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Uma análise do discurso dos jornais “O Rio Branco” e “Varadouro” durante a Ditadura Militar (1977 – 1981)

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Uma análise do discurso dos jornais “O Rio Branco” e “Varadouro” durante a Ditadura Militar (1977 – 1981)

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Copyrigth © 2007 - @ BONIFÁCIO, Maria Iracilda G. C. Editoração Eletrônica/Capa – LIMA, Reginâmio B.

Grupo de Pesquisa: O Discurso nas Redes do Poder.Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio (Coordenadora); Lelcia Maria Monteiro de Almeida; Claudenice Nunes dos Santos, Paula Regina Moura Leão da Silva.

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

i31 IDEOLOGIA E PODER: Uma análise do discurso dos jornais “O Rio Branco” e “Varadouro” durante a Ditadura Militar (1977 – 1981). Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio. Rio Branco: Cida, 2007.

124 p il.:

1. Jornalismo – Acre 2. Editoriais - Imprensa

CDU. 07(813.3) (091)

Revisão:Paula Regina Moura Leão da Silva Reginâmio Bonifácio de Lima

Diagramação:Anderson F. Silva

Impressão: GRAF-SET

Rio Branco – Acre2007

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AGRADECIMENTOS

A Deus, refúgio e fortaleza em todos os momentos;A meu esposo, Prof. Dr. Reginâmio Bonifácio de Lima, co-

orientador desse trabalho, pelo amor dedicado e por me fazer acreditar que é possível construir um mundo melhor para as gerações futuras;

A minha família pelo apoio e incentivo em todos os momentos. Meus pais: Selmo e Sebastiana pelo carinho e apoio nos momentos difíceis, me ensinando a trabalhar com honestidade e a lutar pelas coisas nas quais acredito;

A minhas princesas, vovós Julieta (in memorian) e Luzia, que me fizeram apaixonar pelas histórias de outrora;

A meu irmão Erivan, minhas irmãs Edilene, Edileuza, Etilene, Irenilza, minha irmã e bolsista Selyana, aos meus sobrinhos Thaylinne, João Marcos, Karoline, Ester, Emanuelle, Gabriel, Allys Beatriz, Stive e Kelven, que proporcionaram o suporte moral, emocional e contribuíram diretamente para esta realização;

A Prof.ª Dr.ª Simone de Souza Lima, pelo incentivo e preciosa atenção durante a pesquisa, ajudando a pensar o discurso como marca identitária dos sujeitos dessa pesquisa;

A Prof.ª Dr.ª Margarete Edul Prado de Souza Lopes, pelas ricas contribuições que nos levaram a pensar no importante papel da mulher no contexto da História Acreana;

Ao Prof. Dr. Elder Andrade de Paula pelas sugestões que muito ajudaram na elaboração do texto final do trabalho;

Aos servidores do Museu da Borracha, Biblioteca Central do Estado, CDIH e Biblioteca da UFAC, pela disponibilização do material analisado e referências bibliográficas, bem como pela presteza no atendimento;

À senhora Odília Andrade da Silva, servidora do Museu da Borracha, pelo reconhecimento do valor do patrimônio histórico

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com o qual trabalha e por tão prestativamente ter nos auxiliado durante anos de pesquisa, sempre sendo solícita e atenciosa;

Ao amigo Johny, da Karine Cópias, pela impressão das várias cópias de esboços desta obra e apoio com os materiais xerocopiados;

Aos jornalistas que atuaram nos jornais acreanos durante a Ditadura Militar, sobretudo nos jornais que enfocamos neste trabalho, “Varadouro” e “O Rio Branco”, por transporem para as páginas dos jornais os embates e lutas políticas vivenciados pela sociedade acreana neste tão difícil momento da História do país;

A todos que colaboraram direta e indiretamente para a elaboração deste trabalho, sem os quais não teria conseguido obter êxito.

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SUMÁRIO

PREFÁCIO.............................................................................. 07APRESENTAÇÃO.................................................................. 11

Capítulo I

OS DISCURSOS E OS EDITORIAIS ................................. 17 1.1A trajetória da imprensa riobranquense (1900-1985) .......... 231.1.1 A imprensa familiar e jornalismo opinativo (1900-1929).............................................................................. 241.1.2 A era dos manuais de redação (1930-1962)..................... 271.1.3 O jornalismo informativo: a ditadura do lead (1963-1985).............................................................................. 30

Capítulo II

COMUNICAÇÃO, IDEOLOGIA E PODER NO CONTEXTO DA DITADURA MILITAR ........................... 35 2.1 A Ditadura Militar no Brasil e sua influência no sistema de comunicação da Amazônia Ocidental................................. 372.2 A Ditadura Militar no Acre e sua influência na imprensa escrita........................................................................................ 44

Capítulo III

VARADOURO E O RIO BRANCO: a representação dos sujeitos através do discurso... 61 3.1 A luta pela terra no Acre e os embates entre os sujeitos.................................................................. 633.2 Os movimentos sociais urbanos em Varadouro e O Rio Branco........................................................... 72

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3.3 A Amazônia e a questão indígena: duelos no discurso da imprensa escrita acreana.......................... 853.4 A representação da luta pela sobrevivência nas “periferias” de Rio Branco................................... 993.5 O discurso nas redes do poder ........................... 108

REFERÊNCIAS.......................................................111

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Ideologia e Poder: uma análise do discurso dos jornais “O Rio Branco” e “Varadouro” durante a Ditadura Militar (1977 – 1981) é uma das mais belas e mais bem escritas obras sobre a imprensa acreana. Uma mistura de literatura e jornalismo, incidindo na linha tênue entre ambos, onde o saber das idéias e formulações é temperado pelos estudos culturais, buscando analisar “os discursos e suas condições de produção”.

Tive o privilégio de ser convidado pela autora para escrever estas modestas linhas, contudo, fica-nos a dúvida sobre quem é maior, a obra para a literatura, os estudos da linguagem e para o jornalismo de forma geral, por abordar temas tão complexos quanto apaixonantes com a riqueza de informações consistentes e a profundidade necessárias para uma obra expressiva, valorosa e sem pedantismo, ou a autora, pelos trabalhos que tem desenvolvido na sociedade riobranquense e a contribuição atuante nas relações entre pesquisa, ensino e sociedade.

Maria Iracilda já escreveu obras como O Imaginário Social: estudos dos editoriais nos jornais de Rio Branco – século XX; Habitantes e Habitat; Sonhos em BVA – Volume I e II; e este, Ideologia e Poder. Sua atuação é interessante porque enquanto prefacio este trabalho, que é fruto de sua Pós-Graduação em Cultura, Natureza e Movimentos Sociais na Amazônia/UFAC, no qual obteve nota máxima com distinção e louvor, tenho a grata surpresa de saber que a continuação dele, intitulada O Discurso nas Redes do Poder, já se encontra em fase final de escritura, objeto de sua dissertação de Mestrado em Letras – linguagem e identidade/UFAC, com possível publicação em 2008.

Lendo o título deste trabalho somos tentados a teorizar sobre o que é ideologia e o que é poder, permeados por pensamentos logitudinais, impelidos a lembrar de Homi Bhabha, Mircea Elíade, Stuart Hall, Bernardo Kucinski, quem sabe Eclea Bosi ou Paul Thompson, contudo, acredito que Iracilda escolheu

P R E F Á C I O

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bem para este trabalho os conceitos desenvolvidos por Michel Foucault, onde afirma que “o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas é aquilo pelo qual e com o qual se luta, é o próprio poder do qual queremos nos apoderar” (Foucault – A Ordem do Discurso).

As ideologias e os poderes envoltos nas linhas, nas fissuras e nas interjeições propostas neste livro dão conta de uma realidade móvel envolta na tempolabilidade da memória escrita dos jornais que foram produzidos durante o período da Ditadura Militar.

A divisão em três partes enseja uma pretensa iniciativa de projeção tempo-espaço ao leitor. Num primeiro momento, contudo, percebemos a parte inicial como uma exposição de motivos seguida de um breve histórico da imprensa riobranquense, que se liga diretamente com a segunda parte em que contextualiza as relações de poder, comunicação e ideologia, no contexto das representações sociais que ensejam coadjuvantes no cenário de transição dos anos de 1970 para 1980, tendo seu ápice com as representações dos sujeitos nos discursos dos jornais “O Rio Branco” e “Varadouro”. Sendo o breve último capítulo o desfecho de uma fase de estudo que já aponta para o que está por vir.

Tentando responder e pensar as várias questões que vão surgindo no percurso do livro, Maria Iracilda aborda, na primeira parte, intitulada A Trajetória da Imprensa Riobranquense (1900-1985), uma breve reconstituição do itinerário da imprensa acreana desde seu surgimento até o período da Ditadura Militar. Na segunda parte, intitulada Comunicação, Ideologia e Poder, no contexto da Ditadura Militar são trabalhadas as influências da Ditadura Militar na constituição dos discursos da imprensa na Amazônia Ocidental e no Acre. Na terceira parte denominada VARADOURO e O RIO BRANCO: a representação dos sujeitos através do discurso é feita uma discussão sobre a representação dos sujeitos discursivos, a partir do contraste entre editoriais dos dois jornais pesquisados. Nessa parte, a análise é feita a partir de quatro temáticas que se repetiram constantemente nos jornais Varadouro e O

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Rio Branco: a luta pela terra no Acre e os embates entre os sujeitos, os movimentos sociais urbanos, a Amazônia e a questão indígena: duelos no discurso da mídia escrita acreana e a representação da luta pela sobrevivência nas “periferias” de Rio Branco.

Sem dúvida alguma, vale a pena ler este livro que não esgota as possibilidades de leitura, mas, de forma dinâmica, enfoca as informações que circulavam nos referidos jornais, num período onde os cerceamentos de direitos e o controle à liberdade de expressão intentavam insistentemente reprimir as diversas manifestações contra o regime militar.

O discurso jornalístico produzido em meio ao emaranhado de atividades que compõem as redes do poder, torna-se latente nesta obra, apresentando “o dito” e os “silenciamentos” circunstanciados pelos grupos políticos e ideológicos atuantes nos jornais riobranquenses durante a Ditadura Militar.

Neste trabalho, percebemos um considerável avanço na consistência das informações produzidas pela autora se comparado ao de mesmo gênero, produzido anteriormente. Ao passo que, esperamos já sem surpresa que a continuação desta obra seja ainda mais bem trabalhada e de elaboração progressivamente melhorada.

Com as abordagens aqui contidas, Iracilda contribui para o aprofundamento dos estudos referentes às interfaces do regime ditatorial instaurado no Acre, investigando suas especificidades no contexto da história nacional e como se deu a inserção da imprensa no contexto das relações de poder vigentes no Estado durante o período de 1977 a 1981.

Prof. Dr. Reginâmio Bonifácio de Lima

¹Licenciado em História e Especialista em Cultura, Natureza e Movimentos Sociais na Amazônia, ambos pela UFAC. Mestre e Doutor em Teologia, pela Fatebom/SP. É Coordenador do Grupo de Pesquisa Sobre Terras e Gentes: Amazônia em Foco/UFAC.

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APRESENTAÇÃO

A imprensa é valioso material de pesquisa. Ela participa, produz e veicula representações da realidade, registra, comenta e acompanha o percurso dos homens através da história, sendo alvo dos interesses dos grupos de poder, que a adulam, vigiam e/ou controlam. Por seu poder de irradiação, a imprensa, durante a Ditadura Militar, sofreu várias investidas dos líderes militares do regime, tanto para endossar seu projeto de homogeneização de idéias, quanto para silenciar as vozes dissonantes que resistiam ao processo de cerceamento de liberdades imposto pelo regime.

Mais de 40 anos se passaram desde que surgiu no cenário nacional o regime ditatorial, entretanto, a análise das relações entre imprensa e poder neste período ainda constitui uma lacuna nos estudos sobre a sociedade acreana. Buscamos, com este estudo, trazer à discussão os acontecimentos que marcaram o contexto da Ditadura em âmbito nacional e acreano, contribuindo para o aprofundamento dos estudos referentes às interfaces do regime militar instaurado no Acre. Muitos estudos já foram realizados enfocando o contexto sócio-político das décadas de 1970 e 1980 no Estado, entretanto, o viés da imprensa e de sua participação nessas transformações sociais foi tema de raros e esparsos trabalhos.

A partir de uma pesquisa realizada nas bibliotecas públicas existentes na capital acreana, encontramos apenas uma obra específica referente ao período da Ditadura Militar e sua relação com a imprensa acreana, a qual se intitula Comunicação Alternativa e Movimentos Sociais na Amazônia Ocidental, escrita pelo Prof. Dr. Pedro Vicente Costa Sobrinho. Neste livro, Costa Sobrinho (2001) resgata e analisa a contribuição e o apoio que o jornal Varadouro e o boletim diocesano Nós, Irmãos deram aos movimentos sociais no Acre durante o período de 1971 a 1981.

Diante da carência de produção escrita sobre a imprensa acreana, publicamos em conjunto com a Prof.ª Dr.ª Olinda Batista

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Assmar e o Prof. Gleyson Moura de Lima o livro O Imaginário Social: Estudo dos Editoriais nos Jornais de Rio Branco - Séc. XX². Este trabalho foi fruto da Pesquisa de Iniciação Científica, desenvolvida durante três anos, acerca das mudanças identificadas nas tendências discursivas dos jornais de Rio Branco no período do Acre Território (1900-1962) e Acre Estado (1963-1999).

Em Ideologia e Poder temos como foco o período da Ditadura Militar e sua relação com a imprensa. Neste livro, os jornais escolhidos para análise são O Rio Branco, que circula na capital acreana desde 1969, e Varadouro, que circulou no período de 1977 a 1981. A escolha desses dois periódicos se fez em virtude do desejo de contrapor dois posicionamentos antagônicos, de um lado, um jornal considerado “de linha oficial” que apoiava a ideologia dos grupos dominantes e, de outro, um jornal alternativo, que se posicionava ideologicamente a favor dos movimentos sociais e contra os atos do poder oficial. O qüinqüênio 1977 a 1981, época em que coincide a circulação dos jornais O Rio Branco e Varadouro, foi marcado por grandes transformações na estrutura social e na organização econômica e política do Acre.

A partir da análise dos editoriais, buscamos investigar como se articulavam as relações de ideologia e poder através do discurso dos jornais pesquisados e qual a influência desses textos na sociedade de hoje, tendo em vista que as instituições alcançaram sua forma atual através de alterações de suas partes constitutivas, ao longo do tempo, influenciadas pelo contexto cultural particular de cada época.

A escolha do editorial como texto base para estudar os escritos da imprensa riobranquense neste período se deu por seu alto caráter argumentativo, sendo um texto estruturado no sentido de expressar a linha de conduta do jornal e por sua vocação de focalizar assuntos do cotidiano. Nas palavras de Luiz Beltrão (1980), o editorial caracteriza-se por expressar “a opinião do editor o qual representa o grupo mantenedor da empresa jornal, logo apresenta o julgamento do grupo de elite do jornal sobre o problema em questão”.

²ASSMAR; BONIFÁCIO; LIMA, 2007.

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O fato de representar interesses antagônicos torna o editorial um discurso jornalístico de dupla competência, que mascara e desmascara, defendendo os interesses do jornal, ao mesmo tempo em que se arvora como porta-voz dos anseios dos grupos sociais. A opinião do editor atua como representação do grupo mantenedor da empresa jornal, trazendo o julgamento do grupo de elite do jornal sobre os problemas que o editorial aborda.

Lugar de discussão dos assuntos de relevância política, econômica e social, o editorial tem como função básica situar a posição corporificada dos grupos de interesse que regem o jornal em relação ao acontecimento que aborda, oferecendo a perspectiva de interpretação tida como a mais convincente pelos representantes do veículo de comunicação. Dessa forma, os limites de influência do editorial perpassam obrigatoriamente por sua repercussão na esfera política e econômica.

O editorial pode auxiliar na compreensão das visões de mundo que circularam na sociedade riobranquense durante o período investigado, atuando como forma de reescrita da história, dado seu alto grau de persuasão através de imagens e símbolos, que podem ser percebidos pelas suas próprias estratégias, utilizadas pelos donos do poder para dominar o imaginário social.

Segundo os Manuais de Redação Jornalística, que passaram a ser adotados na década de 1950 por jornais como o Diário Carioca e Tribuna da Imprensa e serviram de modelo para o fazer jornalístico do restante do Brasil, os editoriais não devem ser assinados, sendo sempre redigidos em terceira pessoa para reforçar a imparcialidade do veículo de comunicação. A disposição do texto nas páginas iniciais do jornal serve para consagrar o editorial enquanto espaço destinado a assegurar a ilusão de isenção jornalística, numa tentativa de apagamento da autoria.

A concepção de que o editorial não pode ser assinado, ditada pelos padrões da grande imprensa, trouxe alguns problemas quanto à identificação desses textos nos jornais do período da Ditadura Militar. Nessa época, quase não havia textos intitulados “editoriais” nos jornais riobranquenses, principalmente nos

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períodos em que se intensificava o estado de vigilância por parte dos militares, os jornais se reservavam a publicar textos essencialmente informativos. Em vista desta reflexão do contexto histórico sobre a produção jornalística local, os editoriais apareciam de forma camuflada. É bom lembrar que, embora a escrita dos jornais do período ditatorial em questão se caracterizasse pela linguagem informativa, a direção do jornal veiculava sua opinião em todos os números, o que percebemos pelo tratamento dado às notícias e pelo modo como eram construídas as imagens dos opositores do regime.

Assim, a identificação dos textos foi realizada por meio da observação de características essenciais na produção dos editoriais: a estruturação com vistas à persuasão, buscando direcionar a opinião do público, a apresentação gráfica destacada, o fato de vir nas páginas iniciais, o destaque entre as demais notas e a escrita em terceira pessoa tentando demonstrar imparcialidade. Além disso, buscamos perceber uma outra particularidade nesses textos: a abordagem de acontecimentos da realidade cotidiana. O responsável pelo editorial, em linhas gerais, privilegia fatos da realidade local, ocorridos no contexto do tempo presente.

É conveniente destacar que não se está afirmando que os jornais não se referiam a fatos acontecidos no passado, mas que essas referências ocorriam com menor freqüência, girando em torno, geralmente da exaltação dos combatentes da “Revolução Acreana” ou de personagens consagrados da história nacional. Os editoriais dos jornais riobranquenses do período da Ditadura Militar, quando retomavam essas temáticas de mitificação dos “heróis” e dos valores nacionalistas, buscavam a legitimação do poder oficial através da presentificação de ações pretéritas, por meio da comparação dos “feitos ilustres” desses personagens de outrora ao “empreendedorismo” dos líderes militares.

Através das tramas do emaranhado de redes do poder midiático é possível entrever os movimentos de resgate da memória e o estabelecimento de alguns traços das várias identidades sociais que circulam na sociedade acreana. E, tendo

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como ponto de partida a análise das relações de ideologia e poder expressas no discurso dos editoriais de jornais riobranquenses que circularam durante o regime de exceção, é preciso atentar para o fato de que essas múltiplas relações de poder que atravessam, caracterizam e constituem o corpo social, não podem se dissociar, se estabelecer nem funcionar sem uma produção, uma acumulação, uma circulação e um funcionamento do discurso.

O contraste entre os editoriais dos dois periódicos leva-nos a perceber que o discurso é artefato de manipulação e resistência. Por mais que no jornal O Rio Branco imperasse a linha editorial vinculada à ideologia dominante, alguns jornalistas não compactuavam com os cerceamentos impostos pelo regime militar. Ao se observar as páginas amarelecidas pelo tempo é possível entrever as rupturas, os movimentos de resistência e o modo singular com que vários jornalistas driblaram a censura, como, por exemplo, no caso da divulgação de notas sobre torturas nas delegacias acreanas e da violência que imperava nos conflitos de terras ocorridos com a implantação da pecuária na década de 1970.

Nossa intenção, neste livro foi aliar os estudos da linguagem aos estudos da história, por isso dialogamos com as idéias de Michel Foucault sobre o discurso enquanto espaço atravessado pelas relações de poder. Para Foucault, o discurso não se resume àquilo que traduz as lutas ou sistemas de dominação, mas é aquilo pelo qual o sujeito luta, o poder do qual queremos nos apoderar.

A contribuição do pensamento de Foucault se faz, principalmente, pela relação que estabelece entre saber e poder, ao afirmar que a concepção de discurso transcende o sentido “literal” dos enunciados, buscando numa relação com a exterioridade perceber o não dito, as condições de produção, o funcionamento e o porquê de o que foi dito ter sido expresso de uma e não de outra forma.

Escolher partir do editorial jornalístico é lidar com o que há de mais refinado no discurso dos jornais. Não que as demais categorias jornalísticas sejam menos importantes, mas o editorial é

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maquinalmente arquitetado, por estar a cargo de expressar a posição oficial dos grupos de interesses que comandam o jornal. Um editorial mal estruturado discursivamente poderia comprometer gravemente a própria permanência do jornal nas bancas. A partir da pretensão de representar fielmente a vida social, essa modalidade textual permite uma apreciação específica dos acontecimentos, auxiliando na produção da realidade dentro do jornal através da criação de sentidos e interpretações para os acontecimentos da vida social.

A análise do editorial enquanto elemento do gênero opinativo oferece subsídios para uma reflexão acerca das problemáticas históricas, políticas, sociais e econômicas da sociedade riobranquense do período investigado. O contexto em que esses editoriais foram escritos auxilia na compreensão de como estes influenciavam a vida da sociedade de sua época.

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Capítulo I

OS DISCURSOS E OS EDITORIAIS

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A mídia apresenta-se como uma das principais agências simbólicas, fazendo circular imagens da sociedade e de legitimação das posições políticas, produzindo sentidos por meio de um constante retorno de representações que compõem o imaginário social. A legitimação desse discurso, portanto, vai buscar sua origem no passado coletivo, que se organiza em uma tradição.

Durante o período em que vigorou o regime militar no Brasil, os meios de comunicação estiveram sob permanente vigilância dos órgãos de censura, através dos quais os militares impunham o silenciamento pela proibição de vozes discordantes. Um discurso monolítico, que os auto-intitulava salvadores da pátria, era um dos meios mais eficazes para silenciar as vozes discordantes, expressando o medo da voz do Outro.

A noção de Outro é aqui entendida como o "estrangeiro", o “que vem de fora”, a representação de tudo que há de diferente, portanto, aquilo que deve ser temido, por não ser compreendido. No caso da Ditadura Militar, o Outro é o “sujeito subversivo”, todos aqueles que se opõem ao regime. Assim, diante da ameaça das vozes dissonantes, a violência, imposta de forma simbólica ou através das armas, a tortura e a censura foram ações arquitetadas pelos líderes do regime militar para silenciar os que discordavam da palavra única ou das ações cometidas em seu nome.

Cada sociedade tem seus próprios “procedimentos gerais da verdade”. Os vários discursos que circulam na sociedade, sejam eles de ordem política, religiosa, econômica, médica, não podem ser dissociados dessa prática que determina para os sujeitos que falam tanto propriedades singulares quanto papéis preestabelecidos. Os discursos midiáticos, assim, ganham legitimidade quando proferidos por pessoas que detêm o saber/poder em uma sociedade, ficando, na maioria das vezes, silenciadas as vozes dos oprimidos.

Embora silenciada, não significa que a voz dessas pessoas excluídas da ordem do discurso não exista. Não se deve

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ignorar que a existência do poder não aniquila a possibilidade de resistência. O próprio apagamento desse discurso marginal denuncia os procedimentos de controle dos detentores do poder.

Mesmo sendo maioria, os pobres são banidos do espaço de discussão dos jornais. As raras vezes em que os jornais faziam menção destes era para tachá-los de bárbaros, subversivos, baderneiros, geralmente em notícias de “motins”, como nas greves de professores, de “invasões”, conflitos de terras na zona rural e nos bairros que então se formavam, ou ainda nas matérias sensacionalistas de crimes bizarros, publicadas em primeira página dos jornais de maior circulação na capital acreana.

