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Lívia Vieira Almeida (Secretária Acadêmica)

Beatriz Mariz Lobo (Diretora Acadêmica)

Amanda Menezes Cabral (Diretora Assistente)

Brenda Figueiredo De Oliveira Borges (Diretora Assistente)

Eduarda Lima Saldanha (Diretora Assistente)

Pedro Victor De Oliveira Mota (Diretor Assistente)

RaellynRitter Vilela (Diretora Assistente)

Rafael De Oliveira Queiroz (Diretor Assistente)

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

Caso A: Habitantes da Raposa Serra do Sol Vs.República Federativa do Brasil

Caso B: Carandiru Vs. República Federativa do Brasil

Guia de Estudo apresentado ao Projeto de Extensão UNISIM-RN – Simulação Inter Mundi, do Centro Universitário do Rio Grande do Norte (UNI-RN), a ser realizado na data de 19 a 22 de agosto de 2015. Orientadora Geral: Vânia Vaz Barbosa Cela Orientador Adjunto: Flávio Macedo Freire

Natal/RN

01/05/2015

Lívia Vieira Almeida, cursa o 3° período do curso de Direito no UNI-RN e é a

Secretária Acadêmica da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Para vocês

senhores advogados é melhor chama-la de Excelentíssima Juíza, sempre muito

arrumada e com um salto 15 ela não deixa escapar nenhum detalhe, acho bom a

partir de hoje os senhores montarem a pauta e o cronograma de estudos, pois com

ela não tem corpo mole. Metódica e sempre muito perfeccionista, deixamos um

recado: não se surpreendam caros juízes, se ela te acordar as três da manhã para

cobrar algo ou falar sobre os casos da simulação, organização é o nome dessa

Secretária. Ela promete que além de ser uma excelente juíza, montará um álbum de

selfie com todos os integrantes deste comitê. Com o sonho de ser Promotora, o

lema dela “É faca na caveira”.

Como se não bastasse uma, dela existem duas, não sei se mais ou menos

pontual, ou mais ou menos loquaz. Beatriz Mariz Lobo, inteligente e dedicada

estudante de direito do 7º período na UNI-RN, está sempre a dispor, mesmo com

sua vida “se vira nos 30”, de estudar, estagiar, redigir TCC, ir a reuniões da Corte

IDH, entre outras atividades. É mister frisar que esta disposição existe, mas ao

marcar uma reunião, por exemplo, encontra-se sujeita a atrasos, apesar de sua

síndrome de atraso crônico está sendo tratada, logo, ao marcar qualquer uma das

atividades acima, chegue uma hora depois da marcada, talvez diminua seu tempo

de espera. Mas cuidado, se estiveres com pressa é melhor deixar para outro

momento, pois quando começa a falar...

A grande Amanda Menezes Cabral carrega 19 primaveras em seu currículo

vital e, atualmente, cursa o primeiro período do curso de Direito da UNI-RN. Morena

de cabelos castanhos, pretende mudar o mundo e é a promessa da paz mundial

antes de chegar aos 30. Sua especialização abrange a área penal e este será o viés

de ajudar o Green Peace e os demais órgãos que visam a mudança do planeta. No

comitê da Corte Interamericana de Direitos Humanos atuará como mentora e

promete preparar excelentes/magníficos advogados para os julgamentos. Seus

traços de timidez serão esvairados com a determinação e competência que minha

cara colega possui.

Apesar de ser potiguar e residir em uma terra denominada de “Cidade do sol”,

Brenda Figueiredo Borges rompe com os parâmetros de pele bronzeada e apresenta

uma cor branca nunca antes vista em território predominantemente conhecido por

sua miscigenação. Detentora de um olhar marcante devido a aquisição de cílios

postiços, conseguiu conquistar seu atual namorado aos 17 anos de idade e hoje, na

eminência dos 21, identifica-se com a música “eu, você, dois filhos e um cachorro”,

pois almeja casar e construir uma linda família com seu companheiro

músico.Atualmente cursa o terceiro período de Direito na Universidade do Rio

Grande do Norte e procura conciliar os estudos com um projeto de academia que

sempre começará na semana que vem, além de um curso semestral realizado no

exterior de como ser um poço de calmaria.

Eduarda Lima Saldanha, contando seus 19 aninhos de vida e cursando o 3

período do curso de Direito, na UNI-RN. De uma beleza muito exótica por aqui pelo

Brasil, a loirinha de olhos verdes é uma apaixonada pelo mundo. De cidade em

cidade ela pousa, com a raquete na mão, pronta pra vencer – ou matar os

pernilongos. Garota que com certeza possui uma bagagem de vida riquíssima, pois

desbravou a Inglaterra inteira. Timidez pra quem não conhece, mas também

coragem o suficiente pra deixa-la de lado e perquirir seus sonhos, enfrentar seus

desafios.

Pedro Mota, ou melhor, Pedro Mota e banda tem 18 anos e cursa o primeiro

período do curso de Direito na UFRN. Cantor profissional que está pra se inscrever

no Super Star, Pedro faz faculdade como hobbie porque seu talento nato é a voz.

Possui uma grave doença, até então incurável... Mal de celular, digita a todo tempo

e mais rápido que um datilógrafo. Eloquente em seus discursos e amante de

Cazuza, prefere um Toddynho ao tédio e ainda arrasa o coração das meninas por

onde passa. Alto, forte, bonito e sensual quer botar moral como Delegado usando

seus looks engomadinhos e ensacadinhos. Sua filosofia de vida é: Vida louca, vida,

vida breve... Já que eu não posso te levar quero que você me leve.

"Meu perfume você quer, mas não leva jeito, pra ter sucesso, amor, tem que

fazer Direito" Esse é o lema da nossa advogada Ritter, 19 anos, que vem sempre

divando, montada nos looks, no cabelo loiro e na dieta fitness, para mostrar que com

o direito não tem medo de bandido. RaellynRitter Vilella, cursa 3º período de Direito

no UNI-RN, sonha em trabalhar com o Direito Penal, mas não sabe ao certo que

carreira seguir na área, com ela não tem moleza, não tem bandido nem polícia que

não enfrente sem deixar a delicadeza, usa de todos os meios necessários para

defender as vítimas, sem perder a cabeça, nem que pra isso leve fita métrica, arma,

código ou o que quer que seja, desde mantendo o salto, a dignidade e a beleza.

Com seu jeito paulista, chiado de falar, não se deixe enganar, porque de calma só

aparenta, pra acusar o Brasil ela enfrenta, com firmeza e dedicação, que só abre

mão em prol dos doces, mas não perde a linha, nem desiste da academia, com ela

você pode contar, está sempre disposta a ajudar, mas não se iluda, a doçura

engana, e a travessura com pitada de elegância e força de vontade prevalece.

Ygor, 20 anos, sim, Ygor com “Y”. Você pode se perguntar o que ele está fazendo

aqui com essa cara de C&T ou mecânica, quem sabe até corte e costura, mas

acreditem, ele é um estudante de Direito e será o secretário da Corte IDH. Aquele

cara que você vai querer atirar pedras quando ele impugnar suas provas. Ygor

estuda na UFRN e nem ele sabe em qual período está. Para o futuro profissional,

sonha em ser juiz. Além disso, ama chiclete com Banana, Ivete Sangalo e é

Presidente do Fã Clube Oficial de Cláudia Leite em Natal, afinal, ele só quer mais é

beijar na boca e ser feliz daqui pra frente.

LISTA DE ABREVIATURAS

AGUAdvocacia Geral da União

CEJIL Centro pela Justiça e o Direito Internacional

CIDH Comissão Interamericana de Direitos Humanos

CIR Conselho Indígena de Roraima

COE Comando de Operações Especiais

Corte IDH Corte Interamericana de Direitos Humanos

DADHDeclaração Americana de Direitos Humanos

DADDH Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem

EUA Estados Unidos da América

FUNAI Fundação Nacional do Índio

GTI Grupo de Trabalho Interministerial

MERCOSUL Mercado Comum do Sul

OEA Organização dos Estados Americanos

OIT Organização Internacional do Trabalho

ONGS Organizações Não Governamentais

ONU Organização das Nações Unidas

PCC Primeiro Comando da Capital

ROTARotas Ostensivas Tobias Aguiar

SIPDH Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos

STFSupremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça

SPIServiço de Proteção aos Índios

TRFTribunal Regional Federal

UNISIM Simulação Inter Mundi do UNI-RN

Sumário

1INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9

2NOÇÕES PRELIMINARES .................................................................................... 11

2.1A importância dos tratados internacionais ...................................................... 11

2.2 Direitos humanos: Uma breve visão histórica ................................................ 15

2.3 A roupagem constitucional dos direitos humanos .......................................... 19

2.4 Documentos norteadores .............................................................................. 21

3ENTENDENDO A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS ......... 23

3.1 Sistema Interamericano de Direitos Humanos................................................23

3.2 Convenção Americana de Direitos Humanos ................................................ 25

3.3 Comissão Interamericana de Direitos Humanos ............................................ 29

3.4 Corte Interamericana de Direitos Humanos ................................................... 31

3.4.1 Competência Consultiva .......................................................................... 32

3.4.2 Competência Contenciosa ...................................................................... 33

4PROCESSAMENTO DO ESTADO PERANTE A CORTE ..................................... 35

5 EXECUÇÃO DE SENTENÇAS DA CORTE NO BRASIL ..................................... 37

6RELATÓRIO N° 125/10: POVOS INDÍGENAS DA RAPOSA SERRA DO SOL VS.

REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL ...................................................... 39

6.1 Contexto histórico e descrição dos fatos ....................................................... 39

6.2 Análise da denúncia ...................................................................................... 44

6.2.1 Introdução ............................................................................................... 44

6.3 Trâmite perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos ...................... 46

6.4 O posicionamento dos peticionários .............................................................. 47

6.5 A resposta da República Federativa do Brasil ............................................... 49

6.7 Habitantes da Raposa Serra do sol X Estado de Roraima ............................ 51

6.8 Posicionamento dos Tribunais Brasileiros frente ao caso Raposa Serra do sol54

7 CASO: 11.291CARANDIRU VS REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL .......... 58

7.1 Contexto histórico ......................................................................................... 58

7.2 Descrição dos fatos ....................................................................................... 61

7.3 Análise do caso ............................................................................................. 63

7.3.1 Introdução ............................................................................................... 63

7.4 Trâmite perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos ...................... 65

7.5 Posicionamento dos peticionários ................................................................. 67

7.6 Resposta da República Federativa do Brasil ................................................. 69

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 71

REFERÊNCIAS..........................................................................................................72

ANEXOS....................................................................................................................77

9

1 INTRODUÇÃO

Iniciada a 9o edição da UNISIM - Simulação InterMundi, projeto do Centro

Universitário do Rio Grande do Norte (UNI-RN)nada mais salutar do que trazer para

o evento um comitê que promova discussões com viés jurídico na resolução de

litígios, fugindo do caráter diplomático e político dos comitês mais tradicionais na

órbita dos Modelos das Nações Unidas. É com essa proposta, que pela segunda vez

a Corte Interamericana de Direitos Humanos se faz presenteem mais uma edição.

A presença de uma Corte desta natureza entre os comitês a serem simulados

se justifica dado o comprometimento do projeto em trazer para o mundo acadêmico

um debate sobre os temas de maior relevância no cenário internacional da

atualidade, ainda mais em se tratando da Corte IDH, cujas decisões podem gerar

consequências diretas e perceptíveis por todos nós, devido à forte incidência do

SIDH na realidade brasileira. Desta feita, durante as discussões, temas de grande

mérito no âmbito jurídico internacional serão colocados em pauta como os direitos à

vida, à liberdade, à informação e à igualdade.

A Corte IDH é uma das câmaras do Sistema Interamericano de Direitos

Humanos (SIDH), sendo constituída com o escopo de aplicar o Pacto de San José

da Costa Rica, objetivando a proteção dos direitos inerentes à pessoa humana nos

países que dela são signatários. Destarte, através dos casos Habitantes da Raposa

Serra do Sol vs. República Federativa do Brasil e Carandiru vs. República

Federativa do Brasil, o comitê oportuniza aos participantesoentendimentosobre o

funcionamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, assim comodo SIDH

(Sistema Interamericano do Direitos Humanos).

Para orientar os trabalhos a serem efetuados nos dias da Simulação, o

presente Guia de Estudos discorrerá sobre o funcionamento do SIDH, ainda que de

forma não exaustiva, explanando brevemente a respeito da Comissão

Interamericana de Direitos Humanos e discorrendo sobre a estrutura, jurisdição e

composição da Corte IDH, a sua normativa aplicável e, por fim como se dá o

procedimento perante a mesma. Outros pontos de grande importância serão

10

tratados no decorrer deste material para fins de um maior entendimento. Feita essa

breve análise, apresentar-se-ão os casos a serem simulados, com sua

contextualização no Estado Demandado, esclarecimento sobre os fatos e

demonstração dos trâmites perante o Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

É crível o esclarecimento que, as informações elucidadas acerca dos casos a

serem simulados são fornecidas apenas à teor de exposição das demandas, não

podendo nenhum dos dados aqui fornecidos serem suscitadas por qualquer das

partes na hora das audiências como fatos verídicos, sendo este apenas um Guia de

Estudos para compreensão das temáticas envolvidas.

Por fim, após os esclarecimentos, resta-nos convidá-los oficialmente para a

simulação da Corte IDH e desejar-lhes bons estudos.

11

2 NOÇÕES PRELIMINARES

Neste tópico trataremos sobre as implicações que os Tratados Internacionais

possuem na ordem jurídica nacional dos países signatários, sua grande relevância

para as relações entre os Estados Nacionais, e consequentemente a

responsabilização internacional, caso infrinjam direitos humanos. Além disso, a

dinâmica sobre a roupagem constitucional que é dada aos tratados ratificados pelo

Brasil que ganham, em alguns casos, caráter supralegal.

2.1A IMPORTÂNCIA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS

O Direito Internacional é o principal instrumento que rege as relações dos

países no âmbito mundial, por isso, ao estudá-lo, torna-se possível um maior

entendimento acerca da solução de conflitos, relações políticas e diplomáticas e a

função das jurisdições internacionais. Dessa forma, ao analisar a homologação dos

tratados, é possível compreender os caminhos que ele deve percorrer para que

entre em vigor no Brasil, e com isso, perceber a dinâmica utilizada pelo Estado para

votar e autorizar questões importantes como as relações externas. Portanto, os

tratados são de suma importância para o mundo, pois é o principal articulador e

autenticador das relações entre os Estados nacionais.

Assim, a consolidação da responsabilização internacional por violação de

direitos humanos perpassa pela delimitação das fontes do Direito Internacional,

principalmente, os tratados internacionais, que figuram na condição de fonte

precípua. A observância desses documentos internacionais é condição basilar para

a erupção e perene sustentação de uma codificação do Direito Internacional e, por

conseguinte, uma responsabilização internacional dos Estados que não seguem as

diretrizes emanadas desses mecanismos.

Os tratados internacionais não são uma criação recente, entretanto, ganham

força e figuram como uma fonte primordial do direito somente na segunda metade

12

do século XX. Tal importância corroborada pelo art. 38, do Estatuto da Corte

Internacional de Justiça, que coloca as Convenções Internacionais, celebradas pelos

Estados, como fonte primeira do Direito Internacional, a exemplo do que se pode

constatar abaixo:

1. A Corte, cuja função seja decidir conforme o direito internacional as controvérsias que sejam submetidas, deverá aplicas;

2. As convenções internacionais sejam gerais ou particulares, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes.1

Dessa maneira, o tratado, como a principal fonte do Direito Internacional

regula as principais matérias de cunho internacional e melhor condiz com o ideal

democrático, haja vista a participação direta dos Estados para a sua elaboração.

Nesse contexto, dentre as diversas figuras jurídicas, os tratados

internacionais ganham relevância por representarem um “meio de desenvolver a

cooperação pacifica entre as nações, quaisquer que sejam os regimes

constitucionais e sociais”.2 Para exemplificar, cabe citar dois tratados de importância

singular para o mundo e para a América do Sul. O primeiro, refere-se a Carta das

Nações Unidas, que desde o seu preâmbulo estabelece o respeito aos tratados

como fonte do direito internacional. Eis o teor do referido dispositivo:

Nós, os povos das nações unidas, resolvidos a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humanos, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social

e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla.3

1Disponível em:<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Corte-Internacional-de-

Just%C3%A7a/estatuto-da-corte-internacional-de-justica.html>Acesso em 04 de março de 2015. 2RANGEL, Vicente Marota. Direito e Relações Internacionais. 8. Ed. Editora Revista dos tribunais,

2000, pág. 297. 3 Carta das Nações Unidas, preâmbulo. Disponível em:

<http://csnu.itamaraty.gov.br/images/Carta_da_ONU_-_Vers%C3%A3o_Portugu%C3%AAs.pdf> Acesso em 04 de março de 2015

13

Já o segundo documento mencionado é o tratado de Assunção, que prevê a

criação de um mercado comum, posteriormente chamado de Mercado Comum do

Sul (MERCOSUL), assim assevera:

Considerando que a ampliação das atuais dimensões de seus mercados nacionais, através da integração, constitui condição fundamental para acelerar seus processos de desenvolvimento econômico com justiça social, segue:

ARTIGO I

Os Estados Partes decidem constituir um Mercado Comum, que deverá estar estabelecido a 31 de dezembro de 1994, e que se denominará “Mercado Comum do Sul” (MERCOSUL).4

A Convenção de Viena de 1969 sobre os tratados perfilhar-se da seguinte

forma:

Tratado significa um acordo internacional concluído entre Estados em forma escrita e regulado pelo Direito Internacional, consubstanciado em um único instrumento ou em dois ou mais instrumentos conexos qualquer que seja sua designação especifica.

Essa, ao disciplinar o modus operandi dos tratados internacionais, estabelece

uma norma que deve ter uma observância obrigatória pelos sujeitos internacionais.

