livro e imagem - biblioteca digital de monografias - ufrn ... · o método de leitura de imagem de...

46
Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes Departamento de Artes Curso de Licenciatura em Artes Visuais MAYARA SUELLEN DE ARAÚJO SILVA LIVRO E IMAGEM: UMA ABORDAGEM DO LIVRO COMO OBJETO DE ARTE NO ENSINO FUNDAMENTAL NATAL 2015

Upload: trinhtram

Post on 08-Jan-2019

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Departamento de Artes

Curso de Licenciatura em Artes Visuais

MAYARA SUELLEN DE ARAÚJO SILVA

LIVRO E IMAGEM:

UMA ABORDAGEM DO LIVRO COMO OBJETO DE ARTE NO

ENSINO FUNDAMENTAL

NATAL

2015

Page 2: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

MAYARA SUELLEN DE ARAÚJO SILVA

LIVRO E IMAGEM:

UMA ABORDAGEM DO LIVRO COMO OBJETO DE ARTE NO

ENSINO FUNDAMENTAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para obtenção do título de Licenciado em Artes Visuais.

Orientadora: Profa. Dra. Evanir de Oliveira Pinheiro.

NATAL

2015

Page 3: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

MAYARA SUELLEN DE ARAÚJO SILVA

LIVRO E IMAGEM:

UMA ABORDAGEM DO LIVRO COMO OBJETO DE ARTE NO ENSINO

FUNDAMENTAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à

Universidade Federal do Rio Grande do Norte como

requisito parcial para obtenção do título de Licenciado

em Artes Visuais.

Orientadora: Profa. Dra. Evanir de Oliveira Pinheiro.

Aprovada em ___/___/ 2015.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________________ Profa. Dra. Evanir de Oliveira Pinheiro

Orientadora Universidade Federal do Rio Grande do Norte

_____________________________________________________________

Profa. Dra. Laurita Ricardo Salles Examinadora Interna

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

_____________________________________________________________ Profa. Dra. Nivaldete Ferreira da Costa

Examinadora Convidada Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Page 4: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

Aos meus pais, Eriberto e Marilene.

Page 5: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

AGRADECIMENTOS

À minha orientadora, Profa. Dra. Evanir de Oliveira Pinheiro, pelo incentivo para

o desenvolvimento do trabalho e por contribuir de maneira efetiva para este estudo,

direcionando e iluminando certas passagens que estavam obscuras em minha mente.

Aos demais professores do curso que contribuíram de maneira direta ou

indireta para a realização desta pesquisa, me beneficiando com os seus ensinamentos

sobre Pintura, Arte Gráfica, Ensino e História das Artes. Em especial, Prof. Dr. Vicente

Vitoriano, Profa. Dra. Laurita Ricardo Salles e Prof. Dr. Everardo Ramos.

Aos meus colegas de curso, especialmente Leíze, Cristiane e Alana, que

compartilharam comigo dificuldades e conquistas.

Aos meus pais, que sempre confiaram e compreenderam as adversidades do

percurso, toda a minha gratidão.

Page 6: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

É transgressor conceber uma obra aberta,

onde várias leituras possam se relacionar. É

transgressor propor uma narrativa somente

por elementos visuais. E é transgressor

considerar que o livro sem texto,

aparentemente um objeto lúdico, também

oferece uma narrativa literária para diferentes

leitores, sejam eles crianças ou adultos.

(Marilda Castanha)

Page 7: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

RESUMO

Este trabalho é pautado em uma pesquisa sobre Arte cuja abordagem é o livro enquanto suporte artístico, em uma primeira perspectiva, a partir de investigações sobre a imagem no livro ilustrado, fundamentadas nos estudos das pesquisadoras Linden, Nikolajeva e Scott, no campo da Literatura, e nos estudos sobre livro como objeto de arte, de Plaza e Silveira, para examinar quais as proximidades da imagem pensada para o livro com as artes visuais. Baseando-se nos estudos de Aumont, Calvino, Flusser e Merleau-Ponty, a pesquisa analisa o papel da imagem e da imaginação no processo criador, bem como as maneiras com as quais a imagem se configura neste suporte. O trabalho estabelece o livro ilustrado como veículo educativo para a abordagem da linguagem visual na escola, colaborando para o processo de construção do repertório imagético da criança nos anos iniciais, tomando como base o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta como uma análise comparativa consolidada em quatro processos: a descrição, a análise, a interpretação e o juízo, com o intuito de favorecer a compreensão do livro ilustrado como objeto fomentador positivo para o desenvolvimento da alfabetização visual em consonância com o letramento verbal da criança, e do aprimoramento da inteligência visual do leitor em qualquer idade. Desse modo, a experiência projeta novos olhares sobre o livro na sala de aula e revela a importância da ilustração em sua construção e significação, coletando informações que possam contribuir para o universo amplo que é o estudo da imagem no campo da Arte, principalmente quando aplicada no âmbito do Ensino Fundamental.

Palavras-chave: Livro. Imagem. Alfabetização visual. Ensino de Arte.

Page 8: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Dieter Roth, Children’s book (Kinderbuch), 1957. ..................................... 17

Figura 2 - Suzy Lee, Onda, 2009. Livro-imagem........................................................17

Figura 3 - Ziraldo, Flicts, 1969.................................................................................... 19

Figura 4 - Suzy Lee, Onda, 2009. Livro-imagem. ...................................................... 21

Figura 5 - Suzy Lee, Espelho, 2010........................................................................... 21

Figura 6 - Suzy Lee, Sombra, 2011. .......................................................................... 21

Figura 7 - Gabrielle Vincent, La Petite Marionnette (A Pequena Marionete), 1992.

Crayon lithographique. .............................................................................................. 22

Figura 8 - Rui de Oliveira, O Barba Azul, 2002..........................................................23

Figura 9 - Rui de Oliveira, Uma História de Amor sem Palavras, 2011 ..................... 23

Figura 10 - Rui de Oliveira, Uma história de amor sem palavras, 2009..................... 33

Figura 11 – Turma na Biblioteca................................................................................37

Figura 12 – Reconhecendo os livros.......................................................................... 37

Figura 13 - Leitura coletiva de livro de imagem..........................................................37

Figura 14 -. Uma História de Amor sem Palavras...................................................... 37

Figura 15 - Na sala de aula........................................................................................37

Figura 16 - Fazendo autorretrato. .............................................................................. 37

Figura 17 - Produção das pinturas.............................................................................38

Figura 18 - João e seu autorretrato............................................................................ 38

Figura 19 - Passando cola no verso da pintura..........................................................39

Figura 20 - Colando as pinturas no livro suporte. ...................................................... 39

Figura 21 - Capa e primeiras páginas do livro “Todo mundo é todo mundo”............. 40

Figura 22 - Outras páginas e combinações de rostos................................................ 40

Figura 23 - Outras páginas e combinações de rostos................................................ 41

Page 9: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10 1. O livro e a Arte ..................................................................................................... 14 2. O livro, a imagem e a imaginação ...................................................................... 26 3. Buscando um processo criativo para abordagem da leitura de imagem na escola ................................................................................................... ....................30 3.1 O contexto escolar ......................................................................... ....................31 3.2 O fazer artístico ................................................................................................... 32 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 42 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 45

Page 10: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

10

INTRODUÇÃO

Quando criança, ainda muito pequena, eu carregava para lá e para cá um

livrinho com a estória de A Pequena Sereia. Tratava-se de uma edição barata, e não

era a história contada pela Disney, e sim o conto de Hans Christian Andersen, numa

versão simplificada, mas ainda dramático e consistente. Em virtude de uma memória

falha, não recordo exatamente se o livro foi adquirido antes ou depois de eu ser

alfabetizada, mas posso lembrar que não era apenas a estória que exercia atração.

As ilustrações eram fascinantes. Ainda hoje, recordo a página dupla onde a sereia e

suas irmãs se divertiam em alto mar, com seus cabelos coloridos e enfeitados de

conchas se movimentando de acordo com a água (tudo, pela lembrança,

singelamente pintado à aquarela). Eu gostava de desenhar por cima das imagens e

de tentar reproduzi-las em outros papéis, até que o livro se desgastou, outros

interesses vieram, e ele foi perdido de vista. Apesar dos outros interesses,

mantiveram-se a mania de desenhar e o gosto por livros e ilustrações.

Como artista visual, educadora e ilustradora em formação, busquei tomar um

caminho da pesquisa que pudesse conciliar tais interesses, inter-relacionando-os,

assim como cada fazer está ligado ao outro. A ilustração instrui, conta histórias, emite

mensagens e, assim como uma obra de arte, admite reflexões críticas, técnicas e

educacionais. Sendo assim, o livro ilustrado constituiu o ponto de partida para

repensar o livro como forma de arte e como recurso didático.

As investigações deste tema surgiram com o interesse inicial nos livros

ilustrados da literatura para crianças, com atenção especial aos “livros de imagem” –

também chamados de “livros-imagem”, “narrativas-imagéticas”, “histórias sem

palavras”, dentre outros termos –, que são livros em que a narrativa visual se sobrepõe

à narrativa verbal.