Diante deste conturbado contexto, convém perguntar: Por que essas tensões sociais não estão explícitas nos jornais? Quais os reais objetivos dos grupos que comandavam a mídia escrita local ao promover essa homogeneização de discursos? Evidentemente para se manter no poder. Era de interesse dos donos do poder manter a “ordem” na estrutura social, continuar manipulando as camadas mais baixas da população através da produção de “idéias” que legitimassem sua dominação. Assim, através da preservação de certos valores culturais, as elites dominantes procuravam manter coesos grupos de interesses diversos.

Ao levantar esses questionamentos, entretanto, não estamos apelando a uma visão fatalista e reducionista, o que estamos afirmando é que as idéias dos grupos detentores do poder são as que têm se demonstrado em maior evidência através da história, justamente porque são essas elites que detêm a concessão dos meios de comunicação de abrangência extensiva a um maior número de pessoas em termos de doutrinação.

É certo que existem idéias múltiplas e diversas a esta dominação, mas, muitas vezes, acabam sendo sufocadas pela crueldade do discurso midiático homogeneizador. Mas, ao contrário do que se pensa, a resistência existe, embora não circule pelos espaços protagonizados pela grande elite. Se o discurso dos grupos dominantes predominou na imprensa escrita acreana, os

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próprios silenciamentos existentes nesses jornais apontam para os procedimentos de exclusão dos pobres da “ordem do discurso”.

Por mais que o discurso dos jornais atrelados ao poder oficial apresentasse as populações excluídas socialmente como “invasoras” das “propriedades alheias”, “baderneiros” e “responsáveis” pela marginalidade que aumentava na capital acreana, as vozes desses sujeitos “resistiram” ao processo de apagamento que vigorou durante a Ditadura Militar e chegaram até nós, encontrando uma outra forma de vir à tona que não as estruturas de poder que tentaram silenciá-las, sendo possível percebê-las nas entrelinhas do que foi dito e escrito a respeito desses sujeitos sociais.

Para Foucault, existem três noções imprescindíveis para se compreender o discurso e suas manifestações no corpo social: a verdade, o saber e o poder. Esses três conceitos estão indissociavelmente interligados, através de práticas contextualmente específicas. Foucault³ trabalha de forma inovadora as definições de poder e saber, ao afirmar que o poder não é algo que se possui ou detém, mas sim, algo que se exerce. Nesse sentido, o poder não precisa, necessariamente, se apresentar como repressivo, pois se assim o fosse estaria constantemente ameaçado. É preciso que esse poder se efetive de maneira simbólica, através da produção de imagens e sua disseminação como verdade nas várias esferas sociais.

Segundo Foucault, nenhum poder é absoluto, tampouco existe um poder indestrutível, que determina a dominação de um grupo sobre outras pessoas; o poder deve ser concebido como uma estratégia, cujos efeitos de dominação não devem ser atribuídos a uma apropriação, mas a um elaborado jogo de manobras, táticas, técnicas e funcionamentos. Logo, onde há poder há também resistência. É preciso considerar que todas as estruturas de poder são marcadas também por fissuras. Nesse sentido, o poder se estende por todas as camadas sociais, embrenhando-se pelos interstícios mais profundos das relações em sociedade.

Nesse sentido, o saber está intimamente relacionado com o poder, pois saber gera poder e o poder gera mecanismos de saber

³FOUCAULT, 1996.

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para constituí-lo, legitimá-lo e garantir sua manutenção. Nessa perspectiva, tudo está envolto em relações de saber/poder que se sobrepõem num jogo dialógico. Assim, as posições sociais mais privilegiadas nas relações de poder correspondem àquelas que exigem saberes mais especializados, estando, banidos dos lugares privilegiados os sujeitos desprovidos de saber reconhecido institucionalmente. Logo, textos e instituições constituem práticas sociais permanentemente amarradas às relações de poder, que as respaldam e as transformam.

Nesse sentido, “o discurso não é uma estreita superfície de contato entre uma realidade e uma língua”, pelo contrário, ele extrapola a mera referência a "coisas", existindo além do mero agrupamento de letras, palavras e frases. A proposta foucaultiana, então, é que as relações de poder sejam vistas a partir do próprio discurso, pois, segundo ele, as regras de formação dos conceitos não se prendem à consciência dos indivíduos. Essas regras residem, antes, no próprio discurso, organizando os saberes e impondo-se a todos aqueles que falam ou tentam falar dentro de um determinado campo discursivo.

Ao recusar interpretações pautadas na causalidade, Foucault considera que a realidade caracteriza-se, antes de tudo, por estar atravessada por lutas regidas pela imposição de sentidos. Assim, as práticas discursivas estão limitadas por uma “ordem do discurso”, que pré-determina o que pode ou não ser dito. Para o autor, “não se pode falar em qualquer época de qualquer coisa”, assim, antes, de se indagar as implicações quanto ao sentido, ao modo e às ações suscitadas pelo que foi dito, é conveniente refletir sobre o que possibilitou a existência desse discurso.

A “ordem do discurso” está centrada na linguagem, na lógica constitutiva de seu conteúdo e na relação com os poderes que se ocultam sob a capa desses discursos. O discurso não é apenas “ordenação de objetos”, ou grupo de signos, mas está centrado nas relações de poder. Assim, não existe discurso “neutro”, pois ele traduz as lutas ou sistemas de dominação.

É nesse ponto que as proposições de Foucault contribuem para o presente trabalho, na proporção em que as condições de

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produção do discurso interferem diretamente na configuração dos dizeres, sendo possível, através da suspensão das continuidades tratar cada momento do discurso, analisando as relações de poder em que estão imersos, a fim de perceber em um dado conjunto de enunciados por que foi possível tal singularidade acontecer ali, e não em outro lugar.

O debate com as teorias sobre o discurso aliadas às leituras sobre jornalismo e o contexto histórico suscitaram alguns questionamentos que nos conduziram durante o “passeio” que fazemos pela imprensa acreana durante a Ditadura Militar. Ao trazer à tona esses questionamentos sobre um passado que “insiste em não passar”, percebemos a atualidade do tema e o quanto precisamos voltar os olhos para trás e repensar os prejuízos que os silenciamentos trouxeram, o efeito das marcas que mancharam nossa história. Relembrando as palavras de Caetano Veloso, terá realmente passado de nós esse “cálice” ou ainda permanece o “cale-se”?

Que influência tem esses editoriais na construção da memória riobranquense? Que forças impulsionaram a produção discursiva desses jornais? Quem são os sujeitos constituintes dos discursos e como suas imagens eram construídas a partir dos editoriais? Como se deu a resistência dos jornais “alternativos” à tentativa política de silenciamento e dominação e como os jornais ligados ao poder oficial manipulavam a linguagem a fim de legitimar as ações dos donos do poder?

A idéia inicial de que o discurso dos jornais O Rio Branco e Varadouro representavam, respectivamente, o posicionamento de apoio e de oposição ao poder oficial, no percurso das discussões levantadas no livro convidam a perceber as rupturas. O que está posto deve ser questionado. Não há um jogo de “mocinhos” e “bandidos”, pelo contrário, os interesses que influenciaram a produção discursiva dos dois jornais se entrecruzam, mostrando que esta idéia inicial de que estamos diante de um “jornal que apóia o poder” e outro que o “critica mordazmente” era apenas uma face do fragmentário espelho do discurso.

4Ainda que o período enfocado neste trabalho estenda-se até o ano 1981, escolhemos trabalhar a reconstituição da trajetória da imprensa acreana até o ano de 1985. Para tanto, tomamos como base a divisão que apresentamos no livro “O imaginário social” (ASSMAR; BONIFÁCIO; LIMA, 2007).

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A TRAJETÓRIA DA IMPRENSA 4

RIOBRANQUENSE (1900-1985)

A compreensão do papel da imprensa nos embates político-sociais ocorridos durante a Ditadura Militar requer que pensemos nos fatos que influenciaram o fazer jornalístico nesse período. Antes disso, porém, faremos uma “viagem no tempo”, retornando à época de surgimento dos primeiros jornais da cidade de Rio Branco. Com o objetivo de entender melhor a trajetória da imprensa escrita na capital acreana, fizemos a seguinte divisão, tendo como marco as mudanças mais importantes tanto no contexto histórico quanto no projeto gráfico e na linguagem dos jornais. É bom lembrar que esta divisão deve ser entendida em termos muito gerais, já que o jornalismo de cada época se apresenta com muitas faces.

A imprensa familiar e o jornalismo opinativo (1900-1929)

O interdiscurso entre os acontecimentos históricos e as estruturas dos textos publicados nos jornais revela que o estilo jornalístico como existe hoje não surgiu por acaso, é resultado de uma série de transformações que estão intimamente ligadas com a evolução do próprio jornalismo. A compreensão do discurso jornalístico requer que analisemos tanto as técnicas redacionais e os procedimentos gráficos utilizados para persuadir o leitor, quanto seu aspecto simbólico expresso nas ideologias que o regem.

Os padrões jornalísticos riobranquenses do início do século XX receberam influência do estilo adotado pela imprensa nacional e mundial, sendo marcados por uma linguagem permeada de adjetivismos. Nessa época, as fronteiras entre o discurso jornalístico e o literário eram muito tênues. O fato de alguns jornalistas se dedicarem também à produção de textos ficcionais fez com que o jornalismo esboçasse durante muito tempo nuances próprias de textos literários. Além disso, o jornal figurava como meio de veiculação dos textos literários, através da publicação de poesias, contos, crônicas.

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O estilo jornalístico adotado durante as primeiras décadas do século XX é balizado no modelo francês, cuja técnica de escrita remete de imediato ao estilo literário. Os “excessos” de comentários, com textos marcadamente longos, matizados por um discurso mais livre e opinativo são aspectos que estão presentes nos jornais riobranquenses desta época. O aspecto gráfico privilegiava o texto longo, fazendo pouco uso de imagens. Neste primeiro momento da imprensa local quase não se utilizam ícones e fotografias; a palavra era o principal recurso apelativo dos redatores. Com o passar do tempo, a imprensa evoluiu com a aquisição de novas máquinas que conferiram uma nova estética aos textos jornalísticos.

Produzidos semi-artesanalmente, os jornais riobranquenses, desde seu surgimento, eram essencialmente opinativos, com pequena tiragem, circulavam entre grupos restritos, devido à falta de recursos financeiros para sua manutenção. Afora isto, a própria característica da sociedade riobranquense, fundamentalmente voltada para o extrativismo da borracha, revela que a mídia na região, desde os primórdios, atuava como produtora por excelência de imagens e símbolos destinados à manutenção de pequenos grupos no poder.

Prédio da Imprensa Oficial do Acre, inaugurada em 1925. Fonte: Álbum Fotográfico do Território Federal do Acre.

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O atrelamento da imprensa de Rio Branco, desde seu surgimento, ao poder oficial traz em seu bojo um estruturado jogo de interesses entre mídia e política. Os periódicos das primeiras décadas do século XX eram verdadeiros porta-vozes do Estado ou de grupos políticos que financiavam sua produção. A linguagem de alguns jornais era agressiva, marcada pelas paixões políticas comuns aos debates da época. O humor era utilizado, neste jogo pela detenção do poder, como parte constituinte do jornalismo desse período, que, sendo altamente moralizador e doutrinário, colocava-se constantemente a serviço das elites veiculando suas lutas políticas e ideológicas.

Alguns jornais do início do século XX destacavam-se pela excelente qualidade na editoração, apresentando bom acabamento e qualidade gráfica, sendo impressos em máquinas Marioni, bastante modernas para a época (ASSMAR; BONIFÁCIO; LIMA, 2007, p. 51) Contudo, o que imperava na maioria dos jornais era a precariedade dos recursos tipográficos, ressaltando-se que a imprensa riobranquense surgiu vencendo desafios que iam desde a dificuldade imposta pela confecção artesanal dos jornais até as sanções políticas que, muitas vezes, determinavam o caráter efêmero da produção jornalística.

A marca da linguagem do jornalismo desta época era o caráter altamente moralizador e doutrinário. Os textos publicados nesses periódicos caracterizavam-se pela defesa dos interesses políticos e ideológicos, não apenas do Estado, mas também de outros grupos, como o comércio e grandes seringalistas. A produção jornalística riobranquense das primeiras décadas do

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De acordo com Bezerra (1993), a Imprensa Oficial Acreana, criada em 1925, recebeu em 1948, um conjunto de máquinas movidas a eletricidade que aumentaram o rendimento dos impressos no Território do Acre, sendo responsável pelas publicações das repartições públicas. Por ser a única oficina tipográfica existente na capital naquela época era também responsável pelas publicações particulares. A cargo da Imprensa Oficial foi editado e publicado o primeiro Diário Oficial do Acre, o jornal O Acre, criado em 1929.

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século XX e as lutas de forças políticas e ideológicas que a determinaram podem ser melhor compreendidas se considerarmos que o corpo de escritores dos jornais era composto, em sua maioria, por pessoas que exerciam funções junto ao aparelho estatal, além de representantes de partidos políticos, seringalistas e altos comerciantes da região.

Um outro aspecto a ser analisado neste período inicial da imprensa riobranquense é a grandiloqüente estrutura de marketing, destinada a promover o distanciamento do sujeito de sua origem e condição histórica, uma vez que os imigrantes, em sua maioria, nordestinos e sírio-libaneses, eram personagens que aqui chegavam trazendo consigo uma experiência própria de seu lugar de origem. Os grupos dominantes, utilizando-se deste recurso, tinham como objetivo unificar o imaginário social, fazendo com que grupos heterogêneos compartilhassem os mesmos ideais. Assim, a produção jornalística do início do século XX, buscava, através da mitificação dos heróis e da região, fixar a força de trabalho no território, defendendo os interesses do capital monopolista internacional, da exportação e apropriação de matérias-primas.

Durante as primeiras décadas do século XX, a produção jornalística local optou por uma linguagem rica em opiniões e juízos de valor, apresentando forte caráter doutrinário através da exaltação dos fatos e personagens da história regional e local. Tal fato justifica-se pelos interesses determinados por meio das condições de formação da sociedade local.

As manchetes dos jornais dessa época versavam prioritariamente sobre a mitificação da região e de seus heróis, propaganda dos coronéis da borracha, partidos políticos ou associações às quais os jornais estavam subordinados, além da defesa da autonomia do Território. As principais notícias arranjadas na capa do jornal, eram, geralmente, de cunho político; informativos diversos; anúncios de utilidade pública; notas de aniversário, num esboço do que viria a se tornar a coluna social; eventos culturais, textos literários; etc. Algumas matérias eram extensas, necessitando de continuação nas páginas internas do jornal, pois o que importava não era apenas noticiar o fato, mas também as reflexões desenvolvidas pelo redator. O acontecimento era contado com riqueza de detalhes, principiando com introduções complexas, para se chegar ao entendimento da importância dos fatos.

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A era dos manuais de redação (1930-1962)

A segunda fase da imprensa riobranquense inicia-se em 1930, com ascensão de Getúlio Vargas à Presidência da República, indo até 1962, ano em que o Território do Acre foi elevado à categoria de Estado da Federação Brasileira. Neste período, os jornais começavam a perder a expressão de veiculadores das discussões acaloradas em defesa de causas e bandeiras políticas e passavam a apresentar um caráter mais informativo.

O regime ditatorial instaurado por Getúlio Vargas ajudou, de certa forma, a consolidar o crescimento das empresas de comunicação, uma vez que o poder oficial passou a financiar os jornais e emissoras de rádio. Com isso, esses meios de comunicação se tornaram órgãos de divulgação do governo, sendo proibidos pelo serviço de censura de publicar notícias contrárias aos atos do Presidente e, conseqüentemente, contra seus interventores.

Os jornais deste período passaram, então, a seguir regras impostas não apenas pela renovação dos padrões jornalísticos, mas também pelo modelo de relações determinadas com o crescente fechamento do regime político, começando com o movimento constitucionalista de 1932, passando pela Intentona Comunista, em 1935, se consolidando com o Estado Novo, em 1937, quando Getúlio Vargas implantou o Departamento de Imprensa e Propaganda - D.I.P. A implantação deste órgão de controle da imprensa, em 1941, acentuou a vigilância e o controle sobre as mídias, concentrando nas mãos de Getúlio Vargas o poder total de censura, através da montagem de uma vasta rede de comunicação.

Os acontecimentos do contexto político nacional vão se refletir diretamente na produção jornalística local. Evidentemente, não era interessante para os donos do poder a continuação de um modelo jornalístico marcado pela opinião e determinada liberdade de expressão, era necessário silenciar toda e qualquer posição contrária ao regime varguista. Em 1930, os partidos políticos acreanos foram extintos com a implantação do Estado Novo. A repercussão da Ditadura Militar de Getúlio Vargas intensificou o estado de isolamento do Acre em relação ao resto do país. A chefia do Território Federal do Acre foi entregue a interventores da confiança do Presidente, que aqui chegavam, desconhecendo a realidade local e impondo a lei do silêncio a um povo que já desconhecia o direito de se fazer ouvir, devido à indiferença com que era tratado pelo Governo Federal desde a anexação do Território ao Brasil.

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Na década de 1950 o jornalismo brasileiro ganhava novas feições, resultantes de reestruturações surgidas nas redações inglesas e norte-americanas desde o final da Primeira Guerra Mundial. Foi introduzido um novo estilo que se orientava em um modo particularmente objetivo de narração ou relato de acontecimentos, baseando-se na economia de palavras.

Com a chegada ao Brasil dos primeiros Manuais de Redação e sua automática adoção pelos grandes jornais cariocas como Jornal do Brasil, Tribuna da Imprensa e Diário Carioca, foi implementado um novo estilo de escrita na imprensa nacional. Iniciava-se um processo de transformações que alteraria profundamente o fazer jornalístico. A efervescência cultural dos anos 1950 serviu como pano de fundo para esta mutação jornalística, uma vez que a sociedade brasileira rompia com uma série de padrões culturais, políticos e comportamentais.

Os Manuais de Redação adotados inicialmente nos grandes jornais cariocas consagravam a linguagem impessoal, ocultando o sujeito da enunciação, tendo como grande novidade a introdução da técnica do lead, na qual o jornalista elenca no primeiro parágrafo os cinco elementos da notícia: o que, quem, quando, onde, como e por que (LUSTOSA, 1996, p.77). A adoção desta técnica norte-americana, inspirada no discurso telegráfico figura como uma tentativa de excluir de vez a subjetividade do espaço da imprensa. O modelo possuía outras exigências que ainda perduram como requisito para a redação de um bom texto jornalístico: a ordem direta do discurso e o máximo de clareza possível. De acordo com Nilson Lage (1987), a origem do lead é uma referência à dessacralização da linguagem, estando ligada à oralidade, é a manifestação do relato de alguém que assistiu o fato e possui, portanto autoridade no assunto para falar:

Um jornalismo que fosse a um só tempo objetivo, imparcial e verdadeiro excluiria toda outra forma de conhecimento, criando o objeto mitológico da sabedoria absoluta. Não é por acaso que o jornalista do século XX mantém, às vezes, a ilusão de dominar o fluxo dos acontecimentos apenas porque os contempla, sob a forma de notícias, na batida mecânica e constante dos teletipos (...) (Lage, 1987).

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A lógica que passava a reger os textos jornalísticos, era a da velocidade e da falta de tempo da sociedade industrial do século XX. O discurso da imprensa abandonava o caráter opinativo, deixando de ser espaço de experimentação literária e embates políticos para adotar um estilo pautado no caráter informativo. O mito da “objetividade” jornalística ganhava corpo a partir de então, pela pretensão de deixar clara a distinção entre “opinião” e “informação”. O editorial, neste contexto, surge como forma de marcar esta distinção, o jornal informaria nas demais notas, cabendo à direção do jornal opinar no espaço dos editoriais. Evidentemente, isto nunca ocorreu, nem ocorre, já que o os editores do jornal opinam desde a escolha da matéria central até nas notas “puramente informativas”. Logo, o discurso jornalístico não é, nem poderá ser neutro.

Ainda na década de 1950 os jornais riobranquenses já começavam a introduzir estas novas técnicas de redação, principalmente o lead. Durante algum tempo o novo e o velho dividiram o mesmo espaço nos jornais da capital acreana, o estilo opinativo, com textos longos e combativos, ia aos poucos dando lugar ao informativo, marcado pelas notas objetivas e curtas.

O jornalismo informativo: a ditadura do lead (1963-1985)

Embora ainda na década de 1950 os jornais riobranquenses já apresentassem um princípio de transformação do caráter opinativo para o informativo, esse processo só se consolidaria no período da Ditadura Militar, quando a vigilância da censura tornou necessária a criação de novas estratégias de noticiar e veicular os fatos.

O ideal dos manuais normativos da década de 1950 ganhava força com a padronização dos textos, caracterizando o discurso jornalístico pelo latente apagamento da autoria na redação das notícias; o silêncio e a neutralidade passavam a ser sinônimos de bom jornalismo. Essas transformações marcariam de forma incisiva os padrões da imprensa dessa época, influenciando ainda hoje o fazer jornalístico.

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Um dos fatos que influenciaram esta nova fase da imprensa da capital acreana, a qual estendeu-se até 1985, foi

Nessa época eram raros os textos opinativos nos jornais de

o golpe militar de 1964, quando a imprensa passou a estar sob vigilância permanente dos órgãos de censura. O surgimento do primeiro jornal-empresa da capital acreana, o jornal O Rio Branco, em 1969, marcou na prática a transformação do jornalismo riobranquense segundo os padrões da nova imprensa. Órgão dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, com primeira edição em circulação no dia 20 de abril de 1969, este jornal apresentava uma nova proposta jornalística pautada na especialização da imprensa nacional iniciada com a implantação de vários cursos de Comunicação Social no país.

Elcias Lustosa (1996) afirma que, a partir de 1969, a influência direta da cultura visual, principalmente da televisão, passava a moldar o padrão estético dos jornais impressos no Brasil. Nessa época, a televisão se consolidava como o mais importante meio de comunicação, surgindo o que o autor chama de notícia plástica ou iconográfica, marcada pela apresentação de gráficos, ilustrações e desenhos, que representam nos jornais o modelo imposto pela revolução da informática. O autor aponta esse ano como início de uma nova fase da imprensa brasileira por coincidir com a decretação do Ato Institucional n. 5, quando começa o período mais duro da Ditadura Militar e a intensificação dos ditames da censura sobre os meios de comunicação.

A influência não apenas da televisão, mas também do cinema e do rádio, obrigou os jornais impressos a investir em uma diferenciada apresentação da informação, buscando oferecer maiores detalhes aos leitores. A interferência da televisão no jornalismo impresso ocorreu de modo gradual até consolidar seu império absoluto por volta da década de 1980.

Com o avanço da eletrônica foi possível também divulgar informações mais amplas e rápidas (ERBOLATO, 1991, p. 16). Mesmo com a relativa facilidade na disseminação de informações, o isolamento do Acre em relação ao eixo Rio-São Paulo retardou a implementação das mudanças gráficas nos jornais. A irregularidade e a efemeridade continuaram como características da produção jornalística local durante a Ditadura Militar.

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linha oficial, a opinião era artigo abjeto nesses jornais, o que imperava era a ditadura da “informação”. Nas palavras do “Repórter Édison”, em sua coluna no jornal O Rio Branco, o lema da imprensa era “o mínimo de adjetivo, com um pouco de objetivo”.

Desde a implantação do jornal O Rio Branco principia o processo de profissionalização da imprensa local, com a regularização da atividade junto à Delegacia Regional do Trabalho. Nas redações dos jornais, aumentava o quadro de funcionários, figuras como o revisor de textos, o foto-jornalista e o diretor comercial passavam a participar de maneira mais latente no processo de dinamização da apresentação gráfica e retórica dos jornais, atuando na importante articulação entre o jornal, os interesses mercantis de seus mantenedores e o público leitor.

A divisão do trabalho nas redações jornalísticas acompanhou a divisão estrutural dos jornais com a criação das várias editorias temáticas, agrupando os assuntos mais comuns da publicação. Assim, as colunas foram se especializando e as áreas de interesse do público leitor foram sendo setorizadas. A tendência, então, passou a ser agrupar as colunas social, de esportes, policial, política, que foram sendo marcadas em um lugar específico do jornal, como forma de otimizar a leitura. A distribuição dos assuntos entre essas páginas de variedades também revela a influência do contexto do regime militar sobre os jornais, quando se observa, por exemplo, que os acontecimentos sobre os movimentos de "subversão", muitas vezes, compunham a página policial e não a política.

