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Humberto Ávila TEORIA DA SEGURANÇA JURÍDICA 5 a edição, revista, atualizada e ampliada

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Page 1: Livro Teoria da Segurança Jurídica - Editora Juspodivm · 2019. 10. 2. · (tradução portuguesa, edição da Fundação Calouste Gulbenkian, 2a edi-ção, Lisboa, 1968, p. 173)

Humberto Ávila

TEORIA DA SEGURANÇA JURÍDICA

5a edição,revista, atualizada e ampliada

Page 2: Livro Teoria da Segurança Jurídica - Editora Juspodivm · 2019. 10. 2. · (tradução portuguesa, edição da Fundação Calouste Gulbenkian, 2a edi-ção, Lisboa, 1968, p. 173)

PREFÁCIO

Em seu primeiro período diz este livro: “Reconstruir a segurança jurídica, em geral e no âmbito do Direito Tributário, como norma princí-pio fundada na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88), por meio de um método capaz de progressivamente reduzir a sua indeterminação e de atribuir-lhe a maior funcionalidade possível, é a tarefa assumida nesta obra”. Devo dizer que a obra alcança plenamente sua finalidade.

Numa primeira parte, o livro cuida da definição da segurança jurí-dico-tributária e, numa segunda, do conteúdo e eficácia da segurança ju-rídico-tributária.

Neste prefácio, não vou reproduzir tudo que é examinado na obra. Destaco, porém, que cada elemento da segurança jurídico-tributária é es-miuçado numa análise feita em profundidade. Todavia, não posso deixar de destacar a análise da modulação das decisões do Supremo Tribunal Federal que declaram a inconstitucionalidade de leis.

O estudo da modulação é primoroso, e mostra também o que acon-tece com declarações idênticas do Tribunal Constitucional alemão. Este, ao modular decisões de inconstitucionalidade, pode declarar a incom-patibilidade da lei com a Constituição, mantendo-lhe, porém, eficácia no que houver de constitucional, até que o Poder Legislativo corrija os efeitos inconstitucionais.

O exame da modulação, primorosamente feito, reduz-se a razões de segurança jurídica, mas não às de excepcional interesse social. A Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999, em seu artigo 27, diz que “Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir do seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”.

A segurança jurídica na modulação é detidamente examinada pelo Autor. Entretanto, e certamente porque a obra cuida da segurança jurí-dica, o mesmo não acontece quando a modulação resulta, nos termos da

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lei, de “excepcional interesse social”, conceito bastante indeterminado. Como diz Karl Engisch em sua Introdução ao Pensamento Jurídico (tradução portuguesa, edição da Fundação Calouste Gulbenkian, 2a edi-ção, Lisboa, 1968, p. 173) entende-se por indeterminado “um conceito cujo conteúdo e extensão são em larga medida incertos”. É o que acon-tece com o conceito de “excepcional interesse social”, uma vez que a par do interesse social há ainda a excepcionalidade. Interesse para quem? Para toda a sociedade ou para algum segmento dela? Excepcional no juízo de quem? De toda a sociedade ou de um de seus segmentos? Ha-veria outras perguntas a fazer, mas este não é o lugar apropriado. O que quero ressaltar é que, em nome de um “excepcional interesse social” se atinja a segurança do contribuinte. Suponha-se que uma lei que cuida das contribuições para a seguridade social seja declarada inconstitucional, o que, admitido o efeito ex tunc implicaria a obrigação de o Estado de-volver quantias vultosas, afetando assim o financiamento da seguridade social, especialmente em seu aspecto mais sensível, o da saúde. Nesta hipótese, seria invocável o “excepcional interesse social” para embasar a modulação da decisão declaratória da constitucionalidade para dar-lhe um efeito ex nunc? Como ficaria a segurança do contribuinte?

Cabe fazer uma última observação. Pouco se falava em segurança jurídica no campo tributário e parece-me claro que isto acontecia porque não havia um sentimento generalizado de insegurança. A partir de certa época, este sentimento foi aumentando e as causas são claras. Catadupas de leis, medidas provisórias (praga inventada na Constituição de 1988), atos normativos de diversos matizes, convênios e protocolos celebrados pelos Estados, leis extrema e desnecessariamente complexas, jurispru-dência por vezes instável, tudo isto fez aumentar a sensação de insegu-rança. Ao mesmo tempo, apareceram artigos e estudos sobre o tema; assim, é extremamente oportuna a publicação deste livro de excelente qualidade.

