livro - prosab - noções gerais de tratamento e disposição final de lodos

Upload: pedro-paulo-grizzo-serignolli

Post on 18-Jul-2015

290 views

Category:

Documents


2 download

TRANSCRIPT

REDE COOPERATIVA DE PESQUISASNOES GERAIS DE TRATAMENTO E DISPOSIO FINAL DE LODOS DE ESTAES DE TRATAMENTO DE GUA

INSTITUIES PARTICIPANTESEscola de Engenharia de So Carlos USP Universidade Federal do Esprito Santo UFES

AUTORES

Aloysio G. de Souza USP Elsa Barreto UFES Eraldo H. de Carvalho USP Janete Brando UFES Joo Srgio Cordeiro UFSCar Leila Jorge Patrizzi USP Luiz Di Bernardo USP Marco Antonio Penalva Reali USP Paulo Srgio Scalize USP Ricardo Franci Gonalves UFES Zeila Piotto UFES

ApresentaoEsta publicao um dos produtos resultantes da Rede de Pesquisas formada no mbito do Edital 01 do Programa de Pesquisas em Saneamento Bsico (PROSAB) em torno do tema Tcnicas de Tratamento de Despejos Lquidos de Estaes de Tratamento de guas, e que foi coordenada pelo Prof. Marco Antonio Penalva Reali, do Departamento de Hidrulica e Saneamento da Escola de Engenharia de So Carlos-USP. Gerido pela FINEP, o PROSAB tem por prioridade o desenvolvimento e o aperfeioamento de tecnologias voltadas para a ampliao da cobertura dos servios de saneamento e, conseqentemente, para a melhoria das condies de vida da populao brasileira. Para tanto, o programa financia redes cooperativas de pesquisas nas reas de guas de abastecimento, guas residurias e resduos slidos que tenham por base a reviso do padro tecnolgico atual, estabelecendo normas e padres adequados s particularidades regionais e locais de um pas com escassez de recursos e de dimenso continental como o Brasil, e que observem, sempre, a necessidade de preservar ou recuperar o meio ambiente. A implementao do PROSAB por meio de redes de pesquisas cooperativas se deve a mltiplos fatores, dentre os quais destaca-se a abordagem integrada das aes dentro de um determinado tema, o que otimiza a aplicao dos recursos e evita a duplicidade e a pulverizao de iniciativas. As redes incentivam a integrao entre os pesquisadores das diferentes instituies, possibilitam a disseminao da informao entre seus integrantes e promovem a capacitao permanente de instituies emergentes, alm de permitir a padronizao de metodologias de anlise e estimular o desenvolvimento de parcerias. Um grupo interinstitucional, responsvel pela coordenao do PROSAB, orienta as aes de fomento, definindo, periodicamente, os temas prioritrios para a formao das redes cooperativas de pesquisas e que so tornados pblicos por meio de editais. Esse grupo coordenador auxilia a FINEP e o CNPq na tomada de decises, emitindo parecer sobre as propostas apresentadas, indicando consultores ad hoc, acompanhando permanentemente o programa e corrigindo desvios quando necessrio. J foram lanados, at o momento, dois editais do PROSAB envolvendo 17 e 27 grupos de pesquisa, respectivamente, contando com recursos financeiros da FINEP, CNPq, CAIXA e CAPES, e o apoio da ABES e da SEPURB. A divulgao das realizaes do programa feita por meio da home page do PROSAB (http://www.sanepar.pr.gov.br/prosab), da publicao de artigos na revista BIO da ABES, da apresentao do programa em diversos eventos da rea, do portflio dos projetos e da publicao de livros e manuais para distribuio s prefeituras e aos rgos de servios de saneamento. Os resultados finais dos projetos desenvolvidos no mbito de cada edital tambm so publicados sob a forma de coletnea de artigos.

GRUPO COORDENADOR DO PROSABProf. Jurandyr Povinelli EESC [email protected] Prof. Ccero O. de Andrade Neto UFRN [email protected] Deza Lara Pinto CNPq [email protected] Wilson Auerswald CNPq [email protected] Marcos Helano Montenegro CAESB [email protected] Anna Virgnia Machado ABES [email protected] Sandra Bondarowsky CAIXA [email protected] Dalmo Albuquerque Lima MCT [email protected] Elisabete Pinto Guedes FINEP [email protected] Clia Maria Poppe de Figueiredo [email protected]

RECOPE REDE COOPERATIVA DE PESQUISA O RECOPE, subprograma do PRODENGE, apoiado com recursos do contrato de financiamento FINEP-BID 880-OC/BR, contempla o desenvolvimento de redes de pesquisas em reas prioritrias da engenharia, envolvendo a interao entre instituies de pesquisa e empresas. O PROSAB inclui-se no RECOPE.

Marco Antonio Penalva Reali(coordenador)

NOES GERAIS DE TRATAMENTO E DISPOSIO FINAL DE LODOS DE ESTAES DE TRATAMENTO DE GUA

Rio de Janeiro RJ 1999

Copyright 1999 ABES RJ

1a Edio tiragem: 1.500 exemplares Projeto grfico, reviso, editorao eletrnica e fotolitos: RiMa Artes e Textos Av. Dr. Carlos Botelho, 1816, salas 30/31 CEP 13560-250 So Carlos-SP Fone: 0xx 16 272-5269 Fax: 0xx 16 2723264 Coordenador e revisor tcnico: Marco Antonio Penalva Reali [email protected] Financiamento dos servios de editorao eletrnica, reviso e projeto grfico: Fundao para o Incremento da Pesquisa e Aperfeioamento Industrial FIPAI, da Escola de Engenharia de So Carlos USP

AvpuhphhytisvphrhhqhryhTromqrUhhr qhDshomqTrvoqr7viyvrph@@T8VTQ

T776

Noes gerais de tratamento e disposio final de lodos de estaes de tratamento de gua / Marco Antonio Penalva Reali (coordenador). -Rio de Janeiro : ABES, 1999. 240 p. : il. Projeto PROSAB.

1. Lodos. 2. Lodos de ETAs. 3. Tratamento de lodos. 4. Desidratao de lodos. 5. Resduos de ETAs. I. Reali, Marco Antonio Penalva.

Agradecimentos

Agradecemos ao Departamento de Hidrulica e Saneamento e Fundao para o Incremento da Pesquisa e Aperfeioamento Industrial (Fipai), ambos da Escola de Engenharia de So Carlos, USP, pelo financiamento dos servios de reviso de texto e editorao eletrnica do presente livro.

IX

Sumrio

Prefcio ..................................................................................................... XIII Captulo 1 Importncia do Tratamento e Disposio Adequada dos Lodos de ETAs .................................................................. 1 1.1 Introduo ....................................................................................................... 1 1.2 Os Sistemas de Tratamento de gua e os Resduos Gerados ........................ 2 1.3 Estado da Arte e Caractersticas Gerais dos Resduos .................................... 5 1.4 Impactos Ambientais e Toxicidade dos Resduos de ETAs ............................ 8 1.5 Busca de Alternativas de Reduo de Volume .............................................. 15 1.6 Referncias Bibliogrficas ............................................................................. 18 Captulo 2 Principais Caractersticas Quantitativas e Qualitativas do Lodo de ETAs ............................................... 21 2.1 Consideraes Iniciais ................................................................................... 21 2.2 Lodos de ETAs: Estratgias Usuais de Remoo de gua e de Destinao Final ........................................................................... 22 2.3 Origem e Caracterizao Qualitativa e Quantitativa dos Lodos de ETAs Convencionais ..................................................................... 28 2.4 Exemplo (Hipottico) Ilustrativo dos Volumes de Lodo Presentes nas Vrias Etapas de Tratamento em ETAs Convencionais................................ 36 2.5 Referncias Bibliogrficas ............................................................................. 39 Captulo 3 Espessamento de Lodos de ETAs ............................................ 41 3.1 Consideraes Iniciais .................................................................................... 41 3.2 Tipos de Unidades de Espessamento de Lodo .............................................. 41 3.3 Parmetros de Projeto e Ensaios de Laboratrio para Anlise do Espessamento de Lodo por Gravidade ......................................................... 46 Principais Parmetros de Projeto de Espessadores por Gravidade ............... 46 Anlise da Sedimentao de Lodos Durante Seu Espessamento por Gravidade .............................................................. 48IX

X

Noes Gerais de Tratamento e Disposio Final de Lodos de Estaes de Tratamento de gua

3.4 Parmetros de Projeto e Ensaios de Laboratrio para Anlise do Espessamento de Lodo por Flotao por Ar Dissolvido (FAD) ................... 51 Principais Parmetros de Projeto de Espessadores por Flotao .................. 51 Mtodo Proposto para Obteno de Parmetros Bsicos de Espessamento por Flotao com Base em Ensaios com Colunas de Flotao em Escala de Laboratrio ................................................................................. 54 3.5 Estudos de Casos .......................................................................................... 61 Consideraes Iniciais ................................................................................... 61 Estudo de Caso 1: Lodo da ETA Capim Fino de Piracicaba, SP ................. 61 Discusso dos Resultados Referentes aos Ensaios de Espessamento por Flotao (Lodo da ETA Capim Fino) ..................... 63 Resultados dos Ensaios de Espessamento por Gravidade (Lodo da ETA Capim Fino) .................................................................. 68 Comparao dos Resultados dos Ensaios de Espessamento por Flotao e por Gravidade do Lodo da ETA Capim Fino ........................................ 71 Concluses Referentes ao Estudo de Caso 1 .......................................... 73 Estudo de Caso 2: Lodo da ETA Paiol de Araraquara, SP ........................... 73 Resultados Referentes aos Ensaios de Espessamento de Lodo por Flotao ................................................................................. 74 Resultados dos Ensaios de Espessamento por Gravidade (Lodo da ETA Paiol) ............................................................................. 78 Comparao dos Melhores Resultados dos Ensaios de Espessamento por Flotao e por Gravidade do Lodo da ETA Paiol ................................................................................ 81 Concluses Referentes ao Estudo de Caso 2 .......................................... 83 3.4 Referncias Bibliogrficas ............................................................................. 83 Captulo 4 Desidratao de Lodo por Centrifugao ............................... 85 4.1 Consideraes Iniciais ................................................................................... 85 4.2 Princpios Bsicos da Centrifugao ............................................................. 87 4.3 Tipos e Caractersticas Bsicas dos Equipamentos Utilizados em Centrifugao de Lodos ................................ 89 A) Tambor cilndrico ............................................................................... 94 B) Rosca sem fim ................................................................................... 96 C) Parmetros bsicos de interesse para o usurio de centrfugas ........ 96 4.4 Descrio do Mtodo para Realizao de Ensaios de Laboratrio Visando Escolha do Tipo e Dosagem de Polmero na Centrifugao de Lodos ........................................................................... 97 Materiais e Equipamentos Necessrios ........................................................ 97 Procedimentos ............................................................................................... 99 Aplicao do Mtodo: Estudo de Caso ....................................................... 102 4.5 Referncias Bibliogrficas ........................................................................... 105

