) — Afirma que na teoria do Serviço Social o binómio pessoa/situação se delimita como seu objeto.

A 1 . a parte do binómio é entendida como sistema-cliente, isto é, pessoa, família, grupos, comunidades, instituições e populações, e a 2. a parte, como meio, isto é, a gama de um elenco de fatores sociais, eco­nómicos, culturais e humanos, representados por in­divíduos, grupos, instituições societárias, fenómenos e realidades que interferem na resposta do sistema/ cliente ao meio, sobre o qual simultaneamente atua, modificando-o.

16. HELENA I . JUNQUEIRA (1974) — Entende ser objeto específico, mas não exclusivo, do Serviço Social: a) indivíduos, isoladamente ou em grupos, que não

lograram o atendimento de suas necessidades básicas e de desenvolvimento por si mesmos, mediante utilização dos recursos disponíveis do seu próprio meio social;

b) comunidades, cujas potencialidades de vivência comunitária, de ação conjunta e de participação em outros níveis societários não tenham sido devidamente desenvolvidas;

Teorização do Serv. Social 151

c) politicas sociais, compreendidas como processos dinâmicos e contínuos de formulação, instrumen­tação, implantação e revisão de um conjunto orgânico de diretrizes, que orientam a ação go­vernamental, no que diz respeito:

I — ao atendimento das necessidades básicas do homem,

I I — à otimização dos níveis de vida da popu­lação,

I I I — à equalização de oportunidades, IV — à adequação ou reformulação das estru­

turas, instituições e sistemas, com vistas a que venham a responder às exigências da efetivação das próprias políticas.

17. MARIA LÚCIA CARVALHO DA SILVA (1977) — Pro­põe como objeto não exclusivo do Serviço Social, porém compartilhado por outras ciências sociais, o processo histórico-estrutural de marginalização/par­ticipação social, na perspectiva de interação dialética destes componentes. Esta proposição pretende refe-rir-se ao objeto não só no nível do agente humano, como no nível de um processo histórico-estrutural enquanto teoria/ação.

18. ANNA AUGUSTA DE ALMEIDA (1978) — Apresenta como ideia de objeto do Serviço Social no contexto da realidade humana, histórica e concreta, a situação existencial problematizada, ou o fenómeno social que está dialetizado numa dupla dimensão entre indivíduo e sociedade (na visão de ser no mundo) e entre pessoa e comunidade (na visão de ser sobre o mundo).

Não foi possível realizar neste documento uma apreciação crítica e particularizada destas dezoito proposições de definição do objeto do Serviço Social, as quais sugerem diferentes concepções do homem e do mundo, diferentes teorias do conhecimento e diferentes métodos de investigação, interpretação e transformação social.

Neste sentido, a título apenas de ilustração, as pro­posições de objeto como "situação social-problema" e

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"situações que se dão no nível das relações sociais", que foram apresentadas com maior frequência, são entendidas e explicadas pelos respectivos autores, sob óticas diversas, através de diferentes posições. Esta abertura é, sem dúvida, na etapa que se atravessa hoje do estudo do objeto do Serviço Social, condição e espaço muito favorável a uma aproximação objetiva e científica daquele elemento básico, pois predispõe à crítica, à verificação prática e à preocupação de globalidade da disciplina.

Considerando as proposições apresentadas e rela-cionando-as às reflexões preliminares feitas quanto ao processo de construção do objeto do Serviço So­cial, finalmente, foram elaboradas duas outras alter­nativas de propostas, como tentativas para uma con­vergência e síntese do esforço teórico até aqui ence­tado no tocante àquele componente. A contribuição maior destas duas alternativas pretende ser, a partir do aspecto de generalidade do Serviço Social, aproxi-mar-se do seu aspecto de especificidade.

São elas:

Alternativa A — de HELENA IRACY JUNQUEIRA (1978)

1. Objeto genérico

O objeto de Serviço Social refere-se a situações sociais-problema, entendidas como as que ocor­rem no âmbito das relações sociais, que se pro­cessam no concreto da vida cotidiana, e que se configuram de tal forma a provocar a necessidade de uma intervenção para modificá-las, trazendo em seu bojo elementos conflitantes que se podem transformar em elementos geradores de soluções e crescimento.

Este objeto genérico relaciona-se intimamente ao objetivo genérico do Serviço Social, qual seja, realização progressiva do homem e criação de condições sociais que permitam e favoreçam essa realização.

Teorização do Serv. Social 153

2. Objeto específico a) indivíduos, isoladamente ou em grupos, que

não lograram o atendimento de suas necessi­dades básicas e de desenvolvimento, pela au­sência dos recursos necessários ou pela inca­pacidade de utilização quando existentes;

b) organizações e grupos comunitários, cujas potencialidades de ação conjunta e partici­pação em níveis mais amplos não tenham sido devidamente desenvolvidas;

c) políticas sociais, compreendidas como proces­sos dinâmicos e contínuos de formulação, instrumentação, implantação e revisão de um conjunto orgânico de diretrizes, que orientam a ação governamental e que se corporificam em sistemas de direitos e deveres e de pres­tação de serviços, no que diz respeito:

I — ao atendimento das necessidades bási­cas do homem,

I I — à otimização dos níveis de vida da população,

I I I — à equalização de oportunidades, IV — à adequação ou transformação das

estruturas, instituições e sistemas, com vistas a que venham responder às exi­gências da efetivação das próprias po­líticas.

Este objeto específico relaciona-se intimamente a objetivos específicos do Serviço Social, que en­volvem a superação das situações configuradas no objeto, com vistas à realização progressiva do homem.

Alternativa B — de MARIA LÚCIA CARVALHO DA SILVA (1978)

1. Objeto genérico

Refere-se ao processo histórico-estrutural de marginalização/participação social, na perspecti­va de interação dialética destes componentes.

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2. Objeto específico

Diz respeito a duas dimensões distintas, mas inter-relacionadas: — às ocorrências conjunturais do processo histó-

rico-estrutural de marginalização, participação social que dificultam ou facilitam a indivíduos, grupos, organizações, comunidades e popula­ções, uma ação transformadora nos níveis pes­soal e social e em suas interações;

— às políticas sociais, como conjunto de orienta­ções de ação do Estado e da sociedade civil, direcionadas principalmente à satisfação de demandas sociais básicas, à distribuição de excedentes, à melhoria da qualidade de vida, à busca de equidade de oportunidades, numa perspectiva de desenvolvimento global, isto é, económico, social, cultural e político, nos ní­veis micro e macro de atuação.

Nestas dimensões, cabe ao Serviço Social especificamente, tanto generalizar e particula­rizar, como quantificar e qualificar, nos dife­rentes níveis, as ocorrências conjunturais e as propostas de políticas sociais, a partir das ins­tituições sociais, nas quais exerce sua ação profissional, de modo a que os programas re­futam e respondam cada vez mais às necessi­dades, interesses, aspirações, insatisfações, conflitos, problemas, etc. das populações.

É óbvio que as duas alternativas estão apenas es­boçadas, necessitando de melhor formulação.

Ambas as alternativas, torna-se a dizer, significam tão-somente o passo a mais que se pode dar neste resultado breve e intensivo, ou nesta rápida retomada do problema de definição do objeto do Serviço Social.

A guisa de conclusão, deseja-se ressaltar que o atual e futuro momento de desenvolvimento científico do Serviço Social parece exigir um esforço reflexivo global e prioritário sobre as experiências concretas de ação, em seus vários níveis, especialmente no da

Teorização do Serv. Social 155

prática direta, como alicerce que é do processo de construção teoria/ação.

Pensa-se que assim procedendo, o Serviço Social poderá voltar-se mais pertinentemente para as dimen­sões e implicações do processo de ação transforma­dora a que se propõe fundamentalmente, o que per­mitirá avanços sucessivos tanto na construção do seu objeto como da disciplina na sua totalidade, ao mes­mo tempo que contribuirá para o desenvolvimento de teorias da ação.

NOTAS

1) Da epistemologia

Para esta categoria, o grupo baseou-se em Japiassu1 que, no sentido bem amplo do termo, a considera como o es­tudo metódico e reflexivo do saber, de sua organização, de sua formação, de seu desenvolvimento, de seu funcio­namento e de seus produtos intelectuais.

Sendo assim, a função essencial da epistemologia é sub­meter a prática dos cientistas a uma reflexão; e o seu papel, estudar a génese e a estrutura dos conhecimentos cientí­ficos. O seu problema central consiste em estabelecer:

— se o conhecimento poderá ser reduzido a um puro registro pelo sujeito, dos dados já anteriormente organizados independentemente dele num mundo exterior (físico ou ideal);

— se o sujeito poderá intervir ativamente no conheci­mento dos objetos. Essencialmente, o problema se encontra na relação sujeito-objeto.

A epistemologia estuda a produção de conhecimentos não só do ponto de vista lógico, como do linguístico, ideo­lógico, sociológico, etc.

1 JAPIASSU, Nilton F. Introdução ao pensamento epistemológico. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1975.

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2) Da ãialética

Como diz Poulquié,2 não existe uma dialética mas di­versas concepções da dialética.

Nas suas origens, ou seja, na antiguidade grega, era essencialmente a arte do diálogo, da discussão, do ques­tionamento, o que prevaleceu ainda na escolástica, e em filósofos modernos de certa forma incorporada à concep­ção da lógica.

Descartes e Spinosa destacam-se dentre os pensadores do período moderno como representantes do raciocínio dialético.

Atualmente, a dialética vincula-se, sobretudo, a duas linhas de pensamento, que a definem com maior precisão — Hegel e Marx — e, mais recentemente, vem sendo assimilada pela ciência contemporânea, onde, exatamente por ser contemporânea, se torna mais difícil de precisá-la.

Foi Hegel (1770-1831) quem formulou pela primeira vez o método dialético, cuja pedra fundamental é a luta dos contrários. "A verdade não é um'conjunto de princípios definitivos. É um processo histórico, a passagem de graus inferiores para graus superiores do conhecimento. Seu movimento é o da própria ciência, que não progride senão sob a condição de ser crítica incessante de seus próprios resultados, a f im de poder superá-los."3

Pereira Nóbrega,4 em estilo didático, expõe a dialética hegeliana que, em síntese, é assim compreendida:

A dialética hegeliana refere-se a um movimento pelo qual realidades novas se explicitam, se deduzem, graças à contradição, à oposição que existe na realidade anterior. Nenhuma realidade existe, que esteja isenta deste movi­mento dialético, desta luta de opostos.

A dialética hegeliana tem três unidades que ele deno­mina Tese, Antítese e Síntese, ou, mais frequentemente, Afirmação, Negação e Negação da Negação. Os próprios

2 FOULQUIÉ, Paul. A Dialética, Publicações Europa-América — Origi­nal, Presses Universitaires de France, 1349.

s P O L I T Z E R , Georges; BESSE, Guy; C A V E I N G , Maurice. Princípios Fundamentais de Filosofia. S. Paulo, Homus, 1970.

* NÓBREGA, Francisco Pereira. Para 1er Hegel. Petrópolis, Vozes, 1973, ps. 32/34.

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termos lembram a identidade dos opostos. A Tese é afir­mação, nela algo é afirmado. A Antítese é a negação do que se afirmara antes. A tensão entre estes dois termos encontra sua conciliação na Síntese, ou seja, Negação da Negação.

Como cada momento se deduz do anterior, podemos dizer que a Antítese já está na Tese. Ela já carrega em si sua contradição. A Síntese se transforma numa nova Tese de outra tríade, e o movimento continua.

O processo dialético não é apenas de explicitação (da­quilo que está contido no momento anterior) mas também de concretização. O momento anterior deve englobar todos os momentos posteriores. Deve ser, portanto, mais vasto, mais amplo do que todos os momentos que dele se expli­citam! O mais amplo, em termos de conceito, é o mais abstrato. O menos vasto é o mais concreto... Assim é o movimento da dialética hegeliana: enquanto se procede do implícito para o explícito, se procede do abstrato para o concreto.

Marx, discípulo de Hegel, admitiu ser a dialética o único método científico, mas contrapôs sua concepção materia­lista do mundo à concepção idealista de Hegel — o Uni­verso é um produto da Ideia, ou seja, o Universo precede apenas dos universais que não têm marca de percepção sensorial.

Para Marx, as leis da dialética são as do mundo material, o movimento do pensamento não é senão o reflexo do movimento real, transportado e transposto para o cérebro do homem. Daí a dialética materialista ou o materialismo dialético de Marx.

Na sua filosofia assim se enuncia a lei da dialética:5

Sem entrar nas minúcias das leis da dialética, é fácil verificar, mesmo no nível de uma investigação elementar, que a contradição rege todos os fenómenos.

Graças ao emprego dessa lei da dialética, em suas qua­tro formas, abrem-se perspectivas de um saber sistemá-

8 P O L I T Z E R , Georges; BESSE, Guy; C A V E I N G , Maurice, opus cit. C H A T E L E T , François. Logos e Praxis. Rio de Janeiro. Paz e Terra,

1972. L E F E B V R E , Henri. Lógica Formal e Lógica Dialética. Rio de Janeiro.

Civilização Brasileira, 1975, Cap. IV, item 13.

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tico positivo capaz de integrar todos os resultados das ciências e desenhar um quadro de conjunto da realidade e de sua evolução, citando R. Garaudy.

As quatro formas da lei da ãialética:

1. a — Ação recíproca e da conexão universal — a dialética considera a natureza não como acúmulo acidental de objetos, de fenómenos destacados uns dos outros, isolados e independentes uns dos outros, mas como um todo unido, coerente, no qual os objetos, os fenómenos estão ligados organicamente entre si, dependendo uns dos outros e condicionando-se reci­procamente.

2. a — Da mudança universal e do desenvolvimento inces­sante — a dialética considera a natureza não em um estado de repouso e de imobilidade, de estagnação e de imutabilidade, mas como um estado de movi­mento e de mudança permanente, de renovação e de desenvolvimento incessante, onde cada coisa nas­ce e se desenvolve, onde cada coisa se desagrega.

3 a — Da mudança qualitativa — o desenvolvimento leva a mudanças qualitativas, não graduais, mas rápidas, súbitas e se fazem por saltos, de um estado a outro; são resultado do acúmulo de mudanças quantita­tivas.

4 a — Da luta dos contrários — a dialética parte do ponto de vista de que os objetos e os fenómenos da natu­reza implicam contradições internas, pois têm todos um aspecto positivo e um aspecto negativo; um passado e um futuro. . . A luta desses contrários é o conteúdo interno do processo de desenvolvimento, da conversão das mudanças quantitativas em mu­danças qualitativas.

Neste trabalho, a compreensão da categoria "dialética" vincula-se à dialética hegeliana e coincide, em boa parte, com as quatro formas da sua lei básica, formuladas pela filosofia marxista, ressaltando-se dois pontos, em decor­rência de uma posição não idealista como em Hegel, e não materialista como em Marx:

Teorização do Serv. Social 159

— Quanto à segunda forma da lei dialética, embora admi­tindo plenamente o dinamismo da realidade universal, ressalva-se a permanência de algo, seja um substrato, seja um componente de dada realidade que perdura, e que permite identificá-la mesmo depois de trans­formada.