Os jornais riobranquenses que circulavam durante a Ditadura Militar eram caracteristicamente irregulares, com publicações ora mensais, ora semanais, ora quinzenais, variando conforme a disponibilidade de recursos para manutenção dos mesmos. Com isso, tem-se o quadro de extrema dependência de incentivos financeiros do governo, constituindo uma imprensa oscilante e vulnerável. A aproximação com esta diversidade de interesses reforçou a adoção do princípio de imparcialidade no discurso jornalístico. Assim, a imprensa passa a incorporar seletivamente os discursos de outras instâncias de poderes, tornando-se legitimadora e organizadora destes discursos.

Apesar da aspiração à neutralidade, não se pode perder de

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vista que a imprensa não está imune às pressões destes mesmos setores cujos discursos ela disciplina, organiza e legitima. E isso implica não apenas mudanças no campo estético do jornal, mas também da concepção de público e das linguagens que utiliza. O controle ideológico criado com as imagens que circulam nos jornais passou, nas últimas décadas do século XX, a incluir novas representações através da propaganda e da informação jornalística, criando condições para a existência de formas veladas de controle, muitas vezes, alicerçadas em linguagens subliminares tendentes a exercer controle massivo através da persuasão.

Nesse contexto de transformações da imprensa brasileira, vale registrar, no Acre, o surgimento do jornal alternativo Varadouro, em 1977. “O Jornal das Selvas” surgiu da necessidade, percebida por líderes de setores progressistas ligados à Igreja Católica, da existência de um espaço para veiculação das causas defendidas pelos movimentos sociais acreanos. De acordo com Costa Sobrinho (2001, p. 153), era necessária a criação de um outro periódico, além do Boletim Diocesano Nós Irmãos, que deveria ser impresso em um formato diferenciado, impresso em gráfica e que veiculasse as questões exigidas pelo momento histórico vivenciado pelo povo acreano no final da década de 1970.

A linha editorial de Varadouro retratava o turbulento período de chegada dos pecuaristas do Centro-Sul às terras acreanas, a transformação dos seringais em pastagens para o gado, a expulsão de milhares de famílias de seringueiros, posseiros e índios da floresta acreana. A proposta desse jornal alternativo era, pois, registrar as conseqüências da expansão agropecuária no Acre, dando voz a índios, posseiros, seringueiros e tantos outros excluídos socialmente.

A disparidade de posicionamentos existente entre os jornais O Rio Branco e Varadouro, como se percebe, não se manifesta apenas no projeto gráfico e retórico, mas principalmente no jogo de forças político-ideológicas que estão por trás dessas duas produções jornalísticas. Se, por um lado, a padronização e a informatividade marcavam a escrita no jornal O Rio Branco, em

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Varadouro a preocupação era produzir um jornalismo o mais próximo possível das camadas mais baixas da sociedade, apresentando os textos com uma linguagem clara e simples. Comparando-se a produção jornalística antes e depois dos Manuais de Redação da década de 1950, percebemos que, mesmo se perdendo em termos de limitação do discurso filosófico e reflexivo, o jornalismo deste período ganhou, em certas proporções, com a abertura para abordagem dos problemas vivenciados por grupos menos favorecidos economicamente. As mudanças nos padrões jornalísticos ocorridas no final da década de 1970 e início da década de 1980, de certa forma, ajudaram a pôr em circulação opiniões divergentes do poder oficial. Os grupos responsáveis pela veiculação dos jornais alternativos começaram a perceber, então, que a divulgação de suas idéias seria um caminho para organização dos movimentos sociais de base.

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Capítulo II

COMUNICAÇÃO, IDEOLOGIA E PODER NO CONTEXTO DA

DITADURA MILITAR

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A Ditadura Militar no Brasil e sua influência no sistema de comunicação da

Amazônia Ocidental

O golpe militar de 1964 representou uma grande mudança nas relações entre mídia e poder político. O discurso da imprensa e a propaganda foram instrumentos utilizados pelos líderes militares para promover suas idéias de “defesa dos interesses da nação”. Após a deposição de João Goulart, os novos donos do poder passaram a articular suas ações no sentido de estruturar um elaborado programa ideológico que assegurasse a legitimação de seu domínio.

Diante da necessidade de afirmação de seu poderio, os militares precisavam contar com algo além da força, eles elegeram como sua arma mais poderosa o discurso. De acordo com Freda Indursky, é justamente por apoiar-se em uma pretensa “naturalidade” e “familiaridade” que uma ditadura se sustenta. É essa normalidade que representa a maior violência dos regimes ditatoriais, a violência “simbólica, representada em seu efeito de senso comum, de discurso social estável, e fato de opinião pública, de não alteração da vida comum”.

Os líderes militares necessitavam dialogar com as elites e as camadas médias da sociedade para reforçar estratégias de convencimento que validassem suas ações. Assim, foi necessário “conhecer” os valores tidos por válidos para esses grupos sociais para, então, criar estratégias de persuasão. Por estar essencialmente voltado às elites e à classe média, o discurso dos jornais acabou incorporando valores indiscutivelmente aceitos por esses grupos sociais. Os jornais atuaram de forma decisiva no processo de desagregação do governo de João Goulart, partilhando praticamente os mesmos ideais dos ditadores militares.

Segundo Balandier (1982), o poder fundado exclusivamente sobre a força ou sobre a violência descontrolada teria uma existência constantemente ameaçada, por outro lado, se exposto debaixo unicamente da razão teria pouca credibilidade. É

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preciso que esse poder se efetive de maneira simbólica, pela produção de imagens, pela manipulação de símbolos e sua organização em um quadro ritual.

Como estratégia para se manter no poder, os militares buscaram na imprensa a legitimação de seus atos. Justificados pela burguesia, que, contraditoriamente, via o regime como salvaguarda dos “direitos democráticos”, os militares deixaram a marca da arbitrariedade em suas ações. Os decretos-leis constituíram-se no mecanismo mais viável para driblar o Legislativo, sendo possível por meio destes, expurgar políticos e servidores públicos que representassem ameaça para o regime. No Acre, pode-se ver, examinando o Diário Oficial no período que sucede a ascensão dos governantes militares, o grande número de demissões de funcionários públicos, possivelmente “suspeitos” de serem aliados ao governador José Augusto de Araújo, deposto em 1964.

A manutenção de relativa liberdade de imprensa logo que o golpe militar foi deflagrado era estratégia para firmar alianças a fim de garantir a legitimação do poder oficial. A aliança entre mídia e política era duplamente vantajosa, de um lado, o controle do simbólico era alvo dos governos militares para aumentar seu poderio, de outro, os grupos que controlavam a grande imprensa se mostravam exultantes com a possibilidade de desfrutar os privilégios do regime.

Embora a censura prévia fosse decretada em 1970, antes desse período os jornais já recebiam represálias por parte do governo. Prova de que o governo militar estava temeroso em relação ao posicionamento daqueles que controlavam os meios de comunicação e decidido, portanto, a tomar ele próprio o controle destes, foi a decretação do AI-2, que lhe permitia intervir diretamente na imprensa. O AI-2 excluiu da competência do júri os julgamentos de crimes de imprensa e modificou a redação da última alínea do § 5º do art. 141 da Constituição Federal, que passava a vigorar com o seguinte texto: “Não será, porém, tolerada a propaganda de guerra, de subversão da

5ordem ou preconceitos de raça ou classe” . Esse Ato Institucional disciplinou também a situação jurídica dos cassados, vedando-lhes qualquer manifestação sobre assuntos de natureza política. A intolerância agora, se estendia à imprensa e a qualquer propaganda

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4 Ato Institucional n. 2, 15 de março de 1967.

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de subversão e não apenas aos “processos violentos de subversão”.Com a promulgação do AI-5, entretanto, é que as coisas se

tornariam ainda piores, pois a censura, agora definitivamente instalada, mudaria ainda mais a rotina nas redações da grande imprensa, fosse pela vigilância dos censores ou pelo jogo de interesses que ditava a auto-censura das matérias. Esse Ato Institucional afetava diretamente a legislação de imprensa, conferindo, em seu artigo nove, ao presidente da República, poderes para a imposição de censura prévia sobre os meios de comunicação, bastando-lhe para tanto que julgasse tal ato “necessário à defesa da

Revolução”. Durante os anos seguintes, a vigilância e o controle foram largamente utilizados e todos os veículos de comunicação foram duramente censurados.

Havia também a censura ideológica no que concerne à manutenção de direitos ou status quo por parte dos donos de jornais ligados ao viés político dominante. De acordo com Kushnir (2004), parte da imprensa não recebia censura pelo militares. A censura das notícias, muitas vezes, era feita pelo próprio dono do jornal, que censurava algumas notícias conforme seus interesses. Outra prática comum era a de publicar informes vindos do governo como se fossem produzidos pelos próprios jornalistas.

O efeito devastador do AI-5 trouxe sobre o país as sombras dos anos mais duros do regime militar. À revelia dos novos donos do poder o Congresso era aberto e fechado, a esquerda, que até ainda conseguia se manifestar, foi condenada à ilegalidade, seus membros perseguidos e torturados, a imprensa sofreu violentas investidas dos órgãos de censura, as represálias políticas foram mordazmente intensificadas, com o aumento de torturas, assassinatos e desaparecimentos de presos políticos.

Institucionalizava-se, assim, a violência e a repressão contra quem se arriscasse a questionar o regime. Apesar desse clima de suspeição e silenciamentos, a contradição se revelava no fictício “milagre econômico”. Buscando associar a meta de crescimento econômico ao controle autoritário da política, os militares pretendiam alcançar a legitimação do regime esperando encontrar as condições adequadas para consagrar suas imagens como responsáveis pelo “repentino sucesso” que vivenciava o país.

Elder Andrade de Paula considera que o Estado “desenvolvimentista”, fortalecido pelas medidas ditatoriais, tinha

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como objetivo alcançar um novo ciclo de acumulação, apoiando-se num forte apelo ideológico à doutrina da segurança nacional. Como advogado dessa doutrina, o poder ditatorial investiu violentamente contra a liberdade de imprensa através da censura, pressionando as redações dos jornais a não veicularem matérias contrárias ao regime. Em nome da defesa das fronteiras nacionais, o Estado passou a articular uma série de medidas destinadas a instaurar um modelo de desenvolvimento subjugado ao capital internacional.

As políticas públicas definidas pelos militares para a Amazônia estavam pautadas na incorporação dessa imensa faixa de terras ao conjunto da economia nacional, habilitando-a à exploração do capital forâneo. Entretanto, as estratégias para a “integração da Amazônia” foram fadadas ao insucesso, tendo em vista que apenas a ligação espacial não é suficiente para inserir a região na macro-economia da acumulação capitalista.

A tentativa de integração da Amazônia desenvolvida pelos governantes militares dispôs de um grande aparato estatal, que envolvia desde a construção de grandes rodovias – como a Transamazônica e Perimetral Norte –, até a criação de programas como o PIN (Plano de Integração Nacional –1970) e I e II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e os grandes projetos industriais e hidrelétricos – como o Programa Ferro Carajás, ALBRÁS, ALUMAR, as usinas de Tucuruí e Balbina, Mineração Rio do Norte, entre outros. Toda essa infra-estrutura foi montada com o objetivo de viabilizar a cooptação das riquezas naturais amazônicas pela iniciativa privada, em especial a propriedade da terra.

Sob o pretexto de “ocupar para desenvolver” a região amazônica, os estabelecimentos bancários públicos reservaram crédito rápido e fácil para atrair os investidores. Diversos incentivos fiscais foram disponibilizados para promover o deslocamento de migrantes, capitalistas nacionais e estrangeiros, dispostos a contribuir com o projeto de ocupação idealizado para a Amazônia. A imposição de mecanismos estatais para a integração da Amazônia, entretanto, encontrou nos movimentos populares de índios, seringueiros, posseiros, ribeirinhos, entre outros, resistência contra a expropriação

6que o capital forâneo instaurou na região. Os “empates” foram uma das formas de resistência encontradas pelas populações da floresta para assegurar seu direito a permanecer na terra e lutar pela sobrevivência ao combater a destruição de seu habitat.

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6Movimento de resistência através do qual posseiros e seringueiros “empatavam”, ou seja, impediam que os jagunços dos grandes fazendeiros agropecuaristas os expulsassem das terras em que já viviam há anos ou desmatassem a floresta.

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Trabalhadores rurais reunidos para um empate contra os fazendeiros pecuaristas do Centro-Sul.Fonte: Acervo Digital do Memorial dos Autonomistas.

Segundo Elder Andrade de Paula, a luta pela terra era uma constante e os governos procuravam usar de todos os meios para expulsar as populações que nela habitavam.

Dado que a permanência na terra passa a constituir-se como elemento fundamental de resistência, os desmatamentos para fins de implantação de projetos agropecuários expressam uma séria ameaça aos posseiros em geral e aos seringueiros em particular. Em outras palavras, a derrubada da mata representava a eliminação das possibilidades materiais de sua sobrevivência, via destruição de suas fontes de renda baseadas no extrativismo (principalmente as árvores de seringa e as castanheiras), bem como a progressiva extinção da fauna e flora que compõem a base de sua alimentação. (Paula, 2006, p. 112).

Os empates representaram uma das mais brilhantes formas de resistência do chamado contra-poder em defesa das populações da floresta. É no contexto das lutas que muitas forças de reação se avolumam contrapondo-se à sujeição. Movimentos de resistência como os empates surgem das fortes pressões, aliando a população em torno de bandeiras comuns pela defesa de sua permanência na terra.

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É justamente no conflito que se trava nas lutas sociais que ganham força os princípios da universalidade de cidadania. Assim, quando os diversos movimentos sociais como de índios, posseiros, seringueiros, lavadeiras, agricultores, colonos sem terra e sem teto, desempregados, levantam-se em defesa de seus direitos, passam a atuar como desencadeadores do debate, inscrevendo-se na cena pública como forças de resistência. Essa tentativa de resistência, entretanto, não significa que liberdades e direitos estão totalmente salvaguardados, basta voltar os olhos para o estado de cerceamento de liberdades que há não muito tempo submeteram, e ainda submetem países inteiros.

A Amazônia, no contexto da “mercantilização de tudo”, foi alvo, durante a Ditadura Militar, de um intenso processo de legitimação do discurso capitalista. O poder ditatorial não apenas objetivava integrar o Brasil espacialmente, mas também ideologicamente. Para tanto, o ideal militar de unificar o país perpassava obviamente por iniciativas no campo das telecomunicações. Assim, a criação, em 1965, da Empresa Brasileira de Telecomunicações – EMBRATEL – sob o lema: “a comunicação é a integração” revela os esforços dos donos do poder para perpetuar sua dominação através dos meios de comunicação de massa.

Como bem coloca Altvater, “os poderes inconstitucionais na economia e o mundo da mídia precisam apresentar um mercado atrativo para os clientes, acenar com o lucro para os acionistas e alcançar uma taxa de audiência alta”. Assim, esses poderes ditos inconstitucionais não estão vinculados às decisões políticas, pois vêem os cidadãos que constituem essa comunidade política como meros consumidores.

O jogo de interesses políticos durante a Ditadura Militar evidencia-se, sobretudo, pela celebração da aliança entre os jornais e o poder político. O poder oficial, que já manipulava a produção jornalística local, passou a financiar de forma mais latente os gastos com os jornais. Prova disto é o fato de que, durante esse período quase não se observa, em nenhum veículo de comunicação, resistência ou crítica aos atos presidenciais, o que comprova, ainda, a “eficiência” do aparato de controle ideológico montado pela classe dirigente a fim de tornar “homogêneas” as

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opiniões dos diversos jornais existentes no país. A maioria dos jornais riobranquenses do período da

Ditadura Militar apresentava linha editorial legitimadora do poder oficial, não manifestando quase nenhuma reação às medidas repressivas adotadas pelos líderes do regime. Nesse sentido, os editoriais dos jornais ligados ao poder oficial foram editados com o objetivo de construir uma imagem simpática, popular e empreendedora dos presidentes e seus governos estaduais.

Exemplo desse culto aos líderes do regime era a preparação para a chegada dos Presidentes Militares, realizado de forma intensa e disciplinada. Os alunos se confundiam com militares, enfileirados, posicionados de modo a representar a “pretensa” unidade do povo brasileiro. Essas estratégias de disciplinamento dos corpos são discutidas por Michel Foucault, que considera que o quadriculamento, a fila, a elaboração temporal do ato e a correlação do corpo e dos gestos são mecanismos que põem em funcionamento um conjunto de técnicas que atuam de modo a legitimar a dominação dos grupos que exercem o poder.

Ao construir uma imagem simpática diante do povo brasileiro, os governantes militares buscavam efetivar uma estratégia para se manter no poder. A mídia contribuiu de maneira decisiva para a divulgação das idéias de um “Brasil Novo”, “unido”, governado por “verdadeiros redentores da Nação”. Os meios de comunicação de massa fomentaram, então, o imaginário de uma nação integrada que compartilhava os mesmos valores e ideais. Os integrantes dessa sociedade tinham de ser, ainda que por meio da arbitrariedade, “padronizados” em torno de valores cívicos e patrióticos comuns.

Diante do peso repressivo que o regime militar representava, era preciso criar mecanismos que mascarassem a violência imposta pelo sistema ditatorial. Para isso, foram criadas técnicas sutis de disciplinamento, disseminadas a partir da idéia de “defesa da pátria”. Com isso, buscava-se que os sujeitos se auto-regulassem e se auto-governassem, para que não fosse preciso violência e repressão.

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A Ditadura Militar no Acre e sua influência na imprensa escrita

Perseguições, torturas, assassinatos, exílios, seqüestros, censura à imprensa e à produção intelectual. Voltando os olhos para a turbidez que marca a Ditadura Militar nos deparamos com a necessidade de dialogar com os sujeitos que fazem parte desse processo discursivo. Nesse encontro, a inquietação leva-nos a interrogar: Quais são as suas histórias? Quais os efeitos de seus atos? Como se entrelaçam com as relações de poder?

Ao partirmos desta reflexão, podemos dizer que os anos que antecederam o golpe militar no Acre são marcados por um misto de incerteza e esperança. A expectativa de gerir-se de forma autônoma era a promessa aguardada durante quase seis décadas pelo povo acreano, através da transformação do Território Federal em Estado. Entretanto, o descaso do governo brasileiro e a necessidade de auto-gestão financeira eram argumentos que a oposição ao Movimento Autonomista utilizava para destacar as dificuldades que surgiriam com a elevação do Acre a Estado.

O projeto autonomista foi apoiado por uma grande campanha de divulgação nos principais meios de comunicação locais, apresentando a emancipação política como “desejo de todos os acreanos”. Esse projeto, entretanto, esteve longe de representar os anseios de uma coletividade, era mais uma medida motivada pelos interesses das elites locais que viam o domínio federal como empecilho para sua dominação econômica.

Apesar da divisão de opiniões sobre a questão da autonomia acreana, em 15 de junho de 1962 foi assinada a Lei 4.070, que conferia ao Acre status de Estado. No dia 07 de outubro do mesmo ano, os acreanos foram às urnas e elegeram pela primeira vez o chefe do Executivo, além dos líderes dos cargos legislativos. A autonomia política do Acre, entretanto, não duraria muito, era perceptível na imprensa local o clima de suspeição levantado por líderes pessedistas sobre a administração de José Augusto.

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Na imprensa local, a disputa entre os maiores partidos acreanos da época, o PTB e o PSD, ganhava destaque através do jornal de apoio aos petebistas, O Liberal, dirigido por Foch Jardim, e do jornal O Estado, dirigido por José Guiomard dos Santos, senador pessedista.

O jornal O Liberal, na campanha eleitoral de 1962 apoiou a União Social Trabalhista (coligação do PTB, UDN e PSP), ajudando a eleger José Augusto. Com a deflagração do golpe militar em 31 de março de 1964, O Liberal foi um dos poucos instrumentos de que dispunham os correligionários do governador José Augusto para tentar apaziguar os ânimos e minorar o estado de expectativa que se instaurava na política acreana. Embora o clima

Acreditamos que o povo esteja renovando seu voto de confiança, na certeza de que o jovem governante não há-de postergar seu passado de lutas e princípios democráticos. Torna-se necessário compreendermos que o Acre não é propriedade de grupos políticos e econômicos. Todos têm a obrigação patriótica de lutar pela consolidação do regime político que nos foi legado pela Lei n.º 4.070, de 15-6-62, numa afirmação inconteste de que somos capazes de realizar também. (Nossa Opinião. O Liberal. Rio Branco-AC, 21 abr. 1964, Ano VIII, n. 199).

Às vésperas da deposição de José Augusto pelos militares, o discurso presente no editorial tentava reafirmar a legitimidade do Governador acreano, tendo em vista que seu mandato havia sido outorgado pelo sufrágio do voto popular. A referência a um sujeito coletivo, ao se afirmar que “todos têm a obrigação patriótica de lutar pela consolidação do regime político que nos foi legado pela Lei n.º 4.070, de 15-6-62”, reforça a necessidade de se defender a “democracia”, representada pelo governo de José Augusto, e contra os “grupos políticos e econômicos” que ameaçam o regime democrático.

A neurose anti-comunista era a tônica do discurso do grupo de opositores do governador José Augusto, que acusavam-no constantemente de ser comunista ou amigo dos comunistas e de

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permitir que se instaurasse no Acre um clima de animosidade, perpetrado por comunistas infiltrados no governo e que usavam seus cargos para “provocar inquietações junto à população e às classes conservadoras”.

Todas as forças políticas e sociais que apoiavam o regime militar empenharam-se em agir para forçar a renúncia do governador acreano. Os jornais de oposição pressionavam e ameaçavam José Augusto, como se pode entrever no seguinte

Apesar das ameaças reveladas, da campanagem policial, das apregoadas prisões de deputados e outras propaladas notícias de prestígio e apoio do prof. José Augusto, com o fito exclusivo de amedrontar-nos; aqui vai mais esta edição de “O Estado” com a nossa mesma orientação, pois nada há que temer pois não somos comunistas nem dilapidamos os dinheiros públicos. (Não tememos. O Estado. Rio Branco-AC, 26 abr. 1964, Ano VI, n. 116, p. 1).

Se observarmos o que o trecho acima noticia, perceberemos o clima de suspeição e turbulência que dominou o Acre nos dias que antecederam a assinatura da renúncia do Governador José Augusto. A “campanagem policial” e as “prisões de deputados” são referências que apontam para a desmoralização do então governador e de todos aqueles ligados a ele, o que notamos pela declaração de que “não somos comunistas nem dilapidamos os dinheiros públicos”. Assim, percebemos que o objetivo da imprensa neste momento era construir a idéia de legalidade do golpe militar através da exigência da assinatura da renúncia por parte do governador.

Ironicamente, a busca de legitimação pautada no discurso da “democracia” não foi apenas o argumento escolhido pelos correligionários do Governador José Augusto. As facções golpistas buscaram a aceitação por meio do discurso democrático. A “democracia” constitui-se na formação discursiva predominante no imaginário político circulante nos jornais riobranquenses do período da Ditadura Militar. Ao tentar construir uma imagem democrática, os líderes do regime militar que se instalavam em Brasília e nos Estados brasileiros buscaram legitimidade no

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discurso jornalístico, pois para serem legítimos, precisavam ser “democráticos” e defensores da “vontade da Nação”.

Governador José Augusto de Araújo passando à tropa da Polícia Militar em revista – 1963.Fonte: Acervo Digital do Memorial dos Autonomistas.

Com a deposição de José Augusto de Araújo, em 08 de maio de 1964, acirrou-se ainda mais as disputas entre PSD e PTB. Após a assinatura da renúncia, os jornais de linha oposicionista fizeram questão de apontar José Augusto e todas as pessoas ligadas à sua administração como subversivos e comunistas. Em quase todas as edições de O Estado encontram-se acusações ao governo petebista de estimular a corrupção, e numa tentativa de ridicularizar o ex-governador, algumas notas do jornal referem-se ao governador deposto como o “Zé”. Por outro lado, o jornal não economizava elogios ao governador imposto pelos militares, Edgard Pedreira de Cerqueira Filho. São as estratégias do poder mudando conforme as conveniências políticas de uma restrita minoria.

