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Linguagens, Educação e Sociedade Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPI

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Linguagens, Educação e SociedadeRevista do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPI

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LINGUAGENS, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE – ISSN -1518-0743, Ano 11, n.14, jan./jun. 2006.Revista de divulgação científica do Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro deCiências da Educação da Universidade Federal do Piauí.

Editor:Prof. Dr. José Augusto de Carvalho Mendes Sobrinho

Editora Adjunta:Profa. Dra. Maria da Glória Soares Barbosa Lima

Capa:Pollyanna Jericó Pinto Coelho

DiagramaçãoErivaldo Lima

Dario Mesquita (colaborador)

Instruções para os colaboradores/autores: vide final da revista.

Pede-se permuta / We ask for exchange.

Indexada em / Indexed in: - IRESIE - (Índice de Revistas en Educación Superior e Investigación Educativa) -

Universidad Nacional Autonoma do México - UNAM.

- BBE - Bibliografia Brasileira de Educação – Brasília - CIBEC/INEP.

- EDUBASE – Faculdade de Educação / UNICAMP - Campinas - SP.

Linguagens, Educação e Sociedade: Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPI/Universidade Federal do Piauí/Centro de Ciências da Educação, ano 11, n.14, (2006) – Teresina:EDUFPI, 2006 – 144p.

Desde 1996Semestral (jan./jun. 2006)ISSN 1518-07431. Educação – Periódico CDD 370.5I. Universidade Federal do Piauí CDU 37(05)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ

ISSN 1518-0743

Linguagens, Educação e SociedadeRevista do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPI

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LINGUAGENS, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE – ISSN -1518-0743, Ano 11, n.14, jan./ jun. 2006 -Revista de divulgação científica do Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Ciênciasda Educação da Universidade Federal do Piauí.

Missão: Publicar resultados de pesquisas originais e inéditos e revisões bibliográficas na área deEducação, como forma de contribuir com a divulgação do conhecimento científico e com o intercâmbiode informações.

Reitor: Prof. Dr. Luiz de Sousa Santos Júnior

Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação: Profa. Dra. Maria Acelina M. de Carvalho

Centro de Ciências da Educação:Diretor: Prof. Dr. João Berchmans Carvalho Sobrinho

Vice-Diretor: Prof. Dr. José Augusto Mendes de Carvalho Sobrinho

Programa de Pós-Graduação em EducaçãoCoordenadora: Profa. Dra. Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina

Editor: Prof. Dr. José Augusto Mendes de Carvalho Sobrinho

Editora Adjunta: Prof. Dra. Maria da Glória Soares Barbosa Lima

COMITÊ EDITORIALProf. Dr. Ademir Damásio – Universidade do Extremo Sul Catarinense

Prof. Dr. Antonio José Gomes - Universidade Federal do PiauíProf. Dr. António Gomes Alves Ferreira – Universidade de Coimbra - Portugal

Prof. Dr. Ademir José Rosso – Universidade Estadual de Ponta GrossaProfa. Dra. Anna Maria Piussi – Università di Verona – Itália

Profa. Dra. Carmen Lúcia de Oliveira Cabral - Universidade Federal do PiauíProfa. Dra. Diomar das Graças Motta – Universidade Federal do Maranhão

Prof. Dr. Luiz Botelho Albuquerque – Universidade Federal do CearáProf. Dr. Manoel Oriosvaldo de Moura – Universidade de São Paulo

Profa. Dra. Maria Cecília Cortez Christiano de Souza – F.E – Universidade de São PauloProfa. Dra. Maria do Amparo Borges Ferro – Universidade Federal do Piauí

Profa. Dra. Maria do Carmo Alves do Bomfim – Universidade Federal do PiauíProfa. Dra. Maria Jurací Maia Cavalcante – Universidade Federal do Ceará

Profa. Dra. Maria Salonilde Ferreira – Universidade Federal do Rio Grande do NorteProfa. Dra. Marília Pinto de Carvalho – Universidade de São Paulo

Profa. Dra. Mariná Holzmman Ribas – Universidade Estadual de Ponta GrossaProf. Dr. Paulo Rômulo de Oliveira Frota – Universidade do Extremo Sul Catarinense

Pareceristas ad hoc (deste número)

Antonia Edna Brito, Ana Valéria Marques Fortes Lustosa, Antonio de Pádua Carvalho Lopes, Francisco Alcidesdo Nascimento, Germaine Elsout de Aguiar, Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina, João Berchmans de Carvalho

Sobrinho, Josânia de Lima Portela, Maria da Glória Carvalho Moura, Maria de Fátima Uchôa de Castro Macedo,Paulo Fernando de Carvalho Lopes, Guiomar de Oliveira Passos.

Endereço para contato

Universidade Federal do PiauíCentro de Ciências da Educação

Programa de Pós-Graduação em EducaçãoRevista “Linguagens, Educação e Sociedade”

Campus Min. Petrônio Portela – Ininga64.040-730 Teresina – Piauí Fone(86)3237-1234e-mail: [email protected] Web:<http:www.ufpi.br>

Versão eletrônica:http:www.ufpi.br.mesteduc/Revista.htm

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Sumário

Editorial .................................................................................................... 07

Artigos

- O Discurso Veiculados pelos Editoriais da Revista do Ensino de Minas Gerais(1925-1970): modelando professoras* Maria Madalena Silva de Assunção ...................................................................................... 09

- O Estado, Igreja e Educação no Brasil - do Regalismo ao Ultramontanismo(1870/1935)* Elomar Tambara........................................................................................................................... 24

- A Formação do Professor no Município de Teresina (PI): do Liceu ao Instituto deEducação “Antonino Freire”* Carmen Lúcia de Oliveira Cabral ..........................................................................................37

- Rastros de Memória das Práticas Escolares da Escola Coronel Olímpio dos Reis(1910) de Socorro - SP* Laerthe de Moraes Abreu Júnior e Fernando Montini.............................................................49

- Arthur Ramos e a Análise da Criança - Problema (Rio de Janeiro 1930-1940)* Ronaldo Aurélio Gimenes Garcia .............................................................................................59

- Instrução Pública no Piauí: ensaios de sua formalização (Séculos XVIII e XIX)* Antonio José Gomes, Cláudia Cristina da S. Fontineles, Marcelo de SousaNeto................................................................................................................................................74

- O Mestre-Escola: cultura, saberes escolares e a transformação das práticaspedagógicas (Goiás 1930-1964)* Fátima Pacheco de Santana Inácio ........................................................................................85

- Política de Expansão da Educação Superior no Piauí: massificação e/ou interiorizaçãopara inclusão?* Teresinha de Jesus Araújo Magalhães Nogueira ......................................................................105

- Benedito Junqueira Duarte e o Departamento de Cultura de São Paulo: construindoimagens de uma ‘paulicéia’ cultural (1930-1964)* Carolina da Costa e Silva .......................................................................................................116

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Resumos

Memórias de Professoras Primárias no Cotidiano das Escolas Públicas Estaduais daZona Urbana e Rural de Teresina (PI): 1960 – 1970Marly Macêdo.....................................................................................................................................134

A Trajetória da Instituição Educativa Evangélica mais Antiga no Estado do Piauí: InstitutoBatista CorrentinoSandra Mara Kindlein Penno..........................................................................................................135

Educação e Saúde: o ensino odontológico no Piauí – história, memória e realidade.Leonardo Borges Ferro...................................................................................................................136

Picos e a Consolidação de sua Rede Escolar: do Grupo Escolar ao Ginásio Estadual.Jane Berreza de Sousa...................................................................................................................137

Instruções para o envio de trabalhos.........................................................................................139

Endereços dos autores dos trabalhos constantes neste número ...................................141

Permuta .............................................................................................................................................142

Assinatura .........................................................................................................................................143

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Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 14. jan./jun. 2006 7

Editorial

A Revista “Linguagens, Educação e Sociedade”, em cumprimento ao propósito de

prosseguir com edições temáticas, evidencia neste número uma diversidade de focos, assim

como uma multiplicidade de objetos referenciais acerca de estudos no âmbito da História e

Memória da Educação.

Esta edição, portanto, que tem como eixo temático: História e Memória da Educação,

reúne um conjunto de 09 (nove) artigos de autores oriundos de diferentes instituições de ensino

no perímetro nacional, objetivando expandir a discussão e a apreensão sobre aspectos

respeitantes à temática referencial, que, estruturalmente, se apresenta com suas seções assim

delineadas: Artigos e Resumos.

Espera-se que a divulgação e a leitura dos textos coligidos, notadamente no que

concerne ao discurso historiográfico, possam ser úteis tanto a pesquisadores quanto a alunos

de cursos de graduação e pós-graduação.

A todos, o Comitê Editorial apresenta seus agradecimentos e, de igual modo, deseja

uma boa leitura, perspectivando oportunizar o exercício reflexivo sobre a temática em destaque.

Desse modo, despedimo-nos, temporariamente. Até a próxima edição!

Os Editores

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Linguagens, Educação e Sociedade Teresina Ano 11, n. 14 09 - 23 jan./jun. 2006

O DISCURSO VEICULADO PELOS EDITORIAIS DA REVISTA DOENSINO DE MINAS GERAIS (1925-1970):

modelando professoras*

Maria Madalena Silva de AssunçãoDoutora em Educação pela Faculdade de Educação da UFMG

Docente da PUC – MG e da UNINCOR – Três Corações - MG.E-mail: [email protected]

Resumo

Tendo como referência os discursos veiculados peloseditoriais da Revista do Ensino de Minas Gerais (1925-1970), o objetivo neste artigo foi o de analisar asrepresentações sobre o magistério primário e, emespecial, sobre o modelo idealizado de professora. Édiscutido também a importância deste periódico naformação dos(as) professores(as) à medida que eletem como meta principal a divulgação das novasdoutrinas pedagógicas, em especial, daquelas oriundasdo movimento escolanovista. As propostas origináriasdo Estado para formação e constituição de um modelode professora foram verificadas, neste artigo, a partirdos editoriais da revista, uma vez que estes expressamos objetivos e finalidades contidos no periódico.

Palavras-Chave: Editoriais. Representações.Professora

Abstract

Based upon essays that were published by theeditorials of “Revista do Ensino de Minas Gerais” (1925- 1970), the aim of this article is to analyze therepresentations about the elementary (primary)teaching, especially the idealized model of the teacher.The importance of such magazine in the teachers’professional background is discussed as it publishesnew pedagogical doctrines, especially the onesdefended by the New School movement. The state-made proposals for the creation of a new model of ateacher are studied in this article, which is based onthe magazine editorials, once they expressed theobjectives of such publication.

Keywords: Editorials. Representations. Teacher

A imprensa periódica como fonte depesquisa tem se tornado um recursobastante usual ultimamente. Ela é rica emelementos que possibilitam novas leituras daHistória da Educação e da história doensino, trazendo contribuições fecundaspara interrogações e múltiplas perspectivasde análise. Na imprensa periódicaeducacional, encontramos, com muitos

detalhes e riqueza, os debates, os discursos,as contradições entre a teoria e a prática,as contradições entre o ‘legal’ e o ‘real’, osanseios, as dificuldades e as desilusões, asilusões e as utopias que fazem parte doprojeto educativo de uma sociedade, e deórgãos educativos, em especial, em umdado momento.

Nesse sentido, a Revista do Ensino

* Recebido em: junho de 2006.* Aceito em: junho de 2006.

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10 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 14. jan./jun. 2006

de Minas Gerais1 , ao colocar-nos frente afrente com o discurso veiculado no períodoem questão – 1925 – 1970 – nos permiterefletir a respeito das representações sobreo Magistério feminino, sobre asrepresentações acerca da professora e damulher/professora, as representações arespeito da criança, entre outras, o quecontribui para a compreensão do universosimbólico que sustenta a construção demodelos a serem perseguidos.

Em seus 46 (quarenta e seis) anosde existência foram publicados 239 númerosda revista, com uma média de 80 (oitenta)páginas em cada número, seu conteúdo seconstituía basicamente de materialinformativo, formativo e didático-pedagógico.As alterações verificadas no conteúdo darevista podem, certamente, ser imputadas àsmudanças de perspectivas e objetivos dapolítica educacional e dos conseqüentesprojetos pedagógicos definidos para cadaépoca. Apesar das mudanças relacionadasaos conteúdos apresentados, a revista, quefoi idealizada com o objetivo de orientar,estimular e informar os(as) professores(as)e funcionários(as) do ensino, mantém-se, decerto modo, fiel a ele.

A revista era distribuída para todasas escolas de Minas Gerais pertencentes àrede pública e também enviada para asescolas confessionais que ofereciam o CursoNormal. Paralelamente a essa distribuição,faz-se um constante apelo aos(às)

professores(as) para que estes(as) assinemo periódico. Além disso, a revista estabelecepermutas com outros estados e outros países.

O empenho do Estado na publicaçãoe distribuição dessa revista revela seusignificativo papel na formação dos(as)professores(as), na manutenção e natransformação de alguns princípios básicos,bem como na divulgação de novas doutrinaspedagógicas, em especial, as teoriasimportadas da Europa e dos Estados Unidos,como foi o caso das bases teóricas quesustentavam a Escola Nova. Esses objetivosda revista se mantiveram no decorrer de suaexistência.

Apesar de ter pesquisado todos osnúmeros da Revista do Ensino2 (n.1, demarço de 1925 ao n. 238-239, de março de1970), o que nos possibilitou uma visão geraldos assuntos abordados, tomaremos aqui,para discussão, os editoriais, uma vez queestes expressam os objetivos e finalidadesdeste periódico.

Os Editoriais da Revista do Ensino

Não encontramos a expressão“editorial”, sobretudo nos primeiros númerosda revista. Desse modo, utilizamos o termoeditorial para os textos intituladosapresentação, redação e introdução, queapresentam as características, teoricamentedefinidas, de um editorial. Assim,consideramos esses textos - pela localização

1 De acordo com Paulo Krüger Corrêa Mourão (1962), a Revista do Ensino de Minas Gerais foi criada pela Lein. 41, de 03/08/1892, pela Reforma Afonso Pena/Silviano Brandão. No entanto só começou a ser publicadaem março de 1925 e teve seu último número publicado em março de 1970. O objetivo primordial da revistaera a divulgação dos atos oficiais referentes à instrução e à divulgação dos processos pedagógicos modernos.Mas essa revista só foi ativada pela Diretoria de Instrução a partir do Decreto n. 6.055, de 19 de agosto de1924. Durante todo o período de existência a revista manteve seu caráter oficial, ou seja, vinculada àDiretoria da Instrução Pública/Secretaria de Educação.

2 De modo a simplificar as referências, uma vez que o periódico em questão constitui o corpus da pesquisa,apresento em nota de rodapé a referência das revistas citadas no texto e, ao final, a referência do periódicoconsiderado no todo.

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na revista - significativos para o entendimentodo discurso do poder público/oficial.

Para os teóricos da comunicação, oeditorial pode ser entendido como um textoopinativo

[...] escrito de maneira impessoal epublicado sem assinatura, referente aassuntos ou acontecimentos locais,nacionais ou internacionais de maiorrelevância. Define e expressa o ponto devista do veículo ou da empresaresponsável pela publicação (jornal,revista etc..). (RABAÇA; BARBOSA,1998, p. 227-8).