— Quanto à terceira forma, embora admitindo que algu­mas mudanças qualitativas possam resultar do acúmu­lo de mudanças quantitativas, outras, e com maior peso, decorrem de fatores cuja ação, por sua natureza, é suficiente para operar mudanças qualitativas, pois de outro modo seria admitir-se que a qualidade (na­tureza das coisas, dos seres, das relações entre eles) resulta de maior ou menor número de fatores quan­titativos.

3) Da praxis

Praxis, categoria amplamente utilizada hoje em diferen­tes áreas de estudo e de ação, entre as quais a do Serviço Social, requer algumas considerações, no decorrer do pre­sente trabalho.

Sua origem semântica e conceptual remonta à antigui­dade grega, sendo que não raro a grafia em autores atuais se apresenta em caracteres daquele idioma.

Aristóteles a concebe como ciência prática, ou seja, aque­la que dá normas ao agir humano, no que se refere ao bem e ao dever, que não tem outro fim que a ação interior, imanente, que não produz nenhuma obra distinta do agente. Por oposição à "poética" (poésis) que é a ciência da pro­dução de obras exteriores ao agente. Não exclui, no entanto, a ação política que regula os atos do homem enquanto cida­dãos da polis.G

Sofre mudança radical no Renascimento que reivindica a dignidade humana não só pela contemplação como tam­bém pela ação, alcançando, com a revolução industrial do século X V I I I , estágio mais avançado na valorização do trabalho humano e da técnica face às exigências da produ­ção, ou seja, na "consciência da praxis produtiva".

6 T R I C O T , Jean J. Aristote Ethique a Nicomaque. Introduction, notes, index. Paris. Librairie Philosophique J. Vrin, 1972. Livro 1, p. 31.

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A praxis humana atinge, no dizer de Sanchez, sua reivin­dicação plena na filosofia marxista que a adota como sua categoria central, de onde caracterizar o marxismo como filosofia da praxis. Entendida esta como "atividade material do homem que transforma o mundo natural e social par?, fazer dele um mundo humano".7

Como categoria central extrapola da prática no seu sen­tido produtivo, para alcançar a dimensão epistemológica e ainda a dimensão ontológica, "ela nasce como resposta filosófica ao problema filosófico: quem é o homem, o que é a sociedade humano-social e como é criada esta socie­dade".8

No que se refere ao conhecimento, a praxis proporciona o objeto do conhecimento — "o objeto do conhecimento é produto da atividade humana". O conhecimento é o conhe­cimento de um mundo criado pelo homem, isto é, inexis­tente fora da história, da sociedade e da indústria. É ainda a praxis que proporciona o critério de sua verdade. A aferi­ção da verdade de um pensamento tem que sair de si mesmo, plasmar-se, adquirir corpo na própria realidade, sob a forma de atividade prática.

A praxis é ainda entendida como a praxis revolucionária que transforma a sociedade apresentando-se como uma categoria sociológica, como um processo que se orienta conforme determinada concepção do homem e do mundo.9

Ainda, segundo Sanchez, "a relação entre teoria e praxis é para Marx teórica e prática; prática na medida em que a teoria, como guia da ação, molda a atividade do homem, particularmente a atividade revolucionária; teórica, na me­dida em que essa relação é consciente".10

A categoria praxis vem sendo incorporada, nestes últi­mos tempos, ao discurso dos estudiosos da realidade social bem como aos documentos técnicos dos profissionais da intervenção nessa mesma realidade. Entretanto, nem sem-

7 SANCHEZ, Vázques Adolfo. Filosofia da Praxis. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1968, Introdução, p. 3.

8 KOSIK, Karel. Dialética do Concreto. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 2.* ed., p. 201.

9 SANCHEZ, Adolfo Vázques, opus cit., ps. 151/152. 1 0 SANCHEZ, Adolfo Vázques. Ibid., ps. 150/157; ibid., p. 117.

Teorização do Serv. Social 161

pre com as conotações decorrentes de sua complexa con-ceituação pela filosofia marxista.

Implica antes um posicionamento com relação à prática, compreendendo-a como a atividade humana sobre dada realidade social, distinguindo-se da produção material e da técnica, direcionada à consecução de objetivos predetermi­nados, atuação que permite conhecer essa realidade com mais objetividade e testar a teoria que a interpretou e que gerou o modelo de intervenção, num processo constante de realimentação teoria — prática — teoria.

Esse o sentido em que é compreendida a praxis neste trabalho.

4) Da historicidade

Para esta categoria, o grupo adotou o conceito de Dilthey, que a entende, "de um lado, como relatividade dos fenómenos ao passado e como conhecimento desse passa­do; do outro, como "presença" do futuro em toda ação humana.

A historicidade não é apenas a busca daquilo que já se realizou, mas o tecido da vida que se perpetua.

Donde a conclusão: todo objeto das ciências humanas é histórico, pois encontra-se em devir. Mas também essas disciplinas são históricas porque se desenvolvem ao mesmo tempo que a ação e o espírito humanos. E é neste sentido que o conhecimento histórico também é humano."1 1

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA FILOSOFIA

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FOULQUIÉ, Paul. A dialética. Publicações Europa-América, 1974. JAPIASSU, Hilton F. Introdução ao pensamento epistemológico. Rio de

Janeiro, Francisco Alves, 1975.

1 1 JAPIASSU, Hilton F. Nascimento e morte das Ciências Humanas. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1979.

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1.2.1 CONSIDERAÇÕES EM TORNO DOS QUESTIONA­MENTOS LEVANTADOS NO SEMINÁRIO SOBRE O DOCUMENTO DE BASE. 2: Reflexões sobre o processo histórico-científico de construção do ob-jeto do Serviço Social. Após a apresentação pelos grupos 1, 2 e 3 dos questio­

namentos levantados em relação ao documento do grupo de São Paulo, sua relatora considerou que devido ao tempo limitado para a elaboração do mesmo e ao fato de ter sido elaborado por um grupo, com preocupações heterogéneas a respeito do tema, não obstante a riqueza das discussões sobre a matéria, o documento apresenta em algumas pas­sagens insuficiente fundamentação na abordagem de certos pontos básicos.

Passando aos questionamentos dos grupos a expositora teceu as seguintes considerações:

1. Quanto à postura do grupo responsável pela elabo­ração do documento.

O grupo não se colocou, de antemão, nesta ou naquela posição filosófica ou metodológica, embora no decorrer do trabalho seja possível identificar tendências que se apro­ximam de um enfoque fenomenológico. Buscou-se identi­ficar o essencial em várias posições, ao considerar o objeto como um dos elementos especificadores do Serviço Social, em sua teoria e prática.

Destaque especial foi conferido ao aspecto da ação no Serviço Social. Situando-se na perspectiva moderna da ciência como "visando à apropriação das forças da natu­reza e do homem", o grupo admitiu a necessidade de acen-

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166 CBCISS tuar a importância do desenvolvimento de teorias da ação na perspectiva de transformação social participada. Embo­ra interligados, o processo de conhecimento da realidade não se identifica com o processo de intervenção, nem se esgota neste, pois é da inter-relação que advém o processo da praxis.

Um processo de teorização do Serviço Spcial encontra embasamento não só na filosofia, que oferece as teorias do conhecimento, como supõem também, de maneira indis­cutível, a contribuição das teorias de intervenção.

Na opinião do grupo, estas teorias de intervenção não têm sido devidamente levadas em conta no movimento de reconceituação do Serviço Social.

2. Quanto ao objeto, propriamente. Pelas condições de trabalho, já antes apontadas, o grupo deixou de adotar um procedimento analítico em relação aos oito conceitos arrolados. Reconhece, entretanto, que a especificação do objeto é

uma necessidade, pois, de modo geral, os conceitos arro­lados consideram o objeto genérico, mas não o específico do Serviço Social.

Embora o título dado ao documento deixe supor que se t ra ta apenas de reflexões sobre o assunto, o grupo consi­derou oportuna a apresentação de sua proposta de objeto do Serviço Social, a título de sugestão para a continuidade de discussão do problema, a partir da natureza do Serviço Social como disciplina profissional.

3. No desenvolvimento do trabalho, o grupo assumiu abordagens diferentes, surgindo um posicionamento eclético da metodologia na construção do Serviço Social.

O grupo não aceita a posição de que os fundamentos do Serviço Social devam vincular-se exclusivamente a esta ou àquela filosofia (marxista, positivista, fenomenológica), tendo uma posição de caráter pluralista ao procurar co­nhecê-los ou identificá-los.

Teorização do Serv. Social 167 No entanto, a construção da teoria do Serviço Social

exige uma consistência, uma coerência interna. Essa coe­rência não elimina a hipótese de adoção ou integração de abordagens ou posicionamentos de mais de uma teoria ou filosofia.

Dentro de uma perspectiva de historicidade, face ao desenvolvimento das ciências do conhecimento e da ação, uma posição dogmática seria um empecilho ao processo dinâmico de construção das teorias.

4. Conceito do Serviço Social como disciplina profis­sional.

O grupo admite que o Serviço Social não alcançou o nível de ciência, mas o de uma disciplina profissional que con­tém um acervo de conhecimentos sistematizados (das ciên­cias humanas e do próprio Serviço Social) e uma meto­dologia de ação, o que se constitui em conhecimentos transmissíveis.

5. A construção da teoria da ação ensejaria em si mes­ma uma sujeição a uma epistemologia ou teoria de conhecimento.

O grupo admite uma distinção entre a teoria que se constrói sobre a realidade, ou seja, o objeto sobre o qual incide a ação do Serviço Social, e a teoria que orienta a ação propriamente dita, ressaltando sempre, porém, a estreita relação entre elas. Igualmente a metodologia da ação ou da intervenção difere da metodologia do conhecer, embora se inter-relacionem.

6. O grupo fala de teoria/ação/teoria na l.a parte, mas arrola autores que não instrumentalizam a posição antes assumida. Seria de presumir, também, que o grupo não reapresentasse qualquer proposta de for­mulação de objeto.

É possível que uma preocupação de caráter menos aca­démico e com vistas a dar um passo à frente na busca da especificação do Serviço Social o tenha levado a queimar alguma etapa.

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168 CBCISS 7. Atitude relativista do grupo, pois todas as concep­ções do homem e da sociedade seriam válidas para o grupo. Admitir que haja posições em serviço social fundamen­

tadas em diferentes filosofias ou metodologias científicas não é ser relativista. O grupo tem uma posição, mas não pretende que seja a posição do Serviço Social. Chega a propor, noutro ponto do trabalho, que se busque estabe­lecer um conjunto de valores éticos e valores científicos que possam, estabelecer uma base comum para atuação produtiva por profissionais de diferentes ideologias, num contexto democrático de respeito à diversidade de cos-movisões.

Não é raro que centros decisórios, acima das esferas técnicas, sintam-se perplexos face às divergências intrans­poníveis de profissionais. O próprio desenvolvimento cien­tífico tem esbarrado em bloqueios em razão de divergências que ocorrem em fases iniciais de construção de uma teoria ou de uma metodologia.

8. Diversidade de posturas teóricas quando se refere a pressuposto básico e a componentes essenciais de disciplina. Reconhece que o trabalho reflete um grupo em transição — coexistem o tradicional e o emergente. 9. Como é possível a visão teoria/ação/teoria se o Ser­viço Social ainda não tem teoria? O conhecimento novo não seria uma confirmação de teoria alheia? Apesar de carecer de maior sistematização, o Serviço Social, como outras disciplinas, dispõe de elementos e categorias teóricas sempre em aperfeiçoamento, que em-basam sua ação. 10. O documento coloca de maneira pouco explícita as categorias ética — juízos de valor e os fundamen­tos filosóficos, científicos e valorativos do Serviço Social.

Teorização do Serv. Social 169 O grupo não desenvolveu como era de desejar-se a aná­

lise dessas categorias, pelo propósito do próprio trabalho e limitações já referidas.

11. O grupo constatou que, no desenvolvimento do tra­balho, o documento adotou abordagens da dialética, da fenomenologia, ressentindo-se de maiores dis­cussões do caráter não dogmático assumido.

O grupo reconhece que não desenvolveu como desejaria maiores discussões sobre uma posição pluralista na cons­trução do Serviço Social, considerando que a questão seria abordada mais detidamente com a apresentação dos de­mais trabalhos dos outros grupos de estudo.

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O SERVIÇO SOCIAL E A FENOMENOLOGIA

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2.1 Conferência

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A FENOMENOLO­GIA QUE PODEM INTERESSAR AO SERVIÇO SOCIAL

Creusa Capalbo Para Edmund Husserl, a fenomenologia é uma ciência eidética descritiva da realidade vivida. O método que pro­põe é o da intuição das essências. Começaremos a nossa exposição mostrando a luta de Husserl contra o psicologismo, pois isto é necessário para compreendermos a estrutura básica do seu método.

1. Psicologismo O Psicologismo afirmava que pensar e conhecer eram eventos psíquicos e que, por isto, a lógica dependia das leis psicológicas. A lógica nada mais seria do que a técnica do pensamento correto, conforme explica W. Stegmtlller.1

Ora, Husserl mostra que a técnica nada mais é do que um caso particular de uma ciência geral e normativa. Sem normas que orientem a técnica esta não pode funcionar. As ciências normativas, por sua vez, se fundamentam em teorias, que dizem o que são as coisas e não apenas como elas devem ser, conforme ocorre no caso das ciências nor­mativas. Uma disciplina teórica estabelece proposições

1 STEGMULLER, Wolfgang. A filosofia contemporânea: introdução cri­tica, vs. 1-2. Sâo Paulo, EPV, Ed. da Universidade de São Paulo, 1977, ps. 58-91.

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CBCISS baseadas em conceitos de verdade, em juízos, etc. Dessas proposições é que se derivam os "princípios lógicos norma­tivos e, em passos seguintes, são estabelecidas as regras técnico-práticas".- Vê-se, então, que a lógica não depende da psicologia, e, ao contrário, o que se precisa é constituir o que Husserl chama de uma "lógica pura" como teoria geral das proposições lógicas a priori.

Refutado o psicologismo, já se pode entender que a rea­lidade vivida de que Husserl vai t ratar não se confunde com a vivência psicológica. O vivido que interessa à feno­menologia é aquele que pode ser descrito do ponto de vista da sua estrutura essencial e não do ponto de vista dos fatos psicológicos particulares. Chegar à essência ou ao núcleo eidético (Eidos = essência) é o projeto da ciên­cia eidética, conforme Husserl a entende. Como proceder para que a fenomenologia seja ciência? Em que sentido ela se distingue da ciência empírica? A resposta de Husserl é clara: só há ciência pela construção de uma teoria.