Após a renúncia de Edgard Cerqueira, em agosto de 1966, assume o governador Jorge Kalume, cujo mandato coincide com o mais duro período da Ditadura Militar. Durante seu governo foi editado em Brasília o quinto Ato Institucional (AI-5), responsável pelo fechamento do Congresso Nacional e pela eliminação das

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garantias institucionais democráticas ainda vigentes. Intensificavam-se a repressão e a censura a qualquer forma de oposição ao regime militar, bem como toda e qualquer manifestação da sociedade civil. No Acre, muitas prisões foram realizadas, sem, contudo, a mídia noticiar tais fatos.

Era a época das construções de rodovias que interligariam a capital aos demais municípios acreanos e a outras regiões do país, da criação de conjuntos habitacionais para a classe média nascente, como o Castelo Branco, o Bela Vista e o Guiomard Santos, e da construção da Ponte Juscelino Kubitschek, que faria a ligação entre o Primeiro e o Segundo Distrito de Rio Branco.

O entrelaçamento desses fatos que marcaram o início da Ditadura Militar no Acre com o contexto da imprensa escrita vigente nessa época de “silêncios cortados” leva-nos a enveredar pelos escorregadios domínios da linguagem, e, consequentemente, do discurso. Ao contrapormos o discurso presente nos editoriais dos jornais O Rio Branco e Varadouro às condições de produção em que foram escritos, podemos entrever os movimentos de resgate da memória e o estabelecimento de alguns traços das várias identidades sociais que circulam na sociedade acreana.

O discurso da imprensa escrita local incorporou o ideário de ocupação da Amazônia, última fronteira a ser e integrada ao resto do país. Numa bem arquitetada estrutura de marketing, a imagem da floresta amazônica aparece como um desafio a ser vencido e subjugado pelo homem “civilizado”. O sentido de "civilizar" a Amazônia, adotado pelos governos militares para justificar sua dominação na região, compreendia “redimi-la” ao tomá-la bravamente dos índios, animais ferozes, doenças e do isolamento em relação às demais regiões do Brasil.

O seguinte anúncio traz o comentário sobre os benefícios da “modernidade” que chegava para tirar a Amazônia do “primitivismo”, demonstrando a ideologia adotada pelos diversos jornais locais a fim de “ocupar” a região para “desenvolvê-la”:

A Amazônia tem dono, você é um deles.A Amazônia é sua. E de todos os brasileiros.Mas você é um dos homens que estão ajudando a mudar a paisagem da outra metade do Brasil.

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A SUDAM e o BASA estão trazendo o remédio que ela sempre precisou.Dinheiro e tecnologia. Já fizemos muito nesses cinco anos. Esperamos fazer muito mais.Temos que trazer outros milhares de investidores para a Amazônia.Para isso precisamos convencê-los de que a Amazônia já é uma realidade.(A Amazônia tem dono, você é um deles. O Rio Branco. Rio Branco-AC, 12 fev. 1972, Ano III, n. 483, p. 3).

A idéia de redimir os “atrasados amazônidas” pela tecnologia e pelo progresso foi tema não apenas de vasta propaganda veiculada na imprensa escrita acreana, mas também de diversos editoriais. Dizer que “a Amazônia já é uma realidade” é desconsiderar anos de história. A propaganda veiculada nas décadas de 1970 e 1980 pouco difere da veiculada em pleno início do século XXI, pois desconsidera as pessoas que aqui viveram e vivem, única e simplesmente por possuírem uma dinâmica diferente dos chamados “centros do progresso nacional”.

Os efeitos do programa de colonização da Amazônia empreendido pelos militares chegaram ao Acre com intensidade durante o governo de Wanderley Dantas (1971-1974), cuja política de incentivo à pecuária “escancarou as porteiras” do Acre aos grandes empresários do Centro-Sul do país. Estes adquiriram, a preços muito baixos, imensas extensões de terras pertencentes aos antigos seringais, devastando a floresta para a implantação de pastagem, expulsando posseiros, seringueiros e índios. O resultado desse processo só poderia ser o deslocamento dessa população expropriada em direção aos centros urbanos, principalmente para Rio Branco, que por ser a sede do governo e o principal centro urbano acreano parecia oferecer maiores oportunidades de emprego e educação para os filhos.

Na imprensa riobranquense imperava o discurso do “Acre Novo”, segundo o qual a “modernidade” chegava ao Estado. Esse discurso foi construído no sentido de atrair investimentos do capital internacional e do Centro-Sul do Brasil para a região acreana.

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Os caminhões boiadeiros estão chegando. São mais de quinze mil novos animais de raça Nelore que vão embelezar a paisagem bucólica das tardes acreanas, substituindo o predomínio do penacho da fumaça branca dos defumadores tradicionais, a que estávamos habituados. (...) O Novo Acre está acontecendo. O Acre cresce. (O Jornal. Editorial. Rio Branco - AC, 14 set. 1974, Ano I, n. 2, p. 2).

A produção discursiva dos jornais riobranquenses da década de 1970 demonstrava a intenção dos grupos dominantes de promover a legitimação do modelo de desenvolvimento elaborado pelos militares para a Amazônia. Sem dúvida, a relação entre o governador Wanderley Dantas e a imprensa evidenciou a atitude de servilidade dos meios de comunicação locais ao projeto de desenvolvimento acreano, pautado na substituição dos defumadores de borracha pelas grandes pastagens.

Diante do isolamento do Acre em relação a outros Estados brasileiros a alternativa encontrada por Wanderley Dantas foi aliar-se à imprensa para divulgar as “vantagens” de se comprar terras acreanas. A aliança entre o governo Dantas e a imprensa é perceptível não apenas pelo propagandismo que lançou o Acre no cenário nacional como terra paradisíaca, mas principalmente pelo que foi silenciado nesse discurso. É inconcebível que em pleno processo de expulsão de seringueiros, índios e posseiros de suas terras não se publicasse nada nos jornais de Rio Branco a respeito da violência nos empates, tampouco acerca das prisões arbitrárias nas delegacias ou sobre as duras condições de vida nos bairros “periféricos” que estavam em formação.

As conseqüências desta abertura ao capital forâneo, entretanto, não tardariam. Durante o governo de Geraldo Mesquita (1975-1979), intensificaram-se os conflitos pela posse da terra envolvendo grandes pecuaristas e posseiros. Isso gerou a necessidade de “demarcação” das fronteiras, pois tanto os seringueiros quanto os seringalistas tinham uma relação de posseiros com a terra. A luta pela regulamentação da posse da terra se fez sob a lógica das relações de poder, venceram aqueles que detinham as posições sociais mais

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privilegiadas, restando aos posseiros emigrar para os centros urbanos, uma vez que não dispunham de condições econômicas para comprar a terra nem influência junto aos órgãos governamentais para adquirirem o título das mesmas.

O plano de governo de Geraldo Mesquita, diante de tais problemas sociais, incluiu o incentivo à produção agrícola e a fixação das populações interioranas em seus locais de origem. Diante do elevado número de pessoas que se avolumavam na zona “periférica” de Rio Branco e dos grandes problemas sociais trazidos com a irresponsável instalação da pecuária no Estado, o plano de governo de Geraldo Mesquita contribuiu para minimizar os problemas causados pela falta de infra-estrutura da cidade para receber tantos imigrantes.

A coincidência com o período da administração do Presidente Ernesto Geisel permitiu ao governo de Geraldo Mesquita participar do processo de abertura política “lento, seguro e gradual”. O lema de seu governo era “empreender medidas, a médio e longo prazo, por meio do processo democrático do diálogo, da renúncia mútua e do consenso”.

Com o fim do AI-5, os jornais riobranquenses passaram a gozar certa liberdade de expressão, conquistada no início do governo do Presidente João Baptista Figueiredo. Uma das principais metas do Presidente Figueiredo, já no primeiro ano de seu mandato, foi a questão da anistia, cuja Lei foi aprovada ainda em agosto de 1979 pelo Congresso Nacional.

No Acre, a chegada da década de 1980 foi marcada por grandes problemas sociais herdados dos governos militares anteriores. Ao assumir o governo acreano em 15 de março de 1979, Joaquim Falcão Macedo (1979-1983) teve à frente vários problemas gerados com a falta de planejamento ao se implantar a agropecuária no Acre, pois a entrada desta atividade econômica no Estado não contemplou o fator social.

Diante do quadro de extrema carência nos bairros de Rio Branco, a esperança de um governo que contemplasse essas questões sociais foi elemento que direcionou a propaganda de divulgação de Joaquim Macedo. Aproveitando o contexto de privações vivenciadas por essas populações expropriadas de suas

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terras e que lutavam pela sobrevivência na “periferia” da capital acreana, o Governador Macedo promoveu uma larga divulgação na imprensa sobre as obras realizadas nesses locais mais carentes:

E, nesse diapasão é que os projetos visando beneficiar colonos, seringueiros, agricultores sem terras, vem sendo direcionados pelo governador Joaquim Macedo e sua equipe. Hoje, essa parcela considerável da população acreana pode estar certa que encontrará no governador Joaquim Macedo um homem voltado para a solução de seus problemas se fizermos uma análise geral, chegaremos a conclusão que o governo já fez sua opção; escolhe trabalhar pelos humildes. (Opinião. O Rio Branco. Rio Branco-AC, 15 jul. 1980, Ano X, n. 946, p.2).

Para alguns, um governo que “optou pelos humildes”, para outros, um “continuador” da política de exceção desenvolvida pelos demais governadores tutelados pelo poder da quartelada de Brasília, como se pode notar na crítica mordaz expressa no trecho do seguinte editorial do jornal Gazeta do Acre:

Despertou nossa atenção, mas não nos surpreendeu que o governador Joaquim Macedo tenha ido se queixar ao Presidente da República “dos que fazem imprensa nesta terra”. (...) Conhecemos muito bem a Lei de Imprensa, embora não concordemos com ela em sua totalidade, porque ainda traz em seu bojo diversos abusos estes, sim, intoleráveis! Do regime de exceção do qual os atuais governadores são ainda servos. (Repórter Gazeta. Gazeta do Acre. Rio Branco-AC, 12 abr. 1981, Ano IV, n. 805, p. 3).

As opiniões circulantes na imprensa sobre os governadores acreanos sempre se apresentaram marcadas por divergências. Como percebemos a partir desses dois trechos de editoriais, o jogo de interesses determina o apoio ou a contrariedade.

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Enquanto no editorial do jornal O Rio Branco a posição eleva os feitos do governo de Joaquim Macedo, neste segundo exemplo, retirado do jornal Gazeta do Acre, predomina a crítica à “servilidade” do governador em relação ao Presidente da República e aos ideais de regime militar.

A partir da correlação entre a imprensa riobranquense e os interesses dos líderes da Ditadura Militar, percebemos que o processo de abertura política revelou mais uma faceta do aliancismo entre o poder político e o poder midiático. Longe de se configurar em luta “genuína” da participação popular, o clamor por liberdade de imprensa se deu dentro dos limites de uma sociedade capitalista, em que prevalecia a opinião e os interesses dos grandes empresários da mídia. Assim como aconteceu e acontece em toda a trajetória acreana, a imprensa desempenha um papel de mantenedor do status quo, tanto dos grupos que a dirigem quanto dos grupos que ela apóia.

Se, por um lado, o poder ditatorial fazia uso de estratégias diversificadas de controle social, fosse por meio da violência, repressão, do controle econômico, da mitificação da pátria ou da aliança com a imprensa de grande circulação, por outro, a resistência se manifestou através da chamada “imprensa alternativa”. Segundo Bernardo Kucinski, esta designação foi dada aos veículos de comunicação que se contrapunham à ideologia dominante veiculada pelos jornais da grande imprensa, que adotavam uma postura de apoio ao regime militar ou não o contestavam claramente.

Inicialmente, os jornais alternativos receberam a designação de “nanicos”, devido ao tamanho do tablóide adotado pela maioria e também em virtude da imaturidade e pequenez que apresentavam quanto ao âmbito empresarial. Em todo o país surgiram vários jornais alternativos, dentre os quais se destacaram os seguintes, que circularam nos grandes centros: Pif-Paf, O Pasquim, Movimento, EX, Folha da Semana, dirigida por Arthur Poener, o Bondinho, editado por Sérgio de Souza, O Sol, entre tantos outros.

Acompanhando esse fenômeno, surge, no Acre, Varadouro, O Jornal das Selvas como se auto-intitulava, adotando uma linguagem combativa e projeto gráfico peculiar. A proposta deste “nanico” era registrar as conseqüências da expansão agropecuária no Acre, dando voz a índios, posseiros, seringueiros e tantos outros excluídos socialmente.

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A eclosão dos inúmeros conflitos pela posse de terra se tornou tão latente que era impossível a imprensa fazer de conta que nada estava acontecendo. Entretanto, a abordagem dos fatos apareceu de forma muito tímida nos jornais de linha editorial vinculada ao poder oficial. Diante dessa carência de informações a respeito do tema, os jornais “alternativos”, dentre os quais se destacam Varadouro, Nós Irmãos e Berração, foram os porta-vozes do momento de ebulição político-social que viveu o Acre no final da década de 1970 e início da década de 1980.

Bernardo Kucinski assim define o jornal Varadouro:

Apesar de suas reportagens abordarem aspectos da vida na Amazônia, sempre de forma crítica e colada às camadas populares, sem meias palavras, o jornal contava com anúncios do comércio local. Não possui nenhum ranço da linguagem dou t r inár ia dos a l t e rna t i vos nac iona i s (Kucinski,1991).

Varadouro circulou na capital acreana no período de 1977 a 1981. Era um jornal alternativo cuja criatividade diferia dos demais pertencentes a esta categoria produzidos no restante do Brasil, por manifestar em suas página um “jeito acreano”, tanto do ponto de vista da linguagem quanto do próprio projeto gráfico. Nascido em uma conjuntura política difícil, Varadouro enfrentou as sanções da censura, demonstrando que é possível produzir um jornalismo alternativo, mesmo em plena vigência dos Atos Institucionais.

Enquanto na imprensa atrelada ao poder oficial as palavras são chamada à neutralidade, na imprensa alternativa são marcadas pelo comprometimento. Adotando um discurso que focalizava como protagonistas os vários sujeitos sociais geralmente excluídos da “ordem do discurso”, Varadouro foi alvo de constantes ataques por parte dos líderes políticos da época, por não admitirem contestações ao regime militar.

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Uma publicação da Empresa Macauã Ltda., Varadouro teve sua primeira equipe de redação composta pelo diretor responsável Elson Martins da Silveira, pelo fotógrafo Adalberto Dantas, pelo diretor financeiro Abrahin Farhat Neto e pelos redatores Célia Pedrina Rodrigues Alves, Elson Martins da Silveira, Luiz C. Carneiro, Rosa Maria Carcelen, Silvio Martinello e Terri Vale Aquino. É importante destacar a inovação apresentada com a presença das mulheres na composição da equipe de redação do jornal, rompendo com uma tradição mantida em quase toda a existência da imprensa acreana, que vedava às mulheres o poder de manifestar livremente seu discurso através da escrita.

Para a realização da primeira edição de Varadouro, em maio de 1977, foi necessário importar 300 quilos de chumbo em barra para a composição das letras usadas para impressão do jornal. A necessidade de se importar tamanha quantidade de chumbo aconteceu porque nessa época, a impressão dos jornais acreanos era feita nas velhas máquinas linotipo, alimentadas por chumbo em barra. Pedro Vicente Costa Sobrinho afirma que essas máquinas tipográficas possuíam área de impressão de duas páginas de jornal no formato standard. Os responsáveis pelo jornal enfrentaram grandes dificuldades para mantê-lo em circulação, por isso o “nanico” acreano perambulou por várias cidades para poder ser composto e impresso, entre elas São Paulo, Porto Velho, Manaus e Belém. As raríssimas edições impressas no Acre tiveram que contar com as oficinas do jornal O Rio Branco.

VARADOURO é, pois, um dever de consciência de quem acredita no papel do jornalista. É propositadamente feito aqui, na “terra”. Sai, portanto, de uma forma rude, cabocla, sem técnica, cheio de limitações e gerado pela necessidade de colocar em discussão os problemas de nossa região, do nosso tempo e principalmente de nossa gente.

É um desafio, até certo ponto, incômodo. Sabemos que seremos amados e mal-amados. Mas ainda achamos que vale a pena assumi-lo, porque acreditamos que o homem acreano e o da Amazônia em geral merecem muito mais do que simplesmente o “berro do boi”. (Aos Leitores. Varadouro. Rio Branco-AC, mai./1977, Ano I, n. 1, p.1).

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A escolha do nome Varadouro, termo que designa pequena estrada aberta pelo seringueiro para ligar o barracão ao seu local de trabalho, revela a intenção dos responsáveis pelo jornal de dialogar sobre os principais conflitos existentes no Acre. A proposta principal desta produção jornalística era registrar as conseqüências da "segunda patada", ou seja, a entrada no Acre de grandes empresas agropecuárias, uma vez que a "primeira patada" aconteceu com o ciclo da borracha.

Ao lado de Varadouro, o jornal O Rio Branco, também constitui-se em elemento de estudo deste livro. O Rio Branco caracteriza-se por manifestar em suas páginas a oscilação dos jogos de poder da política acreana. Fundado em 20 de abril de 1969, esse jornal representa um verdadeiro divisor de águas na imprensa acreana. Primeiro jornal-empresa com circulação diária do Acre, O Rio Branco se destaca por ser o periódico que tem perdurado por maior espaço de tempo em circulação na capital acreana. A redação e as oficinas situavam-se na sede da Imprensa Oficial do Estado, Av. Ceará, esquina com a Cel. João Donato.

Construída no governo de José Guiomard dos Santos, a nova sede da Imprensa Oficial do Acre foi um dos primeiros prédios do Departamento do Acre a ser construído em alvenaria. A dificuldade de transporte do material para o Território fez com que durante quatro décadas de regime de Território, o Acre possuísse apenas raríssimas construções em alvenaria. A Imprensa Oficial foi, durante muitos anos, o órgão que atendeu a maior parte dos trabalhos de impressão tipográfica no Acre.

Segunda sede da Imprensa Oficial do Acre, inaugurada em 29 de outubro de 1948. Fonte: Álbum Fotográfico do Território Federal do Acre.

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O jornal O Rio Branco, Órgão dos Diários Associados de Assis Chateaubriand, surgiu no cenário da imprensa acreana apresentando uma nova proposta jornalística, pautada na especialização a imprensa nacional, iniciada a partir da implantação de vários cursos de Comunicação Social. O jornal destaca-se por ser pioneiro na imprensa local, trazendo grande inovação em seu projeto gráfico com as matérias mais curtas e diretas, colunas mais ilustradas e a divisão dos assuntos em várias seções especiais.

Faziam parte da primeira equipe jornalística de O Rio Branco, o Diretor Superintendente Epaminondas Correia Barahuna, o Redator-Chefe Ubirajara Omena e o Diretor Petrônio Gonçalves de Almeida. O corpo de redatores era composto por José Chalub Leite, José de Souza Lopes, Elzo Rodrigues, Francisco Cunha Filho e Edno Thadeu Cavalcante Monteiro.

O público leitor do jornal era basicamente composto pelas elites acreanas e órgãos do poder. Entre os assinantes de O Rio Branco, podem ser citados o Governo do Estado do Acre, Assembléia Legislativa Estadual, FADACRE – Faculdade de Direito do Acre, Departamento de Geografia e Estatística, Banco Real, SUNAB, Prelazia do Acre e Purus, Lourival Marques, Alberto Zaire, Áulio Gélio, Ferraz e Azevedo, Maria Strano, José Eugênio Bezerra de Araújo, Raimundo Escócio Faria, Tetsuo Kawada, Jorge Araken, Adonai Santos, Labib Murad e Boaventura Moreira. Os exemplares podiam ser adquiridos em vários postos de vendas na cidade, sendo comuns anúncios de assinaturas mensal, anual e semestral.

É importante lembrar que o público do discurso não é meramente aquele que lê o jornal, mas aqueles que são seus destinatários e que podem ser envolvidos por ele. O público leitor, sendo alvo do sentido veiculado no discurso dos jornais, é obrigado a responder às interpelações presentes na relação enunciativa. No discurso da mídia, essa relação enunciativa apresenta-se de forma unilateral, pois quem escreve os textos jornalísticos dirige a palavra a um público ausente, este público, por sua vez, não pode responder efetivamente a essas interpelações.

Diante dessa impossibilidade de resposta efetiva do público leitor, uma das estratégias utilizadas pela mídia para apagar a idéia de unilateralidade é “dar a palavra” a esse público, o

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que se faz, geralmente, mediante cartas ao diretor do jornal ou colunas destinadas exclusivamente a veicular as opiniões dos leitores. Essa estratégia foi amplamente utilizada no jornal O Rio Branco através da coluna “O Leitor Opina”, sendo um dos raríssimos espaços do periódico em que podiam ser veiculados os textos opinativos, já que a imparcialidade e o caráter informativo, naquela época, eram sinônimos de bom jornalismo.

Esse suposto procedimento de tomada da palavra por parte do leitor, entretanto, não significa propriamente que lhe está sendo facultado o poder de voz no veículo de comunicação, mas trata-se de uma estratégia de simulação de interlocução, uma vez que é a redação do jornal quem seleciona que cartas serão ou não publicadas.

Na nota que segue, podemos perceber essa tentativa de diálogo direto com o leitor e a busca por renovação e dinamismo no jornal O Rio Branco:

Venha ser jornalista - O Rio Branco está chamando gente disposta a ser gente no jornalismo. Capaz de fuçar a notícia onde quer que ele esteja. Temos vagas para repórteres, redatores e revisores. Queremos formar uma equipe coesa, capaz, jovem, desinibida, provando o valor acreano. Se você tem português, sabe ler, tem curiosidade por tudo, não se contenta em ver a banda passar sem saber o que ela toca, completou 18 anos, venha aqui amanhã. Faremos um teste. Depois, tudo depende só de você. Estamos reformando os quadros do jornal, em busca de maior dinamismo. (O Rio Branco, 15 set. 1974, Ano VI, n. 1219, p. 1).

A busca de técnicas que levassem o leitor a confiar que o que estava publicado era a verdade tal qual aconteceu e não mais uma visão do fato motivou grande parte das reformas na imprensa acreana. Essas transformações refletem o processo pelo qual passava a sociedade brasileira no período da Ditadura Militar e a crescente urbanização e acelerada industrialização, que reordenavam a estrutura social que se modificava a cada dia. A adoção de um modelo jornalístico mais dinâmico e em que fosse mantido um incessante diálogo com o leitor traduzia a necessidade de transformar o

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jornalismo num ator socialmente reconhecido, conquistando assim o direito de exercer uma "fala autorizada".

A ênfase das notícias publicadas em O Rio Branco, até a primeira metade da década de 1970, era dada a fatos do contexto nacional. O vínculo com a ideologia do regime militar fez com que o jornal silenciasse sobre os conflitos sociais pelos quais passava o Acre, gerados pela implantação da pecuária no Estado e o conseqüente “inchamento populacional” ocorrido na cidade de Rio Branco.

Os jornais riobranquenses que circulavam durante a Ditadura Militar eram caracteristicamente irregulares, com publicações ora mensais, ora semanais, ora quinzenais, variando conforme a disponibilidade de recursos para manutenção dos mesmos. Com isso, tem-se o quadro de extrema dependência de incentivos financeiros do governo, constituindo uma imprensa oscilante e vulnerável.

A aproximação com esta diversidade de interesses reforçou a adoção do princípio de imparcialidade no discurso jornalístico pelos jornais que adotavam linha editorial primordialmente ligada ao poder oficial, como o caso do jornal O Rio Branco. Devido o jogo de interesses e a necessidade de se firmar como categoria profissional, muitas vezes, a imprensa passou a incorporar seletivamente os discursos de outras instâncias de poderes, tornando-se legitimadora e disseminadora destes discursos.