A Revista do Ensino apresenta ostrês modelos de editoriais definidos por JoséMarques de Melo (1985, p. 84): “o preventivo(focalizando aspectos novos que podemproduzir mudanças), de ação (apreendendoo impacto de uma ocorrência) e deconseqüência (visualizando repercussões eefeitos)”. Quanto ao conteúdo dos editoriais,encontramos, na Revista do Ensino, essesmodelos caracterizados pelo autor, que sãoo “informativo” (esclarecedor), o “normativo”(exortador) e o “ilustrativo” (educador), queem determinados momentos se mesclam emum mesmo texto.

O primeiro editorial, de março de1925, apresenta a Revista, seu regulamento,seus objetivos e indica seus dirigentes.Solicita também aos(às) leitores(as) queenviem colaborações para a publicação,recomendando que estas fossem assinadaspelo(a) autor(a). Após esse primeiro número,no local destinado ao editorial, a Revistapublica artigos, de modo geral relacionadosà Pedagogia e à Escola Nova, considerados,certamente, de grande relevância para oconhecimento e a formação do(a) leitor(a).

Na Revista n. 41, de janeiro de 1930,aparece um título – Apresentação - que nospermite identificá-lo como um editorial. Masé apenas a partir de outubro de 1932, na

Revista n. 74, que passamos a ter a convicçãode que estamos realmente lidando com umeditorial, quando aparece, no sumário, otermo Redação.

Na Revista de fevereiro de 1926 épublicado como editorial, sem essa rubrica,a Oração da Mestra, de Gabriela Mistral. Notexto introdutório ressaltam as característicasde bondade, amor, abnegação que deve tera professora, além do caráter materno queesta deve possuir. As revistas de 1927 sãodedicadas, inteiramente, a divulgar oPrimeiro Congresso de Instrução Primária doEstado de Minas e as comemorações docentenário do decreto que criou o EnsinoPrimário no Brasil.

A partir de outubro de 1928, atémeados de 1932, são publicados, nasprimeiras páginas da Revista, textos semautoria, com um conteúdo informativo, umalinguagem oficial e um tom pedagógico-doutrinário e exortativo, conclamando os(as)professores(as) a participarem da novapolítica educacional e da nova escola quese pretende criar e solidificar.

Esse período é marcado por doismomentos, sendo o primeiro caracterizadopela divulgação dos princípios da reforma deensino e o segundo pelo discurso queconvoca os(as) professores(as) para umamudança em suas atitudes e conhecimentos,para que implementassem, em suas práticas,a nova política didático-pedagógica. O tomdo discurso, desse segundo momento, ébastante ameaçador com relaçãoàqueles(as) professores(as) contrários(as)às novas políticas educacionais.

No primeiro momento, nem sempredefinido temporalmente, e muitas vezesmesclado pelo segundo, encontramos textoscomo o seguinte:

Nenhuma voz se levanta para dizer queapplicou os novos methodos de ensino e

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que nelles encontrou este e aquele defeitoou esta e aquella vantagem. É realmentepara lastimar que entre milhares deprofessores, haja apenas um punhado dealmas inteiramente a par de seu dever,cogitando de receber as lições dos novostempos e de pôr a sua escola ao correntede sua época. Se não me tenho preparadodevidamente, se as minhas aulas nãoteem melhorado, se os alumnos dellasfogem, por causa de minha impertinênciaou despreparo, se não tenho applicado oRegulamento, não cumpri o meu dever enão sou, portanto, uma pessoa de bem.3

Com a reforma do Ensino Primário,ocorrida em 1927, e a do Ensino Normal,ocorrida em 1928, é notória a preocupaçãoem garantir que essas reformas fossemrealmente implementadas, mas, para que issoocorresse, a condição primeira era aparticipação efetiva dos(as) professores(as).Essa preocupação aparece também nosdiscursos que antecederam as reformas, nosentido de preparação para a nova missãodo magistério, ou seja, a de remodelarinteiramente o ensino e a escola.

Em 1930 continua o apelo para queo(a) professor(a) se inteire da Reforma deEnsino e a coloque em prática:

Não se comprehende nem se explica quehaja, em Minas e nesta hora, umprofessor sem um manual de pedagogiapratica.Realmente. Põe-se em execução umareforma de ensino, inteiramente diversada antiga organização; essa reforma trazprincipios novos, processos novos eprogramas novos; essa reforma pede, porisso, espiritos bem orientados para quenão desmanchem, na applicação, o quese lhes pede no Regulamento; - justo é,portanto, que o nosso professorado, paraque cumpra bem os seus deveres, seconsagre á leitura de livros modernos,medite longamente sobre elles, procuresapplicá-los, com cuidado, aprimorando e

aperfeiçoando o seu modo de ensinar. [...]Deixemos aqui este apello a todos osmestres mineiros, nesta hora gloriosa danacionalidade, em que um largo eprofundo movimento sacode osfundamentos da nação, numa nobre ansiade progresso e de aperfeiçoamento: queadquiram um, dois ou três volumes depedagogia, que os leia, com ponderação,que os procure applicar [...].4

Em um tom que parece ter comoobjetivo suscitar o aspecto emocional, osinúmeros discursos apelativos garantemaos(às) professores(as) que a vitóriachegará, desde que haja o aperfeiçoamento,a boa vontade e o esforço comum detodos(as) os(as) professores(as).

A qualificação do(a) professor(a),dentro dos princípios científicos, além (ouantes!) de um grande amor pelas crianças epor sua missão, garantiria a formaçãodos(as) jovens para a construção de um paíssoberano. Era, portanto, necessária umaformação científica rigorosa, no entanto, oamor pelas crianças e a doação nesta ‘nobre’missão eram sempre lembrados comopontos prioritários no desempenho da tarefade educar.

Mas, o grande receio dos governantesna efetiva implementação dos novos métodosde ensino, ou seja, da escola ativa, parece terseu foco principal, nos(as) professores(as),que, pouco preparados(as), continuavam, demodo arraigado, com uma prática antiga. Detal modo, os discursos apelativos eameaçadores parecem elucidar apreocupação. Ao mesmo tempo em que o(a)professor(a) é ameaçado(a) por sua preguiçaem se qualificar e por sua rudeza no trato comas crianças, é sacralizado(a) como aquele(a)que tem o poder de salvar as crianças e o paísda barbárie. Imagens paradoxais, mas que se

3 Revista do Ensino de Minas Gerais, anno IV, n. 32, abr. 1929, p.2-3.4 Revista do Ensino de Minas Gerais, ano V, n. 49, set. 1930, p.1-2.

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complementam e constituem o cerne dasrepresentações sobre o(a) professor(a).

No segundo momento, também nemsempre possível de separar temporalmentedo primeiro, convoca-se continuamente, comdiscursos coercitivos, os(as) professores(as)à mudança. O(a) professor(a) que nãoministra bem suas lições e não se aperfeiçoaé descrito como

[...] uma peça inutil no organismo social.Peça inutil, ferramenta quebrada, braçoaleijado. [...] Sempre hade ser uma peçainutil e infecunda, um trombolho nocivo,porque occupa logar que os efficientespoderiam occupar melhor e porque nadadá aos outros de si, de sua substancia,de seu sacrificio, de seu esforço, senãoum brilho que para nada serve.Esses – os que têm brilho. Quantos?Rarissimos... Imaginae agora a multidãodos que desconhecem a materia quelecionam, e, sobre desconhecê-la, nãotrabalham em adquiri-la e, sobre apreguiça e a ignorância, não sepreoccupam em como hão de transmitiro pouco que possam saber.5

Nos editoriais de 2 (dois) anosdepois, ainda, encontramos discursosemelhante:

Taes professores, ou por preguiça ou porignorância, vivem satisfeitíssimos com oque são, não procuram de modo algumaperfeiçoar-se, não procuramcomprehender os grandes princípios daeducação e tentar a reforma de seusprocessos, não procuram augmentar asua cultura, para colherem maioresfructos, firmarem um nome maior esubirem para um degrau superior.6

Afirmam que a forma como o(a)professor(a) prepara os exercícios para

aplicar em sala de aula é descompromissadacom tal tarefa, pois estes(as) não escolhemos exercícios, estes já estão escolhidos, poisaprenderam com seus mestres e os repetem,ou são copiados dos manuais. Ele(a) não seenvolve com o seu trabalho.

Sou professor? É essa a minha profissão?Quantas horas me dedico a ella? Otrabalho do professor abrange apenas asquatro ou quatro e meia horas diarias –que se exigem no Regulamento? E o restodo tempo, a que dedico?O Estado nada tem que ver com o destinodessas horas?Em todos os officios o homem honestoemprega todas as horas de seu dia.Oprofessor, em geral, não. Acabaram-seas aulas? Acabou-se a tarefa. Não haleituras que fazer, nem trabalhos queescrever. O que se deseja é pensar em

tudo, menos na tarefa de ensinar.Proceder assim não é procederhonestamente.O meu lugar, se eu continuar a procederassim, é o lugar das peças velhas einúteis: no porão da casa, cheio de pó,azedume e bolor [...]Para os indolentes, os amargos, osdesanimados e os desanimadores, nãoha hoje lugar nas escolas de Minas. Éleres os Regulamentos e, se não tiveremcoragem de os encarar, para os realizar,é deixar o lugar aos que sabem luctarpela felicidade de sua terra [...].7

Ainda, outro editorial lembra aos(às)professores(as) que a devoção do(a)mestre(a) é a melhor propaganda da escola,como vem ocorrendo em outros países. Masisso não ocorre com os(as) professores(as)daqui, uma vez que as diferenças entre o povodaqui e os de outros países é gritante, poisnestes o nivel espiritual é por certo maiselevado do que o de nosso povo, e isso pormotivos óbvios8.

5 Revista do Ensino de Minas Gerais, anno IV, n. 27, nov. 1928, p.2-3.6 Revista do Ensino de Minas Gerais, anno V, n. 42, fev. 1930, p.2.7 Revista do Ensino de Minas Gerais, anno IV, n. 32, abr. 1929, p.3-4.8 Revista do Ensino de Minas Gerais, anno IV, n. 36, ago. 1929, p.3.

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14 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 14. jan./jun. 2006

Enfim, os editoriais acusam e aomesmo tempo conclamam os(as)professores(as) a adotar as propostascontidas na Reforma de Ensino.

Infelizmente, o espetaculo que se nosdepara de ordinario é verdadeiramentedesalentador: o professor fala demais, diztudo, recita, discursa, narra e enche osminutos com a onda de sua eloquência.Continúa a ser torneira aberta, a despejar,adespejar e as crianças continuam a seros mesmos funis, a receber, a receber...[...] É justamente o contrario do que sequer. Reflecti e resolvei seguir o caminhoque vos aponta o nosso Regulamento.9

Concordamos, assim, com JoséMarques de Melo (1985, p. 80), ao afirmarque o editorial não significa,necessariamente, “uma atitude voltada paraperceber as reivindicações da coletividadee expressá-las a quem de direito. Significamuito mais um trabalho de ‘coação’”. Coaçãodo Estado para implantar um modelo deprofessora, além de bondosa e dedicada,portadora de conhecimentos científicos,capaz de implementar a política educacional.

A escola e a educação deveriampassar por mudanças radicais, oriundas daReforma de Ensino e do novo pensamentopedagógico, daí a insistência, nos editoriais,quanto às atitudes pessoais do(a)professor(a), à importância de se preparar asaulas e ao aperfeiçoamento. Afirmam queo(a) professor(a) que quer cumprir suamissão “deve ministrar a seus alumnos pãoque elles possam mastigar, digerir e assimilar,e não pedra, que só as avestruzes podemtransformar, no seu estomago privilegiado”.10

Aqueles(as) professores(as) que possuemconhecimento mas que não preparam suas

9 Revista do Ensino de Minas Gerais, anno IV, n. 33, maio 1929, p.3. 10 Revista do Ensino de Minas Gerais, anno IV, n. 27, nov. 1928, p.2.11 Revista do Ensino de Minas Gerais, anno IV, n. 28, dez. 1928, p.3.12 Revista do Ensino de Minas Gerais, anno IV, n. 29, jan. 1929.

aulas são como uma peça inútil ou umaferramenta quebrada, pois sãopreguiçosos(as), ignorantes e não passam de“um trombolho nocivo, ou ainda, uma figurairritante e irritada, que não sabe o grandepapel que representa no mundo e que móe apaciência dos pequeninos que alli vão e dosquaes se póde dizer, com acerto, taes asamarguras que supportam: Não são alumnos,são martyres”.11

O editorial de abertura, de 1929,retoma o discurso em prol das mudançaseducacionais, permanecendo o tom deexortação e, ao mesmo tempo, de ameaçaaos(às) professores(as) que não aderirem àcruzada empreendida pelo governo.

Esse editorial relata as realizaçõesdo governo elogiando suas ações e afirma que“o governo de Minas, num dos mais bellosímpetos republicanos que a nossa historia temregistrado, disseminou escolas por toda aparte, numa semeadura formidavel e, dentroem pouco, todas essas escolas estarãoperfeitamente providas de suficiente materialdidactico”. Lembra que o governo fez sua partemodernizando as escolas e indaga: “Agora éo ponto de nos perguntarmos a nós mesmoso que temos feito para correspondermos áadmiravel obra realizada. Que é que estamospensando, na hora solenne da elaboraçãodessa obra formidavel?”.12 O Estado precisado(a) professor(a), mas este(a) parece ser ogrande empecilho para implementar a “obrapedagógica”

Nos editoriais, principalmentenaqueles relativos aos anos de 1928 a 1930,é visível uma representação pouco favoráveldo trabalho pedagógico dos(as)

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professores(as) mineiros(as). O teor dealguns deles chega mesmo a ser ofensivo aos‘brios’ dos(as) professores(as). Alegam queestes(as) “ludibriam” os(as) alunos(as) e seuspais, com aulas, que aparentemente podemser muito bonitas, mas na realidade nãopassam de aulas falsas, e essa falsidadeprecisa acabar, pois o fim da escola éensinar, e não iludir e enganar; podem os(as)professores(as) enganar a todos(as), menosàquele (O Estado) que entende o que é umaboa aula.

Apesar de todos os apelos emrelação à mudança que deveria ocorrer nasatitudes dos(as) professores(as) em sala deaula, os discursos sugerem um certodesalento e ‘desconfiança’ de que as atitudesnão mudariam apenas pela existência deuma reforma de ensino ou um novo métodoa ser seguido. Havia a ‘suspeita’ de que asprofessoras, apesar dos novosconhecimentos disponibilizados,continuavam levando para a sala de aula asmesmas “velhas atitudes”.

No último editorial do ano de 1929,salienta-se que o Magistério passou a serocupado por profissionais de outras áreas –farmacêuticos, padres, juristas – porqueesses profissionais estão constantementelendo e aperfeiçoando-se, e que até mesmoa dona-de-casa lê sobre a vida doméstica,enquanto os(as) professores(as) não sepreocupam com novas leituras e discussõespedagógicas. Assim, qualquer outra pessoapode conseguir resultados equivalentes, ouaté mesmo melhores do que os conseguidospelos(as) docentes.

