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  • Banco Palmas 15 anos:resistindo e inovando

    Volume 1

  • Catalogao na publicaoServio de Biblioteca e Documentao

    Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo

    Ncleo de Economia Solidria NESOL-USP. Banco Palmas 15 anos: resistindo e inovando / Ncleo de

    Economia Solidria NESOL-USP e Instituto Palmas So Paulo: A9 Editora, 2013.

    p.180 v.1 Incluibibliografia ISBN: 978-85-64712-07-2

    1. Bancos comunitrios 2. Economia solidria 3. Sistemas econmicosfinanceiros4.Inclusosocial(Aspectosfinanceiros) I. Ttulo

    LC: HG178.3

    Elaborada pela Bibliotecria Elaine Cristina Domingues Martins CRB-8 5984

    ESTA OBRA LICENCIADA POR UMA LICENA CREATIVE COMMONS

    Banco Palmas 15 anos: resistindo e inovando by Instituto Palmas & NESOL-USP licenciado sobre a Creative Commons Atribuio-No-Comercial-SemDerivados 3.0 No Adaptada.

  • Banco Palmas 15 anos:resistindo e inovando

    Volume 1

    So Paulovero2013

    Reflexes sobre a prtica por:

    Bernard Lietaer & Heloisa Primavera

    Eduardo Diniz

    Genauto Carvalho de Frana Filho

    Ladislau Dowbor

    Marusa Vasconcelos Freire

    Paul Singer

    FINEP

    Pesquisa:

    NESOL-USP

    Organizao:

    Instituto Palmas & NESOL-USP

  • Preparao dos textos:Joaquim Melo Juliana de Oliveira Barros Braz

    Reviso:Carolina Poppi Thais Silva Mascarenhas

    Fotos:Acervo Instituto Palmas

    Ilustraes:Barbara Messas

    Projeto grfico & Capa:Nilson Mendes

    Pesquisa:Coordenao: Prof. Dr. Augusto Cmara NeivaPesquisadores: Carolina Teixeira Nakagawa Diogo Jamra Tsukumo Juliana de Oliveira Barros Braz Roberto Vilela de Moura Silva Thais Silva MascarenhasEquipe de Campo: Ana Luzia Laporte Elisangela Soares Teixeira Mariana Giroto Regiane Cmara Nigro

    Edio:

    Financiamento:

    Execuo:

    convnio no 01.10.0493.00

  • Apresentao 13 Prof. Augusto Cmara Neiva Prefcio 17 Joaquim Melo

    Mensagem ao Banco Palmas 19 Eugenia McGill

    Reflexes sobre a prtica O uso inteligente do crdito 25 Ladislau Dowbor

    O banco comunitrio de desenvolvimento como 35 poltica pblica de economia solidria Paul Singer

    A importncia dos bancos comunitrios para incluso financeira 41 Marusa Vasconcelos Freire

    Moedas complementares, bancos comunitrios 61 e o futuro que podemos construir Bernard Lietaer & Heloisa Primavera

    Correspondentes bancrios e 75 bancos comunitrios de desenvolvimento Eduardo Diniz

    Por que os BCDs so uma forma de organizao original? 83 Genauto Carvalho de Frana Filho

    Palmas para a inovao: cincia, tecnologia e inovao 95 a partir da experincia de um banco comunitrio FINEP Alba Valria Maravilha Loureno, lvaro Reis, Daniel de Carvalho Soares e Vinicius Reis Galdino Xavier

    O que aponta a pesquisa Banco Palmas: resultados para o desenvolvimento 105 comunitrio e a incluso financeira e bancria NESOL-USP Augusto Cmara Neiva, Juliana de Oliveira Barros Braz, Carolina Teixeira Nakagawa e Thais Silva Mascarenhas

    Sumrio

  • Ao Prof. Paul Singer, que

    sempre acreditou e contribuiu

    com o Banco Palmas,

    o Conjunto Palmeira e

    a Economia Solidria.

  • Agradecimentos

    A todas as mulheres e todos os homens que nos acolheram e participaram de nossa pesquisa com grande generosidade e humanidade. Agradecemos a cada porta aberta, cada gua fresca, cada histria compartihada.

    A Ana Luzia Laporte, Elisangela Soares Teixeira, Mariana Giroto e Regiane Cmara Nigro pela disponibilidade em realizar as entrevistas da pesquisa realizada pelo NESOL-USP e pelo compromisso e respeito fazendo de cada entrevista um importante encontro.

    A todos os autores pela generosidade e disponibilidade na elaborao dos tex-tos que compem este livro.

    FINEP, em especial Vinicius Galdino e lvaro Reis, pelo auxlio na exe-cuo do projeto que financiou a pesquisa aqui apresentada e a publica-o deste livro.

    Universidade de So Paulo pelo apoio no desenvolvimento das aes reali-zadas pelo Ncleo de Economia Solidria (NESOL-USP).

    equipe do NESOL, especialmente, a Carolina Teixeira Nakagawa pela co-ragem em levar toda a equipe a campo e Thais Silva Mascarenhas pelo empenho em decifrar os caminhos das comunidades visitadas.

    A toda equipe do Banco Palmas: Adriano Augusto de Aureliano, Angelina Freire de Souza, Antonia Bernardino de Lima, Asier Ansorena Porras, Daniele Arajo da Silva, Eliane Queiroz Ramos, Elias Lino dos Santos, Elisangela Amaro Faustino dos Santos, Francisca Almeida do Nascimento, Francisca Adriana Clemente de Lima, Francisca Cleoneide Costa da Silva, Francisca Juliana da Silva Arajo, Francisco Gilvanilson Holanda Ibiapina, Glaucineide Fernandes Barbosa, Isaias Jorge da Silva, Izaac Pereira Duarte, Izimrio Silvestre Nobre, Kaliana Dantas Sabino, Maria de Ftima Amorim da Silva, Marinete Brito da Silva, Nayara Nascimento de Sousa, Odirlei Gomes da Silva, Patrcia Carla Gomes de Lima, Rita de Cassia Silveira de Souza, Rosiane Rodrigues da Silva, Sandra Batista dos Santos Viviane dos Santos Vieira. Especialmente a Sandra Magalhes, coordenadora de projetos.

  • Nota da organizao

    Parceria e encontro so as palavras que definem esta publicao.

    No incio de 2009, fui ao Banco Palmas pela primeira vez. Pela participao no movimento de economia solidria, j o tinha como uma grande referncia, mas ao entrar naquele saguo senti o brao arrepiar. Nos passeios pelas salas, pelo quintal de areia, o pensamento latente era ficar mais tempo por l, conhe-cer melhor o dia a dia e, mais do que isso, poder participar dele. Aos poucos fui me achegando com uma primeira estada de trs dias, depois de uma semana, 15 dias e, a mais recente, em agosto ltimo, chegou aos 20 dias. Das primeiras reunies, passei ao bate papo e cafezinho no saguo, alm de conversas noite j no fim do expediente. Rostos antes sem nomes, aqueles que dia a dia cons-troem o Banco Palmas, passaram a ser queridos conhecidos.

    Esse encontro no se deu por acaso, mas por meio de uma parceria. O Prmio FINEP de Tecnologia Social, vencido pelo Instituto Palmas, em 2008, demorou a chegar. Entretanto, foi ele que propiciou as descobertas, desafios e as diversas conquistas de um trabalho conjunto entre o NESOL-USP e o Instituto Palmas. E este livro e a pesquisa que nele ser apresentada so parte desse resultado.

    Se no primeiro dia ser parte era s um desejo, hoje a sensao de sa-tisfao e privilgio por contribuir para que essa histria continue sendo escrita e possa ainda, muitas vezes, ser contada.

    Os artigos que compem este livro com olhares prximos e distantes vo te-cendo a trama de uma histria enraizada no Conjunto Palmeira e que se en-trelaa s lutas e conquistas por um Brasil melhor e menos desigual.

    Comemoremos os bons encontros. E parabns s moradoras e aos moradores do Conjunto Palmeira que cotidianamente constroem, em companhia, suas vidas.

    Juliana Braz

    NESOL-USP

  • Este livro comemora os quinze anos do Banco Palmas, compartilhando a emoo pelos sucessos, contextualizando, descrevendo, analisando. um livro que fala de conquistas e de esperana. Mas no nos iludamos, ele fala tambm de vidas ainda precrias.

    A entrevista segue enquanto os funcionrios da companhia de energia entram na casa e cortam a luzEntre dar banho no beb e trocar a fralda, sempre d um jeito de sentar-se em frente caixa cheia de garrafas com gog por fazer. A amiga mais experiente ajuda e ensina como dominar a arte de tranar palhas em garrafas de cachaa que logo estaro venda no mercado1.

    Ao mesmo tempo, os nmeros mostram que a artes certamente pagar tan-to sua conta de luz como a dvida com o Banco Palmas. E o Banco Palmas tem um papel importante nesse cenrio.

    Construir bancos comunitrios e moedas sociais exige esforo e perseverana de cada comunidade. E este livro mostra que vale a pena, alm de ser uma homenagem a todos os que o fazem, nos vrios estados do Brasil.

    O livro traz dois autores cuja militncia, aes e pensamentos foram modelo e inspirao para mais de uma gerao: Ladislau Dowbor e Paul Singer.

    Ladislau Dowbor, em artigo intitulado O uso inteligente do crdito, discute o sistema financeiro atual e as alternativas que vm sendo construdas pela sociedade civil. Nos anos 70, foi professor de finanas pblicas em Coimbra, e doutorou-se em Cincias Econmicas em Varsvia. Depois, viveu no Brasil at o golpe de Estado de 1964. Exilado, trabalhou como consultor na Guin-Bissau, Nicargua, Costa Rica, frica do Sul e no Equador. Atualmente, professor de ps-graduao da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, consultor para diversas agncias das Naes Unidas e rgos governamentais. um intelectual importante no debate sobre democracia econmica e na di-fuso das iniciativas organizadas pela sociedade civil.

    1 Depoimento escrito por Mariana Giroto, pesquisadora que entrevistou os moradores dos bairros atendidos pelo Banco Palmas para a pesquisa que se encontra descrita neste livro.

    Apresentao

  • 14

    Banco Palmas 15 anos

    Paul Singer o titular da Secretaria Nacional de Economia Solidria (SENAES/MTE), desde sua criao, em 2003, no mbito do Ministrio do Trabalho e Emprego. Em uma vida de militncia e luta pela emancipao dos trabalhadores, militou no movimento sindical, participando, em 1959, da fun-dao da Polop. Paralelamente, estudou Economia na USP, graduando-se em 1959 e iniciando sua atividade docente no ano seguinte. Em 1969, participou da fundao do CEBRAP - Centro Brasileiro de Anlise e Planejamento, que se constituiu em importante ncleo de oposio ditadura militar vigente. Em 1980, ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores. Ocupou a Secretaria de Planejamento do Municpio de So Paulo durante todo o mandato de Luiza Erundina, de 1989 a 1992. Nesta poca, comea a voltar-se ao tema da Economia Solidria e um defensor incondicional das diversas experincias existentes pelo Brasil. Em 1998, ajudou a criar a Incubadora Tecnolgica de Cooperativas Populares da USP. autor de livros que tiveram grande influn-cia no pensamento da esquerda democrtica brasileira.

