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“LINGUAGENS VISUAIS SOBRE O INIMIGO”: QUANDO A PROPAGANDA
PUBLICITÁRIA IRRADIA UMA IDEOLOGIA REPRESSIVA
Adriana Picheco Rolim
Universidade do Vale do Rio dos Sinos- UNISINOS
Resumo: O combate ao inimigo interno se deu por variadas práticas, dentre as quais a irradiação de
propagandas relacionadas a ideologia da “subversão” e do “terrorismo”, durante o período da ditadura civil-
militar no Brasil, entre 1969 e 1975. A ideologia do inimigo, cuja existência deveria ser erradicada do meio
social, perpassou a questão policial e foi difundida pela mídia de então, pela exposição de indivíduos
considerados “terroristas”. Concomitantemente os periódicos adentraram os lares brasileiros com anúncios
que se relacionaram com esta ideologia. Este trabalho busca analisar as conexões entre duas propagandas
publicitárias para o consumo e, que se utilizaram de uma linguagem simbólica e reprodutora da ideologia
do regime em questão, difundidas pela Folha de S. Paulo e pela revista Veja, através de imagens e de
slogans apresentados pelos anúncios em suas páginas, estabelecendo uma ligação entre estes e o conteúdo
léxico e imagético das campanhas contra o “terrorismo”.
Palavras-chave: mídia impressa- ditadura -terrorismo-repressão
Ao longo da implementação das práticas repressivas no Brasil, a partir dos anos
sessenta, encontramos uma estruturada rede de ações e metodologias que, entre outras
normativas, aproveitou-se de uma produção iconográfica e léxica, como material de
divulgação das ações de elementos considerados “terroristas”, dentro de normativas
definidas pela ideologia de segurança nacional. Além destas ações, campanhas foram
veiculadas na mídia referentes as questões de elevação do espirito cívico e patriótico,
contemplando “um nítido padrão pedagógico, portanto, criador de uma pauta de
preocupações cívicas, e que pretendia estabelecer um tipo de cidadania decorativa”
(FICO, 1997, p. 93).
A sociedade “assistiu”, apesar de um apoio deliberado, aos eventos que se
seguiram após a tomada de poder pelos militares em 1964 que, ao longo dos anos
mostrou-se oscilante entre conter o comunismo de modo violento, cerceando as
liberdades políticas e individuais, desenvolver economicamente o país, educar a
população segundo a sua cartilha e manter uma certa legitimidade. A fim de convencer
e cooptar esta mesma sociedade, os órgãos imbuídos na segurança nacional, promoveram
a construção da imagem do inimigo interno, uma personificação do elemento que deveria
ser combatido. Ao cidadão comum, foi destinado o conhecimento e reconhecimento
daquele indivíduo chamado de “terrorista e subversivo”. A face do “terrorismo” foi
proposto por uma série de efemérides irradiadas pela imprensa e pela produção e
distribuição de séries de cartazes de elementos procurados por subversão. Os cartazes
exibiam fotografias, nomes e codinomes, siglas de organizações clandestinas e slogans
de aviso, de colaboração e de alerta, cuja finalidade consistia em uma adesão às premissas
do regime.
Dentre as ferramentas midiáticas, nos deparamos com simples propaganda
publicitária. Nela é possível apresentar um produto, uma imagem, uma ideologia, um
partido político, enfim há uma exposição de algo que se quer “vender”. A propaganda
pode se utilizar de slogans publicitários, políticos e ideológicos, seguindo diferentes
inspirações. Pelo prisma ideológico e, em um contexto ditatorial autoritário em 1969, está
a questão do inimigo interno e o seguimento da Doutrina de Segurança Nacional que, se
impuseram de uma certa maneira, em vários setores relacionados à vida cotidiana do
cidadão, assim como, se apropriaram de práticas censuradoras e reguladoras dos meios
de comunicação.