No ano de 1930 é recorrente, nos

discursos veiculados, exortações aos(às)professores(as), como as que se seguem:Trabalhem!, Sejam simples e modestos!,Mãos à obra!, Não sejam como uma águaparada!, Leiam, leiam!, Sejam devotados!, Obom ensino não está no material, está noprofessor!, Falta de material não é desculpapara sua falsa aula!, Caminha com teus pés!,Que é que te impede de progredir?, Que éque te impede de ser um grande mestre?, Nãodesperdice o seu tempo, use-o para sepreparar!.

Desse modo, podemos entender queo objetivo maior da Revista do Ensino deMinas Gerais, nesse período, foi o de ser oinstrumento, por excelência, de divulgação danova escola/Escola Nova que se almejava edos princípios orientadores da políticaeducacional, gestada nos órgãos oficiais dogoverno. Sendo este periódico, portanto,porta-voz do Estado e mediador entre este eo(a) professor(a).

A entrada da Psicologia, aliada aodiscurso da Escola Nova

A partir de 1931, apesar de continuaro apelo aos(às) professores(as) quanto aoaperfeiçoamento, a Psicologia se consolidacomo parte, ou mesmo sustentação, dodiscurso pedagógico, visando aoconhecimento de um outro saber, ou do“verdadeiro saber”, pois será a Psicologiaque orientará o(a) professor(a) nos métodose no conhecimento de uma teoria que setornará o sustentáculo da prática.

A vinda de Edouard Claparède13 a

13 Édouard Claparède (1873-1940) médico e psicólogo foi considerado o pioneiro nos estudos da Psicologiada criança na Suíça. Fundou, juntamente com Pierre Bovet, o Instituto Jean-Jacques Rousseau em 1912(Genebra), onde realizavam pesquisas, nas áreas da Psicologia e da Pedagogia, voltadas para a formaçãode professores. Defendia as reformas educativas baseadas na Escola Nova e sua obra foi traduzida emportuguês e amplamente divulgada no Brasil.

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Belo Horizonte (outubro de 1930), para proferirconferências na Escola de Aperfeiçoamento,em muito contribuiu para a solidificaçãodesse discurso e para um longo artigo naRevista do Ensino sobre a homogeneizaçãodas classes escolares, bem como para oconteúdo do editorial:

Essas linhas configuradoras do quadropedagogico, de orientação consciente, deenriquecimento progressivo deexperiencia e de tecnica, só a psicologia,de que a pedagogia é mais do que umdos departamentos de aplicação, nospoderá proporcionar. É uma verdadeinsofismavel: sem psicologia não hapedagogia.Procuremos, portanto, cultivar apsicologia e néla buscar o sentido deorientação que nos possa proporcionar aatividade pedagógica.14

Nos anos de 1932 e 1933, algunsnovos assuntos começam a aparecer noseditoriais da revista: Reeducação e Co-Educação, Discurso de Paraninfo àsNormalistas, Educação Pré-Escolar, ABiblioteca Mínima do Professor Primário.Mas as teorias psicológicas continuam afazer parte e a sustentar discursos de algunsdos editoriais de 1933. A Psicologia encontra,nesse momento, um terreno fecundo parasua solidificação, pois a Pedagogia demandaum referencial teórico que possibilite adivulgação e a implementação da escolaativa, tão almejada pelo Estado. E nada maisconvincente e charmoso que uma novaciência para uma nova escola.

Os editoriais de 1933 podem serdivididos em quatro temas básicos: apreocupação com a qualificação dos(as)professores(as) para que estes(as)assumam, na prática, os princípios da escolanova; a discussão sobre os fins da educação

e o papel da escola na formação e grandezade um povo; balanço do ano de 1933 eprogramas de ensino.

Em relação aos eventos e aostrabalhos realizados no ano de 1933, há umdiscurso ambíguo em relação aos(às)professores(as), pois, se há em um momentoa descrença de que estes(as) profissionaisrealizariam uma educação inovadora, hátambém elogios pela competência e ardorcom que abraçaram as tarefas que lhesforam designadas. Afirmam que oprofessorado mineiro deu, mais uma vez,prova exuberante de sua capacidade detrabalho, de seu espírito de sacrifício, de seunobre idealismo.15

Esse tipo de discurso do Estado nãoinvalida os discursos repreensivos já vistosanteriormente. O que se observa é que osdiscursos oscilam entre o elogio e arepresália. Ou ainda, ora o discurso doEstado assume um tom de preocupação coma formação e com a prática dos(as)professores(as), ora esse discurso assumeo tom da afetividade, buscando atingir os(as)professores(as) por intermédio de suasemoções. Assim, podemos inferir que essesdiscursos, mesmo díspares, são construídoscom o mesmo objetivo: o de provocarmudanças substantivas em seus(uas)professores(as) e consolidar um modeloidealizado pelo Estado.

A Psicologia se torna parte efetivado cenário pedagógico mineiro. Dentro dotema programas de ensino, dois foram oseditoriais (fevereiro e março de 1933)reservados à divulgação da Psicologia. Oprimeiro faz um breve histórico do objeto deestudo da Psicologia, fazendo semprereferência a Edouard Claparède e

14 Revista do Ensino de Minas Gerais, ano VI, n. 53-55, jan./mar. 1931, p.2-3, grifo nosso.15 Revista do Ensino de Minas Gerais, ano VII, n. 96, nov. 1933, p.1.

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apresentando sugestões para se obteremmelhores resultados das aulas nessadisciplina. O segundo apresenta as metas donovo programa de Psicologia Educacional.

Os conceitos e as prescriçõesoriundas da Psicologia têm, na década de30, uma ampla divulgação e umaconseqüente consolidação no campopedagógico. Assim, torna-se inadmissívelpensar um(a) professor(a) que, no exercíciode sua prática, não tivesse o suficienteconhecimento dos princípios psicológicos.

Em 1934, no primeiro editorial, sãoanunciadas algumas mudanças naorganização da revista. Esta contará comquestões e discussões que lhe imprimirãouma feição mais prática e ativa, de modo aampliar-lhe a função orientadora eessencialmente técnica. No editorialsubseqüente salientam a importância de sedivulgar as notícias, extraídas dos relatóriosdos técnicos de ensino.

Nesse mesmo número, é publicado,na contracapa da Revista, o “Decálogo doprofessor”16 que apresenta característicaspróximas do discurso oficial da época, umaespécie de prêt-à-porter para o(a)professor(a):

I- Amarei a criança acima de tudo emais que a mim mesmo.

II- Não a humilharei nem com palavrasnem com atos.

III- Serei solícito, prestando-lhe aassistência do meu amor e de minhafé.

IV- Honrarei a minha profissão e, peloestudo, identificar-me-ei com ela.

V- Não guardarei ressentimento paranão me tornar criminoso pelocoração.

VI- Respeitarei na criança apersonalidade, deixando-a sercriança, como deve.

VII- Com a esperança do semeador, fareide minha escola a sementeira deminha pátria.

VIII- Cultuarei a verdade, com o meuexemplo, incutirei essa virtude nocoração de meus discípulos.

XIX- O interesse da criança, sua felicida-de, sua vida serão meu ideal, mi-nha alegria e minha razão de exis-tência.

X- Jamais serei um mercenário, epontificarei na escola como numaltar, - porque o magistério é umsacerdócio.17

Neste decálogo podemos observarque a preocupação central era com a criança,esta constitui-se o eixo norteador que conduzos discursos sobre e para o(a) professor(a).Afinal, o século XX, de acordo com EllenKey18 , seria o “século da criança”, e osprincípios que sustentavam a práticaeducativa da Escola Nova em muitocontribuíram para a centralidade da criançanesse processo.

Enfim, essa visão de escola e decriança, amparada pelo discurso daPsicologia e da Escola Nova, aponta o papelque o(a) professor(a) deveria assumir:

Não se fala aqui da modestia exterior, daroupa singela e pobre, do porte simplese despretencioso, do contentamento como logar pequeno e sem relevo nasociedade. O que se quer aqui frisar éque a modestia – attitude de silencio, detrabalho despretencioso – é uma virtudeque só agora começa a introduzir-se nas

16 Autoria de Mário Rabelo, Diretor do Grupo Escolar de Bambuí/MG.

17 Revista do Ensino de Minas Gerais, anno VIII, n. 101, abr. 1934, contra-capa. 18 As idéias de Ellen Key, educadora sueca, vinham ao encontro das idéias basilares da Escola Nova. Foi,

portanto, bastante citada nesse período e teve sua biografia e a apresentação de suas principais obraspublicadas na Revista do Ensino de Minas Gerais, anno III, n. 20, abr. 1927, p.413-414.

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escolas do mundo, porque com o trabalholivre dos alumnos, com o respeito á suapersonalidade e com o proposito de vêl-os por si próprios organizados, o papeldo mestre se modificou radicalmente.[...] Não será bom professor hoje em diaaquelle que não se contentar com umlugar apagado e secundario na sua salade aulas.19

É possível constatar, pelo materialapresentado na Revista do Ensino de MinasGerais, que a preocupação com a criançaextrapola a área psicológica, tornando-sepreocupação e objeto de discussão eespeculação dos mais variados discursos.Ela se torna presente e desliza dos discursospoéticos aos discursos religiosos, dosdiscursos políticos aos discursos domésticos,dos discursos metodológicos aos discursosfolclóricos, dos discursos filosóficos aosdiscursos assistencialistas, dos discursospedagógicos aos discursos sobre amaternidade.

A Psicologia continua... mas inicia-se aburocratização da educação

Os temas apresentados noseditoriais de 1934 evidenciam, a partir dessemomento, preocupação com a fiscalização,com o controle, com a organizaçãosistemática do ensino e com o corpo docente.Parece tratar-se de um processo de extremaburocratização da educação.

Os editoriais de 1935 concentram-sena divulgação de cursos e congressosrealizados, mas sem esquecer ascongratulações para a nova administraçãodo ensino. Além de publicar na primeirapágina a foto do presidente GovernadorBenedito Valadares, a revista saúda o novoSecretário da Educação e Saúde Pública,José Bonifácio Olinda de Andrada, por sua

19 Revista do Ensino de Minas Gerais, anno V, n. 45, maio 1930, p. 2-3.

‘mocidade sadia e sua grande cultura’,transcrevendo o discurso proferido por este,no ato de sua posse.

A tônica dos editoriais de 1936 passaa ser a própria Revista do Ensino. Enfatizama importância da colaboração dos(as)professores(as) com artigos para publicaçãoe ressurgem a preocupação com adivulgação e a permuta da revista, conformematéria divulgada na primeira página etranscrita em seis idiomas (português,espanhol, italiano, francês, inglês e alemão).

Em 1937 e 1938 há, basicamente,editoriais pedagógicos com temasrelacionados ao exercício cotidiano do(a)professor(a). Esses temas sofrem, de certomodo, uma análise psicológica, quando, porexemplo, discute-se sobre os prêmios ecastigos na educação ou sobre o“ajustamento” do aluno. Preocupaçãosemelhante ocorre em relação à questão daescrita, que merece dois editoriaisconsecutivos.

Em 1939, a revista não publicanenhum editorial. Já em 1940, a primeirapublicação –jan./mar., ano XIII, n. 170-172, nap.3. –, traz um longo editorial, relatando osacontecimentos de 1939, por ter sido:

[...] um ano fecundo em realizações eem seus acontecimentos de interêssepara o ensino em Minas Gerais. Em todosos setores de nosso aparelhamentonotou-se um surto novo de entusiasmo,como reflexo do estímulo a que aSecretaria da Educação [...] irradia atodos os pontos ligados à suaresponsabilidade técnico-administrativa.

Há elogios ainda à dedicaçãodos(as) professores(as) da Capital, aBenedito Valadares, Governador do Estado,a Cristiano Machado, Secretário daEducação e Saúde Pública e a Eliseu

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Laborne e Vale, chefe do Departamento daEducação. Como demonstração de taldedicação, publicam, na primeira página darevista, a fotografia dos três.

Os editoriais no pós-guerra

A revista passa um longo período,de 1940 a 1945, sem ser publicada. Emjaneiro de 1946, o editorial relata asdificuldades vividas no período da guerra esuas conseqüências no pós-guerra, queinviabilizaram a publicação. Alegam que osprincipais motivos foram em relação àonerosa mão-de-obra e à falta de papel, esteum obstáculo maior. Ainda nesse editorial,insistem no envio de documentaçãofotográfica para serem publicadas na revista,mas essas fotografias deveriam mostrarrealizações interessantes da vida escolar,deveriam ser recentes, nítidas e trazerem aidentificação do evento.

Há também nos editoriais desseperíodo a preocupação com a organizaçãode clubes de saúde e com a divulgação dospreceitos básicos de Puericultura. A Higienee a Educação Sanitária ocuparam longaspáginas na segunda metade da década de40, além da preocupação com o ensino e ocultivo de um sentimento nacionalista, o quefica visível no discurso patriótico e nasrecomendações de atividades a seremdesenvolvidas nas escolas.

Os editoriais de julho a dezembro de1949 e de janeiro a março de 1950 referem-seos cursos de férias para os(as)professores(as), que se iniciaram em 1947,sob a tutela de Abgar Renault. Relatam onúmero de alunos(as)/professores(as), dascidades do interior e da Capital,matriculados(as) em cada curso oferecido.Lembram que essa iniciativa não se confundecom objetivos eleitorais, pois se trata da

preocupação do governo em familiarizaros(as) professores(as) com os problemasculturais e históricos do momento,promovendo novas diretrizes para a prática.

O patriotismo e a atenção com a criançae a escola

A década de 50 é anunciada comoum momento promissor ou como um novociclo na história de Minas Gerais. O motivode tal entusiasmo é a eleição de JuscelinoKubitscheck para governador de MinasGerais e a crença de que este muito fariapelo Estado em geral, e pelo ensino públicoem especial, por ser ele filho de umaprofessora.

A escola é tratada como um local degrande importância para a formação deindivíduos que viriam, futuramente, servir àpátria e saber viver em coletividade. Assim,os pais deveriam compreender o papel daescola e dela participar ativamente.

A criança a ser educada precisavaser conhecida pelos(as) professores(as), demodo a favorecer sua socialização,ensinando-lhe a viver em sociedade e a terhábitos de cooperação, disciplina, cortesia,além de despertar-lhe os sentimentos da leie da ordem, da responsabilidade e datolerância. Com tal preocupação, aSecretaria de Educação constitui comissõespara elaborar os programas de ensino docurso primário. Os trabalhos que envolviamo conhecimento das diferenças individuais(Inquérito de ideais e interesses) e aconseqüente classificação dos(as)alunos(as) eram apresentados como umaatividade humana e patriótica, poisobjetivava conhecer as crianças, buscando,‘no fundo de suas almas’, o gérmem dapersonalidade aí latente, achando ideais einteresses e, tanto quanto possível, traçando

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caminhos à existência futura, para aconstrução de uma sociedade de economiaequilibrada.

Anos 60: democratização do ensino, ocivismo, a religião, o comunismo, ademocracia, a oscilação e o fim da revista

Após um longo período deinterrupções e publicações esparsas, aRevista volta a ser publicada. ElisabethVorcaro Horta era, nesse período, 1961 a1970, a Diretora-redatora da revista eassinava todos os editoriais que vinham sobo título Introdução.

