livro infantil na categoria crianÇa da fnlij: design ... · acontecem entre as décadas de 1960 e...

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INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6, Edição número 24, Outubro de 2016 - Abril de 2017. p 1 LIVRO INFANTIL NA CATEGORIA CRIANÇA DA FNLIJ: design, ilustração e comunicação na primeira década de premiação. Anália Adriana da Silva Ferreira* Márcia Tavares Silva** RESUMO: Comumente, o livro infantil vem sendo analisado sob a ótica da literatura e/ou da educação por várias vertentes, inclusive pela dimensão imagética em sua concretização. No entanto, o olhar do design para esse objeto de estudo é ainda pouco explorado. Este artigo tem como proposta apresentar uma atualização sobre o diálogo entre as linguagens no livro ilustrado infantil, através de uma perspectiva panorâmica do design gráfico, nas obras compreendidas entre 1975-1985. Como metodologia, seguiremos uma abordagem descritiva e uma análise de aspectos dessa construção em obras premiadas da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), no período mencionado, para lançar um olhar sobre a comunicação nas obras infantis. A premiação é bastante conhecida no país, iniciou-se em 1975 e permanece até os dias atuais, destacando obras e autores exclusivamente no universo literário infantil e juvenil. Contemplar a primeira década desta premiação é uma oportunidade de compreender o discurso da comunicação visual, utilizado em uma época importante da literatura infantil e do design gráfico brasileiro. ABSTRACT: Usually, the children's book has been analyzed from the perspective of literature and/or education in various aspects, including the imagery dimension in its implementation. However, the look of the design for this object of study is still little explored. This article aims to present an update on the dialogue between the languages in the children's picture book, through a panoramic perspective of graphic design in the works between 1975-1985. The methodology will follow a descriptive approach and an analysis of aspects of the construction works awarded the Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) in the mentioned period, to have a look at communication in children's books. The award is well-known in the country, it began in 1975 and remains to this day highlighting books and authors exclusively on children and youth literary universe. Contemplating the first decade of this award is an opportunity to understand the discourse of visual communication used in an important era in children's literature and the Brazilian graphic design. PALAVRAS-CHAVE: Design gráfico. Livro ilustrado. FNLIJ. KEYWORDS: Graphic design. Illustrated book. FNLIJ. INTRODUÇÃO O livro destinado ao público infantil surge no meio do contexto de mudanças, implementado pela ascensão da burguesia, pela consagração da família e pela invenção da escola, adquire, muito usualmente em seu início, uma função utilitário-pedagógica, pois as narrativas eram pensadas para se converterem em divulgadoras dos novos ideais

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INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6, Edição número 24, Outubro de 2016 - Abril de 2017. p

1

LIVRO INFANTIL NA CATEGORIA CRIANÇA DA FNLIJ: design,

ilustração e comunicação na primeira década de premiação.

Anália Adriana da Silva Ferreira*

Márcia Tavares Silva**

RESUMO: Comumente, o livro infantil vem sendo analisado sob a ótica da literatura e/ou da educação

por várias vertentes, inclusive pela dimensão imagética em sua concretização. No entanto, o olhar do

design para esse objeto de estudo é ainda pouco explorado. Este artigo tem como proposta apresentar

uma atualização sobre o diálogo entre as linguagens no livro ilustrado infantil, através de uma

perspectiva panorâmica do design gráfico, nas obras compreendidas entre 1975-1985. Como

metodologia, seguiremos uma abordagem descritiva e uma análise de aspectos dessa construção em

obras premiadas da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), no período mencionado,

para lançar um olhar sobre a comunicação nas obras infantis. A premiação é bastante conhecida no

país, iniciou-se em 1975 e permanece até os dias atuais, destacando obras e autores exclusivamente no

universo literário infantil e juvenil. Contemplar a primeira década desta premiação é uma oportunidade

de compreender o discurso da comunicação visual, utilizado em uma época importante da literatura

infantil e do design gráfico brasileiro.

ABSTRACT: Usually, the children's book has been analyzed from the perspective of literature and/or

education in various aspects, including the imagery dimension in its implementation. However, the look

of the design for this object of study is still little explored. This article aims to present an update on the

dialogue between the languages in the children's picture book, through a panoramic perspective of

graphic design in the works between 1975-1985. The methodology will follow a descriptive approach and

an analysis of aspects of the construction works awarded the Fundação Nacional do Livro Infantil e

Juvenil (FNLIJ) in the mentioned period, to have a look at communication in children's books. The award

is well-known in the country, it began in 1975 and remains to this day highlighting books and authors

exclusively on children and youth literary universe. Contemplating the first decade of this award is an

opportunity to understand the discourse of visual communication used in an important era in children's

literature and the Brazilian graphic design.

PALAVRAS-CHAVE: Design gráfico. Livro ilustrado. FNLIJ.

KEYWORDS: Graphic design. Illustrated book. FNLIJ.