Em meio a esse sistema de cerceamentos de direitos e controle à liberdade de expressão, a imprensa alternativa surgiu desafiando o poder estabelecido e denunciando as situações de opressão. Defendendo interesses de diversos grupos e movimentos sociais, a imprensa alternativa do Acre atuou como um espaço para debate de idéias, fazendo circular informações que eram comumente silenciadas pela imprensa de linha oficial.

Convém ressaltar que não se está partindo de uma visão fatalista e reducionista, fundamentada em uma oposição simplista entre “a imprensa oficial” e a “imprensa alternativa”. Evidentemente, quando nos referimos ao jornal O Rio Branco como fazendo parte da imprensa cujo discurso estava ligado ao

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poder oficial, não se está ignorando as rupturas e resistências dentro do próprio discurso desse jornal, mas estamos partindo da idéia de que o viés editorial de sua produção discursiva estava predominantemente atrelado ao poder oficial.

Da mesma forma, a inclusão de Varadouro entre os jornais alternativos não implica afirmar que ele estava totalmente desvinculado do jogo de interesses que ditava as regras na produção da imprensa local ou configurá-lo como despretensioso porta-voz do discurso dos movimentos sociais. Diante das intenções nunca despretensiosas da imprensa, convém indagar até que ponto a insatisfação com o modelo de desenvolvimento projetado para o Acre nas décadas de 1960 e 1970 interferiu para que grupos ligados à Igreja Católica e à antiga economia extrativa da borracha apoiassem esse jornal alternativo.

Diante do complexo jogo de interesses que está por trás das produções discursivas dos jornais O Rio Branco e Varadouro convém refletir sobre as condições históricas que as determinaram. As idéias dos grupos detentores do poder são as que têm se demonstrado em maior evidência através da história, justamente porque são essas elites que detêm os meios de comunicação de abrangência extensiva a um maior número de pessoas em termos de doutrinação.

É certo que existem idéias múltiplas e diversas a esta dominação, mas acabam geralmente, sendo sufocadas pela crueldade do discurso midiático homogeneizador. Mas, embora isso aconteça, a resistência existe, embora apareça muitas vezes camuflada, utilizando-se de certas artimanhas para driblar as estratégias de dominação e não circule pelos espaços da grande elite.

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Capítulo III

VARADOURO e O RIO BRANCO: a representação dos sujeitos através do discurso

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A luta pela terra no Acre e os embates entre os sujeitos

A década de 1970 trouxe grandes mudanças nas atividades econômicas do Acre, que se refletiram de forma latente na organização social do Estado. Com o apoio do então governador Wanderley Dantas, os planos dos governos militares de transformar o Acre de um grande seringal em uma vasta fazenda agropecuária começavam a se firmar.

Mesmo antes da chegada dos grupos econômicos do Centro-Sul do país, as terras acreanas já se encontravam concentradas nas mãos de poucos, devido à decadência dos seringais nativos. Com a venda, ou, muitas vezes, grilagem dos antigos seringais, na década de 1970, quase totalidade das famílias que viviam no campo não detinham legalmente a posse da terra. Em menos de uma década, o Acre tornou-se alvo da especulação de terras. Nos principais hotéis da capital acreana era intenso o trânsito de verdadeiros profissionais da agiotagem, especialistas em repassar terras adquiridas de terceiros.

Apesar do grandioso “boom” especulativo ocorrido na primeira metade da década de 1970, através do qual as terras do Acre passaram a atrair os investidores do Centro-Sul do país, as notícias dos conflitos de terra nos jornais acreanos eram extremamente escassas. Não era interessante para o governo Wanderley Dantas, em plena campanha para atrair compradores para as terras acreanas, que notícias dos jornais locais desvelassem a real situação conflituosa existente no Estado.

Ainda em 1971, primeiro ano de mandato de Wanderley Dantas, o que se observava nas páginas, principalmente do jornal O Rio Branco, eram notícias de negociações do governador com o grande capital internacional para “carrear para o Acre os benefícios do capital,

7da indústria e da cultura européia” .

A imprensa de linha editorial vinculada ao poder oficial incorporou o ideário de ocupação da Amazônia – “última fronteira a ser e integrada ao resto do país”. Enquanto na imprensa acreana imperava o silêncio a respeito dos violentos conflitos decorrentes da implantação da pecuária, na imprensa escrita do Centro-Sul brasileiro se tornavam cada vez mais constantes as notícias a respeito das vantagens de se investir nas terras do Acre.

7Opinião. O Rio Branco. Rio Branco-AC, 19 de fev. de 1971, Ano II, n. 241, p.1.

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O ACRE já está conhecido no país. O Governo procura atrair investidores para aproveitamento do potencial econômico que aqui temos latente. Infenso a improvisações, trabalhando em consonância com os desígnios políticos e sociais do Governo Federal, cujas diretrizes sérias imprimem à vida administrativa do Estado a atual gestão que hoje completa seu primeiro aniversário vem sendo olhado com respeito e

acatamento público. (Etapa Vencida. O Rio Branco. Rio Branco-AC, 15 mar. 1972, Ano III, n. 505, p.1).

O então governo estadual tinha na imprensa verdadeira aliada para efetivar seu plano de atrair os interesses dos investidores centro-sulistas, através do propagandeado “progresso” que chegava às terras acreanas. Havia grande interesse em apresentar as ações do governo estadual em consonância com “os desígnios do Governo federal”, numa demonstração de que o respaldo para executar o processo de transformação que vinha ocorrendo no Acre era cumprimento dos objetivos nacionais para a região.

No ato da passagem do governo de Wanderley Dantas a Geraldo Mesquita, o jornal O Rio Branco apresentou o novo chefe do Estado como continuador da política de desenvolvimento existente no período anterior, afirmando ser Mesquita “a esperança de que o Novo Acre continua. Missão cumprida, para um, missão a cumprir, para

outro”. Tal previsão, entretanto, não poderia se cumprir, pois se as terras acreanas continuassem a ser “entregues” a preços irrisórios para o grande número de grupos sulistas, não seria possível conter os conflitos de terras gerados pela política de implantação da pecuária, que não contemplou os sujeitos que já viviam nas terras compradas pelos novos proprietários.

A partir de 1975, não era mais possível manter o silêncio acerca da existência de conflitos de terras no Acre, tendo em vista que os mesmos haviam tomado proporções de violência e se multiplicado tanto que fugiam ao controle dos governantes, passando a ganhar páginas inteiras dos jornais locais. Apesar, da tentativa de Geraldo Mesquita de promover um governo em que a “paz social” reinasse, a situação conflituosa no ambiente tido como rural era tamanha que seria quase impossível conseguir tal façanha.

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A definição das políticas públicas de Geraldo Mesquita para o Acre precisava contemplar os grandes problemas sociais advindos com a concentração fundiária. A implantação da

Coordenadoria do Incra no Acre foi bastante significativa para isso, entretanto, ações como a desapropriação de terras públicas, mediadas pela L e g i s l a ç ã o F e d e r a l , a expedição de títulos definitivos e os projetos de colonização, em muitos casos, em vez de cumprirem o propósito de regulamentar a questão agrária no Acre, serviram apenas para a u m e n t a r o s c o n f l i t o s ambientais e pela posse de terra. A posição do governador foi veiculada pelo jornal O Rio Branco, através do editorial: “Mesquita é a favor das desapropriações e contra especuladores de terras”.

Ao colocar-se em posição contrária às especulações de t e r r a s e f a v o r á v e l à s desapropriações o governador

tentava apaziguar as tensões geradas pelos inúmeros conflitos de terras no Acre:

O governador do Estado, sr. Geraldo Mesquita manifestou-se favorável à desapropriação de terras no Acre e contra os especuladores. (...) O governador esclareceu que havia defendido essa tese perante a Escola Superior de guerra, mostrando que a desapropriação na medida que respeitasse as posses efetivamente ocupadas para fins produtivos, permitiria sua legitimação dentro dos limites legais do Estatuto da Terra.

Capa do jornal O Rio Branco, destacando a matéria “Mesquita é a favor das desapropriações e contra especuladores de terras”.Fonte: C.D.I.H. da UFAC.

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(...) Por isso mesmo, prosseguiu, “devo advertir aos que pensam em e opor a esta decisão, que desistam do seu intento, aconselhando-os a cooperar com a política fundiária do governo, pois esta é uma diretriz que tem íntimas e profundas implicações com a paz

social e a segurança nacional”. (Mesquita é a favor das desapropriações e contra especuladores de terras. O Rio Branco. Rio Branco-AC, 27 jan. 1977, Ano VIII, n. 1902, p. 1).

De acordo com as declarações constantes no editorial acima, a advertência parecia ser dirigida aos fazendeiros, seringalistas, investidores e políticos que estariam preparando um documento ao Presidente da República, ao Conselho de Segurança Nacional e a outros órgãos federais reclamando contra a medida adotada para o Acre de desapropriar algumas áreas de terras para promover a reforma agrária. O jogo político em torno da questão já se evidenciava por estar envolvido na assinatura de tal documento o ex-governador, Francisco Wanderley Dantas, “provável candidato ao Senado nas eleições de 1978”.

É interessante notar que a política de terras é apresentada no discurso do governador Geraldo Mesquita como sendo referendada por suas “profundas implicações com a paz social e a segurança nacional”. No mesmo texto, Geraldo Mesquita advertiu também “àqueles que querem encontrar soluções à margem da lei, com o uso da força, da pressão espúria e do incitamento à ação extra-legal”, que o governo não admitiria, sob qualquer pretexto, “desvio da sua política de conseguir a harmonia entre os que trabalham e cultivam a terra e os que a possuem”.

Ao declarar que pretendia alcançar a “harmonia” entre as partes conflitantes, entretanto, o então governador acabou fazendo uma distinção comum no discurso de grande parte da imprensa escrita local ao se referir à distribuição de terras no Acre: a diferenciação entre “os que trabalham e cultivam a terra” e os que de fato “a possuem”.

Logicamente, a questão acerca de “quem realmente possuía a terra” não era tão simples como parecia, tanto o seringueiro quanto o seringalista tinham uma relação de posseiros

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com a terra. Com a regulamentação das posses, feita muitas vezes através de documentos forjados, o seringalista vendia suas terras aos fazendeiros sulistas e o seringueiro, não dispondo de condições econômicas nem de amparo legal que lhe garantisse a posse da terra, se via obrigado a migrar, sob pena, em muitos casos, de perder a própria vida se resistisse.

José Afonso Ribeiro (1993, p. 34) afirma que durante o governo de Geraldo Mesquita “não houve registros de assassinatos no campo”, pois o mesmo havia tomado “medidas drásticas, punindo e demitindo aqueles que interferissem em questões fundiárias”, asseverando que “a polícia jamais poderia interferir nos conflitos”. Entretanto, não é essa a realidade exposta nas páginas dos jornais acreanos da época. O que dizer das várias matérias publicadas pelos jornais O Rio Branco e Varadouro acerca de assassinatos nas regiões conflituosas, tanto de seringueiros e índios, quanto dos próprios capatazes dos fazendeiros?

Exemplo disso é o caso do Seringal Nova Empresa, que culminou, em julho de 1977, com as mortes de Carlos Sérgio Zaparoli Siena – paulista de 26 anos, procurador e capataz do grupo sulista que comprou as terras do referido seringal –, e de Osvaldo Gondim, o auxiliar que ajudava na demarcação das terras. O jornal Varadouro, com sarcasmo e ironia, criticou veementemente as medidas paliativas que o governo Estadual havia tomado até então, em relação ao caso, que era de pleno conhecimento das autoridades públicas acreanas desde 1975:

Só faltou ao Governador Geraldo Gurgel de Mesquita assistir ao tiroteio entre os posseiros e o capataz Carlos Sérgio e Osvaldo Gondim. Ele próprio confirmou que, pelo menos, duas ou três vezes chamou o capataz e o posseiro Antônio Caetano, aconselhando-os a chegarem a um acordo, ao Governador só restou declarar que “o fato é lamentável, profundamente lamentável”. De qualquer modo, há que se reconhecer o empenho do Governador em evitá-lo, mesmo que fosse através de conselhos. (O Governador lamenta. Varadouro. Rio Branco-AC, ago./ 1977, Ano I, n. 3, p.11).

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É interessante notar a peculiaridade das relações de poder

no Acre, em que as barreiras entre representantes do poder político e o povo se apresentam como se fossem tão tênues que não se estranha o fato de que o governador tenha parado por diversas vezes para “aconselhar”, as partes envolvidas nesse conflito pela posse da terra. De acordo com informações constantes no editorial acima mencionado, mesmo sabendo da gravidade do impasse, o Secretário de Segurança ainda insistia em dizer que “se todas as áreas do Estado fossem tão tranqüilas como o Seringal Nova Empresa, ele se daria por satisfeito”.

A notícia ganhou também destaque no jornal O Rio Branco, demonstrando que não apenas as autoridades locais estavam cientes da gravidade do conflito, mas também os próprios fazendeiros que haviam comprado as terras do seringal Nova Empresa:

O Seringal Nova Empresa compreende uma área de 90 mil hectares que foi dividida em duas partes: uma com 50 mil hectares, que pertence a dois sócios, e outra de 40 mil adquirida por 14 empresários do sul, entre eles, Mário Junqueira, presidente da Associação dos Criadores de Nelore do Brasil, Archimedes Barbiere (industrial paulista), Esmerino e Sebastião Ribeiro do Valle, o deputado mineiro João Marques e Dr. Renir Rabelo. No ano passado, seis desses empresários estiveram em Rio Branco, para solucionar um problema entre Carlos Sérgio e alguns posseiros e invasores. (Posseiros matam nas terras do Nova Empresa. O Rio Branco. Rio Branco-AC, 09 jul. de 1977, Ano IX, n. 67, p. 1).

A ênfase dada ao editorial acima, aparecendo em destaque na primeira página do jornal, e os sentidos que aportam no título “Posseiros matam nas terras do Nova Empresa, demonstram, por si só, a construção das imagens dos posseiros como criminosos, reforçando a distinção entre “posseiros” e “invasores”. A partir desse recurso, verifica-se que as adjetivações conferidas aos posseiros reforçam a caracterização de suas imagens como ilegítimos, habitantes de uma terra que não lhes pertencia, mesmo tendo eles vivido várias décadas nelas.

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U m d o s m o t i v o s apontados nessa mesma matéria de O Rio Branco para a morte dos capatazes teria sido o fato de Carlos Sérgio ter, juntamente com dois policiais de Rio Branco, “ateado fogo em vários barracos supostamente pertencentes a invasores” e, em represália, os trabalhadores teriam queimado o acampamento do topógrafo Franco G. Mira, que fazia demarcações nas terras do Nova Empresa. Os proprietários sulistas propuseram, então, a doação de lotes de terra para a q u e l e s q u e f o s s e m comprovadamente posseiros:

O s elementos considerados invasores, sem direito a permanecer na terra ou ser indenizado, relutaram em sair. E os admitidos como posseiros, recusam-se a deixar suas áreas já cultivadas e mudar-se para o loteamento oferecido pelo grupo porque, segundo alegam, o novo terreno não tem água e está situado em tabocal. Além disso, não havia um consenso quanto ao número de trabalhadores residindo na área. Enquanto os proprietários e a polícia falavam em 40 famílias, os posseiros diziam ser no mínimo 200. (Posseiros matam nas terras do Nova Empresa. O Rio Branco. Rio Branco-AC, 09 jul. 1977, Ano IX, n. 67, p. 1).

A divisão feita pelos fazendeiros sulistas entre “posseiros” e “invasores” já era uma medida que acentuava a crise no local, representando uma tentativa de desarticulação dos trabalhadores, através da estratégia de jogar uns contra os outros. As pressões para que saíssem do local eram fortes, além de terem sido transferidos para uma área sem as mínimas condições de sobrevivência, visto não

Capa do jornal O Rio Branco, mostrando o editorial “Posseiros matam nas terras do Nova Empresa”.Fonte: C.D.I.H. da UFAC.

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dispor de água e estar situada em um tabocal, os moradores que ainda permaneciam no Nova Empresa foram impedidos de prosseguir com o corte da seringa, como declara uma moradora do local, em entrevista a O Rio Branco, comentada no mesmo texto, “Posseiros matam nas terras do Nova Empresa”. A moradora afirmou que Carlos Sérgio costumava dizer “Vocês vão ter que ficar nos lotes, mas nada de seringa. Seringa vai acabar”.

Ao veicular o que denomina a “versão oficial dos fatos”, o jornal O Rio Branco parecia desconsiderar todo o estado de suspeição em que viviam os moradores do local, e destaca no título “Polícia prende 4 posseiros: Matamos para não morrer, declara chefe da tocaia” um discurso estruturado no sentido de configurar o crime como tendo sido ardilosamente premeditado através de várias “tocaias”:

A diligência composta de 24 homens (...) retornou ontem a tarde trazendo cinco posseiros diretamente responsáveis pela morte de Carlos Sérgio Siena e Osvaldo Gondim, (...) O cabeça do grupo, que deu a idéia da tocaia, por várias vezes reuniu até 20 trabalhadores em sua casa, para acabar com a vida de Carlos Sérgio e Osvaldo (...) Eles chegaram a armar quatro tocaias, a primeira com 20 homens com espingarda. No terceiro já havia apenas 9 e no que finalmente se consumou quinta-feira, somente cinco. Segundo Caetano, os que desistiram atenderam aos apelos de suas mulheres, que temiam pelo que viesse acontecer depois. Os que restam presos no 1.º Distrito Policial da Capital disseram ontem a O RIO BRANCO que estão sendo bem tratados pela Polícia. (Polícia prende 4 posseiros. O Rio Branco. Rio Branco-AC, 10 jul. 1977, Ano IX, n. 68, p. 1).

Em uma época em que as torturas nas delegacias eram uma realidade, embora fossem veiculadas de forma muito tímida na imprensa local, a declaração de que os presos estavam sendo “bem tratados” remete a uma necessidade de se afirmar a “legalidade” e o bom senso por parte de uma polícia temida não

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pelo respeito, mas pela força. A prisão, como afirma Michel Foucault (2002), “é um lugar de trevas onde o olho do cidadão não pode contar as vítimas” e em que a escuridão torna-se assunto de desconfiança para a população. Assim, era preciso garantir à população que a lei estava sendo cumprida para o bem de todos, excitando seu reconhecimento e evitando os possíveis murmúrios.

Com a ascensão de Joaquim Macedo ao governo acreano, em 1979, persistiram os conflitos pela posse da terra. A situação dos seringueiros que ainda permaneciam nas terras dos antigos seringais, agora fazendas pecuaristas, era marcada pela luta por melhores condições de vida, pois, ao perderem seu meio tradicional de sobrevivência, foram criando meios alternativos para assegurar seu sustento.

O movimento dos empates representou, principalmente, a resistência das gentes da floresta contra a expansão capitalista agropecuária. Os seringueiros passaram a encarnar não somente a imagem de uma classe pobre e oprimida, mas também os agentes de resistência e transformação das relações sociais no campo. A busca pela organização em sindicatos, como demonstra o seguinte editorial de Varadouro fornece uma visão da luta pela autonomia do seringueiro:

Com o início do verão começa a infindável disputa de terras entre seringueiros e latifundiários. Como nos anos anteriores dá para perceber que o governo, comandado pela ditadura militar, demonstra total desinteresse em procurar solucionar o problema. É exatamente por essas razões que os seringueiros têm procurado, cada vez mais organizados em sindicatos, defender suas colocações através dos já conhecidos “empates”. (Posseiros, diálogo ou a força? Varadouro.Rio Branco-AC, mai./1981, Ano IV, n. 21, p. 7).

A crítica de Varadouro denuncia de forma latente o apoio substancial do governo acreano aos latifundiários, “quer lhes concedendo grandes ajudas econômicas, quer colocando seu aparato policial-repressivo a disposição destes, em sua luta contra

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os trabalhadores” (idem). As ações apontadas por Varadouro como sendo reveladoras de apoio do poder oficial aos latifundiários dizem respeito, principalmente a prisões de seringueiros participantes dos empates, interrogatórios ostensivos e apreensão das armas desses trabalhadores da floresta, uns dos poucos instrumentos que garantiam, ainda que minimamente, sua sobrevivência.

Ao confrontarmos os discursos veiculados em O Rio Branco e Varadouro acerca dos conflitos de terra existentes no Acre no final da década de 1970 e início da década de 1980, percebemos que os sentidos não circulam livremente na imprensa, mas estão atrelados a certos modos de representar as relações de poder. Apesar dos discursos de ambas as produções jornalísticas serem articulados de modo a produzir a ilusão de representarem um registro fiel da realidade, as lutas e tensões que narram trazem explícitas maneiras peculiares de perceber os sujeitos constituintes das relações discursivas.

Os movimentos sociais urbanos em Varadouro e O Rio Branco

No Acre, os últimos anos da década de 1970 foram marcados por uma forte movimentação dos setores populares, tanto no campo quanto na cidade, para sua organização em torno da luta por seus direitos. O apoio organizacional das Comunidades Eclesiais de Base e dos nascentes sindicatos foi o principal elemento de articulação dessas populações a fim de resistir e melhorar suas condições de vida.

O foco de discussão neste item será a representação das lutas dos movimentos sociais urbanos na imprensa escrita acreana, uma vez que os movimentos sociais ligados ao campo já foram discutidos anteriormente. Os movimentos sociais atuam como espaço de socialização política, permitindo aos trabalhadores tanto o aprendizado da vivência prática de se unir, organizar, participar, negociar e lutar; quanto a elaboração da identidade cultural, a consciência de defesa de seus interesses e a apreensão crítica de seu mundo, de suas práticas e representações sociais.

A atuação dos diversos movimentos sociais tanto nas lutas no campo quanto na cidade, durante as décadas de 1970 e

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1980, apontava para a organização de vários setores sociais na defesa de seus direitos e interesses e para a construção de uma identidade coletiva, capaz de unir os diferentes em torno de uma luta comum. O êxodo rural e as conseqüentes mudanças na estrutura populacional ocorridas no Acre trouxeram para o espaço das cidades outros protagonistas, que a cada dia foram impondo suas presenças em um espaço novo, disputando lugares, se unindo, reivindicando seus direitos, atravessando fronteiras e constituindo através de suas vivências, novos lugares e territórios.

A presença dos movimentos sociais na imprensa escrita riobranquense no final da década de 1970 e início da década de 1980 é marcada tanto por estratégias de manipulação quanto de resistência. De um lado, a imprensa de linha oficial apresentava os movimentos sociais como “subversivos”, construindo a imagem dos trabalhadores de forma negativa e preconceituosa, de outro, os jornais alternativos investiam na construção positiva desses movimentos, servindo como instrumentos de veiculação de suas reivindicações. As passeatas realizadas pelos movimentos sociais acreanos se configuram em um momento que a população utilizava para lutar por melhores condições de vida e contra o regime militar, como percebemos pelos dizeres do cartaz da foto a seguir: “Abaixo a LSN” – Lei de Segurança Nacional.

Manifestação no centro de Rio Branco, contra a repressão imposta pela censura e contra a LSN (Lei de Segurança Nacional).Fonte: Acervo Digital do Memorial dos Autonomistas

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Debaixo de uma poderosa estrutura de poder coercitivo, existem as rupturas, por isso, o discurso expresso nos jornais mostra não apenas o saber/poder que se institui com vistas à dominação, mas também permite perceber os conflitos sociais e a exclusão dos sujeitos ditos “subversivos”. As resistências são essenciais para se pensar as identidades em determinada sociedade. De acordo com Michel Foucault, por trás da história desordenada dos governos, das guerras e da fome, desenham-se histórias, quase imóveis ao olhar. São justamente essas “histórias” que expressam as maneiras particulares dos grupos excluídos das altas esferas do poder de realizar trajetórias que caminham na contramão do discurso oficial. Essas trajetórias, entretanto, quando transpostas para o discurso midiático, são re-significadas de acordo com os interesses de quem as escreve.