A ‘nova fase’ da revista era semprelembrada e que essa representava nãoapenas a mudança na apresentação gráficae na disposição dos trabalhos, mas queapresentaria o que havia de melhor, emMinas Gerais, no setor educacional. Apretensão era a de se alcançar a veiculaçãode 6 (seis) números anuais, o que não serealiza até o último número publicado darevista. Em 1966, a Diretora-redatora afirmaque os exemplares de cada edição seesgotam, rapidamente, mas ficam visíveis aoscilação e as dificuldades por que passama Revista. A partir de 1967 fica claro que airregularidade na publicação da Revista sedeve à falta de verbas e à estrutura físicaque a Secretaria da Educação não maisoferecia para a publicação.

Há nesse período uma preocupaçãocom a formação do cidadão e, portanto, anecessidade de se inculcar nas crianças ossentimentos cívicos em relação à pátria.Conseqüência disso foi a criação da seçãona revista Educação e Civismo, para publicarartigos sobre a nação, a bandeira, o amor à

pátria. Outra preocupação era com a formaçãoreligiosa (católica), resultando na criação daseção Catequética, a partir de 1965.

O discurso a respeito da democraciase entrelaça ao discurso sobre a importânciado sentimento de nacionalidade, e ambosseriam assegurados pela disciplina e pelaeducação. Os exemplos utilizados paraconvencimento da importância dessaformação tomam como modelo os EstadosUnidos, mostrando sua história, suasconquistas, sua economia e sua democracia.

O discurso sobre a democracia seconfunde com os preceitos religiosos eambos contestam os princípios comunistas.A democracia aparece em situações diversasnos editoriais da revista e a direção seposiciona em relação ao golpe de 1964,afirmando que esta publicação20 vemencontrar o Brasil em novos rumos políticosretomados depois de 1o de abril, quandoeclodiu uma memorável revolução, mas oBrasil soube pôr fim às idéias comunistas eMinas não se calou frente a tal ameaça...

Em Minas, o despertar público, sincero,espontâneo, dessa consciência deu-se porocasião de um comício comunista que deveriaaqui realizar-se para afronta das tradiçõesmineiras, entre nós, em Belo Horizonte. Ocomício não se realizou e foram as mulheresde Minas representadas por um grupodenodado que lá se postou com terços namão a impedir com sua presença física eorações a permanência dos comunistas norecinto.21

Em toda a Revista do Ensino talvezesse seja o texto que mais expressa o papelda mulher mineira. Esta raramente élembrada, quando o é, é para expor sobre osmalefícios do movimento feminista ou paralembrá-la de que ela não precisa votar, poiso seu aluno, bem-educado por ela, a

20 Revista do Ensino de Minas Gerais, ano XXXIII, n. 217, abr. 1964, p.3-4.21 Revista do Ensino de Minas Gerais, ano XXXIII, n. 217, abr. 1964, p.4.

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Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 14. jan./jun. 2006 21

representará nas urnas. As mulheresrepresentaram o ideal de preservação damoral, dos valores cristãos, da família e,principalmente, de manutenção de seu lugarsocial e político, ou seja, o lugar daquela queassiste (no duplo sentido: de ver semparticipar e da assistência/auxílio) à suafamília e às necessidades religiosas, semqualquer outra pretensão...!

No editorial da última Revista22 ,Elisabeth Vorcaro Horta assinala que aRevista atingiu, no tempo exato, suaperiodicidade normal. Foram, portanto, 9(nove) anos de muito trabalho e obstáculospara se atingir tal periodicidade, mas, enfim,atingiu o objetivo e, junto a ele, o ponto finaldo periódico.

Pelos discursos dos editoriaispodemos inferir o conteúdo veiculado poreste periódico e o que foi lido e incorporadopelos(as) professores(as), levando-nos arefletir sobre as orientações, preceitos,prescrições, preconceitos que influenciarama visão de mundo, atitudes ecomportamentos, contribuindo assim para afabricação de um modelo de práticapedagógica e de professor(a) que persistemno imaginário cultural.

Constatamos a recorrência de umdiscurso admoestador, mesclado portonalidades morais, religiosas, higienistas,biológicas, políticas etc., enfim, discursosque compuseram um cenário para afabricação de um modelo de professor(a).Estes(as) eram definidos(as),caricaturados(as), louvados(as),enaltecidos(as), execrados(as), contribuindopara o surgimento de determinadasrepresentações sobre o(a) professor(a) eeste(a), em equivalência, passa a se adequarao discurso para ele(a) produzido.

22 Revista do Ensino de Minas Gerais, ano XL, n. 238-239, mar. 1970.

O periódico, com sua linguagemespecífica, representa um suporte àconstrução de determinado modelo depensamento, dirige a maneira de pensar esentir, delineia configurações intelectuais eperceptivas específicas dos indivíduos deuma dada época. Entretanto, entendemosque entre o mundo do texto e o mundo do(a)leitor(a) há múltiplas possibilidades designificações que irão, de certo modo,direcionar a apropriação que será feita.

Apesar das diferenças ocorridas noprocesso de apropriação de um determinadotexto, entendemos ser relativa essaindependência do(a) leitor(a), uma vez queele(a) se encontra cercado(a) eimpregnado(a) pelos códigos, convenções,valores, normas que regem as práticas eexpectativas de um determinado grupo ousociedade em um dado momento. Assim, aleitura, além de situada historicamente,ultrapassa uma simples operação intelectuale abstrata, ela se encontra ancorada tambémem outra ordem, ela se inscreve nos corpos,nos espaços e nas relações intra einterpessoais.

Nesse sentido, ela contribui paraproduzir subjetividades, fabricar e modelarpessoas, mas entendemos também que asubjetividade não pode ser pensadaseparadamente do conjunto de toda umaprodução intelectual, produção artística,produção religiosa, produção social,produção econômica, produção política deum tempo e de um espaço, ou seja, ela éresultante da produção de diversos campos,inclusive da produção escrita a que aspessoas tiveram acesso. E, como é o casoda Revista do Ensino de Minas Gerais, seusdiscursos foram produzidos para os(as)professores(as) com a finalidade explícita dese modelar docentes que atendessem às

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expectativas, daquele momento, emanadasdos órgãos oficiais.

É visível, nos discursos eprescrições presentes na Revista do Ensinode Minas Gerais, a necessidade de seinculcar nos(as) professores(as) um certomodo de ser, e é nesse sentido queapontamos para a produção de umasubjetividade e de um modelo deprofessor(a), pois sendo a construção dasubjetividade um processo que não passaao largo da cultura, as experiências com taisleituras constituem um fator relevante nesseprocesso, em particular as informaçõesapreendidas pelo discurso e mensagens aliveiculadas, e, por intermédio de tais ações,as mulheres, e também os homens, nãoaprenderam, como salienta Clifford Geertz(1989), apenas a respirar, mas a controlar asua respiração; não apenas a falar, mas aemitir as palavras e frases apropriadas, nassituações sociais apropriadas, no tom devoz apropriado e de modo evasivo ou não.Não apenas a comer, mas a preferir certosalimentos, cozidos de certas maneiras; nãoapenas a sentir, mas a sentir certas emoçõesmuito distintamente; não apenas a se tornarmulher/homem, mas a se tornar uma mulher/homem que se comporta e sente dedeterminada forma; não apenas a se tornarprofessor(a), mas a se tornar um(a)professor(a) com determinados predicadose ideais. Enfim, não apenas as idéias, masas próprias emoções são artefatos culturais.

Os professores, ou melhor, as

professoras primárias na Revista do Ensino,eram apenas representadas, definidas,caricaturadas, louvadas, enaltecidas,execradas... e,

[...] Vale notar quem utiliza o poder pararepresentar o outro e quem apenas érepresentado. Isso se tornaparticularmente importante, sepensarmos que, na maior parte dasvezes, as mulheres e as mulheresprofessoras são definidas, e portanto,representadas, mais do que se definem.Homens-parlamentares, clérigos, pais,legisladores, médicos – auto-arrogando-se a função de porta-vozes da sociedade,dizem sobre elas. Como conseqüência,elas também acabam, freqüentemente,definindo-se e produzindo-se emconsonância com tais representações(LOURO, 1997, p. 465).

Desse modo, as professoras quehoje se encontram nas salas de aulacarregam histórias que atravessaram otempo, mas que o tempo não foi capaz deapagar, por isso, elas ressurgem em cadauma de nós, professoras. E, de algum modo,os atributos conferidos à profissão docentepermanecem, mesmo tendo sidoreinterpretados e, sob novos discursos enovas insígnias, mantém-se, mesmo quesubterraneamente, determinados elementose características já antes associados àfunção desempenhada pelas professoras.São essas histórias e discursos que foraminternalizados e que reapresentamos, nacena da sala de aula, em nossa profissãodocente.

Referências

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Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 14. jan./jun. 2006 23

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Linguagens, Educação e Sociedade Teresina Ano 11, n. 14 24 -36 jan./jun. 2006

O ESTADO, IGREJA E EDUCAÇAO NO BRASIL – DO REGALISMOAO ULTRAMONTANISMO (1870/1935)*1

Elomar TambaraUFPel - RS

Resumo

Este estudo teve como objetivo investigar uma dasformas de inculcação ideológica utilizada pela IgrejaCatólica, a epistolar, quanto a seus posicionamentosem relação à educação. A rigor, estas epístolas têmo objetivo de tratar, de maneira formal, de temas quemerecem particular atenção tanto do episcopadoquanto do Vaticano. De modo especial, a partir demeados do século XIX, três temáticas predominaramna preocupação da Igreja Católica: o comunismo, omatrimônio e a educação. Este trabalho investigou,dentro do processo de “romanização” da Igreja, opapel atribuído ao aparelho ideológico escolar. Operíodo em análise (1830-1935) caracteriza-se,justamente, pela consolidação da hegemoniaultramontana. A principal estratégia utilizada pelaIgreja Católica para a consolidação deste processofoi a implantação de uma rede de ensino confessionalbaseada, principalmente, na atuação dascongregações religiosas e de uma intricada relaçãocom o positivismo político e com estruturas sociaisconservadoras então hegemônicos no Brasil. O quese observa ao final da República Velha é que a IgrejaCatólica conseguiu retomar seu papel hegemônicono processo de formação ideológica, apesar docaracterizado papel de coadjuvante no aspectopolítico. Ademais, evidencia-se que este processoocorreu, em grande monta, através do domínio doaparelho ideológico escolar pela Igreja.

Palavras-chave: Aparelho ideológico. IgrejaCatólica. Estado. Educação.

Abstract

The aim of this study is to investigate one of theideologic inculcation ways used by Catholic Church -the epistolary way -, concerning its education positions.To be hard on, epistolaries aim at, formally, treatingthose themes that deserve particular attention from theepiscopate as well the Vatican. Specially from the XIXCentury middle, in the Catholic Church preoccupationprevailed three thematics: communism, matrimony andeducation. This work investigated the role ascribed toschool ideological appparatus within the CatholicChurch “Romanization” process. The analyzed period(1830-1935) is just characterized by the Ultramontanehegemony consolidation. Catholic Church main strategyto this process consolidation was the creation of aconfessional teaching net mainly based in religionscongregations action and of an intricated relationshipswith political positivism and with conserving socialstructures, at that time, hegemonics in Brasil. What isobserved in the end of the Old Republic period, isCatholic Church achieved at recovering its hegemonicrole in the ideological formation process, despite itscharacterized coadjutant role in the political aspect.Beside, it is evidenced this process occurred, in a bigamount, through the dominion of the school ideologicalapparatus by Catholic Church.

Keywords: Ideological apparatus. Catholic

Church. State. Education.

* Recebido em: junho de 2006

* Aceito em: junho de 2006.1 Este trabalho constitui uma versão modificada do trabalho apresentado na Reunião da Anped no GT 2 História

da Educação.

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Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina,Ano 11, n. 14. jan./jun. 2006 25

Este estudo teve como objetivoinvestigar uma das formas de inculcaçãoideológica utilizada pela Igreja Católica, aepistolar, quanto a seus posicionamentos emrelação à educação. Embora os interesses,conflitos e embates, nos quais asconcepções da Igreja Católica estiveramenvolvidas, no âmbito da educação, tenhamsido trabalhados em muitos aspectos, a áreade história de educação ressente-se deinvestigações que dêem visibilidade aoprojeto ultramontano como uma estratégiamundial com específica intencionalidade eno qual o Brasil fez parte como umcomponente com características peculiaresdevido ao regime de Padroado que aindavigia no século XIX.

Uma das formas mais eficazes etradicionais de comunicação da IgrejaCatólica com seus fiéis e, mesmo em relaçãoà sociedade em geral, foi a epistolar. Nestaárea, destacaram-se, na hierarquia da Igreja,as encíclicas papais e as cartas pastoraisepiscopais. Havia uma aquiescência emrelação à atuação do papa como o paicomum à quem pertenceria a “sollicitudeomnium Ecclesiarum” (Cuidado de todas asIgrejas) e, da mesma forma, em relação aoepiscopado em geral no âmbito de suasdioceses.

A rigor, estas epístolas têm o objetivode tratar, de maneira formal, de temas quemerecem particular atenção tanto doepiscopado quanto do Vaticano. De modoespecial, a partir de meados do século XIX,três temáticas predominaram napreocupação da Igreja Católica: ocomunismo, o matrimônio e a educação.

Este trabalho investigou, dentro doprocesso de “romanização” da Igreja, o papelatribuído ao aparelho ideológico escolar. Operíodo em análise (1830-1935) caracteriza-se, justamente, pela consolidação dahegemonia ultramontana. Em termos teórico-

metodológicos a hipótese de trabalho foi ade desconstruir os preconceitos arraigadossobre a atividade da Igreja Católica,mormente aqueles herdados do Iluminismo eque propugnava em seu discurso “as figurasdo clero enganador, do maquiavelismojesuíta, e romano, da astúcia e da superstição,cujo fim inconfessado seria manter aconsciência da massa no atraso e naignorância.” (ROMANO, 1979, p.115). Emsuma, perceber a vinculação e a pretensaubiqüidade do aparelho soteriológico e ainstituição escolar na reconstrução dahierocracia católica.

A principal estratégia utilizada pelaIgreja Católica para a consolidação desteprocesso foi a implantação de uma rede deensino confessional baseada,principalmente, na atuação dascongregações religiosas e de uma intricadarelação com o positivismo político e comestruturas sociais conservadoras entãohegemônicos no Brasil.

A teoria da secularização, usadaneste trabalho, como elemento explicativopara compreender as peculiares relaçõesentre os aparelhos religiosos e estatais vemsendo constituída a partir da perspectivateórica desenvolvida por Weber (1979),Bourdieu (1987), Berger (1985), Stark (1996)e Fink (1997)

Metodologicamente utilizamos, paraidentificar este novo perfil ideológico doepiscopado católico, cartas pastoraiselaboradas no período (1832-1935), como“documentos-fontes” que, de certa forma,representavam o pensamento médio dacomunidade eclesial católica romananaquele período e que refletem também aascendência que o ultramontanismo vaiassumindo.

Essas cartas pastorais são, a rigor,uma simbiose entre as diretrizes do Vaticano

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e as peculiares circunstâncias ideológicasque condicionavam a relação Igreja/Estado.Elas, paulatinamente, fortaleceram umprocesso de “sacramentalização” da Igrejaassociado a um movimento direcionado à“sacerdotização” da instituição, e, “abafando”aspectos típicos do regalismo como, porexemplo, as irmandades. Neste sentido,tiveram como prioridade a consolidação deum sistema de ensino sob a égide da Igreja.