Sumrio

XI

Captulo 5 Remoo de gua de Lodos de ETAs Atravs de Filtrao Forada ................................................................ 107 5.1 Generalidades .............................................................................................. 107 5.2 Filtro-prensa ................................................................................................ 107 5.3 Prensa Desaguadora .................................................................................... 117 5.4 Filtro a Vcuo .............................................................................................. 119 5.5 Consideraes Finais ................................................................................... 122 5.6 Referncias Bibliogrficas ........................................................................... 123 Captulo 6 Remoo Natural de gua de Lodos de ETAs Utilizando Leitos de Secagem e Lagoas de Lodo .................. 125 6.1 Generalidades .............................................................................................. 125 6.2 Sistemas de Leitos de Secagem Alternativos .............................................. 128 Leitos de Secagem a Vcuo ........................................................................ 128 Leito de Secagem de Tela em Cunha .......................................................... 129 6.3 Aplicaes de Leitos de Secagem para Remoo de gua de Lodos de ETAs ......................................................... 130 6.4 Lagoas de Lodo ........................................................................................... 135 6.6 Consideraes Finais ................................................................................... 139 6.7 Referncias Bibliogrficas ........................................................................... 140 Captulo 7 gua de Lavagem de Filtros Rpidos ................................... 143 7.1 Introduo ................................................................................................... 143 7.2 Origem e Caracterizao Qualitativa e Quantitativa .................................. 143 7.3 Importncia e Influncia do Tipo de Operao da Filtrao ...................... 144 7.4 Tratamento do Resduo Lquido e Reuso da Fase Clarificada .................... 146 Condicionamento/Adensamento dos Resduos Lquidos das ETAs ........... 149 Recirculao gua de Lavagem dos Filtros ................................................. 150 Destinao do Lodo Resultante .................................................................. 151 7.5 Ensaios de Laboratrio e Exemplos ............................................................ 153 7.6 Referncias Bibliogrficas ........................................................................... 167 Captulo 8 Disposio de Resduos Lquidos de ETAs em ETEs ............ 169 8.1 Introduo ................................................................................................... 169 8.2 Fatores Relacionados Operao das Estaes de Tratamento de gua Que Interferem nas Caractersticas de Seus Resduos Lquidos ....................................................................................... 170 Tipo de Decantador e Procedimento de Limpeza ...................................... 170 Lavagem dos Filtros Procedimento e Freqncia ..................................... 173 8.3 Alternativas de Disposio dos Resduos Lquidos Gerados nas ETAs nas Estaes de Tratamento de Esgoto ETEs ................................ 176 Disposio dos Resduos Lquidos de ETAs nas ETEs .............................. 176

XII

Noes Gerais de Tratamento e Disposio Final de Lodos de Estaes de Tratamento de gua

Reuso da Fase Lquida dos Resduos Lquidos da Limpeza de Decantadores e Filtros Aps Clarificao e Lanamento do Lodo Resultante na ETE .......................................................................... 176 Disposio do Lodo Obtido na Clarificao da gua de Lavagem de Filtros e os Resduos Lquidos da Limpeza dos Decantadores na ETE ...................................................................................................... 176 8.4 Estudos de Caso de Disposio dos Resduos Lquidos de ETAs em ETEs ............................................................................................ 177 Estudo de Caso 1 ........................................................................................ 177 Simulao do Lanamento Direto das Descargas de Decantadores e das Lavagens de Filtros na ETE ........................... 177 Simulao do Lanamento das Descargas dos Decantadores com o Lodo Obtido na Clarificao da gua de Lavagem dos Filtros na ETE ............................................................................... 181 Estudo de Caso 2 ........................................................................................ 185 Caractersticas das ETAs ........................................................................ 185 Caractersticas dos Resduos Lquidos ................................................... 188 Clarificao do Resduo Lquido da Lavagem do Filtro ........................ 190 Preparao e Caracterizao das Amostras dos Resduos da ETA a serem Misturadas com o Afluente ETE ................................ 190 Caracterizao do Esgoto Afluente ETE ............................................. 194 Ensaios com os Resduos da ETA Misturados ao Esgoto Afluente ETE .................................................................................... 194 Interferncia dos Resduos da ETA na Digesto Anaerbia de Lodo ... 195 Consideraes Finais sobre o Estudo de Caso 2 ................................... 198 8.9 Referncias Bibliogrficas ........................................................................... 201 Captulo 9 Recuperao de Coagulantes de Lodos de Estaes de Tratamento de guas ................................... 203 9.1 Introduo ................................................................................................... 203 9.2 Processos de Recuperao de Coagulantes ................................................. 206 Recuperao de Coagulantes pela Via cida .............................................. 207 Recuperao de Coagulantes pela Via Alcalina .......................................... 208 Recuperao de Coagulantes via Extrao com Solventes Orgnicos ........ 209 Recuperao por Complexao/Quelao ................................................... 209 9.3 Recuperao pela Via cida Experimentos Realizados pela UFES ......... 209 Caractersticas das ETAs e dos Lodos Estudados ....................................... 209 Influncia das Caractersticas do Lodo e da gua Bruta na Recuperao de Coagulantes dos Lodos .................................................. 212 Utilizao dos Coagulantes Recuperados ................................................... 215 9.4 Noes de Custos ....................................................................................... 216 Situaes Estudadas .................................................................................... 220 9.5 Referncias Bibliogrficas ........................................................................... 224

Captulo 1

Importncia do Tratamento e Disposio Adequada dos Lodos de ETAsJoo Srgio Cordeiro

1.1 IntroduoO homem busca, dentro de todas as suas atividades, a melhoria da qualidade de vida que se reflete, entre outras coisas, nas condies de habitao e infra-estrutura. Nas reas urbanas, os sistemas de abastecimento de gua e de coleta de esgotos sanitrios so servios essenciais. O ar, a gua e o solo so elementos fundamentais para que se estabelea o equilbrio homemnatureza. Observa-se, hoje, que essa harmonia no tem ocorrido adequadamente, acarretando a deteriorao de recursos naturais, podendo prejudicar a utilizao dos mesmos. O crescimento populacional tem solicitado uma demanda sempre crescente de gua com boa qualidade, enquanto a gerao de guas residurias sanitrias e industriais cada dia maior, fazendo com que a degradao do meio ambiente aumente, quando esses problemas no so equacionados de forma coerente. O processo de urbanizao provocou uma inverso na ocupao das reas urbanas, fazendo com que, hoje, no Brasil, cerca de 75% habite nessas regies. As bacias hidrogrficas dos grandes centros urbanos tm sofrido aes negativas intensas, com comprometimento rpido da qualidade. Na Regio Metropolitana de So Paulo (RMSP), o reuso da gua j uma realidade, pois a disponibilidade de gua com boa qualidade cada vez mais rara.

1

2

Noes Gerais de Tratamento e Disposio Final de Lodos de Estaes de Tratamento de gua

A indstria da gua de abastecimento, quando utiliza o tratamento completo ou convencional (coagulao, floculao, decantao e filtrao), transforma gua inadequada para o consumo humano em um produto que esteja em acordo com o padro de potabilidade, utilizando, para isso, processos e operaes com a introduo de produtos qumicos, gerando resduos. Estes tm origem nos decantadores, na lavagem dos filtros e na lavagem dos tanques de preparao de solues e suspenses de produtos qumicos. Na Amrica Latina e particularmente no Brasil poucos tm sido os estudos realizados sobre o assunto, que j comea trazer preocupaes. A Companhia de Saneamento Bsico do Estado de So Paulo (Sabesp) gerencia o abastecimento da Regio Metropolitana de So Paulo (RMSP), que consome cerca de 60.000 L/s de gua e gera, em suas estaes de tratamento de gua (ETAs), aproximadamente 2.200 L/s de guas de lavagem de filtros e resduos dos decantadores Sabesp, RMSP, 1987,(28) que no tm sido dispostos adequadamente. Vrios questionamentos sobre as caractersticas, produo e impactos ambientais desses resduos ainda no possuem respostas satisfatrias que possibilitem o equacionamento do problema. Isto se deve grande carncia de pesquisas cientficas e tecnolgicas sobre o tema, e os poucos dados existentes no Brasil esto totalmente dispersos, o que dificulta as aes nesse campo. Alm disso, no existe, por parte da grande maioria dos tcnicos envolvidos no setor, conscientizao efetiva sobre a importncia do assunto. A indstria da gua tem questionado, cada dia mais, a preservao da qualidade da gua bruta captada, atravs de aes que lhe garanta a proteo dos mananciais, e, por outro lado, lana seus resduos no corpo dgua mais prximo, sem se preocupar com os questionamentos levantados anteriormente, o que mostra certa incoerncia.

1.2 Os Sistemas de Tratamento de gua e os Resduos GeradosOs sistemas de abastecimento de gua para populao urbana envolve uma srie de sub-sistemas, dos quais a estao de tratamento de gua parte fundamental, quando se utilizam mananciais superficiais. Dentre essas estaes, o sistema tradicional ou completo de tratamento utilizado pela maioria. Esse sistema realiza a remoo de partculas finas em suspenso e em soluo presentes na gua bruta. Para que o processo seja bem-sucedido necessria a aplicao de produtos qumicos que possam desestabilizar as partculas coloidais, formando flocos com tamanho suficiente para sua posterior remoo. Nesse processo so utilizados sais de ferro e de alumnio, os quais, atravs de suas cargas, so capazes de provocar a desestabilizao de partculas A ao desses sais na formao dos flocos

Cap. 1

Importncia do Tratamento e Disposio Adequada dos Efluentes Lquidos de ETAs

3

exige operaes unitrias de rpida mistura para disperso desse coagulante e cmaras de mistura lenta para a formao final do floco. Aps a formao desses, necessria sua remoo para clarificao da gua, operao realizada nos decantadores, que so grandes tanques onde esse material sedimentado fica retido durante certo perodo de tempo. A gua decantada com parte dos flocos que no sedimentam encaminhada aos filtros para clarificao final. Assim, grande parcela dos flocos fica retida nos decantadores e outra parcela, nos filtros. Por meio dessas operaes, a estao de tratamento de gua produz gua para abastecimento e gera resduos: lodos acumulados nos decantadores e gua de lavagem dos filtros. Os resduos gerados nos decantadores, nos sistemas tradicionais, podem ficar retidos durante vrios dias (30, 40, 60) ou algumas horas, dependendo da forma de limpeza utilizada nos tanques, e posteriormente so lanados no ambiente, normalmente cursos dgua prximos s ETAs. Essa prtica vai de encontro legislao vigente, pois pode alterar consideravelmente as caractersticas desse corpo receptor. Levantamento realizado por Cordeiro(6) mostrou que a sistemtica de gesto das ETAs bastante parecida em todo o Brasil, particularmente no Estado de So Paulo. Dessa forma, diariamente so gerados no Brasil alguns milhes de toneladas de rejeitos que so dispostos no ambiente. No caso dos decantadores, os lodos so enquadrados como resduos slidos pela NBR-10004 (1989) e portanto, devem ser tratados e dispostos dentro dos critrios estabelecidos por essa norma. Sistemas de tratamento de gua de abastecimento tm caractersticas similares a qualquer indstria, onde uma determinada matria-prima trabalhada atravs de diversas operaes e processos, resultando em um produto final. Esses sistemas podem, em diversas etapas, gerar resduos, e estes podem possuir as mais diferenciadas caractersticas, relacionadas matria-prima, aos produtos qumicos adicionados, ao layout da estao, s etapas definidas no projeto, s condies de operao entre outros. Tradicionalmente, no Brasil, a maior preocupao tem sido em relao aos resduos gerados em estaes de tratamento de esgotos (ETEs), e pouco tem sido discutido em relao aos resduos gerados em estaes de tratamento de gua de abastecimento (ETAs). Esses resduos gerados caracterizam-se por possurem grande umidade, geralmente maior que 95%, estando, de maneira geral, sob forma fluida. Um dos objetivos de trabalhar com esse resduo seria a reduo de seu volume, para que o mesmo possa ser

4

Noes Gerais de Tratamento e Disposio Final de Lodos de Estaes de Tratamento de gua

disposto de forma adequada, diminuindo custos de transporte, disposio final e, obviamente, os riscos de poluio do meio ambiente. Por outro lado, a introduo das sries de normas ISO 9000 e ISO 14000 tem propiciado discusses que apresentam como enfoque a melhoria dos servios prestados populao. Nesse aspecto, o gerenciamento adequado dos sistemas de tratamento de guas de abastecimento e residurias ser fundamental para que os mesmos no prejudiquem o meio ambiente. Para tanto, os responsveis por essa gesto devem estar devidamente preparados para equacionar os problemas que exigem ampla viso do funcionamento dos sistemas operados. Analisando-se o esquema da Figura 1.1 pode-se observar que a viso hoje existente nas gerncias de sistemas de tratamento tem sido restrita ao produto final, no havendo maior preocupao com aspectos como: proteo efetiva dos mananciais, qualidade dos produtos qumicos empregados e quantidade e caractersticas dos resduos gerados. Parsekian(18) em seu trabalho detectou esses fatos. A Figura 1.2 apresenta esquema de uma estao de tratamento de gua convencional ou completa, onde os pontos de gerao de resduos podem ser observados.