INTRODUÇÃO

O livro destinado ao público infantil surge no meio do contexto de mudanças,

implementado pela ascensão da burguesia, pela consagração da família e pela invenção

da escola, adquire, muito usualmente em seu início, uma função utilitário-pedagógica,

pois as narrativas eram pensadas para se converterem em divulgadoras dos novos ideais

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burgueses. Segundo Lajolo e Zilberman (2007, p.13), durante o classicismo francês, no

século XVII, são escritas as histórias englobadas como literatura apropriada à infância

que vão desde As fábulas (1668 e 1694) de La Fontaine, aos Contos da Mamãe Gansa

(1697) de Charles Perrault. Apenas no início do século XIX, os Irmãos Jacob e William

Grimm (1812) lançam a coleção de contos de fadas que será estimada como referência

do que seria a Literatura Infantil.

No Brasil, Lajolo e Zilberman (2007) registram que, apenas com a implantação de

imprensa régia em 1808, a produção editorial nacional começa a publicar livros para

crianças, embora ainda de forma descontinuada, descaracterizando o que deveria ser

uma produção de literatura infantil brasileira para a infância. Segundo as autoras, em

meados do século XIX, o modelo econômico industrializado e a imposição do modo de

vida urbano vão consolidar a escola e exigir os livros de leitura mais adequados ao leitor

infantil. Dentro do projeto de um Brasil leitor e atendendo as necessidades impostas

pela realidade da vida escolar, a produção de livros infantis destina-se ao corpo de

alunos das escolas. Os livros eram traduções e adaptações dos clássicos estrangeiros já

citados e, no meio de toda essa produção, destacavam-se os livros de mensagens

patrióticas, ufanistas, históricas, antologias folclóricas e temáticas. Esse panorama

segue, sem grandes modificações, até à edição de A menina do Narizinho Arrebitado

(1921), de Monteiro Lobato.

A elaboração do livro de literatura infantil brasileira segue, nos anos entre 1920 e 1945,

uma escalada no aumento de obras, volume de edições e interesse das editoras. O

período é marcado por predomínio de narrativas, envolvendo a floresta ou, sobretudo, o

campo e personagens tratados à exaustão, o que possibilitava uma profissionalização.

(LAJOLO; ZILBERMAN, 2007). A década de 1950 marca o Brasil como um período

de inovações importantes no campo gráfico, revelando “ares modernizantes que

transformavam economia e sociedade”. (CARDOSO, 2008, p.177). A etapa de

industrialização brasileira incide também sobre a literatura infantil a sua influência, e a

repetição de temas e personagens exploram intensamente cada veio aberto nas décadas

anteriores. O país vive o momento da chegada da TV e essa comunicação audiovisual

massificada provoca um impacto nas artes gráficas do país, de tal forma, como mostram

Ramos e Melo (2011, p.245) “a cultura visual não seria mais a mesma depois da

televisão”.

Nesse sentido, a produção maciça de obras infantis revela um pouco do elo iniciatório

com a visão pragmática e pedagógica dos contos de fadas e outros tantos textos que

retomam a ideia de didatismo da mensagem. Mesmo assim, há uma parcela da produção

que contribui de forma significativa para o crescimento de autores interessados no

universo ficcional infantil. As mudanças mais expressivas da literatura infantil

acontecem entre as décadas de 1960 e 1970, dentro de um contexto cultural e social de

urbanização da sociedade brasileira e alavancadas pelo aumento de bons autores e de

suas obras, e, sobretudo, de leitores. Chico Homem de Melo, em seus estudos sobre a

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história do design gráfico brasileiro, afirma que “falar em aumento de público implica

falar, também, em aperfeiçoamento das estratégias de atração do consumidor”,

mostrando como principal mudança neste objeto cultural o cuidado com o projeto

gráfico das capas, que passa a ser tratada como “instrumento de sedução”. (MELO,

2011, p.61-62).

Se considerarmos dentro desse percurso histórico, desde o fim da década de 70, que a

literatura infantil brasileira passou por um enorme desenvolvimento para adequar-se às

características de um público que se transformava, conforme as mudanças sociais, é

pertinente investigar o livro como objeto cultural e as alterações sofridas em sua

constituição física para concretizar essas transformações.

Em consonância com as mudanças ocorridas em torno do livro e da literatura infantil,

em 1968 é criada no Brasil a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, FNLIJ,

cujo objetivo, entre outros, é divulgar e premiar publicações de qualidade no cenário

nacional. A premiação começa em 1975 com uma única categoria: criança. Ao longo

dos anos, ganha força e respaldo e, atualmente, é a única no país com todas as

categorias voltadas exclusivamente para o livro infanto-juvenil. Suas listas de

premiados saem anualmente e tornaram-se um recorte importante da produção literária

nacional.

Para compor nossa investigação serão considerados os premiados entre 1975 e 1985 da

categoria Criança, os dados dessa pesquisa se referem a uma amostra de um recorte de

nossa pesquisa de mestrado, em andamento, que tem como corpus os livros ilustrados

vencedores da categoria Criança ao longo dos 40 anos de premiação da FNLIJ. A

premiação da FNLIJ apresenta, atualmente, 18 categorias além da escolhida, como

melhor projeto editorial, melhor ilustração, ilustrador revelação, poesia, reconto,

teórico, teatro, jovem etc. No entanto, a categoria Criança, única presente desde a

primeira edição, foi escolhida por contemplar o livro como um todo, considerando suas

estruturas de narrativa visual e verbal.