A relação da leitura e da imagem no livro ilustrado é vista, nos estudos de

Linden (2011) e Nikolajeva e Scott (2011), como um processo indissociável de uma

situação ampla em que se lê muito mais do que a imagem. Ler é prestar atenção nos

detalhes da imagem e compreender os signos icônicos apresentados, mas também

significa interpretar o livro em sua forma e composição, e, além disso, estabelecer

paralelos com o próprio repertório visual. Dessa forma, as imagens são

compreendidas como um importante elemento de expressão. As ilustrações contam

Page 11: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

11

histórias e estão lá para serem lidas e interpretadas, e não somente para

acompanharem a mensagem expressada textualmente, como subentende o senso

comum.

Nas considerações de Plaza (1982) e Silveira (2008) sobre livro de artista,

observou-se que, muitas vezes, o processo criativo e o resultado plástico de um livro

ilustrado aproximam-se dos conceitos de livro de artista, quando o projeto se apropria

de linguagens artísticas variadas e promove experimentações poéticas, gráficas e

plásticas, como também uma leitura aberta a significados diversos.

Ao articular as reflexões de Aumont (1993) sobre imagem e as ideias de Calvino

(1990) sobre visibilidade, percebe-se que todo o conjunto de informações referentes

às circunstâncias a que se tem acesso a imagens e o contexto social em que se vive

têm influência direta à maneira que se lê a imagem. Desse modo, a leitura de mundo

e os parâmetros visuais repassados pela comunicação – e demais meios culturais e

sociais que o indivíduo de determinada época vivencia – refletem significativamente

no resultado de uma leitura visual. Conforme os estudos de Aumont (1993), observou-

se que o autor acredita que ler uma imagem é observá-la de um espaço real e contatá-

la de uma dimensão diferente, ou seja, um espaço próprio a ela. Por outro lado, para

Merleau-Ponty (2004), o mundo visível e o físico, como o próprio corpo do observador,

não se dividem: estando juntos, formam o indivíduo em sua totalidade.

Refletindo sobre as ideias de imagem e imaginação, observou-se que, tanto

Flusser (1985) quanto Calvino (1990) compreendem que as imagens têm origem na

imaginação. Sob esse aspecto, Calvino (1990) desenvolveu a ideia de pensar por

imagens, o que ele define como a capacidade mental de criar formas, linhas, textos e

cores. Para Flusser (1985), é a partir da imaginação que se consegue abstrair apenas

as duas dimensões do plano para a configuração de uma imagem.

Os autores estudados concordam, em geral, que a experiência visual do mundo

esteve avançando e tem avançado cada vez mais, a partir do surgimento de meios

gradativamente mais diversificados de dissipação da imagem. A imagem, por sua vez,

já é um meio plural. No panorama da ilustração, foi observado que a imagem tem sido

utilizada há bastante tempo no livro ilustrado, mas que só no período mais recente da

história conquistou maior status na literatura, o que ainda assim revela que a

importância da imagem no livro vem sendo reconhecida, fato que é refletido também

nos crescentes estudos e publicações a respeito deste tema.

Page 12: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

12

Ao refletir sobre as possibilidades de leituras de imagem e de fazer criativo

tendo o livro como suporte artístico, surgiram questões como: quais proximidades

poderiam ser identificadas entre o livro de artista e o livro ilustrado? Como a imagem

é pensada dentro de um projeto de narrativa imagética? Qual método de abordagem

do livro na sala de aula seria mais efetivo para auxiliar o desenvolvimento do

alfabetismo visual dos leitores?

Partindo dessas inquietações, a presente pesquisa tem como objetivos: 1.

Analisar o papel da imagem no livro ilustrado como objeto estético da linguagem

gráfica; 2. Analisar o livro ilustrado como veículo educativo para abordagem da

linguagem visual e identificar suas aplicações pedagógicas.

Sendo assim, para compreender a relação da leitura e da imagem no livro

ilustrado, fez-se um diálogo com os estudos de Linden (2011) e Nikolajeva e Scott

(2011), buscando fundamentação, também, nas considerações de Plaza (1982) e

Silveira (2008) sobre livro de artista. Para sistematizar as ideias sobre imagem e

imaginação, articulou-se as reflexões de Aumont (1993), Calvino (1990), Flusser

(1985) e Merleau-Ponty (2004). O método de abordagem empregado para a

interpretação da imagem na leitura de livros é o “Método comparativo de análise de

obras de Arte”, de Edmund Feldman (apud BARBOSA, 2009), que, de acordo com as

considerações de Barbosa (2009), baseia-se numa análise desenvolvida por meio de

quatro processos: descrição, análise, interpretação e julgamento.

Nessa perspectiva, Livro e Imagem – Uma abordagem do livro como objeto de

arte no Ensino Fundamental é uma pesquisa sobre arte que aborda o livro, em uma

primeira perspectiva, como suporte artístico, a partir de investigações sobre a imagem

no livro ilustrado; seguindo assim, analisa o papel da imagem e da imaginação no

processo criador, e as maneiras com as quais a imagem se configura neste suporte.

Esta pesquisa pretende contribuir para o estudo da imagem no campo da Arte,

buscando visualizar diálogos entre a imagem e o livro no contexto do livro de imagem

da literatura infantojuvenil, assim como pretende inserir-se nas discussões sobre

linguagem e alfabetização visual no âmbito da Educação Infantil e da Educação

Básica, utilizando a abordagem comparativa de imagem de Edmund Feldman como

proposta metodológica correspondente a esses interesses.

O presente estudo está estruturado em três capítulos que pretendem interligar

as investigações e promover um diálogo sobre o livro com a arte, com a imagem e

Page 13: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

13

com a experiência de abordagem didática, focalizando, em cada um, as

fundamentações teóricas analisadas.

No capítulo um, procura-se analisar a relação do livro com a arte, observando

os aspectos que delineiam a história do livro, as transformações como objeto de

linguagem e sua ressignificação na arte. Desse modo, reflete-se sobre as

possibilidades de aproximação entre o fazer artístico do livro de artista e do livro

ilustrado, analisando alguns aspectos constituintes da utilização da imagem na

ilustração.

Em seguida, no capítulo dois, abordam-se as circunstâncias da imagem e da

imaginação para o olhar do espectador e do criador de imagens, ressaltando a

fundamentação teórica que norteou o estudo e centrando-se nas interações que

decorrem do processo de ver, pensar e produzir imagens, contidos no ato de ler.

Contextualiza-se, também, a metodologia estabelecida para a atividade de leitura de

imagens nos livros ilustrados desenvolvida na escola.

No capítulo três reflete-se sobre a abordagem do livro na escola, discutindo o

processo criativo e a aplicação do método de leitura escolhido com as crianças. O

capítulo subdivide-se nos relatos sobre contexto escolar e sobre as impressões a

respeito da ação desenvolvida com os alunos, descrevendo as etapas de

contextualização e apreciação dos livros de imagem, da prática de produção imagética

e de construção manual do livro.

Por fim, nas considerações finais, temos uma análise da importância do

exercício de leitura imagética na construção da linguagem visual das crianças,

destacando as situações decorridas da atividade, os êxitos e as dificuldades

encontradas pelas crianças durante os processos de leitura e feitura do livro, como

também as reflexões ocasionadas pelo estudo no que concerne à relação livro e

imagem, evidenciando as contribuições e perspectivas que se busca abranger.

Page 14: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

14

1 . O Livro e a Arte

Gosto de observar as ilustrações, de perceber a trama das retículas

de impressão, de encontrar um desajuste nas cores: descobrir o

magenta e o amarelo por detrás do vermelho. (...) as páginas

amareladas, manchas de uso, anotações nas margens, os nomes em

esferográfica de seus donos.1

O que pode ser evidenciado em um livro ilustrado? Um objeto criativo de

artistas, que vai além de simples obra literária, diria Silveira (2001), visto que, para o

autor, uma obra literária é de escritores, pesquisadores e publicadores, enquanto que

o livro é de artistas, artesãos e editores, e se constitui das linhas e formas, tons e

subtons que dialogam, ensinam, atraem e envolvem seus leitores em processos

comunicativos inimagináveis.

O livro tradicional, assim como é conhecido desde o advento dos códices, é um

veículo de comunicação que atravessa séculos de maneira firme, seja como

documento de registro histórico ou como fonte de entretenimento e apreciação da

literatura.

Em 1985, em suas Lições americanas2, Italo Calvino (1990) reflete sobre o

último milênio como um longo período em que surgiram e se consolidaram as línguas

ocidentais modernas, e, como consequência, as literaturas, descobrindo e se

utilizando de suas possibilidades “expressivas, cognoscitivas e imaginativas”

(CALVINO, 1990, p.11).

Nesta medida, o autor afirma que aquele foi o milênio do livro, tendo o livro

nascido e evoluído para tomar a forma que se conhece. Na década de 80, quando

Calvino escreveu tais passagens, ele já questionava os rumos do livro e da literatura

relacionados ao desenvolvimento tecnológico.

Conforme evidenciou Calvino, naquele tempo, a indústria literária não deixa de

acompanhar os avanços tecnológicos, e, hoje em dia, livros eletrônicos (ou e-books)

1 (SILVEIRA, 2001, p.13). 2 CALVINO, Italo. Seis propostas para o próximo milênio: lições americanas. São Paulo, Companhia das Letras, 1990.

Page 15: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

15

encontram-se à venda nas prateleiras virtuais das livrarias. Mas, diferente da contínua

substituição de antigos dispositivos eletrônicos de outras linguagens (como música e

vídeo, por exemplo), o livro, em seu formato habitual – constituído de papel, tinta,

textura e aroma –, ainda é tão importante quanto a sua versão eletrônica,

estabelecendo-se entre ambos os formatos (físico e digital) uma relação de

coexistência. Dessa forma, a cultura do livro – como o é, desde a Antiguidade –

habilmente persiste e continuamente se adapta.