Fonte: Parsekian.(18)

Figura 1.1 Viso holstica do sistema de tratamento de gua.

Os principais resduos gerados na ETA so:l l l

gua de lavagem dos filtros; lodos dos decantadores; rejeito de limpeza dos tanques de produtos qumicos.

Cap. 1

Importncia do Tratamento e Disposio Adequada dos Efluentes Lquidos de ETAs

5

Esses resduos tm caractersticas diferentes, como tambm freqncias de descargas distintas, o que influencia no processo de tratamento ou desidratao. A desidratao ou remoo de parcela de gua do lodo tem por objetivo a reduo do volume.

Figura 1.2 Pontos de gerao de resduos em uma ETA convencional.

1.3 Estado da Arte e Caractersticas Gerais dos ResduosOs lodos gerados nos decantadores das ETAs completas podem ter suas caractersticas bastante variadas, dependendo fundamentalmente das condies apresentadas pela gua bruta, dosagens e produtos qumicos utilizados, forma de limpeza dos decantadores, entre outros fatores. Um dos grandes problemas hoje apresentados por essa questo a falta de conhecimento sobre caractersticas no tradicionais dos slidos presentes no lodo, tais como: tamanho e distribuio das partculas, resistncia especfica e compressibilidade. Mesmo as caractersticas tidas como tradicionais na engenharia sanitria e ambiental, tm pouca divulgao quanto aos lodos de ETAs. Na Tabela 1.1 apresenta-se um resumo de alguns parmetros registrados na bibliografia consultada. Observando-se essa tabela pode-se verificar que os valores apresentados pelos parmetros descritos mostram-se bem variveis, evidenciando a diversidade entre as ETAs. Cordeiro(6) efetuou determinaes de metais presentes nos slidos dos lodos da ETA-So Carlos, Estado de So Paulo (Brasil), cujos resultados podem ser analisadosna Tabela 1.2. Nessa tabela so tambm apresentados resultados de concentraes de metais em lodos gerados em decantadores em sistemas de tratamento de gua na cidade de Piracicaba, So Paulo, Brasil.(29) Por meio desses resultados pode-seperceber que a concentrao de metais predomina de maneira sensvel na fase slida do lodo.

6

Noes Gerais de Tratamento e Disposio Final de Lodos de Estaes de Tratamento de gua

Tabela 1.1 Caractersticas dos lodos gerados em ETAs.

66

Irihr (%' Turyhq (%( 7tt (& 6yirpu (&! 8y ( Ivyr ( Tvtr ( 8qrv (' Wvqhy (( Wvqhy (( 8qrv ((" Qhvr ((' Qhvr ((' )RQWH)8qrv

97P tG

9RP tG

C

"h $ h!"! "' "h #h $ "h" "! ##( &"

$h $ %%(h %!h $' $h "#h$ !" "h$ $ $ "#'& &&% $%

%h&% & %$h%& $h& & %$ %h %&h& %# $$$ %'

h % #"h # #"'h !'$' "h $ ' $&$ ! (&! %" "!&$ % ! %!'

TU tG

TW tG

TT TU

!h" !$ ! ! " !& $ &" !%" (

' &$

hqhhqh

Pode-se observar por meio dessas tabelas que existe grande diferena entre os resduos gerados em estaes de tratamento de gua, mostrando a necessidade de equacionar o problema de forma quase individualizada. Analisando-se as questes discutidas anteriormente nota-se que, no Brasil, pouca experincia existe em relao aos resduos gerados em decantadores de ETAs completas. Esse aspecto mostra que, dessa forma, o impacto provocado pelo lanamento desse rejeito em cursos dgua relativamente desconhecido. Estima-se que cerca de 2.000 toneladas de slidos so lanados em colees de gua brasileiras sem nenhum tratamento.

Cap. 1

Importncia do Tratamento e Disposio Adequada dos Efluentes Lquidos de ETAs

7

Tabela 1.2 Concentrao de metais presentes na fase slida nos lodos de ETAs.Hrhv @U6 @U6! @U6"

6ytvtG "(%$ 7ivtG 8iqvtG # 8iypvtG #! 8uitG !"! 8yr 8ir #& 8hy "'! Arhy ""' Ary~ry Hhtpv !& Hhthr '% HhthrTy~ry Hrp~v Itry !& Qiv #((& Tyqv " avp ! " Tvhqh@hqqrTmQhy )RQWH)8qrv

"( !! ! ! "$ ! % !( % # !'& &' #$& # &"& !(" &

"!$ ' ! ' " "%" ! ( %% ! "' "## ! &$$ %" ('

O grande problema enfrentado diz respeito ETAs que dispem seus resduos em intervalos de tempo acima de 20 dias. Esses rejeitos normalmente possuem concentraes de slidos maiores que 2,5%, podendo provocar alteraes considerveis nessas guas. Por outro lado, esses resduos so considerados pela legislao como resduos slidos, mostrando que os mesmos no poderiam estar sendo lanados dessa maneira. Assim, deve-se exigir dos gerentes de sistemas de tratamento de gua uma nova postura diante dessa situao. Dentre os parmetros considerados no tradicionais necessrios caracterizao dos lodos, o tamanho de partcula fundamental. Os lodos dos decantadores apresentam partculas de pequeno tamanho, dificultando a remoo de gua livre para reduo de volume. Esse fato implica aumento da resistncia especfica que define a resistncia oferecida pelo lodo passagem de gua por ele. Assim, quanto maior a resistncia

8

Noes Gerais de Tratamento e Disposio Final de Lodos de Estaes de Tratamento de gua

especfica, menor a capacidade de filtrao da gua Esses parmetros tornam-se fundamentais na caracterizao dos lodos.

1.4 Impactos Ambientais e Toxicidade dos Resduos de ETAsA toxicidade potencial dos lodos de estaes de tratamento de gua, para plantas, seres humanos e organismos aquticos, depende de fatores tais como: caractersticas da gua bruta; produtos qumicos utilizados no tratamento; possveis contaminantes contidos nesses produtos; reaes qumicas ocorridas durante o processo; forma de remoo e tempo de reteno dos resduos nos decantadores; caractersticas hidrulicas, fsicas, qumicas e biolgicas do corpo receptor etc. As guas superficiais utilizadas como mananciais esto sujeitas contaminao por formas naturais, decorrente da ao da gua sobre as rochas e tambm por decorrncia de aes sobre o meio, tais como: aplicao de fertilizantes, pesticidas e disposio de resduos industriais. Este aspecto tem grande importncia, pois essas substncias podero estar presentes nos resduos gerados. Quando utilizado o sulfato de alumnio como coagulante primrio, os possveis compostos formados no processo dependero do pH do meio, da presena de ligantes e hidrxidos na gua bruta, segundo Driscoll et al.(24) Os caminhos da transferncia do alumnio no tratamento da gua um fato complexo e poucos tm sido os trabalhos no sentido de melhor esclarecimento desses pontos. Esse transporte de formas de alumnio no processo pode se dar atravs da gua filtrada e distribuda populao ou para as partculas retidas nos decantadores e nos filtros das ETAs. Os resduos dos decantadores tm em sua composio grandes concentraes de alumnio (Tabela 1.2), quando o sulfato de alumnio utilizado como coagulante primrio. Esse material, quando disposto em rios com baixa velocidade ou lagos, poder causar problemas, principalmente na camada bentnica desses locais. Estudos realizados por Lamb e Bailey, descritos por Cornwell,(8) utilizando lodos resultantes do sulfato de alumnio, tiveram por objetivo determinar os efeitos agudos e crnicos desse material sobre T. dissimilis, que representativo da famlia dos chironomdeos. Essa famlia de organismos ocupa poro significativa da camada bentnica, sendo importante na alimentao de peixes. A mortalidade dessas espcies, pode ser observada nos resultados mostrados na Figura 1.3. Verifica-se por meio desse estudo que a taxa de mortalidade das espcies aumenta com o aumento das dosagens de lodo. Acredita-se que pode ocorrer aumento na concentrao de metais txicos no bentos, e alm disso pode-se ter a inibio no movimento de pupas.

Cap. 1

Importncia do Tratamento e Disposio Adequada dos Efluentes Lquidos de ETAs

9

Mortalidade Porcentagem Cumulativa

100 80 60 40 20 0 1 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 Dias 4 35 100 200

Fonte: Lamb & Balley (citados por Cornwell (1990)).

Figura 1.3 Mortalidade crnica de comunidades bentnicas invertebradas pela adio de lodos de sulfato de alumnio.

A toxicidade do alumnio tem sido pouco estudada nos meios cientficos, apesar de j se possuirem dados que demonstram algumas preocupaes quanto s aes desse elemento. Sendo o alumnio um elemento que est presente em grande parte do mundo, torna-se difcil, at certo ponto, determinar seus efeitos deletrios, e segundo a AWWA,(2) bem mais difcil detectar sua toxicidade do que a dos metais pesados Scholfild e Trojnar, segundo Cornwell,(8) realizando experincias com trutas, chegaram concluso de que o alumnio, em dosagens que variam de 0,2 a 0,5 mg/L, causavam a morte dessa espcie de peixes, mas no se conseguiu distinguir as espcies de alumnio presentes. Freeman & Everhart (l971), citados pela AWWA, (2) tambm realizando experincias com trutas, em aqurios com dosagens de Al de 0,05, 0,52 e 5,2 mg/L e variando o pH, notaram que as condies fsicas dos peixes sofreram bruscas mudanas, podendo ser citadas: apatia e desnimo generalizado, sintoma de inabilidade para se manterem em equilbrio, colorao escurecida e baixa na percepo. Observou-se que o pH foi um importante parmetro na definio dessas causas. Hall et al. (l985), citados pela AWWA,(2) promoveram estudos, adicionando alumnio em pequenos rios e efetuando o monitoramento biolgico. Esse aumento de concentrao de alumnio provocou alteraes fsicas, qumicas e biolgicas nessas guas. Observou-se que as comunidades macrobentnicas sofreram variaes em sua estrutura, distribuio, abundncia e diversidade. Houve reduo da tenso superficial, provocando a alterao na biota aqutica. Driscoll et al.,(24) segundo Cornwell,(8) estudando a toxicidade do alumnio para pequenos peixes, concluram que formas inorgnicas de alumnio parecem ser as espcies de maior significado na toxicidade.