A relação entre Igreja e Estado noBrasil regeu-se até a Proclamação daRepública pelo sistema de padroado cujosprivilégios, em 1827, (Bula PraeclaraPortugalliae Algarbiorunque Regum) foramconcedidos ao Império Brasileiro. Assim,plasma-se uma relação de continuidade do“status quo” anteriormente reconhecido àPortugal. Em resumo, esta concordataconcedia ao Imperador o poder de aceitarou vetar as orientações advindas de Roma.Entretanto, esta foi uma questão controversaem todo período Imperial.

O problema da autoridade papal,tanto na órbita do poder secular como na dopoder espiritual, é algo que tem preocupadofilósofos, teólogos, sociológicos, etc., aolongo do tempo.

Muito ilustrativo desta querela é aquestão da “plenitudo potestatis” ocorrida noséculo XIV, cujo principal representante dacorrente que se rebelava contra um papadorico, autoritário e despótico foi Guilherme deOckham.

Seu trabalho “Breviloquio sobre oprincipado tirânico” constitui-se num tratadocontra a tese do poder absoluto do Papa.

Segundo Oliveira (2003, p. 232) :

Uma vez demonstrada a imperiosidadede se tratar sobre o poder de sumopontífice, Ockham passa a lidar com otema principal de sua argumentação, ouseja, a plenitude do poder papal. Arefutação do “Invincibilis Doctor” à tese

segundo a qual o papa pode ordenar tudoo que lhe aprouver, exceto o que contrariao direito divino ou natural concentra-seem mostrar que tal plenitudo potestatiscontraria tanto a essência da leievangélica quanto a própria finalidade dainstituição do papado.

Este problema da relação Igreja/Estado e, por vias de conseqüência, danatureza da autoridade papal só tendeu acrescer no decorrer dos séculos e, sob certoprisma, teve seu ápice com a decretação dainfalibilidade do papa em questões dedoutrina por ocasião do Concílio Vaticano Iem 1870.

Em verdade, esta decisão doconclave cardinalício decorreu, em muito, deatitudes e comportamentos pragmáticos quemuitos reis e imperadores acabaram porassumir e que colocavam o Vaticano em umplano secundário. Dentre estes, destacam-se os movimentos políticos e ideológicos queno século XVIII e XIX construíram um sistemade relações Estado/Igreja em Portugal e noBrasil no qual houve um super-dimensionamento do poder temporal emrelação ao poder espiritual, que vaidesembocar no sistema de padroado ouregalismo.

Este sistema, consolidado a partir dePortugal por Pombal, e cuja maior visibilidadeocorreu com as expulsões dos jesuítas doreino português, acabou por sufragar o poderdo imperador como o determinante nestarelação. Assim, “a historia do Padroado daIgreja do Brasil prende-se por mais de umlaço à dos Padroados da Igreja Lusitana, dequem a primeira descende” (ALMEIDA,1866, CCXXXIX)

Entretanto, embora este seja operíodo de maior visibilidade das questõesde autoridade envolvendo Igreja e Estado, oprocesso decorreu de um lento e gradualrelacionamento de mútuas concessões e demútuos privilégios. Isto pode ser percebido

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entre outras, pelas bula Ad ea quibus do papaJoão XXII de 1319; bula Etsi Suscepti dopapa Eugenio IV de 1442; bula Eterni RegisClementia do papa Xisto IV de 1481; bulaEximae Devotionis Sinceritas do PapaAlexander VI de 1501; bula procelsedevotionis do papa leão X de 1514. Apesarde inúmeras outras bulas tratarem do assunto,a mais importante para o período que nosinteressa é Proeclara Portugallie de 1827 queconcedeu à coroa do Brasil os mesmosdireitos da coroa portuguesa.

A Igreja fundou o Padroado no interessedo seu serviço, e sem prejuízo de sualiberdade. Encheu de privilégios e degraças aqueles a quem honrava com otitulo de Padroeiros, não julgando queseus advogados e paladinos sequisessem constituir não só seusdominadores como perseguidores,muitas vezes impondo-se tais encargoscomo regalias por efeito do próprioarbítrio, sem consultarem a protegida, eà despeito de sua vontade e protestos.Mas o propósito era, e sempre tem sido,arrancar à Igreja sua liberdade, paramodelá-la em instrumento de governo ede domínio, realizando-se assim o grandepensamento do Cesarismo. (ALMEIDA,1866, CCXC).

É importante salientar que os doisparadigmas que se digladiavam, o regalismoe o ultramontanismo, procuravam ocupartodos os espaços possíveis de legitimaçãocom o objetivo de plasmar a hegemonia desuas concepções. Dentre estes espaçosdestacava-se o aparelho escolar e,obviamente, o domínio do conteúdocurricular, de modo especial asespecificidades da natureza dos catecismosutilizados em sala de aula como recurso deinculcação ideológica e de aquisição da

leitura2.

Com a República e a conseqüenteseparação formal entre Igreja e Estado, aorganização eclesiástica brasileira foiobrigada a recompor-se em novos patamarespara rapidamente criar os mecanismosnecessários para ocupar os aparelhosideológicos do Estado; em particular oescolar.

Ademais, a educação fora laicizada, areligião fora eliminada dos currículos, eos governos, federal e estaduais,estavam proibidos de subvencionarescolas religiosas. Nada disso,entretanto, impediu que a prestação deserviços educacionais para as elitespassasse a constituir a diretriz-mor dapolítica expansionista seguida pelaorganização eclesiástica. (MICELI, 1988,p. 23).

A Igreja procurou criar uma estruturaeducacional extremamente competitiva,mormente no que se refere ao ensinosecundário, de modo especial com aimportação de pessoal especializado daEuropa que, na época, se achava disponívelem virtude das severas limitações que, namaioria dos países europeus, estes“profissionais” vinculados às ordensreligiosas com múnus na área educacionalestavam submetidos.

O fim do regime de Padroado,sem dúvidas, significou um novorealinhamento das fileiras dos prócerescatólicos.

A firme orientação doutrinária e sobretudodisciplinar que Roma passou a exerceratravés dos jesuítas e lazaristas nosseminários brasileiros, os prolongadosestágios de formação da elite do clero

2 Em especial dois catecismos de cunho nitidamente regalista predominaram nas escolas durante o períodoimperial: o catecismo de Montpellier elaborado pelo bispo jansenista Colbert e o catecismo elaborado porClaude Fleury. Ao final do século XIX e início do século XX estes catecismos foram substituídos por outrosde compleição ultramontana.

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brasileiro no exterior, as manifestaçõesostensivas de lealdade e ortodoxia porparte do episcopado nacional, aimplantação maciça de obras pias sobsevero controle diocesano liquidando como regime até então vigente dasirmandades, esses e outros fatorescontribuíram eficazmente para o êxito dotrabalho de “moralização” eprofissionalização do clero. (MICELI,1988, p. 27).

Particularmente com a República aIgreja Católica procurou realinhar seuposicionamento em relação ao poder secular.Afirmaram os bispos na Carta Pastoral de1900

proclamou a Constituição a separaçãointeira do Estado e da Igreja, e assoalhouque nenhuma relação queria com essareligião, que informou a vida dosbrasileiros, que lhes deu a civilização,adoçou os costumes, conservou aunidade nacional e e patrimônio maisprecioso que recebemos de nossos paise queremos legar a nossos filhos. Comesta religião assim encarnada eincorporada com os brasileiros, não querter nenhuma relação o governo do Brasil.

Mais tarde D. Octavio Pereira deAlbuquerque, Bispo do Piauí, em sua 2ªCarta Pastoral “Sobre o Seminário eCollegios Diocesanos” demonstra que oepiscopado brasileiro ainda lutava porreaver seu status quo:

Pois bem, nobres patrícios, Nós vosoferecemos um remédio efficaz a todosesses males, que tanto prejudicam atranquilidade de vosso governo e afelicidade da Pátria! Quereis saber qualserá? É a volta do Brasil estado à essasanta Religião Católica, Apostólica,Romana, que, por séculos inteiros, operoua nossa omnimoda felicidade; só assimgovernareis tranqüilamente e recebereis dopovo as demonstrações de respeito a quetendes inconcluso direito no exercício davossa autoridade. (1915, p. 11).

O processo de secularização retirouda Igreja muito de sua força. O progresso daciência delimitou a ação eclesial e, em muitas

áreas, extinguiu-na. A consolidação dosistema capitalista e, posteriormente, oaparecimento de concepções alternativascom relação a formas de organização social,principalmente a socialista-comunista,exigiram da hierarquia religiosa um trabalhoincansável para reafirmar ou adaptar suasconcepções.

Nota-se, neste período (1830-1935),uma grande fecundidade na produção detextos destinados a orientar os fiéis sobrecomo se portarem diante dos novos fatos. Apar destes documentos pontifícios quecontribuíram para consolidar, em nívelmundial, o processo de “romanização” daIgreja Católica, no Brasil, a hierarquiacatólica, em consonância com as diretrizesemanadas do papado mas,fundamentalmente, respondendo àsmodificações estruturais ocorrentes narelação Igreja-Estado a partir daProclamação da República, também emitesua opinião sobre a realidade sócio-religiosanacional, através de vários mecanismos.

A Igreja, atribuindo-se o papel deMestre dos Povos, (Docete Omnes Gestes)pretendeu refutar as acusações de que nãoprivilegiava a educação. Dom Antonio dosSantos Cabral, Arcebispo de Belo Horizonte,sintetiza bem esta questão em sua cartaPastoral “A Igreja e o Ensino”:

“Inconsistente é a argüição da impiedade,inspirada na mais revoltante má fé,acoimando-a de ‘inimiga systhematicadas luzes’, e de haver conspirado semprecontra a instrucção, para manter o povo

sob o jugo da superstição”. (1925, p. 5).

A Igreja Católica resistia àsfreqüentes acusações de ser representantedo obscurantismo e de, certa forma, constituir-se em baluarte na luta contra auniversalização do ensino propugnadaprincipalmente pelo liberalismo. Segundo Pio

XI:

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A educação cristã da juventude,dificultada e às vezes descuidada, aícomo em outras nações, está agoraseriamente comprometida por erroscontra a fé e a moral e por calúnias contraa Igreja, a qual se apresenta comoinimiga do progresso, da liberdade edos interesses do povo” (CARTA AOEPISCOPADO FILIPINO, 1944, p. 964)

O aparelho repressivo da Igreja, emtermos de educação, manifestou-seprincipalmente em relação ao combate àcirculação daquilo que considerava livrosperniciosos à boa formação do cristão. Nestesentido, destacaram-se dois documentospontifícios: a encíclica Mirari vos de 15 deagosto de 1832 do Papa Gregório XVI quetinha como objetivo principal o combate aos“principais erros de seu tempo” e o Syllabusanexo da encíclica Quanta Cura de 08 dedezembro de 1864 do Papa Pio IX que sedestinava a apontar os “erros modernos” eque reivindicava para a Igreja o controle detodo sistema escolar, cultural e da ciência. Arigor, estes documentos reafirmamresoluções do Concílio Lateranense V e doConcílio Tridentino.

Colijam, portanto, da constante solicitudeque mostrou sempre esta Apostólica Séem condenar os livros suspeitosos edaninhos, arrancando-los de suas mãos,quando inteiramente falsa, temerária,injuriosa a Santa Sé e fecunda emgravíssimos males para o povo cristão éaquela doutrina que, não contenta comrechaçar tal censura de livros comodemasiado grave e onerosa, chega até oextremo de afirmar que se opõe aosprincípios da reta justiça, e que não estána potestade da Igreja o decretá-la.(MIRARI VOS, 1944, p. 44).

Em 1907, o Papa Pio X em sua encíclicaPascendi Dominici Gregis reafirmou ser dever

dos bispos “cuidar que os escritos dosmodernistas ou que conhecem o modernismoou o promovem, se têm sido publicados, nãosejam lidos, e se não o houverem sido, não sepubliquem.”(1944, p. 288)

Neste sentido, a Igreja incentivou autilização da censura prévia consubstanciada,a rigor, pela licença episcopal decorrente doImprimatur a qual deverá ser anteposta afórmula Nihil Obstat. (Idem: 290)

As leituras suspeitas ou licenciosas, emmatéria de fé e de costumes, são oscanais que levam às inteligências os maisnocivos, venenosos, perniciosos bacilosdos preconceitos, das dúvidas, dos erros,da indiferença e da mais arroganteinsubmissão; bacilos que vãodesenvolvendo e fomentando as paixõesdo coração e que, ao primeiro choque,se erguem como formidável montanha demil dificuldades contra a religião.(CAXIAS,1936, p. 46).

A Santa Sé sempre foi muito cientede sua autoridade no sentido de proclamarpara a comunidade mundial os erros eequívocos decorrentes da evolução dopensamento humano. A Igreja resistiu,enormemente, a qualquer processo demudança que não se encaminhasse parasuas concepções de entender a igreja comouma “Sociedade Perfeita”.3

A relação entre Estado e Igreja é umaquestão que está subjacente ao processo deconstituição do sistema de ensino. Semdúvida a Igreja, a partir de meados do séculoXIX, procurou plasmar um relacionamentopolítico diplomático destinado a colocar asconcepções ultramontanas comohegemônicas. O Papa Leão XIII, em suaencíclica Immortale Dei de 2 de novembrode 1885 que versa sobre a constituição cristã

3 Neste sentido destacam-se a encíclica Mirari vos do Papa Gregório XVI sobre os principais erros de seutempo; o Syllabus do Papa Pio IX sobre os erros modernos; A Libertas do papa Leão XIII sobre a verdadeirae falsa liberdade; A Pascendi Dominici Gregis do Papa Pio X condenando os erros do modernismo.

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dos estados, caracteriza bem esta assertiva:

O poder público por si próprio, ouessencialmente considerando, nãoprovém senão de Deus, porque somenteDeus é o próprio, verdadeiro e SupremoSenhor das coisas, ao qual todasnecessariamente estão sujeitas e devemobedecer e servir, até tal ponto, que todosos que têm direito de mandar, de nenhumoutro o recebe senão de Deus, PríncipeSumo e soberano de todos.”(IMMORTALE DEI, 1944, p.157)

Um aspecto importante napredicação da Igreja diz respeito aoreconhecimento explícito do caráter nocivopara os fiéis da assunção da liberdade deconsciência em termos de fé e de costumes.De modo particular, na encíclica Libertasproclamada pelo Papa Leão XIII em 20 dejunho de 1888 a Igreja Católica baliza o quese entende por verdadeira e falsa liberdade.

“Mas como a razão claramente ensinaque entre as verdades reveladas e asnaturais não pode dar-se oposiçãoverdadeira, e assim, que quando aaquelas se oponha a de ser por força

falso” (LIBERTAS, 1944, p.200)

Em verdade, esta é uma concepçãorecorrente na praxis eclesial ultramontana4

e que, indubitavelmente, delimita e sinalizao comportamento da hierarquia da IgrejaCatólica em termos mundiais. A rigor, aliberdade absoluta de ensino é vista como“um instrumento de corrupção.”

4 Veja, por exemplo, os documentos pontifícios: Mirari vos; Syllabus; Diuturnum; Immortale Dei; SapientaeChristiane.

5 Veja também a Carta Pastoral “O Ensino do Catecismo” promulgada por D. Octavio Chagas de Miranda, bispoda diocese de Pouso Alegre em 1920.