Além das transformações decorrentes dos avanços tecnológicos, o livro e a

leitura, de um modo geral, recebem uma constante influência dos meios de

comunicação e de todo o conjunto de mundo visual e cultural que se estabelece na

sociedade através dos tempos. Essa influência é refletida diretamente nos modos em

que este material pode se apresentar, adaptando-se aos interesses visuais, os quais

o leitor de cada época vivencia. Plaza (1982) reforça esse pensamento quando afirma

que a leitura do mundo cotidiano se amplificou e se amplifica cada vez mais. Para ele,

o homem recebe influência significativa das imagens de publicidade, dos textos e

imagens espalhados pela cidade, e de todo o conjunto de informações visuais

evidenciados massivamente pelos meios de comunicação, que, conforme ele explica,

“fornecem-nos dados culturais que correspondem aos módulos de nossa época,

criando, por outro lado, inter-relações não somente intermedia como interlínguas”.

Plaza (1982) ainda enfatiza que se livros são objetos de linguagem, também

são matrizes de sensibilidade. Ele afirma que o fazer-construir-processar-transformar

e criar livros implica em determinar relações com outros códigos e, sobretudo, apelar

para uma leitura sinestésica com o leitor. Em outras palavras, livros que instigam os

sentidos e que não são apenas lidos, mas cheirados, tocados, vistos, jogados e

também destruídos, visto que o livro dialoga com diversos códigos. O seu peso, seu

tamanho, seu desdobramento espacial-escultural e todos os aspectos de sua

construção são levados em conta, possibilitando novas descobertas.

Em meio a um campo aberto de possibilidades, ao livro é permitido inovar,

experimentar, relacionar-se com outras linguagens e reestruturar-se. Fazendo uma

ponte da literatura para as artes visuais, no universo da Arte o livro deixa de ser

apenas literário e pode se estabelecer como obra, e ao considerar um propósito

artístico o livro subverte a sua condição cotidiana, adquire e emite novas significações.

Page 16: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

16

Dessa maneira, “a criação do livro como forma de arte comporta um distanciamento

crítico em relação ao livro tradicional” (PLAZA, 1982).

Como objeto de arte, o livro se instaura reconhecidamente como obra de arte

apenas na segunda metade do século 20. No entanto, o conceito de livro de artista

pode ser empregado a trabalhos de períodos anteriores à arte contemporânea. De

acordo com Silveira (2001), é possível retroceder “quase que indefinidamente no

tempo na busca da origem do livro de artista” (SILVEIRA, 2001, p. 30). Ele traz

exemplos como o livro-objeto A Caixa Verde, de Marcel Duchamp (1934), os livros de

William Blake, publicados entre 1788 e 1921, e também os cadernos de Leonardo da

Vinci, produzidos entre o século 15 e começo do século 16.

Os livros de artista são, de fato, designação de uma categoria que se abre em

diversos meios de experimentação no campo das artes visuais. Para Silveira, o livro

de artista “é uma categoria (ou prática) artística que desenvolve tanto a expressividade

das linguagens visuais como a experimentação das possibilidades expressivas dos

elementos constituintes do livro ele mesmo” (SILVEIRA, 2001, p. 77). Plaza propõe

um quadro que esmiúça a classificação de livros de artista em subcategorias a partir

de sua linguagem e intenção criativa, que vão de Livro ilustrado, Poema-livro, Livro-

poema/Livro-objeto ou Livro-obra, Livro-conceitual, Livro-documento e Livro

intermédia, até Antilivro, quando “a ideia do livro se esvai e extrapola para outra

linguagem” (PLAZA, 1982), sendo este considerado uma paródia de livro e já uma arte

tridimensional.

Com trabalhos e produções tão diversificadas, o livro de artista transita

convenientemente entre linguagens distintas, habitando um contexto híbrido de largo

campo de ação. Posiciona-se, principalmente, como uma instância que requer a

interação do leitor, à medida que solicita a sua compreensão sensorial – como

evidenciou Plaza –, como também a sua interpretação como poética. Um exemplo é

o “Livro infantil” (Figura 1, p. 17), do artista alemão Dieter Roth.

Page 17: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

17

Figura 1 - Dieter Roth, Children’s book (Kinderbuch), 1957.

Fonte: Site Daddytypes.

Conforme explicado anteriormente, as investigações deste relatório surgiram

com o interesse inicial nos livros ilustrados da literatura para crianças, especialmente

os livros de imagem e/ou livros de narrativa visual. Neles, as imagens são

compreendidas como elemento principal de expressão, com semelhante relevância

poética às palavras. Sob esse aspecto de narrar histórias utilizando-se da

sequencialidade de imagens, esses livros se aproximam das linguagens dos poemas

visuais, das histórias em quadrinhos, dos storyboards e do próprio cinema.

Figura 2 - Suzy Lee, Onda, 2009. Livro-imagem.3

Fonte: Blog da Cosac Naify.

Nesse tipo de livro, dada a importância da imagem, do design, da montagem,

da diagramação e de todos os respectivos elementos correspondentes à sua feitura

material, há um final criativo que muitas vezes sustenta tanto a forma quanto o

significado. Sendo assim, mesmo não possuindo caráter de arte, as preocupações e

3 Sequência de duas páginas duplas do livro-imagem Onda, da autora coreana Suzy Lee, publicado pela Cosac Naify.

Page 18: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

18

explorações estéticas do livro ilustrado podem se aproximar das questões da

produção de um livro de artista, no que concerne a seus aspectos técnicos. Segundo

Plaza,

O “livro de artista” é criado como um objeto de design, visto que o autor se preocupa tanto com o “conteúdo” quanto com a forma e faz desta uma forma-significante. Enquanto o autor de textos tem uma atitude passiva em relação ao livro, o artista de livros tem uma atitude ativa, já que ele é responsável pelo processo total de produção porque não cria na dicotomia “continente-conteúdo”, “significante-significado” (PLAZA, 1982, grifo nosso).

Essa reflexão acerca da atitude ativa do autor/artista de livros pode ser

estendida à relação do leitor/observador com o livro, e sua interação com o objeto é

parte importante da sua significação, seja referente ao seu manuseamento,

explorando as possibilidades do objeto, seja envolvendo a percepção do conteúdo, a

leitura e a interpretação dos significados. O livro existe para que o leitor interaja com

ele e tente refletir todos os sentidos implícitos e explícitos.

Quando o autor se faz artista do livro e cria projetos que favorecem a fluência

entre as linguagens, com diferenciais que vão de trabalhos gráficos ricamente

pensados à introdução de uma poética visual mais aguçada, é possível observar os

indícios da influência da arte contemporânea sobre o livro ilustrado. Contudo, o livro

ilustrado também não é necessariamente algo novo. Segundo Aguiar (2011), há livros

datados dos séculos 18 e 19, entre eles “O livro inclinado e O livro do foguete, de

Peter Newell, exemplos de interação entre conteúdo e suporte, que foram publicados

pela primeira vez em 1910 e 1912”. No Brasil, as experimentações com o livro (na

indústria literária) foram mais tardias. A autora ressalta alguns nomes pioneiros neste

tipo de publicação no país, como Ziraldo, que publicou Flicts em 1969, e Juarez

Machado, com Ida e volta, em 1976. Na década de 1980 destacam-se as autoras Eva

Furnari e Ângela-Lago, produzindo livros ilustrados de imagem ou de palavra e

imagem.

São estes, os livros ilustrados: livros nos quais “ou se prescinde da palavra

escrita ou ela atua juntamente com a ilustração”4. Nesta pesquisa, o livro ilustrado é

4 Definição de livro ilustrado pela Revista Educação. Disponível em: <http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/170/o-poder-das-imagens-234958-1.asp>. Acesso em 8 abr 2014.

Page 19: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

19

compreendido principalmente como recurso para o exercício de leitura visual na

escola. Inserido no universo do ensino de Arte, e sendo levado para a sala de aula

como objeto de linguagem artística, é possível explorá-lo de diversas maneiras,

percebendo-o além de sua natureza literária formal. Como material plástico, o livro

pode ser discutido e experimentado como “forma-significante” (PLAZA, 1982), se

transformando num objeto que promove uma leitura ainda mais ampla. De acordo com

Linden (2011), ler um livro ilustrado não é um ato simples, como se presume. Não se

trata apenas de ler texto e imagem, “é também apreciar o uso de um formato, de

enquadramentos, da relação entre capa e guardas com seu conteúdo; é também

associar representações, (...) afinar a poesia do texto com a poesia da imagem”

(LINDEN, 2011, p. 8-9). Ler depende indiscutivelmente da formação do leitor e do

repertório que carrega.

Figura 3 - Ziraldo, Flicts, 1969.

Fonte: Site Choco La Design.