10

Noes Gerais de Tratamento e Disposio Final de Lodos de Estaes de Tratamento de gua

Segundo Roberto & Abreu,(21) os fatores biolgicos, qumicos e fsicos que alteram as condies ambientais, predispondo os peixes a enfermidades diversas, tornando-os fracos, suscetveis infestaes e podendo lev-los morte, so tidos como enfermidades ecolgicas. Raciocinando dessa forma, o alumnio age de maneira a interferir negativamente no meio ambiente. Bourbigot et al.(3) citam que, em relao ao homem, estudos tm mostrado que a concentrao de alumnio no crtica em nvel de clulas renais, quando estas permitem uma rpida eliminao desse elemento, atravs das excrees. Se, por ventura, essas clulas no funcionarem bem, existe a possibilidade de o alumnio se concentrar em outras clulas, como as cerebrais e cardacas, por exemplo. Esse fato poder ser altamente nocivo, afetando de maneira ainda pouco conhecida o funcionamento dessas clulas. O autor ainda cita trabalhos que tm revelado que as taxas desse metal esto intimamente relacionadas com estados clnicos de encefalopatias crnicas e deficincias renais. Trabalhos de Davison et al., citados por Miller,(13) detectou que pacientes submetidos dilise sofriam de demncia quando a gua utilizada possua concentrao de alumnio acima de 0,08 mg/L. Para Thomas M. Redicdit,(20) o alumnio tem uma importncia crtica em doenas cardiovasculares, como a coagulao cardiovascular. O autor considera que os ctions trivantes tm grande significado no processo de estabelecimento dessas doenas. Nos relatos dessa pesquisa, h ainda fortes suspeitas de que altas concentraes de alumnio podem estar diretamente ligadas ao mal de Alzheimer. Miller et al.(13) mostraram que as concentraes de alumnio nas guas de abastecimento pode aumentar com a utilizao de sulfato de alumnio como coagulante. Esse trabalho foi realizado em 186 estaes de tratamento de gua, espalhadas por todo os EUA, revelando que existe 40% a 50% de chance de haver concentraes mais elevadas de alumnio na sada em relao entrada da ETA. Alm dos aspectos relativos sade, concentraes elevadas de alumnio podem, segundo Miller:(13)l l l

reduzir a efetividade da desinfeco da gua; aumentar a turbidez da gua tratada; provocar a deposio de alumnio nas paredes dos tubos.

Por meio dos dados relatados anteriormente, mostrando a possvel toxicidade do alumnio para o meio e o homem, fica evidente que os padres de potabilidade e de emisso de afluentes devem ser estudados e fixados com mais rigor.

Cap. 1

Importncia do Tratamento e Disposio Adequada dos Efluentes Lquidos de ETAs

11

Atravs da Portaria no 36/MS, de 19 de janeiro de 1990, e publicado no Dirio Oficial da Unio em 23 de janeiro de 1990, o Ministrio da Sade aprovou as Normas e o Padro de Potabilidade da gua para o Consumo Humano. Dessa forma, o alumnio teve seu valor mximo permitido em 0,2 mg/L, valor este sujeito reviso em virtude da possvel toxicidade hoje em estudo. Segundo Pagliardini,(17) na Frana, a Comunidade Europia, por meio de uma resoluo de 16 de junho de 1986, recomendou um controle particular do alumnio em guas utilizadas em sistemas de hemodilise devido aos riscos a que estariam sujeitos os pacientes. Essa preocupao se deve ao fato de a regio de Nice ser um centro ativo no desenvolvimento da dilise em centros especializados ou mesmo domesticamente. Essa regulamentao considera desejavel a concentrao de 0,05 mg/L. Em 1969, a American Water Works Association (AWWA), limitava a concentrao mxima de alumnio em guas de distribuio em 0,05 mg/L. Esse valor foi ratificado em 1985 pela Environmental Protection Agency (EPA). J a Organizao Mundial da Sade (OMS), fixa um mximo de 0,2 mg/L, e a regulamentao da Comunidade Europia fixa um nvel mximo de 0,05 mg/L.(24) Em 1986, o Congresso dos EUA incluiu o alumnio em uma lista de 83 contaminantes que deveriam ser estudados nos prximos anos. Trabalho realizado pela Universidade Tecnolgica do Tennessee em 1991 e apresentado por George et al.(25) teve por objetivo determinar o efeito das descargas de lodos de sulfato de alumnio no meio ambiente, particularmente no meio aqutico. Dez ETAs participaram do estudo, sendo nove dos EUA e um do Canad. Esses estudos revelaram, entre outros aspectos, que:l l l l

aparentemente, a descarga dos lodos tem efeito transitrio nos organismos macroinvertebrados no sedimento dos corpos receptores; os depsitos de lodo nos sedimentos podem limitar os teores de carbono onde os macroinvertebrados se alimentam; espcies monmeras de alumnio representam a maior parcela de alumnio no extrato filtrado do lodo; geralmente, extrato de lodo filtrado em pH igual a 5,0 revelou-se muito txico.

Para estudar as aes do lanamento de lodos provenientes de estao completa de tratamento de gua com remoo descontnua de lodo e limpeza manual (maioria do Brasil), Cordeiro(6) acompanhou a operao de limpeza dos decantadores da ETASo Carlos, Estado de So Paulo, Brasil. Essa estao trata cerca de 500 L/s de gua empregando sulfato de alumnio como coagulante primrio. O sistema constitudo por 3 decantadores com capacidade de 1.630.000 litros, medindo 32 m de comprimento,

12

Noes Gerais de Tratamento e Disposio Final de Lodos de Estaes de Tratamento de gua

12,80 m de largura e 4 m de profundidade. A limpeza desses decantadores realizada em intervalos de tempo de cerca de 40 dias. As comportas de entrada de gua decantada so fechadas e as adufas de fundo so abertas para a remoo do material retido no tanque. O lodo encaminhado para o crrego Monjolinho, atravs de uma tubulao de 500 mm de dimetro em concreto armado e com cerca de 800 m de comprimento. A limpeza dos decantadores demora aproximadamente 4 horas e auxiliada com jatos de gua sob presso. Essa operao resulta em vazo de descarga de cerca de 100 L/s. Foram coletadas amostras compostas no decorrer do tempo de descarga e realizadas anlises para caracterizao do resduo. Os resultados so apresentados na Tabela 1.3.Tabela 1.3 Caractersticas dos resduos gerados em decantadores.

QhkrQC 9RPtG TyyvqhvTUtG TyyvqhvsvTUAtG TyyvqhvyirvTUWtG TyyvqrhvtG TyyvqrhvsvtG TyyvqrhvyirvtG TyyvqrqvrirvtG Hhhrrptsvphqyyvqtp IvtrvhytGIUF QQP#tG )RQWH)8qrv

Why%# $% "!&$ !!"!# &($ !&'( !!"# $'$& & !%$ !' (&'

As condies de slidos sedimentveis, DQO, slidos totais e metais foram analisadas ao longo de 1.000 metros do corpo receptor. Foram realizadas amostragens em pontos distintos do curso dgua em estudo, sendo coletadas amostras antes e aps o lanamento. Os pontos de amostragem foram definidos no sentido de efetuar estudos das possveis conseqncias em suas guas. Foram definidos seis pontos: o ponto A situado a 20 m a montante do lanamento e os pontos B, C, D, E e F situados a 20, 50, 100 e 1.000 m do ponto de lanamento. Outro aspecto importante que as amostras foram coletadas em tempos de 15 minutos antes do incio do despejo e 15, 60, 120 e 180 minutos aps o incio do lanamento, resultando nos valores descritos a seguir.

Cap. 1

Importncia do Tratamento e Disposio Adequada dos Efluentes Lquidos de ETAs

13

A anlise da DQO ao longo do rio antes e aps o lanamento pode ser feita por meio da Figura 1.4 e os valores de slidos totais por meio da Figura 1.5.4000 3500 3000DQO (mg/L)

Ponto A Ponto B Ponto C Ponto D Ponto E Ponto F 1 2 3 Amostras 4 5

2500 2000 1500 1000 500 0

Figura 1.4 Valores da DQO da gua do rio antes e aps o lanamento do despejo do decantador.

20000 Ponto A 15000 10000 5000 0 1 2 3 Amostras 4 5

Slidos Totais (mg/L)

Ponto B Ponto C Ponto D Ponto E Ponto F

Figura 1.5 Valores da concentrao de slidos totais na gua do rio antes e aps o lanamento do lodo.

Os resultados obtidos para as anlises de slidos sedimentveis (S. Sed.) e para pH podem ser observados nos grficos das Figuras 1.6 e 1.7 Os valores da cor do curso de gua analisados antes e aps o lanamento do resduo mostraram os valores plotados na Figura 1.8. Por meio dos resultados obtidos nota-se que, no caso estudado, as caractersticas do crrego sofreram mudanas bruscas com parmetros que aumentaram cerca de 100 vezes. A anlise a ser realizada em um sistema de despejos dessa natureza exige avaliao mais profunda das vazes do despejo e do rio para que possa ser verificada a possibilidade ou no de efetuar a descarga.

14

Noes Gerais de Tratamento e Disposio Final de Lodos de Estaes de Tratamento de gua

Figura 1.6 Valores de slidos sedimentveis antes e aps o lanamento do lodo no curso dgua.

7 6,8 6,6 6,4pH

Ponto A Ponto B Ponto C Ponto D Ponto E Ponto F 1 2 3 Amostras 4 5

6,2 6 5,8 5,6

Figura 1.7 Valores do pH ao longo do rio nas sees analisadas.

30000 25000 20000 Ponto A Ponto B Ponto C Ponto D Ponto E 5000 Ponto F 0 1 2 3 Amostras 4 5

Cor (uC)

15000 10000

Figura 1.8 Grfico mostrando os valores da cor da gua no crrego estudado.

Cap. 1

Importncia do Tratamento e Disposio Adequada dos Efluentes Lquidos de ETAs

15

Levando-se em considerao a legislao brasileira vigente pode-se observar que, no caso estudado, as concentraes desse despejo provocaram degradao da qualidade ambiental, afetando condies estticas e lanando materiais em desacordo com os padres ambientais estabelecidos. Assim, de acordo com Lei 6838 de 31 de agosto de 1981, essa prtica de lanamento fere o artigo 3, incisos II e III, e os gerentes de sistemas de tratamento podem ser enquadrados como Poluidor, inciso IV do artigo 3, Cetesb.(5) Alm desses aspectos, as novas Leis 9.433 e 9.605 podero inferir uma condio totalmente indita nas sistemticas gerenciais.

1.5 Busca de Alternativas de Reduo de VolumePara a reduo de volume, tratamento e a disposio dos lodos de ETAS tm sido utilizados alguns mtodos tradicionais j consolidados para resduos de estaes de tratamento de esgotos sanitrios e industriais. Esses lodos tm no s caractersticas diferentes, como tambm freqncias de descargas distintas, o que influencia no processo de tratamento ou desidratao, conforme discutido em detalhes no Captulo 2. A desidratao ou remoo de parcela de gua do lodo tem por objetivo a reduo do volume. Na Figura 1.9, apresentam-se, esquematicamente, as formas de reduo de volume, e os meios usuais pelos quais pode-se atingir esse objetivo. A definio do tipo de sistema a ser utilizado depende de vrios fatores, podendo ser citados: rea necessria para implantao, custo da rea, distncia da estao at o destino final, condies climticas, custo dos equipamentos, operao, preparo de recursos humanos para operao, necessidade de condicionamento, entre outros.

Figura 1.9 Formas de reduo de volume de lodo.