As efemérides, nos periódicos, se mostravam herméticas e repetitivas quando
tratavam do inimigo interno, todavia, slogans publicitários adentraram os lares brasileiros
se utilizando de uma mesma terminologia ideológica, utilizada com fins de adesão e
cooperação com os órgãos repressivos, através de anúncios não relacionados com o
combate à subversão, mas que relembraram com seus slogans e imagens, ações que na
prática se mostraram corriqueiras. Segundo Iasbeck:
A conjunção imagem/texto na publicidade ganha novo contorno quando
entendemos, ainda, que o texto escrito não é só capaz de veicular imagem por
metáforas ou descrições (como diz Mitchell), mas também possui a
competência de deflagar imagens mentais, imagens estas que podem ser
correspondidas ou não, em diversos graus de intensidade e identidade, por
aquelas que nos são sugeridas. Nessa gradação de afinidade e diferenças, a
leitura pode proporcionar satisfação ou ansiedade, acomodação ou
instigamento; pode confirmar nossas expectativas (confirmação esta que será
estendida ao produto anunciado) ou frustrá-las (frustração que poderá ser
amenizada pela adesão do produto) gerando surpresa e novidade. Também aí
verificamos a interdependência, a interação produtiva da relação texto/imagem
aos propósitos da publicidade.
Este trabalho busca analisar duas fontes midiáticas, cujo conteúdo léxico se
relaciona às práticas de campanhas repressivas destinadas ao combate do inimigo interno.
A partir daí, vamos analisar o primeiro anúncio publicitário referente a um aparelho de
televisão produzido pela empresa Philips, onde é possível averiguar o uso do termo
“tortura”, em seu slogan título. O segundo anúncio, é de um curso preparatório para a
aprovação no concurso vestibular, o CPV (Curso de Preparação Vestibular), onde é
possível verificar o uso do termo “Procure”, bastante utilizado nos cartazes de “terroristas
procurados”. Entretanto, não somente o léxico é compatível, a composição imagética
complementa esta similaridade. Ambos foram irradiadas pelos periódicos Veja e Folha
de S. Paulo, nos anos de 1969 e de 1972, respectivamente.
A revista Veja lançou em novembro de 1969, uma campanha usufruindo de uma
composição de imagem e de texto. Na sua edição de nº 63, do dia 19, no respectivo mês
e ano, nos deparamos com esta campanha publicitária referente a um aparelho de televisão
fabricado pela empresa Philips, cuja chamada principal, ou slogan título, fora construído
da seguinte forma: “Na câmara de torturas o TV Philips 550 resistiu a tudo” (VEJA, 1969,
p. 20-21). O anúncio ocupa duas páginas inteiras da revista, sendo que a imagem do
aparelho de televisão encontra-se no lado direito do anúncio, ocupando só ela, uma
página. No lado esquerdo, no chão azul no qual o aparelho descansa, encontramos a
imagem de um tipo de “chicote”, cujo tamanho em termos reais, é proporcional ao
aparelho e, acima deste “chicote”, está o slogan e o texto referente à campanha. A escolha
deste objeto, comumente utilizado para infringir um castigo, ou, para adestrar animais, se
relaciona com o produto que está em destaque para o consumo, exatamente por definir
que este fora castigado. As cores das letras no slogan, são o verde e o branco, sendo o
fundo escuro, um tom de preto noite. Abaixo dele podemos aferir o texto da campanha,
apresentando uma série de itens numerados de um a oito, que estabelecem as etapas dos
testes, ao qual o aparelho foi submetido e que, por fim, passadas por todas estas etapas
acabou por demonstrar total resistência.
Abaixo a imagem da campanha do aparelho de televisão Philips.