    Outros cinco autores de primeira importncia para o tema dos bancos comu-nitrios e da moeda social trazem tambm sua contribuio ao livro: Marusa Vasconcelos Freire, Bernard Lietaer, Heloisa Primavera, Eduardo Diniz e Genauto Carvalho de Frana Filho.

    Marusa Vasconcelos Freire apresenta o contexto brasileiro dos ltimos anos em relao incluso financeira e o papel dos BCDs para esse debate. Ela Procuradora do Banco Central do Brasil e tem papel importante no deba-te interno dessa instituio sobre o tema das moedas sociais e dos Bancos Comunitrios de Desenvolvimento. No ano de 2011, defendeu sua tese de doutorado denominada Moedas Sociais: Contributo em prol de um mar-co legal e regulatrio para as moedas sociais circulantes locais no Brasil, contribuindo para a discusso sobre a criao de um marco legal para essas iniciativas no Brasil.

    Bernard Lietaer e Heloisa Primavera apresentam a importncia dos bancos comunitrios na disseminao do uso das moedas complementares e discutem a ampliao do debate sobre o papel da moeda e dos instrumentos financeiros no desenvolvimento econmico dos territrios. Bernard Lietaer professor e autor de vrias obras, entre as quais The Future of Money: Beyond Greed and Scarcity e New Money for a New World, voltados ao estudo de siste-mas monetrios e defesa da criao, pelas comunidades, de moedas locais ou complementares. Heloisa Primavera, por sua vez, uma especialista e mi-litante em Economia Solidria e foi fundadora da Rede Latino Americana

  • Banco Palmas 15 anos

    15

    de Socioeconomia Solidria. professora do programa de mestrado em Administrao Pblica na Escola de Economia da Universidade de Buenos Aires, Argentina, onde coordena um projeto de pesquisa e desenvolvimento em Moedas Complementares e Economia Social. Foi uma agente fundamen-tal nos processos econmicos alternativos criados na Argentina durante sua profunda crise econmica iniciada no final dos anos 90.

    Eduardo Henrique Diniz apresenta a importncia dos correspondentes ban-crios e outros produtos de microfinanas para a incluso financeira, e a con-tribuio dos BCDs para potencializar o uso dos servios do correspondente bancrio. Atualmente, professor da Fundao Getulio Vargas, Escola de Administrao Pblica do Estado de So Paulo, onde coordena vrias pes-quisas e tem diversos artigos publicados sobre tecnologia aplicada ao sistema bancrio. editor-chefe da Revista de Administrao de Empresas e da GV-executivo. Uma de suas linhas de pesquisa volta-se tecnologia bancria como fator de incluso social.

    Genauto Carvalho de Frana Filho com o artigo Por que os BCDs so uma forma de organizao original?, apresenta as principais caractersticas dos bancos comunitrios marcando a singularidade dessas iniciativas, alm de um quadro terico que contribui para a sua anlise. Com vrias publicaes na-cionais e internacionais envolvendo bancos comunitrios e moedas sociais, o autor importante referncia terica na temtica das finanas solidrias. Hoje, professor da Universidade Federal da Bahia e coordena a Incubadora Tecnolgica de Economia Solidria da mesma universidade.

    Duas outras contribuies importantes completam o livro. A primeira, de au-toria da equipe da rea de Tecnologia Social da FINEP, apresenta a rea de Tecnologias para o Desenvolvimento Social dessa agncia e discute o conceito de Tecnologia Social a partir da experincia do Banco Palmas, que recebeu o Prmio FINEP de Tecnologia Social 2008. Os autores so os economistas Alba Valria Maravilha Loureno, lvaro Reis e Daniel de Carvalho Soares, o engenheiro de produo e professor universitrio Rossandro Ramos, e o cientista social Vinicius Reis Galdino Xavier. A segunda contribuio, que fecha o livro, apresenta o processo de construo de indicadores de monitora-mento para os Bancos Comunitrios de Desenvolvimento e uma pesquisa com os clientes do Banco Palmas, em um trabalho desenvolvido pelo Ncleo de Apoio s Atividades de Cultura e Extenso em Economia Solidria, NACE/NESOL, da USP, em colaborao com o Instituto Palmas, no mbito do projeto Ampliao das Aes e Aperfeioamento Tecnolgico do Instituto

  • 16

    Banco Palmas 15 anos

    Palmas, financiado pela FINEP. Seus autores so Augusto Camara Neiva, Juliana Braz, Carolina Teixeira Nakagawa e Thais Silva Mascarenhas, do NACE/NESOL. Augusto Neiva doutor em Engenharia de Materiais, profes-sor da Escola Politcnica da USP e coordenador do NACE/NESOL. Juliana Braz possui graduao em Psicologia e Mestrado em Psicologia Social pela USP, e atua na economia solidria desde 1999. Carolina Nakagawa gra-duada em Cincias Sociais, possui mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e tem prestado inme-ras assessorias na rea de pesquisa de campo e indicadores scio-territoriais. Thais Mascarenhas possui graduao em Cincias Econmicas e mestrado em Educao pela USP, atuando principalmente em economia solidria, autoges-to, incubao de cooperativas, desenvolvimento e cooperativismo.

    Para finalizar esta introduo, recordamos que este livro foi executado no mbito do projeto Ampliao das Aes e Aperfeioamento Tecnolgico do Instituto Palmas j mencionado, financiado pela FINEP em funo da ob-teno, pelo Instituto Palmas, do Prmio FINEP de Tecnologia Social 2008. Agradecemos o empenho da equipe da FINEP, do NESOL, da Pr-Reitoria de Cultura e Extenso da USP, do Instituto Palmas e da Fundao de Apoio Universidade de So Paulo para o desenvolvimento do projeto. Destacamos ainda o papel essencial de Juliana Braz e de Joaquim Melo na elaborao deste livro, desde seu projeto editorial at as etapas finais de edio.

    Prof. Dr. Augusto Cmara Neiva

    Coordenador do Ncleo de Economia Solidria da USP (NESOL-USP) e Coordenador do Projeto

  • 20 de janeiro de 2013 o Banco Palmas faz 15 anos!

    Tudo o que foi feito ao longo desses anos, fomos ns que fizemos! Esse trocadilho pleonstico se faz necessrio para expressar com firmeza a im-portncia de ter sido a prpria comunidade quem desenvolveu, apropriou-se, gerenciou e executou a enorme gama de servios realizados pelo Banco Palmas nesse perodo. Quando a comunidade faz, ela aprende, cria iden-tidade, veste a camisa, apaixona-se e possibilita vida longa ao projeto. Por isso chegamos at aqui. Essa a verdadeira sustentabilidade.

    Limitado pelo espao, registro neste prefcio trs certezas que nos emocio-nam na comemorao desses 15 anos: a primeira, claro, a certeza de termos contribudo para a melhoria da qualidade de vida de milhares de pessoas muito pobres; a segunda ter nos mantido fiel a nossa convico na Economia Solidria e nas finanas solidrias depositando na organi-zao coletiva da comunidade a nica sada para superao da pobreza, no cedendo as tentaes de frmulas mgicas proposta pelo mercado competitivo; e a terceira ver que h 15 anos, quando criamos o Banco Palmas, tnhamos apenas R$ 2.000 e cinco pessoas da comunidade acre-ditando nesse sonho. Como uma imensa floresta, os bancos comunitrios multiplicaram-se pelo Brasil inteiro. Hoje, j somos mais de 100 espalhados em 19 estados e organizados na Rede Brasileira de Bancos Comunitrios. J existem dezenas de universidades e pesquisadores que estudam e apoiam essa metodologia, dezenas de prefeituras e governos envolvidos com nos-sas prticas, dezenas de empresas, dezenas de prmios recebidos, dezenas de ONGs dando assessoria, centenas de horas na mdia nacional e inter-nacional noticiando sobre os bancos comunitrios. Florescemos em todas as partes! E como digo sempre, no por vaidade, mas porque a ns or-gulha muito esse projeto, alm de alimentar nossa estima militante: foi na pequena Comunidade do Conjunto Palmeira, nos grotes do nordeste, sob a ddiva do conhecimento popular que foi criado o primeiro Banco Comunitrio do Brasil.

    Prefcio

  • 18

    Banco Palmas 15 anos

    Foram muitas histrias vividas nesses 15 anos, muitas horas de prazer, mas tambm algumas de dor. Como impossvel apresentar tudo num s livro, resolvemos criar a Srie Banco Palmas 15 anos. Vamos, proporo que conseguirmos recursos, escrevendo os volumes.

    Este livro o Volume I. Ele traz nmeros e anlises, resultados da pesqui-sa feita pela equipe do Ncleo de Economia Solidria da Universidade de So Paulo (NESOL-USP) em relao aos objetivos alcanados pelo Banco Palmas no Conjunto Palmeira e nas 12 comunidades de entorno onde de-senvolvemos nossas aes. E eu no poderia deixar de registrar aqui o bri-lhante mergulho de imerso na comunidade que fizeram as pesquisadoras da USP para a realizao dessa pesquisa. Caminharam no bairro, visitaram os guetos, enfronharam-se nas ocupaes e nos becos, chegaram beira do rio, sentiram o cheiro do bairro, conversaram com os moradores e ouviram o povo at chegarem s suas concluses. Esse o verdadeiro caminho de uma pesquisa que se desafia a falar de gente.

    Os resultados que esse livro vai apresentar seriam muito difceis de serem alcanados sem as inmeras parcerias que fizemos com instituies finan-ceiras, universidades, empresas, poder pblico, cooperantes internacionais e intelectuais. Alguns deles contribuem com seus artigos neste livro. O papel dos parceiros foi fundamental, porque se deu de forma autnoma e respeitosa. A cada acordo estabelecido, desenhou-se uma relao onde todos saam ganhando, mas o grande beneficiado era o povo, e o protago-nista da ao, a prpria comunidade.

    Por ltimo, gostaria de parabenizar a valente comunidade do Conjunto Palmeira e a maravilhosa equipe do Banco Palmas, em sua grande maioria formada por moradores do bairro. Sem eles, no teramos construdo as es-tradas por onde andamos durante todo esse tempo.

    Vamos conhec-las um pouco mais lendo este livro!

    Agora, o principal agitar bem a caipirinha, afinar a sanfona e arrochar o forr que tempo de festa!

    Joaquim Melo

    Coordenador Instituto Palmas

  • 25 de Novembro de 2012

    Em nome da School of International and Public Affairs da Universidade de Columbia

    SIPA/UC1 tenho o pra-zer de estender os parabns

    e desejar sucesso para a lide-rana, os funcionrios e os

    parceiros do Banco Palmas em seus 15 anos de trabalho ino-

    vador para o desenvolvimento comunitriocom os bancos

    comunitrios no Brasil.

    A SIPA tem a honra de colaborar com o Banco Palmas e

    o Instituto Palmas, desde 2009, por meio de nossa oficina de prticas de desenvolvimento.

    Atravs dessa oficina, equipes de estudantes de graduao

    da SIPA e professores que os apoiam trabalham com organi-zaes comunitrias nacionais

    e internacionais em projetos de pesquisa-ao e de consultoria

    1 Escola de Polticas Pblicas e Relaes Internacionais da Universidade de Columbia de Nova Iorque.

    November 25, 2012

    On behalf of Columbia Universitys School of International and Public Affairs (SIPA), I am delighted to ex-tend congratulations and best wishes to the leadership, staff and affiliates of Banco Palmas on their 15 years of ground--breaking work in communi-ty banking and community development in Brazil.

