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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DOUTORADO EM ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA O ENSINO DE ESTATÍSTICA NA FORMAÇÃO INICIAL DO ENGENHEIRO DE PRODUÇÃO GERALDO BULL DA SILVA JÚNIOR Orientadora: Profa. Dra. Celi Aparecida Espasandin Lopes Tese apresentada ao Doutorado em Ensino de Ciências e Matemática, da Universidade Cruzeiro do Sul, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutor em Ensino de Ciências e Matemática. SÃO PAULO 2014

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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

DOUTORADO EM ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

O ENSINO DE ESTATÍSTICA NA FORMAÇÃO INICIAL

DO ENGENHEIRO DE PRODUÇÃO

GERALDO BULL DA SILVA JÚNIOR

Orientadora: Profa. Dra. Celi Aparecida Espasandin Lopes

Tese apresentada ao Doutorado em Ensino de Ciências e Matemática, da Universidade Cruzeiro do Sul, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutor em Ensino de Ciências e Matemática.

SÃO PAULO

2014

AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA,

DESDE QUE CITADA A FONTE.

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA

UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL

S58e

Silva Júnior, Geraldo Bull da. O ensino de estatística na formação inicial do engenheiro de

produção / Geraldo Bull da Silva Júnior. -- São Paulo; SP: [s.n], 2014.

213 p. : il. ; 30 cm. Orientadora: Celi Aparecida Espasandin Lopes. Tese (doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Ensino de

Ciências e Matemática, Universidade Cruzeiro do Sul. 1. Estatística 2. Análise de conteúdo 3. Engenharia de produção

4. Educação estatística -Processo de ensino–aprendizagem 5. Estatística – Ensino superior. I. Lopes, Celi Aparecida Espasandin. II. Cruzeiro do Sul. Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática. III. Título.

CDU: 519.2(043.2)

UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

O ENSINO DE ESTATÍSTICA NA FORMAÇÃO INICIAL

DO ENGENHEIRO DE PRODUÇÃO

Geraldo Bull da Silva Júnior

Tese de doutorado defendida e aprovada

pela Banca Examinadora em 05/12/2014.

BANCA EXAMINADORA:

Profª. Dra. Celi Aparecida Espasandin Lopes

Universidade Cruzeiro do Sul

Presidente

Prof. Dr. Juliano Schmiguel

Universidade Cruzeiro do Sul

Profaª. Dra. Cintia Aparecida Bento dos Santos

Universidade Cruzeiro do Sul

Prof. Dr. Celso Ribeiro Campos

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Profª. Dra. Eliane Scheid Gazire

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

A Isaura, pelo apoio desde sempre, companheira de todos os momentos,

conselheira, incentivadora e leitora primeira de tudo que escrevo.

Para Ana Carolina, sempre presente

e ainda inspiração para o pai.

Também para Clara, pois é uma nova vida continuando a vida.

Há muitas filosofias perigosas por aí. Por que elas são perigosas?

Porque contém elementos que paralisam o nosso julgamento [...]

Uma filosofia, no fim das contas, não é como uma peça musical

que pode ser fruida por si mesma. Espera-se que ela nos oriente

por meio da confusão e talvez proporcione

um esquema para a mudança. (Paul K. Feyerabend)

A evolução do conhecimento científico não é unicamente de crescimento

e de extensão do saber, mas também de transformações, de rupturas,

de passagem de uma teoria para outra. As teorias científicas são mortais

e são mortais por serem científicas. (Edgar Morin)

AGRADECIMENTOS

A Isaura, por tudo e para sempre.

À Profa Dra Celi Espasandin Lopes, por ter acreditado e pela nova amizade que

fica para a vida.

Aos professores do programa de Pós-Graduação em Ciências e Matemática da Universidade Cruzeiro do Sul.

Aos funcionários do programa de Pós-Graduação pela atenção.

À Prof a Dra Eliane Scheid Gazire, à Profa. Dra Cintia Ap. Bento dos Santos, ao

Prof. Dr. Celso Ribeiro Campos e ao Prof. Dr. Juliano Schmiguel, pelas contribuições para a finalização deste trabalho.

À Prof

a Dr

a Maria Delourdes Maciel, pela leitura cuidadosa e contribuições

para a realização deste trabalho.

Aos colegas do GEPEEM.

Aos colegas da EAMES.

Aos colegas do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática da Universidade Cruzeiro do Sul, pelos laços de amizade criados e que ficarão mesmo com o distanciamento.

Aos professores e funcionários da FAESA, pelo apoio e incentivo durante a realização do doutorado.

Ao professor Samir Aride, pelo precioso apoio oferecido em relação à História das engenharias, além do incentivo durante a realização do doutorado.

À professora Maria Alice V. F. de Souza, cujo apoio foi fundamental para que a pesquisa se iniciasse.

À professora Daniela Bertolini Depizzol pela inestimável compreensão e a paciência dispensada.

À Profa Dra Aureni da Silva Magalhães revisão de ortografia e redação.

SILVA JR, G. B. O ensino de estatística na formação inicial do engenheiro de produção. 2014. 213 f. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências e Matemática) - Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2014.

RESUMO

Esta tese apresenta uma pesquisa qualitativa e interpretativa, cujo trabalho de

campo foi desenvolvido em uma Instituição Federal de Ensino da Grande Vitória,

Espírito Santo. Seu objetivo foi investigar como se dá a formação estatística de

estudantes de um Curso Superior na área de Engenharia de Produção, a partir de

um referencial teórico baseado na Filosofia da Ciência e nas áreas de Educação

Crítica e Educação Estatística. A coleta de dados contou com depoimentos de cinco

alunos escolhidos e/ou sorteados, além da professora de Estatística de uma turma

desse curso. A partir das questões norteadoras buscou-se conhecer três aspectos:

as demandas de formação explicitadas pelos estudantes de Engenharia de

Produção em relação à Estatística; quais fragilidades e concepções equivocadas

referentes ao conhecimento estatístico são reveladas e percebidas em alunos da

Engenharia de Produção; como o Plano de Curso e as aulas de Estatística dialogam

com as necessidades dos futuros engenheiros de Produção. Na construção e

análise dos dados, colhidos por meio de um questionário e de entrevistas

semiestruturadas gravadas em áudio, utilizou-se a Análise de Conteúdo. Tais

entrevistas foram realizadas no decorrer do segundo semestre de 2013 e do

primeiro de 2014, sendo três sessões com cada aluno e duas com a professora. Do

processo de análise dos dados emergiram onze subcategorias, indicando um

contato com a Estatística anterior à graduação dentro de padrões tradicionais, que

resultou em concepções e fragilidades reforçadas pelas práticas do Nível Superior.

As principais demandas verificadas são: a maior necessidade de articular saberes

dos componentes da matriz curricular com a Estatística, de orientar seu ensino para

o domínio da literacia e de desenvolver o pensamento estatístico, vencendo a

fragmentação de saberes que pode ser constatada. A Educação necessita superar a

tarefa de tornar o indivíduo hábil para manipular conceitos, desafiando-o

constantemente a romper o estágio de conhecimento em que se encontra.

Palavras-chave: Ensino superior, Engenharia de produção, Ensino de estatística,

Formação inicial, Análise de conteúdo.

SILVA JR, G. B. The statistical education in initial training production engineer.

2014. 213 f. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências e Matemática) - Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2014.

ABSTRACT

This thesis presents a qualitative and interpretative research, which was developed

in a Federal Institution of Education of Vitória, Espírito Santo. Its objective was to

investigate how a statistical program of students of a Degree in Production

Engineering area is produced from a theoretical point of view based on the

philosophy of science and also in the areas of Critical Education and Education

Statistics. Data collection included five chosen and / or drawn students, and also the

statistic teacher of this specific class. From the guiding questions we tried to

investigate three aspects: training demands explained by students of Industrial

Engineering in relation to Statistics; what kind of weaknesses and misconceptions on

the statistical knowledge are revealed and realized by students of Production

Engineering; the way the Course Plan and Statistics classes dialogue with the needs

of the future production engineers. The construction and analysis of data were

collected through a questionnaire and semi-structured interviews and recorded in

audio by the use of Content Analysis Methodology. These interviews were conducted

during the second half of 2013 and the first of 2014, three sessions with each student

and two with the teacher. Eleven subcategories emerged from the data analysis

process, which indicated a prior contact whith Statistics among traditional graduation

patterns, which resulted in conceptions and weaknesses reinforced by practices of

Higher Education. The main verified demands are: a greater need to articulate

knowledge of the components of the curriculum with Statistics, to guide its teaching

to the skill of literacy and to develop statistical thinking, overcoming the fragmentation

of knowledge that could be noticed. Education needs to overcome the task of making

an individual able to manipulate concepts, challenging him constantly to break the

state of knowledge in which he lies.

Keywords: Academic practices, Industrial engineering, Teaching statistics, Initial

education, Content analysis.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1 Quantificação pelo nível de ensino que a pesquisa abordou. ....... 30

Quadro 2 Objetivos descritos nas pesquisas encontradas na revisão

bibliográfica. ....................................................................................... 32

Quadro 3 Termos e ideias relacionados à Estatística. .................................. 107

Quadro 4 Termos ligados à representação gráfica adequada ao tipo de

variável. ............................................................................................. 109

Tabela 1 Resumo da faixa etária dos respondentes. ................................... 106

Tabela 2 Totais de alunos que conheciam a melhor representação de

variáveis qualitativas e quantitativas. ............................................ 108

Tabela 3 Totais de alunos que conheciam a melhor representação de

variáveis discreta e contínua. ......................................................... 108

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABEPRO Associação Brasileira de Engenharia de Produção

ASA American Statistics Association

BDTD Biblioteca Brasileira de Teses e Dissertações

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior

CEQ Controle Estatístico da Qualidade

CNE/CES Conselho Nacional de Educação/ Câmara de Ensino

Superior

EJA Educação de Jovens e Adultos

EM Engenharia de Métodos

EMC Educação Matemática Crítica

EP Engenharia de Produção

ENCE Escola Nacional de Ciências Estatísticas

GAISE Guidelines for Assessment and Instruction in Statistics

Education

GQ Gestão da Qualidade

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

MEC Ministério da Educação

MF Mecânica dos Fluidos

MS Excell Microsoft Excel

MTE Ministério do Trabalho e Emprego

PCP Planejamento e Controle da Produção

PDCA Plan, Do, Check, Act

PIB Produto Interno Bruto

PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

PUC Pontifícia Universidade Católica

RH Recursos Humanos

TCC Trabalho de Conclusão de Curso

TICs Tecnologias de Informação e Comunicação

UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte

UNIFRA Centro Universitário São Francisco

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 17

CAPÍTULO 1 - O PERCURSO DA PESQUISA ........................................................ 27

1.1 Introdução ................................................................................................... 27

1.2 A Revisão Bibliográfica .............................................................................. 27

1.2.1 Considerações ............................................................................................ 40

1.3 O referencial teórico ................................................................................... 41

1.4 A metodologia ............................................................................................. 44

1.5 O Contexto da pesquisa ............................................................................. 48

1.6 Instrumentos para coleta de dados .......................................................... 48

1.6.1 Sobre a aplicação do questionário ........................................................... 49

1.6.2 Sobre as entrevistas ................................................................................... 49

1.7 A análise do conteúdo ............................................................................... 53

1.8 Considerações sobre o capítulo ............................................................... 58

CAPÍTULO 2 - CONHECIMENTO MODERNO, AS ENGENHARIAS E A

ESTATÍSTICA. .......................................................................................................... 59

2.1 Introdução ................................................................................................... 59

2.2 A Revolução Científica e a Ciência Moderna ........................................... 60

2.3 A Revolução Industrial e a organização das cadeias produtivas ........... 62

2.4 As Engenharias e a Ciência Moderna ....................................................... 63

2.5 Alguns elementos dos desenvolvimentos histórico e sociológico da

Estatística .................................................................................................... 68

2.6 O conhecimento científico diante aos movimentos da sociedade ......... 71

2.7 Considerações sobre o capítulo ............................................................... 74

CAPÍTULO 3 - O ENSINO DE ESTATÍSTICA NO NÍVEL SUPERIOR .................... 75

3.1 Introdução ................................................................................................... 75

3.2 A fragmentação do conhecimento: algumas consequências................. 76

3.3 A complexidade do ensino de conceitos científicos ............................... 79

3.4 A formação acadêmica fragmentada ........................................................ 84

3.5 Conhecimento, Educação e relações de poder. ...................................... 86

3.6 Educação Crítica: um cenário alternativo à Educação tradicional ........ 89

3.7 Propostas de mudança .............................................................................. 91

3.8 Articulações do GAISE com alguns teóricos ......................................... 100

3.9 Considerações sobre o capítulo ............................................................. 102

CAPÍTULO 4 - A CONSTRUÇÃO DOS DADOS .................................................... 105

4.1 Introdução ................................................................................................. 105

4.2 Dados das respostas do questionário .................................................... 106

4.3 Dados das respostas da entrevista ......................................................... 111

4.4 Respostas à pergunta 1 ........................................................................... 111

4.4.1 Considerações e subcategorias .............................................................. 113

4.5 Respostas à pergunta 2 ........................................................................... 114

4.5.1 Considerações e subcategorias .............................................................. 121

4.6 Respostas à pergunta 3 ........................................................................... 123

4.6.1 Considerações e subcategorias .............................................................. 126

4.7 Respostas à Pergunta 4 ........................................................................... 126

4.7.1 Considerações e subcategorias .............................................................. 131

4.8 Respostas à Pergunta 5 ........................................................................... 133

4.8.1 Considerações e subcategorias .............................................................. 135

4.9 Respostas à Pergunta 6 ........................................................................... 136

4.9.1 Considerações e subcategorias .............................................................. 142

4.10 Respostas à Pergunta 7 ........................................................................... 144

4.10.1 Considerações e subcategorias .............................................................. 148

4.11 Considerações sobre o capítulo ............................................................. 149

CAPÍTULO 5 - A ANÁLISE DOS DADOS .............................................................. 151

5.1 Introdução ................................................................................................. 151

5.2 Os documentos oficiais ........................................................................... 151

5.3 Análise das respostas do questionário .................................................. 154

5.3.1 Considerações .......................................................................................... 156

5.4 Análise das repostas das entrevistas ..................................................... 157

5.4.1 Aplicabilidade ........................................................................................... 157

5.4.2 Repasse e comunicação de dados e informações ................................ 160

5.4.3 Controle ..................................................................................................... 163

5.4.4 Previsão ..................................................................................................... 164

5.4.5 Manipulação .............................................................................................. 166

5.4.6 Pensamento fragmentado ........................................................................ 168

5.4.7 Desenvolvimento de habilidades ............................................................ 171

5.4.8 Mudança de comportamento ................................................................... 173

5.4.9 Relevância ................................................................................................. 174

5.4.10 Complexidade ........................................................................................... 176

5.4.11 Relatividade .............................................................................................. 177

5.5 Considerações sobre o capítulo ............................................................. 178

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 180

Introdução ................................................................................................. 180

Resultados e reflexões ............................................................................. 181

Perspectivas, implicações e/ou recomendações................................... 185

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 191

ANEXOS ................................................................................................................. 199

ANEXO A Plano de curso de Estatística I .............................................. 199

ANEXO B Plano de curso de Estatística II ............................................. 202

ANEXO C Lista de exercícios ................................................................. 204

ANEXO D Prova ....................................................................................... 207

APÊNDICES ........................................................................................................... 209

Apêndice A Termo de consentimento livre e esclarecido .................... 209

Apêndice B Questionário de perfil estudantil ........................................ 210

Apêndice C Entrevista semiestruturada ................................................. 212

17

INTRODUÇÃO

Temos finalmente de perguntar pelo papel de todo o conhecimento científico acumulado no

enriquecimento ou no empobrecimento prático das nossas vidas, ou seja, pelo contributo positivo ou

negativo da ciência para a nossa felicidade (Boaventura de Souza Santos).

Início da trajetória profissional

Em 1979, ao iniciar carreira de professor de Matemática em turmas

preparatórias para exames supletivos, a necessidade de buscar articulações entre

os conteúdos do currículo escolar e a realidade sociopolítica não tinha oficialmente a

importância que atualmente lhe é dada no Brasil. Nessa época, tais ideias não eram

tão consideradas nas propostas de ensino quanto nos dias atuais, principalmente no

que diz respeito a aspectos sociopolíticos. No caso da Matemática, por exemplo,

ainda predominava como legado do Movimento da Matemática Moderna, o uso da

linguagem da teoria dos conjuntos e a preocupação com as estruturas matemáticas

em si.

Fui aluno em um curso de graduação em Matemática Pura, no qual os

fundamentos das disciplinas foram tratados com extremo zelo pelos professores. O

conteúdo de cada uma delas era exposto e explorado em profundidade, sem

considerar a necessidade de aplicações numéricas imediatas. Além disso, não se

vislumbravam possibilidades de verificar a articulações entre o conhecimento

matemático e a realidade fora da Universidade. Dentro desse quadro, as disciplinas

não guardavam relações entre si além do fato de serem pré e/ou co-requisito de

outras. Passar por um curso no qual as atenções foram direcionadas para os

fundamentos científicos foi importante. Ajudou a avaliar e a sustentar a crítica em

relação a diferentes ideias que professores e pedagogos consideraram inovadoras

nas décadas de 1980 e 1990 e que, posteriormente, foram vistos como modismos

educacionais passageiros.

Apesar de concluir um curso que legava um conhecimento matemático bem

estruturado, a minha formação inicial para o magistério teve limitações em relação a

18

conhecimentos sobre Didática da Matemática, por exemplo. Na época do início da

carreira, o modelo didático vigente era baseado no planejamento de aulas em que

se dava especial destaque aos detalhes técnicos de cada conteúdo e ao

funcionamento das propriedades. Além de não se considerar necessário articular

saberes matemáticos aos de outros campos, sequer se pensava em utilizar o

conhecimento de origem matemática como instrumento de crítica da realidade fora

da escola. O usual (e assim eu também procedia) era o professor listar e organizar

os tópicos de um tema a ensinar. Normalmente a escolha era a partir do currículo

estabelecido pela escola ou pelo livro didático e não se cogitava tratar de fatos

sociais e políticos que existem fora do universo da Matemática denominada pura.

A retomada dos estudos: do começo da transformação de ideias à chegada ao

Doutorado

Em 1992, cursando a Licenciatura em Matemática1, tive oportunidade de

entrar em contato com disciplinas diferentes daquelas contempladas nas matrizes

curriculares dos cursos de Matemática da década anterior, o que me ajudou a

perceber diferenças entre as profissões de Matemático e de Professor de

Matemática. Estudei História e Filosofia da Matemática e fui aluno de uma

professora de Prática de Ensino2 ligada ao Projeto Fundão3, que funciona na

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A partir de então passei a ver

possibilidades de mudar a abordagem dos conteúdos de ensino sem necessitar abrir

mão do rigor e dos fundamentos. Inicialmente, busquei novos métodos para abordar

conteúdos que tornassem meu próprio trabalho mais agradável e a aprendizagem

dos alunos mais prazerosa.

Em 1995, ao mudar do Rio de Janeiro para fixar residência em Vitória,

Espírito Santo, pude mudar a sequência de desenvolvimento dos conteúdos de

1 Licenciatura em Matemática na Faculdade de Humanidades Pedro II, Rio de Janeiro. 2 Neide Parracho Sant' Anna. 3 O Projeto Fundão contribui principalmente na atualização de professores em relação à inovação metodológica e aprofundamento do conhecimento de Matemática, Física e Biologia. No Projeto Fundão existem grupos temáticos responsáveis por elaborar, testar, reformular e divulgar propostas inovadoras para o ensino das áreas citadas. Das ações do Projeto Fundão resultam publicações de livros, apostilas e organização de encontros para professores.

19

Matemática no segundo ano do Ensino Médio de um colégio em que trabalhei. Isso

foi feito visando um melhor suporte matemático ao ensino de Genética. Nesse

colégio, até 1994, os conteúdos de Análise Combinatória e Probabilidades eram

abordados apenas no fim do ano. Enquanto isso, a Biologia que necessitava desse

suporte, não era auxiliada pela disciplina de Matemática. Esse cruzamento de

caminhos durou mais de uma década, com resultados satisfatórios para as duas

disciplinas. Enquanto a Biologia passou a se apoiar mais na Matemática, esta por

sua vez passou a ter outros contextos de utilização, possibilitando emergir suas

relações com disciplinas de outros campos de estudo.

No Brasil, o trabalho do professor das diferentes Ciências apresenta

consequências de uma visão fragmentada e especializada de como o conhecimento

científico deve ser desenvolvido. No caso das Engenharias, por exemplo, existem

currículos fragmentados, nos quais não se explicitam ligações entre as diferentes

áreas de conhecimento. Sobre a fragmentação de saberes e o excesso de tópicos

de ensino, Aguiar Junior et al. (2003) comentam sobre um importante aspecto dessa

realidade:

a fragmentação é normalmente o resultado de uma tentativa de se promover o ensino de um excesso de conceitos e detalhes que, numa primeira abordagem, impedem o estudante de compreender aquilo que é essencial [...] além disso, um excesso de conteúdos, o que traz uma ideia enganosa de “aprofundamento” [...] trata-se de um falso aprofundamento [...] que dificulta a formação de uma visão sistêmica e relacional dos processos [...] faz-se necessário selecionar ideias-chave que melhor organizem a compreensão (AGUIAR JUNIOR ET AL, 2003, p. 4-5).

Esse quadro de fragmentação faz com que se mantenham as fronteiras

entre campos de saber praticamente intactas e vistas como intransponíveis. Um

exemplo é a abordagem da Probabilidade, que tem aplicações na Genética. Quando

ambas são estudadas separadamente, suas articulações não são evidenciadas, nem

facilmente percebidas pelos estudantes.

O passo seguinte na consolidação de minhas ideias sobre a aproximação de

saberes foi dado ao cursar duas especializações, na área do magistério em Vitória,

Espírito Santo. Nas duas ocasiões consegui apresentar formas de associar o saber

matemático ao de outros campos. Na primeira, obtive o título de especialista em

20

docência do Ensino Superior (em 2004)4, na qual associava o ensino da função afim

aos conteúdos de Cinemática (mais precisamente o movimento uniforme e o

uniformemente variado). Em 2006 obtive o título de especialista em Educação

Matemática, na Faculdade Saberes5, tratando de possibilidades de ligar saberes da

Biologia e da Matemática. Nesse trabalho procurei apresentar formas de aproximar o

ensino dessas Ciências.

Entre o primeiro e o segundo trabalho de especialização foram feitas leituras

importantes que ajudaram a amadurecer a ideia sobre como tratar o saber escolar, o

conhecimento científico e formas de articular diferentes disciplinas. As leituras me

auxiliaram a perceber como as criações matemáticas são ligadas ao contexto

histórico de cada época. Essas obras lidas entre as duas especializações chamaram

a atenção para o fato do ensino de Matemática poder romper com a prática de

organizar e/ou classificar o conhecimento científico em campos excessivamente

delimitados. Além disso, ajudaram a perceber que por trás de um procedimento

tradicional podem estar ocultas formas de perpetuação de poder de um grupo social

ou maneiras de conceber instrumentos com objetivo de ocultar aspectos

sociopolíticos do conhecimento.

No caso do ensino das Ciências, surgiu a curiosidade de saber quais seriam

as intenções que sustentam as tradições por trás de práticas fragmentadas, que

tratam o conhecimento disciplinado e com rígidas fronteiras a serem respeitadas.

Isso me alertou para a principal consequência da fragmentação, que é o

reducionismo cada vez maior e a criação de mais disciplinas para tratar aspectos

cada vez mais particulares.

O primeiro trabalho de especialização, que tratava das articulações entre o

Ensino da Física e da Matemática, foi o início de uma trajetória que continuou no

segundo trabalho, no qual buscava ligações da Biologia com a Matemática. Após

esses dois trabalhos, cheguei à dissertação produzida durante o Mestrado

Profissional em Ensino de Ciências e Matemática, que foi cursado na Pontifícia

4 SILVA JÚNIOR, G. B. O ensino de função do primeiro grau. Monografia (Especialização) - Universidade Candido Mendes, Vitória, 2004. 5

SILVA JÚNIOR, G. B. Biologia e Matemática: a necessidade de religar saberes. Monografia (Especialização) - Faculdade Saberes, Vitória, 2006.

21

Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), sob a orientação da Doutora

Eliane Scheid Gazire. A dissertação6, aborda a possibilidade de articular temas de

Biologia e Matemática, além de também discutir implicações didáticas dessas

articulações ao longo do Ensino Médio. Os trabalhos das especializações e do

mestrado ampliaram meus horizontes sobre a articulação de saberes e a

complexidade do conhecimento, a partir da percepção da necessidade de articular o

ensino de diferentes Ciências, favorecendo a compreensão de relações e

objetivando evitar fragmentações.

Após o término do mestrado, nos intervalos entre as apresentações dos

frutos da dissertação e as atividades profissionais, um novo ciclo de leituras foi

iniciado. Originalmente o objetivo era satisfazer a curiosidade sobre temas que

ficaram pendentes, pois o tempo de mestrado é curto, não permitindo a entrega a

todas as leituras que temos vontade de realizar.

Nesse período de leituras após o mestrado, primeiramente foi feita uma

passagem pelas obras de Fazenda (1995, 2006 e 2008). Com essas leituras e

reflexões pude consolidar as ideias sobre a interdisciplinaridade, sua importância e

mesmo a existência de limitações em relacionar disciplinas escolares de campos

diferentes.

Após percorrer as obras de Fazenda, foi a vez de ler as obras de Pena-Vega

e Nascimento (1999), Morin e Terena (2000), Morin Ciurana e Motta (2003), Morin,

Pena-Vega e Pailard (2004) e Morin (2005a e 2005b). Essas obras tratam do

conhecimento como elaboração complexa e me orientaram melhor ainda em relação

à complexidade do conhecimento frente às diferentes formas pelas quais ele foi

fragmentado. A obra de Morin, intitulada “Ciência com consciência”, publicada em

português no ano de 2005, causou-me grande impacto por chamar atenção para o

fato de que a fragmentação de saberes, além de proporcionar o surgimento de

grande quantidade de campos científicos, ocasionou a perda de consciência do

profissional em relação às implicações sociais do próprio ofício. A obra de Morin e

Terena (2000) serviu para despertar minha curiosidade sobre o termo

transdisciplinaridade.

6 SILVA JÚNIOR, G. B. Biologia e Matemática: diálogos possíveis no Ensino Médio. Dissertação (Mestrado) - PUC Minas, Belo Horizonte, 2008.

22

Os contatos com a interdisciplinaridade e a concepção do conhecimento

como algo complexo, aliado às primeiras obras sobre a transdisciplinaridade,

levaram-me a ler outros quatro livros: Weil, D’Ambrosio e Crema (1993), Random

(2000), D’Ambrosio (2001) e Sommerman (2006). Além da complexidade e das

possibilidades de aproximações entre disciplinas, agora estava diante do

conhecimento como uma elaboração que pode, com propriedade, atravessar o

pensamento de diferentes seres humanos. Além disso, orientou-me para também

perceber o conhecimento como aberto e inconcluso.

Outro autor com o qual tive contato ainda durante o mestrado foi Paul

Feyerabend. A primeira obra que li, publicada em 2001, intitula-se Diálogos sobre o

conhecimento. Ainda no mestrado, este livro me fez refletir sobre importantes

questões, tais como: para que serve o conhecimento? Para quem ele é elaborado?

Qual o seu lugar no mundo habitado pelos seres humanos tidos comuns? A quem

interessa que ele seja tratado conforme querem os positivistas? Outras perguntas

também começaram a surgir e não poderia parar para responder devido ao

envolvimento no trabalho de mestrado, mas acabaram norteando a busca de novos

esclarecimentos em relação ao conhecimento científico e sua elaboração. Quando

tive chance, li a autobiografia de Feyerabend, publicada em 1996 e pude entender

melhor a sua proposta filosófica e científica. A leitura da biografia foi seguida das

obras publicadas em 1991, 2007, 2010 e 2011, sendo que este último ano coincide

com minha aceitação no Doutorado em Ensino de Ciências e Matemática da

Universidade Cruzeiro do Sul.

Depois de ler esses livros de Feyerabend, aquilo que eu via como complexo,

podendo se fazer pela aproximação de diversas disciplinas e que atravessaria o

pensamento de diferentes seres humanos de forma aberta e inconclusa, possuía

outro elemento para o qual eu não fora preparado durante a graduação: o

conhecimento não é formulado por um método absoluto e também é carregado de

interesses por trás da sua produção e disseminação. Diferentes aspectos sociais do

conhecimento, que já me haviam sido apresentados em leituras anteriores, agora se

tornaram novos elementos insistentemente presentes em minhas ideias. A visão

idealista de conhecimento como desenvolvimento de uma vocação foi por terra

definitivamente.

23

Ao ser admitido no Doutorado em Ensino de Ciências e Matemática da

Universidade Cruzeiro do Sul, uma das primeiras obras estudadas foi Skovsmose

(2001). Eu já havia lido esse livro em outra época, mas após o acesso a mais textos

de outros autores, a nova leitura resultou em uma visão diferente da que até então

construíra. Agora, diversos contextos sobre a História da Matemática, as noções de

fragmentação e complexidade, a inter e a transdisciplinaridade, juntamente com a

ideia de relativismo do conhecimento, encontram-se com a presença do conteúdo

político e de relações de poder que podem estar por trás da criação científica (e das

formas de ensinar e perpetuar conteúdos de diferentes Ciências). As obras de

Skovsmose (2007 e 2008) e de AlrØ e Skovsmose (2010) completaram um quadro

de leituras e aumentaram a inquietação com diversos desdobramentos do

conhecimento científico e suas relações com a Educação.

Esse quadro teórico e de inquietações levou-me a considerar uma disciplina

com a qual jamais pensei trabalhar: a Estatística. Esse campo científico tornou-se

um novo desafio apontando-me diferentes aspectos, tais como a possibilidade de

utilizar o conhecimento estatístico como elemento de percepção de fatos da

realidade ao meu redor. Esse instrumento de leitura da realidade ligado à Estatística

é um dos elementos que mais pesou na hora de decidir qual desafio deveria

enfrentar na elaboração da tese do doutorado.

Neste momento, o conhecimento apresenta-se como algo elaborado

complexamente, na aproximação entre disciplinas, atravessa o pensamento

humano, é aberto, inconcluso e não tem método absoluto de elaboração. Além

disso, é desenvolvido disfarçando interesses por trás da sua produção,

disseminação e apropriação. A partir desse panorama, comecei então a levantar

novas questões: como fazer para verificar se futuros profissionais de uma área

técnica são capazes de perceber o envolvimento com um conhecimento qualificado

de objetivo, direto e exato? Estariam os futuros profissionais de uma área técnica

aptos a perceberem-se envolvidos por um discurso que reveste o conhecimento de

objetividade e exatidão? E ainda: eles aceitarão a ideia de que o conhecimento com

o qual lidam não é exclusivamente objetivo, nem direto, tão pouco exato e muito

menos isento de interesses políticos por trás da sua produção, disseminação e

apropriação?

24

Antes de prosseguir, uma explicação faz-se necessária. A escolha do curso

de Engenharia de Produção (EP) não foi aleatória, pois trata-se de uma modalidade

de formação na qual trabalho desde agosto de 2008, ano de término do Mestrado na

PUC Minas. Na instituição em que trabalho, Produção foi a primeira modalidade de

Engenharia autorizada a funcionar e, na época em que fui admitido como professor,

era o curso com o maior contingente de alunos entre os da área tecnológica.

Inicialmente, percebi ser necessário mostrar aos alunos as diversas ligações entre

as matemáticas do curso de Engenharia e as demais disciplinas da formação de

engenheiros.

Objetivos, questionamentos e desafios

Com o passar dos períodos e a atuação como professor de Matemática nos

cursos de Engenharia, percebi que uma das disciplinas mais citadas em comentários

dos alunos era a Estatística. Por outro lado, colegas das disciplinas dos semestres

finais da Engenharia comentavam que os temas de Estatística são importantes para

desenvolver o seu trabalho. Além dessa diversidade de menções à Estatística, outro

fator justifica a escolha do tema e a abordagem dada no presente trabalho: trata-se

de uma disciplina presente no desenvolvimento de trabalhos de diferentes

especialidades, que tanto encontra aplicações na área tecnológica como também

pode ser utilizada em outras pesquisas, como na área médica, por se constituir em

elemento auxiliar da descrição de realidades.

Compreender formas de como o conhecimento estatístico pode ser

diretamente aplicado a rotinas de trabalho é uma tarefa diferente de tentar captar

significados para a Estatística na vida dos estudantes de áreas técnicas. Será que

futuros profissionais de uma área técnica como a Engenharia de Produção se

percebem envolvidos por um conhecimento apresentado como objetivo, direto e

exato? Esses futuros profissionais percebem no conhecimento científico um

instrumento de compreensão de aspectos sociais do exercício de sua futura

profissão?

O objetivo do presente trabalho é investigar a formação estatística de

estudantes de um Curso Superior na área de Engenharia de Produção.

25

A partir desse objetivo, formula-se o problema central, que se pretende

responder por meio do presente trabalho: como ocorre a formação estatística de

futuros engenheiros de Produção?

Outro desafio ainda maior se coloca, agora na qualidade de questões

norteadoras a serem respondidas nesta tese: 1) quais demandas de formação são

explicitadas pelos estudantes de Engenharia de Produção em relação à Estatística?

2) quais fragilidades e concepções equivocadas referentes ao conhecimento

estatístico são reveladas e percebidas em alunos da Engenharia de Produção? 3)

Como o Plano de Curso e os instrumentos de ensino e de avaliação da Estatística

dialogam com as necessidades dos futuros engenheiros de Produção?

A estrutura do texto

O texto da presente tese é uma pesquisa qualitativa, feita a partir da análise

interpretativa dos dados construídos. Ela foi organizada em uma introdução, cinco

capítulos e considerações finais, cuja distribuição é apresentada a seguir. O capítulo

1 apresenta a trajetória da pesquisa, suas características, a busca do referencial

teórico e a metodologia utilizada. No Capítulo 2 são apresentados aspectos da

Revolução Científica Moderna. Além de conteúdo histórico, mostramos

características da profissão de Engenheiro e a proposta de 2001 da Associação

Brasileira de Engenharia de Produção (ABEPRO) para a formação profissional.

Nessa parte, ainda relacionamos Ciência Moderna e Engenharias e apresentamos

aspectos históricos e sociais da evolução da Estatística. No capítulo 3 são

apresentadas as ideias dos principais pensadores que dão a sustentação teórica à

presente tese. O capítulo 4 é dedicado à construção e apresentação dos dados

obtidos na turma em que se desenvolveu o trabalho de campo. No capítulo 5 é feita

a análise dos dados à luz do referencial teórico e, logo após, o término da tese com

as considerações finais.

27

CAPÍTULO 1 - O PERCURSO DA PESQUISA

Vivemos o que alguns chamam de “novo alfabetismo” - porque é capaz de explicar, mas não entender -,

típico dos discursos econômicos (Emir Sader).

1.1 Introdução

Esta pesquisa começou a ser delineada ao questionar as formas pelas quais

se elabora o conhecimento estatístico. Buscou-se entender quais objetivos existem

ao elaborá-lo de acordo com um padrão, a quem ele atende e porque é concebido

seguindo determinadas formas e não outras. A continuidade das indagações

culminou na busca de compreensão do lugar do conhecimento no mundo habitado

por pessoas que em sua maioria não é de cientistas.

O presente capítulo destina-se a descrever como se materializou esta tese,

desde a revisão bibliográfica, a escolha do referencial teórico e a opção

metodológica. Serão explicados o contexto da pesquisa, os instrumentos utilizados e

o que foi necessário à execução das ações.

1.2 A Revisão Bibliográfica

Lüdke e André (2003) consideram importante o confronto de dados,

evidências, informações coletadas do que foi previamente acumulado sobre o tema

da pesquisa. A pesquisa é uma atividade “[...] de interesse momentâneo e

continuada, por se inserir numa corrente de pensamento acumulado, nos remete ao

caráter social da pesquisa [...] a construção da ciência é um fenômeno social por

excelência [...]” (LÜDKE; ANDRÉ, 2003, p. 2). O interesse momentâneo está no

desejo de responder à questão que move este trabalho e a corrente de pensamento

acumulado é representada pelos autores da área, cujos trabalhos precederam esta

pesquisa.

O referido acúmulo está presente em uma breve revisão, realizada com a

busca do que foi produzido sobre a Educação Estatística. A criação de cursos de

pós-graduação e a disseminação de eventos da área expandiu a relação de temas e

28

a quantidade das pesquisas em Educação. Sob o tema Educação Matemática, por

exemplo, abordam-se diversos temas sob diferentes referenciais teóricos e

metodológicos. Essa grande quantidade de temas e trabalhos gerou a necessidade

de verificar o que foi produzido na área de Educação Estatística, que tem trabalhos

provenientes dos programas de Educação Matemática.

Para levantar os conteúdos dos trabalhos foi utilizado o procedimento de

fichamento sugerido por Fiorentini (2002, p. 2), que destaca a necessidade de

apurar os seguintes elementos: ano, autor, instituição de origem, foco temático,

referencial teórico, objetivo(s), procedimentos metodológicos, resultados e

contribuições. Os dados da revisão foram extraídos na leitura e análise dos resumos

de dissertações e teses, objetivando identificar elementos norteadores de uma

categorização. Em alguns casos foi necessário recorrer ao texto completo, pelo fato

do resumo não conter claramente alguns elementos citados. Feito o levantamento

inicial, foram escolhidas as categorias e subcategorias de análise apresentadas mais

adiante. As categorias utilizadas também são emergentes.

O resumo é um gênero discursivo que, segundo Ferreira (2002), tem na

busca da abrangência sua principal característica. Os resumos têm temas e

conteúdos próprios, além de estrutura e organização na composição, sendo dotados

de estilo verbal característico. Este foi um importante motivo para utilizar resumos ao

invés de trabalhos completos.

A exploração dos resumos foi o ensaio inicial para utilização da Análise de

Conteúdo na presente tese. Foi realizada uma pré-análise dos dados, a exploração

do material e a sua análise propriamente dita. Na pré-análise foram escolhidos

textos referentes à palavra-chave “Educação Estatística” e aqueles referentes ao

Ensino Superior formam o corpus da análise dos resumos. A escolha da palavra-

chave foi a primeira tentativa de obter elementos de caráter homogêneo. Esgotadas

as possibilidades do banco de teses e dissertações da CAPES, foram procuradas

pesquisas na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e no site

da Universidade Cruzeiro do Sul.

Durante a exploração do material, elementos que aparentavam ser

desconexos devido à sua dispersão nos diferentes trabalhos, começaram a se

29

aproximar, dando sentido a cada categoria e ajudando a integrá-las na classificação

das pesquisas. A análise começou a ganhar clareza quando os objetivos das

pesquisas foram examinados. Quando os resultados e as contribuições para a área

foram explorados, foi possível tecer uma teia como também verificar a riqueza de

propostas, procedimentos além do legado das pesquisas para comunidade.

No levantamento de teses e dissertações nos bancos citados, a partir das

palavras-chave “Educação Estatística”, foi identificada a existência de trabalhos

sobre o tema. O intervalo pesquisado foi o de 2004 até 2013. O período corresponde

a dez anos seguidos de trabalhos de pós-graduação no país, o que é suficiente para

ter um bom panorama da produção na área. O corte no ano de 2013 deve-se ao fato

deste ser o ano imediatamente anterior à qualificação e defesa da tese, além dos

bancos de dissertações e teses ainda não terem disponíveis a produção referente a

2014.

Um motivo para recorrer aos bancos de teses e dissertações da CAPES e

da BTDT foi o fato deles atenderem a um quesito apontado por Ferreira (2002), que

é informar à comunidade acadêmica a produção em andamento nos programas de

pós-graduação do país. Isso permite rastrear rapidamente a produção científica,

apesar da grande quantidade de dados presentes nos portais consultados. A busca

no site da Universidade Cruzeiro do Sul deveu-se à necessidade de consultar a

produção do próprio Programa de Pós-Graduação da instituição que me acolheu no

Doutorado. No portal, os trabalhos estão separados em dissertações e teses por

ordem regressiva de ano de publicação.

Os resumos até 2011 já haviam sido levantados no portal da CAPES em

2012, restando, portanto, a tarefa de buscar os trabalhos publicados em 2012 e

2013. Na época do levantamento desses dois últimos anos, o portal da CAPES

apresentava apenas os trabalhos referentes a 2012 e os trabalhos publicados em

2013 foram levantados nas páginas da BTDT e da Universidade Cruzeiro do Sul.

Considerando o nível de ensino ao qual as pesquisas destinavam-se, foi

possível estabelecer um panorama da produção no quadro a seguir.

30

Quadro 1: Quantificação pelo nível de ensino que a pesquisa abordou.

Fonte: quadro elaborado pelo próprio autor.

O número de pesquisas referente ao nível Fundamental, somado ao de

trabalhos para o nível Médio, supera a quantidade de trabalhos dedicados ao Ensino

Superior. Porém, este último nível é isoladamente detentor do maior número de

dissertações e teses.

Foram analisadas as 32 dissertações e teses encontradas no levantamento

dos trabalhos sobre Educação Estatística no Nível Superior. O quadro descrito não é

capaz de abarcar a totalidade das pesquisas sobre o tema abordado e está sujeito a

eventuais omissões por tratar-se apenas e tão somente de uma parte das

publicações (as oriundas de programas de pós-graduação no Brasil). O que se

desejava era uma aproximação com a produção brasileira em Educação Estatística.

Por tratar-se de pesquisa voltada ao ensino de Estatística no Brasil, na revisão

bibliográfica não foram procuradas dissertações e teses escritas em outros países.

No quesito objetivo da pesquisa, foi encontrada uma grande variedade e,

apesar de alguns trabalhos terem sido categorizados da forma a seguir, nada

impede outras categorizações. Isso depende do olhar lançado sobre o material e

ainda existe outro problema: alguns pesquisadores buscaram esclarecer mais de

uma questão com o mesmo trabalho. O quadro a seguir apresenta uma visão geral

dos objetivos de pesquisa apurados. A partir da organização de acordo com os

objetivos, temos basicamente 5 categorias.

Nível de ensino Fundamental Médio Superior

Dissertações 18 23 22

Teses 4 0 10

Total por nível de ensino 22 23 32

31

CATEGORIA OBJETIVO

Pesquisas sobre ensino e aprendizagem de Estatística.

• Repensar o ensino de Estatística e Probabilidade nos diversos níveis; • Realizar um estudo teórico dos fundamentos da didática da Estatística; Investigar como a metodologia de projetos pode ser alternativa para ensinar Estatística no nível superior; • Analisar potencialidades e possibilidades didático-pedagógicas do trabalho de projetos na formação estatística do Pedagogo administrador escolar; • Investigar que possibilidades a Modelagem Matemática oferece à aprendizagem contextualizada e significativa de conceitos matemáticos e estatístico; • Compreender como o projeto pedagógico pode contribuir para o desenvolvimento profissional; • Pesquisar sobre como vem sendo abordada a Estatística em Cursos de Pedagogia e Licenciatura em Normal Superior nas Instituições Superiores; • Investigar que conhecimentos básicos tinham um grupo de alunos em relação a leitura e interpretação de gráficos e tabelas estudados em Estatística; • Desenvolver material didático em R para utilização em cursos de bioestatística aplicada à análise epidemiológica, com inclusão de funções adicionais; • Estudar as características de atividades que favoreçam a compreensão do conceito de variabilidade de um conjunto de dados; • Discutir a aprendizagem da Estatística na formação do Professor de Matemática; • Analisar o processo de aprendizagem de Estatística; • Analisar se os alunos de um curso superior de Tecnologia em Turismo mobilizam de forma eficaz conceitos e concepções construídos na resolução de problemas práticos de sua área de atuação e detectar erros e dificuldades após a aprendizagem; • Verificar se os egressos da disciplina de Estatística de um curso de Administração estão aptos a utilizar a noção de variabilidade para resolver problemas práticos dentro da área de atuação; • Investigar a construção de conhecimento de Estatística por alunos do curso de Pedagogia; • Estudar à compreensão e construção de ideias e conceitos matemáticos e/ou estatísticos em torno do Teorema Central do Limite;

Estudos sobre os sujeitos envolvidos em processos de ensino-aprendizagem de Estatística.

• Identificar atitudes, espaços e ações de professores e alunos; • Observar, compreender e caracterizar saberes e conhecimentos que professores formadores acreditam ser necessários para a prática ao ministrar cursos introdutório da disciplina de Estatística; • Identificar concepções de professores e licenciandos em Matemática sobre processos de ensino e aprendizagem de noções básicas de Estatística; • Verificar as atitudes e ideias de licenciandos de uma instituição privada em relação aos temas estudados em Estatística; • Avaliar a satisfação dos alunos do Departamento de Estatística em relação a atuação de professor, infraestrutura e à disciplina de Estatística; • Avaliar atitudes em relação à Estatística entre alunos da instituição; • Analisar imagens e atitudes dos alunos de cursos superiores em relação à Estatística; • Investigar o uso intencional de estratégias de memória, atenção e interação em processos de auto regulação da aprendizagem e estabelecer relação com níveis de letramento estatístico;

Verificação da validade de um instrumento de

• Buscar evidências de validade da Escala de Autoconceito Acadêmico em Estatística e verificar associações entre atitudes, autoconceito e desempenho acadêmico em Estatística;

32

pesquisa. • Verificar evidências de validade de uma prova de compreensão de leitura de um texto com informações estatísticas;

Relacionamento entre Educação Estatística e diferentes tecnologias

• Apresentar e analisar uma estética para a Educação Bimodal; • Desenvolver metodologia de gerenciamento de base de dados que permita ao usuário alterar suas bases de dados e em tempo real; • Apresentar uma arquitetura de recursos digitais de aprendizagem adaptativos para ensino e aprendizagem de Tópicos de Estatística em complementação ao ensino presencial em cursos do nível superior; • Investigar o uso do software GEOGEBRA aplicado ao ensino e aprendizagem da distribuição normal de probabilidade; • Apresentar nova metodologia para identificar relações entre dados do desempenho de aprendizagens por meio de uma ferramenta visual interativa;

Estudo de Estado da Arte

• Levantar a produção acadêmica dos níveis de mestrado e doutorado no banco de teses da CAPES que versam sobre ensino de Estatística e Probabilidade, no período de 2000 a 2008;

Quadro 2: objetivos descritos nas pesquisas encontradas na revisão bibliográfica.

Fonte: quadro elaborado pelo próprio autor.

Em relação à metodologia de pesquisa, somente uma seguiu caminho

quantitativo, sendo as demais qualitativas. Dentre as teses e dissertações de perfil

qualitativo, há uma diversidade de métodos para construção dos dados, destacando-

se:

Registros escritos virtuais em webfolios;

Pesquisa bibliográfica;

Utilização de relatórios dos alunos;

Dados coletados por entrevistas semiestruturadas;

Apresentação de situações problema do cotidiano dos professores de

Matemática;

Análise de livros texto do ensino superior;

História Oral para a recolha de dados;

Dados provenientes de base eletrônica de dados;

Pesquisa qualitativa com análise interpretativa dos dados produzido a partir de

observações de depoimentos gravados em áudio e vídeo;

Aplicação de sequência de ensino;

33

Aplicação de situações problema típicos da área e gravação individual das

atuações para análise;

Documentação das produções dos participantes;

Dados coletados por questionário de questões abertas e fechadas;

Criação de interface gráfica;

Aplicação de atividade diagnóstica escrita para construção dos dados a partir dos

registros;

Aplicação de escala de autoconceito acadêmico em Estatística;

Aplicação de escala de atitudes em relação à Estatística;

Diário de campo do pesquisador e dos alunos;

Observação participante; pesquisa interpretativa; utilização da escala Likert e

análise multivariada;

Aplicação de provas de compreensão;

Pesquisa a problematizações originárias de situações reais;

Aplicação de atividades investigativas estruturadas;

Aplicação de sequência didática para gerar cenário de aprendizagem;

Busca por palavras chave; estudo teórico; Estudo comparativo da visão anterior e

da posterior dos alunos ao cursarem a disciplina de Estatística;

Utilização de escala de estratégias de memória;

Utilização de escala de estratégias de atenção e de interação.

Da mesma forma que no caso dos objetivos, havia pesquisas que envolviam mais

de um método de construção dos dados.