São Paulo, 9 de setembro de 2011

Prof. Dr. Alcides Jorge CostaProfessor Titular de Direito Tributário

da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

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PREFÁCIO

Nenhuma das anteriores Constituições brasileiras alterou tão pro-fundamente o panorama jurídico nacional como a Constituição de 1988. Como geralmente acontece com as modificações legislativas, só a pouco e pouco, pela obra da jurisprudência e pelo trabalho da doutrina, é que se vai modelando o verdadeiro perfil dos novos textos, na compreensão que lhes empresta a experiência jurídica. Volvidos, porém, pouco mais de duas décadas da vigência da Carta de 1988, já é possível identificar em que pontos seus preceitos, lidos pelas lentes dos juízes ou interpretados nos artigos e livros dos juristas, introduziram inovações importantes no quadro do nosso direito objetivo.

A mais significativa dessas inovações, no meu modo de ver, está na ênfase dada aos princípios e à utilização com maior frequência de conceitos jurídicos indeterminados. A Constituição vigente, conquanto, a rigor, não seja uma Constituição principiológica, é inegável que, com os princípios explícitos ou implícitos nela acolhidos, tornou mais aberta a textura das normas constitucionais. No velho sistema os aplicadores dessas normas deveriam ser apenas, “a boca que pronuncia as palavras da lei”, ou “seres inanimados” irremediavelmente presos à literalidade dos enunciados jurídicos, como pretendia Montesquieu, em passagem célebre do seu O Espírito das Leis. Muito embora os adeptos do po-sitivismo jurídico também assim concebessem o papel reservado aos juízes (e aos intérpretes e aplicadores do direito em geral), o certo é que, uns e outros, quando incumbidos de transpor para a realidade dos fatos o que está escrito nas leis, quase nunca se restringem a uma aplicação mecânica das normas. Nas mais das vezes as tarefas de interpretar e de aplicar essas normas exigem do intérprete e aplicador uma função cria-tiva, integradora dos preceitos. O espaço a ser preenchido pela criação pretoriana será maior ou menor conforme a flexibilidade das normas que devam ser aplicadas. Se essas normas forem extremamente rígidas tal espaço será diminuto ou até mesmo nulo. No entanto, se os limites nor-mativos forem mais elásticos, como ocorre quando as normas empregam conceitos jurídicos indeterminados ou quando consistam em princípios jurídicos, especialmente quando estes tenham de ser ponderados com

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outros princípios, surgem aí, por vezes, áreas em que se admite sejam elas preenchidas por disposições do juiz ou do aplicador da lei.

No que diz especificamente com os princípios, muitos deles estão expressos no texto constitucional, como ocorre, v.g., com os elencados no art. 37, pertinentes à Administração Pública. Outros, todavia, devem ser extraídos, por via interpretativa, uma vez que a respeito deles, a Constituição foi absolutamente silente. É o que sucede, por exemplo, com o princípio da razoabilidade ou com o princípio da proporcionali-dade (que Humberto Ávila prefere qualificar, mais corretamente, como “postulados normativos aplicativos”), ou ainda com o princípio da segu-rança jurídica, todos eles criações pretorianas. Por certo, o caminho para a identificação de princípios constitucionais não explícitos é, em várias situações, facilitado por precedentes extraídos do direito comparado. Cabe lembrar, a propósito, que o direito germânico é rico em exemplos nessa matéria. Ao Tribunal Federal Constitucional alemão (Bundesver-fassungsgericht), deve-se o reconhecimento, nos anos 70 do século XX, do princípio da segurança jurídica, como princípio constitucional, situa-do no mesmo nível hierárquico que o princípio da legalidade, derivados ambos diretamente do princípio maior ou do sobreprincípio do Estado de Direito. Esse reconhecimento só viria a ser feito, no Brasil, pelo Supre-mo Tribunal Federal, nos primeiros anos da primeira década do século XXI, em julgados com fundamentação idêntica à utilizada pelo Tribunal Federal Constitucional germânico.