    SIPA has been honored to colla-borate with Banco Palmas and its affiliate, Instituto Palmas, sin-ce 2009 through our Workshop in Development Practice. Through this workshop, teams of SIPA graduate students and their faculty advisors work with community, national and inter-national organizations on action research and consulting projects to enhance the organizations current and future program-ming. Three SIPA teams have worked with Banco Palmas and Instituto Palmas to date. The first two teams collaborated on

    Mensagem ao Banco Palmas

  • 20

    Banco Palmas 15 anos

    como forma de contribuir nas atividades atuais e futuras das

    instituies. Trs equipes j desenvolveram atividades com

    o Banco Palmas e o Instituto Palmas at o momento. As duas

    primeiras equipes colaboraram no desenvolvimento de um

    sistema de monitoramento para acompanhar o desempenho

    financeiro e social do Banco Palmas e da rede de bancos

    comunitrios de desenvolvimen-to ligados ao Instituto Palmas. A terceira equipe est trabalhando,

    este ano, no desenvolvimento de um planejamento estratgico de trs anos para o Laboratrio

    de Pesquisa e Inovao criado recentemente pelo Instituto

    Palmas. Esse laboratrio desti-na-se a aproveitar os benefcios

    da tecnologia da informao e comunicao para ampliar ainda mais o alcance e o im-pacto do Banco Palmas e de

    outros bancos comunitrios de desenvolvimento no Brasil.

    Ns tambm ficamos extrema-mente honrados com a vinda de Joaquim Melo para Nova

    Iorque, em maro de 2012, como palestrante principal na

    Conferncia sobre Inovao Social para o Desenvolvimento realizado pela SIPA. Os comen-trios passionais e inspiradores

    de Joaquim foram o destaque da

    the development of a monito-ring system to track both the financial and social performance of the network of community development banks operating under the umbrella of Instituto Palmas. We understand that the proposed matrix of perfor-mance indicators is now being implemented by Banco Palmas and other community develop-ment banks. The third team is working this year to help develop a three-year roadmap for the Research and Innovation Lab that Instituto Palmas recently established. This lab is inten-ded to leverage the benefits of information and communication technology to further extend the reach and impact of Banco Palmas and other community development banks in Brazil.

    We were also extremely honored that Joaquim de Melo could tra-vel to New York City in March 2012 to be the keynote speaker at SIPAs conference on social innovation in development. Joaquims passionate and inspi-ring remarks were the highlight of the conference, and demons-trated why Banco Palmas has come to be recognized worldwi-de as a model of social innova-tion, community empowerment and collaborative learning.

  • Banco Palmas 15 anos

    21

    Conferncia e mostraram porque o Banco Palmas reconheci-

    do mundialmente como um modelo de inovao social, de

    empoderamento comunitrio e de aprendizagem colaborativa.

    Nossa parceria com o Banco Palmas e o Instituto Palmas tem

    sido profundamente apreciada pela SIPA, uma vez que tem

    dado aos nossos alunos de ps-graduao a oportunidade de

    trabalhar e aprender diretamente com uma rede verdadeiramen-

    te inovadora de organizaes comunitrias. Ao mesmo tempo,

    esperamos que nossa colabora-o tenha sido benfica para o Banco Palmas e, tambm, para a rede de bancos comunitrios,

    com a realizao de pesquisas comparativas e assessoria tcni-

    ca independentes sobre questes prioritrias para essas iniciativas.

    Estamos ansiosos em continuar essa parceria, ao tempo em que

    o Banco Palmas e outros bancos comunitrios de desenvolvi-

    mento expandem seu alcance e aprofundam o seu impacto nas

    comunidades que servem1.

    1 Texto traduzido do original em ingls por Asier Anserona.

    Our partnership with Banco Palmas and Instituto Palmas has been deeply appreciated by SIPA, since it has given our graduate students the opportu-nity to work directly with and learn from a truly innovative network of community orga-nizations. At the same time, we hope that our collaboration has been beneficial to Banco Palmas and its affiliates, by providing comparative resear-ch and independent technical advice on priority issues for the community banking ne-twork. We look forward to continuing this partnership, as Banco Palmas and other community development banks further expand their reach and deepen their impact in the communities they serve.

    Eugenia McGill

    Lecturer and Director, Workshop in Development Practice

    School of International and Public Affairs

    Columbia University

  • Reflexes sobre

    a prtica

  • O que voc faz? Vendo revista, diz referindo-se s vendas de coisas do lar e bijuterias encomendadas por meio

    da revista da marca. Trabalha tambm com faco, deixam

    pra ela o tecido cortado e ela s faz costurar. Ganha R$

    2,00 por pea, o que mais que outras costureiras da regio,

    que chegam a ganhar R$ 0,50 por pea. A composio dos

    diversos trabalhos a partir das habilidades e oportunidades

    no para por a. Com 11 pessoas morando na casa e com

    uma reforma em andamento para dar conta de acomodar

    a todos, ela ainda aproveita as peas que chegam da

    faco, aprende a fazer outra igual, j que tambm sabe

    cortar, e vende por conta prpria para a vizinhana.

    Thais Silva Mascarenhas Economista e pesquisadora

  • O uso inteligente do crdito

    A realidade patolgica da rea finan-ceira vai curiosamente criando os seus antdotos. Enquanto a corrente teri-ca dominante e o grosso dos recursos reforam as atividades especulativas e o financiamento das corporaes, vai se construindo uma outra corrente, que vem responder s prosaicas necessidades de financiamento da pequena e mdia empresa, da agricultura familiar e das organizaes da sociedade ci-vil. Todos conhecem os trabalhos de Yunus em Bangladesh, mas vale a pena realar que muito dinheiro na mo de poucos gera o caos, enquanto pouco dinheiro na mo de muitos gera resultados impressionantes em termos de pro-gresso econmico e social1. Numa viso estritamente econmica, para quem no tem quase nada, um pouco de dinheiro faz uma imensa diferena em termos de sade, de condies de estudo das crianas e de melhores condies de produo. A reorientao que se busca a de que os recursos financeiros possam prosaicamente servir ao nosso desenvolvimento.

    A Alemanha nos oferece um exemplo interessante. A gigantesca massa de pou-panas familiares do pas no confiada aos chamados investidores institucio-nais para especularem, mas gerida por pequenas caixas de poupana que exis-tem em cada cidade ou vila. O The Economist informa que mais da metade da poupana alem gerida dessa forma. A revista considerava, antes da crise, que isso seria um fator de atraso, pois o dinheiro seria aplicado de maneira mais dinmica se a poupana fosse administrada por al-guns grupos financeiros internacionais. So estes grupos, no entanto, que causaram o colapso financeiro de 2008. E a fora das poupanas locais, com investimentos orientados pelas necessidades do territrio, na realidade, protegeu, em parte, a Alemanha no pior da crise2.

    1 Mohammad Yunus. (2000). Banqueiro dos pobres. So Paulo: tica. Yunus foi agra-ciado com o Nobel da Paz em 2006.

    2 The Economist, October 15th, 2004.

    Ladislau Dowbor

    Economista, professor da PUC de So Paulo e consultor de vrias agncias

    das NNUU.

  • Banco Palmas 15 anos

    26

    As finanas locais permitem financiar uma imensa gama de iniciativas, dando origem s pequenas empresas, aos restaurantes tpicos e transformao dos produtos agrcolas locais, num processo que no apenas econmico, mas tambm cultural e associativo. Elas possibilitam que uma regio seja dona do seu territrio, com iniciativas prprias, criatividade e recursos prprios. Nunca demais lembrar que, segundo dados do Sebrae, temos 6,1 milhes de micro e pequenas empresas no Brasil, o que representa 93% do total das empresas formais, alm de 4,1 milhes de estabelecimentos rurais familiares e mais de 2 milhes de empreendedores individuais.

    Se a teoria se omite em relao ao esmagamento da iniciativa econmica indi-vidual e associativa no capitalismo globalizado, no plano da economia aplicada, surgem ideias muito interessantes. No caso da Frana, o livro Les placements thiques (Aplicaes ticas) constitui um tipo de pequeno manual com suges-tes teis para serem executadas com o dinheiro em vez de coloc-lo no banco1. Sem teorizar muito, o livro parte do princpio de que as pessoas querem equili-brar vrios interesses como ter uma remunerao financeira razovel, segurana, liquidez para o caso de precisarem de dinheiro inesperadamente, e o sentimento do seu dinheiro estar sendo til. As aplicaes financeiras teis apresentadas no livro se referem concretamente Frana, mas abrem perspectivas gerais.

    Em termos prticos, trata-se de um pequeno manual no qual cada pgina trans-mite um fundo tico, com indicaes da taxa mdia de remunerao da aplica-o, de liquidez (alguns fundos exigem um determinado tempo de aplicao), de segurana (h desde aplicaes garantidas pelo Estado at aplicaes de risco como no mercado de aes) e da mais-valia tica que descreve em detalhe em que tipo de atividade social ou ambientalmente til se est envolvido. O pro-cesso tambm se firmou na Frana porque, alm do interesse da populao, os bancos locais comunitrios ou do Estado passaram a garantir as aplicaes feitas em iniciativas de economia solidria, gerando um processo perfeitamente seguro em termos financeiros e de elevada produtividade sistmica.

    As aplicaes envolvem tipicamente empresas de economia solidria. Um exemplo concreto o financiamento de uma pequena empresa que organiza o transporte de pessoas deficientes na cidade, iniciativa demasiado pontual para

    1 Les placements thiques: comment placer son argent. Paris: Alternatives Economiques, 2003, p. 176. Disponvel em www.alternatives-economiques.fr. Alm disso, na Frana, os diversos sistemas locais de gesto pblica das poupanas (La Poste, Caisse dpargne, Crdit Mutuel) administram 40% das poupan-as francesas, conforme o The Economist, December 24th 2005 January 6th 2006 double-issue, p. 99.

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    interessar a grupos empresariais tradicionais. Em geral, o fato de haver uma intermediao feita por ONGs e organizaes sociais, com forte enraizamento e controle local, leva a que se privilegiem empresas que passam pelo crivo de uma srie de critrios como o respeito s normas trabalhistas, o respeito ao consumidor e assim por diante. H fundos que, alm disso, excluem um con-junto de empresas notoriamente antissociais como as que produzem armas, fumo ou bebidas alcolicas.

    Isto implica, por sua vez, um conjunto de critrios de avaliao de atividades empresariais que vai muito alm do lucro fazendo surgir diversas instituies que adotam um seguimento sistemtico de diversos setores de atividades e de empresas, de maneira que a pessoa que aplica num fundo possa conhecer efetivamente o uso final do seu dinheiro. Estamos todos acostumados ao indi-cador de risco Brasil, o qual apresenta o risco que um determinado pas ou empresa representa para os aplicadores financeiros, mas quase no aparecem os indicadores de utilidade social das empresas, e nunca do risco para o Brasil, por exemplo, das atividades especulativas. Para ns, este conceito de gran-de importncia, pois onde predominam pequenos bancos municipais, caixas econmicas locais ou bancos comunitrios de desenvolvimento, a populao pode razoavelmente acompanhar o que se faz com o seu dinheiro, e voltam a funcionar mecanismos de mercado e um mnimo de concorrncia. No caso brasileiro, com grandes conglomerados, ns normalmente no temos a mni-ma ideia do que acontece no mbito privado e menos ainda no pblico1.

