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LITERATURA E REALIDADE SOCIAL: A TERCEIRA IDADE FEMININA.

SHIGEMORI,Rosélia Ramos (P.G./PDE – Unioeste) SOUZA, Wagner de (Orientador)

RESUMO: O presente artigo está pautado no estudo de contos e obras da literatura infanto-juvenil de autores brasileiros contemporâneos. Apresenta os contos “Feliz aniversário” de Clarice Lispector, “Penélope” de Dalton Trevisan e “Teresa” de Rubem Fonseca. Tais contos abordam aspectos negativos no que tange a violência para com a figura feminina idosa. Também são objetos de estudo, as obras Vovó quer namorar de Maria de Lourdes Krieger e Vovó Delícia de Ziraldo, enfatizando o viés positivo que permeia essa fase. O artigo tem como objetivo contribuir para o resgate de valores humanitários como respeito e gratidão para com a terceira idade. Destina-se a alunos do 2º ano do Ensino Médio do Colégio Estadual Eleodoro Ébano Pereira, na faixa etária entre 15 e 16 anos. Autores como Candido, Cereja, Eagleton, Peter Burke, Jim Sharpe, Jean Claude Schmitt, Ecléa Bosi, Alfredo Bosi, Beatriz Zanchet fundamentam este artigo. Segundo Schmitt, são inúmeras as formas de marginalização; inclusive contra o idoso. Os textos servirão de ponto de partida para o estudo envolvendo leitura, análise, interpretação e compreensão, elaboração de novos conceitos com relação ao viver e conviver com a figura feminina idosa.

PALAVRAS-CHAVE: valores; figura feminina idosa; relacionamento.

ABSTRACT: The present article is related in the study of tales and literature for young from contemporary Brazilian writers. It presents the tales: “Feliz aniversário” of Clarice Lispector, “Penélope” of Dalton Trevisan and “Teresa” of Rubem Fonseca. There texts bring negative aspects in what e involve violence with elder female figure. It is also object of study the works “Vovó quer namorar” of Maria de Lourdes Krieger and “Vovó delícia” of Ziraldo, emphasizing the positive view that is inside this phase. The article has as an objective to contribute for the rescue of humanitarian values such as respect and grateful with people on the third age. It is designated for students from 2nd grade of Eleodoro Ebano Pereira High School, and for the outside community. Authors like Candido, Cereja, Eagleton, Peter Burke, Jim Sharpe, Jean Claude Schmitt, Ecléa Bosi, Alfredo Bosi, Beatriz Zanchet are included in this project. As Schmitt says, there are numerous ways of marginalization including against the elder. The texts will serve as a beginning for the study that includes reading, analyses, interpretation and comprehension to the elaboration of new concepts related to living with the elder female figure.

KEY WORDS: values; elder female figure; relationship.

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Introdução:

Apesar de muito se falar, ouvir e incentivar sobre a importância da leitura e daliteratura na vida do homem moderno, em âmbito pessoal e profissional, percebe-se o mínimo empenho em suas ações para efetivar tal transformação. Pois, os resultados obtidos no processo educativo vem revelar o contrário. Surge daí o embasamento e o objeto de estudo deste artigo. À busca de aprimoramento, desenvolvimento e determinação de contribuir para a mudança comportamental dos adolescentes, alunos do 2º Ano do Ensino Médio, do Colégio Estadual Eleodoro Ébano Pereira, foi o que definiu este artigo. Visto que, não se é eterno e precisa-se transmitir às futuras gerações o maior aprendizado, que é humanizar-se, realizou-se tal estudo. O ensejo se deu com o trabalho proposto a ser desenvolvido na Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro. Especificamente, por ter como foco alunos do 2º ano do Ensino Médio, o estudo e a produção do artigo de opinião. No livro Olimpíada de Língua Portuguesa consta o artigo de opinião do articulista Antônio Ermírio de Moraes, intitulado “Violência não, educação sim” (p. 18), pode-se perceber o quanto se está distante da realidade sobre a expectativa de vida dos brasileiros, da longevidade que se está atingindo. Começa-se a observar e atentar-se ao fato de que, efetivamente, se está envelhecendo e que ao longo dos tempos, alguns valores foram se perdendo, o que gerou interesse em conhecer mais sobre o assunto. Em observância de fatos vivenciados no cotidiano escolar, questionando alunos adolescentes, na faixa etária entre 15 e 16 anos, estudantes do 2º ano do ensino médio, alguns destes, vítimas da desestrutura familiar e convivendo diariamente com seus avós, inclusive dependendo de seus salários de aposentados para sobreviver, constata-se que a relação de descaso e desrespeito ao idoso perpassa a realidade brasileira. Porque o contexto social apresenta essa fase da vida como se fosse inatingível, ademais, os conceitos midiáticos indicam a beleza física como condição para o sucesso. Após pesquisa e leitura sobre o estatuto do idoso pode-se observar que orespeito e a valorização do mesmo estão aquém ao que propõe tal lei. Visto que, embora estejam assegurados tais direitos, estes existem apenas no papel. O idoso está colocado à margem da sociedade, pois no sistema capitalista, apenas é valorizada a pessoa na sua fase ativa, ou seja, vale quanto tem ou ainda, quanto produz. Portanto, assim que deixa de gerar receitas, torna-se descartável. Em suma, na 3ª idade, não se possui mais capacidade de produzir e prover o próprio alimento, assim como crianças, tornando-se dependentes. Consta na obra Memória e Sociedade de Ecléia Bosi que há um enorme diferencial entre o homem ativo e o idoso:

O homem ativo (independentemente de sua idade) se ocupa menos em lembrar, exerce menos freqüentemente atividade da memória, ao passo que o homem já afastado dos afazeres mais prementes do cotidiano se dá mais habitualmente à refacção do seu passado (1994, p. 63).