2. Teoria A palavra Teoria indica, pelo seu radical grego, a ação de ver com atenção, com vigilância e com cuidado. É assim que esta ação de ver vigilante passou a se denominar observação. A teoria é a visão cuidadosa onde a inteli­gência e a experiência direta com a realidade são indisso­ciáveis. Este sentido originário foi, no entanto, sendo ocul­tado ou transformado. Hoje em dia teoria é definida como o resultado de uma construção intelectual realizada pelo cientista. Dissemos no início que a fenomenologia é uma ciência eidética descritiva. Ela é concreta e se volta para o vivido. Pela descrição ela nos aproxima da essência, através de um perspectivismo das formas que se mostram ao su­jeito na relação figura e fundo. Assim, a fenomenologia se distancia das ciências abstraías e dedutivas, confor­me a matemática. Ela se distancia igualmente do modelo da ciência natural como modelo a ser aplicado na ciência

2 Ibid., p. 59.

Teorização do Serv. Social 175 humana e social. Ela o faz por criticar o pressuposto do modelo positivista que faz dos fenómenos naturais e dos fenómenos humano-sociais fenómenos sem distinções qua­litativas. Os fenómenos do vivido humano têm uma estru­tura significativa construída pelos próprios homens. O vivi­do humano e social é constituído de significados e recor­rem a processos de compreensão e de interpretação e não de explicação. Assim, para a fenomenologia não é possível tratar o mundo humano e social como um mundo obje­tivo e divorciado da interpretação dos próprios sujeitos. Por isso é que Husserl dirá que o mundo vivido, humano e social, objetivo, intelectivo e prático é produto da ativi-dade significativa do próprio sujeito, intimamente ligado à intenção e à interpretação, e, por isto, deve ser chamado de mundo subjetivo.

Podemos resumir as ideias principais da fenomenologia como ciência, segundo Husserl: a sua teoria significa que ela é descritiva da estrutura essencial do vivido, que ela é concreta, intencional, compreensiva e interpretativa. A fenomenologia se volta para o estudo da realidade

social enquanto vivida na sua vida cotidiana. Nesse estudo o investigador não se pode colocar numa atitude neutra. É fundamental não se ignorar a participação do investi­gador nesta vida cotidiana. O cientista está inserido no mundo vivido, depende dele como um instrumento de seu trabalho. É da vida cotidiana, da sua estrutura vivida, que emerge a fonte de significados sociais que se busca com­preender e interpretar.

3. A evidência das essências Qual o caminho para se chegar à evidência das essên­

cias? Husserl pensa ter encontrado este caminho ao expor a sua teoria da redução fenomenológica.

Para Husserl a essência é encontrada a partir das vivên­cias intencionais fundamentais. Essas vivências intencionais ou atos da consciência são de diversos tipos. Os atos inten­cionais são as vivências, por exemplo, do ato de significar, do ato de perceber, do ato de querer, do ato de imaginar, do ato de agir, etc. Por este ato intencional um objeto é visado sem que seja preciso que ele se encontre na cons-

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176 CBCISS ciência. O que está presente à consciência de modo vivido é o próprio ato intencional. Assim, é irrelevante, aos olhos de Husserl, saber se um ato de visar algo, que me coloca diante de um objeto visado, me coloca igualmente diante desse objeto visado como existente ou não. Para Husserl a existência não é objeto da fenomenologia nem da ciência. Ela é o pensamento da própria vida. Ela é objeto da crença ou da opinião. Por isso é que para se alcançar a essência podemos part i r tanto da percepção concreta e vivida de uma coisa quanto da sua representação pela imaginação. Isto leva Husserl a pensar que se deve, então, colocar entre parênteses a existência real das coisas e do mundo natural; elas devem ficar em suspenso para que tenhamos acesso à região das essências obtidas pela técnica da va­riação imaginária. A fenomenologia não recorre à crença no mundo — esta deve ser colocada fora de circuito. É a este movimento de suspensão do juízo relativo à existên­cia do mundo que Husserl chama de redução fenomeno-lógica. No entanto é preciso igualmente passar do indivi­dual para o essencial, como, por exemplo, passamos deste azul individual para a essência azul, desta criança menor abandonada individual à essência do menor abandonado, etc. A evidência nos dá a identidade entre o vivido pen­sado e o objeto do vivido que nos é dado em pessoa,

4. Pré-reflexivo e reflexão Assim, o vivido enquanto é simplesmente vivido não é objeto da reflexão; ele se dá como não observado, como vivido sem ser refletido. Por isto Husserl diz que o vivido é inicialmente pré-reflexivo. Quando ele se torna presen­te à reflexão ele é ainda um momento do vivido, mas agora como objeto da reflexão.8 A reflexão é um ato da consciência que pensa o vivido, que o eleva à categoria de presença para a consciência. Quando o fenomenólogo adota uma posição reflexiva, uma atitude teórica, que faz um recuo para "olhar", para observar e refletir o mundo vivido em sua cotidianeidade, ele procura tornar explícita a consciência daquilo que está 8 HUSSERL, Edmund, Idées directrices pour une phénoménologie, Pa­ris, p. 77.

Teorização do Serv. Social 177 latente mas sendo vivido na vida cotidiana. A diferença fundamental entre aquele que vive e o que se volta para o estudo daquele vivido está no fato que os que vivem aquela situação têm um interesse prático ao vivê-lo, e o estudioso tem um interesse teórico no estudo do mundo vivido dos "outros".4 No entanto, o pesquisador realiza atos que são iguais aos da sua clientela: o perceber, a constituição de objetos de seu interesse, o desejar, o que­rer, etc. E m outras palavras, o pesquisador vive a sua vida cotidiana embora esteja voltado para o vivido de seus clientes. Ele se volta para a sua clientela com suas supo­sições, com seus pré-conceitos, etc. O que se deve reco­nhecer, então, é que há uma base comum na estrutura do vivido que é formada de pré-suposições tanto por parte do pesquisador, ou do assistente social, quanto da sua clientela e que devem ser destacados para o estudo do assistente social. Este tipo de análise f enomenológica se denomina reflexão subjetiva do vivido. Por subjetivo se deve compreender a análise que leva em consideração os sujeitos da relação assistente social-clientela — enquan­to igualmente interessados em compreender o significado essencial de uma estrutura do vivido que se fez fenómeno. Tal abordagem exige, no entanto, que se tenham subme­tido, previamente, à análise crítica, as crenças, os pressu­postos, os preconceitos, as teorias a priori, etc.

"O mundo não pode ser experimentado ou conhecido numa forma "bruta", livre de interpretações, pois é um mundo de objetos e relações significativas constituídas de modo intersubjetivo, e que estão no mundo e não na mente do observador . . . a objetividade é uma construção subjetiva ou intersubjetiva."5

5. Intencionalidade A intencionalidade é o tema capital da fenomenologia.

Husserl chamou de intencionalidade a propriedade que têm os vividos de serem "consciência de alguma coisa".8

4 SMART, Barry. Sociologia, Fenomenologia e análise marxista. Rio de Janeiro, Zahar Ed., 1978, p. 105. 5 Ibid., p. 109. « HUSSERL, E. Op. cit., p . 285.

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178 CBCISS Assim, por exemplo, a percepção é percepção de alguma

coisa; um juízo é um juízo de um estado de coisas; uma valoração é uma avaliação de um estado de valor, etc. A intencionalidade engloba os vividos, na sua classificação geral, em vividos cognitivos ou teóricos, vividos afetivos e vividos práticos. Quando a intencionalidade se volta para um vivido afetivo, isto não quer dizer que as instâncias intelectivas e práticas não estejam presentes. Elas estão presentes em latência embora a dominância esteja sendo do vivido afetivo. O mesmo ocorre quando a dominância é do vivido cognitivo: as instâncias afetiva e prática estão presentes sob a modalidade latente. Quando predomina o vivido da ação, as estruturas do vivido teórico afetivo estão latentes. 6. Significação e compreensão

Os vividos intencionais são informados de significação pela consciência. Husserl esclarece que os fenómenos de "significação" e "expressão" são correlativos. Através do ato de significar passa-se à expressão de uma experiência intencional, em que de algum modo um objeto foi inten­cionado. Por causa deste poder de significar que o homem possui, é que compreendemos que olhar as coisas não é um mero olhar, mas que se trata de um ver ou de um observar discernindo, de um ver inteligível. Este ato de "ver inteligível" do pólo no ético da consciência é o ato dé significar ou de dar sentido a alguma coisa. Para a fenomenologia é necessário compreender que os fenómenos sociais são constituídos inter subjetivamente por sujeitos que estão numa interação significativa. Os fenó­menos sociais não são uma abstração em relação aos sujeitos que vivem estes fenómenos. Nem todas as vivências são vividas conscientemente; podemos experimentá-las irrefletidamente, conforme já dissemos anteriormente. Trata-se da zona virtual da cons­ciência que é vivida mas não reflexivamente. Esta verdade da vida pré-reflexiva ou antepredicativa tem sua fonte própria de verificação na intuição. A fenomenologia se inicia por um deslocamento da consciência imediata para surgir e se iniciar a reflexão. A consciência, pela sua intencionalidade, nos mostra que ela é antes de tudo cons-

Teorização do Serv. Social 179 ciência de . . . , que ela é consciência visando alguma coisa. Assim, a consciência não é inicialmente consciência de si; ela é irrefletida antes de se tomar reflexão. Isto quer dizer ainda que a intencionalidade em exercício é mais ampla do que a intencionalidade exercida, pois aquela está sempre atuando em latência. Por isto é que P. Ricoeur, M. Ponty, A. De Waelhens, E. Fink, etc. dirão ser impos­sível se alcançar uma reflexão total. A finitude da reflexão está inscrita neste primado de que o sentido em um ato ou a intencionalidade em latência está sempre em exercí­cio e é mais ampla do que a intencionalidade exercida, tematizada e com o seu sentido proferido ou expresso.

A fenomenologia é compreensiva e não explicativa, como já dissemos. A compreensão é um tipo de conhecimento de ordem intuitiva e sintético. A explicação é de tipo analítico e discursivo, ou seja, ela divide o todo em seus elementos para analisá-los, procurando ao término reconstruí-los numa ordem de reflexão causal. A compreensão se define para a fenomenologia como a apreensão de um sentido, isto é, uma apreensão global do modo de aparecer que é próprio a um objeto. Não se pode apreender o objeto na sua integralidade de uma só vez e sob todos os seus aspectos ou ângulos. No entanto, o que se conhece atual-mente já designa os outros aspectos que poderemos vir a conhecer. Os fatos humanos são exemplos de realidades que não podemos apreender em sua totalidade de uma só vez. Assim, por exemplo, um gesto, uma palavra revelam a personalidade de alguém, mas não a totalidade absoluta da sua personalidade. A compreensão visa à apreensão da totalidade dada e da significação global de uma forma ou de uma estrutura que nela mesma não pode ser decomposta. Para com­preender (cum-penere) preciso discernir, escolher, sele-cionar, separar, agrupar, apanhar, apreender. Preciso co-locar-me numa perspectiva, fixar-me em algo. Por isto não podemos compreender a totalidade a não ser sob a forma de perspectivas, embora ou talvez porque esteja­mos enlaçados nela. Estas perspectivas se dão na expe­riência da realidade. Por sua vez a experiência da reali­dade não é a mesma para todo mundo. Assim, a experiên­cia da realidade vivida por um esquizofrénico não é a

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180 CBCISS Teorização do Serv, Social 181 nossa; ele vive a estrutura do ser real de um modo original que nele mesmo é por nós ignorado. Por isto, falar da experiência do real significa falar que a experiência se dá numa história pessoal, numa história vivida singularmente mas que tem uma estrutura essencial.

7. Liberdade e encontro A historicidade a que acabamos de nos referir nos faz

passar ao mundo da liberdade situada. A liberdade é o que nos permite dizer não à natureza.

É ela que nos permite ver que somos outro em relação ao universo. Pela liberdade situada percebo que sou pre­sença ao mundo, presença aos outros, presença ao meu passado, ã minha história e à minha cultura.

Pela minha presença aos outros se dá a génese e a significação do encontro enquanto acontecimento humano. Conscientemente ou não, o homem assume em cada en­contro um papel que ele desempenhará. Este papel é deter­minado em parte sociologicamente pelas relações sociais, • pelas situações de classe, pelos conflitos sociais e de classe, pela profissão, etc.

O encontro se dá entre seres em situação, entre pessoas engajadas, numa relação de uma existência com outra existência. O mundo do encontro é um mundo inter-huma-no. Ele não pode ser demonstrado. Ele só pode ser reve­lado enquanto relação afetiva, enquanto percepção do outro, enquanto acolhimento ou recusa do outro, etc. O encontro humano é expressão de uma dupla intencio­nalidade. De um lado eu me dirijo para o outro para apreendê-lo, conhecê-lo e fazer dom de mim próprio. De outro lado o outro se dirige para mim para acolher-me ou recusar-me, para apreender-me e para deixar-se conhe­cer e conhecer. Esta dupla relação indica que a existência é um misto de atividade e passividade. No encontro sem­pre se dá e se recebe. Trata-se do encontro sob a forma da coexistência — do existir com. Mas, pode-se dar o encontro no seu sentido literal, isto é, ir contra alguém, ser contrário a . . . — é a coexistência na contradição. Nesta o outro se revela obstáculo a ser ultrapassado. É a forma do encontro sob a modalidade do antagonismo

e da agressão recíproca. Assim, a estrutura do existir humano é encontro sob a modalidade do existir com ou do existir contra. A possibilidade do encontro humano se funda, final­mente, sobre a presença do homem que por seu corpo e no seu corpo se comunica expressivamente com alguém. O corpo permite que entendamos o movimento signifi­cativo dos membros, o conteúdo expressivo do rosto e do comportamento, a fala, etc. Em cada encontro se inau­gura um diálogo e se funda um mundo comum; ele é acompanhado de uma emoção. Não há encontro humano sem relação afetiva. A emoção humana é um modo da existência humana indissociável do encontro. Para haver encontro é preciso haver presença. Esta se dá sob diversas formas. Assim, quando Heidegger escreve que "pelo templo, o Deus está presente no templo", esta presença do Deus da Antiga Grécia não se compreende da mesma forma que a presença de um livro numa es­tante, ou a presença de Deus na Eucaristia para os cató­licos. Aquela presença do Deus Grego leva ao reencontro, nosso com ele, através do templo descrito como obra de arte. A análise das relações com o outro na modalidade do encontro mostra-nos que este se dá sob a forma de en­contro afetivo, encontro sexual, encontro com o grupo, encontro com o anonimato da multidão, encontro com uma instituição, encontro com um autor, através de sua obra, etc. São formas de relações do homem com o mundo, do homem consigo mesmo, dos homens entre si. Dizemos, então, que Deus, o homem, a verdade podem se tornar presentes para uma consciência. Em nossa experiência vivida dá-se o nosso encontro com Deus, com os homens, com a verdade, etc. Isto quer dizer, ainda, que as exis­tências de Deus, dos homens e da verdade estavam dissi­muladas ou ocultas, e que agora se tornaram presentes, apresentaram-se, revelaram-se.

