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CAPTULOASSOCIAO BRASILEIRA DE GUAS SUBTERRNEAS | ABAS PROJETO FUNDO GUARANI DA CIDADANIA

Aqfero GuaraniEducao Ambiental para a sua preservao na regio do Planalto dos GuimaresOrganizadores: Renato Blat Migliorini | Uriel Duarte | Maria da Anunciao Pinheiro Barros Neta

ASSOCIAO BRASILEIRA DE GUAS SUBTERRNEAS | ABAS PROJETO FUNDO GUARANI DA CIDADANIA EDUCAO AMBIENTAL PARA A PRESERVAO DO AQFERO GUARANI NA REGIO DO PLANALTO DOS GUIMARES

ELABORAO E COORDENAO Prof. Dr. Renato Blat MiglioriniDepartamento de Geologia Geral Instituto de Cincias Exatas e da Terra da UFMT

Prof. Dr. Uriel DuarteDepartamento de Recursos Minerais e Hidrogeologia Instituto de Geocincias da USP

Profa. Dr. Maria da Anunciao Pinheiro Barros NetaDepartamento de Teoria e Fundamentos da Educao Instituto de Educao da UFMT

CONSULTORIA CIENTFICA Prof. Dr. Antnio Brandt VecchiatoDepartamento de Geologia Geral Instituto de Cincias Exatas e da Terra da UFMT

Prof. Dr. Prudncio Rodrigues de CastroDepartamento de Geologia Geral Instituto de Cincias Exatas e da Terra da UFMT

Ms. Lilian Ftima de Moura ApoitiaSecretaria de Recursos Hdricos do Estado de Mato Grosso

REVISO Prof. Dr. Fernando Ximenes Tavares SalomoDepartamento de Geologia Geral Instituto de Cincias Exatas e da Terra da UFMT

BOLSISTAS DE INICIAO CIENTFICA Dener Vilela Barbosa | Marielli Wesz Vogado | Daniel vila Vecchiato

CAPTULO

CAPTULO

Introduo ....................................................................................................................... 7 1. Noes Sobre o Meio Ambiente .................................................................................. 11 Prof. Dr. Antnio Brandt Vecchiato 2. O Ciclo Hidrolgico. ................................................................................................... 22 Prof. Dr. Renato Blat Migliorini 3. Conceitos Bsicos Sobre Recursos Hdricos Subterrneos .......................................... 25 Prof. Dr. Renato Blat Migliorini 4. O Aqfero Guarani ................................................................................................... 31 Prof. Dr. Renato Blat Migliorini 5. Os Problemas do Uso Inadequado da gua e do Solo ................................................ 38 Prof. Dr. Antnio Brandt Vecchiato 6. O Aqfero Guarani no Estado de Mato Grosso .......................................................... 55 Prof. Dr. Prudncio Rodrigues de Castro 7. Impactos Ambientais e Riscos de Degradao do Aqfero Guarani na Regio do Planalto dos Guimares........................................... 62 Prof. Dr. Abtnio Brandt Vecchiato 8. Gerenciamento dos Recursos Hdricos ....................................................................... 71 Ms. Llian Ftima de Moura Apoitia Glossrio ....................................................................................................................... 75 Bibliografia.................................................................................................................... 77

CAPTULO INTRODUO

que lhe atribuam uma idia bsica, a saber, que a gua a origem de todas as coisas, isto , tudo o que existe no Universo provm da gua. A physis, ento, teria como nico princpio esse elemento natural, presente em tudo. O autor foi inspirado a conceber o mundo dessa forma, talvez, pela observao de que a gua de fundamental importncia para a manuteno da vida, pois morre aquilo a que falta alguma forma de gua. Alm disso, Tales de Mileto acreditava que a gua poderia transformar-se em outras coisas. Em resu-

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A palavra physis pode ser traduzida por Natureza, mas seu significado mais amplo. Levanta a questo da origem de todas as coisas que constituem a realidade, no aquela pronta e acabada, mas a que se encontra em movimento e transformao, a que nasce e se desenvolve.

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Surgiu no Ocidente, mais precisamente na Grcia do sculo VI a.C., uma nova maneira de pensar e de conceber o mundo. Essa nova maneira de pensar, racional e filosfica, considerada oposta ao pensamento mtico, que exprime na forma divina e celestial a origem pronta e acabada de todas as coisas que existem no cosmo, todo o conjunto de relaes, quer dos homens entre si, quer entre o homem e a Natureza. como se o homem tivesse se libertado das fantasias da mitologia, da histria fabulosa dos deuses e semideuses para se afirmar e se desenvolver racionalmente. Nessa poca, chamada de pr-socrtica ou cosmolgica, os filsofos se preocuparam em conhecer principalmente por que e como as coisas existem, o que o mundo e qual a origem, ordem e transformao da Natureza. Foi assim que apareceram nas colnias gregas da sia Menor, na cidade de Mileto, as primeiras manifestaes de um pensamento dotado de uma compreenso racional. Os filsofos acreditavam que a explicao do princpio ou causa do mundo possibilitava a explicao da origem e as transformaes dos seres humanos, pois rejeitavam a idia de que o mundo teria nascido do nada. Para tanto, eles partiam de realidades apreendidas na experincia humana cotidiana e buscavam explicar e compreender a possibilidade de um princpio nico (arkh, que tambm que dizer comando) capaz de nortear e ordenar todas as coisas do Universo em seus vrios e contraditrios aspectos (Pr-Socrticos, 1999). Nesse contexto, Tales de Mileto, que viveu no perodo compreendido entre o final do sculo VII e meados do sculo VI a.C., destaca-se como primeiro pensador fsico grego interessado em compreender o que a physis1, que apresenta tantas variaes. Do pensamento de Tales, s ficaram interpretaes formuladas por outros filsofos

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mo, ele entendia que o surgimento da gua manifesta um processo geolgico: tudo estaria, em princpio, encoberto pela gua, mas sua evaporao tornou possvel que as coisas aparecessem. Posteriormente, ao se resfriar, torna-se densa e d origem terra (no ao Planeta Terra). Ao se aquecer transforma-se em vapor e ar, que retornam como chuva quando novamente esfriados. Desse ciclo (vapor, chuva, rio, mar, terra) nascem as diversas formas de vida, vegetal e animal (Pr-Socrticos, 1999). De acordo com Chau (1995), no h dvida de que esse pensamento de Tales de Mileto depara-se com dificuldades de sustentao. O que so, por exemplo, o calor e o frio, de que depende o movimento da gua, se esta a origem nica de todas as coisas? A busca da arkh, isto , a busca de um princpio nico (neste caso, a gua) para explicao do Universo choca-se com outras foras que, por sua vez, precisam ser enquadradas em um princpio diferente. Essa dificuldade no exclusiva de Tales de Mileto. da prpria Filosofia, que se desenvolve tentando resolv-la. Se Tales aparece como iniciador da Filosofia, porque seu esforo em buscar o princpio nico da explicao do mundo, no s representa o ideal mesmo da Filosofia como tambm forneceu-lhe o impulso para desenvolver-se. Com efeito, a Filosofia continuou a desenvolver-se. Aps o perodo pr-socrtico ou cosmolgico, que acabamos de ver na Filosofia Antiga, tivemos a Filosofia Patrstica, a Filosofia Medieval, a Filosofia da Renascena, a Filosofia Moderna e a Filosofia Contempornea. Entretanto, para o que nos interessa neste trabalho, falaremos rapidamente sobre a Filosofia na Idade Moderna. A partir do nascimento das cincias no sculo XVII, os conhecimentos se dividiram em conhecimentos filosficos e conhecimentos cientficos. A atividade filosfica, segundo Chau (1995), capta a Filosofia como anlise (das condies da cincia, da religio, da arte, da moral) como reflexo (isto , volta da conscincia para si mesma para conhecer-se enquanto capacidade para o conhecimento, o sentimento e a ao) e como crtica (das iluses e dos preconceitos individuais e coletivos, das teorias e prticas cientficas, polticas e artsticas). Alm da anlise, reflexo e crtica, a Filosofia a busca do fundamento e do sentido da realidade em suas mltiplas formas indagando o que so, qual sua permanncia e qual a necessidade interna que as transforma em outras . A Filosofia, portanto, no cincia2. Ela apenas contribui com uma reflexo crtica sobre os conceito e metodologias cientficas. Cincias, no plural, refere-se s diferentes maneiras de realizao do ideal de cientificidade, segundo os diferentes fatos investigados e os diferentes mtodos e tecnologias empregados (Chau, 1995). Dentre as inmeras cincias existentes, interessa-nos mais de perto a Geologia, que a cincia que trata da origem, histria, vida e estrutura da terra em relao s rochas,

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A cincia um conjunto de conhecimentos socialmente adquiridos ou produzidos, historicamente acumulados, dotados de universalidade, objetividade que permitem sua transmisso, e estruturados com mtodos, teorias e linguagens prprias, que visam compreender e possa orientar a natureza e as atividades humanas.

CAPTULOincluindo as foras e processos que operam para modific-las. Interessa-nos, mais precisamente, o ramo da Hidrogeologia, que estuda o comportamento e a distribuio das guas subterrneas em diferentes tipos de rochas e formaes, e o aproveitamento das mesmas. No ramo da hidrogeologia, conhecido um dos maiores reservatrios de gua subterrnea do mundo, o Sistema Aqfero Guarani, formado no Mesozico, isto , com idade entre 200 e 130 milhes de anos atrs. Este aqfero est localizado nos territrios da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Para melhorar e ampliar o conhecimento deste aqfero, alm de subsidiar o gerenciamento e preservao do mesmo, foi criado o Projeto de Proteo e Desenvolvimento Sustentvel do Sistema Aqfero Guarani. Participam deste projeto os quatro pases referidos acima, no qual o Sistema Aqfero Guarani est situado, o Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), o Banco Mundial (BM), a Organizao de Estados Americanos (OEA), os Governos do Reino dos Pases Baixos e da Alemanha e a Agncia Internacional de Energia Atmica. O Conselho Superior de Direo do Projeto de Proteo e Desenvolvimento Sustentvel do Sistema Aqfero Guarani, atravs da resoluo N 4/2003, selecionou propostas de projetos mediante o Fundo Guarani da Cidadania, o qual, dentre outros trabalhos, escolheu o presente projeto, intitulado Educao ambiental para a gesto do Aqfero Guarani na regio do Planalto dos Guimares. Este projeto tem por objetivo geral contribuir no sentido de divulgar a ocorrncia do Aqfero Guarani no Planalto dos Guimares, tendo por objetivos especficos: a) Contribuir na formao de crianas e adolescentes para o problema do uso e preservao das guas subterrneas; b) Divulgar o Aqfero Guarani na regio do Planalto dos Guimares, visando a proteo do meio ambiente; c) Produzir e oferecer materiais pedaggicos contendo: Livro para o aluno do Ensino Fundamental com informaes bsicas a respeito do Aqfero Guarani e das guas subterrneas; Livro para o professor com informaes bsicas sobre o meio ambiente, os recursos hdricos, o Aqfero Guarani, sobre os problemas do uso inadequado das guas subterrneas e do solo e sobre os impactos ambientais e gesto das guas subterrneas. Curso visando a capacitao de professores de 49 Escolas Pblicas Estaduais e Municipais do Ensino Fundamental, que desenvolvero o programa educativo voltado para a problemtica do uso e importncia das guas subterrneas, e da preservao do Aqfero Guarani na regio do Planalto dos Guimares MT. Esta publicao pretende oferecer aos professores do Ensino Fundamental, subsdios tericos e prticos acerca do Aqfero Guarani e das guas Subterrneas, distribudos nos seguintes captulos:

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Captulo 1: apresenta as noes bsicas sobre o meio ambiente; Captulo 2: trata de como a gua se move de lugar, isto , na atmosfera, na superfcie e em subsuperfcie da Terra, dentro de um processo conhecido como Ciclo Hidrolgico; Captulo 3: resume as principais noes e idias a respeito dos recursos hdricos subterrneos; Captulo 4: aborda de forma simplificada o conhecimento atual do Aqfero Guarani; Captulo 5: explana os problemas do uso inadequado da gua e do solo Captulo 6: explica o conhecimento atual do Aqfero Guarani no Estado de Mato Grosso. Captulo 7: apresenta as diversas formas de distribuio dos contaminantes no meio ambiente e os principais fatores relacionados ao risco de contaminao dos recursos hdricos, com especial ateno aos fatores relacionados ao potencial de degradao do Aqfero Guarani no Estado de Mato Grosso. Captulo 8: explica o gerenciamento dos recursos hdricos subterrneos no Brasil e no Estado de Mato Grosso. Esperamos que este projeto possa contribuir para a reflexo e compreenso de alunos e professores, em geral, e alunos e professores do Ensino Fundamental, em especial, sobre a importncia desse to precioso recurso natural.