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Na velhice resta-lhe saber que a função própria da idade é a de lembrar, deser a memória da família, do grupo, da instituição, da sociedade, como se pode observar na seguinte citação:

Nas tribos primitivas, os velhos são os guardiões das tradições não só porque eles as receberam mais cedo que os outros, mas também porque só eles dispõem do lazer necessário para fixar seus pormenores ao longo de conversações com os outros velhos, e para ensiná-los aos jovens a partir da iniciação. Em nossas sociedades também estimamos um velho porque, tendo vivido muito tempo, ele tem muita experiência e está carregado de lembranças. Como, então, os homens idosos não se interessariam apaixonadamente por esse passado, tesouro comum de que se constituíram depositários, e não se esforçariam por preencher, em plena consciência, a função que lhes confere o único prestígio que possam pretender daí em diante? Haveria, portanto, para o velho uma espécie singular de obrigação social, que não pesa sobre os homens de outras idades: a obrigação de lembrar, e lembrar bem (BOSI, 1994, p. 63).

Para resgatar os valores que estão adormecidos no homem, necessita-se reacender a valorização do ser humano, isto é, da vida. Assim, apresentou-se ao adolescente valores como o espírito de gratidão, o respeito e a dignidade que tanto merecem os ascendentes. Para atrelar tal artigo à Literatura, sugeriu-se o estudo de textos de autores brasileiros contemporâneos sob o viés positivo e negativo da figura feminina idosa. Quanto aos aspectos negativos analisou-se os contos “Teresa” de Rubem Fonseca, “Penélope” de Dalton Trevisan e “Feliz aniversário” de Clarice Lispector que apresentam a desvalorização e o desrespeito ao idoso. Contrapondo com Vovó quer namorar de Maria de Lourdes Krieger e Vovó Delícia de Ziraldo, que descrevem a figura idosa com exuberantes adjetivos.

A questão da terceira idade feminina: uma análise literária e sociológica

A escolha foi delineada facilmente porque a UNIOESTE, definiu como obras literárias para os concursos vestibulares 2009, 2010 e 2011, os contos supracitados tendo como protagonistas personagens idosas, colocadas à margem do seio familiar. Em contraponto aos contos citados, optou-se por Vovó quer namorar, de Maria de Lourdes Krieger e Vovó Delícia de Ziraldo. Nestes a idosa é apresentada, realizada, com vivacidade, capaz, apta a vivenciar todas as aventuras possíveis. Como o artigo está pautado na Literatura, é preciso apresentar o GêneroConto. Hênio Tavares apresenta a seguinte definição:

Conto é a espécie narrativa de maior brevidade. É como o chamou Lúcia Miguel Pereira, no seu livro Machado de Assis, o “caso”, em contraposição ao romance, que é a “vida”. Diz a segura ensaísta: “O

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romance é a vida, o conto é o caso, a anedota”. Os contos, como os romances e as novelas, admitem vários assuntos. Há contos de conteúdo denso e psicológico, impressionistas, fantásticos, simbolistas, regionais, de mistério e policiais, de fadas, orientalistas (como os das mil e uma Noites, de Malba Tahan), de aventuras, entre outros (1996, p.120).

As narrativas de Krieger e Ziraldo inserem-se na modalidade Infanto-juvenil, um tipo específico de expressão literária, constituído por obras de ficção, escritas geralmente por adultos e destinadas a um público juvenil, por isso, baseadas em contextos determinados, com conteúdos temáticos sistematizáveis e normas formaisbem definidas. Partindo do pressuposto que o estudo por meio da leitura, análise, compreensão, enfim, atividades realizadas em sala de aula, de alguns textos de autores nacionais contemporâneos, possa contribuir para provocar mudança comportamental do adolescente em seu relacionamento com pessoas idosas, propôs-se este artigo. Pretendeu-se demonstrar pela literatura aspectos positivos e o porquê de a terceira idade ser denominada de “A melhor idade”. Tendo como objetivo propiciar aos alunos, por meio dos textos em estudo, a percepção de que a literatura se faz dentro de um contexto histórico-social. Levá-los a conhecer a Lei do idoso, para que pudessem apropriar-se da mesma e atrelada à literatura, ressignificassem sua maneira de pensar e agir. E, por conseqüência, percebessem a impermanência de tudo que existe no universo, ou seja, que tudo está sujeito a um ciclo natural de nascimento, crescimento e envelhecimento, e o mais importante é valorizar e viver intensamente cada momento da vida. Buscando fundamentar este artigo, apresentou-se estudiosos que contemplam com maestria e eloquência, aspectos de suma importância que embasam teoricamente todo o estudo proposto. Notando-se a dificuldade em aproximar literatura à realidade escolar, iniciou-se com a definição de Cereja (2005). Para o autor o ensino de literatura no Ensino Médio não tem alcançado

plenamente os dois objetivos essenciais a que se propõe: a formação de leitores

competentes, de textos literários ou não literários, e a consolidação de hábitos de

leitura. Nas Diretrizes Curriculares da Educação Básica se lê:

Compreende-se a leitura como um ato dialógico, interlocutivo, que envolve demandas sociais, históricas, políticas, econômicas, pedagógicas e ideológicas de determinado momento. Ao ler, o indivíduo busca as suas experiências, os seus conhecimentos prévios, a sua formação familiar, religiosa, cultural, enfim, as várias vozes que o constituem (2008, p. 56).

Candido, em “A literatura e a formação do homem” nota que: “a literatura é vista como arte que transforma/humaniza o homem e a sociedade”. E continua:

Desejo apresentar algumas variações sobre a função humanizadora

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da literatura, isto é, sobre a capacidade que ela tem de confirmar a humanidade do homem. Como algo que exprime o homem e depois atua na própria formação do homem. Na medida em que interessa também como experiência humana, não apenas como produção de obras, a literatura desperta inevitavelmente o interesse pelos elementos contextuais e depende em grande parte de se saber como o texto se forma a partir do contexto (1972, p. 805).

Sabe-se que um grande número de mitos, lendas e contos são de origens irreais, uma maneira figurada de explicar o mundo físico, por isso, o cientista tem uma imaginação explicativa, enquanto o artista ou escritor possui uma imaginação poética. Conforme expõe Candido:

A literatura pode formar; mas não segundo a pedagogia oficial, que costuma vê-la ideologicamente como um veiculo da tríade famosa, o Verdadeiro, o Bom, o Belo. Dado que a literatura, como a vida, ensina na medida em que atua com toda a sua gama, e artificial querer que ela funcione como os manuais de virtude e boa conduta.Ela age com o impacto indiscriminado da própria vida e educa como ela, - com altos e baixos, luzes e sombras. Ela não corrompe nem edifica, portanto; mas, trazendo livremente em si o que chamamos o bem e o que chamamos o mal, humaniza em sentido profundo, porque faz viver (1972, p.806).