E n t r e o s movimentos sociais mais perseguidos pelo regime m i l i t a r , p r o f e s s o r e s e estudantes foram os setores que estiveram constantemente sob a mira da repressão p o l í t i c a . D u r a n t e a s manifestações em todo o Brasil houve centenas de prisões e muitos militantes destes movimentos foram torturados e mortos.

N o A c r e , o s movimentos de resistência liderados por professores e alunos se apresentaram de forma bem peculiar. A criação da Universidade Federal do Acre em plena vigência do regime militar, a condição de isolamento em

relação ao resto do país e a dependência no tocante ao governo federal ditavam um clima de silêncio e medo. Essa ambiência de

Capa do jornal Varadouro (jun./1978, Ano II, n. 10), destacando a homenagem da edição aos diversos grupos de “trabalhadores” acreanos. Fonte: Museu da Borracha

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suspeição estendia-se também por todos os estabelecimentos de ensino do Estado, uma vez que, segundo a lógica dos militares, a escola e a universidade eram locais de fácil propagação de idéias “subversivas”.

Nesse contexto, o discurso jornalístico da imprensa oficial choca-se com o discurso da imprensa alternativa, tendo em vista que o primeiro apresenta os professores e os estudantes como “perturbadores da ordem”, e o segundo, como “vítimas” do processo de repressão imposto pelo governo militar.

O discurso jornalístico apresentado pela imprensa oficial articula-se no sentido de disseminar as práticas discursivas de exercício do poder, impondo determinados procedimentos e silenciando aqueles que divergem do poder político dominante. Na proporção em que se institui através da positividade dos enunciados, o discurso de defesa dos grupos dominantes apresenta-se como a única via de interpretação possível da realidade, colocando seus adversários como o “negativo”, o “oposto”, o “perigoso”, o “inimigo”, o “outro”, “a encarnação do mal”.

No Acre, os movimentos grevistas liderados por professores eram, muitas vezes, vistos pela mídia como atitudes irresponsáveis, praticadas por “perturbadores da ordem”. O discurso da imprensa atrelada ao poder oficial acerca das reivindicações dos educadores apresentava-se marcado pela negatividade, articulando os sentidos tanto a partir das designações pejorativas que eram dadas aos professores quanto através dos próprios silenciamentos, como se pode perceber no trecho a seguir, publicado no jornal O Rio Branco:

Mais uma greve por professores.Vale dizer, escolas fechadas e estudantes

desorientados, perambulando pelas ruas. (...) É que, todos, estudantes e pais foram surpreendidos pela impensada e insensata decisão de “alguns professores” de determinar a paralisação das atividades escolares, pela segunda vez, em menos de seis meses.

Sem que se analise o mérito das reivindicações da Classe, será que “esses professores” não pensam e avaliam os enormes prejuízos que causam a seus

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alunos, ao se decidirem por gestos extremos, como o recurso à greve?

(...) A opinião pública, antes de adotar qualquer posição, procure se inteirar do que, realmente está ocorrendo no meio da Classe dos professores, hoje orientada segundo os critérios e entendimentos ideológicos de “certos professores” que não dignificam a nobre e benemérita Classe dos autênticos professores a quem tanto devem o Estado e todos os acreanos. (Opinião. O Rio Branco. Rio Branco-AC, 11 set. 1980. Ano X, n. 1024, p. 1).

As reivindicações do movimento grevista dos professores não apenas são desconsideradas pelo discurso do jornal O Rio Branco, como também os próprios professores não são definidos. Ao se referir aos professores, o jornal usa termos que sugerem desqualificação, marcados entre aspas como: “alguns professores”, “esses professores”, “certos professores”, além de expressões como “profissionais do tumulto”.

A violência simbólica contra os professores se faz notar através da linguagem expressa nas caracterizações dos opositores. A imprensa reproduzia o discurso dos militares, qualificando os opositores do regime de maneira negativa, com termos que semanticamente os estigmatizavam. Ao difamar o inimigo, os militares tentavam fazer com que seus pontos de vista não merecessem sequer o exame, pois eles estariam sempre contaminados por interesses subalternos. Nesse sentido, a partir desse procedimento, pretendia-se incitar certas parcelas da população, para que reagissem emotivamente contra certas idéias e certas atividades políticas.

A cobertura dada pela mídia configurava os movimentos grevistas como subversivos e coisa de baderneiros. A partir desse recurso, verificamos que as adjetivações eram arquitetadas no sentido de fazer com que os trabalhadores parecessem ilegítimos. Dentro da lógica da “deslegitimação” empregada amplamente pelo discurso de O Rio Branco, a “agitação popular” e a “subversão” seriam contrárias à “vontade única da nação brasileira”. Através dessas adjetivações negativas, a produção de sentidos procurava criar um efeito de discurso único, homogêneo, em que “todos” deveriam se unir para combater um inimigo comum.

Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

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A análise feita no jornal Varadouro mostra um outro dado sobre a situação dos professores no Acre durante o regime de exceção. Segundo informações desse jornal, constantes no editorial publicado na edição de número 15, os movimentos de docentes brotados dentro da Universidade, além de tímidos, eram poucos, em decorrência não apenas do fato de a instituição ser recente no Estado, mas também da ausência de incentivo ao seu surgimento. Aliado a isso, acrescentam-se o isolamento do Estado e o cerceamento em nível nacional durante anos, fatores que, segundo Varadouro, contribuíram para a falta de comprometimento de alguns professores que preferiram a busca pura e simples do diploma como recurso para conseguir um emprego, repetindo-se o ciclo de dependência dentro da máquina governamental. O trecho a seguir apresenta uma crítica do jornal Varadouro à repressão existente na Universidade Federal do Acre:

Tratou-se desde 1964, de afastar e punir portadores de idéias consideradas marxistas ou subversivas, duras qualificações notoriamente elásticas e geralmente imprecisas, o que torna o julgamento extremamente subjetivo na maioria das vezes. Junta-se a estes julgamentos os ódios e antipatias, as referências pessoais...

Por sua própria natureza, o processo de expurgo constitui-se em instrumento político que favorece a ascensão às posições de mando de um lado, dos espíritos mais tacanhos e intolerantes e, de outro dos oportunistas. Como em outros níveis da sociedade, a existência de grupos com posições diversas acaba sendo encarada como algo a ser proibido. É necessário o nivelamento de idéias. (Universidade, filha legítima de tempos de silêncio e medo. Varadouro. Rio Branco-AC, jun./1979, Ano II, n. 15, p.15).

Como se percebe, o lugar institucional de onde falam os defensores dos professores tidos como “subversivos” é legitimado pela palavra de resistência. Sendo o discurso um espaço em que se travam as lutas pela manutenção do poder, não pode ser concebido como ambiente de neutralidade ou transparência, visto que se exerce dentro dos limites de um sistema de dominação, mas é também lugar de visibilidade, de exercício do poder.

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Bernardo Kucinski já havia dito que o plano discursivo constitui-se na arena em que se travaram as lutas entre a imprensa convencional e a imprensa alternativa, justamente pelos seus papéis opostos como agregadores e desagregadores da sociedade civil. Se no discurso de O Rio Branco a estratégia era desqualificar os opositores do regime através de denominações pejorativas, o discurso de Varadouro rebatia estas acusações, contra-argumentando que essas “duras qualificações notoriamente elásticas e geralmente imprecisas” dadas aos professores tornavam o julgamento “extremamente subjetivo”.

O interesse em manter apagado o discurso dos professores ditos “subversivos” remete às estratégias discutidas por Michel Foucault acerca da luta travada sobre a disciplina, a qual deve também dominar todas as forças que se formam a partir da própria constituição de uma multiplicidade organizada. O poder disciplinar se articula no sentido de neutralizar os efeitos de contra-poder que dele nascem e que formam resistência ao poder que quer dominá-la, por isso, é necessário dissolver as agitações, as revoltas, as organizações espontâneas, enfim, todo e qualquer conluio que possa desarticular a dominação.

Podemos entrever um outro exemplo de censura envolvendo alunos e professores durante a Ditadura Militar no trecho a seguir, publicado no jornal O Rio Branco, dando conta de atos de cerceamentos impostos pela reitoria aos estudantes da Universidade Federal do Acre, simplesmente por estes haverem publicado em um jornal mural notícias de jornais alternativos:

O “Jornal Mural dos Estudantes”, que apareceu pela primeira vez na semana passada, constando de recortes de jornais, desenhos e textos mimeografados, afixados num quadro do pátio da Universidade Federal do Acre, sob a responsabilidade do Diretório Central dos Estudantes, reaparece hoje pela segunda vez, mas depois de ter passado pela censura do reitor Áulio Gélio Alves de Souza. Após tomar conhecimento do jornal, o reitor convocou seus responsáveis para uma conversa em seu gabinete, e determinou que todo o material selecionado pelos estudantes passasse por suas mãos antes de ser publicado.

Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

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O jornal publica hoje uma entrevista com o próprio Reitor, onde este esclarece que não está exercendo uma censura sobre a publicação do DCE, mas apenas cumprindo um dispositivo legal da Universidade, ao procurar tomar conhecimento de tudo que se passa na instituição. (Reitor afirma que não há censura. O Rio Branco. Rio Branco-AC, 24 mai. 1978, Ano IX, n. 299, p. 3).

O discurso do trecho acima apresenta-se de maneira paradoxal, ao mesmo tempo em que trata da existência de um ato de censura, apresenta uma pretensa justificativa para tal cerceamento ao dar voz privilegiada ao Reitor e não aos alunos envolvidos na produção do “jornal mural”. Como se percebe, eram considerados subversivos quaisquer estudantes, professores ou funcionários que ameaçassem o regime, pelo fato de se reunirem para discutir sobre livros, produzirem peças teatrais ou atuarem na produção de simples jornais murais, atividades que deveriam ser consideradas corriqueiras em qualquer universidade. Para os defensores do Regime Militar isso era uma ameaça aos ideais da Ditadura.

As “conversas de gabinete” mencionadas no texto apontam para um poder disciplinar que, nas palavras de Michel Foucault, em vez de se apropriar e de retirar, tem a função maior de “adestrar” para se apropriar ainda mais e melhor. A justificativa apresentada pelo Reitor para “procurar tomar conhecimento de tudo que se passa na instituição” nada mais representa que uma tentativa de, sob o pretexto de assegurar a “legalidade”, manter o controle sobre o que podia ou não ser veiculado na Universidade Federal do Acre.

Se por um lado, a imprensa dita convencional apresenta um discurso que visa à disciplina e ao controle dos movimentos de professores e estudantes, por outro, é preciso analisar também as formas de resistência, perceber suas estratégias, as lutas que colocam em questão a construção discursiva dos sujeitos. O seguinte trecho de Varadouro demonstra que mesmo em plena vigência de grandes cerceamentos, em que predomina o discurso marcado por procedimentos de exclusão, é possível a construção de estratégias específicas de luta que permitem questionar como o poder se exerce e quais são as relações da produção de subjetividade com o

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poder:

Se o “dia da independência” merece ser comemorado por todos os brasileiros, por que então os diretores (que deveriam ser as pessoas mais indicadas) não dialogam com os estudantes, argumentando o quanto é “verdadeira” a nossa independência, e que o seu sacrifício de desmaiar sob o sol do dia 7, não é apenas para atender às suas vaidades pessoais de mostrar os seus meninos marchando direitinho e melhor que os outros. Mas isso não é o que acontece, a suspensão é o argumento.

(...) No CESEME, portões fechados, no Colégio Acreano, inspetores nas salas. Em todos eles a figura do diretor, uma ameaça pairando sob a cabeça de todos os que queiram questionar. (...) O movimento dos estudantes do Colégio Acreano veio denunciar de público o que acontece diariamente no interior desses colégios, onde centenas de jovens vivem em regime de quartel. (Linha dura nos colégios acreanos. Varadouro. Rio Branco-AC, ago./set. 1981, Ano IV, n. 23, p.5).

O relato de como se davam os preparativos para a comemo-ração do dia da independên-cia traduz um verdadeiro processo de adestramento dos corpos . Segundo descrito no texto acima, eram comuns cenas de diretores “arrebanharem” alunos na praça para o ensaio, sob ameaças de “quatro dias de suspensão”. Aqueles que perguntavam “por que?”, segundo o editorial, eram chamados de “antinacionalistas”, e, naturalmente, suspensos caso insistissem em uma resposta convincente.

Ilustração do editorial: Linha dura nos colégios acreanos. Varadouro. Rio Branco-AC, ago. set./ 1981, Ano IV, n. 23, p.5.Fonte: Museu da Borracha.

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A ilustração mostra o medo e a repressão através do semblante do aluno em relação ao “Diretor Militar”. O fato de o diretor estar vestido de “policial” é usado para reforçar os cerceamentos existentes nos colégios acreanos durante a Ditadura Militar. Considerando os sentidos que permeiam tanto o editorial em questão quanto o desenho que o ilustra, podemos perceber que diante da tentativa do poder de elidir os sentidos de luta e apagar os sentidos “subversivos” não é possível eliminar a possibilidade de resistência. Varadouro apresenta-se como um espaço de defesa de direitos e reivindicação dos professores e estudantes, por isso a veiculação de textos que se contrapunham à ideologia do poder oficial ganha espaço privilegiado nesse jornal. A crítica mordaz aos diretores das escolas e aos “cães de guarda”, como eram chamados os inspetores escolares, é endossada pela afirmação de que Varadouro abria espaço para o movimento dos estudantes do Colégio Acreano ir “denunciar de público o que acontece diariamente no interior desses estabelecimentos”.

Se os embates de professores e estudantes ocuparam as páginas dos jornais em questão, outros grupos de trabalhadores se organizaram e tiveram suas lutas veiculadas nos jornais. Ao logo do tempo, vários estudiosos têm se interessado pela emergência de conflitos sociais em torno do discurso da imprensa, do campo simbólico e do uso de estratégias que visam ao controle dos bens culturais. Dentre os vários movimentos sociais existentes no Acre durante a Ditadura Militar, as mulheres se destacaram, ganhando significativo espaço na imprensa, principalmente nos jornais alternativos, para veiculação de suas lutas.

De acordo com Rosália Dias (1991, p. 27), o feminismo compõe o grupo dos novos movimentos sociais que emergiram durante a década de 1960, juntamente com as revoltas estudantis, os movimentos juvenis contraculturais e antibelicistas, as lutas pelos direitos humanos, movimentos pacifistas, cujo ideário está diretamente ligado com as transformações ocorridas no mundo iniciadas em 1968.

Apesar de serem raros, textos enfocando a temática da exploração da mulher aparecem no jornal O Rio Branco, mas

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geralmente escritos no estilo informativo. Entre esses esparsos textos, podemos citar “Trabalho desgasta mais as mulheres, diz pesquisa”. O texto refere-se ao resultado de uma pesquisa realizada em Michigan, Estados Unidos, a qual havia constatado que os homens sofriam “menos desgaste do que as mulheres, que assumem quase a totalidade das tarefas domésticas, mesmo quando trabalham fora de casa” (Trabalho desgasta mais as mulheres, diz pesquisa. O Rio Branco. Rio Branco-AC, 21 ago. 1977. Ano IX, n. 104, p. 7).

Segundo Alain Touraine, “é a partir do sofrimento do indivíduo dilacerado e da relação entre sujeitos que o desejo de ser sujeito pode se transformar em capacidade de ser um ator social”. Nesse sentido, as mulheres acreanas começaram a se organizar a fim de juntas reivindicarem seus direitos e defenderem suas lutas. Em editorial acerca do nascente movimento de mulheres no Acre, o jornal Varadouro lançou o questionamento acerca da ressonância da organização de um movimento especificamente feminino na realidade da mulher acreana:

Sofrendo toda sorte de discriminações, [a mulher] continua vivendo à margem da história. Por isso, seu inimigo principal mudou: não é mais o homem, como se pensava na época do surgimento dos movimentos feministas nos EUA e Europa. Hoje, seu principal inimigo é, segundo tais movimentos, todo um sistema social que oprime tanto mulheres quanto homens. (E a mulher Acreana? Varadouro. Rio Branco-AC, abr./1981, Ano IV, n. 20, p. 10).

Ao afirmar que a mulher durante muito tempo esteve situada “à margem da história”, o editorial apresenta a exploração pela qual passavam as mulheres acreanas, as quais eram concebidas, muitas vezes, apenas como mão-de-obra barata. Maria Eunice Guedes (1995) afirma que na década de 1970 havia uma preocupação em conferir estatuto de saber às vivências e estudos sobre a mulher. Essa visibilidade tornava-se necessária tendo em vista que até aquele momento a mulher representava um segmento que ainda se encontrava diluída no geral, era vista apenas como força de trabalho e componente da classe trabalhadora.

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Entre os resultados da união das mulheres acreanas está a criação da Associação das Lavadeiras. Em editorial intitulado “Movimento das Lavadeiras”, Varadouro veiculou as conquistas das mulheres em suas lutas por melhores condições de trabalho. As relações de exclusão social pelas quais passavam essas mulheres, moradoras dos bairros pobres de Rio Branco, foram contestadas, ganharam as páginas dos jornais e passaram a figurar como uma “demonstração convincente de como as classes populares podem se organizar e reivindicar seus direitos e fazer valer sua força” (O “Movimento das Lavadeiras”. Varadouro. Rio Branco-AC, mar./1979, Ano II, n. 14, p. 11).

Além das lavadeiras, a classe dos estivadores foi outro segmento de trabalhadores que começava a se organizar. No final da década de 1970, já contavam com uma associação, cuja sede localizava-se no Mercado Municipal, “uma sede perdida entre

barracas de banana, laranja, batatas e ovos” (Estivadores: um suor que não rende. Varadouro. Rio Branco-AC, jul. 1977, Ano I, n. 2, p. 13). A reivindicação de um terreno para a construção da sede do Sindicato dos Estivadores de Rio Branco foi veiculada no jornal O Rio

Estivadores trabalhando no porto de Rio Branco. Foto Jornal Varadouro, jul. 1977, Ano I, n. 2. Fonte: C.D.I.H. da UFAC.

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Branco dois anos depois, tendo em vista o perigo de a mesma desabar com a queda dos barrancos do rio Acre. Por mais que a intenção ao criar a associação fosse a de representar a categoria dos estivadores, Varadouro relata que a situação era bem diferente, pois havia sérias denúncias de má administração das contribuições dos estivadores associados por parte da diretoria. De acordo com Varadouro, as dificuldades dos estivadores envolviam a falta de assistência do poder público quando ficavam doentes, o desgaste físico que acarretava uma série de doenças, somados a má remuneração e a falta de assistência da própria associação que os representava.

Além desses movimentos populares urbanos, outros ocuparam espaço nos dois jornais pesquisados. No discurso do jornal O Rio Branco, dada sua ligação com o poder oficial, observamos predominantemente, a existência de poucos editoriais que enfocassem os movimentos sociais, e quando os mencionavam, apresentavam-nos apenas em textos de caráter informativo. A estratégia, como já mencionamos, era apresentar os líderes dos movimentos sociais como “subversivos”, apresentando-os como reivindicadores de benefícios pautados na ilegalidade. A imagem desses sujeitos sociais como “baderneiros” e subversivos visava a criar a “ilusão de consenso” quanto ao regime e aos opositores, reforçando, assim, o “poder simbólico” dos dominantes.

Ao se observar as estratégias discursivas que permeiam o discurso tanto da imprensa oficial quanto da imprensa alternativa acerca dos movimentos sociais durante a Ditadura Militar é preciso levar em consideração as condições de produção imediatas dos textos analisados. Focalizar o sujeito enunciador e as circunstâncias em que enuncia traz para a análise as “cenas enunciativas” que apontam para um discurso que, ora busca legitimar-se pelo princípio da legalidade e da defesa das instituições nacionais, ora remete à idéia de que o contra-poder age segundo procedimentos de resistência em defesa dos movimentos sociais.

O discurso da imprensa desempenha um papel importante no preenchimento do vazio da palavra, permitindo rastrear os sentidos encobertos nas entrelinhas dos editoriais e buscando deixar falar o silêncio que permeia esses textos. Em um

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complexo movimento, o discurso jornalístico mostra e esconde o que convém a seus enunciadores por meio de estratégias discursivas. Nesse sentido, a construção das imagens dos trabalhadores e dos movimentos sociais apresenta-se nos jornais O Rio Branco e Varadouro obedecendo às intenções enunciativas dos grupos de poder que ideologicamente controlavam suas produções discursivas.

Na concepção de Baczko (1985), o imaginário corresponde a uma produção coletiva, pois atua como uma espécie de depositário da memória que determinada sociedade recolheria de contatos entre seus componentes e a vivência cotidiana destes. É através do imaginário que se pode atingir as aspirações, os medos e as esperanças de determinado povo. As múltiplas identidades das sociedades, seus objetivos, a organização de seu passado, presente e futuro são resultantes de processos intrínsecos ao imaginário. A forma de expressão deste compreende rituais e mitos, ideologias e utopias.

As constantes transformações do mundo e sua representação através do discurso são matérias constantes nas discussões veiculadas pela mídia. A realização de uma análise criteriosa de nossa própria realidade a partir do imaginário social contido no discurso midiático é, pois, imprescindível, uma vez que este permite visualizar a perpetuação histórica dos símbolos, alegorias e mitos, que expressam as ideologias dominantes em determinada sociedade.

A Amazônia e a questão indígena: duelos no discurso da imprensa

escrita acreana

O imaginário acerca da Amazônia e dos grupos indígenas que a habitam, construído ao longo de anos e reforçado durante a Ditadura Militar, encontrou referência principalmente através dos meios de comunicação. No Acre, os jornais O Rio Branco e Varadouro desempenharam importante papel na construção dessas imagens, atuando ora questionando ora reiterando o discurso produzido em tempos passados sobre a região e a população indígena. Dentre as imagens da Amazônia usadas pelos militares

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para ocupar a região, destacam-se a idéia de uma terra cuja natureza precisava ser domesticada, de um verdadeiro “El Dorado” e do grande “pulmão do mundo”. As populações indígenas, por serem consideradas elementos constituintes dessa natureza, também tiveram suas imagens construídas baseando-se na oposição barbárie/civilização.

O imaginário sobre a Amazônia e a questão indígena, construído a partir do discurso da mídia acreana durante a Ditadura Militar, é regido pela idéia de domesticação da natureza. A construção do imaginário sobre a Amazônia através dos jornais O Rio Branco e Varadouro se faz sobre aquela imagem arquitetada desde as primeiras décadas do século XX, baseada na dicotomia paraíso/inferno.

De acordo com Paes Loureiro (1995, p. 97), ao longo dos primeiros séculos do processo de desenvolvimento brasileiro, bem como até a década de 1970, a Amazônia permaneceu como a imagem de um lugar remoto, desconhecido e impenetrável. Devido suas condições geográficas e a dificuldade de acesso, a região foi se constituindo um segredo e um lugar envolvido por mistérios e uma atmosfera lúdica.

A velocidade das mudanças nas elaborações imaginárias acerca da Amazônia acentuou-se no período militar, principalmente através da propaganda de incentivo a sua ocupação. A partir de uma série de imagens veiculadas na mídia, conceitos como “vazio demográfico” e “terras sem homens para homens sem terras” ocuparam o imaginário coletivo, estabelecendo estreitas relações entre as metas de ocupação dos governos militares e os desejos de alcançar melhores condições de vida por parte das populações rurais.

A imprensa busca, de maneira quase inconsciente, construir imagens capazes de estabelecer uma ordem, uma organização nos elementos que compõem o real em determinada sociedade. As representações produzidas pela mídia articulam-se no sentido de manipular o real. O contraditório, nessa relação, é que a mídia é também manipulada por esse real, na interpenetração

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das relações entre o real e o imaginário social. Dominar o simbólico de uma sociedade é um dos caminhos para se chegar ao poder da mesma, sendo que, o simbólico é elemento de disputa entre os grupos rivais.

A produção discursiva dos jornais que circularam durante a Ditadura Militar acerca da Amazônia demonstrava a intenção dos grupos dominantes de promover a legitimação do modelo de desenvolvimento elaborado pelos militares para a região. A idéia dos militares de “ocupar para desenvolver” traz em seu bojo a construção da imagem da Amazônia com um “vazio demográfico”, que precisava ser “efetivamente” ocupado.