Foram encontrados trabalhos com foco apenas sobre os alunos, outros

apenas com professores e ambos os personagens. Sobre os alunos, temos

estudantes dos cursos de Pedagogia, Ciências Econômicas, de Ciências Contábeis,

licenciandos com conhecimentos de Estatística Básica, estudantes de Estatística

matriculados em disciplina on line, sujeitos que já haviam cursado a disciplina,

egressos da disciplina de Estatística de um curso de Administração, Nutrição,

34

Educação Física, Engenharia, Psicologia, de licenciatura em Matemática da UNIFRA

(Santa Maria), de um departamento de Estatística de Modelagem Estatística de

Dados, da disciplina de Instrumento de Aferição em Epidemiologia I, alunos

escolhidos aleatoriamente dentro da mesma instituição, alunos que cursaram dois

semestres de Estatística em semestres consecutivos, de graduação tecnológica em

gestão da Produção Industrial, de Sistemas de Informação, e de Gestão Financeira e

Logística. Uma das pesquisas teve estudantes do curso de Licenciatura em

Matemática e professores egressos do mesmo Centro de Estudos Superiores e

ainda outra envolveu professores que já lecionaram ou lecionam Estatística e alunos

matriculados em Cursos de Pedagogia e Licenciatura em Normal Superior. Um

trabalho teve a participação de formadores de professores selecionados por terem

obtido graduação em Matemática ou Estatística, outro porque os professores eram

atuantes no ensino de Estatística e um último reuniu professores de Engenharia

Elétrica. Em relação à dependência administrativa, as pesquisas ocorreram tanto em

instituições públicas quanto privadas.

O referencial teórico também foi variado, com destaque de diversas teorias:

Teoria dos Campos Conceituais;

Teoria da Transposição Didática;

Engenharia Didática;

Teoria Antropológica do Didático;

Construtivismo;

aportes de teoria da área de Informática;

Interacionismo;

Representações Sociais;

Teoria da Aprendizagem Significativa;

Aprendizagem Situada;

Teoria das Situações;

Teoria da Resposta ao Item;

Registros de Representação Semiótica;

Modelos de Mapeamento de Estilos de Aprendizagem;

Design Experiments, Modelagem Matemática;

Documentos de Grupos de Pesquisa;

35

Enfoque Ciência, Tecnologia e Sociedade;

Educação Crítica;

filósofos de variados matizes;

autores da área Educação Estatística da envergadura de Lopes, Batanero, Gal,

Garfield e Curcio, entre outros.

No rol das teses que têm elementos próximos às intenções do presente

trabalho, podem ser citadas as pesquisas de Ara (2006), Campos (2007), Rodrigues

(2009), Pamplona (2009) e Costa (2012). Em relação às dissertações, temos Moreno

(2010) e Sperrhake (2013), com especial destaque para esta última.

Para elaborar sua tese, Ara (2006) partiu da própria experiência como

docente de Estatística em Engenharias e da observação das dificuldades de

entendimento de conceitos enfrentadas por seus alunos, gerando falta de motivação

e grande quantidade de reprovações. Inicialmente, verificou que os alunos têm

pouca familiaridade com fenômenos aleatórios, apesar destes fazerem parte do

cotidiano. Segundo o pesquisador, esse aspecto mostraria uma visão equivocada da

realidade, determinada em parte pelos currículos de ensino. O seu trabalho tinha por

objetivos explicitar uma concepção de realidade onde existisse equilíbrio entre

determinismo e aleatoriedade, para repensar o ensino de Estatística e Probabilidade

nos diversos níveis. A partir desse equilíbrio seria proposta uma nova organização

do ensino de Estatística nos cursos de Engenharia.

O autor buscou na Filosofia e na História do desenvolvimento da Física a

concepção predominante sobre os conceitos dos termos determinístico e aleatório

dos fenômenos naturais, constatando que tais conceitos são de convivência e

interação permanente, o que seria intrínseco à natureza. Apresentando reflexões

sobre Probabilidade e conhecimento estatístico, destaca a importância desse

conhecimento para a compreensão da realidade, que segundo sua visão é tratado

deficientemente nos diversos níveis, acarretando distorções de percepção. O livro

didático é considerado importante indicador da concepção do professor a respeito da

Estatística, tendo consequências para a atuação docente e, além disso, salvo

exceções, os materiais didáticos examinados tendem a apresentar uma concepção

determinística da realidade, priorizando aspectos matemáticos e aplicações técnicas

no momento da construção de conceitos. A partir da verificação desse desequilíbrio,

36

emergiu a proposta de restaurar o equilíbrio perdido. A aleatoriedade foi

apresentada como componente da realidade, indicando que a organização do

ensino de Estatística deve partir de exemplos contextualizados de áreas de interesse

do engenheiro em formação.

Ficaram evidentes para Ara (2006) o valor do trabalho em grupo, da

utilização de computadores e dos programas estatísticos para incentivar a

participação ativa do aprendiz. Para viabilizar a implantação dessas práticas, o

pesquisador indica a necessidade de incluir o estudo de fenômenos aleatórios na

Educação Básica e na formação do professor.

Campos (2007) apresenta uma tese com dois objetivos principais: 1) realizar

um estudo teórico dos fundamentos didáticos da Educação Estatística e a integração

desta com Educação Crítica e a Modelagem; 2) desenvolver e executar projetos

pedagógicos para aplicar essa integração na sala de aula, considerada como um

microcosmo. O autor levantou fundamentos teóricos da didática da Estatística e

verificou, a partir dos trabalhos de diferentes autores, a importância do planejamento

instrucional possibilitar o desenvolvimento da literacia, do raciocínio e do

pensamento estatístico. Sem elas, Campos considera que não é possível o sucesso

na aprendizagem de Estatística.

A Modelagem Matemática e os projetos formaram a estratégia pedagógica

na concepção do ensino objetivando alcançar e desenvolver as três competências já

citadas. Já a Educação Crítica foi o elemento essencial na problematização e

tematização do ensino. Foi a partir dessa inspiração que trabalhou com dados reais

e contextualizados, ao mesmo tempo em que estimulou o debate democrático na

sala de aula e a quebra de hierarquias. Isso favoreceu o incentivo da capacidade

crítica, a valorização do conhecimento reflexivo e a preparação do estudante para

interpretar o mundo. Paralelamente, incentivou-se a prática da responsabilidade

social, o desenvolvimento da linguagem crítica, da liberdade individual, da ética e da

justiça social. Por fim, emergiu a concepção da Educação Estatística crítica.

Rodrigues (2009) discute a construção de ideias e conceitos matemáticos e

estatísticos ligados ao Teorema Central do Limite em relação aos licenciandos de

Matemática, futuros professores da Educação Básica. No seu quadro teórico aborda

37

a Teoria da Transposição Didática sob a visão da Teoria Antropológica do saber e

do didático. Procedendo metodologicamente de acordo com o design didático de

pressupostos alinhados com a Engenharia Didática, apresentou a um grupo de

estudantes com conhecimento prévio de Estatística um conjunto de situações-

problema. Supostamente, as situações seriam pertinentes ao cotidiano de

professores de Matemática e relacionadas a problemas existentes na Educação

Básica com respeito à literacia estatística. Também analisou livros didáticos do

Ensino Superior apoiado na Teoria Antropológica do Didático, detectando limitações

e restrições nas obras estudadas. Reitera a importância do ensino da Estatística

para a formação dos futuros professores de Matemática realizar-se sob

diversificadas aplicações, pois estes vivem em um mundo de avanços tecnológicos

que influenciam a leitura de informações.

Pamplona (2009) discute o ensino e a aprendizagem de Estatística na

formação de Professores de Matemática e as práticas envolvidas. O processo

utilizou a Narrativa Biográfica como instrumento de recolha de dados. Os sujeitos da

pesquisa são professores que ensinam Estatística em cursos de licenciatura em

Matemática em universidades paulistas. A análise das narrativas foi embasada na

ideia de comunidade de prática, Teoria Social da Aprendizagem e também na

perspectiva histórico-cultural. Professores e alunos foram considerados membros da

mesma comunidade de prática. A análise permitiu a verificação das práticas que os

professores formadores citaram e que tornam evidentes como foi a sua formação

estatística e a formação pedagógica.

Professores e licenciandos compartilharam problemas, escolhas, trajetórias

e perspectivas no exercício da profissão e no ensino de Estatística. Foram

questionadas práticas discursivas e não discursivas que consolidam relações

desiguais de poder na formação em Matemática e Estatística e na formação

pedagógica. Uma dessas práticas resulta como sugestão o uso de diferentes

abordagens para ensino de conteúdos estatísticos e também a análise das

contribuições para que cada abordagem seja empregada no ensino de um conteúdo

específico. Para Pamplona (2009), atitudes como essas favorecem o

desenvolvimento da imaginação do licenciando sobre seu pertencimento a uma

comunidade de práticas, além de aumentar o conhecimento das abordagens

também leva a perceber não existir caminho único em todas as situações.

38

Costa (2012) considera que as mudanças de paradigmas científicos deram

novos significados ao papel representado pelas Ciências no pensamento humano.

Acreditando a ocorrência de interação da cognição com a afetividade, sua pesquisa

investigou a metodologia de projetos como alternativa no ensino de Estatística no

Ensino Superior. Considerou aspectos afetivos da relação professor-aluno durante a

formação do nutricionista e o trabalho de campo deu-se por meio de um projeto

interdisciplinar integrando as disciplinas de Saúde Pública, Avaliação Nutricional e

Bioestatística.

A pesquisa foi apoiada em estudiosos da Pedagogia de Projetos, da

Psicologia, de Estudos Interdisciplinares, da Educação Crítica, da Análise do

Discurso, da Antropologia, da Educação Matemática e da Educação Estatística. A

análise interpretativa dos dados apresentou indícios de que o trabalho propiciou a

compreensão e a aplicação de conceitos estatísticos em situações semelhantes às

que os alunos encontrariam ao exercer sua profissão. Foram constituídos valores e

significados que fundamentam o aprendizado de conceitos que contribuíram para o

protagonismo da aprendizagem. Além disso, ocorreu mobilização, modificação e

ressignificação de fatores sociais e afetivos, ideias e atitudes em relação ao

conhecimento que são adquiridas ao longo da escolaridade.

Em sua dissertação, Moreno (2010) considera como recente a inclusão da

Estatística em currículos da Educação Básica e escassas as pesquisas sobre a

compreensão da variabilidade; também aborda a dificuldade dos alunos

compreenderem o conceito de desvio padrão e a existência de problemas em

articular conhecimentos matemáticos e estatísticos para aplicar em situações

diferentes.

Foram estudadas as características das atividades que favorecem aprender

o conceito de variabilidade de um conjunto de valores durante um curso de formação

com alunos de uma licenciatura em Matemática. Além de utilizar como referência do

trabalho os cenários de aprendizagem e os pressupostos da Engenharia Didática,

Moreno lançou mão de autores ligados à Didática da Estatística e à Educação

Matemática.

39

O resultado da sua pesquisa confirmou elementos citados em outros

estudos. Uma das possíveis causas estudadas recaiu sobre as elaborações dos

enunciados. Outro problema registrado foi em relação à compreensão de elementos

expressos por meio de gráficos. Essas duas últimas observações se referem a usos

de linguagens, o que pode ser ainda mais problemático quando não se dispõe de

elementos suficientes a respeito de um campo de conhecimento além de uma língua

local.

Na sua dissertação, Sperrhake (2013) buscou compreender como o saber

estatístico constitui-se em um discurso da verdade e produz os discursos referentes

aos termos alfabetização, analfabetismo e letramento. Tomou como referência os

Estudos Culturais em Educação. Além de buscar indícios de como é dada forma de

verdade aos números, a autora elencou aspectos históricos e técnicos que conferem

à Estatística o estatuto de verdade. No trabalho também podem ser encontradas

maneiras pelas quais os saberes de leitura e escrita são quantificados (além da

análise das formas de produção de estatísticas sobre alfabetização, alfabetismo e

letramento). O suporte teórico fica por conta de escritos filosóficos sobre a sociedade

ocidental e seus diversos mecanismos de vigilância, controle e punição, que se

tornam em instrumentos de desequilíbrio social e geração de desigualdades.

Na composição do material da pesquisa constam referências a artigos

acadêmicos de revistas de Educação e de Estatística, resumos de dissertações e

teses, matérias de jornalismo impresso e publicações digitais. Esse conjunto de

dados foi utilizado para mostrar que a produção discursiva da alfabetização ocorre

sob três aspectos: produção de material empírico, procedimento metodológico e na

referência às estatísticas (ou ao saber estatístico). As práticas acadêmicas e

jornalística são vistas como produtoras do discurso sobre analfabetismo estatístico.

A produção discursiva é operada com dados estatísticos expressos por percentuais,

dados brutos e como matéria de comparações e classificação.

A autora mostrou estratégias utilizadas para dar voz aos dados, no caso

deles serem expostos por especialistas. A formação de professores foi vista

simultaneamente como causa e solução dos problemas relativos aos baixos índices

de alfabetização, alfabetismo e letramento, além de discutir níveis para esses

índices.

40

1.2.1 Considerações

O que essas dissertações e teses possuem em comum com a presente

pesquisa é o fato de lidarem com problemas relativos à Educação Estatística,

enveredando por caminhos que não seriam possíveis trilhar caso tivessem abraçado

pressupostos positivistas.

Os trabalhos apresentam reflexões sobre o ensino de Probabilidade e

Estatística e destacam que essa Ciência é importante para compreender a realidade.

Há um elemento comum, que é a necessidade de desenvolver a capacidade crítica,

valorizar o conhecimento reflexivo e preparar o aprendiz para interpretar o mundo e

não apenas assimilar as técnicas de trabalho proporcionadas pelo conhecimento

estatístico

Reitera-se também a importância da Estatística para a formação intelectual e

não apenas como instrumento de trabalho em uma sociedade que convive com

avanços tecnológicos e suas influências sobre a leitura de mundo. As discussões

levantadas pelos autores incluem a importância que as relações entre os indivíduos

têm para a aprendizagem de Estatística, pois elas podem favorecer ou prejudicar a

compreensão de conceitos e aplicações.

Em todas as pesquisas, o conhecimento estatístico de certa forma emerge

como veículo de discussão de aspectos sociais, históricos e técnicos de um

conhecimento ao qual é conferida a qualidade de instrumento de percepção de

diferentes realidades. Todos os pesquisadores debruçaram-se sobre ocorrências

culturais para interpretar fatos que ocorrem dentro de grupos sociais, cujos

indivíduos que os compõem podem não ter consciência, por estarem imersos em

situações rotineiras de uma cultura própria. O que une esses trabalhos ao nosso é

uma busca da interpretação de valores culturais (e também ideias e ritos, porque

não?) e assim tentar compreender perspectivas de vida e aspectos culturais, mesmo

que ligados a um microcosmo social específico.

O que diferencia a presente tese dos demais trabalhos é que,

primeiramente, ela aborda um grupo específico: uma turma de Engenheiros de

Produção em formação. Outra particularidade é que observamos demandas de

formação explicitadas a partir dos estudantes dessa modalidade de Engenharia,

41

verificando fragilidades e concepções equivocadas apresentadas em relação ao

conhecimento estatístico. Também buscamos verificar de que formas o plano de

curso, os instrumentos de ensino e avaliação relacionavam-se com as necessidades

de formação de futuros Engenheiros de Produção. Mais um aspecto que destaca

este trabalho dos demais é o fato de apoiar-se em um referencial composto por

diferentes abordagens, tais como a Epistemologia, a Filosofia da Ciência, a

Educação Estatística, a História da Estatística e a sua sociologia.

1.3 O referencial teórico

Conforme afirmou Sader (2008), a Educação nos dias atuais é mais uma

peça do complexo quebra-cabeças no processo de acumulação capitalista. Entre

outras utilidades, serve de instrumento para reproduzir essa acumulação dentro de

sistemas de classes, cujas injustiças decorrem do primado do capital sobre o

elemento humano. A Educação da qual ele fala,

[...] em lugar de instrumento de emancipação humana, agora é mecanismo de perpetuação e reprodução desse sistema [...] um sistema que se apoia na separação entre trabalho e capital, que requer uma enorme massa de força de trabalho sem aceso a meios para sua realização, necessita, ao mesmo tempo, socializar os valores que permitem a sua reprodução [...] (SADER, 2008, p. 15).

A partir da definição do tema da pesquisa e da abordagem da investigação

realizada, percebemos o teor sócio político que as discussões poderiam tomar. Seria

inadequado, portanto, prender-se a um referencial teórico formado apenas por

autores que discorrem temas técnicos, fossem eles sobre Ensino ou Estatística.

A elaboração do marco teórico da presente tese iniciou-se com a escolha de

elementos da Educação Crítica e da Educação Matemática Crítica, apontados por

Skovsmose (2007) e por AlrØ e Skovsmose (2010).

Skovsmose (2007) discute como o conhecimento matemático dos currículos

escolares de diferentes países é utilizado como instrumento de estratificação social e

ocultação de aspectos sociais, políticos e culturais. Em AlrØ e Skovsmose (2010) a

discussão aponta existência de uma ideologia escolar dominante, fundamentada no

racionalismo científico que levou a Educação para os caminhos hoje considerados

tradicionais. Os autores partiram dos currículos existentes, estudaram situações

42

externas à escola e discutiram ligações entre conhecimento matemático e

democracia em sociedades altamente impregnadas por diversas tecnologias. Além

disso, apresentam e descrevem a sua proposta de cenários de investigação.

Na continuidade das discussões sobre o conhecimento científico como

instrumento de controle social, Feyerabend7 (2007) faz-se presença importante. Ele

contrapõe-se ao ensino de Ciência que é realizado de forma simplificadora e que

leva à delimitação de campos cada vez mais específicos. Como exemplo, mostra a

separação entre a História e o ensino de conceitos ligados a determinado campo

científico. Isso condiciona os estudantes a perceberem apenas a lógica de cada

setor e também contribui para que as novas gerações considerem cada Ciência um

instrumento de justificativa do triunfo do pensamento ocidental.

O autor também se opõe à ideia de que o conhecimento moderno é

resultado de um desenvolvimento harmonioso, baseado em descrições e

descobertas que revelam a ordem racional de um universo, aparentemente imerso

no caos. Reflete também sobre a necessidade de relativizar o potencial de

explicação atribuído às Ciências e que as formas utilizadas para elaborar e fazer a

disseminação do conhecimento ocultam intenções e relações de poder.

Demo (2000) é outro autor cujas ideias alinham-se aos dos outros teóricos e

suas ideias ajudaram a melhor coordenar as discussões teóricas. Ele considera que,

pelo fato do conhecimento estar em permanente reconstrução em redes de

interações, os fios dessa trama tendem a ser tensionados por diversos interesses

nas comunidades científicas. Além disso, reconhece que existem métodos de

controle da produção e disseminação do conhecimento. Isso é um fenômeno político

das sociedades contemporâneas, e faz do conhecimento científico mais uma força

produtiva e crucial para a reprodução do capital.

Em relação aos fatos históricos e sociológicos, Camargo (2009) mostra que,

além de instrumento de trabalho, a Estatística serve para moldar visões de mundo e

a imagem de cada um em relação ao seu semelhante. Ele também alerta para um

importante fato: desde sua fase embrionária o conhecimento estatístico apresenta

7 * Viena, Áustria,1924; † Genolier, Suíça, 1994.

43

sinais de especialização e foi utilizado por parcelas restritas de diferentes

sociedades.

Lopes (2013) considera que a análise de dados é importante componente

curricular desde a educação infantil até os cursos de graduação e que o professor

trabalha com alunos que atualmente têm acesso cada vez mais cedo a diferentes

estatísticas. A formação matemática centrada na aplicação de fórmulas seguida de

exercícios de fixação não é suficiente para as demandas de ensino. A autora

considera urgente repensar os programas de curso e as formas de desenvolver o

ensino da disciplina nos cursos de licenciatura em Matemática, ponto de vista que

pode ser estendido a outras modalidades de graduação em que a Estatística esteja

presente.

Da mesma forma que Lopes (2013), Gal e Garfield (1997) apresentam metas

que consideram comuns à Educação Estatística nos níveis de ensino pré-

universitário e de graduação: 1) o aluno deve tornar-se um cidadão informado, capaz

de compreender e lidar com a incerteza, a variabilidade e a informação estatística no

mundo ao seu redor (para poder participar de uma sociedade da informação); 2) o

ensino de Estatística deve contribuir para capacitar o aluno a tomar parte na

produção, interpretação e comunicação de dados referentes a problemas em sua

vida profissional. A Estatística deve ser apresentada como Ciência dotada de modos

característicos de pensar e que transcendem a aplicação de métodos de cálculo

específicos. Os autores também discutem diferentes desafios para a avaliação da

aprendizagem de Estatística.

Curcio, Friel e Bright (2001) pesquisaram sobre a capacidade de ler e

compreender dados expressos por gráficos e tabelas estatísticas. Destacam que a

dominar a compreensão de informações escritas ou de outra natureza simbólica é

uma necessidade que para completa alfabetização nos dias atuais. Entre outros

assuntos, o trabalho trata de elementos necessários para compreender a informação

transmitida por meio de gráficos.

Ao longo do seu desenvolvimento, a Estatística desenvolveu linguagem,

conceitos e símbolos próprios. Para aprendê-la, é necessário desenvolver a

capacidade de entender suas ideias fundamentais e a linguagem utilizada em sua

44

comunicação. O GAISE College Report8 (FRANKLIN et al., 2005), publicado pela

American Statistics Association (ASA - Associação Americana de Estatística) traz um

histórico das modificações ocorridas no ensino de Estatística ao longo do século XX.

Sua elaboração foi realizada a partir do estudo de normas e orientações para o

ensino e avaliação de aprendizagem da Estatística. Seus autores apresentam uma

série de recomendações que consideram importantes para o aluno conseguir um

bom desempenho em cursos introdutórios de Estatística. As recomendações

enfatizam que o ensino da disciplina deve desenvolver o pensamento estatístico e a

literacia estatística (capacidade de compreender as ideias fundamentais da

Estatística e a sua linguagem).

Como a pesquisa foi realizada com indivíduos de uma turma de EP, foi

necessário discutir aspectos da formação do Engenheiro de Produção. Para tal,

apresentamos as propostas de diretrizes curriculares para a graduação elaborada

pela ABEPRO (2001). Outros autores incluídos durante a elaboração da tese foram

importantes porque apresentam elementos necessários à fluidez e continuidade do

texto.

1.4 A metodologia

Ao assumir o que Bortoni-Ricardo (2008) denominou compromisso com a

interpretação de ações e significados atribuídos por sujeitos que frequentam uma

instituição de ensino, não faria sentido buscar relações lineares de causa e

consequência. Muito menos dever-se-ia generalizar e buscar quantificações,

procedimento partilhado pelas diferentes Ciências Naturais. Planejava-se interpretar

fatos ligados a contextos nos quais se formam Engenheiros de Produção.

Na introdução, a tese foi apresentada como uma pesquisa qualitativa, feita a

partir da análise interpretativa dos dados construídos. Porém, o que seria uma

pesquisa qualitativa? Antes de descrever os procedimentos utilizados, existe a

necessidade de explicar porque a metodologia utilizada adequa-se ao trabalho.

A metodologia, de acordo com Demo (2006) refere-se à forma instrumental,

aos procedimentos, às ferramentas e aos caminhos por meio das quais uma

8 Guidelines for Assessment and Instruction in Statistics Education.

45

pesquisa é executada. O autor ressalta que, a princípio, a metodologia pode ser

vista a partir de duas principais vertentes. A mais usual é utilizada nas Ciências

Naturais e deriva de uma teoria do conhecimento, “[...] geralmente voltada para a

questão da causalidade, dos princípios formais da identidade, da dedução e da

indução [...]”. A segunda é ligada à sociologia do conhecimento, “[...] acentua mais o

débito social da ciência, sem no entanto desprezar a outra” (DEMO, 2006, p. 21- 22).

Um importante alerta é o fato de que não se pode cair no erro de superestimar a

metodologia, cuidando mais desta que do objeto de estudo (no presente trabalho, o

ensino de Estatística na formação de Engenheiros de Produção).

Ainda que se trate do ensino de uma disciplina que prima pelo aspecto

quantitativo, não seria adequado à proposta de pesquisa utilizar uma metodologia

baseada em testes experimentais, tal como nas Ciências Naturais. Não seria

possível abraçar uma proposta positivista e reduzir as análises a seus componentes

isolados, submetendo-os a um processo linear. Nosso objetivo é investigar a

formação estatística de estudantes de um Curso Superior de EP e, qualquer que

seja o nível de ensino, o curso não se faz apenas com currículos e meios materiais.

Ao longo de um período de formação estão envolvidas diferentes relações sociais e

o primeiro passo, portanto, é reconhecer sua existência em um ambiente de ensino,

admitindo que elas ocorrem meio a uma

[...] trama complexa, não linear [...] o mais importante, porém, é visualizar a qualidade como expressão complexa e não linear [...] ao mesmo tempo indicativa de sua incompletude ostensiva e potencialmente pretensamente ilimitada [...] (DEMO, 2000, p. 147).

Portanto, reduzir os componentes de uma trama a fragmentos isolados,

conforme os ditames inspirados nas Ciências Naturais, excluiria pontos de vista,

opiniões e subjetividades do pesquisador em relação ao objeto de estudo. Por outro

lado, o que se descreve por meio de pesquisa em um ambiente restrito não pode ser

generalizado e diretamente utilizado na compreensão daquilo que ocorre em todos

os locais onde se ensina Estatística.

Uma pesquisa qualitativa deve “[...] fazer jus à complexidade da realidade,

curvando-se diante dela, não ao contrário, como ocorre com a ditadura do método

ou a demissão teórica que imagina os dados evidentes [...]” (DEMO, 2000, p. 152). A

modalidade qualitativa permite apresentar elementos da própria cultura e sociedade

46

onde a pesquisa é realizada. Devemos ainda estar alertas para não tratar

dicotomicamente a relação entre qualidade e quantidade, já que a

[...] qualidade provém também de bases quantitativas [...] há realidades que talvez pudéssemos chama-las de mais qualitativas, e outras mais quantitativas, mas todas são mesclas de ambas as dimensões [...] qualitas, do latim, significa essência. Designaria a parte mais relevante e central das coisas, o que ainda é vago, pois essência não se vê [...] sinalizaria horizontes substanciais, mesmo que pouco manejáveis metodologicamente [...] qualidade sinaliza a perfectibilidade das coisas, sobretudo nos seres humanos [...] processa-se na matéria que, entretanto, não se comporta como acúmulo quantitativo justaposto e linear [...] qualidade pode coincidir com a complexidade emergente, e apareceria especificamente na relação não linear [...] qualidade aponta para a dimensão da intensidade, para além da extensão. Fenômenos qualitativos caracterizam-se por marcas como profundidade, plenitude, realização, o que aponta para sua perspectiva mais verticalizada do que horizontalizada [...] não expressa apenas justaposição cumulativa, mas também o resultado não linear de processo não linear (DEMO, 2000, p. 146-148, grifos do autor).

Devidamente organizadas, as quantidades permitem a emergência de

qualidades de um conjunto de dados.

Um aspecto importante da pesquisa qualitativa é ela ter se originado de

trabalhos das Ciências Sociais, dedicados ao estudo da pluralidade de aspectos da

vida social, exigindo “[...] uma nova sensibilidade para o estudo empírico das

questões [...]” (FLICK, 2004, p. 18). O autor considera que, sob a denominação de

pesquisa qualitativa, podem ser abrigadas diferentes abordagens, posicionamentos

teóricos, focos metodológicos e modos de compreender um objeto.

Em estudos de natureza sociológica, fenômenos e fatos são muitas vezes

complexos a ponto de seus diferentes aspectos poderem ser estudados

pormenorizadamente. Para trabalhos dessa natureza, não cabe apenas buscar

relações diretas de causa e efeito, o que é marca das Ciências Naturais, que

descrevem seus objetos a partir de modelos ideais. É necessário considerar

cuidadosamente contextos e situações complexas. O termo complexidade, no caso,

deve ser compreendido como “[...] um tecido (complexus: o que é tecido junto) de

constituintes heterogêneas inseparavelmente associadas [...] se apresenta com os

traços inquietantes do emaranhado [...]” (MORIN, 2006, p. 13, grifos do autor).

Tentamos evitar a fragmentação excessiva, pois ela pode fazer com que os

resultados não sirvam para avaliar novas situações. Ao lidar com uma pesquisa

qualitativa, deve-se

47

[...] planejar métodos tão abertos que façam justiça à complexidade do objeto em estudo [...] fator determinante para a escolha de um método e não o contrário. Os objetos não são reduzidos a variáveis únicas, mas são estudados em sua complexidade e totalidade em seu contexto [...] os campos de estudo não são situações artificiais em laboratório [...] (FLICK, 2004, p. 21).

Uma pesquisa qualitativa deve estar aberta à busca do novo, desenvolvendo

empiricamente teorias adequadas às situações que descreverá, ao invés de ater-se

ao teste de situações concebidas que ratifiquem alguma teoria. Por não se constituir

em torno de um único eixo teórico e metodológico, a pesquisa qualitativa tem ponto

de partida subjetivo, mesmo que possua um objetivo explícito a cumprir. A pesquisa

qualitativa presta-se a analisar conhecimentos, práticas e interações dos

personagens a partir de diferentes perspectivas subjetivas.

Acrescentamos o ponto de vista de Lüdke e André (2003), baseados em

Bogdan e Biklen (1982). Elas apresentam características que configuram uma

pesquisa qualitativa: 1) o ambiente natural é a fonte direta de dados e o pesquisador

é o principal instrumento; 2) os dados coletados têm predominância descritiva; 3)

preocupação maior com o processo do que com o produto; 4) os significados

atribuídos pelas pessoas são foco especial de atenção do pesquisador; 5) a análise

dos dados tendem a seguir um processo indutivo.

No início da década de 1920, a Escola de Frankfurt (nome dado a um grupo

de pensadores), apresentou as primeiras críticas ao pensamento positivista. A partir

dessas críticas, os pensadores buscaram alternativas para pesquisas científicas,

constituindo um novo paradigma: o paradigma interpretativista (BORTONI-

RICARDO, 2008). O ambiente escolar é justamente um espaço privilegiado para

pesquisas baseadas no interpretativismo, denominação sob a qual podem ser

encontradas diversas formas de pesquisas qualitativas.

Dessa forma, apoiados nas ideias de Demo (2000 e 2006), Lüdke e André

(2003), Flick (2004) e Bortoni-Ricardo (2008), consideramos a presente tese

enquadrada na modalidade de pesquisa qualitativo-interpretativa.

48

1.5 O Contexto da pesquisa

O trabalho de campo foi realizado em 2013 (segundo semestre) e 2014

(primeiro semestre) em uma turma de EP, em uma Instituição Federal de Ensino,

localizada no município de Cariacica, na Grande Vitória, Espírito Santo, composta

por 35 alunos. Nessa instituição, além da EP (cursada em turno integral e regime

semestral), atualmente são ministrados outros cursos de diferentes níveis: cursos

técnicos com duração de dois anos, cursos técnicos integrados ao Ensino Médio

Regular, cursos técnicos subsequentes ao Ensino Médio, Licenciatura em Física,

além de Pós-Graduação Latu Sensu em EP. O prédio onde funcionam os cursos

técnicos foi inaugurado em 2012 e ainda há obras em andamento. As salas de aula,

assim como as destinadas ao uso de professores, são climatizadas.

Obtido o consentimento do coordenador do curso, que acolheu a ideia sem

impor obstáculos e permitindo a pesquisa, esta foi iniciada imediatamente, com a

distribuição e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice

A). O trabalho de campo foi desenvolvido a partir do momento em que o pesquisador

entrou em um ambiente já ocupado por outros elementos e repleto de interpretações

dadas por eles.

A Estatística, disciplina em foco, é lecionada em dois semestres, sob as

denominações de Estatística I (carga horária de 30 horas, oferecida no terceiro

período) e Estatística II (carga horária de 45 horas, oferecida no quarto período). A

íntegra dos planos de ensino está nos anexos da Tese.

1.6 Instrumentos para coleta de dados

Para a coleta de dados foram escolhidos dois instrumentos: o questionário e

a entrevista, apresentados nos apêndices. Apenas os alunos da turma pesquisada

responderam ao questionário, ainda durante o curso de Estatística I. Já a entrevista

foi aplicada inicialmente aos alunos sorteados e/ou escolhidos e à professora

regente da turma, durante o curso de Estatística I. Posteriormente foram colhidos

mais dois depoimentos dos alunos: durante o curso de Estatística II e após o seu

término, quando já cursavam disciplinas que aplicam o conhecimento Estatístico. A

49

professora foi entrevistada mais uma vez, após a terceira entrevista dos alunos.

Todos os entrevistados responderam às mesmas perguntas.

1.6.1 Sobre a aplicação do questionário

Em relação à aplicação do questionário serão feitas algumas observações

iniciais com base no trabalho de Moreira e Caleffe (2006). Os autores afirmam que

não há instrumento totalmente adequado ou inadequado, mas sim melhor ou pior

para o momento em que se trabalhe. Inicialmente existem duas limitações para a

aplicação de questionários: a tendência dos dados levantados é descrever e não

explicar o porquê de determinados fenômenos ou comportamentos; além disso,

esses dados podem ser superficiais.

Surge, então, um questionamento: por que aplicar um questionário e não um

outro instrumento? Apesar do risco de superficialidade dos dados, essas respostas,

como primeira análise, apresentam indícios representativos da composição da turma

e do perfil escolar dos indivíduos, que serão apresentados no capítulo de construção

dos dados. As questões do questionário foram redigidas para não dar margem a

divagações dos respondentes e, apenas na última pergunta, houve maior liberdade

para construção das repostas.

A partir do questionário foi possível obter dados importantes sobre a

escolarização dos alunos e o seu entendimento da Estatística. Como o universo de

aplicação desse instrumento de pesquisa foi limitado aos alunos da turma, não se

correu o risco de perder o controle sobre a representatividade da amostra, pois isso

poderia acarretar uma análise tendenciosa do quadro inicial. Como vantagem sobre

a escolha do instrumento, verificou-se que não foi preciso estratificar a amostra.

1.6.2 Sobre as entrevistas

A pesquisa qualitativa não depende apenas da performance do pesquisador,

pois também está ligada a outros elementos, como os vários cenários, o problema a

ser investigado e as suas contingências. No nosso caso, as técnicas de coleta de

dados e as estratégias de análise foram padronizadas para evitar perdas de dados.

Optou-se por registrar as entrevistas por meio de gravação em áudio. Após cada

50

entrevista, os depoimentos foram transcritos na íntegra. O objetivo no caso foi

viabilizar a análise do conteúdo desses depoimentos e a construção dos dados.

A entrevista, momento de interação de alta complexidade, pode ser

classificada em padronizada e não padronizada. Entre as formas não padronizadas

está a forma semiestruturada que facilita a aplicação pelo próprio pesquisador. Uma

vantagem é que ela favorece a análise de quem está diretamente envolvido no

processo de pesquisa (MOREIRA; CALEFFE, 2006).

Em relação ao formato semiestruturado, existem algumas questões iniciais a

justificar: Por que utilizá-la? Onde realizá-la? Quem e quando entrevistar?

Também deve-se considerar alguns elementos capazes de influenciar o

resultado de uma entrevista. Os envolvidos nessa interação têm uma identidade

pessoal, um passado e vários elementos que os destacam dentro do seu grupo

social. Um deles é o entrevistador (no caso o próprio pesquisador), que possui

características pessoais. No nosso caso não seria prático deixar o entrevistado

divagar ilimitadamente e era necessário exercer algum controle sobre as discussões.

Analisando como pesquisador, pesquisado e entrevistador podem influenciar o

resultado de uma entrevista, a forma semiestruturada tem a vantagem de reduzir as

influências geradas pela presença dos três elementos. “[...] Qualquer que seja o tipo

de entrevista [...] quanto mais o entrevistador envolver-se com a situação, maior será

o potencial de sua influência” (MOREIRA; CALEFFE, 2006, p. 183).

Foi necessário preparar um roteiro de entrevista, pois não bastaria ir a

campo e conversar com os sujeitos da pesquisa. As perguntas foram organizadas

em blocos de temas, inspiradas na resolução número 11 do Conselho Nacional de

Educação/ Câmara de Ensino Superior (CNE/CES). Chamaram a atenção três itens

de um dos artigos:

Art. 4º A formação do engenheiro tem por objetivo dotar o profissional dos conhecimentos requeridos para o exercício das seguintes competências e habilidades gerais [...] IX - atuar em equipes multidisciplinares; X - compreender e aplicar a ética e responsabilidade profissionais; XI - avaliar o impacto das atividades da engenharia no contexto social e ambiental (NCE/CES, 2002, p.1).

Os três itens citados definem importantes aspectos de atuação profissional.

51

Ainda em relação às entrevistas, cabem algumas explicações. O

procedimento metodológico de entrevistas dá-se comumente em duas etapas, sendo

a segunda para análise das repostas dadas na primeira. Escolhemos fazê-lo em três

etapas, sendo a terceira objetivando um maior aprofundamento das análises. Como

resultado da opção, pode-se observar as mudanças de percepção dos estudantes

em relação à Estatística e as suas relações com as demais disciplinas do curso.

Sobre a escolha dos alunos, por não se tratar de trabalho para estimar

parâmetros populacionais, os entrevistados não foram sorteados aleatoriamente. A

lógica de escolha não foi a mesma da probabilística aplicada à Estatística, mas

constituindo-se em um processo intencional, seguindo os seguintes critérios: a)

entrosamento com a professora no andamento das aulas (os dois alunos mais

entrosados com a professora já faziam parte do grupo com notas mais altas); b) na

primeira prova do semestre a nota não deveria ser a mais alta, mas acima da média

da instituição (nota 6,0); c) um aluno reprovado em Estatística I completou a

composição do grupo de entrevistados. Esse aluno foi escolhido porque pensamos

ser importante o depoimento dos extremos (tanto em relação ao melhor

entrosamento quanto em relação à reprovação). Além disso, ainda pudemos contar

com o que pensam dois alunos que se encontram em situação confortável com

relação à nota para aprovação, mas que usualmente não têm destaque por estar em

uma zona intermediária de classificação.

O Aluno 1 foi escolhido para entrevista por se destacar na interação com a

professora durante as observações de aulas e pela facilidade com que dialogava

sobre os conteúdos. Ele nasceu em 1994, não havia feito outro curso superior, mas

havia cursado Estatística no Nível médio. Primeiramente o que o motivou a escolher

o curso de EP foi por querer uma engenharia e ver a EP como forma de lidar mais

com as pessoas, considerando essa modalidade uma engenharia mais humana e

uma forma de ter mais em contato com as pessoas. O aluno constatou por pesquisa

própria que gerir a produção seria uma forma de ter mais contato com as pessoas,

ao invés de realizar tarefas burocráticas ou se ver à frente de um computador

criando instruções e definindo programas, concebendo ferramentas e fazendo

simulações.

52

O Aluno 2 foi escolhido para a entrevista pelo mesmo motivo do anterior: o

destaque na interação com a professora, tanto ao perguntar sobre os procedimentos

quanto pela facilidade com a qual dialogava sobre os conteúdos. Nascido em 1991,

estava no terceiro semestre do curso quando a pesquisa foi iniciada. Não havia feito

outra graduação, mas havia cursado técnico em Administração durante o Ensino

Médio Regular e estudado Estatística no Ensino Médio. O que inicialmente o motivou

a escolher o curso de EP foi se tratar de modalidade com amplas possibilidades de

atuação. Também pesou o fato de estudar conteúdos de várias áreas das

engenharias ao mesmo tempo, o que permitiria ter diante de si um leque maior de

opções no mercado de trabalho.

O aluno 3 foi sorteado para entrevista entre os alunos cuja nota estava

acima da média na primeira prova e, entretanto, não figurava entre as mais altas.

Nascido em 1994, estava no terceiro período sem ter passado por outro curso

superior. Não havia feito curso técnico, seu Ensino Médio foi regular e estudou

Estatística nessa época. O que o motivou a escolher o curso de EP na instituição em

que se matriculou foi cursar as disciplinas ligadas à Matemática para posteriormente

pedir isenção em outra universidade, caso fosse aprovado em novo exame

vestibular.

O Aluno 4 foi sorteado pelo mesmo motivo do aluno 3: nota acima da média

sem, entretanto, estar entre as maiores. Nascido em 1992, também estava no

terceiro período quando do início da pesquisa. Não fez curso superior nem técnico

anteriormente e já havia cursado Estatística no Ensino Médio Regular.

O Aluno 5 foi escolhido por ter sido reprovado na disciplina no semestre em

que o trabalho foi iniciado. Nascido em 1984, também estava no terceiro período

quando a pesquisa foi iniciada. Havia cursado gestão empresarial em curso técnico

no Ensino Médio Regular, no qual estudou Estatística. Já havia cursado parte da

graduação em EP em uma instituição privada.

Completando o grupo de pessoas entrevistadas, temos a professora de

Estatística, que logo após terminar o Ensino Médio (aos 17 anos) ingressou no curso

de Matemática e concluiu apenas o bacharelado, no período de 2000 a 2004.

Graduada em Matemática, foi aprovada no mestrado em Engenharia Ambiental e ao

53

término dessa pós-graduação resolveu retornar à Universidade, graduando-se em

Estatística. Seu ingresso no quadro de professores da Instituição Federal em que

atua deu-se após terminar a segunda graduação. Na época da segunda entrevista

cursava o Doutorado em Engenharia Elétrica, pesquisando a aplicação da

Estatística a redes ópticas. No trabalho, utilizou maciçamente o conhecimento

estatístico.

1.7 A análise do conteúdo

Pelo fato da tese basear-se em uma pesquisa qualitativa, a escolha do viés

qualitativo da Análise de Conteúdo não foi por acaso. Essa opção tem origem nas

Ciências Sociais e Humanas, na década de 1970, época em que aprofundou-se a

discussão do primado do método científico das Ciências Naturais. Havia a

necessidade de responder a algumas perguntas relacionadas às preocupações com

um estudo para o qual o método experimental das Ciências Naturais não é

adequado:

[...] como estar à escuta cientificamente e com rigor, de palavras, de imagens, de textos escritos e discursos pronunciados? Como passar do uno ao múltiplo? Como compreender, analisar, sintetizar e descrever inquéritos, artigos de jornais, programas de rádio ou de televisão, cartazes publicitários, documentos históricos e reuniões de trabalho? (BARDIN, 2011, p. 11)

Na Física, por exemplo, é possível reproduzir experimentos sob condições

praticamente idênticas, o que não ocorre nas Ciências Sociais. No nosso caso era

necessário agir cientificamente e tratar com rigor as falas dos entrevistados. Tanto

as respostas do questionário (Apêndice B) quanto as da entrevista (Apêndice C)

necessitaram ter os conteúdos analisados qualitativamente.

Dessa forma, a análise das respostas dadas às perguntas do questionário e

da entrevista foram organizadas pela Análise de Conteúdo, pois seria necessário

tratar os elementos de análise em sua complexidade e também por não ser possível

utilizar um procedimento simplificador diante da realidade estudada. Tratava-se,

portanto, “[...] de exercer um pensamento capaz de lidar com o real, de com ele

dialogar e negociar” (MORIN, 2006, p. 6).

A Análise de Conteúdo possibilita diferentes modos de conduzir o processo

de construção de dados. Moraes (1999) a caracteriza como metodologia dotada de

54

uma sequência de passos a serem aplicados. Hsieh e Shannon (2005) não a

consideram um método único, mas uma técnica flexível de pesquisa qualitativa,

passível de abordagens distintas. Bardin (2011) considera a Análise de Conteúdo

um método a ser utilizado para analisar materiais resultantes de alguma forma de

verbalização. Os procedimentos propostos por esta última foram adotados na

análise dos dados da tese.

Hsieh e Shannon (2005) consideram que a Análise de Conteúdo pode ser

convencional, direcionada ou sumativa. Na primeira modalidade, as categorias de

codificação derivam diretamente de dados do texto. Caso se adote a abordagem

direcionada, a análise é feita embasada em uma teoria (ou resultados de pesquisas

consideradas relevantes). Já a análise sumativa envolve contagem e comparações

de palavras-chave (ou conteúdo), a partir da qual os contextos são interpretados. A

abordagem específica, escolhida pelo pesquisador, deve estar de acordo com seus

interesses teóricos e o problema que será abordado.

Como em nosso caso, partimos de quadros teóricos pré-existentes, a

segunda modalidade é a mais adequada à construção, descrição e análise dos

dados. A principal vantagem da abordagem direcionada é que a teoria na qual se

apoia pode ser estendida e a Análise de Conteúdo tende a ser mais estruturada do

que a convencional (HSIEH; SHANNON, 2005). Ao optar pela abordagem

direcionada, a ideia foi fazer da categorização um processo dedutivo a partir de

conceitos do quadro teórico.

O trabalho de análise foi realizado entre a objetividade e a subjetividade,

tratando de aspectos qualitativos sem ignorar a frequência com a qual se

encontraram os elementos no texto (aspecto quantitativo). Isso foi importante para

chamar a atenção, localizar e evidenciar esses elementos. Porém, a análise

qualitativa tende mais a usar métodos intuitivos, porque se adapta melhor à

observação e ao estudo de elementos que não foram definidos previamente. A

análise qualitativa serviu para classificar sistematicamente os depoimentos segundo

categorias. Isso possibilitou interpretar elementos subjetivos das falas transcritas,

codificar e identificar padrões nas respostas.

55

Ao optar pela vertente qualitativa, assumiram-se pressupostos tanto

epistemológicos quanto de pesquisa, ainda que em alguns momentos eles não

fossem explicitados. Quando se exercita a análise de conteúdo, os fenômenos

sociais não devem ser considerados transparentes e de intepretação óbvia. Nesses

casos, seria indevido considerar uma transparência epistêmica9, capaz de dotar o

pesquisador da capacidade de analisar diferentes contextos de forma direta e

objetiva. Não existe tal transparência, capaz de prover uma certeza que elimine a

dúvida, estabelecendo a verdade dentro de padrões claros, cujo domínio é universal

e indubitável.

Diante de um quadro complexo como é o estudo na área de Educação, o

pesquisador também não deve se deixar envolver pelo instrumento utilizado, ao

mesmo tempo em que lembra constantemente das limitações de sua utilização.

Procuramos superar compreensões espontâneas e evidências imediatas, ao mesmo

tempo em que se buscava evitar raciocínios extremamente simplificados ao

interpretar a realidade. Procuramos utilizar a Análise de Conteúdo como um

instrumento para

[...] estabelecer [...] uma correspondência entre as estruturas semânticas [...] e as estruturas psicológicas ou sociológicas [...] a leitura efetuada pelo analista [...] não é unicamente, uma leitura ‘à letra’, mas antes o realçar de um sentido que figura em segundo plano [...] (BARDIN, 2011, p. 47, grifos da autora).

Essa leitura deveria, portanto, passar da superfície do texto e, por meio de

um trabalho de aprofundamento, descrever e analisar diferentes elementos

responsáveis pelas características deduzidas. O objetivo foi chegar à diversidade de

significados dos elementos encontrados na mensagem.

A partir dos objetivos traçados e da utilização de sistematizações, busca-se

descrever o conteúdo da mensagem, refletindo que a Análise de Conteúdo tem dois

objetivos de trabalho importantes a destacar: 1) explicitar e sistematizar o estudo do

conteúdo de uma mensagem por meio de deduções e justificativas, procurando

superar a incerteza e enriquecer a leitura; 2) obter e validar elementos

generalizáveis para esclarecer significados de aspectos cuja compreensão não é

9 Skovsmose (2007) - Com este termo o autor refere-se à possibilidade de apresentar claramente a natureza do conhecimento e suas diferentes formas de elaboração, apoiada principalmente na simplificação e no estreitamento de domínios científicos, com a primazia do método dedutivo e da abstração da realidade como instrumentos de alcance da verdade.

56

imediata. Ela também possui duas funções consideradas indissociáveis: 1) a

heurística: que enriquece a exploração dos significados; 2) a administração da

prova, que dirige a análise ao buscar a confirmação da veracidade, pois as questões

levantadas sempre são consideradas provisórias. Os objetivos e funções são

necessários à descrição analítica e as hipóteses levantadas durante a análise

também são consideradas provisórias, dirigindo o trabalho para a busca de

confirmações. Objetivos e funções são necessários à descrição analítica e à

elaboração de sistematizações para descrever o conteúdo de uma mensagem.

Durante a análise do conteúdo dos dados, a categorização consistiu em

dividir os componentes das mensagens a partir de diferenciações e reagrupamentos

de elementos análogos, com o objetivo de facilitar a compreensão dos dados brutos.