Observar um período da evolução da produção literária infantil, e do livro como objeto

gráfico, é compreender um pouco mais sobre o momento histórico em que se encontra

cada edição, através das temáticas abordadas, bem como da comunicação visual e da

linguagem gráfica destinadas a um público tão específico. Além disso, a premiação

atesta um conjunto particular de leitores, formado por escritores e ilustradores, na

observação de um acervo de proporções sempre crescentes. Nesse contexto, é

importante atentar para o papel da FNLIJ como fomentadora de uma composição do

quadro das mudanças ocorridas no livro como objeto cultural no âmbito da literatura

infanto juvenil.

1 O LIVRO INFANTIL E SUAS MÚLTIPLAS LINGUAGENS

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A ilustração tem papel importante na comunicação do livro infantil e é um dos meios

mais rápidos de interação junto ao leitor iniciante. Martine Joly afirma que “desde muito

pequenos, aprendemos a ler imagens ao mesmo tempo em que aprendemos a falar.

Muitas vezes, as próprias imagens servem de suporte para o aprendizado da linguagem”.

(JOLY, 2006, p.43).

Os livros destinados ao público infantil condensam, com alguma diversidade, a

articulação entre dois elementos: o texto escrito e a imagem visual. Essa articulação,

quando equilibrada, promove o uso coerente dos lugares de cada uma dessas

linguagens. Guardadas as devidas funções, o texto e a imagem podem dialogar e

construir outros significados, que sugerem o próprio jogo polissêmico da leitura. Um

jogo que, nesta relação, pode ampliar ou reduzir as possibilidades de leitura, seja por

recursos que se repetem na imagem o texto, ou que produzem complementação do texto

através da imagem. Essa visão pode favorecer uma perspectiva pragmática e

reducionista para a ilustração, considerando, claro, que essa perspectiva modifica-se ao

longo do percurso histórico de constituição da literatura infantil e juvenil. A partir dessa

relação entre texto e imagem no livro infantil, é preciso considerar como a presença da

ilustração determina a denominação de uma tipologia desse objeto e como essa tipologia

nos ajuda a perceber as nuances de sentido.

De acordo com essas relações dialogais e a participação da ilustração na obra, o livro

infantil pode ser classificado de várias formas, como: livros com ilustração, primeiras

leituras, livros ilustrados, histórias em quadrinhos, livros pop-up, livros-brinquedo,

livros interativos e imaginativos (LINDEN, 2011, p.24), livro-álbum (RAMOS, 2013,

p.85) e ainda o livro-imagem, formado exclusivamente por ilustrações, nas quais o

autor-ilustrador “constrói as imagens, e o leitor se apodera delas para contar o que

sugerem” (RAMOS, 2013, p.109).

O espaço e as funções da ilustração, neste objeto cultural, dividem várias críticas da

produção de Literatura Infantil Brasileira e se estabelece bastante, a partir do

entendimento das funções desse elemento. Para Nelly Novaes Coelho (2014), os

chamados álbuns de figura, ou livros de imagem, ou de estampa, são fundamentais para

a renovação da literatura destinada ao pequeno leitor. Pesquisas de psicanálise ligadas à

pedagogia conseguiram provar que “a linguagem das imagens era um dos mediadores

mais eficazes para estabelecer relações de prazer, de descoberta ou conhecimento entre

a criança e o mundo das formas - seres e coisas - que a rodeiam e que ela mal começa a

explorar”. (COELHO, 2014 p.186). A autora chama a atenção para o fato de “a nova

literatura” (que surge pós anos 70) oferecer “também ao adulto excelentes meios de

leitura crítica do mundo, a partir das ilustrações, desenhos e imagens que dinamizam os

referidos livros infantis”. (COELHO, 2014, p.197). Percebe-se que o espaço para a

ilustração é o de elemento de construção de significação das narrativas, no entanto, é

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necessário adotar uma perspectiva da ilustração não apenas como elemento constitutivo

do livro infantil, mas como um importante modificador de sentidos.

Essa é, de forma relativa, uma perspectiva um tanto tradicional, na qual havia uma

valorização da palavra escrita como portadora única de múltiplas leituras. A imagem

seria, neste contexto, uma linguagem óbvia e transitória, sem possibilidades de outras

significações, limitando-se à explicação e à sedução para uma experiência de fantasia e

imaginação permanentes. No âmbito dos escritores, retomamos Cecília Meireles (1951)

que, embora assuma críticas sobre a Literatura Infantil e uma perspectiva restritiva ao

livro ilustrado e colorido, que abusa de gravuras e se deixa seduzir pelos encantos do

desenho, faz outras considerações sobre o papel da ilustração:

Para os pequeninos leitores, a boa lei parece ser a de grandes ilustrações e

pequenos textos. Grandes e boas ilustrações, – pois à criança só se devia dar

o ótimo. Já noutras leituras, mais adiantadas, quando a ilustração não exerça

papel puramente decorativo, na ornamentação do texto, talvez se devesse

restringir às passagens mais expressivas ou mais difíceis de entender sem o

auxílio da imagem – como quando se trata de um país estrangeiro, com flora

e fauna desconhecida, costumes e tipos exóticos. (MEIRELES, 1951, p. 31)