Dessarte, apesar de o Brasil não figurar na condição de signatário da referida

convenção, o cumprimento dos dispositivos resta obrigatório, haja vista que é uma

norma dotada de cogência que se impõe sobre toda a comunidade internacional,

como explícito em seu artigo 3º:

O fato de a presente Convenção não se aplicar a acordos internacionais concluídos entre Estados e outros sujeitos de direito internacional, ou entre estes e outros sujeitos de direito internacional, nem a acordos em forma não escrita, não prejudicará:

a) o valor jurídico desses acordos;

b) a aplicação a esses acordos de quaisquer regras enunciadas na presente Convenção, às quais estariam submetidos em virtude do direito internacional, independentemente da referida Convenção;

c) a aplicação da Convenção às relações entre Estados, reguladas em acordos internacionais, em que sejam igualmente partes outros sujeitos de direito. 5

4 Tratado de Assunção. Disponível em:

<http://www.antaq.gov.br/portal/pdf/mercosultratadoassuncao.pdf>Acesso em: 04 de março de 2015

14

Por conseguinte, a Constituição Federal de 1988, admite que o Brasil seja

signatário de tratados internacionais6, cabendo ao Congresso Nacional resolver

sobre eles7 e ao Presidente da República a competência privativa para celebrá-los8.

Além disso, o legislador por meio da Emenda Constitucional nº 45 de 2004 (EC

45/2004), resolveu estabelecer status superior para os tratados internacionais sobre

direitos humanos, podendo ser equiparados às Emendas Constitucionais, desde

que, sejam aprovadas pelo mesmo rito dessas últimas. Com efeito, eis o que reza o

parágrafo terceiro:

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.9

Em 1948, houve um enorme avanço em relação à internacionalização da

proteção dos direitos com a aprovação da Declaração Universal dos Direitos

Humanos e da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Após tais

aprovações, inicia-se o progresso do Direito Internacional dos Direitos Humanos

mediante a adoção de inúmeros instrumentos internacionais de proteção.

Complementando, e não se opondo ao sistema global da ONU, há também espécies

de sistemas de proteção regionais, que são de suma importância na garantia dos

direitos humanos, tornando imprescindível que os Estados criem mecanismos

internos capazes de implementarem as decisões internacionais.

Diante de tal conjuntura, nascem divergências e dificuldades no que diz

respeito à eficácia imediata e força obrigatória que os valores preestabelecidos nos

tratados terão internamente, fazendo-se assim, mais visível à necessidade e

5 Disponível em: <http://dai-mre.serpro.gov.br/legislacao/convencao-de-viena-sobre-o-direito-dos-

tratados-1/> Acessado em: 04 de março de 2015 6 Tratado de Assunção. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaAdpf101/anexo/Tratado_de_Assuncao..pdf> Acessado em: 04 de março de 2015 7 Constituição Federal, Artigo 5º, § 2º: Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não

excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. 8 Constituição Federal, Artigo 49, I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos

internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. 9 Constituição da República Federativa do Brasil, Artigo 5º, § 3º

15

utilidade de órgãos de proteção que corroborem a indivisibilidade e universalidade

dos direitos humanos.

Em uma perspectiva de complementaridade dos sistemas, visando identificar

que não são elementos concorrentes, mas de reciprocidade e integralidade mútua, a

efetividade das recomendações internacionais concernentes aos direitos humanos

dependerá de uma mudança de paradigma por parte dos Estados. Estes, devem

possuir a capacidade de reconhecer os homens como sujeitos de uma comunidade

internacional. A adesão e a submissão aos organismos internacionais e a

observância dos dispositivos advindos de Tratados e Convenções internacionais,

são pressupostos basilares para a garantia das questões de cunho universal.

Portanto, as sucessivas alegações de “competência exclusiva dos Estados” ou

“violação da soberania estatal” vão sendo paulatinamente substituídas por uma

aquiescência do Estado, que reconhece a internacionalização das matérias10.

2.2DIREITOS HUMANOS: UMA BREVE VISÃO HISTÓRICA

No século XVIII, período de efervescência dos pensamentos iluministas,

aflora-se o desejo de garantia dos direitos individuais por parte de um Estado

luxuoso e omisso, na França, para com a população que habitava tal território. As

péssimas condições de vida transformaram um cenário conformista em um ambiente

engajado politicamente em diversos segmentos a fim deassegurar os direitos de

cada classe.

Em tal monarquia absoluta, como era a França antes da Revolução Francesa

(1789), o rei detinha tamanho controle sobre a legislação que apontava para uma

espécie de divindade. Diante das barbáries cometidas por esse sistema, o filósofo

Michel Foucault escreve sua renomada narrativa denominada “Vigiar e Punir”,

partindo do pensamento que os frutos da Revolução Francesa são inestimáveis para

10

MAMEDE, Alex Jordan Soares. Tratado Internacional: Ferramenta Essencial para os Direitos Humanos. Revista Crítica do Direto, 2012

16

a preocupação mundial quanto ao debate da garantia dos direitos, o convívio e bem

estar da sociedade11.

Outro acontecimento marcante para o surgimento de documentos que

assegurem os direitos individuais foi no contexto da Revolução Industrial. A criação

de um sistema fabril mecanizado engajou a supremacia capitalista, que através de

métodos exploratórios expuseram pela primeira vez os riscos que o trabalho

excessivo, visando sempre o lucro máximo, podem trazer: a prática do suicídio

constante; elevada mortalidade infantil; prostituição e crimes. Neste mesmo

diapasão, houve o surgimento da Sociologia com pensadores como Auguste Comte,

Saint Simon e Max Weber que buscaram na análise dos efeitos causados pela nova

sociedade uma justificativa para a garantia da permanência do sistema capitalista,

enquanto outros intelectuais da época como Marx e Engels focavam na busca de

uma alternativa ao modelo recém-instaurado. Ambos considerados marcos históricos

em conjunto com as guerras mundiais fomentou a base da necessidade de se

instaurar regras para uma relação mais harmoniosa entre os indivíduos de todas as

nações12.

É importante ressaltar que em face a esses acontecimentos, houve a

efetivação da liberdade de consciência, o amadurecimento da sociedade e o

desenvolvimento individual e histórico, os quais foram positivados por meio da

Petição de Direitos de 1629, proibindo a detenção ilegal, e o Bill ofRights13

, que por

sua vez pôs fim a monarquia absolutista e trouxe garantia a liberdade pessoal. Nesta

esteira, faz-se mister considerar um dos principais marcos, a Declaração dos

Direitos do Homem e do Cidadão, que dispôs sobre o princípio da igualdade,

legalidade e livre manifestação do pensamento14, além de tantos outros como a

Declaração de Independência Norte-Americana, representaram a emancipação do

indivíduo perante os antigos grupos aos quais ele tradicionalmente se submetia.

11Disponível em: <http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/saiba-mais-obra-vigiar-punir-michel-foucault-678921.shtml>. Acesso em: 08 de abril de 2015. 12Disponível em: <http://www.historiadomundo.com.br/idade-moderna/revolucao-industrial.htm>. Acesso em: 08 de abril de 2015. 13Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/decbill.htm>, Artigos 2 e 15. Acesso em: 07 de abril de 2015. 14Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/declaracao-de-direitos-do-homem-e-do-cidadao-1789.html>, artigos 1, 5 e 3. Acesso em: 09 de abril de 2015.

17

É valido destacar ainda, a importância da Convenção de Genebra no século

XIX, para o regramento das situações de guerra com a intenção de minimizar o

sofrimento dos soldados prisioneiros15, bem como a Organização Internacional do

Trabalho16 para a proteção dos trabalhadores, asseverada por Sidney Guerra em

sua obra sobre Direitos Humanos. Ambos colaboraram para o advento das três

vertentes da proteção internacional da pessoa humana, o direito humanitário, os

direitos humanos e o direito dos refugiados, tendo seus maiores desdobramentos na

segunda metade do século XX.

As declarações de direitos ganham força a partir do momento que estão

presentes nos textos constitucionais, compactuando com a ordem jurídica

internacional preparada para tornar todos esses direitos efetivos. Entretanto, é

apenas a partir de 1945, pós Segunda Guerra Mundial, com a proclamação da Carta

da ONU17 e da Declaração Universal, que o Sistema Internacional de Proteção aos

Direitos Humanos ganha real força, destaque e aplicabilidade, não se restringindo a

ordenamentos e concretizando a realidade social. Tal Carta dispõe no art.55: “As

Nações Unidas favorecerão o respeito universal e efetivo aos direitos humanos e

das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou

religião”18

Sem dúvida, neste cenário do pós guerra, houve a extrema necessidade da

reconstrução dos direitos humanos e a crítica ao sistema positivista, tendo em vista

que o nazismo e fascismo ascenderam ao poder dentro da legalidade. A partir disso,

foi possível identificar a necessidade de se limitar o poder do Estado e desenvolver a

ideia de os direitos humanos não poderem estar reduzidos ao domínio reservado do

Estado.

Assim, se passou a buscar o “mínimo ético irredutível” defendido pelo

universalismo, o qual afirma que a simples existência do homem, implica no valor

intrínseco da dignidade humana, aceitando-se a intervenção da comunidade

internacional para a execução de sua garantia. Em contraponto a essa teoria, o

15Disponível em: <http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhuniversais/dih-conv-IV-12-08-1949.html>, Título 2 da Convenção de Genebra de 1929. Acesso em: 09 de abril de 2015. 16

GUERRA, Sidney. Direitos Humanos. Editora Atlas, 2 edição, P. 31. 17

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. Editora Método, P. 59. 18Disponível em: <http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhuniversais/onu-carta.html>, artigo 55. Acesso em: 09 de abril de 2015.

18

relativismo cultural19 admite a noção de direitos estritamente relacionados ao

sistema político, econômico, social e cultural vigente em determinada sociedade,

logo é preciso se respeitar a pluralidade de culturas, em que cada uma produz seus

próprios valores. Porém, muitas vezes com base nesse argumento, há grandes

violações aos direitos humanos, razão pela qual tal corrente é minoritária.

Diante de tantas discussões, é possível notar a maior abertura para o diálogo,

refletindo-se nos anos seguintes com a ocorrência de vários acordos internacionais,

a Convenção de Direitos Humanos, o Pacto Internacional de Direitos Civis e

Políticos, a Convenção Interamericana de Direitos Humanos e vários outros. Dessa

forma, evidencia-se que o sistema global, regional e nacional são complementares e

interagem em benefício do indivíduo, a fim de proporcionar a maior efetividade na

tutela e promoção de direitos fundamentais.

Por fim, é importante lembrar, nos dias atuais, que nenhum indivíduo pode se

sobrepor aos demais, pois o caminho para se alcançar a concretização desse ideal

básico foi bastante prolixo até ser criadas instituições jurídicas de defesa da

dignidade humana contra a violência, o aviltamento e a exploração. Conquanto até

conseguir esse êxito, a humanidade passou por massacres, genocídios, guerras

violentas, autoritarismos e tantos outros para haver a luta, o combate, a união de

nações, de Estados, a mobilização internacional, a formalização dos direitos

objetivando a efetivação estes. Ainda assim, existem lutas a serem travadas para

que isto se torne cada vez mais abrangente envolvendo os menores países e

cidades.

Por essa razão, segundo Konder Comparato20, todos os seres humanos,

apesar das inúmeras diferenças biológicas e culturais que os distinguem entre si,

merecem igual respeito, como únicos entes no mundo capazes de amar, descobrir a

verdade e criar a beleza. É o reconhecimento universal de que, em razão desta

radical igualdade, ninguém-nenhum indivíduo, gênero, etnia, classe social, grupo

religioso ou nação pode afirmar-se superior aos demais.

19

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. Editora Método, P. 76. 20

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. Editora Saraiva,

2010, p.1

19

2.3A ROUPAGEM CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS HUMANOS

Um dos alicerces primordiais recepcionado pela Constituição Brasileira

referente à matéria de direitos humanos é a Emenda Constitucional nº 45/2004. Sua

tese basilar se fundamenta nos preceitos fundamentais do direito público externo se

integrando ao sistema jurídico brasileiro como normas constitucionais, em razão

disso, ganham do nosso ordenamento uma roupagem constitucional e são tratadas

como normas brasileiras. Sua criação está intimamente ligada ao processo

legislativo de criação de emendas constitucionais, pois retiram fundamentos

diretamente da Carta Magna. As emendas constitucionais possuem uma hierarquia

acima das demais normas, logo são tratadas de forma rígida pelo ordenamento pelo

fato da Constituição de 1988 possuir caráter rigoroso quanto ao processo de

modificação das leis.21

Além disso, os tratados internacionais uma vez internalizados ao

ordenamento brasileiro podem ser classificados como um ato complexo, onde atuam

o legislativo (Art. 49, I, CRFB/ 1988) e executivo (Art.84, VIII, CRFB/ 1988) na

execução dos ditames estabelecidos constitucionalmente. Isso possibilita uma

intervenção ao arbitrário poder do Estado, servindo de equilíbrio a um sistema de

freios e contrapesos. Por conseguinte, o Judiciário serve como interventor da justiça,

analisando assim a legalidade e o mérito de matérias estrangeiras que produzam ou

venham a produzir efeitos na orbita jurídica interna, posto que, no Brasil, vigora por

força do artigo 5º, XXXV, o princípio da inafastabilidade da jurisdição.22

Nessa conjuntura histórica a emenda constitucional nº 45 implantou uma

reforma jurídica na Constituição Brasileira de 198823, invocando mais um

pressuposto de admissibilidade para o recurso extraordinário e a adição da súmula

vinculante elaborada pelo Supremo Tribunal Federal. A súmula vinculou seus efeitos

21

Disponível em: <http://www.fdv.br/publicacoes/periodicos/revistadireitosegarantiasfundamentais/n8/11.pdf>. Acessado em: 04 de abril de 2015. 22

Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11170&revista_caderno=16>. Acessado em: 04 de abril de 2015 23

Disponível em: <http://www.mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/FDir/Artigos/artigos_2o_2012/Prof.Monica_- Reforma_do_Judiciario_artigo_completo.pdf>. Acessado em: 04 de abril de 2015.

20

por haver reiteradas decisões sobre matéria constitucional, validade, interpretação e

eficácia sobre normas da administração pública e insegurança jurídica sobre temas

diversificados que fazem parte do nosso contexto atual.24

Entretanto, há divergências sobre os benefícios trazidos por essa vinculação,

os que defendem a tese salientam que o princípio fundamental da isonomia está

sendo colocado em prática e efetivando direitos, na medida em que casos

semelhantes, obrigatoriamente, serão julgados da mesma forma, trazendo uma

uniformidade para o direito. Em contrapartida, a tese enfrenta elementos contrários à

formação dessa vinculação pelo fato de haver uma estagnação no Poder Judiciário

naquilo que foi anteriormente definido, além de permitir maior totalitarismo ao órgão

de cúpula do sistema brasileiro, o Supremo Tribunal Federal.

Ademais, a emenda constitucional nº 45 inovou o sentido dos pressupostos

de admissibilidade, através de um acréscimo de parágrafo ao artigo 102 da

Constituição Federal, citado abaixo:

§ 3º No recuso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros. (Incluída pela emenda constitucional nº 45, de 2004)

O objetivo desta alteração é minimizar o volume de trabalho dos ministros do

Supremo Tribunal Federal e, com isso, proporcionar maior celeridade aos incidentes

que tramitam junto ao STF. Os contrários a essa tese afirmam que a celeridade

processual possui desvantagens em relação ao amadurecimento prematuro da

causa, fazendo com que ainda não esteja apta a gerar todos os seus efeitos em

favor de uma decisão célere.

A emenda constitucional nº 45/2004 traz em seu ideário defendido pelas

entidades de defesa dos direitos humanos a federalização dos crimes que

caracterizam graves violações aos direitos humanos. Os crimes de tortura, homicídio

doloso qualificado, praticado por agente funcional de quaisquer dos entes federados,

crimes contra a violação do meio ambiente e crimes praticados contra comunidades

indígenas ou seus integrantes motivados por preconceito de raça, cor, sexo, religião,

24

Disponível em: <http://www.fonsecaefernandes.com.br/M4.asp?id=437>. Acessado em: 04 de abril de 2015.

21

opinião pública e política são alguns dos delitos resguardados em tratados

internacionais dos quais o Brasil é signatário.25

Convém ressaltar que a emenda é classificada como norma de eficácia plena

e aplicabilidade imediata, posto que, versa sobre direitos humanos, assim ensina

Flávia Piovesan (2004, p. 345):26

O princípio da constitucionalidade da aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais intenta assegurar a força vinculante dos direitos e garantias de cunho fundamental, ou seja, objetiva tornar tais direitos prerrogativas diretamente aplicáveis pelos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Isso significa que esse princípio investe os poderes públicos na atribuição constitucional de promover as condições para que os direitos e garantias fundamentais sejam reais e efetivos.

Diante disso, a emenda nº 45 não é meramente técnica, pois intensifica uma

característica valorativa ao poder constituinte, sendo, por isso, uma revalorização do

homem e da humanidade. Destarte, o direito interno depende do direito global, e

com isso os direitos humanitários ganham prestigio espacial pela especialidade

internacional.27

2.4DOCUMENTOS NORTEADORES

Em 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial, a necessidade de criar

documentos que defendam os direitos humanos no mundo tomou ênfase e se fez

presente em pautas de reuniões internacionais. O primeiro documento criado para

defender esses direitos na América foi a Declaração Americana de Direitos e

Deveres do Homem, criada em 1948, na IX Conferência Internacional Americana,

com objetivo de definir os direitos humanos para os países que a ratificaram. Tendo

25

FIATIKOSI, Rodrigo Marcussi. A Federalização dos crimes contra os direitos humanos. Jus Navegandi, Teresina, ano 15, n. 2700, 22 de nov. 2010. Disponível em :<hptt://jus.com.br/artigos/17872>. Acesso 04 de março de 2015 26

PIOVESAN, Flavia. Direitos Humanos e Direito Constitucional Internacional. 6º ed. Rio de Janeiro: Max Limonad, 2004. 27

Disponível em: <http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=780&idAreaSel=1&seeArt=yes>. Acessado em: 20 de março de 2015.

22

sido escrita antes mesmo da Declaração Universal dos Direitos Humanos. É formada

por dois capítulos, sendo o primeiro, com seus 28 artigos dedicados aos direitos

humanos.

Ademais, no mesmo ano, foi adotado o Tratado Americano sobre Soluções

Pacíficas, conhecido também como Pacto de Bogotá. Este aborda os diversos meios

de soluções pacíficas cerca dos conflitos que podem ser aplicados pelos Estados

signatários, que são os mesmos mencionados no artigo 25 da Carta da OEA, eis o

trecho do referido artigo:

São processos pacíficos: a negociação direta, os bons ofícios, a mediação, a investigação e conciliação, o processo judicial, a arbitragem e os que sejam especialmente combinados, em qualquer momento, pelas partes.28

Além deles, em 1969, foi criada a Convenção Americana de Direitos

Humanos, denominada também como Pacto de San José da Costa Rica, entendido

como o principal documento de proteção dos direitos humanos do Sistema

Interamericano. Foi originado em um período no qual diversos países latino-

americanos passavam por regimes ditatoriais, incluindo o Brasil, no período de 1964

a 1985.