A literatura funciona como uma ligação entre o adolescente e o seu universo,pois exerce a função de humanizar, socializar e formar o homem. Essas funções é que possibilitam ao indivíduo reconhecer a realidade que o cerca. Quando conduz isso para o imaginário promove um equilíbrio mental para que possa viver melhor física e psicologicamente. Pois, o leitor molda a realidade da obra às suas próprias experiências, sua visão de mundo, seu conhecimento enciclopédico. Por isso, a importância de incentivar o hábito da leitura desde a infância. Cereja como autor participante e em permanente contato com professores e alunos, vivencia uma realidade brutal: “os alunos estão cada vez mais despreparados para ler, apesar do empenho representado pelas diretrizes curriculares, pelas normas institucionais, pelas escolas e pelos incansáveis professores” (2005, p. 8). Eagleton comenta sobre a dificuldade em definir literatura, uma vez que depende da maneira como cada um atribui o significado a uma obra literária, tendo em vista que esta se concretiza na recepção. Segundo o teórico:

O leitor estabelece conexões implícitas, preenche lacunas, faz deduções e compara suposições e tudo isso significa o uso de um conhecimento tácito do mundo em geral e das convenções literárias em particular. O texto, em si, realmente não passa de uma série de "dicas" para o leitor, convites para que ele dê sentido a um trecho de linguagem. Na terminologia da teoria da recepção, o leitor "concretiza" a obra literária, que em si mesma não passa de uma cadeia de marcas negras organizadas numa página. Sem essa constante participação ativa do leitor, não haveria obra literária (1983,

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p. 82).

Retomando as Diretrizes Curriculares da Educação Básica observa-se que:

Aquele que lê amplia seu universo, mas amplia também o universo da obra a partir da sua experiência cultural. No Ensino Médio, além do gosto pela leitura, há a preocupação, por parte do professor, em garantir o estudo das Escolas Literárias. Contudo, deve-se partir do mesmo ponto: o aluno é o leitor, e como leitor é ele quem atribui significados ao que lê, é ele quem traz vida ao que lê, de acordo com seus conhecimentos prévios, lingüísticos, de mundo (2008, p. 75).

Dessa forma, comprova-se a relevância da literatura na formação do indivíduo-adolescente como ser atuante na sociedade. Bosi em História concisa da literatura brasileira expõe que o termo contemporâneo é, por natureza, elástico e costuma trair a geração de quem o emprega. Por isso, é boa praxe dos historiadores justificar as datas com que balizam o tempo, frisando a importância dos eventos que a elas se acham ligadas. Fazendo uma retrospectiva desde 1922, ano da Semana da Arte Moderna, marco do Modernismo, o autor afirma que: “somos hoje contemporâneos de uma realidade econômica, social, política e cultural que se estruturou depois de 1930” (1988, p.431). De acordo com o autor acima citado, entre 1930 e 1945/50, grosso modo, o panorama literário apresentava, em primeiro plano, a ficção regionalista, o ensaísmo social e o aprofundamento da lírica moderna no seu ritmo oscilante entre o fechamento e a abertura do eu à sociedade e à natureza. A partir de 1950/55, entram para dominar o espaço mental o tema e a ideologia do desenvolvimento. O crítico faz a seguinte citação:

Se o veio neo-realista da prosa regional parece ter se exaurido no decênio de 50 (salvo em obras de escritores consagrados ou em estréias tardias), continua viva a ficção intimista que já dera mostras de peso nos anos de 30 e 40. Escritores de invulgar penetração psicológica, como Dalton Trevisan têm escavado os conflitos do homem em sociedade, cobrindo com seus contos e romances de personagem a gama de sentimentos que a vida moderna suscita no âmago da pessoa. E o fluxo psíquico tem sido trabalhado em termos de pesquisa no universo da linguagem na prosa realmente nova de Clarice Lispector, que percorre o caminho da experiência formal (1988, p. 437).

Para este estudo, foram escolhidos os gêneros conto e Literatura infanto juvenil, com a intenção de aproximar adolescentes ao hábito da leitura, uma vez que as histórias se apresentam sucinta e mais simples para entendimento. Buscando embasamento teórico para se compreender a questão da marginalidade, Schmitt em “A história dos marginais” diz que “era obra de justificação da Fé ou da Razão, do poder monárquico ou do poder burguês” (2001, p. 261), a partir do “centro”, papéis representados pelas elites do poder, da fortuna e

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da cultura é que a história era contada. Somente depois da Segunda Guerra mundial, mais precisamente a partir de 1968, é que se inicia a história dos marginais, conforme a seguinte citação:

Por suas atividades, sua aparência, seus habitantes, seu direito, a cidade é, na sociedade feudal, um corpo marginal. A coligação entre a Igreja e o Estado no século XIII rejeita heréticos, leprosos e judeus. Estes tendem a ser agrupados à força num bairro preciso. Os contatos mais íntimos são evitados com medo de uma espécie de contágio. Com a evolução aparecem novas formas de marginalidade:mendigos, vagabundos e criminosos. Surgem os ciganos. E em 1657, é criado o hospital geral, onde encontram-se os indigentes, os mendigos, os estropiados e os loucos (2001, p. 274).