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CAPTULO 1. NOES SOBRE O MEIO AMBIENTEAntnio Brandt Vecchiato

Vista do espao, a Terra um mundojardim, um planeta de vida, uma esfera de verdes e azuis envolta numa atmosfera mida. Anne Whiston Spirn

A Terra azul! Disse o primeiro homem ao ver o nosso planeta do espao sideral, o cosmonauta russo Yuri Gagarin (Figura 1.1). De fato, o nosso planeta tem a cor azul devido a grande quantidade de gua existente, cerca de dois teros de sua superfcie coberto pelas guas dos oceanos, mares, lagos, rios, geleiras, calotas polares e aqferos formando a hidrosfera. As partes slidas, representadas pelas rochas e solos, correspondem litosfera. A cobertura vegetal, os animais e microorganismos constituem a biosfera. FinalFigura 1.1 A Terra vista da Apolo 17Fonte: http://ivanova.gsfc.nasa.gov/outreach/broch/daac/lo/marble_lo.jpg

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mente, a massa gasosa e de vapor dgua que envolve a terra, denominada de atmosfera, completa os quatro sistemas que formam o nosso planeta. Esses quatro sistemas: litosfera, hidrosfera, biosfera e atmosfera se interagem, se relacionam intrinsecamente, formando um sistema maior que o planeta Terra. Essa a abordagem mais atual, empregada pelos geocientistas, para o estudo da Terra. A Figura 1.2 ilustra a interao existente entre as esferas que formam o planeta Terra. A maneira tradicional de estudo da Terra enfoca de maneira separada cada uma dessas esferas, ou compartimentos, que formam nosso planeta. Assim, a atmosfera, os oceanos, ou mesmo uma cadeia de montanhas, estudado de maneira isolada. No entanto, isso no corresponde realidade. O fato que existe uma constante troca de matria e energia entre as diversas esferas, ou sistemas que compe a Terra. O tratamento integrado no estudo do nosso planeta, pode ser denominado de enfoque sistmico da dinmica terrestre e tem, na Teoria dos Sistemas, a sua base cientfica e metodolgica. O termo sistema deve ser entendido como um conjunto de unidades com relaes entre si. A palavra conjunto implica que as unidades possuem propriedades comuns. O estado de cada unidade controlado, condicionado, ou dependente do estado das outras unidades. Assim, pode-se perceber que existe nos sistemas uma organizao em virtude das inter-relaes existentes entre as unidades, e o seu grau de organizao permite que assuma a funo de um todo que maior que a soma de suas partes.

Figura 1.2 Interao existente entre as quatro esferas que formam a Terra

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CAPTULOPor estas definies, pode-se tambm perceber que os sistemas sempre devem ter: elementos ou unidades: que so as suas partes componentes; relaes: existem inter-relaes entre os elementos integrantes do sistema, um dependendo dos outros, atravs de ligaes que denunciam as trocas de matria e/ou energia; atributos: so as qualidades que se atribuem aos elementos ou ao sistema, a fim de caracteriz-los. Conforme o sistema pode-se selecionar algumas qualidades que melhor servem para descreverem as suas partes. Assim, os atributos podem se referir ao comprimento, largura, rea, volume, composio, freqncia observada, e muitas outras qualidades; entrada (input): constitui o que o sistema recebe. Por exemplo, um rio recebe gua e sedimentos, um animal recebe alimentao, a Terra recebe energia solar, uma indstria recebe matria prima e energia para o seu funcionamento. Cada sistema alimentado por determinados tipos de entradas; sada (output): as entradas recebidas pelo sistema sofrem transformaes em seu interior e, depois, so encaminhadas para fora. Todo produto fornecido pelo sistema representa um tipo de sada. Ao se adotar o enfoque sistmico como mtodo de trabalho ou estudo, uma grande dificuldade est em identificar os elementos, seus atributos e suas relaes a fim de estabelecer (delinear) com clareza a extenso abrangida pelo sistema em foco. Praticamente, todos os sistemas que ocorrem na natureza no atuam de modo isolado, mas funcionam dentro de um ambiente e fazem parte de um conjunto maior. Assim, um rio pode ser considerado um sistema, no entanto, pode-se considerar que o corpo dgua, as rochas e os sedimentos de fundo, as suas margens, formam sistemas menores que, juntos formam o rio. Por outro lado, este rio pode fazer parte de um sistema maior composto por um conjunto de rios, formando uma bacia hidrogrfica, que, por sua vez, pode fazer parte de uma bacia maior ainda, que, juntamente com os outros corpos dgua formam um sistema ainda maior: a hidrosfera, que com as outras esferas formam o sistema Terra, que por sua vez, faz parte do sistema solar e, assim por diante. Esse conjunto maior, no qual est inserido o sistema particular que se est estudando, pode ser denominado de universo, o qual compreende o conjunto de todos os fenmenos e eventos que, atravs de todas as suas mudanas e dinamismo, apresentam repercusses no sistema focalizado, e tambm de todos os fenmenos e eventos que sofrem alteraes e mudanas por causa do comportamento do referido sistema particular. Dentro do universo podem-se classificar os primeiros como sistemas antecedentes ou controladores e os seguintes como sistemas subseqentes ou controlados. Entretanto, deve-se entender que no existem encadeamentos lineares, seqenciais, entre os sistemas antecedentes, o sistema que se est estudando e os sistemas subseqentes. Atravs do mecanismo de re-

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troalimentao (feedback), os sistemas subseqentes podem voltar a exercer influncias sobre os antecedentes, numa perfeita interao entre todo o universo. Os sistemas podem ser classificados, de acordo com o critrio funcional em trs tipos: a) sistemas isolados: so aqueles que no sofrem nenhuma perda e nem recebem energia e matria do ambiente que os circundam; b) sistemas fechados: quando h troca de energia (recebimento e perda), mas no de matria. O planeta Terra pode ser considerado um sistema fechado, pois recebe energia do Sol e tambm a perde por meio de radiao para o espao, mas no recebe matria de outros planetas ou astros, a no ser em propores insignificantes, praticamente nulas; c) sistemas abertos: so aqueles nos quais ocorrem constantes trocas de energia e matria, tanto recebendo como perdendo. So os sistemas mais comuns, podendo ser exemplos: as esferas terrestres, as bacias hidrogrficas, os seres vivos, as cidades, indstrias, etc. A figura 1.3 apresenta exemplos de sistema isolado, sistema fechado e sistema aberto.Aqifero Guarani Educao ambiental para sua preservao na regio do Planalto dos Guimares

Figura 1.3 Os trs tipos bsicos de sistemas: Sistema Isolado, Sistema Fechado e Sistema Aberto

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Fonte: Murck B.W., Skinner B. J., Porter S. C.

CAPTULOO fato de a Terra ser um sistema fechado apresenta algumas conseqncias muito importantes para a manuteno das atividades econmicas de nossa sociedade e, at mesmo, para a prpria manuteno da vida no planeta. 1. A quantidade de matria em um sistema fechado fixa e finita. Isso permite deduzir que os recursos minerais so limitados e finitos. Portanto, deve-se ter cuidado com a sua explorao, procurando us-los com cautela, evitando desperdcios desnecessrios. Outra importante questo diz respeito ao fato de que, ao serem explorados, os recursos naturais geram restos, rejeitos e lixo, s vezes de composio perigosa para a sade, em uma quantidade cada vez maior, se tornando em um grande problema. Onde colocar o lixo produzido? Como evitar que este lixo no contamine o solo e os mananciais de gua? 2. Quando impactos so provocados em uma parte do sistema fechado, o resultado destes impactos podem eventualmente afetar outras partes do sistema. Apesar da Terra ser considerado um sistema fechado, as inmeras partes que o compe so sistemas abertos. Estes sistemas se encontram em um delicado estado de equilbrio dinmico. Quando algum distrbio ocorre em um destes sistemas, todo o resto procura restabelecer o estado de equilbrio. Isto pode provocar uma reao em cadeia de eventos que iro afetar vrios sistemas, muitas vezes em locais distantes daquele em que o distrbio ocorreu. O fato desencadeador deste processo pode ser tanto natural quanto provocado por alguma ao humana. Um exemplo natural pode ser a erupo de um vulco na Indonsia que, ao lanar cinzas e poeira na atmosfera, pode provocar mudanas climticas na Amrica do Sul, no Mxico, Califrnia e, at mesmo no Oeste da frica, afetando o preo de produtos agrcolas. Outro exemplo: a ocorrncia de um terremoto no assoalho ocenico pode provocar o surgimento de ondas gigantes (tsunamis), que levam morte e destruio em locais muito distantes do epicentro do tremor. A ao do homem tambm pode desencadear mudanas que afetam o equilbrio natural dos sistemas. A queima de combustveis fsseis pode provocar buracos na camada de Oznio da atmosfera, provocando o aumento da temperatura, a diminuio das calotas polares, provocando mudanas globais no clima. Outra conseqncia da queima de combustveis fsseis pela indstria o surgimento das chuvas cidas, prejudiciais para a vegetao e sade, que podem ocorrer a muitos milhares de quilmetros distantes das reas industriais. Por essas implicaes denota-se que as aes do homem interferem no ambiente natural, modificando a sua dinmica. evidente que com o desenvolvimento tecnolgico, essas interferncias so cada vez maiores, sendo fundamental o estabelecimento de critrios que evitem ou mitiguem os impactos negativos decorrentes dessas atividades. Nesse sentido, a tomada de medidas preventivas ou o enfrentamento de problemas j instalados, exigem uma viso da interferncia humana no ambiente sob uma perspec-