Figura 1
Fonte: Revista Veja. Edição 63
O conteúdo do texto, sobre as etapas do teste de resistência, é bastante longo. Ele
inicia, discorrendo sobre as qualidades do produto e das vantagens do consumidor em
adquiri-lo. No decorrer são especificadas as oito etapas pelas quais o televisor passou,
sendo elas: teste tropical, de temperatura; teste de vida, qualidade; teste de vida,
funcionamento por longas horas; teste de vibração, prova de resistência; teste de queda,
queda livre e golpes repetidos; teste de impacto, golpes repetidos; teste de rotação, giros
contínuos no seletor de canais; teste de implosão, impacto de uma esfera de aço no tubo
de imagem para testar a segurança contra estilhaçamento. Portanto podemos entender que
o aparelho de televisão em questão, foi bastante “torturado”, até provar a sua resistência.
Atentamos ao ano da divulgação desta campanha e a situação em que o país se
encontrava, assim podemos visibilizar, a olhos críticos, se a ironia deste anúncio se propôs
a confirmar as denúncias de tortura que vinham se concretizando de outras maneiras e,
assim driblar a censura, ou, por outro viés, advertia aqueles simpatizantes dos contra o
regime, sobre os métodos empregados pela repressão. Para tanto precisamos compreender
o nascimento deste periódico.
Veja, fundada poucos meses antes do AI-5, sob o comando do diretor de
redação Mino Carta (considerado um jornalista extremamente crítico), adotou
de início uma postura confrontante com o regime, mais especificamente na
questão dos direitos humanos, o que levou ao aumento da censura. A revista
era uma pedra no sapato dos militares. Além da censura, entre os métodos de
coerção da imprensa estava a pressão sobre as empresas para demitir os
jornalistas non gratae, acusados de serem comunistas e subversivos. Mino
Carta fico na mira dos militares que pediam sua cabeça aos Civita. Carta
resistiu até o começo de 1976, quando se desentendeu com os donos da Abril.
O jornalista relata artimanhas que Victor e Roberto Civita teriam usado para
afastá-lo da direção de Veja, atendendo aos pedidos do ministro da justiça
Armando Falcão, um representante da “linha dura” no governo (PÁDUA, 2013
p. 5).
Assim sendo, percebemos que a revista, quando é lançada, tem um
posicionamento contrário ao regime autoritário e ditatorial, pelo menos no confere ao
início do seu lançamento, posto que, censurada e sofrendo certa pressão, esta acabou por
ceder e adequar-se às premissas do regime “linha-dura”1. A campanha para a “TV
Philips”, que não possui a assinatura de uma agência de publicidade, algo que não era
incomum naquela época. Ela foi veiculada em fins de 1969, mais precisamente em
novembro, quinze dias após a morte do líder da Ação Libertadora Nacional, a ALN,
Carlos Marighella e, sete dias após a Veja dedicar a ele, a capa e uma extensa reportagem
sobre o episódio.
Outra questão é o decreto do Ato Institucional de nº 5, em fins de 1969, onde as
últimas centelhas de liberdades individuais e de expressão se obscureceram. Os meios de
comunicação, além da presença de um censor, um funcionário a serviço do regime com
função de censurar o conteúdo a ser veiculado dentro das instituições midiáticas, haviam
aqueles colaboradores e seguidores da ideologia do regime, dispostos a pressionar e
delatar profissionais que demonstrassem inclinações ou aptidões “comunistas”. Assim
sendo, é possível que a campanha publicitária supracitada, possa ser uma maneira irônica
de denúncia das práticas violentas utilizadas pela repressão, no caso a tortura. Bem como,
pode querer demonstrar uma tímida resistência quanto a imposição do que podia ou não
ser publicado. Portanto, a ideia é a seguinte, se somos coibidos, censurados e torturados,
vamos resistir sem esmorecer.