Flicts (Figura 3), do autor e artista Ziraldo, foi editado e publicado pela primeira

vez em 1969. Livro de literatura infantil brasileira – que em verdade é apreciado por

todas as idades –, propôs inovações em diversos aspectos. Ele narra a história de

uma cor que não encontra seu lugar entre as cores do arco-íris, e seu projeto gráfico

é pensado de maneira a contribuir para a história e a narrativa, o que realiza com

sucesso, imprimindo ao livro uma diagramação moderna para a época, com quadros

de cores que sangram as margens5, ao mesmo tempo em que elas, as cores, são

5 Termo gráfico que se refere à imagem quando impressa até a borda do papel, ou seja, sem deixar margem.

Page 20: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

20

apresentadas ao leitor como personagens ricos em vida, findando por ser um exemplo

notável desse limiar entre livro como objeto de arte e de literatura.

O livro Flicts foi um dos títulos à mostra na 1ª Exposição Nacional de Livro de

Artista (SILVEIRA, 2001, p. 56), que aconteceu em Recife, em 1983, organizada por

Paulo Bruscky e Daniel Santiago. O evento reuniu 82 artistas e um total de 155 obras

expostas.

Há, também, livros em que os espaços das páginas são importantes elementos

para a construção da narrativa. As páginas acabam exercendo uma função

significativa na história. Um exemplo disso é a série chamada pela autora, a coreana

Suzy Lee, de “Trilogia da Margem”. Composta por Onda, Espelho e Sombra, a trilogia

coloca a dobra das páginas duplas (a área de junção entre as folhas) também como

o problema central de cada história (histórias estas contadas apenas por imagens).

Sobre a dobra, é fato que ela deve sempre ser considerada durante a feitura de um

livro. Seja de qual espécie for o projeto de livro, as margens internas devem ser

pensadas previamente, de modo a evitar quaisquer erros de impressão. Mas a dobra

também sugere possibilidades criativas, como recorda Linden, ao afirmar que

No livro ilustrado, como também no livro de artista ou algumas coletâneas de poemas – depois que Stéphane Mallarmé fez com que o texto transpusesse a margem interna com seu ‘Um lance de dados jamais abolirá o acaso’ (1897/1914) –, a organização das diferentes mensagens não necessariamente respeita a compartimentação por página. Textos e imagens se dispõem livremente na página dupla. A possibilidade que os criadores têm de se expressarem nela faz da página dupla um campo fundamental e privilegiado de registro (LINDEN, 2011, p. 65).

Conforme assevera Linden (2011), os criadores de livros podem se utilizar da

encadernação do livro e ressignificá-la com um projeto diversificado, criando

“correspondências ou ecos de uma página para outra” (LINDEN, 2011, p. 66). É

precisamente isso que Suzy Lee trabalha em seus livros. Em Onda (Figura 4, p. 21),

A divisão central das páginas demarca o espaço de separação entre a personagem e

o mar.

Para chegar até ele, a menina protagonista precisa atravessar de uma página

a outra. Em Sombra (Figura 6, p. 21), a autora propõe um jogo de simetria entre as

Page 21: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

21

páginas, e o limite central é também o divisor entre um mundo e outro: o da menina e

dos objetos em uma sala, e o de suas respectivas sombras, cenário para os devaneios

da personagem. Em Espelho (Figura 5), uma página é espelho da outra; a

personagem se duplica, e sempre há a dúvida sobre qual garotinha é a real e qual é

o reflexo.

Figura 4 - Suzy Lee, Onda, 2009. Livro-imagem.

Fonte: Blogspot.

Figura 5 - Suzy Lee, Espelho, 2010. Figura 6 - Suzy Lee, Sombra, 2011.

Fonte: Site Garatujas Fantásticas. Fonte: Site Geek Vox.

A composição das imagens em cada história é simples, com poucas cores e

traços igualmente simples, porém significativos, o que favorece a visão do espaço do

livro como cenário. Seguindo essa mesma proposta, o livro A pequena marionete

(Figura 7, p. 22), de Gabrielle Vincent (pseudônimo da artista plástica Monique

Page 22: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

22

Martin6), constrói uma narrativa visual com desenhos a lápis carvão, bastante suaves

e gestuais, que se enquadram em cada página como cenas sequenciais. A artista

garante a expressividade dos personagens com poucos traços: um menino, um velho

titeriteiro e uma boneca marionete. Algumas vezes, apenas o rosto do menino

(protagonista) aparece no centro – com expressão bem marcada, para enfatizar a sua

emoção –, em um corpo inacabado, abraçado pelo branco da página.

Figura 7 - Gabrielle Vincent, La Petite Marionnette (A Pequena Marionete), 1992. Crayon lithographique.

Fonte: Fondation Monique Martin.

Linden (2011) considera diversos aspectos, além da margem interna, que

podem ser explorados nas páginas e espaços de um livro. A moldura, o

enquadramento e até mesmo o desenquadramento estão entre eles, como também a

montagem das imagens e as variações de diagramação. E isso se dá quando os

criadores, para o emprego das imagens, trazem para os livros códigos de outras

linguagens visuais. É o que acontece em “A pequena marionete”, que se assegura da

qualidade de sucessão contínua de páginas para realizar um processo semelhante ao

passar de cenas da montagem cinematográfica.

O livro ilustrado tem experimentado opções variadas de diagramação à medida

que evolui em sua história, e isso se dá, segundo a autora, principalmente porque

6 Monique Martin, famosa ilustradora Belga. Disponível em: < http://www.fondation-monique-martin.be/>. Acesso em 16 abr 2014.

Page 23: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

23

(...) dominando os códigos do livro ilustrado e reinvestindo nos de outros veículos – entres os quais há que mencionar a história em quadrinhos –, o livro de artista, o cartaz ou mesmo os games, os criadores contemporâneos não cessam de produzir organizações inovadoras, abrindo novos caminhos de expressão para o livro ilustrado (LINDEN, 2011, p. 70).

O modo como a narrativa vai de uma página a outra pode, então, fixar-se no

seguir do livro, mas o espaço do livro aberto (a página dupla) também pode funcionar

como um suporte bastante expressivo e independente do encadeamento das folhas.

Isso possibilita trabalhar o intervalo da página como um espaço individual, indiferente

à sequencialidade do livro. Desse modo, o livro não precisa ser trabalhado apenas

visualizando-se as páginas em sua sucessividade, mas também em sobreposições. É

diferente de olhar seguida da outra: há um espaço de uma página para a outra, “e

cada página dupla propõe uma reconfiguração do universo gráfico e narrativo da

página anterior” (LINDEN, 2011, p. 79).

A maneira como a imagem se apresenta dentro da página (ou da página dupla)

lhe confere a tensão plástica desejada e implica no exercício da percepção do leitor.

Em um livro ilustrado, se a imagem é delimitada por uma moldura (Figura 8), entende-

se que foi definido um espaço para a imagem dentro de uma margem, a qual ela deve

pertencer, inserida no suporte da página. Do mesmo modo, há projetos gráficos em

que a imagem sangra as margens das páginas (como o já citado, Flicts), conferindo-

lhes um preenchimento total (Figura 9). A imagem tende então a anular o suporte.

Figura 8 - Rui de Oliveira, Figura 9 - Rui de Oliveira, Uma História de

O Barba Azul, 2002 – Livro de imagem. Amor sem Palavras, 2011 – Livro de imagem

FONTE: Site de Rui de Oliveira. FONTE: Rui de Oliveira Blogspot.

Page 24: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

24

É como se a imagem sangrada fizesse da página dupla uma tela; o livro seria,

então, uma espécie de moldura, conforme a ideia de Linden (2011). Enquanto tela, é

compreendida como uma espécie de recorte de uma imagem que se expande no

universo imaginativo, diferente da imagem emoldurada de fato, que direciona a

percepção da imagem apenas para o que se insere dentro das margens. Linden cita

essa diferenciação realizada por Bazin, ao dizer que

Os limites da tela não são, como o vocabulário técnico pode às vezes sugerir, a moldura da imagem, e sim um esconderijo que pode revelar apenas parte da realidade. A moldura polariza o espaço para dentro; e, ao contrário, tudo o que é mostrado na tela supostamente deve se estender indefinidamente no universo. A moldura é centrípeta, a tela é centrífuga (BAZIN apud LINDEN, 2011, p. 74).

Ao analisar as funções da moldura na imagem, Aumont (1993) menciona a sua

contribuição quando utilizadas em imagens de caráter representativo e narrativo. Para

ele, a moldura estabelece que a imagem é um mundo à parte, e que “ainda se reforça

quando a imagem é representativa e até mesmo narrativa de um valor imaginário

notável. De fato, a moldura aparece mais ou menos como uma abertura que dá acesso

ao mundo imaginário, à diegese figurada pela imagem” (AUMONT, 1993, p. 147). Para

ele, as bordas da imagem são o campo, e o seu prolongamento imaginário o fora-de-

campo.

A diagramação do livro retorna aos conceitos do cinema quando se observam

as variações de enquadramento nas páginas. Nos livros infantis o ponto de vista do

leitor pode ser explorado, e os planos e ângulos de enquadramento podem ser

emprestados da linguagem cinematográfica: o plano aberto, o plano médio, o plano

fechado, o plongée, o contra-plongée e os demais. Aspecto digno de interesse na

construção de um livro, alguns projetos visam imprimir um olhar semelhante ao das

crianças no próprio enquadramento das imagens, aplicando às cenas uma visão de

baixo para cima (o contra-plongée).