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tiva de relao e de mudanas (em quantidade e qualidade). Uma proposta apresentada o estabelecimento de instrumentos de planejamento ambiental desenvolvidos a partir de um enfoque sistmico da dinmica do ambiente, considerando seus processos de acordo com as caractersticas originais do meio e suas alteraes decorrentes das atividades humanas. Observa-se que cada um dos processos existentes, ao ser alterado por uma determinada atividade, acelerado ou retardado, podendo at mesmo ser eliminado ou surgir um novo processo no local. Os cientistas, ao analisarem os processos naturais e/ou induzidos, tm demonstrado que na dinmica ambiental fundamental o entendimento dos processos que ocorrem no meio fsico, onde o meio bitico e o meio antrpico se integram. Isto nem sempre contemplado, acarretando srios equvocos no uso e ocupao do territrio, muitas vezes deflagrando intensa degradao ambiental e/ou induzindo a ocorrncia de tragdias em reas de risco, com perdas materiais e, infelizmente de vidas humanas. Para um melhor entendimento, torna-se importante estabelecer o conceito de meio ambiente: que consiste em um determinado espao em que ocorre uma interao entre os meios fsico, bitico e antrpico, organizados em um sistema de relaes extremamente complexas e sensveis s modificaes de seus elementos constituintes. Assim, o meio ambiente composto, ao mesmo tempo, por um espao e por um sistema de relaes, que se desenvolvem nesse espao, por meio de trocas de energia e matria, e cujas alteraes podem desencadear reaes, modificando sua dinmica. Ento, por este conceito, existem trs nveis ou sistemas distintos o fsico, o bitico e o antrpico constituindo o meio ambiente e se relacionando atravs de fluxos de matria e de energia, porm obedecendo as suas prprias leis, ou seja: a) o sistema ou meio fsico: englobando todo o planeta fsico, sua atmosfera (ar), hidrosfera (gua) e litosfera (solos e rochas), que obedecem s leis da fsica e da qumica; b) o sistema ou meio bitico: compreendendo a biosfera, com todas as espcies de vida, que seguem as leis da fsica, qumica, biologia e ecologia; c) o sistema ou meio antrpico: formado pela sociosfera, representada pelas formas de governos, economias, artes, religies e culturas e pela tecnosfera, que compreende o mundo das mquinas e construes criadas pelo Homem, que obedecem as leis da fsica, da qumica, da biologia, da ecologia e tambm, as leis criadas pelo Homem.

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CAPTULOA preservao do meio ambiente , hoje, uma das maiores preocupaes do homem. No entanto para ser efetiva, torna-se importante uma tomada de conscincia coletiva a respeito das chamadas questes ambientais, por meio do desenvolvimento de conhecimento, de atitudes e de habilidades necessrias preservao e melhoria da qualidade ambiental. Para tanto, reiteramos algumas idias, que acreditamos serem importantes para este contexto: Na natureza a matria no pode ser criada, nem destruda, s transformada. Em outras palavras, a matria que existe na Terra permanece no planeta, sob contnua transformao movida pela energia do Sol e da prpria Terra. Como j vimos, o planeta Terra pode ser considerado um sistema fechado. No entanto, energeticamente, um sistema aberto. O material necessrio para a manuteno da vida (gua, oxignio, carbono, nitrognio, entre outros), atravs dos ciclos biogeoqumicos, mantm a sua pureza e a sua disponibilidade para os seres vivos. Esses ciclos biogeoqumicos combinados formam um complexo mecanismo de controle que mantm as condies necessrias e essenciais para a autosustentao dos seres vivos. Na natureza, os organismos e o ambiente interagem promovendo trocas de materiais e energias por meio das cadeias alimentares e ciclos biogeoqumicos. Como exemplo de um desses ciclos pode-se citar o ciclo do Carbono, representado na figura 1.4: observa-se que o carbono circula constantemente pelos seres vivos, o solo e a atmosfera, em muitas formas diferentes. O Dixido de carbono presente na atmosfera usado pelas plantas na fotossntese para a produo de carboidratos e protenas. As plantas so comidas por animais. Esses animais contm carbono (carboidratos e protenas). Os carboidratos so usados pelos seres vivos para produzir energia e, atravs da respirao, liberam novamente o Dixido de carbono para a atmosfera. H ainda a produo de dejetos e, a morte. As plantas e os animais mortos e os dejetos orgnicos sofrem a ao dos organismos decompositores que produzem Dixido de Carbono para a atmosfera. As plantas e os animais mortos podem tambm armazenar o carbono sob a forma de combustveis fsseis (carvo e petrleo). A queima de combustveis pelo homem produz Dixido de carbono para a atmosfera, que ser usado pelas plantas para realizar a fotossntese, fechando o ciclo. Importante: o dixido de carbono presente na atmosfera ajuda a aquecer a terra, pois retm o calor do sol, no que chamado efeito estufa. Desde o incio da era industrial, a queima de combustveis fsseis aumentou bastante a quantidade de dixido de carbono na atmosfera. muito difcil prever as conseqncias desse acmulo de dixido de carbono sobre a temperatura mdia da Terra. Existem muitas controvrsias, porm muitos cientistas prevem que as temperaturas iro subir, derretendo as calotas polares, inundando as regies costeiras e produzindo grandes alteraes climticas. Para evitar que a concentrao de dixido de carbono aumente mais ainda, deve-se dar preferncia a fontes de energia renovveis, usar a energia com maior eficincia, evitar os desmatamentos desnecessrios e promover o reflorestamento.

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Figura 1.4 Ciclo do carbono

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Fonte: Extrado e modificado de Murck W.; Skinner B. J.; Porter S. C., 1996.

A adoo da idia de sistemas complexos repousa no princpio de que tudo est conectado com tudo. Com o objetivo de melhor entender o mundo, a mente humana o divide em partes. No entanto, o mundo um todo nico. No existe uma linha divisria clara entre matemtica e fsica, fsica e qumica, terra e gua, gua e ar, homem e natureza, exceto as linhas, as fronteiras, estabelecidas pela mente humana. Assim sendo, o meio ambiente deve ser enfocado de uma maneira integrada, sob uma viso sistmica. O problema do crescimento populacional e capacidade de suporte consideram que as populaes tendem a crescer exponencialmente quando as condies so favorveis. Cada populao tem o seu potencial para crescer exponencialmente, explosivamente. No entanto, o nmero de organismos que pode ser sustentado por determinados recursos naturais limitado, em funo da taxa de produo desses recursos. Tal concepo chamada de capacidade de suporte. No entanto, urge refletir que a capacidade de suporte para a vida humana e para a sociedade bastante complexa, dinmica e varia conforme a maneira como o homem usa os recursos

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CAPTULOnaturais. Ela sempre definida pelo seu fator mais limitante, e pode ser melhorada ou degradada pelas atividades humanas. importante considerar que a sua restaurao muito mais difcil que a sua conservao. A idia sobre o desenvolvimento ambientalmente sustentvel apia-se na premissa de que o desenvolvimento econmico e o bem estar da humanidade dependem dos recursos da Terra. O desenvolvimento econmico basicamente considera a gerao de riqueza, sem a qual a atividade econmica no pode ocorrer. Porm, o sistema produtivo do Homem, pelo qual ele gera a riqueza, requer: terra, trabalho, capital, tecnologia, habilidade, matria prima, gua, infra-estrutura e gerenciamento. Em suma, o desenvolvimento econmico deve ocorrer acompanhado de uma atitude de responsabilidade e proteo para com a Terra. A figura 1.5 apresenta o sistema econmico como uma pirmide, na qual os recursos da Terra esto na base e os objetivos humanos fundamentais no topo. Atravs da cincia e da tecnologia o homem transforma os recursos naturais para satisfazer as suas necessidades. A poltica e a economia viabilizam a produo da riqueza que, adotando-se valores morais em sua distribuio, oportuniza a finalidade precpua de uma realizao integral.

Fonte: Secretaria do Meio-Ambiente do Estado de So Paulo, 1997.

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Figura 1.5 Viso do sistema econmico como uma pirmide segundo Herman Daly

A concepo de um desenvolvimento socialmente responsvel no centrada na produo de riquezas, mas sim nas pessoas. O importante valorizar a iniciativa criativa das pessoas, o seu desenvolvimento educacional e cultural. O objetivo fundamental o seu bem-estar material e espiritual. importante a conscincia de que o Homem no entende completamente como a Terra funciona. O Homem nem sequer compreende o quanto no compreende. S sei que nada sei, ponderou o filsofo Scrates. No entanto, comum o Homem tomar decises sob srias incertezas, muitas vezes provocando degradaes e acidentes de propores catastrficas. Deve-se ter em mente que quando os resultados podem ser devastadores e irreversveis, os riscos devem ser cuidadosamente avaliados. Portanto, em situaes de incerteza, os procedimentos adequados devem ser: a avaliao cuidadosa e a experimentao, acompanhada de uma constante avaliao dos resultados e a sempre boa vontade de mudar de estratgia, quando necessrio. Por ltimo, a idia da sacralizao deve ser seriamente considerada. Deve-se assumir uma postura caracterizada pela atitude de reverncia para com a Terra. Embora, s vezes, no se possa perceber prontamente a finalidade de alguma coisa na natureza, no se pode descart-la como se no existisse. Nada na natureza tem de ser justificado, em relao ao Homem, para ter o direito de existir. Afinal, o Homem faz parte da Natureza. A grande verdade que no possumos a Terra, a Terra que nos tem. Os ndios Guaranis entendiam perfeitamente essa realidade, como podemos apreender dessa lenda: No incio era o nada. Os deuses esconderam as tintas nas rvores, nos animais e na terra, e guardaram para si o encantamento da tapiragem nas aves. E esperaram... Ainda era tudo escuro, e ao mesmo tempo que foi criado o Sol e a Lua, Kat e Ia, os deuses da sabedoria, mostraram a natureza como horizonte do homem, para que convivendo com ela, aprendesse a am-la e respeit-la. A pele pintada para dar vida vida, cor s cores, para mostrar a alegria do existir e a razo do viver. Atravs da mutao das penas, um pouco da incomparvel beleza da aves saiu do cu. O sonho dos homens de voar nunca se realizou materialmente, mas em esprito eles alaram vo junto aos deuses, e os deuses sorriam, acreditando no homem...