Por igual, o princípio da proporcionalidade não está referido na Lei Fundamental alemã, sendo criação também do Tribunal Federal Consti-tucional, aproveitando as valiosas contribuições da doutrina.

No campo dos princípios constitucionais não conheço, no direito brasileiro, quem tenha investigado, com maior profundidade e extensão, nem com tanta originalidade e erudição, como Humberto Ávila, as in-trincadas questões jurídicas que o tema suscita. Desde a primeira edição da sua Teoria dos Princípios, ocorrida em 2003 (atualmente está na 15a edição1), firmou-se Humberto Ávila como o principal jurista brasileiro com amplo domínio dessa matéria, talvez o mais habilitado a debater com Dworkin e Alexy, e em pé de igualdade com esses renomados teó-ricos do direito, como tem acontecido, as posições por eles sustentadas relativamente aos princípios constitucionais, especialmente no que tange à distinção entre princípio e regra. Prova da importância de Humberto Ávila e do respeito pela sua produção intelectual no exterior é a pu-

1. Teoria dos Princípios, 15a ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2014.

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blicação, em língua alemã, da sua Teoria dos Princípios (Theorie der Rechtsprinzipien), integrando prestigiada coleção de obras sobre teoria do Direito (Schriften zur Rechtstheorie – Heft 228), publicada em 2006 pela editora de Berlim, Duncker & Humblot, com prefácio altamente elogioso do Professor Claus-Wilhelm Canaris. Em 2007 veio a lume, em inglês, a edição da mesma obra, com o título de Theory of Legal Principles, editada pela Springer. E, mais recentemente, a referida obra foi publicada em Madri, na Espanha, pela Editora Marcial Pons. Antes disso, em 2002, saíra publicada, em alemão, sua tese sobre as limitações constitucionais materiais ao poder de tributar na Constituição brasileira e na Lei Fundamental alemã (Materiell Verfassungsrechtliche Bes-chränkungen der Besteuerungsgewalt in der brasilianischen Verfassung und im deutschen Grundgesetz-, Baden-Baden, Nomos Verlagsgesells-chaft), com a qual conquistara o grau de Doutor, pela Universidade de Munique, sob a orientação do Prof. Klaus Vogel. Essas publicações em idiomas estrangeiros deram prontamente a Humberto Ávila notoriedade internacional, designadamente no que se refere a questões sobre princí-pios, em que se tornou referência obrigatória. Ainda nesse contexto cabe destacar no rol das obras de Humberto Ávila o seu Sistema Constitucio-nal Tributário (São Paulo, Saraiva, 4a edição, 2010) e a Teoria da Igual-dade Tributária (São Paulo, Malheiros Editores, 2a edição, 2009), além de artigos publicados em revistas especializadas, no Brasil e no exterior.

Como antigo admirador da obra e do talento de Humberto Ávila não sei o que mais admirar em Segurança Jurídica – Entre Permanência, Mudança e Realização no Direito Tributário, que ele me concedeu a honra de prefaciar: se o rigor lógico da sua análise, sempre caracterizada por número considerável de divisões e subdivisões, de classificações e subclassificações, de modo a permitir que a matéria seja examinada por todos os ângulos; se a erudição do autor, apoiada em impressionante pes-quisa bibliográfica; se a harmonia existente entre as partes que compõem o livro; ou se a precisão dos conceitos empregados, em que ressalta sempre o refinado espírito científico do autor.

Parece-me ainda oportuno registrar que a obra tem grande interesse prático, pois cuida de investigar de que modo atua a segurança jurídica no território particularmente sensível do direito tributário, onde o Estado cria obrigações pecuniárias a serem satisfeitas pelos indivíduos e institui relações jurídicas com os contribuintes.

O que se controverte, nesse quadro, são os limites a que o Estado deverá submeter-se quando pretender mudar a legislação pertinente a essas relações jurídicas. Além dos limites clássicos, tradicionalmente

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estampados nas páginas das nossas Constituições, como o direito ad-quirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, há ainda limites que só mais recentemente foram admitidos, como os decorrentes da proteção da confiança, que é, por assim dizer, a face mais nova do princípio consti-tucional da segurança jurídica.