A questão pode não estar ligada somente a uma apologia sobre tortura, mas antes
a uma postura de denúncia ou de escárnio, através do irônico. Se por ventura, nem todos
os que não concordavam com a implementação de um regime autoritário pegaram em
armas para, de certa forma, para combater a ditadura, isto não os destitui por outras formas
de resistência, inspiradas por outras ideias. Quando nos referimos ao período, percebemos
uma ligação de luta ao retorno do Estado democrático, mas sabemos que grupos das
1 Linha militar radical que defendam o endurecimento do regime.
organizações de esquerda revolucionárias, não pretendiam consolidar a democracia nos
moldes a que entendemos e, sim, implementar um sistema próprio, com conexões
socialistas de diversas vertentes. Necessariamente resistir ou denunciar não se restringia
somente, a grupos clandestinos ou proscritos, outras formas de se lutar contra o sistema
imposto eram articuladas, mesmo que não fossem compatíveis, cada qual a sua maneira.
Quanto ao outro anúncio, na Folha de S. Paulo, este periódico tem uma outra
história, mais longa que a revista Veja, cujas origens remontam aos idos de 1921 e que,
ao longo dos anos, sofreu diversas mudanças de nome, de editores e de posicionamentos.
O início da década de 1960 assistiu a profundas mudanças nas folhas. Uma
delas, de ordem mais formal, foi a mudança de nome para Folha de S.
Paulo. Outra foi a greve de jornalistas em 1961 e, finalmente, a mudança da
direção da empresa em 13 de agosto de 1962. Nessa data Nabantino Ramos foi
substituído por Otávio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho, que
assumiram a direção da empresa. O cargo de diretor de redação foi ocupado
por José Reis, que aí permaneceria até 1967.A linha editorial a partir de então
tornou-se francamente antijanguista e pró-mobilização para o movimento que
culminou com os acontecimentos de 1964. Mas a grande mudança ocorreu,
exatamente, em nível empresarial. Com uma conduta empresarialmente
agressiva, a Folha de S. Paulo ampliou substancialmente seu público leitor a
partir de mudanças no sistema de distribuição. A aquisição de frota própria
possibilitou que ela conquistasse definitivamente o público leitor interiorano,
por lá chegar muito mais cedo do que seus concorrentes. Uma revolução
tecnológica na área da impressão consolidou de vez o empreendimento. Assim
é que, um ano após a posse de Frias e Caldeira Filho, a Folha de S. Paulo se
transformou no jornal de maior circulação paga no Brasil, conforme dados por
ele apresentados na edição de 4 de agosto de 1963 (FUNDAÇÃO GETÚLIO
VARGAS).
Assim percebemos a trajetória deste periódico que adentrou os anos setenta
estruturado de forma diversa à sua proposta inicial. Porém, apesar de tudo, ambos os
periódicos atuavam como reprodutores do discurso oficial advindo dos órgãos de
segurança e informação a serviço do regime.
A Folha de S. Paulo se encontrava à pleno vapor em 1972 e, publicou uma
campanha referente a um curso preparatório para o vestibular, cujo slogan título era:
“Procure esses caras. Daqui a 4 anos êles vão estar em ponto de bala”. O conteúdo léxico
ocupa um espaço pequeno no anúncio em relação ao conjunto imagético. Este se constitui
basicamente de várias reproduções fotográficas de indivíduos do tipo 3X4, aparentemente
aleatórias, fotografias utilizadas em documentos para identificação, como carteiras de
trabalho ou de identidade. Ao todo a imagem reproduz um quadro, composto de cento e
dez imagens de pessoas de ambos os sexos, feminino e masculino, distribuídas em onze
linhas e dez colunas, ocupando estrategicamente todo o espaço do anúncio.