16

Noes Gerais de Tratamento e Disposio Final de Lodos de Estaes de Tratamento de gua

A gua livre do lodo deve ser removida de forma rpida para que o tempo da operao seja mnimo. Essa gua pode ser reutilizada no processo ou disposta sem causar grandes prejuzos. Os slidos resultantes podem ser dispostos em aterros ou utilizados em sistemas de codisposio com matrizes de cimento ou entulho. Estudos tm sido iniciados para essa reutilizao. A reduo do volume dos rejeitos das ETAs pode ser realizado com a remoo da gua livre e nos interstcios dos slidos. Vrios podem ser os mtodos de remoo de gua, podendo ser citados: A. Sistemas naturais: l Leitos de secagem l Lagoas de lodo B. Sistemas mecnicos: l Filtros-prensa l Prensa desaguadora l Centrfugas l Filtros a vcuo C. Sistemas de recuperao de produtos qumicos D. Descargas em sistemas de esgotos sanitrios A remoo de gua de resduos gerados em ETAs tem sido acompanhada nos EUA e, segundo Murray e Dillon(26) em pesquisa realizada em 469 sistemas pode-se observar os mtodos utilizados ilustrados na Tabela 1.4. J a forma de disposio dos resduos gerados em 571 ETAs apresentada na Tabela 1.5. A pesquisa foi realizada entre os anos de 1991 e 1993. Deve-se ressaltar que sistemas inovadores tm sido desenvolvidos em pases como Blgica, Holanda, Alemanha, Estados Unidos e frica do Sul e, segundo Cornweell & Koopers,(9) podem se tornar alternativas no futuro para remoo de guas de lodos de ETAs. Dentre estes podem ser citados:l l l l l l l

filtro-prensa de diafragma; filtro-prensa tubular; sistema Hi-Compact; sistema Compactor; microfiltrao; sistema de aquecimentodegelo; filtro-prensa contnuo de alta presso.

Cap. 1

Importncia do Tratamento e Disposio Adequada dos Efluentes Lquidos de ETAs

17

A maioria desses sistemas utiliza a presso como ponto fundamental na operao e se constituem em sistemas alternativos aos mtodos tradicionais de remoo de gua.Tabela 1.4 Sistemas de remoo de gua utilizados em ETAs nos EUA.

UvqrTvrh 6qrhrryhth Srpvpyhtrqryq 6qrhrthvqhqr 6rpvrqrtry Grvqrrphtr Avyrh 8rvsthom Avyhip Srprhomqrphy Srprhomqryshqrhytv P )RQWH)Hh9vyy

I~rqrQyhh " ' %' % $$ #& ! ! # &

rr#%(@U6 %&' #$ " & #" !% ( ! ! $

Tabela 1.5 Prticas de disposio de lodos nos EUA em faixas de populao (milhares).

6yvphomy 9rphthr vrhqrrt hviv 6rvpvhy 6r 9rphthqvrhr pqrith P )RQWH)Hh9vyy

Qivphqr 9vvom

h!$

!$h$

!h

6pvhqr

"&' !$ !## (# "# %"

!! "! !$& !! ( #$

!# !$$ !# $& $&

!& !& !& !!( # %

Nos prximos captulos sero apresentados e discutidos os meios mais usuais utilizados para a reduo do volume de resduos de ETAs atravs da remoo de gua dos mesmos, incluindo tcnicas de reaproveitamento dessa gua e de recuperao de coagulantes.

18

Noes Gerais de Tratamento e Disposio Final de Lodos de Estaes de Tratamento de gua

1.6 Referncias Bibliogrficas1. ALBRECHT, A.E. (1972). Disposal of alum sludges. Jornal AWWA, Denver, v.64, n.1, p.46-52, Jan. 2. AMERICAN WATER WORK ASSOCIATION AWWA (1987). Research needs of alum sludge discharge. Jornal AWWA, Denver, v.79, n.6, p.99-104, Jun. 3. BOURBIGOT, M.M.; PAGLIARDINI, A.P. (1988). tude des facter determinant lafuite en aluminun dans les eaux potables Cas de lusine de Super Rimiez. Techiniques Science Methods Leau, Paris, p.13-77, Fev. 4. BUGG, H.M.; KING, P.H.; RANDALL, C.W. (1970). Polyeletrolyte conditioning of alum sludges. JAWWA, Denver, v.62, n.12, p.792-95, Dec. 5. COMPANHIA DE TECNOLOGIA DE SANEAMENTO AMBIENTAL CETESB (1988). Legislao Federal: Controle de Poluio Ambiental. Cetesb, So Paulo, 114p. 6. CORDEIRO, J.S. (1993). O problema dos lodos gerados em decantadores de estaes de tratamento de gua. So Carlos. 343p. Tese (Doutorado em Hidrulica e Saneamento) Escola de Engenharia de So Carlos, Universidade de So Paulo. 7. CORDEIRO, J.S. (1981). Disposio, tratabilidade e reuso de lodos de estaes de tratamento de gua. So Carlos. 155p. Dissertao (Mestrado em Hidrulica e Saneamento) Escola de Engenharia de So Carlos, Universidade de So Paulo. 8. CORNWELL, D. (1987). Water treatment plant management. Denver, AWWA Research Foundation, 308p. 9. CORNWELL, D.A.; KOPPERS, H.M.M. (1990). Slib, Schamm, Sludge. Denver, AWWA Research Foundation, 308p. 10. CULP, G.L.; CULP, R.L. (1974). New concepts in water purification. New York, Van Nostrand Reinhold, 299p. 11. NEUBAUER, W.R. (1968). Waste alum sludges treatment. JAWWA, Denver, v.60, n.7, p.819-826, Jul. 12. NIELSEN, H.L.; CARNS, K.E.; DEBOICE, J.N. (1973). Scroll centrifuge for dewatering wins at one plant. Water and Waste Enginneering, New York, v.10, n.3, p.44-47, Mar. 13. MILLER, R.G. et al. (1984). The ocurrence of aluminum in drinking water. Jornal AWWA, Denver, v.76, n.1, p.84-91, Jan. 14. MINISTRIO DO MEIO AMBIENTE (1997). Poltica Nacional de Recursos Hdricos: lei 9.433, Braslia, DF. 15. MINISTRIO DO MEIO AMBIENTE (1998). Lei da Vida A Lei dos Crimes Ambientais: lei 9.605, Braslia, DF.

Cap. 1

Importncia do Tratamento e Disposio Adequada dos Efluentes Lquidos de ETAs

19

16. MINISTRIO DA SADE (1990). Portaria 36/GM, Braslia, DF, 19p, Jan.

17. PAGLIARDINI, A. (1998). Msure automatisse de laluminumtotal clars les eaux. Techiniques Science Methods Leau, Paris, p.99-107, Fev.18. PARSEKIAN, M.P. (1988). Gerenciamento de ETAs completas em cidades de porte mdio no Estado de So Paulo. So Carlos. 182p. Dissertao (Mestrado em Hidrulica e Saneamento) Escola de Enganharia de So Carlos, Universidade de So Paulo. 19. PATRIZZE, L.P. (1998). Reduo de volume de lodo gerado em decantadores de ETAs tradicionais utilizando espessamento por flotao e por gravidade seguidos de centrifugao. So Carlos. 227p. Dissertao (Mestrado em Hidrulica e Saneamento) Escola de Engenharia de So Carlos, Universidade de So Paulo. 20. REDICDITT, T.M. (1975). Control of colloidal stability trought Zeta Potential, ZETA Meter Inc. Livinghton. 21. ROBERTO, S.; ABREU, R.M. (1991). Utilidade dos indicadores de qualidade das guas. Revista Ambiente, So Paulo, v.5, n.1, p.44-51. 22. SINGER, P.C. (1974). Softener sludger disposal whats best? Water and Wastes Engineering, New York, v.11, n.12, p.25-30. 23. SUTHERLAND, E.R. (1969). Treatment plant waste disposal in Virginia. JAWWA, Denver, v.61, n.4, p.186-189, ap. 24. DRISCOLL Jr., C.T.; LETERMAN, R.D.; FICH, D.E. (1987). Residual aluminumin filtered water. AWWARF, Denver, 71p. 25. GEORGE, D.B.; BEAK, S.G.; ADANS, V .D. et al. (1991). Alum sludge in thr aquatic environmental. AWWARF, Denver, 155p. 26. MURRAY, K.; DILLON, G. (1994). Waterwoks residuals management a comparation of US and UK practices. Washington, WEF, proc. 27. ASSOCIAO BRASILEIRA DE NORMAS TCNICAS (1987). ABNT NBR 10.004 Resduo Slidos. So Paulo, 63p., Set. 28. SABESP (1987). Recuperao de guas de lavagens, tratamento e disposio de resduos slidos de ETAs da RMSP. Revista DAE, So Paulo, v.47, n.150, p.216-219, Dez. 29. VIDAL, W.L.; PEREIRA, P.C.G. (1990). Avaliao e tratamento de lodos das ETAs de Piracicaba. So Paulo, CETESB, 34p., Nov.

Captulo 2

Principais Caractersticas Quantitativas e Qualitativas do Lodo de ETAsMarco Antonio Penalva Reali

2.1 Consideraes IniciaisA tendncia moderna em relao s tcnicas de tratamento de guas para abastecimento consiste na busca de sistemas que proporcionem a gerao de quantidades de lodo menores que aquelas produzidas em estaes de tratamento de gua (ETAs) convencionais, as quais empregam unidades de decantao antecedendo o processo de filtrao da gua destinada ao consumo humano. Dentre as tecnologias que utilizam a coagulao qumica como base para a remoo de impurezas da gua e que incorporam essa caracterstica de menor produo de lodos, pode-se citar a tcnica de filtrao direta, a qual muitas vezes possvel de ser empregada, dependendo da qualidade da gua do manancial. Nos sistemas que utilizam a filtrao direta, so eliminadas as unidades de decantao e, algumas vezes, at mesmo os floculadores. As dosagens de coagulante so reduzidas significativamente, comparadas quelas aplicadas no tratamento convencional, resultando em menores massas de lodo produzidas na ETA. Porm, muitas vezes a gua bruta a ser tratada apresenta caractersticas que impossibilitam a adoo da filtrao direta, requerendo a utilizao de unidades de pr-clarificao antecedendo a filtrao. Nesses casos, dependendo das caractersticas do manancial, pode ser empregado, em substituio aos decantadores, unidades de flotao por ar dissolvido. Nos anos recentes, a opo por esse tipo de alternativa tem sido verificada com crescente freqncia, devido s vantagens muitas vezes apresentadas pela flotao comparada decantao. Dentre tais vantagens, pode-se destacar: i) requer tempos de floculao bem menores; ii) opera com taxas significativamente21

22

Noes Gerais de Tratamento e Disposio Final de Lodos de Estaes de Tratamento de gua

maiores, resultando em menores reas de implantao; iii) permite arraste de parcela de substncias volteis porventura presentes na gua, devido enorme concentrao de microbolhas de ar que atuam na flotao; iv) capaz de produzir lodo j espessado, com concentrao de slidos na faixa de 3% a 6% (desde que possua raspadores de superfcie); e v) requer menores dosagens de coagulante, resultando em gerao de menor massa de slidos na ETA. No entanto, atualmente, no Brasil, verifica-se a presena de poucas ETAs com filtrao direta e menor nmero ainda de ETAs com unidades de flotao por ar dissolvido. A grande maioria dos sistemas de tratamento de gua em operao no pas do tipo convencional com ciclo completo, ou seja, possuem grandes unidades de decantao aps os floculadores e antecedendo as unidades de filtrao. Nesse tipo de sistema, a maior parte dos slidos presentes na gua removida nos decantadores e acumulada no fundo dos mesmos na forma de lodo. Esse lodo geralmente se encontra bastante diludo, necessitando ser submetido a operaes que visam a sua concentrao, ou seja, a remoo de parcela da gua presente nesse lodo antes de sua destinao final. Por se tratar de situao mais freqente no pas e mais problemtica em relao gerao de lodos, no presente captulo e nos captulos subseqentes sero abordados com maior nfase os aspectos relacionados ao tratamento do lodo produzido nesse tipo de ETA, ou seja, do tipo convencional com ciclo completo.