No que concerne ao direito adquirido, sempre invocado como obstáculo às modificações legislativas, é pacífico o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que ele não existe quando se tratar de regime jurídico. Contudo, como os regimes jurídicos criam expectativas legítimas nas pessoas que a eles estão sujeitas, as modificações radicais que se pretenda fazer, para não se macularem de inconstitucionalidade, deverão ser precedidas de normas de transição, o que é uma exigência da proteção da confiança.

Problemas como esses, aqui muito sinteticamente expostos, são examinados com grande profundidade por Humberto Ávila, nos seus aspectos estáticos e dinâmicos, no livro que agora publica. Penso que não me cabe, entretanto, proceder, neste prefácio, a análise das muitas e complexas questões que envolvem a segurança jurídica; questões que dizem respeito à influência do tempo sobre o direito, à luta entre o velho e o novo, entre permanência e mudança, à luz do ordenamento jurídico.

O leitor certamente encontrará resposta a estas e a outras muitas indagações neste belo livro de Humberto Ávila, sobre o qual tenho opinião firme e bem definida, a qual me leva a recomendá-lo com vivo entusiasmo: trata-se de obra de raro valor e que, pelas suas qualidades invulgares, sem dúvida dignificaria qualquer grande universidade em que fosse apresentada.

Porto Alegre, Santa Teresa, 10 de agosto de 2011Prof. Dr. Almiro do Couto e Silva

Professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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NOTA À 5a EDIÇÃO

É com enorme satisfação que lanço a 5a edição da Teoria da Segu-rança Jurídica, já há muito esgotada. Publicada em 2011, e traduzida para o inglês e o espanhol, é realmente surpreendente a acolhida que a obra vem recebendo no Brasil e no Exterior. Precisamente em razão dessa difusão é que pareceu necessário revisá-la, atualizá-la e ampliá-la.

Além de ter sido totalmente revisada, esta obra conta com novas decisões judiciais que incorporam as teses nela defendidas.

Além disso, foram introduzidas novas partes sobre a Lei de Intro-dução às Normas do Direito Brasileiro, tendo em vista a alteração do Decreto-lei n. 4.657/1942 pela Lei n. 13.655/2018. Nessas partes espe-cíficas expõe o conteúdo da nova lei e analisa alguns dos seus reflexos sobre o tema da segurança jurídica, especialmente aqueles concernentes à consideração das consequências práticas das decisões (arts. 20 e 21), ao estabelecimento de regimes de transição (art. 23) e à revisão das ma-nifestações administrativas (art. 24).

Mais uma vez e sempre, agradeço aos leitores, brasileiros e estran-geiros, pelo generoso acolhimento dado à presente obra.

Julho de 2019

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CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

A segurança é, sobretudo e antes que nada, uma radical necessidade antropológica humana e o “saber ao que agarrar-se” é um elemento cons-titutivo da aspiração individual e social à segurança; raiz comum de suas distintas manifestações na vida e fundamento de sua razão de ser como valor jurídico. (Antonio Enrique Perez Luño, La seguridad jurídica, Bar-celona, Ariel, 1991, p. 8)

Segurança torna-se assim um tema quando a insegurança se alastra. E quanto mais inseguras são encontradas as circunstâncias na Moderni-dade tanto mais abrangentes se tornam as expectativas de segurança dos homens. (Andrea Schrimm-Heins, “Gewissheit und Sicherheit: Geschichte und Bedeutungswandel der Begriffe ‘certitudo’ und ‘securitas’” (Teil 2), in Archiv für Begriffsgeschichte 35, 204, 1992, Bonn, Bouvier)

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Aqui está assim qualquer coisa que os meus mestres não me conta-ram, mas a vida se encarregou de esclarecer: esse fazer saber a qualquer um aquilo que ele pode querer é um benefício que, para poder gozar, de-mandaria que as leis fossem poucas, mas em vez disso são muitas, muitas e se sucedem rapidamente, assim vertiginosamente uma depois da outra; e, no emaranhado de sua multidão, os homens se perdem como num labirinto. (Francesco Carnellutti, “La certezza del Diritto”, Rivista de Diritto Civile, n. 20, 1942, p. 81)