Nesse contexto foi criada a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir

a Tortura em 1989. Visando coibir lesões aos direitos humanos, como aquelas que

correram perante ditaduras. Como exposto em seu primeiro artigo:“Os Estados

Partes obrigam-se a prevenir e a punir a tortura, nos termos desta Convenção.”29

28

Artigo 25 da Carta da Organização dos Estados Americanos. 29

Artigo 1 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura.

23

3ENTENDENDO A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

A Corte Interamericana é o órgão autônomo do Sistema Regional

Interamericano, respaldada na Convenção Americana, tendo a natureza de órgão

judiciário Internacional, sua função precípua reside na prevenção dos Direitos

Humanos, executando sua competência consultiva e contenciosa quando os casos

que foram submetidos a Comissão Interamericana de Direitos Humanos não

obtiverem êxito, sendo remetidos a Corte IDH para que sofram um controle de

covencionalidade.

3.1 SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS

Após as atrocidades e o trauma da Segunda Guerra Mundial, onde o mundo

assistiu inerte ao aviltamento dos direitos humanos de milhares de pessoas, alguns

países se uniram para formar uma organização sob novos alicerces ideológicos,

posteriormente denominada de Nações Unidas, cujo objetivo é a paz e a segurança

internacional. A Carta da ONU (Organização das Nações Unidas) foi ratificada em

1945 tornando-a uma instituição que passou a dar força e destaque ao Sistema

Internacional de Proteção dos Direitos Humanos, constatando-se, em seu

preâmbulo, a fé nos direitos humanos fundamentais, a dignidade e o valor da pessoa

humana. Dentre os vários artigos dessa Carta, é importante registrar o art. 55, alínea

c, in verbis:“As Nações Unidas favorecerão o respeito universal e efetivo aos direitos

humanos e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo,

língua ou religião.”

Três anos após a criação da ONU, 21 países se reuniram para a formação da

OEA (Organização Dos Estados Americanos) na IX Conferência Interamericana

(Bogotá, Colômbia de 30 de março até 2 de maio de 1948) onde a organização

definia-se como um organismo regional dentro das Nações Unidas. Este foi o passo

inicial para a formação do Sistema Regional Americano de Proteção dos Direitos

Humanos, uma vez que a aprovação da carta da OEA e a Declaração Americana

24

dos Direitos e Deveres do Homem foram enfim realizadas.

O escopo da declaração aludida era fazer com que cada indivíduo e órgão da

sociedade tivessem sempre em mente seu conteúdo e se esforçassem, através do

ensino e da educação, à promover o respeito a tais direitos e liberdades, a adotar

medidas progressivas de caráter nacional e internacional visando assegurar o seu

reconhecimento e a sua observância universal e efetiva, tanto entre os povos dos

próprios Estados Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição

e, por fim, preparar o caminho para a Convenção Americana de Direitos Humanos.30

Destarte, a comparência da OEA permitiu a criação de mecanismos políticos e

jurídicos que respondem pela aproximação dos Estados, dos indivíduos e do SIPDH.

Inicialmente, é digno destacar que a Carta da OEA31, consolidada na mesma

conferência da qual foi lavrada a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do

Homem, não possuía, ainda, órgãos específicos para a proteção dos direitos

humanos nas Américas, visto que, naquele momento, a sistematização dos direitos

humanos ainda era inaugural e não havia, além da Carta da ONU32, outro

documento afora a Declaração Americana que dispusesse sobre sua

regulamentação33.

A configuração atual da OEA derivou de inúmeras modificações sofridas por

seu tratado constitutivo, para que suas funções pudessem ser cumpridas com mais

atributo. Na atual conformação, verifica-se a existência de dois órgãos com

idoneidade de atuar na proteção dos direitos humanos: a Comissão Interamericana

de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos sedimentadas

na Convenção Americana de Direitos Humanos (1969) uma das bases do SIPDH.

Nos tempos da criação da Convenção Americana de Direitos Humanos,

violações aos direitos humanos - direito à liberdade, torturas, prisões ilegais,

abolição à liberdade de expressão e perseguições político-ideológicas - eram

30

Disponível em: <http://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf>. Acessado em: 20 de março de 2015. 31

Assinada em Bogotá, Colômbia, em 30 de abril de 1948, foi aprovada pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo n. 64, de 1949, e entrou em vigor internamente em 1951. 32

Assinada em São Francisco, nos Estados Unidos, em 26 de maio de 1945, foi aprovada pelo Brasil por meio do Decreto-Lei n. 7935, também de 1945, e entrou em vigor internamente naquele mesmo ano. 33

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi aprovada pela Resolução n. 217, na Terceira Sessão Ordinária da Assembleia Geral da ONU, em Paris, em 10 de dezembro de 1948.

25

recorrentes. Dessarte, as nações latino-americanas têm o desafio de romper o

legado autoritário ditatorial e renascer com um regime democrático, com respeito

aos direitos humanos, civis, econômicos, políticos, sociais, culturais e ambientais

assegurados. Tal documento veio com o nobre objetivo de enfrentar os desafios já

citados e redemocratizar os países que ainda viviam no regime ditatorial.

3.2 CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

Entendido como o principal instrumento do Sistema Interamericano de

Direitos Humanos, a Convenção Americana foi assinada em 1969 durante a

Conferência Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de São José da Costa

Rica, entrando em vigor internacional apenas em 18 de julho de 1978.

Outrossim, somente os Estados-membros da Organização dos Estados

americanos têm o direito de se tornar parte, e até março de 2014, 25 países

ratificaram a Convenção34. Enfatiza-se que a época a qual se celebrava o Pacto, era

a mesma em que se redemocratizava grande parte dos países latinos americanos

que sofriam com regimes ditatoriais.

Deste modo, com o fim dos regimes ditatoriais no continente e o nascimento

de novas democracias, a Convenção Americana surge para enaltecer esse dever e

reiterar o que já foi afirmando na Declaração Universal dos Direitos do homem e na

Declaração Americana dos Direitos e Deveres do homem, como afirma a

Convenção:

Reafirmando seu propósito de consolidar neste Continente, dentro do quadro das instituições democráticas, um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos humanos

34

Os seguintes países ratificaram a Convenção Americana: Argentina (1984); Barbados (1982); Bolívia (1979); Brasil (1992); Chile (1990); Colômbia (1973); Costa Rica (1970); Dominica (1993); El Salvador (1978); Equador (1977); Grenada (1978); Guatemala (1978); Haiti (1977); Honduras (1977); Jamaica (1978); México (1981); Nicarágua (1979); Panamá (1978); Paraguai (1989); Peru (1978); Republica Dominicana (1999); Suriname (1987); Trindad e Tobago (1991); Uruguai (1985); Venezuela (1977). Disponível em: <http://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/d.Convencao_Americana_Ratif..htm>. Acessado em: 04 de março de 2015.

26

essenciais (...) Reiterando que, de acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, só pode ser realizado o ideal do ser humano livre, isento do temor e da miséria, se forem criadas condições que permitam a cada pessoa gozar dos seus direitos econômicos, sociais e culturais, bem como dos seus direitos civis e políticos.35 (Grifo nosso)

A Convenção é constituída em três partes, a primeira relata o artigo 1º, que

estabelece a obrigação de respeitar os direitos, a qual os Estados partes da

convenção se comprometeram honrar e garantir seu livre e pleno exercício a toda

pessoa sujeita a sua jurisdição. No artigo 2º, já é estabelecido a obrigação de se

adotar disposições de direito interno para tornar efetivo o exercício dos direitos e

liberdades mencionados no artigo 1º.

Observa-se ainda, que em se tratando dos direitos civis e políticos, a

Convenção é bem específica no artigo 4º, sobre o direito à vida e à sua proteção

pela lei e, em geral, desde o momento da concepção humana, afirmando que

ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente. O artigo também estabelece os

direitos do condenado, podendo solicitar anistia, indulto ou comutação da pena, não

podendo executar a pena enquanto o pedido estiver pendente de decisão. Por fim,

no artigo 4.3, é estabelecido que um Estado cuja pena de morte for abolida, não

poderá se reestabelecer.

Consagra-se no Pacto de San José, no artigo 5º, o direito à integridade

pessoal, o qual as pessoas têm o direito a que se respeitem suas integridades física,

psíquica e moral. Certificando que ninguém deverá ser submetido a torturas, nem

penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes e toda pessoa privada de sua

liberdade, deve ser tratada de forma respeitosa devido à dignidade inerente ao ser

humano - tendo essas pessoas - o objetivo final de reforma e readaptação dos

condenados à sociedade.

No artigo posterior, define-se a proibição da escravidão, servidão e trabalhos

forçados, não se aplicando às penas impostas por um juiz ou por um tribunal

competente, desde que esse não afete os preceitos estabelecidos no artigo 5º.

Subsequente a ele, tem-se o artigo 7º, que defende a liberdade e a segurança dos

indivíduos, ao lado do artigo 7.2 que versa: “Ninguém pode ser privado de sua

35

Preâmbulo da Convenção Americana de Direitos Humanos.

27

liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas

Constituições políticas dos Estados partes ou pelas leis de acordo com elas

promulgadas”.

Afirma-se também, por meio do artigo 7.3 que ninguém pode ser submetido à

detenção ou encarceramento arbitrários. A Convenção ainda prevê as garantias

judiciais pelo artigo 8º, afirmando que todas as pessoas têm o direito de serem

ouvidas por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial.

Assim, subsequentemente, virão o princípio da legalidade e da retroatividade

(artigo 9º) onde: “Ninguém poderá ser condenado por atos ou omissões que, no

momento as quais foram cometidas, não constituíam delito, de acordo com o sujeito

aplicável”

Existe também o direito à indenização (artigo 10º); Proteção da honra e

dignidades (artigo 11º); à liberdade de consciência e religião (artigo 12º); à liberdade

de pensamento e expressão (artigo 13º):

Não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões.36

Após essa última citação, é crível lembrarque a época da ditadura militar

brasileira, quando, em 1967 foi instaurado o Ato Institucional V (AI-5), sendo esse,

um instrumento explícito de obstrução dos direitos humanos, com a falta de

liberdade de pensamento e expressão e a opressão realizada pelo regime militar.

Além do mais, acrescenta-se o direito de retificação ou resposta (artigo 14º); o

direito de reunião (artigo 15º); à liberdade de associação (artigo 16º); à proteção da

família (artigo 17º); ao nome (artigo 18º); o direito da criança (artigo 19º); o direito à

nacionalidade (artigo 20º); o direito à propriedade privada (artigo 21º); direito de

circulação e de residência (artigo 22º); direitos políticos (artigo 23º); igualdade

perante a lei (artigo 24º), como verificado a seguir:“Todas as pessoas são iguais

perante a lei. Por conseguinte, tem direito, sem discriminação alguma, à igual

36

Artigo 13.3 da Convenção Americana de Direitos Humanos.

28

proteção da lei.”

Também, o artigo 25º, relatando sobre a proteção judicial:

Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.

Vale salientar que, a Convenção Americana não estabelece de forma

específica qualquer direito econômico, social e cultural, limitando-se a determinar

aos Estados partes de conseguir, progressivamente, a plena efetividade dos direitos

que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura,

constantes na Carta da Organização dos Estados Americanos37. Para se ter a plena

garantia desses direitos, a Assembleia Geral da OEA adotou, em 1988, o Protocolo

Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de direitos

econômicos, sociais e culturais (Protocolo de San Salvador), entrando em vigor

apenas em novembro de 1999.

Por fim, no artigo 33º, a Convenção relata que:

Artigo 33 - São competentes para conhecer de assuntos relacionados com o cumprimento dos compromissos assumidos pelos Estados-partes nesta Convenção:

a) a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, doravante denominada a Comissão; e

b) a Corte Interamericana de Direitos Humanos, doravante denominada a Corte.38

Ambos são os órgãos competentes para a proteção e monitoramento dos

direitos humanos aos países que ratificaram o Pacto de San José. Além desses

materiais, ainda compõem o Sistema Interamericano, outros instrumentos que

merecem ser anunciados: o Protocolo à Convenção Americana sobre Direitos

Humanos Referente à Abolição da Pena de Morte (1990); a Convenção

Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (1994)39;

37

Artigo 26º da Convenção Americana dos Direitos Humanos. 38

Artigo 33º da Convenção Americana dos Direitos Humanos 39

Conhecida também como Convenção de Belém do Pará.

29

a Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores (1994); a

Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação

Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (1999); e a Convenção Interamericana

Contra a Corrupção (1996).

3.3COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

A Comissão Interamericana foi um dos primeiros organismos efetivos de

proteção aos direitos humanos, criada em 1959, tendo como finalidade precípua

funcionar provisoriamente até a instituição da Convenção(1969).40 Ademais, esta

representa os Estados membros da Organização dos Estados Americanos (OEA).

De acordo com a Carta da OEA, e a Convenção Americana de Direitos

Humanos, a Comissão é um órgão que faz parte desses institutos41, sendo o

principal mecanismo do Sistema Interamericano no que concerne à proteção desses

direitos na América. Dessa forma, sua esfera de influência e abrangência alcança

todos os Estados partes na Convenção Americana, e ainda todos os Estados-

membros da OEA. A República Federativa do Brasil ratificou a Convenção

Americana no ano de 1992, a qual foi promulgada sob o decreto nº 678, de 6 de

novembro do supracitado ano42.

Essa Comissão é composta por sete membros, e o principal requisito para

integrá-la é que se tenha um alto conhecimento jurídico em matérias de direitos

humanos. Tais membros são eleitos a título pessoal, pela Assembleia da OEA, a

partir de uma lista de candidatos propostos pelos Estados membros43. Eles podem

ser nacionais de qualquer Estado da OEA e a vigência de seu cargo é por quatro

anos, cabendo reeleição uma única vez44. É vetada a existência de dois membros de

40

MAZZUOLI, V.O., Curso de Direito Internacional Público, p.926-927 41

MAZZUOLI, V.O., Curso de Direito Internacional Público, p.930 42

MAZZUOLI, V.O., Curso de Direito Internacional Público, p.927 43

MAZZUOLI, V.O., Curso de Direito Internacional Público, p.930 44

PIOVESAN F., Direitos humanos e justiça internacional, p.137

30

uma mesma nacionalidade atuando concomitantemente em um mesmo período de

tempo.

A principal função da Comissão é a proteção dos direitos humanos na

América, de acordo com a Carta da OEA e a Declaração Americana dos Direitos e

Deveres do Homem. Tal proteção é exercida através de recomendações feitas aos

governos dos Estados partes. Outrossim, a Comissão estuda e prevê medidas

necessárias nessas nações; solicita pareceres acerca de medidas tomadas pelos

governos desses países a título de conhecimento da aplicação da Convenção;

examina as denúncias enviadas a ela que contenham indícios de violação de

direitos45, e emite um relatório anual à OEA. Assim, tal órgão concilia, assessora,

crítica, legitima, promove e protege a aplicação desses direitos em tais nações,

amparada pela Convenção Americana46.

O processo perante a Comissão inicia-se com a aceitação de uma petição,

especificada pelo Art. 46 da Convenção Americana, regulado pelos Arts. 48 a 51 de

tal documento47 e consequente solicitação do governo acerca de tal matéria. Por

conseguinte, após o recebimento das informações sobre violações dos direitos

presentes na Convenção Americana, é verificada a veracidade dos motivos da

petição, não existindo, deverá o caso ser arquivado. Existindo de fato os motivos,

iniciar-se-á um processo de conhecimento e investigação dos fatos. Após esse

período de análise do caso, a Comissão buscará a solução amistosa entre as

partes-denunciantes e o Estado48.

Diante disso, existem duas possíveis hipóteses, a primeira se refere a uma

solução amistosa e a segunda à não existência dessa solução entre ambas as

partes. Havendo a solução amistosa, o próximo passo é elaborar um informe que

será transmitido ao peticionário e aos Estados Partes na Convenção, sendo

45

PIOVESAN F., Direitos humanos e justiça internacional, p.139 46

Héctor Fix-Zamudio, proteciónjuridica de losdirechos humanos, p.164; Citado por PIOVESAN, , p.138 47

Art. 46- 1. Para que uma petição ou comunicação apresentada de acordo com os artigos 44 ou 45 seja admitida pela Comissão, será necessário: a) que hajam sido interpostos e esgotados os recursos da jurisdição interna, de acordo com o princípios de Direito Internacional geralmente reconhecidos; b) que seja apresentada dentro do prazo de seis meses, a partir da data em que o presumido prejudicado em seus direitos tenha sido notificado da decisão definitiva; c) que a matéria da petição ou comunicação não esteja pendente de outro processo de solução internacional; (...). 48

PIOVESAN F., direitos humanos e justiça internacional, p.141

31

posteriormente comunicado ao Secretário Geral da OEA49. Tal informe será

expositivo, explicando os fatos e fundamentando da solução alcançada.

Visto isso, caso não seja alcançada a solução amistosa, a Comissão

elaborará um relatório apresentando fatos e suas conclusões, indicando se o Estado

violou ou não a Convenção Americana. Esse relatório é enviado e o Estado parte

tem até três meses para cumprir as recomendações. Durante esse período, o caso

pode ser solucionado pelas partes ou encaminhado à Corte Interamericana de

Direitos Humanos. Caso ele não seja solucionado nem submetido à outra jurisdição,

caberá à Comissão, por maioria absoluta de votos, proferir uma decisão50.

3.4 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

Com base nas tendências mundiais de internacionalização dos direitos

humanos, na América existe um mecanismo de proteção às pessoas que tenham

seus direitos violados: a Corte interamericana de Direitos Humanos.

A Corte Interamericana é o órgão autônomo do sistema regional

Interamericano, respaldada na Convenção Americana, tendo a natureza de órgão

judiciário Internacional51

. Está sediada em San José, na Costa Rica, e é composta

por sete juízes de nacionalidade pertencente aos Estados da OEA, os quais são

eleitos a título pessoal pelos Estados participantes da Convenção52.