Para delimitar as unidades de codificação e registro, procuramos subcategorias que

tivessem o máximo das seguintes qualidades: mutuamente exclusivas (um elemento

não poderia figurar em mais de uma delas); homogeneidade (cada subcategoria

possuía elementos afins); pertinência (existência de nexo entre os elementos

categorizados); fidelidade (as diferentes partes do mesmo material tiveram a mesma

codificação); produtividade (cada subcategoria produziu resultados importantes).

A organização da análise cumpriu três fases ordenadas cronologicamente:

pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados (onde ocorreram

inferências e a interpretações). Na pré-análise o material foi organizado para

favorecer a sistematização. Nessa fase, a partir da leitura dos documentos,

formulou-se algumas hipóteses e objetivos iniciais de exploração, do material,

elaborando indicadores para uma primeira interpretação.

Na pré-análise, os produtos e efeitos do trabalho foram simultaneamente

“[...] causas e produtores do que os produz [...]”, caracterizando um processo

recursivo (MORIN, 2006, p. 74). As escolhas de documentos possibilitaram

interpretar significados, originando novas formulações. No caso das entrevistas, o

contato com o documento e a pré-análise deram-se após as transcrições, quando da

organização das respostas para a tessitura das primeiras considerações, a partir da

leitura flutuante. Após esse contato com as transcrições para escolha do universo de

documentos e composição do corpus (conjunto de documentos a serem analisados),

constatou-se que a simples organização individual das entrevistas não seria o

57

procedimento ideal para a categorização. Após a primeira abordagem, a opção foi

estudar as respostas agrupadas de acordo com a sequência de perguntas da

entrevista.

Os arquivos com as respostas produziram textos nos quais manifestaram-se

indicadores, explicitados durante a análise. A escolha e organização desses

indicadores serão explicadas no capítulo dedicado à construção dos dados.

A organização para análise e codificação dos dados deu-se a partir da

ordenação das respostas em blocos e, na fase seguinte (a codificação), os dados

brutos das entrevistas foram transformados para expressão de seu conteúdo. O

procedimento seguiu a orientação de Bardin (2011): o recorte (e a escolha das

unidades); a enumeração (escolha das regras de contagem); a classificação e a

agregação (escolha das categorias).

As unidades de registro utilizadas foram as respostas dadas pelos

entrevistados, justamente a opção considerada melhor para iniciar a preparação do

material. Assim, a unidade de registro tratou o conjunto de respostas dadas a cada

questão. A escolha da unidade de registro e de contexto possibilitou categorizar e

contar frequências, embora esta última não fosse a principal intenção. Em cada

unidade de registro foram identificados conteúdos, a partir dos quais formulamos a

categorização.

Definida a unidade de registro, as unidades de contexto que serviram para

compreender e codificar as unidades de registro foram os recortes das declarações

dos alunos sobre cada tema. O próximo passo foi verificar a ausência e/ou presença

de elementos nas falas dos entrevistados, assim como a existência (ou não) de

repetições de termos nas declarações de diferentes indivíduos.

Ao categorizar, lança-se mão de processos de classificação para organizar

as informações em conjuntos de características comuns. As respostas dadas às

perguntas do questionário e da entrevista originaram as categorias e subcategorias.

As subcategorias utilizadas para classificar os dados são emergentes (FIORENTINI;

LORENZATO, 2006), recebendo essa denominação por serem estabelecidas

durante a organização e interpretação dos dados.

58

1.8 Considerações sobre o capítulo

Conforme já antecipado, a questão central desta tese é verificar como ocorre

a formação estatística de futuros Engenheiros de Produção. O engenheiro, por sua

vez, é um profissional que tem na Estatística um importante instrumento para aplicar

no seu campo de atuação. O desafio, portanto, é investigar a formação estatística de

estudantes de um Curso Superior na área de EP.

Até agora discorremos sobre o motivo da pesquisa, a obtenção do material

para o corpus do trabalho, da escolha da metodologia e da forma usada para

construir e descrever os dados. A partir da formulação do objetivo e da questão

central, temos as nossas questões norteadas pela Análise de Conteúdo, que além

de um procedimento metodológico, serve como elemento de ligação entre o

referencial teórico, a construção de dados e a elaboração das categorias de análise.

Antes de apresentar os dados e as categorias de análise, trataremos da

História das Engenharias e do conhecimento estatístico, tarefa dividida nos capítulos

2 e 3, que são complementares. O próximo capítulo foi reservado à apresentação de

aspectos históricos do conhecimento moderno e da origem da profissão de

Engenheiro. Discutiremos também algumas relações entre o Conhecimento

Moderno, a Revolução Industrial e o desenvolvimento de diferentes ramos das

Engenharias.

59

CAPÍTULO 2 - CONHECIMENTO MODERNO, AS ENGENHARIAS E A

ESTATÍSTICA.

Talvez não sejamos a medida de todas as coisas, como propôs o grego Protágoras, em tempos pré-

socráticos, mas somos as coisas que podem medir (Marcelo Gleiser).

2.1 Introdução

Este capítulo foi elaborado com o objetivo de apresentar algumas relações

entre o conhecimento moderno, a Estatística e a Engenharia. A partir do século

XVIII, após diversas transformações nas formas de tratar o conhecimento existente,

chegou-se a uma forma denominada de método científico.

Vários grupos sociais, em diferentes períodos, desenvolveram formas

distintas de formular conhecimento e disseminar saberes. Em seus primórdios, os

padrões matemáticos eram registrados e disseminados a partir do próprio local de

elaboração (MIORIM, 1998). São conhecidos registros matemáticos que datam de

aproximadamente cerca de 2400 antes de Cristo (DAVIS; HERSH, 1985).

Inicialmente, o conhecimento matemático e os saberes técnicos não eram

especializados, não havendo uma nítida separação entre o ambiente de criação, o

de registro e o de ensino. O afastamento entre a produção e o ensino da Matemática

ocorreu posteriormente, devido ao crescimento da quantidade e da complexidade de

saberes, além de mudanças nas condições sociais, econômicas e políticas em

determinados lugares e períodos históricos. No Egito governado pelos Faraós, por

exemplo, existiam sacerdotes, funcionários públicos, militares, artesãos,

comerciantes, camponeses e escravos, cada um deles exercendo papéis específicos

na sociedade da época. A partir da separação entre as atividades manual e

intelectual, passou a existir entre os povos da antiguidade uma intencional

diferenciação entre o ensino voltado para a prática cotidiana e aquele direcionado à

formação de uma elite dirigente.

60

2.2 A Revolução Científica e a Ciência Moderna

Henry (1998) considera que o ponto de partida para ocorrer a Revolução

Científica foi a Filosofia Natural. Os desdobramentos dos trabalhos de indivíduos

conhecidos como filósofos naturais representam a base para a elaboração do

Conhecimento Moderno e das diferentes Ciências, nos moldes em que são

atualmente desenvolvidas. As explicações que a Filosofia Natural dava para

diferentes fenômenos contou cada vez mais com a aplicação do conhecimento

matemático. Progressivamente foi-se criando condições para que a Matemática se

tornasse elemento de formulação e sustentação do discurso científico moderno.

A Revolução Científica foi, na verdade, uma teia de eventos com auge no

século XVII, na Europa Ocidental. Foram alterados métodos de elaborar

conhecimentos e legar novos saberes à posteridade. Entraram em cena pensadores

como Galileu, Descartes, Leibniz e Newton que, por meio de seus trabalhos,

consolidaram de vez a quantificação como instrumento científico. O conhecimento

matemático tornou-se um meio de descrição de fenômenos e resolução de

problemas, combinando experimentação, dedução e conhecimento matemático.

Com isso, rompe-se

[...] com a barreira existente entre a tradição artesanal e a culta, entre a razão e a experiência, [...] as matemáticas passaram a desempenhar um novo e importante papel: o de ferramenta necessária à explicação dos fenômenos [...] como elemento fundamental para a formação, comprovação e generalização de resultados que podem, ou não, ser confirmados na prática (MIORIM, 1998, p. 41).

Nessa ruptura, homens que inicialmente eram filósofos da natureza levaram

parte do mundo a modificar suas formas de ver o universo, descrevendo-o e o

compreendendo por meio do uso de conhecimento matemático. Os fenômenos

passam a ter outro padrão para descrevê-los, por meio de fórmulas e aplicações

numéricas. A Matemática passou a ser um instrumento para atribuir precisão na

descrição de fenômenos, certificando e validando novos saberes.

A inserção cada vez maior de instrumentos matemáticos em diferentes

campos impulsionou seu desenvolvimento. A cumulatividade da Matemática, por sua

vez, acarretou um novo problema para o profissional da área: ele trabalha com uma

quantidade crescente de saberes, o que o impossibilita de dominar cada setor da

61

Ciência e conhecer detalhadamente seus conteúdos. Isso fez com que cada

diferente setor da Matemática crescesse, guardando ou não relações com os

demais.

O progressivo destaque do conhecimento matemático na Ciência Moderna

suscitou discussões sobre a legitimidade de seu alcance. Para Santos (2004), a

relação entre Ciência Moderna e Matemática vai além do fato desta servir de

instrumento para desenvolver o conhecimento de outros campos. Ela tornou-se guia

de conduta em setores que, originalmente, dela não se utilizavam. Além disso, a

Matemática propicia à Ciência Moderna uma lógica investigativa, um modelo de

representação de estruturas e um

[...] instrumento privilegiado de análise [...] deste lugar central da matemática na ciência moderna derivam suas consequências principais [...] conhecer significa quantificar [...] as qualidades intrínsecas do objecto são [...] desqualificadas e em seu lugar passam a imperar quantidades em que eventualmente se podem traduzir. O que não é quantificável é cientificamente irrelevante [...] o método científico se assenta na redução da complexidade [...] conhecer significa dividir e classificar para depois poder determinar relações sistemáticas entre o que se separou [...] (SANTOS, 2004, p. 26 e 27).

O quadro de relações criado a partir da Revolução Científica foi

posteriormente reforçado pelo Positivismo e o conhecimento matemático tornou-se

elemento centralizador do discurso científico. A quantificação adotada como

sinônimo de excelência na redação do discurso científico ultrapassou o ponto de

elemento disponível para a resolução de problemas. Ao descrever fenômenos não

matemáticos, transformou-se em instrumento de reducionismo, adentrando o

discurso científico moderno para simplificar e formular leis descritoras de fenômenos

naturais.

Dentro do conhecimento científico moderno, a quantificação passou a ser

um instrumento para elaborar regras em diferentes contextos, como quando se aliou

à Estatística na busca de leis simplificadas, objetivando descrever comportamentos

de grupos sociais. Fenômeno análogo ocorreu no relacionamento da Matemática

com a Física.

62

2.3 A Revolução Industrial e a organização das cadeias produtivas

Conforme Germer (2009) e Barros (2012), o conceito de modo de produção

é uma elaboração marxista que designa a maneira pela qual um grupo social se

organiza para produzir meios de atender as suas necessidades materiais. Esse

conceito constitui-se em um conjunto de relações segundo as quais uma sociedade

produz, distribui e utiliza as mercadorias e a prestação de serviços. Trata-se de um

instrumento criado com objetivo de compreender a realidade, orientando a análise

das relações sociais e, ao longo do tempo, passou por reelaborações feitas por

historiadores que presenciaram mudanças socioeconômicas (BARROS, 2012).

Basicamente, o pensamento marxista considera a História feita por pessoas

reais, atuando de acordo com suas condições materiais de vida. Os grupos sociais

são constituídos, portanto, por atores históricos que formulam concepções de mundo

em decorrência da sua prática material. Uma vez que os seres humanos necessitam

de meios para suprir suas necessidades, tornam a própria vida associada às

condições materiais de produção para a subsistência. Assim, os indivíduos

participantes da vida econômica de uma sociedade encontram-se envolvidos em

relações de produção, distribuição e consumo. Além da prestação de serviços,

também são consideradas atividades econômicas o extrativismo, a agricultura e a

produção industrial. Em uma sociedade, o modo de produção é formado pelas suas

forças de produção, organizadas de acordo com determinadas relações de

produção, que correspondem às ligações entre os elementos envolvidos no

processo produtivo.

As forças produtivas são compostas pelos meios de produção, a força de

trabalho e os elementos necessários ao processo de produção. Nelas estão

incluídos o local físico da produção, os meios utilizados no processo produtivo e a

força de trabalho. No exemplo da indústria, os meios de produção constituem-se em

recursos como ferramentas, maquinaria, matéria-prima e instalações. A força de

trabalho é formada por força física, habilidades e conhecimento técnico dos

produtores. A partir da Revolução Industrial, progressivamente, os donos dos meios

de produção têm se apropriado tanto do conhecimento técnico quanto do científico,

tornando-os, dessa forma, elementos associados à cadeia produtiva (via

aperfeiçoamento de máquinas e de processos produtivos).

63

Quando a propriedade dos meios produtivos é privada, os indivíduos

possuem somente a força de trabalho para oferecer. A característica principal do

modo de produção capitalista é o trabalho assalariado, e as relações de produção

baseiam-se na propriedade privada dos meios de produção pela classe social

dominante, a burguesia. No capitalismo, trabalhadores e burguesia são classes

sociais antagônicas em relação à propriedade do modo de produção.

Ao longo do tempo, portanto, as relações de produção se alteram conforme

as forças produtivas desenvolvem-se, ajustando-as ao modo e às relações de

produção. Ao mesmo tempo, diferentes formas de expressão cultural, ideológica, de

elaboração do conhecimento e de técnicas, também podem promover

transformações sobre as estruturas sociais existentes. Um exemplo é o domínio de

técnicas agrícolas e de pastoreio, que contribuíram para a fixação de grupos sociais

em determinados territórios. Com isso, não foi mais necessário deslocar populações

em busca de alimentos.

A História, portanto, é feita pela sucessão de modos de produção e a

sociedade capitalista é fruto de um desenvolvimento histórico, resultante do

relacionamento do ser humano com as suas formas de produzir. Por outro lado, o

capitalismo é o primeiro modo de produção da História em que existe a

intencionalidade da inovação tecnológica, o instrumento com o qual se procura

vencer a concorrência no mesmo setor produtivo. Enquanto a quantidade de

inovações aumenta e acirra-se a competição, mais complexa torna-se a tecnologia e

maior é a velocidade com que ocorrem as inovações (GERMER, 2009).

2.4 As Engenharias e a Ciência Moderna

Cunha (2002) esclarece funções e modos de atuação da EP e da formação

do Engenheiro de Produção. Seu trabalho apresenta as diretrizes curriculares e as

habilitações previstas nessa área. Também trata da especialização da referida

profissão, surgida no decorrer do Século XX, em decorrência do avanço da

organização das cadeias produtivas na indústria.

Desde os primeiros passos da Revolução Industrial, a organização da

empresa industrial evoluiu, buscando níveis cada vez maiores de produtividade. Os

64

esforços iniciais focalizavam o processo de produção e as Engenharias, de uma

forma geral, tratavam de conceber e pôr em funcionamento os meios de fabricação

industrial. Posteriormente, veio o aperfeiçoamento dos processos de produção, a

partir da mecanização do trabalho, com o uso intensivo de máquinas. Nesse

momento, as atenções voltaram-se para a organização do chamado chão-de-fábrica,

visando o aumento da rentabilidade dos investimentos. Evoluíram as abordagens

relacionadas à logística de produção, com o surgimento do Taylorismo, introduzindo

a noção de otimização do trabalho. O passo posterior dessa evolução da produção

industrial foi dado após a Segunda Guerra Mundial, objetivando o aperfeiçoamento

do produto.

Paralelamente à demanda cada vez maior pela melhoria da qualidade dos

produtos ocorreu a massificação da informação e da automatização de maquinário e

equipamentos, facilitado pelo avanço da informatização. Portanto, existe um histórico

por trás do desenvolvimento das Engenharias, e o seu ensino acompanhou os

avanços dos processos industriais.

Até a Revolução Industrial (CUNHA, 2002), a Engenharia era subdividida em

dois ramos: o militar e o civil. O próprio caráter evolutivo das Engenharias levou ao

surgimento de outros, tais como Mecatrônica, Telecomunicações e Alimentos,

gerando ramos cada vez mais especializados. A evolução do conhecimento e as

novas subdivisões que surgiram, por exemplo, Mecânica, Elétrica e de Minas, foram

acompanhadas por mudanças no ensino. A EP nasceu voltada para o

desenvolvimento de métodos e técnicas, com objetivo de otimizar a utilização dos

recursos produtivos, buscando a constante evolução da gestão dos meios de

produção.

O perfil do egresso da graduação em EP é o de um profissional conhecedor

de técnicas de otimização e que, ao mesmo tempo, organiza a gestão da produção.

Além disso, deve ser capaz de estabelecer interfaces entre diferentes áreas e

sistemas técnicos e entre essas áreas e os setores administrativos na empresa.

Sendo assim, deve ser apto a decidir de forma coerente a adoção de abordagens

gerenciais sem que, entretanto, descuide dos sistemas técnicos. Também deve

manter vivo o espírito de solucionador de problemas, sendo este um comportamento

considerado típico dos engenheiros.

65

A atuação do Engenheiro de Produção contempla seu envolvimento com

seres humanos, materiais, tecnologias de informação e utilização de energia. Ele

deve especificar, prever e avaliar os resultados da produção, além de prestar contas

diante de diferentes grupos sociais. Também é responsável por avaliar a produção

frente a questões ambientais. Para isso, utiliza princípios e métodos de análise de

projetos de Engenharia, aliado a conhecimentos de Estatística, Matemática, Física e

Ciências Humanas e Sociais.

O Engenheiro de Produção deve ser capaz de utilizar ferramentas

matemáticas e estatísticas para modelar sistemas de produção, prevendo a

evolução dos cenários produtivos. Além disso, deve ter a capacidade de

compreender sob quais formas os sistemas de produção se inter-relacionam com o

ambiente, tanto em situações de escassez de recursos quanto à consideração do

destino final de resíduos e rejeitos. É possível verificar que aspectos econômicos,

sociais e ambientais no exercício da profissão acabam imprimindo um viés social à

atuação do Engenheiro de Produção, mesmo que o profissional não perceba isso.

A proposta para a criação da Grande Área e Diretrizes Curriculares para a

Engenharia de Produção, divulgada em 2001, começou a ser elaborada nas

reuniões do grupo de trabalho de graduação em EP da ABEPRO, promovidas em

1997 e 1998. Essa proposta apresenta uma lista de competências necessárias ao

exercício da profissão de Engenheiro de Produção. Ei-las:

1. Ser capaz de dimensionar e integrar recursos físicos, humanos e financeiros a fim

de produzir, com eficiência e ao menor custo, considerando a possibilidade de

melhorias contínuas;

2. Ser capaz de utilizar ferramental matemático e estatístico para modelar sistemas

de produção e auxiliar na tomada de decisões;

3. Ser capaz de projetar, implementar e aperfeiçoar sistemas, produtos e processos,

levando em consideração os limites e as características das comunidades

envolvidas;

4. Ser capaz de prever e analisar demandas, selecionar tecnologias e know-how,

projetando produtos ou melhorando suas características e funcionalidade;

66

5. Ser capaz de incorporar conceitos e técnicas da qualidade em todo o sistema

produtivo, tanto nos seus aspectos tecnológicos quanto organizacionais,

aprimorando produtos e processos, e produzindo normas e procedimentos de

controle e auditoria;

6. Ser capaz de prever a evolução dos cenários produtivos, percebendo a interação

entre as organizações e os seus impactos sobre a competitividade;

7. Ser capaz de acompanhar os avanços tecnológicos, organizando-os e colocando-

os a serviço da demanda das empresas e da sociedade;

8. Ser capaz de compreender a interrelação dos sistemas de produção com o meio

ambiente, tanto no que se refere a utilização de recursos escassos quanto à

disposição final de resíduos e rejeitos, atentando para a exigência de

sustentabilidade;

9. Ser capaz de utilizar indicadores de desempenho, sistemas de custeio, bem como

avaliar a viabilidade econômica e financeira de projetos;

10. Ser capaz de gerenciar e otimizar o fluxo de informação nas empresas utilizando

tecnologias adequadas.

Nesse documento, também consta uma série de habilidades, listadas a

seguir:

Compromisso com a ética profissional;

Iniciativa empreendedora;

Disposição para auto-aprendizado e educação continuada;

Comunicação oral e escrita;

Leitura, interpretação e expressão por meios gráficos;

Visão crítica de ordens de grandeza;

Domínio de técnicas computacionais;

Domínio de língua estrangeira;

Conhecimento da legislação pertinente;

Capacidade de trabalhar em equipes multidisciplinares;

Capacidade de identificar, modelar e resolver problemas.

67

Compreensão dos problemas administrativos, sócio-econômicos e do meio

ambiente;

Responsabilidade social e ambiental;

Pensar globalmente, agir localmente;

A lista de habilidades é seguida por outra, na qual constam os conteúdos

básicos, que devem ser comuns a todas as Engenharias. Dentre elas, constam

Matemática e Probabilidade e Estatística.

Por outro lado, a Resolução CNE/CES10 11, de 11 de março 2002, instituiu

as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Engenharia. No

artigo 4º são listadas as seguintes competências e habilidades gerais:

I - aplicar conhecimentos matemáticos, científicos, tecnológicos e instrumentais à

engenharia;

II - projetar e conduzir experimentos e interpretar resultados;

III - conceber, projetar e analisar sistemas, produtos e processos;

IV - planejar, supervisionar, elaborar e coordenar projetos e serviços de engenharia;

V - identificar, formular e resolver problemas de engenharia;

VI - desenvolver e/ou utilizar novas ferramentas e técnicas;

VI - supervisionar a operação e a manutenção de sistemas;

VII - avaliar criticamente a operação e a manutenção de sistemas;

VIII - comunicar-se eficientemente nas formas escrita, oral e gráfica;

IX - atuar em equipes multidisciplinares;

X - compreender e aplicar a ética e responsabilidade profissionais;

XI - avaliar o impacto das atividades da engenharia no contexto social e ambiental;

XII - avaliar a viabilidade econômica de projetos de engenharia;

10 CNE: Conselho Nacional de Ensino; CES: Câmara de Ensino Superior.

68

XIII - assumir a postura de permanente busca de atualização profissional.

O parágrafo primeiro do artigo 5 apresenta explicitamente que durante o

curso do aluno deverá elaborar trabalhos de síntese, que e integrem os

conhecimentos adquiridos.

Em relação à proposta da ABEPRO há uma diferença entre os conteúdos

científicos do núcleo básico da Resolução do Ministério da Educação (MEC). No

parágrafo primeiro do artigo 6 consta apenas Matemática. Probabilidade e Estatística

não é citada como conteúdo específico que caracterize a área.

A necessidade de compreender diferentes tipos de problemas

(administrativos, socioeconômicos e ambientais), além de sua responsabilidade

social e ambiental, requerer do egresso o reconhecimento de sua importância dentro

da sociedade à qual pertence. Dessa forma, o Engenheiro de Produção é um

profissional de quem se espera o desenvolvimento de múltiplos e diferentes saberes,

não lhe cabendo uma formação fragmentada. Portanto, o conhecimento científico

necessário à sua formação deve capacitá-lo a agir tanto em relação às tecnologias

quanto frente à sociedade da qual participa.

2.5 Alguns elementos dos desenvolvimentos histórico e sociológico da

Estatística

A partir de seu desenvolvimento histórico, a Estatística apresenta-se como

Ciência, cujos primeiros indícios, de acordo com Bayer et al (2013), remontam à fase

embrionária da Matemática. Nos dias atuais ela possui, entre suas aplicações, a

formulação de políticas públicas e projeções econômicas. Além disso, subsidia a

elaboração de hipóteses em pesquisas acadêmicas, ajudando a construir nossa

percepção da realidade.

Existe um aspecto importante do ponto de vista histórico: a partir do

momento em que diferentes populações passaram a ser vistas como recursos

fundamentais de poder do Estado, começou a existir interesse dos governos locais

em desenvolver e controlar saberes específicos. Por conseguinte, era necessário

capacitar os administradores a descreverem a movimentação e a composição dos

estratos sociais nos territórios. Isso fez das estatísticas um elemento vital para a

69

construção dos espaços que o estadista deveria conhecer para melhor agir. Daí a

necessidade de acesso a esta área do conhecimento, pelo menos por uma parcela

da sociedade, sem que necessariamente todos os indivíduos assim o façam, já que

as estatísticas se tornaram uma tecnologia de governo.

O desenvolvimento do conhecimento estatístico em diferentes locais e

épocas ocorreu paralelamente à presença dos primeiros trabalhos matemáticos.

Diferentes métodos de contagem, formas de armazenar dados e os propósitos de

levantá-los foram elementos de uso comum aos dois campos (MARTIN, 2001). Os

primeiros levantamentos estatísticos conhecidos da Idade Antiga ocorreram em

territórios como Egito, Mesopotâmia e China (grandes impérios da Antiguidade com

fortes estruturas administrativas) e apresentaram características próprias. Os

poderes imperiais locais eram centralizados, e existia a necessidade de se conhecer

as características do território e da população. Isso era importante tanto por motivos

estratégicos de defesa quanto pela necessidade de planejar a produção de

alimentos. Portanto, esses levantamentos estatísticos foram complexas atividades

de estado, invariavelmente marcadas pela utilização do método de contagem

concebido localmente.

Desde os primeiros censos demográficos, as populações desconfiavam dos

objetivos militares e fiscais dos estados. Na Europa, o temor do recenseamento foi

um forte aliado da presença política da Igreja Católica, que se opunha a essa

atividade. A fragmentação e a fragilidade dos Estados durante o predomínio feudal

também dificultaram a realização de sensos demográficos na Idade Média. Esses

obstáculos só começaram a ser vencidos por volta do século XVII, com o

fortalecimento dos estados nacionais na Europa. Os censos do século XVII tinham

como objetivo contabilizar os homens e os seus bens materiais. Os objetivos da

época eram de caráter administrativo ou militar e, “[...] em certos aspectos, tratava-

se mesmo de um instrumento de polícia, porque, até então, [...] o estabelecimento

de conhecimentos científicos não era sua finalidade” (MARTIN, 2001, p.14).

A consolidação da Estatística como campo de conhecimento específico

tem como importante marco: a criação, em 1708, daquele que é formalmente

considerado o primeiro curso de Estatística no Ocidente, na Universidade de Iena,

Alemanha (BAYER et al., 2013). Em relação ao Brasil, segundo a Universidade

70

Federal do Rio Grande do Norte (UFRN, 2013), os primeiros cursos superiores

dedicados ao conhecimento estatístico datam de 1953, com a implantação de dois

cursos. Um deles foi estabelecido na Escola Nacional de Ciências Estatísticas (na

ENCE), à época, no Rio de Janeiro, então Distrito Federal. O outro funcionava na

Escola de Estatística da Bahia, mantido pela Fundação Visconde de Cairu, em

Salvador.

A partir desses dados, pode-se verificar algumas características da

Estatística em relação ao tempo decorrido em seu desenvolvimento histórico: 1) os

primeiros passos foram dados na Antiguidade, junto com o desenvolvimento da

Matemática; 2) a consolidação dos censos estatísticos inicia-se no século XVII; 3) o

ensino da Estatística passa a ser formalmente organizado em instituições de Ensino

Superior, no Ocidente, há pouco mais de 300 anos (particularmente no Brasil, há

pouco mais de 60 anos). Desse modo, em se tratando da formalização do ensino de

Estatística e de seu desenvolvimento no campo científico nos moldes atuais

apresentam-se muito recentes em termos históricos, ocorrendo em meio à

consolidação do pensamento científico moderno. Este, por sua vez, contribuiu com a

simplificação de raciocínios e com a separação de diferentes aspectos do mesmo

objeto em relação às formas de proceder.

Quanto às modificações dos processos de trabalho estatístico a partir do

século XVII, devem ser consideradas em meio a uma série de fatos que alteraram

profundamente as Ciências ao longo dos séculos XVIII, XIX e XX. O conhecimento

empírico acumulado levou à necessidade de organizar e sintetizar métodos de

trabalho em diferentes campos. As aproximações entre os olhares de diversos

especialistas e o cruzamento de suas diferentes metodologias de trabalho

originaram uma nova modalidade científica: a Estatística como instrumento científico

moderno.

Além de avanços na Matemática e no campo das Probabilidades (que

impulsionaram a Estatística) na França, na Inglaterra e na Alemanha, passam a ser

publicadas obras dedicadas à abordagem do conhecimento probabilístico. As

abordagens dadas nesses três países são a origem da Estatística nos moldes

atuais. Com isso, surgiu a necessidade de padronizar os processos estatísticos,

gerando um campo de trabalho diferente, tanto da Matemática quanto das técnicas

71

de levantamentos demográficos existentes. As primeiras mudanças ocorreram com o

desenvolvimento da Estatística Descritiva, que trata da elaboração de instrumentos

de organização, comparação e compreensão de dados. Esta, por sua vez, é uma

disciplina presente em diversos cursos de graduação em Engenharia no Brasil

contemporâneo.

No período correspondente aos séculos XVIII e XIX, a Sociologia era uma

Ciência que começava a destacar-se como campo de estudos específicos, tendo

sua constituição apoiada na Estatística. A partir de então, iniciou-se uma mútua

impregnação entre Sociologia e Estatística, com esta última Ciência constituindo-se

em elemento importante das Ciências Sociais então emergentes. A Estatística

avançou como um conhecimento capaz de descrever fenômenos sociais e, ao

mesmo tempo, a Sociologia contribuiu para desenvolver procedimentos estatísticos

e criar categorias para normatizar e homogeneizar os métodos estatísticos. Além

disso, essas categorias também servem para enumerar, classificar e verificar o que

é norma e o que dela se desvia dentro de grupos sociais (MARTIN, 2001).

2.6 O conhecimento científico diante aos movimentos da sociedade

As formalidades de uma área de conhecimento e a linguagem utilizada em

seus trabalhos devem ser consideradas quando a objetividade e a subjetividade

científicas se confrontam. Essa é a razão pela qual a linguagem utilizada em

trabalhos científicos e comunicação de resultados é contaminada por elementos

desconhecidos pelo próprio profissional (DEMO, 2000). Feyerabend (2007) afirma a

existência de uma ideia arraigada na tradição das Ciências Naturais: considerar que

os sentidos utilizados nas observações, em condições de desempenho normal,

fornecem dados confiáveis. Tal ideia pode impregnar a linguagem científica, afetar

as noções de verídico e ilusório, amplamente utilizadas, influenciando as escolhas

de metodologias de trabalho. A ideia de que primeiramente o pesquisador observa e

depois descreve o percebido tratar-se-ia, portanto, de uma situação abstrata e de

caráter psicológico, constituindo-se em outra forma de fragmentação.

A descrição e o objeto descrito são elementos indissociáveis, envolvidos na

narração do que se percebe, a partir de uma linguagem pré-existente, reconhecida

pelo pesquisador. Mesmo porque não faz sentido “[...] recorrer à observação se não

72

se sabe descrever o que se vê [...] como se se tivesse acabado de aprender a

linguagem na qual ela é formulada [...]” (FEYERABEND, 2007, p. 95). Ao descrever

uma observação e apresentar seus resultados, a linguagem científica é utilizada em

associação com uma linguagem não científica.

Pode-se dizer, portanto, que a percepção do objeto descrito depende da

forma pela qual o indivíduo internaliza os resultados, gerando relações e

propriedades durante a descrição do que se considera verdadeiro. Mesmo cercada

de regras e critérios técnicos, a escolha do objeto e das formas de descrevê-lo são

também carregadas de subjetividades, impregnando a cadeia de produção de

dados.

A ideia de contaminação da linguagem científica é partilhada por Demo

(2000) e Feyerabend (2007). Ambos consideram que escolhas subjetivas também

afetam o conhecimento racionalmente determinado. Isso deixa evidente que é

inconsistente defender a Ciência como elaboração exclusiva, feita a partir de

instrumentos puramente racionais e isentos de preferências.

Mesmo cercada de critérios técnicos, a escolha de como divulgar resultados

estatísticos também pode ser subjetiva. A subjetividade, por sua vez, é agregada ao

longo de uma cadeia de processamento de números e, segundo

[...] números, tabelas [...] classificações, são tomados como realidade do quadro que descrevem, o que é indispensável para os discursos de verdade que sustentam, incluindo aí a construção dos conceitos científicos. Graças à linguagem bastante estável e amplamente reconhecida das estatísticas, confundem-se realidade e convenção [...] (CAMARGO, 2009, p. 914).

Ao mesmo tempo em que a convenção pode ser confundida com a

realidade, a linguagem estável do discurso científico também pode ser utilizada para

naturalizar fatos que são, na realidade, construídos por um grupo social restrito.

Outro aspecto da Estatística são seus elementos de aleatoriedade, pois ela também

se apoia no cálculo de Probabilidades. Por isso é necessário considerar a presença

da incerteza e da aleatoriedade, não se podendo afirmar e evidenciar por si mesmo

o discurso da Estatística como Ciência exata, imparcial, essencialmente racional e

isenta de subjetividades.

73

Skovsmose (2007, p. 71) considera importante compreender as dinâmicas

dos usos do conhecimento dentro da sociedade. Ele argumenta que apenas na

solidão e isolamento dos locais de pesquisa, “[...] quando a Matemática é posta em

ação, é fácil agir como se o que ela apenas re-apresenta fosse de fato uma

representação [...]” (grifo do autor). Não se deve, portanto, exacerbar as

potencialidades abertas pelo uso do conhecimento matemático, o que também pode

ser estendido à Estatística. Não se pode delegar ao conhecimento a autoridade de

decisão final sobre as soluções que devem ser dadas a diferentes problemas. Se o

conhecimento matemático pode ser pensado como capaz de dar forma a

experiências cotidianas e ao convívio dentro da sociedade, ao mesmo tempo pode-

se levantar alguns questionamentos. Por exemplo:

[...] a matemática oferece uma maneira conveniente de ver o mundo, na medida em que estruturas materiais tornam-se espelhadas por estruturas matemáticas? Ou estamos lidando com um sofisticado exemplo de projeção de estruturas matemáticas sobre o mundo, de tal modo que ele aparenta ser formado por estruturas matemáticas? Estamos confundindo propriedades matemáticas projetadas com propriedades do mundo material? [...] (SKOVSMOSE, 2008, p. 92).

De forma semelhante ao que ocorre com o conhecimento matemático, a

utilização da Estatística no cotidiano tem servido para moldar visões de mundo. Uma

delas ocorre ao pensá-la como instrumento neutro, objetivo e racional. Existe o risco

de se considerar o mundo administrável a partir da utilização massiva do

conhecimento científico. A intenção é criar uma visão unificada, deixando cada vez

mais os posicionamentos pessoais de lado, abandonando valores sociais

importantes, os quais acabam sendo deixados de lado pelo conhecimento científico

moderno. Um exemplo disso é a preocupação com os rumos da ética na utilização

do conhecimento. Essas interrogações podem ser estendidas à realidade de

atuação de um Engenheiro de Produção. Existiria o homem médio operário

concebido por Adolphe Quételet11 na concretude de uma linha de produção? O

tratamento estatístico dos dados referentes ao desempenho desse operário seria

uma forma de observar sua produtividade ou moldaria um objetivo conveniente ao

capital? O cotidiano de um Engenheiro de Produção é determinado por parâmetros

estatísticos ao invés deles serem apenas mais um instrumento disponível para o seu

11 * 1796; † 1874. A ele é atribuída a criação do termo “homem médio”.

74

trabalho? As atividades econômicas e os fenômenos sociais e naturais presentes

dentro ou fora da fábrica são determinados ou descritos estatisticamente?

2.7 Considerações sobre o capítulo

Neste capítulo foi apresentada parte da evolução da Engenharia, sendo visto

que, a partir do século XIX, as Ciências desenvolveram diferentes técnicas,

especializando-se cada vez mais e rapidamente. Em meio a tal cenário, a

Engenharia iniciou seu processo de dispersão em diversos ramos, passando por

mudanças ainda mais aceleradas no século XX, gerando o atual quadro de

especialização.

Também vimos que, paralelamente ao desenvolvimento técnico e científico,

a Matemática e a Estatística tornaram-se linguagens cada vez mais utilizadas para a

resolução de problemas e expressão de resultados de pesquisas em outros campos.

Neste capítulo foi apresentado parte do desenvolvimento histórico e sociológico da

Estatística que, como campo de pesquisa independente, possui pouco mais de

trezentos anos, sendo que, nesse intervalo, passou por importantes transformações

de conceitos, procedimentos e aplicações.

Resta-nos discutir as implicações que o quadro de transformações do

conhecimento científico, fragmentado e simplificado, representa para a Educação. O

próximo capítulo também será dedicado ao exame das consequências da

concepção moderna de Ciência e propostas de reconciliar o conhecimento com a

sua complexidade, incluindo as que dizem respeito ao ensino de Estatística.

75

CAPÍTULO 3 - O ENSINO DE ESTATÍSTICA NO NÍVEL SUPERIOR

É um erro conferir ao conhecimento científico real um único sentido. Para apreendê-lo em sua função

dinâmica, é preciso ter a coragem de colocá-lo em no seu ponto de oscilação

(Gaston Bachelard).

3.1 Introdução

Ao fim do século XIX e início do século XX, em meio a mudanças

socioeconômicas na Europa (continente em acelerada fase de industrialização),

ocorreu uma divisão entre campos científicos. Vivia-se tempos em que se cultivava

uma grande expectativa acerca do conhecimento científico. Em decorrência dos

avanços das Ciências, acreditava-se possível solucionar os problemas existentes e

melhorar as condições econômicas e sociais.

A influência do pensamento positivista fez-se presente na tendência em

assumir um posicionamento epistemológico, segundo o qual reflexões e críticas

deveriam recair sobre a validade ou não das descobertas de então. Deixou-se de

lado o debate sobre as consequências sociais e éticas, em detrimento dos avanços

científicos. Ao mesmo que tempo surgiam diversas especializações, os currículos

foram revistos para que fossem adequados às necessidades tecnológicas da época.

O ideal de formação técnico-científico passou a ser o sujeito especializado, com seu

profissionalismo a serviço dos ideais de sua própria comunidade. O ensino científico

passou por reformulações e, com o advento da Era Espacial12, as discussões sobre

a necessidade de alterar o ensino de Matemática ganharam impulso.

O presente capítulo começa com uma discussão sobre algumas

consequências da fragmentação do conhecimento decorrentes da influência do

pensamento moderno. Logo, verificamos que, na Educação, os saberes e currículos

acabaram fragmentados. Também foram apresentadas evidências de relações de

poder por trás da elaboração curricular. Surgem ainda alguns pensadores que se

contrapõem à Educação guiada por uma concepção moderna de conhecimento. Ao

12 Iniciada com o lançamento do satélite soviético Sputnik 1.

76

final do capítulo são apresentados princípios da Educação Crítica e alternativas à

abordagem tradicional.

3.2 A fragmentação do conhecimento: algumas consequências.

As formas de desenvolver o conhecimento foram impactadas principalmente

pela expansão da quantidade de campos científicos a partir do século XIX. Além

disso, “[...] o prodigioso enriquecimento das variadas tecnologias de pesquisa tem

por contrapartida a multiplicação de tarefas e o advento da especialização [...]”

(FAZENDA, 2002, p. 26), o que influencia a formação para o exercício de diversas

profissões. Esse desenvolvimento em meio à crescente especialização ocorreu com

base no primado da análise em relação à síntese, de acordo com padrões

determinados pelo que se convencionou chamar de Ciência Moderna. Uma

consequência da radical especialização foi a formação de um indivíduo que tende a

agir mecanicamente, esquecendo a própria condição de elemento na sociedade.

Sabe-se que todo conhecimento tem de ser organizado, demandando

seleção de dados significativos, por meio de algum critério. Deixa-se de lado o que

não tem significado, enquanto as informações, por núcleo de interesse continuam

sendo organizadas. Nessa organização existe uma determinada lógica que,

comandada por paradigmas, de alguma forma orienta a nossa visão dos objetos,

das pessoas e do mundo. Sendo assim, todo e qualquer paradigma carrega em si

significados culturais e históricos. No caso da Ciência Moderna, esse fato acarretou

uma série de problemas para a elaboração do conhecimento, tornado

excessivamente simplificado. Dessa forma, ao invés de esclarecer, o que era

produzido resultava em não domínio do assunto, pois a construção de saberes

ocorria apenas para “[...] dissipar a aparente complexidade dos fenômenos, a fim de

revelar a ordem simples a que eles obedecem” (MORIN, 2006, p. 5).

Nesse momento, submeteu-se excessivamente o conhecimento a uma

tríade composta de disjunção, redução e abstração. Tal quadro levou o ser humano

à patologia do saber e a uma consequência ainda mais grave: o desenvolvimento de

uma inteligência cega, separando a Filosofia e a Ciência. As consequências disso

foram mais intensamente discutidas no século XX, e esse distanciamento privou a

Ciência das reflexões sobre si mesma, isolando radicalmente as Ciências Exatas

77

das Ciências Naturais e Humanas. Havia ainda o agravante da Ciência perder “[...]

sua capacidade de controlar, prever e até mesmo conceber seu papel social, em sua

incapacidade de integrar, articular, refletir sobre seus próprios conhecimentos [...]”

(MORIN, 2006, p. 52).

Feyerabend (2007) foi um autor considerado controverso por seus

contemporâneos, por considerar a que a Educação Científica simplifica, delimita e

determina campos excessivamente específicos. Entre outros argumentos, considera

que a distância entre a História e o treinamento científico condicionam seus

participantes à lógica de cada setor. Também afirma que o conhecimento moderno

não se desenvolveu harmoniosamente, inspirado em experimentos capazes de

descrever e descobrir dados que desvelam a ordem racional do universo, em meio a

um caos aparente. Considera necessário relativizar o potencial explicador atribuído

ao conhecimento científico, alertando para o fato de que as formas de elaboração e

disseminação dos saberes também ocultam intenções e relações de poder.

Um discurso próximo ao de Feyerabend (2007) é o de Demo (2000), que

lembra o fato de, ao passar a teoria dominante, uma proposta metodológica leva

diferentes campos científicos a alinharem-se metodologicamente com ela. Alguns

temas passam à preferência em detrimento de outros e, dessa forma, o

conhecimento se encontra em redes de interações, com os fios dessa trama

tensionados por diferentes interesses nas comunidades científicas. Mas, a

prevalência do pensamento científico ocidental sem a crítica necessária de métodos

e conteúdo proporciona o chamado “chauvinismo científico” (FEYERABEND, 2007,

p. 67), um dos responsáveis por afastar elementos tradicionais de uma cultura. Para

ele, se o conhecimento científico é absorvido de forma incontestada, cada nova

geração tende a reconhecer como justa a superioridade material e intelectual do

Ocidente. Portanto, os problemas históricos de uma Ciência não constituem dados

acessórios. Sendo assim, a presença da história da disciplina científica no currículo

ajudaria os educandos a compreenderem as maneiras pelas quais as teorias

evoluíram e chegaram ao estágio atual, mostrando que o ser humano deve ser um

elemento decisivo na evolução do conhecimento.

Como se sabe, a produção do conhecimento vem sendo desenvolvida ao

longo de períodos históricos em diferentes locais e por indivíduos que têm visões de

78

mundo totalmente diferentes. Por isso é que conflitos e contradições estão presentes

nessa constituição teórica, como resultado de processos históricos, heterogêneos e

complexos. É quando surgem tanto concepções inovadoras (que podem ser

consideradas incoerentes) quanto sistemas teóricos complexos e formas de

pensamento consolidadas. Portanto, ao confrontar a hipótese de um desses

teóricos, é necessário considerar o contexto do local e da época da formulação de

sua hipótese - ou tese, pois visões de mundo demandam tempo para

estabelecerem-se e/ou serem superadas.

As bases sobre as quais o conhecimento ergue-se também não são

atemporais, livres de aspectos linguísticos, sob os quais os enunciados são

redigidos, além de não estarem isentas das formas de pensar dos respectivos

elaboradores. Então, ao argumentarmos cientificamente, é necessário utilizar

afirmações ainda não validadas, pois é impossível passar cada objeto em estudo por

uma cadeia de definições e explicações de outrem. Há ainda a questão de que um

discurso em estágio inicial incorpora argumentações já disponíveis, muitas vezes

sem questionar o que se utiliza (DEMO, 2000). Um exemplo dessa realidade é a

formalização das teorias matemáticas e a necessidade de tornarmos consistentes

alguns de seus enunciados. Geralmente essas elaborações começam com a

escolha de conceitos primitivos (que não são definidos para evitar raciocínios

circulares) e continuam com a redação dos axiomas (enunciados considerados

verdades, sem que tivessem sido demonstrados), buscando-se atribuir sentido aos

conceitos primitivos.

Sendo assim, por existirem termos não definidos articulados em enunciados

não contestados, não há como uma Ciência classificada como exata fugir de suas

próprias inexatidões teóricas em termos de linguagem. Além disso, o núcleo de uma

definição deve ser considerado provisório, pois inicialmente pode ser difícil

reconhecer com precisão o aspecto a ser definido. Portanto, as definições também

necessitam de revisões, em decorrência da complexidade na elaboração de todo e

qualquer conhecimento.

Outra consideração deve recair sobre as formas de legar os saberes de

diferentes Ciências à posteridade, pois o discurso herdado da Revolução Científica

aprisiona as Ciências sob um revestimento racional, legando-lhes imagens

79

congeladas de uma Ciência que, de diferentes formas, serve “[...] para aterrorizar as

pessoas não familiarizadas com a sua prática” (FEYERABEND, 2007, p. 21). O uso

de linguagens inacessíveis faz com que as pessoas não especialistas no assunto

tendam a se afastar da discussão sobre os avanços científicos e do potencial que

eles têm de afetar suas vidas. Assim, expõe-se um paradoxo no desenvolvimento

científico: ao mesmo tempo em que os saberes são vistos como instrumentos de

evolução e liberação humana, os resultados científicos também podem ser utilizados

para controle social. Por sua vez, cada Ciência deveria ser ensinada como uma

forma de concepção do conhecimento, e não o único caminho para se conhecer a

realidade do mundo.

3.3 A complexidade do ensino de conceitos científicos

Skovsmose (2007) apresenta sua preocupação com o papel da Matemática

na Graduação pelo fato desse nível ser responsável por reconfigurações do saber e

formulação de novos conhecimentos, sendo também o momento no qual ocorre o

desenvolvimento de outras Ciências e, de diferentes tecnologias. Nesse nível,

acentua-se a responsabilidade dos profissionais, sendo-lhes necessário atentar para

o fato de que

[...] preparar para a ação também é preparar para a responsabilidade, e [...] educação em ciência e matemática tem que ser desenvolvida sem a proteção da suposição de progresso que forneça garantia de segurança de uma conexão intrínseca entre ciência e progresso social [...] esse é um desafio substancial, não apenas para a ciência na universidade e para a educação matemática, mas, para todas as formas de educação superior [...] (SKOVSMOSE, 2007, p. 186-187).

Esse desafio aumenta porque, tradicionalmente, os currículos de Matemática

das áreas técnicas e desenvolvedoras de tecnologias são predominantemente

voltados ao desenvolvimento de habilidades para a manipulação e o controle de

procedimentos rotineiros. Não existe a preocupação explícita em relação às

consequências sociais de transformações e aplicações do conhecimento.

Existem casos em que a Matemática aparece explicitamente, como na

aplicação do Cálculo Diferencial e Integral ao projetar as estruturas de um prédio.

Em outros, ela age implicitamente, sem que sua presença direta seja percebida. Um

exemplo é o dos engenheiros que utilizam planilhas prontas que foram preparadas

80

por outros indivíduos, sem a possibilidade de intervir na elaboração do que é

apresentado como pronto e acabado.

A formação pautada apenas na eficiência operatória do saber adquirido pode

resultar em falta de preparo para o confronto com decisões, nas quais não é apenas

a técnica que deve ter peso: “[...] a matemática está em todo lugar - se não em cena,

atrás da cena [...]” (SKOVSMOSE, 2007, p. 114). Como exemplo destaca-se a

criptografia de mensagens, utilizada tanto em atividades militares quanto no

cotidiano civil. Nos processos criptográficos, o conhecimento matemático é aplicado

para codificar uma mensagem de maneira a não ser compreendida por qualquer um.

O alheamento da realidade social é um aspecto do jogo de poder que

envolve o desenvolvimento e a utilização do conhecimento científico como

instrumento de manutenção de relações sociais. Mesmo tendo noção de que existe

grande quantidade de conhecimento científico utilizado na elaboração de tecnologias

para uso cotidiano, nem todos os indivíduos de uma sociedade têm poder de decidir

sobre o que será ou não incluído na pauta de desenvolvimento (e mesmo sobre a

discussão de benefícios e riscos envolvidos). Como exemplo pode-se citar o uso do

conhecimento estatístico na elaboração de projeções econômicas, utilizadas para

sustentar tomadas de decisões governamentais frente à opinião pública. Tal

imposição de decisões pode ocorrer sem que a população seja chamada a discutir

seus benefícios e riscos.