6 Sobre esta questão veja a encíclica Quadragésimo Anno de 15 de maio de 1931 proclamada pelo papa Pio XI7 “O primeiro ambiente natural e necessário da educação é a família, destinada precisamente para isto pelo

Criador” (DIVINI ILLIUS MAGISTRI, 1944, p. 666)8 Veja sobre esta questão a encíclica Arcanum Divinae Sapientiae proclamada pelo papa Leão XIII em 10 de

fevereiro de 1890.

Neste sentido, o Sumo PontíficeLeão XIII remata em suas conclusões naencíclica Libertas: “Segue-se do dito que nãoé lícito de nenhuma maneira pedir, defender,conceder a liberdade de pensar, de escrever,nem tampouco a de culto, como outros tantosdireitos dados pela natureza ao homem.”(1944, p. 206)

O ensino da catequese, em princípio,consistiria na forma pela qual a Igrejaestabeleceria seu processo de transmissãode valores e normas morais e éticas. Mas,apesar do apelo da Igreja em termos doensino de catequese, por exemplo pelaencíclica Acerbo Nimis proclamada em 15 deabril de 1905 pelo papa Pio X5 , a CúriaRomana não descuidava a “educaçãocontinuada” representada pelo ensinoreligioso tanto nas escolas católicas comonas escolas públicas.

Em relação à dificuldade demanutenção das escolas, a Igreja enfatizavaa necessidade de que os católicos seresponsabilizem pela sustentaçãoeconômica das mesmas. E ressalta que sãodignos da admiração de todos os católicos“aqueles que com grandes gastos têm abertoescolas para a educação das crianças”.(SAPIENTIAE CHRISTIANAE, 1944, p.232)6

Há, neste sentido, uma situação quesubjaz a toda compreensão dos mecanismossociais vinculados ao processo de inculcação

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ideológica, fundamentalmente a atribuição decompetência para escolher quem determinaa orientação educacional das crianças. AIgreja é peremptória em atribuir à família7 e àIgreja esta responsabilidade.8 Nesta direçãoé que freqüentemente se centrou a crítica daIgreja em relação ao comunismo pois,segundo Pio XI, este

“nega, finalmente, aos pais o direito àeducação, porque isto é consideradocomo um direito exclusivo dacomunidade, e somente em seu nome epor mandato seu podem exercer os pais.”

(DIVINI REDEMPTORIS, 1944, p.529).

A estratégia da Igreja é identificar opapel social desempenhado pelas duasinstituições no sentido de caracterizar ummunus comum entre ambas. “Se pode comverdade dizer que a Igreja e a Famíliaconstituem um só templo de educação cristã.”(DIVINI ILLIUS MAGISTRI, 1944, p. 668) Demaneira que, na relação com o podertemporal haja uma explícita assunção de quecabe à Igreja e à Família uma evidenteprimazia em relação às instituições sociaisEscola e Estado.

“De sorte que a escola, considerada aindaem suas origens históricas, é por suanatureza instituição completamentesubsidiária da família e da Igreja” (DIVINI

ILLIUS MAGISTRI, 1944, p. 668).

Afirma o Bispo de Diamantina D.Joaquim Silvério de Sousa em sua CartaPastoral

A missão de educar pertence antes detudo, acima de tudo, em primeiro logar, àfamília e á Igreja, e isto por direito naturale divino, que tem origem onde tem a suaa vida humana, e por conseguinte, emvirtude dum direito que não soffrederogação, abstenção, nem alienação.(1934, p. 16).

Em conseqüência, segundo a IgrejaCatólica, o fim da autoridade civil em matéria

docente é proteger e promover e não

absorver ou suplantar a família e o indivíduo

O estado deve respeitar os direitos nativosda Igreja e da família à educação cristã,além de observar a justiça distributiva.Portanto, é injusto e ilícito todo monopólioeducativo ou escolar, que force física emoralmente as famílias a acudir asescolas do Estado contra os deveres daconsciência cristã, ou ainda contra suaslegítimas preferências. (DIVINI ILLIUSMAGISTRI, 1944, p. 655).

A Igreja confrontou-se com ummodelo de educação vinculado a um processode modernização do aparelho escolarcaracterizado pela escola neutra, laica, mistae única. Este modelo era identificado tantocom o paradigma liberal como com osocialista, ambos repetidas vezesquestionados nos documentos pontifícios:

“Daqui precisamente se segue queé contrária aos princípios fundamentais daeducação a escola chamada neutra ou laica,da qual está excluída a religião” (DIVINIILLIUS MAGISTRI, 1944, p. 688) Ademais,a Igreja tenta estimular procedimentoscoercitivos em relação aos fiéis quandoproclama que a “assistência às escolasacatólicas, neutras ou mistas, quer dizer, asabertas indiferentemente a católicos eacatólicos sem distinção, está proibida áscrianças católicas”. (idem, p. 689)

Neste diapasão a Igreja questionoualguns elementos do modernismo quedificilmente poderiam ser cumpridos pelosfiéis, mormente em uma sociedade cada vezmais secularizada. Dentre eles, por exemplo,está a condenação à co-educação.SegundoPio XI,

igualmente erroneo e pernicioso àeducação cristã é o método chamado de‘coeducação’, também fundado, segundomuitos, no naturalismo negador dopecado original e ademais, segundotodos os sustentadores deste método,em uma deplorável confusão de idéias

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que troca a legítima sociedade humanaem uma promiscuidade e igualdadeniveladora. (Idem, 665)9

De modo geral, os sumos pontífices,em suas cartas aos episcopados nacionais,sempre foram incisivos na caracterização daimportância da educação para a constituiçãoda juventude católica, principalmente emrelação às

congregações que trabalhamintensamente procurando a educaçãocatólica e cristã da juventude e seumelhoramento espiritual. E posto que taisassociações servem poderosamente parainformar o espírito juvenil em sãosprincípios das doutrinas católicas (CARTAAO EPISCOPADO ARGENTINO, 1944,

p. 870).

Aspecto ressaltado, por exemplo,pelo bispo de Pelotas D. Francisco deCampos Barreto em sua diocese:

Os Theatinos, os Franciscanos, osBenedictinos, os irmãos de S. João deDeus, os Barnabitas, as Ursulinas, etc.e sobretudo os Jesuítas, todos temestado à frente da educação da juventude

e da caridade ( BARRETO, 1912, p. 7).

Um dos aspectos mais agudos naconstituição da rede escolar católica diziarespeito à remuneração do professor. Esta,apesar de não ser muito expressivasignificava, em não raros casos, um encargoque excedia a possibilidade contributiva dascomunidades. Assim, foi entendimento doepiscopado que esta atribuição não deviaficar restrita àquelas famílias que tinhamcrianças em idade escolar. Desenvolvia-se,então, a construção de uma cosmovisão queprivilegiava a escola como um ente de cunhoessencialmente desenvolvimentista e,

portanto, de responsabilidade de todos.

Para o pagamento do ordenado aoprofessor de escola de uma paróquia oucapella, linha ou communa, devemconcorrer não somente os pais dosalumnos, mas também os outros socios,por ser obvio que toda a comunidadeaufere grandes vantagens da boaeducação da juventude. (RESOLUÇÕES,1920, p. 10).

Em algumas comunidades eranotória a resistência em contribuir para amanutenção do professor e, por vezes, dopastor e mesmo do padre. Assim, os bisposatacam diretamente este problema quandoafirmam: “Não sejam os paes avaros nemmesquinhos, como ordinariamente acontece,na fixação do ordenado dos professoresporque todo o trabalho é digno do seusalário.” (Idem). Do mesmo modo, oreconhecimento de uma predisposição àremuneração ínfima ao professor leva ossenhores bispos a salientarem a positividadedas despesas com a escola.

Lembrem-se os paes que os gastos feitoscom a boa instrucção e educaçãoreligiosa intellectual e moral dos filhosrepresenta um capital que com os jurosreverterá em benefício dos próprios filhos

da Egreja e da sociedade (Idem, p. 11).

Sob este aspecto, era comum acomparação do comportamento doscatólicos com o dos protestantes. D. Manoelda Silva Gomes, Bispo de Fortalezaexpressou em 1913

Ainda neste ponto os filhos das trevas dãolição aos filhos da luz. Sabem dar, e dãocom generosidade muitas vezesexcessiva, para propagar o erro e combatera verdade. As sociedades bíblicasprotestantes recolhem annualmentesommas fabulosas, donativos departiculares. Não faltam aos ímpiosrecursos abundantes para sustentarem

9 Veja também SOUSA (1932, p. 32) onde, o bispo de Diamantina, afirma que a co-educação produz apenasdesmoralização.

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jornaes poderosos, e outros meios de

combate à Egreja. ( 1914, p. 22).

A Igreja vai sustentar sua posição emrelação à proeminência da família quanto àdestinação da criança a esta ou aquela escolae, por via de conseqüência, a este ou aquelesistema escolar. Esta disputa atravessa todoo período imperial e, de certa forma, perduradurante a Primeira República, representandouma das mais acirradas polêmicas porocasião da Assembléia Constituinte de 1934.

De toda maneira, na década de 20do século passado, a Igreja insistia na famíliacomo o locus privilegiado de decisão dealocação do aluno no sistema de ensino.Neste sentido, a orientação do episcopadofoi, de fato, extremamente coercitiva,afigurando-se quase como “desespero decausa”. Para a consecução, pois, de seudesiderato, a hierarquia da Igreja Católicachegou a utilizar sua arma mais contundente:a excomunhão. Os pais – ou aqueles que suasvezes fizessem – estariam sujeitos a estapenalidade quando mandassem seus filhoseducarem-se ou instruírem-se em religiãoacatólica. Em princípio, defendia-se umcaráter extremamente segregador no sistemade ensino católico. Tratava-se de evitar opossível contágio com crianças de outrasreligiões ou mesmo agnósticas.10 Aspectoembasado no Código de Direito Canônico.

26. Recordamos a disposição do CódigoCanonico prohibindo à frequencia nasescolas acatholicas e das mixtas, i.é,em que são admittidos tambémprotestantes. Can. 1274, 1381 e 1382.

27. Por isso, prohibimos que nas escolascatholicas, tanto primárias comosecundarias, sejam admittidos alumnosacatholicos, sem que se tomem as

cautelas necessárias, para evitar que oscatholicos se tornem indifferentes emmateria de Religião e percam a fé.28. Creanças catholicas não frequentamescolas acatholicas, neutras, mixtas,isto é, que também são franqueadas aacatholicas ... (RESOLUÇÕES, 1920,p. 11).

Apesar de franquearem ao “ordináriodo lugar” a possibilidade de relativizar taisnormas, em princípio, o caráter dasorientações eram de cunho segregador,evidenciando um manifesto ranço anti-ecumênico. Destarte, o episcopado eraexplícito no sentido de retirar os alunos dasescolas em que eventualmente sedefendessem teses contrárias à fé católica eainda aconselhava que os fiéis “seempenhem para obter dos poderes públicosdemissão de tais professores, por falta documprimento de seu dever”. (Idem p. 11).

Particularmente em relação aosprotestantes o clero católico era muitoexplícito em condenar o acesso a suasescolas, instrumento este de que, segundo ahierarquia católica, os protestantes utilizar-se-iam para inculcar “o veneno da heresia e daimpiedade em nosso tão católico povo”.

Abrirão escolas, fundarão collegiosapparentemente alheios ao ensino doerro, propalando que nada tem com areligião, e, que só se occupam de lettrase sciencias, e com proficiência superioraos nossos, afirmarão seus fautores. Sãocanto de sereia taes vozes; e quem lheder ouvido, se irá perder no abismo daheresia ou da incredulidade. [...] Contrataes antros de perversidade cumpre darbrados aos Paes e aos filhos, para quecom nosso silencio criminoso não seprecipitem na cratera da perdição.(PASTORAL COLLECTIVA, 1915, p. 17).

10 O Papa Leão XIII referendava esta assertiva na Carta Litteras a vobis: “Estabeleçam-se também escolas parainstrução dos meninos, afim de não suceder que, com grande detrimento da fé e dos costumes, recorram,como soe acontecer, às escolas dos hereges ou freqüentem colégios onde não se faz menção nenhuma dadoutrina católica, exceto talvez para calúnia-la.”

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Da mesma forma, o arcebispo deBelo Horizonte Dom Antonio do SantosCabral, declarou o protestantismo como ogrande antagonista na área da educação. Háuma crítica ao caráter dissimulado com quese apresentariam estes estabelecimentos deensino sob a aparência de neutralidade emmatéria religiosa, como há também umaacusação de que estas denominaçõesreligiosas “eram abastecidas por milhões dedólares enviados pelas poderosas seitasnorte-americanas”

Um inimigo, poderosamente amparado eintelligentemente organizado com planopreviamente traçado, está conjurado paraarrancar-nos a Fé Catholica.Menosprezando nossas tradições,conspira astutamente para impellir o povobrasileiro à apostasia, manejando em prolde seu criminoso desígnio a armamortífera de seus collegiosEVANGELICOS e institutos de ensinoacatholico. (CABRAL, 1925, p. 14).

Este processo de doutrinação dascrianças na escola era associado ao rito daobtenção do sacramento da comunhão.Como se sabe, este é um momento muitosignificativo na vida do católico; há todo umsignificado social e institucional nacelebração da primeira comunhão. Ora, oepiscopado claramente percebe e estimulatal prática; mais especificamente, utiliza-sedela, vinculando-a à freqüência da escolacatólica.

O que fica claro na estratégia deinculcação ideológica da Igreja Católica é atentativa de vinculação entre púlpito e cátedra.A rigor, consubstancia-se novamente a velhaidéia de cristandade. As diversas atribuiçõessociais ficam diluídas, entretanto todas elasvinculadas a uma matriz principal: o processoevangelizador da Igreja. Com este objetivo,

todas as instituições sociais deveriam ter amesma conotação ideológica e deveriamtrabalhar em parceria na direção daconsecução dos mesmos fins. Assim é quecada instituição deveria se aproveitar dosritos das outras para, conjugados com osseus, chegar a um propósito comum. Istopode ser observado no artigo 44 das“Resoluções do Episcopado” ondenitidamente há uma associação do trabalhodo pároco e do professor.

Terminado o curso de escola primária,haverá um exame público, no fim do qualos alumnos receberão um atestadoassignado pelo professor e pelo vigarioda parochia. Depois, os alumnos farãouma communhão geral com a solemnerenovação dos votos de Baptismo e serãoadmittidos em uma Congregação Marianaou congenere. (RESOLUÇÕES, 1920, p.

13).

Resulta evidente, porém, que todasas iniciativas desenvolvidas deveriam ficarsob irrestrito controle das mitras diocesanas,num processo de vinculação das iniciativasao controle eclesial. Isto ocorria tanto emnível econômico, propriamente dito, comoem nível ideológico. Os bispos, através dospárocos e vigários – quando não diretamente– deveriam agir sobre as instituições civisda sociedade. Também, segundo os bispos,para que uma Ordem ou Congregaçãoabrisse escolas, ou mesmo as fechasse,deveria fazê-lo com licença, por escrito, delesemanada.11

Em 1927, Dom João Becker reiteraa responsabilidade dos pais em propiciaremuma “educação efficaz e completa”, no sentidode evitar “a multiplicação dosdesclassificados e parasitas na vida social”.Tal desideratum, segundo o arcebispo,somente seria obtido com uma boa

11 idem. p. 13

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escolarização. Para ele:

Incumbe aos paes catholicos confiaremseus filhos a bons collegios e escolas,não lhes sendo permittido mandal-os aestabelecimentos acatholicos de ensinoou contrários à Egreja (BECKER, 1927,

p. 78).