Nas leituras sobre marginais, a ruptura dos vínculos familiares assinala com freqüência o início de uma carreira de vagabundo ou de criminoso. O distanciamentoda família também caracteriza a marginalidade e a exclusão toma forma de expulsão. O historiador utiliza, na maior parte dos casos, os arquivos e os documentos diversos que emanam do “centro”, não das margens: registros de inquisição, arquivos dos tribunais de justiça ou das prisões, obras polêmicas dirigidas contra marginais de todos os tipos, entre outros. Conforme dito anteriormente, o idoso é marginalizado na sociedade, portanto, tem sua voz silenciada. Ao abordar o tema dos marginais na sociedade brasileira, o idoso é visto com certa reserva, por não se aceitar atingir essa faixa etária, por parecer um período improdutivo ou até, prejudicial à sociedade. Outra perspectiva de análise, ao se debruçar sobre a escrita da história, é apresentada por Sharpe no capítulo intitulado “A história vista de baixo”, em que explora o viés do ponto de vista do soldado raso, e não do grande comandante. Sobre a importância da história vista de baixo, Sharpe cita que:

Ela é mais profunda do que apenas propiciar aos historiadores uma oportunidade para mostrar que eles podem ser imaginativos e inovadores. Ela proporciona também um meio para reintegrar sua história aos grupos sociais que podem ter pensado tê-la perdido, ou que nem tinham conhecimento da existência de sua história. Enfim, por mais valiosa que a história vista de baixo possa ser no auxílio ao estabelecimento da identidade das classes inferiores, deve ser retirada do gueto ( ou da aldeia de camponeses, das ruas da classe trabalhadora, dos bairros miseráveis ou dos altos edifícios) e usada para criticar, redefinir e consolidar a corrente principal da história (1992, p. 99).

Aqueles que escrevem a história vista de baixo não apenas proporcionaram

um campo de trabalho que permite conhecer mais sobre o passado, assim como

tornaram claro que existe muito mais, que grande parte de seus segredos, que

poderiam ser conhecidos, ainda estão encobertos por evidências inexploradas.

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Com certeza haverá historiadores, tanto acadêmicos quanto populares, que

irão escrever livros que direta ou indiretamente neguem a possibilidade de uma

recriação histórica significativa das vidas das massas, mas seus motivos para agir

assim serão cada vez mais duvidosos. A história vista de baixo ajuda a convencer

aqueles nascidos sem colheres de prata nas bocas, de que tem um passado, de que

vem de algum lugar.

Enfim, ser marginal e/ou marginalizado é ser excluído de uma situação ou

de um meio social. Os negros, os pobres, leprosos, judeus, entre outros, são

colocados à margem por suas condições e aparências. Como conseqüência dessa

exclusão tendem a se agrupar. Por fim, a exclusão toma forma de expulsão.

Na concepção de Schmitt: “o distanciamento da família também caracteriza

a marginalidade” (1992, p. 279). E como prova dessa exclusão do bojo familiar,

torna-se comum ver idosos abandonados por seus próprios familiares em asilos,

hospitais, ou mesmo em suas residências; esquecidos, maltratados, portanto, à

margem da sociedade, excluídos do convívio familiar.

Por outro lado, há também idosos que vivem sozinhos por opção, ou há

também idosos que vivem sozinhos por opção, ou por não conseguirem conviver

harmoniosamente com seus descendentes e afins. Na atualidade existem grupos de

3ª idade que conquistaram sua independência, seja em âmbito econômico, por meio

de sua aposentadoria, recebem atendimentos médicos preferenciais e são auto-

suficientes na manutenção de suas próprias vidas.

Retomando os aspectos que pautam este artigo, deve-se lembrar que

existem os enfoques negativos da figura feminina idosa, que foram apresentados

nos contos: “Teresa”, “Penélope” e “Feliz Aniversário”, no entanto, há também os

aspectos positivos, expostos em Vovó Delícia e o prisma tradicional na obra Vovó

quer namorar.

Pode-se observar que para algumas culturas, o ancião ainda é considerado

de extrema importância, pois está ligado, a um tempo, ao conhecimento, a

sabedoria, a experiência de vida. Exemplificado na obra Macunaíma, de Mário de

Andrade, logo nas páginas iniciais se lê: ”Porém respeitava os velhos e freqüentava

com aplicação a murua a poracê o torê o bacorocô a cucuicogue, todas essas

danças religiosas da tribo” (1984, p. 9).

Retornando aos contos em estudo Maria Beatriz Zanchet, propõe análise a

“Teresa” de Rubem Fonseca, apresentando as seguintes citações:

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Tendo em vista que a violência se constitui como um componente da

sociedade, em qualquer tempo e lugar, é sintomático que a literatura,

enquanto parte integrante da arte, que também se entrelaça à rede

social, reflita e conteste essa violência (2010, p. 91).

Com certeza haverá historiadores, ta

Aqueles que escrevem a hi Reforçando esse conceito Gilda Salem Szklo apresenta a definição daviolência no gênero conto:

[...] um tipo de conto reportagem-depoimento, em que não há distanciamento entre o que é escrito e o que ocorre no dia-a-dia, que certos críticos tentam ignorar ou admitem com reservas pelos seu desnudamento jornalístico e publicitário, mas que já tem dado importantes contribuições à literatura. (1980, p. 93).

Para Zanchet (2010), o autor Rubem Fonseca se vale da peripécia como

estratégia recursiva de narração. Esta é considerada como uma mudança ao

contrário dos eventos anunciados, é verificada a partir da ação dos próprios

protagonistas: no caso do conto “Teresa”, a peripécia diz respeito, especificamente,

à ação de seu José, o personagem narrador. O uso da peripécia não pode ser

dissociado do universo da violência, razão por que, a estilização de vozes de que

seapropriam os autores, na fala de seus personagens, correspondem à postura de

renúncia a um tipo de literatura de alienação.

De acordo com Szklo, se a sociedade em si é violenta, compete à literatura,

enquanto função de conscientização do real, “apresentar problemas sem ter que

necessariamente resolvê-los, pondo abaixo os tabus sexuais, as repressões de toda

ordem, para trazer à tona o homem na sua nudez fisiológica” (1980, p.97).

Para Zanchet (2010) a forma como a palavra do “outro”, carregada de

inflexões sociais e ideológicas – formalizadas, entre outras, em marcas lexicais,

sintáticas e semânticas – percorre o universo da construção textual, conferindo ao

autor um estilo próprio como se pode observar na seguinte citação:

Assim, não é a fala da pessoa de Rubem Fonseca que está em jogo, mas a apropriação que o autor faz de determinadas falas, capazes de penetrar seus contos conferindo-lhe o agenciamento de serem reveladoras de diferentes visões de mundo. A maneira como o autor

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organiza e manipula tais vozes, articulando-as em unidades composicionais diversificadas, credencia a capacidade literária do estilo autoral (2010, p. 93).