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CAPTULOSingular e assombroso o destino de um povo como os Guarani! Marginalizados e perifricos, nos obrigam a pensar sem fronteiras. Tidos como parcialidades, desafiam a totalidade do sistema. Reduzidos, reclamam cada dia espaos de liberdade sem limites. Pequenos, exigem ser pensados com grandeza. So aqueles primitivos cujo centro de gravitao j est no futuro. Minorias, que esto presentes na maior parte do mundo. (Bartomeu Meli)

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2. O CICLO HIDROLGICORenato Blat Migliorini

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A quantidade de gua no planeta Terra parece algo infindvel. No entanto, esse volume de gua foi estimado em torno de 1.454375 103 Km3 (The Open University, 2000). Pela ao do sol, dos ventos e da ao da gravidade, toda essa gua encontra-se em constante movimento. A gua evapora-se dos oceanos, rios, lagos e da superfcie terrestre. A quantidade de gua evaporada varia de lugar para lugar, sendo que a maior parte est perto do Equador, onde a radiao solar mais intensa. Quando as condies atmosfricas so adequadas, o vapor de gua se condensa, formando as chuvas. As gotas de gua das chuvas, orvalho, neve e gelo precipitam-se no continente, no mar, ou podem reevaporar antes mesmo de chegar superfcie. As precipitaes que caem na superfcie da terra comportam-se de diferentes maneiras. Uma parte da gua ir escoar pela superfcie da terra, podendo alimentar os cursos d gua, lagos e mares. Se o terreno, constitudo por solo e/ou rocha, for poroso, uma parcela dessa gua se infiltra no terreno, e vai fazer parte de uma operao conhecida por percolao. A gua que adere nas partculas do solo, umidecendo-o, pode ser retirada pelas razes das plantas, parte dela evapora, e o que sobra, permanece no solo. Uma poro da gua utilizada pela planta transpirada, que, em conjunto com a gua evaporada, constitui um processo conhecido como evapotranspirao. O excesso de gua retida no solo infiltra-se por gravidade para maiores profundidades, acumulando-se a uma determinada profundidade, tornando camadas do solo ou da rocha totalmente saturadas de gua. O topo da zona de saturao chamado de nvel d gua ou lenol fretico e, a gua acumulada, de gua subterrnea. A gua subterrnea percola pelos espaos vazios do solo ou rocha por dias, semanas, anos, ou milhes de anos, at as reas de descargas naturais que so as nascentes, os rios, os lagos e os oceanos, e as descargas artificiais que so os poos. Portanto, as guas que ocorrem nos rios tm sua origem nas chuvas, podendo ser formadas tanto por escoamento superficial quanto por escoamento subterrneo. A evaporao no limitada a corpos de gua abertos como os oceanos, lagos, rios e reservatrios. As precipitaes interceptadas pelas folhas e outras superfcies vegetais tambm podem evaporar, como as guas de reas alagadas em depresses da superfcie da terra (vrzeas, pantanos e mangues) ou umidade do solo de subsuperfcie. Tambm, pode ocorrer evaporao direta da gua subterrnea quando o nvel da gua (lenol fretico) estiver prximo da superfcie.

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CAPTULO

Extrado e modificado de Murck W.; Skinner B. J.; Porter S. C., 1996.

Figura 2.1. Ciclo Hidrolgico

Dessa forma, pode-se afirmar que a gua existente no planeta Terra, tanto na superfcie dos terrenos, como em profundidade, ou na atmosfera, movimenta-se continuamente. Todo esse movimento da gua, que auxilia no seu processo de renovao, conhecido como Ciclo Hidrolgico, conforme est ilustrado na figura 2.1. Segundo dados da The Open University (2000), o nosso Planeta apresenta 1.454.375 milhes de km3 de gua. Deste total: 94,2% (1.370.000 103 km3) de gua salgada, dos oceanos e mares; 4,1% (60.000 103 Km3) gua subterrnea; 1,7% (24.000 103 Km3) gua das calotas polares; 0,008% (125 103 Km3) gua doce de lagos; 0,01% (155 103 Km3) gua salgada de lagos; 0,005% (80 103 Km3) a umidade do solo; 0,001% (14 103 Km3) gua da atmosfera; 0,0007% (103 Km3) gua dos rios.

Esses nmeros nos permitem a seguinte considerao: retirando a gua dos mares e oceanos, que salgada, e a gua congelada dos plos, que de difcil acesso ao homem, a gua subterrnea a grande reserva estratgica de gua do Planeta.

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O tempo mdio que a gua permanece em cada uma das partes do ciclo hidrolgico, ou local de armazenamento, antes de mover-se para outra parte, conhecido como tempo de residncia. Segundo dados da The Open University (2000), o tempo de residncia das guas dos oceanos de cerca de 3.000 anos, das guas subterrneas de duas semanas a 10.000 anos, das calotas polares de 10 a 10.000 anos, das guas dos lagos de cerca de 10 anos, da umidade do solo de duas semanas a um ano, da atmosfera de cerca de 10 dias e dos rios de cerca de duas semanas. A figura 2.1 ilustra o tempo de residncia das guas subterrneas, note que as guas se infiltram pelo solo, nas reas de recarga, e percolam no solo e em determinadas formaes geolgicas at as reas de descarga. interessante observar na figura 2.1, que o rio efluente, isto , ele recebe gua do aqfero. Os rios que doam gua para o aqfero so rios influentes.

Figura 2.2 Tempo de residncia das guas subterrneas

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Extrado e modificado de Murck W.; Skinner B. J.; Porter S. C., 1996.

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Todos os rios correm para o mar, no entanto, o mar no est cheio; do lugar de onde os rios vm, para l que eles retornam. Eclesiastes 1:7

CAPTULO 3. CONCEITOS BSICOS SOBRE RECURSOS HDRICOS SUBTERRNEOSRenato Blat Migliorini

Este captulo tem por objetivo apresentar as caractersticas gerais e definir os principais conceitos referentes aos recursos hdricos subterrneos, que tem na Hidrogeologia a rea do conhecimento da Geologia, que estuda as leis que condicionam e regulam, a ocorrncia, a distribuio, o movimento e aproveitamento das guas subterrneas. Tambm estuda o comportamento dos aqferos conforme os tipos de rochas e formaes, alm de se preocupar com o gerenciamento, contaminao e remediao que o homem pode dar a estes aqferos. As guas subterrneas so as guas armazenadas no subsolo, elas preenchem os espaos vazios dos solos, sedimentos e das rochas. Nos solos, sedimentos e nas rochas sedimentares estes espaos vazios correspondem aos poros, enquanto que nas rochas cristalinas (gneas e metamrficas), os espaos vazios so representados pelas fraturas das mesmas. A figura 3.1 ilustra os tipos de porosidade: A porosidade intergranular pode ser encontrada nos colvios, aluvies e arenitos; A porosidade de fratura causada por esforos tectnicos, pode ser encontrada nos calcrios, granitos e gnaisses; A porosidade de fratura causada pelo resfriamento das rochas pode ser encontrada nos basaltos; A porosidade de condutos ou porosidade crstica pode ser encontrada nos calcrios. As melhores condies de armazenamento e circulao das guas subterrneas ocorrem nas rochas sedimentares (arenitos), formando extensos aqferos, onde ocorrem as melhores condies de armazenamento e circulao das guas subterrneas. Nas rochas cristalinas (granitos, gnaisses, micaxistos, filitos, etc), que formam a maior parte da crosta terrestre, as fraturas so geralmente muito pequenas, no possibilitando boas condies de armazenamento e circulao das guas subterrneas. As melhores condies aqferas ficam restritas s zonas de fratura e ao manto de alterao. bom salientar que o manto de alterao o material que sofreu intemperismo, isto , sofreu decomposio e desintegrao da rocha original, e que recobre a rocha fresca. O manto de alterao parte do solo, constituindo um de seus horizontes.Aqifero Guarani Educao ambiental para sua preservao na regio do Planalto dos Guimares

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Figura 3.1 Tipos de porosidade

Extrado e modificado de Teixeira W. et al, 2000.

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A maior parte das guas subterrneas tem origem meterica, isto , so provenientes das guas precipitadas da atmosfera. Uma pequena parte pode ter origem juvenil, isto , so produzidas pelas emanaes magmticas, e, outra pequena parte, pode ter origem conata, isto , aprisionadas pelas rochas no momento de sua formao. As experincias tm mostrado que as guas subterrneas ocorrem em duas pores distintas do terreno, a primeira a zona no saturada ou zona de aerao e a segunda a zona saturada ou zona de saturao, conforme ilustrado na figura 3.2. Na zona no saturada (ZNS) ou zona de aerao, os interstcios, ou vazios do solo, do sedimento ou da rocha esto ocupados por gua e ar. A zona no saturada apresenta caractersticas peculiares como: 1) Presena de uma fase contnua gasosa, isto , ocorre a presena de gases (principalmente oxignio e gs carbnico) na zona no saturada; 2) Presso negativa da gua, isto , a gua fica presa nos poros e os poos no enchem de gua nesta zona; 3) Movimento da gua subterrnea predominantemente vertical e contnuo; 4) ativa do ponto de vista geoqumico e bioqumico, isto , ocorrem nessa zona reaes geoqumicas e bioqumicas; 5) onde ocorre a reteno de poluentes em grande escala, mediante processos fsicos, qumicos e biolgicos. Estes processos so: diluio, filtrao, reaes de absoro e adsoro, soluo, precipitao, hidrlise, transformaes bioqumicas e geoqumicas, troca catinica e volatizao.

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CAPTULOA gua que percola no solo ou rocha , em grande parte, retida na zona no saturada. Somente o excedente da capacidade de reteno da formao geolgica que percola pelos vazios, sob ao da gravidade, indo alimentar a zona saturada (ZS). Nesta zona, todos os vazios do solo ou da rocha esto completamente preenchidos de gua. O limite superior da zona saturada denominado de nvel d gua, nesta posio, a presso hidrosttica igual presso atmosfrica. Quando o nvel d gua atinge a superfcie do terreno d origem a uma fonte ou nascente, que alimenta os cursos dgua (crregos, lagos e rios), os rios tambm podem ser alimentados diretamente pelas guas subterrneas (rios efluentes). Quando a perfurao de um poo atinge o nvel d gua, a gua subterrnea cair dentro do poo por gravidade, preenchendo-o at o nvel d gua. Acima do nvel d gua existe a franja capilar, que a poro do terreno na qual a gua fica suspensa preenchendo os vazios do solo ou rocha pela ao de capilaridade, isto , a gua fica retida por uma presso produzida nos vazios do solo ou rocha, estendendo-se do nvel de saturao at o limite de ascenso capilar. Esse limite de ascenso capilar depende do tipo do terreno, e sua intensidade aumenta com a diminuio do ndice de vazios, podendo variar de alguns milmetros, nos solos arenosos, at vrios metros, nos solos finos e/ou argilosos. Uma formao geolgica (rocha) que tenha capacidade de armazenar e transmitir quantidades significativas de gua subterrnea recebe o nome de aqfero. Para a formao geolgica ter a capacidade de armazenar gua subterrnea, ter de possuir porosidade (espaos vazios existentes entre as partculas da rocha), e para ter a capacidade de transmitir gua subterrnea, ter de ter permeabilidade (propriedade de um meio, que indica a maior ou menor facilidade passagem da gua atravs dele).

Figura 3.2 Perfil hdrico do solo

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Quando uma camada aqfera est confinada entre camadas rochosas praticamente impermeveis, isto , camadas confinantes, a gua nela contida fica sujeita a uma presso maior que a fora gravitacional. Nestas condies, o aqfero chamado de aqfero confinado. Assim, para que uma camada seja confinante necessrio que tenha pouca ou nenhuma permeabilidade e que esteja recobrindo uma camada permevel. As camadas confinantes so subdivididas em aqtardes, aqcludes e aqfuges: Aqtarde: Formao geolgica pouco porosa e pouco permevel. Suas condies de armazenamento e circulao de guas subterrneas so limitadas. Por exemplo: misturas de siltitos, areias finas argilosas e argilas arenosas. Aqclude: Formao geolgica de elevada porosidade, porm, de baixa permeabilidade. Por exemplo: argilas, argilitos e folhelhos. Aqfuge: Formao geolgica absolutamente impermevel, no armazena nem transmitem gua subterrnea. Por exemplo: granitos, gnaisses e basaltos sem alterao e sem fraturas. Os aqferos so assim, classificados como do tipo livre ou confinado conforme ilustra a figura 3.3.Aqifero Guarani Educao ambiental para sua preservao na regio do Planalto dos Guimares

Figura 3.3 Tipos de Aqferos

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Extrado e modificado de Murck W.; Skinner B. J.; Porter S. C., 1996.