Pensando em anúncios com finalidade de consumo, este no caso não chama a
atenção de início para o produto. O slogan título e o texto contendo a mensagem estão
alocados no canto direito do anúncio, em uma proporção que os destitui de uma leitura
imediata. Se o slogan “objetiva o incitamento de um grande número de pessoas,
compelindo-as a um comportamento ativo, não necessariamente autodeliberado, mas
sempre favorável ao consumo” (IASBECK, 2008, p.107), aqui esta proposição não
confere, visto que, o conjunto de imagens chama a atenção do receptor de imediato, em
detrimento de uma leitura inicial do conteúdo léxico. Não há uma explicação de início,
sobre a que vem o anúncio, a imagem chama a atenção do olhar que, consequentemente
vai buscar no texto o seu significado. Só então, após a leitura, o receptor estará inteirado
do tipo de produto que está à venda. Este anúncio, em sua totalidade, ocupa um pouco
mais de meia página e, é um tanto rudimentar, pois se utiliza de reproduções de imagens
sem tratamento adequado e de um conteúdo léxico bastante explicativo, onde é possível
conferir palavras abreviadas, como por exemplo: “V.”, para “você”.
Estamos nos referindo a uma tipologia publicitária dos anos 1960 e 1970, muito
diferente da produzida na atualidade. Mesmo assim, segundo Iasbeck (2009, p. 124):
O discurso publicitário é um espaço privilegiado através do qual grupos sociais
se enunciam. Em seus diversos textos, o que está em jogo é muito menos o
produto anunciado do que a organização de uma cultura em torno de valores
que lhe são caros e no repúdio a outros tantos que constituem ameaça à
sustentação de seu corpo ideológico. Os signos de uma cultura traduzem suas
expectativas e ansiedades, seus temores e suas convicções.
O que ocorre com este anúncio é sua composição imagética e léxica, que se
assemelha aos cartazes de “terroristas e procurados”, produzidos no final dos anos
sessenta e início dos setenta, cujo objetivo era a afixação em locais de grande movimento
de público a fim de fomentar a delação. A campanha da Folha foi veiculada no ano de
1972, quando os cartazes já estavam em circulação, portanto havia a probabilidade de
uma grande parcela da população ter conhecimento dos mesmos. O meio social já se
acostumara com os cartazes e com a difusão de notícias envolvendo os inimigos
“terroristas”.
Os periódicos à época, divulgaram a procura e a eliminação destes elementos,
além de irradiar um panorama referente à situação das organizações clandestinas e dos
seus membros. Esta exposição proporcionou o conhecimento da ameaça real do inimigo
interno, proporcionando ao leitor acompanhar o desenrolar das ações em relação a ele,
como as suas mortes em confrontos com forças de segurança, os famosos “tiroteios”, além
das suas prisões e do estouro dos seus “aparelhos”2.
Abaixo podemos conferir um exemplar de um cartaz e o anúncio em questão.
Figura 2
Fonte: Gilson Sampaio
Figura 3
2 Termo utilizado por grupos clandestinos, referente ao local em que seus integrantes se escondiam.
Fonte: Folha de S. Paulo
No anúncio acima, o texto que segue logo abaixo do slogan, principia com um
aviso: “entrar na Getúlio não é moleza”. Ele segue afirmando que, somente duzentas
matriculas puderam ser feitas e parabeniza aqueles que conseguiram. Mas a frase que nos
chama a atenção é: “êles vão ser os grandes procurados daqui a 4 anos” (FOLHA DE S.
PAULO, 1972, p. 9). No ano de 1972 os indivíduos que eram procurados eram aqueles
que se enquadravam nos crimes de “subversão”.
A palavra “procurado” ou “procura-se” estampava a maioria dos cartazes de
“terroristas” espalhados pelo país, buscando por informações sobre o paradeiro de
indivíduos não considerados como o futuro da nação. A contrapelo, o anúncio do CPV
demonstra que os procurados são aqueles que terão um futuro, vão crescer, estudar,
constituir família, enfim irão produzir para este futuro. Os procurados dos cartazes não
terão o mesmo destino, pois são bandidos prontos a atentar contra a vida da população. O
interessante é perceber que a linguagem escrita apresenta palavras que se desdobram em
algo considerado pejorativo para algo positivo.