No que diz respeito à nacionalidade dos juízes e o mecanismo de eleição,

estes são indicados e eleitos pelos Estados partes na Convenção Americana, não

precisando ser nacionais de tais estados, contanto que sejam nacionais de um dos

Estados-membros da OEA53. Eles são eleitos por um período de seis anos e só

podem ser reeleitos uma vez, bem como devem permanecer em suas funções até o

fim de seus mandatos.

49

MAZZUOLI, V.O., Curso de Direito Internacional Público, p.933 50

PIOVESAN F., Direitos Humanos e justiça internacional, p.141 51

MAZZUOLI, V.O., Curso de Direito Internacional Público, p.935 52

PIOVESAN, Flavia. Direitos Humanos e justiça internacional, p.144 53

Cf. Thomas Buergenthal, Citado por PIOVESAN, Flavia.

32

Além disto, nos remetendo a um processo histórico, temos que desde o

momento em que se pensou acerca de uma Convenção Americana, tinha-se uma

ideia da necessidade de criação de uma Corte. Diante disso, durante a nona

Conferência Internacional Americana em Bogotá, entendeu-se que deveria ser

criado um mecanismo jurídico capaz de proteger os direitos humanos através de um

tribunal competente. Assim, a Comissão Jurídica Interamericana se encarregou da

elaboração de um projeto de Estatuto para a criação de tal órgão de proteção54.

No dia 22 de novembro de 1969 foi realizada a Conferência Especializada,

em San José, na Costa Rica e em tal conferência foi aprovada a Convenção

Americana sobre direitos humanos55. O nascimento da Corte Interamericana de

Direitos Humanos se deu em 1978, logo após de a Convenção Americana entrar em

vigor, mas seu funcionamento de fato é marcado no ano de 1980, com a emissão de

seu primeiro parecer consultivo, e sete anos mais tarde, quando esta veio proferir

sua primeira sentença56.

Acerca de suas competências primordiais, podemos citar duas: a consultiva e

a jurisdicional.

3.4.1 Competência consultiva

A Corte Interamericana de Direitos Humanos tem como uma de suas

competências a jurisdição consultiva. Essa competência é afirmada a partir da

ratificação da Convenção Americana57 e é fundamentada no artigo 64 de tal

documento, afirmando que qualquer Estado-membro da OEA poderá consultá-la

acerca da interpretação de tratados no que diz respeito à proteção dos direitos

humanos, dentre eles a Convenção Americana de Direitos Humanos. Estes

pareceres não podem ser emitidos de ofício, demandando uma provocação por

parte de um dos Estados-membros da OEA.58

54

BOLFER, Sabrina Ribas, p.625 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos, vol.1; 55

BOLFER, Sabrina Ribas, p.625 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos, vol.1; 56

MAZZUOLI, V.O., Curso de Direito Internacional Público, p.935 57

MAZZUOLI, V.O., Curso de Direito Internacional Público, p.936 58

BOLFER, Sabrina Ribas, p.626 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos, vol.1

33

Um ponto importante é que tal órgão não produz interpretações temporais,

estáticas a respeito dos direitos tutelados na Convenção Americana, ele realiza uma

interpretação dinâmica e evolutiva, levando em consideração o contexto, o espaço e

a sociedade a qual devem ser aplicados os direitos.59

As opiniões, no que concerne à consulta por parte da Corte, têm suma

importância, pois conferem expressão judicial aos princípios jurídicos. Através desse

viés consultivo, elas têm contribuído para conferir uniformidade e consistência à

interpretação de previsões dos tratados de direitos humanos, em especial da

Convenção Americana60. Até junho de 2012 a Corte havia emitido 20 pareceres

consultivos61, assim, desenvolvendo análises complexas acerca da abrangência da

influência da Convenção Americana.

3.4.2 Competência contenciosa

Essa função é amparada pelos artigos 61, 62 e 63 da Convenção Americana,

e confere à Corte a competência para julgar os casos referentes aos Estados partes

na Convenção que reconheçam expressamente tal jurisdição62.Ocaso é levado a

Corte IDH quando a tramitação na convenção for esgotada, de acordo com os arts.

48 e 50 da convenção.63

Art. 61 - 1. Somente os Estados partes e a Comissão têm direito de submeter um caso à decisão da Corte. 2.

Para que a Corte possa conhecer de qualquer caso, é necessário que sejam esgotados os processos previstos nos artigos 48 a 50.

Art. 62 - 1. Todo Estado parte pode, (...) declarar que reconhece como obrigatória, de pleno direito e sem convenção especial, a competência da Corte em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação desta Convenção. (...) 3. A Corte tem competência para conhecer de qualquer caso, relativo à interpretação e aplicação das disposições desta Convenção, que lhe seja submetido, desde que os

59

Jo M. Pasqualucci. The pratice and procedure of inter-american Court on Human Rights; p.328. citado por PIOVESAN, F. Direitos Humanos e justiça internacional p.146. 60

Jo M. Pasqualucci. The pratice and procedure of inter-american Court on Human Rights; p.328. citado por PIOVESAN, F. Direitos Humanos e justiça internacional p.146. 61

PIOVESAN, Flavia. Direitos Humanos e justiça internacional, p.147 62

Art. 2º do Estatuto da Corte Interamericana de Direitos Humanos, citado por BOLFER, Sabrina R.; Direitos Humanos, vol. 1, PIOVESAN, F. 63

BOLFER, Sabrina Ribas. Direitos Humanos, p. 634

34

Estados-partes no caso tenham reconhecido ou reconheçam a referida competência, seja por declaração especial, como preveem os incisos anteriores, seja por convenção especial.

Art. 63 - 1. Quando decidir que houve violação de um direito ou liberdade protegidos nesta Convenção, a Corte determinará que se assegure ao prejudicado o gozo do seu direito ou liberdade violados. Determinará também, se isso for procedente, que sejam reparadas as consequências da medida ou situação que haja configurado a violação desses direitos, bem como o pagamento de indenização justa à parte lesada. 2.

Em casos de extrema gravidade e urgência, e quando se fizer necessário evitar danos irreparáveis às pessoas, a Corte, nos assuntos de que estiver conhecendo, poderá tomar as medidas provisórias que considerar pertinentes. Se se tratar de assuntos que ainda não estiverem submetidos ao seu conhecimento, poderá atuar a pedido da Comissão.64

Desse modo, este órgão funciona da seguinte maneira: o caso deve passar

por análise da Comissão de Direitos Humanos, caso esta não o resolva ou o Estado

membro não cumpra sua decisão, o caso deverá ser obrigatoriamente levado à

Corte.

De acordo com seus artigos 66 e 67, respectivamente, as sentenças

emanadas deverão ser fundamentadas, sendo definitivas e inapeláveis, e podendo

as partes, noventa dias após a data de notificação da sentença, requerer sua

interpretação. Outro ponto, referente ao comprometimento dos Estados com estas

sentenças, está expresso no Art. 68 da Convenção:

Art.68 - 1. Os Estados partes na Convenção comprometem-se a cumprir a decisão da Corte em todo caso em que forem partes. 2. A parte da sentença que determinar indenização compensatória poderá ser executada no país respectivo pelo processo interno vigente para a execução de sentenças contra o Estado.65

O Brasil somente aderiu a essa competência no ano de 1998, por meio do decreto legislativo nº89 de 3 de dezembro desse ano.66

64

Disponível em: Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm> Acessado em: 05 de março de 2015 65

Disponível em: Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm> Acessado em: 05 de março de 2015 66

DECRETO LEGISLATIVO Nº 89, DE 1998: O CONGRESSO NACIONAL decreta: Art. 1º É aprovada a solicitação de reconhecimento da competência obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção

35

4 PROCESSAMENTO DO ESTADO PERANTE A CORTE

Com a finalidade de compreender, em sua plenitude, as particularidades que

tangem os assuntos jurídicos no âmbito do direito internacional, analisemos agora o

processamento dos casos perante a Corte.

Após um caso passar pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e o

Estado se recuse a seguir a decorrência estabelecida por ela em seu primeiro

informe, também denominado relatório, esta poderá acioná-lo perante a Corte

Interamericana de Direitos Humanos, caso o Estado tenha reconhecido sua

jurisdição obrigatória. Porém, antes poderá haver uma solução amistosa, proposta

pelo artigo 63 do Regulamento da Corte:

Quanto a Comissão, as vítimas ou supostas vítimas ou seus representantes, o Estado demandado e, se foro caso, o Estado demandante em um caso perante a Corte comunicarem a esta a existência de uma solução amistosa, de um acordo ou de outro fato idôneo para dar solução ao litígio, a Corte resolverá, no momento processual oportuno, sobre sua procedência e seus efeitos jurídicos.67

Estados que tenham reconhecido a competência contenciosa da Corte, além

da Comissão, também podem acionar outro Estado, já que a garantia dos direitos

humanos é de interesse mútuo de todos os membros que ratificaram a Convenção

Americana de Direitos Humanos.

Dessa forma, a Corte recebe a ação da Comissão por meio da protocolização

de petição inicial demandados nos idiomas de trabalho68. A petição inicial indicará as

partes no caso, as testemunhas e todos os itens básicos, a saber, com as provas e

os fatos. Sendo o autor a Comissão, a petição será acompanhada pelo relatório que

se refere ao artigo 50 da Convenção:

Americana de Direitos Humanos para fatos ocorridos a partir do reconhecimento, de acordo com o previsto no parágrafo primeiro do art. 62 daquele instrumento internacional. Parágrafo único. São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em revisão da referida solicitação. (...). Disponível em: <http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=150844>. Acessado em: 05 de março de 2015. 67

Artigo 63 do Regulamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos. 68

Os idiomas de trabalho da Corte são: o espanhol, o inglês, o português e o francês.

36

1. Se não se chegar a uma solução, e dentro do prazo que for fixado pelo Estatuto da Comissão, esta redigirá um relatório no qual exporá os fatos e suas conclusões (...) 2. O relatório será encaminhado aos Estados interessados, aos quais não será facultado publicá-lo. 3. Ao encaminhar o relatório, a Comissão pode formular as proposições e recomendações que julgar adequadas.69

A petição inicial que a Comissão deve enviar à Corte, deverá seguir as

informações previstas no artigo 35 do Regulamento da mesma. São essas

informações: a) os nomes dos delegados; b) os nomes, endereço, telefone, correio

eletrônico e fac-símile dos representantes das supostas vítimas devidamente

credenciados, se for o caso; c) os motivos que levaram a Comissão a apresentar o

caso ante a Corte e suas observações à resposta do Estado demandado às

recomendações do relatório ao qual se refere o artigo 50 da Convenção; d) cópia da

totalidade do expediente ante a Comissão, incluindo toda comunicação posterior ao

relatório ao que se refere o artigo 50 da Convenção;

e) as provas que recebeu, incluindo o áudio ou a transcrição, com indicação dos

fatos e argumentos sobre os quais versam. Serão indicadas as provas que se

receberam em um procedimento contraditório; f) quando se afetar de maneira

relevante a ordem pública interamericana dos direitos humanos, a eventual

designação dos peritos, indicando o objeto de suas declarações e acompanhando

seu currículo; g) as prestações, incluídas as que concernem a reparações.70

Após proposta a ação, o Presidente da Corte examinará, preliminarmente, a

demanda para verificar quais os requisitos fundamentais não cumpridos e solicitar o

demandante que, em um prazo de vinte dias71, supra essa lacuna. Então, segue-se

a citação do Estado réu e a intimação da Comissão.

Caso as partes estejam interessadas em expor razões por escrito sobre as

exceções preliminares, terão um prazo de trinta dias, contado a partir do

recebimento da intimação. A Corte poderá convocar uma audiência especial para as

exceções preliminares, podendo arquivar o caso ou ordenar seu prosseguimento,

quando julgar necessário.

69

Artigo 50 da Convenção Americana de Direitos Humanos. 70

Artigo 35.1 do Regulamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos. 71

Artigo 38 do Regulamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

37

5 EXECUÇÃO DE SENTENÇAS DA CORTE NO BRASIL

Para iniciarmos uma discussão acerca da execução de sentenças da Corte

Interamericana de Direitos Humanos no Brasil, devemos entender um pouco a

legislação que cerca esse tema.

É de entendimento que a Corte tem a competência de enviar relatórios anuais

à Organização dos Estados Americanos, assim, de acordo com o Art. 68 da

Convenção em seu §1°: "Os Estados partes na Convenção comprometem-se a

cumprir a decisão da Corte em todo caso em que forem partes". Dessa forma, cria-

se uma obrigação desses Estados perante à OEA, obrigação essa que se

complementa com o Art. 65, o qual frente ao entendimento dessa relação, determina

que a Corte relatará os casos e suas atividades, e indicará os casos em que um

Estado não tenha dado cumprimento a suas sentenças.

À luz da jurisprudência da Corte, fica claro quatro deveres que os Estados

condenados devem obedecer, os quais são declarados nas sentenças: indenizar a

vítima e sua família; investigar a violação ocorrida; garantir a não repetição desta; e

punir os responsáveis72.

No caso de não cumprimento da sentença, cabe à vítima ou o Ministério

Público Federal deflagrar a ação, objetivando o cumprimento da sentença, pois esta

vale como "título executivo" no Brasil, tendo aplicação imediata, e devendo obedecer

aos procedimentos internos relativos à execução de sentença desfavorável ao

Estado73. Já perante a Corte, esse não cumprimento de sentença deve ser

informado à Assembleia Geral da OEA, durante o relatório anual supracitado74.

Dessa forma, trouxemos como exemplo a primeira condenação do Brasil por

violar os direitos expressos na Convenção Americana: O caso Damião Ximenes

72

MAZZUOLI, V.O., Curso de Direito Internacional Público, p.945 73

MAZZUOLI, V.O., Curso de Direito Internacional Público, p.946 74

MAZZUOLI, V.O., Curso de Direito Internacional Público, p.946

38

Lopes, o qual foi encaminhado pela Comissão Interamericana75 à Corte

Interamericana de Direitos Humanos em 1° de outubro de 2004, esse caso trata de

Damião Ximenes, portador de deficiência mental, vítima de maus-tratos na casa de

repouso onde fora internado. O lugar, de nome "Casa de Repouso Guararapes",

funcionava com recursos do Sistema Único de Saúde, e nesse ambiente a

supracitada vítima sofreu uma série de torturas, vindo a óbito.

Diante desse fato, e mediante a falta de investigação por parte do Estado

Brasileiro, tratou-se de uma violação da Convenção em 4 princípios: o direito à vida;

direito à integridade física; direito à proteção judicial; e garantias judiciais. Assim, no

dia 4 de julho de 2006, é proferida a sentença76 que determina o Estado brasileiro a

investigar os responsáveis pela morte da vítima, realizar programas de capacitação

para os profissionais de atendimento psiquiátrico, bem como o pagamento de

indenização à família da vítima77.

Não só na Corte, tomando como referência todo o Sistema Interamericano de

Direitos Humanos, pode-se perceber quatro objetivos defendidos com base em sua

jurisprudência. Em primeiro lugar, tem-se a reparação de pessoas ou grupos, esta

pode ser por indenização econômica monetária, indenizações econômicas não

monetárias, reparações simbólicas e restituição de direitos. Ademais, também é

importante que, evitando-se impunidade para aqueles que cometem crimes contra

os direitos fundamentais, seja necessária uma investigação de tais violações,

visando a tomada de medidas.

Outro ponto é a prevenção dessas possíveis violações de direitos, visando o

futuro. Dessa forma, a jurisprudência indica várias formas preventivas de se tratar

questões que envolvam os direitos fundamentais, dentre elas está a formação de

funcionários públicos, conscientização da sociedade, introdução de reformas nas leis

e criação ou reforma de instituições.

75

Disponível em: <http://cidh.oas.org/annualrep/2002port/brasil12237.htm>. Acessado em: 14 de abril

de 2015. 76

http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_149_por.pdf. Acesso em: 14 de abril de 2015. 77

MAZZUOLI, V.O., Curso de Direito Internacional Público, p.944-945

39

Destarte, também destacamos a importância de se proteger as testemunhas e

as vítimas nos casos demandados aos órgãos jurisdicionais do Sistema

Interamericano78.

6 RELATÓRIO N° 125/10: POVOS INDÍGENAS DA RAPOSA SERRA DO

SOL VS. REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

A análise do Caso Raposa Serra do Sol é pautada na demarcação de terras

indígenas no território brasileiro, através do conflito entre os indígenas e os

latifundiários, ainda encontrando óbice no Estado de Roraima sobre uma visão

econômica da demarcação. Os indígenas requerem uma proteção do Estado

Brasileiro na concretização real da demarcação de terras.

6.1 CONTEXTO HISTÓRICO E DESCRIÇÃO DOS FATOS

Com o intuito de analisar a conjuntura brasileira, é essencial a consideração

dos fatos históricos e o esclarecimento de conceitos que possibilitaram o panorama

de reconhecimento das tribos indígenas, a consequente demarcação de suas terras

e os seus direitos no contexto nacional e global.

De início, é preciso ressaltar que as constituições anteriores à vigente,

visavam os índios como seres obrigados a adotarem a cultura padronizada pelo

colonizador europeu, refletindo a situação de abandono e preconceito herdados

desde a colonização que ainda estimulavam a discriminação e ausência da garantia

dos direitos humanos básicos a tais comunidades. Como exemplo, podemos citar a

constituição de 1934 que reconhecia apenas alguns direitos dos silvícolas79- aquele

que vive na selva estranho a civilização, ou seja, os integrantes destas populações

78

BASCH, Fernando; FILIPPINI, Leonardo; LAYA, Ana; NINO, Mariano; ROSSI, Felicitas; SCHREIBER, Bárbara. A Eficácia do Sistema Interamericano de Proteção de Direitos Humanos: Uma Abordagem Quantitativa sobre seu Funcionamento e sobre o Cumprimento de suas Decisões Disponível em: <http://www.surjournal.org/conteudos/getArtigo12.php?artigo=12,artigo_02.htm>. Acesso em: 14 de abril de 2015. 79

Artigo 129 da Constituição brasileira de 1934.

40

deveriam se adequar a um modelo de sociedade imposto, renegando suas

identidades em nome de sua inserção à nação brasileira.