O ideário de incorporação dessa imensa faixa de terras ao conjunto da economia nacional movimentou os interesses de investidores do Brasil e exterior, sendo estimulados através da disponibilização por parte do governo federal de crédito rápido e fácil nos estabelecimentos bancários públicos, bem como uma série de incentivos fiscais, objetivando promover o deslocamento de migrantes, capitalistas nacionais e estrangeiros, dispostos a contribuir com o projeto de ocupação fomentado na Amazônia.

O retorno à imagem da Amazônia como um “Eldorado” ou como “paraíso” utilizado pela imprensa escrita serviu, diante do isolamento em relação às demais regiões brasileiras, como a alternativa encontrada pelos governantes do período da Ditadura, para propagar a imagem de uma região paradisíaca e propiciadora de vantagens econômicas.

As reais intenções dos governos militares para a Amazônia não demoraram a serem desveladas. A proposta feita pelo governo de desenvolver a região a partir do lema “terras sem homens, para homens sem terra” não se cumpriria, pois os reais interesses em jogo na campanha de ocupação da Amazônia era o “entreguismo” das riquezas naturais da região aos capitalistas internacionais e aos grandes empresários brasileiros. Como forma de protesto, em todo o país vários movimentos em defesa da Amazônia surgiram, promovendo debates acerca da situação:

“Entre nessa briga!”. Esse é o convite que sete movimentos da Defesa da Amazônia fizeram ontem, data em que se comemorou em todo o país o Dia Nacional de Luta Pela Amazônia.

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Grupos do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas, Goiás, Distrito Federal, Amazonas e Acre assinaram um documento, distribuído durante as comemorações de ontem, onde expunham posições contrárias à exploração predatória da região e também exigiam amplas liberdades democráticas para discutir os problemas da Amazônia.

(...) A crise do modelo econômico do país, segundo o documento, propicia a destruição do meio ambiente, expulsa o trabalhador rural de suas terras, facilita a invasão das reservas indígenas, aumenta o custo de vida, contribui para que o arrocho salarial seja uma realidade e estimula a violência da polícia contra a população, reprimindo greves e dessa forma ajudando a suprimir todas as liberdades. (Movimento quer fim do entreguismo na Amazônia. O Rio Branco. Rio Branco-AC, 20 set. 1979, Ano X, n. 682, p. 1).

N o e d i t o r i a l acima, publicado no jornal O Rio Branco, as lutas dos movimentos em defesa da Amazônia são apresentadas a partir de uma linguagem que remete ao princípio de i s e n ç ã o j o r n a l í s t i c a p r e d o m i n a n t e n e s t e periódico riobranquense. Por estar vinculado à ideologia dominante o jornal não podia declarar-se a favor das lutas dos movimentos sociais, mas p o d i a e x p o r s u a s reivindicações através da veiculação da palavra do Outro. A adoção de um d iscurso em que as opiniões encontravam-se,

Capa de Varadouro (Ano I, n. 08, mar./1978) destacando a linha editorial de defesa da Amazônia.Fonte: Museu da Borracha.

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muitas vezes, escamoteadas, justifica a reafirmação constante no texto acima de que as opiniões expostas constavam no “documento” assinado pelos movimentos de defesa da Amazônia.

Enquanto em O Rio Branco o discurso sobre a defesa da Amazônia apresentava-se velado, em Varadouro ele aparecia declarado. De acordo com Costa Sobrinho (2001, p. 188), para Varadouro, a questão ambiental sempre esteve relacionada à luta pela terra, pois ao assumir uma linha editorial pela defesa do índio e do seringueiro, o jornal privilegiava também a defesa da floresta amazônica.

O discurso ambientalista, a partir do qual a Amazônia é definida como reserva ecológica mundial e grande “pulmão do mundo” ganhou fôlego na década de 1970. Os meios de comunicação, desde essa época investiram na veiculação de um discurso pautado de defesa da natureza amazônica frente à destruição das riquezas da fauna e flora e da necessidade de sua preservação:

O Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), órgão subordinado ao Ministério da Agricultura, responsável pela preservação da flora e da fauna brasileira, objetivam, segundo publicações da imprensa nacional, a exploração do potencial madeireiro da Amazônia com utilização da terra durante o período em que vigorar o contrato.

(...) Levando a devastação da cobertura vegetal da Amazônia, tais contratos colocam em perigo o equilíbrio ecológico, o qual inicia o seu processo de rompimento quando um de seus elementos é submetido a alteração.

(...) Assim, constatamos que com tal exploração os amazônidas seriam os menos favorecidos, ao passo que os grandes ganhadores dos “riscos”, como sempre seriam o grande capital e sobretudo as multinacionais que não reinvestiriam seus lucros na região. É de perguntar se os idealizadores de tal empreendimento responderão no futuro pelas conseqüências. (Depois da borracha, do boi... Agora, a madeira (em risco). Varadouro. Rio Branco-AC, mar./1979, Ano II, n. 14, p. 5).

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A significação imaginária da modernidade, de acordo com Sant'Ana Júnior (2004, p. 69), tem como elementos fundamentais as idéias de “autonomia” e “liberdade”. Esse ideário, entretanto, ao espelhar os interesses e desejos concretos das elites que o formulam, traz consigo a marca da exclusão de grande parte das populações envolvidas em sua realização, uma vez que os benefícios dessa modernidade não chegarão a todos.

O discurso da imprensa sobre a Amazônia ao longo do tempo reeditou estereótipos historicamente fabricados através de novas imagens da região, “de modo especial aquelas que retratam a Amazônia como um lugar paradisíaco e, contraditoriamente, ao mesmo tempo inóspito, no qual coexistiram a exuberância física da natureza e a insignificância humana” (DUTRA, 2003, p. 98).

Se o imaginário projetado pelos jornais sobre a Amazônia aponta para um intricado jogo de interesses, as imagens dos índios na mídia também trazem as marcas do ideário de desenvolvimento do país traçado pelos governos militares. A ênfase do discurso dos jornais O Rio Branco e Varadouro quando tratam da Amazônia recai sobre o perigo de destruição das florestas e a necessidade de sua preservação. Ao tratar da questão indígena, entretanto, notamos ora a imagem do índio como empecilho ao avanço do progresso ora como sujeito atuante no processo de transformação pelo qual passava o Acre nas décadas de 1970 e 1980.

Os jornais riobranquenses sempre apresentaram uma lacuna quanto às populações indígenas, referindo-se a estas geralmente em datas próximas à semana do índio. Com a chegada dos “paulistas” nas décadas de 1970 e seguintes, tornava-se impossível que os jornais não mencionassem os índios, uma vez que eles faziam parte das populações que sofreram diretamente os efeitos da expropriação imposta pelo novo modelo de desenvolvimento implantado no Acre, através da transformação dos seringais em fazendas pecuaristas.

Quando da implantação dos primeiros seringais no Acre, ainda no final do século XIX, os índios já começavam a sofrer o efeito conflituoso do contato com as populações “chegantes”. De

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9As “correrias” foram os ataques armados contras os índios, organizados pelos seringalistas, principalmente no início do século XX. Como resultado do massacre, os seringalistas obrigavam, muitas vezes, os índios aprisionados a ajudarem na caçada a outros índios de sua própria tribo. Dessa crueldade, nem mesmo mulheres e crianças foram poupadas (SOUZA, 2002).

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acordo com Calixto (1985), cerca de 60 mil índios, distribuídos em aproximadamente 50 grupos étnicos, viviam na região acreana no

8início do século XIX. As correrias organizadas pelos seringueiros brasileiros contra os índios foram freqüentemente silenciadas pelos historiadores brasileiros, que atribuem geralmente as mortes de nativos aos caucheiros do Peru. Centenas de índios foram extintos através dos massacres e das doenças trazidas pelo o contato com o branco, outros, encontraram refúgio nas cabeceiras dos rios. A maioria, porém, foi incorporada à economia da extração da seringa, vivendo debaixo do jugo dos patrões brancos até o final da década de 1980.

O jornal Varadouro dedicou atenção especial à temática indígena, enfatizando o processo de expulsão dos índios de suas terras com a chegada dos fazendeiros sulistas. Este fato ocasionou uma mudança muito grande na estrutura populacional do Estado. Os seringueiros e índios, expulsos de suas terras foram obrigados a se dirigirem à zona urbana, principalmente à cidade de Rio Branco, ocasionando o surgimento de várias “ocupações” na capital, que, posteriormente, constitu-iriam os bairros periféricos. Alguns índios se mudaram para outras áreas; outros, porém, permaneceram nas fazendas, tornando-se “peões”.

Com a transforma-ção dos seringais acreanos em grandes fazendas pecuaristas surgiram diversos problemas, que iam desde a grande degradação ambiental decor-rente do desmatamento, até o choque dos índios e seringuei-ros nativos com os latifundiá-rios que os expulsavam pela força.

A temática indígena teve desataque constante nas edições de Varadouro:

Capa do jornal Varadouro (maio/1978, Ano I, n. 9) enfatizando a temática indígena. Fonte: Museu da Borracha.

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A chegada dos “paulistas” e a “demarcação” das fronteiras ocasionaram um processo de readequação das populações indígenas em sua relação com a terra.

Os discursos dos jornais Varadouro e O Rio Branco estão permeados de representações das imagens dos atores envolvidos no processo de chegada dos investidores do Centro-Sul do país e a instauração da era da pecuária no Acre, sendo os principais sujeitos envolvidos nas tramas discursivas os “carius”, os “caboclos”, os “seringueiros” e os “paulistas”. Os jornais esboçam várias categorias identitárias e posicionamentos dos sujeitos discursivos acerca do Outro.

De acordo com Valle (1977, p.112) as identidades “cariu” e “cabocla” só podem ser definidas mutuamente, pois representam termos complementares quanto à significação. O termo “cariu” refere-se a todos os brasileiros que mantinham vínculo com a extração da borracha e o termo “caboclo” é usado para designar, indiscriminadamente todos os indígenas.

Representados na história oficial como seringueiros, os índios do Acre se dissolvem na categoria genérica de “caboclo”. O caboclo, identidade imposta pelo branco aos grupos indígenas que trabalham na extração da borracha, se distingue do “brabo” - o índio “selvagem” com traços animalescos. O “caboclo” acreano é caracterizado por um conjunto de atributos negativos, tais como ladrão, preguiçoso, vagabundo, irresponsável e traidor, que marcam sua inferioridade em relação ao branco (VALLE, idem, p. 116).

O jornal Varadouro, em face do discurso oficial, que construiu a imagem dos índios de forma negativa e que os caracterizou ao longo do tempo como representantes de uma “cultura bárbara”, elegeu a questão indígena como um dos temas de maior presença de suas publicações, como se percebe no editorial a seguir:

Eles mudaram o nome segundo o grau e a qualidade da exploração. Até o final do século passado, eram simplesmente Caxinauás, uma das mais numerosas e valentes tribos da família dos Panos que habitava o Vale do Juruá. Depois, com a “corrida” da borracha e do caucho, passaram a ser chamados de “caboclos” ou “índios sujos, preguiçosos e cachaceiros”. Nos últimos anos, com a entrada da agropecuária, a dominação no seu último estágio, sofisticaram-se de vez: já começaram a ser denominados de “bóias-fria” ou num termo mais regional “farofas-fria”. (...) Queixam-se também de

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que as terras em que vivem já não lhes pertencem e sua permanência nelas assume sempre um caráter provisório e de insegurança. Dependem da vontade dos proprietários ou, para eles, usurpadores. (Caxinauás ou “farofas-frias”. Varadouro. Ano I, n. 4, set. 1977, p. 15).

A respeito da construção identitária do índio em sua relação com o branco é interessante notar no texto acima a ironia em relação à “sofisticação” das designações atribuídas aos indígenas. A desqualificação a que era comum estarem expostos os índios, evidenciada pelos termos “índios sujos, preguiçosos e cachaceiros” indica também a negação do status de humanidade ao caboclo. A designação “caboclo”, portanto, reveste-se de uma identidade situada no “não-lugar”, ele não estaria nem na natureza, nem na cultura, não é apresentado nem como “índio” nem como “civilizado”, mas na fronteira entre civilização e barbárie.

O editorial em questão informa, ainda, que segundo dados de um relatório entregue à Funai pelo Antropólogo Terri Valle Aquino, um dos repórteres de Varadouro, existiam à época, cerca de 860 índios Caxinauás distribuídos e dispersos nos rios Tarauacá, Muru, Humaitá, Breu e Tejo, todos localizados no Vale do Juruá. Desse grupo de 860, 90 caxinauás viviam na periferia da cidade de Tarauacá. A sobrevivência desses índios, relata o antropólogo, vinha de “uma minguada agricultura de subsistência voltada primordialmente para o consumo familiar” e muito raramente da venda de algum excedente na cidade. Como forma de complementar sua economia doméstica, os caxinauás urbanos eram forçados a trabalhar como “peões” para pequenos proprietários ou nos grandes desmatamentos dos “paulistas”, que estavam implantando a pecuária extensiva na região.

Por aqui eu tenho serviço de banana, arroz, serviço de legume. Mas isso não dá prá botar o sal, o querosene, o fósforo, o peixe, a carne dentro de nossa casa. Vivo trabaiando pros fazendeiro cariu da 'rua' e trabaio pros 'paulista' porque quéri é tirar saldo pra comprá panela, muda de roupa, prá mulher e pros filhos, perfume, uma eletrola, um rádio...

Prá botá coisas de valor dentro da casa é preciso trabaiá em serviço de empeleitada. Trabaio

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mas é pros 'paulista' da Cinco Estrela. (Agropecuária Cinco Estrelas S.A. da Viação Aérea Cruzeiro do Sul). (Caxinauás ou “farofas-frias”. Varadouro. Ano I, n. 4, set. 1977, p. 15).

A aculturação dessas populações indígenas revela-se, na fala acima, pelo desejo de adquirir o que o entrevistado chama de “coisas de valor”, roupa, perfume, rádio, eletrola, necessidades geradas pelo contato com o homem branco. De acordo com o conceito de “identidade contrastiva” de Cardoso de Oliveira (1976), a afirmação da identidade de uma pessoa ou de um grupo se faz sempre por meio da diferenciação em relação ao outro.

Hoje em dia, faz de conta que nóis não temos nada. Eu queria que fosse lá ao menos um empregado da Funai. Está cercando tudo onde nóis mora, fazendo campo, botando roçado, onde nóis mora. Nóis estamo ficando sem terra prá fazê nada. (Índios vivem acoxados. Varadouro. Rio Branco-AC, set./1978, Ano II, n. 12, p. 17).

O editorial apresenta o ano de 1976 como um marco que veio definir mudanças nas relações entre índios e seus empregadores, os chamados patrões. Essas transformações foram motivadas pelas andanças de equipes da Funai que percorreram o Acre e passaram a delimitar várias áreas para, posteriormente, fazer a demarcação das reservas indígenas. O texto dá conta de que, com a ameaça de demarcação das terras pela Funai, imediatamente, seringalistas e fazendeiros perceberam que os índios poderiam ameaçar parte de suas várias extensões de terra. Para impedir que isso acontecesse, os novos “donos” das terras passaram a usar várias estratégias para expulsar os índios.

Mesmo “civilizados” ou “amansados”, através da imagem do “caboclo”, os índios continuam sendo considerados como representantes de uma sub-humanidade. Nos seringais, muitas populações indígenas sobreviventes partilharam um destino funesto com os seringueiros nordestinos. Na condição de mão de obra servil no sistema escravista e paternalista da borracha,

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os índios acreanos mesclaram seus costumes com os do homem branco. Durante décadas sua identidade étnica foi reprimida e continuaram sofrendo os preconceitos da sociedade envolvente.

De uma maneira geral, considerando o lugar atribuído ao índio pela historiografia acreana, podemos dizer que a “questão indígena” foi um detalhe na conquista e na integração do Acre ao Brasil. Exterminados, “civilizados” ou isolados em áreas remotas, cujas riquezas ainda não haviam sido cobiçadas, durante a maior parte do século XX, os povos indígenas acreanos desapareceram da história oficial, que nunca os considerou como atores. Símbolo da invisibilidade da questão indígena, a FUNAI começou a atuar realmente na região apenas em 1975. Até essa data, as raras viagens de funcionários do SPI, ligados à Primeira Inspetoria Regional de Manaus, legitimaram os patrões seringalistas e alguns políticos locais como representantes do órgão. Até a intensificação das políticas desenvolvimentistas a partir da década de 1970, as instituições governamentais e importantes segmentos da sociedade acreana desconheciam a existência de populações indígenas no Estado (AQUINO; IGLESIAS, 1999, p. 6).

Em editorial intitulado “O índio no debate atual”, o jornal O Rio Branco apresenta o debate de diversas vozes acerca da questão indígena. Entre esses discursos que o jornal põe em confronto, está o do então Ministro do Interior, Rangel Reis, em pronunciamento sobre relações de choques entre índios e posseiros em Mato Grosso, que haviam vitimado um missionário e muitos indígenas:

Dizer que há hostilidade entre indígenas e brancos é uma bobagem. Não existe. Não se pode dar um tratamento ao colono diferente do dado ao índio, porque o índio não vai com isso deixar de preservar a sua cultura. Se desenvolvermos um trabalho intenso, daqui a dez anos os 220 mil índios estarão reduzidos a 20 mil, e daqui a 30 anos todo mundo integrado direitinho. O índio quase entendido como garoto peralta que precisa ser corrigido com severidade. (O índio no debate atual. O Rio Branco. Rio Branco-AC, 20 abr. 1977, Ano VIII, p. 3).

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São apresentadas, também, nesse editorial de O Rio Branco as declarações do debate entre o Ministro Rangel Reis, religiosos, antropólogos, sertanistas e vários estudiosos do assunto constantes em um boletim do Centro Ecumênico de Informações, publicado no Rio de Janeiro. Segundo o Ministro:

A posição da Igreja Católica é sonhadora, feudal e atrasada com relação aos índios”. Além disso, não acredito na boa fé de uma minoria religiosa que se diz defensora dos humildes, encarando o governo como perseguidor da população menos favorecida. Se as missões quiserem continuar colaborando para o processo de desenvolvimento do índio brasileiro, acrescentou o ministro, terão que adotar a política do Governo, que é a da emancipação progressiva das comunidades. (idem).

As declarações do Ministro Rangel Reis apresentam os índios como necessitando passar por um “processo de desenvolvimento”. Isso remete à idéia dos índios como “recursos naturais”, que deveriam ser utilizados em benefício da modernização brasileira. Por esse viés do discurso oficial, os índios deveriam ser “civilizados”, uma vez que o discurso de domesticação da natureza incluía também os índios como parte dela.

A reação da Igreja Católica, entretanto, é mencionada no mesmo editorial, através da voz do Bispo de S. Mateus, que afirma ser “muito fácil acusar uma parte da Igreja de atrasada e ligada a subversivos, porque assim se evita considerar o verdadeiro problema, que é o de como são respeitados os direitos dos índios e posseiros”.

O discurso da Igreja Protestante é também enfatizado nesse texto, através do depoimento do Pastor Hilmar Kanhemberg, da Igreja Luterana, que disse esperar que o plano do Ministro do Interior de afastar as missões religiosas do seu trabalho junto aos indígenas “não seja executado, porque se for, os prejudicados serão os índios. E a nossa Igreja vai debater e discutir e brigar se for preciso, por causa dos índios”.

Os discursos de antropólogos, sertanistas e indigenistas também são apresentados nesse editorial, a partir das declarações

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de que “a situação dos índios é ainda mais complexa, devido às grandes diferenças que as compõem”, sendo essencial perceber que tanto brancos quanto índios têm o mesmo direito a “algo melhor do que uma política de aculturação forçada e de extinção cultural planejada”.

O desejo de “integrar o índio ao processo de desenvolvimento brasileiro” defendido pelo Ministro do Interior no editorial em questão demonstra-se, também, na afirmação de que o ensino bilíngüe para os indígenas era perda de tempo e dinheiro, devendo ser ensinado a eles apenas a língua portuguesa. A intenção do governo federal de “aculturar” os índios brasileiros pela imposição da língua revela-se uma eficaz forma de dominação pelo saber produzido pelo branco. Com o aprendizado da escrita, expande-se o nível de distanciamento tempo-espaço, criando-se uma perspectiva de passado, presente e futuro na qual a apropriação reflexiva do conhecimento pode ser desmembrada da tradição designada (GIDDENS, 1991, p. 44). A aprendizagem da escrita, nesse sentido, representa mais que a passagem de uma tradição ágrafa para uma cultura dita “moderna”, representa, antes de qualquer coisa, uma violência simbólica, em que se tenta vender a “necessidade” de os índios participarem do processo de “civilização” e domesticação imposto pelos brancos.

O editorial intitulado “O índio no debate atual” apresenta uma diversidade de vozes, finalizando com votos de um trabalho “auspicioso” à equipe administrativa da FUNAI, que acabara de se instalar no Acre. Não tardaria, entretanto, para ficar patente que os votos da imprensa local não teriam um fácil cumprimento, tendo em vista que o jogo de interesse em torno das terras ocupadas pelos índios no Acre suscitaria ainda muitas disputas e contradições.

Em editorial acerca de conflitos entre posseiros e índios Apurinã, na área do Km-45 da BR-317, em Boca do Acre, o jornal O Rio Branco transcreve o teor de uma nota redigida por representantes do Comitê de Diálogo entre Índios e Colonos do

9Acre – CDIC , a qual havia sido motivada por “alarmantes rumores” que circularam em Rio Branco sobre o deslocamento de

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tropas do Exército para a reserva Apurinã. Diz a nota que:

Ao consumar-se o deslocamento de efetivos militares para a área de Boca do Acre, manifestamos publicamente nossa preocupação pela segurança da população local, envolvidos em conflitos provocados unicamente devido aos interesses econômicos de políticos e empresários na região. Manifestamos, também, nosso repúdio num momento em que tenta-se promover a pacificação e o entendimento entre índios e posseiros, explorados e atingidos igualmente pela especulação desumana e inescrupulosa dos grandes proprietários da terra. Responsabilizamos diretamente a FUNAI e o INCRA pela situação em que se encontram índios e colonos, como também como por qualquer fato mais grave que venha a ocorrer na área. (Agrava-se a questão indígena no KM-45. O Rio Branco. Rio Branco-AC. 25 abr. 1980, Ano X, n. 884, p. 1).

Os textos fundadores do Acre não contemplam a importância do índio para a história local. Com a chegada dos seringueiros, os povos “sem história” se tornaram apenas objeto de uma história que se constrói sem eles ou sobre eles, raramente com eles. Mal inevitável, mas superável, o destino do índio é a “civilização” ou o extermínio e uma dicotomia se estabelece rapidamente entre o índio “civilizado” ou “manso” e o índio “brabo”. Enquanto os “mansos” integram o cativeiro do seringal na categoria genérica de “caboclo”, os “brabos”, após serem massacrado e perder suas terras são integrados à cultura local como folclore ou símbolo da gloriosa conquista do povo seringueiro. Como a Amazônia de uma maneira geral, o Acre era o habitat de uma grande diversidade de povos.

Diante das representações acerca do índio e da Amazônia produzidas pelo discurso midiático, é interessante notar que os

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9 O Comitê de Diálogo entre Índios e Colonos do Acre – CDIC – surgiu como resultado de um amplo debate durante a Semana do Índio de 1980, sobre a questão das lutas entre índios e colonos e entre índios e seringueiros. Faziam parte do Comitê: índios Apurinã, representantes do Sindicato Rural de Rio Branco, Comissão Pró-Índio do Acre, Comissão Pastoral da Terra, Movimento de Defesa do Meio Ambiente e Conselho Indigenista Missionário (Informações constantes no jornal O Rio Branco. Rio Branco-AC. 25 abr. 1980, Ano X, n. 884, p. 1).

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meios de comunicação conectam vários sujeitos ao construir uma cadeia de códigos compartilhados e reconhecidos que são constitutivos das representações sociais. Por isso, o conteúdo discursivo veiculado pela mídia constitui uma importante fonte de pesquisa. Como observa Canclini, “a influência dos meios massivos é percentualmente quase idêntica a das formas microssociais ou interpessoais de comunicação” (CANCLINI, 1998, p.145).