2.2 Lodos de ETAs: Estratgias Usuais de Remoo de gua e de Destinao FinalCom o intuito de melhor ilustrar a discusso a respeito das estratgias mais usuais de tratamento e disposio final dos lodos gerados em ETAs de ciclo completo, foi construdo o fluxograma esquemtico mostrado na Figura 2.1. Essas estratgias envolvem diversas opes e tcnicas cujas pertinncias so grandemente influenciadas, dentre outros fatores, pelas caractersticas do lodo, da rea disponvel, do clima local e das condies scio-econmicas, culturais e ambientais da regio onde se pretenda implantar o sistema de tratamento do lodo. Nesse mesmo fluxograma (Figura 2.1), so mostrados tambm, como exemplo, os volumes de gua e de lodos usualmente descartados ou perdidos ao longo do sistema de tratamento de gua convencional. Assim, so indicados em cada unidade de tratamento os respectivos volumes de perdas de gua, cujos valores so omitidos, pois variam muito de um caso para outro. Essas perdas dependem da qualidade do projeto, das estruturas e equipamentos (vlvulas, adufas etc.), de seu estado de conservao, alm da qualidade da operao e manuteno da ETA considerada.

Cap. 2

Principais Caractersticas Quantitativas e Qualitativas do Lodo de ETAs

23

Alcali (em alguns casos) Coagulante (sais de alumnio ou ferro) Estgio 1: coagulao/plotao Volume de gua coagulada quimicamente e floculada na ETA diariamente *V1 (perdas) Estgio 2: decantao Volume de gua decantada diariamente na ETA *V2 (perdas) LD Lodo descartado dos decantadores (usualmente na faixa de 0,1% a 1,5% do volume inicial) Tanque de equalizao ALAF Estgio 3: filtrao Volume de gua decantada diariamente na ETA *V3 (perdas) Estgio 4: desinfeco e estabilizao da gua Volume final de gua produzida na ETA diariamente (normalmente em torno de 95% a 98% do volume de gua bruta)

Volume de gua bruta a ser tratada na ETA diariamente

Outra alternativa (lagoas)

*V1, V2 e V3: perdas por vazamentos

Outra opo: enviar ALAF para espessameto junto com LD

Outra opo mais econmica: descarte direto para a rede de esgoto (com vazo controlada desde que seja permitida pelos orgos competentes)

gua utilizada na lavagem dos filtros (2% a 5% do volume inicial)

Outra opo: enviar ALAF para espessamento junto com LD Outra alternativa (lagoas)

ALAF

TS na faixa de 0,1% a 0,03% usualmente, sendo 0,015% um valor tpico

Lagoas de lodo ou lentos de secagem

Lagoas de lodo ou lentos de secagem

Lagoas de lodo ou lentos de secagem

Opcionalmente, pode ser efetuada a recuperao do coagulante presente no lodo

LD

L

Reunio dos lodos da ETA (LETAs) (TS* na faixa de 0,1% a 2% usualmente) Lquido sobrenadante Lodo sedimentado

O sobrenadante pode ser recuperado na ETA (volta aos estgios iniciais)

Lodo espessado Vai para a rede de esgoto (ou em certos casos pode retornar ETA) Lquido clarificado

Unidades de espessamento do lodo por flotao ou por sedimentao

Sobrenadante (vai para rede de esgoto)

Lodo espessado (usualmente com TS > 2%)

Lquido drenado (vai para a rede de esgoto) O lodo depositado aps longo perodo de tempo (at meses) deve ser dragado e disposto em aterro sanitrio ou outro tipo de disposio adequada

Unidades de desidratao final do lodo espessado (centrfugao, filtros prensas, filtros de esteira etc.)

Torta (resduo final): a) disposio em aterros sanitrios (desejvel teor de slidos > 25%) b) disposio controlada em certos tipos de solos (desde que permitida pelos rgos competentes) c) co-disposio com biosslidos gerados em ETEs

Observao: **TS: teor de slidos totais presentes no lodo ou na torta.

Figura 2.1 Diagrama conceitual mostrando os volumes de gua e de lodos produzidos em uma ETA de ciclo completo que utiliza sais de alumnio ou ferro como coagulante e algumas opes de tratamento do lodo e disposio final dos resduos.

24

Noes Gerais de Tratamento e Disposio Final de Lodos de Estaes de Tratamento de gua

Na Figura 2.1, so indicados tambm alguns valores referentes aos volumes de lodos e guas de lavagem de filtros produzidos, alm da faixa usual de concentrao desses efluentes em algumas etapas do tratamento ilustrado. Tais valores tambm costumam variar de caso para caso, devendo ser entendidos apenas como exemplos comumente encontrados na prtica. Apresenta-se a seguir uma discusso geral acerca das estratgias mostradas na referida figura. importante frisar que existem outras opes possveis para tratamento e disposio final de lodos, as quais no se encontram aqui apresentadas, tendo em vista que o escopo deste captulo to somente fornecer os conceitos gerais considerados mais importantes acerca do assunto. Inicialmente, vale lembrar, conforme discutido em detalhes no Captulo 8, que uma das maneiras mais baratas de disposio final de lodos gerados em qualquer tipo de ETA, convencional ou no, consiste em seu lanamento direto na rede de esgoto, sem qualquer tipo de tratamento, a no ser a presena de um tanque para controle e regularizao da vazo de lanamento. Conforme mostrado no esquema da Figura 2.1, nos casos em que tal prtica no seja possvel, duas outras alternativas so usualmente adotadas. Uma delas consiste na utilizao de lagoas ou leitos de secagem de lodo, possveis quando se tenha disponibilidade de grandes reas para implantao, condies climticas favorveis e gerao de lodo com caractersticas propcias a esse tipo de alternativa de remoo de gua. Os sistemas de lagoas de lodo possuem, geralmente, duas ou mais unidades operando em paralelo. Essas unidades devem possuir, em seu entorno, proteo para evitar o acesso de guas pluviais das reas vizinhas. O lodo encaminhado continuamente para uma das lagoas at seu completo enchimento. A partir de ento, a lagoa retirada de operao, permitindo-se a desidratao do lodo acumulado.(7) Normalmente, em regies de clima temperado tem-se verificado que o lodo no se desidrata muito bem em lagoas,(2) exigindo reas muitas vezes exageradas para a implantao das lagoas. Em geral, so obtidos melhores resultados com a transformao das lagoas de lodo em leitos de secagem de lodo por meio da colocao de drenos (de areia, por exemplo) no fundo das lagoas. Dessa forma, obtm-se filtro rudimentar, em que, apesar de ter pequena carga hidrulica, ocorre filtrao de parcela da gua contida no lodo simultaneamente evaporao na superfcie.(2) Essas unidades so conhecidas como leitos de secagem de lodo. Aps o perodo de secagem, tanto no caso de lagoas quanto de leitos de secagem, deve-se promover a remoo, por dragagem, do lodo concentrado no fundo das unidades, para posterior destinao final adequada (em aterros, por exemplo).

Cap. 2

Principais Caractersticas Quantitativas e Qualitativas do Lodo de ETAs

25

Nos EUA, a prtica tem mostrado(2) que, em um grande nmero de casos em que se tinham lodos gerados a partir da coagulao com sais de ferro ou de alumnio, o emprego de lagoas no foi capaz de fornecer lodos com concentraes de slidos acima de 9%. No Captulo 6 deste livro apresenta-se uma discusso mais aprofundada acerca de lagoas e leitos de secagem de lodos. Ainda com base no diagrama mostrado na Figura 2.1, observa-se que uma alternativa bastante interessante do ponto de vista econmico a recirculao, ou aproveitamento, da gua resultante da lavagem de filtros. Essa gua usualmente contm concentraes no muito elevadas de slidos suspensos (SST na faixa de 200 a 500 mg/L) e representa uma parcela considervel do volume de efluentes lquidos produzidos nas ETAs. Por isso, a prtica de recirculao dessa gua cada vez mais freqente, podendo ser realizada sem ou com etapa prvia de clarificao em unidades de sedimentao. Esta ltima opo mais recomendvel por minimizar o retorno ETA de substncias ou organismos objetveis porventura associados aos slidos suspensos da gua de lavagem. Nesse caso, o lodo acumulado no fundo dos tanques de sedimentao da gua de lavagem dos filtros, aps seu descarte, reunido ao lodo proveniente dos decantadores da ETA para serem submetidos (conjuntamente) ao tratamento e disposio final. No Captulo 7 ser apresentada uma discusso mais detalhada acerca da recirculao da gua de lavagem de filtros, juntamente com estudos de caso. Uma terceira estratgia para remoo de gua de lodos de ETAs, de acordo com o esquema ilustrado na Figura 2.1, consiste em promover o tratamento dos diferentes resduos lquidos da ETA em unidades e etapas de tratamento separadas e seqenciais. Esse tratamento seqencial tem por objetivo principal a remoo gradativa da gua contida no lodo, de forma a obter torta com concentrao de slidos adequada para seu transporte econmico e disposio final adequada. Os custos envolvidos no transporte do resduo final (torta) dependem da distncia entre a ETA e o local de disposio, podendo tornar-se consideravelmente elevado nos casos em que o lodo no tenha sido suficientemente desidratado. Ademais, os aterros sanitrios podem, muitas vezes, apresentar restries quanto umidade mxima permitida para recebimento da torta. Assim, importante que os sistemas de remoo de gua de lodos sejam capazes de produzir tortas bastante desidratadas, sendo recomendado por alguns autores que se obtenham tortas com teor de slidos totais (em massa) acima de 25%, para o caso de disposio de lodo gerado a partir da coagulao com sulfato de alumnio em aterros sanitrios.(2) Geralmente, a primeira etapa dos sistemas de tratamento de lodo gerados em ETAs convencionais consiste em seu espessamento, que usualmente pode ser realizado

26

Noes Gerais de Tratamento e Disposio Final de Lodos de Estaes de Tratamento de gua

em unidades de sedimentao (espessamento por gravidade), em unidades de flotao por ar dissolvido (espessamento por flotao) ou em espessadores mecnicos de esteira. Essa etapa tem por objetivo a separao de parte da gua mais facilmente removvel do lodo com vistas diminuio do volume desse lodo e, conseqentemente, possibilitar a reduo no tamanho dos equipamentos utilizados na etapa subseqente de desidratao final do lodo, cujos custos de implantao e de operao (energia, manuteno etc.) dependem do volume e das caractersticas do lodo a ser desidratado. As diversas alternativas para desidratao final do lodo sero discutidas em detalhes nos Captulos 4, 5 e 6 deste livro, enquanto a etapa de espessamento do lodo apresentada no Captulo 3. Para que se tenha um melhor desempenho das operaes de reduo da quantidade de gua presente nos lodos de ETAs que utilizam sais de ferro ou alumnio como coagulantes, usual que se faa previamente o condicionamento fsico ou qumico do lodo. O condicionamento fsico por congelamento seguido de descongelamento do lodo costuma ser empregado em pases de clima frio, onde possvel tomar partido do congelamento e descongelamento naturais, de ocorrncia sazonal. Em pases de clima quente, essa tcnica apresenta custos demasiadamente elevados. Por sua vez, o condicionamento qumico de lodos de ETA realizado por meio da adio de produtos qumicos que auxiliam a remoo da maior parte da gua presente nesse lodo, como, por exemplo, a cal ou solues de polmeros sintticos. Estes ltimos, tambm designados polieletrlitos, tm sido utilizados na grande maioria dos casos, tanto na etapa de espessamento quanto na etapa de desidratao desse tipo de lodo. Os polmeros sintticos podem ser classificados em trs categorias bsicas, de acordo com a carga apresentada por suas molculas em solues aquosas: polmeros aninicos (cargas negativas), polmeros catinicos (cargas positivas) e polmeros no inicos (sem carter marcante aninico ou catinico). Essa classificao geral, existindo outros parmetros adicionais que podem auxiliar em uma melhor caracterizao dos polmeros, como a densidade de carga e a massa molecular dos mesmos. Conforme ser visto no Captulo 3, quando sero apresentados estudos de caso, na etapa de espessamento, o lodo, que inicialmente em geral apresenta teor de slidos na faixa de 0,1% a 1,0% nos casos de ETAs que utilizam sais de ferro ou alumnio como coagulantes, concentrado at atingir valores mais elevados de teor de slidos, usualmente acima de 2%. A seguir, esse lodo, j espessado, encaminhado s unidades de desidratao final, que podem ser constitudas, por exemplo, por centrfugas, filtros-prensa ou prensas desaguadoras. Na fase de desidratao do lodo, tambm usual a aplicao de polmeros sintticos para condicionamento qumico do lodo espessado.