É necessário que, durante a formação especializada, os estudantes reflitam

sobre significados e consequências das ações futuras. Quando a Matemática é

posta em ação no planejamento e execução de projetos, “[...] é possível estabelecer

um espaço de situações hipotéticas na forma de alternativas (tecnológicas) para

uma situação presente [...]” (SKOVSMOSE, 2007, p. 124, grifos do autor). A

Matemática torna-se um instrumento para desenvolver raciocínios hipotéticos e criar

alternativas para a elaboração de novas tecnologias. Estas, por sua vez, podem

fazer com que o conhecimento matemático retorne para a prática diária, estando ou

não explícita nessas situações. O termo imaginação tecnológica é utilizado pelo

autor para referir-se aos espaços abertos pela Matemática, ao se conceder liberdade

de identificar tecnologias aplicáveis a determinadas situações.

81

Outra utilidade para um modelo matemático seria a de justificar o anúncio de

uma decisão previamente tomada quando o conhecimento serve à sua legitimação e

torna-se mero instrumento para explicá-la. Porém, deve-se ter cuidado, pois um

modelo com soluções hipotéticas excessivamente restritas favorece a apresentação

e a imposição de apenas uma alternativa.

O envolvimento do profissional com o conhecimento matemático também o

capacita a formular estratégias, investigar fatos e levantar contingências. Isso é

evidente ao ver esse conhecimento utilizado em atividades de planejamento e na

elaboração de novas tecnologias, assim como em sua distribuição. Outro aspecto do

alcance do conhecimento matemático é a fabricação de fatos, quando ele é utilizado

no tratamento de informações divulgadas em diferentes mídias. Dependendo da

manipulação que se faça, pode-se descrever ou ocultar riscos potenciais para os

indivíduos de um grupo social e justificar ações.

Outra discussão refere-se ao uso de conhecimento na formulação de

modelos para tomadas de decisões capazes de afetar desde pequenas coletividades

até as populações de um país inteiro. Buscando decidir baseando-se apenas em

resultados de modelos matemáticos e estatísticos, sem refletir sobre o caráter

socioeconômico das opções, os danos podem ser irreversíveis ou demandar muitos

anos para repará-los.

Portanto, a preparação de um profissional para utilizar mecanicamente o

conhecimento pode acarretar sérias consequências sociais, em decorrência da

percepção do conhecimento como instrumento objetivo, definitivamente formulado,

não necessitando de adequações, reflexões e discussões. Pode-se exemplificar com

a análise de riscos nos procedimentos de engenharia. O analista não pode

considerar-se isento de culpa das falhas no projeto apenas por ter utilizado

corretamente procedimentos padronizados e já consagrados em seu campo de

atuação. Nos cursos de Engenharia é necessário favorecer discussões sobre

possíveis consequências da utilização da Matemática e da Estatística em processos

de decisão e a abordagem da importância desses conhecimentos para o

desenvolvimento de TICs e sistemas de informação também não podem ser

esquecidas.

82

A adaptabilidade da Estatística a diversos estudos foi importante para o

desenvolvimento de seus conceitos e aplicações. Sua evolução como Ciência

autônoma aproximou-a de diferentes saberes, tornando-a capaz de adequar seus

instrumentos a várias modalidades de pesquisas. Porém, o ensino de Estatística não

escapou ao paradigma científico moderno. Apesar das aproximações com outros

campos de conhecimento, há livros introdutórios ao tema em que as inter-relações

com o conhecimento estatístico não transparecem. É o caso de exemplos e

exercícios nos quais os dados para a sua resolução são apresentados de forma

descontextualizada, objetivando ilustrar imediatamente a aplicação de fórmulas.

Skovsmose (2007) chamou esse procedimento de paradigma do exercício. Também

há outra modalidade de ensino em que os exercícios enquadram-se em outro

modelo, denominado pelo autor como semirrealidade. Este termo refere-se às

situações artificiais descritas em enunciados que não apresentam qualquer dado ou

aspecto externo ao exercício, limitando-se apenas ao que é considerado importante

para resolvê-lo e obter uma resposta.

O paradigma do exercício e o uso de semirrealidades são formas de ensino

fragmentadas que dificultam a aproximação entre o conhecimento estatístico e

outras disciplinas. Tanto o primeiro quanto o segundo favorecem a assimilação de

procedimentos mecanizados de maneira não reflexiva. Para a EP exemplifica-se a

dissociação dos temas estatísticos da análise de cenários socioeconômicos no

exercício da profissão. O futuro engenheiro é preparado para resolver problemas

técnicos específicos de sua área, sem que dele se exija a capacidade em associar

sua atuação à geração de soluções para diferentes problemas de um grupo social.

Com isso, o aluno é acostumado à submissão de procedimentos e rotinas de

ordens e a aceitar a dualidade certo-errado, sem que seja exposto à argumentação

sobre situações reais. Assim, a Educação Superior em moldes tradicionais

condiciona o aluno a essa dualidade, estendida às demais atividades cotidianas.

Essas práticas servem à formação, diferenciação e classificação de indivíduos

submissos às diversas formas de autoridade, incluindo condições impostas pelo

mercado de trabalho (SKOVSMOSE, 2008).

Sobre os currículos, o professor D’Ambrosio (2002) afirma que

historicamente eles são organizados de forma hierárquica. A situação de poucas

83

articulações entre disciplinas pode aprofundar a fragmentação a partir de como elas

forem tratadas. Para o autor, é necessário mudar as estruturas curriculares e existe

um ponto crítico que necessita ser ultrapassado que dar-se-ia na

[...] passagem de um currículo cartesiano, estruturado previamente à prática educativa, a um currículo dinâmico, que reflete o momento sociocultural e a prática educativa nele inserida. O currículo dinâmico é contextualizado no sentido amplo (D’AMBROSIO, 2002, p. 88).

A expressão currículo cartesiano é referência a uma estratégia de resolução

de problemas utilizada pelo Filósofo e Matemático Reneé Descartes, que

considerava a análise um instrumento fundamental de seu trabalho13. Com o passar

do tempo, a valorização excessiva da análise, em detrimento da síntese, refletiu na

Educação. Desde o Ensino Básico até a formação profissional, recorre-se ao uso de

parcelas desconexas de diferentes conhecimentos para se elaborar currículos e

planos de ensino de diferentes disciplinas. Na prática, são concebidas estruturas

fragmentadas, hierarquizadas e pouco dinâmicas, seja em relação à articulação de

saberes entre si, seja na ligação com o mundo fora do ambiente da escola.

O currículo dinâmico proposto por D’Ambrosio (2002) requer o tratamento do

conhecimento em sua complexidade e, para isso, são necessárias estratégias

adequadas. Uma perspectiva de ação a partir de estratégias é apresentada por

Morin (2006), ao considerar a complexidade do conhecimento. A ação por meio do

uso de estratégias é diferente daquela que utiliza um programa previamente

determinado e aplicado, sem variações ao longo do tempo. A estratégia

[...] permite, a partir de uma decisão inicial, prever certo número de cenários para a ação, cenários que poderão ser modificados segundo as informações que vão chegar ao curso da ação e, segundo os cursos que vão suceder e perturbar a ação [...] a estratégia aproveita-se do acaso [...] o acaso não é apenas o fator negativo a ser reduzido, é também uma chance que se deve aproveitar (MORIN, 2006, p. 79-80).

É possível refletir sobre um problema ao iniciar-se uma ação baseada em

determinada estratégia: o rumo dos acontecimentos pode escapar às intenções

iniciais. A partir do momento em que começam as interações, há o risco do

ambiente criado apossar-se da situação, dando rumo oposto ao que se planejara. As

13 A partir da subdivisão de um problema a ser resolvido em partes menores (aplicação da análise), ele via uma possibilidade de estudar detidamente cada componente de uma situação. Posteriormente, a retomada das soluções parciais em um processo de síntese daria uma solução ao problema.

84

discussões de D’Ambrosio (2002) e Morin (2006) convergem para um ponto: o

currículo cartesiano não obriga os envolvidos a se lançarem rumo ao desconhecido

e nem a se preocuparem com inovações. Nesse caso, o ideal seria escolher temas e

fazer pequenas programações, deixando a estratégia e a ação determinarem os

avanços do conhecimento.

3.4 A formação acadêmica fragmentada

Uma vez que geralmente há fragmentação na formação acadêmica no Nível

Superior de ensino, uma especialização passa a ter contornos inevitáveis, o que

também acontece com o Engenheiro de Produção. A própria estrutura do referido

Curso possui aspectos dessa fragmentação, refletindo o olhar positivista do século

XIX, época na qual iniciou-se o processo de dispersão e especialização das

Engenharias.

A respeito do pensamento positivista, afirma-se que Augusto Comte14

considera a possibilidade de

[...] classificar todos os fenômenos segundo um pequeno número de categorias naturais [...] os fenômenos, os mais simples, são também necessariamente os mais gerais [...] é pelo estudo dos fenômenos [...] mais gerais ou mais simples que se deve começar, indo progressivamente para os mais complicados ou particulares [...] (SILVA, 1999, p.41).

Mantida essa preocupação em classificar e progressivamente apresentar os

elementos simplificados em seus detalhes particulares, chega-se a uma

fragmentação que inviabiliza articular entre si os diferentes saberes. No caso do

conhecimento estatístico, perde-se a chance em abordar aspectos da realidade da

própria profissão e, também de fora dela. A perda de capacidade em articular

saberes pode fazer do formando um indivíduo com problemas de coordenar ações

baseadas em diferentes conteúdos aprendidos nas disciplinas em que ele foi

aprovado.

Além do desenvolvimento científico e do surgimento de diferentes

tecnologias a partir do século XIX, ocorreu outro fato, que foi a separação entre

ensino e pesquisa. Com base em disciplinas fragmentadas, passou-se a formar

14 Considerado o principal articulador da Filosofia Positivista.

85

profissionais extremamente especializados, muitas vezes com dificuldades em

comunicar-se com outros indivíduos da própria área, como é o caso da Física.

Em meio a discussões sobre causas e consequências da fragmentação do

conhecimento, existe o papel da Academia, considerada responsável pelo

surgimento de barreiras disciplinares, estimulando a uniformização de

procedimentos e o reducionismo. Ela, “[...] em certos casos, passa a ser camisa-de-

força. Estrutura, formaliza, rotula e direciona em uma única, mas restrita direção”

(FAZENDA, 1991, p. 19). Também são observados exageros de fragmentação e

especialização, levando a situação a tal ponto que, para se obter mais rigor, o objeto

em questão é fragmentado ao extremo, obedecendo-se a uma concepção de que

[...] o conhecimento é tanto mais rigoroso quanto mais restrito é o objecto sobre que incide [...], sendo um conhecimento disciplinado [...]para policiar fronteiras entre as disciplinas e reprimir os que quiserem transpor [...] os males desta parcelização do conhecimento e do reducionismo arbitrário que transporta consigo são hoje reconhecidos [...] criam-se novas disciplinas para resolver os problemas produzidos pelas antigas e [...] reproduz-se o mesmo modelo de cientificidade (SANTOS, 2004, p. 73-75).

Essa concepção disciplinar ocorre nas Engenharias, o que também acontece

no Ensino Básico, no qual são trabalhados conteúdos de Matemática e Estatística

necessários a outras Ciências. Porém, os conceitos são tratados abstratamente,

sem articulação com os demais saberes desse nível de ensino.

Como outro aspecto da fragmentação cita-se o afastamento entre sujeito e

objeto para dar objetividade ao trabalho científico. Feyerabend (2007) e Demo

(2000) opõem-se à ideia de naturalizar a separação de sujeito e objeto. Lévy (2006)

também se contrapõe a essa naturalização, considerando o conhecimento uma

elaboração de diferentes sujeitos históricos, que se apresentam munidos de

tecnologias. Dessa forma, sujeito e objeto não são livres de influências de

linguagens, de formas de armazenar dados e dos modos de elaboração de

informação e conhecimento. Além de não considerar sentido na separação radical

de sujeito e objeto, o autor também pondera que o pensamento não ocorre

isoladamente no indivíduo, mas resulta de uma elaboração coletiva. Tanto a

inteligência quanto a cognição resultam

[...] de redes complexas onde interagem [...] atores humanos, biológicos e técnicos. Não sou “eu” que sou inteligente, mas “eu” como grupo humano no qual sou membro, com minha língua, com toda a herança de métodos e

86

tecnologias intelectuais [...] fora da coletividade, “eu” não pensaria. O pretenso sujeito inteligente nada mais é que um dos microatores de uma ecologia cognitiva que engloba e restringe [...] o pensamento se dá em numa rede na qual neurônios, módulos cognitivos, humanos, instituições de ensino, línguas, sistemas de escrita, livros e computadores que se interconectam, transformam e traduzem as representações (LÉVY, 2006, p. 135).

Portanto, o próprio desenvolvimento tecnológico e a utilização de novas

invenções tanto modificam o trabalho em geral (e o do estatístico em particular)

quanto podem alterar as formas de ensinar diferentes conteúdos (idem para a

Estatística). Assim, são necessários elementos materiais e sociais para que ocorra o

desenvolvimento da inteligência e da aprendizagem individual. É necessária a

inserção de cada um no grupo social para haver o encontro de uma língua,

diferentes tecnologias e indivíduos singulares (embora semelhantes entre si).

Podemos então afirmar que o conhecimento como elaboração individual

solitária faz sentido apenas para aqueles que consideram a cognição um privilégio

pessoal. Partindo do princípio de que sujeito e objeto não devem ser radicalmente

separados, resta considerar que a Ciência Moderna, ao tentar isolar objeto,

observador e processos históricos visa apresentar o conhecimento como elaboração

individual, separando-a do resto do universo por meio de uma “cortina de ferro

epistemológica” (LÉVY, 2006).

3.5 Conhecimento, Educação e relações de poder.

Para Skovsmose (2007), a Matemática é utilizada como instrumento de

estratificação quando nos currículos escolares ignoram-se aspectos sociais, políticos

e culturais. Os procedimentos tradicionais de ensino também influenciam o

desempenho individual do aluno, pois, enquanto a minoria consegue adaptar-se a

processos rotineiros (que favorecem a adequação ao exercício de profissões

valorizadas socialmente), a maioria excluída pelos processos formais de

escolarização é posta à disposição da sociedade (e sujeita à execução de atividades

com remuneração e condições de trabalho precárias). Dessa forma, o conhecimento

cumpre o papel em ser um instrumento para a seleção social, demarcando

competências e legitimando a segregação dos indivíduos incapacitados de lidar com

a cadeia produtiva.

87

Apresentado em sua forma tradicional, o conhecimento matemático não

ajuda os estudantes a expressarem ideias e, a posicionarem-se diante do mundo

(SKOVSMOSE, 2007). É importante vincular a Educação Matemática à formação do

indivíduo crítico e, nesse ponto, vale ressaltar dois fatos marcantes: 1º) o

conhecimento matemático serve para desenvolver tecnologias concebidas com

diferentes propósitos de utilização nas sociedades contemporâneas; 2º) a Educação

Matemática, em sua forma tradicional, se constitui em tecnologia de exclusão e

controle social, ajudando a preservar a ordem estabelecida. Enquanto alguns

indivíduos são dotados de mais possibilidades de ajuste às mudanças na demanda

por mão de obra, outros são excluídos, devido à falta de conhecimentos, ficando

diante de oportunidades às quais não terão acesso.

Ao considerar as relações entre competência democrática e conhecimento

matemático reflexivo, a EMC vê a escola como uma instituição que pode servir a

dois propósitos opostos. O primeiro, é a construção de um cenário de reprodução e

fixação de condições sociais, ao invés de promover equidade. O segundo, o papel

da escola como local para desenvolver competências, objetivando agir democrática

e conscientemente em diferentes sociedades tecnológicas. Também há uma sintonia

não declarada oficialmente entre Educação, Matemática, necessidades econômicas

e formação de mão de obra especializada em larga escala. A preparação do

estudante para dominar e usar racionalmente os conteúdos acadêmicos é

consumada por meio de currículos fragmentados, nos quais isola-se o conhecimento

matemático de outros campos do saber.

A formação fragmentada ocorre mesmo quando a Matemática recebe

grande peso e presença na matriz curricular de cursos superiores, tais como os de

Física, Economia e Engenharias. A competência em Matemática é importante e

necessita de outros elementos, além dos que geralmente aparecem nos programas

escolares tradicionais. Para ser desenvolvida como elemento de crítica, a Educação

necessita lidar com conceitos em meio a diferentes contextos, possibilitando ao

aprendiz refletir sobre as implicações de diferentes usos da Matemática para seu

grupo social.

Além de instrumento de compreensão do desenvolvimento científico-

tecnológico, a Matemática pode ajudar a discutir questões relativas ao modo de

88

produção capitalista. Desde a afirmação do capitalismo como modo de produção no

século XIX, capital e trabalho foram considerados elementos essenciais ao

funcionamento de sistemas produtivos.

Para Skovsmose (2007), o desenvolvimento de novos saberes associado à

capacidade cada vez maior de determinados grupos da sociedade controlarem o

conhecimento científico, elevaram esse conhecimento à condição de primordial fator

econômico, em detrimento à importância social do trabalho científico. Atualmente, o

conhecimento exerce o papel de “[...] força produtiva crucial, já mais decisiva que

simples trabalho, e, aos poucos, talvez mais decisiva que o próprio capital [...]”

(DEMO, 2000, p. 32).

O controle sobre a produção e a disseminação do conhecimento é marcante

nas sociedades contemporâneas, servindo como elemento condutor da História.

Nessas sociedades, o conhecimento é produzido, reproduzido, consumido, destruído

e até mesmo tornado obsoleto, a ponto de ser considerado obstáculo ao

melhoramento de processos produtivos. Portanto, no capitalismo, mais que uma

elaboração desinteressada, o conhecimento é obtido e tratado em complexas redes

de relacionamentos, não sendo apenas fruto do esforço de indivíduos solitários e

isolados em seus locais de pesquisa. Dessa forma, de acordo com Demo (2000),

noções como sociedade do conhecimento, sociedade da aprendizagem e economia

da aprendizagem passam a fazer sentido diante da transformação do conhecimento

em um bem de produção. Na economia da aprendizagem, o conhecimento em ação

possui valor econômico, representa um item de produção e um bem comercializável,

submetido à lógica de demanda.

A Estatística, ao longo de séculos, também foi transformada em instrumento

de controle e exercício de poder. Em seus primórdios, ela era um instrumento de

contabilidade de populações e recursos, mas sua evolução levou a aplicações

diferentes. Além de instrumento contábil, aplicado na Economia, em políticas

públicas e pesquisas acadêmicas, a Estatística é um instrumento de trabalho que

presta-se à moldagem de visões de mundo e da imagem que cada um tem de seu

semelhante. Podemos “[...] nos ver no outro, graças às equivalências comparativas

criadas pelas classificações estatísticas [...]” (CAMARGO, 2009). A partir de

89

diferentes dados, as pessoas podem imaginar a sua situação em relação à

sociedade.

Outro aspecto tecnológico da Estatística que vale salientar é a sua

capacidade de, virtualmente, aproximar diferentes elementos sociais dos indivíduos

que devem decidir quais ações governamentais devem ser tomadas. Esse aspecto

de aplicação do conhecimento estatístico constitui-se em uma tecnologia de

governo. As tecnologias de governo são meios materiais e imateriais que, a partir da

construção de imagens coletivas, mesmo agindo a distância, cumprem objetivos de

aproximar diferentes realidades, “[...] tornando-as pensáveis e, portanto,

potencialmente governáveis [...] (CAMARGO, 2009, p. 917). Além disso, o

conhecimento que emerge das estatísticas produzidas encontra-se na fronteira entre

a Ciência e as tecnologias de governo. O trabalho cientificamente desenvolvido

fornece elementos para apoiar decisões políticas práticas. Mas, depois dos

resultados divulgados, os pesquisadores já não mais têm controle sobre a sua

produção.

A partir de categorizações, a realidade passa a ser descrita por meio de

instrumentos de identificação do indivíduo com um grupo, colocando frente a frente

elementos que têm suas qualidades particulares abstraídas. Na década de 1830,

Adolphe Quételet buscou na Estatística um instrumento de previsões estáveis,

objetivando formular leis científicas para as regularidades numéricas encontradas

em diferentes realidades sociais estudadas. Quételet via nos métodos estatísticos

elementos unificadores que possibilitariam identificar a ordem natural dos

fenômenos. A ele é atribuída a definição de “homem médio”, elemento abstrato que

representa a média dos indivíduos de uma sociedade (BESSON, 1995 e

CAMARGO, 2009). Logo, há menos de duzentos anos, o conceito de média tem sido

utilizado como elemento de comparação e homogeneização de dados.

3.6 Educação Crítica: um cenário alternativo à Educação tradicional

As críticas ao desenvolvimento científico afastado de preocupações com a

sociedade intensificam-se principalmente na segunda metade do século XX. Há os

que se opõem ao discurso de que o progresso científico em si mesmo acarrete a

distribuição de benefícios a todos e conduza ao progresso social. Esses opositores

90

destacam aspectos omitidos pelos defensores de que a evolução científica ocorre

sem influência de fatores políticos e econômicos. Os críticos observam que a

pesquisa básica concentra-se por vezes em temas distantes das necessidades

sociais básicas. Observa-se, por exemplo, o controle econômico do capital sobre a

produção científica. Para esses críticos,

[...] a ciência e a tecnologia visam atender às necessidades das classes dominantes e dos governos que representam empresas poderosas, de modo que somente uma pequena parcela da população pode usufruir de seus serviços e inovações, acentuando a desigualdade social, ao mesmo tempo em que garante o lucro de um seleto grupo de empresas. Se visarmos ao bem-estar geral e não ao lucro máximo, devemos mudar o critério para o desenvolvimento científico-tecnológico e, consequentemente, o econômico. É necessário haver uma modificação radical do lugar da ciência na sociedade, de forma a abrir as portas do mundo científico e tecnológico a toda a população e não somente a uma “elite”, vinda das classes dirigentes ou por eles selecionada, que tem tido o monopólio da ciência desde o início da civilização (SILVEIRA; BAZZO, 2005, p. 11).

A EMC constitui um campo de pesquisas voltado para questões políticas da

Educação e da Matemática, alinhando-se à discussão do conhecimento

desenvolvido sem considerar suas consequências para diferentes grupos sociais.

Ela examina, por exemplo, relações de poder dentro da sociedade e interesses por

trás dos currículos de Matemática. A crítica é relacionada à necessidade de

alternativas aos modelos de Educação que tornam o indivíduo passivo dentro de seu

próprio grupo social.

De acordo com Skovsmose (2001), as reestruturações na Educação levadas

a cabo após os movimentos de 1968 iniciadas pelas Ciências Sociais influenciaram

a Educação Matemática e serviram de inspiração à Educação Crítica e à EMC. No

fim da década de 1960, as discussões sobre a didática da Matemática eram

essencialmente direcionadas à busca de melhoria de técnicas e metodologias para o

ensino e a adaptação do aluno à sociedade. Diferente da ideia daquela época, a

Educação Matemática firmou-se como campo de pesquisas ligado a diferentes

áreas, lançando mão de métodos de pesquisa heterogêneos. Essa preocupação

com os papéis sociopolíticos da Educação diante da sociedade pode ser estendida à

Educação Estatística.

Existe uma ideologia escolar dominante, alimentada pelo racionalismo

científico (SKOVSMOSE, 2007), e a EMC busca desenvolver competências

democráticas em contraposição à serventia do conhecimento para a formatação

91

social. Como sugestão indica-se a utilização de currículos para o estudo de

situações externas à escola, favorecendo a ligação do conhecimento matemático à

discussão da democracia em sociedades altamente impregnadas pela tecnologia.

Considera-se que as práticas tradicionais de ensino15 não desenvolvem os

horizontes do estudante além da aquisição de habilidades técnicas para ao

manuseio de conteúdo específico.

A Educação Crítica considera que a Matemática Escolar, da maneira que é

ensinada, muitas vezes não permite ver como o conhecimento é utilizado podendo-

se citar, por exemplo, o conhecimento usado especificamente a serviço de

interesses econômicos. A Matemática Escolar tem servido como instrumento para

ajustar o indivíduo às funções exigidas pelos empregadores da força de trabalho,

mas pode, igualmente, prover os cidadãos de competência crítica. Isso os ajudaria a

entender que o conhecimento tanto pode servir ao aprendiz no mundo tecnológico

quanto, contrariamente, excluí-lo desse ambiente.

3.7 Propostas de mudança

Batanero (2013) considera a Estatística ensinada atualmente em todos os

níveis uma importante ferramenta para a vida pessoal e profissional. Mas a autora

também constatou que, mesmo no nível universitário, os estudantes possuem ideias

deturpadas ou são incapazes de interpretar adequadamente os resultados

estatísticos que lhes são apresentados. Segundo a autora, uma possível explicação

encontrada seria a submissão do aluno a rotinas de aplicação de definições e

fórmulas, sem uma adequada atenção à interpretação dos contextos que originaram

os dados. Para ela, a melhor forma do aluno desenvolver o senso estatístico é

apresentá-lo às diferentes fases do processo estatístico (formulação do problema,

decisões ligadas à coleta e análise de dados e conclusões) por meio de projetos que

contextualizem o ensino da disciplina.

Outra discussão sobre a importância do conhecimento estatístico foi

apresentada por Lopes (2013), ao tratar da Estatística em cursos de formação de

professores de Matemática. Porém, alguns elementos da discussão podem ser

15 O termo tradicional deve ser entendido como modalidade de ensino na qual é mais importante o cumprimento de um currículo e de um plano de ensino.

92

associados à problematização do desenvolvimento teórico e metodológico da

disciplina na formação de Engenheiros. A autora considera que a Estatística, uma

Ciência de análise de dados, não pode ser tratada como uma cadeira de Matemática

Aplicada.

No século XXI, considerado Era da Informação, a análise de dados tornou-

se componente essencial do currículo em diferentes níveis. A realidade repleta de

dados levou educadores a repensar o currículo da Educação Básica ao Nível

Superior. Um aspecto relevante é a necessidade de tratar a Educação Estatística

diferentemente do que se faz com o ensino da Matemática voltada a atividades de

uso de fórmulas, algoritmos e exercícios de fixação.

Em relação à convivência com a Estatística, os alunos atualmente são

diferentes, inclusive, de seus professores, pois têm no seu cotidiano o acesso a

informações estatísticas. A Estatística deve ser compreendida como uma ciência

distinta da Matemática, pois tem objetos de estudo diferentes. De maneira diversa,

enquanto a Matemática não depende de situações externas a si mesma para

desenvolver-se, a Estatística necessita diferentes contextos para aplicar seus

instrumentos de trabalho.

Existem, portanto, diferenças qualitativas entre os pensamentos matemático

e estatístico. Um diferencial marcante é a Estatística possuir instrumentos que

permitem tratar os dados e resolver situações em que se considera a presença da

variabilidade. Com isso, podem ser apresentados diferentes cenários como

respostas para o mesmo problema. Dessa forma, a distinção da Ciência Estatística é

que ela “[...] requer um tipo diferente de pensar, porque não são apenas números;

eles são números com contexto [...]” (LOPES, 2013, p.905). Por outro lado, “[...] o

foco principal do pensamento matemático centra-se em padrões abstratos, ou seja, o

contexto é parte irrelevante [...] em matemática o contexto obscurece a estrutura [...]”

(idem, ibidem).

Enquanto uma situação resolvida matematicamente parte de padrões para a

obtenção de respostas, inversamente a Estatística munida de seus instrumentos

busca nos dados a existência ou não de algum padrão. Este será encontrado caso o

contexto estudado permita verificar algum significado nos dados.

93

Um importante trabalho sobre o ensino de Estatística é o GAISE College

Report (FRANKLIN et al., 2005). Seus autores partiram do estudo de normas e

orientações para ensino de Estatística existentes na época, considerando as

diversas modificações pelas quais passou o ensino de Estatística no século XX. No

documento consta que a clientela à qual o ensino de Estatística se destina

modificou-se ao longo de décadas. Historicamente, a disciplina era ensinada

seguindo a mesma metodologia: aplicavam-se os mesmos conteúdos, com a

utilização de uma bibliografia única em cursos superiores bem distintos:

Administração, Engenharias, Matemática, Psicologia. O mesmo também ocorria em

pós-graduações, sendo que variava apenas a etapa do curso na qual essa Ciência

era apresentada.

Com o tempo, elementos de Estatística sob diferentes denominações

passaram a fazer parte tanto dos currículos da Educação Básica quanto no de Nível

Médio16. A partir de então, estudantes que iniciam o Nível Superior supostamente já

teriam passado por algum contato prévio com o conhecimento estatístico.

Na redação do GAISE College Report (FRANKLIN et al., 2005) também

foram consideradas pesquisas sobre ensino e aprendizagem dessa disciplina. É

apresentada uma lista de recomendações consideradas importantes e que deveriam

ser seguidas em cursos introdutórios de Estatística no Nível superior de Ensino. São

elas:

1) enfatizar a literacia estatística e desenvolver o pensamento estatístico; 2) utilizar dados reais; 3) enfatizar o entendimento conceitual ao invés de concentrar o ensino apenas na apreensão de procedimentos de cálculo; 4) promover a aprendizagem ativa na sala de aula; 5) utilizar a tecnologia para o desenvolvimento da compreensão conceitual e análise de dados; 6) utilizar as avaliações como instrumento de melhora da aprendizagem dos alunos (FRANKLIN et al., 2005, p. 5).

A lista enfatiza elementos importantes para o estudante obter um bom

desempenho na aprendizagem em cursos introdutórios de Estatística. Nesta Ciência,

assim como em outros campos, existem linguagens, conceitos e símbolos próprios.

16 No Brasil, temos os PCNs e PCN+. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental, consta o bloco de conteúdos sobre o Tratamento da Informação (com a recomendação de ser desenvolvido por intermédio de coleta, organização e descrição de dados). Nos PCN+, entre os temas estruturadores para o Ensino de Matemática no Nível Médio, consta o eixo (ou tema estruturador) denominado Análise de Dados (com as unidades temáticas Estatística, Contagem e Probabilidade).

94

O desenvolvimento da literacia estatística, de acordo com o documento,

ocorre ao associar-se a capacidade de compreender as ideias fundamentais da

Estatística ao entendimento da linguagem utilizada em sua comunicação (termos

estatísticos, símbolos de escrita e gráficos). Estabelecendo um paralelo entre a

aprendizagem da Estatística e a de um idioma, verifica-se a necessidade de leitura,

construção e atribuição de sentido. Para desenvolver a literacia estatística, sugere-

se pedir aos alunos a interpretação ou a crítica de artigos, notícias e matérias da

mídia em geral.

De acordo com o GAISE College Report (FRANKLIN et al., 2005),

pensamento estatístico pode ser definido como aquele utilizado pelos estatísticos na

abordagem ou resolução de problemas da própria área. Ele inclui a necessidade de

compreender dados e reconhecer a importância de sua produção. Essa forma de

pensar é utilizada por quem necessita compreender, produzir e verificar a

consistência dos dados. Também faz parte do cenário de formação do pensamento

estatístico perceber a presença da variabilidade (considerado importante conceito

estatístico), sua quantificação e explicação.

O GAISE College Report (FRANKLIN et al., 2005) aponta a necessidade das

atividades de aula abordarem a compreensão de conceitos, sugerindo desenvolver o

pensamento estatístico a partir de exemplos explicativos dos processos utilizados na

resolução de problemas. Para avaliar o pensamento estatístico, o documento da

ASA sugere realizar projetos e tarefas investigativas abertas.

Em relação às atividades investigativas, Skovsmose (2008) apresenta um

conceito importante: o cenário de investigação. Esse cenário consiste em qualquer

ambiente que dê suporte a um trabalho investigativo. Propor um cenário de

investigação viabiliza a oportunidade para os alunos refletirem sobre o assunto,

desenvolvendo atividades diferentes das proporcionadas com a prática da resolução

rotineira de exercícios. Uma qualidade importante desses cenários é a capacidade

em atrair os aprendizes para formularem questões e, a partir delas, alcançarem

conclusões próprias sobre o tema tratado. Os alunos podem questionar, identificar

caminhos de resolução, auxiliarem-se mutuamente e tomar decisões a partir dos

significados por eles produzidos.

95

Os cenários de investigação não são adaptáveis à exploração de listas de

exercícios-padrão, diferindo, portanto, do paradigma do exercício. Também existem

situações complexas fora das semirrealidades, em que o conhecimento estatístico

pode auxiliar a compreender fatos capazes de afetar os indivíduos de um grupo

social. Em situações concretas, podem ser elaborados significados para conceitos.

Nesse aspecto, diferentes relações entre Ciência, tecnologia e sociedade podem ser

contempladas.

Alro e Skovsmose (2010) lembram que as propostas dos cenários de

investigação devem ser concebidas para aproximar os alunos e a investigação ser

consumada. As situações devem proporcionar a associação de significados, além da

adequação à capacidade de compreensão dos aprendizes. Além disso, a transição

do paradigma do exercício para o cenário de investigação pode mudar padrões de

comunicação tradicionais e favorecer a cooperação para a aprendizagem.

A abordagem proposta no GAISE College Report (FRANKLIN et al., 2005)

requer que os aprendizes tenham atitude ativa. Consideram-se dois aspectos: servir

à aprendizagem da comunicação, utilizando a linguagem da estatística; contribuir

para promover a colaboração entre os alunos e desenvolver a capacidade de

trabalhar em equipe. Além disso, a aprendizagem ativa favorece a descoberta, a

compreensão de conceitos estatísticos e o desenvolvimento de formas de pensar

estatisticamente. Atividades de campo para resolver situações reais devem ser

realizadas porque demandam a mobilização de diversas habilidades ligadas à

resolução de problemas.

Para alcançar os objetivos, sugere-se utilizar laboratórios, estudos em grupo,

resolução de problemas e atividades que promovam a discussão de conjuntos de

dados. Práticas em laboratórios e demonstrações de resultados a partir de dados

levantados pelos próprios alunos servem para elaborar respostas a perguntas por

eles formuladas, evitando, com isso, a coleta puramente mecânica. Os alunos

também devem ser incentivados a realizarem previsões a partir desses dados,

justamente por favorecer a discussão e mobilizar o pensamento para responder com

base no que foi coletado. A utilização maciça de TICs é incentivada para gerenciar e

explorar dados, realizar e compreender os processos de inferência e também para

agilizar os trabalhos de professor e alunos.

96

O acesso a dados reais mediante a utilização de TICs também serve para

automatizar cálculos, trabalhar com modificações em gráficos e realizar simulações.

Isso possibilita aos alunos interpretar resultados e não apenas assimilar

mecanicamente o trabalho estatístico. Concomitante à utilização de tecnologias

diversificadas, a recorrência ao desenvolvimento de projetos pedagógicos é

necessária para viabilizar situações nas quais os alunos sejam colocados frente a

situações que exijam a decisão sobre quais técnicas utilizarão na formulação de

respostas para as questões de pesquisa.

O GAISE College Report (FRANKLIN et al., 2005) destaca que o uso de

dados reais tem diversas serventias: ajuda a compreender as formas pelas quais se

produz e/ou coletam dados; possibilita relacionar a análise estatística com o contexto

de uma situação; estimula o pensamento em relação à relevância dos dados e às

ligações destes com os conceitos da Estatística; podem ser utilizados para envolver

o estudante com o processo de aprendizagem e aproximá-lo do professor. Os dados

hipotéticos dos livros didáticos podem atender a fins específicos, tais como

exemplificar como são aplicadas as fórmulas, esclarecer conceitos, ou até mesmo

avaliar a compreensão imediata que o aluno tem sobre o tema estudado.

Dados reais podem ser buscados na internet ou obtidos em pesquisas feitas

diretamente pelos alunos. Esses dados obtidos em diferentes contextos devem ser

relevantes, a ponto de gerarem perguntas condizentes com cada situação estudada.

No Brasil, por exemplo, o portal do Ministério do Trabalho e Emprego (TEM) possui

grandes conjuntos de dados, muitos deles organizados em séries históricas,

permitindo comparar situações relativas a diferentes profissões e épocas.

Ao invés de concentrar a preocupação nas tarefas que envolvem o

desenvolvimento apenas de diferentes técnicas de cálculos, recomenda-se

aprofundar as ideias centrais da análise de dados. A ênfase maior no trabalho de

compreensão dos conceitos parte do princípio que, diante do excesso de materiais e

tarefas, o entendimento dos elementos que fundamentam o trabalho estatístico pode

ficar na superficialidade. Como elementos aprendidos mecânica ou apressadamente

tendem a ser perdidos na memória, acredita-se que a melhor alternativa é valorizar a

utilização do conhecimento estatístico na resolução de problemas, a partir de uma

sólida compreensão inicial dos conceitos.

97

O GAISE College Report (FRANKLIN et al., 2005) sugere que a avaliação

ocorra paralelamente ao processo de aprendizagem. A ideia principal concentra-se

na afirmação de que o ato de avaliar não deve ser esporádico. Além disso, é

necessário que, desde o início, os instrumentos avaliativos estejam alinhados aos

objetivos e concentrados na compreensão de ideias-chave. Além de ser formativo e

somativo, o processo de avaliação também não deve se deter somente nas

habilidades de uso dos algoritmos necessários aos cálculos estatísticos. São feitas

duas importantes observações em relação ao processo avaliativo: 1) sua realização

imediatamente após o processo de ensino é mais eficiente que após grandes

intervalos de tempo; 2) suas modalidades devem ser diversificadas ao máximo.

Desenvolver a capacidade de ler e compreender dados expressos por

gráficos e tabelas estatísticas tornou-se necessário para completar um processo de

alfabetização nos dias atuais. Curcio, Friel e Bright (2001) comentam que a OCDE

(Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), em documento de

1995, considera a alfabetização completa com o desenvolvimento da capacidade de

compreender representações gráficas. Também é necessário atentar para três

aspectos da obtenção da informação: localizar, integrar e gerar informações. A

localização é a capacidade de obter a informação dentro de condições específicas.

A integração corresponde à habilidade de reunir dois ou mais elementos de

informação. A geração é a habilidade de compreender as informações de um

documento e inferir baseado no que ele contém.

No Brasil, Lopes e Coutinho (2009) discorreram sobre a fragmentação em

relação à construção e leitura de gráficos e tabelas nos níveis Fundamental e Médio.

Segundo as autoras, a maioria dos textos de livros didáticos dedicados à introdução

da Estatística básica considera que

a leitura dos gráficos limita-se a uma leitura dos eixos para responder questões específicas, sem a preocupação de levar o aluno a uma interpretação do que efetivamente foi representado naquele gráfico, em termos de variação em um conjunto de dados observados. Alguns enfocam as medidas estatísticas apenas como cálculos matemáticos isolados, sem uma preocupação em também relacionar, interpretar essas medidas (LOPES; COUTINHO, 2009, p. 41).

Essa forma de ensinar Estatística pode consolidar a ideia da disciplina como

conjunto de instrumentos simples e destinados a agrupar e representar dados em

98

linguagem pictórica para a mera realização de cálculos da mesma forma que ocorre

em Matemática. Trata-se de uma atitude que restringe e fragmenta, ao invés de

expandir articuladamente os usos de um instrumento de comunicação. A

consolidação dessa imagem da Estatística ao final do Nível Médio pode prejudicar

sua compreensão no Nível Superior.

Tratando da aprendizagem da comunicação por meio de gráficos, Curcio,

Friel e Bright (2001) reuniram pontos de vista de diversos professores. Identificaram

fatores críticos que influenciam a compreensão de diferentes representações

gráficas, destacando a importância de dominar processos de tradução,

interpretação, extrapolação e interpolação para compreender informações expressas

por meio de elementos escritos ou de outra natureza simbólica. A interpretação de

uma representação gráfica necessita de reorganizações e classificações de fatos (ou

fenômenos) de acordo com hierarquias. Na extrapolação e na interpolação

(consideradas extensões da interpretação), busca-se compreender a essência da

mensagem que se tenta transmitir por intermédio de um gráfico, em prol da

identificação de consequências para o fato (ou fenômeno) descrito na figura.

Os autores consideram a compreensão gráfica em três níveis, separados em

duas classes de propósitos para a utilização de gráficos. A compreensão começa de

forma elementar (extração de dados de um gráfico, localização e tradução de seu

conteúdo) e pode ser desenvolvida até um nível intermediário (interpolação e

relacionamento entre os dados do gráfico), chegando até a um estágio avançado

(prever a partir da extrapolação dos dados do gráfico). No terceiro nível, ocorre a

compreensão aprofundada dos dados representados graficamente.

Os dois propósitos para a utilização de gráficos são a análise e a

comunicação de dados. Na análise, os gráficos são ferramentas de primeiras

descobertas do sentido e das características dos dados. É importante observar que,

se o ensino recair sobre a construção, pouca atenção será dada à análise dos

propósitos da elaboração de gráficos. Se o estudo voltar-se para a análise de dados,

considera-se possível alcançar uma compreensão elevada, garantindo flexibilidade,

fluidez e generalização na compreensão de usos dos gráficos. Quando utilizados

para a comunicação, suas imagens destinam-se a informar sobre números e

99

relações entre eles (além de exibir padrões, geralmente resumos estatísticos, em

vez dos dados originais).

Mesmo sendo necessária e importante para a compreensão de gráficos, a

decodificação visual não é suficiente. Como a Estatística envolve o estudo

sistematizado de dados (coleta, descrição, apresentação e conclusões a partir de

dados), seus temas podem ser desenvolvidos em associação com outras disciplinas,

utilizando conceitos e ferramentas associadas à compreensão de gráficos. O tipo de

dado, sua variação, o tamanho do conjunto de dados e as formas de representação

podem facilitar ou não o entendimento. Considera-se ainda que a capacidade de

atribuir sentido é desenvolvida gradualmente, com o uso de gráficos prontos, ligados

a diferentes problemas e contextos.

Ainda tratando do ensino de Estatística, Gal e Garfield (1997) assinalam que

a disciplina é muitas vezes ensinada no nível pré-universitário como parte do

currículo de Matemática, sendo abordada em capítulo específico do livro didático ou

no estudo de funções e gráficos. No Nível Superior a Estatística (junto com a teoria

das probabilidades) constitui-se geralmente em um curso autônomo, tratado como

introdução ou orientado para aplicações de campos específicos como o da

Engenharia.

Os autores apontam uma meta global de Educação Estatística: consiste em

fazer dos alunos cidadãos informados, capazes de compreender e lidar com a

incerteza, a variabilidade e a informação estatística, além de tomar parte na

produção, interpretação e comunicação de dados. Esta concepção pode ser

estendida a diferentes níveis escolares. Também apresentam oito metas básicas e

inter-relacionadas, a saber: 1) Entender o propósito e a lógica das investigações

estatística; 2) Compreender o processo de investigação estatística; 3) Dominar

habilidades processuais; 4) Compreender as relações matemáticas; 5) Compreender

a probabilidade e o acaso; 6) Desenvolver habilidades de interpretação e de literacia

estatística; 7) Desenvolver a capacidade de se comunicar estatisticamente; 8)

Desenvolver dispositivos estatísticos úteis.

Também é importante que os alunos desenvolvam a compreensão do papel

do acaso e da aleatoriedade no mundo, além de entender que os métodos

100

estatísticos são ferramentas úteis em experimentos científicos e tomadas de

decisões, sejam elas pessoais, sociais ou empresariais. Além disso, o aluno deve

compreender que processos de pesquisa estatística podem ajudar a obter

conclusões melhores do que aquelas baseada apenas em intuições ou nas próprias

experiências subjetivas. Outro desafio é os alunos aprenderem a elaborar

estatísticas, ao invés de serem apenas consumidores.

3.8 Articulações do GAISE com alguns teóricos

As considerações de Lévy (2006) sobre a inteligência e a cognição como

elaborações sociais utilizando tecnologias corroboram com o que foi apresentado no

GAISE College Report (FRANKLIN et al., 2005). A simples acumulação de dados

não significa que uma informação foi formulada. É necessário fazer com que os

dados originalmente recolhidos passem por processamentos que lhes deem sentido,

pois, para que a comunicação ocorra, é essencial existirem contextos comuns e

conhecidos pelos indivíduos envolvidos.

Os sentidos atribuídos coletivamente, o contexto e a compreensão de

mensagens são elementos da comunicação, possuindo valor didático para a

Educação Estatística. A formulação de sentidos e a aprendizagem ocorre quando o

objeto estudado é compreendido dentro de contextos que servem para situar o aluno

frente ao que deve aprender. Dessa forma, ao avaliar as aprendizagens

paralelamente ao processo de ensino, deve-se verificar se os contextos de utilização

de conceitos foram ou não compreendidos.

Segundo Lévy (2006), a transmissão de informações é uma função de nível

fundamental no ato de comunicação, ocorrendo quando se definem situações que

dão sentido às mensagens trocadas. Na elaboração de sentido da mensagem, o

contexto é o elemento central da comunicação e a compreensão realiza-se ao

realinharem-se os sentidos anteriormente elaborados pelo receptor. Além de existir

uma língua comum aos sujeitos do processo,

[...] os atores de comunicação produzem [...] continuamente o universo de sentido que os une ou que os separa [...] se o assunto em questão é, por exemplo, comunicação verbal, a interação das palavras constrói redes de significados transitórios na mente de um ouvinte. Quando ouço uma palavra, isto ativa imediatamente em minha mente uma rede de outras palavras, de

101

conceitos, de modelos, mas também de imagens, sons, odores, sensações proprioceptivas, lembranças, afetos, etc (LÉVY, 2006, p. 23).

Portanto, os contextos favorecem a criação de redes, nas quais diversos

significados são articulados, originando uma teia de significações e não apenas uma

corrente, que perde sua utilidade ao quebrar um dos elos. Comparando com a

aprendizagem de significados dos conceitos estatísticos, a elaboração de raciocínios

e elementos de linguagem favorecem o entendimento do objeto de estudo. Do

GAISE College Report (FRANKLIN et al., 2005) pode-se compreender que, em um

primeiro momento, devem ser criadas relações entre conceitos estatísticos

estudados e o processo de exame de situações reais.

Os argumentos de Lévy (2006) e do GAISE College Report (FRANKLIN et

al., 2005) sobre os usos de uma linguagem dentro de um meio social têm ligação

com o que foi expresso por Luria (1986), estudioso do pensamento lógico-conceitual.

A compreensão dos significados de dados e enunciados em Estatística também

passa por processos complexos, assim como ocorre com palavras, frases e

significados por trás de textos. Seria “[...] errôneo pensar que a comunicação ou o

texto consiste somente em uma cadeia de frases isoladas, separadas, e que, para

compreendê-lo, é suficiente compreender o significado de cada frase isolada [...]”

(LURIA, 1986, p. 189). Da mesma forma que existem motivos para redigir e divulgar

um texto, há uma série de propósitos para elaborar e disseminar formas de

representações científicas.

Em uma sociedade cujas atividades cotidianas baseiam-se no uso de TICs

em larga escala, a divulgação de análises quantitativas por diferentes mídias tem se

pautado cada vez mais em representações gráficas, como forma de traduzir

visualmente a organização de dados. O uso dessas tecnologias pode servir para

dinamizar a análise de dados, pois facilita a exploração e a experimentação com

gráficos, fato apontado por Curcio, Friel e Bright (2001). Os instrumentos

informacionais também podem ajudar a desenvolver pensamento flexível na análise

de dados, apoiando o desenvolvimento da compreensão de diferentes

representações gráficas.

O GAISE College Report (FRANKLIN et al., 2005) sugere que a leitura de

tabelas e gráficos divulgados por diferentes meios de comunicação pode colaborar

102

no desenvolvimento da capacidade de julgar os dados processados por outros

indivíduos. A associação dessa prática à da troca de experiências de interpretações

entre os alunos também ajuda a melhor compreender esses instrumentos. Tal ponto

de vista vem ao encontro às ideias de Lévy (2006) sobre o desenvolvimento da

inteligência e da aprendizagem. As formas de representar dados também resultam

de desenvolvimento coletivo e, para serem compreendidas, necessitam de trocas de

significados dentro de um grupo social. Isso também pode ser associado ao

pensamento de Luria (1986) em relação ao desenvolvimento da capacidade de

compreender elementos de linguagem previamente estabelecidos por outra pessoa.