Nesse sentido, a mídia circula imagens da sociedade e de legitimação das posições políticas, produzindo sentidos, por meio de um insistente retorno de figuras e de representações que compõem o imaginário social. A legitimação desse discurso, portanto, vai buscar sua origem no passado coletivo, organizado em uma tradição. Assim, quando os jornais apelam para o retorno de imagens do passado, como ocorre nos textos que se referem a fatos de um “passado glorioso”, dos quais podemos citar os editoriais que retomam fatos e personagens da chamada “Revolução Acreana”, podemos dizer que o poder apodera-se do imaginário social, fabricando desejos com o objetivo de unificar os diversos grupos sociais em torno dos interesses dos grupos dominantes.

A representação da luta pela sobrevivência nas “periferias” de Rio Branco

Os sujeitos que constroem a cidade possuem interesses e valores diferentes. Sendo um espaço de ações e contradições, construído por homens e mulheres, a cidade como a conhecemos hoje resulta de uma disputa entre aqueles que tratam a terra como fonte de lucro – os capitalistas – e os que a tratam como espaço de vida – os moradores.

O convite aqui feito é para um recuo no tempo, mais especificamente ao final da década de 1970 e início da década de 1980, para uma época em que os trabalhadores do campo, expulsos em decorrência da concentração da terra e da implantação das pastagens para a pecuária, começaram a derrubar árvores, “coivarar”, limpar terrenos baldios e erguer seus precários barracos.

Em fins da década de 1960 e início da década de 1970 as

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terras acreanas passaram a figurar não apenas como meio de produção, mas também como mercadoria através da garantia da propriedade privada. Os seringais acreanos falidos foram transformados em grandes fazendas pecuaristas, causando problemas que iam desde a grande degradação ambiental, decorrente do desmatamento, até o choque dos índios e seringueiros nativos com os latifundiários que os expulsavam pela força.

Esse fato ocasionou uma mudança muito grande na estrutura populacional do Estado. De acordo com os dados do IBGE, nos censos de 1960 e 1970, percebemos que a população riobranquense quase dobrou. Na década de 1960 eram 47. 437 habitantes, sendo 30.333 na zona rural e 17.104 na urbana; na década de 1970 a população riobranquense era formada por 48. 399 habitantes na zona rural e 35.578 habitantes na zona urbana, totalizando 83.977 habitantes (LIMA; BONIFÁCIO, 2007, p. 21).

O novo modelo de ocupação, introduzido com a implantação da pecuária extensiva, retirava os trabalhadores da floresta e lhes negava as mínimas condições de sobrevivência. Os seringueiros, expulsos de suas terras, foram obrigados a se dirigir à zona urbana, principalmente à cidade de Rio Branco, ocasionando o surgimento de várias “ocupações” na capital, que, posteriormente, constituiriam os bairros “periféricos”. Grande parte da população indígena que habitava esses seringais migrou para zona urbana; outros, porém permaneceram nas fazendas, tornando-se “peões”.

Ao migrar para as cidades, essas populações rurais expropriadas depararam-se com a falta de infra-estrutura, saneamento básico, educação, saúde, emprego. Desses problemas derivaram outros como a violência, a prostituição, a marginalidade e o subemprego. Muitas famílias se viram obrigadas a recorrer ao mercado de trabalho informal como forma de não mendigar, eram os chamados “autônomos”, que a cada dia se avolumavam no centro e na “periferia” da cidade.

As decisões da justiça na fase de reassentamento dessas populações nas cidades estavam comprometidas com o modelo de desenvolvimento dos governos militares para a Amazônia, a própria imprensa e os meios de comunicação eram extensões do poder oficial, omitindo-se acerca das questões agrárias e fazendo

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absoluto silêncio sobre as contradições tanto no meio rural quanto no urbano.

A presença desses sujeitos na cidade tornou-se um fato corriqueiro. Em um processo violento e vertiginoso esses “cidadãos” passaram a figurar apenas como números de uma estatística que a cada dia crescia mais. À medida, porém, que os grupos políticos, econômicos e sociais que detinham o poder passaram a perceber que os moradores dos bairros periféricos começavam a habitar áreas privilegiadas, começaram a empreender o processo de expulsão dessas populações pobres para áreas impróprias para moradia. Assim, restava a essas populações construir suas habitações em áreas afastadas, como as margens dos rios ou as proximidades dos

10aeroportos . Como não dispunham de dinheiro para comprar terreno em terra firme, muitos acabaram construindo suas casas em terrenos nos barrancos do rio Acre.

O perigo de desbarrancamento dessas casas com a chegada do inverno era uma preocupação constante dos moradores de bairros como Cidade Nova, Papouco e Triângulo, só para citar alguns. Além de estarem expostos aos problemas advindos com as alagações, essas populações precisavam lidar com a ameaça de expulsão pelos proprietários dos terrenos, pelo Estado e pela Polícia.

Uma das estratégias da especulação imobiliária praticadas por grandes proprietários de terrenos na “periferia” consistia em deixar uma grande extensão de terrenos baldios e lotear um terreno mais adiante. Quando as pessoas começavam a erguer suas moradias no local mais afastado, com o tempo, o mínimo de infra-estrutura começava a surgir no local. Conseqüentemente, ocorria a valorização do terreno baldio, que podia ser, então, vendido em condições extremamente favoráveis. À população trabalhadora que ia morar no terreno mais afastado restava sofrer as dificuldades do trajeto maior para o trabalho ou da falta de transporte, de iluminação pública, de água encanada. O processo de ocupação dos novos bairros que surgiam na “periferia” de Rio Branco pode ser melhor compreendido através do editorial abaixo:

10 A referência aos “aeroportos”, se dá, primeiramente, com relação à ocupação da área próxima ao Aeroporto Salgado Filho, o qual funcionou de 1939 a 1974, e, posteriormente, à área próxima ao Aeroporto Presidente Médici, funcionando de 1974 até meados da década de 1990.

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O processo de ocupação, pode-se dizer, é original e até fascinante. A notícia de que está sendo aberta uma nova área corre e esse espalha rapidamente protegida entre a população. Quem chega primeiro vai marcando seu pedaço de chão, observando um acordo tácito entre eles: ninguém deve reservar mais que o suficiente para a construção de um barraco, porque “os outros também estão precisando”. Um barraco é feito em poucas horas, geralmente pelo sistema do mutirão – algumas folhas simples de alumínio, cavacos ou mesmo palha para a cobertura, restos de tábuas, caia para as paredes e alguns esteios para equilibrar a construção. (Posseiros Urbanos. Varadouro. Ano II, n. 14, mar/1979, p. 9).

A descrição dos materiais com que eram construídas as novas moradias remete à idéia de uma vida improvisada, erguida às pressas em regime de mutirão. O fato de os moradores “protegerem” a notícia de que estava sendo “aberta uma nova área” aponta para um procedimento comum à população que se assentava nas “periferias” de Rio Branco, a solidariedade. Em um local com tantas pessoas de origens e culturas diversas a cooperação foi uma das formas de resistir às pressões advindas tanto com as ações dos especuladores de terras quanto com as próprias condições de miséria em que viviam.

A ajuda na hora de erguer o barraco em mutirão servia como fator de coesão e como forma de amenizar a sensação de não ter para onde ir, a condição marginalizada que os poderosos que se auto-intitulavam donos das terras lhes impunham ao chamá-los de “invasores”, tudo isso aliado ao medo da repressão dos órgãos do governo. Essas experiências de solidariedade entre os ocupantes consolidaram os laços de união e identidade entre estes, sendo expressas desde a chegada até a ocupação, quando um ajudava a construir o barraco do outro, dividindo o alimento e a água, enfim, na convivência diária.

Apesar desse espírito de cooperação, é importante frisar que havia também conflitos entre alguns ocupantes,

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principalmente entre aqueles que tomavam posse dos terrenos para praticar a grilagem das terras. Um exemplo de conflitos entre as comissões que demarcavam os terrenos e os moradores é o caso do assassinato do líder comunitário João Eduardo do Nascimento, que foi alvejado com um tiro de espingarda em decorrência de desentendimentos por causa da demarcação dos lotes (LIMA; BONIFÁCIO, 2007, p. 63). Em homenagem ao líder assassinado os moradores resolveram dar o nome de João Eduardo ao bairro.

Acostumados com a vida no campo, a maioria já com média de idade próxima aos 40 anos, os novos habitantes da cidade de Rio Branco tiveram que passar por toda uma reestruturação de vida gerada com o deslocamento para a capital acreana. Essas famílias compostas, em sua maioria, por casais com uma média de 04 filhos, buscavam melhores condições de vida, impulsionados pela perspectiva de oferecer a possibilidade de estudar e de uma moradia digna para os filhos e alcançar melhores condições de vida (LIMA, 2006, p. 130).

Viver nesses bairros em que faltava praticamente tudo era um desafio que essas famílias tiveram que enfrentar. A descrição de como era o cotidiano dessas pessoas, suas lutas e experiências pode ser observada no seguinte trecho de Varadouro, que pinta de forma magistral o cenário do amanhecer em um bairro “à margem da cidade”:

São 5h30min, o bairro da Bahia já não dorme mais. A noite para seus moradores termina às 4 horas da manhã. As mulheres ganham a rua com latas vazias na cabeça à procura de poços que porventura tenham amanhecido com água. Os homens esperam o café, não uma café gordo, isso não!, mas um café puro com um pedaço de pão e nada mais. O rádio está ligado desde cedo, competindo com o do vizinho. (...)

Os ônibus não entram no Bahia. Antes eram as desculpas de que a estrada que dá acesso ao bairro não oferecia condições; consertada a estrada, os ônibus continuam passando ao largo do bairro, cerca de dois quilômetros, na Rua Rio Grande do Sul. (Bahia à margem da cidade. Varadouro, Rio Branco-AC, Ano

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II, n. 11, ago./1978, p. 5).

O processo discursivo do texto acima engendra e mobiliza sentidos que apontam para o procedimento de exclusão a que estavam submetidos os habitantes do bairro Bahia. A afirmação constante no título do editorial de que os moradores do bairro ocupavam um lugar “à margem” da sociedade, indica que o ambiente urbano se caracteriza como um espaço de disputa, sempre permeado por contradições e conflitos. O “urbano” é o lugar dos meios de vida com complexidade, é nele que as pessoas esperam “vencer na vida”.

Ao migrar, as pessoas buscam novos lugares, transformam o habitat e se transformam no deslocamento. Ao chegar à cidade, reelaboram novas relações, novo cotidiano, novas expectativas. Essa é a realidade daqueles que movem a vida, que transformam a cidade, colocando-a em movimento a partir de suas múltiplas trajetórias. A experiência da migração atua provocando mudanças de valores e comportamentos, alterando a forma de relacionamento dos habitantes entre si e com seu habitat.

Enquanto o discurso presente em O Rio Branco aponta para a construção da imagem dos moradores desses novos bairros como “invasores” e até mesmo “subversivos”, a imagem construída por Varadouro remete à idéia de que essas pessoas eram apenas “ocupantes”, homens de bem que, por ingerência dos poderes públicos, precisaram ocupar as terras inabitadas da cidade para sobreviverem.

Os editoriais do jornal Varadouro traziam sérias críticas à construção da imagem dos ocupantes dessas áreas de terra como “aproveitadores”, “especuladores” e “subversivos”, veiculada em notas oficiais pelo governo e pelos “proprietários” desses terrenos. O discurso veiculado por esse jornal alternativo coloca-se em posição contrária ao discurso veiculado na imprensa de linha oficial, uma vez que declara que entre os anos de 1970 a 1974, “os 'paulistas' compraram 1/3 das terras do Acre (cerca de 5 milhões de hectares) para implantar fazendas de gado ou simplesmente especular com a terra. Para Varadouro, portanto, os vilões da história não eram os “posseiros urbanos”, mas os pecuaristas do Centro-Sul do país.

Num discurso de defesa dos excluídos socialmente,

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Varadouro faz o contraste entre os que vinham “de fora” e aqueles que eram “da terra”:

“... não são marginais, especuladores ou “subversivos”. São ex-seringueiros, pais e mães de família, por sinal, muito ordeiros e esforçados por condicionamento do meio rural e que normalmente se mostram até dispostos a pagar pelo terreno que ocuparam. Quanto à profissão, podem ser incluídos na categoria de “diaristas”. O principal motivo que os levaram a ocupar a área é perfeitamente compreensível: o que ganham não mais permite pagar o aluguel, e alógica é essa mesmo – a precariedade dos salários reflete-se na precariedade ou falta de moradia. (Posseiros Urbanos. Varadouro. Rio Branco-AC, , mar/1979, Ano II, n. 14, p. 9).

Em Varadouro é nítida a escolha do termo “ocupação” em vez de “invasão”. A conotação da palavra “invasão”, bastante propagada pela imprensa oficial, pressupõe posse ou pertencimento, alguém tem o que é seu invadido por outro. O invasor age em âmbitos que não lhe pertencem e reivindica para si a posse de uma área alheia, sendo considerado um usurpador. Mas, se por um lado o discurso oficial coloca os moradores que se instalaram nas áreas situadas “à margem” da cidade como “usurpadores”, por outro, se pensarmos nos termos capitalistas, perceberemos que as próprias ações de desapropriação empreendidas pelo governo revelam-se “invasivas”, pois usurpa o que é de propriedade coletiva e vende o que não é seu a quem possa pagar mais caro.

Em editorial publicado na edição n. 20, o jornal Varadouro traz um exemplo da atitude capitalista empreendida pelo poder oficial referente a uma ação de desapropriação de uma área de terras no Distrito Industrial, onde hoje está localizado o conjunto Tucumã. Segundo Varadouro, em fins de 1978, um grande terreno no Distrito Industrial, em frente ao Campus da Universidade Federal do Acre, foi loteado e vendido pelo governo, através da Funbesa e da Cohab aos desabrigados das enchentes do

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rio Acre.A respeito dessa situação de exclusão social em que

viviam os moradores dos bairros de Rio Branco assim se manifestou Varadouro:

Existem os desabrigados porque vivemos em um regime que só favorece aos grupos econômicos, aos “tubarões”, às custas dos pobres. Pouco ou quase nada este regime faz pela pobreza. Como já vimos, no caso de Rio Branco, os problemas já vêm desde os seringais, quando a população é expulsa. A expulsão acontece porque a política agrária de nosso país promove a concentração da terra nas mãos de poucos e grande proprietários. Esses grandes proprietários visam apenas o lucro, que é o principal interesse no regime capitalista. Não importa se esse lucro é conseguido com sangue e lágrimas de muitos, isto é, só resolve para quem não precisa. (Bairros lutam para sair da miséria. Varadouro. Rio Branco-AC. abr./1981, Ano IV, n. 20, p. 8).

Enquanto em Varadouro o tema da luta pela sobrevivência nas “periferias” da cidade é amplamente discutido, chegando a ganhar páginas inteiras de uma edição, O Rio Branco apresenta poucos editoriais a esse respeito. A partir da perspectiva de que o silêncio também é um discurso, que está determinado por suas condições de produção, percebemos que a ausência de textos que discutissem a ocupação dos bairros de Rio Branco é fato de relevante importância a ser considerado na análise da configuração do discurso jornalístico local.

Esse silenciamento aponta não para uma ausência de linguagem, de significado e de sentido, o silêncio não está a penas “entre” as palavras, mas ele as atravessa (ORLANDI, 2002). Tendo em vista, portanto, serem raros os editoriais do jornal O Rio Branco acerca do tema, discutiremos poucos textos acerca do assunto, nos atendo principalmente ao silenciamento presente nesse discurso.

As poucas referências encontradas no jornal O Rio Branco foram publicadas em momentos de tensão nas áreas que estavam

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sendo ocupadas, ocasião em que os interesses dos proprietários que se diziam “legítimos” donos das terras se sentiam ameaçados com a possibilidade de ocupação destas por essas pessoas. As contradições entre os chamados “donos” das terras, o poder político e os denominados “invasores” podem ser observadas no seguinte editorial do jornal O Rio Branco, intitulado “Invasores ocupam terras no Aeroporto”:

Cerca de 200 pessoas estão marcando e ocupando uma área de terra localizada entre os bairros Bahia e Palheiral, próximo do ginásio “Álvaro Dantas”. O processo de invasão começou no sábado. Alguns moradores chegaram ao local, limparam de enxadas lotes de aproximadamente 10x30 e assentaram piquetes.

Funcionários da municipalidade que foram ao local não conseguiram afastar os invasores, sendo recebidos com ameaças. (Invasores ocupam terras no Aeroporto Velho. O Rio Branco. Rio Branco-AC, 13 mar. 1980, Ano X, n. 852, p.1).

O viés ideológico presente no editorial acima expressa a vinculação do discurso do jornal à elite local, bem como a defesa de seus interesses, uma vez que a maioria dos textos acerca do assunto trabalha a linguagem de modo a denegrir e desmobilizar os movimentos sociais que lutavam por melhores condições de vida dessas populações. A afirmação de que os funcionários da municipalidade, aqui colocados como representação da lei e da ordem, foram recebidos pelos moradores com ameaças, revela um procedimento de construção de um imaginário pautado na legalidade para legitimar as ações do poder oficial e econômico contra as populações que se instalaram no local.

Além de se manifestar nos momentos de tensão das lutas pela posse da terra no espaço da cidade, O Rio Branco se manifesta sobre o tema apenas em notas esporádicas no interior do jornal, para veicular algumas reivindicações dos moradores, geralmente a respeito da falta de assistência do governo em relação a serviços essenciais como transportes coletivos, água encanada, energia

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elétrica, esgoto e policiamento:

Aeroporto Velho nega-se a pagar conta de energia e também reclamam da prefeitura que deixou o bairro em condições nunca vista, com ruas totalmente esburacadas. E as ruas não têm iluminação pública e outra reclamação é a falta de policiamento. (O Rio Branco, 14 de fev. 1979, n. 0513).

A divergência entre os discursos contidos em Varadouro e O Rio Branco aponta para os interesses antagônicos entre os grupos que mantinham a produção jornalística local em circulação. Caberia aqui, questionar que interesses estariam por trás desses discursos tão divergentes. Estaria O Rio Branco apenas repetindo o discurso dos grupos de poder ligados aos latifundiários, ao poder político ou aos grandes especuladores de terras? De outro turno, estaria Varadouro se colocando despretensiosamente ao lado dos pobres e oprimidos? Onde entram, nesse contexto, os interesses dos antigos proprietários dos seringais que haviam falido, agora sem perspectiva de prosseguir com a exploração da borracha?

Nessa teia repleta de emaranhados de redes de poder, que se cruzam e entrecruzam chamada discurso jornalístico, as intenções não são ingênuas. As vozes que emergem das páginas amarelecidas pelo tempo, embora muitas vezes apresentadas como ruídos silenciados, gritam, trazendo um turbilhão de perguntas, indagações, questionamentos.

O discurso nas redes do poder

Durante o regime militar, os meios de comunicação foram instrumentos usados tanto como mecanismo de silenciamento e censura quanto como instrumento de resistência e veiculação das vozes dos sujeitos excluídos da “ordem do discurso”. Enquanto no jornal O Rio Branco predominava a estratégia discursiva de desqualificação dos opositores do regime militar, com termos que semanticamente estigmatizavam seus adversários; o jornal Varadouro investia na construção positiva dos

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sujeitos excluídos socialmente, atuando como instrumentos de veiculação de suas reivindicações.

A adoção de um discurso que focalizava como protagonistas os vários sujeitos sociais geralmente excluídos da “ordem do discurso” fez de Varadouro alvo de constantes ataques por parte dos líderes políticos da época, por não admitirem contestações ao regime militar. O discurso do jornal O Rio Branco, embora também marcado, em algumas ocasiões, por estratégias de resistência, manifestou como foco predominante de sua produção discursiva a violência, imposta de forma simbólica, para silenciar os que discordavam da palavra única dos líderes militares.

A grande disparidade de posicionamentos dos dois jornais pesquisados aponta para o fato de que no discurso da imprensa atrelada ao poder oficial as palavras são predominantemente chamadas à neutralidade, e no discurso da imprensa alternativa são chamadas ao comprometimento. Não podemos perder de vista, entretanto, que no jogo discursivo dos jornais, os posicionamentos não são fixos. Ao se observar as páginas amarelecidas pelo tempo é possível entrever as rupturas, os movimentos de resistência e o modo singular com que vários jornalistas driblaram a censura.

O jornal O Rio Branco caracteriza-se por manifestar em suas páginas a oscilação dos jogos de poder da política acreana. O periódico surgiu no cenário da imprensa acreana apresentando uma nova proposta jornalística pautada no mito da objetividade jornalística. Por mais que no jornal O Rio Branco imperasse a linha editorial vinculada à ideologia dominante, alguns jornalistas não compactuavam com os cerceamentos impostos pelo regime militar.

O discurso jornalístico de linha oficial, apresentado pelo jornal O Rio Branco, se institui através da positividade dos enunciados, articulando-se de modo a construir uma imagem simpática dos “donos do poder”, apresentando-os como “defensores da nação” e da ordem pública, ao mesmo tempo em que se articula no sentido de disseminar as práticas discursivas de exercício do poder, impondo determinados procedimentos e silenciando os divergentes do poder político dominante.

Uma outra estratégia usada pelo jornal O Rio Branco consistiu na qualificação “negativa” dos opositores do regime militar,

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como o oposto dos líderes defensores do regime militar: o negativo, o incerto, o inimigo, o outro, o mal. A partir desse procedimento, pretendia-se incitar certas parcelas da população, para que reagissem emotivamente contra certas idéias e certas atividades políticas.

Em meio ao sistema de cerceamentos de direitos e controle à liberdade de expressão a imprensa alternativa surge desafiando o poder estabelecido e denunciando as situações de opressão. Adotando em sua linha editorial a defesa dos interesses de diversos grupos e movimentos sociais, a imprensa alternativa do Acre, teve no jornal Varadouro o espaço para debate de idéias, fazendo circular informações que eram comumente silenciadas pela imprensa de linha oficial.

Varadouro, “O Jornal das Selvas” como se auto-intitulava, adotava uma linguagem combativa e projeto gráfico peculiar. A proposta deste “nanico” era registrar as conseqüências da expansão agropecuária no Acre, dando voz a índios, posseiros, seringueiros e tantos outros excluídos socialmente. Era um jornal alternativo cuja criatividade diferia dos demais pertencentes a esta categoria produzidos no restante do Brasil, por manifestar em suas página um “jeito acreano”, tanto do ponto de vista da linguagem quanto do próprio projeto gráfico.

O sujeito apreendido no discurso é constituído socialmente, portanto, o sujeito que fala também é parte constitutiva da significação, o lugar que ocupa na sociedade diz tanto quanto suas palavras. Assim, buscamos analisar o discurso em si, pois este é finito, disciplinador, é preciso desconstruir o discurso dando voz aos que estão às margens, indagando as circunstâncias em que foi produzido e detectando não só o dito, mas principalmente, o silenciado.

Lembrando previamente que esse trabalho não esgota os gestos de leitura nem as possibilidades de interpretação, esperamos que as questões aqui levantadas contribuam para a compreensão de traços que compõem essa teia repleta de emaranhados de redes de poder, que se cruzam e entrecruzam chamada discurso jornalístico.

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Entidades:

Biblioteca da UFACBiblioteca Pública EstadualCDIH da UFACMemorial dos AutonomistasMuseu da Borracha

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Sobre a Autora:

Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio – natural de Tarauacá – Acre, é Licenciada em Letras/Vernáculo; especialista em Cultura, Natureza e Movimentos Sociais na Amazônia. Atualmente cursa Mestrado em Letras/UFAC. Atua na rede pública estadual de ensino como professora de Português e no Seminário Teológico Kerigma, em Rio Branco – Acre como professora de Educação Cristã e de

Português. É autora de O Imaginário Social: estudo dos editoriais nos Jornais de Rio Branco - século xx; Habitantes e Habitat; Sonhos em BVA v.1 e v.2; além de diversos artigos publicados em anais e congressos.

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