CAPTULONos aqferos livres, o nvel do lenol fretico corresponde superfcie superior da zona saturada. O lenol fretico encontra-se sob ao da fora da gravidade e da presso atmosfrica. O nvel d gua encontrado dentro de um poo perfurado em um aqfero livre corresponde ao nvel de saturao do aqfero. Como o prprio nome diz, os aqferos confinados esto confinados por estratos sobrejacentes relativamente impermeveis. Assim, a gua subterrnea estar confinada sob presso maior que a presso atmosfrica. Se um poo penetrar tal aqfero, o nvel d gua subir acima da camada confinante, at o nvel de equilbrio com a presso atmosfrica. Se a presso for suficiente para elevar o nvel d gua acima da superfcie do terreno, diz-se que o poo artesiano. Existem dois tipos especiais de armazenamento e circulao das guas subterrneas, originando os aqferos suspensos (figura 3.4) e os aqferos crsticos (figura 3.5).

Figura 3.4 Aqfero suspenso

Extrado de The Open University, 2.000.

O aqfero suspenso um caso especial de aqfero livre, onde uma camada relativamente impermevel, represa pequenos volumes de gua subterrnea na zona no saturada. O aqfero crstico uma forma especial de armazenamento e circulao das rochas solveis em gua, principalmente as rochas calcrias, onde as guas percolam dissolvendo a rocha, ampliando suas caractersticas de porosidade e permeabilidade, podendo formar grandes cavernas e canais por onde circulam verdadeiros rios subterrneos.

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Figura 3.5 Aqfero Crstico

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De uma maneira geral, as melhores condies de armazenamento e circulao das guas subterrneas ocorrem nas rochas sedimentares como os arenitos, formando extensos reservatrios de guas subterrneas. Estas rochas cobrem aproximadamente 40% do Brasil; no restante, predominam as rochas cristalinas, como os granitos e gnaisses. Nestas rochas, as condies de armazenamento e circulao das guas subterrneas so limitadas; as melhores condies ficam restritas s zonas de fraturas e/ou manto de alterao (material rochoso que sofreu decomposio e alterao, e que recobre a rocha original).

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Extrado de Teixeira W et al, 2000.

CAPTULO 4. O AQFERO GUARANIRenato Blat Migliorini

O Aqfero Guarani um grande reservatrio de gua subterrnea e est localizado na Amrica do Sul, abrangendo o Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Sua extenso de 1.19.500 Km2, sendo que aproximadamente 70% encontra-se em territrio brasileiro, conforme pode ser visto no quadro 1. As zonas de afloramento constituem cerca de 12,8% da superfcie total do aqfero, ou seja, 153.000 Km2 (Figura 4.1).Quadro 4.1 Extenso do Aqfero Guarani na Amrica do SulPases Brasil Argentina Paraguai Uruguai Total rea em Km2 839.800 225.500 71.700 58.500 1.196.500 rea em % 70,2 18,9 6,0 4,9 100,0 Volume estimado de gua em Km3 32.551 8.740 2.779 2.267 46.337Aqifero Guarani Educao ambiental para sua preservao na regio do Planalto dos Guimares

Fonte: modificado de Arajo et al. (1995); ANA (2001); INDEC (2002); DGEEC (2002); INE (2002); IBGE (2003) apud Borghetti et al., 2004.

No Brasil, o Aqfero Guarani ocorre nos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, So Paulo, Paran, Gois, Minas Gerais e Santa Catarina, conforme descriminado no quadro abaixo:Quadro 4.2 reas abrangidas pelo Aqfero Guarani no Brasil.ESTADOS MS RS SP PR GO MG SC MT Brasil rea em Km2 213.200 157.600 155.800 131.300 55.000 51.300 49.200 26.400 839.800 rea em % do Total 17,8 13,2 13,0 11,0 4,6 4,4 4,1 2,2 70,3 rea em % do Brasil 25,4 18,8 18,6 15,6 6,5 6,1 5,9 3,1 100

Fonte: modificado de Arajo et al. (1995); ANA (2001); IBGE (2003) apud Borghetti et al., 2004.

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Quadro 4.3 Parmetros hidrodinmicos do Aqfero GuaraniParmetros Coeficiente de permeabilidade Coeficiente de armazenamento Porosidade Transmissividade Velocidade de circulaoFonte: modificado de Gualdi (1999); Rocha (1996); OEA (2001) apud Borghetti et al., 2004.

Valor mdio 3 m/dia 10-4 a 10-6 15 a 20% (mdia de 17%) entre 150 e 800 m2/dia muito baixa, de 0,50 a 0,75 cm/dia

Atualmente vrias cidades de mdio e grande porte so totais ou parcialmente abastecidas pelo Aqfero Guarani.

Geologia e HidrogeologiaUma Bacia Sedimentar uma depresso mais ou menos extensa, preenchida por sedimentos oriundos das reas circunjacentes. Os extratos ou camadas mergulham em geral da periferia para o centro, geralmente em forma de uma bacia. Existem vrios exemplos de bacias sedimentares, tais como: Bacia de Paris, Bacia Amaznica e Bacia do Paran. A Bacia Sedimentar do Paran, cujo preenchimento teve incio, h cerca de 440 milhes de anos e concludo h cerca de 70 milhes de anos, representada por uma depresso alongada segundo a direo norte-sul. Possui espessura total mxima perfurada de 7.825 metros, com extenso aproximada de 1,6 milhes de Km2. Est localizada no Centro - Leste da Amrica do Sul, entre 12 e 35 de latitude sul e 47 e 65 de longitude oeste, como mostra a figura 4.1. O Aqfero Guarani constitudo por um pacote de rochas sedimentares, predominantemente arenosas, que se depositaram na Bacia Sedimentar do Paran ao longo do Mesozico entre 200 e 132 milhes de anos, constitudo pelas formaes geolgicas Pirambia e Botucatu. O Aqfero Guarani est ilustrado na figura 4.1, onde podem ser observadas as reas de recarga direta, reas de recarga indireta, reas de descarga, os limites da Bacia Sedimentar do Paran, os limites da Bacia Hidrogrfica do Prata, dentre outras informaes. Os arenitos das formaes Pirambia e Botucatu existem no oeste do Uruguai, leste do Paraguai e nordeste da Argentina, e distribuem-se por uma rea de aproximadamente 1.300.000 Km2. Estes arenitos formavam um antigo deserto e hoje, constituem excelentes reservatrios de guass subterrnea, conhecida como Aqfero Guarani. A Formao Pirambia conhecida no Uruguai como Buena Vista. A Formao Botucatu conhecida como Misiones, no Paraguai; Tacuaremb, no Uruguai e Argentina. Atu-

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Figura 4.1 Aqfero Guarani

CAPTULO

Fonte: www.ana.gov.br/guarani/files/mapaA4.pdf

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almente, as formaes Botucatu e Pirambia so conhecidas nos quatro pases como Aqfero Guarani, em homenagem ao povo indgena que vivia na regio. No passado geolgico (era paleozica), antes da formao da Bacia Sedimentar do Paran, a regio de sua ocorrncia esteve sob influncia da invaso do mar, de glaciao e de esforos tectnicos (foras que interferem na movimentao das camadas da crosta terrestre). Em distintos perodos foram depositados sedimentos finos (argilas, siltes e calcrios) com centenas de metros de espessura. A partir do Trissico, entre 248 e 206 milhes de anos, o mar regrediu. Em ambiente continental, rios e lagos se formaram e o clima foi se transformando at se tornar inteiramente desrtico. Foi nessa poca que ocorreu novo ciclo de sedimentao: na base da seqncia depositaram-se sedimentos arenosos, argilosos, lacustres, fluviais e elicos; pertencentes Formao Pirambia. A seguir, o clima tornou-se mais seco e toda a regio transformou-se num imenso deserto, com deposio de arenitos elicos em sucessivos campos de dunas; constituindo a Formao Botucatu. Os estudos do ambiente de sedimentao caracterizam, assim, os depsitos da Formao Botucatu como de origem elica, enquanto os da Formao Pirambia so de ambiente flvio-lacustre e elico. Os arenitos da Formao Botucatu so de granulao fina, constitudos por gros de quartzo bem arredondados e teor de argila inferior a 10%. As sucessivas camadas de dunas so estratificadas de forma assimtrica e formam um pacote de 150 metros de espessura mdia. Enquanto que, os arenitos Pirambia so de granulao muito fina e apresentam do topo para a base, teores de argila acima de 20% (Rocha, 1997). No incio do perodo Cretceo, quando ainda prevaleciam condies desrticas, a Bacia do Paran foi afetada por intenso vulcanismo. Sucessivos derrames de lavas baslticas pertencentes Formao Serra Geral, recobriram quase todo pacote de sedimentos da formao Botucatu que atingiu valores superiores a 2.000 metros no interior da Bacia do Paran. O vulcanismo foi acompanhado por perturbaes tectnicas na bacia, gerando falhamentos, soerguimento das bordas e arqueamentos que marcam sua estrutura atual (Leinz & Sallentien, 1962; Maack, 1970; Rebouas, 1976). Durante o Cretceo Superior, j em clima semi-rido, depositaram-se sobre as rochas vulcnicas da Formao Serra Geral, seqncias de sedimentos flvio-lacustres calcferos dos Grupos Caiu e Bauru (Flfaro & Perinoto, 1996). Assim, o Sistema Aqfero Guarani do tipo confinado sobre cerca de 90% da sua extenso, sendo coberto pelos derrames de lavas vulcnicas que ocorreram entre 120 e 130 milhes de anos (Cretceo Inferior) e tendo na base depsitos sedimentares argilosos, depositados entre 225 e 440 milhes de anos (do Permiano ao Siluriano). A espessura do aqfero confinado varivel; no centro da bacia predominam espessuras de 100 a 350 metros, sendo que na regio de Campo Grande MS atinge valores da ordem de 600 metros (Arajo et al, 1995).