Logo, é possível notar que qualquer legislação referente aos índios se

fundamentava basicamente na estigmatização de seus direitos, e não, em proteger a

tutela dos interesses dessas sociedades. Tal contexto só irá mudar com o advento

da Constituição Federal de 1988, quando pela primeira vez, assegurou aos povos

indígenas o respeito à sua organização social, costumes, línguas, crenças e

tradições, o direito à diferença; isto é: de serem índios e de permanecerem como tal

indefinidamente, além do reconhecimento do direito originário sobre as terras que

tradicionalmente ocupam. Como é demonstrado no artigo 231 da Constituição

anteriormente citada:

São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.80

Sem dúvidas, tal fato assegurou um pilar na história brasileira por garantir aos

povos indígenas o direito de serem tratados como grupo humano detentor de

identidade e cultura própria, que devem ser respeitadas e protegidas. Foi nesse

contexto, que inaugurou-se um novo marco constitucional impondo ao Estado o

dever de demarcar as terras indígenas, considerando os espaços necessários ao

modo de vida tradicional, culminando, na década de 1990, no reconhecimento de

terras indígenas no tocante a Amazônia Legal, como as terras indígenas Yanomami

(AM/RR) e também Raposa Serra do Sol (RR).

No Brasil, quando se fala em Terras Indígenas, há que se ter em mente, em

primeiro lugar, a definição constitucional:

1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.81

80

Artigo 231 da Constituição brasileira de 1988. 81

Artigo 231 da Constituição brasileira de 1988.

41

Desse modo, a Terra Indígena, doravante TI, é uma porção do território

nacional, de propriedade da União, habitada por um ou mais povos indígenas, sendo

garantido a eles a posse permanente e o usufruto exclusivo das riquezas do solo,

dos rios e dos lagos nelas existentes. A TI é reconhecida a partir de requisitos

técnicos e legais, nos termos da Constituição Federal de 1988, se tratando de um

bem da União, inalienável, indisponível e os direitos sobre ela são imprescritíveis.

Destarte, trata-se de um tipo específico de posse, de natureza originária e coletiva,

que não se confunde com o conceito civilista de propriedade privada.

Diante desse panorama de demarcação de terras, ressalta-se que nas

regiões Nordeste, Sul e Sudeste ocorre uma posse indígena geralmente em áreas

diminutas e esparsas, expressando uma situação de confinamento territorial e de

permanente restrição dos modos de vida, muitas das quais foram reconhecidas pelo

Serviço de Proteção aos Índios (SPI) entre 1910 e 1967.

Enquanto que, na região nortenha do país, a concentração populacional se

espalha em áreas bastante extensas como resultado do processo de

reconhecimento iniciado pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), principalmente,

durante a década de 1980, no âmbito da política de integração nacional e

consolidação da fronteira econômica do Norte e Noroeste do País, dessa forma

aplicado na Raposa Serra do Sol com a demarcação de 1.747.464 hectares.82

É válido destacar, que sempre, quando uma comunidade indígena ocupar

determinada área nos moldes do artigo 231, o Estado terá que delimitá-la e realizar

a demarcação física dos seus limites. Entretanto, aproximadamente, apenas 8% das

426 terras indígenas tradicionalmente ocupadas já regularizadas não se encontram

na posse plena das comunidades, compondo um desafio aos diversos órgãos do

Governo Federal para a efetivação dos direitos territoriais.

As razões para esse fato se justificam devido à grande parte das terras

indígenas no Brasil sofrerem invasões de pescadores, mineradores, madeireiras,

caçadores e posseiros. Outras são cortadas por estradas, ferrovias, linhas de

transmissão, atividades econômicas já ativas e rentáveis como a extração de

82

Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4820>. Acesso em: 14 de abril de 2015.

42

minério e o plantio de grãos, ou têm porções inundadas por usinas hidrelétricas.

Além disso, em alguns casos, os índios colhem resultados negativos do que

acontece mesmo fora de suas terras, a exemplo da poluição de rios por agrotóxicos

e o desmatamento. Sem mencionar ainda, os conflitos pela disputa das terras já

demarcadas entre os índios e aqueles relacionados a qualquer uma dessas

atividades citadas anteriormente.

É nesse contexto que se encaixa o caso da Raposa Serra do Sol, pois

quando o SPI iniciou a demarcação da região em 1917, por meio do Grupo de

Trabalho Interministerial (GTI), sendo necessário a repetição de vários estudos

antropológicos ou historiográficos até se chegar a um parecer conclusivo em 1993,

propondo ao Ministério da Justiça o reconhecimento da extensão contínua de 1,678

milhão de hectares, já havia conflitos envolvendo não índios na região, razão pela

qual o ministro da Justiça, Nelson Jobim, propôs alguns ajustes, como a

preservação de vilarejos utilizados para garimpo que excluíram cerca de 300 mil

hectares da demarcação.

Porém em 1998, quando Renan Calheiros assumiu o Ministério da Justiça

revogou medidas anteriores e declarou o território posse permanente dos povos

indígenas, em retaliação, o Estado de Roraima entrou com um mandado de

segurança no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ganhou liminar parcial, que foi

negada em 2002 pelo mesmo tribunal. Já em 2004, O Tribunal Regional Federal

(TRF) excluiu da área de demarcação todas as vilas, cidades e zonas de expansão

existentes na região, tendo a corroboração do STF e STJ em 2008, uma vez que

ambos, negaram os pedidos do Ministério Público Federal e da Advocacia Geral da

União (AGU) para derrubar a decisão do TRF.

Por conseguinte, o presidente Luís Inácio Lula da Silva, assinou a

homologação, por meio do decreto de 15 de abril de 2005, da TI Raposa Serra do

Sol, ocasionando revolta por parte do governador vigente do Estado de Roraima,

gerando uma ação popular que pleiteou uma liminar para suspensão do decreto,

além de outra ação, no STF, com o mesmo pedido. É importante, frisar alguns

pontos desse dispositivo, visto que considerou uma superfície contínua de 1.747.464

hectares, destinadas à posse permanente dos grupos indígenas Ingarikó, Makuxi,

Patamona, Taurepang e Wapixana, com artigos como:

43

Art. 3º. O Parque Nacional do Monte Roraima é bem público da União submetido a regime jurídico de dupla afetação, destinado à preservação do meio ambiente e à realização dos direitos constitucionais dos índios.83

Art. 4º. É assegurada, nos termos do Decreto no 4.412, de 7 de outubro de 2002, a ação das Forças Armadas, para a defesa do território e da soberania nacionais, e do Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, para garantir a segurança e a ordem pública e proteger os direitos constitucionais indígenas, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol.84

Logo, nota-se que o Estado garante a posse aos indígenas e libera o acesso

às Forças Armadas tanto para defesa dos direitos constitucionais dos índios, quanto

para a defesa do território e da soberania nacional.

Em março de 2008, apesar das diversas tentativas contra o Estado de

Roraima, ação cautelar contra a União e FUNAI, pedindo suspensão do decreto

presidencial, bem como ação tentando anular o laudo para a efetivação da

demarcação, a Polícia Federal inicia a Operação Upakaton 3, para retirar os não-

índios da TI, como pequenos proprietários rurais, comerciantes e um grupo de

grandes produtores de arroz. Como esperado, a operação encontrouresistência,

inclusive de índios contrários à demarcação da reserva em área contínua,

mostrando que os conflitos se estendem também dentro das próprias comunidades

nativas, assim, o STF decide suspender a ação da PF.

É preciso ressaltar que durante todos esses processos legais na jurisdição

brasileira, ocorriam frequentes incidentes violentos e severa degradação ambiental

na região citada, tais conflitos não possuem um só grupo de responsáveis, uma vez

que, como já foi visto, existem divergências não só com os invasores, como nas

populações indígenas, compondo um quadro muito delicado, no qual é necessário

uma resolução que não confronte os direitos humanos de nenhum indivíduo e

proteja devidamente esse singular patrimônio do Brasil e da humanidade.

É analisando esse quadro brasileiro, que se reflete também o número

aproximado de 370 milhões de indígenas em esfera global, onde uma considerável

parte vive em condições de conflitos e luta pelos seus direitos fundamentais. Sendo

essa a razão pela qual é excepcional que a Comunidade de Estados desempenhe

83

Artigo 3 da Homologação Presidencial de 15 de abril de 2005. 84

Artigo 4 da Homologação Presidencial de 15 de abril de 2005.

44

um esforço coletivo em escala mundial para assegurar a sobrevivência desses

povos e a proteção de suas culturas, e assim, haver a regulamentação dos direitos

coletivos e não apenas dos individuais.

Inspirado em tal contexto, consequentemente se criou a Declaração da ONU

sobre os direitos dos povos indígenas em 2006, no qual podemos citar o artigo 2:

“Os povos e pessoas indígenas são livres e iguais a todos os demais povos e

indivíduos e têm o direito de não serem submetidos a nenhuma forma de

discriminação no exercício de seus direitos”.85

Portanto, é possível notar que o Brasil, a Comunidade de Estados, bem como

a Organização Nacional do Trabalho (OIT) e a OEA, estão em concordância com a

necessidade de proteção dos povos indígenas, no combate à discriminação por

meio do reconhecimento de tal povo, e dando passos cada vez mais largos em

direção à concretização efetiva de seus direitos essenciais.

6.2ANÁLISE DA DENÚNCIA

6.2.1 Introdução

Tem-se que em 2004 o Conselho Indígena de Roraima (CIR) juntamente com

a Rainforest Foundation US, submeteram à Comissão Interamericana de Direitos

Humanos (vide anexo B) uma denúncia contra a República Federativa do Brasil

devido a delonga no processo de demarcação e delimitação do território indígena da

Raposa Serra do Sol, alegando que com este episódio foram realizadas supostas

violações aos artigos I (direito à vida), II (direito de igualdade perante a lei) III (direito

de liberdade religiosa e culto), VIII (direito de residência e trânsito), IX (direito à

85

Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas. Disponível em: <http://www.un.org/esa/socdev/unpfii/documents/DRIPS_pt.pdf>. Acessado em: 14 de abril de 2015.

45

inviolabilidade do domicílio) XVIII (direito à justiça), XXIII (direito de propriedade) da

Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem86;

e aos artigos 4 (direito à vida), 5 (direito à integridade pessoal), 8 (garantias

judiciais), 12 (liberdade de consciência e de religião), 21 (direito à propriedade

privada), 22 (direito de circulação e residência), 24 (igualdade perante a lei), 25

(proteção judicial) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos87 (vide anexo

D), em relação às obrigações gerais de respeitar os direitos e adotar disposições de

direito interno previstas nos artigos 1.1 e 2 do mesmo tratado, em prejuízo dos

povos indígenas Ingaricó, Macuxi, Patamona, Taurepang e Wapichana da Raposa

Serra do Sol e seus membros.

A petição alega um atraso de 32 anos (1977-2009) para que fosse realizada -

de forma efetiva - a demarcação, delimitação e titulação da região aludida. Ocorre

que, no intervalo citado, degradações ambientais e incidentes violentos foram

acontecimentos frequentes, devido à presença contínua de povos não-indígenas.

Ilustram tais incidentes com o embate entre índios e grupos de arrozeiros que

usufruíam do território uma vez que possuíam fazendas de arroz em pleno

funcionamento. Com isso, segundo os peticionários, a vida e a integridade pessoal

das supostas vítimas teriam sido afetadas já que houve restrições ao direito de

circulação e residência, liberdade de religião e direito de exercer sua cultura.

Adicionalmente, afirmam que o atraso na resolução do processo de

demarcação do território supracitado não foi justificado e que é ausente, na

legislação do Estado, disposições que garantam o devido processo legal, a proteção

dos direitos territoriais indígenas e a igualdade perante a lei dos povos indígenas.

86

Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Capítulo 1:artigos I (direito à vida), II (direito de igualdade perante a lei) III (direito de liberdade religiosa e culto), VIII (direito de residência e trânsito), IX (direito à inviolabilidade do domicílio) XVIII (direito à justiça), XXIII (direito de propriedade). 87

Convenção Americana de Direitos Humanos. Capítulo 1: 1 (dever de respeitar os direitos), 2 (dever de adotar disposições de direito interno); Capítulo 2: 4 (direito à vida), 5 (direito à integridade pessoal), 8 (garantias judiciais), 12 (liberdade de consciência e de religião), 21 (direito à propriedade privada), 22 (direito de circulação e residência), 24 (igualdade perante a lei), 25 (proteção judicial).

46

O Estado, após ser notificado pela Comissão Interamericana de Direitos

Humanos88, alega que não foram esgotados os recursos da jurisdição interna e

contesta o argumento de inexistência do processo legal já mencionado.

Acrescenta que, com a conclusão do processo de demarcação do território

indígena da Raposa Serra do Sol, o objeto da petição não subsiste. Por conseguinte,

solicita à Comissão Interamericana de Direitos Humanos que declare a

inadmissibilidade da petição.

Após avaliar o posicionamento das partes, a Comissão Interamericana de

Direitos Humanos decide pela admissibilidade da petição89, dado os requisitos de

admissibilidade estabelecidos pelos artigos 46 e 47 da Convenção Americana.

6.3 TRÂMITE PERANTE A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS

HUMANOS

A princípio, peticionando contra a República Federativa do Brasil acerca das

violações de diversos artigos da Declaração Americana e da Convenção

Americana90

, o Conselho Indígena de Roraima enviou uma petição à Comissão

Interamericana de Direitos Humanos, doravante CIDH, acerca do caso e incluindo,

posteriormente, informações adicionais sobre o mesmo. A partir das análises feitas,

a CIDH pôde, então, enviar as partes pertinentes da denúncia ao Estado brasileiro,

estipulando um prazo de dois meses para a apresentação de sua contestação,

corretamente cumprido pelo Brasil.

No mesmo ano em que a petição foi apresentada, visto a pouca celeridade

quanto à efetivação da demarcação do território da Raposa Serra do Sol e as

constantes ações de violência contra os povos nativos e o meio ambiente em que

viviam, os peticionários solicitaram medidas cautelares com o intuito de proteger e

88

Relatório No 125/10. Petição 250-04, p. 05. 89

Relatório No 125/10. Petição 250-04, p. 06. 90

Relatório No. 125/10, Petição 250-04 p. 02.

47

preservar a liberdade, cultura e integridade desses povos. No entanto, em um

primeiro momento não logrou êxito, devido a não aceitação por parte da CIDH.

Pouco depois, foram enviadas à Comissão novas provas e denúncias de

violências e violação dos direitos básicos desses cidadãos, por parte do Conselho

Indígena, demandando mais uma vez a outorgação das medidas cautelares, sendo

elas, dessa vez, promulgadas. Dessa forma, no ano de 2007, a CIDH atualizou-se

perante novas informações apresentadas pelos peticionários91 e pelo Estado92 e

promoveu uma audiência com o propósito de discutir as medidas cautelares, além

de discutir se a petição era ou não admissível, durante o 127° período ordinário de

sessões.

Ademais, passados cinco anos, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela

demarcação das terras indígenas da Raposa Serra do Sol, acarretando a

necessidade de atualizar a CIDH quanto às modificações acerca do caso. Com

relação a esses fatos, o Brasil solicita, à Comissão, a declaração de

inadmissibilidade do caso, uma vez que este descumpre o artigo 46.1 da Convenção

Americana. Entretanto, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos decide que

a petição é admissível, pois viola os múltiplos artigos, e informa sua decisão às

partes, bem como a publica em seu Relatório Anual para a Assembleia Geral da

OEA.

6.4O POSICIONAMENTO DOS PETICIONÁRIOS

91

A CIDH recebeu comunicações dos peticionários nas seguintes datas: 27 de outubro de 2004, 3 de novembro de 2004, 5 de novembro de 2004, 1 de dezembro de 2004, 6 de dezembro de 2004, 7 de janeiro de 2005, 21 de janeiro de 2005, 24 de março de 2005, 28 de abril de 2005, 15 de julho de 2005, 23 de setembro de 2005, 25 de outubro de 2005, 7 de junho de 2006, 11 de setembro de 2006, 7 de dezembro de 2006, 26 de janeiro de 2007, 1º de março de 2007, 20 de junho de 2007, 5 de julho de 2007, 14 de julho 2007, 15 de janeiro de 2008, 29 de fevereiro de 2008, 14 de abril de 2008, 10 de junho de 2008 e 2 de fevereiro de 2009. Tais comunicações foram devidamente transmitidas ao Estado. 92

A CIDH recebeu comunicações do Estado nas seguintes datas: 22 de abril de 2005, 31 de julho de 2006, 7 de agosto de 2006, 27 de dezembro de 2006, 8 de janeiro de 2007, 21 de abril de 2008, 25 de abril de 2008, 2 de junho de 2008 e 22 de outubro de 2008. Tais comunicações foram devidamente transmitidas aos peticionários.

48

Preliminarmente, os peticionários informam que a população de 18.000

indígenas das tribos Ingaricó, Macuxi, Patamona, Taurepang e Wapichana,

localizam-se em uma área demarcada de aproximadamente 1.747.465 hectares na

Raposa Serra do Sol, no Estado de Roraima.93

Os peticionários iniciam suas alegações assinalando que a constante

presença de não-indígenas no território supramencionado e a suposta falta de

respeito dos mesmos ao direito a propriedade dos povos indígenas localizados na

terra, tem causado degradações ambientais, as quais interferem no direito à vida, à

integridade pessoal e a um meio ambiente sadio. O suposto fato, ocorre em razão

da implementação de macroprojetos, uso de agrotóxicos, realização de queimadas

para preparação do terreno a ser cultivado, uso insustentável dos rios e obstrução

destes, pesca ilegal, matadouros irregulares e geração de resíduos.

Ressaltam os peticionários que a permanência dos não-indígenas e

arrozeiros na área acarretou em casos de violência, o que também interferiu na vida

e integridade das supostas vítimas. Declaram que com o cercamento de

determinadas áreas, a livre movimentação indígena foi impedida, assim como o

acesso a rios e locais considerados por eles sagrados. Logo, as limitações impostas

influenciaram também no exercício da cultura indígena, visto que suas crenças

possuem intima ligação com a natureza e seus recursos.

Os peticionários observam que no que concerne a propriedade indígena, seu

processo é discriminatório, declaram que o Brasil não lhes assiste tal direito de

maneira justa, sustentando que o processo para tal garantia está sob incumbência

das autoridades estatais e segundo eles, não existem recursos judiciais aplicáveis e

acessíveis a população indígena para que possam intervir.Diferentemente dos não-

indígenas, que declaram os peticionários, possuir vantagens em relação estes,

tendo o direito a vários recursos judiciais com a intenção de assegurar o direito à

propriedade.