Além de seus aspectos visuais e gráficos, é importante refletir sobre a relação

entre palavra e imagem no livro e compreender que os valores do texto verbal e do

texto visual são equiparáveis, de modo que o ilustrador é tão autor quanto quem

Page 25: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

25

escreve a história. Além disso, é necessário apontar que o livro ilustrado se

desmembra em algumas categorias, em que “os dois extremos na dinâmica palavra-

imagem são um texto sem imagens e um livro-imagem” (NIKOLAJEVA; SCOTT, 2011,

p. 14) e que

O caráter ímpar dos livros ilustrados como forma de arte baseia-se em combinar dois níveis de comunicação, o visual e o verbal. Empregando a terminologia semiótica, podemos dizer que os livros ilustrados comunicam por meio de dois conjuntos distintos de signos, o icônico e o convencional (NIKOLAJEVA; SCOTT, 2011, p. 13).

As pesquisadoras Nikolajeva e Scott (2011) explicam que nos livros ilustrados

os signos icônicos são as figuras, e os signos convencionais, as palavras. Enquanto

a função das figuras é representar, a função das palavras é principalmente narrar

(NIKOLAJEVA; SCOTT, 2011, p. 14). Desse modo, o signo icônico é uma

representação direta do seu significado, uma imagem, na maioria das vezes, capaz

de ser lida e compreendida universalmente. Já a palavra (ou texto verbal), o signo

convencional, somente é compreendida se o leitor for capaz de decodificá-la, ou seja,

saber o que ela representa.

Page 26: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

26

2 . O livro, a imagem e a imaginação

A fantasia do artista é um mundo de potencialidades que nenhuma obra

conseguirá transformar em ato; o mundo em que exercemos nossa

experiência de vida é um outro mundo, que corresponde a outras formas de

ordem e de desordem; (...) os estratos de cores sobre a tela são ainda um

outro mundo, também ele infinito, porém mais governável, menos refratário a

uma forma.7

Refletindo sobre o pensamento acima, compreende-se que o autor evidencia o

quanto o ato imaginativo é amplo e indefinível, e que mais indefinível ainda é a relação

entre esse mundo imaginativo e o mundo dito real. Trazendo essa reflexão para a

visualidade, percebe-se que entre o ato de olhar uma imagem – a contemplação –, e

a imagem propriamente materializada, há o processo de imaginação que, como define

o Dicionário de Língua Portuguesa Ática Larousse, trata-se da “faculdade que permite

elaborar ou evocar, no presente, imagens mentais” por parte do homem. É um

processo que articula a cognição, as experiências vivenciadas e as percepções de

mundo do indivíduo observador, permitindo que ele possa perceber e refletir sobre

determinada imagem de acordo com sua propriedade.

Estabelecendo um paralelo e adequando a imaginação do artista – criador de

imagens – com a ideia de pensar por imagens desenvolvida por Ítalo Calvino em seu

texto sobre a Visibilidade, a qual ele define como “a capacidade de pôr em foco visões

de olhos fechados, de fazer brotar cores e formas de um alinhamento de caracteres

alfabéticos negros sobre uma página branca” (CALVINO, 1990, p. 107-108) que o ser

humano possui, é importante refletir sobre o fato de que o artista elabora mentalmente

uma imagem para só depois imprimi-la sobre a superfície desejada. Sendo assim,

conclui-se que a imagem nasce da imaginação, abarcada por todo o contexto cultural

e social já experienciado pelo indivíduo, se expressa materialmente e retorna à

imaginação de outrem no momento em que o outro/espectador a lê e interpreta (de

acordo com as suas particularidades).

7 (CALVINO, 1990, p.113).

Page 27: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

27

Além disso, se Calvino (1985) admite que a sua formação inicial foi a de um

filho da “civilização da imagem”, ainda em seu início e distante da inflação atual

(CALVINO, 1985, p. 108), as gerações seguintes nasceram em meio a essa inflação

crescente, de modo que é fato conhecido que o ser humano jamais teve acessibilidade

maior à imagem do que na contemporaneidade.

O ato de ler está intimamente ligado à faculdade de imaginar do homem. Ler,

para Paulo Freire (1989), vai além da decodificação de letras e palavras impressas

em papel; ler é perceber e interpretar o mundo de maneira crítica, conforme a própria

experiência vivenciada. É como se, para compreender algo que se observa, o leitor

buscasse em um imenso catálogo mental as referências do que já se viu, leu e

vivenciou no geral, para interpretar esse “algo”. Ou seja, a capacidade de percepção

de espaço, formas e movimento e as relações entre imagem e espectador são

influenciadas por esses múltiplos contextos sociais em que o indivíduo se insere. No

caso da leitura de imagem, nessas determinações sociais estão compreendidos os

diversos “meios e técnicas de produção e reprodução de imagens, além dos modos

de circulação e lugares onde se tem acesso a elas” (AUMONT, p.135), todo um

conjunto de informações a que Aumont chama de dispositivo.

Segundo Flusser (1985), “imagens são superfícies que pretendem representar

algo” (FLUSSER, 1985, p. 7). Este “algo” está, quase sempre, compreendido no

espaço e no tempo – como o mundo –, e as imagens, tendo a intenção de representá-

lo, tornam-se mediações, permeando a relação entre homem e mundo. Flusser

também afirma que as imagens têm origem na imaginação (que ele chama de

“capacidade de abstração específica”), e é a partir da imaginação que se consegue

abstrair apenas as duas dimensões do plano (para a configuração da imagem), dentre

as quatro dimensões espaço-temporais. Ele designa, ainda, alguns aspectos da

imaginação:

(...) se de um lado, permite abstrair duas dimensões dos fenômenos, de outro permite reconstituir as duas dimensões abstraídas na imagem. Em outros termos: a imaginação é a capacidade de codificar fenômenos de quatro dimensões em símbolos planos e decodificar as mensagens assim codificadas. (Imaginação é a capacidade de fazer e decifrar imagens (FLUSSER, 1985, p. 7).

Page 28: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

28

Para Aumont (1993), olhar uma imagem é entrar em contato com a sua

superfície, que se configura num espaço de natureza diferente do “espaço real”, sendo

este a dimensão em que vivemos e de onde se pode observar (no caso, contatar) a

imagem em seu tipo de dimensão. Para isso o dispositivo funciona como um

facilitador, sugerindo soluções concretas para esse contato antinatural entre o espaço

do espectador e o espaço da imagem (ou espaço plástico). Em contato com a imagem,

o espectador está sujeito aos variados elementos plásticos que a constituem: “sua

superfície e organização, sua gama de valores, sua gama de cores, seus elementos

gráficos simples e sua matéria” (AUMONT, p. 136).

Diferente desse posicionamento de que o espectador e a imagem estão em

espaços desiguais, Merleau-Ponty (2004) traz o corpo do observador como ser

presente, alguém que não só vê a imagem, mas que a vivencia, num processo

indissociável. Ele afirma que “o mundo visível e de meus projetos motores são partes

totais do mesmo Ser” (MERLEAU-PONTY, 2004, p.16), e continua afirmando que

Essa extraordinária imbricação (...) proíbe conceber a visão como uma operação de pensamento que ergueria diante do espírito um quadro ou uma representação do mundo, um mundo da imanência e da idealidade. Imerso no visível por seu corpo, ele próprio visível, o vidente não se apropria do que vê; apenas se aproxima dele pelo olhar, se abre ao mundo (MERLEAU-PONTY, 2004, p. 16).

De acordo com os aspectos estudados, o leitor/espectador baseia-se

fortemente na sua inteligência visual, reunindo todo o aparato de conhecimento que

possa lhe auxiliar a reconhecer a imagem a que olha, em um processo subjetivo e

peculiar a cada um. Analisando, então, a importância da imagem no aspecto geral e,

evidentemente, no que interessa à leitura de imagem no livro, refletiu-se sobre a

necessidade de aprimoramento para compreender e ler de modo eficiente uma

imagem. Diante disso, Aumont (1993), ao analisar as funções da imagem, elabora a

seguinte hipótese, “formulada na linha de E. H. Gombrich”:

A imagem tem por função primeira garantir, reforçar, reafirmar e explicitar nossa relação com o mundo visual: ela desempenha papel de descoberta visual. (...) essa relação é essencial para nossa atividade intelectual: o papel

Page 29: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

29

da imagem é permitir que essa relação seja aperfeiçoada e mais bem dominada (AUMONT, 1993, p. 81).

Sendo assim, a imagem é um mecanismo de intermédio na relação do

leitor/observador com o mundo visual e fornece meios favoráveis ao desenvolvimento

do conhecimento e da linguagem visual, à medida que se torna fonte de significados

e solicita interpretações mais perspicazes sobre seus conteúdos e conceitos. A

inteligência visual é sempre suscetível de aperfeiçoamento, e o exercício contínuo de

leitura e crítica da imagem contribui positivamente para essa relação.

Page 30: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

30

3 . Buscando um processo criativo para abordagem da imagem e do livro na

escola

O fomento ao estudo da imagem e de conteúdos referentes ao alfabetismo

visual, como os códigos de formas, linhas, cores e demais meios de representação

presentes nas imagens, além do desenvolvimento de uma opinião crítica desde cedo,

são considerados essenciais, de modo que uma abordagem mais eficaz sobre leitura

visual na escola é determinante para uma experiência visual mais completa. Contudo,

no âmbito educacional, as aplicações dos estudos relativos à leitura visual ainda são

pouco eficientes. No ambiente escolar, a criança não tem muito contato com obras de

arte (quando o tem), assim como não se discute os conteúdos da linguagem visual do

mesmo modo como se dedica ao letramento verbal. Desse modo, o papel do arte-

educador é discutir métodos de leitura visual e buscar meios de implantá-los na sala

de aula.