É perceptível que a autora chama atenção para o duplo papel da ilustração:

ornamentação e esclarecimento do texto, embora, em seguida, reconheça um papel

significativo para a qualidade estética. Nesse caso, de um ponto de vista mais

tradicional, centrado no conteúdo verbal, estamos diante de uma separação radical,: ou

bem a imagem apenas explica o texto escrito, e esse é prioridade, ou bem o texto escrito

é enfadonho e a imagem é o que importa. Diante desses exemplos, abriu-se espaço, cada

vez mais, para as discussões sobre o papel da ilustração no livro infantil, considerando

que a natureza do leitor pretendido diz muito sobre formas diferentes de significar e que

a imagem faz parte da formação desse leitor. Essa discussão tomou outras proporções.

Assim, ao considerarmos a produção da literatura infantil e, ao mesmo tempo, do

elemento da ilustração em um percurso crescente, é possível afirmar que, nos livros

infantis brasileiros contemporâneos, o elemento visual está no centro, “e não mais como

ilustração e/ou reforço de significados confiados à linguagem verbal”. (LAJOLO;

ZILBERMAN, 2007, p.127). Retomando os elementos de construção da leitura do

visual, já levantados, Marly Amarilha (1997, p.56) comenta que “a ilustração contribui

para o desenvolvimento de alguns aspectos do leitor, como por exemplo, a imobilidade

da ilustração que favorece a capacidade de observação e análise” e promove “uma rica

experiência de cor, forma, perspectiva e significados”.

Assim, a partir dessas perspectivas se ampliam os sentidos da ilustração, que deixam a

acepção limitadora da função de ornar e elucidar o texto escrito, para fazer parte da

construção de sentidos da leitura e, assim, integrar as formas de leituras da escrita e da

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comunicação visual. Nesse sentido, percebemos o conceito de ilustração como uma

linguagem que estabelece uma relação com o texto, por vezes, mais plurissignificativa

do que apenas a descrição referencial. Segundo Camargo (2010), se compreendermos

essa relação de linguagens como uma coerência, permite-se criar para o ilustrador vastas

possibilidades de convergência com a linguagem verbal, que não limitam a exploração

da linguagem visual, mas, ao contrário, incentivam-na.

Na busca por reconfigurar o espaço da ilustração no livro infantil, o autor confere,

apoiado nas funções da linguagem de Roman Jakobson, oito funções à ilustração:

representativa, descritiva, narrativa, simbólica, expressiva, estética, lúdica, conativa,

metalinguística, fática e de pontuação. (CAMARGO, 1997). É importante ressaltar que,

raramente, a imagem desempenha uma única função, mas, da mesma forma como

ocorre com a linguagem verbal, as funções organizam-se hierarquicamente em relação a

uma função dominante. As funções delimitadas por Camargo (1997) compreendem uma

percepção de que a ilustração de um texto condensa muitas possibilidades de diálogo

entre o que está escrito e a imagem visual, carregando as leituras do texto de

significados, narrando as ações, usando de metalinguagens visuais ou simplesmente

anunciando seu início ou fim. A leitura dos elementos visuais compreende uma

comunicação visual, uma das possíveis abordagens do texto literário produzido para

crianças.

Essa comunicação realiza-se através dos elementos do projeto gráfico, das tipografias

utilizadas, do espaçamento entrelinhas e entre palavras do texto, da diagramação das

páginas, do uso das cores ou sua ausência, de estilos e técnicas, entre outros aspectos.

Além disso, seguindo no âmbito das discussões apresentadas, se sobressai a perspectiva

de que a ilustração não se resume ao apoio circunscrito para ajudar a contar a história ou

ornamentar o texto, tão pouco significa apenas a explicação de trechos do enredo. A

ilustração condensa os sentidos de um acervo cultural e de um repertório multifacetado,

inserindo o livro infantil no discurso da Indústria Cultural da imagem, que dialoga

constantemente com os signos verbais, e se apropria de elementos oriundos de outras

linguagens como o cinema, a pintura, os quadrinhos, a linguagem da publicidade, entre

tantas outras. O aspecto que parece mais significativo, nesse encontro entre imagem e

texto, é a percepção da forma como dialogam esses elementos, sem que haja o

predomínio de um sobre o outro. Nesse caso, então, realizar a leitura é proceder à

investigação do diálogo entre a ilustração e o texto, encontrar os significados que

redimensionem os sentidos e não apenas uma relação entre duas linguagens para

ampliar os sentidos desse fecundo jogo semântico.