Assinalam os peticionários que desde a década de 70 (início do contato

indígena com os não-indígenas), a demarcação da Raposa Serra do Sol foi

considerada de grande relevância para conservação da cultura indígena, inclusive

93

Disponível em: <cidh.oas.org/annualrep/2010port/BRAD250-04PO.doc>, p. 02, 03 e 04. Acessado em: 20 de março de 2015.

49

pelas autoridades brasileiras. Apesar disso, os direitos das supostas vítimas

continuam sendo violados, visto que desde 1977, quando a Fundação Nacional do

Índio (FUNAI) deu entrada no procedimento de demarcação do território

mencionado, aguarda-se medidas para tal delimitação.

Desde o início das iniciativas de demarcação, os peticionários alegam que

ocorreram outros incidentes de violência, como a invasões a comunidades,

incêndios e ataques com arma de fogo, por parte de arrozeiros, agricultores e índios

contrários as delimitações.

Finalmente, os peticionários asseveram que em 19 de março de 2009, o

Supremo Tribunal Federal (STF) emitiu sua decisão a respeito da demarcação, a

qual autorizou a retirada dos não-indígenas das áreas demarcadas. No entanto,

declaram que a decisão do STF podem constituir infringências aos direitos

internacionalmente garantidos os índios, visto que impõe dezenove condições à

demarcação de tal território.

Defendendo a admissibilidade da petição em prejuízo as tribos supracitadas

com base nos artigos 1.1, 2 4, 5, 8, 12, 21, 22, 24 e 25 da Convenção Americana de

Direitos Humanos94 e os artigos I, II, III, VIII, IX, XVIII, XXIII da Declaração

Americana dos Direitos e Deveres do Homem.95

6.5 A RESPOSTA DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

Em 29 de março de 2004, foi feita denúncia à Corte IDH no que tange às

violações aos artigos I, II, III, VIII, IX, XVIII e XXIII da Declaração Americana dos

Direitos e Deveres do Homem (“a Declaração Americana”), e aos artigos 4, 5, 8, 12,

21, 22, 24 e 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (“a Convenção

Americana"), resultantes em danos aos povos indígenas que habitam a região da

Raposa Serra do Sol.

94

Disponível em: <www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/.../sanjose.htm>. Acessado em: 20 de março de 2015. 95

Disponível em: <www.cidh.oas.org/basicos/portugues/b.Declaracao_Americana.htm>. Acessado em: 20 de março de 2015.

50

Em tal petição consta o atraso relativo à consumação efetiva da demarcação,

titulação e delimitação do território da Raposa Serra do Sol de 32 anos (1977 a

2009). No mais, há relatos sobre atos de violência e degradação ambiental por

indivíduos não indígenas, que estavam impondo ordens e restrições ao direito de

circular no território, assim como às manifestações culturais e religiões locais. O

Estado brasileiro alegou a inviabilidade do processo legal e declara que não foram

esgotados os recursos de jurisdição interna. Portanto, ao serem concluídos os

processos de demarcação, torna-se inexistente o motivo do acionamento da Corte

Interamericana de Direitos Humanos, realizado pelo Conselho Indígena de Roraima

– CIR e Rainforest Foundation US.

Com isso, solicita a inadmissibilidade da petição por descumprir o requisito

estabelecido no artigo 46.1.a da Convenção Americana, e pela inaplicabilidade,

exceção de inexistência do devido processo legal para a proteção dos direitos dos

povos indígenas da Raposa, prevista no artigo 46.2.a do instrumento internacional

citado. Em questão do prévio esgotamento dos recursos internos, o Estado propõe

que por meio da Advocacia Geral da União, tem visado solucionar todos os embates

que permeiam a problemática da região e que tal medida sustenta o parecer do não

esgotamento dos recursos internos em desenvolvimento e, portanto, requere a

inadmissibilidade da petição que não cumpre com o requisito estabelecido no artigo

46.1.a da Convenção Americana. Em face da existência do processo quanto aos

recursos, o Estado alega:

A defesa de direitos indígenas pode ser exercida tanto na via administrativa, como ocorre no procedimento demarcatório (...) quanto na via judicial. Caso o Poder Público não tivesse realizado a demarcação, ou mesmo a efetivado em dissonância com os anseios indígenas, estes poderiam ter ingressado com ação judicial cabível, in casu, ação declaratória. Poderiam ainda ter ingressado com ação popular, como o fez Silvino Lopes da Silva e outros (…) por entenderem que o ato demarcatório fosse lesivo à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.

Quanto ao processo de retirada dos habitantes não indígenas, o Estado alega

que desde 2002 promove indenizações e remoção de tais indivíduos em ação

conjunta com a FUNAI.

51

Ressalta que das 359 ocupações de terceiros identificados, foram

indenizadas 210 ocupações que comprovaram benfeitorias de boa-fé; 67 foram

indenizados mediante ação de consignação em pagamento em um montante de 5

milhões de reais; 32 encontram-se em processo de indenização; e 49 não teriam

direito à indenização respectiva, por se tratar de ocupações de má-fé ou ocupações

realizadas pelos próprios indígenas.”

O Estado afirma que após a decisão do Supremo Tribunal Federal no que

tange à ação popular P. 3.388-4, de 19 de março de 2009, que confirmou a

demarcação contínua do território da Raposa, foram extintos todos os processos

judiciais pendentes sobre a referida demarcação. Com isso, o Estado brasileiro

ressalta que em agosto de 2009, foi constatado o fim pacífico da retirada dos

ocupantes não-indígenas do território demarcado e portanto concretizou o

procedimento administrativo de demarcação.

Por conseguinte, o Estado alega que “o objeto desta petição não subsiste” e

reitera a solicitação de inviabilidade da petição em pauta e afirma que continuará

trabalhando nas medidas cabíveis para o cumprimento do Decreto de Homologação

do território indígena e a defesa dos povos que habitam a região. Em relação à

questão da hidrelétrica, o Estado afirma: O projeto de lei Nº 2540/2006 sobre a

construção de uma hidroelétrica no território indígena continua em trâmite perante a

Câmara dos Deputados Federal e sua aprovação está condicionada a diferentes

medidas de proteção a favor das comunidades indígenas afetadas.

Por fim, foi deferido que os agressores não indígenas acusados anteriormente

estão sob investigação e cautela da Polícia Federal do estado de Roraima.

6.7 HABITANTES DA RAPOSA SERRA DO SOL X ESTADO DE RORAIMA

Os conflitos em relação à região Raposa Serra do Sol e sua demarcação

como Terra Indígena, doravante TI, não constituem fatos recentes, se estendem

52

desde o século passado quando o então Estado do Amazonas, decretou a Lei

Estadual n. 941 de 16 de outubro de 1917, que delimitava a faixa de terras entre os

rios Contingo e Surumu para a ocupação e usufruto dos índios da região. Em 1919 o

Serviço de Proteção ao Índio –SPI chegou a iniciar a demarcação física da área mas

sem efeitos concretos pois grupos não índios continuaram a invadir as terras.

Somente em 1977 os trabalhos de demarcação da TI retornam, por meio da

portaria GM/111 (processo BSB/3.233/77) assinada pela presidência da Funai, onde

instituiu-se um Grupo de Trabalho Interministerial, para proceder a demarcação da

Terra Indígena.

Em um intervalo de dezesseis anos outros três GTI’s foram criados pela

FUNAI para que então, somente em 1993 tivéssemos estudos realmente efetivos e

conclusivos, onde o resultado foi propor, através do parecer n° 036/DID/DAF,

publicado no Diário Oficial da União, em 12 de abril de 1993, ao Ministério da Justiça

o reconhecimento de extensão contínua da terra. Portanto tratam-se de

acontecimentos históricos, tornando ainda mais dificultosa a resolução acerca do

entrave e consequentemente o pleno exercício do direito à terra por parte dos

indígenas.

O caso tornou-se bastante polêmico, primeiramente por sua veiculação

midiática, como também pelas vozes que levantaram-se a favor – ONG’s nacionais e

internacionais que atuaram pela causa indígena e passaram a dar maior importância

ao caso96 - e contra a homologação da demarcação da TI.

Os argumentos apresentados perpassam por quatro pontos de fundamental

relevância a serem citados, são eles: O tamanho da região a ser demarcada –

1.678.800 hectares de terra97, que tornariam mais de 45% do território total do

Estado de Roraima ocupado por indígenas98; os atores sociais que se

desenvolveram ao longo do tempo que não foi dada uma sentença final sobre o

caso, dentre eles os garimpeiros, criadores de gado e por fim os produtores de arroz

96

Disponível em: <http://infograficos.estadao.com.br/public/politica/roraima-raposa-serra-do-sol/a- reserva.html>. Acesso em: 11 de março de 2015. 97

Conselho Indiginista Missionário – CIMI, Brasília-DF. Disponível em: <http://www.cimi.org.br/site/pt- br/?system=news&action=read&id=323&page=1>. Acesso em: 09 de março de 2015. 98

Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2008/08/080822_raposa_q anda_cg.shtml>. Acesso em: 10 de março de 2015

53

como principal grupo não índio na luta contra a demarcação99; a garantia

constitucional na qual os índios estão submetidos e o não reconhecimento dessas

garantias por parte do Estado de Roraima.

Em um primeiro momento, faz-se mister citar os argumentos os quais os

grupos indígenas sustentam sua defesa. Partindo de uma premissa

sociológica/antropológica, ressalta-se que devido a um forte vínculo, a importância

dada a terra pelos aborígenes, não é apenas como bem material, mas sim algo de

valor espiritual, hereditário as gerações futuras; sua cultura está ligada a terra onde

têm origem, sendo fonte de sua subsistência.100

Para entendermos melhor tal perspectiva, recorreremos a um trecho dacarta

escrita em 1854 pelo chefe Seattle – chefe de tribo indígena norte americana - ao

presidente dos EUA, quando este propôs a compra de terras de sua tribo:“O que

ocorrer com a terra, recairá sobre os filhos da terra. Há uma ligação em tudo.” 101102

Se tomarmos como base uma visão mais legalista do fato em

questão,veremos que por direitos – adquiridos na Constituinte de 1988 - as terras

são pertencentes aos silvícolas, a garantia constitucional sob a qual estão

resguardados os direitos dos nativos é bem clara, como disposto no artigo 231 de

nossa Carta Magna:

São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,

línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras

que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las,

proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

O Estado de Roraima apresentou alguns impasses no que tange aotamanho

da região a ser demarcada (1.678.800 ha²), uma parcela de terra demasiadamente

grande a ser perdida pelo Estado, se comparada a seu território total (230.104

99

Disponível em: <http://www.socioambiental.org/inst/esp/raposa >. Acesso em: 10 de março 100

SEBASTIÃO, Lindomar Lili. Muita terra para pouco índio. Rede de Educação Cidadã – RECID, Brasília-DF. Disponível em: <http://recid.redelivre.org.br/2013/06/19/muita-terra-para-pouco-indio/>. Acesso em: 02 de março de 2015. 101

Disponível em: http://www.turminha.mpf.mp.br/proteja-a-natureza/terra>. Acesso em 11 de março de 2015. 102

Disponível em: http://www.turminha.mpf.mp.br/proteja-a-natureza/terra>. Acesso em 11 de março de 2015.

54

KM²)103. A representatividade econômica que a região tem é outra alegação

importante levantada pelo Estado de Roraima, devido à demora na demarcação,

formaram-se diversos grupos não indígenas economicamente ativos na região e que

representariam uma perda de cerca de 7% do PIB estadual104 caso saiam da região.

Para uma melhor compreensão, a produção agrícola na região em 2006 era de US$

16,4 milhões105; em 2013, após a decisão do STF, esse valor foi de US$ 8

milhões106. Os repasses federais à Roraima passaram de R$ 1,8 bilhão em 2009

para R$ 2,4 bilhões em 2013.

O Estado de Roraima problematiza ainda acerca da fragmentação doterritório

nacional por se tratar de uma área de fronteira, o que possibilitaria a atuação de

ONG’s internacionais e por haver na região a presença de etnias indígenas iguais

não só no Brasil como na Guiana e Venezuela, e com isso a possibilidade de ocorrer

à internacionalização da Amazônia107através de um Estado Indígena soberano onde

haveria possíveis embargos quanto à presença das Forças Armadas Brasileiras,

mesmo o Estado de Roraima sendo ciente de que forças federais militares gozam de

livre acesso à Terra Indígena.

O Estado de Roraima propõe ainda a demarcação por meio de “ilhas” – forma

de demarcação em que situam-se faixas de terra para grupos não indígenas

permanecerem na TI; desconfigurando a demarcação contínua pleiteada pelos

Indígenas – demarcação em que a TI mantém-se indivisível em toda sua extensão.

Por fim, em 2009 o STF decidiu manter a reserva contínua como

haviadefinido o então Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em 2005,

ao assinar o decreto que homologa de forma continua a TI Raposa Serra do Sol.

103

O estado de Roraima, Brasília-DF. Disponível em:<http://dc.itamaraty.gov.br/imagens-e-textos/revista2-mat5.pdf>. Acesso em: 02 de março de 2015. 104

Notícias STF, Praça dos 3 poderes, Brasília-DF.Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=95026>. Acesso em: 02 de março de 2015. 105

Disponível em: < http://www.defesanet.com.br/toa/noticia/18223/Raposa-Serra-do-Sol---Efeitos-da- Demarcacao/>. Acesso em: 11 de março de 2015. 106

Disponível em: < http://www.agroclima.com.br/noticias/152310/efeitos-da-demarcacao-da-reserva- raposa-serra-do-sol--editorial-do-estadao>. Acesso em: 11 de março de 2015. 107

MACHADO, F. F; SARANTE, A. L. Reserva indígena Raposa Serra do Sol: uma questão geopolítica. Monografia. 2009. Disponível em: egal2009.easyplanners.info/.../1079_machado_fabiano_ferreira_doc.2009. Acesso em: 10 de março de 2015.

55

6.8 POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS FRENTE AO CASO RAPOSA

SERRA DO SOL

A demarcação de terras indígenas, no que concerne a Raposa Serra do Sol,

teve notoriedade jurídica no século XX quando o Estado do Amazonas editou a lei

estadual nº 941 que delimitava terras para ocupação e usufruto dos índios Macuxi e

Jaricuna. A partir deste dispositivo, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) iniciou a

demarcação de terras indígenas da região, porém, a problemática demandaria mais

tempo para sua resolução uma vez que ainda ocorriam invasões às terras dos

silvícolas108.

Em 1977, a FUNAI instituiu um grupo de trabalho interministerial com o intuito

de possibilitar a demarcação provisória de 1,34 milhão de hectares de terras, mas

não obteve um parecer conclusivo sobre a viabilidade desta demarcação. Paralelo a

isso, em 1979 e 1984 as delimitações das áreas para demarcação foram crescendo

gradativamente o que gerou em 1996 - no governo de Fernando Henrique Cardoso -

uma contestação administrativa por parte do governo de Roraima. A insatisfação

chegou ao ápice quando o Estado de Roraima impetrou o mandado de segurança nº

6210/99 no Superior Tribunal de Justiça contra a portaria assinada pelo ministro

Renan Calheiros, onde concedia o território indígena Raposa Serra Sol posse

permanente dos indígenas, com exceção do 6º Especial de Fronteiras.

Vale ressaltar que em 2002, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou

provimento ao pedido formulado pelo Estado de Roraima o que permitiu a

continuidade do processo demarcatório. Em 2005, o presidente Luiz Inácio Lula da

Silva assinou decreto determinando a homologação da demarcação da terra

Indígena Raposa Serra do Sol sendo estabelecido que a região do Parque

Ambiental do Monte Roraima seria submetida a um regime jurídico de dupla

108

Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4820>.Acesso em: 27 de fevereiro de 2015.

56

afetação, ou seja, haveria sua conservação, mas também deveria servir à realização

dos direitos constitucionais dos indígenas109.

Logo, a fase administrativa da demarcação de terras indígenas se deu por

encerrada, porém no âmbito do judiciário a polêmica estava apenas começando. Foi

ajuizada no Supremo Tribunal Federal a petição 3388/RR2110 feita através de ação

popular de autoria dos senadores Augusto Affonso Botelho Neto e Francisco

Mozarildo de Melo Cavalcanti contra a União, impugnando o modelo de demarcação

e requerendo a suspenção liminar do decreto homologatório assinado pelo

presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A visibilidade do caso Raposa Serra do Sol ganhou repercussão jurídica e os

ministros do STF validaram seu posicionamento acerca do tema com o intuito de

pacificar o entendimento e consolidar as eventuais lides concernentes à demarcação

de terras indígenas, sendo demonstrado através do discurso do Ministro Gilmar

Mendes111: “(...) nós não estamos apenas decidindo este caso. Nós estamos, pela

primeira vez, fixando uma orientação para a questão da demarcação com todas as

suas implicações. É importante que se diga isso.”

Em virtude desse posicionamento, a suprema Corte construiu uma decisão

paradigmática com o objetivo de condicionar o julgado pela procedência parcial do

pedido, o voto do Ministro Menezes Direito é baseado em dezenove

cláusulascondicionantes (vide anexo A), onde os direitos indígenas não são

absolutos,determinando os limites e elementos que os condicionam, o seu

pensamento retrata esta situação112:

Quanto aos interesses públicos, é bom ressalvar que muitos deles se encontram representados em sede constitucional e,dessa forma, podem estar situados em patamar hierárquico idêntico ao dos direitos indígenas que, mesmo constituídos de um caráter coletivo, por estarem ligados mais às comunidades indígenas que aos índios individualmente, são expressão de apenas uma parte do interesse

109

Disponível em: <http://www.sbdp.org.br/arquivos/monografia/172_Monografia%20Marcela%20Monteiro.pdf. >. Acesso em: 27 de fevereiro de 2015. 110

Disponível em: <http://util.socioambiental.org/inst/esp/raposa/sites/util.socioambiental.org.inst.esp.raposa/files/Raposa%20Memorial%20MPF%202.pdf.>. Acesso em: 27 de fevereiro de 2015. 111

STF, Pet. 3.388/RR, rel. Min. Carlos Britto, j. Acesso em: 22 de fevereiro de 2015 112

STF, Pet. 3.388/RR, rel. Min. Carlos Britto, j. Acesso em: 23 de fevereiro de2015

57

público de âmbito nacional. Nesse caso, o fato indígena poderá ter sua força jurígena condicionada por tais interesses.