Nesta perspectiva, este estudo busca um processo de abordagem da imagem

na escola, se utilizando do livro como suporte criativo e meio diversificado de uso da

imagem. O método de abordagem empregado para a interpretação de imagem é o

“Método comparativo de análise de obras de Arte”, de Edmund Feldman (apud

BARBOSA, 2009), o qual se baseia numa análise desenvolvida a partir da leitura

comparativa de duas ou mais obras de arte.

A metodologia de Feldman, estudada a partir de Barbosa (BARBOSA, 2009, p.

45-46), propõe que o desenvolvimento da capacidade crítica é associado às

“dimensões sociais, culturais, criativas, psicológicas, antropológicas do homem”. A

proposta de Feldman é a de que o indivíduo, estando de posse desses princípios,

pode desenvolver uma crítica sobre alguma imagem (ou qualquer objeto artístico) a

partir de um método comparativo de análise, constituído de quatro processos:

descrição, análise, interpretação e juízo.

Cada processo se baseia em um momento de reflexão: na “descrição”, o leitor

se concentra no visível, ou seja, o que está evidente; na “análise”, o leitor observa o

objeto e atenta para os seus elementos e sobre como eles se compõem e se

relacionam; na “interpretação”, o leitor busca por sentidos e significados no trabalho;

por fim, no “juízo”, julga o valor estético ou o desmerecimento da obra. Este exercício

Page 31: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

31

de apreciação mais detalhada promove a formação de um olhar crítico e contribui para

o discernimento sobre qualidade estética.

Desse modo, identificou-se que os processos de leitura de imagem

constituintes da metodologia de Feldman seriam a orientação mais adequada para

utilizar nas ações na escola visitada, aplicando esses conceitos dentro dos interesses

da pesquisa e empregando-os à leitura e reconhecimento da imagem nos livros.

Utilizando esses métodos de reflexão, buscou-se comparar diversas expressões de

livros e analisá-los de maneira mais instigante, procurando ir além de sua superfície

e, a partir desses critérios, compreender a pluralidade das formas, cores, materiais,

dimensões e todos os aspectos variáveis do livro, bem como dos aspectos correlatos

à imagem nele contida.

Fundamentando-se nas análises realizadas sobre o livro ilustrado como objeto

da linguagem gráfica e suporte para narrativas pictóricas, é necessário contextualizar

o papel educativo do livro de imagem e sua proximidade com as artes visuais,

investigando-o como recurso de alfabetização visual na escola. Tomando como base

as principais etapas de sua feitura – fabricação plástica, aspectos estéticos e

possibilidades de leitura visual –, é proposta uma experiência didática complementar

à pesquisa, na qual se realizou um trabalho com crianças de 5 a 6 anos (1º ano do

Ensino Fundamental) para a produção de um livro artístico/artesanal.

3.1 O contexto escolar

A atividade foi realizada no Centro Educacional Raio de Luz, escola privada de

Ensino Infantil e Fundamental I, situada no bairro do Alecrim, Região Leste da Cidade

de Natal. No bairro há mais 11 escolas particulares, sendo algumas destas de

pequeno porte, assim como a escola escolhida.

O bairro do Alecrim é conhecido por ser um dos bairros mais antigos da cidade,

e também por sua tradicional atividade comercial. O CERL (como se chamará a escola

a partir daqui) localiza-se próximo ao Mercado da 6, como é conhecido o Mercado

Público Antônio Carneiro, em razão do número pelo qual a Rua dos Canindés é

chamada – também por tradição –, e do Mercado da 4, situando-se na rua lateral a

ele, perto da quadra de esportes do bairro.

Page 32: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

32

O quadro socioeconômico da localidade é bastante desigual, segundo dados

recolhidos pela SEMURB, que se baseiam no último censo realizado (SEMURB,

2008)8. Em sua maioria, a população vive de uma renda baixa a média, além de a

região abrigar dois assentamentos precários. Nas proximidades da escola as ruas

ainda não foram saneadas, porém são bem habitadas. A maior dificuldade é a

insegurança, principalmente pelo fato de haver um terreno baldio atrás da quadra de

esportes, além de ser mal iluminado à noite.

O Centro Educacional Raio de Luz foi inaugurado como instituição de Ensino

Infantil no ano 2000, ainda com o nome de Jardim Escola Raio de Luz. Funcionava

em uma casa pequena, mudando-se em 2003 para um prédio maior, na rua próxima.

A escola oferece 5 (cinco) salas e uma Biblioteca, que também funciona como Sala

de Ballet, além de uma sala de descanso; funciona nos turnos matutino e vespertino,

atendendo aos níveis iniciais da Educação Infantil e ao Ensino Fundamental I, além

do serviço de Período Integral, que se popularizou entre as escolas da região. O local

também possui área externa para atividades recreativas, com um parque e uma mini

quadra de esportes sem cobertura.

O trabalho, realizado com crianças de 5 a 6 anos (1º ano do Ensino

Fundamental – turma vespertina, com 18 componentes), procedeu entre os dias 4 e 5

de maio de 2014, contabilizando 8 horas-aula. A turma escolhida para a atividade

investigativa foi a da professora Elizete Grilo. A classe é composta por alunos recém-

alfabetizados e que, portanto, iniciam as suas práticas de leitura verbal. A professora

Elizete tem 50 anos de idade, mora no bairro do Alecrim e trabalha há 13 anos no

CERL. Formou-se em Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú. É uma

professora dinâmica e demonstra interesse em participar.

3.2 O fazer artístico

O trabalho seguiu, em primeiro ato, com o intuito de descobrir o que as crianças

conhecem sobre livro e leitura. Como exercício inicial, os alunos foram direcionados à

biblioteca da escola (Figuras 11 e 12, p. 37) para entrarem em contato com livros

diversos, e convidados à tentativa de apreciá-los sob um novo viés. Buscou-se

8 Disponível em: <http://www.natal.rn.gov.br/semurb/paginas/ctd-106.html>. Acesso em 30 abr 2015.

Page 33: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

33

examinar as suas formas, suas dimensões, suas cores, suas dinâmicas de leitura,

suas muitas (ou poucas) ilustrações, seus diferentes traços, seus pesos, e todo o

conjunto de aspectos constituintes dos livros em mãos. Foram descobertas e

discutidas algumas das diversas manifestações do livro e suas possibilidades

criativas. Em seguida, contrapondo a ideia de que histórias são exclusivamente

narrativas verbais, foram apresentados à turma alguns livros ilustrados selecionados

para análise. São eles: Uma história de amor sem palavras9 e Chapeuzinho Vermelho

e outros contos por imagem10, livros que, como sugerem seus títulos, narram contos

fantásticos apenas com imagens. Além deles, A pequena marionete, também como

exemplo de livro-imagem, o livro ilustrado Sandman: a história de Sanderson Soneca11

e a história em quadrinhos Simon’sCat: as aventuras de um gato travesso e comilão12,

oriundo do trabalho de animação que o autor, Simon Tofield, publicou no You Tube.

Figura 10 - Rui de Oliveira, Uma história de amor sem palavras, 2009.

FONTE: Rui de Oliveira Blogspot.

Sistematizando a atividade de acordo com a metodologia de análise

comparativa de Feldman e, evidentemente, ajustando as ideias ao interesse da

pesquisa, foram analisadas as semelhanças e diferenças entre livros ilustrados (livros

apenas com imagens e livros com imagens e palavras) e, principalmente, o modo

9 OLIVEIRA, Rui de. Uma história de amor sem palavras. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. 10 OLIVEIRA, Rui de. Chapeuzinho e outros contos por imagem. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2002. 11 JOYCE, William. Sandman: a história de Sanderson Soneca. Rio de Janeiro: Rocco Pequenos Leitores, 2013. 12 TOFIELD, Simon. Simon’sCat: as aventuras de um gato travesso e comilão. Porto Alegre: L&PM, 2012.

Page 34: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

34

como cada narrativa foi empregada, verificando a possibilidade de ler/interpretar as

histórias mesmo quando não há texto verbal.

Dispondo desse plano de análise, lançaram-se questões que pudessem

perpassar pelos quatro processos de reflexão estabelecidos por Feldman – descrição,

análise, interpretação e julgamento – como uma maneira de contribuir para cada

experiência de leitura. As questões foram: o que se encontra visível em cada trabalho?

Qual a relação entre os elementos que compõem os livros e as imagens? Quais os

temas e os significados descobertos? O que se acha do trabalho? Foi fácil interpretar

os textos visuais? Baseando-se nessas questões, será relatado um dos momentos da

atividade com as crianças, quando foi utilizado o livro Uma história de amor sem

palavras, de Rui de Oliveira13.

O autor resgata um tema clássico dos contos de fadas, trazendo o herói que

enfrenta uma jornada em busca de sua donzela, aparentemente, sob custódia de um

ser mágico. A narrativa emprega o uso de alguns signos: Estrela, Lua e Sol –

elementos que o personagem deve conseguir durante o percurso da história, e que,

segundo a sinopse do livro, também significam três palavras: “eu te amo”. O livro

apresenta apenas uma página com texto verbal, onde mostra uma figura masculina

que parece ser a mistura de homem com planta, acompanhado dos símbolos do Sol,

da Lua e da Estrela, e da legenda: “O guardião das três palavras mágicas”. Em alguns

momentos do livro, o autor/ilustrador utiliza a página dupla para compor uma cena,

mas, na maior parte, existe uma mudança de momento da história passando de uma

página para a outra.