O conto “Teresa”, inserido na obra Ela e outras mulheres (2006): é o vigésimo

quinto, de vinte e seis contos curtos. Dispostos em ordem alfabética, utilizando

nomes de personagens femininos, que se apresentam ora vítimas, ora algozes dão

a tônica das histórias. O autor se vale do foco narrativo em primeira pessoa. “Não é

certamente a voz do autor que se faz ouvir, mas a apropriação, muito bem feita pelo

autor, da voz de um personagem, denominado ‘seu José’, que se revela aos poucos,

como alguém que trabalha para um ‘Despachante’, ou seja, é um assassino

profissional” (2010, p. 95).

O enredo gira em torno de um casal de velhos: o doutor Gumercindo (noventa

anos) e dona Teresa (setenta), casados há cinco anos e moradores em um

apartamento no andar acima àquele do narrador. Dona Teresa revela-se terna e

angelical no trato com o marido, mesmo após este ser acometido por um acidente

vascular cerebral e necessitar de cadeira de rodas.

O conflito é apresentado quando o narrador conhece os filhos do doutor,

citados como dois sujeitos grandes gordos, os quais conotam a ideia de cafajestes e

colocam em dúvida a honestidade de dona Teresa. O narrador tem papel

fundamental e de poder a ponto de colocar os personagens em lados opostos: o do

bem, representado por dona Teresa e o do mal, pelos filhos do doutor.

Após a morte do doutor Gumercindo, há o reforço da ideia do jogo de

interesses: ”Os dois filhos estavam cada vez mais gordos. Falavam dos novos

carros que haviam comprado. As duas mulheres estavam vestidas com roupas

caras” (FONSECA, 2006, p.153).

A grande sacada do narrador citando que, por experiência do trabalho

conseguia perceber quem é perigoso, quem não é, quem é filho da puta, quem não

é, e ainda afirmar: “eles eram as duas coisas” (FONSECA, 2006, p. 154).

A obra apresenta o narrador como o herói que faz justiça com as próprias

mãos, tirando do sofrimento a fragilizada e indefesa idosa das maldades dos filhos

do doutor Gumercindo. Eliminando-os e deixando-a liberta para desfrutar dos

benefícios “merecidos” a que teria direito, após longo período de dedicação ao

companheiro.

Deve-se atentar ao fato de que a literatura é vista como fonte humanizadora,

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mas esta não tem o compromisso de resolver as questões de violência que estão

presentes nas relações com pessoas idosas. Somente a consciência humana o fará.

No estudo realizado por Zanchet (2007) Dalton Trevisan, no conto “Penélope”,

demonstra que o resgate a temas e conteúdos associados à mitologia e à literatura

universais, se encontram ressonantes, pois jamais se dão como repetição, mas sim,

como recorrência às avessas. O autor instaura o diálogo com o texto mítico

tradicional, utiliza a ironia e a paródia para desconstruir o mito da felicidade conjugal.

Conforme se lê na citação abaixo:

Dialogando com o mito grego, relacionado à fidelidade de Penélope a Ulisses, durante os seus vinte anos de ausência, frustrando as perseguições dos pretendentes com a desculpa de um bordado nunca concluído, Dalton Trevisan discute o relacionamento de um casal de velhos, unidos e solitários, aparentemente imunes ao sofrimento, mas que são tecidos pela trama do ciúme, construído progressivamente no decorrer do conto e constituindo o eixo básico da tragédia existencial (2007, p. 187).

Insistindo na obsessiva relação homem-mulher, os contos são reduzidos em

tema e forma, conteúdo e aparato, investindo no afrontamento ao mundo pequeno-

burguês, seja desmascarando suas instituições, seus dogmas ou suas relações

comportamentais. Ninguém sai ileso, não poupa velhos, adultos, jovens ou crianças.

Histórias de desencanto, as narrativas convertem-se em denúncia da hipocrisia

patética que se aninha nas relações entre os seres humanos. Zanchet descreve isso

da seguinte forma:

A família, célula matriz da sociedade pequeno-burguesa, é uma das instituições mais desprezadas, pois alguns de seus preceitos fundamentais são despidos das roupagens sagradas da ideologia e entregues à nudez das situações reais do cotidiano: a união fraternal e o espaço familiar da casa como abrigo e proteção, são os enfoques deste conto ( 2007, p. 188).

A autora descreve que Dalton Trevisan é polifônico e dialógico, recupera

outros textos para desmascarar, entrar em dissonância, dar uma nova dimensão.

Instaurando o diálogo com o texto mítico tradicional, utiliza a paródia como processo

de construção, desconstruindo o universo do mito. Seu conto gira ao redor da

relação entre um casal de velhos e estabelece alusão ao mito grego:

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Durante os vinte anos de ausência de Ulisses, no discurso e depois da guerra de Tróia, Penélope guardou-lhe uma fidelidade à prova de todas as solicitações. A sua beleza atraiu a Ítaca uma centena de pretendentes, e ela soube sempre frustrar-lhes as perseguições e desorientá-los vários dolos. O primeiro artifício foi prender ao tear um grande véu, declarando aos apaixonados que não podia contrair novas núpcias antes de terminar aquele manto, destinado a envolver o corpo do seu sogro Laertes quando este morresse. Assim, durante três anos ela alegou esse engenhoso pretexto, sem que jamais a tela terminasse, pois que à noite desfazia o que tecera durante o dia. Daí vem a frase “a trama de Penélope”, aplicada às obras em que sem cessar se trabalha sem nunca terminá-las (2007, 191).

De acordo com a teórica acima citada o conto de Dalton aponta para um viés:

a fidelidade conjugal a partir da urdidura do tecer. Das personagens do conto, um

casal de velhos unidos e solitários, aparentemente imunes ao sofrimento, uma vez

que já haviam passado grandes provações. Há uma alusão ao passado trágico, aos

filhos mortos num desastre e à mudança dos velhos para Curitiba.