Cap. 2

Principais Caractersticas Quantitativas e Qualitativas do Lodo de ETAs

27

Antes da etapa de espessamento do lodo, opcionalmente pode ser realizada a recuperao do coagulante presente nesse lodo. No Captulo 9 sero apresentados e discutidos detalhadamente os processos usuais de recuperao de coagulantes. No que se refere destinao final do lodo de ETAs, h vrias opes possveis de serem adotadas, dependendo da anlise da viabilidade tcnica, econmica e ambiental para cada caso. Diversos estudos vm sendo conduzidos visando busca de novas alternativas para destinao desse tipo de resduo. Dentre essas alternativas, conforme mostrado na Figura 2.1, possvel citar as seguintes:l

l

l

l

l

l

Disposio em aterros sanitrios: conforme comentado anteriormente, para que seja adotada esta opo, quando se tem lodo gerado a partir da coagulao qumica com sulfato de alumnio, usualmente recomendvel que a torta final tenha concentrao de slidos acima de 25%.(2) Co-disposio com biosslidos: o gerenciamento conjunto dos lodos de ETAs e dos biosslidos gerados em estaes de tratamento de esgotos pode ser bastante vantajoso do ponto de vista operacional. Essa mistura pode ser disposta diretamente em solos ou utilizada no preparo de compostos fertilizantes. O produto da mistura costuma apresentar menores teores de metais, tornando o produto mais facilmente comercializvel.(9) Disposio controlada em certos tipos de solos: alternativa possvel de ser adotada nos casos em que se comprove a no existncia de impactos negativos ao solo receptor dos resduos gerados na ETA. H alguns exemplos na literatura, em que lodos de ETAs vm sendo dispostos em fazendas de cultivo de gramneas.(9) Quando se tem a presena de alumnio no lodo, sua disposio no solo deve ser cuidadosa, pois o alumnio possui grande afinidade de ligao com o fsforo presente no solo, indisponibilizando-o para as plantas.(9) Aplicaes industriais diversas: como, por exemplo, na fabricao de tijolos ou outros materiais de construo. Diversos outros tipos de aplicaes industriais vm sendo estudados nos anos recentes. As aplicaes industriais dependem das caractersticas do resduo da ETA e do material que se pretende produzir, necessitando de estudos de viabilidade tcnica e econmica. Outro tipo de aplicao recente que pode apresentar vantagens, em alguns casos, a utilizao dos resduos slidos de ETAs na construo de bases de certos tipos de pavimentos. Incinerao dos resduos: normalmente, os custos inerentes a essa opo so bastante elevados, alm de resultarem na gerao de cinzas, as quais tambm necessitam de disposio final adequada, ou incorporao em algum tipo de produto. Outras novas aplicaes: novas idias a respeito da utilizao dos resduos de ETA tm sido buscadas, podendo vir a constituirem alternativas vlidas, desde que apresente viabilidade tcnica, econmica e ambiental.

28

Noes Gerais de Tratamento e Disposio Final de Lodos de Estaes de Tratamento de gua

Para melhor compreenso dos conceitos envolvidos no tratamento e disposio final desse tipo de lodo, apresenta-se, na prxima seo, uma discusso acerca das caractersticas qualitativas e quantitativas dos lodos gerados em ETAs.

2.3 Origem e Caracterizao Qualitativa e Quantitativa dos Lodos de ETAs ConvencionaisEmbora sem o intuito de aprofundamento sobre o assunto, para melhor compreenso das operaes de remoo de gua de lodos de ETAs, importante que sejam apresentadas algumas consideraes acerca das caractersticas qualitativas dos componentes presentes nesses lodos. Dentre os diversos modelos qualitativos que procuram definir as diversas fraes de gua presentes nos lodos, aquele mostrado esquematicamente na Figura 2.2 parece ser bastante elucidativo. De acordo com seus propositores,(8) qualquer tipo de lodo consiste em uma combinao entre uma fase slida com certa quantidade de lquido. O comportamento desse lquido no deve ser erroneamente assumido como sendo igual ao comportamento habitual da gua em seu estado lquido natural. Pois h diferentes formas fsicas da gua no lodo, as quais exercem influncia marcante na maior ou menor dificuldade de separao da fase lquida da slida. De acordo com o modelo ilustrado na Figura 2.2, so definidos os seguintes diferentes estados fsicos da gua presentes nos lodos,(8) em ordem crescente de dificuldade de separao:l l l

l

gua livre: gua no associada com partculas slidas. gua intersticial ou capilar: gua ligada mecanicamente, a qual se encontra presa aos interstcios dos flocos. gua vicinal: constituda por mltiplas camadas de molculas de gua fisicamente ligadas, as quais se encontram firmemente presas superfcie da partcula por meio de pontes de hidrognio. gua de hidratao: gua quimicamente ligada superfcie das partculas slidas.

Evidentemente, as quantidades relativas dessas diferentes fraes de gua determinam as caractersticas de reteno de gua dos lodos e, conseqentemente, o desempenho dos sistemas de remoo de gua utilizados. Um parmetro amplamente utilizado para avaliao da maior ou menor facilidade de remoo de gua de lodos a resistncia especfica filtrao. Quanto maior o valor desse parmetro, mais difcil a remoo, por filtrao, da gua do lodo. Geralmente, lodos de decantadores de ETAs apresentam valores de resistncia especfica

Cap. 2

Principais Caractersticas Quantitativas e Qualitativas do Lodo de ETAs

29

entre 5.1012 e 70.1012 m/kg,(6, 3) enquanto lodos gerados durante a lavagem de filtros apresentam valores desse parmetro na faixa de 0,1 a 15.1012 mg/kg.(6) A adio de polmeros sintticos para condicionamento qumico desses lodos usualmente diminui o valor da resistncia especfica filtrao, indicando melhoria nas condies de desidratao. No Captulo 7, ser apresentada a descrio dos procedimentos e equipamentos de laboratrio necessrios determinao da resistncia especfica filtrao de lodos, seguida de estudos de caso.

gua de hidratao ligada superfcie das partculas gua vicinal

gua intersticial

gua livre

Fonte: Smollen & Kafaar.(8)

Figura 2.2 Distribuio da gua no floco de lodo.

A densidade mida tambm constitui parmetro importante para caracterizao de lodos de ETAs. Ela funo inversa do teor de umidade do lodo, podendo ser calculada com o emprego da seguinte expresso,(6) vlida para lodos de ETAs com concentraes de slidos totais menores que 50% (em massa):'HQVLGDGH ~PLGD GR ORGR 7HRU GH VyOLGRV WRWDLV 7HRU GH VyOLGRV WRWDLV + 'HQVLGDGH GRV VyOLGRV 'HQVLGDGH GD iJXD

(2.1)

em que a densidade dos slidos pode ser determinada experimentalmente ou assumida igual a 2.500 kg/m3 para lodos de ETAs que utilizam sais de ferro ou alumnio como coagulante. Os principais parmetros fsico-qumicos usualmente utilizados para caracterizao dos lodos de ETAs foram comentados no Captulo 1 (veja as Tabelas 1.1, 1.2 e 1.3),

30

Noes Gerais de Tratamento e Disposio Final de Lodos de Estaes de Tratamento de gua

valendo citar, entre outros, os seguintes exames e determinaes fsico-qumicos e biolgicos: slidos totais (ST); slidos volteis (SV); slidos suspensos totais (SST); slidos suspensos volteis (SSV); pH; demanda bioqumica de oxignio (DBO5); demanda qumica de oxignio (DQO); concentrao dos principais ons metlicos de interesse (por exemplo, alumnio, ferro, mangans, cdmio, mercrio, chumbo, cromo, cobre etc.); concentrao de fsforo total, nitrognio total Kjeldahl (NTK); alm de ndices bacteriolgicos e biolgicos de interesse sanitrio (por exemplo, coliformes totais e fecais, contagem de ovos de helmintos etc.). A quantidade e as caractersticas dos lodos gerados em ETAs convencionais variam significativamente em funo da qualidade da gua bruta a ser tratada e do tipo e dosagem dos produtos qumicos utilizados no processo de coagulao dessa gua. Ou seja, depende das caractersticas do manancial e dos insumos utilizados no tratamento de suas guas. Alm disso, deve-se considerar que um mesmo manancial (principalmente rios) pode apresentar variaes sazonais significativas na qualidade da gua bruta, como, por exemplo, mudanas de turbidez, as quais influem marcadamente no s na quantidade como nas caractersticas do lodo formado no sistema de tratamento de gua. No que concerne ao tipo de coagulante utilizado, em geral ETAs que utilizam sulfato de alumnio como coagulante produzem lodo de colorao marrom, com viscosidade e consistncias que lembram chocolate lquido.(2) Esse lodo tixotrpico, isto , apresenta-se no estado de gel quando em repouso, mas torna-se relativamente fluido quando submetido a esforos cizalhantes, (4) e, geralmente, de difcil sedimentao ou flotao no estado natural. H, portanto, necessidade de adio de polmeros (ou outro tipo de condicionamento) para atingir desempenho adequado na operao de adensamento por flotao ou por sedimentao, conforme ser visto no Captulo 3, por ocasio da apresentao de estudo de caso. Obviamente, quando se adiciona algum tipo de polmero para condicionamento do lodo, altera-se o estado de equilbrio natural das fraes de gua em diferentes estados fsicos (conforme mostrado na Figura 2.2), favorecendo a eficincia de remoo de gua do referido lodo. Por sua vez, o lodo gerado em ETAs que empregam sais de ferro como coagulante tambm apresenta dificuldade de flotao ou sedimentao natural, requerendo adio de polmeros adequados flotao ou sedimentao, na etapa de espessamento. Esse tipo de lodo geralmente tem colorao marrom-avermelhada. Para aquilatar a real produo de lodo em sistemas de tratamento de gua, necessria a estimativa de dois parmetros muito importantes:(2)

Cap. 2

Principais Caractersticas Quantitativas e Qualitativas do Lodo de ETAs

31

i) A massa de slidos secos presente no lodo resultante do processo de tratamento. ii) O volume de gua descartada que atua como veculo da massa de slidos (citada em i). O primeiro parmetro pode ser obtido efetuando-se um balano de slidos no sistema. Para tal, deve-se avaliar primeiramente quais os slidos que devero aparecer como resduo. Na Tabela 2.1 so mostrados alguns dos resduos mais comuns em tratamento de gua.(2)Tabela 2.1 Resduos provveis gerados em processos de tratamento de gua.