A leitura do livro foi feita em grupo (Figuras 13 e 14, p. 37) e, de início, as

crianças souberam, principalmente, reconhecer as emoções dos personagens

demonstradas pelas expressões. Algumas designaram a figura de um jovem de

armadura e coroa como sendo o “Príncipe”, e quiseram dar nomes a outras

personagens também, como “o Senhor Folha”, “a Fada Ervilha” e “a Montanha-

Caverna”, por causa de suas aparências nas ilustrações. É interessante perceber

como a leitura do livro de imagem flui para os alunos, pois mesmo não havendo

palavras para nomear ou descrever cada personagem, eles se dispuseram a distingui-

los e entender o papel de cada um. Também é importante atentar para o fato de que

a personagem a quem chamaram de “Príncipe” foi intitulado assim devido ao próprio

13 Artista Gráfico, Autor e Ilustrador de literatura infantil.

Page 35: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

35

repertório imagético das crianças. Tendo conhecido a figura do príncipe em outros

contos, histórias e filmes de animação, elas naturalmente relacionaram a personagem

do livro às figuras que tinham em mente. O mesmo aconteceu com a figura da

“Princesa” no final da história.

Acredita-se, também, que o fácil reconhecimento dessas personagens se dá

de modo mais efetivo por que são as figuras que têm o aspecto mais humano na

história, isto é, é fácil identificá-las como homem e mulher, de modo que as outras

personagens são mais estranhas ao olhar do leitor. São seres humanizados, mas que

misturam elementos da natureza (fauna e flora), sendo muitos deles gigantescos,

como o primeiro ser que o “Príncipe” encontra: uma folha verde e muito maior que ele,

que o leva voando até outra região distante. O traço dos desenhos não é algo

simplificado, e difere bastante do que as crianças geralmente costumam ver em livros

infantis mais corriqueiros e em desenhos animados. Até então, essa foi a única

dificuldade encontrada para o discernimento da história.

As crianças entenderam que o “Príncipe” sofria com saudade da “Princesa”. A

primeira página do livro lhes contava isso: a figura do rapaz estava só e com uma

expressão triste, e acima de sua cabeça aparece a imagem de uma moça (apenas a

cabeça) de cabelos esvoaçantes, como a representação de um pensamento dele.

Compreenderam que o príncipe sai numa viagem em busca da princesa, pois na

segunda página ele parece interrogar o “Senhor Folha” sobre algo (com uma

expressão questionadora, braços erguidos e mãos abertas), e este o leva

dependurado para algum lugar com a ajuda do vento, visível pelo modo como alguns

seres (parecidos com flores) se curvam para uma direção. Elas também

compreenderam que ele enfrenta dificuldades e que em determinados momentos ele

recebe algo de alguém que ele encontra: os elementos que ele deve reunir (a Estrela,

a Lua e o Sol), mas só identificaram o fato de que ele perguntava aos outros

personagens por esses elementos quando apareceu com um balão de fala, como nas

histórias em quadrinhos, com a lua desenhada no lugar de uma palavra.

Os aspectos visíveis do trabalho, correspondentes ao primeiro critério de

Feldman para interpretação de imagens, são as descrições que as crianças puderam

fazer sobre as situações relacionadas ao “Príncipe”. A personagem seguiu em busca

da figura feminina em um mundo que não corresponde ao universo real, repleto de

criaturas estranhas. A análise, a partir disso, é a de que o “Príncipe” foi auxiliado por

Page 36: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

36

certos personagens a seguir com a viagem, e que recebia de alguns deles os signos

da Estrela, Lua e Sol.

Na etapa da interpretação, os alunos também discerniram sobre o tema,

explícito no título e nas ilustrações. Como explicado antes, as crianças entenderam

que o “Príncipe” tinha saudades da “Princesa”. Puderam interpretar que se trata de

uma história de amor; contudo, não puderam identificar os sentidos dos signos que o

“Príncipe” recebia no caminho, que, segundo a sinopse do livro, significam a frase “eu

te amo”.

As crianças afirmaram gostar do livro e avaliaram que a história foi diferente do

que já tinham visto. Com toda certeza o livro é diferente para elas, e não apenas por

se tratar de uma narrativa imagética, mas pelos aspectos da própria ilustração do

autor, como seus personagens estranhos, seus traços e cores leves, incomuns ao

olhar que elas têm do livro ilustrado. A experiência, no entanto, foi bastante válida,

compreendendo que antes não havia sido feita nenhuma atividade focada na leitura

de texto visual com a turma, e que a linguagem empregada não é simplificada. Sendo

assim, vê-se que é necessário empreender mais exercícios de leitura de livros de

imagem e abrir espaço para a leitura de imagem numa perspectiva geral.

A segunda parte da atividade foi na sala de aula, com a proposta de construírem

todos juntos um livro de imagens que também funcionaria como um livro-jogo. A

intenção foi tornar a atividade ainda mais lúdica e examinar as ideias que pudessem

reverberar do livro ao obter o resultado. A proposta foi a seguinte: respeitando a

capacidade das crianças, a turma deveria criar um livro em conjunto, de maneira

artesanal, de modo a ocupar as páginas com autorretratos pintados por elas e, a partir

disso, criar um jogo com as imagens inseridas: um recorte central, fatiando a página

em duas partes (superior e inferior), permitindo que estas sejam folheadas em tempos

e sequências diferentes, e que metade de um rosto se una a outra metade de modos

variados.

As crianças foram instigadas a fazer um retrato de si mesmas com tinta guache

(Figuras 15 e 16, p. 37), pintando-se como imaginam ser. Refletindo sobre sua

aparência, foram criadas as cores necessárias para abranger os tons de pele da

turma, misturando tintas. Com a ajuda da professora Elizete, íamos a cada turma de

três ou quatro alunos com a tinta que era necessária, para manter a organização.

Page 37: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

37

Terminadas as pinturas, estas foram deixadas para secar para só depois dar

continuidade ao trabalho, o que aconteceu no dia seguinte.

Figura 11 – Turma na Biblioteca. Figura 12 – Reconhecendo os livros.

Figura 13 - Leitura coletiva de livro de imagem. Figura 14 -. Uma História de Amor sem Palavras.

Figura 15 - Na sala de aula. Figura 16 - Fazendo autorretrato.

Page 38: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

38

Figura 17 - Produção das pinturas. Figura 18 - João e seu autorretrato.

Com as pinturas secas, o material para a construção do livro foi reunido e deu-

se início à produção. O projeto foi desenvolvido para criar uma espécie de livro-

suporte, no qual as crianças pudessem colar as pinturas em cada página. Para isso,

seria necessária a utilização de um papel de gramatura mais pesada, para que

pudesse sustentar todo o material colado e a costura sem desmanchar ou se danificar

de alguma forma. Utilizando cartolinas brancas, verificaram-se as medidas

necessárias para recortar e encaixar as folhas das pinturas exatamente nas suas

dimensões. As cartolinas foram recortadas em retângulos de 30 x 46 cm (espaço de

página dupla) e dobradas ao meio, de modo a ficarem marcadas na margem central,

onde as folhas seriam unidas e costuradas com um barbante. O recorte das cartolinas

foi feito com o auxílio das crianças e a costura foi a única parte do processo de

construção do livro em que as crianças não participaram, mas, estando com o livro

em seu formato ideal, as folhas com os autorretratos pintados foram coladas uma por

uma (Figuras 19 e 20, p. 39), cada aluno com a sua pintura. Depois, houve um tempo

de espera para deixar o trabalho secar.

Quando ficou seco, apreciou-se o resultado antes de seguir para a próxima

etapa, o momento de delimitar o centro de cada página e fatiar ao meio. As crianças

ficaram um pouco avessas à ideia de fazer um recorte em suas pinturas, mas depois

Page 39: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

39

acharam o resultado divertido. Utilizando uma régua, marcaram-se os locais para

depois recortá-los. Foi um trabalho preciso, e mais uma vez sem o auxílio das

crianças.

Figura 19 - Passando cola no verso da pintura. Figura 20 - Colando as pinturas no livro suporte.

O livro resultado foi intitulado de “Todo mundo é todo mundo”, por sugestão da

professora Elizete, e chama a atenção, de forma lúdica e despretensiosa, para a

diversidade das pessoas que o preenchem, como também para a diversidade das

pessoas no geral, ao mesmo tempo em que mistura e recombina os rostos, revelando

a percepção de características de cada um que antes poderiam passar

despercebidas, e favorecendo discussões que vão além do trabalho como linguagem

artística. Esta foi a leitura feita em conjunto depois do processo, mas é possível que

outras leituras sejam feitas, configurando o trabalho como uma obra aberta. Ao fim, o

livro foi para a biblioteca da escola, onde ficou disponível para outras pessoas

observarem.

Page 40: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

40

Figura 21 - Capa e primeiras páginas do livro “Todo mundo é todo mundo”.

Figura 22 - Outras páginas e combinações de rostos.

Page 41: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

41

Figura 23 - Outras páginas e combinações de rostos.