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2.2 Documento de base

REFLEXÕES SOBRE A CONSTRUÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL A PARTIR DE UMA ABORDAGEM DE COM­PREENSÃO, OU SEJA, INTERPRETAÇÃO FENÓMENO-LÓGICA DO ESTUDO CIENTÍFICO DO SERVIÇO SOCIAL Anna Augusta de Almeida Ilda Lopes Rodrigues da Silva (Coordenadora) Maria Adelaide Ferreira Gomes Maria Augusta de Aguiar Ferraz Temponi Maria Júlia Nin Ferreira Maria Madalena do Nascimento (Rio de Janeiro)

Dentre as preocupações de Serviço Social como disci­plina de intervenção na realidade social, emergem aquelas relativas ao fenómeno conhecimento, saber progressivo, e aquelas que envolvem a adoção de princípios e valores que devem ser assumidos. Essa situação configurada como "crise" encontra na postura compreensiva perspectivas amplas para repensar os seus fundamentos e sua racionalidade na tentativa de discernir a nova problemática. A meditação do conhecimento do Serviço Social a partir de interrogações e reflexões pode indicar uma abertura. O Serviço Social, elegendo o social como tema, procura se interrogar sobre o mesmo visando a um conhecimento e a um processo de transformação social. Essa interro­gação básica desdobra-se pela escolha dos vários temas que se propõem como enfrentamento. O Serviço Social, ao voltar-se para a pessoa em suas relações interpessoais e em suas confrontações com o

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184 CBCISS Teorização do Serv. Social 185 ambiente, parte de uma visão de homem e mundo. Ao postular como sua intenção o desenvolvimento da capa­cidade do ser humano leva em consideração o homem como pessoa.

Como ponto de apoio e partida para uma praxis, inda-ga-se numa perspectiva profissional:

— o que é o ser em situação? — o que é viver nesta sociedade? — como apreender o social através de pessoa? — como capacitar pessoas visando o social? Na reflexão manifesta-se uma tensão para além do

fenómeno social, que provoca o questionamento do modo fundamental do homem estar no mundo, assim como o modo desse mundo estar para o homem.

Para atender a essas exigências de pessoa no mundo reconhece-se o homem como um ser encarnado, situado no mundo com as demais pessoas. A consciência desta condição de "ser-com" só se dá quando ele se abre ao outro.

A situação de "homem no mundo" não significa algo pronto e acabado; ao contrário, significa uma exigência de participação.

A produção do conhecimento em Serviço Social parte das realidades mais profundamente humanas que emer­gem da vida do cotidiano nas suas relações com os outros (família, vizinhança, relações de t raba lho . . . ) . As relações das pessoas com as pessoas articulam-se em interações singulares. Esse processo de conhecimento supõe um acolhimento do outro no sentido de "ser compreensão de ser". O acesso ao ser só se dará pela abertura à intersubje-tividade ao nível de outras pessoas, através da comunhão. "Se eu me abro realmente à comunhão intersubjetiva, se eu recebo o outro e me dou, nós ascendemos juntos um pelo outro no plano de ser" (Robert Fays). Serviço Social, assim, se propõe a um desenvolvimento da consciência reflexiva de pessoas a partir do movimento dialético entre o conhecimento do sujeito como "ser no mundo" e o conhecimento do sujeito como "ser sobre o mundo". Isso se realiza numa dimensão temporal e histórica.

O que é o ser em situação, transforma-se em quem é o ser em suas relações sociais. Interessa apreender o sentido que a pessoa dá à sua própria existência que se inscreve no tempo e se realiza num processo histórico. Se o Serviço Social como profissão pretende atingir esses níveis de compreensão, só pode chegar ao conhecimento do "ser" à medida que ele se descobre para o assistente social. É por isso que o conhecimento em Serviço Social não se restringe ao nível de objetivação mas persegue o nível de subjetividade. É a partir de uma situação pro­blematizada que se levantam questões significativas que pretendam se dirigir às condições de possibilidade de co­nhecimento. Metodologicamente é fundamental apreender-se a di­

mensão estrutural da existência que se configura no seu modo de ser no mundo que engloba a pessoa, as suas relações com as pessoas e com as coisas. Essa dimensão exige uma perspectiva que considera o singular e, par­tindo deste, chegar à apreensão das realidades sociais num contexto maior (o próprio sentido, o sentido do outro e o sentido do nós).

Situação é o mundo no qual o homem está presente, mas, se quiser realizar-se plenamente como ser, terá que assumir esse engajamento livre e conscientemente.

O sentido aparece a nível de compromisso como uma condição de passagem de necessidade a liberdade.

Este processo se dinamiza através do diálogo, enten­dido, aqui, como uma forma de ajuda psicossocial. O diálogo ocorre numa relação mutuamente significante que se manifesta por um apelo de um lado — a intenção da ajuda profissional, e, de outro — o do querer ser ajudado, Nele, realiza-se uma experiência enriquecedora, do qual ambos são sujeitos na investigação do tema eleito e na construção de projetos de existência humana. Esse pro­cesso exige tanto o conhecimento do sujeito profissional quanto o conhecimento do sujeito cliente.

A exigência deste tipo de conhecimento é ao nível de compreensão, supondo a descrição do vivido, a descoberta do sentido do vivido, a caracterização da estrutura do vivido e finalmente o estabelecimento de constâncias da estrutura do vivido.

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186 CBCISS As implicações desta opção propõem uma atitude de saber ouvir, sentir com, perceber. Nesta perspectiva de interação a pessoa-cliente revela para a pessoa-assistente social aquilo que tem para ele um significado, o ser vivido, ele consigo mesmo, com outros, e com as coisas. A pessoa-assistente social aprofunda com a pessoa-cliente, questionando sobre os conteúdos revelados, ten­tando clarear e ampliar os horizontes, emergindo sentidos novos. Na existência dialógica desenvolvem-se formas de apro­

ximação de realidades considerando a estrutura de vivido na sua historicidade e na sua cultura.

É através da reflexão que se consegue atingir as expe­riências reais na sua diversidade para conseguir apreender e compreender o horizonte ou o universo no qual o ser se revela, permitindo chegar a um conhecimento novo.

A descoberta de um novo sentido identifica conteúdos que, tomados em conjunto, vão se transformar em pro-jetos. O projeto traduz uma praxis humana que contém uma etapa fundamental da existência humana. Os projetos se manifestam como respostas novas de conhecimento e ação da pessoa frente a si mesma, aos outros e com as coisas. Finalmente, a atitude fenomenológica e as ideias cen­trais que orientam a fenomenologia abrem caminho para o estudo do comportamento do homem. Sua contribuição principal para o Serviço Social está na possibilidade de oferecer uma reflexão sobre os limites da racionalidade e da objetividade que permitam o fazer e o refazer dos métodos e das técnicas na praxis.

Nosso propósito agora, aqui, é pensar o contexto teó­rico fundado na fenomenologia a part ir da abordagem de alguns dos aspectos, "somente alguns", que compõem nossa metodologia.

A investigação diagnóstica O conceito de diagnóstico social que marca a fundação

da perspectiva científica do Serviço Social é questionado por não configurar o seu objetivo de conhecimento como

Teorização do Serv. Social 187 um objeto científico. Diante da evidência o Serviço Social não pretendeu nem pretende mostrar-se incapaz de com­preender aquilo que tenciona explicar. Ao visar seu objeto de estudo, procura, na razão e não-razão, os fundamentos da compreensão em função do material de pesquisa que prepara a explicitação.

Esta pretensão, no tempo, deu possibilidade à criação de modelos entre os quais o "psicossocial", que contribuiu para dar uma estrutura diagnostica à situação-problema como objeto de estudo. E, do mesmo modo, pôr em evi­dência nela os aspectos do vivido numa "avaliação" que envolve a caracterização do ser-em-situação. O que signi­fica a existência da noção-limite dos procedimentos de uma lógica interna de duas filosofias. Hoje a dialética da complementaridade nos leva a revi­sar essa postura fenomenológica inicial. Questionar o tema a part ir da reflexão sobre a possibilidade da ciência, orien­tado pelo reconhecimento de que "o horizonte dos logos científicos é radicalmente diferente do horizonte dos ob-jetos percebidos", como afirma Husserl. Esta tomada de consciência permitiu, aqui, colocar en­tre "parênteses" a estrutura da avaliação-diagnóstico para questioná-la no interior de uma fenomenologia, ou antes, a part ir de suas próprias possibilidades. Neste sentido, fazer aparecer numa "estrutura espa­cial" as dimensões das situações sociais-problema, a partir e dentro das quais se manifestam, em suas tipicidades ou singularidades, é constituir a "avaliação-diagnóstico" num discurso fundado na metodologia da compreensão. Efetivamente, a avaliação-diagnóstico constitui uma estru­tura espacial dentro da qual estão situadas todas as pes­soas enquanto reduzidas ao aspecto que é próprio da condição humana: ser sujeito do social que constrói e que por ele é construído. Assim, cada "avaliação-diagnós­tico" é objetivação de uma situação social enquanto objeto delimitado pelo enfoque da intervenção do Serviço Social. Delimitação que, em certo sentido, é legitimada pela inten­cionalidade mas deformada pela visão parcial da expo­sição de uma situação social-problema como objeto. Isto implica aceitar que o serviço social tem uma ma­neira de visar o homem como ser no mundo e como ser sobre o mundo.

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188 CBCISS A apreensão do homem em suas relações interpessoais

e sociais se faz por uma atitude de abertura que progres­sivamente capta, pelas descrições da "estrutura do vivido", seus significados.

Visa as realidades vividas dentro de uma perspectiva de temporalidade (aqui e agora). Mas como a história dos homens tem um sentido que nos faz questionar que há no tempo mais que o tempo, não se pode supor a realidade da pessoa-cliente sem supor a da comunidade de que faz parte, porque nela há mais do que ela própria. A tentativa de compreensão leva a conhecer a pessoa e suas manifestações sem perder de vista o contexto social em que está inserida e todas as implicações advindas do mesmo. Leva a ver o homem de forma global em suas inter-relações, a distinguir seus atos de conhecimento em seus níveis diversos de conhecimento, conhecimento preen­chido de conteúdo social. A preocupação de compreender a "pessoa em situação"

se aprofunda na medida em que o aproveitamento dos dados revelados pelas descrições se articulam de forma a apreender o "invariante", ou seja, o "núcleo central" da "situação existencial problematizada".

Assim, a estrutura espacial da avaliação-diagnóstico é despnhada no primeiro movimento pela descrição de uma situação social enunciada como problema pela pessoa-cliente. A proposta é captar cada vez mais a realidade mostrada através de uma reflexão onde a situação é ima­nente ao discurso.

A possibilidade de atingir a caracterização da estrutura espacial reside em admitir: — a enunciação constituída pela exposição de uma situação social-problema como o que é dado (fenó­meno) e que lhe dá a primeira direção; — ser o distanciamento, criado pela enunciação, o es­paço entre o assistente social e o cliente, o provo­cador do relacionamento profissional; — ser a intencionalidade o assumir a verdade dessa dis­tância e os objetivos profissionais no sentido de sua realização;

Teorização do Serv. Social 189 — ser o desvelamento do modo de ser — na situação pessoa-assistente social e pessoa-cliente — a objeti-vidade que cria a correlação su jeito-objeto; — ser a objetividade redutiva o horizonte dentro da qual a situação social, ou seja, a enunciação, aparece delimitada pelo enfoque.

• A leitura da descrição da enunciação^ como o momento que provoca o questionamento de seus conteúdos se faz a partir da "redução". A reflexão leva assistente social e cliente, como co-autores, a partir das aparências empí­ricas, a provocarem a ruptura, ou seja, desligarem-se das certezas, do saber constituído. A ruptura como "redução" é a atitude fundamental da metodologia. Provoca uma experiência no fenómeno, isto é, leva ao trabalho de ana­lisar e aprofundar o que esse fenómeno é em si, ou seja, o que significa intrinsecamente. Assim, a situação social-problema se define como o próprio ser do aparecer — e neste mesmo ato redescobri-la no mundo. Num outro nível, é o modo de aparição da situação social na consciências A significação dos fatos como experiência, uma vez que os fenómenos não nos aparecem mas são vividos. Em outras palavras "a signi­ficação dos fatos só se revela em situação", A redução leva então a pessoa-cliente a compreender que o seu pro­blema só tem significado dentro da singularidade da sua situação existencial, ou seja, no modo irredutível de se mostrar. A reflexão crítica parte das colocações percebidas pe­los sujeitos cliente e assistente social, para intencional­mente desenvolver a compreensão dos fenómenos que estão em análise, visando a uma tomada de consciência geradora dos temas de reflexão/Provoca o questionamento da "estrutura-valor" que oferece solo ao saber do assis­tente social e do cliente» a qual os liga de uma forma ao mundo. \Isto implica admitir que na avaliação-diagnóstico o conhecimento é sempre mediatizado por uma pré-com-preensão, ou seja, um consenso que a precede, que está aí Daí (do as) a preocupação com referência ao quadro teórico e ao sistema de valores sócio-culturais (do cl) presentes no interior da interpretação. Com efeito, a-inter­pretação,/ para se concretizar,/tenta desOTíülíar essa "es-

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190 CBCISS trutura-valor" pa ra conhecê-la. Admite a correlação entre o conceito do pré conceito e o da ideologia numa comple­mentaridade dialética. Assim, as condições de inteligibili­dade são procuradas no próprio objeto da investigação-diagnóstico, isto é, na situação social-problema. Afirma-se, então, que a "teoria não deve ser separada da experiên­cia", isto é, do vivido. Que a noção de valor põe-nos diante do problema filosófico.

A tarefa de compreender numa avaliação diagnostica é a de elevar a nível do discurso aquilo que inicialmente se descreveu como estruturado na situação social-proble­ma. O discurso é construído no diálogo assistente social-cliente, onde a descrição e a explicitação mediatizam o compreender. / A situação social-problema não é aquilo que o cliente de uma forma ingénua revela, mas a situação social-pro­blema a part i r da qual deve ser apreendida.

Intervenção social A exigência de satisfação de necessidades básicas ex­pressa pela clientela do serviço social visava diretamente problemas empíricos e envolvia a problemática de distri­buição de riqueza (pobreza>.' Neste sentido a prática as­sistencial apresentava aspectos "marginais" de conheci­mento por se basear unicamente em elementos materiais de uma dada situação. A part i r da operacionalização do diagnóstico social, a intervenção do serviço social passou a articular o conhe­cimento da "estrutura do vivido" como auxílio concreto exigido como resposta às necessidades manifestas. -Nessa perspectiva o "tratamento social", como prática, que carac­terizava a ação interventiva, passou a significar "ajusta­mento" e/ou "adaptação" ao tentar eliminar as disfunções internas e externas de uma dada situação condicionada e prolongada por u m certo equilíbrio. No contexto de uma crítica do tempo presente à inter­venção social,'o serviço social é acusado de estar voltado para a promoção do indivíduo e as exigências do sistema e não no sentido da pessoa-sujeito do social. Admitida como válida a reflexão, a intervenção social, hoje, passou a ser questionada como operacionalização da

Teorização do Serv. Social 191 transformação a part i r e dentro da qual se constituem os projetos de "ação interventiva" visada como capaci­tação socialv-A possibilidade de provocar a capacitação social reside no fato de o serviço social expressar uma forma de acolhimento de um homem para o outro., jA abertura ao outro e consequente engajamento no ser só se dá a part ir do encontro^ Pode-se dizer que cada en­contro é exclusivo, embora guarde uma característica de habilidade, p encontro é sempre um acontecimento ^desta­cado, algo novo, um impacto que obriga o homem á sé revelar. ,

O conhecimento do singular permite a compreensão das estruturas do vivido dentro de uma relação de inter-subjetividade. Cada descoberta é uma singularidade que admite a compreensão do ser enquanto ser, a participação de cada ser como pessoa.