Voltando à ideia de conhecimento como elaboração simultaneamente

resultante e impulsionadora de mudanças num campo de conhecimento em uma

determinada época, pode-se dizer que esse aspecto imprime aos resultados obtidos

a imagem de obra inacabada. Abre-se a possibilidade para a coexistência de ideias

diferentes e contrastantes sobre o mesmo objeto, além de novas concepções

emergirem. Feyerabend (2007) nos lembra que é necessário existir a pluralidade de

metodologias. Além disso, os problemas não resolvidos por uma Ciência podem

demandar novas formas ainda por elaborar (o que pode levar ao surgimento de

outras teorias e formas de estudo para um mesmo objeto).

3.9 Considerações sobre o capítulo

As expectativas em relação ao conhecimento entre o fim do século XIX e

início do XX começaram a se desfazer quando suas contradições foram apontadas e

discutidas. Entre outros elementos expostos está a limitada capacidade que a

Ciência Moderna tem para explicar o mundo fora de bases de raciocínio

quantitativas. Outra discussão recorrente é a da Ciência Moderna cada vez mais

distanciada das necessidades sociais cotidianas, preservando interesses de grupos

dominantes e acirrando desigualdades sociais.

Tomando por base as ideias da EMC, o conhecimento estatístico do

Engenheiro de Produção deve ajudá-lo a perceber consequências sociais de seus

atos e provê-lo das competências crítica e democrática. Seu envolvimento com o

conhecimento estatístico também deve promover sua compreensão de mundo.

103

A partir do referencial teórico, temos elementos para argumentar sobre a

necessidade de superar duas ideias: 1) cada disciplina, em seu isolamento cognitivo

e epistemológico, é capaz de sozinha desvelar a realidade de forma unívoca e

precisa; 2) o conhecimento científico é uma obra acabada.

No próximo capítulo verificaremos concepções dos alunos de uma turma de

Engenharia de Produção sobre a disciplina Estatística a partir das respostas a um

questionário e a uma entrevista. Os dados construídos a partir desses dois

instrumentos serão confrontados com o referencial teórico e um quadro de análise

será então apresentado.

105

CAPÍTULO 4 - A CONSTRUÇÃO DOS DADOS

Tendemos a viver num mundo de certezas, de solidez perceptiva não contestada,

em que nossas convicções provam que as coisas são somente como as vemos

e não existe alternativa para aquilo que nos parece certo.

(Maturana e Varela)

4.1 Introdução

Este capítulo é dedicado à análise do material resultante do levantamento

das respostas ao questionário e das transcrições das entrevistas. Os primeiros

resultados foram tratados com o objetivo de obter significações que permitissem

analisar, interpretar e fazer inferências sobre o material.

Durante a formação, os futuros profissionais de EP são submetidos a rotinas

de treinamento e adequação a determinadas práticas que passam a fazer parte do

seu cotidiano. Ao mesmo tempo em que as atividades rotineiras condicionam a

atuação de um profissional, elas dão conformidade a um cenário de trabalho. É

comum retratar o Engenheiro como alguém envolvido em pensamentos lógico-

abstratos ou então debruçado sobre projetos nos quais existem dados para analisar

e isso requer que ele conheça Estatística. Esse profissional também pode

acrescentar novos padrões e rotinas à profissão, ou tentar alterar esse quadro,

tendo em vista que é um ator histórico e capaz de modificar situações materiais de

sua existência.

Dessa forma, a Estatística torna-se instrumento importante para o

profissional de EP. O ensino da disciplina deve habilitá-lo a participar ativamente da

produção, interpretação e comunicação de dados. Isso será rotineiro em sua carreira

e ele deve ser preparado com vistas a não ser um simples apreciador passivo da

produção estatística de terceiros.

106

4.2 Dados das respostas do questionário

O questionário ofereceu dados sobre o perfil estudantil dos componentes da

turma, além de garantir o anonimato e o sigilo. Até o momento, ninguém além do

pesquisador teve acesso aos questionários. Na época, a turma era composta de 35

estudantes. Vinte e um alunos responderam, o que representa uma taxa de retorno

de 60%. O trabalho com a maior parte das respostas padronizadas facilitou o

levantamento do perfil da turma.

Dois indivíduos erraram o ano de nascimento (escrevendo 2013). A tabela 1

a seguir resume o perfil de idade dos que responderam ao questionário.

Tabela 1: resumo da faixa etária dos respondentes.

Fonte: Tabela elaborada pelo próprio autor

Com exceção de um aluno, que escreveu o período cursado de forma

ilegível, verificou-se que os demais cursavam o terceiro período. Ao verificar a

escolaridade anterior à entrada na Graduação, constatou-se que um aluno estudou

Tecnologia em Redes de Computação, outro cursou Tecnologia em Petróleo e Gás e

um terceiro chegou a iniciar Economia, desligando-se do curso sem tê-lo

completado.

Entre os que passaram por curso técnico antes da EP, verificamos um

estudante para cada área a seguir: Administração, Informática Industrial, Segurança

do Trabalho e Estradas. Um aluno passou pelo curso de Estradas, mas saiu para

cursar o terceiro ano em outra instituição e se preparar para o exame vestibular.

Dois estudantes cursaram técnico em Mecânica e em Eletrônica. Os demais não

17 Lembrando que dois alunos assinalaram 2013 como ano de nascimento, o total de respondentes é 21.

Ano de nascimento

1981 1986 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995

Número de indivíduos

1 1 1 2 4 1 3 5 1

Total - - - - - - - - 19 17

107

cursaram qualquer modalidade de formação técnica e ninguém passou pela

modalidade EJA. Ninguém havia cursado Estatística em qualquer semestre anterior

da graduação em EP.

O significado atribuído à Estatística teve respostas variadas, classificadas

nas subcategorias do quadro a seguir.

Quadro 3: Termos e ideias relacionados à Estatística.

Fonte: Quadro elaborado pelo próprio autor

A Estatística como disciplina curricular apresentou respostas repetidas.

Alguns informantes associaram a disciplina à eficiência. Também observa-se que,

inicialmente, o grupo de alunos apresentava ideias vagas a respeito da Estatística e

da relação dela com outras disciplinas, como por exemplo, a Matemática.

Respondendo às perguntas sobre variáveis qualitativas, quantitativas,

discretas e contínuas, houve alunos que não souberam conceituá-las e outros

desconheciam a melhor representação. Outros não sabiam conceituar as variáveis

qualitativa e quantitativa, também ocorrendo casos em que não se conhecia uma

forma de representá-las graficamente. A tabela a seguir apresenta as quantidades

de alunos que correspondem aos casos descritos:

SUBCATEGORIA EXPRESSÕES ENCONTRADAS

NOÇÃO DE ESTATÍSTICA COMO DISCIPLINA CURRICULAR

Disciplina que ...; Estudo de ..., uma Capacitação para ...

APLICABILIDADE

Analisar aspectos sociais para obter melhorias (soluções) para situações reais; é uma simplificação; ferramenta que auxilia o engenheiro para tomada de decisões; conhecer seu comportamento e poder prever sua variação; melhor entendimento de um processo; demonstração de informações; seguir uma linha de raciocínio; importante para o nosso dia a dia.

REPASSE E COMUNICAÇÃO DE DADOS E INFORMAÇÕES

Método para análise mais eficiente dos dados; coleta e análise de dados para obter informações; análise dos dados de uma amostra; análise de informações;

DISCIPLINA DE CARÁTER MATEMÁTICO

Disciplina que utiliza linguagem matemática; um conjunto de ferramentas matemáticas; análise matemática de dados; uma área da Matemática; cálculo de probabilidade; gráficos, matrizes, entre outros.

108

Tabela 2: totais de alunos que conheciam a melhor representação de variáveis qualitativas e quantitativas.

Fonte: Quadro elaborado pelo próprio autor.

A maioria dos alunos desconhecia como conceituar as variáveis discreta e

contínua e suas representações gráficas. A tabela a seguir apresenta as

quantidades de alunos que correspondem a esses casos:

Tabela 3: totais de alunos que conheciam a melhor representação de variáveis discreta e contínua.

Fonte: Tabela elaborada pelo próprio autor.

Houve alunos que conheciam diferentes modelos de gráficos sem saber,

entretanto, especificar os usos e dois deles declararam que era a primeira aula à

qual compareciam. Porém, o questionário foi aplicado após a primeira prova e os

gráficos se constituíram em um dos temas avaliados.

Quando o aluno não soube conceituar o tipo de variável também não

associou a forma de representar graficamente (variáveis qualitativa e quantitativa). A

maioria dos estudantes não percebia motivos para utilizar determinadas

representações gráficas associadas às variáveis estudadas.

A partir das repostas, formulou-se o quadro com as subcategorias a seguir,

tomando a representação gráfica de uma variável como categoria.

TIPO DE VARIÁVEL QUALITATIVA QUANTITATIVA AMBAS

CONHECIMENTO DA REPRESENTAÇÃO 1 - 10

PROBLEMAS COM A CONCEITUAÇÃO - - 8

TIPO DE VARIÁVEL DISCRETA CONTÍNUA AMBAS

CONHECIMENTO DA REPRESENTAÇÃO - - 19

PROBLEMAS COM A CONCEITUAÇÃO - - 19

109

Quadro 4: termos ligados à representação gráfica adequada ao tipo de variável.

Fonte: Quadro elaborado pelo próprio autor.

De acordo com a literatura de Introdução à Estatística, a ogiva é um tipo de

gráfico adequado à representação de frequências acumuladas de variáveis

quantitativas. No caso de variáveis quantitativas, faltou citar o boxplot, o gráfico de

dispersão e o gráfico de linha. Sobre os gráficos de barras, de colunas e de setores

(pizza), é correto relacioná-los com as variáveis qualitativas. Porém, no caso de

variável contínua, melhor seria utilizar o histograma, com as suas colunas

justapostas. Por outro lado, foi respondido que o gráfico de barras deve ser utilizado

para representar variáveis discretas, porém ele seria mais adequado para descrever

variáveis qualitativas.

Doze indivíduos não souberam atribuir significado à palavra variabilidade e,

em relação à Estatística e à Matemática como instrumentos com potencial de

influenciar comportamentos de setores da sociedade (e profissionais de diferentes

áreas), três indivíduos não se posicionaram e três apresentaram respostas

redundantes.

Ao considerar as influências sobre o comportamento de profissionais de

diferentes áreas, foram citados a alteração na linha de produção, a redução de

custos, a redução de erros, a avaliação da produção fabril e a linha de produção.

Sobre se determinados usos da Estatística influenciariam a sociedade, apareceram

respostas tais como “a necessidade de policiamento”, “necessidade de escolas”,

“conhecer a opinião de uma comunidade”, “nortear a venda de um produto”,

“levantamento de dados sobre a educação”, “levantamento de dados sobre a

SUBCATEGORIA TERMO ENCONTRADO NA RESPOSTA

REPRESENTAÇÃO DE VARIÁVEL QUALITATIVA

Ogiva; Coluna; Pizza; Barras.

REPRESENTAÇÃO DE VARIÁVEL QUANTITATIVA

Polígono de frequência; Colunas; Ogiva de Galton; Curva de frequência; Gráfico de barras; Histograma; Depende do tamanho da amostra: com classe, histograma. Sem classe, coluna.

REPRESENTAÇÃO DE VARIÁVEL CONTÍNUA

Curva de frequência; histograma; Gráfico de barras.

REPRESENTAÇÃO DE VARIÁVEL DISCRETA

Gráfico de barras.

110

saúde”, “levantamento de dados sobre o consumo”, “avaliação de serviços públicos”,

“necessidade de construção de quadras de esporte”, “controle demográfico”,

“crescimento regional”, “oportunidade de emprego”, “taxa de natalidade”, “taxa de

mortalidade”, “prever comportamentos” e “rejeição a produto defeituoso”.

O levantamento de dados sobre analfabetismo e a pesquisa eleitoral

também foram citados duas vezes, não havendo referências às influências sobre o

comportamento. Em relação aos usos da Estatística e da Matemática para

reconhecer aspectos sociais e políticos da sua futura profissão, temos as seguintes

respostas: “a presença do profissional” e a “qualidade do emprego”. A pesquisa

sobre renda também foi uma das repostas apresentadas e a oferta de emprego

também foi lembrada. Nenhum aspecto político foi citado e quinze indivíduos não

souberam responder.

A pergunta sobre sugestões para as aulas de Estatística teve as seguintes

respostas: “visita técnica”, “mais interatividade”, “estudo de caso”, “sair de sala para

fazer pesquisa de campo”, “uso de informática”, “aplicações práticas”, “mais

dinamismo na aula”, “apresentar mais aplicações” e “uso de dados verdadeiros”.

A partir das respostas iniciais, pode-se perceber que havia alunos incapazes

de associar Estatística com a análise de dados e diferentes aplicações. Ao mesmo

tempo, outra parte do grupo a considerava apenas uma disciplina a mais em sua

formação profissional, ou mesmo parte da Matemática. Existe, portanto, a

necessidade do professor observar e demarcar as diferenças entre duas

modalidades de conhecimento em questão, pois trata-se de Ciências dotadas de

objetivos específicos. Ao mesmo tempo em que alguns alunos veem na Estatística

um instrumento para tratamento de informações com utilidades específicas, outros

veem a disciplina capaz de embasar a compreensão da realidade. Nesse caso,

abrem-se perspectivas para usar o conhecimento estatístico na compreensão e

crítica de uma realidade social.

Parte da turma considerava a Estatística pelo aspecto utilitário no cotidiano

empresarial, ou seja, para analisar o desempenho e tomar decisões, apresentando

aí outra forma de, cotidianamente, servir à compreensão de diferentes situações.

Nota-se que, na época de aplicação do questionário, os alunos apresentavam

111

deficiências no estabelecimento de redes de significações, que são necessárias à

análise e compreensão de situações por meio da Estatística.

4.3 Dados das respostas da entrevista

A resposta de cada uma das perguntas constituiu-se em uma unidade de

registro para codificação de significados e, a partir delas, iniciou-se uma

categorização. O agrupamento e formulação de categorias deu-se a partir das

percepções passadas pelos entrevistados. As categorias ligadas a cada resposta

não foram formuladas intencionalmente, mas apenas no momento da análise o fato

foi registrado.

4.4 Respostas à pergunta 1

O que o(a) motivou a escolher o curso de Engenharia de Produção?

A motivação inicial do Aluno 1 foi buscar uma modalidade mais humana. Ele

considera as outras ligadas mais a fatores materiais específicos. O fato da EP

trabalhar com a organização da produção e projetos de gerenciamento leva o

profissional a lidar mais com as pessoas. A administração de uma fábrica reúne

diferentes indivíduos e, para o aluno, esse contexto da EP uma atividade mais

humana. Na terceira entrevista persistia a concepção da Produção como área que

envolve mais as pessoas do que as outras modalidades. Ressaltou que isso não

significa deixar de se envolver com Matemática e Estatística, pois ambos se

relacionam com o delineamento e a implementação de um projeto, a produção e a

previsão de demanda.

O Aluno 2 primeiramente foi motivado a escolher a EP por considerar essa

modalidade muito ampla e que possibilita estudar conteúdos de diferentes áreas ao

mesmo tempo. Ao comparar a Produção com as demais, percebe que os outros

campos têm atuação muito específica. A versatilidade favorece atuar juto às demais

Engenharias, desenvolver diferentes habilidades e escolher na pós-graduação uma

especialização na área de maneira mais segura. Também considera que as várias

possibilidades de emprego favorecem o acesso a mais oportunidades no mercado

de trabalho, o que é ratificado pela ABEPRO. O crescimento do curso foi outro

112

estímulo, pois há mais chances de empregabilidade. Agora a modalidade está em

evidência e o mercado de trabalho encontra-se em ascensão. Dois pontos reforçam

a percepção: o número de vagas de trabalho e a empregabilidade do Engenheiro de

Produção. No mesmo anúncio de jornal pode ver que havia vagas Engenheiro Civil

e, caso não se conseguisse alguém com essa habilitação, a vaga seria preenchida

por um Engenheiro de Produção.

O que motivou o Aluno 3 a escolher o curso de EP na Instituição em que

estuda foi cursar as disciplinas de Matemática para posteriormente aproveitar os

créditos e pedir isenção em outro estabelecimento (também do âmbito federal),

quando conseguisse aprovação em Engenharia Civil. Foi aprovado no processo

seletivo para a instituição na qual estuda e, ao iniciar o curso de EP, passou a gostar

das áreas de produção e gerenciamento de processos.

O Aluno 4 disse que a motivação na escolha do curso foi um sonho que

sempre teve. Tentou diversos exames vestibulares e foi aprovado na instituição em

que estuda. Foi cursando a disciplina de Introdução à EP que começou a gostar do

curso. Anteriormente não tinha ideia do que se tratava e apenas sabia que esse

campo cuida do gerenciamento da produção. Ao iniciar o curso é que foi saber de

mais detalhes relacionados a essa modalidade. Agora tem noção de quanto ele é

amplo e das várias áreas nas quais poderia trabalhar. A partir da compreensão

desses fatos diz que gosta cada vez mais. O sonho continua e foi um fato marcante

na sua vida estudantil trabalhar este ano na organização da Semana de Engenharia

do Espírito Santo. O incentivo dos professores e as experiências que eles contam

também têm servido de estímulo.

O Aluno 5 também foi levado a cursar Engenharia pelas atuais condições do

mercado de trabalho para os engenheiros da modalidade. São muitas oportunidades

e vagas abertas. O seu pensamento é que alguém até pode se formar no curso que

mais desejar, mas é importante terminar a graduação e conseguir trabalho. O fato de

que atualmente o Brasil necessita muito de engenheiros também pesou na decisão

tomada. Considera a Matemática um desafio pessoal e não enquadra a si como

pessoa com facilidade para compreender e assimilar conceitos matemáticos.

Necessita estudar muito e vê a Matemática um pouco mais complexa na formação

básica das Engenharias do que a Estatística. A justificativa do aluno foi que, por não

113

se tratar da formação de um profissional de Ciências Estatísticas, o estudo da

disciplina voltado para as Engenharias não é tão profundo e limita-se aos conceitos

básicos de cada tópico. Apesar do Engenheiro de Produção desenvolver a

competência para administrar, a EP não forma administradores com diploma de

Engenharia. Mesmo adquirindo a competência administrativa ao longo do curso, sua

profissão é bem diferente do que a do Administrador. Na terceira entrevista, disse

que voltou a cursar EP no semestre passado, interrompeu novamente, mas não

havia retomado a Estatística. Seus problemas relacionaram-se ao estado de saúde,

o que acarretou prejuízos também no semestre anterior. Elogiou a professora e

atribuiu o seu insucesso ao excesso de faltas. Os desafios de aprender Estatística e

Matemática continuam e persiste a concepção inicial de que a EP é uma

especialidade voltada para a administração e o controle.

4.4.1 Considerações e subcategorias

Considerando que na pergunta 1 a motivação do estudante (relacionada aos

fatos que determinaram a presença de cada um no curso de EP) enquadre uma

categoria, temos três subcategorias: concepções sobre o curso e suas disciplinas,

empregabilidade e possibilidades de atuação.

Na primeira subcategoria, a EP é percebida como um desafio, mas também

algo que pode servir à realização de um sonho e vislumbrar o futuro atuando na

profissão. Também é modalidade capaz de atrair alunos, devido às características

de elo entre o setor administrativo, o de produção e os outros ramos das

Engenharias.

A relação entre EP e empregabilidade deve-se ao fato de proporcionar mais

chances no mercado de trabalho em expansão e também à necessidade de

engenheiros no país. A expansão do número de vagas no Nível Superior e a

versatilidade na atuação constituem-se em outros dois fatores de atração para o

curso.

Os alunos também percebem possibilidades de atuar em uma modalidade

que não se restringe a trabalhos específicos, e possibilita conviver com diferentes

114

profissionais na indústria. O desenvolvimento de diferentes habilidades e o

relacionamento interpessoal também são importantes para os entrevistados.

4.5 Respostas à pergunta 2

Nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Engenharia de

Produção constam diversas habilidades que devem desenvolvidas durante a

formação do Engenheiro de Produção: comunicar-se eficientemente nas formas

escrita, oral e gráfica; atuar em equipes multidisciplinares; compreender e aplicar a

ética e a responsabilidade da profissão; avaliar o impacto das atividades da

engenharia no contexto social e ambiental. Você vê possibilidades de

ligações/conexões/relações entre a Estatística aprendida nas aulas e as habilidades

citadas? Se sim: Quais são as ligações/conexões/relações que você vê? Se não:

Você pensa que o que aprendeu (ou a forma) em (como) Estatística não permite a

você estabelecer essas ligações/conexões/relações?

Sobre as diversas habilidades desenvolvidas durante a graduação,

inicialmente o Aluno 1 pensava na utilidade da Estatística para direcionar o

gerenciamento das pessoas. Prever elementos da relação com as pessoas pode

evidenciar como ocorrem suas relações sociais. Declarou que o conhecimento

estatístico pode ajudar a prever comportamentos que deve ter ao se relacionar com

determinado grupo social. Sua percepção do conhecimento estatístico era ligada

essencialmente à previsão e comunicação de dados, não vendo aplicações diretas

no trabalho em equipes interdisciplinares. Considerava necessário saber de um todo

para se comportar eticamente e comunicar-se verbalmente de acordo com padrões

da maioria das pessoas. Ao tratar com líderes, a comunicação é diferente daquela

que ocorre com outros trabalhadores. Prever comportamentos gerais pode facilitar

uma melhor comunicação e, portanto, a Estatística serve para levantar o perfil das

pessoas. Por exemplo, se uma pesquisa verificar que a escolaridade de um grupo é

baixa, não é adequado utilizar com elas um vocabulário rebuscado. Justificou o uso

repetido de palavras relacionadas a previsão, porque via na Estatística em

instrumento para prever probabilidades. Saber que algo pode ocorrer permite pensar

o que acontecerá no futuro e a possibilidade dele se concretizar. Características

gerais de um grupo potencializam a previsão de comportamentos gerais.

115

Considerava plausível articular a Estatística com todos os tópicos citados na primeira

parte da pergunta, mas não via, a princípio, a aplicabilidade nesses contextos. Na

terceira entrevista, persistiu a concepção das ferramentas estatística utilizadas como

instrumento de previsão de comportamentos. Ao identificá-los, pode-se prever e

trabalhar a partir dos resultados. Voltando à comunicação escrita, oral e gráfica,

ainda vê prevalência da terceira e não sabe como articular o conhecimento

estatístico com a primeira. Além disso, não pensa muito a respeito da questão ética.

Aprendeu que ferramentas estatísticas aplicadas à Gestão da Qualidade (GQ)

podem ser usadas na questão ambiental. Seu ponto de vista é que a Estatística tem

importante uso da na prevenção de defeitos que geram desperdício. Lembrou do

diagrama de Pareto, que ajuda a verificar quais atividades e defeitos têm maior

impacto na produção e fazem a máquina e parar mais vezes, gerando mais

resíduos. Essa rotina pode ser aplicada em relação aos produtos químicos que mais

causam impacto no ambiente. As disciplinas técnicas possibilitam avanços na

compreensão da necessidade de lidar com impactos ambientais gerados pela

empresa.

A princípio, o Aluno 2 percebeu ligações entre os elementos de comunicação

citados na entrevista e o seu curso. As informações repassadas pelo engenheiro

dizem respeito a mensurações e uso de dados estatísticos. Nesse caso, a principal

ligação é relacionada à expressão gráfica, maneira mais fácil de exprimir e

compreender as informações, pois facilita a visualização e é importante na

comunicação e discussão das melhorias de uma situação. Não viu a princípio

ligações entre atuação em equipes multidisciplinares e Estatística. Considerou

compreender e aplicar a ética e responsabilidade da profissão com a ideia de que,

em cada instituição, existem relações e códigos sobre o tema. Tratando das

habilidades de avaliar o impacto de atividades da engenharia no contexto social e

ambiental, explicou que existem diferentes formas de cada organização lidar. Esse

trabalho consiste em analisar o ambiente e os grupos dentro de cada setor da

organização, mensurando as informações para compreender como tratar a atuação

de cada equipe. Sobre impactos social e ambiental, acha importante notar que as

atividades humanas afetam de diferentes maneiras o ambiente e os grupos sociais.

Para a indústria, por exemplo, a análise dos impactos possibilita saber se

determinada instituição age ou não dentro da legalidade. Nas

116

ligações/conexões/relações entre Estatística e habilidades da pergunta, a

mensuração de dados estatísticos é tão importante, que não haveria melhor forma

de expressar resultados. Disse também que existem outras maneiras de fazer isso,

mas utilizar dados e números facilita mais visualizar e entender as informações do

que ler o texto de um relatório. Quanto a presentar resultados na forma de gráficos e

tabelas, pensa que facilita compreender e identificar dados e informações. Na

terceira entrevista, seu posicionamento sobre as aplicações da Estatística mudou em

relação às anteriores. Agora considera a Estatística um instrumento de

aprofundamento de análise e compreensão. Cursar novas disciplinas fez com que

percebesse mais utilizações da Estatística. No período que se encerrava, quando

usou o conhecimento estatístico em Planejamento e Controle da Produção (PCP),

deparou-se com novas utilidades e formas de apresentar informações. O aluno

concorda que as relações da Estatística com a comunicação escrita existem e,

dessa forma também é possível apresentar informações. Na disciplina de PCP, a

Estatística serviu para representar os acompanhamentos de ciclos de trabalho e

suas etapas. Percebe que a comunicação oral, a partir do que se demonstra e

escreve, facilita e torna a apresentação precisa e mais clara. Acha que a

representação gráfica também é importante e possibilita apresentar todas as

informações geradas com mais clareza. Atualmente compreende que os dados

devem ser utilizados com ética e responsabilidade, além de perceber que pode

utilizar as informações estatísticas para verificar como é o impacto industrial sobre o

ambiente (e como isso afeta as pessoas até mesmo dentro de uma organização).

Considera válido associar vários conhecimentos, pois consegue-se melhora no

desempenho e a Estatística contribui para informar de maneira mais clara o que se

deve buscar e estudar para determinar o que uma equipe deve fazer. Na resolução

de problemas, a Estatística permite obter informações mais claras sobre diversos

aspectos da mesma situação, avaliar suas partes e compreendê-las mais facilmente.

A partir daí pode-se avaliar as partes, desmembrar o problema e descobrir diferentes

elementos que o influenciam.

Inicialmente, o Aluno 3 considerava que fatores de impactos ambientais e

sociais poderiam ser descritos por cálculos estatísticos. Ao articular a descrição de

impactos aos cálculos, lembrou que a gestão de uma empresa pode causar

desemprego, como no caso a aquisição de uma nova máquina. Se ela diminuir em

117

metade a mão de obra, isso causa demissão de operários e não é justo pensar de

forma parcial, pois o desemprego impacta o ser humano. O operário também não

deve ser tratado como massa, pois cada trabalhador é um ser humano e não apenas

um equipamento. Citou os princípios de administração empresarial de Taylor, que

considera o trabalhador mais um elemento da produção e útil pela sua força de

trabalho. Segundo o aluno, trabalhadores não podem ser transformados em robôs,

pois todos têm limitações e uma pesquisa Estatística pode identificá-las. Pensa

também que o valor da mercadoria vendida é um aspecto social. Quem pode adquirir

é rotulado de forma diferente daquele que não tem dinheiro suficiente para consumir

a mesma marca. Sobre ética social, disse que a Estatística é útil para desenvolver

pesquisas entre os funcionários de uma empresa e demais membros da sociedade,

com o objetivo de saber o que eles pensam que é ser ético. Ele não via aplicação

clara da Estatística na atuação em equipes multidisciplinares. Considera que é

importante representar graficamente os resultados obtidos por processos estatísticos

e não percebia a importância da comunicação oral e escrita, aspecto ainda

considerando mais importante na comunicação gráfica. Quando se tem grande

quantidade de números, sua apresentação pode ser de difícil entendimento e utilizar

um gráfico é uma forma mais fácil de compreender. Sua percepção agora é a de que

a Estatística pode ser uma linguagem universal e aprender novos conteúdos é

importante para desenvolver a comunicação oral. Isso deve-se ao maior domínio do

conhecimento de um assunto, porém o repasse de informações ocorre de maneira

clara apenas para uma pessoa que entenda sobre o que se fala. A comunicação

com quem desconhece a Estatística pode não ser efetiva. O aluno ligou a

comunicação escrita à preparação de um artigo científico e a necessidade de

explicar o referencial teórico. Considera apenas essa articulação entre a Estatística e

a comunicação escrita e, além disso, não conseguiria explicar os passos da

resolução de um problema na forma escrita. Na ligação entre Estatística e estudo de

impactos ambientais considerou o exemplo do desmatamento. Sem dados do

quanto se desmata, não é possível planejar uma ação. Continua pensando que

apenas a partir de dados pode-se analisar os fatores humano, socioeconômico,

social e ambiental. No seu entendimento, ao encaminhar para o lado das aplicações

estatísticas, essa análise é possível. Fora isso, não consegue perceber como.

Considerou normal a distância entre as disciplinas e que ensiná-las separadamente

é indiferente, apesar delas terem alguma ligação. Lembrou ter feito trabalhos

118

interdisciplinares que ligavam sem recordar se eram duas ou três disciplinas nem de

maiores detalhes. Quando elaborou um artigo ligou duas ou três disciplinas, mas,

outra vez, não lembrou quais foram. Também continua não vendo como a Estatística

ajudaria em relação à ética e que, por mais que alguém desenvolva o conhecimento

estatístico, não passará a ter comportamento ético. Qualquer pessoa pode agir

eticamente, conhecendo ou não Estatística. Ainda não percebe a Estatística

envolvida com temas de viés sociológico. Para ele, os resultados das pesquisas

podem ajudar a entender fatores humanos, como no caso da ética, mas não sabe

dizer como.

Nas primeiras entrevistas, o Aluno 4 concordou principalmente sobre a

importância da comunicação gráfica e que, para comunicar resultados, é importante

expressar os dados utilizando o conhecimento estatístico. A partir da utilização da

Probabilidade, também é possível encontrar erros e defeitos da produção. Não

soube se posicionar sobre atuação em equipes multidisciplinares utilizando o

conhecimento estatístico. Além disso, confundiu a noção de interdisciplinar na

qualidade de diálogo entre diferentes áreas profissionais com a utilização simultânea

de disciplinas no mesmo trabalho. Não relacionou o conhecimento estatístico e ética

(o que ainda persiste), mas concordou que se deve seguir os preceitos que estão no

manual sobre o tema. Percebe que existem impactos das atividades da engenharia

sobre contextos sociais e ambientais e que a coleta de dados usando instrumentos

aprendidos nas aulas de Estatística pode ajudar a diminuir impacto ambiental.

Acreditava inicialmente que as fórmulas de Estatística podem ser usadas em

pesquisas voltadas para a diminuição dos impactos ambientais e exemplificou com o

tema poluição e verificação do seu grau. As atividades de extração mineral e

industriais exercem pressão ambiental e a Estatística pode ser um instrumento para

procurar soluções. Atualmente, o aluno considera a comunicação oral essencial,

porque um Engenheiro de Produção convive muito com o ser humano e, ao lidar

mais com o fator humano, é necessário ser um bom líder. Daí a importância de

saber falar com as pessoas. Lembrou-se que a disciplina de GQ usa maciçamente a

comunicação gráfica para analisar anomalias e resolver problemas. Em quase todos

os estudos utilizou gráficos para chegar ao problema principal, obter a solução,

amenizar o problema e alcançar a meta estabelecida. É mais fácil entender um

resultado expresso graficamente, mas as pessoas nem sempre conseguem ler e

119

compreender o que nele está representado. Após uma pesquisa, é melhor fazer

gráficos para explicar a um leigo as demandas principais, pois considera mais fácil

as pessoas interessarem-se mais por uma representação gráfica do que por um

texto. Uma área pode se envolver com outras e um exemplo é a gestão de risco,

ligada à área contábil, que está entrelaçada com a EP, além de demandar trabalho

em equipe. Quando se trata de sustentabilidade, a Estatística pode ser usada da

mesma forma que na resolução de outros tipos de problemas, pois é possível

empregar esses métodos em todas as áreas. Ainda não sabia se posicionar sobre a

possibilidade da Estatística colaborar na compreensão de aspectos políticos.

O Aluno 5 incialmente considerou que as habilidades de comunicação

relacionadas ao estudo de Estatística servem para melhor demonstrar um

desempenho. Tanto na comunicação escrita quanto na oral, o engenheiro utiliza

palavras de um vocabulário específico da Matemática. A linguagem gráfica serve

para demonstrar resultados e, da mesa forma que o aluno 4 em sua última

entrevista, reconheceu que as pessoas têm dificuldade para ler e entender gráficos.

Percebe a Estatística como ferramenta útil para a indústria medir qualidade e

desempenho, entendendo esta última como uma medida que pode ser expressa

graficamente. Citou como exemplo o problema da quantidade de peças defeituosas

descartadas que necessitam do desenvolvimento de métodos para melhorar a

situação na qual são produzidas. Disse também que é necessário reconhecer onde

estão os erros, gargalos e afunilamentos para melhoria dos processos. Em relação à

atuação em equipes multidisciplinares, sua percepção foi que a Estatística utilizada

para medir desempenhos pode ser levada para os outros campos profissionais. Não

conseguiu relacionar conhecimento estatístico à ética e responsabilidade da

profissão. Seu entendimento era que assumir uma responsabilidade requer o

cumprimento de padrões de comportamento ético esperados do engenheiro, que

não estão exatamente ligados à sua formação estatística. Ao avaliar impactos da

Engenharia nos contextos social e ambiental, vinculou a Estatística à medição e

argumentou que o desenvolvimento de um projeto em uma empresa necessita da

medição de futuras influências da sua presença no cotidiano das pessoas ao seu

redor. Inicialmente não via outra função para a Estatística, a não ser medir e

mensurar quantidades e comentou que, por meio da Estatística, consegue-se

manipular dados e resultados. Afirmou que conhecendo um pouco dessa Ciência é

120

possível saber se um resultado reflete ou não a realidade, pois ele depende dos

procedimentos utilizados para organizar os dados, de acordo com o que se achar

mais interessante divulgar. Disse que essa manipulação é possível porque a

Estatística não é uma Ciência dotada dos mesmos padrões de exatidão da

Matemática, que tem capacidade de dizer com certeza o que é real. A Estatística

apenas indica o que é bem provável ocorrer, por isso fornece ferramentas para

manipular resultados. Outro exemplo citado foi o da indústria farmacêutica, que pode

apresentar um medicamento eficaz em até 99% dos casos tratados. Dependendo da

forma usada para fazer cálculos, 99 podem ser publicados como prova de eficácia,

mas quanto mais se expande a população estudada, existe a possibilidade do

medicamento fazer efeito ou não. Acredita que o conhecimento estatístico pode

colaborar para estudar a utilização de recursos escassos, destinação final de

resíduos e rejeitos, atentando para a sustentabilidade. Acha que essa preocupação

é um dos principais conceitos na EP: a necessidade de fazer sempre mais, utilizando

menos quantidades e da melhor forma possível é continuamente lembrada, pois não

se pode perder qualidade para fazer mais ou com objetivo de utilizar menos. Pensa

que se deve buscar a melhoria contínua e, nesse caso, a Estatística serve para

medições e as ferramentas que ela proporciona facilitam identificar a quantidade

exata de perdas e formas de melhorar os processos. A exatidão em Estatística não

ocorre na prática, mas quanto mais precisa for a identificação de um problema,

melhor será a solução alcançada. Afirmou que o conhecimento estatístico também

pode ajudar na melhoria contínua e que existem possibilidades de utilizar os

conteúdos aprendidos na identificação das influências ambientais dos sistemas de

produção. Comentou que, de forma geral, por meio de estudos e acompanhamento

dos processos, pode-se medir como a sociedade e o ambiente são afetados. Na

terceira entrevista, deixou claro que a Estatística serve para medida de desempenho

e ainda persiste nessa concepção de ferramenta de controle instrumento de

medição por excelência. Também tem a firme ideia de que, dependendo dos usos

do conhecimento estatístico, os resultados são manipulados, pois conseguem-se

respostas diferentes que podem ser melhores ou piores, dependendo de como se

usam os números. A medição de desempenho não se restringe à área de Produção

e a ideia pode ser levada para outras profissões, pois a Estatística pode ser usada

no dia a dia de qualquer profissão. Continua não entendendo como essa Ciência

pode se relacionar com a ética na atuação profissional, considera impossível

121

manipular permanentemente todos os dados e que uma pessoa ética vai apresentá-

los de forma correta. O aluno pensa que a Estatística pode colaborar para

desenvolver de forma eficiente a comunicação nas formas oral, escrita e gráfica.

Considera viável atuar em equipes multidisciplinares utilizando o conhecimento

estatístico como meio de comunicação. Para ele, a avaliação do impacto das

atividades da engenharia no contexto social e ambiental é uma oportunidade de

aplicar a Estatística, como no caso de um projeto para medir as interferências

ambientais e sociais da instalação de uma empresa. Isso ajudaria a saber até que

ponto uma indústria pode prejudicar e, se isso ocorrer, a coleta de dados e os

cálculos ajudariam na tomada de decisões sobre o que exatamente tentar para

reverter a situação.

4.5.1 Considerações e subcategorias

Considerando que, na pergunta 2, a palavra habilidades enquadra uma

categoria, temos 6 subcategorias, a saber: aplicabilidade, previsão, controle,

manipulação de dados, repasse e comunicação de dados e informações e

pensamento fragmentado.

A primeira subcategoria engloba percepções de que a Estatística pode

ajudar na melhoria contínua e identificação de influências que os sistemas de

produção exercem sobre o ambiente. Além disso, ela também pode ser utilizada

para levantar o perfil das pessoas, analisar o ambiente e os grupos dentro de cada

setor de uma organização, objetivando compreender a atuação de cada um. Para a

indústria, o conhecimento estatístico é ferramenta útil na aferição da qualidade e do

desempenho de qualquer setor. Um dos entrevistados não via outra função a não

ser a de mensurar quantidades, inclusive, na avaliação de equipes multidisciplinares.

Considerando a subcategoria previsão, pode-se notá-la fortemente

associada à anterior, com a informação estatística percebida como instrumento de

previsão de comportamentos. O mapeamento de características pessoais é visto

como direcionador do gerenciamento de pessoas.

A Estatística também foi percebida pelos alunos como instrumento de

controle, necessária ao reconhecimento de erros, gargalos e afunilamentos da

122

produção para melhoria de processos produtivos. Do ponto de vista do aluno, isso

pode ser estendido a estudos de impactos ambientais, utilização de recursos

escassos e destino final de resíduos e rejeitos, para a garantia da sustentabilidade.

Outro uso apontado para a Estatística são as aferições que ela proporciona,

constituindo-se em ferramenta que facilita medir, utilizar um produto e identificar

quantidades exatas de perdas, com objetivo de melhorar processos de produção.

Por fim, a mensuração é considerada tão importante que não existe melhor forma de

expressar, inclusive, as análises dos impactos e a verificação de que uma instituição

age de acordo com a legislação ambiental.

Na subcategoria manipulação de dados, foram agrupadas as percepções

sobre os resultados estatísticos. Considerou-se que o resultado de uma pesquisa

depende do método utilizado. Logo, por meio da Estatística, consegue-se manipular

dados e resultados. Portanto, dependendo de quem a use, essa Ciência tem a

capacidade de proporcionar análises distorcidas de uma realidade. Falta-lhe a

exatidão, atributo normalmente atribuído à Matemática, e isso permite manipulações.

A Estatística, por não apresentar a realidade dentro de padrões de certeza, mostra o

que é provável acontecer. Daí a sua possibilidade de apresentar dados falsificados.

Passando para a subcategoria repasse e comunicação de dados e

informações, três aspectos são mais citados. Primeiramente, a linguagem gráfica

serve para representar resultados e é considerada a melhor maneira de expressar e

dar compreensão às informações. Resultados na forma de gráficos e tabelas

facilitam a visualização, o entendimento e a identificação de dados e informações.

Visualizar facilita, por exemplo, entender melhor os dados do que ao ler um relatório

completo. O segundo aspecto é de que dados estatísticos servem para expressar

melhor um desempenho. O terceiro relaciona-se à ética social. A Estatística é

considerada útil em pesquisas para saber o que pensam os membros de uma

sociedade em relação ao que é ético.

Por último, temos a subcategoria pensamento fragmentado, que se

apresenta a seguir. Começando pela percepção de que a Estatística não está ligada

a qualquer dos tópicos citados na pergunta, em seguida temos alunos que não

relacionam o curso com a atuação em equipes multidisciplinares. Ocorreu a

percepção de que a Estatística pode ser articulada à comunicação, mas a

123

predominância é a parte gráfica (ou não se considerou qualquer elo entre Estatística

e as três modalidades). Não se percebeu possibilidade do uso de conhecimento

estatístico na compreensão e aplicação da ética e responsabilidade profissional, ou

elas foram associadas à responsabilidade de cada instituição (e suas relações

particulares com os códigos). As habilidades para avaliar o impacto das atividades

de engenharia no contexto social e ambiental, também foram consideradas ações

individuais de cada empresa. Não se considerou que padrões de comportamento do

engenheiro podem ser influenciados pela sua formação estatística.

4.6 Respostas à pergunta 3

Um documento elaborado após diversas reuniões do grupo de trabalho da ABEPRO

(Associação Brasileira de Engenharia de Produção) para a graduação recomenda

que o formando tenha um perfil que inclui a capacidade de considerar aspectos

humanos, econômicos, sociais e ambientais, dentro de uma visão ética e

humanística, atendendo às demandas da sociedade. Você vê possibilidades de

utilizar os conteúdos de Estatística como instrumento para identificar influências que

os sistemas de produção exercem sobre o ambiente? Se sim: Em relação à

utilização de recursos escassos e ao destino final de resíduos e rejeitos existe a

necessidade de atentar para a exigência de sustentabilidade. Como o seu

conhecimento estatístico pode colaborar no estudo dessas situações? Se não: Por

que você se vê impossibilitado de perceber possibilidades de utilizar o conhecimento

estatístico na análise de situações descritas na pergunta?

Nas duas primeiras entrevistas o Aluno 1 concordou que a Estatística pode

ser usada para prever acontecimentos futuros a partir do presente. No caso de

dejetos lançados na natureza, de acordo com a proporção de material residual

lançado, seria possível prever problemas por meio da Estatística. Atualmente

considera que a questão ambiental necessita mesmo da captação de dados e sua

transformação em informações e disse que a Estatística também ajuda a perceber

aspectos sociais e econômicos. Não via como demandas sociais podem ser

estudadas quantitativamente, mas poderia haver alguma relação, associada à

indústria e a necessidade de previsão. Pensa que o problema da demanda, do erro

124

e do Controle Estatístico da Qualidade (CEQ) são questões que influenciam a

sociedade de forma geral.

Inicialmente o posicionamento do Aluno 2 era o de que, com o decorrer do

tempo, a questão ambiental passou a ser mais discutida, principalmente em relação

ao destino de resíduos e avaliação de impactos. Dados devem possibilitar a

mensuração, mostrar o local exato para destino de resíduos e o que pode ser feito

para não prejudicar o meio. Percebe que a questão ambiental e a socioambiental

ocorrem em todas as áreas, causadas pelo aumento de exigências legais para a

certificação ambiental. Na verdade, as empresas não fazem tudo preocupadas

apenas com o ambiente, mas sim com elas próprias. Segundo o aluno, a divulgação

dos métodos de controle que existem na empresa é para preservar a sua imagem,

porque o mercado consumidor pode rejeitar seus produtos e até abandoná-los.

Sobre o fato de repetir diversas vezes o termo mensurar e dar importância à

mensuração, o aluno pensa que isso se deve às formas pelas quais se apresentam

as quantidades apuradas nas pesquisas. Utilizam-se muitos dados para mensurar

impactos, riscos, prejuízos, ou benefícios que os sistemas produtivos podem gerar

para o ambiente, para a sociedade e até mesmo para a cultura das pessoas. Como

exemplo, disse que um segmento da produção pode afetar a cultura ao instalar uma

fábrica em um lugar novo e é necessário conhecer a cultura do local.

Nas primeiras entrevistas, o Aluno 3 declarou que métodos estatísticos de

análise podem identificar impactos da EP na sociedade, no ambiente e temas afins.

Sobre os recursos escassos, a partir de análises estatísticas é possível agir em

relação ao grau de degradação e desgaste ambiental. Porém, na ausência de uma

análise estatística, o aluno pensa que não é possível saber o que está sendo

impactado, de que forma ou mesmo se impactos estão ocorrendo. Caso não tenha

dados claros sobre as fontes de recursos, também acha que não é possível ter ideia

de quando ou se haverá esgotamento do que é extraído. O aluno considera que a

Estatística pode ser utilizada para facilitar o entendimento da necessária atitude da

empresa em relação ao recurso utilizado. Na terceira entrevista considerou que a

análise estatística é fundamental para ter base do que dizer e quais atitudes a

empresa deve tomar. Sobre como agir ao constatar um impacto a partir do

conhecimento estatístico, o aluno reforçou a importância dos dados estatísticos.

Segundo o aluno, sem eles não se conseguem muitos avanços. Também manteve a

125

concepção de que o conhecimento estatístico serve à premeditação de ações e que

os dados podem dar ideias do que fazer.

O Aluno 4 lembrou da utilização da probabilidade para calcular a média de

vida das pessoas. Em se tratando da utilização de Estatística para identificar

influências exercidas pelos sistemas de produção sobre o ambiente, pensa que a

plotagem dos dados e a verificação das frequências de repetições são importantes.

No tratamento dos recursos escassos, destino final de resíduos e rejeitos, atentando

para a exigência de sustentabilidade, vê que pode utilizar o conhecimento estatístico

para proteger o ambiente. Os dados coletados hoje podem servir para projetar

resultados futuros e, a partir disso, cuidar de diferentes tipos de recursos para que

não se esgotem futuramente. Na terceira entrevista, considerou que para avaliar

impactos e o uso de recursos escassos, pode usar a Estatística para aprimorar

métodos de análise. O aluno partiu da ideia simples de que tratar da

sustentabilidade é pensar no cuidado com o ambiente agora, objetivando assegurar

a próxima geração. Pensa que, para tentar manter o que se tem agora, são

necessárias pesquisas, que verifiquem se a qualidade de determinada situação é

mantida, piora ou melhora. Para o aluno, a Estatística pode ser utilizada não apenas

no ambiente fabril, mas em diversos estudos da sociedade e de problemas

ambientais relativos à sustentabilidade e que a Engenharia de Métodos (EM), por

exemplo, envolve a relação do trabalhador com ambiente e a segurança do trabalho.

Se o ambiente não estiver adequado, afetará a saúde e o desempenho da função. O

aluno observou que, na prática, os estudos desses temas podem aplicar os mesmos

métodos de disciplinas da formação técnica.

Inicialmente o Aluno 5 pensava que olhar a área social implica na

capacidade de ver necessidades, exemplificando com o uso de dinheiro público.

Segundo ele, essas verbas são utilizadas em construções e reformas que

desperdiçam recursos públicos. Se as avaliações dos gastos fossem feitas mais

eticamente, pensa que não se desperdiçariam recursos, e seriam canalizadas

verbas para ações de melhoria do bem estar da sociedade. Atualmente, ele pensa

que a Estatística pode ser utilizada para verificar a influência ao redor de um

empreendimento. No caso de uma fábrica, quando ela é projetada, uma

preocupação deveria ser a existência de mão de obra local próxima. Já em relação

ao uso de recursos escassos, acha que isso tem simultaneamente as finalidades

126

social, econômica e ambiental, pois pode-se gastar menos ao reutilizar ou reciclar

insumos.

4.6.1 Considerações e subcategorias

Considerando que na pergunta 3 a palavra perfil representa uma categoria,

temos a repetição das subcategorias aplicabilidade, controle e previsão. Na

aplicabilidade, a Estatística foi percebida como instrumento para identificar e facilitar

o entendimento sobre impactos. Mensurar foi associado a uma forma de expressar

dados apurados em pesquisas e o resultado pode mostrar o local exato do destino

de resíduos.

Na subcategoria controle observa-se a necessidade de ter dados em mãos

que comprovem consequências de atitudes, necessidade essa voltada para a

tomada de providências que corrijam falhas. Emerge então outro aspecto: a análise

estatística pode fundamentar o que dizer aos funcionários de uma empresa e

justificar quais serão as atitudes assumidas. O conhecimento estatístico também foi

considerado útil para verificar o funcionamento de sistemas.

A previsão foi a terceira subcategoria de percepção encontrada para a

análise estatística. Os alunos consideraram que a Estatística serve para prever o

que acontecerá, considerando-se os dados do presente. São necessários dados

claros sobre fontes de recursos para saber quando ou se haverá esgotamento. A

Estatística também foi considerada importante para calcular a proporção de dejetos

e resíduos suportados pelo ambiente.