2 DESIGN E COMUNICAÇÃO NOS LIVROS PREMIADOS

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A partir dos anos 70, as editoras apresentam maior cuidado com o projeto gráfico dos

livros, passando a ter profissionais capacitados para trabalhar especificamente com a

linguagem visual, como os artistas gráficos e plásticos (RAMIL, 2014). Com o

crescimento da população universitária, oriunda das décadas de 50 e 60, surge um

aumento do número de leitores jovens, com perfil cultural mais aberto aos recursos e às

novidades (MELO, 2008, p.61). A década é ainda a fase em que o Estado, através do

Instituto Nacional do Livro, promove grande investimento nas produções voltadas para

a população escolar. Diante deste cenário, Lajolo e Zilberman (2007) atestam:

O reflexo dessa nova situação não se fez esperar: traduziu-se no

desenvolvimento de um comércio especializado, incentivando, nos grandes

centros, a abertura de livrarias organizadas em função do público infantil e

atraiu, para o campo dos livros para crianças, um grande número de escritores

e artistas gráficos que, com mais rapidez que muitos de seus colegas

dedicados exclusivamente ao público não-infantil, profissionalizaram-se no

ramo. (...) Não é, assim, de se estranhar que, mais do que em qualquer época

anterior, nos últimos anos, em particular na década de 70, a produção literária

infantil brasileira conte com tantos autores e títulos (...). (LAJOLO;

ZILBERMAN, 2007, p. 124)

Em 1974 o artista plástico Eliardo França publica O rei de Quase-tudo pela Global

Editora, (Figura 1). O livro chega ao mercado em uma época de profissionalização do

ramo editorial brasileiro, sobretudo infantil. A obra critica um aspecto característico do

homem urbano que vive em meio ao contexto social de consumo desenfreado: a

necessidade do ter em detrimento do ser. Com texto curto, em linguagem simples,

França (1974) apresenta um rei que acumula riquezas e nunca está contente, até

compreender que a condição básica para a felicidade é a liberdade dos seres.

Correlacionando a obra ao regime político em que se encontrava o país, ditadura militar,

pode-se afirmar, ainda, que o texto é uma crítica ao direito de liberdade em uma

sociedade governada e amedrontada por tiranos.

Figura 1 - O rei de Quase-tudo.

Fonte – www.fnlij.org.br/site/pnbe-1999/item/258-o-rei-de-quase-tudo.html.

O livro inaugura a lista de vencedores na premiação da FNLIJ, 1975, seção brasileira

do International Board on Books for Young People, existente em 64 países.

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Trata-se também da primeira produção literária escrita por Eliardo, destinada ao público

infantil. Em cores vibrantes, traços simples e com poucos elementos de composição, o

autor-ilustrador se utiliza da narrativa visual para contar a história, um recurso ainda

pouco explorado nos livros brasileiros da época. A obra de França evidencia uma

contemporaneidade com os livros atuais ao utilizar essa comunicação com destaque às

ilustrações, que podem ser vistas tanto ocupando inteiramente a página sem a presença

de texto, quanto em proporções menores ao longo da narrativa, transformando O rei de

Quase-tudo em um livro atemporal.

Os anos de 1976 e 1977 trazem Lygia Bojunga como vencedora da categoria Criança,

com os livros Angélica, ilustrações de Vilma Pasqualini e A bolsa amarela, ilustrações

de Regina Yolanda, respectivamente. Voltados para o público fluente (10-11 anos), cuja

necessidade de leitura por imagens já não é indispensável, (RAMOS, 2013, p. 38),

ambos podem ser classificados como livros com ilustração, visto que possuem imagens

mas quem sustenta a narrativa é o texto. (LINDEN, 2011, p. 24). Ainda assim, não pode

ser ignorada ou diminuída a presença das ilustrações, já que acrescenta expressões,

olhares e sentimentos que o texto não contempla, sendo de grande valia para a

participação narrativa das obras.

Com temáticas envolvendo o processo de construção da personalidade dos personagens,

os livros de Lygia estão inseridos no contexto juvenil da premiação, muito mais que no

infantil. Outro que aparece também como livro com ilustração e para um leitor fluente é

o vencedor de 1978, Pedro, de Bartolomeu Campos de Barros e ilustrações de Sara

Ávila de Oliveira. Assim como nos livros de Bojunga, Pedro apresenta uma obra que

pode ser lida sem o auxílio das imagens, no entanto, esse elemento visual,

aparentemente aquarelado e em tons de cinza, engrandece o livro que é permeado por

borboletas para alçar voo às metáforas e a poesia melancólica da obra.

Os livros citados (Figura.2) embora contemplados na categoria Criança, têm uma

linguagem mais direcionada ao leitor fluente e ao jovem leitor, o que provavelmente

reflete na alteração feita pela FNLIJ para o ano seguinte.

Figura 2 – Angélica, A bolsa amarela e Pedro

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Fonte – Bojunga (1975), Bojunga (1976) e Queirós (1977)

Com a produção infantil ganhando cada vez mais visibilidade no mercado, a exclusiva

categoria Criança não conseguiu contemplar essas obras e ainda as destinadas ao

público juvenil, fazendo, assim, com que o livro infantil disputasse espaço com

romances para jovens leitores. Distinguir o livro para criança do livro para jovens é um

reflexo do cenário que já vinha enxergando o público infantil como expoente de vendas,

resultando em objetos culturais cada vez mais elaborados, mas que não conseguiam ser

contemplados pela categoria. Assim, o ano de 1979 é marcado por uma grande mudança

na FNLIJ, a inclusão da categoria Jovem, que estreia com Lygia Bojunga e o livro A

casa da madrinha. Para a categoria Criança, o premiado é a Coleção Gato e Rato de

Mary França e ilustrações de Eliardo França.