O Ministro Carlos Ayres Britto classificou a posição da Corte Suprema como

"mais sonoro e rotundo não ao etnocídio", que "extermina o espírito" e promove a

"eliminação progressiva dos elementos de cada cultura [povo originário]". "A partir de

nossa decisão, o Brasil vai se olhar no espelho da história e não mais vai corar de

vergonha. O Brasil, agora, com esta decisão, resgata a sua dignidade, tratando os

índios brasileiros como nossos irmãos queridos”.113

Logo após o debate de pensamento entre os Ministros, Ayres Britto fez um

questionamento se as cláusulas condicionantes configuravam ou não uma decisão

extra petita. Enquanto a maioria dos ministros afirmava que não, e, portanto, as

partes não deveriam ter direito a nova sustentação oral, o Ministro Joaquim Barbosa

discordou deste posicionamento ao afirmar que as condicionantes implicavam em

uma inovação diante do que havia sido pedido114.

(...) as dezoito propostas feitas no voto do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito inovam, radicalmente, em relação ao que foi proposto na Ação Popular. (...) Se a corte está determinada a impor essas dezoito condições, que ela, pelo menos, ouça o que as partes interessadas têm a dizer sobre elas.

Apesar do posicionamento de Joaquim Barbosa, a maioria dos Ministros

optou por entender que não houve inovação e que as cláusulas condicionantes

propostas por Menezes Direito operacionalizam o julgado proferido pela Corte, logo

o tribunal nega o pedido de nova sustentação oral.

As dezenove condicionantes interpostas no julgado do Supremo propiciam

vários questionamentos a respeito do direito Constitucional, direito processual, das

convenções internacionais que o Brasil faz parte, dos órgãos judiciais e do direito

fundamental a terra115.

113

Disponível em: <http://reporterbrasil.org.br/2008/12/maioria-do-stf-apoia-demarcacao-integral-da-raposa-serra-do-sol/>.Acesso em: 23 de fevereiro de 2015. 114

Disponível em: <http://www.sbdp.org.br/arquivos/monografia/172_Monografia%20Marcela%20Monteiro.pdf>. Acesso em 23 de fevereiro de 2015. 115

Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/fortaleza/3830.pdf>. Acesso em: 22 de fevereiro de 2015.

58

Atualmente, o STF continua na validação das condicionantes salvaguardadas

no processo de demarcação contínua da terra indígena Raposa Serra do Sol, mas a

decisão tomada na petição 3388 não tem efeito vinculante, ou seja, não se estende

a outros litígios que envolvam terras indígenas116.

7 CASO: 11.291CARANDIRU VERSUS REPÚBLICA FEDERATIVA DO

BRASIL

O tema em testilha trata-se de análise sobre o caso Carandiru que ocorreu

em meados dos anos 90, no qual o complexo era utilizado para as medidas

carcerárias da prevenção e ressocialização do apenado, porém com o decorrer do

tempo houve a superlotação carcerária que culminou com o conhecido Massacre do

Carandiru, como se verá a seguir.

7.1 CONTEXTO HISTÓRICO

Antes de adentrar propriamente dito no histórico do sistema penal brasileiro,

precisamos descrever como se deu a origem das penas aplicadas nos dias atuais,

pois o direito penal atravessou várias fases em seu processo de evolução, fases

essas que interagem umas com as outras, convivem, dividem o mesmo momento

histórico, formando as características de cada etapa do processo evolutivo.

O conceito contemporâneo de prisão tem como escopo o objetivo de

reintegrar o apenado à sociedade, esse conceito remete-se ao século XVII com a

116

Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=251738>. Acesso em: 22 de fevereiro de 2015.

59

reformulação do Direito Penal e o surgimento de penas mais humanizadas,

desenvolvendo a ideia de maior benignidade da sanção penal, deve-se muito ao

florescimento da ideia dos direitos humanos, pois até então as penas aplicadas

eram, essencialmente, castigos físicos, pena de morte, torturas, entre outros. A

privação de liberdade era aplicada somente como custódia, para garantir o

resguardo do preso e consequentemente,a obtenção de provaspor meio de

tortura117.

É preciso entender como se deu o processo civilizatório brasileiro, um país de

base escravagista, sendo a última nação a abolir a escravidão das Américas. Um

país que foi intercortado por governos militares, períodos de ditaduras e Estados de

exceção. Portanto, o processo histórico brasileiro passou por uma série de

mudanças, até se instituir a Constituição de 1988 que preza pelo reconhecimento do

princípio da dignidade da pessoa humana118.

Segundo Adel El Tasse: “A verdadeira história das penas no Brasil, começa

com as Ordenações119 Afonsinas, vigentes em Portugal na época do descobrimento,

seguidas das Manuelinas e por último, pelas Filipinas.120”Por esta razão os

problemas no sistema carcerário brasileiro vêm de muito tempo atrás, a Constituição

de 1824, primeira Constituição genuinamente brasileira, definia dois tipos de prisões,

a simples – reclusão comum de perda de liberdade, e a pena prisão trabalho, por ter

dificuldade de aplicar a pena prisão trabalho, a Constituição trazia uma solução

paliativa para tal, como disposto em seu Art. 49.

Enquanto se não estabelecerem as prisões com as comodidades, e arranjos necessários para o trabalho dos réus, as penas de prisão com trabalho serão substituídas pela de prisão simples, acrescentando-se em tal caso a esta mais a sexta parte do tempo, por que aquelas deveriam impor-se.121

117 Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/revista_liberdades_artigo/145-HISTRIA.>Acesso em: 05

de abril de 2015. 118

Disponível em: <http://www.cnmp.mp.br/portal/noticia/3486-dados-ineditos-do-cnmp-sobre-sistema-

prisional. > Acesso em: 05 de março de 2015 119

Ordenações significa ordens, decisões ou normas jurídicas avulsas ou as coletâneas que dos

mesmos preceitos se elaboram, ao longo da história do direito português. 120

TASSE, Adel El. Teoria da pena. P. 53. 121

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-12-1830.htm>. Acesso em: 04

de abril de 2015.

60

É de fundamental importância ressaltar que o primeiro relatório sobre o

sistema carcerário realizado na cidade de São Paulo data de abril de 1829 já nos

mostra problemas como os que nos deparamos nos dias de hoje, tais quais:

superlotação e a mescla dos condenados com aqueles que ainda aguardavam

julgamento.122

Os problemas foram se agravando cada vez mais, a situação piorava a

medida em que a República ia amadurecendo. Lemos Brito, em estudos realizados

no ano de 1924 revela que as condições dos presídios eram “nefastas” e “odiosas”.

Ficava a indagação se a situação atual era validada pelo Estado brasileiro ou se os

cofres públicos que não davam conta.123

Neste contexto, o sistema carcerário brasileiro até a década de 90 nutria o

intuito de reintegrar o apenado à sociedade, porém com o advento da Lei de Crimes

Hediondos (Lei 8.072/90), o encarceramento em massa aumentou a demanda por

vagas, e consequentemente os problemas nos presídios124. Dados ainda da década

de 90, relatam por exemplo 60 mil vagas para presidiários, porém, haviam 130 mil

presos125.

Com o desígnio de resolver este impasse, foi criado O Complexo

Penitenciário do Carandiru, considerado um presídio-modelo, tendo sido projetado

para atender às exigências do Código Penal Republicano de 1890, que previa

separação de réus primários de presos reincidentes e separação dos presos pela

natureza do delito. O projeto do presídio foi elaborado pelo engenheiro-arquiteto

Giordano Petry, inspirado no Centre Pénitentiaire de Fresnes, na França, no modelo

"espinha de peixe" (que ainda existe em funcionamento até hoje)126.

Por duas décadas, de 1920 a 1940, o presídio era chamado de Instituto de

Regeneração. Nesse momento, foi considerado um padrão de excelência nas

Américas, atraindo a visita de inúmeros políticos e autoridades jurídicas que vinham

122

Salla, Fernando. As prisões em São Paulo: 1822-1940. 123

Disponível em:<http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/viewFile/18816/20879,>P. 128. Acesso

em: 04 de abril de 2015. 124

Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0592.htm.> Acesso em: 04

de abril de 2015. 125

Disponível em: <http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/2468522/data-venia-sistema-carcerario-

brasileiro-a-latrina-da-justica-criminal.>Acesso em: 04 de abril de 2015. 126

Disponível em: <http://acessajuventude.webnode.com.br/historia-do-carandiru/>. Acesso em: 02 de

abril de 2015.

61

a São Paulo para visitá-lo. Neste contexto, o presídio atingiu sua capacidade

máxima, chegando ao número de 1.200 detentos.

A partir de 1940, a penitenciária excedeu sua lotação máxima, e começou, a

passar por sucessivas crises, em virtude disso na tentativa de solucionar os

problemas existentes, foi construída a Casa de Detenção no ano de 1956 - período

do Governo de Jânio Quadros - elevando a capacidade total para 3.250 detentos. A

crise no sistema penitenciário já estava se alastrando há anos, os movimentos de

rebelião ainda não culminavam na desestruturação do presídio, porém o conflito já

estava ganhando forma. Segundo Castro (1991):

Ao ingressar no sistema carcerário os indivíduos passam a ser

tratados como iguais, sem distinção em relação aos crimes

cometidos, perante a equipe dirigente, a prisão constitui o espaço

onde se realiza a nova ordem social e todos são submetidos a um

autoritarismo que exerce um poder sem controle127.

Desta forma, em 1992 durante uma rebelião, o massacre no Carandiru

causou indignação em detentos de outras penitenciárias, os quais supostamente

decidiram formar o Primeiro Comando da Capital (PCC) no ano seguinte ao do

referido evento. Uma das afirmações iniciais do grupo era a de que pretendiam

"combater a opressão dentro do sistema prisional paulista" e "vingar a morte dos

cento e onze presos"128.

Vale salientar, que entre os pavilhões do Carandiru havia diferenças, no

pavilhão 02 os detentos eram registrados, ou seja, eram introduzidos às primeiras

regras da detenção. O pavilhão 04 era considerado o mais almejado em virtude da

pouca popularidade e das celas individuais. O pavilhão 05 tinha como peculiaridade

a superlotação da ala. O pavilhão 06 era destinado a abrigar presos com o mesmo

perfil do pavilhão 05, devido a sua superlotação.

Os últimos dois pavilhões eram os mais evidenciados, em virtude dos motins

surgirem em decorrência dos presos dessa ala. No pavilhão 08 ficavam os presos

reincidentes no crime, ao contrário deste, o pavilhão 09 abrigava os réus primários, o

127

ASTRO M. M. P. Ciranda do medo: Controle e dominação no cotidiano da prisão. Revista

USP P. 58-64, 1991. 128

Disponível em: <http://www12.senado.gov.br/jornal/edicoes/2006/05/22/cronologia-do-crime/imprimir_materia_jornal>, Acesso em: 26 de março de 2015.

62

que acabava gerando conflitos, já que os mesmo não sabiam as regras a serem

seguidas dentro do presidio.

Destarte, os pensamentos humanizadores na história do Direito Penal

ensejou o enfoque da prisão como medida reeducadora do apenado sendo

considerada a medida punitiva mais humana.

7.2DESCRIÇÃO DOS FATOS

No dia 2 de outubro de 1992, na cidade de São Paulo, uma briga entre presos

deu encadeamento a uma rebelião no Pavilhão 9 da Casa de Detenção Carandiru,

sendo necessário a intervenção da Polícia Militar, doravante PM, para acalmar a

desordem instaurada no local, a operação resultou em 111 mortes e ficou conhecida

como o Massacre do Carandiru.

Estima-se que a briga tenha se iniciado entre apenados de facções rivais no

momento em que acontecia uma partida de futebol no lado de fora das galerias129

por volta das 14 horas, o desentendimento resultou em dois feridos gerando uma

exaltação e revoltando generalizadamente os demais, motivo para o acionamento do

alarme e convocação da Policia Militar.

Durante a rebelião, os presidiários queimaram colchões, arquivos e montaram

barricadas nos corredores para impedir o acesso da polícia, a qual foi liderada pelo

coronel Ubiratan Guimarães da PM, que reuniu 321 policiais armados130a qual

adentram a penitenciária autorizados pelo secretário de segurança pública131 na

tentativa de pôr fim à rebelião. Diante disso, os presos reagiram e a Rota (Rondas

Ostensivas Tobias Aguiar) ocupou o primeiro e o segundo andar do pavilhão,

causando um número aproximado de 90 mortes.

129

Disponível em: <http://f5.folha.uol.com.br/saiunonp/2014/01/1393908-banho-de-sangue-no-carandiru-deixa-111-mortos.shtml>. Acessado em: 26 de março de 2015. 130

Disponível em: <http://www.terra.com.br/noticias/especial/carandiru/episodio.htm>. Acessado em: 26 de março de 2015. 131

Disponível em: <http://noticias.terra.com.br/brasil/massacre-do-carandiru/>. Acessado em: 26 de março de 2015.

63

Após o combate dentro das galerias, os policiais ordenaram a ida de todos os

presos para o pátio. Em síntese, o fato provocou no total a morte de 111 presos

entre os andares 1, 2, 3 e 4 do pavilhão 9, dos quais 84 haviam sido processados

mas ainda não condenados, como mostrado pelo relatório da Comissão

Interamericana de Direitos Humanos132.

É válida a ressalva, que a penitenciária abrigava na época do acontecido

7.257 presos, sendo 2.069 apenados no Pavilhão 9 onde a maioria era composta

por réus primários. Neste mesmo pavilhão coexistiam duas celas de triagem com um

número de prisioneiros próximo a 30, que dormiam no chão e possuíam autorização

para receber visitas apenas no domingo133, estando sob a vigilância de 15 guardas

penitenciários134. De acordo com testemunhos a superlotação era frequente no

presídio, as condições carcerárias eram precárias e o número de agentes

penitenciários era insuficiente.

Em 15 de setembro de 2002, a Casa de Detenção foi desativada, tendo os

pavilhões 6, 8 e 9 sido no dia 8 de dezembro do mesmo ano. Por fim, em 17 de julho

de 2005, os dois últimos pavilhões foram destruídos e o governador de São Paulo,

Geraldo Alckmin, anunciou a ampliação do Parque da Juventude, feito no lugar da

antiga Casa de Detenção.

7.3 ANÁLISE DO CASO

7.3.1 Introdução

132

Disponível em: <http://cidh.oas.org/annualrep/99port/Brasil11291.htm>. Acessado em: 26 de março de 2015. 133

Livro Estação Carandiru de Dráuzio Varella. Disponível em:<https://estanteonline.files.wordpress.com/2012/03/clik-aqui-para-baixra-o-livro-estac3a7c3a3o-carandiru1.pdf>. Acessado em: 26 de março de 2015. 134

Disponível em: <http://noticias.terra.com.br/brasil/massacre-do-carandiru/>. Acessado em: 26 de março de 2015.

64

Ocorre que em 1994 a AmericasWatch, o CEJIL e a Comissão Teotônio

Vilela submeteram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos135(vide anexo

C) uma denúncia contra a República Federativa do Brasil a respeito dos

acontecimentos de 2 de outubro de 1992 na Casa de Detenção Carandiru, na cidade

de São Paulo. Segundo os relatos, havia 2.069 internos no Pavilhão 9, local do

acontecido, sob a vigilância de 15 guardas penitenciários. De acordo com os

peticionários a superlotação, as precárias condições carcerárias e a insuficiência de

agentes penitenciários foram fatores agravantes para o desencadeamento do

protesto generalizado entre os detentos.

Assim, consta no documento mencionado que a República Federativa do

Brasil deveria ser responsável pela morte de 111 presos (dos quais 84 processados

mas ainda não condenados) e por lesões graves sofridas por outros internos durante

a repressão de um motim de detentos, ações supostamente praticadas pela Polícia

Militar de São Paulo. Os peticionários solicitam que o Estado seja condenado pela

violação dos artigos 4, 5, 8, 25 e 1(1) da Convenção Americana sobre Direitos

Humanos1, relativos aos direitos à vida, à integridade pessoal, ao devido processo e

à proteção judicial, todos eles em conformidade com a obrigação do Estado de

respeitar e assegurar o gozo de tais direitos (artigo 1(1)).

Destarte, o Estado reconhece os fatos no episódio supracitado, entretanto,

defende que medidas firmes e profundas foram implantadas a fim de resolver a

situação das prisões do Estado de São Paulo. Acrescenta que os processos contra

os agentes e indenizações foram devidamente instaurados nos diferentes foros e

prosseguem de acordo com as garantias processuais, além dos processos

referentes a homicídios dolosos, cometidos por agentes policiais, que foram

transferidos para a justiça ordinária em cumprimento à Lei 9299-96 (Lei Bicudo). Por

conseguinte, declaram que não foram esgotados os recursos internos da jurisdição e

a petição não satisfaz as condições de admissibilidade.

Após considerar ambas as argumentações, a Comissão concluiu que a

petição é admissível, uma vez que o caso denunciado caracteriza um massacre no

135

Disponível em: <http://cidh.oas.org/annualrep/99port/Brasil11291.htm>, p. 01. Acessado em: 15 de março de 2015.

65

qual o Estado não garantiu os direitos à vida e à integridade pessoal e que, em suas

sequelas, também foram violados os direitos ao devido processo e à proteção

judicial (artigos 4, 5, 8 e 25), em conexão com o artigo 1 da Convenção. Formula

ainda recomendações no sentido de que se proceda a investigação dos fatos, a

punição dos responsáveis, a concessão de reparação às vítimas e a adoção de

medidas, nos níveis nacional e estadual, para evitar que se repitam violações desse

tipo.136

7.4 TRÂMITE PERANTE A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS

HUMANOS

Ao longo do ano de 1994, os peticionários enviaram à Comissão

Interamericana de Direitos Humanos a petição do casoCarandiru137, alegando as

violações dos direitos contidos nos artigos 4, 5, 8, 25 e 1(1) da Convenção

Americana sobre Direitos Humanos, doravante Convenção, e a dirigiu ao Estado,

solicitando que este fizesse os devidos comentários. Alguns meses depois, obteve

resposta deste e posteriormente, informações adicionais dos peticionários. A

princípio, a resposta do Estado continha informações sobre os trâmites judiciais e

diante disso, requisitou um tempo maior a fim de contestar as circunstâncias de

forma mais precisa. No ano seguinte, os peticionários apresentaram a réplica a essa

solicitação.