4.7 Respostas à Pergunta 4

O documento da ABEPRO citado na pergunta anterior vê a necessidade de: ter

capacidade de identificar, modelar e resolver problemas; ter a compreensão dos

problemas administrativos, socioeconômicos e do meio ambiente; ter

responsabilidade social e ambiental; “Pensar globalmente, agir localmente”; Você

poderia dizer se a Estatística pode ser ligada a essas habilidades? Se sim: Como se

dariam essas ligações? Se não: Por que você pensa que essas habilidades não têm

ligações com o conhecimento estatístico? Por quê?

127

Nas duas primeiras entrevistas, o Aluno 1 lembrou que, em uma linha de

produção, a modelagem estatística é essencial para prever falhas e acertos a serem

feitos. Disse que o conhecimento estatístico deve ter ligações com a questão

econômica, mas não percebeu aplicabilidade nos estudos da sociedade,

considerando-o de fundo mais quantitativo. Afirmou que o que muda a sociedade

são questões práticas e que calculando por meio de conceitos estatísticos, pode-se

transformar objetos para a sociedade usar. A relação entre pensar globalmente e

agir localmente é a transformação do pensamento geral para tratar uma amostra e

uma ação pequena pode gerar impactos maiores. Pensa que a capacidade de

identificar, modelar e resolver problemas tem a ver com o fato de desejar

transformar, modelando para algo mais genérico. Sobre a questão da gestão

administrativa, lembrou do problema de produzir objetos defeituosos, refletindo que

primeiramente é necessário identificar os problemas, que podem ser ambientais,

como no lançamento de dejetos na natureza e que é possível buscar soluções para

diminuir as quantidades lançadas ou prever o valor máximo aceitável de

lançamentos. O aluno pensa que transformar dados em informação significa que

eles de forma geral não têm valor em si. Saber a altura média de uma população,

por exemplo, serve para verificar se alguém é alto ou baixo em relação à média. Isso

seria transformar dados em informação para poder avaliar algo. Na terceira

entrevista, ainda não via aplicações das ferramentas estatísticas que aprendeu no

estudo de questões sociais. Continua com a ideia de que é possível estudar

determinadas questões usando diferentes instrumentos estatísticos. Exemplificou

com a curva normal, que descreve tendências centrais como e dispersão de dados.

Em sua primeira entrevista, o aluno 2 considerou que a capacidade de

identificar, modelar e resolver problemas está ligada à possibilidade de identificá-los,

mas que não é fácil modelar a resolução. Para ele, é possível identificar as

informações fazendo mensurações e resolver o problema a partir de um estudo

serve para identificar viabilidades. Também refletiu sobre problemas administrativos,

socioeconômicos e do meio ambiente e pensa que podem ser associados às formas

de mensurar. Além disso, é possível estudar a população por meio de dados, pois as

formas de coleta e análise geram informações precisas para produzir relatórios de

previsão de desdobramentos futuros. Ao invés de textos extensos, segundo ele é

mais fácil apresentar os resultados das pesquisas na forma de dados, para ajudar a

128

compreensão de quem examina os relatórios. Também segundo o aluno, os dados

estatísticos são úteis para estudar a responsabilidade social e ambiental e são ponto

de partida para refletir sobre ambos. Considerou que “pensar globalmente, agir

localmente”, tem ligações com a estatística, pois o panorama global pode ajudar a

analisar as ações locais. O contexto global seria um guia para agir localmente, a

partir dos dados. Nas ligações da Estatística com as habilidades citadas, ressaltou

as formas de analisar a população e o ambiente, vendo a necessidade de mensurar

e apresentar feedbacks. Percebeu ligações entre diferentes formas de analisar

populações em determinados locais. Exemplificou com a introdução de um novo

produto no mercado. Todas as informações sobre o meio servem para obter

respostas às questões. Embora ressalte a importância dos dados estatísticos,

afirmou que nada é produzido com total acerto e podem acontecer erros, pois as

máquinas são factíveis de problemas. Disse que para relacionar essas partes é

importante controlar a variação e, na verdade, deve-se ter tudo mensurado,

identificando a margem de erro para contornar a dificuldade, caso algo saia do

padrão. Na terceira entrevista, relatou que no estágio conseguiu entender como

relacionar os problemas do setor e identificar soluções dentro do ambiente

administrativo. A estatística ajuda a relacionar e obter as informações mais precisas,

usadas para entender o que acontece no ambiente ou na sociedade. Considerou os

problemas ambientais, sociais e administrativos parecidos, porque em todos os

casos é necessário analisar tudo. Acha que a melhor forma de apresentar soluções

é usando dados mensuráveis para compreender mais claramente ou melhor resolver

um problema. Quando se procuram dados para obter relações fica mais fácil

visualizar a solução e isso ajuda na compreensão e na busca de melhorias, pois,

com informações e dados se consegue entender como o ambiente e a sociedade

são afetados. Atualmente pensa que a modelagem é um método analítico e que um

problema pode ter diversas causas e a Estatística ajuda a relacioná-las, obtendo

informações mais precisas.

O Aluno 3 tinha a ideia inicial de que, nesses pontos, são claros o uso da

Estatística, mas não são apenas os conteúdos aprendidos no curso que ajudarão a

identificar, modelar e resolver problemas. Segundo ele, pode-se conseguir modelar

com o uso da Estatística e, caso ela não resolva, podem ser utilizados modelos

matemáticos, incluindo equações diferencias e as derivadas parciais. Também que

129

se pode usar a Física e tudo isso estaria englobado nos recursos científicos. Porém,

na sua opinião, é mais fácil usar a Estatística. Acha que a análise de problemas

administrativos, socioeconômicos e do meio ambiente recai sobre a parte

administrativa e que por meio de pesquisas em cada área é possível encontrar

valores médios e números significativos que permitam compreender os fatos. Não

viu com muita clareza ligações da responsabilidade social e ambiental com a

Estatística. Não percebia como incluir a Estatística na análise de responsabilidade

social e ambiental e sua posição ainda era essa na segunda entrevista. Sua ideia

sobre pensar globalmente e agir localmente é a de que os dados globais servem

como referência que direcione a ação local a partir da identificação de marcos.

Continua com o pensamento de que não se pode lidar melhor com os problemas na

ausência de dados. Sem eles, não se consegue tratar de problemas humanos,

socioeconômicos, sociais, das Ciências Humanas e até mesmo a questão ambiental.

Diz que se estuda melhor os problemas sociais quando se leva para o lado das

análises estatísticas.

Para o Aluno 4, a Estatística realmente pode servir para ampliar horizontes,

facilitar a identificação e a resolução de problemas. Também considera necessário

ter um bom raciocínio lógico e para ele a capacidade de modelar está ligada ao

conhecimento estatístico. Ao falar sobre a compreensão de problemas

administrativos, socioeconômicos e do meio ambiente, considerou o raciocínio lógico

necessário aos trabalhos desenvolvidos com Estatística. A evolução do raciocínio

facilita a leitura de textos e a compreensão de situações problema. Associou a

responsabilidade social e ambiental à busca e coleta de dados que favoreçam

desenvolver métodos para resolver problemas ambientais e a desigualdade social.

Para o aluno, pensar globalmente e agir localmente com o envolvimento da

Estatística foi considerada uma ideia difícil de associar e uma questão que não é

fácil de responder. Perguntado como percebia o desenvolvimento do próprio

raciocínio lógico, disse que os exemplos levados pela professora para a sala de aula

colaboraram para tal. Lembrou dos exercícios que tratam de falhas na produção e da

diminuição do total de defeitos do processo produtivo. Segundo ele, na fábrica ou

em qualquer setor de trabalho, a Estatística é tem uma presença marcante. Não ter

conhecimento aprofundado prejudica perceber o que é a Estatística, pois não se

trata de uma Ciência que trabalha apenas com gráfico e representações correlatas,

130

ela envolve cálculos e utiliza muitas fórmulas, cada uma delas com aplicação

específica. Também considera a Estatística presente em aplicações diversificadas,

pois atualmente tudo demanda pesquisa e análise de dados para fazer previsões,

resolver e analisar situações. Classificou a Estatística II uma disciplina de análise e a

Estatística 1 ligada aos cálculos. Na terceira entrevista, o aluno lembrou que estudou

a função do trabalhador, a segurança individual e o ambiente. Se este não estiver

adequado, afetará diretamente a saúde do trabalhador, mas ainda existem indústrias

que não seguem esse preceito, porque o custo de produção aumentará. Diz que o

mesmo ocorre em relação aos problemas ambientais e que a Estatística pode se

envolver em estudos econômicos e sociais, com objetivo de manter a produtividade

do país e, ao mesmo tempo, cuidar do ambiente e das pessoas. Na disciplina de

GQ, lembrou ter utilizado a Estatística para identificar e resolver problemas. A parte

gráfica ajudou a analisar as situações.

Para o Aluno 5, as ligações existem quando, ao fazer medições, obtém-se

parâmetros e dados estatísticos. Portanto, a Estatística ajudaria a identificar o que

deve ser melhorado e mostrar pontos específicos de perda e de variação.

Inicialmente não via ligações entre a compreensão de problemas administrativos,

socioeconômicos e do meio ambiente com o conhecimento estatístico. O que se

consegue é pontuar os problemas para tentar resolvê-los. Em relação às situações

problema, disse que podem ocorrer dois casos: não conseguir identificar o problema

a ser resolvido, ou saber do que se trata, mas não identificar as quantidades

envolvidas na resolução. A Estatística ajuda a pessoa que a conhecem a conseguir

algum dado, por mais aproximado que seja, para encontrar as soluções. Tomou

como exemplo a quantidade de peças perdidas na produção e o que fazer para

diminuir as perdas. A partir do momento em que se começa a medir e controlar é

possível verificar se o sucesso realmente foi alcançado. Considera que os problemas

administrativos são resolvidos utilizando a Matemática, pois ela possibilita entender

melhor o ocorre e de que forma os fatos se desenrolam. A partir daí, pode-se

pontuar o que ocorre e quantificar de forma exata (ou bem próxima) para tomar

decisões. Na sua concepção, as questões matemáticas são ligadas diretamente aos

problemas administrativos, pois, para administrar de forma correta, são necessários

dados precisos e que é impossível administrar sem informação e dados relativos à

capacidade que pode ser usada. Apontou a necessidade das mensurações

131

permanentes e que a quantificação é importante e essencial para o sucesso de uma

empreitada. Na concepção do aluno, pensar globalmente e agir localmente é uma

questão ligada à percepção de tudo o que acontece ao redor e que determinadas

decisões não podem ser tomadas apenas considerando dados de um ambiente

específico ou de uma situação restrita. O aluno afirmou que a boa solução para um

caso, pode não servir para outro e que conhecer o global é buscar o conhecimento

do que acontece ao redor, identificar os pontos positivos, levando aquilo para o

cotidiano da empresa. Na terceira entrevista, o aluno considerou que na verdade, na

hora de buscar a melhoria, a definição do problema é muito importante, pois muitas

vezes basta resolver algo minúsculo e que afeta a cadeia de produção.

4.7.1 Considerações e subcategorias

Considerando que na pergunta 4 a palavra necessidade enquadra uma

categoria, temos a repetição de aplicabilidade, controle, pensamento fragmentado,

previsão e repasse e comunicação de dados e informações. Emergiram agora 2

novas subcategorias: desenvolvimento de habilidades e mensuração.

Desta vez a subcategoria aplicabilidade caracteriza-se pela compreensão de

que a Estatística é instrumento para modelar e resolver problemas, analisar

panoramas globais, buscar dados para desenvolver responsabilidade ambiental e

social, além de apoiar a administração. Por meio da Estatística consegue-se

mensurar, identificar informações, resolver problemas e identificar viabilidades.

Também pode identificar, modelar e resolver problemas quando se transforma e

modela algo particular de forma generalizada.

Com dados globais é possível estudar possibilidades de ação e a análise do

contexto global pode guiar ações locais. Existem decisões que não podem ser

tomadas apenas considerando dados restritos. A reponsabilidade social e ambiental

foi associada à coleta de dados para diminuir impactos ambientais e de

desigualdades sociais. Encontrar valores e números significativos melhora a

compreensão dos fatos. A administração correta necessita de dados precisos e é

impossível administrar sem informações e dados.

132

Na subcategoria controle estão o levantamento de falhas e erros, para

identificar pontos de perdas e diminuir a incidência desses eventos. Também foi

associada à melhoria da qualidade de processos e à essência de instrumento de

controle e medição. Tudo deve ser mensurado, identificando margens de erro para

controlar padrões. A Estatística ajuda a identificar problemas que, resolvidos,

diminuem erros dentro das empresas. Medições e controles possibilitam melhorar

processos e verificar se o sucesso foi alcançado. Dessa forma, a Estatística é

essencialmente um instrumento de controle e de medição, que permite identificar e

controlar a partir de dados globais. Estes servem de referência para a ação local,

identificação de marcos e direcionamento de ações.

A subcategoria desenvolvimento de habilidades contempla as seguintes

percepções: para identificar um problema é necessário ter raciocínio lógico

desenvolvido; a Estatística pode ampliar horizontes e facilitar a identificação do

problema real que se deve resolver; o conhecimento estatístico também desenvolve

a capacidade de modelar.

Inicialmente, a subcategoria mensuração está ligada à necessidade

permanente de mensurações, o que significa apresentar informações para traçar

cenários futuros. Isso se aplica tanto na análise da população e do meio quanto na

gerência de uma fábrica e à previsão de impacto ambiental gerado por uma

empresa. Aplicações da Estatística em estudos da sociedade foram associadas com

a indústria e a necessidade de previsão.

A previsão foi uma subcategoria caracterizada pela capacidade de descrever

situações futuras, ligadas a influências da atividade industrial sobre a sociedade.

Previsão foi associada a antecipação de demandas, de erros e ao controle de

qualidade. Além disso, existe a possibilidade da Estatística prever valores máximos

de elementos poluentes que podem ser liberados no ambiente.

O repasse de informações e dados é a subcategoria em que se incluiu as

seguintes concepções: instrumento de coleta e análise de dados para gerar

informações; dados como elementos facilitadores de compreensão; ponto de partida

para análises; necessidade de feedbacks; análise de populações; obtenção de

informações sobre determinado meio; obter parâmetros e dados informados

133

estatisticamente; tratar de amostras para que ações pequenas possam gerar

resultados maiores.

Finalmente, a subcategoria pensamento fragmentado reúne concepções

sobre a impossibilidade de articular a Estatística aos elementos da pergunta 4. São

exemplos: não relacionar a Estatística à compreensão de problemas administrativos,

socioeconômicos e do meio ambiente; não perceber claramente articulações entre

conhecimento estatístico e análise de responsabilidade social e ambiental; aceitar

ligações da Estatística com a Economia, mas não ver aplicabilidade em relação ao

estudo da sociedade; associar a resolução de problemas administrativos à

Matemática e não à Estatística; não ver como demandas sociais podem ser

estudadas quantitativamente.

4.8 Respostas à Pergunta 5

Você vê ligações entre o conteúdo de Estatística estudado, demandas sociais e

posicionamento político nos elementos citados nas perguntas anteriores

(posicionamento político, mas não partidário)?

O Aluno 1 viu as ligações entre Estatística e os estudos citados na pergunta.

Também considerou possível extrair informações do contexto social por meio de

pesquisas estatísticas. Acha que a influência política ocorre ao querer influenciar

mudanças e que isso se relaciona à liderança e não a questões partidárias. Diz que

nesse quadro está o aperfeiçoamento da produção para tornar algo melhor para as

pessoas. Ao pedir que explicasse melhor o que considera comportamento médio e

sua importância, disse que a média, de forma geral, não dá relevância aos extremos

e que desconsiderando-os, o raciocínio volta-se para valores médios e, portanto,

esse o comportamento não diz respeito a extemos. O conceito de demanda na

terceira entrevista foi associada à previsão de vendas futuras e comportamentos

sazonais, cálculo de erro e CEQ. Voltou a tocar no mundo dos físicos, ainda

considerando que seus problemas fogem à realidade social.

O Aluno 2 inicialmente percebia que os acontecimentos no meio político

refletem sobre o meio social e a apuração de dados serve para mostrar como isso

acontece. Segundo o aluno, estudos estatísticos podem apresentar a evolução do

134

meio político e orientar ações a partir dos dados obtidos. Acha que ao analisar o

meio ambiente é possível aplicar muito mais os dados do que na política. Mesmo

que se obtenham dados que geram informações, o meio político não os utiliza como

poderia. A ligação com a Estatística seria mostrar como o meio político evolui e

também identificar como as pessoas veem o que mudou de um período a outro. Na

terceira entrevista, o aluno manteve a percepção que o posicionamento político

relaciona-se ao conhecimento das informações para constatar e entender

tendências em época de eleição. Além disso, acha que as pesquisas podem ser

empregadas para verificar se a sociedade enxerga os fatos de uma forma ou se

deixa influenciar pelas informações passadas. Diz que sobre as demandas mais

exigidas socialmente, por meio de estudos é possível supri-las e satisfazer as

maiores necessidades.

Inicialmente o Aluno 3 considerou que é possível retirar informações do

contexto social. Apesar de não ver ligação clara da Estatística com demandas

sociais e o posicionamento político, sua ideia era a de que se pode transformar

dados em informações e concluir a respeito desses temas. Comentando sobre o fato

de não perceber ligações entre eles os elementos da pergunta, disse que não pegou

nada no ar. Não negou que não possam existir tais relações e considerou a falta de

percepção um problema pessoal. Na terceira entrevista não expôs seu ponto de

vista sobre as ligações com o posicionamento político nem se posicionou em relação

às demandas sociais.

Para o Aluno 4, o caráter político corresponde às promessas dos candidatos.

Apresentou como exemplo voltado para o atendimento de demandas sociais

colocação em prática projetos para erradicar a pobreza, pois eles podem iniciar com

a obtenção de dados sobre quantidade de pessoas pobres. Então, a partir do

levantamento, ações devem ser planejadas para diminuir a pobreza e acha que

depois de iniciado o projeto é necessário realizar outra pesquisa utilizando diferentes

abordagens estatísticas, para ver se o problema foi resolvido. Sua concepção ainda

é a de um universo político repleto de erros e corrupção. Não soube opinar a

respeito de articulações entre Estatística, demandas sociais e posicionamento

político, mas pensa que as decisões não são tomadas a partir dos dados existentes.

Sobre a compreensão de demandas sociais por meio da Estatística, disse que a

leitura dos gráficos ajuda a compreender os dados de uma pesquisa.

135

O Aluno 5 percebia ligações entre o conteúdo de Estatística com as

demandas sociais e o posicionamento político. Sua justificativa foi que, quando se

conhece uma área, por mais superficial que seja o conhecimento, os horizontes

podem ser expandidos. Saber Estatística permite identificar diferentes elementos do

meio e, a partir do seu uso, é possível manipular dados a favor de uma opinião.

Quando se sabe que informações podem ser obtidas a partir de dados manipulados,

conhecer Estatística permite buscar as intenções e a verdade por trás de atos e

fatos. Acha que a Matemática permite levantar dados, informações e é instrumento

de medição. No caso da Estatística o conhecimento pode ajudar a entender de fatos

cotidianos. Considera que a maioria da população não entende determinados

procedimentos estatísticos e não percebe manipulações e que dados econômicos e

sociais podem ser manipulados para passar a ideia de crescimento, mas apenas do

ponto de vista de quem os prepara para apresentar ao público. Pensa que usando

conhecimento estatístico é possível, de acordo com a real intenção, manipular dados

de diferentes formas e mostrar se eles devem ser considerados positivos, ou

negativos (ou apresentar da melhor forma para que a mesma informação aparente

ter forma negativa ou positiva). Na terceira entrevista, novamente associou o estudo

de demandas sociais e posicionamento político com manipulação de dados para

chegar a resultados favoráveis. Citou um erro na Pesquisa Nacional por Amostra de

Domicílios (PNAD), divulgada pelo IBGE em setembro. Isso o deixou desconfiado

em relação à honestidade dos dados, embora o Instituto goze de credibilidade.

4.8.1 Considerações e subcategorias

Considerando que na pergunta 5 a palavra ligações enquadre uma

categoria, temos a repetição da aplicabilidade, da manipulação de dados, da

mensuração, do pensamento fragmentado e do desenvolvimento de habilidades.

Emergiu uma nova subcategoria: exatidão.

A subcategoria aplicabilidade apresenta as percepções da Estatística

aplicada na análise de dados para realizar mudanças, direcionar decisões práticas e

apresentar a evolução do meio político. Informações resultantes de estudos sobre o

ambiente podem guiar decisões. Também servem para iniciar a implantação de

projetos e, posteriormente, avaliá-los.

136

O desenvolvimento de habilidades é uma subcategoria que inclui a

percepção de que o conhecimento estatístico amplia horizontes intelectuais. A

Estatística também foi associada à identificação de diferentes elementos do meio e

ajuda a entender fatos cotidianos.

A subcategoria mensuração apresenta a Estatística na qualidade de

instrumento que possibilita medir para, a partir dos resultados, atender às

necessidades.

Na subcategoria exatidão, temos o conhecimento estatístico percebido como

elemento de medições possíveis que fornece resultados precisos.

Manipulação de dados é uma subcategoria que agrega as seguintes

concepções: a Estatística possibilita manipular dados a favor de uma opinião; os

dados podem influenciar positiva ou negativamente a opinião da sociedade;

conhecer estatística permite saber se os dados foram manipulados; maioria da

população a população desconhece a Estatística e não percebe manipulações;

existe intencionalidade na manipulação dos dados e os governantes interpretam os

resultados de acordo com conveniências.

A subcategoria pensamento fragmentado aglutinou as percepções de que o

conhecimento estatístico não se articula a diferentes análises, entre elas a do

posicionamento político e de fenômenos associados a esse universo. Ao contrário

do que ocorre com a política, o meio ambiente é passível de estudos estatísticos.

Apesar de não perceber ligações claras da Estatística com estudos de demanda

social e posicionamento político, os dados podem informar sobre os temas da

pergunta. Não ver ligações entre os elementos da pergunta pode ser uma falha do

próprio raciocínio individual.

4.9 Respostas à Pergunta 6

Até o presente momento, em relação à sua formação em Engenharia de Produção,

que temas da Estatística foram mais significativos para você? Você pode explicar

por que?

137

Na primeira e segunda entrevistas, o Aluno 1 citou a média, pois, para ele, o

comportamento médio diz muita coisa. Esse destaque deve-se à falta de praticidade

da EP trabalhar com dados extremos porque oscilações bruscas não dizem muito

sobre eventos pontuais. Segundo o aluno, a influência deles, ou a sua probabilidade,

é pequena e saber onde há maior concentração facilita o trabalho. A curva normal,

que descreve o comportamento de uma variável mostra onde os dados estão mais

centrados (com maior possibilidade) de ocorrer e por isso é importante, ao contrário

da moda. Uma expressão muito utilizada pelo aluno durante as entrevistas foi

“transformar dados incertos em algo provável, transformar nada em talvez”. Ele

inicialmente percebia na Estatística um instrumento capaz de lidar com o aleatório,

mas sem muito significado e não muito representativo. A Estatística transformaria

valores pequenos (ou várias oscilações incertas) em algo que talvez acontecesse.

Essa foi a explicação de tomar um dado não muito representativo e transformá-lo em

informação, o talvez. Falando da sua mudança de visão inicial sobre a Estatística,

relatou que ao entrar no Nível Superior ela era muito restrita ao conteúdo do Ensino

Médio. Ao entrar no Ensino Superior, saiu de um ambiente teórico, no qual era

suficiente conhecer superficialmente os conceitos para aplicá-los. No início da

graduação, continuou um pouco da visão anterior, quando estudou moda, média e

variância e o desvio padrão, conceitos que não foram tratados em diferentes

aplicações (sempre em situações simples). Para ele, é difícil encontrar problemas

simples em contextos globais, pois surgem situações complexas. Também considera

a Estatística muito mais real, pois no mundo nada é exato. Via cálculos exatos por

trás das teorias estatísticas, apesar das aplicações não fornecerem resultados

exatos. Pensa que na verdade existem possibilidades ou probabilidades de

resultados e que a Estatística é mais concreta por tratar de algo que pode acontecer.

O Cálculo, por exemplo, é uma Ciência que trata de objetos reais e, por meio dos

cálculos, seria possível descobrir resultados que têm existência real. A expressão

“nada é tão certo quanto o Cálculo18 no mundo”, significa que, de forma geral, ele

considera que em toda disciplina de existe um resultado considerado verdadeiro. Na

Estatística diz-se que é possível que seja. Nesse sentido, compara as probabilidades

com a exatidão atribuída ao Cálculo. Não percebe muita aplicabilidade do Cálculo de

derivadas e de integrais no mundo ao seu redor, referindo-se a este como um

18 Entenda-se por Cálculo, com “C” maiúsculo, o Cálculo Diferencial e Integral.

138

mundo aplicável e coloca o trabalho dos físicos fora do mundo prático, que é

ocupado por diferentes grupos sociais. Na terceira entrevista ainda considerava a

média importante para a EP, juntamente com a curva normal. Diz o mais importante

no desvio padrão é a possibilidade de ver como os dados se dispersam em relação

ao comportamento normal. No período que se encerrava, estudou uma disciplina

relacionada ao conhecimento estatístico: Controle de Qualidade (CQ), que utiliza a

curva normal e temas correlatos. Também cursou EM, que trabalha com o conceito

de tempo padrão, utiliza os conceitos de média, desvio padrão e o escore z. Em GQ,

utilizou com os conceitos de dispersão e comportamento normal de defeitos, por

intermédio de ferramentas estatísticas. Também estudou o investimento e risco de

aplicações na bolsa de valores com a partir de modelos estatísticos. Considerou que

falta abordar mais aplicações da Estatística, o que influenciou sua concepção de

Engenharia como um curso no qual as disciplinas não estão ligadas, qualificando-as

como “disciplinas solitárias”. Em meio à solidão, alguns alunos percebem que os

temas podem ser articulados, mas os professores não sabem como fazer isso. Citou

a Previsão de Demanda que utiliza o Cálculo de Regressão e o Cálculo Numérico,

mas que a professora desta disciplina não relacionou os conteúdos com a Previsão

de Demanda. Também percebeu, a partir da forma que os conteúdos foram

ensinados, que não há comunicação entre os professores. Disso resultou uma

abordagem superficial dos tópicos em relação às necessidades da EP. Em PCP

usou várias fórmulas e não compreendeu bem a associação dos resultados com

desenho do gráfico e a dispersão dos dados. Declarou ter chegado a pensar que o

ideal seria os professores especialistas da Engenharia lecionarem as disciplinas de

Matemática e Estatística, mas reconsiderou a ideia, pois seria difícil. Diz que os

matemáticos têm melhor conhecimento desses temas e que seria necessário reunir

todos os professores para decidir novos rumos para o curso. Os que lecionam

disciplinas técnicas deveriam apresentar seus objetivos e os conteúdos que

abordam. Além da solidão, o aluno diz que ocorreram casos em que os conteúdos

foram repetidos por professores de disciplinas diferentes. A falta de aplicabilidade

das disciplinas básicas foi o problema considerado mais grave pelo aluno, resolvido

em parte pelo professor de Mecânica dos Fluidos (MF), pois ele relacionou a

aplicação dos conteúdos à EP. Solicitou que os alunos pesquisassem artigos

relacionados às aplicações práticas ou procurassem problemas usualmente

enfrentados nas empresas onde estagiavam. A experiência foi considerada bem

139

sucedida. Os grupos de trabalho encontraram diversas situações e relacionaram a

Física da MF com fatos da EP.

Entre os temas da Estatística que foram mais significativos, o Aluno 2

destacou a Probabilidade e a Estatística II e disse que a importância dos temas

decorre do fato de ajudar a entender a demanda a partir das informações

disponíveis. A parte conceitual e as informações básicas da Estatística 1 passaram a

ter mais aplicações e importância, contribuindo para compreender as análises

amostral e populacional. O aluno não poderia afirmar se os resultados estatísticos

constituem-se em verdades absolutas, pois as respostas dependem do ambiente

estudado. As análises de Probabilidade, Demanda, População e do Ambiente foram

partes que mais interessaram e consideradas mais úteis para o aluno. Na terceira

entrevista, os cálculos de desvios, histogramas e curvas de demanda foram citados

como significativos e tópicos com mais aplicações na EP. Os cálculos de desvios, os

histogramas e as curvas de demanda foram utilizados na Inspeção da Qualidade

(IQ). Diz que nessa disciplina é importante relacionar a qualidade de um produto aos

seus limites e padrões. Sua percepção sobre o papel da Estatística na EP mudou

desde a primeira entrevista. Para ele, com a articulação de saberes frente a outras

disciplinas e a integração de estudos, a aplicação do conhecimento estatístico foi

melhor compreendida. Constatou a necessidade desse conhecimento para a EP e

que isso facilita a compreensão de conceitos.

Quando entrevistado pela primeira vez, imediatamente o Aluno 3 lembrou-se

de média, variância e desvio padrão, classificando-os como conceitos bastante úteis.

Os conteúdos de Estatística II e as análises gráficas e de Probabilidades também

foram considerados. Todos os gráficos têm utilidade e, dependendo da situação, não

é possível afirmar qual deles é melhor que o outro. De forma geral, todos os

conteúdos de Estatística são úteis para a EP. Utilizando a Análise Estatística e a

Probabilidade, por exemplo, é possível estudar mercados futuros. O valor médio é

importante porque norteia a produção e a variância foi lembrada como instrumento

para calcular variações da produção. Na terceira entrevista, o aluno cursava CEQ e

muitas aplicações da Estatística foram despercebidas. Usualmente o professor de

uma disciplina técnica não avisa que trabalha com Análise Estatística e ela foi

importante para estudar previsão de demanda. Além das disciplinas citadas,

considera a Estatística aplicável em outros campos, tais como a pesquisa de

140

mercado e a análise da quantidade de defeitos. Discutindo sobre a pouca carga

horária de Estatística nas engenharias, confirmou a opinião do Aluno 1: seria uma

boa opção aumentar o número de aulas, porque se trata de disciplina muito

importante em todos os momentos das vidas acadêmica e profissional. Para ele, a

Estatística usualmente ensinada nos cursos de Engenharia não é deficiente, mas a

modalidade Multivariada, por exemplo, é pouco discutida. O aluno não percebeu

diferenças entre as aplicações internas da Estatística e as realizadas por outras

disciplinas. Para ele, trata-se exatamente do mesmo conteúdo, com a diferença da

abordagem do professor. Considera normal ensinar Estatística separada de outras

disciplinas, pois cada um observa o conhecimento de uma forma. O professor de

PCP, por exemplo, foi mais técnico, ao passo que a professora de Estatística tinha

uma visão mais teórica sobre os mesmos temas. Ao estudar a curva normal na

Estatística o aluno aprendeu a lidar com a Probabilidade e conceitos afins. Essa

curva foi tratada em PCP de forma idêntica à da Estatística, apenas levando para o

lado mais aplicado. Também citou o exemplo da fábrica de parafusos e a previsão

de demanda, que também pode ser aplicada ao estudo de algum tipo de câncer. A

alteração profunda sentida foi ver aplicações da Estatística e perceber a utilidade de

cada resultado.

O aluno 4 considerou que se desenvolveu melhor em relação à leitura de

textos e aplicação dos conteúdos. Destacou a importância da leitura do texto, a

identificação do problema a partir dos dados fornecidos e a aplicação das fórmulas.

Relatou que inicialmente conhecia apenas a parte considerada básica. Quando

cursou Estatística II passou a fazer análises e, com isso, entende melhor as

diferentes situações propostas pela professora. Também retornou ao exemplo da

produção de parafusos e o cálculo da probabilidade de encontrar um elemento

defeituoso. O objetivo dessa aplicação é diminuir a margem de erro da produção e

estipular um plano para melhorá-la. Sobre as articulações da Estatística com a

Economia, afirmou que o Brasil tem muitas chances de melhorar e voltou ao tema

corrupção. Seria necessário usar a Estatística para alterar o cenário de

investimentos e melhor aplicar o dinheiro. Mencionou o cálculo do Produto Interno

Bruto (PIB), comentando que os gráficos divulgados mostram o quanto ele cresce e

a Estatística é muito importante para estudar o tema. Na época das primeiras

entrevistas, disse que seu conhecimento de Economia, disciplina cursada no

141

momento, era precário. Aplicou o teste da hipótese nula em Econometria e percebeu

elos entre a disciplina e a Estatística. Na terceira entrevista, comentou que em GQ

utilizou a tabela de frequência e os gráficos em geral, além dos conceitos de

mediana, variância e desvio padrão. Não lembrou de outros temas, alegando falta de

uso. Desde de o início do curso, a cada dia seu conhecimento aumenta e vê novos

significados quando as disciplinas técnicas aplicam os conceitos de Estatística.

Percebe grande articulação desta disciplina com as demais e ressaltou que ela é

necessária nos estudos de Logística. Se for necessário escrever uma comunicação

científica, ou mesmo ao trabalhar na linha de produção, considera que a Estatística

estará presente. Nos próprios artigos que escreveu, apresentou os dados por meio

dos gráficos, tanto para desenvolver o trabalho, quanto para explicar os

procedimentos usados.

Quando entrevistado pela primeira vez, o Aluno 5 lembrou que foi reprovado

em Estatística 1 e estudou somente os conceitos básicos. O que ficou da disciplina

relaciona-se a métodos para medir, obter conclusões e calcular aproximações.

Percebia a Matemática exata; a Estatística, nem tanto. O conhecimento estatístico

ajuda a desenvolver noções de como medir e calcular aproximações e clareia a

visão a respeito de determinada situação. Não pode pontuar questões da Estatística

II, pelo fato de não frequentar as aulas e estar desinformado sobre o assunto.

Porém, continuava com a ideia de que essencialmente a Estatística não é uma

Ciência exata como a Matemática, porque apenas fornece proximidades com grande

chance de ocorrer. Mesmo não voltando a cursar Estatística, o que ficou de mais

significativo na memória é que seus métodos e medições podem ser utilizados para

tirar conclusões e, dependendo da situação, estarão sempre atreladas a uma

medida. Considera mais simples os conceitos média, moda e mediana,

permanecendo a concepção de que Matemática é exata e, a Estatística, não. Disse

que se aprende a ter essa ideia, pois a Matemática sempre vai trabalhar com o todo

e a Estatística usa mais a margem de erro, o que não ocorre na outra Ciência. A

Estatística e seus processos estão sujeitos a oscilações, mas isso não significa que

os dados estejam errados e sempre há margem de erro.

142

4.9.1 Considerações e subcategorias

Considerando que na pergunta 6 a palavra significativo enquadre uma

categoria, temos o a repetição das subcategorias aplicabilidade, mensuração,

previsão e desenvolvimento de habilidades. Emergiram 4 novas subcategorias:

complexidade, modificação de comportamento, relatividade e relevância.

Começando pela subcategoria aplicabilidade, na pergunta 5 ela foi

caracterizada por diferentes concepções do termo. Primeiramente, ao entrar no

Ensino Superior o aluno deixa um ambiente em que é suficiente conhecer os

conceitos básicos e imediatamente aplicá-los, não percebendo aplicabilidades da

Estatística. Porém, conforme o andamento do curso, passa a notar que os conceitos

são muito mais aplicados e todos os conteúdos passam a ser considerados úteis

para a EP, incluindo as análises gráficas e as probabilidades. Com isso, o Cálculo

perde a imagem de instrumento fundamental da Engenharia, apesar de suas

aplicações aos objetos reais.

As aplicações da Estatística também podem ser vistas a partir de uma

hierarquia que o aluno elabora ao longo dos semestres letivos. Média, variância e

desvio padrão são considerados extremamente úteis, pois valores médios norteiam

a produção. A variância é instrumento para registrar e tentar modificar um

comportamento mal visto na produção: as variações do que é produzido, pois não é

viável a indústria trabalhar extremos. Análise de probabilidade, demanda, população

e ambientes passam a ter maior interesse pela utilidade, que é basicamente

controlar, planejar e melhorar a produção. O cálculo de probabilidades torna-se um

instrumento de prospecção de falhas.

Mensuração é uma subcategoria na qual encontramos percepções para a

Estatística como instrumento associado a aplicações e controle. Métodos foram

compreendidos como úteis para medir, tirar conclusões e encontrar aproximações e

a variância passa a objeto que qualifica o grau de uniformidade desejado. Ficou a

ideia da importância de aprender as análises amostral e populacional para mensurar

e obter dados para controlar situações.

Passando à subcategoria previsão, incluímos aí a percepção que o aluno

tem da Estatística e da Probabilidade como instrumentos de análise que lhes

143

assegurem a respeito do que está por ocorrer. É importante conhecer probabilidades

ou resultados possíveis para enxergar demandas e analisar mercados futuros.

Uma característica da subcategoria complexidade é a percepção da extrema

dificuldade de encontrar as situações simplificadas de aula em aplicações reais.

Estas têm caráter de análise global de contextos e não admitem soluções

fragmentadas. A ideia expressa por solidão das disciplinas é um indício de que o

indivíduo percebe a sua formação realizada com o estudo de diversas disciplinas

isoladas, mas que na realidade deveriam ser apresentadas articuladamente.

Na subcategoria desenvolvimento de habilidades agrupam-se a necessidade

da leitura para compreender contextos, desenvolver o pensamento estatístico e

melhor aplicar conceitos. Assim, a Estatística ajuda a desenvolver noções sobre a

importância das medidas e cálculos que permitem compreender diferentes

situações.

A partir do momento em que a Estatística passa a ser percebida de forma

diferente daquela do início do curso, temos a mudança de comportamento. Essa

subcategoria caracteriza-se pela compreensão de que a própria postura do aluno

modifica ao longo do tempo. Se no início ele via a Estatística como aleatória ou sem

representatividade, postura ligada ao Ensino Médio, a entrada em outro ambiente de

estudos de Estatística possibilita que ele perceba a necessidade de ir além de saber

conceitos básicos e manejar uma calculadora.

A relevância é a próxima subcategoria e trata da percepção que o aluno tem

da importância de diferentes tópicos da Estatística. Primeiramente ela pode ser

considerada mais concreta, porque trata de fatos que podem acontecer e sua

importância reside em ajudar concluir sobre demandas, por exemplo. A partir daí,

não basta saber calcular se as aplicações não resultarem em padrões considerados

verdadeiros. A média tem maior significado porque representa comportamentos

gerais, mais necessários à indústria. Nesse caso, a curva normal ganha relevância,

pois por seu intermédio pode-se verificar concentrações de resultados mais

prováveis e o comportamento central.

Relatividade é a subcategoria na qual foram classificadas as percepções

relacionadas ao alcance do conhecimento estatístico. Por exemplo, a

144

impossibilidade de afirmar se o que é obtido pela Estatística é verdade absoluta. O

conhecimento estatístico não é tratado como algo essencialmente exato, atribuindo-

se à Matemática a segurança que a outra Ciência não traduz. Por outro lado, isso

pode aproximar a Estatística de um estudo da realidade, pois o mundo concreto não

é nem apresenta apenas resultados exatos.

4.10 Respostas à Pergunta 7

Você gostaria de acrescentar alguma coisa? Ou fazer comentários/considerações?

Na parte final da primeira entrevista, quando perguntado se gostaria de

acrescentar algum comentário ou considerações, o Aluno 1 disse que, ao entrar para

a graduação, questionou-se qual seria a utilidade da Estatística. Depois de estudar

Probabilidades, percebeu que determinar a região de probabilidade é importante

para delimitar esforços. Saber se algo é mais provável e útil para agir e delimitar

regiões de Probabilidade mostra a importância da Estatística na elaboração de

planos de ação. Na segunda entrevista disse que sua percepção sobre o

conhecimento estatístico modificou ao cursar Estatística 1. Isso foi consolidado em

Estatística II, quando estudou Probabilidade e Curva Normal. Se antes não percebia

utilidade para a Estatística, agora considera importante aumentar a carga horária da

disciplina, porque ela é mais real que o Cálculo. Também considerou que, pela

pequena carga horária, principalmente em Estatística II, foi necessário passar

superficialmente pelos tópicos e sem aproveitar plenamente o que a disciplina pode

fornecer. Na terceira entrevista, tocou na necessidade das disciplinas serem úteis

para o engenheiro, pois ao cursar disciplinas da área técnica verificou a importância

da Estatística. Teorias relacionadas ao planejamento e ao controle de qualidade

baseiam-se em algumas ferramentas estatísticas. Sobre as aplicações da

Matemática, relatou que há disciplinas humanísticas teóricas, relacionadas à leitura

de textos mais específicos, que podem ser ensinadas por si só. Lembrando de

diversos temas aplicados, voltou à curva normal. Também citou a Análise de Pareto,

que usa um gráfico de barras que representa os problemas significativos da linha de

produção. Todas as ferramentas da Estatística auxiliam e são fundamentais. Sem

elas, por exemplo, a GQ não seria o que é hoje. Também voltou ao Cálculo

Numérico, cujas relações com a EP foi perceber depois de cursar outra disciplina. Ao

145

fim da terceira entrevista voltou a afirmar que, para o seu curso, a Estatística é mais

importante que o Cálculo.

Nas primeiras entrevistas, o Aluno 2 disse que não enxergava muitas aplicações da

Estatística, apesar de considerar toda informação válida. Faltava entender mais a

utilidade daquilo que aprendia. Depois de pesquisar a respeito, percebeu mais usos

da Estatística do que inicialmente imaginou. A mudança de ponto de vista sobre a

Estatística ocorreu com o andamento das disciplinas. Entre as Estatísticas 1 e 2

conheceu mais aplicações e exemplos de como mensurar dados quantitativos. No

decorrer do curso eles serviram para identificar a utilidade do conhecimento

estatístico. Passou a ver contribuições e a presença da Estatística em todos os

pontos que estuda, entende que agora é necessário ter dados para tudo e tudo tem

que ser analisado. Afirmou que ter informações também serve para direcionar a

parte humanística. Apresentou o exemplo de uma fábrica: analisar o produto final, se

está de acordo com os padrões e qual a margem de erro. Nos ambientes em que se

deve desenvolver análises, é possível obter informações numéricas e dados que

serão tratados estatisticamente. Não necessariamente tudo tem dados, mas deve-se

tentar obtê-los na maior quantidade possível. Na segunda entrevista retornou à sua

explicação sobre a parte humanística e disse que se expressou de maneira errada

no primeiro encontro. A relação ocorre da seguinte forma: verificar como um produto

é aceito no mercado e qual o reflexo da sua presença. A veracidade de uma

pesquisa depende do tamanho da amostra em relação ao ambiente. Quanto maior,

mais veracidade. Não se pode analisar um ambiente muito grande a partir de uma

amostra insignificante, devendo existir uma proporção significativa. Na terceira

entrevista, disse que a Estatística faz mais sentido agora. No início o conteúdo era

simples e não foi aplicado de maneira que o aluno considerou efetiva.

Fazendo mais estudos práticos é possível encontrar mais utilidade e as

informações fazem sentido para quem as utiliza. Hoje sabe mais porque aplica o que

aprendeu em Estatística. No início, deveria ser mais informado como as disciplinas

são articuladas. Pensa que a turma aprendeu Estatística e viu exemplos teóricos,

mas não as aplicações práticas que realmente a relacionasse com outras disciplinas.

O Aluno 3 não acrescentou qualquer coisa além do que foi perguntado nas

duas primeiras entrevistas, mas comentou sobre aplicações de instrumentos

146

eletrônicos na terceira. Disse que seria bom incluir o uso de softwares no ensino de

Estatística. Admitiu que não os conhece, mas crê que eles existam, pois hoje em dia

as rotinas empregam muitas tecnologias e, dessa forma, é necessário aprender a

lidar com instrumentos que facilitarão o trabalho. Pensa que dificilmente depois de

formado alguém fará cálculos manualmente. Citou o Microsoft Excel que é

conhecido e que ajuda executar tarefas de Estatística. Acha também que se existem

ferramentas facilitadoras é importante aprender a usar, principalmente nos cálculos e

na análise dos dados. Na coleta deles, não soube dizer se há utilidade. Acha que

com uma planilha é possível manipular os dados com maior facilidade e eles estão

disponíveis, o procedimento é diferente de usar uma calculadora. Pensa que essas

aplicações podem facilitar a pesquisa para saber se o tamanho de amostra é

suficiente ou não. Porém, nada disso é utilizado na graduação. Existem softwares

que o aluno desconhece, apesar de saber que eles são mais potentes que o MS

Excel. Acha que tudo poderia ser usado, inclusive, para facilitar a ação da

professora, pois gráficos desenhados manualmente não ficam exatamente como

deveriam ser. Lembrou de um professor de Cálculo, que usava um programa para

plotar gráficos e mostrar como eles poderiam ser. Sua percepção da Estatística

continua a mesma desde que começou a estudá-la.

O Aluno 4 acrescentou ao fim da primeira entrevista que está feliz com sua

situação estudantil. Disse que certamente necessitará da Estatística no futuro, tanto

ao elaborar o trabalho de conclusão de curso quanto na atuação profissional.

Reafirmou que sem a Estatística é difícil resolver situações das Engenharias. Se for

trabalhar na área conhecida como o chão de fábrica, (diretamente ligada à

produção), é necessário conhecer Estatística para identificar desperdícios e coletar

dados com objetivo de organizar a produção. Na segunda entrevista lembrou que,

da Estatística, usava média, somatório, tabela e aplicava esses dados no cálculo do

erro na produção. Desde a primeira entrevista, disse que aprendeu mais tópicos de

Estatística, como no caso do teste de hipótese, aplicado em um trabalho de

Economia. Constatou ainda que não sabia com profundidade para que serve, mas

conseguiu explicar razoavelmente o contexto dos cálculos. Agora adquiriu mais

firmeza para tratar do tema e, desde aquela época até agora, aprendeu mais

conteúdos aplicados às Engenharias. Na terceira entrevista, disse que não saberia

lidar com as disciplinas que aprende agora, nem escrever um artigo, sem utilizar

147

Estatística. Sem ela, não se chega ao fim do ciclo PDCA19, nem se encontra as

causas de um problema. Também não teria como explicar detalhes de seu trabalho

em uma reunião sem usar a Estatística e teria muita dificuldade de expressar as

análises. No começo do curso, pensou que iria aplicar o conhecimento estatístico

apenas para escrever artigos, pois não tinha ideia de como utilizaria depois. Não

tinha ideia do seu alcance e considerava a Estatística apenas uma disciplina da

grade. No início da graduação, percebia o conhecimento estatístico como algo

menor, que usaria na produção ou em situações como na análise de uma a linha de

montagem (ou na fábrica de parafusos). Agora as aplicações são mais amplas e,

naquela época, não tinha ideia de como poderia associar Estatística a outros

estudos.

Nas primeiras entrevistas, o Aluno 5 comentou que a Estatística é muito

importante não apenas para as engenharias, mas para a formação geral. Ela amplia

o conhecimento e facilita a tomada de decisões. Reforçou o que disse sobre a ideia

de que, quando se tem conhecimento, a quantidade de oportunidades aumenta na

vida. Nas Engenharias o que se estuda de Estatística não é o suficiente para formar

um estatístico profissional, mas é muito importante (da mesma forma que é no curso

de Administração). Considera a habilidade de tomar decisões essencial ao

engenheiro contemporâneo. Se ele não souber analisar dados, a decisão tomada

pode não ser a mais correta e a Estatística facilita essa escolha porque, dispondo de

informações, o detentor de conhecimento poderá decidir com mais tranquilidade.

Acha que a diferença de capacidade de decisão aparece quando é possível pontuar

e saber exatamente o que se tem, em que quantidade, o quanto se pode perder ou

está sendo perdido, facilitando a tomada de decisão. Acrescentou considerações na

terceira entrevista, confirmando sua percepção de que o conhecimento estatístico,

por mais simples que seja, ajuda a interpretar melhor os dados e as informações

recebidas. Lembrou os dados por meio dos quais soube que a população tende a

chegar a um patamar de igualdade econômica. Surgiu a dúvida: a desigualdade 19 Em Inglês, Plan, Do, Check, Act. O Ciclo PDCA é considerado uma ferramenta de controle de qualidade que facilita a tomada de decisões com objetivo de garantir o alcance das metas necessárias à sobrevivência do estabelecimento. É uma elaboração simples e sem limites para a concepção de um planejamento eficaz. A sigla é formada pelas iniciais P (de Plan, Planejar - estabelecer objetivos e processos necessários para obter os resultados de acordo com os requisitos e políticas pré-determinados), D (de Do, Fazer - implementar ações necessárias, C (de Check, Checar - monitorar e medir os processos e produtos frente a políticas, objetivos e requisitos estabelecidos e relatar os resultados) e A (de Act, Agir - executar ações para promover a continuamente a melhoria dos processos produtivos).