Lançada pela editora Ática, a Coleção Gato e Rato é um marco na literatura infantil,

cujo público alvo é o leitor iniciante, e tem como principal característica a imagem que

predomina sobre o texto. Com um projeto gráfico pensado para esse leitor, apresenta as

ilustrações em cores vibrantes, paginação dupla e texto de frases curtas, o formato é

retangular e a extensão das narrativas compõe fábulas com início, meio e fim, sem

muitos personagens e com uma só trama, quando não se caracterizam por explorar

apenas itens de descrição das situações apresentadas. Eliardo França se consagra no

cenário literário infantil e apresenta 35 títulos compondo a coleção com narrativa visual

em perfeito diálogo com a verbal, particularidade fundamental do livro ilustrado, como

visto na obra O jogo e a bola, (Figura 3), um dos exemplares da coleção. Com

narrativas divertidas, a coleção “oferece em cada volume uma historieta que se

desenvolve, através de uma narrativa visual, centrada em um motivo ou situação que

desperta a curiosidade e o interesse da criança”. (COELHO, 2014, p.199).

Figura 3 – O jogo e a bola, exemplar da Coleção Gato e Rato.

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Fonte – França (1980)

Todas as capas apresentam moldura colorida e uma cena que já coloca o leitor em

contato com a história. No caso de O jogo e a bola, a cor azul emoldura a cena e faz

relação direta com as asas do pato apresentado. A coleção encerra a década de 70 que

marcou o cenário do livro infantil e coloca a criança em evidência para os anos

seguintes, despertando o interesse dos autores que passam a transpor a barreira do medo

quanto à literatura infantil, se permitindo “opinar e posicionar-se, refletir, concordar e

discordar para dar lugar à criatividade e ao começo de construções de novos ideais”

(ABADE, 2013, p.16).

A década de 80 traz novos rumos da linguagem gráfica brasileira, anunciando um

cenário com feições semelhantes às encontradas nas décadas seguintes, com ares

plurais, aperfeiçoando técnicas e ampliando seu alcance. (MELO; RAMOS, 2011,

p.525). Inaugurando a década de 80, a FNLIJ elege Raul da ferrugem azul, obra de Ana

Maria Machado, com ilustrações de Patrícia Gwinner como vencedor do ano. (Figura

4). A obra apresenta os conflitos e medos de Raul, um menino que vê surgir manchas

azuis em seu corpo sempre que engole uma raiva, ou que não reage às situações de

conflito e de injustiça, deixando o medo falar mais alto.

Figura 4 – Raul da ferrugem azul.

Fonte – Machado (1979)

As ilustrações acompanham a narrativa textual e não se utilizam de cores, ao contrário

da capa, que apresenta um menino observando manchinhas multicoloridas que ocupam

um terço superior do espaço e seguem à contracapa, dando um movimento de ligação

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entra as partes. A capa, curiosamente, é um reflexo do design pós modernista

encontrado na época, em que os espaços em branco passam a ser valorizados tanto

quanto o texto. Dentro do livro, as imagens aparecem ora ocupando paginação dupla,

ora um terço da página ou metade dela. O texto mais volumoso denuncia uma indicação

de leitor em processo, fase em que o leitor já domina a leitura e procura por narrativas

com situação central, “um problema, um conflito, um fato bem definido a ser resolvido

até o final” (COELHO, 2014, p.37). Contextualizando o livro, Raul da ferrugem azul

aparece em um momento cuja marca do silêncio imposto pelo regime militar ainda

prevalece, evidenciando a preocupação da FNLIJ em apresentar livros atualizados tanto

nas temáticas da época quanto na linguagem visual.

No ano de 1981, vence o livro de temática indígena O curumim que virou gigante, de

José Rufino dos Santos e ilustrações de Lúcia Lacourt (Figura 5). O livro conta a

história de Tarumã, o indiozinho que queria tanto ter uma irmã e que passa a mentir

para os amigos da tribo, inventando histórias para justificar o porquê de ninguém a

encontrá-la.

Figura 5 – Capa de O curumim que virou gigante e cena interna.

Fonte – Santos (1982) adaptado de www.fnlij.org.br/site/item/352-o-curumim-que-virou-gigante.html.

A obra usa temas recorrentes da infância: o desejo de ter irmãos e a mentira. O grande

destaque é trazer uma história para a realidade indígena, apresentando expressões e

costumes para o leitor. As ilustrações de Lacourt não apresentam traços simples e

lúdicos, normalmente encontrados neste tipo de edição; trazem detalhes mais realistas

quase fotográficos, brincando com as cores em sua composição. Presente em toda a

obra, as imagens transportam o leitor para o mundo de Tarumã, sem exatamente

apresentar conformidade com o texto verbal. É na verdade, um reflexo do que nos

mostra Camargo, escritor e ilustrador, em seu livro Ilustração do livro infantil (1997),

muito mais do que apenas ornar ou elucidar o texto, a ilustração pode, assim,

representar, descrever, narrar, simbolizar, expressar, brincar, persuadir, normatizar,

pontuar, além de enfatizar sua própria configuração, chamar atenção para o seu suporte

ou para a linguagem visual, neste caso, para a temática da obra.