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CAPTULOAs reas de recarga direta do aqfero ocorrem nas regies de afloramento do arenito na superfcie do terreno; nestas regies, a recarga se d pela infiltrao direta das guas pluviomtricas atravs do solo. As reas de recarga indireta ocorrem nos basaltos, onde favorece os fluxos descendentes em direo ao aqfero; o reabastecimento se d pela drenagem vertical das guas pelas fissuras dos basaltos da Formao Serra Geral e/ou pela drenagem atravs das rochas do Grupo Bauru/Caiu. As reas de descarga, onde favorece o fluxo ascendente, isto , para fora do aqfero, tambm ocorrem nos basaltos, principalmente nas regies cujas cotas topogrficas so inferiores a 300 metros (ver figura 4.1). At h pouco tempo acreditava-se que o Aqfero Guarani fosse contnuo em toda sua rea de extenso, armazenando e conduzindo gua subterrnea a partir de suas reas de recarga direta, a leste e oeste, com fluxo preferencial confluindo para a calha central da bacia, na direo dos rios Paran e Uruguai, sem a existncia de barreiras hidrulicas. No entanto, estudos hidroqumicos, associados a feies tectnicas (Rosa Filho et al, 2003 e 2005) indicam que o Aqfero Guarani est compartimentado por diques de diabsio, falhamentos e deslocamento de blocos, proporcionando barreiras hidrulicas que afetam o fluxo da gua subterrnea. As caractersticas de produo dos poos e da qualidade das guas subterrneas vo depender das caractersticas de cada compartimento, principalmente da rea, profundidade, espessura dos sedimentos e tempo de residncia. As guas do Aqfero Guarani armazenam-se nos poros de suas rochas (aqfero poroso). Suas rochas esto assentadas sobre rochas sedimentares do Paleozico, de baixa permeabilidade e, em alguns locais, sobre rochas mais antigas do embasamento cristalino. Cerca de 90% da rea est recoberta por espessos derrames de lavas baslticas, o que lhe confere caractersticas de um aqfero regional confinado. Cerca de 10% de sua rea total aflora superfcie como faixas alongadas nas bordas leste e oeste da bacia, devido ao soerguimento pretrito e eroso, constituindo reas de recarga direta do aqfero (ver figura 4.1). O confinamento do aqfero impe condies de artesianismo em quase toda a rea da regio, a partir de algumas dezenas de quilmetros de distncia dos afloramentos (ver figura 4.1). As guas subterrneas do Aqfero Guarani, em geral, podem ser consumidas sem necessitar de tratamento, tendo em vista os processos fsicos, qumicos e biolgicos de autodepurao que ocorrem no subsolo. No entanto, nas regies de maior profundidade, a gua muitas vezes no potvel devido ao elevado teor de slidos totais dissolvidos, elevadas concentraes de sulfatos e a ocorrncia de gua com teores excessivos de fluoreto, acima dos limites recomendados para o consumo humano. A qualidade das guas subterrneas do Aqfero Guarani, em geral, fracamente salina. A partir das reas de recarga em direo calha da bacia, h tendncia alcalinizao das guas no sentido do fluxo, acompanhado pelo aumento gradual do teor salino, do pH e da temperatura. Esta evoluo hidroqumica controlada pelo grau de confinamento, pela velocidade do fluxo e pelo tempo de residncias das guas subterrneas (Rocha, 1997).

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Quadro 4.4 Composio Qumica das guas do Aqfero Guarani.reas confinadas, onde h conectividade com a Formao Serra Geral. guas bicarbonatadas-clcicas e calco-magnesianas. STD: 200 mg/L

reas aflorantes, onde o aqfero do tipo livre. guas bicarbonatadasmagnesianas a calcomagnesianas. STD: 100 mg/L

reas mais confinadas guas bicarbonatadas-sdicas evoluindo a cloro-sulfatadassdicas STD: 650 mg/L

Fonte: modificado de Silva (1983), apud Borghetti et al., 2004.

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Observa-se que a partir das reas de afloramento do Aqfero, onde as guas so do tipo bicarbonatada clcica-magnesianas, as guas evoluem para sufatada-cloretada-sdica conforme aumenta o confinamento, assim como ocorre o aumento da salinizao, da temperatura e do pH. As primeiras so aproveitadas para o consumo humano enquanto que as ltimas no, embora possam ser aproveitadas devido ao seu grau geotrmico, que o aumento da temperatura em funo da profundidade. Os estudos tm demonstrado que as temperaturas das guas do Aqfero Guarani apresentam valores de 220 a 250C nos afloramentos onde o aqfero do tipo livre, de 25 a 300C na faixa de baixo confinamento e entre 30 e 680C na maior parte da rea confinada, isto , as regies onde ocorre o termalismo localizam-se na parte mais central da Bacia Sedimentar do Paran, enquanto nas reas de afloramento no ocorre termalismo (BORGHETTI et al., 2004). Enfim, embora em algumas reas, exista um enorme potencial de gua subterrnea para abastecimento pblico, nem toda gua do Aqfero Guarani apresenta excelente potabilidade. O principal uso destas guas o abastecimento das populaes. Como exemplo temos a cidade de Ribeiro Preto, onde 100% da gua utilizada para abastecimento pblico provm do Aqfero Guarani. O uso industrial tambm importante, vrias indstrias necessitam de gua de boa qualidade. Como exemplo, podemos citar as indstrias de alimento, como a frigorfica, as indstrias txteis, as engarrafadoras de gua mineral, refrigerantes, cervejarias, dentre outras. Na agricultura, o principal uso na irrigao. Este tipo de uso apresenta dois problemas, normalmente a irrigao consome grande volume de gua, devendo-se evitar o seu uso em culturas de grande extenso. Nas reas mais confinadas do aqfero, onde as guas ocorrem em grande profundidade, tornam-se imprprias para a irrigao, pois possuem teores elevados de slido totais dissolvidos. Com exceo das duas condies acima citadas, o Aqfero Guarani pode ser usado na irrigao. Com relao ao aproveitamento das caractersticas geotermais, deve-se salientar os complexos hidrotermais que aproveitam as guas quentes com vrias estruturas de lazer e recreao principalmente no Brasil, Argentina e Uruguai. Outros aproveitamentos tam-

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CAPTULObm podem ser utilizados como fonte alternativa de energia para: lavagem de carcaa de animais; na climatizao de ambientes como a calefao e refrigerao; armazenamento e secagem de gros; escaldagem, depenagem e eviscerao de aves; na secagem de madeira; na secagem, refrigerao e na desidratao de frutas e vegetais; na fermentao da cevada para produo de cerveja; nos perodos de inverno pode ser utilizado na aqicultura; produo de guas envasadas, produo de metano; dentre outros, que poderiam aproveitar a temperatura da gua, reduzindo os custos com o aquecimento. Em reas agrcolas, onde a temperatura da gua elevada (de 30 a 63C), podem ser perfurados poos onde a gua quente pode ser usada no controle de geadas. importante observar que as reas mais vulnerveis contaminao so as zonas onde o arenito aflora superfcie do terreno, isto , na regio de recarga direta. A vulnerabilidade diminui medida que o aqfero se aprofunda e adquire condies de confinamento.

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5 OS PROBLEMAS DO USO INADEQUADO DA GUA E DO SOLOAntnio Brandt Vecchiato

Lata dgua na cabea / L vai Maria / L vai Maria... Lus Antonio e J. Jnior

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Um dos grandes desafios da humanidade, no incio desse novo milnio, a questo da gua. Por esse motivo a Organizao das Naes Unidas instituiu a Dcada da gua para a Vida, com o objetivo de despertar nas pessoas a conscincia para o cuidado com a conservao desse importante recurso natural e, nos governos, especialmente dos pases desenvolvidos, o compromisso de uma efetiva cooperao internacional para financiar programas de abastecimento pblico e saneamento bsico nos pases subdesenvolvidos e em desenvolvimento. A Dcada da gua para a Vida resultado da Conferncia Mundial de Desenvolvimento Sustentvel, realizada em Joanesburgo (frica do Sul), em 2002, e suas metas esto intimamente ligadas aos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milnio (ODM), j que a gua fator crucial para a reduo da pobreza, da fome e da desnutrio no mundo. Boas condies sanitrias e acesso gua potvel melhoram a sade das crianas, diminuindo os riscos de doenas, reduzindo a mortalidade infantil e, conseqentemente, aumentando a presena nas salas de aula. Alm disso, o uso da gua de forma consciente vital para a conservao do meio ambiente e para o desenvolvimento sustentvel. De acordo com dados da Organizao das Naes Unidas (ONU, 2005), cerca de 1,5 bilhes de pessoas, no dispe de gua potvel e mais de 2,4 bilhes de pessoas no con-

Figura 5.1 Foto de Ed Ferreira, da Agncia Estado.

Foto: Ed Ferreira Agncia Estado. http://www.estadao.com.br/ext/ciencia/ agua/galeria.htm

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CAPTULOtam com saneamento bsico. Alm disso, a Organizao Mundial da Sade (OMS) alerta para o fato de que cerca de dois milhes de pessoas, em sua maioria crianas, morrem anualmente por falta de gua e mais da metade dos leitos hospitalares nos pases em desenvolvimento so ocupados por pacientes com doenas associadas falta de gua potvel e saneamento bsico. Ainda, segundo a OMS, cerca de 4,6 milhes de crianas de at 5 anos de idade morrem por ano de diarria, doena motivada pela ingesto de gua no potvel, agravada pela fome relacionada m distribuio econmica de renda. No captulo 2 Ciclo da gua foi mostrado que embora exista muita gua no planeta Terra, esta se distribui de maneira irregular, no tempo e no espao, devido ao carter aleatrio dos processos fsicos do ciclo hidrolgico. Desta maneira, temos regies que apresentam uma grande abundncia de gua, como por exemplo, a floresta amaznica, e outras regies extremamente secas como os desertos. Por outro lado, em alguns anos a quantidade de chuva bem menor do que a usual, ou ao contrrio, ocorrem chuvas intensas. Esta aleatoriedade responsvel pela distribuio heterognea, no tempo e no espao, da gua no Planeta, cujas conseqncias so as estiagens e as inundaes com danos incalculveis humanidade. Portanto, embora a gua seja um recurso natural renovvel, ela deve ser considerada um recurso finito. A abundncia ou a ausncia de gua em uma regio determinada por caractersticas geogrficas, especialmente a interao do clima com o relevo. A figura 5.2 apresenta seis diferentes regies segundo a disponibilidade de umidade. A Amrica do Sul e a sia so as regies que apresentam as maiores pores de terras midas, seguidas pela Amrica do Norte e Europa. As regies hiperridas, representadas pelos grandes desertos, ocorrem no norte da frica e centro da sia.Figura 5.2 Distribuio das regies secas e midas no planeta

Fonte: ONU, 1997.

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Figura 5.3 Proporo entre uso e disponibilidade hdrica no mundo.

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No entanto, regies bastante povoadas, em que a demanda por gua alta, apresentam carncia desse produto de vital importncia, como pode ser observado na Figura 5.3, especialmente no norte da frica e no Oriente Mdio. A figura 5.4 apresenta o uso mundial da gua por setor de consumo durante o perodo de 1940 a 2000, percebe-se que o maior uso corresponde ao agrcola, seguido pela indstria e pelo abastecimento pblico municipal. Outro fato, bastante importante observado na figura que o consumo da gua cresceu de maneira exponencial. Conforme observado na Figura 5.4, o consumo mundial da gua doce disponvel mais que dobrou nos ltimos 50 anos, e hoje corresponde a mais de 3.600 km3, representando uma parcela considerada dos recursos hdricos acessveis, ou seja, os rios, lagos, reservatrios, aqferos e, at mesmo, as guas de degelo da primavera nos pases de clima temperado e frio. A explorao dos recursos hdricos proporcionou o desenvolvimento econmico de inmeros pases, especialmente na agricultura, gerao de energia, indstria, transporte e bem-estar urbano. Todavia, a intensificao do uso e, principalmente, as crescentes competies por gua entre os vrios setores vm degradando as fontes naturais. O ciclo natural da gua tem sido interrompido ou alterado nas regies muito urbanizadas e os ecossistemas que garantem a quantidade e a qualidade da gua esto sendo suprimidos, ou esto sob forte presso. Mesmo considerando o crescimento da populao mundial, conforme observado na Tabela 5.1, o consumo da gua cresceu em maiores propores. No decorrer do sculo XX a demanda de gua aumentou em mais de seis vezes, sendo superior ao crescimento populacional no perodo em pelo menos duas vezes. Portanto, a humanidade est consu-

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Fonte: ONU, 1997.