    O sistema montado na Frana maduro e bastante sofisticado. Envolve legis-lao que permite que certas aplicaes financeiras sejam tratadas de maneira diferenciada pelo fisco, um sistema de notao das empresas pelas instituies de avaliao, uma forte participao de organizaes da sociedade civil, de sindicatos e de poderes locais, e envolve um sistema regular de informao ao acionista ou ao aplicador financeiro. O sistema est se expandindo num ritmo de 20% ao ano. H organizaes da sociedade civil que j administram mais de 800 milhes de euros, cerca de 2 bilhes de reais. No investem no cassino internacional, ainda que, lamentavelmente, sofram as consequncias da irres-ponsabilidade dos grandes bancos, como todos ns.

    1 No plano das empresas, vale a pena acompanhar o progresso das iniciativas do Instituto Ethos e dos seus indicadores de responsabilidade empresarial. Acessar: www.ethos.org.br; a ONG Akatu dispo-nibiliza boas cartilhas para aprender a se defender das polticas agressivas de crdito. Acessar: www.akatu.org.br; o IDEC, Instituto de Defesa do Consumidor, contribui muito para gerar um pouco de transparncia nos processos. Acessar: www.idec.org.br. Assim, os avanos so lentos, mas reais.

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    Em termos tericos, o sucesso de experincias desse tipo sumamente importante, pois significa que afinal as pessoas no querem apenas maxi-mizao de retorno e segurana do seu dinheiro. As pessoas querem, isso sim, praticar aes socialmente teis se tiverem a oportunidade, e essa oportunidade se organiza. Uma nota introdutria de Henri Rouill dOr-feuil (2003: 18) d o tom:

    Os objetivos so claros. Trata-se de introduzir solidariedade, ou seja, uma preocupao com o bem comum no corao mesmo da economia, para que o crescimento leve ao progresso social e ao desenvolvimento sustent-vel, para que as empresas se tornem social e ecologicamente responsveis1.

    Esse eixo alternativo da intermediao financeira sempre foi objeto de ataque dos grandes grupos especulativos, e se encontra ridicularizado pelo mains-tream da cincia econmica. No entanto, quando Hazel Henderson e outros criaram o ethical market place, literalmente, mercado de aplicaes ticas, descobriram um imenso interesse social, o qual est se materializando num fluxo impressionante de recursos. Hoje, os prprios grupos financeiros espe-culativos e grandes bancos esto abrindo nichos de atividades socialmente responsveis, nem que seja para resgatar suas imagens2.

    interessante notar que enquanto os mecanismos de mercado esto sendo engessados pelos gigantes transnacionais ou nacionais que monopolizam am-plos setores econmicos, manipulam os fluxos e restringem o acesso s infor-maes, gerando desequilbrios e crises, esto surgindo formas alternativas de regulao econmica baseadas em valores e participao direta do cidado.

    Fazer poltica sempre foi visto por ns como atividade muito centrada no voto, no partido, no governo. Recentemente, porm, surgiram atividades nas quais a sociedade civil organizada arregaa as mangas e assume ela mesma uma srie de atividades. Est tomando forma cada vez mais clara e significativa a atividade econmica guiada por valores, por vises polticas no sentido mais amplo. As pessoas esto descobrindo que podem votar com o seu dinheiro. Outras ativi-dades surgiram no Brasil com a ajuda, entre outros, de Paul Singer, na linha da

    1 Rouill DOrfeuil, Henri. (2003). Finances solidaires: changer dchelle. In : Les Placements thiques. Paris: Alternatives Economiques, p. 18. Disponvel em www.alternatives-economiques.fr

    2 Ver em www.hazelhenderson.com a iniciativa Green Transition Scoreboard. A prpria crise financeira criada pelos grandes grupos de especulao leva fuga de muitos capitais de papis podres para in-vestimentos ambientalmente sustentveis. O relatrio de 2012 do GTS mostra uma migrao de 3,3 trilhes de dlares para energia alternativa, construes verdes e semelhantes. No Brasil, o portal www.mercadoetico.com.br foi lanado em fevereiro de 2007 com objetivos semelhantes.

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    Economia Solidria. So incontveis as iniciativas de microcrdito, de crdito solidrio, de bancos comunitrios e de ONGs de garantia de crdito1.

    Trata-se de uma rea na qual surgiram excelentes estudos descritivos na linha do como funciona, sem que haja muita teorizao econmica. Surge igualmente nessa rea uma prtica generalizada de seminrios e conferncias, locais onde as pessoas que administram essas novas formas de gesto das nossas poupanas en-contram-se com pesquisadores e movimentos sociais e, juntos, constroem novas vises. O Banco Palmas, para dar um exemplo, objeto de numerosas pesquisas no universo cientfico, inspirando iniciativas semelhantes em vrias regies do pas.

    Uma pequena digresso importante aqui. A nossa viso da economia ain-da est centrada na viso fabril do sculo XX. Mas os setores emergentes da economia no so fbricas, so redes de sade, sistemas articulados de educa-o, pesquisa e organizao do conhecimento, atividades culturais e assim por diante. As pessoas se espantam com o fato das atividades industriais, em claro declnio, representarem nos Estados Unidos 14% do PIB e 10% do emprego, enquanto a sade j representa 17% do PIB. Se acrescentarmos a educao, a cultura e a segurana, vamos para mais de 40% do PIB. A economia est cada vez menos baseada em capital fixo (mquinas, equipamentos, construes) e cada vez mais em organizao e conhecimento. Ou seja, a economia que surge no necessita do gigantismo para ser eficiente, pelo contrrio. Na realidade, o gigantismo nessas reas gera deseconomias de escala pela burocratizao e monopolizao do controle de acesso a servios essenciais2.

    H uma convergncia a se construir entre o surgimento de novos setores de atividades, a renovada funcionalidade das micro e pequenas empresas, e as formas de financiamento necessrias. Quando as atividades econmicas de rea social, como sade, educao, cultura e outras, tornam-se dominantes no nosso modo de produo, o conceito de financiamento tambm muda. O sistema concentrador de financiamento pode se sentir confortvel com gigan-tescas empresas de planos de sade: nesse caso, temos uma absurda aliana

    1 Em termos de escala e de inovao metodolgica, ver em particular as experincias do Banco do Nordeste e as novas Agncias de Garantia de Crdito que apoiam pequenos produtores. Airton Saboya e Clarcio dos Santos Filho trazem boas anlises, sobretudo, demonstram como os grandes bancos comerciais, centrados no Sudeste, tiram do Nordeste mais dinheiro do que aplicam. No ba-lano contbil, no financiam, drenam. Ver comentrio disponvel em http://dowbor.org/riscos_e_ oportunidades.pdf.

    2 Sobre o assunto, mais detalhes em Gesto Social e Transformao da Sociedade, disponvel em http://dowbor.org em Artigos Online, 2000, p.18.

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    de interesses especulativos com a indstria da doena. Mas se para fazer uma poltica social que tenha resultados em termos de qualidade de vida ou dinamizar as micro e pequenas empresas, as inovaes da gesto financeira, na linha das diversas formas de crdito que surgem, mostram-se perfeitamente coerentes e economicamente muito mais produtivas. So atividades capilares que se ajustam bem a sistemas de financiamento em rede.

    A lgica do financiamento precisa ser deslocada. Fazer movimentaes plane-trias com papis financeiros ou especulao com commodities e mercado de futuros pode dar dinheiro para os intermedirios, mas para que haja investi-mento produtivo, aumento de empregos e riqueza, preciso identificar bons projetos, conhecer quem vai investir e ter familiaridade com o contexto eco-nmico local. Se for um bom projeto, render lucros e permitir pagar os juros. Isso exige proximidade, sistemas descentralizados, capacidade de avaliao e seguimento efetivos. bem mais trabalhoso. E, sobretudo, no funciona a par-tir de remotos escritrios transnacionais. O crdito como fomento gera novas riquezas. A especulao financeira, por sua vez, apenas faz a riqueza existente mudar de mos e, quase sempre, para cima1.

    Para quem faltou aula de economia, um dado bsico: a intermediao financeira uma atividade meio. No alimenta nem veste ningum. Mas se agregar as nossas poupanas para financiar uma fbrica de sapatos, por exemplo, e com isso gerar investimento, produo e empregos, est plena-mente justificada. Os lucros da fbrica permitiro a remunerao da ini-ciativa, a modesta remunerao da nossa poupana e o lucro financeiro do intermedirio, alm de, evidentemente, aumentar a oferta de sapatos. Mas tudo est nos montantes: o financiamento devidamente regulado capitaliza as atividades econmicas; a agiotagem as descapitaliza.

    Quando se facilita a compra a prazo, e o juro elevado, por exemplo, a 102%, como o praticado para pessoa fsica, as pessoas iro comprar com uma prestao que cabe no bolso, porque so pobres ou no entendem de juros; mas no conjunto, apenas a metade do dinheiro que gastam ir para pagar o produtor, por exemplo, de uma geladeira, enquanto a outra metade servir

    1 Distinguir claramente aplicao financeira de investimento produtivo ajuda a entender as diferen-as. Os bancos gostam de chamar tudo de investimento, o que dificulta a compreenso. Em francs, h placements e investissements. O ingls tem apenas a palavra investments, o que tambm confunde. O The Economist, por vezes, utiliza o conceito de speculative investments para distinguir o que adqui-rir papis do que montar uma fbrica de sapatos. Mais papis no aumentam a riqueza da sociedade, pelo contrrio, geram crises.

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    para pagar juros. O consumidor poder comprar apenas a metade de sua capa-cidade de compra real, e o produtor receber muito pouco pela geladeira que produziu. O intermedirio ganhar a metade de todo o valor, sem ter produzi-do nada. Isso se chama economia do pedgio.

    O caso dos cartes de crdito deixa isso bem claro. Nota de Lucianne Carneiro em O Globo Economia compara o juro mdio sobre carto de crdito no Brasil, de 238% ao ano, com os 16,89% nos EUA e 18,7% no Reino Unido. No h como explicar uma diferena dessas com mecanismos de mercado. agio-tagem mesmo. O resultado uma sangria absurda da capacidade de compra1. Ao fazer todos os que entram nesse tipo de crdito pagarem muito mais pelos produtos, gera-se um impacto forte sobre os preos finais. E nos dizem, tran-quilamente, que juros altos nos protegem da inflao. O resultado final so dificuldades para o consumidor e para o produtor, e lucros exorbitantes para os intermedirios. Os dados da ANEFAC so claros2:

    Linha de Crdito

    Julho de 2012 Agosto de 2012 Variao

    Tx. Ms Tx. Ano Tx. Ms Tx. Ano % Pontos

    Juros comrcio 4,65% 72,53% 4,55% 70,56% -2,15% -0,10

    Carto de crdito 10,69% 238,30% 10,69% 238,30%

    Cheque especial 8,07% 153,78% 8,05% 153,22% -0,25% -0,02

    CDC bancos financiamento de automveis

    1,80% 23,87% 1,70% 22,42% -5,56% -0,10

    Emprstimo pessoal bancos

    3,57% 52,34% 3,45% 50,23% -3,36% -0,12

    Emprstimo pes-soal financeiras

    7,92% 149,59% 7,67% 142,74% -3,16% -0,25

    Taxa Mdia 6,12% 103,97% 6,02% 101,68% -1,63% -0,10

    TABELA 1: Taxa de juros para pessoas fsica. / Fonte: ANEFAC

    1 Lucianne Carneiro, O Globo Economia, 19/09/2012, http://oglobo.globo.com/economia/juro-do-cartao -de-credito-no-brasil-de-238-ao-ano-maior-entre-9-paises-6142607.