A provocação intencional para o conhecimento do mun­do se dá numa unidade dialética entre ação-reflexão ao desencadear o social .que nela se dá.

Isto implica aceitar o diálogo, não fundamentalmente como instrumento, mas como forma de ação interventiva com relação a uma situação concreta.

-A estrutura espacial da ação interventiva é a descrição da estrutura da transformação operada sotx a forma de capacitação sociaL. é processada como movimento a partir da colocação da pessoa-cliente como co-autor da avaliação-diagnóstico. Nesta perspectiva específica significa capa­citar o cliente a realizar a própria "avaliação-diagnóstico" e compreender o projeto de transformação que está vi­vendo/ Estes dois atos se encontram de tal forma arti­culados que não pode haver um ato de consciência sem transformação provocada pela própria consciência.

O projeto como fenómeno é possibilidade do que se quer e se pode fazer. Como realidade concreta tende sem­pre a transformar uma situação que contém resistências ou desafios e expõe contradições. Dimensiona as catego­rias — vontade, esforço, trabalho, movimento, ação, resis­tência, contra-ação — que manifestam a estrutura mais universal de toda ação humana.

O projeto como ação humana é atividade de pessoa que produz permanentemente nela um sentido^ porque ela pode dar-se conta disso. Projeto ele próprio consti-

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192 CBCISS tutivo do tempo e do espaço vividos. Ato no qual a pessoa chega ao mesmo tempo a uma decisão e a um conheci­mento.

A concepção criadora do projeto provoca a realização sucessiva de uma tomada de consciência do que se sabe, se pode e se deve fazer em um dado assunto. Experiência que provoca a consciência crítica ao se ampliar no tempo histórico, ou seja, no tempo vivido da experiência do nós, aqui-agora. A possibilidade de caracterizar a estrutura espacial da transformação para explicitar por que ação foi concreti­zada reside em admitir: — assistente social e cliente como "pessoas,'.', sujeitos do processo e fonte do sentido; — a capacitação do cliente se dá no dialoga, onde a constituição de um projeto é vivida de forma cria­dora como possibilidade singular de suas próprias existências subjetivas; — a transformação se amplia no tempo histórico,* ou seja, é vivida na estrutura do nós, no aqui-agora de uma comunidade que tem seu espaço e seu tempo por essência transcendentes; — se a realidade se transforma, todo o conjunto do saber, que se define em relação a esse real, trans-forma-se igualmente; — transformar é provocar, pelo movimento de um diá­logo que conduz a uma reflexão sobre uma realidade concreta (situação social-problema):

• a descoberta — da "consciência em si" e de sua " estrutura-valor " ; • a formação — da "consciência crítica" e de sua "articulação", mobilizada e dirigida para uma ver­dadeira atualidade no sentido da responsabilida­de sempre manifesta no comportamento social.

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2.2.1 CONSIDERAÇÕES EM TORNO DOS QUESTIONA­MENTOS LEVANTADOS NO SEMINÁRIO SOBRE O DOCUMENTO DE BASE 2.2: Reflexões sobre a construção do Serviço Social a part ir de uma abor­dagem de compreensão, ou seja, interpretação feno-menológica do estudo científico do Serviço Social.

1. Apresentação Antes de responder às questões levantadas pelo plená­

rio, é significativo para o grupo que elaborou o trabalho informar que ele assumiu a reflexão epistemológica do Serviço Social a part ir da abordagem de compreensão^ Na realização da tarefa, a metodologia de trabalho eleita caracterizou o conhecimento da própria fenomenologia como exigência primeira.^

Nesse sentido, numa primeira etapa, houve a preocupa­ção em pesquisar a bibliografia^ Seguiu-se a seleção de autores e a eleição dos temas — intencionalidade, singu­laridade, reflexão eidética, redução, encontro e diálogo — que delimitaram as reflexões críticas no estudo.^A sín­tese, elaborada a part ir das discussões, gerou no grupo a consciência da possibilidade de integrar as ideias das categorias estudadas à abordagem do Serviço Social .çN.uma segunda etapa,, emergiram os-questionamentos dos funda­mentos do Serviço Social articulados aos conceitos de pessoa e de mundo (indicados por filosofias existenciais) e a análise crítica da metodologia do seu processo de objetivação, ligada à história de suas. práticas,? Na^etapa JBsiaLJ^M redigido o dojmmento, dividido em duas partes: uma introdutória é outra onde se tenta caracterizar, no "quadro da compreensão", a estrutura da teoria do Ser-

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196 CBCISS viço Social configurado pelas categorias da investigação-diagnóstico e da intervenção social. A leitura das questões levantadas no Sumaré resultantes da crítica ao documento provocou novas reflexões e levou o grupo à compreensão da exigência de recolocar as categorias — pessoa, cons­ciência reflexiva, projeto, praxis, totalidade vs. singulari­dade e invariante — de modo a provocar .um conheci­mento que permita percebê-las integradas aos conceitos operativos de Serviço Social. Assim, através da colocação das ideias principais, as questões levantadas pelo plenário vão sendo respondidas.

Será obedecido o seguinte esquema: \Em primeiro lugar, serão colocadas as ideias contidas nas categorias de pessoa e consciência reflexiva. Depois, as ideias das categorias que foram relacionadas com a intervenção (ajuda psicossocial): praxis e projeto. E, em terceiro lugar, as ideias articuladas à verdade (conheci­mento): totalidade vs. singularidade e invariante.

2. As categorias de pessoa e consciência reflexiva /"Qual sentido básico do pensamento existencial está contido na categoria PESSOA?" Primeiro, a afirmação da primazia do sujeito, entendido não na visão de "indivíduo" (dependente das categorias propriamente científicas) mas na de projeto — "ser construindo-se a si mesmo^. .Escla­rece esta ideia de sujeito a compreensão do homem com a capacidade para enfrentar sua própria situação, homem agente de sua própria transformação. Além disso, a ideia de pessoa não se limita apenas à dimensão de "ser em si", sujeito singular, mas "ser situado", sujeito histórico. "Nessa perspectiva, pode-se dizer que a pessoa que está conosco numa "situação de trabalho" é o "ser indo"/Insis­timos dizer: sujeito que assume sua historicidade na me­dida em que pratica sua liberdade. Assim, o ato de cons­ciência como o ato próprio do sujeito caracteriza, para o grupo, a especificidade da categoria — pessoa., ,A ideia de pessoa nas duas categorias profissionais sujeito-cliente e sujeito-assistente social — introduz-nos na própria compreensão da exigência da inter sub jetivi-dade (o fato de ser-comtf Neste sentido, o trabalho do Serviço Social supõe-se ser realizado através do encontro

Teorização do Serv. Social 197 entre sujeitos (assistente social e cliente), onde o diálogo é motivado pela possibilidade de ser assumida a ideia de uma postura de "comunhão". Além disso, a ideia de consciência como forma de existir do homem como sujeito permite-nos admitir a problemática da atividade cognitiva na dimensão humana, ou seja, vinculada aos pólos afetivo e da ação (prática). E m resposta à pergunta — "como caracterizar a cons­ciência como reflexiva?", pode-ge dizer que na dinâmica da compreensão há um esforço inicial de reflexão sobre uma situação concreta,, o "vivido'V que é percebido no "aqui .e agora' '. Existe sempre uma situação não dada, mas vivida, que é pensada, ou seja, captada por uma reflexão intuitiva. Nesse sentido, na dinâmica do diálogo (no processo de serviço social), pensar e refletir (na acep­ção compreensiva e concreta) de uma ação, não é exclu­sivamente um ato reflexo nem u m ato contemplativo, mas comunicação entre consciências. / Nela acontece a cons­ciência reflexiva como categoria fundamental na medida em que a pessoa situada e datada pensa e repensa algo que, captado por intuição, passou a tematizar como pro­cedimento operatório inicial, em busca da compreensão.

3. As categorias de praxis e projeto O grupo admite a PRAXLS como atividade humana,. Mas quer sublinhar que admite não existir nada humano, quer no indivíduo quer na sociedade, sem retorno sobre "si mesmo". Daí porque não a concebe, apenas, como uma transformação do objeto, da natureza, mas como uma transformação do próprio sujeito. Esse retorno sobre "si mesmo" implica uma reflexão que possibilita ao sujeito (assistente social ou cliente) estar presente no que faz e no que ó. O pensamento fenomenológico — mais espe­cialmente em Husserl — permite encontrar como corre­latas ação e reflexão; apesar de distintas, uma é consi­derada na outra, onde o homem será visto como pessoa que se exprime e se comunica através da cultura por ele criad». A reflexão visa dar significação as próprias ações. Porque humana, a praxis supõe uma ação de reci­procidade, isto é, de diálogo, que é uma forma de enri­quecimento da própria ação, não apenas participada, mas

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198 CBCISS falada por muitos. Quando a praxis expressa por exigência uma ação sobre outrem, neste sentido se contrapõe a uma mera ação de produção. A produção aplica-se a uma natu­reza material, a um aquilo, a terceira pessoa que implica a ação de transformação sem reciprocidade. Ao discutir praxis em Serviço Social, acreditamos que a ideia de reci­procidade, caracterizando a categoria "diálogo", é a exi­gência primeira que se coloca diante de .nds , por confi­gurar o pensamento fenomenológico no sentido que opera o conhecimento em ação (movimento) no ser (por estar na origem de toda experiência possível).

Numa ati tude fenomenológica onde a visão existencial de pessoa integra a ideia de "ser indo", a problemática profissional é formulada a part ir de u m "agora", carac­terizado como "tempo para a ciência", ou seja, uma situa­ção que se reduz a uma objetivação na busca de uma inte­ligibilidade maior. Esse "agora" funda-se sobre o vivido, isto é, refere-se a "algo existente" para uma individuali­dade, como o "próprio ser do aparecer". Na relação profissional assistente social-cliente a ideia de situação caracteriza um "agora" constituído por uma situação social particular (uma concreção), objetivada (colocada frente aos sujeitos), problematizada (sentido e significação), em busca de maior compreensão. O termo PBOJETO (ser indo) indica nessa relação o caminhar junto do assistente social-cliente (como sujei­tos) na experiência da descoberta do "fenómeno". Ë um procedimento que supõe, a partir de um esforço de refle­xão sobre os conteúdos de consciência, uma atividade cognitiva e critica não desvinculada das dimensões de afe-tividade e da prática (ação). A pretensão é desenvolver o "projeto", ou seja, o "ir-sendo", numa experiência onde a comunicação caracteriza o movimento da intersubjeti-vidade como formas de participação ao oferecer possibili­dade no diálogo da compreensão, renovação e transfor­mação da "situação visada". Nela a objetividade dialética ou fenomenológica envolve a problematização que tem sentido para as consciências (assistente social e cliente), u m significado definido por um valor cujo conhecimento é direção para o mundo dos homens, ou seja, para um produto de trabalho cujas transformações fundam novas significações.

Teorização do Serv. Social 199 Esta experiência, assim' caracterizada, configura o pro­cesso de serviço social, ou seja, a ajuda psicossocial pou­sada como a "teoria da intervenção social". A compreensão da categoria "intervenção social" na dimensão psicossocial é tradicionalmente caracterizada pelos seus conteúdos constituídos a part ir de um saber científico: psicanalítico, psicológico e sociológico. Os con­ceitos do seu quadro de referência sempre estiveram amea­çados por não se encontrar na sua construção, num nível de linguagem discursiva, a caracterização dos objetos cien­tíficos. Na perspectiva de técnica, o serviço social impôs a si u m v dependência de pensar as problemáticas reais dentro dos quadros de referência positiva e funcionalista sem a exigência crítica de uma epistemòlogia^Essas colo­cações indicam a intenção de comunicar a que se refere a reflexão epistemológica assumida pelo grupo, a part ir da qual foi tentada a estruturação da teoria de "inter­venção social" na abordagem de compreensão. Aos questionamentos levantados no plenário, sobre "co­mo sair da perspectiva sociológica", a resposta se encontra na distinção de perspectiva em relação ao modo de apreen­der e descrever o fenómeno que se tenta compreender, e não em abandonar o conhecimento sociológico, que dá conteúdo ao nosso saber.

\No documento está clara a eleição do tema "o social" como "horizonte'4 Sua problematização vinculada às cate­gorias da prática permitiu o estudo na perspectiva feno-menológica.\Horizonte compreendido como a totalidade onde se configura a dimensão humana, ou seja, a história do homem mediatizada pelo mundo/ Quanto às interrogações colocadas no plenário sobre — "como é que a comunhão poderá se dar se os compo­nentes da dupla assistente social-cliente fazem par te de grupos diferentes e o problema é do interesse do cliente"

— a resposta parece estar na compreensão do sentido dado ao "mundo dos homens". Quanto à pré-compreensão do assistente social a uma possível atitude de dominação sobre o cliente, cumpre responder que a compreensão no diálogo assistente social-cliente não deriva exclusivamente da pré-compreensão do assistente social, mas se funda na reflexão de ambos a part i r do "mostrar-se" da situação-problema como feno-

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200 CBCISS meno. A pré-compreensão tanto do assistente social co­mo dó cliente são condições de possibilidade da compreen­são que dá abertura ao sen t ido /

Assim, fica clara a resposta à pergunta colocada quanto à "alternativa para evitar a dominação configurada pelo saber do assistente social". Ela se constitui no próprio diálogo onde as situações objetivadas abrangem aspectos parciais da realidade que são apreendidos e compreendi­dos sob ângulos variados ao integrar o "conhecimento em espiral" na qual os elementos não se contradizem um ao outro mas dialeticamente se completam,. Respondendo ainda à pergunta sobre a dominação, a part i r do trabalho em instituições, diríamos que a questão, como foi colocada, simplifica muito a problemática. Há uma realidade histórica que a configura (um p*assado) que precisa ser abordada para questionar o sentido em que se pensa hoje uma superação da relação assistente social e instituição. Se a supressão ou a superação dessa opo­sição for entendida como dualidade de ideologias (práticas políticas), enquanto conteúdo de programações, não é pos­sível suprimir de todo essa dualidade. Se o pensamento moderno é dialético, responderíamos que, na postura feno-menológica, o fenómeno é apreendido, questionado e com­preendido sob uma pluralidade de sentidos. Nessa pers­pectiva o diálogo exclui os a priori colocados na pré-com­preensão, que limitam a objetividade datada e situada, ao provocar a abertura para o sentido que nos é indicado, ou seja, que emerge num "agora" através da intersubjeti-vidade definida pela capacidade dos sujeitos apreenderem as instituições como organismos cujas ideologias passam a questionar.