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O ano de 1982 elege Ruth Rocha com O que os olhos não vêem, ilustrações de José

Carlos de Brito como o melhor livro criança (Figura 6). É o terceiro da tetralogia de reis

de Ruth, cujo foco é, por meio da simbologia de rei, cidadãos e autoridade “estimular o

riso e a consciência crítica contra o poder absolutista” (MARIANO, 2012, p.55). São

desse momento os recontos de fada e as narrativas de intertexto com as personagens ou

situações dos contos de fadas tradicionais e europeus.

Figura 6– Capa de O que os olhos não vêem e cena interna.

Fonte – Rocha (1982).

Nessa obra, texto e imagem caminham juntas para contar a história de um rei que é

acometido de rara doença e passa a não enxergar nem ouvir pessoas pequenas,

subitamente todos os que habitam o palácio também adoecem. A surdez e cegueira é

vista com revolta pelo povo que, cansado de trabalhar e não ser atendido, resolve se

unir. Em pernas de pau e uníssono, o povo passa a ter voz de trovão, afugentando as

autoridades. Mais uma história de contexto social relacionada a ditadura militar, ainda

presente no país, e que encontra nos livros infantis um dos poucos espaços para

publicação, visto que a censura não olhava para essas obras. Percebe-se um detalhe no

uso da cor desta primeira edição, José Carlos curiosamente utiliza-se apenas da

tonalidade verde para complementar as ilustrações. Com traços predominantemente em

preto e branco, o verde aparece em detalhes, fundo de imagem e algumas vezes, o

inverso acontece, toda a página é verde com detalhes em preto e branco.

No ano seguinte, Uni duni tê, texto e ilustrações de Angela Lago, ganha a categoria

(Figura 7). A autora é a maior premiada em número de vezes da categoria criança,

durante os 40 anos de premiação, 6 ao total, sendo essa a primeira indicação. A obra é

um enredo policial com personagens conhecidos e menções a famosas cantigas de roda.

Terezinha de Jesus, Samba Lelê, o Cravo e a Rosa são alguns dos suspeitos dessa trama

para descobrir quem roubou o salamê minguê e o sorvete colorido.

Figura 7 – Capa de Uni, duni e tê e cena interna.

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Fonte – Lago (2005).

Com ilustrações sem uso de cor e ricas em detalhes, as imagens ocupam a parte central

das páginas, em uma moldura retangular, levam informações ao leitor, ajudam a

construir o imaginário narrativo, mas não são indispensáveis para contar a história.

Curiosamente, o desfecho da obra aponta como ladrão quem deveria cuidar do caso da

história: o delegado Samba Lelê. Ter o representante da lei como criminoso nesta

narrativa é uma inversão de valores, possivelmente justificada, mais uma vez, pelo

regime militar daquele momento. Embora a censura estivesse sempre atenta às

publicações que se rebelassem contra a polícia, o sistema vigente ou aparentasse

qualquer alusão a rebeliões de cunho político oposto ao regime militar, as obras infantis

foram claramente ignoradas ou ainda, subjugadas, como nos mostra esse panorama da

FNLIJ.

Considerando que é um livro em que autoria do texto e das ilustrações são exercidas

pelo mesmo nome, assim como visto em O rei de Quase-tudo (1974), não são

apresentados dados de realização diferentes dos usuais para a categoria. Embora não se

perceba discrepância entre as linguagens, ou inadequações, não há inventividade nem

uso de recursos que possam diferenciar essa de outras produções.

O ano de 1984 elege Os bichos que tive (memórias zoológicas), Sylvia Orthof e

ilustrações de Gê Orthof como vencedor da categoria (Figura 8).

Figura 8 – Capa Os bichos que tive e cena interna

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Fonte - Orthof (1983)

Com narrativa memorialista, a autora escreve em primeira pessoa, no intuito de contar

histórias divertidas dos bichos que permearam sua vida. As ilustrações sem uso de cor,

em traços finos e, muitas vezes, brincando com palavras na composição, aparecem por

todo o livro, mas sem adquirir caráter narrativo, pontuam as histórias e momentos

contados, além de apresentar os bichos como rã, elefante ou coelho, de modo lúdico,

tornando a obra mais atrativa. O leitor se envolve com as histórias ricas em detalhes e

geralmente permeadas por situações engraçadas, abarcando os bichos de Orthof. A obra

pode entrar na classificação de livro com ilustração, e é voltada para o leitor que já

domina a leitura. Destaca-se aqui, muito do humor que é marca característica da autora

e que transcende as linhas do texto e se encontra também nos traços das ilustrações.

Encerrando a primeira década, o ano de 1985 tem como obra vencedora o livro de José

Paulo Alves, É isso ali, com ilustrações de Carlos Brito. (Figura 9). Esse é o primeiro

livro de poemas para crianças de José Paulo Paes, que brincou com bichos, alfabeto,

vampiros e Frankstein para construir 16 poemas permeados por ilustrações, sem uso de

cor, que elucidam e adornam cada poesia. Brito destaca em suas ilustrações partes do

texto, personagens ou dramatiza a cena contada, enriquecendo e valorizando ainda mais

o poema apresentado.