Cada modalidade de slogan tem sua validade e sua eficiência. O que vai
determinar a forma ideal de veiculação é a análise do ponto de cruzamento dos
interesses do anunciante, das possibilidades de linguagem da mídia eleita para
veiculação, dos recursos tecnológicos disponíveis aos produtores e, sobretudo,
da pertinência das associações propostas pelo sintagma em relação ao objetivo
preestabelecido para o anúncio (IASBECK, 2009, p. 177).
Os indivíduos envolvidos com o “terrorismo” provavelmente não teriam a
oportunidade de estar nos melhores cargos administrativos do país, mesmo porque,
muitos foram expulsos de seus cursos universitários ou impedidos de trabalhar. Eles não
estavam em “ponto de bala”, eram o alvo da bala. Portanto percebemos duas situações
adversas, convivendo em um mesmo momento e divulgadas a um mesmo tempo. O
período de veiculação do anúncio condiz com as provas do concurso vestibular e, além
do CPV, outros cursos preparatórios, os chamados “cursinhos”, igualmente tem espaço
no periódico supracitado. A Folha seguidamente exibia notícias referentes aos elementos
ditos “terroristas”, porém no dia seis de janeiro de 1972, data da veiculação do anúncio
do CPV, não encontramos notícia relativa ao eles, nem no dia que antecede e nem no que
precede o anúncio.
Os anúncios elencados aqui, da Folha e da Veja, não fazem referência
especificadamente ao terrorismo, mas aos métodos empregados para combate-lo, pois, os
seus conteúdos léxico e imagético, nos remetem diretamente a eles. Falar em tortura no
ano de 1969, seria um tanto arriscado, principalmente pela imprensa, visto que já haviam
denúncias relacionadas a esta prática e o regime não iria querer evocá-la em um meio
midiático. No final do referido ano podemos dizer que, as liberdades de expressão e
pessoais se encontravam enfraquecidas e, o que seria considerado o mais truculento dos
anos ditatoriais, apenas se iniciava. Em 1972, reconhecer pessoas em imagens de
fotografias do tipo identificação era algo que havia sido proposto nos cartazes de
“terroristas”, determinadas pessoas escolhidas pela repressão.
Ao longo da ditadura civil-militar as práticas atribuídas ao aparato repressivo são
muitas. Entre elas a imprensa serviu como reprodutora de um discurso bastante excessivo
sobre o combate e eliminação dos militantes da esquerda revolucionária, os “comunistas”.
Muitos deles, em retratos 3X4, estamparam as páginas dos jornais como elementos
procurados por “terrorismo”. Contudo, além da procura, foram utilizados também, para
ilustrar a sua própria morte, quase sempre ocorridas nos famosos “tiroteios”. Os
periódicos da época, além da própria Folha de S. Paulo, reproduziram a ideologia do
combate à subversão, irradiando através das suas páginas uma miríade de ações
criminosas feitas por estes indivíduos, expostos em fichas pessoais e chamados de
bandidos.
Se os “tiroteios” eram confrontos armados com forças da segurança, portanto estes
“terroristas” morriam em decorrência do uso de armas de fogo por parte de agentes da
polícia, ou seja, eram atingidos por balas de revólver. Este fato, nos remete novamente ao
anúncio da Folha, pois os candidatos à vaga nas universidades que cursarem o CPV, “vão
estar em ponto de bala”, uma expressão coloquial que quer dizer pronto, preparado para
a ação3, além de prometer, em outra frase ao final do texto do anúncio, que: “em julho V.
também estará no listão dos procurados”. Podemos caracterizar estas frases no referido
anúncio, como pequenos slogans que, podem ser chamados de “pedagógicos”, segundo
Reboul (1975, p. 108):
Os slogans pedagógicos são portanto ideológicos, no sentido de que são
espontâneos, duráveis e que justificam uma prática coletiva. São slogans,
porque a verdade que enunciam é sumária, tão dogmática quanto ambígua e
porque são autodissimuladores: não são tomados como slogans, mas como
evidências.