Em particular aos pais é atribuídoum papel ativo no sentido de controlar anatureza da educação ministrada a seusfilhos. Na Carta Pastoral do EpiscopadoBrasileiro este princípio é claramenteexplicitado:

À luz desta doutrina fácil fica de entenderquanto desdizem della certos paes, que,confiando a outros a educação dos filhos,forros se consideram de todaresponsabilidade. De examinar os livrosde que se servem os filhos, de conhecero ensino, e o exemplo que o professordá, de investigar as boas ou másqualidades dos companheiros de seusfilhos, não há tratar (1922, p. 109).12

Na visão da Igreja há sempre umapremissa fundamental: a de que a doutrinacristã é a base de toda justiça e valor.

Por mais que se aperfeiçoem emodernizem os methodos pedagogicos,uma educação que não assenta sobre ofundamento da moral christã é imperfeitae prejudicial ao povo. A sciencia póde dotara intelligencia de copiosos conhecimentosmas não fórma o caracter, não incute nocoração a virtude indispensável, nemimprime, por si, á vontade uma orientaçãosegura nas operações humanas.(BECKER, 1930, p. 78).

A Igreja sempre sonhou em reatar a

união com o Estado num patamar no qual osproblemas existentes no padroado fossemsuprimidos. Segundo Della-Cava (1975,p.10), o aspecto crucial da subsistência docatolicismo na sociedade brasileira éatribuído à sua qualidade de religião oficialde fato do estado, da Nação e das Elitesdominantes, com exceção do período daRepública Velha (1889-1930). O EstadoBrasileiro – a despeito de sua ideologia,aceitou esse arranjo e garantia à IgrejaCatólica Romana um conjunto de privilégios(especialmente em assuntos educacionais esociais) de que nenhuma instituição brasileiraparticular, religiosa ou de qualquer outro tipogozou.

Na década de 30 do século XX, aIgreja retomou seu papel de colaboradoraprivilegiada da política governamental,recebendo desta uma série de benefícios,mormente no que diz respeito à educação.Este processo teve seu ápice com a vitória,pelo menos parcial, das emendas religiosaspor ocasião da Assembléia Constituinte de1934, dentre as quais se destacam asemendas que se referiam ao ensinoreligioso.

O que se observa ao final daRepública Velha é que a Igreja Católicaconseguiu retomar seu papel hegemônico noprocesso de formação ideológica, apesar docaracterizado papel de coadjuvante noaspecto político. Ademais, evidencia-se queeste processo ocorreu, em grande monta,através do domínio do aparelho ideológico

escolar pela Igreja.

12 Sobre a educação como direito e dever dos pais e não do Estado veja BECKER, João. Sobre o NovoEstado Brasileiro.

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Linguagens, Educação e Sociedade Teresina Ano 11, n. 14 37 - 48 jan./jun. 2006

A FORMAÇÃO DO PROFESSOR NO MUNICÍPIO DE TERESINA(PI): DO LICEU1 AO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO “ANTONINO

FREIRE”*

Carmen Lúcia de Oliveira CabralProfessora do Programa de Pós-Graduação em Educação (UFPI) e

do Curso de Pedagogia (UFPI)E-mail: [email protected]

Resumo

A análise da formação de professor das primeirasséries do ensino fundamental apresentada nesteartigo tem como objetivo descrever como se instalouo curso do magistério no ensino médio, na realidadedo município de Teresina-PI, enfocando desde suaestruturação até o processo de revitalização de suaproposta formativa. Como procedimento, procurareconstruir a organização desta modalidade deensino como finalidade do Instituto de Educação“Antonimo Freire”, utilizando como fonte de dadosos registros escritos sobre a realidade educacionalteresinense apoiando-se, em: Brito (1986, 1996),Freitas (1988), Leite (1989), Pires (1985) dentreoutros autores, e, inclusive, na legislação específicada normalização deste ensino no Piauí., o que indicoua técnica de análise de conteúdo para a interpretaçãodos dados. Os resultados mostram as implicaçõesdos fatores socioeconômicos e das políticaseducacionais como determinantes da progressivadesestruturação do ensino normal.

Palavras-chave: Formação. Magistério. CursoNormal. Política de Formação.

Abstract

The analysis of teacher’s formation from first levelsof Elementary School showed in this article has asmain purpose describe how the magistracy coursewas established in Teresina, focusing sing itsconstruction until the revitalization process of itsformative objective. As procedure to rebuilt theorganization of this teaching modality the Institutode Educação “Antonino Freire”, as source of datathe written registers about Teresinense educationalreality by Brito (1986, 1996), Freitras (1988), Leite(1989), Pires ( 1985), among others, such as thespecific legislation of the normalization of this studyin Piauí. Content analyses were used to interpret data.The results show the implications of socio-economicand educational politics as determinant elements forthe falling of Normal teaching.

Keywords: Formation. Magistracy. Normal CourseEducational Politic.

Introdução

As discussões desenvolvidas nesteestudo procuram descrever como seprocessou a instalação e consolidação dosespaços educativos formadores de professor

das primeiras séries do ensino fundamentalno município de Teresina-PI, centrando aanálise nas primeiras propostas formativasoferecidas e desenvolvidas no Instituto deEducação “Antonimo Freire” (IEAF), desdesua fundação ao momento de crise e

* Recebido em: maio de 2006.

* Aceito em: junho de 2006. 1 Nome com que foi criado o atual Colégio Estadual

Zacarias de Gois (BRITO, 1996).

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desestruturação, enfocando sua finalidade de

preparar professor.

Este processo, que se desdobra aolongo de duas décadas (1980-2000),aproximadamente, delineia-se comoconseqüência de fatores próprios daspolíticas educacionais instituídas para estamodalidade de formação em âmbito nacional;das limitações dos gestores públicos eminvestirem em recursos humanos e materiais,que atendessem e acompanhassem asmudanças no campo do conhecimento, dademanda e do próprio contexto sociopolíticoe econômico mais amplo.

Neste contexto, as condições que aproposta formativa do IEAF vai adquirindo,historicamente, tornam-se o objeto desteestudo, tendo sua constituição e implicaçõesdiscutidas a partir das orientações teóricase práticas do trabalho pedagógico e dasorientações normativas contidas nalegislação oficial instituídas até 1996, emâmbito nacional e estadual. Assim, para aelaboração deste estudo foram aplicados osprocedimentos de análise bibliográfica narevisão da literatura existente acerca darealidade das políticas educacionais voltadaspara a formação do professor, no contextogeral da sociedade brasileira e suasevidências na realidade teresinense, bemcomo na análise dos documentos técnico-pedagógicos e administrativos doestabelecimento de ensino em referência.

A abordagem desta investigaçãocaracteriza-se segundo a modalidade dapesquisa qualitativa de estudo de caso,utilizando como fonte de informações afundamentação legal da realidadepesquisada encontrada nas Leis n. 4.024/61 e n. 5.692/71, em suas diretrizes nacionais(JARDIM, 1987; ROMANELLI, 1978), bemcomo nas Leis n. 2.887/68 e n. 3.272/74, decompetência em âmbito estadual (BRITO,1986; 1996). Ainda como fontes de dados

para a elaboração das discussões buscamosapoio nos estudos de Brito (1986, 1990,1996), Freitas (1988), Leite (1989), Pires(1985), entre outros, e nos documentoselaborados pela Secretaria da Educação doEstado do Piauí, através do ConselhoEstadual de Educação, e, ainda, no próprioestabelecimento de ensino pesquisado.

Diante da orientação básica de quea política de formação do professor estrutura-se conforme os interesses sociopolíticos eculturais hegemônicos na realidade socialdentro de suas circunstancias históricas,desenvolvemos a análise destas políticaseducacionais e práticas educativas, em seusaspectos legais e teórico-ideológicos,considerando que: primeiro, tais políticasconstituem as orientações normativas eorganizadoras das propostas educativas;segundo, as diretrizes curriculares, comotema, apresentam propriamente odirecionamento e organização das propostasde formação desenvolvidas no IEAF;terceiro, o tema formação profissionalvincula-se diretamente à seleção edistribuição dos conhecimentos quefundamentam e instrumentalizam aqualificação do educando enquanto docente.

Com a aplicação destas orientações,procuramos atingir a constituição dasrelações mediadoras e contraditórias dosmúltiplos determinantes e determinações queimpulsionam o movimento de construção etransformação das políticas de formação doprofessor contidas na legislação educacional,em âmbito estadual, perspectivando,prioritariamente, detectar suas aplicações nocurso de magistério oferecido no Instituto deEducação “Antonimo Freire”, observar otratamento dispensado à formação doprofessor para as primeiras séries do ensinofundamental, bem como os critérios paraseleção e distribuição do conhecimento nasáreas de fundamento e instrumentalização do

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professor nas propostas curriculares domagistério no IEAF.

A Formação do Formador de professor:de uma cadeira nos Liceus ao cursoespecífico na Escola Normal

Na realidade educacional piauiense,a implantação de uma rede de ensino pelopoder público só ocorreu no período doSegundo Reinado, sendo que as primeirasescolas que ensinavam a ler e escrever, etambém ministravam cursos de Latim e Moralaté o governo de Zacarias de Góes eVasconcelos (1853-1855), representavam ainiciativa dos padres jesuítas ou defazendeiros que instalavam salas de aulasem suas próprias fazendas (PIRES, 1985).

A Província, nesta época,apresentava-se com um númeroinsignificante de escolas primárias esecundárias espalhadas por seu território,bem como sem o apoio de uma políticaeducacional que norteasse sua organizaçãoe funcionamento, situação que persistemesmo com as primeiras iniciativasgovernamentais de regulamentar o ensinopúblico. Assim é que, em 1857, o entãogovernador Junqueira Júnior em seu relatóriosobre a instrução secundária oferecida emTeresina, a nova Capital da Província,aconselha o fechamento do estabelecimentode ensino existente, considerando que,mantê-lo funcionando só estava a causarprejuízo aos cofres públicos, ou então, quefosse promovida uma reforma no ensino,pois, como se encontrava, não justificava suamanutenção (FREITAS, 1988).

As providências tomadas paramelhorar as condições do ensino e a própriaformação do professor não mudaram oquadro de carência destas duas realidadesda educação piauiense. Nessa época, atéprofessores analfabetos ministravam aulas na

instrução primária, e, como medidaprovidencial, só foi determinada a criação demais cadeiras (disciplinas), aumentando asoportunidades de acesso para as pessoasque optassem pelo magistério, colocandocomo exigência que os atuais professores,até mesmo os analfabetos, fizessem umaprova de habilidade para assegurar suapermanência na condução das disciplinasque vinham lecionando. Segundo Freitas(1988), estas providências, por onerarem emdemasia o poder público, não entraram emvigor.

Assim, como conseqüência daimprodutividade do ensino mantido no Liceu,único estabelecimento de instruçãosecundária em toda a Província, Freitasobserva que, à época, no governo de Antôniode Brito Gayoso, em 1861:

[...] Foram extintas as cadeiras degramática filosófica, da língua nacional,geografia, cronologia, história pátria esagrada, retórica, e poética [...] apenasas cadeiras de latim, francês e aritméticaem todas as suas aplicações, cálculomercantil e geometria plana, devendo osprofessores lecionar em suas casas(1988, p. 74).

Em 1867, o Liceu, criado em 1845 efechado em 1861, é reaberto com umaproposta de ensino que compreendia aformação geral (Línguas, Geografia, Históriae Matemática) com direito a uma habilitaçãopara atuar no mercado de trabalho, e aformação para o magistério que incluía aeducação geral mais o estudo de Pedagogia.Com a reforma no Liceu, em 1871, aformação tornou-se única, ou seja, todos osque concluíssem o curso teriam direito aotítulo de professor do ensino primário,podendo ingressar na profissão sem prestarconcurso.

Nessa época, a primeira escolanormal já havia sido instalada, por iniciativado então Presidente da Província Franklin

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Dória, pela Resolução n. 565, de 05 deagosto de 1864. A formação esperada destaescola foi exaltada no relatório de 1865 domesmo Presidente, que assim se pronunciou:

Abre-se mais uma valvula ao progressodo Piauhy. Penso com V. Cousin que ofuturo da educação popular depende dasescholas normaes. [...] na eschola normalde Theresina esses jovens ajuntarão ocabedal de conhecimentos especiaes deque precisa o professor de 1as letras e setornarão versados na pedagogia ou artede ensinar. Fortificando-se na sublimedoutrina da religião cathólica efmailiarizando-se com os preceitos damoral, adquirirão com o hábito do estudo,que engrandece, e do trabalho, quealegra, o hábito das virtudes peculiares ao seu emprego. Quando soar a hora, comaintelligência polida pela virtyde, com ocoração moldado pelo bem, irão ellesmundo em fora, exercer o seu nobreapostolado. Em todo o caso, a sociedadeganhará com elles, porque, além demestres idoneos, terá cidadãos honradose prestantes (PIAUHY, 1865, P. 22).

A proposta curricular desta escolaprevia para o primeiro ano a oferta dasdisciplinas básicas do conhecimentogramatical, matemática e de formação morale da arte de ensinar. No segundo ano, ofuturo professor recebia um reforço daaprendizagem primeira e mais oaprofundamento de certos conhecimentoscomo o conhecimento matemático. Nestaproposta de ensino, segundo Pires (1985),predomina o espírito religioso, o que no restodo País já era uma orientação questionadapela nova ideologia política liberal quecomeçava a se propagar, minando a políticadominante do Segundo Reinado.

Apesar de toda a estrutura montada,esta primeira tentativa de implantação daescola normal no Piauí fracassou, pois aProvíncia não tinha condições econômicaspara manter um estabelecimento de ensinocom a demanda insignificante da época. Anecessidade de uma escola formadora de

professores era reconhecida pelasautoridades provinciais, para cuja solução doproblema, em que se constituía a falta deprofissionais competentes, redigiramdiversos relatórios, em que denunciavam acarência e as conseqüências que istorepresentava para a implementação doensino primário tido como obrigatório.

Assim, em um destes relatórios, poisvários foram escritos tanto pelos Presidentesda Província como pelos diretores deinstruções, o Presidente da Província,Sancho de Barros Pimental (1878), colocavaa situação referindo-se aos seguintes

aspectos:

A instrucção gratuita, a instruçãoobrigatória, o ensino livre, a inspecção dasescolas, a co-educação dos sexos, eisahi questões delicadas que pedem aolegislador uma solução, mas, por maissabiamente que sejam ellas resolvidas, denenhuma utilidade serão si não houverquem dê vida e realidade ao systema quese adaptar. Vossas leis e regulamentosnada esqueceram, descem até a detalhespedagógicos, à designação do methodoa seguir nas escolas primarias; um pontosomente escapou-lhe: - foi formar oprofessor. Mas o bom professor é a base,a condição primária, a synthese dasinstituições dessa especie; é elle, comojá o disseram, o facto principal em tornodo qual se grupam todos os outros factos.Pois, é justamente o professor, isto é,tudo, o que falta à instrução primaria, eelle não existe por duas razões, das quaissómente uma bastaria para que não otivéssemos: - a falta de uma escola normale a exiguidade dos vencimentos... Para omagistério, mais talvez do que paraqualquer outra carreira, é preciso, alémde qualidades naturaes que não seadquirem e que formam a vocação, umlongo preparo do espirito, o estudo de umasciencia propria, a sciencia de ensinar.Vale menos saber muito do que conheceros meios de transmitir à tenra intelligenciados meninos aquillo que se sabe. Eisporque toda reforma na instrucção primariaque não assente na reação de escolasnormaes será uma reforma improficua,condennada a produzir effeitos negativos(PIAUY, 1878, p. 16).