Essas alusões servem para ratificar os indícios da desgraça que se anuncia e

apontam para determinados tipos de conduta que organizam o procedimento

deteriorado no âmago de uma das personagens: o marido.

De hábitos rotineiros (afazeres domésticos, lidas no quintal e jardim, passeios aos sábados) “o velho fumando cachimbo, a velha trançando agulhas.”(p.171) são surpreendidos na volta de um passeio, por uma carta anônima, num envelope azul. Através da utilização do diálogo indireto livre, o narrador introduz o estigma da traição e, num resgate à lenda de Ulisses, enuncia: “O canto das sereias chega ao coração dos velhos?” (p.172). As cartas, bilhetes com apenas duas palavras, aparecendo misteriosamente aos sábados, convertem-se nos indícios da infidelidade sabida e delatadora. A vida do marido transforma-se em busca de vestígios e noites de vigílias; marcas caracterizadoras da traição:”(...) ao marido ausente enganara Penélope? Para quem a mortalha que trançava? Continuou a estalar as agulhas após o regresso de Ulisses?”(p.173) (ZANCHET, 2007, p. 191).

Conforme se observa, o tecer metaforiza duas situações: enquanto a mulher

tece a toalhinha de tricô, dando seguimento à vida, o homem tece uma rede de fios

imaginários que compõem a urdidura da suposta infidelidade. Simbolicamente, o

tecer e o fiar estão ligados ao destino. A esposa não repete o mito tradicional de

Penélope, capaz de afugentar, através do tecer, uma série de pretendentes e

conservar-se fiel ao seu amado. A narrativa de Trevisan não frustra a perseguição

dos pretendentes. Embora, na realidade, tais pretendentes não existam, enquanto

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urdidura do marido, eles são construídos por um imaginário forjado, capazes de

transformar a vida num inferno, conforme afirma Zanchet:

O suicídio da esposa, conseqüência da impossibilidade de vida conjugal, remete, figurativamente, ao término do tecido de tricô. O mito clássico é parodiado pelo autor por meio de inversões: a esposa não tece enquanto o marido está fora, mas o faz enquanto estão juntos; o tecer não afasta os pretendentes reais, mas cria, mesmo que na imaginação, pretendentes imaginários (2007, p. 194).

No mito grego, o arco de Ulisses elimina os possíveis candidatos, no conto de

Dalton é o revólver adquirido pelo marido que se transforma na arma utilizada pela

esposa para dar fim à própria vida. No mitológico o tecer constitui um processo de

construção, no conto, de acabamento.

Na obra de Dalton, a personagem Penélope, não deixa de assumir o papel de

vítima nas mãos de seu cônjuge, que por sua insegurança, a coage, julgando-a

adúltera, pressionando-a de tal forma, induzindo-a a cometer o suicídio.

Em outro conto que se dedica análise neste artigo, Anita, personagem de

“Feliz Aniversário” da autora Clarice Lispector, denuncia na obra intitulada Laços de

família, o relacionamento familiar, ou melhor, a falência da instituição denominada

“família”. Ambiente em que se deve demonstrar o verdadeiro eu, isto é, tirar a

máscara que se usa socialmente. Anita se dá conta que criou homens vazios e sem

capacidade e mulheres sem substâncias.

Anita, aos oitenta e nove anos, é violentada por seus familiares, pessoas a

quem dedicou sua existência em criar e educar. Primeiramente por “Zilda”, a única

mulher entre os seis irmãos homens e a única que, estava decidido já havia anos,

tinha espaço e tempo para alojar a aniversariante.

Por estar muito ocupada com os preparativos para festa de aniversário

procede com a velha da seguinte maneira: “E, para adiantar o expediente, vestira a

aniversariante logo depois do almoço. Pusera-lhe desde então a presilha em torno

do pescoço e o broche, borrifara-lhe um pouco de água-de-colônia para disfarçar

aquele seu cheiro de guardado, sentara-a à mesa. E desde as duas horas a

aniversariante estava sentada à cabeceira da longa mesa vazia, tesa na sala

silenciosa”(LISPECTOR,1998, p.10).

O desprezo e o descaso à matriarca é notório. Apaga-se toda dedicação,

esforço, empenho para criar, educar sua prole; tornando-se na fase idosa um

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estorvo.

Inicialmente a família faz o jogo de aparências. Apresenta falta de

sensibilidade e cumplicidade de um para com o outro, quando se lê: “Ninguém se

lembrando de que ninguém havia contribuído com uma caixa de fósforos sequer”

(LISPECTOR, 1998, p.75) e no trecho seguinte a prova da desunião familiar: “Como

não haviam combinado, uns cantavam em português e outros em inglês. Tentaram

então corrigir, porém, a demonstração do desacerto manteve-se” (LISPECTOR,

1998, p. 75).

“Feliz Aniversário” narra a decepção, frustração de uma mãe ao se deparar

com a triste constatação de que, por certo, errara na educação dos seus filhos. A

velhice, o abandono, o descaso a quem deu vidas. A separação da família após o

casamento, “noras, genros”, pessoas que na maioria das vezes esquecem que seu

parceiro tem ou veio de uma família.

Enfim, os três contos vem revelar o desdém sofrido pelo idoso, por sua

condição de impotência manifestada numa sociedade que valoriza a condição

monetária. Na sociedade capitalista se é avaliado enquanto ser produtivo. É

interessante observar nas ações cotidianas a mudança de valores em relação ao

idoso, o descaso que permeia as relações familiares e outras instituições, bem como

a sociedade como um todo.

O capitalismo prega o culto à forma em detrimento do intelectual, ou seja, a

supervalorização do exterior. É como se o mundo fosse constituído só do belo, de

corpos bem definidos, livres das marcas de um tempo decorrido como rugas, ganho

de peso, doenças. Como se tudo isso não fizesse parte da realidade.

Discriminadamente, estigmatizando aquele cidadão que foge dos ditames midiáticos,

isto é, dos que se veem excluídos, distantes dos modelos de beleza impostos pela

sociedade. Padrões que para se atingir são necessárias mudanças radicais nos

hábitos alimentares, nas atividades físicas, entre outros.