148

diminuiu pelos pobres ficarem mais ricos ou por causa dos ricos ficarem mais

pobres? Tendo as ferramentas e o conhecimento da Estatística, consegue avaliar

melhor os dados que possui, verificar a melhor forma de medir e tirar conclusões.

4.10.1 Considerações e subcategorias

Considerando que na pergunta 7 a palavra conclusão enquadre uma

categoria, temos o a repetição das subcategorias aplicabilidade, controle

mensuração, previsão, relevância e modificação de comportamento.

Na conclusão, a subcategoria aplicabilidade foi caracterizada por três

capacidades associadas: direcionar, verificar e analisar. O direcionamento consiste

em analisar para direcionar a atuação em um ambiente, organizar a produção e

informar como algo deve ser desenvolvido. Outra inter-relação ocorre ao verificar a

aceitação de um produto ou identificar desperdícios. A análise serve para obter

informações numéricas.

A subcategoria controle corresponde a margem de erro, controle do

conhecimento para decidir e verificar tanto a aceitação quanto o retorno financeiro

de um produto.

Os termos incluídos na subcategoria mensuração referem-se à percepção

da necessidade de entender tudo, como no caso do entorno de uma indústria, ter

informações sobre um ambiente e determinar quantidades de perdas.

Na subcategoria previsão confirma-se a necessidade de informação para

determinar como uma tarefa será cumprida.

A modificação de comportamento é uma subcategoria que corresponde às

percepções de que a Estatística influenciou algum ponto de vista. O fato de passar a

compreender que a disciplina tem aplicações e não é mais considerada superficial é

uma delas. Sentir-se mais seguro e ter mais firmeza para tratar um tema é outra. A

percepção do período da mudança é mais um indicativo de mudança.

A relevância, última subcategoria relacionada, reúne percepções

relacionadas às ideias de validação, necessidade, ampliação, formação e

149

importância. A primeira é identificada quando o aluno considera que toda informação

é válida ou verifica que se pode realizar diferentes tarefas na presença da

Estatística. A necessidade é identificada ao verificar que: a Engenharia necessita de

dados; dados identificam a utilidade do conhecimento estatístico; necessitará da

Estatística no futuro; sem o conhecimento estatístico é difícil resolver situações das

engenharias; A falta de análise de dados leva à tomada de decisões incorretas. A

ampliação corresponde a mais conhecimento e ao aumento de oportunidades de

trabalho. A Estatística é importante não apenas para a Engenharia, mas para a

formação geral e sua importância também está presente ao delimitar regiões de

Probabilidade de ação; viabilizar planejamentos; considerar mais importante

aumentar a carga horária de Estatística do que a de Cálculo.

4.11 Considerações sobre o capítulo

Este capítulo apresentou resultados da coleta e categorização dos dados, a

partir dos quais buscamos contribuições da disciplina de Estatística para a formação

do Engenheiro de Produção.

A aplicação do questionário de levantamento do perfil da turma permitiu

verificar alguns pontos de vista sobre as concepções iniciais dos alunos a respeito

da Estatística. Seus dados apresentam uma turma com diferentes concepções em

relação à Estatística, caracterizada como disciplina curricular, disciplina de caráter

matemático, conhecimento aplicável ou como instrumento para tratamento de dados

e informações. O grupo inicialmente também apresentava dificuldades para

reconhecer diferentes tipos de variáveis e suas respectivas representações gráficas.

A entrevista permitiu aprofundar o conhecimento sobre percepções e

concepções dos alunos em relação à Estatística. As respostas às perguntas da

entrevista apresentaram diversas subcategorias, sendo várias delas repetidas. Uma

delas é a aplicabilidade, também presente nas respostas do questionário. Elas serão

confrontadas com as que emergiram da entrevista da professora e discutidas diante

do quadro teórico no próximo capítulo.

151

CAPÍTULO 5 - A ANÁLISE DOS DADOS

O provável, senhores, é que, na realidade, o sábio seja o deus e que queira dizer,

no seu oráculo, que pouco ou nenhum valor tem a sabedoria humana

(Platão).

5.1 Introdução

Neste capítulo analisaremos os dados provenientes das subcategorias

obtidas durante a construção dos dados. Trataremos as ideias, concepções e

percepções dos alunos e da professora. Confrontaremos as concepções da

professora e dos alunos com aquelas contidas nos documentos oficiais: a proposta

da ABEPRO (2001), as diretrizes curriculares nacionais para os cursos de

Engenharia (CNE/CES, 2002), os planos de ensino de Estatística, as listas de

exercícios e as provas aplicadas pela professora.

5.2 Os documentos oficiais

A proposta da ABEPRO (2001) apresenta um conjunto de competências

necessárias ao desempenho da profissão de Engenheiro de Produção. Nesta

análise, destacaremos os usos sugeridos para o conhecimento estatístico.

Primeiramente, a Matemática e a Estatística são citadas em suas capacidades de

modelar sistemas de produção e orientar tomadas de decisão. Outra habilidade

destacada traz a Matemática de maneira implícita: diz respeito ao acompanhamento

dos avanços tecnológicos, que devem ser colocados a serviço de demandas da

empresa e da sociedade. Mesmo não aplicada explicitamente, ela é utilizada para

desenvolver tecnologias que podem, inclusive, otimizar o emprego da Estatística,

como é o caso dos computadores.

O Engenheiro de Produção também deve ser capaz de utilizar indicadores

de desempenho e custeio e também avaliar a viabilidade econômica e financeira de

projetos. A citação no documento atribui ao conhecimento científico função de

instrumento de previsão e de controle.

152

A proposta também apresenta o Engenheiro de Produção como alguém

capaz de relacionar os sistemas produtivos com o meio ambiente, atentando para o

uso de recursos escassos, destinação de resíduos e rejeitos. Essa é uma exigência

contemporânea, associada ao conceito de sustentabilidade. Neste caso, o

profissional deve utilizar dados para elaboração de projetos com caráter preventivo

em relação às possibilidades de impactos ambientais.

A ABEPRO (2001) também apresenta uma lista de habilidades relacionadas

a diferentes aspectos da vida do profissional de EP, que podem ser associadas à

aprendizagem de Estatística. Entre elas, destacam-se duas: a necessidade de bom

desempenho na comunicação oral e escrita; a desenvoltura na leitura, interpretação

e expressão por meios gráficos. Outras habilidades tais como a capacidade de

trabalhar em equipes multidisciplinares, a capacidade de identificar, compreender,

modelar e resolver problemas (administrativos, sócio econômicos e do meio

ambiente) também podem ser associadas à formação estatística do Engenheiro.

As competências e habilidades constantes nas diretrizes curriculares do

CNE/CES (2002) para os cursos de Engenharias têm basicamente o mesmo teor da

proposta da ABEPRO (2001). O acréscimo que as diretrizes trazem é que o

Engenheiro deve ser capaz de avaliar impactos causados pelas atividades da

engenharia sobre os contextos social e ambiental. Tais avaliações necessitam de

análises quantitativas e qualitativas que podem ser desenvolvidas em articulação

com a aprendizagem de Estatística. Percebe-se então que tanto a proposta da

entidade de classe quanto a resolução ministerial impõem grande responsabilidade

sobre a formação estatística dos Engenheiros.

Os planos de ensino das disciplinas de Estatística (I e II) são documentos

que descrevem a ementa, os objetivos (gerais e específicos), a metodologia e

recursos (de ensino, avaliação e recuperação), os conteúdos programáticos e

referências bibliográficas (básica e complementar). Em Estatística I, os objetivos

gerais são compreender as informações e as projeções que uma análise de dados

estatísticos transmite por meio de cálculos matemáticos e de probabilidade. O

conteúdo dessa parte aborda a organização e a apresentação de dados estatísticos,

medidas (posição, dispersão ou variabilidade), correlação e regressão. Em

Estatística II, os objetivos gerais são apresentar conceitos fundamentais de

153

Probabilidade, Estatística e aplicações na Engenharia. O conteúdo da segunda parte

consta de variáveis aleatórias, distribuição de probabilidade, técnicas de

amostragem e testes (de hipótese e significância). Nas referências bibliográficas

constam autores nacionais e estrangeiros, com obras editadas em língua

portuguesa, abrangendo o período de 1977 a 2006. Um fato importante deve ser

considerado: a professora não participou da criação do curso, nem estava presente

quando os livros das bibliografias básica e complementar foram escolhidos.

Pessoalmente, na qualidade de especialista na disciplina, não recomendaria as

obras adotadas.

Sobre a metodologia de ensino das duas partes dedicadas à Estatística,

resumidamente pode-se dizer que constam de aulas expositivas interativas (em

laboratório com uso de softwares), aplicação de listas de exercícios e atendimento

individualizado. Os recursos metodológicos de ensino são traduzidos por apostilas,

livros, anotações em sala de aula, quadro branco e marcadores, computador,

projetor de multimídia, dvd e softwares.

A princípio, as listas de exercícios apresentam situações de possível

ocorrência no cotidiano dos engenheiros, tal como exercícios nos quais avalia-se a

probabilidade de encontrar peças defeituosas em uma linha de produção.

Entretanto, as questões apresentam contextos seguidos de perguntas que

direcionam o aluno para a aplicação dos métodos de cálculo e não suscitam a

discussão dos significados das informações obtidas. Dessa forma, não há discussão

do que os números representam frente ao contexto de cada questão.

Na primeira lista, elaborada com objetivo de orientar o estudo para primeira

prova, não há proposição de construção ou análise de gráficos. Nas entrevistas com

os alunos e a professora não foram registradas a utilização de meios eletrônicos

(computador, projetor de multimídia, dvd e softwares) nas aulas e avaliações.

Apenas a calculadora científica era utilizada. As provas e o trabalho em dupla para

avaliação da aprendizagem de correlação seguiram o mesmo padrão das listas.

154

5.3 Análise das respostas do questionário

Uma primeira análise das respostas sugere que alguns alunos percebiam na

Estatística uma ciência a serviço da análise de dados, com aplicações diversificadas.

Mas houve quem a considerasse apenas outra disciplina em sua formação

profissional ou ainda apenas uma disciplina de caráter matemático.

A submissão do aluno a rotinas de aplicação de exercícios é uma possível

origem para a percepção de parte do grupo. O documento da ABEPRO (2001)

destaca a importância da Estatística para a atuação profissional na EP, mas o

conhecimento estatístico não será instrumento para compreender problemas

socioeconômicos, políticos e ambientais se as suas aplicações forem limitadas ao

estudo de situações que reportem exclusivamente às rotinas de fábrica. A melhor

forma de desenvolver o senso estatístico é inserir o aluno nas diferentes fases do

processo estatístico por meio de investigações que contextualizem aplicações da

disciplina, conforme sugestão de AlrØ e Skovsmose (2010). Outra explicação para a

percepção da Estatística como aplicação da Matemática pode estar no desequilíbrio

entre as visões de aleatório e o determinístico.

Podemos refletir a respeito desse quadro a partir também da proposta de

Gal e Garfield (1997) sobre a possibilidade da Estatística contribuir com que o aluno

tome parte na produção, interpretação e comunicação de dados relativos aos

problemas que resolverá ao longo de sua vida profissional. É necessário superar a

visão fragmentada do conhecimento estatístico como elaboração essencialmente

técnica, centrada no uso de fórmulas e algoritmos. A continuidade dessa visão

fragmentada pode levar o estudante a tratar a Estatística como um ramo da

Matemática, o que prejudica perceber o potencial que o conhecimento estatístico

tem para esclarecer contextos em diferentes áreas.

Quando se pediu que o aluno fizesse considerações sobre a possibilidade

de usar a Estatística para tentar exercer influências sobre o comportamento de

setores da sociedade, as referências focalizaram fatos da rotina industrial. Além

disso, não houve citação de aspectos políticos da futura profissão. Essas respostas

representam um desafio para o ensino de Estatística, pois os currículos das áreas

técnicas são voltados predominantemente ao desenvolvimento de habilidades e

155

procedimentos rotineiros (SKOVSMOSE, 2007), não explicitando preocupações com

as consequências sociais dos usos do conhecimento.

Alro e Skovsmose (2010) postulam, por exemplo, que o entendimento de

problemas socioeconômicos, políticos e ambientais de uma sociedade não são

viabilizados apenas a partir do estudo de aspectos internos de uma disciplina.

Conteúdos específicos de uma disciplina por si só não colaboram no

desenvolvimento de atitudes de crítica e reflexão sobre a realidade que cerca o

estudante. Voltando a Gal e Garfield (1997), percebe-se a necessidade de ensinar o

aluno a distinguir e refletir sobre a realidade a partir dos conceitos mobilizados.

Existe a necessidade de colocar o aluno diante de diferentes contextos, com o

objetivo dele aprender a avaliar cada situação apresentada, aprendendo a lidar com

situações abertas cujos padrões de resolução ainda foram estabelecidos.

Variáveis são características do objeto de estudo observadas ao aplicar o

conhecimento estatístico na resolução de um problema. A professora considera

variável um conceito simples, mas percebe que os alunos apresentam dificuldades

de compreensão. Alguns não souberam conceituar o tipo de variável (qualitativa ou

quantitativa, discreta ou contínua) nem indicar a melhor representação. As respostas

evidenciaram problemas de compreensão do conceito e um desafio inicial para a

professora, que não sabe o motivo da dificuldade e também desconhece alguma

sistematização para proceder com a conceituação.

Além do problema em relação à classificação e representação de variáveis,

a professora considera que os alunos apresentam um tipo de analfabetismo, pois

parte deles chega à graduação não conseguindo ler qualquer modelo de gráfico (o

que se repete em relação à tabela de frequências). A suspeita da docente recaiu

sobre a falta de abordagem dos temas, em algum momento anterior à graduação. Ao

mesmo tempo, considera que os gráficos constituem uma simbologia mais concisa

do que outras formas de comunicação e que proporcionam uma forma diferente de

raciocinar. Para ela, o gráfico é uma forma do leigo entender a mensagem que os

dados podem passar e o Engenheiro deve aprender a extrair informações desse tipo

de representação.

156

As deficiências no estabelecimento de significações necessárias à análise e

compreensão de dados por meio de gráficos remetem ao trabalho de Curcio, Friel e

Bright (2001), referências importantes por explicarem que existem fatores críticos

que influenciam a compreensão dos gráficos. Os problemas de compreensão podem

estar relacionados à decodificação visual, ao tipo de dado, variação, tamanho do

conjunto de dados ou às formas utilizadas para representá-los. Os autores também

consideram que a capacidade de atribuir sentido é desenvolvida gradualmente e

requer, de início, a análise de gráficos prontos, associados a diferentes problemas e

contextos.

É importante lembrar que essa dificuldade realmente pode estar associada à

compreensão equivocada de conceitos que o aluno já traz da sua escolaridade

anterior à graduação. Também pode-se debitar o fato à ausência, pouco (ou

nenhum) contato com a análise de dados e construção de gráficos. Uma

possibilidade para resolver a situação pode estar na utilização de TICs para

dinamizar a análise e a exploração dos gráficos, além de permitir experimentos com

diferentes representações de dados. Trocas de experiências de interpretações entre

os alunos podem ajudar a compreender conceitos e partilhá-los dentro de novas

redes, o que traz de volta a ideia de Lévy (2006) sobre o conhecimento elaborado

em grupos sociais mediante utilização de diferentes tecnologias.

5.3.1 Considerações

Em cada fase da vida escolar não basta cumprir apenas o papel de dotar o

indivíduo de conhecimentos e habilidades para manipular conceitos, mas é preciso

associar os conteúdos técnicos à realidade do estudante. Para tanto, as aulas

dedicadas ao conceito de variável e representações gráficas não devem se limitar

apenas à utilização de situações padronizadas, usualmente apresentadas em listas

de exercícios para aplicação mecânica de algoritmos, onde os números

apresentados são desprovidos de contextos. Outro recurso, que é o uso de

semirrealidades também não deve limitar-se a apresentar um contexto só com

objetivo de orientar os passos para o cálculo estatístico.

A Estatística certamente pode ser um instrumento para o aluno tornar-se um

profissional amplamente competente, capaz de lidar com situações indeterminadas e

157

adequar seu raciocínio a diferentes contextos. A simples manipulação de conceitos

abstratos e fórmulas não permite desenvolver a percepção diante de situações

complexas.

5.4 Análise das repostas das entrevistas

Após realizar as entrevistas com cada os alunos e a professora, as

subcategorias identificadas nas respostas foram reagrupadas para análise. Agora

trataremos de forma análoga ao questionário as subcategorias que emergiram dos

depoimentos nas entrevistas.

5.4.1 Aplicabilidade

A subcategoria que emergiu já havia surgido na categorização das respostas

do questionário. Nenhuma subcategoria abordada nesta análise emerge dos planos

de curso das disciplinas de Estatística I e II.

A professora considera que vivemos uma era em que tudo é medido e os

dados são usados para gerar informações sobre comportamentos, doenças,

educação ou qualquer fato que se queira conhecer. A tendência atual é medir para

tirar conclusões. Sua declaração coincide com o exposto em Lopes (2013) sobre a

importância do conhecimento estatístico no século XXI, o que faz da análise de

dados um componente essencial do currículo em diferentes níveis.

De acordo com a professora, para desenvolver a capacidade de identificar,

modelar e resolver problemas deve-se conhecer exatamente o que acontece em

determinada situação. Retificou que saber exatamente é, na verdade, uma

expressão, pois existe uma margem de erro e incerteza, que pode ser calculada

estatisticamente de acordo com a segurança desejada. O Engenheiro de Produção

deve saber claramente onde utilizar a Estatística para mensurar e analisar dados.

Como exemplo, citou o caso de uma indústria que emite poluente atmosférico. De

posse de dados e conhecimento de Estatística, o Engenheiro pode analisar se o

estabelecimento atende aos parâmetros legais ou se necessita de algum

equipamento.

158

Sobre a ação política, a professora percebe possibilidades de articulações,

mas não vê os alunos enxergarem dessa forma. Existe entre os alunos uma

percepção vaga para aplicação da Estatística na análise da evolução do meio

político. Um dos motivos poderia ser o tempo destinado à disciplina de Estatística

durante o curso, considerado exíguo pelos entrevistados. Para a professora, com um

conhecimento maior dessa disciplina, não apenas o Engenheiro poderia usar o que

conhece para pensar nas questões políticas e entender melhor como a sociedade

funciona, quais são as suas demandas ou necessidades.

Realmente, não apenas o Engenheiro tem a possibilidade de utilizar o

conhecimento estatístico para pensar em questões políticas. A capacidade de

aproximar elementos sociais, dos personagens que tomam decisões importantes

para a sociedade é um aspecto tecnológico da Estatística, conforme Camargo

(2009). O trabalho desenvolvido com base nessa Ciência fornece elementos para

tomadas de decisões políticas práticas, como, por exemplo, prioridades de

investimentos em infraestrutura. Isso se constitui-se em uma tecnologia de governo

na ação à distância. Os alunos não percebem esse viés do conhecimento estatístico

utilizado com fins políticos.

Durante as entrevistas com os alunos, outra percepção que emergiu foi a de

Estatística como instrumento de melhoria contínua. Ela pode ser utilizada para

descrever influências dos sistemas produtivos sobre o ambiente. Isso é previsto no

documento da ABEPRO (2001). Um entrevistado foi bem claro ao explicar a ideia de

que a Estatística pode descrever o perfil de pessoas e características dos grupos em

diferentes setores de uma empresa. Em relação a isso, a professora exemplificou,

citando o questionário de percepção do ambiente da empresa. Ele serve para colher

dados remetidos ao setor de Recursos Humanos (RH), com o objetivo de conhecer e

solucionar problemas do ambiente de trabalho.

Voltando a Camargo (2009), é importante recordar que a Estatística pode

servir à moldagem de visões de mundo ou da imagem que cada um tem de seu

semelhante. Neste caso, os dados estatísticos servem para criar a visão em relação

ao pessoal de cada setor da empresa, na qual temos um grupo social formado pelos

que frequentam o mesmo espaço. Porém, a noção de ambiente entre os alunos não

159

é associada imediatamente a questões ecológicas, assunto contemplado pela

ABEPRO (2001) e a resolução do CNE/CES (2002).

Os alunos também atribuíram muita importância ao papel da Estatística

como instrumento de aferição da qualidade da produção e do desempenho

industrial. Neste caso, é importante comentar a preocupação de Skovsmose (2007)

em relação às reconfigurações ocorridas com a Matemática na graduação superior.

Tal preocupação pode ser estendida ao ensino de Estatística e também às

reconfigurações que ocorrem com o saber e formulação de novos conhecimentos.

Nos estudos ambientais, o conhecimento estatístico é reconhecido como

instrumento capaz de orientar decisões, o que acentua tanto a responsabilidade dos

professores quanto a dos futuros profissionais de EP. Entre os entrevistados, foi

percebida a utilidade do conhecimento estatístico para identificar e compreender

elementos causadores de impactos ambientais devido à presença de uma fábrica.

Porém, a articulação entre a Estatística e a Ecologia não está clara, pois houve

quem pensasse que o conhecimento aplicado aos processos industriais poderia ser

transferido imediatamente para o estudo de questões ecológicas.

Outra aplicação encontrada para a Estatística foi identificada na entrevista

de um dos alunos: a mensuração associada à exatidão e resultados precisos, que

capacitam o indivíduo a determinar locais exatos para o destino de resíduos. Esse é

um problema ecológico grave, pois determinados resíduos (químicos e radioativos)

são altamente perigosos e o contato com eles pode levar a óbito. Uma pista para a

elaboração dessa ideia pode estar no desequilíbrio entre as visões de aleatório e o

determinístico, observada na discussão das respostas do questionário. Existe a

presença muito forte entre os entrevistados de que os resultados de diferentes

cálculos apresentam uma resposta correta. Além disso, a própria Educação em sua

forma tradicional tende a ser fragmentadora (FEYERABEND, 2007), moldando o

pensamento para buscar padrões, o que também pode gerar esse desequilíbrio. É

necessário que a Estatística além de preparar o profissional de EP para a ação

dentro do ambiente da fábrica também o prepare para assumir responsabilidades

diante da sociedade (SKOVSMOSE, 2007).

Uma percepção da Estatística que pode ser discutida a partir das ideias dos

teóricos presentes no parágrafo anterior diz respeito à análise das demandas

160

populacional e do ambiente. Elas foram observadas sob o ponto de vista do

planejamento e previsão de melhorias da produção. Porém, no estudo de situações

ligadas às rotinas de fábrica, o cálculo de probabilidades torna-se instrumento de

prospecção de falhas e das variações que inviabilizam alcançar maiores níveis de

produção. Essa atitude reflete uma situação na qual a linguagem de uma Ciência é

utilizada de forma restrita. A presença da incerteza e da aleatoriedade é um fato

indesejado quando se trata da produção industrial. Um problema nesse caso é o

aluno fixar a ideia de que o objetivo das análises amostral e populacional é apenas

obter dados para controlar diferentes situações.

A mensuração também foi percebida como aplicável à análise de

populações, em estudos do meio, à gerência de uma fábrica e à previsão de impacto

ambiental gerado por uma empresa. Entretanto, aplicações da Estatística em

estudos da sociedade foram associadas com a indústria e a necessidade de

previsão. Essa restrição de raciocínio aponta outra necessidade. Durante a formação

especializada, os estudantes devem ser convidados a refletir sobre significados e

consequências de suas atividades profissionais.

A Estatística, da mesma forma que a Matemática, pode desenvolver

raciocínios hipotéticos e criar alternativas para elaborar novas tecnologias. O

estímulo da imaginação tecnológica (SKOVSMOSE, 2007) abre espaços para a

Estatística identificar tecnologias aplicáveis à prevenção de impactos ambientais e

não apenas à sua quantificação com objetivo de conter um problema que poderia

ser evitado. A ideia de articular o conhecimento estatístico à necessidade de

entender tudo do entorno e do interior de uma indústria pode ser ampliada e não

deve atrelar-se apenas à elaboração de informações sobre um ambiente fabril

restrito, no qual se busca determinar quantidades de perdas. Embora isso seja

necessário ao empreendimento industrial, não contribui para compreender questões

ambientais de maior alcance, preocupação expressa pela ABEPRO (2001).

5.4.2 Repasse e comunicação de dados e informações

A professora conceituou o conhecimento como uma informação que é

transformada segundo uma hierarquia. Primeiro define-se a variável, que depois é

medida, ao longo de um tempo (ou em locais específicos). A partir dessa sequência,

161

os dados podem ser tratados estatisticamente para gerar informação. De posse

desta informação, tem-se as conclusões que o ferramental estatístico permitiu obter.

Porém, isso necessariamente não é conhecimento, porque ele é determinado

quando as informações geram mudança de uma realidade (ou um contexto). Esta é

apenas uma forma de utilizar a Estatística para repassar informações e dados. A

subcategoria repasse e comunicação de dados e informações apareceu

primeiramente nas respostas do questionário, sob a forma de expressões como

“método para análise mais eficiente dos dados” e “coleta e análise de dados para

obter informações”, todas elas associadas à coleta e análise de dados, com o

objetivo de gerar informações.

Essa utilização também foi caracterizada simultaneamente como

instrumento para direcionar, verificar e analisar. Direcionar seria usar a Estatística

em análises que dirijam a atuação do Engenheiro em um ambiente para que ele

organize a produção e informe o modo como algo deve ser desenvolvido. Dessa

forma, temos outra utilidade para um modelo, que é justificar uma decisão

previamente tomada. Nesse caso, o conhecimento serve à legitimação de um

discurso, mesmo que as soluções sejam excessivamente restritas, favorecendo a

imposição de apenas uma alternativa (SKOVSMOSE, 2007).

Ao longo das entrevistas, a associação da Estatística ao repasse e

comunicação de dados e informações incluiu percepções relacionadas à linguagem

gráfica, com a citação das tabelas e diagramas como representação adequada e

melhor forma de compreender as informações. Em sociedades com forte presença

do uso de TICs, as análises quantitativas divulgadas por diferentes meios têm

ocorrido cada vez mais por intermédio de representações gráficas. Para o domínio

da comunicação gráfica, a habilidade da leitura e interpretação de gráficos está

ligada ao desenvolvimento da literacia estatística, pois associa a capacidade de

compreender as ideias fundamentais da Estatística e uma forma de linguagem

utilizada em sua comunicação.

Entre os depoentes existe a ideia generalizada de que os resultados

expressos na forma gráfica facilitam o entendimento quando comparada com a

apresentação dos mesmos dados em relatórios escritos. Esse ponto de vista

necessita de algumas considerações, pois atualmente considera-se a capacidade de

162

ler e compreender dados expressos por meio de gráficos necessária à alfabetização.

O desenvolvimento da habilidade para a leitura de gráficos requer do indivíduo a

capacidade de localizar, integrar elementos e gerar informações, ou seja,

compreender as informações e inferir com base no que o gráfico contém (CURCIO;

FRIEL; BRIGHT, 2001). Porém, dominar a decodificação visual do conteúdo de um

gráfico não é suficiente, tendo em vista que a Estatística pode se articular a outras

disciplinas que utilizam seus conceitos e ferramentas. A compreensão de gráficos

dependerá então da capacidade de adaptar o pensamento à interpretação de

situações que não são, na maioria das vezes, internas à própria Ciência Estatística.

Entre os entrevistados também foi percebida a necessidade de buscar

incessantemente a aferição a partir de levantamentos de dados voltada para a

melhoria de desempenho. Outra a concepção encontrada foi que a linguagem

gráfica é importante instrumento utilizado após a coleta e análise dos dados para

que as informações geradas tenham sua compreensão facilitada e sirvam à análise

de diferentes aspectos. Devemos observar com mais cuidado a linguagem gráfica,

importante na comunicação, conforme recomendam Curcio, Friel e Bright (2001).

Eles identificaram fatores críticos, de influência crucial sobre a compreensão de

gráficos. A compreensão de uma representação gráfica necessita de reorganizações

e classificações, que ocorrem de acordo com hierarquias. Uma interpretação não

ocorre apenas ao observar a imagem representada, mas necessita de extrapolações

e interpolações para identificar as consequências dos dados expostos. A

compreensão de um gráfico, assim como ocorre com uma mensagem escrita,

necessita de níveis diferentes de interpretação.

Embora os entrevistados apresentem ideias de como associar a

comunicação Estatística com a linguagem gráfica, não se pode esquecer que essa

forma de representação de dados resulta de um desenvolvimento coletivo. Para

serem compreendidos, os dados necessitam passar por trocas de significados

dentro de um grupo e, portanto, é importante não esquecer que a compreensão da

linguagem gráfica apoia-se em um idioma e também ocorre nas formas oral e a

escrita, imprescindíveis na comunicação. Deve-se associar a comunicação gráfica

ao uso de uma linguagem acessível, para não afastar pessoas não especializadas

da discussão sobre os avanços científicos, devido ao fato de desconhecerem uma

163

linguagem. Feyerabend (2007) lembra que cada Ciência deve ser uma forma de

concepção do conhecimento e não o caminho exclusivo para entender o mundo.

5.4.3 Controle

Retornando à professora, que considera frequentemente a possibilidade de

medir e extrair dados para gerar informações, temos outro viés de compreensão dos

usos da Estatística. Todo controle estatístico de qualidade é um mecanismo de

cobrança de desempenho da produção que não recai apenas sobre o Engenheiro de

Produção. Ao mesmo tempo, esse profissional não pode esquecer do controle

ambiental, que é uma responsabilidade social. Esta última é prevista no documento

da ABEPRO (1998) e do CNE/CES (2002). O controle exercido sobre os

profissionais da indústria por intermédio da Estatística é um aspecto do

conhecimento discutido por Feyerabend (2007). Nesse caso existe um paradoxo: o

conhecimento que deveria ser prova da evolução e instrumento de liberação

humana é utilizado para o controle. A Ciência está protegida de ideologias, mas os

indivíduos que compõem estão à sua mercê.

A percepção de Estatística para controle também se apresenta na

necessidade de construir instrumentos para reconhecer as falhas sistêmicas que

travam a produção. Aqui não se explicita a preocupação com as consequências

sociais das transformações e aplicações do conhecimento. O objetivo de melhorar

os processos produtivos é ligado à identificação dos motivos das perdas, mas há um

risco ao pautar excessivamente o ensino nessas aplicações. Skovsmose (2007)

considera que a formação centrada na eficiência operatória do saber adquirido pode

não preparar tomadas de decisões em que o conhecimento técnico não será único

fator a considerar. Decidir baseado apenas em resultados estatísticos pode levar a

opção apenas para lado econômico e relegar aspectos sociais a um plano inferior.

Portanto, existe um desafio: os currículos das áreas científica e tecnológica devem

ultrapassar o objetivo de desenvolver habilidades para o controle rotineiro de

processos. É necessário incluir discussões das consequências sociais ligadas às

aplicações do conhecimento científico em geral e, em particular, a Estatística.

Em relação à quantificação de impactos ambientais, a utilização de recursos

escassos e o destino final de resíduos e rejeitos, um exemplo apresentado foi a

164

verificação do cumprimento da legislação ambiental, cujo objetivo é garantir a

sustentabilidade. Essa verificação em estudos ambientais seria possível mediante a

transferência dos modelos de identificação dos níveis de desperdícios aceitáveis em

uma linha de produção. O controle também foi associado à necessidade de obter

dados para verificar o funcionamento de um sistema, comprovar consequências das

ações humanas e orientar a correção de falhas. Temos aqui uma situação típica de

confiança plena do conhecimento científico na qualidade de instrumento para

inspeção da observância de critérios legais. O fato também é discutido por

Skovsmose (2007), referindo-se à suposição de progresso científico associado à

garantia de progresso social.

Verificar o sucesso de um método é outra concepção, desta vez associada à

produção de dados globais, que servem de referência à ação local, além de

identificar marcos direcionadores de novas ações. Demo (2000) e Feyerabend

(2007) partilham a ideia de que o conhecimento que parece racionalmente

determinado é afetado por escolhas subjetivas. A percepção de sucesso é uma

delas. Em relação aos dados globais uma linha de montagem é um caso exemplar

de estudo de produtividade. Porém, é necessário verificar os impactos sociais e

ambientais ligados a esse desempenho produtivo. Essa perspectiva deixa evidente

que não existem instrumentos puramente racionais, neutros e isentos de

subjetividades.

A percepção da Estatística como instrumento de controle e medição

corresponde à ideia de que tudo deve ser o mensurado para identificar margens de

erro e manter padrões. O conceito de margem de erro faz do conhecimento

estatístico um instrumento de verificação, decisão e aceitação de qualidade do

produto e um modo de prever a sua lucratividade. Com isso, as aplicações da

Estatística ficam na fronteira entre o controle e a previsão, tratando a variabilidade

como um inconveniente à produção em série.

5.4.4 Previsão

Uma consideração da Estatística presente nas entrevistas com os alunos foi

como vê-la como instrumento de planejamento e/ou mudanças ao direcionar

decisões práticas. A professora comentou que o Engenheiro convive com processos

165

aleatórios e o seu raciocínio estocástico deve ser mais apurado, devendo também se

acostumar às imprevisibilidades. A Probabilidade também foi considerada

instrumento de previsão, que capacita seu conhecedor a antever possíveis

acontecimentos ainda não testados. A previsão também foi percebida pela

caracterização da Estatística como instrumento de análise que permite saber o como

serão a demanda e o comportamento de mercados futuros. Dessa forma, possibilita

descrever tais quadros além de ser capaz de prever e detalhar influências da

atividade industrial sobre ambiente e a sociedade.

A possibilidade de previsão inspira a segurança, quando associa o

conhecimento à constatação de comportamentos, com objetivo de planejar o

gerenciamento de pessoal. Sob esse ponto de vista a Estatística, por meio de

categorizações da realidade, dispõe de meios para identificar o indivíduo em relação

ao grupo e suas particularidades. Embora seja fruto da década de 1830, percebe-se

viva a ideia de Adolphe Quételet e sua definição de homem médio (CAMARGO,

2009). Os alunos provavelmente desconheçam esse fato e também outro de grande

importância: há menos de duzentos anos a média é elemento de comparação e

homogeneização de dados. Ajustar as ações em busca de uma produção média é

uma necessidade industrial. Porém, sem as necessárias críticas, levar o uso de um

conceito estatístico para o campo da Sociologia pode gerar perigosos abusos na

aplicação e gerar distorções de análise.

A associação da análise estatística, à previsão e à antecipação de

acontecimentos pode ser exemplificada pela declaração de um aluno, que comentou

a necessidade de prever o esgotamento de fonte de recurso para o seu manejo e/ou

fim de exploração. Outro exemplo é o do cálculo da proporção de dejetos e resíduos

que o ambiente suporta. Neste caso, a previsão estatística determinaria valores

máximos de elementos poluentes que podem ser liberados na natureza.

A atividade industrial é impactante, poluidora e o planeta está cada vez mais

a mercê de agressões ambientais. Em alguns depoimentos existe uma clara

percepção de que a Estatística serve a estudos sobre o ambiente, com o potencial

de, inclusive, prever riscos ambientais e esgotamento de recursos. Em meio apenas

à tarefa de assimilar habilidades para o desempenho profissional, a Estatística não

se constitui um instrumento pleno de crítica das próprias condições sociais e de

166

trabalho. AlrØ e Skovsmose (2010) e Gal e Garfield (1997) analisaram o ensino

orientado para treinamento, que não favorece o desenvolvimento de sínteses e

críticas de problemas reis.

O profissional de produção é considerado alguém que sabe lidar com a

incerteza, contornar a variabilidade na linha de produção e usar a informação

estatística no ambiente industrial. Os próprios depoentes associaram a possibilidade

da Estatística antecipar demandas e erros. Neste caso, assumem e compreendem a

necessidade de produção e compreensão dos dados (GAISE COLLEGE REPORT

FRANKLIN et al., 2005, p. 5). Eles também conhecem métodos para testar a

consistência dos dados, mas a presença da variabilidade, quando percebida, é

quantificada e explicada com o objetivo de eliminação, pois para a indústria não é

estratégico ultrapassar determinados limites de diferenças. Por um lado isso é

importante, pois garante que os produtos destinados aos consumidores não devem

apresentar grandes diferenças entre si que cheguem a ser classificadas como

defeitos de fabricação. Por outro, é necessário que essa busca de uniformidade não

se torne traço de personalidade e faça do Engenheiro um indivíduo deslocado dentro

em uma sociedade repleta de diferenças.

5.4.5 Manipulação

A professora acredita que há interseções da aprendizagem da Estatística

com a possibilidade dela ser utilizada para estudar o contexto social da atuação do

Engenheiro, mas não especificou de que forma faria. Além disso, considerou as

formas oral e a escrita como possibilidades de comunicar resultados estatísticos,

embora veja mais utilidade para os gráficos. Na sua opinião, aprender a aplicar a

ética e a responsabilidade da profissão relacionam-se ao poder, pois quem detém o

conhecimento controla o poder. As informações podem ser usadas para o bem ou

não e o seu detentor tem a possibilidade, inclusive, de transmitir a verdade de forma

enviesada (viciada).

A professora tocou em pontos da Educação Crítica (EC) discutidos por

Skovsmose (2007). Primeiramente o conhecimento científico deve colaborar para

elucidar consequências sociais de sua própria existência. Para ela, a Estatística

167

pode se valer de seus instrumentos para examinar, por exemplo, as relações de

poder dentro da sociedade e os interesses que movem seus atores.

Entre os alunos, a manipulação foi associada à ideia de manipulação dos

dados e distorção do entendimento de uma realidade. Aqui, pode-se associar a

declaração do aluno ao que Skovsmose (2007) chamou de fabricação de fatos. Para

o depoente, o conhecimento estatístico pode tratar as informações divulgadas em

diferentes mídias, descrevendo ou ocultando elementos que favoreçam

determinados indivíduos. Camargo (2009) também discutiu outro aspecto do

conhecimento estatístico: depois que os resultados são divulgados, o pesquisador já

não tem mais controle sobre aquilo que produziu. A partir de então, quem tomou

posse dos dados pode divulgá-los de acordo com conveniências pessoais.

A manipulação de resultados estatísticos foi percebida como a possibilidade

de favorecer um portador de opinião e influenciar a percepção de outros indivíduos.

Conhecer estatística, portanto, permitiria confirmar se há manipulação de dados.

Além disso, um aluno considera um risco a maioria da população desconhecer a

Estatística, pois não percebe as distorções e torna-se suscetível de ser ludibriada. O

depoente reforça uma discussão de Gal e Garfield (1997): o aluno deve

compreender que processos de pesquisa estatística ajudam a obter conclusões

melhores que as baseadas em intuições e deve aprender a elaborar estatísticas, ao

invés de apenas consumi-las.

Também verificou-se a Matemática associada à exatidão e certeza,

características não atribuídas à Estatística. Aqui há um confronto pessoal entre a

objetividade e a subjetividade de alguém que se confronta com duas linguagens

científicas, das quais uma delas é considerada a que apresenta resultados precisos.

Portanto, temos o que Demo (2000) e Feyerabend (2007) consideram contaminação

por elementos desconhecidos pelo próprio profissional. Eles discutem a tradição das

Ciências Naturais, que consideram confiáveis os dados fornecidos pelos sentidos em

condições de normais. A Matemática, provedora da precisão, utiliza aproximações

para números irracionais (como no caso do π) e, entretanto, a Estatística não é

considerada precisa pela margem de erro e pelos intervalos de confiança.

168

5.4.6 Pensamento fragmentado

A professora comentou que repetia o termo quantificar devido à sua

personalidade, pois desde criança tem o hábito de contar tudo. Declarou que lhe é

difícil descrever qualitativamente um fenômeno e, para ela, não é natural articular os

pensamentos qualitativo e quantitativo. Disse que deseja ter a experiência de fazer

uma pesquisa qualitativa, mas não entende minimamente o que é estudar com

profundidade uma questão específica sem buscar padrões que a descrevam. Temos

alguém que expressa uma concepção fragmentada sobre o próprio exercício

profissional, o que pode ser reflexo do seu treinamento para uso do conhecimento

científico. A restrição da imaginação provavelmente ocorre em decorrência de

aprender a utilizar uma linguagem de maneira restrita (FEYERABEND, 2007) sem a

construção de elos com outras metodologias, levando ao alinhamento com apenas

um método de conhecer a realidade (DEMO, 2000).

Segundo a professora, o Engenheiro de Produção tem formação

diversificada, o que possibilita atuar em equipes multidisciplinares e, dessa forma,

ajudar na compreensão e tratamento de diferentes aspectos das variáveis. A

habilidade de atuar em equipes multidisciplinares é prevista na proposta a ABEPRO

(2001) e pode ser melhor desenvolvida com a partilha do conhecimento com os seus

semelhantes discutida por Lévy (2006). O autor considera a inteligência e a cognição

elaborações sociais que podem ser desenvolvidas utilizando tecnologias que

colaboram para socialização de experiências e saberes. Esse ponto de vista também

foi expresso pelos autores do GAISE College Report (FRANKLIN et al., 2005). Eles

argumentam que acumular dados não significa formular uma informação, pois é

necessário tomar os dados e processá-los para lhes dar sentido. Os sentidos

atribuídos coletivamente, o contexto e a compreensão de mensagens são elementos

da comunicação que possuem valor educacional em relação à Estatística. A

formulação de sentidos e a aprendizagem necessitam de contextos que situam o

aluno frente ao objeto que deve compreender.

Entre os alunos entrevistados ocorreu pensamento fragmentado, por

exemplo, ao não se perceber como demandas sociais podem ser estudadas

quantitativamente, apesar de conceber essa metodologia aplicável ao mesmo

estudo quando o tema é o mercado consumidor. Entretanto, o conhecimento

169

estatístico foi associado ao tratamento de amostras para ensaios de ações sobre

objetos pequenos para eles gerarem resultados em contextos maiores. Neste caso,

as ideias de Lévy (2006) e do GAISE College Report (FRANKLIN et al., 2005)

expostas no parágrafo acima podem ajudar a discutir as concepções de uso do

conhecimento estatístico de forma compartimentada.

As demandas sociais representam um tema que, para a professora, pode

ser estudado com o uso da sua disciplina, porém considera tema de difícil

tratamento. Sem uma amostragem justa e mantendo apenas juízo sobre o que

conhece nas proximidades, a informação obtida ao fim do processo não é útil e a

sociedade não será descrita como um todo.

Segundo o GAISE College Report (FRANKLIN et al., 2005) é necessário

utilizar contextos para relacionar os conceitos estatísticos com o exame de situações

reais. Essa atitude favorece a criação de redes nas quais os significados são

articulados. O uso de dados reais é uma alternativa para envolver o estudante no

processo de aprendizagem e aproximá-lo do objeto estudado. Pelo tempo de

convivência com exercícios clássicos da formação de Engenheiros de Produção,

certamente a professora está desacostumada a trabalhar com outros tipos de

contextos.

A docente comentou na segunda entrevista que muitos alunos se prendem

aos métodos de cálculo e não se interessam em entender os conceitos. Percebeu

em mais de uma turma que muitos deles executam os cálculos, mas não sabem

explicar o que fazem. Considera necessário acompanhar esse tipo de aprendizagem

e pensa em mudar seu modelo de avaliação da compreensão dos conceitos. Isso

mostra duas preocupações com a aprendizagem: a primeira refere-se à

compreensão de conceitos, um dos pontos da proposta do (GAISE COLLEGE

REPORT, FRANKLIN et al., 2005); a segunda é tirar o foco dos cálculos, pois

acredita que os graduandos se prendem aos algoritmos, decoram roteiros e repetem

tudo até a hora da prova. Ela percebe que não deve avaliar somente as habilidades

de uso dos algoritmos e a sua experiência levou à observação de que é necessário

desenvolver o pensamento e a literacia estatística.

170

Associar a resolução de problemas administrativos à Matemática e não à

Estatística foi outro aspecto da fragmentação apresentado nas entrevistas. Essa

concepção foi explicada pela imprecisão atribuída ao conhecimento estatístico em

comparação com a certeza e exatidão associada ao campo matemático.

Entre os alunos existe a concepção de que medir desempenho não se

restringe à área de Produção e que pode ser aplicado em outras situações. Por trás

desta declaração encontra-se um ponto de interseção entre dois teóricos. Tanto

Demo (2000) quanto Feyerabend (2007) discutem o alinhamento à lógica de um

setor, que leva o indivíduo a considerar a atividade de medição de desempenho da

produção transferível, podendo ser aplicada indistintamente em outros contextos.

Mais uma vez apresenta-se o problema relacionado a um ensino científico sem a

crítica de métodos e conteúdo.

O indivíduo que pensa de forma fragmentada não percebe possibilidade de

articular o conhecimento estatístico à compreensão de diferentes aspectos, tanto do

cotidiano de trabalho, quanto da própria vida fora do ambiente laboral. A

fragmentação ficou evidente com a falta de associação dos tópicos da pergunta 2

com a Estatística, além de não percebê-la como uma linguagem que pode favorecer

a comunicação entre profissionais de diferentes atividades. Para alguém que passa

por uma formação acadêmica fragmentada é fácil aceitar a ideia da extrema

especialização profissional, assim como a formação dos Engenheiros de Produção

parece preservar aspectos da hierarquização positivista.

O pensamento fragmentado também se manifestou na falta de elos entre as

três modalidades de comunicação: oral, escrita e gráfica, sendo quase atribuído a

esta última a exclusividade de repassar dados e informações estatísticas. Lévy

(2006) nos lembra que, além de meios materiais, necessitamos de relações sociais

para desenvolver a inteligência e a cognição individual a partir do encontro com uma

língua, com as tecnologias socialmente disponíveis e com os demais indivíduos.

Pode-se considerar normal o desconhecimento dos alunos em relação à

fragmentação, mas a discussão sobre necessidades de articulações não deve

passar despercebida pelo professor.

171

Outro aspecto da fragmentação foi considerar a ética assunto privado e de

cada instituição, ocorrendo o mesmo em relação à avaliação de impactos das

atividades de engenharia no contexto social e ambiental, que também foram

consideradas encargo de cada empresa. O excesso de simplificações que ocorrem

no ensino de Ciências apontado por Feyerabend (2007) reflete-se nas limitações

apresentadas já no ciclo básico das Engenharias. Como exemplo, pode-se pensar

na dificuldade que o aluno de Engenharia tem para entender como adaptar os

instrumentos estatísticos ao estudo de situações da própria sociedade em que vive.

Outra ocorrência do pensamento fragmentado deu-se com a não articulação

da compreensão de problemas socioeconômicos e ambientais à Estatística. Mais um

viés dessa dissociação seria aceitar possíveis elos dos estudos de Economia com o

conhecimento estatístico, pois não percebê-la aplicada à compreensão de fatos na

sociedade seria negar que se vive dentro de determinadas condições econômicas.

Não ver elos da realidade social com o conhecimento é um elemento dos jogos de

poder envolvendo a utilização da produção científica com o objetivo de manter

intactas as relações sociais vigentes (SKOVSMOSE, 2007). Sendo assim, temos

como resultado a minoria de elementos de uma sociedade decidindo as pautas de

desenvolvimento científico, tecnológico e econômico.

5.4.7 Desenvolvimento de habilidades

A professora considera importante usar TICs para desenvolver o conteúdo de

Estatística e fez uma crítica ao curso de graduação em EP, que na Instituição

pesquisada não tem as disciplinas de Lógica e Algoritmos. Algumas turmas sequer

desenvolvem a capacidade de programar e não passam da elaboração dos

algoritmos em papel. Para a professora, Engenheiro deve conhecer alguma

linguagem de programação para processar os dados na quantidade e com a rapidez

necessária, pois o MS Excel não tem potência suficiente para a tarefa. A percepção

da professora pode ser traduzida por dois itens da proposta do (GAISE COLLEGE

REPORT, FRANKLIN et al., 2005). A primeira é a necessidade de promover a

aprendizagem ativa na sala de aula, o que seria facilitado com a utilização de TICs,

que permitem buscar bancos depositários de dados reais. A outra é que a utilização

172

dessas tecnologias proporcionaria mais tempo para desenvolver a compreensão dos

conceitos e a análise de dados.

O acesso a dados reais e a utilização de TICs para automatizar cálculos,

trabalhar com gráficos e realizar simulações é uma necessidade apontada pelo

GAISE College Report (FRANKLIN et al., 2005), pois possibilita interpretar

resultados e não apenas assimilar rotinas de cálculos estatísticos. A aprendizagem

de uma linguagem de programação articularia o tratamento de grandes quantidades

de dados de forma rápida. Com isso, o tempo gasto em longas sequências de

cálculos pode reverter no desenvolvimento da literacia e do pensamento estatístico.