    2 ANEFAC, Pesquisa de Juros, setembro de 2012 - A monstruosidade dessas taxas levou a que os inter-medirios financeiros passassem a apresentar os juros sob forma mensal. No caso, os 101,68% so apre-sentados como 6,02% ao ms, e os 50,06% como 3,44% tambm ao ms. Tecnicamente no errado, mas permite disfarar o carter composto dos juros, o que, na prtica, engana as pessoas. Ningum en-tende de matemtica financeira. uma forma eficiente de reduzir transparncia. Disponvel em: http://www.anefac.com.br/pesquisajuros/2012/pesquisa_agosto_2012.pdf. A ANEFAC, Associao Nacional de Executivos de Finanas, Aturias e Contbeis, no tem nada de subversivo.

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    Linha de Crdito

    Julho de 2012 Agosto de 2012 Variao Percentual

    Tx. Ms Tx. Ano Tx. Ms Tx. Ano % Pontos

    Capital de giro 1,92% 25,64% 1,84% 24,46% -4,17% -0,08

    Desconto de duplicatas

    2,62% 36,39% 2,46% 33,86% -6,11% -0,16

    Conta garantida 6,04% 102,13% 6,02% 101,68% -0,33% -0,02

    Taxa Mdia 3,53% 51,63% 3,44% 50,06% -2,55% -0,09

    TABELA 2: Taxa de juros para pessoa jurdica. / Fonte: ANEFAC

    Lucros financeiros como os do Ita em 2011, 14,5 bilhes de reais, constituem custos pagos pela sociedade sob forma de consumo retra-do por parte do consumidor e de lucro menor (quando no quebra) por parte do produtor. A intermediao financeira necessria, mas quando se usa o oligoplio para fixar juros estratosfricos, o interme-dirio vira atravessador. Em vez de fomentar, cobra pedgio. Em vez de gerar efeitos multiplicadores, trava a economia ao punir o produtor e o consumidor. Os grupos internacionais, por sua vez, tm vantagens e buscaro dinheiro no exterior atravs das suas matrizes com custos muito menores, inclusive para comprar empresas nacionais. Para o par-que produtivo nacional, desastroso.

    No conjunto, trata-se de um desvio de dinheiro da economia real por uma via institucional ilegal, que a dominao dos mercados, elimi-nao da concorrncia e aumento arbitrrio dos lucros, prticas que a Constituio condena em termos inequvocos. Frente aos nmeros, h alguma dvida quanto ilegalidade? No h notcias de julgamento a esse respeito, mas muitas denncias no Procon, Idec e outras institui-es, e milhes de pessoas se debatendo em dificuldades. O Serasa, hoje empresa multinacional, guardio da moralidade financeira, decreta quais brasileiros passam a ter o nome sujo, ou seja, pune quem no consegue pagar 238%, mas no quem os cobra.

    O que estamos sugerindo aqui que h uma nova teoria econmica em construo, sem que talvez nos apercebamos disso em razo de estarmos ocupados em refutar os marginalistas ou a lei das vantagens comparadas de Ricardo. No se trata de uma dinmica socialmente caridosa e economica-mente marginal. um espao importante a ser ocupado. No precisamos

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    esperar um governo que nos agrade para tirar o nosso dinheiro do banco e aplicar as nossas poupanas em coisas teis. O resgate do controle das nossas poupanas emerge como eixo estruturador das dinmicas sociais, e o direito de controlarmos o nosso prprio dinheiro e de exigirmos prestao de contas na rea perfeitamente democrtico1.

    1 Sobre as novas vises que emergem, ver artigo de Ignacy Sachs, Carlos Lopes e Ladislau Dowbor. (2010). Crises e oportunidades em tempos de mudana. Disponvel em: http://dowbor.org/09fsmt7por-tuguespositionpaperldfinal(2).doc; para as opes brasileiras, ver Brasil: um outro patamar. Disponvel em: http://dowbor.org/2010/07/brasil-um-outro-patamar-julho.html/.

  • Aqui constroem barracas como se fossem de feira para

    aguentar o sol quente. Aqui as injustias esto presentes nas

    ruas, na ausncia de esgotos, na falta de um planejamento

    urbano e da presena do estado. O que resume bem esta

    condio foi a fala: Vocs no tem medo de vir aqui? Aqui ningum de fora vem, um cano de esgoto estourou faz mais de 15 dias e a empresa no vem pois tem medo de chegar aqui. Acostumados com as desigualdades se surpreendem e toda a justia que nos deparamos vem daqueles que

    moram e que sofrem juntos, buscando solues como

    pontes de madeira sobre o crrego ou ainda acolhendo

    os estrangeiros. No teve um dia, uma rua, ou uma casa,

    que no tenham oferecido gua gelada ou um cafezinho.

    Carolina Teixeira Nakagawa Cientista social e supervisora de campo

  • A poltica pblica de economia solidria, num pas como o Brasil, enfrenta diversos desafios. Estes provm, em grande parte, da pobreza do pblico en-gajado na construo de uma outra economia que se caracteriza pela posse coletiva dos meios de produo pelos trabalhadores, pela autogesto prati-cada de acordo com regras democrti-cas pelos mesmos trabalhadores e pela repartio justa entre os scios, ao ver da maioria destes, dos ganhos obtidos graas ao trabalho de todos. Um destes desafios a dificuldade de acesso a financiamento que decorre do vis das en-tidades financeiras convencionais a favor de solicitantes de crdito que podem oferecer garantias reais e que, alm disso, tm posses e currculo que inspiram a confiana de que provavelmente seus planos de negcios sero coroados de xito. Os bancos comerciais privados em geral exigem um depsito prvio sig-nificativo s para abrir uma conta a um novo cliente, o que basta para evitar que gente de baixa renda possa se candidatar a emprstimos.

    Outro desafio levar os praticantes da economia solidria a desenvolver laos de confiana mtua e disposio de dar e receber ajuda recproca depois de vi-ver em ambientes que, desde os bancos escolares, os condicionam a concorrer com todos que partilham da mesma atividade, sem poupar esforos para supe-rar os concorrentes de modo a serem considerados ganhadores e em nenhum caso perdedores. A economia solidria tem esse nome porque acolhe os que o destino fez perdedores e porque sabe que a unio dos oprimidos condio primordial para que eles possam se emancipar da opresso e da pobreza.

    O banco comunitrio tornou-se importante instrumento de pol-tica pblica da economia solidria porque constri entidades que levam a superar ambos os desafios. A finalidade do banco comuni-trio no maximizar seu lucro, como fazem os bancos capitalis-tas, mas fomentar o desenvolvimento econmico da comunidade que o criou e o utiliza.

    O banco comunitrio de desenvolvimento como poltica pblica de economia solidria

    Paul Singer

    Economista e professor aposentado da FEA/USP. Atualmente, Secretrio

    Nacional de Economia Solidria.

  • Banco Palmas 15 anos

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    Esse contraste fcil de entender ao se considerar a propriedade de um e de outro. O banco privado propriedade de capitalistas que investiram em seu capital inicial e de outros acionistas que adquiriram suas parcelas mais tarde, ambos tendo como objetivo nico o retorno financeiro dos seus investimen-tos. Se esse retorno no for satisfatrio para alguns acionistas, eles podem facilmente vender suas aes nos leiles dirios da Bolsa de Valores. O Banco Comunitrio propriedade de moradores que vivem juntos no mesmo bairro ou na mesma localidade. Eles no so apenas donos, mas sobretudo usurios do seu banco e, por isso, no tm interesse que o excedente ou a sobra seja mxima no fim do semestre ou ano, pois sabem que o custo dos servios do banco para os usurios a fonte das suas sobras.

    claro que interessa aos scios do banco comunitrio que suas sobras sejam positivas, pois essa condio para que ele possa expandir sua clientela e, portanto, atender mais e melhor aos membros da comunidade. Sendo os donos e usurios de seu banco, os scios tm como objetivo que sua comunidade se desenvolva economicamente e, para tanto, importa-lhes que o seu banco te-nha recursos suficientes para financiar novos projetos de economia solidria e a expanso dos que j funcionam.

    Comunidades urbanas pobres quase sempre tm uma parte de seus moradores sem trabalho, seja porque eles tm dificuldades em arranjar empregos prximos de suas moradias seja porque no possuem as habilidades profissionais requeri-das. Esse freqentemente o caso de jovens que deixam de estudar para traba-lhar e ganhar, e enfrentam grandes dificuldades em conseguir emprego porque os empregadores no querem trein-los com medo de que - to logo se tornem competentes - eles sejam atrados pelos concorrentes. notrio que em prati-camente todos os pases o desemprego entre os jovens em mdia o dobro do desemprego de toda populao ativa.

    Os bancos comunitrios, sendo o Banco Palmas o primeiro e, por isso emblem-tico, promovem em geral o treinamento profissional de seus associados, no com o propsito de torn-los mais competitivos na disputa de empregos assalariados, mas para que possam juntos criar empreendimentos de economia solidria e, dessa forma, alcanar o ganho pecunirio almejado sem ter de se submeter subordinao do emprego assalariado que, alm do mais, tende a ser precrio, pois pode ser perdido to logo o empregado deixe de ser do ponto de vista do empregador ou de quem o represente gerador de lucro satisfatrio.

    A pesquisa do NESOL com os clientes do Banco Palmas, descrita neste livro sob o ttulo Banco Palmas: resultados para o desenvolvimento comunitrio e

  • Reflexes sobre a prtica

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    a incluso financeira e bancria, revelou que seus empreendimentos em con-junto tinham 288 trabalhadores associados, dos quais 83 haviam-se associado no ltimo ano. Isso significa que os empreendimentos de economia solidria no Grande Jangurussu ampliaram em cerca de 29% o total de seus scios trabalha-dores em um ano. Essa expanso do nmero de membros da economia solidria notvel, comprovando que a ao do Banco Palmas tem alta eficcia na pro-moo do desenvolvimento de suas comunidades.

    Essa elevada eficcia nas aes em prol do desenvolvimento econmico das co-munidades deve ser atribuda em boa parte emisso da moeda social, o Palmas. O Banco Palmas no somente criou a moeda, mas conseguiu que ela fosse aceita como dinheiro sonante pelo comrcio do Conjunto Palmeiras e pelas comunida-des vizinhas, que oferecem desconto no preo das mercadorias quando a compra paga em Palmas. Esse acordo fez com que um volume acrescido de compras dos moradores tenha se concentrado nas lojas, mercearias, quitandas etc. no Grande Jangurussu, beneficiando no s o comrcio, mas tambm as unidades de produo l estabelecidas.