Ambas as informações enviadas pelas partes continham defesa e acusação

quanto ao esgotamento de recursos de jurisdição interna para solucionar a

problemática em questão. Os peticionários as enviaram em outubro de 1995 e

janeiro de 1996, e o Estado em setembro de 1995. Neste mesmo ano ocorreu que a

Comissão Interamericana de Direitos Humanos visitou o Estado brasileiro, obtendo

ainda mais informações da Justiça Militar do referido Estado.

136

Convenção Americana de Direitos Humanos Cap.: 2 – “Direitos civis e políticos” 137

Disponível em: <http://cidh.oas.org/annualrep/99port/Brasil11291.htm>. Acessado em: 23 de março de 2015.

66

Na primeira das quatro audiências realizadas em torno do caso, ocorridas

entre 1996 e 1997, e durante a visita ao país pelo Relator da Comissão do Brasil, a

Comissão apresentou-se disponível há um processo de solução amistosa, reiterando

a proposta por diversas vezes. Entretanto, visto que essas medidas não lograram

êxito, deram-se por encerradas as negociações preliminares a fim de iniciar um

processo de solução amistosa, pois o Estado, apesar de reconhecer as violações da

vida e da integridade pessoal das vítimas em questão, “defende que tomou medidas

firmes e profundas para resolver a situação das prisões do Estado de São Paulo”,

alegação firmemente inaceitada por parte dos peticionários, impossibilitando um

acordo entre as partes.

Na audiência de 7 de outubro de 1996, o Estado apresentou um relatório no

qual constava as medidas que estavam sendo tomadas para dar fechamento ao

complexo penitenciário do Carandiru. Tendo em vista essas circunstâncias, a

Comissão decidiu aguardar pela decisão do Tribunal, entretanto esclarecendo que

essa decisão não consistia em arquivamento do caso, mas possuía intenção de

"suspender a consideração do caso até que o Superior Tribunal de Justiça se

pronunciasse sobre o conflito de competência"138. No final do ano de 1996, a

República Federativa brasileira declarou que a justiça criminal comum do estado de

São Paulo seria então responsável pelos processos a fim de concluir a tramitação,

com participação do júri popular.

Em abril de 1997, os peticionários solicitaram a criação de uma comissão

especial, vinculada ao Estado brasileiro e a representantes de entidades não-

governamentais, com o objetivo específico de acompanhar o processo de

desativação da Casa de Detenção do Carandiru e a fim de fiscalizar o

comprometimento e eficácia do Brasil em agilizar os procedimentos, entretanto a

proposta foi negada por parte do Estado.

Alguns meses depois, dada a morosidade do Estado em tramitar as causas

através da justiça comum, os peticionários reivindicaram diversas medidas por parte

deste e solicitaram a celeridade do processo. Os peticionários valoraram esse

138

Em virtude da lei 9.299/96, promulgada em 6 de agosto de 1996, os processos relativos a homicídios dolosos cometidos por policiais militares deixariam de ser considerados pela Justiça Militar e passariam à jurisdição da Justiça Criminal Ordinária. A lei é conhecida como "Lei Bicudo", por ter como seu principal autor o deputado Helio Bicudo.

67

pedido através do envio de novas informações sobre a persistência do problema, a

precariedade da situação das vítimas e a continuidade do Brasil em não garantir os

direitos das vítimas, que resultou inclusive na eclosão de novos motins e revoltas no

local.

Apesar de informar na audiência anteriormente citada, que o Estado decidiu

judicialmente indenizar algumas das famílias das vítimas e que medidas estavam

sendo tomadas para solucionar a problemática carcerária do Carandiru, os

peticionários alegaram a parcialidade e ineficácia dessas medidas, propondo mais

uma vez a intervenção da Comissão no caso.

Após a análise minuciosa dessa questão, a Comissão reassumiu o caso,

concluindo que a petição é admissível e “caracteriza um massacre no qual o Estado

violou os direitos à vida e à integridade pessoal e que, em suas sequelas, também

foram violados os direitos ao devido processo legal e à proteção judicial (artigos 4, 5,

8 e 25),139 em conexão com o artigo 1 da Convenção”. Por fim, em 1999, O Estado

prestou novas informações sobre a implementação da reforma carcerária de São

Paulo.

7.5 POSICIONAMENTO DOS PETICIONÁRIOS

Os peticionários140descrevem que na data do motim, a tensão, desencadeou-

se por uma desavença entre os internos. Os agentes, que se encontravam no local,

apenas fecharam o acesso ao corredor confinando os presos, entretanto, os

presidiários romperam as trancas e deram início a um grande e generalizado

protesto.141

139

Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>. Acesso em: 05 de abril de 2015. 140

Os peticionários juntam notícias publicadas nos jornais e o relatório da Anistia Internacional. Ver este relatório, Prison massacre atthe Casa de Detenção, São Paulo, 19-8-93, p. 4, doravante denominado "AMR". 141

Relatório nº 34/00. Caso 11.291. Carandiru. Admissibilidade, Brasil. P.3. Disponível em: <http://cidh.oas.org/annualrep/99port/Brasil11291.htm>. Acessado em: 15 de abril de 2015.

68

Segundo os peticionários, após o início da revolta os guardas retiraram-se do

presidio e acionaram a polícia militar que, encontravam-se cerca de 350 policiais do

batalhão de choque e do grupo especial ROTA que chegaram ao local 45 minutos

após o início da revolta. Foi também acionado magistrados com jurisdição sobre a

conjuntura142, visto que iriam tentar uma negociação com os presidiários. Todavia,

essa tentativa foi frustrada pelos Agentes Públicos pois informaram que os internos

encontravam-se armados. Diante desse cenário, dá-se início a ocupação do

Pavilhão 9.143

A ocupação que começara às 16 horas, foi encerrada após a guarda

penitenciária reassumir o controle do presidio por volta da meia noite. Declaram os

peticionários que foi constatada a morte de 111 presos e 35 feridosfrisando que

nenhuma das vítimas eram policiais e que as mortes ocorreram após a rendição dos

presos. Sustentam que após o massacre, foram destruídas pelos Agentes, as provas

que poderiam incrimina-los por cada assassinato.

Acrescentam ainda a não indenização e a ausência da prestação de

informação aos parentes das vítimas, além da divulgação tardia da lista oficial dos

mortos, veiculada somente no dia 10 de Outubro de 1992.

Prosseguindo com as alegações144, mencionam o fato de que, apesar de

possuírem uma magnitude menor, aquele não era o primeiro massacre em uma

casa de detenção em São Paulo, havendo outros conflitos no próprio Carandiru.

Salientam também que os Agente Públicos da época caracterizavam-se por recorrer

à força letal na solução dos casos, no qual 14 dos agentes enviados a casa de

detenção, respondiam a vários processos incluindo homicídios.145

Com relação aos recursos e garantias judiciais, em 1997, apesar de todas as

provas acumuladas, alegam os peticionários que o Governo ainda não havia

142

Dois juízes da Vara de Execuções Penais e o da Corregedoria dos Presídios. Visto que no Brasil, a responsabilidade judicial sobre os estabelecimentos penais cabe estes. O Juiz Corregedor (juiz inspetor de prisões) responde pelo bem-estar dos prisioneiros, enquanto a responsabilidade pela supervisão do cumprimento das sentenças recai sobre o juiz da Vara de Execuções Criminais, ou seja, o tribunal de condenação criminal. Ao Gabinete do Promotor Público também cabe a responsabilidade de visitar regularmente as prisões e de intervir em casos de abuso. 143

Relatório nº 34/00. Caso 11.291. Carandiru. Admissibilidade, Brasil. P. 3-4. Disponível em: <http://cidh.oas.org/annualrep/99port/Brasil11291.htm>. Acessado em: 15 de abril de 2015. 144

Relatório nº 34/00. Caso 11.291. Carandiru. Admissibilidade, Brasil. P. 4. Disponível em: <http://cidh.oas.org/annualrep/99port/Brasil11291.htm>. Acesso em: 15 de abril de 2015. 145

Relatório nº 34/00. Caso 11.291. Carandiru. Admissibilidade, Brasil. P. 6. Ibidem

69

reconhecido a responsabilidade do Estado, frisando a demora do processo e dos

julgamentos que caracteriza-se como uma violação do direito das vítimas ao

processo. Alegam ainda, que a falta de punibilidade para responsáveis de violação

dos direitos humanos, infringe um compromisso internacional do Estado.146

Por fim, informam na petição os deveres dos Estados partes para com as

pessoas sob sua custódia, estabelecidos pela Corte Interamericana de Direitos

Humanos. Dentre eles, os artigos 4, 5, 8, 25 e 46(2) (c) da Convenção147, alegando

portanto, as violações dos direitos humanos por terem infringido normas

internacionais que são validadas pelo Brasil148de acordo com a sua própria

Constituição Federal artigo 5, parágrafo 3.149

7.6RESPOSTA DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

Em 22 de fevereiro de 1994, foi elaborada uma petição contra a República

Federativa do Brasil no que tange ao caso do massacre do Carandiru, elaborada

pela America’sWatch, CEJIL e a Comissão Teotônio Vilela, a fim de condenar o

Estado por supostas violações dos artigos: 4, 5, 8, 25 e 1(1) da Convenção

Americana sobre Direitos Humanos, relativos aos direitos à vida, à integridade

pessoal e à proteção judicial.

Em resposta à responsabilidade quanto aos homicídios, aos ataques e à

integridade pessoal dos detentos, o Estado reconheceu a seriedade dos fatos e

denúncias. Contudo, afirmou que tomou as medidas reparatórias necessárias,

sustentando que: indenizou todas as famílias que apresentaram relações de

parentesco para com as vítimas; inaugurou uma Secretaria de Estado no âmbito do

Governo do Estado de São Paulo de dedicação exclusiva aos assuntos

146

Relatório nº 34/00. Caso 11.291. Carandiru. Admissibilidade, Brasil. P. 7-8. Ibidem 147 Convenção Americana De Direitos Humanos (1969) - Pacto De San José Da Costa Rica 148

Convenção Americana De Direitos Humanos (1969) - Pacto De San José Da Costa Rica 149

Constituição da República Federativa do Brasil (1998).

70

penitenciários; determinou o plano de desativação do Complexo do Carandiru para

viabilizar a construção de novas penitenciárias.

Os 120 policiais militares envolvidos no caso foram processados e

submetidos à jurisdição comum, decisão tomada pelo Tribunal Superior de Justiça a

partir da interpretação da Lei 9.299/96, denominada Lei Bicudo150, que transfere

para a justiça comum o julgamento dos crimes de homicídio doloso cometidos por

policiais militares contra civis.

Ao final, de acordo com o Tribunal de Justiça de São Paulo, 73 PM’sforam

condenados dos quais 15 que faziam parte do COE (Comando de Operações

Especiais) obtiveram pena de 48 anos de prisão, cada. Após o ocorrido, também

ficou estabelecido a obrigatoriedade da realização de no mínimo um curso de

Direitos Humanos na formação dos policiais do estado de São Paulo, que consta no

relatório nº 34/00, caso 11.291, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos:

Ademais, serão construídos considerável número de novos presídios

e instalações complementares, sempre com a intenção de conseguir

a ressocialização dos detentos. Reconhece-se no programa que

Carandiru mantinha nessa época (1996) quase o dobro dos detentos

que sua capacidade regulamentar permitia. Tais afirmações sobre a

implementação da reforma penitenciária foram ampliadas em 4 de

agosto de 1999 mediante a informação de que havia sido concluída a

desativação de Carandiru e a implementação de outras medidas

preventivas, tais como a criação de uma Secretaria de Administração

Penitenciária do Estado de São Paulo e a inclusão obrigatória de um

curso de direitos humanos na formação dos policiais desse

Estado.151

Por fim, em 6 de abril de 1998, o Estado deu seu parecer relativo ao

reconhecimento da seriedade das denúncias realizadas. O governador da época,

Mario Covas, declarou que devem prosseguir os trâmites legais de indenização e

pediu coerência quanto ao julgamento do caso.

150

Jus Navigandi. Lei do Abate e Justiça Militar. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/20350/lei-do-abate-e-justica-militar>. Acesso: 3 de março de 2015. 151

Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatório nº 34/00, CASO 11.291. 13 de abril de 2000. Acesso: 3 de março de 2015.

71

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao simular a Corte Interamericana de Direitos Humanos, as tarefas

desempenhadas pelos participantes do comitê serão o mais fidedigno possível

condizendo com a realidade do Tribunal: os juízes, representantes das vítimas e

agentes do Estado exercerão suas funções de acordo com a prática da própria

Corte, agindo em respeito ao seu Estatuto.

Como já explanado no decorrer do presente texto, o Guia de Estudos se

caracteriza como uma apresentação do órgão jurisdicional e dos casos a serem

simulados, norteando a pesquisa dos participantes, que não devem ficar restritos a

este – tendo em vista que nenhuma referência ou menção ao mesmo poderá ser

feita durante a simulação, em respeito à verossimilhança da mesma. As atividades

serão equivalentes ao procedimento dos trâmites para cada uma das demandas,

dedicando-se na realização de uma audiência para cada caso. Tais audiências

seguirão regras próprias estabelecidas no Regulamento da Corte a ser

disponibilizado posteriormente pela Diretoria deste Comitê, em momento oportuno.

Toda comunicação dos participantes deverá ser realizada através do contato direto

com seus respectivos mentores.

Uma vez recebida a confirmação de participação na Corte IDH, cada

participante receberá as instruções necessárias à sua atuação na simulação, de

acordo com a designação do papel a ser desempenhado pelos mentores. Os

mentores são diretores do próprio comitê designados de modo a auxiliar na

construção das estratégias de litígio (no caso dos Representantes e dos Agentes) e

nos demais esclarecimentos necessários para a preparação dos participantes.

À vista disso, espera-se que a Corte Interamericana de Direitos Humanos

esteja, mais uma vez, presente de forma positiva na história da UNISIM e que as

atividades logrem os melhores resultados possíveis, marcados pela excelência.

72

REFERÊNCIAS

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73

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77

ANEXO A - Cláusulas condicionantes

(i) O usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras

indígenas (art. 231, §2º, da Constituição Federal) pode ser relativizado

sempre que houver como dispõe o art. 231, §6º, da Constituição, relevante

interesse público da União, na forma de lei complementar;

(ii) O usufruto dos índios não abrange o aproveitamento de recursos hídricos

e potenciais energéticos, que dependerá sempre de autorização do

Congresso Nacional;

(iii) O usufruto dos índios não abrange a pesquisa e lavra das riquezas

minerais, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional,

assegurando-se lhes a participação nos resultados da lavra, na forma da

lei;

(iv) O usufruto dos índios não abrange a garimpagem nem a faiscação,

devendo, se for o caso, ser obtida a permissão de lavra garimpeira;

(v) O usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da política de defesa

nacional; a instalação de bases, unidades e postos militares e demais

intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a

exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo

das riquezas de cunho estratégico, a critério dos órgãos competentes

(Ministério da Defesa e Conselho de Defesa Nacional), serão

implementados e independentemente de consultas às comunidades

indígenas envolvidas ou à FUNAI;

(vi) A atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal na área indígena, no

âmbito de suas atribuições, fica assegurada e se dará independentemente

de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à FUNAI;

(vii) O usufruto dos índios não impede a instalação, pela União Federal, de

equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de

transporte, além das construções necessárias à prestação de serviços

públicos pela União, especialmente os de saúde e educação;

(viii) O usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação fica

sob a responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da

Biodiversidade;

78

(ix) O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade responderá

pela administração da área da unidade de conservação também afetada

pela terra indígena com a participação das comunidades indígenas, que

deverão ser ouvidas, levando-se em conta os usos, tradições e costumes

dos indígenas, podendo, para tanto, contar com a consultoria da FUNAI;

(x) O trânsito de visitantes e pesquisadores não-índios deve ser admitido na

área afetada à unidade de conservação nos horários e condições

estipulados pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da

Biodiversidade;

(xi) Devem ser admitidos o ingresso, o trânsito e a permanência de não-índios

no restante da área da terra indígena, observadas as condições

estabelecidas pela FUNAI;

(xii) O ingresso, o trânsito e a permanência de não-índios não pode ser objeto

de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qualquer natureza por

parte das comunidades indígenas;

(xiii) A cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza também não

poderá incidir ou ser exigida em troca da utilização das estradas,

equipamentos públicos, linhas de transmissão de energia ou de quaisquer

outros equipamentos e instalações colocadas a serviço público, tenham

sido excluídos expressamente da homologação, ou não;

(xiv) As terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de

qualquer ato ou negócio jurídico que restrinja o pleno exercício do usufruto

e da posse direta pela comunidade indígena ou pelos índios (art. 231,§2º,

Constituição Federal, c/c art. 18, caput, Lei nº6.001/1973);

(xv) É vedada, nas terras indígenas, a qualquer pessoa estranha aos grupos

tribais ou comunidades indígenas, a prática da caça, pesca ou coleta de

frutos, assim como de atividade agropecuária ou extrativista ( art. 231, §2º,

Constituição Federal, c/c art. 18, §1º, Lei nº 6.001/19730;

(xvi) As terras sob a ocupação e posse dos grupos e das comunidades

indígenas, o usufruto exclusivo das riquezas naturais e das utilidades

existentes nas terras ocupadas, observado o disposto nos arts. 49, XVI, e

231, §3º, da CF/88, bem como a renda indígena (art. 43 da Lei nº

6.001/1973), gozam de plena imunidade tributária, não cabendo a

79

cobrança de quaisquer impostos, taxas ou contribuições sobre uns ou

outros;

(xvii) É vedada a ampliação da terra indígena já demarcada;

(xviii) Os direitos dos índios relacionados às suas terras são imprescritíveis e

estas são inalienáveis e indisponíveis (art. 231, §4º, CF/88); e

(xix) É assegurada a participação dos entes federados no procedimento

administrativo de demarcação das terras indígenas, encravadas em seus

territórios, observadas a fase que se encontrar o procedimento.

ANEXO B – RELATÓRIO N° 125/10

Disponível em: <cidh.oas.org/annualrep/2010port/BRAD250-04PO.doc> Acessado: 01 de maio de 2015.

ANEXO C – CASO 11.291

Disponível em: <http://cidh.oas.org/annualrep/99port/Brasil11291.htm> Acessado: 01

de maio de 2015.

ANEXO D – Convenção Americana de Direitos Humanos

Disponível em:

<http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.ht

m> Acessado em: 01 de maio de 2015