4. Totalidade vs. singularidade e invariante As categorias totalidade e singularidade aparecem como elementos numa relação de recíproco e biunívoco condi­cionamento na estrutura de mediação própria da com­preensão. Essa concepção permite responder à questão colocada: "Até que pon to a construção da teoria do Serviço So­

cial, a part ir do método fenomenológico, permitirá a apreensão da totalidade, desde que se baseia em singula-

Teorização do Serv. Social ridade — a part i r do conceito dialético de complementa­ridade que desvela as aparências da exclusão?" Nesse sentido, na colocação dos termos — totalidade e singula­ridade — há, à primeira vista, uma exclusão recíproca. Numa reflexão, mais apjrofunjj&da, afirmam-se um em fun-Ção do outro Não podem, na verdade, ser isolados ~úm do outro. Sjío elementos que, integrados, permitem a compreensão da atividade humana, ou seja, o mundo dos homens, Nesse sentido, para nós, assistentes sociais, na investi­gação diagnostica, nossa intenção se dirige para u m acon­tecimento singular, a "situação-problema", apreendida em sua totalidade (no movimento do ser-indo no mundo) e significativa em sua singularidade, que revela a dimensão do problema das relações entre a pessoa (sujeito cognos-cente) e o mundo. Mundo considerado não apenas a tota­lidade de suas possibilidades de ser (horizonte interno), mas a totalidade "de objetos com o horizonte aberto no espaço e tempo. A situação-problema (como singularida­de) só tem significado quando integrada à dinâmica do projeto "ser-indo" do cliente no mundjt». Esta concretude é uma totalidade quando a situação-problema revela sua essência, sua verdade, não apenas articulada a u m "eu" mas a uma comunidade (a um nós), jEm outras palavras, a totalidade configura as histórias individuais na história humana.

Estamos agora diante do conteúdo de uma outra per­gunta — o que se entendeu por invariante? O te rmo inva­riante, na fenomenologia, define "essência", ou seja, um sentido identificado num "mostrar-se" de u m fenómeno. Elemento sem o qual o próprio fenómeno desaparece. Como ponto de partida para a compreensão do inva-~ riante, que se fazia necessário, o grupo elegeu o "social", como já foi dito, que define o espaço da problematização em Serviço Social. E neste espaço foi colocada a pergunta: Como a apreensão de sentido em cada diagnóstico social fundado sobre uma significação como conteúdo da com­preensão de uma singularidade pode caracterizar a plura­lidade de sentidos que abrange o "social"? E m outras palavras, refletindo sobre o social em cada singularidade onde se "mostra" como fenómeno, podemos chegar nessa pluralidade ao invariante? Sabemos que na intervenção

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202 CBCISS social, como uma ação prática, a função do diagnóstico social limita o "sentido" do social a um enunciado parti­cular. Mas o "sentido do social" no mundo não se limita ao que é objetivado num diagnóstico. Mas se a com­preensão do particular supõe a pré-compreensão do todo, dentro do qual ele deve ser entendido, e, ainda, se a compreensão do todo se forma da compreensão dos mo­mentos particulares que se estruturam na totalidade, na estrutura da compreensão é questionada não apenas a constância dos fenómenos mas o invariante, ou seja, a essência. Na discussão do problema o grupo teria contri­buído com alguma coisa? .Nossa resposta é de que a compreensão do termo "invariante" possibilitou ao grupo a atitude de que a questão do invariante não existia como preocupação do Serviço Social. Até agora, presos aos padrões positivistas, procurávamos determinar o "objeto" e não o invariante. Por exemplo: o fenómeno pobreza até que ponto foi desvelado pelo Serviço Social? Considera­mos que o fenómeno ainda não foi estudado intencional­mente na perspectiva do Serviço Social. Apenas reduzimos o conceito sociológico.

Pelas perguntas colocadas no plenário, concluiu b grupo que há uma preocupação com a realidade brasileira, ou seja, os fenómenos que se mostram em nosso horizonte precisam ser tematizados. O grupo n ã o ^ r e t e n d e ..questio­nar p objeto de Serviço Social, mas estabelecer uma meto­dologia que possa desvelar o invariante. Tal metodologia expressará as ideias dás categorias aqui colocadas. O ques­tionamento básico terá a intenção de estudar o significado do social para o Serviço Social, como pré-compreensão que dá direito ao desenvolvimento do processo de com­preensão. Ao admitirmos que os significados do social vão caracterizar o conteúdo de nossa praxis, pensamos ser possível descobrir categorias da estrutura do vivido que tenham significado para a clientela, hoje.^Assim, se pela praxis o mundo ganha uma significação humana, é preciso que assistente social e cliente comuniquem os significados e os questionem, no sentido da comunidade pela mediação, ou seja, o assistente social não pode supor sua própria realidade sem supor pelo mesmo ato a dos seus clientes e a do mundo.

Teorização do Serv. Social 203

q u e vai ^ J ^ ^ ^ t SoSfonológica S ? 3 ? . £ 3 £ £ . i S T o que nao tem significação mas o aue não tem sentido.

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.3 Roteiro de reflexão

FENOMENOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL Proposições a serem discutidas peles grupos

Décio da Silva Barros J. Luiz G. Paixão Jocelyne Louise Chamuzeau José Pinheiro Cortez Mário da Costa Barbosa Maria Lúcia Martinelli Vicentina Velasco (Coordenadora) (São Paulo)

. Considerando a fenomenologia "uma" filosofia e não "a" filosofia, questiona-se se essa visão filosófica pode embasar a praxis do Serviço Social. (desdobramento) 1.1 Aceitas as preliminares

a) multiplicidade das visões filosóficas; b) as relações de embasamento que a filosofia

tem em relação às ciências do agir entre as quais se situa o Serviço Social; c) a possibilidade de que diferentes visões filo­sóficas podem servir de base ao Serviço So­cial;

1.2 Quais as implicações da fundamentação fenome-nológica para o Serviço Social?

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206 CBCtSS 2. Compreendendo-se o método fenomenológico como um método filosófico, pode ele ser convertido a uma ciên­cia do intervir e portanto utilizado pelo Serviço Social?

(desdobramento) 2.1 O método fenomenológico:

a) não explicando mediante leis, nem deduzindo a par t i r de princípios; b) não sendo nem dedutivo, nem empírico; c) mas se apresentando como um método des­critivo que ao descrever constitui a realidade;

Que implicações acarretaria para o Serviço Social?

O SERVIÇO SOCIAL E A DIALÊTICA

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3.1 Conferência

CONSIDERAÇÕES SOBRE O PENSAMENTO DIALÉTICO EM NOSSOS DIAS Creusa Capalbo

1. Breve histórico A dialética foi definida inicialmente como a arte do diálogo e da discussão. Nos diálogos de Platão, no Crótilo principalmente, a dialética apareceu como a arte de re­montar dos conceitos aos seus princípios que são as Ideias. E m Aristóteles, a dialética se define como o setor dos raciocínios que se fazem em relação às opiniões prováveis. Ele opõe dialética à analítica. Esta tem por objeto a demonstração, isto é, a dedução a part i r das premissas verdadeiras. Aquela tem por objeto os raciocínios que partem de premissas prováveis. Na Idade Média, a dialética vai aparecer como disci­plina do "Trivium", juntamente com a gramática e a retórica. Ela é, então, compreendida como o ramo de estudos da lógica formal. Na crítica da Razão Pura de Kant, a dialética é definida como a lógica da aparência. Mas, agora, ele a comple­menta com a crítica, ou seja, não basta mostrar como funciona a lógica da aparência, mas é preciso fazer o estudo crítico desta ilusão para reencontrar a verdade. A dialética é a lógica da aparência do ponto de vista empírico, do ponto de vista dos raciocínios sofísticos e do ponto de vista da razão quando esta quer ultrapassar

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210 CBCISS os seus limites quanto às condições de possibilidade do conhecimento científico, e quer aplicar o tipo de raciocínio científico a objetos não-científicos como a existência da alma, a existência do mundo e a existência de Deus.

É com Hegel que se abre, para o pensamento dialético, uma nova perspectiva. O movimento dialético consiste em reconhecer os contraditórios e em descobrir o princípio de sua ultrapassagem numa categoria superior. A trilogia tese, antítese, síntese, caracteriza este movimento dialé­tico do Espírito, em suas figuras do Espírito Subjetivo, Espírito Objetivo e Espírito Absoluto. Para o materialismo dialético de Marx e Engels, a dia-lética se apresenta como uma teoria geral do mundo. A matéria em movimento e evolução sucessiva faz com que a quantidade vá se transformando sucessivamente, e num dado momento vêem-se emergir qualidades novas. A rea­lidade primeira é a matéria, a natureza, o ser material. Ela é fonte de sensações e representações. Por isto, para Engels, a consciência é derivada da matéria, ela é reflexa. Diz ele que o pensamento é produto das condições mate­riais do cérebro.1 Maurice Merleau-Ponty, em seu livro Resumes de Cours, mostra que o pensamento dialético pode ser classificado em três grandes grupos: como "pensamento das contra­dições", como "pensamento subjetivo" e como "pensa­mento circular".2 Esclareçamos estas definições. Por pensamento das contradições entende-se, em pri­meiro lugar, o pensamento que exclui totalmente o seu oposto. Aqui não há ultrapassagem no sentido hegeliano. Só há exclusão de um dos pares. Se eu afirmo, por exem­plo, do ponto de vista lógico, que "tudo é azul" (a 1) e que "nada é azui" (a 2), a afirmação (a 1) exclui a afir­mação (a 2), ou, ao contrário, se afirmo (a 2) terei que excluir (a 1). As contradições podem ser de outro tipo ou obedecer a outro modelo lógico. Assim, a contradição entre o posi­tivo e o negativo deve poder se aplicar em relação ao 1 LALANDE, André. Vocabulaire technique et critique de la philoso-

phie. 9.* ed. Paris. Presses Universitaires de France, 1962. 1.323 ps. 2 MERLEAU-PONTY, M. Resumes de cours. Paris, Gallimard, 1968.

p. 78.

Teorização do Serv. Social 211 próprio negativo, ultrapassando-o. Ë a contradição hege-liana. Graficamente podemos exemplificar da seguinte ma­neira:

(a) ( + ) positivo ( — ) negativo (b) ( + ) + ( — ) = — trata-se de negação (c) — ( —) = + praticando a negação da nega­

ção obtém-se um positivo novo diferente do momento (a) .

Em Hegel este movimento dialético é infinito. A noção hegeliana de "negação da negação" como for ma de contradição operante permite ultrapassar a negação. É este movimento que caracteriza o pensamento dialético como um "trabalho do negativo" que não se realiza pela exclusão do positivo, mas que vai além dele, ultrapassan­do-o. Ë este movimento de ultrapassagem que Merleau-Ponty diz aproximar-se da moderna noção de transcen­dência. A dialética como pensamento subjetivo é entendida à luz da filosofia existencialista de Kierkegaard e da filo­sofia existencial de Heidegger. Diz Merleau-Ponty que ela faz "aparecer o ser diante de alguém, como resposta a uma indagação".8 Isto implica que só podemos pensar um objeto existente se ele for objeto para alguém, e, ainda, que o "próprio sujeito deve aparecer em seu ser sujeito como sujeito para alguém". Torna-se, assim, necessária a revisão das noções de sujeito e objeto, pois ambos devem aparecer em seu ser para um sujeito consciente. A dialética como pensamento circular é o que carac­

teriza a própria posição da fenomenologia segundo Mer­leau-Ponty. Ela se reporta à ideia de Heráclito da exis­tência como tensão entre os contrários: só há o frio por­que há o quente, só há o doce porque há o amargo, etc. Ou ainda, diz Heráclito, a lira só toca seus sons afinados porque as suas cordas estão estendidas entre os dois ex­tremos; se um dos extremos for puxado com excesso a corda se parte e não há melodia. Assim é a vida: esta tensão entre os extremos. O pensamento fenomenológico

3 Ibid., p. 80.

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212 CBCISS de Merleau-Ponty é dialético, pois não quer sacrificar o irrefletido nem a reflexão; ele quer mantê-los em coexis­tência ou em tensão existencial. Esse pensamento circular não é repetitivo, ou, como diz o próprio Merleau-Ponty: "o pensamento dialético não é aquele pensamento que faz a volta ao círculo e não encontra nada mais de novo para pensar".4

Vimos que foi com Hegel que a dialética passou a ser entendida como "uma experiência do pensamento pelo qual este aprende algo, embora isto que ele aprende já esteja aí "em si", antes dele, e que o pensamento seja a passagem do "ser em si ao ser para s i" ou ao ser para a consciência.6 Hegel entendia o movimento da dialética como um movimento do discurso que alcança progressi­vamente a verdade. Este progresso não é contínuo. Ele se dá por meio de crises ou conflitos superados a cada passo. Essas crises são uma mediação necessária para que se dê a ultrapassagem. Assim, as duplas antagónicas de ex­terior-interior, ser-aparecer, são reconciliadas pois são ter­mos que se implicam e se suportam mutuamente. Para a fenomenologia o pensamento dialético pode ser

entendido como pertencente à estrutura do ser humano, em sua existência concreta, quer sob a forma de relação subjetiva, quer sob a forma de tensão existencial dos con­trários. 2. A dialética no pensamento marxista: algumas obser­

vações gerais Para Marx, as infra-estruturas determinam as superes­t ruturas . Por infra-estrutura se entendem as forças produ­tivas e as relações sociais no trabalho, correspondentes a estas forças produtivas. Por superestrutura se entendem as formas sociais da consciência — as instituições, as ideo­logias jurídicas, sociais, políticas, religiosas, etc. Escreve Marx: "O modo de produção da vida material condiciona o processo de existência social, política e espi­ritual de seu conjunto. Não é a consciência dos homens

* Ibid., p. 81. » Ibid., p. 81.

Teorização do Serv. Social 213 que determina o seu ser, mas o ser social que determina sua consciência."6 Assim, o chamado "sujeito consciente" nada mais é do que resultante das infra-estruturas, depen­dendo, em última instância, do modo de produção em que estiver inserido.

Lê-se, ainda, nas "Teses sobre Peuerbach", que "é na prática que o homem pode demonstrar a verdade". Essa prática se refere às forças de produção e às relações sociais daí decorrentes. Diz Marx que no sistema capitalista a relação entre o capitalista e o assalariado é do tipo mercantil. O assala­riado (o "servo" da dialética hegeliana) pelo contrato de trabalho se põe a serviço e sob a dependência do "senhor". O trabalhador produz mas não tem a propriedade de seu produto. O trabalhador só possui sua força pessoal — a força de trabalho. O senhor possui os instrumentos e a matéria para o trabalho — meios de produção. Dá-se a separação radical entre o trabalhador e os meios de pro­dução, no sistema capitalista. E para fazer crescer o ca­pital o capitalista recorre à "mais valia". E m suma, Marx mostra que o sistema capitalista se divide em duas classes. A classe dominante, que no século XIX era representada pela burguesia e pelos grandes pro­prietários de terra; a classe dominada, formada pelos tra­balhadores assalariados. O movimento da história se faz pela luta entre as classes e pela revolução do proletariado que virá instaurar uma sociedade sem classes. O Estado, na tradição marxista, desempenha o papel de aparelho repressivo: é a força de execução e de inter­venção repressiva em favor das classes dominantes. Daí a crítica ao Estado e a promulgação do advento de uma sociedade sem classes e sem Estado. Gramsci, comentando Marx e Lenine, dirá que o Estado não é só aparelho de Estado. Ele compreende também as instituições da sociedade civil: Igreja, escolas, sindi­catos.7 E para ele o fator principal da história está nesta sociedade de homens, nesta sociedade civil, que é capaz de formar a vontade social coletiva.

6 MARX, K. Critiques de l'économie politique. Paris. Ed. Sociales, p. 13. 7 GRAMSCI, Antonio. Oeuvres choisies. Paris. Ed. Sociales, ps. 290-5.