A percepção dos alunos sobre o desenvolvimento de habilidades também

passou pelo reconhecimento de que a Estatística pode ajudar a desenvolver o

raciocínio lógico. Isso foi associado à melhoria da capacidade de modelar a

resolução dos exercícios apresentados pela professora. Nesse caso, mesmo com a

professora utilizando semirealidades e por vezes trabalhando alinhada ao paradigma

do exercício, um aluno considerou que as aulas de Estatística serviram para ampliar

sua capacidade de compreender enunciados. Também considerou que isso

facilitaria a abordagem de problemas reais. Porém, o trabalho realizado na disciplina

está longe daquele preconizado pelos educadores estatísticos presentes no

referencial. O GAISE College Report (FRANKLIN et al., 2005) propõe atividades de

ensino e de avaliação ativas. Paralelo a isso, Gal e Garfield (1997) apontam a meta

de fazer dos alunos cidadãos informados e capazes de compreender e lidar com a

incerteza, a variabilidade e a informação estatística (além de serem produtores,

intérpretes e comunicadores de dados).

O uso de dados e situações reais, aliado à utilização de TICs, viabilizaria o

contato do aluno com todo o percurso iniciado com a coleta de dados, passando

pela análise e culminando na divulgação dos resultados. Inserindo o processo

estatístico em um contexto, evita-se o afastamento entre sujeito e objeto, outro

aspecto da fragmentação discutido por Demo (2000), Lévy (2006) e Feyerabend

(2007). Tem-se uma oportunidade de colocar o aluno como sujeito histórico em um

processo de elaboração de conhecimento, munido de tecnologia e comunicando-se

por meio de diferentes linguagens. Assim, os contextos favorecem a criação de

redes nas quais diversos significados são articulados.

173

5.4.8 Mudança de comportamento

A subcategoria mudança de comportamento constitui-se nas alterações de

percepção do aluno em relação aos usos do conhecimento estatístico. Com a

aplicação do questionário, constatou-se que, no início do curso, a Estatística era

considerada apenas mais uma disciplina curricular ou mesmo uma parte da

Matemática.

Inicialmente um dos alunos não via muita utilidade na Estatística e ainda

guardava a postura do Ensino Médio, época em que foi submetido a um ensino

simplificado, no qual o conhecimento estatístico não possuía vínculos com a

realidade. Ao entrar na graduação ainda lidava com conceitos esparsos e pouco

aplicados, mas ao longo do curso passou a perceber aplicações da Estatística e a

necessidade de superar o estágio de conhecimento em que se encontrava. As

aplicações tonaram-se mais relevantes e a média, por exemplo, aumentou de

importância por representar comportamentos gerais, mais necessários à indústria.

Mesmo trabalhando com semirrealidades e tratando com dados que não são reais,

viu aplicações e pode esclarecer os temas que estudava. Variância e desvio padrão

passaram a apresentar utilidade, pois juntamente com a curva normal norteiam o

planejamento da produção. Nas articulações com outras disciplinas o próprio uso da

curva normal ajudou a compreender como verificar concentrações de resultados

mais prováveis e comportamentos centrais.

Novamente nos deparamos com algo já apontado por Demo (2000),

Feyerabend (2007) e Skovsmose (2007): o currículo condicionando o aprendiz à

lógica de um setor, cumprindo o papel de selecionar e demarcar competências

necessárias à transformação de conhecimento em força produtiva. As aplicações

lembradas pelos alunos e a professora relacionam-se à linha de produção. Citações

sobre outros estudos fora do mundo industrial ocorreram apenas quando

perguntadas especificamente. Mesmo assim, quando isso foi feito, as articulações

sugeriam a simples transferência de instrumentos e processos de pesquisa da

indústria para os estudos socioeconômicos. Esse é um aspecto do currículo

impregnado por um padrão tecnológico que não favorece desenvolver competência

democrática em meio a uma graduação cujo egresso deverá trabalhar com pessoas.

174

A mudança de comportamento também pode ser observada em relação ao

Cálculo, que antes era instrumento fundamental da Engenharia. Agora a Estatística

passa a ser reconhecida como instrumento importante para a EP e isso coloca a

percepção na fronteira entre a mudança de comportamento e o reconhecimento da

relevância.

5.4.9 Relevância

A professora relatou um choque sofrido ao cursar o mestrado em Engenharia

Ambiental, pois percebeu que não havia estudado Estatística o suficiente, devido ao

fato de que, na graduação, teve apenas um semestre da disciplina. Comentou que

atualmente já existem sugestões de diminuir o total de aulas de Cálculo e aumentar

o de Estatística em cursos de Engenharia. Pelo menos na EP existe a necessidade

de tornar o currículo mais dinâmico e, na segunda entrevista, a professora

apresentou a preocupação com o desempenho dos alunos. Essa declaração

apresenta um momento de reflexão sobre a relevância de conteúdos para a EP.

Entre os diferentes temas e conceitos da Estatística para o Engenheiro de

Produção, a professora destacou os seguintes: entender o conceito de variável, o

que ela representa e o fato das variáveis explicarem-se mutuamente. A regressão

não ocorre somente na forma linear e deve ser conhecida pelo aprendiz, mesmo que

não necessite usar imediatamente todas as formas. A professora também acha

importante saber testar hipóteses e determinar intervalos de confiança e é

necessário conhecer a estimação pontual e a estimação por intervalo de confiança.

Essa noção tem relevância, porque o profissional testará amostras, já que não é

possível testar a população total. Daí a importância da amostragem e da

possibilidade de comparar amostras.

É necessário entender o que é uma medida de tendência central e o conceito

de dispersão, pois são conceitos necessários para perceber o quanto uma linha de

produção está desajustada. No caso, erro significa dizer que não se está produzindo

de acordo com o planejado.

A experiência de ensinar Estatística e a conivência com os alunos em fase de

aprendizagem indicam para a professora que é preciso tratar mais apuradamente

175

determinados tópicos e procedimentos, tendo em vista o progresso dos aprendizes.

Mesmo trabalhando a partir de semirrealidades ao invés de dados reais, a sua

preocupação é desenvolver o pensamento e a literacia estatística, além de enfatizar

o entendimento conceitual.

Os alunos também consideraram a Estatística relevante por vários motivos,

entre eles a possibilidade de delimitar regiões de Probabilidade. Isso faz com que a

Estatística lhes pareça concreta, pois quantificam possibilidades de um

acontecimento. Entretanto, não percebem que trabalharam apenas com situações

hipotéticas, sem estudar acontecimentos reais.

A necessidade do tratamento de dados foi identificada ao verificar que a

Engenharia necessita deles para as suas realizações. A partir dessa ideia, os alunos

constataram que as aplicações do conhecimento estatístico são amplas. Uma das

características do desenvolvimento do pensamento estatístico é o fato do aprendiz

compreender a necessidade dos dados e reconhecer a importância de sua

produção, destaque do GAISE College Report (FRANKLIN et al., 2005). Além disso,

os alunos também consideraram que não basta conhecer os processos de cálculos

estatísticos, mas os resultados devem estar dentro de padrões considerados

verdadeiros. Portanto, os alunos perceberam a necessidade de verificar a

consistência dos dados, apontando outra face do desenvolvimento do pensamento

estatístico.

A utilidade da disciplina foi acentuada pela ideia de que a Estatística será

necessária no futuro. Na ausência desse conhecimento é difícil resolver situações

práticas nas Engenharias e, sem saber analisar dados, pode-se tomar decisões

incorretas. Nesse ponto, retornamos a Gal e Garfield (1997) que defendem a ideia

de que o aluno deve compreender que processos de pesquisa estatística ajudam a

concluir sobre uma situação de maneira mais apropriada do que fosse baseada em

intuições ou experiências subjetivas. Também é necessário retornar ao que foi

escrito por Skovsmose, (2007), ao dizer que existe o desafio dos currículos em áreas

técnicas, nas quais predomina o desenvolvimento de habilidades operatórias

desligadas da preocupação com as consequências sociais das aplicações do

conhecimento.

176

A Estatística viabiliza planejamentos e mais de um entrevistado considerou

fundamental aumentar a carga horária de Estatística. A disciplina é importante não

apenas para a Engenharia, mas para a formação geral das pessoas. Essa ideia

pode ser reforçada por Lopes (2013), que lembra um fato importante: em pleno

século XXI, a análise de dados é essencial para desenvolver diversas habilidades

em diferentes níveis de ensino. Porém é importante não deturpar a ideia de

aumentar a carga horária de Estatística, pois diante das necessidades de formação

do Engenheiro de Produção o conhecimento estatístico tem importância relativa.

Não se pode torná-lo um novo elemento a reinar no ensino, seja em qualquer nível

de conhecimento, conforme nos afirma Demo (2000) e Feyerabend (2007).

5.4.10 Complexidade

A professora considera bom ter as disciplinas de Estatística I e II separadas

e que elas não estão de forma alguma desarticuladas em relação às demais.

Lembrou que os alunos têm a disciplinas que aplicam o conhecimento estatístico

como, por exemplo, o CEQ e lembrou que a sua disciplina atravessa outros campos.

Porém, é necessário que tanto a professora de Estatística quanto o professor da

cada disciplina que utiliza procedimentos estatísticos tenham o cuidado de não

dissipar excessivamente o aspecto complexo dos fenômenos que estudam.

Muitas ações no cotidiano do Engenheiro são respaldadas por aplicações da

Estatística que ocorrem dentro de contextos complexos (Como no caso do CEQ), e,

dessa forma, não possibilitam decisões baseadas em análises fragmentadas. O

conhecimento para a prática da EP, mesmo sob uma formação que lança mão de

disciplinas solitárias (assim declarado pelo Aluno 1) é aplicado em meio a uma

ecologia cognitiva (LÉVY, 2006). Perceber a solidão entre as disciplinas foi um

indício da compreensão que a sua formação não deve ocorrer em meio a saberes

desconexos.

As atividades da EP são exercidas por coletivos de atores sociais munidos

de diferentes linguagens em meio a diversas tecnologias, o que remete à

necessidade de tratar articulada e simultaneamente diversos aspectos do mesmo

objeto. É importante compreender que a resolução de problemas reais não se

adequa aos modelos simplificados das aulas iniciais e uma a opção é incentivar a

177

aprendizagem ativa, proposta do GAISE College Report (FRANKLIN et al., 2005). A

aprendizagem ativa favorece elaborar e compreender conceitos da Estatística, além

de estimular o aluno a desenvolver o pensamento estatístico. As atividades de

campo constituem-se em uma possibilidade didática que permite confrontar

situações reais que levam à necessidade de mobilizar diversas habilidades. Além

disso, existem as atividades em laboratórios e os trabalhos em grupo que podem

promover a discussão de dados constituindo-se em possíveis instrumentos para

ensinar a disciplina.

5.4.11 Relatividade

A professora comentou que a convivência com a aleatoriedade deveria ser

trabalhada desde o Ensino Fundamental. Normalmente ela convive com alunos que

têm o primeiro contato apenas na graduação, o que acarreta dificuldades de

compreender diversos conceitos ligados ao acaso e à Probabilidade. Um problema

para ela é o aluno pensar que toda situação apresenta apenas um resultado

esperado, o que não é verdade, pois a Estatística, ao trabalhar junto com a

Probabilidade, trata de conjuntos de resultados possíveis, característicos de uma

situação amostral.

Após estudar Estatística e aplicá-la em diferentes disciplinas da formação

profissional, os alunos começam a perceber o alcance do conhecimento estatístico.

Voltamos a Feyerabend (2007) e a sua ideia de que a Educação Científica é

excessivamente simplificadora, e que existe a necessidade de relativizar o potencial

do conhecimento científico em ralação às explicações da realidade.

Apesar da tendência de alguns entrevistados tratarem a Estatística como

Ciência produtora de respostas exatas, houve a percepção de que é impossível

afirmar que todos os resultados obtidos por meio da Estatística constituem-se

verdade e certeza absoluta. Houve quem considerasse que o conhecimento

estatístico não deve ser tratado como exato em sua essência e à Matemática foi

atribuída a segurança que a Estatística não traduz.

Essa falta de percepção de elos da Estatística com o mundo real é um

indício de que o seu ensino muitas vezes é desconectado da realidade da profissão.

178

Os fenômenos naturais e sociais que se desenrolam no mundo concreto não

apresentam apenas resultados exatos. Diante desse quadro existe a necessidade e

a possibilidade de conceber um novo papel social para a Estatística como Ciência

capaz de articular outros saberes em torno de si e ajudar a refletir sobre o

conhecimento de uma forma geral.

5.5 Considerações sobre o capítulo

Neste capítulo analisamos os dados emergentes do questionário e dos

depoimentos frente aos teóricos e documentos oficiais. A proposta da ABEPRO

(2001) e a resolução do CNE/CES (2002) apresentam habilidades, competências e

conteúdos curriculares necessárias ao desempenho da profissão. Os planos de

curso documentam de que maneira as recomendações devem ser seguidas.

Todos os documentos destacam que a Estatística tem aplicações à

modelagem de sistemas e é necessária para subsidiar tomadas de decisão.

Também se considera relevante preparar o profissional para acompanhar os

avanços tecnológicos e demandas de origem empresarial e social, o que leva à

necessidade da formação estatística permitir ao Engenheiro compreender as formas

pelas quais o conhecimento é utilizado no desenvolvimento tecnológico. Os

documentos também incluem a necessidade de formar Engenheiros que

reconheçam a importância dos cuidados ambientais na preservação de diferentes

recursos. A formação para as capacidades de comunicação nas diferentes

modalidades e de associação de conhecimentos também são contempladas.

Apesar dos programas das disciplinas reportarem-se a situações ideais de

ensino e aplicação do conhecimento estatístico, na prática o ensino e a avaliação da

disciplina ocorreram de acordo com padrões convencionais, tais como a recorrência

ao paradigma do exercício e às semirrealidades. A análise das respostas do

questionário e das entrevistas sugere reflexos dessas práticas de ensino na

formação estatística do grupo. Por sua vez, o referencial teórico aponta que os

currículos escolares e as práticas pedagógicas são instrumentos de estratificação,

servindo para ocultar e afastar aspectos sociais, políticos e culturais do ensino

científico.

179

Entretanto, a fragmentação descrita não deve ser considerada definitiva nem

irreversível. O reconhecimento de que a formação do Engenheiro é fragmentada

pode ser o ponto de partida para a proposição de um ensino que atenda às

necessidades de formar um profissional que simultaneamente seja consciente das

responsabilidades técnicas do ofício e do seu lugar de cidadão atuante da

sociedade. Nas considerações finais trataremos com mais detalhes os aspectos

relacionados ao tipo de formação dos alunos envolvidos na pesquisa.

180

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A utilização dos progressos da ciência e da tecnologia para tornar a vida do homem menos

angustiante parece-nos ser uma tarefa que escapa ao poder dos cientistas

e, de fato, a impressão que se tem é que à medida que o progresso científico avança, menos e

menos as realizações são voltadas

para minorar o sofrimento do homem. (Ubiratan D’Ambrosio).

Introdução

Em geral, os profissionais da área de Engenharia consideram que a

Estatística tem grande importância para a sua atuação profissional. Os alunos

ingressantes na graduação em Engenharia com os quais temos contato quase diário

consideram a disciplina um obstáculo a ser transposto na sua formação. Ao mesmo

tempo em que se preocupam com a formação estatística de quem dependerá desse

conhecimento para atuar profissionalmente, os professores da disciplina percebem a

angústia dos alunos diante dos conteúdos. A partir desse quadro, surgiu uma

curiosidade que depois tornou-se objetivo de estudo: saber qual lugar a Estatística

ocupa no universo no estudante de Engenharia.

Nesta pesquisa investigamos a formação estatística inicial do Engenheiro de

Produção, buscando evidenciar quais demandas de formação seriam explicitadas

pelos estudantes em relação à Estatística, as suas fragilidades e concepções

equivocadas. Além disso, procuramos saber de que forma o Plano de Curso e os

instrumentos de ensino e de avaliação da Estatística dialogam com as necessidades

dos futuros engenheiros de Produção, expressas em documentos da associação de

classe e as determinações do Ministério da Educação.

Relembremos que a investigação contou com os depoimentos de cinco

alunos escolhidos e/ou sorteados dentre os respondentes do questionário, além da

professora de Estatística de uma turma do curso de Engenharia de Produção da

181

mesma Instituição Federal de Ensino da Grande Vitória. Os cinco alunos estudaram

Estatística no Ensino Médio. A partir da questão “Como ocorre a formação estatística

de futuros engenheiros de Produção?” Estudamos como o conhecimento estatístico

contribui na formação dos alunos, quais são as perspectivas do uso desse

conhecimento no prosseguimento da carreira, que percepções eles têm a respeito

da disciplina, e quais articulações ela tem com outros componentes da matriz

curricular do curso.

Resultados e reflexões

No início do trabalho, após a aplicação de um questionário de levantamento

de perfil dos estudantes e primeiras análises interpretativas dos dados, as

evidências coletadas mostravam diferentes percepções a respeito da Estatística.

Parte considerava a disciplina como Ciência de análise de dados com aplicações

que não se restringem ao ambiente industrial e outra a considerava apenas uma

disciplina da formação do Engenheiro. Porém, havia uma terceira percepção, a de

considerar a Estatística uma disciplina de caráter matemático. Portanto, devido a

diferentes motivos, tínhamos um grupo que tinha pouca experiência com o conteúdo

da disciplina e apresentava ideais difusas a seu respeito.

A turma como um todo apresentava uma série de indícios do primeiro

contato com a Estatística ter ocorrido igual aquele que se dá com a Matemática

dentro de padrões tradicionais. Os depoimentos realizados após a aplicação do

questionário indicam um ensino básico de Estatística que, quando ocorreu foi sob a

tônica de trabalho, rotineiro com aplicação de fórmulas em exercícios de fixação e

pouca atenção aos conceitos estatísticos.

Outro reflexo de um deficitário ensino básico de Estatística surgido na

aplicação do questionário foi em relação à conceituação de variável

(qualitativa/quantitativa, discreta/contínua) e a indicação de uma representação

gráfica. Há evidências de falta de compreensão dos conceitos. A deficiência na

compreensão de representações gráficas das variáveis foi outra situação encontrada

no primeiro levantamento. Considerando que a análise de dados necessita da

compreensão de mensagens expressas graficamente, tínhamos um grupo com

sérias deficiências em relação ao raciocínio e ao domínio da literacia estatística.

182

O ensino deficitário que transpareceu nas respostas do questionário

apresentou outra situação: falta de elos do conteúdo ensinado com situações

concretas. Uma pessoa que desconheça o que é variável (e sua importância no

desenvolvimento da análise de dados) e não domine a compreensão e leitura de

representações gráficas (instrumento que representa o comportamento da variável),

certamente apresentará dificuldades de elaborar informações a partir dos dados

disponíveis. Esse indivíduo também apresentará dificuldades de se situar frente ao

conhecimento estatístico, deficiência em lidar com dados quantitativos para

interpretar diferentes situações cotidianas (mesmo as mais simples). Essas

deficiências, caso não sejam resolvidas, podem inclusive comprometer a

continuidade dos estudos da Estatística.

Com o decorrer das diversas etapas de entrevistas foi possível perceber

mudanças de percepção em relação ao alcance da Estatística. Porém, ao mesmo

tempo em que horizontes se ampliavam, algumas visões permaneceram inalteradas.

Inicialmente, devido a ideias trazidas do Ensino Médio, a Estatística ainda não era

considerada instrumento capaz de ajudar a entender determinadas realidades.

Persistia a visão de algo que lidava com conceitos esparsos e pouco aplicados.

Em geral, os alunos consideraram que as aplicações começaram a ganhar

alguma visibilidade ao longo da Estatística I, mesmo que as situações estudadas

ainda não fossem associadas a situações reais. Conceitos fundamentais como

média, moda, variância e desvio padrão começaram a ter suas aplicações melhor

compreendidas. Na Estatística II o cálculo de probabilidades passou a fazer parte

das análises de dados e novas aplicações foram vistas. As aplicações do

conhecimento estatístico foram percebidas com maior intensidade quando da sua

utilização como linguagem e instrumento de resolução de problemas em outras

disciplinas. Então, a versatilidade da Estatística se fez presente, habilidades foram

desenvolvidas, a disciplina tornou-se relevante, sua inserção em situações

complexas foi reconhecida. Sua utilidade como instrumento de comunicação e a

relatividade de seu alcance e sua necessidade foram compreendidos. Porém, não

foram esses apenas os aspectos da formação estatística constatados na formação

do Engenheiro de Produção.

183

Ao mesmo tempo, o profissional que deve ter a habilidade de trabalhar em

equipes multidisciplinares apresenta aspectos de fragmentação na sua formação

estatística. Consideramos fragmentação a falta e/ou dificuldade em articular a

Estatística à análise de algum objeto que pode ser estudado mobilizando o

conhecimento desse campo. Primeiramente, apesar da percepção da variada

aplicabilidade da Estatística, os entrevistados não identificaram como tratar de

demandas sociais ou então as associaram com aquela que é gerada pelo mercado

consumidor. Outro aspecto do conhecimento fragmentado foi a falta de associação

entre as modalidades de comunicação oral, escrita e gráfica e à última foi atribuída a

primazia da expressão de dados. Até o momento da última entrevista ainda havia

quem não percebesse a importância de se comunicar oralmente. Tendo em vista

que a futura profissão está ligada à convivência entre pessoas em um ambiente de

trabalho, existe a necessidade de desenvolver a habilidade de explicar oralmente

como dados devem ser aplicados e os procedimentos operacionais cumpridos.

Um dos aspectos evidentes da fragmentação do pensamento, tanto do

questionário quanto das entrevistas, foi a consideração de que a ética e a avaliação

de impactos de atividades da engenharia (na sociedade e no ambiente) são

assuntos que podem ser tratados de forma privada em cada instituição. O

pensamento fragmentado também existiu quando não foi articulada a compreensão

de problemas socioeconômicos e ambientais à Estatística, mesmo sabendo que ela

pode ser utilizada para traduzir o pensamento dos economistas. Essa concepção

materializa a negação de que a sociedade na qual o Engenheiro vive está submetida

às suas condições econômicas. Outra dificuldade de associação pode ser percebida

quando o aluno de Engenharia não entende que é necessário adaptar os

instrumentos estatísticos aplicados ao planejamento e supervisão da produção para

estudar situações de caráter social.

Continuando a tratar das percepções obtidas dos entrevistados, a

manipulação, a previsão e o controle foram três concepções da presença da

Estatística encontradas nos depoimentos. A possibilidade de manipular a

apresentação de resultados segundo conveniências e diferentes interesses foi uma

preocupação apontada durante os depoimentos, pois a desvirtuação do trabalho

estatístico pode levar a distorções da percepção da realidade. Em geral, os

comentários referiram-se exatamente aos usos enviesados do produto de uma

184

pesquisa estatística. Quando o resultado do tratamento de dados não está mais sob

o controle de quem os obteve, aquele que os detiver pode divulgá-los de forma

honesta ou não. Isso implica em considerações éticas, pois dados distorcidos podem

influenciar a opinião pessoal de diferentes indivíduos, de forma a favorecer o

portador de determinado ponto de vista.

Para os alunos, outra importante aplicação da Estatística seria a

possibilidade de servir como instrumento de planejamento e/ou previsão de ações

ou quadros futuros. Ela é importante em diferentes tipos de planejamentos, sejam

eles da esfera pública ou privada e auxilia a decidir frente a diversas possibilidades.

Ao mesmo tempo, possibilita descrever e detalhar influências da atividade industrial

sobre ambiente e a sociedade. A análise estatística pode também ser utilizada para

prever o esgotamento de fontes de recursos ou a proporção de dejetos e resíduos

que o ambiente suporta, ou mesmo determinar valores máximos de poluentes que

se permite liberar no ambiente.

A Estatística é válida como instrumento de trabalho pelo fato de antecipar

possibilidades, mas da mesma forma que os dados manipulados podem favorecer

determinados interesses e influenciar a opinião pública, o mau uso de instrumentos

estatísticos no planejamento e previsão também acarretam graves consequências

para a sociedade. É problemático quando alguém, de posse de dados sobre riscos

de um empreendimento toma uma decisão sem preocupação com a ética, mesmo

ciente da possibilidade de graves danos ambientais e sociais. Esses riscos devem

ser considerados pelos profissionais em formação, tendo em vista que resultados

futuros não espelham necessariamente o planejamento. As atividades industriais são

altamente impactantes para o ambiente e as considerações sobre o fato não podem

ficar apenas a cargo das disciplinas ligadas ao controle de produção ou de gestão

ambiental.

Passando da previsão ao controle, outro uso da Estatística consiste em

elaborar planos para controle de falhas na produção, pois a perda de insumos para

os quais não se conhecem processos de reutilização constitui-se em problema

ambiental. Portanto, existe a necessidade de cada vez mais refinar determinados

processos de controle, como no caso das redes de distribuição de eletricidade. O

problemático é pautar as aplicações da Estatística tanto no planejamento quanto no

185

controle e deixar de lado outros problemas. Existem outras necessidades como, por

exemplo verificar quais são os impactos ligados à produção industrial. A perspectiva

de que tudo pode ser mensurado para identificar padrões dentro de margens de erro

não pode fazer do conhecimento estatístico um instrumento apenas de verificação

voltado para a lucratividade de um empreendimento.

Perspectivas, implicações e/ou recomendações

As contribuições desta pesquisa não terão reflexos diretos ou mesmo a curto

prazo sobre os alunos entrevistados mas, contribuiu para o próprio desenvolvimento

pessoal e profissional do autor, tanto do ponto de vista do professor quanto do

pesquisador.

Do ponto de vista do professor, os resultados servem de alerta e, ao mesmo

tempo, de estímulo. O alerta refere-se aos procedimentos de aula e a necessidade

de cada vez mais buscar meios de articular os saberes de uma disciplina a

diferentes contextos. Não basta focalizar apenas o desenvolvimento econômico ou

tecnológico, pois seria continuar atrelando a formação profissional ao panorama de

descuido com a vida e o planeta. A necessidade de formar Engenheiros cada vez

mais competentes para o desempenho de suas funções não pode ser dissociada de

sua preparação para o exercício da cidadania. Não se trata de uma cidadania que

visa apenas o direito ao consumo em decorrência do acúmulo de riqueza. Na

sociedade em que vivemos, cabe a quem domina os diferentes saberes científicos

preocupar-se não apenas em proteger o patrimônio material, mas também avaliar as

consequências da aplicação conhecimento elaborado no ambiente escolar.

As Ciências e seus desdobramentos tecnológicos não podem ficar à mercê

de aspectos utilitários, tais como o binômio lucro/prejuízo. Continuar com o modelo

de ensino científico atual significa manter o aprisionamento a um padrão de

aprendizagem que tem rendido catástrofes sociais e ambientais ao ser humano nos

últimos três séculos. Portanto, é necessário um ensino de Estatística que contribua

para desenvolver a percepção de que a disciplina é um instrumento capaz de

contribuir para melhorar as condições de vida das pessoas nas sociedades

contemporâneas e não apenas inserir o indivíduo no mercado de trabalho.

186

O estímulo ao professor é perceber que existe a possibilidade de modificar

alguns cenários, a começar pelo próprio exercício da profissão. Lévy (2006) nos

lembra que onde há seres humanos reunidos, munidos das tecnologias ao seu

alcance, há troca de perspectivas e partilha de conhecimento.

O objetivo de investigar a formação estatística de estudantes de um Curso

Superior de Engenharia de Produção foi cumprido. Como ocorre essa formação? A

princípio, no grupo pesquisado, da forma tradicional, apartada de maiores usos de

TICs, apoiado na resolução repetitiva de exercícios e semirrealidades. O principal

reflexo no caso é um conhecimento fragmentado, a serviço da medição e do

controle. Esse aspecto ajuda a evidenciar outra função do ensino de Estatística: ele

deve, desde o início, articular a compreensão dos conceitos com aplicações em

situações reais, objetivando romper o isolamento entre a Academia, o mercado de

trabalho e o mundo fora do ambiente da indústria. Por outro lado, deve também

servir de instrumento de ruptura do isolamento disciplinar.

Quais fragilidades e concepções equivocadas referentes ao conhecimento

estatístico foram reveladas e percebidas nesses alunos da Engenharia de

Produção? Entre as fragilidades encontradas, a ideia de que o conhecimento

científico não tem valor por si próprio ou apenas pelas aplicações que se imaginem

para ele. Além disso, existem indícios de uma orientação da Estatística para

controle, previsão e medição incessantes, ou seja, de alinhamento (mesmo que

involuntário) a uma formação concebida no século XIX.

Como o Plano de Curso e os instrumentos de ensino e de avaliação da

Estatística dialogam com as necessidades dos futuros engenheiros de Produção?

Dialogam em parte com as necessidades de aprendizagem técnica para o

desempenho da futura profissão. Falta a perspectiva de articular saberes das outras

disciplinas em relação à Estatística mostrando, desde o início, que este

conhecimento tem vasta aplicabilidade. Existe a necessidade de estabelecer um real

diálogo entre as áreas e as disciplinas não devem apenas servir de pré requisito

para os demais elementos presentes na matriz curricular. A formação do grupo

pesquisado mostrou que a continuidade da obtenção de significados e aplicações

dos conceitos ficou ao encargo de outras disciplinas, que podem ou não lançar mão

de um conteúdo considerado já sabido na sua plenitude. Logo, é importante a

187

aproximação dos professores que trabalham nesse curso, para chegar a um

consenso sobre possibilidades de articular diferentes saberes durante a graduação,

ao mesmo tempo em que se respeitem as peculiaridades de cada área.

Ao mesmo tempo, percebeu-se a falta orientação para articular o

conhecimento estatístico ao mundo fora das atividades do Engenheiro. O ensino não

deve ter somente a perspectiva de atender a demandas industriais, deixando outras

perspectivas fora do campo de domínio da disciplina. Em pleno século XXI, quando

a própria entidade de classe aponta a necessidade de formar um cidadão que é

engenheiro, o panorama na graduação ainda é o do início do século XX: forma-se o

engenheiro que é conhecedor especializado. Existe uma necessária especialização

de aprendizagem que é imposta pela formação técnica, mas não se pode deixar de

abordar os diferentes sentidos para os termos precisão, subjetividade e objetividade,

quando se trata de assuntos científicos.

Que demandas foram explicitadas? Primeiramente, entre os próprios

entrevistados existe a percepção das disciplinas não articuladas entre si,

prevalecendo a concepção de curso fragmentado. Outro ponto explicitado foi a

necessidade de perceber a Estatística básica aplicada em diferentes situações e não

à espera de sentidos para seus conceitos. Uma terceira demanda, agora implícita, é

a necessidade de tratar mais da compreensão dos conceitos estatísticos do que das

fórmulas, pois estas são um elemento a mobilizar depois que outras compreensões

foram obtidas. Outra demanda também implícita é levar o ensino de Estatística para

o domínio da literacia e desenvolvimento do pensamento estatístico. Um passo a dar

para ultrapassar a fragmentação de saberes, seria tratar assuntos relevantes e

perceber que as aplicações do conhecimento estatístico não podem servir apenas

para medir, prever e controlar. Fora da Academia e da indústria existe uma

sociedade que necessita ser estudada, compreendida e atendida em suas

demandas, o que abre possibilidades para a identificação do caráter social da

elaboração do conhecimento.

A professora da turma nos lembrou que estamos em uma era na qual tudo é

medido com objetivo de obter dados, usados na geração de informações sobre

comportamentos, doenças, educação ou qualquer fato que se queira conhecer.

Assume, portanto, a importância da Estatística como instrumento de investigação do

188

mundo. O argumento ético também está presente nas suas declarações e, na sua

opinião, a ética e a responsabilidade da profissão relacionam-se ao poder e,

atualmente, quem detém conhecimento controla o poder. Ela também considera que

os instrumentos estatísticos podem ser utilizados para examinar as relações de

poder na sociedade e os interesses que movem diferentes atores.

Outro aspecto importante colhido no depoimento da professora foi a sua

dificuldade de descrever qualitativamente um fenômeno, pois não lhe é natural

articular os pensamentos qualitativo e quantitativo. Disse também que deseja ter a

experiência de fazer uma pesquisa qualitativa, mas não entende como estudar com

profundidade uma questão sem buscar padrões numéricos. Ao mesmo tempo em

que assume as suas fragilidades, encontra-se receptiva a novas possibilidades de

trabalho. Isso pode ser percebido em outra fala, quando considera variável um

conceito simples, percebe que os alunos apresentam dificuldades de compreensão,

não sabe o motivo dessa dificuldade e desconhece alguma sistematização que

permita proceder com sucesso a conceituação. Essas preocupações podem ser as

mesmas de outros profissionais que ensinam Estatística.

Existe, portanto, a necessidade de buscar novas perspectivas para o

professor trabalhar o conhecimento estatístico. Materiais didáticos, novos usos para

as tecnologias existentes, renovação curricular e outras formas de tratar esses

conteúdos nos livros são algumas necessidades imediatas. Na concepção desta

pesquisa não se pensou, por exemplo, no acompanhamento das aulas dos cursos

de Estatística I e II. Isso certamente será necessário, por exemplo, para acompanhar

as fases de preparação e teste de novos materiais didáticos.

Existem instrumentos para materializar todas essas ações necessárias,

desde a utilização de tecnologias com objetivos bem definidos às propostas

pedagógicas e de avaliação (que estão no referencial teórico deste trabalho e

provavelmente em outras obras às quais ainda não tivemos acesso). Porém, o

domínio do pensamento, das técnicas e da literacia estatística devem ter como

finalidade uma tríplice libertação, que se daria da seguinte forma: 1) sobre os

ombros do professor deixa de pesar as responsabilidades de juiz e fonte do saber;

2) o aluno fica livre das rotinas que não fazem mais sentido em uma época na qual

os instrumentos eletrônicos têm capacidade de processamento maior do que

189

equipes de calculistas profissionais possuíam há cerca de 50 anos atrás; 3) sobra

tempo para professor e aluno cumprirem o objetivo principal da sua presença na

escola, que é desenvolver conhecimento. Atividades investigativas e apelo à

realidade dos dados divulgados diariamente servem para aproximar ambos de

diferentes realidades.

O Engenheiro que sair desse ensino, a princípio, comunicar-se-ia melhor

com seus semelhantes utilizando diferentes meios, seria mais hábil na leitura,

escrita, comunicação oral e decodificação de mensagens visuais, livre de amarras

burocráticas e poderia ver o seu lugar na profissão e na sociedade. Essa abertura

intelectual também serviria para situar o outro não apenas como um dado, mas

como um semelhante a si mesmo. Para que a formação do Engenheiro ocorra da

forma aqui defendida, é necessário colocar o aluno diante de contextos diversos e

complexos para que ele aprenda a avaliar diferentes situações mediante a utilização

dos conteúdos estudados durante a graduação. De grande importância é aprender a

lidar com situações abertas, cujos padrões de resolução não foram previamente

estabelecidos.

O professor que atuou como pesquisador não terminou a pesquisa apenas

sabendo um pouco mais sobre uma Ciência, mas saiu consciente da necessidade de

mudar determinados panoramas de formação técnica. Sai na companhia de

pensadores com os quais entrou: pessoas do porte intelectual de Demo (2000 e

2006), Feyerabend (1991, 1996, 2001, 2007, 2010 e 2011) e Skovsmose (2001,

2007 e 208), que fizeram com que ele enxergasse as armadilhas e prisões que

podem estar ocultas em um discurso de progresso e liberdade.

O pesquisador ficou satisfeito, pois saiu de seu referencial teórico e

encontrou novos objetivos e perspectivas para o conhecimento. A orientação

recebida teve grande peso no processo. Não contou apenas a obra anterior da

orientadora, mas o elemento principal foi a sua capacidade de, no diálogo franco e

aberto, apresentar aspectos para os quais jamais pesquisador e professor havia

atentado. Se o fruto da pesquisa terá impacto sobre a aprendizagem de outra

pessoa, só o curso do tempo para sabê-lo.

190

Em todos os níveis de escolaridade é importante associar o conteúdo

técnico à realidade do estudante e os cursos de Engenharia costumeiramente não

cuidam da realidade fora do ambiente industrial, resultando profissionais que sabem

especialmente lidar muito com equipamentos e instalações. Porém, é o ser humano

que põe toda a estrutura em funcionamento e ele também deve ser foco de atenção.

O ideal seria a Educação não cumprir apenas a tarefa de tornar o indivíduo hábil

para manipular seus conceitos, desafiando-o sempre a romper o estágio de

conhecimento em que se encontra. O estudante de Engenharia necessita ser

constantemente estimulado a observar possíveis consequências de sua atuação e

isso seria um grande passo para que o Engenheiro de Produção, além de um

técnico qualificado, torne-se um cidadão atuante na sociedade.

191

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199

ANEXOS

ANEXO A - Plano de curso de Estatística I

200

201

202

ANEXO B - Plano de curso de Estatística II

Curso: ENGENHARIA DE PRODUÇÃO

Unidade Curricular: ESTATÍSTICA II

Professor(es):

Período Letivo: 2013/2 Carga Horária: 45H

OBJETIVOS

Gerais:

Apresentar os conceitos fundamentais de Probabilidade e Estatística e suas aplicações em Engenharia.

Específicos:

Fazer cálculos que envolva a probabilidade de eventos.

Compreender o que é um processo aleatório e as informações que os cálculos de probabilidade transmitem.

Compreender os conceitos básicos de probabilidade e de distribuição de probabilidade.

Compreender os princípios básicos da amostragem e as técnicas para estimar o tamanho de uma amostra.

Conhecer as técnicas de formulação de hipótese e a verificação da significância dos testes.

Compreendera as técnicas e os testes de comparação de duas ou mais médias.

EMENTA

VARIÁVEIS ALEATÓRIAS, DISTRIBUIÇÃO BINOMIAL, DISTRIBUIÇÃO DE

POISSON, DISTRIBUIÇÃO NORMAL E DISTRIBUIÇÃO EXPONENCIAL.

AMOSTRAGEM, ESTIMAÇÃO DE PARÂMETROS, INTERVALO DE

CONFIANÇA, ESTIMATIVA DO TAMANHO DE UMA AMOSTRA, MARGEM DE

ERRO, TESTE DE HIPÓTESE E SIGNIFICÂNCIA, DISTRIBUIÇÃO T DE

STUDENT. COMPARAÇÃO DE DUAS MÉDIAS E TESTE DE HIPÓTESE PARA

DIFERENÇA DE DUAS MÉDIAS. ANÁLISE DE VARIÂNCIA.

PRÉ-REQUISITO

Estatística I

CONTEÚDOS CARGA HORÁRIA

UNIDADE I: Variáveis aleatórias e distribuição de probabilidade

1.1. Definição de variável aleatória

1.2.Distribuição de probabilidade;

1.3.Valor esperado e variância de uma variável aleatória;

1.4.Distribuição binomial e distribuição de Poisson;

1.5.Variável aleatória continua;

1.6.Distribuição de probabilidade continuas;

1.7.Distribuição Normal;

1.8. Distribuição Exponencial;

1.9. p-value.

15

203

UNIDADE II: Técnicas de amostragem

2.1. População e amostra;

2.2. Tipos de amostragem;

2.3. Distribuição amostral dos estimadores;

2.4. Estimação por ponto e por intervalo;

2.5. Intervalo de confiança;

2.6. Estimativa do tamanho de uma amostra; Margem de erro.

10

UNIDADE III: Teste de hipótese e significância

3.1. Procedimentos básicos para realizar teste de hipótese;

3.2.Distribuição t de Student e teste de hipótese;

3.3.Teste de hipótese para diferença de duas médias;

3.4. Análise de variância;

20

ESTRATÉGIA DE APRENDIZAGEM

Aulas Expositivas Interativas.

Aplicação de listas de exercícios.

Uso de software.

Atendimento individualizado.

RECURSOS METODOLÓGICOS

São os recursos materiais utilizados como suporte ou complemento para o desenvolvimento do programa da

disciplina: quadro e marcadores; computador; projetor de multimídia; dvds; software.

AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM

Critérios:

Será priorizada a produção discente, sobretudo a articulação entre o saber

estudado e a solução de problemas que a realidade apresenta. A avaliação

processual se dará durante as aulas em atividades propostas aos alunos de forma

individual ou em grupo.

Instrumentos:

Avaliação individual;

Trabalho em grupo.

Bibliografia Básica (títulos; periódicos etc.)

Título/Periódico Autor Ed. Local Editora Ano

Probabilidade: Aplicações à Estatística Paul L. Meyer 2ª LTC 2000

Probabilidade e estatística para

engenharia e ciência DEVORE, Jay L.

São Paulo

Thomson 2006

Estatística aplicada e Probabilidade

para engenheiros

MONTGOMERY, D.C.;

RUNGER G.C. 5ª. Rio de Janeiro LTC 2003

Introdução à Estatística TRIOLA, Mario F. 11ª. Rio de Janeiro LTC 1999

Bibliografia Complementar (títulos; periódicos etc.)

Título/Periódico Autor Ed. Local Editora Ano

Estatística básica

MORETIN, L.G. São Paulo

Makron

Books 1999

Estatística para os cursos de:

economia, administração e ciência

contábeis. V. 2

SILVA; E.M et al.

1ª. São Paulo 1977

204

ANEXO C - Lista de exercícios

205

206

207

ANEXO D - Prova

209

APÊNDICES

APÊNDICE A - Termo de consentimento livre e esclarecido

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Declaro, por meio deste termo, que concordei em responder ao questionário, ser entrevistado (a) e

participar na pesquisa de campo referente ao projeto de pesquisa intitulado “A EDUCAÇÃO

ESTATÍSTICA DE FUTUROS ENGENHEIROS”, desenvolvido por Geraldo Bull da Silva Júnior.

Fui informado(a), ainda, de que a pesquisa é orientada pela Profa. Dra. Celi Aparecida Espasandin Lopes, a quem poderei contatar/consultar a qualquer momento que julgar necessário através do telefone nº 19 3869-5217 ou e-mail: [email protected]. Afirmo que aceitei participar por minha própria vontade, sem receber qualquer incentivo financeiro ou ter qualquer ônus e com a finalidade exclusiva de colaborar para o sucesso da pesquisa. Fui informado(a) dos objetivos estritamente acadêmicos do estudo, que, em linhas gerais é analisar o processo de aprendizagem estatística de futuros engenheiros por meio do desenvolvimento de um projeto investigativo utilizando Modelagem Matemática e os meios materiais disponíveis na instituição, não implicando em qualquer transtorno ao andamento da disciplina em questão.

Minha colaboração se fará de forma anônima, por meio das informações expressas no questionário, na entrevista semi-estruturada, autorização das imagens realizadas durante os encontros de desenvolvimento do projeto e na apresentação pública do mesmo. A colaboração de cada um se fará de forma anônima, por meio das informações expressas em questionário, em entrevista semi-estruturada, em gravações, fotografias e/ou filmagem autorizada pelos envolvidos. As imagens e gravações realizadas durante os encontros de desenvolvimento do projeto preservarão a identidade de estudantes e da professora e o acesso e a análise dos dados coletados se farão apenas pelo pesquisador e sua orientadora. Autorizo a divulgação dos dados produzidos por meio de textos acadêmicos.

Cariacica, ES, ____ de _________________ de _______.

Assinatura do pesquisador: ______________________________________________________

Assinatura da testemunha: ______________________________________________________

210

Apêndice B - Questionário de perfil estudantil

Projeto de Pesquisa: “A EDUCAÇÃO ESTATÍSTICA DE FUTUROS ENGENHEIROS”

Doutorando: Prof. Ms. Geraldo Bull da Silva Júnior

Orientadora: Profa. Dra. Celi Espasandin Lopes

QUESTIONÁRIO - PERFIL ESTUDANTIL

1) Nome:__________________________________________________________________

2) E-mail:___________________________

3) Data de Nascimento:____________

4) Semestre em que estuda:_______________

5) Você já fez outro curso superior? Qual? _________________________________

6) Você fez curso técnico? Qual?______________________________________

7) Você fez Ensino Médio regular ou EJA?________________________________

8) Você estudou Estatística durante o Ensino Médio? ________________

9) O que significa Estatística para você?

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

10) RESPONDA OS ITENS A SEGUIR APENAS SE VOCÊ JÁ CURSOU A DISCIPLINA DE ESTATÍSTICA EM ALGUM SEMESTRE NO PASSADO.

a) Como você avalia a disciplina de Estatística cursada anteriormente?

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

b) Cite conhecimentos que ela lhe trouxe.

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

11) Você é capaz de diferenciar variável qualitativa de variável quantitativa? Se a resposta foi sim, cite um exemplo de cada tipo de variável.

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

211

12) Você é capaz de diferenciar variável discreta de variável contínua? Se a resposta foi sim, cite um exemplo de cada tipo de variável.

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

13) Dentre os modelos de gráficos que já foram trabalhados, quais você julga que melhor se adaptam à descrição de variáveis qualitativas e melhor se adaptam à descrição de variáveis quantitativas?

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

14) Dentre os modelos de gráficos que já foram trabalhados, quais você julga que melhor se adaptam à descrição de variáveis contínuas e melhor se adaptam à descrição de variáveis discretas?

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

15) Você saberia atribuir significados para a palavra variabilidade?

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

16) Você considera que alguns usos da Estatística e da Matemática podem influenciar o comportamento de setores da sociedade e de profissionais de diferentes áreas? Caso tenha respondido sim, cite alguns aspectos sociais e profissionais que você percebe sofrer influências?

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

17) Você considera que alguns usos da Estatística e da Matemática podem contribuir para reconhecer aspectos sociais e políticos da sua futura profissão? Caso tenha respondido sim, que aspectos você gostaria de mencionar?

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

18) Quais sugestões você teria para as aulas de Estatística?

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

212

Apêndice C - Entrevista semiestruturada

ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA

Data: Horário: Local: Tempo de duração:

Nome do entrevistado:

1) O que o(a) motivou a escolher o curso de Engenharia de Produção?

2) Nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Engenharia de

Produção constam diversas habilidades que devem desenvolvidas durante a formação do

engenheiro de produção:

- comunicar-se eficientemente nas formas escrita, oral e gráfica;

- atuar em equipes multidisciplinares;

- compreender e aplicar a ética e a responsabilidade da profissão;

- avaliar o impacto das atividades da engenharia no contexto social e ambiental.

Você vê possibilidades de ligações/conexões/relações entre a Estatística aprendida nas

aulas e as habilidades citadas?

Se sim: Quais são as ligações/conexões/relações que você vê?

Se não: Você pensa que o que aprendeu em Estatística (ou a forma como ela foi

desenvolvida) não permite a você estabelecer essas ligações/conexões/relações?

3) Um documento elaborado após diversas reuniões do grupo de trabalho da ABEPRO

(Associação Brasileira de Engenharia de Produção) para a graduação recomenda que o

formando tenha um perfil que inclui a capacidade de considerar aspectos humanos,

econômicos, sociais e ambientais, dentro de uma visão ética e humanística, atendendo às

demandas da sociedade.

Você vê possibilidades de utilizar os conteúdos de Estatística como instrumento para

identificar influências que os sistemas de produção exercem sobre o ambiente?

Se sim: Em relação à utilização de recursos escassos e ao destino final de resíduos e

rejeitos existe a necessidade de atentar para a exigência de sustentabilidade. Como o

seu conhecimento estatístico pode colaborar no estudo dessas situações?

Se não: Por que você se vê impossibilitado de perceber possibilidades de utilizar o

conhecimento estatístico na análise de situações descritas na pergunta?

4) O documento da ABEPRO citado na pergunta anterior vê a necessidade de:

- ter capacidade de identificar, modelar e resolver problemas;

213

- ter a compreensão dos problemas administrativos, socioeconômicos e do meio

ambiente;

- ter responsabilidade social e ambiental;

- “Pensar globalmente, agir localmente”;

Você poderia dizer se a Estatística pode ser ligada a essas habilidades?

Se sim: Como se dariam essas ligações?

Se não: Por que você pensa que essas habilidades não têm ligações com o conhecimento

estatístico? Por quê?

5) Você vê ligações entre o conteúdo de Estatística estudado, demandas sociais e

posicionamento político nos elementos citados nas perguntas anteriores (posicionamento

político, mas não partidário)?

6) Até o presente momento, em relação à sua formação em Engenharia de Produção, que

temas da Estatística foram mais significativos para você? Você pode explicar por que?

7) Você gostaria de acrescentar alguma coisa? Ou fazer comentários/considerações?