CAPTULOFigura 5.4 Uso mundial da gua por setor de consumo no perodo de 1940 a 2000.

Fonte: Organizao das Naes Unidas, 1997.

Quadro 5.1 Ocupao da Terra pela Humanidadepoca 10.000 anos atrs Incio da era Crist Em torno de 1850 Ano 2.000 Ano 2.100 Nmero de habitantes 5 milhes 250 milhes 1 bilho 6 bilhes 10 a 11 bilhes

A agricultura irrigada a que mais desvia gua da natureza, utilizando 70% do volume total extrado do sistema global de rios, lagos e mananciais subterrneos. Os 30% restantes destinam-se a fins diversos como: consumo domstico, atividade industrial, gerao de energia, recreao, abastecimento e outros. Atualmente, a agricultura irrigada ocupa 17% das terras arveis do planeta, sendo responsvel por 40% da produo mun-

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mindo mais gua. Isso se deve no apenas por aspectos econmicos (aumento da renda da sociedade, incremento das atividades agropecurias e industriais), como tambm por aspectos sociais e culturais (urbanizao, lazer, mudanas de hbitos e higiene pessoal). Atualmente, cerca de 3.600 km3 de gua doce so utilizados para uso humano, o equivalente a 580 m3 per capita por ano. Ressalta-se que, 2.600 km3/ ano de gua foram utilizados nas lavouras em todo o mundo, no ano de 2000, sobretudo pelo incremento da irrigao, largamente adotada para incrementar a produo agrcola exigida pela demanda do crescimento populacional. De fato, em todas as regies, exceto Europa e Amrica do Norte, a atividade agrcola a maior usuria da gua, conforme observado na figura 5.5.

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Figura 5.5 Uso da gua por regio e por setor de consumo.

Fonte: FAO, 2002.

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dial de alimentos. Estima-se que at 2025, a atividade agrcola com uso da irrigao ir crescer de 20 a 30 %. Um fato importante de ser observado que, as estimativas referentes ao uso da gua na agricultura no incluem o uso da gua da chuva. De fato, mais alimentos ainda so produzidos atravs do uso da gua da chuva do que pela gua irrigada. No entanto, patente a importncia da agricultura no desafio de fazer as reservas hdricas da Terra atenderem a necessidades sempre crescentes, especialmente no que diz respeito produo de alimentos. O consumo de gua na produo agrcola irrigada extremamente alto tendo em vista as perdas por evaporao, infiltrao no terreno e manejo inadequado. A esse respeito basta considerar o fato de que, a gua necessria para a produo de uma tonelada de gros colhidos corresponde cerca de 1.000 a 3.000 m3, isto , para cultivar 1 quilo de arroz ou milho, so necessrias 1 a 3 toneladas de gua. Por outro lado, a pecuria tambm necessita de muita gua, por exemplo, apenas um quilo de carne corresponde a 18.000 litros de gua que foram fornecidos direta ou indiretamente ao animal que lhe deu origem, at a carne estar pronta para o consumo. No Brasil, calcula-se que cerca de 50% da gua captada para uso so destinadas para a irrigao, em apenas 5% da rea total irrigada. Torna-se necessrio: alm de ampliar essa rea, despertar no produtor rural a conscincia do uso mais racional da gua, adotando tcnicas e equipamentos mais eficientes, evitando o desperdcio at mesmo irresponsvel desse importante recurso natural, pois, estima-se que apenas metade da gua irrigada de fato chega s razes das plantas. Nesse sentido, torna-se importante esclarecer a distino existente entre a gua que retirada e a gua que realmente utilizada. Dos 3.600 km3 de gua retirada anualmente, aproximadamente metade absorvida pelas razes, sendo parte incorporada nas lavou-

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CAPTULOras e parte retorna atmosfera, atravs da evaporao e transpirao das plantas (evapotranspirao). O restante retorna para os corpos dgua (rios, lagos, reservatrios,...) ou se infiltra no solo e fica depositada nos aqferos. Contudo, infelizmente, essa gua geralmente de qualidade inferior quela que foi inicialmente retirada. Assim, a irrigao consome bastante da gua que utilizada, geralmente metade ou mais, na forma de evapotranspirao das plantaes e incorporao nas lavouras. A outra metade se infiltra no solo, ou escoa superficialmente ou se perde em evaporao improdutiva. Desta forma, ao se exportar produtos agrcolas (gros, fibras, frutas, madeiras,...), est, tambm se exportando gua. Um bom manejo do solo pode reduzir significativamente a quantidade de gua necessria para a produo de uma tonelada de gros, tanto na agricultura irrigada quanto na que s utiliza a gua de chuva. O mapa representado na figura 5.6 apresenta os pases onde a irrigao desempenha um papel fundamental (categoria 5) e onde importante (categoria 4) na agricultura. Observa-se ainda que a irrigao pouco usada nas zonas temperadas ao norte e em partes expressivas da frica.

Figura 5.6 Porcentagem de reas equipadas para irrigao em terras cultivadas (1998)Aqifero Guarani Educao ambiental para sua preservao na regio do Planalto dos Guimares

Fonte: FAO 2002.

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Figura 5.7 Porcentagem de gua utilizada na agricultura provinda de recursos hdricos renovveis (1998)

Fonte: FAO, 2002.

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Enquanto muito ainda pode ser feito para aumentar a produtividade agrcola em reas cultivadas apenas com a gua da chuva, as reas agrcolas irrigadas despertam muita ateno e preocupao por parte de pesquisadores e rgos de gesto dos recursos hdricos. Isso se deve pelo fato dessa gua, aps ser derivada do seu curso natural, usada para irrigar as culturas, retorna para os rios e aqferos, evidentemente com grande mudana tanto qualitativa quanto quantitativa. O mapa representado na figura 5.7 mostra que inmeros pases em desenvolvimento dependem muito da irrigao para a sua produo agrcola. De acordo com a anlise feita pela FAO em 93 pases, concluiu-se que 18 deles usam agricultura irrigada em mais de 40% de sua rea cultivada; outros 18 pases irrigam de 20 a 40% de suas reas agrcolas (FAO, 2002). Inevitavelmente, o uso intensivo da gua para a agricultura afeta negativamente as reservas hdricas. Ao observar atentamente o mapa da figura 5.7 percebe-se que 20 pases encontram-se em condies crticas por utilizarem mais de 40% de seus recursos hdricos renovveis na agricultura. Os pases podem ser definidos como estando em estresse hdrico (water stressed) se retirarem mais de 20% de seus recursos hdricos renovveis. Por essa definio, 36 de 159 pases (23%) j se encontravam nessa situao em 1998. Torna-se necessrio, portanto, planejar adequadamente o uso dos recursos naturais, em especial a gua e o solo, e adotar tcnicas de manejo que minimizem os impactos ambientais e os prejuzos econmicos e sociais.

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CAPTULODesta forma, especial ateno deve ser dada ao uso de tcnicas corretas de conservao de solo, diminuio do uso de biocidas na agricultura irrigada e tratamento dos efluentes domsticos e industriais nas cidades de maneira a garantir a qualidade e disponibilidade dos recursos hdricos. No Brasil, o desenvolvimento da agropecuria ocorreu sem planejamento adequado e com falta de polticas pblicas eficazes, que pudessem ordenar essa ocupao de forma racional e sustentada para evitar a degradao continuada e persistente dos recursos naturais. Aps o uso agrcola intensivo, com as conseqentes perdas da fertilidade dos solos, novas reas eram desmatadas. O histrico das culturas da cana de acar, caf, algodo, arroz, milho, feijo e, mais recentemente a soja, so exemplos marcantes desse fato nos estados do Rio de Janeiro, So Paulo, Minas Gerais, Paran e Rio Grande do Sul. Em Mato Grosso, exemplo marcante do drstico processo de ocupao pode ser constatado pelo significativo aumento da rea desmatada de 1970 a 1990, de 1.589.000 ha para 13.875.000 ha (FEMA, 1997). Assim, torna-se evidente que a sustentabilidade da agricultura encontra-se seriamente ameaada pelo esgotamento dos recursos naturais em que se apiam as prticas agrcolas at aqui difundidas. A ocupao de novas reas sem antes ter racionalizado o uso das atuais significa estimular ainda mais a degradao ambiental. Como conseqncia podem-se citar como grandes problemas a intensificao dos processos erosivos, a perda de fertilidade dos solos, a desertificao, o assoreamento dos fundos de vale e cursos dgua, alm de uma constante e sempre maior dependncia de fertilizantes e agrotxicos para se manter a produtividade agrcola, intensificando os riscos de contaminao dos solos e das guas superficiais e subterrneas, especialmente pela ocupao de reas mais vulnerveis como as cabeceiras de drenagem, fundos de vales, veredas e campos midos. O problema da desertificao chamou a ateno dos cientistas a partir do fenmeno conhecido como Dust Bowl, que ocorreu no meio oeste dos Estados Unidos na dcada de 1930, representado por uma intensa degradao do solo, em uma rea de 380.000 Km2 abrangendo os estados de Oklahoma, Kansas, Novo Mxico e Colorado. As causas foram agricultura intensiva e a falta da adoo de prticas conservacionistas de solo e gua. Em meados dos anos 70, uma grande seca acometeu a regio conhecida como Sahel, que forma uma faixa de terras, de extenso varivel, intermediria entre o deserto do Saara, ao norte, e a zona de savanas, ao sul. O aumento da atividade agrcola e a intensa utilizao das pastagens naturais agravada pelas prolongadas secas provocaram o aumento da extenso do deserto sobre a rea saheliana, sobretudo em direo ao sul e ao sudeste; nessa ocasio, 500.000 pessoas morreram de fome, despertando definitivamente a comunidade internacional para o gravssimo problema da desertificao. No Brasil, existem quatro ncleos de desertificao: Gilbus no Piau, Cabrob em Pernambuco, Serid no Rio Grande do Norte e Irauuba no Cear. Alm desses ncleos de desertificao, ocorrem extensos areais no sudoeste do Rio Grande do Sul. A tabela 5.2 apresenta a rea e a populao atingida pelo processo de desertificao no Nordeste brasileiro.