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214 CBCISS Para Gramsci, o intelectual exerce uma função num dado sistema. Ele distingue o intelectual no conjunto do sistema de relações, no qual a atividade intelectual se situa face ao contexto geral das relações sociais. Assim, não há apenas o intelectual burguês de que falara Marx. Há os intelectuais orgânicos que são criados por um sistema para assegurar a coesão do próprio sistema e a ideologia do sistema ou da classe dominante. No processo histórico que se faz em favor do Marxismo, o que se precisa é de u m novo tipo de intelectual, que seja advindo das cama­das populares e que seja capaz de realizar uma pedagogia da massa ou pedagogia revolucionária. A organização da massa é necessária para que se forme a Hegemonia e o Bloco Histórico. Pela Hegemonia se dá o movimento dia-lético da história enquanto vontade social coletiva. Pelo Bloco Histórico se dá o desenvolvimento histórico pelo processo de conscientização, que consiste na passagem do económico e da ideologia correspondente para o ético-político (passagem do reino da necessidade para o reino da liberdade). Mais recentemente, Althusser dirá que não basta dis­

tinguir entre poder político do Estado e aparelho do Es­tado. É preciso reconhecer os aparelhos ideológicos do Estado.

Por Aparelho do Estado ele entende o aparelho repres­sivo do Estado onde reina a violência. São Aparelhos de Estado: o governo, a administração, as forças armadas, a polícia, os tribunais e as prisões.

Ele define Aparelho Ideológico do Estado como "um certo número de realidades que se apresentam ao obser­vador imediato sob a forma de instituições distintas e especializadas".8 São aparelhos ideológicos do Estado (AIE) as seguintes instituições:

— AIE religioso (sistema das diferentes Igrejas). — AIE escolar (sistema das diferentes escolas públicas

e privadas). — AIE familiar. — AIE jurídico.

8 ALTHUSSER, L. Les appareils idéologiques de l'État. Revue la Pen­sée, jun. 1970, ps. 2041.

Teorização do Serv. Social 215 — AIE politico (sistema político, partidos). — AIE sindical. — AIE de informação (imprensa, rádio e televisão). — AIE cultural (literatura, esporte, belas-artes, etc.). O Aparelho Repressivo do Estado funciona sob a vio­lência repressiva, que pode ser violência física ou simbó­lica. O Aparelho Ideológico do Estado funciona pela ideo­logia e pelos valores; eles traçam as sanções, as seleções as exclusões, etc. Segundo Al^usser , no estado atual do capitalismo, o Aparelho Ideológico do Estado dominante é o escolar. No século XIX eram dominantes a igreja e a família. No século XX são a escola e a família. Este esquema, aqui apresentado de modo sumário, foi desenvolvido e aplicado pelos franceses G. Synders, Bau-delot, Establet, Christine Gluskmann, Bourdieu-Passeron. No Brasil, com algumas variantes, por B. Preitag, M. Trag-tenberg, M. Godotti, M. Berger, dentre muitos outros. O esquema proposto como roteiro de reflexão sobre "Dialé-tica e Serviço Social" pelo Grupo de São Paulo aí também se inscreve. Althusser escreve que "o Aparelho Ideológico do Estado desempenha um papel determinante, na reprodução das relações de produção, de um modo de produção ameaçado na sua existência pela luta de classes mundial".9 Assim, é possível se utilizar o esquema de análise abaixo, pro­curando verificar qual a ideologia do papel que se desem­penha na sociedade: a) papel de explorado (desenvolvimento de certos va­lores tais como ter consciência profissional, moral, cívica, nacional, apolítica, etc.); b) papel de agentes da exploração (saber comandar e falar aos trabalhadores, saber ter relações hu­manas) ; c) papel de agentes da repressão (saber comandar e se fazer obedecer sem discutir, saber manejar a retórica dos dirigentes políticos);

» Ibid., ps. 20-1.

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216 CBCISS d) papel de profissionais da ideologia (saber t ra tar

as consciências com respeito ou com desprezo, por meio de chantagem ou demagogicamente, fazendo com que as pessoas se acomodem à moral vigente, queiram ser virtuosas ou aceitem os ditames da Nação, da Igreja, etc.).10

Althusser explica que a ideologia só é possível pelos sujeitos — a ideologia interpela os sujeitos e estes res­pondem a ela. Por sujeito não se deve entender o indi­víduo concreto, mas sim a sua determinação de classe social. Diz Althusser que é a categoria de sujeito que nos faz pensar que somos sujeitos livres, morais e portadores de significação. Estas qualidades do sujeito são tidas por evidências elementares que facilmente se pode reconhecer. O indivíduo passa a sujeito pela interpelação: e s t e ^ ó papel da ideologia.11

Não pretendemos nesta exposição esgotar o assunto pela abordagem de todos os temas e dos principais autores marxistas atuais. Quisemos apenas esclarecer alguns pon­tos que aparecem de modo aplicado, na literatura brasi­leira atual sobre a realidade social brasileira. Julgamos oportuno, antes de concluir, alertar para questões que nos parecem relevantes e insuficientes na maneira pela qual elas são tratadas pelos marxistas. São questões rela­tivas à natureza da consciência, à consciência de classe, ao lugar do socialismo como fase intermediária para a abolição do Estado, ao esquema rígido de classe dominante e classe dominada, etc. Seria útil relembrar, finalmente, que muitas destas análises podem ser feitas, e com o mesmo referencial teórico, em relação as sociedades comu­nistas contemporâneas. Aliás este tipo de crítica já foi feito pelos próprios adeptos do comunismo europeu, conforme se pode 1er no número especial da revista francesa Dialec­tiques, dedicado inteiramente à crítica de Althusser.18

w Ibid., ps. 20-41. « Ibid., ps. 29-31. 12 Revista Dialectiques, ns. 15-16.

3.2 Documento de base

SERVIÇO SOCIAL E CULTURA UMA ALTERNATIVA PARA DISCUSSÃO DAS RELAÇÕES

ASSISTENTE SOCIAL-CLIENTELA Ana Luiza de Lyra Vaz Celina Magalhães Ellery Dulce Malheiros Araujo Maria Aparecida Barbosa Marques Maria Durvalina Fernandes Bastos Maria Elvira Rocha de Sá Maria Luiza Testa Tambellini Marisa Alves de O. Senna (Coordenadora) Regina Marconi Franco (Rio de Janeiro)

Apresentação Nosso estudo prende-se à abordagem de um tema que

não havia sido proposto formalmente pelo CBCISS. Re­presenta uma tentativa de lançar à discussão proposições que possibilitem a reflexão sobre a teoria e a prática que o Serviço Social tsm desenvolvido no atual momento bra­sileiro. Buscaremos analisar as vinculações da ação do assistente social com o contexto social, político, económico e cultural em que se insere e que se estendem além do âmbito institucional, detendo-nos especialmente no enfo­que de cultura, abrangendo dois ângulos de questionamen­to, intimamente relacionados:

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218 CBCISS * A questão da dominação cultural, visualizada não só em termos de uma aplicação de conhecimentos teórico-práticos vindos do exterior para nosso Pais, mas também com referência aos riscos de uma dominação cultural que venha a ser exercida pelo assistente social em suas relações com a clientela;* * A questão da critica da dominação, no que se refere

a uma postura do Serviço Social como crítico da realidade e face à cultura da clientela.

A questão da dominação cultural e a crítica da dominação — Alguns aspectos

As relações do Serviço Social com a clientela e a socie­dade serão questionadas a part i r do enfoque de cultura, entendida como a totalidade das manifestações vitais que caracterizam os grupos sociais. A prática do Serviço So­cial, voltada para o homem em seu projeto histórico, deve part ir do reconhecimento e posicionamento frente às ma­nifestações culturais que expressam a realidade histórica de u m grupo ou sociedade. Consideramos a concepção de homem como ser que está no mundo, como ser eminen­temente interferidor na construção da história. A cultura não é pensada abstratamente, mas situada, pois as culturas crescem e se desenvolvem a part i r de um princípio que articula e torna coerente as suas mani­festações, ou seja: a existência de uma crença básica, de uma visão ou sentimento do mundo que, aliada às deter­minações históricas, penetra a atmosfera cultural de um determinado grupo social, imprimindo-lhe peculiaridades que a tornam diferente da cultura de outros grupos sociais. Consideramos que as relações do assistente social com a clientela podem ser entendidas como o processo de comunicação das representações e manifestações das cul­turas desses dois pólos. O assistente social, portador de esquemas de pensamento da cultura na qual foi formado social e profissionalmente, tende a legitimá-la, reforçado pela realidade da instituição à qual está vinculado. O clien-

* Clientela aqui entendida numa acepção ampla, isto é, abrangendo não só a população ora incluída nos programas de Serviço Social.

Teorização do Sero. Social 219 te, dependendo do seu grupo social, apresenta concepções e interesses que podem diferir da cultura do assistente social. A ocorrência de violência cultural é, então, temida nessa relação, porquanto o assistente social, na perspec­tiva da função que exerce na sociedade, representa e re­força a legitimação de sua cultura, acrescentando sua própria força a um campo de relações de forças.

Propomos, por conseguinte, reflexões acerca de como se processam as relações do assistente social com a clien­tela, supondo-se que as suas concepções de mundo podem ser diferentes, na medida em que pertencem a grupos sociais distintos. Considerando que a cultura é produzida tanto pelas camadas analfabetas como pelas alfabetizadas e pelas elites intelectuais, sendo portanto u m produto confuso e contraditório, indagamos até que ponto o assis­tente social tem reconhecido essa realidade e a diferen­ciação entre suas concepções e as da clientela, avaliando criticamente o nível de interferência destas na sua prática profissional. Perguntamos também sobre qual é a con­cepção de mundo do assistente social: a que é afirmada como fato intelectual (transmitida como conhecimento, valores e métodos) ou a que é afirmada na prática real de cada um? A violência cultural pode se agravar, na medida em que nossa produção teórica é ainda precária, ocorrendo adap­tação ou aplicação direta de modelos construídos com base em e para outras realidades, significando um descom-promisso histórico, político e cultural. Esse fenómeno estende-se a toda intelectualidade brasileira, pois, segundo Carlos Guilherme Mota,1 ao t ratar da ideologia da cultura brasileira, na Universidade — que se constitui num centro privilegiado de produção cultural — as Ciências Sociais foram construídas a part ir de fundamentos franceses e americanos, arriscando-se a uma orientação positivista e funcionalista de caráter asséptico e cientificamente neutro (grifo nosso), dado o alheamento a uma prática popular. Sabemos que condicionamentos históricos impedem ou limitam a elaboração livre do intelectual, mas o esforço de construção cultural é precisamente um esforço de ten-

1 MOTA. Carlos Guilherme. A Ideologia da Cultura Brasileira. (1933-1974). São Paulo, Ed. Ática, 1977.

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220 CBCISS tativa de libertação desses condicionamentos. Senão, como compreender o homem em sua dimensão de sujeito da história?

A existência de esforços de construção de um marco teórico, pautado numa realidade sócio-político-econômico-cultural, próxima e concreta (América Latina), já repre­senta uma tentativa de produção mais comprometida com essa realidade. O Brasil, mesmo integrando .esse bloco de países latino-americanos, apresenta características que lhe são peculiares, devendo procurar, portanto, seus pró­prios caminhos. Propomos assim a seguinte reflexão: Co­mo poderá o assistente social brasileiro intervir a par t i r de u m saber que não é fruto de sua realidade, embora se considere que no processo de produção de conhecimentos não se possa desconhecer a existência de conhecimentos acumulados em outros contextos? Como poderá o assis­tente social buscar um saber comprometido e inserido na realidade brasileira, com a preocupação de contribuir para a transformação dessa realidade, à base de uma verdadeira compreensão de seu processo? Há um consenso, entre os profissionais, de que o currí­culo de Serviço Social se encontra defasado a nível da realidade nacional. Indagamos, então, até que ponto não estaria a formação profissional na dependência da inicia­tiva particular de professores mais preocupados com essa realidade, que encaminham a leitura e análise crítica da produção teórica, buscando fundamentos na história re­cente e nas questões sociais do país. A tendência já constatada, em Serviço Social, de trata­mento uniformizado da realidade não só escamoteia as diferenças regionais e enseja discussões sobre eficácia e produtividade técnicas, como pode se constituir na impos­sibilidade de uma prática que problematize a própria re­lação entre o profissional e sua clientela num nível con­creto de uma dada realidade. Sugerimos que se reflita sobre a existência de uma preocupação em pensar o Brasil como uma realidade própria, como projeto, assumindo-a como efetivamente é. A cultura da profissão leva em con­sideração as características da formação social e regional do país? Enfim, se há pertinência nas afirmações e questiona­

mentos até então levantados, podemos lançar algumas

Teorização do Serv. Social 221 situações que poderiam explicar o distanciamento entre o Serviço Social e a cultura da clientela:

I) A vinculação do Serviço Social a um programa de ação social desenvolvido pela Igreja favorecia condições de apoio e aproximação com a clientela? Qual era o ca-ráter dessa aproximação passível de ser propiciada pela Igreja? I I ) E m que termos a situação atual da Universidade brasileira proporciona condições para a formação de ati­tudes e habilidades que levem a uma sensibilização e ação efetiva no plano de nossa realidade social? I I I ) Existe, por parte dos assistentes sociais, uma preo­cupação natural em definir atribuições, papéis e seu status profissional em relação a outras categorias profissionais e à sociedade. É importante estar alerta para a discrimi­nação de tarefas, sem que isto implique inflexibilidade, radicalização em posições rígidas ou sofisticadas, autocen-tralizadas até, em detrimento das necessidades da clientela. Acreditamos que algumas variáveis, tais como uma op­ção pessoal e profissional do assistente social ligada a aspectos referentes à sua afirmação no próprio grupo profissional, às exigências institucionais e da sociedade, da comunidade científica como um todo, e à excessiva preocupação em moldar o atendimento de acordo com padrões técnicos preestabelecidos, podem conduzir a um processo seletivo da realidade a ser trabalhada, de tal for­ma que faça com que o assistente social se negue a desem­penhar determinadas funções, por julgá-las não condizen­tes com sua posição profissional. Seria este mais um dado que dificultaria a aproximação do assistente social com as necessidades e manifestações culturais da clientela? IV) A passagem da influência franco-belga para a ame­ricana, com a consequente mudança de enfoque de uma ação social (unidade social de base: a família) para um tratamento individualizado, parece ter imprimido, por um lado, um caráter mais técnico à intervenção, face às in­fluências das abordagens psicoterapêuticas. Mas, por outro lado, será que essa passagem não ensejou um caminhar no sentido inverso do que poderia ser o começo de um trabalho dentro de uma perspectiva social mais ampla? Colocadas as questões, trata-se de refletir para uma retomada de posição em que o Serviço Social atuaria a

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222 CBCISS part i r de uma perspectiva mais global, voltada para os interesses da clientela em suas necessidades básicas e na autenticidade de suas manifestações culturais.