Nos três contos o espaço perpassa o ambiente familiar, que se apresenta

hostil, desgastado, dilacerado pelas relações humanas. Em “Teresa”, os filhos do

doutor Gumercindo, não se dão com o velho, desacreditam na sinceridade de dona

Teresa e mostram-se cafajestes, interessados apenas na morte de seu velho pai,

para daí usufruírem da herança. Em “Penélope”, o relacionamento do casal idoso

mostra-se fragilizado quanto à idoneidade, integridade de Penélope, que aos olhos

do seu velho cônjuge “inseguro”, parece-lhe adúltera. E em “Feliz aniversário”, Anita,

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comemora seus oitenta e nove anos, reunindo seus familiares, que forçosamente

vão chegando para cumprir clichês impostos pela sociedade. Nas descrições da

aniversariante e dos familiares percebe-se a falência da estrutura que se chama

“família”.

A autora Maria de Lourdes Krieger (1992), na obra Vovó quer namorar,

apresenta a figura feminina idosa, mesmo que tradicionalmente, pois cumpriu no

passado todos os clichês exigidos à sua época, nuances mais positivos. Vó Frosina,

personagem principal, é moderna, gosta de vermelho, arruma-se bem, cabelos

ajeitados, unhas pintadas e à espera de seu namorado. Contrariando regras

tradicionais, principalmente as julgadas por sua filha, que a condena por suas

atitudes e acredita convictamente que, vó deve ser vista como alguém que cuida dos

netos e prepara-lhes quitutes para agradá-los.

A obra apresenta seu início no tempo presente, quando vó Frosina está com

sua neta, Letícia, aguardando o namorado. “De vestido claro enfeitado de

crisântemos, sapatos de salto. Cabelos caindo nos ombros, os reflexos de prata

teimando em mostrar a idade que só mamãe teima identificar” (1992, p. 8).

A autora volta ao passado para explicar ao leitor que, desde sua infância,

Frosina é de uma personalidade muito forte, quebrando todos os protocolos de sua

época, em que a mulher deveria ser totalmente submissa: “aprender as lides de

casa, sob as bênçãos maternas” (1992, p. 30). Contrariando a isso, a protagonista

estuda, cavalga, brinca, apaixona-se por seus heróis anônimos, aos quais as obras

literárias que lia a conduziam. “Se Frosina amava viver, não perdia festa. E enterro.

Para ela os dois se confundiam” (1992, p.40).

Nesse período o texto dialoga com a cantiga de roda “Terezinha de Jesus”,

em que o terceiro foi aquele com quem Frosina se casou e que deu a origem aos

seus descendentes. Reforça a condição à qual a mulher da época é submetida.

Principalmente, por imposições da sociedade, que a julgo de seu cônjuge, na

condição de juiz, impunhá-lhe cumprir.

Retomando ao tempo presente, já viúva e disposta a refazer a vida e

conquistar sua felicidade, aguarda a chegada do seu príncipe encantado. Aliada à

neta, Frosina respira fundo e indaga:

-“Que mal há, se vovó quer namorar?” (1992, p. 54)

Intensificando o viés positivo da figura feminina idosa, apresentou-se a

personagem de Ziraldo (1997), na obra Vovó Delícia, em que o próprio título sugere

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como agradável, prazeroso. Figura forte, determinada, preparada física, psicológica,

espiritual, social e politicamente. A personagem é apresentada por sua neta, como

referência à mulher. É bonita, inteligente, atuante, elegante, amiga, culta, vaidosa.

Enfim, modelo da figura feminina.

A obra é narrada em 1ª pessoa, em que a narradora-personagem é uma

menina de mais ou menos 9 ou 10 anos, que conta os fatos de forma confessional. A

forma apresentada é a de uma entrevista, sobre o Dia Internacional da Mulher. A

menina elege sua avó como referência à mulher. Assim inicia: “Gente, já passou um

ano. Decidi! Hoje sou eu que vou dar a entrevista” (1997, p. 5). Começa a entrevista

fazendo-se passar de repórter e de entrevistada.

O porquê da avó se tornar referência como mulher para neta pode-se

comparar ao que Ecléa Bosi (1994) cita em sua obra Memória e Sociedade:

Lembranças dos velhos, pois reforça a ideia de que idosos tem muito tempo,

confirmado na fala da menina: “Já o que mais a minha vó faz é conversar comigo”

(1997, p. 8). Enfatiza o fato de que pessoas na fase ativa não tem tempo, porque

estão muito ocupadas trabalhando. É notadamente na fala da menina que se

evidencia, pois cita: “Mamãe e eu não temos muito tempo para conversar sobre

essas coisas. Lá em casa somos só ela e eu, e ela trabalha feito uma formiguinha.

De manhã vou para a escola, e ela, para um de seus empregos. Quem vai me

buscar no colégio é minha vó” (1997, p. 8).

Respeito, orgulho e admiração da neta pela sua avó são destacados, quando

comenta sobre a decoração da casa da avó: “Nas paredes ainda há espaço para

uma porção de posters... e um terceiro que é o que mais gosto: uma foto enorme de

uma passeata de artistas e estudantes da época das passeatas. Minha vó estava

lá”(1997, p. 11). Dedicação e paciência aos amigos quando estes se encontram

infelizes. “Minha vó é a pessoa mais enturmada que já vi. Ela tem muitos amigos

(1997, p.12). A marca da fidelidade da avó é evidente: “São amigas desde

meninas...”(1997, p. 14). A vaidade da avó é ressaltada de forma extremamente

positiva, citando inclusive, a semelhança entre a mãe e a filha. “No inverno, se as

duas saíssem vestidas igual e eu saísse atrás, não ia dar pra eu saber qual era uma,

qual era outra (1997, p. 16).

A cumplicidade entre neta e avó é espantosa: “Desde pequenininha que minha

vó me faz uns agrados que mamãe nunca faz e presta atenção a tudo o que eu faço.