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A Conveno das Naes Unidas de Combate Desertificao realizada em Paris no ano de 1994 estabelece que: por desertificao entende-se a degradao do solo em reas ridas, semi-ridas e submidas secas, resultante de vrios fatores, entre eles mudanas climticas e atividade humana. Portanto o termo desertificao deve ser aplicado apenas aos processos que ocorrem nas reas ridas, semi-ridas e submidas secas, o que, no Brasil, significa que tal processo s pode ocorrer no nordeste semirido, havendo uma distino em relao s reas ao sul do pas que tambm esto sofrendo forte processo de degradao.Tabela 5.2 Desertificao no Nordeste, rea e Populao AfetadaGrau de Comprometimento Muito Grave Grave rea TotalFonte: Ferreira et al. 1994.

rea em Km2 52.425 247.831 665.543

Populao 1.378.064 7.835.171 15.748.769

% rea 4 20 55

% Populao 4 21 42

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As reas de degradao que ocorrem no sudoeste do Rio Grande do Sul so identificadas pelo Ministrio do Meio Ambiente como reas de ateno especial, isto , apresentam forte processo de degradao ambiental derivado ao do homem. Para explicar os processos ambientais que ocorrem nesta regio, adota-se o conceito de arenizao. Por arenizao entende-se o processo de retrabalhamento de depsitos arenosos pouco ou no consolidados, acarretando dificuldades de fixao da cobertura vegetal, devido intensa mobilidade dos sedimentos pela ao das guas e dos ventos. Desta forma, arenizao indica uma rea de degradao relacionada ao clima mido, onde a diminuio do potencial biolgico, especialmente no que diz respeito cobertura vegetal, no desemboca em definitivo em condies de tipo deserto. Ao contrrio, a dinmica dos processos envolvidos nesta degradao dos solos fundamentalmente derivada da abundncia de gua (SUERTEGARAY, 1987). A rea de ocorrncia de areais est localizada no sudoeste do Rio Grande do Sul, a partir do meridiano de 54 em direo oeste at a fronteira com a Argentina e a Repblica Oriental do Uruguai e tem, como substrato geolgico, o arenito da Formao Botucatu. Sobre esta Formao Mesozica assentam-se depsitos arenosos no consolidados, originados de deposio hdrica e elica durante o Pleistoceno e Holoceno. So nestes depsitos que se originam os areais. De acordo com a Secretaria de Recursos Hdricos do Ministrio do Meio Ambiente as perdas econmicas acarretadas por esses processos so de cerca de 800 milhes de dlares anuais. Outro grande problema relacionado m conservao do solo e da gua diz respeito eroso do solo. Responsvel pela depauperao (perda e/ou esgotamento) de extensas reas de solos agricultveis e pelo assoreamento de cursos dgua e reservatrios, provo-

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CAPTULOca impactos extremamente negativos aos recursos hdricos e acarreta grandes prejuzos econmicos e sociais. As gotas de chuva, ao carem no terreno removem partculas de solo, essas partculas so transportadas pela enxurrada at o fundo do vale podendo at mesmo alcanar os cursos dgua, assoreando-os. Ao escoar superficialmente, a gua arrasta partculas do solo lavando a superfcie do terreno como um todo, provocando a eroso laminar. Outras vezes, o fluxo de gua se concentra em conseqncia das enxurradas, provocando a abertura de sulcos no terreno, que iro acumular cada vez mais gua que ganhar fora, provocando o aprofundamento dos sulcos, surgindo, dessa maneira a eroso linear na forma de ravina, que pode atingir a expresso de booroca, na medida em que a eroso aprofundar no terreno e interceptar o nvel dgua (nvel da gua subterrnea prximo da superfcie). A figura 5.8 mostra uma ravina. A abertura de estradas rurais, caminhos, trilhas de gado e cercas, podem facilitar o escoamento concentrado das guas de enxurrada, provocando o surgimento dos processos erosivos lineares, acelerando a formao de sulcos e ravinas no terreno. At mesmo a adoo de prticas conservacionistas, quando mal executadas, podem provocar o surgimento de processos erosivos, exemplo disso a instalao de curvas de nvel mal planejadas, que podem concentrar gua em determinados pontos, provocando o rompimento do terrao e conseqente formao de eroso linear. Quando esses sulcos, ao se aprofundarem pela ao das guas de escoamento superficial atingirem o lenol fretico, esse processo erosivo se intensifica e passa a contar tambm com a participao do nvel dgua, transformando-se ento em uma booroca, que uma forma erosiva de grandes propores. A figura 5.9 exemplifica uma booroca.

Figura 5.8 Eroso linear na forma de ravina, causada pelo escoamento concentrado das guas da chuva ao longo de uma cerca

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Figura 5.9 Eroso linear na forma de booroca; observar a gua corrente no fundo da eroso e a grande dimenso atingida por esse processo erosivo.

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A despeito de ser muito menos intensa que a eroso provocada pela gua, a eroso elica vem se intensificando, especialmente nas extensas reas de planalto no centro do Brasil. Motivada especialmente pelo intenso desmatamento e preparo do solo para as culturas de soja, algodo, milho, cana de acar entre outras, durante os meses de julho, agosto e setembro, so comuns as ocorrncias de roda moinhos, em reas do Planalto dos Guimares. A figura 5.10 exemplifica tal fato em uma rea de solo descoberto de vegetao e preparado para agricultura.

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Figura 5.10 Eroso elica em rea preparada para a lavoura.

CAPTULOAs perdas de solo, fertilizantes e biocidas, devido aos processos erosivos so enormes, acarretando srios prejuzos econmicos aos produtores rurais, alm de intensificar a contaminao dos cursos dgua, reservatrios e aqferos, comprometendo a qualidade dos recursos hdricos. A Tabela 5.3 apresenta uma estimativa da perda de solo e de nutrientes por algumas culturas no estado de So Paulo, demonstrando a ordem de grandeza das perdas de solo relacionada aos processos erosivos que ocorrem em lavouras bastante usuais, tais como: feijo (3810 toneladas de solo por ano em uma rea de 100 ha), arroz (2510 t/ano em 100 ha), milho (1200 t/ano em 100 ha) e soja (2010 t/ano em 100 ha). Observa-se que as culturas perenes, pastagens e reflorestamento apresentam as menores perdas de solo e nutrientes. Torna-se importante esclarecer que tais dados se referem a uma situao mdia, portanto, no refletem uma situao especfica em particular. No entanto, os processos erosivos no ocorrem apenas nas reas rurais, mas tambm nas cidades, com prejuzos econmicos e sociais so ainda maiores, comprometendo o patrimnio dos cidados e obras pblicas, alm de colocar em risco a vida da populao das reas atingidas. A figura 5.11 apresenta a ocorrncia de uma booroca em uma rea urbana; pode-se observar o comprometimento do arruamento, a grande dimenso do processo erosivo e a proximidade do mesmo de vrias casas. Infelizmente a ocorrncia de boorocas em reas urbanas uma realidade presente em inmeras cidades brasileiras, devido principalmente aos equvocos ocorridos durante a ocupao urbana que, na maioria das vezes, no leva em considerao as limitaes impostas pelo meio fsico, representadas pelo substrato rochoso, solo, relevo e drenagem.

Tabela 5.3 Estimativa da perda de solo e de nutrientes em algumas culturas. rea em hectares (ha) e perda de solo e nutrientes em toneladas por ano (t/ano).Tipo de Cultura rea (ha) Perda solo (t/ano) 2480 2670 2510 90 1240 3810 90 3390 1200 40 90 2010 N (t/ ano) 2,40 2,58 2,43 0,09 1,20 3,69 0,09 3,28 1,16 0,04 0,09 1,94 P (t/ ano) 0,07 0,07 0,07 0,00 0,03 0,10 0,00 0,09 0,03 0,00 0,00 0,05 K (t/ ano) 0,25 0,27 0,25 0,01 0,12 0,38 0,01 0,34 0,12 0,00 0,01 0,20 Ca+Mg (t/ano) Sulfato de Amnio (t/ano) 12,00 12,92 12,14 0,44 6,00 18,43 0,44 16,40 5,81 0,19 0,44 9,72 Superfosfato Simples (t/ano) 0,36 0,39 0,37 0,01 0,18 0,56 0,01 0,50 0,18 0,01 0,01 0,30 Cloreto de Potssio (t/ano) 0,43 0,46 0,43 0,02 0,21 0,66 0,02 0,59 0,21 0,01 0,02 0,35

Algodo Amendoim Arroz Caf Cana Feijo Laranja Mandioca Milho Pastagem Reflorestamento SojaFonte: www.cnpma.embrapa.br/analise_econ/

100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100

2,35 2,53 2,38 0,09 1,18 3,61 0,09 3,22 1,14 0,04 0,09 1,91

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Figura 5.11 Booroca em rea urbana Bauru SP

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Os processos erosivos so as principais causas do assoreamento dos rios, comprometendo a qualidade e disponibilidade dos recursos hdricos to necessrios para a manuteno das cidades. A figura 5.12 exemplifica o intenso assoreamento de um rio, motivado pela m ocupao do solo urbano, culminando com a ocorrncia de booroca. A urbanizao , talvez, uma das caractersticas mais marcantes do mundo. Hoje, existem vinte e tres (23) megacidades, com populaes superiores a 10 milhes de habitantes, sendo que dezoito (18) das quais, encontram-se em pases em desenvolvimento. A cada ano 60 milhes de novos habitantes somam-se a estas megacidades, seja por migrao ou por crescimento vegetativo, aumentando as demandas por gua e multiplicando os problemas por superexplorao, poluio e m gesto dos recursos hdricos disponveis. Estima-se que at o ano de 2025 mais de 5 bilhes de pessoas estaro vivendo em zonas urbanas, portanto qualquer soluo relacionada crise da gua encontra-se atrelada governabilidade das cidades. O fato que, a urbanizao crescente agrava tanto os conflitos pela gua, quanto intensifica os impactos ambientais decorrentes das obras necessrias para assegurar o abastecimento das populaes cada vez mais concentradas. Muitas cidades j exploram as guas subterrneas acima da capacidade de reposio natural. A cidade do Mxico, devido retirada excessiva de gua do subsolo, apresenta um grave problema de subsidncia, ou seja, a cidade est literalmente afundando (Murck et al., 1996). A cidade de Ribeiro Preto SP retira anualmente do Aqfero Guarani 93 milhes de metros cbicos de gua, no entanto, a recarga empreendida pelas chuvas de 7 milhes de metros cbicos, ou seja, a gua extrada excede em mais de 13 vezes o que reposto pela chuva. (ABAS, 2006).

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Fonte: IPT

CAPTULOFonte: IPT

Figura 5.12 Assoreamento de rio motivado pelo uso imprprio do solo

maiores que a capacidade de fornecimento de gua de boa qualidade. Na Amrica Latina, 30% da populao vivem em cidades com mais de um milho de habitantes, aglomerados urbanos que geram necessidades e situaes de planejamento e administrao bastante complexos. Como resultado: cerca de 92 milhes de pessoas sem acesso gua potvel e 122 milhes sem esgoto sanitrio. Por outro lado, diversos pases apresentam srios problemas relacionados poluio de seus aqferos, em alguns casos devido a superexplorao ou a reduo da recarga, como por exemplo, a contaminao por Arsnio dos poos de 85% da rea de Bangladesh, com risco potencial para 75 milhes de habitantes, sendo que 1,2 milho j apresentaram

Aqifero Guarani Educao ambiental para sua preservao na regio do Planalto dos Guimares