O primeiro passo que poderia ser dado na busca de alternativas que aproximassem o assistente social da clien­tela seria a adoção de urna postura filosófica diante do processo de mudança e desenvolvimento da sociedade: Dentre as opções, pode-se considerar inicialmente aquela em que os fenómenos do mundo são pensados como iso­lados e em estado de repouso, residindo as causas das mudanças fora dos próprios fenómenos, por ação de for­ças externas. Outra postura coloca a causa fundamental do desenvolvimento dos fenómenos como interna, isto é, residindo no contraditório existente no seio de cada fenó­meno. Nesta, as causas externas não estão excluídas mas constituem-se condições para as modificações das quais as internas formam a base, operando então por intermédio das causas internas. Na sociedade, as mudanças devem-se, principalmente, ao desenvolvimento das contradições que existem em seu seio. A unidade ou a identidade dos as­pectos contrários de um fenómeno, que existe objetiva­mente, nunca é morta, petrificada, mas sim viva, condicio­nada, móvel, passageira, relativa; todo o aspecto contrário converte-se, em condições determinadas, no seu contrário. É nesse sentido que podemos entender e reconhecer a emergência da cultura dominada. As condições sociais e políticas de sua expressão (da cultura dominada) cons­tituem uma questão de outra ordem. O que se pretende, em primeiro lugar, é assentar o seu estatuto no plano da realidade, porque só assim se poderá verificar a possi­bilidade de mudança e transformação social. Duas atitudes extremas frente ao reconhecimento da cultura da clientela devem ser evitadas pelos assistentes sociais. A primeira, que poderíamos caracterizar como antiintelectualista, acredita que a clientela por si só é ca­paz de se conscientizar e de achar seu próprio caminho, desde que o agente se encontre presente, quer intervindo e, em última instância, controlando. Aliada a essa máscara de profundo respeito à clientela, trabalham improvisada­mente, sem nenhuma reflexão crítica sobre a realidade. Num outro extremo, estaria a atitude intelectualista do assistente social que julga a clientela como incapaz, igno-

Teorização do Serv. Social 223 rante, e acredita que os problemas sociais são monopólio dos especialistas e cientistas e, portanto, inacessíveis à consciência popular. A atitude marcada por esta tendência não percebe por trás do discurso verbalmente limitado da cliente toda uma cultura que se exprime de vários modos. Há uma preocupação excessiva com clareza de conceitos, com a lógica dos enunciados, em detrimento da inserção na ação capaz de transformar a realidade. O assis­tente social precisaria transigir com seus esquemas men­tais, para conseguir escutar e se sensibilizar frente à sua clientela, entendendo, dessa forma, toda a lógica de sua sabedoria, as raízes de sua cultura. Do contrário, recairá mxma manipulação e numa diretivídade do processo, pro­movendo a reprodução da divisão entre os dois pólos, po­dendo voltar-se também para o t ra to de questões que não (ttsem respeito ã esfera de necessidades básicas da clien­tela, difundindo preocupações e interesses de seu grupo social.

As duas posições, "empirista" e "racionalista", respec­tivamente, não compreendem o caráter histórico do co­nhecimento, que se expressa num processo que começa a part i r da prática e que, uma vez adquirido o conheci­mento teórico, a ela retorna. A verificação de uma propo­sição e sua correspondência à verdade objetiva não se esgota no movimento do conhecimento sensível ao conhe­cimento racional; é necessário, a part ir do conhecimento racional, regressar à prática, aplicar a teoria na prática e identificar se ela pode conduzir ao objetivo fixado. A teo­ria, nesta perspectiva, nunca é uma verdade acabada. Ela se faz e se aprofunda associada à prática. Do contrário, ela confirma o mito idealista de que o discurso sobre o real é suficiente para transformá-lo. A ação do assistente social não se dá isoladamente mas é, em sua grande maioria, exercida através de uma via institucional. É, portanto, previamente orientada a partir dos objetivos institucionais e respectivas expectativas com relação aos resultados da intervenção. Desta forma, a po­sição empirista do assistente social que pretende evitar sua interferência nos caminhos escolhidos pela própria clientela propicia, na verdade, a abertura de um canal à interferência institucional direta, uma vez que a instituição constitui uma fonte de recursos e de promoção de ativi-

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224 CBCISS dades nas quais a clientela se insere e participa, premida por suas próprias condições de vida. Necessitamos reco­nhecer que mais do que os discursos (reflexões assistente social vs. clientela), interferem as condições concretas exis­tentes para solucionar as questões colocadas pelo coti­diano e que elas são dadas, na maioria das vezes, pelas instituições. Por outro lado, ao escolhermos-uma posição racionalista, ignorando a capacidade da clientela, resta-nos aprimorar os objetivos da instituição para uma operacio-nalização mais eficaz. Podemos perceber que tanto uma posição quanto outra, embora tomem como referencial de sustentação das suas teorias a situação da clientela, dela se distanciam para servir às instituições. E a quem servem essas instituições? Que cultura expressam? A popular, da clientela, ou a de seus técnicos que pertencem a uma elite intelectual, considerando-se o percentual que representam na população como um todo?

Como o assistente social poderá orientar sua inter­venção sem que estejam claros o seu papel institucional e o seu porquê dentro da sociedade? Para quais interesses reais a instituição está voltada e a par t i r de que contra­dições sociais seu trabalho se faz necessário? E qual a relação desses interesses com os interesses da clientela? Os assistentes sociais, negando-se a discutir estas questões básicas por considerarem-nas de menor relevância, estão, a nosso ver, permitindo um distanciamento de seus obje­tivos profissionais; deixando de considerar os padrões culturais da clientela, intervindo com sua própria cultura e a do grupo a que pertencem, estão atendendo às neces­sidades de seu grupo e não às daquela. Diante da questão da dominação cultural e da necessi­dade de o assistente social reconhecê-la e evitar reproduzi-la quando de sua intervenção profissional, acreditamos que existem passos fundamentais para orientar uma ação que se baseie no conhecimento das manifestações cultu­rais da clientela, do contexto em que elas se dão, respon­dendo às suas necessidades. O primeiro passo seria o re­conhecimento, pelo assistente social, de sua inserção num contexto institucional, com todas as implicações que lhe são inerentes, e que, por sua vez, está contido num plano sócio-político-econômico que lhe determina as diretrizes, através de uma política social mais ampla. Outro, seria a

Teorização do Serv. Social 225 necessidade de discernimento, pelo assistente social, das diferenças entre os objetivos institucionais, os profissio­nais e os da clientela, como também entre os objetivos que a instituição se propõe e os que realiza em termos efetivos. A part ir de então, poderá reconhecer as contra­dições institucionais existentes, o que vai possibilitar o desenvolvimento dos objetivos profissionais em relação às necessidades da clientela. Um conhecimento conjunto do assistente social e da clientela quanto às suas mani­festações culturais, condições concretas de vida, interesses, suas propostas de solução, seus recursos individuais e coletivos, faz-se necessário. Nesse sentido, é preciso reco­nhecer a necessidade de se fortalecerem os canais insti­tucionalizados de participação social da clientela, e tam­bém os órgãos de representação dos assistentes sociais, principalmente pela possibilidade de se tornarem uma via de reivindicação e de discussão das questões sociais.

Finalmente, é preciso lembrar que a emergência da cultura dominada não depende do aval e da discussão teórica por parte de grupos intelectuais e profissionais; mas, no que lhes diz respeito, é necessário que atentem para os aspectos ou conjunto de sua produção e ação que ve­nham a ter efeitos esterilizantes. Reconhecemos que os aspectos abordados neste traba­lho merecem ser ampliados e representam apenas uma tentativa de se iniciar um aprofundamento dessas ques­tões e de outras, que certamente surgirão.

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3.2.1 — CONSIDERAÇÕES EM TORNO DOS QUESTIO­NAMENTOS LEVANTADOS NO SEMINÁRIO SOBRE O DOCUMENTO. 3.2 Serviço Social e Cultura — uma alternativa para discussão das relações assistente socíal-clientela. E m síntese, os pontos abordados nos questionamentos

feitos pelos t rês grupos foram os seguintes: 1. Sobre a ocorrência de violência cultural nas profissões

que se ocupam diretamente com o ser humano. 2. A viabilidade de o profissional despojar-se de seus com­

ponentes culturais no exercício profissional. 3. Se o despojamento fosse possível, seria isso desejável?

Haveria possibilidade de se separar o assistente social como pessoa e como profissional?

4. Existe uma responsabilidade do ensino na violência • cultural?

5. Como os cursos de graduação e pós-graduação podem contribuir para a formação de consciência crítica do profissional face à realidade?

6. Além de posições empiristas e racionalistas, haveria a possibilidade de posições alternativas?

7. Quais as possibilidades de a clientela expressar seus interesses nas instituições?

8. No caso referido na pergunta anterior, como o assis­tente social deveria encaminhar a sua prática?

9. Como pode o assistente social mudar a estrutura da instituição, face aos interesses da clientela?

Considerando que a violência cultural é u m problema que toca as profissões que se ocupam diretamente com o

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228 CBCISS homem, incluindo aí o Serviço Social, porque "o assistente social, na perspectiva da função que exerce na sociedade, representa e reforça a legitimação de sua cultura, acres­centando sua própria força a um campo de relações de forças" (ps. 99-100).

O despojamento por parte do assistente social de seus componentes culturais não pode ocorrer na medida em que a produção cultural está diretamente vinculada aos grupos sociais nos quais as pessoas aprendem valores e comportamentos. No que se refere às relações do assistente social com a clientela, a questão que se coloca é que se o profissional não tiver uma consciência crítica das diferenças entre ele e a clientela tenderá a legitimar a sua própria cultura. Essa relação profissional se dá num campo de relações de forças no qual a instituição torna-se mais um elemento fundamental a ser considerado nessa violência cultural. Isso vem demonstrar que a separação do assistente social como pessoa e como profissional não é possível porque a suposta neutralidade profissional não é um equívoco ape­nas operacional, mas vem desde a própria concepção que se tenha de ciência. O ensino pode tornar-se responsável pela dominação ou violência cultural: 1) se reproduzir os elementos que con­figuram um sentido de verticalidade e quanto mais se deixar existir como um processo elitizador; 2) se refletir um tipo de pensamento compreendendo apenas conceitos desligados da realidade e de suas possíveis transformações; 3) se alimentar-se apenas numa vertente teórica formulada sem uma ligação direta e estreita com a prática. Nesse sentido, se os cursos," sejam de graduação ou pós-graduação, não possibilitarem níveis de criatividade e formação de consciência crítica em seus currículos, não conduzirão à superação dos modelos de dominação cultural. O grupo admite outras posições que compreendam "o caráter histórico do conhecimento, que se expressa num processo que começa a part ir da prática e que, uma vez adquirido o conhecimento teórico, a ela retorna" (p. 101). Quanto às relações clientela-instituição, pode-se dizer que: í._ Nosso trabalho não se deteve na discussão das insti­tuições e da política social que representam ou adotam;

Teorização do Serv. Social 229 não possuímos estudos que afirmem em que medida as instituições expressam a vontade da clientela, mesmo por­que consideramos a clientela pouco conhecida, a part ir de suas próprias referências, de sua própria cultura, e que o Serviço Social tem contato, na maioria das vezes, apenas, com parte da clientela da instituição.

Grosso modo, diríamos que o nosso contexto, hoje, pro­duz as suas instituições em sentido vertical. Acreditamos, por isso, que a cultura expressa pelas instituições pertence a seus técnicos, a uma elite intelectual. 2. No que se refere às alternativas de ação, acredita­mos que seja necessário reconhecer as situações concretas existentes, para solucionar as questões colocadas pelo co­tidiano das instituições. Deve-se tentar identificar os inte­resses reais da instituição e a part i r de que situações seu trabalho se faz necessário e quais são esses interesses e os interesses da clientela, bem como sua relação. Com essa análise poder-se-á efetivar uma prática profissional que considere os interesses da clientela. 3. Nosso trabalho não coloca a discussão da mudança de estrutura da instituição. A mudança de uma estrutura não dependeria apenas de u m profissional ou de um grupo específico de profissionais, e, nesse sentido, é preciso reco­nhecer a necessidade de se fortalecerem os canais institu­cionalizados de participação da clientela.

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3.3. Roteiro de reflexão*

DIALÉTICA E SERVIÇO SOCIAL Arcelina Ribeiro de Araujo Mariangela Belfioso Maria Carmelita Yazbek Maria Ignez Bernardes Pinto (Coordenadora) Maria Cecília Zilioto Nelson José Suzano Pedro Malheiros (São Paulo)

1. Uma possibilidade do Serviço Social em uma visão dialética emerge com o movimento de reconceituação.

2. A reconceituação, vista enquanto processo que procura evidenciar as contradições internas do Serviço Social.

3. Quando? A part i r do momento em que se identificam para o Serviço Social dois pólos contrários, dentro de um processo de explicação do mesmo.

4. Esses pólos estão claros apenas a nível de compreen­são; a nível das propostas práticas as posturas se confundem.

5. A reconceituação, aqui entendida como oposição a uma visão idealista (tradicional) do Serviço Social, se qua­lifica por:

5.1 Admissão da filosofia materialista como base de co­nhecimento e explicação da realidade, o que determina:

* O presente roteiro foi desenvolvido a partir de pontos básicos da tese, em elaboração, de Pedro Malheiros, colocados e discutidos no grupo.

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232 CBCISS — a ruptura com a teorização de base idealista; — a revisão da teoria utilizada até hoje pelo Serviço Social; — a revisão metodológica do Serviço Social; — a prática como princípio do conhecimento e crité­rio fundamental da verdade.

5.2 Identificação ideológica com o processo de transfor­mação social, levando à constatação de que: — o Serviço Social, mais do que uma função social,

se constitui num dos aparatos ideológicos do siste­ma capitalista;

— a prática do Serviço Social é ideologicamente com­prometida;

— a prática anterior do Serviço Social tem sido expres­são do compromisso com as classes dominantes;

— a prática que se propõe seja expressão do compro­misso com as classes dominadas;

— o componente ideológico demonstra também o aspecto subjetivo como elemento da prática, ou seja, não somente a questão do objeto, mas a rela­ção sujeito-objeto. 5.3 A admissão do método dialético como referencial para

interpretação e ação: — constatação da superação do método metafísico; — constatação de que a realidade é um movimento de

transformação; — constatação de que esse movimento pode ser cien­

tificamente analisado; — constatação de que a realidade, como movimento,

está submetida a leis; — identificação do método dialético como a expres­

são científica das leis gerais do desenvolvimento; — a possibilidade de o método dialético constituir-se

o método científico para a prática do Serviço Social, na explicação das relações sociais, da compreensão do homem e do movimento do conhecimento;

— a necessidade de uma compreensão global da reali­dade social, como processo contraditório, histori­camente determinado;

— a impossibilidade do fracionamento idealista da realidade;

Teorização do Serv. Social 233 — a certeza da superação histórica do S.S. de Casos, S.S. de Grupo e S.S. de Comunidade; — a possibilidade da utilização das categorias indiví­duo e grupo como particularização da situação social de classe; — a determinação dialética das categorias classe social, consciência social e prática social.

5.4 Tentativa de inserir o Serviço Social no quadro da prática social: — localização da prática do Serviço Social no quadro geral da prática social; — demonstrar o aspecto científico da prática do Ser­viço Social, relativamente independente dos objeti­vos institucionais da prática profissional.