    Cumpre notar que o uso generalizado de moedas sociais um dos principais motivos do apoio aos Bancos Comunitrios dado pela Secretaria Nacional de Economia Solidria. que essa ao, combinada oferta de crdito para a pro-moo de atividades econmicas em reas empobrecidas cumpre a importante funo de descentralizar a produo, o trabalho e a distribuio no territrio, que a concorrncia entre capitais tende a concentrar nos assim chamados polos de de-senvolvimento. A concentrao espacial das fontes de ganhos de trabalhadores e empresrios uma das responsveis pela crescente desigualdade de oportunidades de estudo e instruo, de emprego e de trabalho autnomo entre moradores mais bem aquinhoados que residem nas reas mais prsperas e os demais moradores forados pela baixa renda a residir nas reas carentes de desenvolvimento.

    Cumpre tratar ainda da grande diversidade de outros servios que o Banco Palmas oferece populao que mora na vizinhana. Um dos mais interessantes o Curso de Consultoras Comunitrias (com 300 horas-aula) para 26 mulheres beneficirias do Bolsa Famlia, que so gestoras do Projeto ELAS, lanado em maro de 2011 pelo Instituto Palmas para o atendimento a mes de famlia beneficirias do Bolsa Famlia. Em um ano, o Projeto ELAS atendeu atravs do Banco Palmas a 3.100 mulheres do Grande Jangurussu com crdito, educao profissional e financeira, co-mercializao e formao cidad, organizao de grupos setoriais de produo - con-feco e culinria -, elevao da auto-estima, conhecimento da cidade, entre outros.

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    A ao do Banco Palmas se estende cada vez mais alm da sua localizao ori-ginal. A tecnologia do Banco Comunitrio data de 1998. O Instituto Palmas de Desenvolvimento e Socioeconomia solidria uma Oscip de Microcrdito, fundada pela Associao dos Moradores do Conjunto Palmas ASMOCONP em 2003, tendo como objetivos difundir a tecnologia do Banco Palmas e apoiar a criao de outros Bancos Comunitrios no Brasil e em outros pases, integrando-os em rede.

    Em 2005, a Secretaria Nacional de Economia Solidria firmou uma parceria com o Instituto Palmas, passando a apoiar suas diversificadas atividades. Hoje, h mais de 80 bancos comunitrios em 17 estados, e diversos outros esto para ser inaugurados proximamente. Em maro de 2009, o Instituto Palmas lanou na Assemblia Legislativa do Cear a Jornada pela Democracia Econmica. Foi ve-rificado que dos 116 bairros de Fortaleza, apenas 27% deles, localizados em zonas nobres, dispunham de agncias bancrias.

    Com o objetivo de democratizar o acesso a servios bancrios para a populao da periferia de Fortaleza com mobilizao das associaes locais, o projeto Banco da Periferia buscar promover o desenvolvimento de bairros e favelas. O Banco da Periferia ir funcionar atravs de 40 bancos comunitrios em rede e atender a 120.000 famlias por ms, principalmente as do Bolsa Famlia e as do Cadnico.

    De janeiro a maio de 2012, o Banco Palmas atendeu a 5.000 famlias mediante ser-vios de correspondente bancrio, crdito, microsseguro, pagamento por celular, abertura de contas, feiras solidrias e formao.

    O fundo de crdito dos 40 bancos comunitrios assegurado pelo Instituto Palmas com recursos do BNDES. Para os primeiros 4 anos, o Banco da Periferia neces-sitar de 8 milhes de reais para implantao, administrao, custo operacional, pessoal, comunicao e assessoria tcnica.

    A economia dos clientes do Banco Palmas pode ser vista genericamente como correspondente economia popular: 52% deles tm negcio prprio, dos quais 95,2% esto localizados no bairro. Trata-se de pequenos negcios dedicados ao comrcio de alimentos, roupas, cacarecos, motoqueiros que entregam bujo de gs na garupa do veculo. Outros prestam servios de tratamento de cabelos ou unhas, conserto de roupas, de computador. Trata-se de empreendimentos informais, e o trabalho muitas vezes feito no prprio domiclio, pelo prprio dono que, s vezes, auxiliado por membros da famlia.

    So pessoas pobres, carentes de capital e que tm por objetivo a manuteno da vida. o que os marxistas denominavam pequena burguesia, na verdade um setor da classe trabalhadora. Dada sua fragilidade econmica, a condio para que possam alcanar

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    algum desenvolvimento organizarem-se em associao ou cooperativa que lhes permita desenvolver a ajuda mtua que possibilite ganhos de escala principalmente em suas relaes com o mercado, na compra de insumos e na venda dos produtos e servios. A sua pobreza fica documentada pelas retiradas mensais dos clientes do correspondente bancrio: 39,89% ganham de 100 a 200 reais; 55,57% ganham de 201 a 1.000 reais; e 16,67% ganham mais de 1.000 reais.

    Com a implantao do Banco da Periferia, sob a forma de uma rede de 40 ban-cos comunitrios que dispe de fundos de crdito fornecidos pelo BNDES, muito provvel que o Plano Brasil sem Misria realize a incluso produtiva planejada em Fortaleza. A injeo de 8 milhes de reais pode provocar uma significativa multi-plicao de postos de trabalho na periferia da metrpole mesmo que, inicialmente, com remuneraes modestas. rede de 40 bancos comunitrias poder correspon-der uma rede ainda maior de cooperativas de pequenos comerciantes e pequenos prestadores de servios. Se quase 40% deles esto na pobreza pois sua retirada men-sal no alcana meio salrio mnimo, um mnimo de sinergia entre a Jornada pela Democracia Econmica e o efeito cumulativo da injeo de crdito de 8 milhes de reais deve resultar no resgate de milhares de famlias da extrema pobreza. E o mais notvel nessa transformao social e econmica que ela ter sido construda pelo esforo conjugado de seus protagonistas, os primeiros beneficirios, mas com toda probabilidade, no os nicos e nem os ltimos. Se a extrema pobreza fruto da ociosidade involuntria de milhes de mulheres e de jovens como tudo indica, co-mum em nossas periferias metropolitanas, de se esperar que um primeiro impulso em grande escala sirva de exemplo e de inspirao em outras metrpoles brasileiras.

    Por isso o banco comunitrio de desenvolvimento mais do que uma nova tec-nologia social, embora seja isso tambm. Ele , sem dvida, uma poltica pblica que vem em boa hora, pois em muitos lugares do mundo renasce a esperana de que a economia solidria se revele como um meio eficaz de superar a crise que a hegemonia do capital financeiro no deixa de agravar na periferia europia. Neste momento, polticas de economia solidria esto sendo inauguradas em todos os continentes, com destaque para os governos do Brasil, de Quebec, da Frana, da Venezuela, da Bolvia, do Equador e de Cuba. um momento em que a ousadia promete resultados auspiciosos. Os 15 anos de histria do Banco Palmas so a comprovao de que o Brasil e a Venezuela1 oferecem as provas mais que convin-centes de que possvel e no h por que hesitar.

    1 J existem mais de 3 mil bancos comunitrios na Venezuela que contribuem para que esse pas seja o menos desigual da Amrica Latina.

  • Perdida em uma comunidade nos arredores do Conjunto

    Palmeira chego num lugarejo bem escondido, rua de terra,

    esgoto correndo a cu aberto, casas simples Logo sou

    notada por ser, visivelmente, estranha ao lugar. A vizinhana

    se mobiliza para me ajudar a achar a casa procurada. De

    repente, uma pergunta mgica me vem a cabea: - Voc

    conhece uma mulher que cliente do Banco Palmas aqui

    nesta rua? A resposta vem de pronto: Conheo sim, mora ali naquela casa, ela sempre me fala do Banco e eu estou querendo ir l tambm Vou ao lugar indicado o porto feito com tapumes de

    madeira se abre e um rosto feliz me recebe e mostra o seu

    nico cmodo de alvenaria construdo com as prprias

    mos com material comprado com recursos de um

    emprstimo no banco. Novos emprstimos esto nos planos

    para a construo de outros cmodos, ele me revela

    Mariana Giroto Cientista social e pesquisadora

  • A importncia dos bancos comunitrios para a incluso financeira1

    Introduo

    No Brasil, em busca de um modelo mais sustentvel de desenvolvimento e de erradicao da pobreza extrema, o governo federal tem apoiado diversas ini-ciativas da economia solidria2, fundamentadas no direito de produzir e viver em cooperao de maneira sustentvel (CONFERNCIA NACIONAL DE ECONOMIA SOLIDRIA, 2010), entre as quais, encontram-se as fi-nanas solidrias com base em bancos comunitrios, que so instituies que assumem um destacado papel de pro-motor do desenvolvimento local, do empoderamento e da organizao comunitria, ao articular simultaneamen-te produo, comercializao, financiamento e capacitao da comunidade local (MELO, 2008: 01).

    A experincia pioneira da Rede Brasileira de Bancos Comunitrios originou-se com a implantao, em 1998, do Instituto Banco Palmas pela Associao de Moradores do Conjunto Palmeira ASMOCONP em um bairro do municpio de Fortaleza, estado do Cear. Aps 15 anos de sua fundao, o Banco Comunitrio Palmas, os demais bancos comunitrios e as outras ins-tituies de finanas solidrias tm muito a comemorar, afinal, a partir de 2003, a metodologia das finanas solidrias com base em bancos co-munitrios comeou a ser discutida em diversos municpios por ter sido considerada um instrumento voltado gerao de renda e ao desenvolvimento territorial local com efetiva participao popular.

    1 Este artigo incorpora extratos de texto contidos em estudo anterior da autora. Ver: Freire, Marusa (2011). Moedas Sociais: Contributo em prol de um marco legal e regulatrio para as moedas sociais circulantes locais no Brasil.

    2 A palavra solidria utilizada neste trabalho como adjetivo tanto de economia como de finanas designa as qualidades de prticas e instituies econmicas e financeiras que marcam sua orientao na promoo de valores locais da comuni-dade em que se inserem.

    Marusa Vasconcelos Freire Doutora em Direito pela Faculdade

    de Direito da UnB e Procuradora do Banco Central do Brasil desde 1994.

    A importncia dos bancos comunitrios para a incluso financeira1

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    Posteriormente, tornou-se objeto de polticas pblicas de Economia Solidria, nos trs nveis de governo, orientadas para a incluso financeira em comuni-dades com baixo ndice de desenvolvimento humano IDH.

    Com efeito, em 2008, a Ao Nacional de Fomento s Finanas Solidrias com Base em Bancos Comunitrios e Fundos Solidrios passou a ser uma atividade prevista no Anexo I da Lei 11.653, de 7 de abril de 2008, que dispe sobre o Plano Plurianual (PPA) 2008-2011 do governo federal no mbito do Programa Economia Solidria em Desenvolvimento (MINISTRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 2011) e, atualmente, a partir de aes e programas contidos no PPA 2012-2015, o governo federal estabeleceu a meta de incluir pelo menos mais 200 comunidades nas finanas solidrias durante o perodo em refern-cia, como se pode verificar no Anexo I da Lei 12.593, de 18 de janeiro de 2012.

    Este artigo, aps contextualizar rapidamente o esforo da sociedade brasileira em promover a incluso financeira do Brasil nos ltimos vinte anos, examina a importncia dos bancos comunitrios nesse contexto, ao discorrer sobre as variadas funes que podem ser desempenhadas e articuladas por essas or-ganizaes, ao afirmarem-se como instituies facilitadoras da concretizao da importante meta do governo federal de incluir comunidades nas finanas solidrias, parte de um projeto mais sustentvel de desenvolvimento e de erra-dicao da pobreza extrema no Pas.