Dos dois elementos tradicionais de toda ordem jurídica, a segurança e o progresso, a concepção atual da lei sacrifica deliberadamente a primeira à segunda, atribuindo assim relevo sobre o caráter político da legislação ao passo que a concepção antiga repousava, ao contrário, sobre o papel da lei mais especificamente jurídico e conservador. (Georges Burdeau, “Essai sur l’évolution de la notion de loi en Droit français”, in Archives de Philoso-phie du Droit, 1939, p. 48)

1. Justificativa (ou por que (in)segurança jurídica?)

Reconstruir a segurança jurídica, em geral e no âmbito do Direito Tributário, como norma-princípio fundada na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88), por meio de um método capaz de progressivamente reduzir a sua indeterminação e de atribuir-lhe a maior funcionalidade possível, é a tarefa assumida na presente obra. Sobram razões para tanto.

A justificativa inicial já é fornecida pelo próprio ordenamento cons-titucional: ele próprio atribui fundamentalidade à segurança jurídica. Com efeito, a menção a esta última já é feita no seu preâmbulo. De um lado, o preâmbulo institui um Estado Democrático destinado a “asse-gurar”, isto é, a “tornar seguros” tanto os direitos sociais e individuais quanto os valores, dentre os quais o próprio valor “segurança”.1 De outro lado, o mesmo preâmbulo qualifica a liberdade, o bem-estar, o desenvol-vimento, a igualdade, a justiça, e também a “segurança”, como “valores

1. José Souto Maior Borges, “O princípio da segurança jurídica na criação e aplicação do tributo”, RDDT, n. 22, p. 25, São Paulo, 1997. Geraldo Ataliba, Repú-blica e Constituição, 3a ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2011, p. 182.

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supremos” da sociedade. Essa sociedade, por sua vez, além de fraterna, pluralista e sem preconceitos, deve ser fundada na “harmonia social” e comprometida, na “ordem” interna e internacional, com a solução “pa-cífica” das controvérsias. Considerando-se que a expressão “segurança jurídica”, como será examinado ao longo deste texto, é associada aos ideais de determinação, de estabilidade e de previsibilidade do Direito, dentre outros, verifica-se, portanto, que, já no preâmbulo, a CF/88 de-monstra grave preocupação com a segurança jurídica mediante a utiliza-ção de termos como “segurança”, “assegurar”, “harmonia” e “ordem”.

A CF/88 contém, igualmente, referências diretas e indiretas à “se-gurança”. No Título referente aos “Princípios Fundamentais”, ela institui um Estado Democrático de Direito (art. 1o), doutrinariamente associado, conforme será demonstrado, à ideia de segurança jurídica. No Título relativo aos “Direitos e Garantias Fundamentais”, ela não só prevê o direito fundamental à “segurança” (art. 5o, caput) como também estabe-lece uma série de “garantias”, isto é, de “instrumentos assecuratórios” de direitos. Em vários âmbitos normativos, institui numerosas “garantias” e “limitações” ao exercício do poder, tradicionalmente compreendidas como elementos parciais da segurança jurídica, de que são exemplo a legalidade (art. 5o, II, e art. 150, I), a irretroatividade (art. 150, III, “a”) e a anterioridade (art. 150, III, “b”).

Essa ligeira constatação inicial, meramente baseada nos dispositi-vos constitucionais, já basta para demonstrar que a segurança jurídica – independentemente das disputas, que não são pequenas, a respeito do seu sentido, dos seus fundamentos, dos seus elementos, das suas dimensões e da sua eficácia, a serem oportunamente enfrentadas no decorrer deste trabalho – é, do ponto de vista normativo, uma preferência da própria CF/88. No Direito Tributário, em virtude das regras de legalidade, de anterioridade e de irretroatividade, bem como em razão das numerosas regras de competência, o ideal de segurança jurídica fica ainda mais acentuado. Por esse motivo, Machado Derzi afirma que, no Direito Tri-butário, “a segurança é fortalecida em ponto máximo”.2

Outros ideais, porém, também são qualificados, pela própria Cons-tituição, como fundamentais, a exemplo do que ocorre com os ideais de igualdade ou de solidariedade, que, da mesma forma, poderiam servir de tema para uma monografia. A seguinte pergunta surge, assim, inevi-

2. Misabel de Abreu Machado Derzi, Modificações da jurisprudência no Direi-to Tributário, São Paulo, Noeses, 2009, p. 159.