Page 42: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

42

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta pesquisa, colocou-se em foco o objeto livro, buscando refletir sobre o

modo como este interage e se relaciona com outras linguagens que vão além da

literatura. Investigou-se as ocasiões em que o autor se torna artista do livro, e como

alguns aspectos de sua linguagem gráfica se relacionam com as Artes Visuais,

incluindo a Fotografia, o Cinema e, evidentemente, as Histórias em Quadrinhos.

Focalizando o papel da imagem no livro para quem a produz e para quem a lê, buscou-

se compreender os aspectos da imagem para a percepção e refletir sobre a leitura da

imagem narrativa. Nessa perspectiva, abordou-se o livro como meio didático, levando-

o para a sala de aula com o intuito de ressignificar a leitura imagética das crianças –

pondo em prática as referências teóricas estudadas – e criar um espaço para a

experiência de construção plástica do livro.

Conforme apresentado anteriormente, os objetivos deste estudo foram analisar

o papel da imagem no livro ilustrado como objeto estético da linguagem gráfica e

analisar o livro ilustrado como veículo educativo para abordagem da linguagem visual,

identificando suas aplicações pedagógicas. Ao analisar a imagem no livro ilustrado,

foi possível compreender suas proximidades com muitas linguagens e, ao mesmo

tempo, a verificação de uma linguagem muito própria. Assim como os livros de artista,

os livros ilustrados se utilizam de diversos meios de experimentação, abrindo espaço

para uma reflexão mais efetiva sobre a imagem e repensando suas formas plásticas

e maneiras de promover a leitura. Foi possível constatar que a imagem narrativa é

uma das mais antigas expressões artísticas e, ao mesmo tempo em que o livro

ilustrado retoma princípios antigos, também é bastante influenciado pela arte

contemporânea.

Ao levar o livro para a escola com uma nova abordagem de leitura, pôde-se

observar a naturalidade com que as crianças do 1º ano do Ensino Fundamental

puderam ler certas imagens, em contraponto com outras que lhe eram mais estranhas

e diferentes do que já haviam experienciado, uma evidência de que a capacidade

crítica é alicerçada nas vivências anteriores, assim como indica Edmund Feldman e

aponta Ana Mae Barbosa, como também Paulo Freire, quando examina o ato de ler.

A busca pelos elementos e detalhes nas ilustrações contribuiu para um exercício mais

completo do olhar, que muitas vezes não acontece quando a história se divide em

Page 43: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

43

texto verbal e imagem. Logicamente, este estudo não pretende desmerecer o

emprego de texto escrito nos livros, apenas tem o intuito de trazer para o foco os livros

em que a ilustração é a narrativa, o que, de certo modo, requer do leitor um olhar

ainda mais atento.

Ao propor um exercício de construção de um livro com as crianças, esteve-se,

de maneira simultânea, reconstruindo a ideia de livro com elas. Foi possível colocar

em prática as reflexões sobre como a imagem se insere na página, refletindo sobre a

sequencialidade e o modo incomum de recorte. Além disso, provocou o exercício de

pensarem na sua própria imagem (aparência física) e de visualizarem o livro como um

jogo, brincando com as partes de rostos diferentes, ao passar as folhas

desencontradas.

Na perspectiva arte-educadora, o processo de investigação configurou-se

também em novas descobertas, ao retomar um interesse da própria infância (os livros

ilustrados) e trazê-lo sob um novo aspecto para a sala de aula do Ensino Fundamental,

firmando-se em um embasamento teórico-metodológico mais efetivo e desenvolvendo

uma prática mais reflexiva.

Considerando que a imagem é, e se torna cada vez mais influente a cada

geração que passa, é imprescindível direcionar o olhar para a inclusão, no currículo

escolar, de um trabalho mais consistentemente focado na linguagem visual. Deste

modo, este estudo se constitui em um primeiro passo na busca de um saber mais

aprofundado, esperando repercutir em discussões e pesquisas futuras sobre leitura

imagética.

Avaliando a experiência calcada na tríade Livro – Imagem – Ensino de Arte,

revelou-se o quanto é importante que sejam realizados estudos sobre os aspectos da

imagem no livro, quando se coloca sozinha para contar a história ou quando está

acompanhada de palavras. É importante compreender que a ilustração no livro tem a

mesma força, mesmo valor e relevância das palavras na narrativa, e que, por isso, os

livros de imagem vêm conquistando um status cada vez mais significativo no mercado

da literatura infantil. Mas, além disso, também projeta reflexões muito amplas para

estudos no campo da arte de um modo geral, como exemplificado nesta pesquisa,

seja no âmbito gráfico ou pedagógico.

É preciso acrescentar, também, que o livro ilustrado, apesar de ser inserido na

categoria de livro infantojuvenil, muitas vezes desperta o interesse de outros públicos,

Page 44: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

44

estimulando, também, a experiência de leitura imagética do adulto, de modo que é

sempre um fator favorável e enriquecedor para a ampliação da inteligência visual.

Certamente há muito mais o que se analisar sobre este tema, principalmente

avaliando a relação palavra-imagem nos livros. A principal conclusão é a de que o

livro é um objeto ricamente aberto à criatividade. É simples olhar para trás e ver o

quanto ele veio mudando e se adaptando na história, ao mesmo tempo em que

conserva suas raízes. Também é fácil imaginar o quanto ainda se transformará com

as possibilidades que vierem a aparecer no futuro, ressurgindo com novas ideias e

experimentações, sejam visuais ou verbais.

Page 45: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

45

REFERÊNCIAS

AUMONT, Jacques. A Imagem. 14ª Ed. Campinas, SP: Papirus, 1993.

BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da arte. 8. Ed. São Paulo: Perspectiva, 2012.

CALVINO, Italo. Seis propostas para o próximo milênio: lições americanas. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta. Ensaios para uma futura filosofia da fotografia. São Paulo: Editora Hucitec,1985.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. In: HabonimDror Org. s.d. Disponível em: <http://www.hdbr.org.br/compos.php?idioma=br&m=site.pagina&pag=278>. Acesso em: 28 abr. 2014.

GÓES, Lúcia Pimentel; ALENCAR, Jakson de (Orgs.). Alma da imagem. São Paulo: Paulus, 2009.

LEE, Suzy. A trilogia da margem: o livro-imagem segundo Suzy Lee. São Paulo: Cosac Naify, 2012.

___________. Imagem de Espelho. In: Laura Teixeira no Papo pá-pum. Garatujas Fantásticas, 2012. Disponível em: < http://garatujasfantasticas.com/um-papo-pa-pum-com-laura-teixeira/>. Acesso em: 05 mai. 2014.

___________. Imagem de Sombra. In: “A trilogia da margem”, de Suzy Lee – O livro como pedaço de arte. Geek Vox, 2014. Disponível em: <http://geekvox.com.br/2014/04/trilogia-da-margem-de-suzy-lee/>. Acesso em:05 mai. 2014.

LINDEN, Sophie Van der. Para ler o livro ilustrado. São Paulo: Cosac Naify, 2011.

MERLEAU-PONTY, Maurice. O olho e o espírito. Tradução Paulo Neves e Maria Ermantina Galvão Gomes Pereira. São Paulo: Cosac Naify, 2004.

Page 46: LIVRO E IMAGEM - Biblioteca Digital de Monografias - UFRN ... · o método de leitura de imagem de Edmund Feldman a partir dos esclarecimentos de Ana Mae Barbosa, que o apresenta

46

MORAES, Odilon;HANNING, Rona; PARAGUASSU, Maurício.Traço e Prosa: entrevistas com ilustradores de livros infantojuvenis por Odilon Moraes, RonaHanning e Maurício Paraguassu. São Paulo: Cosac Naify, 2012.

OLIVEIRA, Ieda de (org.). O que é qualidade em ilustração no livro infantil e juvenil. São Paulo: DCL, 2008.

OLIVEIRA, Rui de. Pelos Jardins Boboli: reflexões sobre a arte de ilustrar livros para crianças e jovens. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

PINHEIRO, Evanir de Oliveira. A Dimensão social do desenho: um estudo sobre as interações no processo de (re)construção imagética da criança no Ensino Fundamental. 2006. 191 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2006.

PINTO, Ziraldo Alves. Flicts – Edição Comemorativa de 40 anos. In: Books Google. Disponível em: <http://migre.me/jsIx8>. Acesso em:05 mai. 2014. ___________. Flicts. In: Choco La Design. 2011. Disponível em: <http://chocoladesign.com/como-contar-uma-historia-colorida>. Acesso em: 05 mai. 2014.

PLAZA, Julio. O livro como forma de arte (I). Arte em São Paulo. In: Sibila Poesia e Crítica Literária. 2010. Disponível em <http://sibila.com.br/arte-risco/o-livro-como-forma-de-arte/4533>. Acesso em: 04 abr. 2013.

ROTH, Dieter. Children’s book (Kinderbuch). Wait, later this will be nothing – Editions by Dieter Roth. MOMA – The Museum of Modern Art. February 17 - June 24, 2013. Disponível em: <http://www.moma.org/interactives/exhibitions/2013/dieter_roth/works/childrens-book/>. Acesso em: 14 abr. 2014.

___________. Children’s book (Kinderbuch). Dieter Roth’s Kinderbuch.Daddytypes. May 7, 2007.Disponível em: <http://daddytypes.com/2007/05/07/dieter_roths_kinderbuch.php>. Acesso em: 05 mai. 2014.

SILVEIRA, Paulo. A página violada: da ternura à injúria na construção do livro de artista. 2ª Ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008.