    1. O esforo da sociedade brasileira para promover a incluso financeira

    Nos ltimos vinte anos, tem havido um esforo da sociedade brasileira, do governo federal e de diversas instituies financeiras e no financeiras para a construo de um ambiente institucional e de instrumentos legais que promo-vam o microcrdito, as microfinanas e a incluso financeira no Brasil. Com esse objetivo, desde 1992, o Banco Central do Brasil BCB tem participado ativamente de debates sobre o tema e, a partir de 1999, intensificou seus es-tudos e esforos na ampliao da oferta de produtos e servios financeiros para as camadas mais carentes da populao brasileira e na viabilizao do atendimento ao pblico que no desperta o interesse dos bancos tradicionais (SOARES; DUARTE DE MELO, 2008).

    Inicialmente, o Banco Central atuou em harmonia com o Conselho da Comunidade Solidria na adoo de medidas que visavam expanso do programa de microcrdito no Brasil. Posteriormente, a instituio passou a

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    examinar e avaliar as experincias com microcrdito e microfinanas em ou-tros pases, principalmente latino-americanos, para melhor entender o mer-cado de servios financeiros direcionados s populaes com baixo ndice de desenvolvimento humano IDH e aprofundar o conhecimento sobre as mais importantes inovaes nacionais e internacionais na rea de microfi-nanas e sobre as melhores prticas em termos de regulao e superviso das microfinanas para a promoo da incluso financeira no Pas (SOARES; DUARTE DE MELO, 2008).

    Para divulgar as polticas de incluso financeira e avaliar os reflexos das medidas de ajuste regulamentar que interagem com a sociedade e com o p-blico usurio, o Banco Central do Brasil (BCB), em parceria com o Servio de Apoio s Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), passou a realizar um conjunto de eventos, iniciado com o I Seminrio Nacional do Banco Central sobre Microfinanas, ocorrido em Recife, em setembro de 2002. Outros sete seminrios nacionais foram realizados nos anos seguintes (Curitiba em 2003; Fortaleza em 2004; Salvador em 2005; Recife em 2006; Porto Alegre em 2007 e Belo Horizonte em 2008), alm de dois seminrios internacionais so-bre regulao e superviso das microfinanas (Salvador em 2005 e Recife em 2006). Mais recentemente, foram realizados quatro fruns Banco Central sobre incluso financeira (Salvador em 2009; Braslia em 2010 e 2011; Porto Alegre em 2012).

    Nesses seminrios e eventos procurou-se mostrar aos interessados, por interm-dio da troca de experincias e da discusso dos diversos aspectos envolvidos, que a atividade de microfinanas no Brasil pode ser uma opo vivel para in-vestidores e outros provedores de capital e tambm uma importante ferramenta de incluso financeira, ao permitir o acesso das populaes com baixo IDH a produtos e servios financeiros em um formato a elas adequado. Com essa viso, outros temas relacionados s microfinanas, tais como as remessas de recursos, os arranjos eletrnicos de pagamentos, os microsseguros, as finanas solidrias com base em fundos rotativos e bancos comunitrios e as moedas sociais cir-culantes locais utilizadas por iniciativas coletivas estimuladas pela Secretaria Nacional de Economia Solidria SENAES foram incorporados discusso1.

    1 Nesse sentido, registra-se que o Banco Central do Brasil (BCB), em 2007, conforme o Voto BCB 109/2007, aprovou um projeto de pesquisa para conhecer e avaliar as possibilidades, limitaes e potencialidade das moedas sociais emitidas pelos bancos comunitrios e, em 2008, firmou acordo de cooperao tcnica com a SENAES. Em 2009, o Projeto Moedas Sociais foi incorporado ao Projeto Incluso Financeira I na forma do Voto BCB 400/2009.

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    Como resultado dos estudos e debates ocorridos nesses encontros e em ou-tras ocasies, foram criados vrios mecanismos indutores da bancarizao e da incluso financeira (e.g. abertura de contas simplificadas e direciona-mento de depsitos vista). O Conselho Monetrio Nacional CMN e o BCB, seguindo diretrizes da poltica governamental, adotaram diversas medidas legais e regulamentares relacionadas ao cooperativismo de crdi-to, aos correspondentes das instituies bancrias e remessa de recursos, sem deixar de lado a regulao das entidades especializadas em crdito ao consumidor (financeiras), alm de outras providncias relacionadas ao financiamento habitacional e s administradoras de consrcio, bem como aos cartes de pagamentos.

    Apesar desse esforo da sociedade brasileira para promover a incluso fi-nanceira nos ltimos vinte anos, aliado a debates sobre o assunto, edio de medidas legais regulamentares e aperfeioamento das atividades na inds-tria de microfinanas, a expanso do setor para alm da simples oferta de crdito continua a constituir um dos maiores desafios para a ampliao da oferta de servios e produtos financeiros adequados s necessidades da po-pulao brasileira situada na base da pirmide financeira, especialmente em comunidades com baixo ndice de desenvolvimento humano IDH. nesse contexto que deve ser discutida a importncia dos bancos comunitrios para a incluso financeira no Brasil.

    De fato, adicionalmente s instituies que so regulamentadas e supervi-sionadas pelo Banco Central do Brasil e possuem programas especficos de microcrdito, a indstria de microfinanas no Brasil tambm composta por outros operadores especializados que no so regulamentados nem su-pervisionados pelo Banco Central: as organizaes no governamentais ONGs e as Organizaes da Sociedade Civil de Interesse Pblico OSCIPs especializadas em microcrdito, ambas constitudas sob a forma de associaes civis sem fins lucrativos; os fundos pblicos institucionais, estaduais ou municipais, tambm conhecidos como banco do povo; e os fundos rotativos solidrios.

    Os bancos comunitrios incluem-se nessa categoria de instituies sem fins lucrativos, que no so regulamentadas nem supervisionadas pelo Banco Central do Brasil, mas que tambm estiveram presentes em vrios dos semi-nrios e fruns promovidos pelo BCB em parceria com o SEBRAE, por ofe-recerem produtos e servios no segmento das microfinanas em regies com

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    baixo IDH e por serem reconhecidos como importantes atores na estratgia do governo federal em incluir comunidades nas finanas solidrias para atender populao que ainda fica fora e margem do sistema financeiro formal.

    2. As finanas solidrias com base em bancos comunitrios

    A rea de finanas solidrias ampla e diversificada, compreendendo va-riadas prticas orientadas para a promoo de valores locais da comunidade em que se inserem. Seu principal objetivo assegurar o acesso aos servios financeiros de forma democrtica, tica e solidria, priorizando os excludos do sistema bancrio e fortalecendo o trabalho humano e o capital social. A caracterstica comum das experincias de finanas solidrias que elas derivam de sistemas de reciprocidade e de ajuda mtua que reatam e forta-lecem os laos comunitrios de proximidade e, em geral, so acompanhadas por atividades complementares de formao, capacitao e sensibilizao, fundamentadas em relaes de confiana e com foco na valorizao do ser humano (FAUSTINO, 2010).

    Os bancos comunitrios so instituies organizadas sob a forma de as-sociao civil sem fins lucrativos que disponibilizam produtos e servios financeiros e no financeiros voltados para o apoio ao desenvolvimento das economias populares em bairros e municpios com baixo IDH, poden-do realizar parcerias com entidades pblicas e privadas para alcanar seus objetivos sociais. Incluir comunidades nas finanas solidrias e promover a experimentao no lucrativa de novos modelos socioprodutivos e de sis-temas alternativos de produo, comrcio e crdito, legalmente autorizados pela Lei 9.790, de 23 de maro de 1990, , portanto, a principal misso dos bancos comunitrios.

    A importncia dos bancos comunitrios pode ser mais bem compreendida quando se examinam as diversas funes que podem ser desempenhadas por essas instituies para atenuar algumas falhas de mercado decorrentes da existncia de certo conflito entre os objetivos da regulamentao prudencial, destinada a melhorar a segurana e solidez do sistema financeiro, e os ob-jetivos das polticas pblicas direcionadas incluso das pessoas no processo produtivo e na repartio da renda monetria. Essas falhas de mercado foram observadas por Joseph Stligtiz e Bruce Greenwald (2004) da seguinte forma:

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    Existem, de fato, vrios outros objetivos de poltica regulatria direcionados a outras falhas do mercado: (a) a concorrncia, em especial nos emprs-timos para pequenos e mdios negcios, , com frequncia, limitada, e a consolidao dos bancos, com a reduo associada da concorrncia, uma maneira de aumentar os lucros dos bancos; existe um papel importante para o governo na manuteno de um sistema bancrio competitivo; (b) os con-sumidores (tomadores de emprstimos) so, com frequncia, desinformados, e os emprestadores (bancos) muitas vezes tentam explorar essa limitao de informaes; o governo assumiu um papel muito importante na proteo do consumidor; e (c) h, geralmente, certos grupos na populao que parecem estar servidos insatisfatoriamente pelo mercado; isso pode ser resultante do estabelecimento de limites de segurana (red-lining) observamos anterior-mente que, quando h racionamento de crdito, alguns grupos podem ser completamente excludos do mercado; os bancos no emprestam queles para quem o retorno social o mais alto, mas queles de quem eles podem extrair os retornos mais altos, e pode haver uma discrepncia marcante en-tre os dois. Esta ltima preocupao deu origem, nos Estados Unidos, ao Community Reinvestment Act (CRA, 1995), que incentivava (pressionava) os bancos a emprestar mais nas regies interiores mais pobres das cidades (BRUCE GREENWALD, 2004).

    Em todo o mundo, especialmente nos Estados Unidos e na Europa, verifi-ca-se a emergncia de formas alternativas de crdito, moeda e comrcio (Z/YEN GROUP LTD, 2011) para atenuar os efeitos dessas falhas de mercado, associadas a novas formas de excluso que decorrem da regulamentao pru-dencial das instituies dedicadas intermediao financeira e explorao comercial do dinheiro e do crdito. Nesse sentido, Manuel Castells et al (2012) consideram at mesmo como fato irreversvel o desenvolvimento de um setor alternativo da economia que, embora no exclua necessariamente a atividade produtiva baseada no lucro, fundamenta-se num conjunto de valores comuni-trios sobre o significado da vida1.

    A realidade no diferente no Brasil. No programa temtico Desenvolvimento Regional, Territorial e Solidrio do PPA 2012-2015, o governo federal expressa-mente reconhece o surgimento

    de novas formas de excluso e precarizao do trabalho, em diferentes pontos do territrio brasileiro, com novas formas de organizao de ativi-dades econmicas com base na cooperao ativa entre trabalhadores em empreendimentos de sua propriedade coletiva ou entre produtores fami-liares ou individuais autnomos associados, que constituem os empreendi-mentos da Economia Solidria (PPA 2012-2015).