Se o anúncio supracitado quer “educar” os jovens para o caminho da universidade
e formar futuros profissionais, este está mandando um aviso àqueles que não se
adequarem à esta orientação. A mensagem, ao mesmo tempo em que apresenta as
vantagens em se preparar bem para passar no concurso vestibular, também demonstra que
sem isto, o candidato não constará na lista dos procurados, ao menos não nesta, talvez em
outra lista, a dos procurados por subversão. A normativa em fomentar o estudo para se
obter um cargo importante no meio corporativo, afinal o anúncio faz menção aos “cargos
administrativos mais invejados do país”, tem inspirações positivistas: “o progresso, a
ciência, a indústria” (COMBLIN, 1977, p.153).
Quanto às imagens, sob a ótica de uma cultura visual, uma fotografia destitui
leituras mais elaboradas, em que “os objetos visuais, os objetos investidos de um valor de
figurabilidade, desenvolvem toda a sua eficácia em lançar pontes múltiplas entre ordens
3 Disponível em: https://www.dicionarioinformal.com.br/em+ponto+de+bala/. Acesso em 21 jun. 2018.
de realidades” (DIDI-HUBERMAN, 2013, p. 46), sobretudo quando da complementação
de slogans que elevaram o teor a mensagem a um nível mais compreensivo. A possível
conexão entre um anúncio publicitário de um produto para consumo e a campanha de
caça e eliminação do inimigo interno, propõe uma miríade de possibilidades com
variantes que, podem estabelecer uma amplitude sobre a relação dos periódicos com as
redes e metodologias repressivas e o seu enlace ao tecido social.
A escolha por certas imagens inspira múltiplas observações, Didi-Huberman
(2010, p. 11) ressalta que, “a marca histórica das imagens [...] não indica apenas que elas
pertencem a uma época determinada, indica sobretudo que elas só chegam à legibilidade
[...] numa época determinada”. Os resultados destas escolhas nos sugerem que a difusão
de determinadas imagens no âmbito público, possibilitam irradiar ideologias que
imponham uma certa sistemática de ações e modificam as estruturas do meio social,
transpondo as barreiras da normalidade, se aproveitando da “coesão forçada da
sociedade" (PADRÓS, 2014, p. 21).
Este estudo se propôs analisar as relações que envolveram duas mídias
publicitárias, cujo intuito foi perceber o contexto das suas produções. Se tiveram ou não
a intenção de fomentar a repressão, de resistir ou de denunciá-las, o importante é atribuir
a elas as conexões necessárias para inseri-las no contexto de uma violência extremada,
utilizada pelo regime autoritário no Brasil. Isto nos é dado pela forma como foram
concebidos os anúncios, cujo período entre 1969 e 1972 era, no mínimo, delicado em
relação à expressão de ideias. É possível inferir que, sendo uma propaganda relacionada
à venda de determinados produtos, cada qual ao seu modo, esta tenha passado
desapercebida pela censura, ou simplesmente, ela enxergou neste fator, uma forma de
repassar uma mensagem, um alerta em relação a falta de adesão a ideologia vigente.
REFERÊNCAS:
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América Latina. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1977.
DIDI-HUBERMAN, Georges. Diante da Imagem. São Paulo: Editora 34, 2013.
________________O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Editora 34, 2010.
FICO, Carlos. Reinventando o Otimismo: ditadura, propaganda e imaginário social no
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IASBECK, Luiz Carlos. A Arte dos Slogans: as técnicas de construção das frases de
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PADRÓS, Enrique Serra. Terrorismo de Estado: reflexões a partir das experiências das
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Imagens:
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http://gilsonsampaio.blogspot.com/2013/11/procuram-se-terroristas.html. Acesso em 10
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https://acervo.folha.com.br/leitor.do?numero=4260&anchor=4626738&origem=busca&
pd=70ea53054055151fbc68845b739d1cf2. Acesso em 12 jan. 2018.