Figura 9 – Capa de É isso ali.

Fonte: Paes (1984)

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Com humor e texto cheio de brincadeiras, o autor leva “o leitor a um jogo lúdico de

construção dos inúmeros significados que as palavras podem ter, quando arranjadas de

diferentes maneiras” como afirma Graça Monteiro em parecer sobre a obra para a

FNLIJi.

CONCLUSÕES

No percurso histórico da literatura infantil, o livro para criança tornou-se um objeto que

transpõe as fronteiras da leitura imediata e oral para ocupar o espaço de objeto cultural e

definidor de práticas de leitura. Nesse sentido, é necessário que se desautomatizem os

preconceitos e fórmulas prontas, em relação aos elementos que o compõem, seja o texto

e suas temáticas seja a linguagem visual que o define. A análise da ilustração no livro

deve estar relacionada à compreensão da importância do desenho para a formação do

leitor infantil, da linguagem visual como portadora de significados e do contato

essencial entre a imagem e o texto escrito. Essa percepção só é viável se a visão

pragmática e fragmentada da leitura for abandonada, em nome do desenvolvimento da

capacidade criadora que incentive e explore a imaginação da criança. O conhecimento

através de várias fontes, a intervenção equilibrada de um repertório vasto e as relações

com a comunicação visual são caminhos a serem percorridos.

Nos livros contemplados pela FNLIJ, na primeira década de premiação, é possível

observar um interesse maior quanto ao campo temático do que na intricada relação

palavra-imagem. Sejam sobre questões políticas ou crescimento pessoal, os assuntos

abordados revelam uma preocupação em olhar a criança como ser em desenvolvimento

e assim, permeado por dúvidas, medos e curiosidade, além de, lançar olhar crítico sobre

o momento político-social em que esse leitor se encontra, como nas obras com temática

explicitamente política, caso de O rei de Quase-tudo e O que os olhos não vêem, ou que

refletiam o comportamento social decorrente do regime militar, como visto em Raul da

ferrugem azul e Uni duni tê. O caráter didático ou moralizante encontrados nas fábulas

e contos infantis não ganharam espaço junto à premiação, que buscou olhar para obras

que se apresentassem como objeto cultural, revelando questões contemporâneas ou que

atentassem de forma inovadora para a comunicação com o público infantil.

Ainda que o livro ilustrado não seja nessa primeira década o mais contemplado, tendo

como representante apenas a Coleção Gato e Rato, todos os premiados contam com o

uso de ilustrações. Alguns se valem delas para acrescentar informações, utilizando-as

como apoio narrativo, como visto em Angélica, outros como elemento decorativo na

narrativa e no projeto gráfico, como em Os bichos que tive (memórias zoológicas) e

ainda aqueles que mesmo sem fazer conotação com o texto, transportam o leitor para o

universo apresentado, caso de O curumim que virou gigante.

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As relações encontradas entre a imagem e o texto, nos livros apresentados, alternam-se

entre repetição e/ou de complementaridade e narrativa visual, segundo os objetivos do

livro e a própria concepção do artista sobre a ilustração do livro infantil e o público alvo

a que se destina a obra, se um leitor iniciante ou fluente.

Deparamo-nos, desse modo, com um confronto entre essas funções para a imagem do

texto infantil: uma pedagógica, que define para a ilustração a explicação do texto

escrito, e outra lúdica, que amplia o significado do texto e atravessa os sentidos

possíveis esboçados nas cores e traços. Podemos entender a ilustração como uma forma

de aproximação com a arte visual e como uma linguagem que possui um significado

que pode ser lido e analisado, sem diminuir ou ancorar suas afirmações em hierarquias

entre as linguagens verbal e visual dos elementos do livro infantil. Em alguns casos, é a

ilustração que inicia o jogo de sentidos, em outros o texto, mas sem restringir a

possibilidade de construção de significados.

Não há como exigir que a ilustração traga todos os significados anunciados no texto,

nem que haja uma tradução visual, uma vez que cada elemento guarda suas devidas

características. O que se faz necessário é atentar para o fato de que a ilustração é um

elemento do livro infantil, carregada de sentidos e essencial na comunicação com o

leitor. A relação entre imagem/ilustração e texto não precisa ser repetitiva e explicativa,

mas necessita estabelecer um diálogo, no qual seja possível a exploração dos recursos

disponíveis ao leitor, para incentivá-lo na construção dos vários sentidos possíveis

nessas duas linguagens.

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Sites visitados: FNLIJ – www.fnlij.org.br

*Mestranda no Programa de Pós Graduação em Design da Unidade Acadêmica de Design -

Universidade Federal de Campina Grande.

** Doutora em Literatura Brasileira – UFPB. Professora do Programa de Pós Graduação em

Linguagem e Ensino – Universidade Federal de Campina Grande.

i Fonte: http://www.fnlij.org.br/site/pnbe-1999/item/218-%C3%A9-isso-ali.html.