    1 Essas caractersticas so exploradas nos artigos publicados em Aftermath The Cultures of the Economic Crisis (2012).

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    No mbito desse programa temtico, as finanas solidrias com base em ban-cos comunitrios so importantes por enfrentarem as novas formas de ex-cluso, utilizando um conjunto de princpios, regras e atitudes que exigem a participao deliberativa das pessoas afetadas na estruturao, organizao, adaptaes ou reformas de instituies econmicas, e que preservam os va-lores comunitrios na sua gesto. Distintamente das organizaes creditcias que se orientam pela racionalidade econmica guiada pelo lucro, cuja regula-mentao prudencial agrava as falhas de mercado e exigem polticas pblicas de incluso financeira, os bancos comunitrios se orientam por uma raciona-lidade guiada pela rentabilidade social, contribuindo para a fundao de uma nova economia, ou de uma economia solidria.

    Por representarem legtimos interesses e valores das comunidades locais, os ban-cos comunitrios, para promoverem a reorganizao da produo, da comercia-lizao e do financiamento em comunidades com baixo IDH, podem assumir diversos papis, sujeitos a diferentes regras jurdicas, que articulam variados ob-jetivos direcionados incluso das pessoas no processo produtivo e na repartio da renda monetria, os quais sero mais bem detalhados a seguir.

    2.1. Desenvolver a experimentao sem fins lucrativos de novos modelos scio-produtivos e de sistemas alternativos de produ-o, comrcio, emprego e crdito

    Um dos mais importantes papis dos bancos comunitrios o de desenvolvedor da experimentao sem fins lucrativos de novos modelos scio-produtivos e de sistemas alternativos de produo, comrcio, emprego e crdito em comunida-des com baixo ndice de desenvolvimento humano - IDH. A experimentao, no lucrativa, de novos modelos socioprodutivos e de sistemas alternativos de produo, comrcio e crdito, por ser um dos objetivos autorizados para serem perseguidos por Organizaes da Sociedade Civil de Interesse Pblico OSCIPs conforme consta do inciso IX do art. 3 da Lei n 9.790, de 23 de maro de 1999, atividade legalmente reconhecida como de interesse pblico. Registra-se, entretanto, que, para desenvolver tal experimentao, no preciso que o banco comunitrio seja qualificado como OSCIP, j que o exerccio dessa rele-vante atividade, em princpio, pode preceder a qualificao.

    Como organizaes da sociedade civil sem fins lucrativos, os bancos comunitrios, embora pratiquem atos assemelhados aos de uma instituio financeira, no po-dem ser qualificados como instituies financeiras pelo simples fato de realizarem

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    operaes ativas concesso de emprstimos e financiamentos em programas e projetos destinados ao incremento de pequenos empreendimentos econmicos de base comunitria. Alm disso, no coletam recursos monetrios junto ao pblico e suas atividades no se caracterizam como atividade especulativa de intermediao (explorao comercial de dinheiro e crdito) nem representam uma intromisso organizada no mercado financeiro. Esses elementos so necessrios definio de instituio financeira de acordo com o entendimento consolidado na Procuradoria Geral do Banco Central h mais de 25 anos (FREIRE, 2011).

    Essa interpretao, de certo modo, foi a adotada pela Lei n 9.790, de 23 de maro de 1999, que no permite que seja concedida a qualificao de OSCIP s cooperativas e s organizaes creditcias que tenham qualquer tipo de vin-culao com o sistema financeiro nacional (Art. 2, incisos X e XIII). Desse modo, a experimentao, no lucrativa, de novos modelos socioprodutivos e de sistemas alternativos de produo, comrcio e crdito pelos bancos comu-nitrios no atividade regulamentada e fiscalizada pelo Banco Central. No cabe, portanto, a essa Autarquia manifestar-se sobre a legalidade das operaes desenvolvidas pelos bancos comunitrios ou por qualquer pessoa jurdica de di-reito privado sem fins lucrativos tal como definido pelo 1 do Art. 1 da Lei n 9.790, de 19991, sobretudo quando no estiverem presentes quaisquer indcios de ilegalidade ou, nomeadamente, do exerccio de atividades tpicas de instituies financeiras, no autorizadas para estas organizaes.

    No caso dos bancos comunitrios qualificados como OSCIP, a fiscalizao de suas atividades envolve o Ministrio da Justia, a quem cabe outorgar a qualificao, e deve ser realizada pelo Ministrio Pblico, pelos Tribunais de Contas, bem como por outras entidades pblicas que repassem recursos p-blicos por meio de Termos de Parceria ou que estejam envolvidas com as ati-vidades por elas desenvolvidas. Nesse sentido, o art. 11 da Lei n. 9.790, de 1999, prescreve que a execuo do objeto do Termo de Parceria firmado pelas entidades pblicas com as OSCIPs ser acompanhada e fiscalizada por rgo do Poder Pblico da rea de atuao correspondente atividade fomentada e pelos Conselhos de Polticas Pblicas das reas correspondentes de atuao existentes em cada nvel de governo.

    1 1o Para os efeitos desta Lei, considera-se sem fins lucrativos a pessoa jurdica de direito privado que no distribui, entre os seus scios ou associados, conselheiros, diretores, empregados ou doadores, eventuais excedentes operacionais, brutos ou lquidos, dividendos, bonificaes, participaes ou parcelas do seu patrimnio, auferidos mediante o exerccio de suas atividades, e que os aplica inte-gralmente na consecuo do respectivo objeto social.

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    Observa-se, entretanto, que a Lei n. 9.790, de 1999, como definido pelo 1 do Art. 1, no veda a realizao de acordos de cooperao tcnica e de parcerias entre as pessoas jurdicas de direito privado sem fins lucrativos, as quais podem ser qualificadas como OSCIP na forma do art. 3, e as entidades mencionadas no art. 2, que no podem ser qualificadas como OSCIP. Logo, no que se refere s formas de captao de recursos, os bancos comunitrios, alm de poder serem remunerados pela prestao de servios intermedirios de apoio a outras organi-zaes sem fins lucrativos e a rgos do setor pblico que atuem em reas afins, podem receber a doao de recursos fsicos, humanos e financeiros e podem realizar acordos de cooperao tcnica e de parcerias que tenham por finalidade a execuo direta de projetos, programas e planos de aes correlatas aos seus objetivos sociais, inclusive envolvendo a participao de quaisquer das entida-des mencionadas no art. 2. Especificamente no que se refere possibilidade de receberem recursos doados, destaca-se o incentivo fiscal, estendido pela Medida Provisria 2.158-35, de 24 de agosto de 20011, de deduo da apurao do lucro real das pessoas jurdicas que faam doaes s OSCIPs, qualificadas nos termos da legislao em vigor.

    A preocupao com os regimes de juros no est muito presente na experimen-tao no lucrativa de novos modelos socioprodutivos e de sistemas alternativos de produo, comrcio e crdito, pois, em geral, nesses modelos alternativos, no se cobram juros para a concesso de emprstimos, ou utilizado um sistema de juros negativos, ou, ainda, so cobrados juros bastante moderados, que, em geral, so menores do que os juros cobrados em sistema tradicionais de crdito. No entanto, h diferentes regimes de juros aplicveis espcie. Nesse sentido, verifica-se que a Lei da Usura, Decreto n 22.626, de 7 de abril de 1933, e a Medida Provisria n 2.172-32, de 23 de agosto de 2001, estabelecem dois re-gimes diferenciados de juros. O primeiro, um regime geral e limitado ao dobro dos juros legais, aplicvel a todas as organizaes que no so instituies finan-ceiras, inclusive a associaes civis sem fins lucrativos e a fundos pblicos ou privados destinados concesso de crdito por meios alternativos. E outro, um regime especial, que se aproxima do regime aplicvel s instituies financeiras para as entidades qualificadas como OSCIPs na forma da Lei n. 9.790, de 1999. Alm disso, h um regime especial estabelecido para as operaes realizadas no

    1 Art. 59. Podero, tambm, ser beneficirias de doaes, nos termos e condies estabelecidos pelo inciso III do 2o do art. 13 da Lei no 9.249, de 1995, as Organizaes da Sociedade Civil de Interesse Pblico - OSCIP qualificadas segundo as normas estabelecidas na Lei no 9.790, de 23 de maro de 1999.

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    mbito do Programa Nacional de Microcrdito Produtivo Orientado PNMPO , institudo pela Lei n. 11.1101, de 25 de abril de 2005, regulamentada pelo Decreto n. 5.288, de 29 de novembro de 2004.

    Juntas, essas disposies normativas constituem a fundao para o desenvol-vimento de uma grande variedade de programas que tenham por objetivo a experimentao no lucrativa de novos modelos socioprodutivos e de sistemas alternativos de produo, comrcio, emprego e crdito que podem ser desenvol-vidos pelos bancos comunitrios para promover a incluso financeira no Brasil.

    2.2. Emprestar queles para quem o retorno social o mais alto e no queles de quem se pode extrair o melhor retorno financeiro

    Ao desenvolver a experimentao no lucrativa de sistemas alternativos de crdito, os bancos comunitrios tambm assumem o papel de emprestador quelas pessoas que podem oferecer um retorno social mais alto e no que-les de quem se pode extrair o melhor retorno financeiro, como o fazem as organizaes creditcias vinculadas ao sistema financeiro nacional. Dessa ma-neira, os bancos comunitrios procuram favorecer, com emprstimos a taxas diferenciadas, os trabalhadores e trabalhadoras da comunidade que exercem atividades produtivas ou buscam concretizar ideias e projetos que podem gerar renda para a coletividade em que se inserem. Em geral, esses emprstimos so realizados a taxas mais baixas do que as usualmente praticadas diretamente pelos bancos e financeiras e, em algumas situaes, at mesmo menores do que as taxas de juros praticadas por instituies de microcrdito credencia-das no Programa Nacional de Microcrdito Produtivo Orientado PNMPO , institudo pela Lei n. 11.110, de 25 de abril de 2005, regulamentada pelo Decreto n. 5.288, 29 de novembro de 2004.

    Note-se que, nas comunidades com baixo ndice de desenvolvimento humano, uma das principais razes para a falta de crdito exatamente a dificuldade que tem uma pessoa de fora da comunidade em selecionar bons projetos e monitorar sua implantao nessas reas. Como resultado dessa dificuldade, ocorre o no financiamento de ideias e projetos que podem gerar renda para a economia local e para seus membros. Por sua vez, a falta de acesso ao cr-

    1 Nos termos do art. 1, 6 da Lei n. 11.110, de 2005, so instituies de microcrdito produtivo orientado as cooperativas singulares de crdito, as agncias de fomento, as sociedades de crdito ao microempreendedor e as Organizaes da Sociedade Civil de Interesse Pblico (OSCIP).

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    dito dificulta a melhora na qualidade de vida das comunidades carentes. E a no melhora da qualidade de vida dessas comunidades, atrapalha a criao das garantias necessrias para que as organizaes creditcias vinculadas ao sistema financeiro fiquem seguras do retorno de sua poupana emprestada. Essa situao retroalimenta a falta de crdito na economia local e perpetua o subdesenvolvimento das regies carentes, formando um crculo vicioso, em que a intermediao financeira no consegue reduzir as distores, j que o custo de monitoramento de projetos e emprstimos nessas regies muito alto e a falta de garantias materiais dificulta a segurana de quem empresta a essa parcela da populao. Assim, esse crculo vicioso contribui para que essas co-munidades continuem carentes (COSTA E SILVA, 2010).

    exatamente para quebrar esse crculo vicioso que so importantes os emprs-timos concedidos pelos bancos comunitrios para pessoas que podem oferec