QqRtvpTyyvqqvyvq Tyyvqrvyr Hhpvhtkvph Thvqrhytv Thvqrsr Qytr 8hy 8hmhvhqry 8y{v )RQWH)9r

Qrvrrqr)thih thih thih 8htyhomtvph 8htyhomtvph Uhhrtvp Uhhrtvpr promqrC 8yrqrhirq 9rvsrpom

6hrprSrtqp)Tyyvqqvyvq Tvyrrqhoh Qhryrrrqhoh Cvqyvqqrhytv Cvqyvqqrsr Trqhoh Pphihqrpiypv rshqyomqrphy rrvrh 8hmhvhqry @yom

TyyvqTrrr rpvvhq Tv Tv Tv Tv Tv Tv Tv Im

Em seguida, pode-se calcular estequiometricamente os resduos resultantes da aplicao do coagulante qumico. Na Tabela 2.2 so fornecidos valores tericos da produo de slidos devido introduo de diversos tipos de agentes qumicos na gua (valores expressos em grama de resduo gerado por grama de produto aplicado). As dosagens corretas de produtos qumicos, assim como a produo de slidos, podem ser melhor estimadas com a realizao de ensaios de laboratrio (Jar test) utilizando amostras da gua a ser tratada e os produtos qumicos escolhidos. A produo total de resduos pode ento ser estimada utilizando-se a vazo diria de gua a ser tratada. Na Tabela 2.3 so mostrados alguns valores tpicos encontrados na literatura.

32

Noes Gerais de Tratamento e Disposio Final de Lodos de Estaes de Tratamento de gua

Tabela 2.2 Produo terica de slidos.

QqRtvp

tqrTyyvqQqvq tqrQqRtvp

Tyyvqrvyr Hhpvhtkvph Tyshqrhytv !%p6yPC " 8yrspvp %%pArPC " Qytr 8hy Qrvr pshomvy~ry 8hmhvhqry 9rrqrqqhshqruvqhhomqyshqrhytvpyrspvp )RQWH)9r!Tabela 2.3 Impactos tpicos do tipo de manancial sobre a produo de resduos.

UvqrHhhpvhythqrrrhyvpihhyvqhqr thqrrrhyvppqvhhyvqhqr thqrvphyvqhqrpqvh thqrrrhyvphyvqhqrv thqrvphyvqhqrv )RQWH)9r

AhvhqrQqomqrSrtqtqrTyyvq TrpqrthUhhqh ! ' '" !#"% "#! #!$#

H diversas frmulas empricas propostas na literatura para a estimativa da produo de slidos em ETAs. Como exemplo, pode-se citar as seguintes estimativas da taxa de produo de slidos secos Ts (g de slidos por m3 de gua tratada):(5) a) Para ETAs que utilizam como coagulante sulfato de alumnio [Al 2 (SO4)3.14H2O]: Ts = [Dosagem de sulfato de alumnio [(mg/L) x 0,26*] + [Turbidez da gua bruta (uT) x 1,5**]* Fator que depende do nmero de molculas de H2O associadas a cada molcula de sulfato de alumnio (usualmente varia de 0,23 a 0,26).

** Razo entre a concentrao de slidos suspensos totais presentes na gua bruta e a turbidez da mesma (geralmente na faixa de 1,0 a 2,0).

b) Para ETAs que utilizam cloreto frrico como coagulante: Ts = [Dosagem de cloreto frrico [(mg/L) x 0,66*] + [Turbidez da gua bruta (uT) x 1,5]

Cap. 2

Principais Caractersticas Quantitativas e Qualitativas do Lodo de ETAs

33

FeCl3.6H2O), esse fator torna-se igual a 0,40. c) Para o caso do lodo produzido em sistemas de abrandamento com cal, Ts varia de acordo com o nvel de reduo de dureza da gua bruta. Em geral, de 2 a 3 mg/L de slidos secos so gerados para cada mg/L de dureza removida. Assim, tem-se: Ts = [2,5 x Dureza total removida (mg/L como CaCO3)]

* Considerando cloreto frrico anidro. Para cloreto frrico hidratado (cristal

Conforme comentado em ii), outro parmetro de interesse para o projeto de sistemas de tratamento de lodos de ETAs convencionais a quantificao do volume de gua que descartada juntamente com os slidos depositados nos decantadores ou, em outras palavras, a estimativa da concentrao de slidos no lodo descartado dos decantadores. Essa concentrao, tambm designada por teor de slidos no lodo, usualmente expressa em porcentagem (em massa) de slidos secos presentes no lodo. O teor de slidos no lodo descartado pelos decantadores varia bastante de uma ETA para outra, podendo apresentar valores na faixa de 0,1%-2,0%. Entretanto, na maioria dos casos, os valores situam-se abaixo de 1%.(1) Esse parmetro depende de uma srie de fatores, tais como:l l l l

caractersticas da gua bruta a ser tratada; tipo e dosagem de produtos qumicos utilizados para a coagulao/floculao da gua bruta; eficincia das unidades de floculao; tipo e eficincia dos decantadores aliados ao modo de operao de descarte do lodo acumulado nos mesmos.

Em relao aos dois primeiros fatores, vale salientar a importncia da escolha adequada do tipo de coagulante e respectiva dosagem tima, com a finalidade de obter boa eficincia nos processos subseqentes de clarificao da gua (floculao/decantao/ filtrao) aliada gerao do mnimo volume de lodo possvel. Para atingir tais objetivos recomendvel que sejam sempre realizados ensaios de coagulao/floculao/ sedimentao em laboratrio (Jar-test) ou, quando possvel, com instalao-piloto. No que se refere aos outros fatores, vale comentar que o tipo dos decantadores adotados e a maneira pela qual feita a descarga do lodo acumulado no fundo dos mesmos apresenta influncia marcante no valor do teor de slidos desse lodo. Por exemplo, decantadores retangulares convencionais desprovidos de removedores mecnicos de sedimentos, como aquele mostrado esquematicamente na Figura 2.3(a), acumulam grande quantidade de lodo at o momento de sua limpeza. O perodo de acumulao de slidos nesse tipo de unidade usualmente bastante longo, chegando

34

Noes Gerais de Tratamento e Disposio Final de Lodos de Estaes de Tratamento de gua

a meses na maioria dos casos. Essa situao favorece o surgimento de condies anaerbias na massa de lodo acumulado, ocasionando impacto nas caractersticas do lodo e da gua tratada. Uma das possveis conseqncias dessas condies anaerbias a dissoluo de metais presentes no lodo (como, por exemplo, Fe, Mn, Al e metais pesados). O tipo de decantador tambm influencia marcadamente o volume de lodo gerado em uma ETA. Assim, por exemplo, os decantadores retangulares providos de removedores de lodo mecnicos, como aqueles mostrados nas Figuras 2.3(b), 2.3(c) e 2.3(d), com operaes de descarte de lodo dirias (ou, em muitos casos, em perodos menores), acabam produzindo volumes de lodo maiores que os decantadores de mesmo formato, com operao manual de limpeza do lodo como aquele mostrado na Figura 2.3(a). No primeiro caso, devido ao menor tempo de acumulao do lodo no fundo dos decantadores, tem-se a gerao de lodo com menor contedo de slidos (menos espessos) que no segundo caso, ou seja, a massa de slidos produzida seria aproximadamente a mesma, mas a quantidade de gua associada aos slidos seria maior no primeiro caso, resultando em maiores volumes de lodo. Outro fator muito importante que influi significativamente no volume de lodo gerado a qualidade de operao dos decantadores providos de removedores mecnicos ou de dispositivos para descarga hidrulica (operados manualmente ou por meio de automao). A programao da freqncia e da durao dos descartes de lodo deve ser criteriosa. Ou seja, o perodo de tempo entre as descargas no deve ser pequeno demais a ponto de produzir lodo muito diludo (com baixo teor de slidos) nem exagerada a ponto de ser ultrapassada a capacidade de reteno de sedimentos do decantador (caracterstica de projeto do mesmo) ou de favorecer a decomposio do lodo retido. A freqncia dever ser ajustada tambm em funo das variaes sazonais da qualidade da gua bruta, principalmente no que se refere s mudanas no valor da turbidez da gua bruta, pois, conforme foi visto anteriormente, a taxa de gerao de lodo diretamente proporcional turbidez da gua bruta. No que se refere durao de cada descarga, a mesma dever ser estabelecida de forma que se tenha a interrupo da mesma no momento em que a parcela mais concentrada do lodo tenha sido descartada, evitando-se, na medida do possvel, que se tenha diluio excessiva e desnecessria do lodo. Essas observaes so importantes, pois, na prtica, muitos operadores, no tendo conscincia da importncia da minimizao do volume de lodo gerado, acabam optando pelo exagero na freqncia e durao dos descartes, a fim de garantir maior segurana em relao qualidade da gua clarificada que sai dos decantadores. Essa atitude, aparentemente mais cmoda do ponto de vista de operao do sistema de tratamento de gua, resulta em maiores dificuldades para o tratamento e disposio final dos resduos gerados na ETA, alm de provocar maiores perdas de gua no sistema.

Cap. 2

Principais Caractersticas Quantitativas e Qualitativas do Lodo de ETAs

35

Figura 2.3 Exemplos esquemticos de alguns tipos de decantadores utilizados em ETAs: a) Decantador retangular com retirada manual de lodo durante a limpeza da unidade. b) Decantador retangular com removedor de lodo tipo ponte-rolante. c) Decantador retangular com remoo de lodo por meio de correias dispostas no fundo da unidade. d) Decantador retangular contendo placas paralelas (sedimentao de alta taxa) e raspadores de fundo.

36

Noes Gerais de Tratamento e Disposio Final de Lodos de Estaes de Tratamento de gua

Outro aspecto interessante referente massa total de slidos suspensos totais (SST) gerada durante o tratamento da gua em ETAs convencionais o estabelecimento da parcela dessa massa que fica retida nos decantadores (descartada na forma de lodo) e da parcela que fica retida nas unidades de filtrao subseqentes (descartada juntamente com a gua de lavagem desses filtros). Quando o manancial superficial que abastece a ETA apresenta gua com caractersticas que no se alteram acentuadamente ao longo das estaes do ano, a relao entre o volume de lodo descartado dos decantadores e o volume de gua de lavagem de filtros (ALAF) no apresenta grandes alteraes sazonais. Por outro lado, nos casos de mananciais que apresentam grandes variaes sazonais na turbidez da gua bruta afluente ETA, observa-se, como conseqncia, uma relao Volume dirio de lodo/Volume dirio de ALAF tambm bastante varivel ao longo do ano. Isso ocorre porque a gua que sai dos decantadores apresenta geralmente turbidez pouco varivel comparada s grandes oscilaes de turbidez verificadas na gua bruta, desde que seja mantida boa eficincia da coagulao/floculao antecedentes decantao. Ou seja, a quantidade de slidos suspensos que diariamente tem acesso aos filtros usualmente no varia com muita intensidade, mesmo quando a turbidez da gua bruta oscila marcadamen