É tão claro isso para mim que parece que ela é que é a minha mãe e que a mamãe

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é que é a minha vó” (1997, p. 54). O exemplo de desafio e inovação presentes nas

características físicas e psicológicas da avó, que além de “voar pelas ruas do Rio a

bordo de sua pequena moto italiana” (1997, p. 63), submete-se a cirurgia plástica: “O

rosto da minha vó estava mais bonito do que nunca!” (1997, p. 68). Destaca-se a

exaltação da neta quando afirma: “Meu maior desejo é fazer uma porção de clones

da minha vó” (1997, p. 73). Ziraldo finaliza a obra recuperando a forma de entrevista

com o seguinte questionamento da narradora: “Alguma outra pergunta?” (1997, p.

74).

Há inúmeros adjetivos que qualificam Vovó Delícia, demonstrando e afirmando

o viés positivo da figura feminina idosa. Portanto, pode-se concluir neste artigo que

foi enriquecedor, tanto como objeto de estudo na literatura, quanto humanamente,

pois pode-se desvelar o mito de envelhecer e fazê-lo bem.

Conclusão

Estabeleceu-se relações entre as obras sob o viés da figura feminina idosa:

apresentando aspectos positivos e negativos da idade, desvelando o mito de que

somente existem os negativos nessa fase. Propôs-se conhecer o Estatuto do Idoso,

e estabeleceu-se nexo entre as análises já realizadas e o foco da figura feminina

idosa na literatura e na sociedade. Pesquisou-se sobre o que se realiza na cidade

para beneficiar o Grupo da Terceira Idade. Propôs-se mudança comportamental do

adolescente em relação ao idoso por meio da literatura, isto é, do resgate de valores

como respeito, gratidão, afeto. Promoveu-se momento cultural no espaço escolar:

dramatização dos textos estudados.

Para que o trabalho fosse o instrumento transformador do adolescente em

questão, deveriam desenvolver pesquisas sobre o papel e importância do idoso na

sociedade. Verificar dados estatísticos para que pudessem conhecer a realidade

social de sua cidade.

Deveriam formar equipes de, no mínimo dois e máximo seis alunos, elaborar

dez questões para uma entrevista a idosos, a qual foi realizada no Asilo São Vicente

de Paula e no baile de Terceira Idade do Parque Tarquínio ou ainda poder-se-ia

realizar com membros de sua própria família. Como resultado, deveriam elencar

aspectos positivos e negativos dessa fase da vida. Despertasse e levasse à

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mudança comportamental, proposição deste artigo, como determina os Parâmetros

Curriculares Nacionais, que a literatura fosse capaz de aproximar do interesse do

aluno e levasse a ressignificação do seu modo de vida.

Investigou-se quais aspectos materiais mais urgentes necessitavam os idosos

pertencentes ao asilo. Agregou-se à pesquisa o Gênero Cartaz e o resgate de

valores como solidariedade. Para tanto, os alunos produziram cartazes onde

expuseram sua criatividade, idealizaram frases bem elaboradas e afixaram no

espaço escolar. Com o objetivo de angariar doações, mobilizar e sensibilizar toda a

comunidade escolar. Posteriormente, agendou-se a visitação ao asilo e ocorreu a

entrega dos materiais coletados pelas mãos dos alunos que foram acompanhados

por professores, coordenadores, direção e mães.

Atrelando literatura à realidade social, os alunos tiveram a oportunidade de

conhecer, dialogar com os idosos residentes no asilo, quem são, o que ou quem os

conduziu até o local, enfim, porque estavam lá. Despertou-se e resgatou-se

aspectos humanitários, esperava-se que esses alunos pudessem sair de lá

diferentes e que, nos seus ambientes familiares cultivassem o respeito, carinho tão

merecido por certos idosos. O resultado superou todas as expectativas; a relação de

afeto, atenção, interesse para com os idosos. Alguns alunos levaram violão,

tocaram e cantaram, animaram o ambiente. Tiraram várias fotos. A cada foto pedia-

se permissão para tirá-la e teve uma idosa não queria deixar, mas ao ver que as

demais pessoas deixavam e se alegravam, ela também o quis. A irmã coordenadora

do local ficou tão comovida com o comportamento dos alunos, que os convidou para

voltarem aos domingos, no momento de lazer dos idosos, para jogarem bingo,

cantarem com eles, conversarem.

Houve alunas mais emotivas que começaram chorar diante dos idosos e de

suas carências. Foi um momento comovente para todos que puderam participar,

inclusive professoras que se envolveram no processo, comentaram ter sido uma rara

oportunidade de humanismo e que se deveria promover mais momentos como

aquele. Enfim, percebeu-se que o resultado é grandioso quando se determina

realizar.

É importante ressaltar um episódio, pois uma aluna rebelde em sala de aula,

agressiva e avessa aos estudos e a ditâmes disciplinares, provocou olhares de

curiosidade ao demonstrar tanto interesse e carinho para com os idosos do asilo.

Dedicou atenção, carícias, demonstrou-se um ser humano meigo, atencioso,

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solidário. A partir desse momento, aspectos discriminatórios e de desdem

desapareceram. Pode-se notar que, tem-se o hábito de rotular as pessoas sem dar a

chance de conhecê-las. Um aspecto importantíssimo a se ressaltar é a questão de

se colocar no lugar do outro.

No baile de terceira idade, momento festivo entre idosos, vale comentar

sobre a entrevista realizada com os mesmos, que se pode perceber que a maioria

que frequenta o local quer se divertir, dançar, conversar, está à procura de encontrar

um “novo” companheiro, visto que são viúvos, separados, solteiros; enfim,

disponíveis para novos convívios.

Este artigo contempla a genuína preocupação que assola a sociedade: uma

vez envelhecida e descartada ao sistema capitalista, ignorando e descuidando

daqueles que outrora a construíram.

Dedicou-se momentos para que os alunos pudessem compartilhar com os

colegas de sala o resultado obtido na entrevista que realizaram, tanto no asilo como

no baile de terceira idade.

Resgatando o objetivo deste artigo, que se pautava no foco de que os alunos

fossem capazes de enxergar que a literatura não se faz fora do contexto-social,

retomou-se os conteúdos literários e promoveu-se a dramatização das obras

estudadas.

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