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A instalação definitiva da EscolaNormal Oficial no Piauí, no período daPrimeira República (1889-1930), quando foiinstalada a Escola Normal Oficial pelo entãoPresidente da Província Antonimo Freire daSilva (1910), conviveu em seus primórdioscom a constante oscilação do ensino normalestadual, o qual teve sua organização eestrutura curricular alterada por diversas leise reformas posteriores, como procuraremosdemonstrar em seguida.

A Consolidação de uma Política deFormação para os Professores das SériesIniciais do Ensino Fundamental

O ensino da Escola Normal Oficial,conforme o Regulamento Geral da InstruçãoPública, instituído pelo Decreto n. 434, de 19de abril de 1910, ganhou, segundo Freitas, aseguinte organização disciplinar:

[...] a lei n. 548 de março do mesmo ano,estabeleceu no art. 185 as seguintesmatérias para o ensino da escola normal:Português, literatura portuguesa; francês,aritmética, Geometria, geografia ecosmografia, história universal e do Brasil,noções de física, química e meteorologia;noções de história natural, agronomia ehigiene; pedagogia, metodologia,educação moral e cívica; desenho ecaligrafia; música, trabalhos manuais ecartografia. O curso é dividido em trêsanos. Além das matérias indicadas,haverá mais uma aula de ginástica sueca,facultativa. Haverá também, anexa àescola, onde os alunos mestres,obrigatoriamente, observem e pratiquem,administração do ensino primário. Parao estudo prático das matérias, que oexigirem, haverá na escola gabinete delaboratórios necessários (1988, p. 111-112).

A esse respeito, vale ressaltar queo currículo dessa Escola já apresentavaalterações quanto à linha filosófica e políticaque vinha norteando a seleção e distribuiçãodo conhecimento. Se nas propostas

curriculares anteriores predominava o estiloliterário e religioso, nesta última, porinfluência das idéias positivistas, surgemdisciplinas de caráter científico. A duraçãodo Curso passa para três anos, mas continuaa oferecer uma formação que não justificavasua finalidade de preparar professores parao ensino das primeiras séries escolar.

Uma característica comum àsdiversas reformas curriculares que a EscolaNormal Oficial passou constitui-se nopredomínio da formação geral sob umaorientação filosófica enciclopedista,oferecendo uma formação mínima nosconhecimentos específicos do magistério. Naproposta curricular de 1922, as disciplinaspedagógicas eram: “A cadeira de Pedagogia[que] compreendia, [...], psicologia,pedagogia e metodologia didática, educaçãocívica e noções de direito públicoconstitucional.” (BRITO, 1996, p. 60).

Entretanto, a estruturação do ensinonormal só adquire certa organizaçãodisciplinar consistente em sua finalidade deformar o/a professor/a para a prática docentedas primeiras séries de escolarização coma Lei Orgânica do Ensino Normal (Lei Federaln. 8.530, de 02 de janeiro de 1946). Sob acompetência estadual, as novas diretrizesincorporam a Lei n. 1.402, de 27 de janeirode 1947, com a qual o ensino normal emTeresina, acompanhando as diretrizes daspolíticas nacionais, apresenta a seguinteorganização, como expõe Romanelli:

[...] Como curso de 1º ciclo, passava afuncionar o curso de formação deregentes de ensino primário, com duraçãode 4 anos, que funcionaria em escolascom o nome de Escolas NormaisRegionais. Como cursos de 2º ciclo,continuavam a existir os cursos deformação de professor primário, com aduração de 3 anos, que funcionariam emestabelecimentos chamados EscolasNormais (1978, p.164).

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A estrutura curricular determinadapor esta nova legislação, em âmbito estadual,segue literalmente a nacional, que apresentaa formação pedagógica concentrada naúltima série das quatros que constituem o 1ºciclo, enfatizando, assim, a formação geral;no 2º ciclo, distribuído em três anos, temos aformação geral reduzida e as disciplinaspropriamente pedagógicas concentradas na3ª série, com exceção da PsicologiaEducacional e da Metodologia do EnsinoPrimário que aparecem na 2ª e 3 ª séries,sendo que, a ênfase da formação se dámesmo nas disciplinas lúdicas (BRITO,1996).

Com esta proposta de formação, aEscola Normal “Antonino Freire”, comopassou a ser chamada a partir da Reformade 1947, substituindo a então denominaçãode Escola Normal Oficial, muda novamentede nomeação na década de setenta,transformando-se em Instituto de Educação“Antonino Freire” (1973), ainda demonstrandoum alta grau de reconhecimento pelasociedade, reconhecida mesmo como omelhor estabelecimento de ensinoprofissionalizante no âmbito estadual,servindo de modelo tanto para o ensinopúblico quanto particular (MORAIS, 1984).

Uma outra mudança que tambémcomeça a ser percebida, na época colocadaanteriormente, refere-se à condição sócio-econômica e cultural da população queprocura o curso de formação da escolanormal, não mais se concentrando nosrepresentantes das camadas sócio-econômicas privilegiadas, podendo-se citarentre outros fatores que contribuíram paratal situação as transformações político-ideológicas, a urbanização, a industrializaçãoe a modernização da sociedade, momentohistórico em que as camadas médias epopulares adquirem uma certa força política,passando a reivindicar, entre outros direitos,

melhores condições de escolarização.

Com a promulgação da Lei deDiretrizes e Bases da Educação Nacional –Lei n. 4.024/61, o ensino normal, em Teresina(PI), passa por nova reformulação orientadapela Lei n. 2.887, de 05 de julho de 1968, quesegue a mesma finalidade dada a estamodalidade de ensino, ou seja, formar:

[...] professôres [sic], orientadores,supervisores, administradores escolarese outros especialistas destinados aoensino primário, pré-primário e normal,bem como o desenvolvimento epropagação dos conhecimentos técnicosreferentes à educação da infância.

(PIAUÍ, 1968, p. 24).

Por esta medida oficial, aorganização do ensino estrutura-se em duasmodalidades – a ginasial e a colegialoferecidas, segundo o art. 112 desta norma,da seguinte forma:

O ensino normal será ministrado nosseguintes estabelecimentos:

a – escola normal de grau ginasial, com,no mínimo 4 séries anuais, onde alémdas disciplinas obrigatórias o cursoginasial secundário será ministradapreparação pedagógica;

b – escola normal de grau colegial, com3 séries anuais, em prosseguimento à4º série do ginásio;

c – instituto de educação onde, além dosreferidos nas letras a e b, serãoministrados cursos de especialização eaperfeiçoamento em administraçãoescolar e orientação educacional, abertosaos diplomados em escolas normais degrau colegial. (PIAUÍ, SE, 1968, p. 25).

Outra medida prescrita nesta novanormatização refere-se às exigências parao exercício do magistério, tendo em vista suaregulamentação enquanto profissão, sendoentão definidos os seguintes pré-requisitos:a formação em faculdades de filosofia ou eminstitutos de educação, para os quealmejassem a docência nas escolas normais;

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registro do Ministério da Educação:experiência de dois anos no magistério doensino normal, para os formados em nívelcolegial ou em instituto de educação; e, aprestação de concurso público de provas etítulos para a efetivação como professor emnível médio (BRITO, 1996).

Conforme essa legislação, a escolanormal formaria professores em quatrocategorias de docência para o ensinoprimário: professores primários ao nívelcolegial; professores auxiliares, formado emcursos de emergência; regentes de ensino,ao nível ginasial; e, professores de letras,sem formação nos cursos citados. Alegislação específica também exigia aespecialização no pré-primário para aquelesque desejassem atuar no ensino primário.

Por esta mesma legislação caberiaaos institutos de educação ministrar os

seguintes cursos:

a) cursos de formação de professôrespara o ensino normal, com idênticaduração e de acôrdo com as mesmasnormas estabelecidas para os cursos depedagogia das faculdades de filosofia,ciências e letras, enquanto não houverno Estado faculdade de educação;

b) cursos de preparação para exame desuficiência a realizar-se na forma do art.117 da lei federal n. 4.024, de 20 dedezembro de 1962, e destinados aprofessôres que desejem habilitar-se aoensino normal, enquanto não houvernúmero suficiente de professôreslicenciados por faculdades de filosofiaou pelos cursos de que trata a letraanterior;

c) cursos de treinamento pedagógicodestinados a professôres leigos eportadores de certificados de cursoginasial secundário que desejem habilitar-se ao exercício do magistério primário(PIAUÍ, SE, 1968, p. 25).

Destas modalidades de ensinoprevistas na Lei somente foi implementadaa escola normal de grau ginasial (BRITO,

1996), que formaria os regentes de ensinodas primeiras séries do ensino fundamental.Por esta Lei a formação de professor noensino médio, na modalidade ginasial,continuava predominando a formação emcultura geral, bem como a concentração dasdisciplinas pedagógicas nas últimas sériesdo curso.

Entretanto, antes desta legislaçãoestadual, a estrutura curricular tinha passadopor uma reformulação com o Parecer 03, de25 de janeiro de 1966, do Conselho Estadualde Educação, que estendia para o cursonormal a organização curricular do cursoemergencial de qualificação dos professoresleigos, definindo as seguintes inovações:incluir “[...] no primeiro ciclo, noções defundamentos de educação e práticasescolares e de ensino [...]” (BRITO, 1968, p.115); e, a mudança do sistema seriado parao sistema departamental, inspirado nomodelo do Rio Grande do Sul, sob ainfluência do Acordo MEC/USAID.

Esta mudança de sistemaorganizacional tinha em vista maiorintegração e interdependência entre asdisciplinas, visava contribuir para que o cursoadquirisse um sentido de unidade entre aformação das humanidades e a formaçãoprofissional, bem como facilitar o trabalhodidático-pedagógico de continuidade daformação do professor do grau ginasial, quesó oferecia a preparação pedagógica, parao grau colegial, em que as disciplinaspedagógicas desdobram-se,proporcionando, por conseguinte, umaformação mais consistente.

Para a concretização dessaperspectiva, a estrutura curricular do cursopassa a apresentar uma nova organização:no ginasial, as disciplinas são agrupadas emquatro blocos (obrigatórias, complementares,optativas e educativas), sendo que asdisciplinas de formação humanista eram

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oferecidas nas quatro séries que compõemo curso e as disciplinas de caráterpedagógico se concentram nas duas últimasséries; no grau colegial, as disciplinas,também agrupadas como no grau ginasial,têm a formação humanista reduzida naseriação, que passa a ser distribuída em trêsanos, ao passo que, a formação pedagógica,que compõe o grupo das complementares,era oferecida nas três séries.

Contudo, mesmo aindaapresentando certo reconhecimento social oIEAF passa a acompanhar a tedência dosanos 60 do século 20, em que a oportunidadede acesso à escola se torna uma realidadepara as camadas populares, assim, aprocura pelo curso de formação do magistériosecundário começa a se caracterizar como:“[...] das camadas populares, ficando clara apopularização da escola normal no Piauí, e avisão ideológica de que a profissionalizaçãoera melhor para os alunos de famílias pobres.”(LEITE, 1989, p. 25)

As Medidas Oficiais e a Desestruturaçãodo Modelo de Formação do Magistério: ocaso do Instituto de Educação “AntoninoFreire”

No período de 1964 a 1970, queantecede a implantação da Lei n. 5.692/71,Brito (1990) relata que a SUDENE estavaorientando as Secretarias de Educaçãonordestinas segundo os princípios econcepções do Acordo MEC/USAID,centrando-se, principalmente, nos setores deplanejamento educacional e na organizaçãoe administração didático-pedagógica daescola. O Governo do Estado do Piauí, poracreditar na política de profissionalização,antecipou-se à implantação das novasdiretrizes e bases de ensino, como observaBrito:

Foi grande o impacto da políticaeducacional consubstanciada na Lei5.692/71 sobre o sistema piauiense deensino. Lutando heroicamente contra osubdesenvolvimento e procurando abrirnovos caminhos que conduzissem aodesenvolvimento econômico e social, oPiauí recebeu com exagerado otimismoa lei 5.692/71 que acenava, através daprofissionalização compulsória, com apossibilidade de aproveitamentootimizado de seus recursos humanos e,por meio deles, também de seus recursosnaturais e de suas potencialidades (1990,p. 148).

Entretanto, a implantação dareforma de ensino de 1º e 2º grau(equivalente ao ensino fundamental e ensinomédio, atualmente), seguindo o modelo doParecer 45/71, do Conselho Federal deEducação, mostrou-se impraticável devido,além de outros entraves, ao custo deinstalação dos recursos materiais superior àdisponibilidade do Estado e à falta derecursos humanos devidamente qualificadospara o atendimento das exigências básicasdo ensino profissionalizante, objetivo centralda Reforma para o ensino médio.

A não implantação, na íntegra, dasistemática organizacional imposta por estamedida oficial, assim como o planejamentodos cursos profissionalizantes nãoarticulados com as necessidades domercado de trabalho resulta na saturaçãodestes cursos, provocando a não absorçãodos egressos do ensino médio, com exceçãodas habilitações em magistério eenfermagem, segundo pesquisa patrocinadapela SUDENE/SE/SEPLAN, em 1976(BRITO, 1996).

A proposta de ensino dessa Reformaidentifica o curso de formação de professorcomo uma habilitação profissional a mais noensino médio, o que contribui para intensificaras deficiências de tal modalidade deformação, como: perda da qualidade deensino e do reconhecimento social da

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profissão do magistério, em âmbito nacional(PIMENTA; GONÇALVES, 1990).

Em termos de ação voltada para aimplantação das novas diretrizes e bases doensino no Estado do Piauí, surge o Institutode Educação “Antonino Freire” como oprimeiro estabelecimento escolar aincorporar tais medidas. Segundo odepoimento da professora Patricia AnneVauhn2 , a nova proposta de ensino era vistacomo uma oportunidade de melhorar aqualidade dos professores das primeirasséries do ensino fundamental.

No Estado do Piauí, o processo dedesestruturação do ensino normal intensifica-se com estas novas diretrizes, conformeafirma Átila Lira, então Secretário Estadualde Educação, em discurso proferido durantea implantação do projeto de revitalização do

ensino normal, através do Projeto CEFAM:

A equiparação dos Cursos Normais aqualquer outro Curso Profissionalizantelevou essas Escolas a caírem noesquema do imediatismo, com ainevitável carga de superficialidade e decompartimentação do saber. Se antes de1971 o curso era acusado de hipertrofiaros aspectos instrumentais em detrimentodo conteúdo básico, geral e específico,hoje ele não trata adequadamentenenhum desses aspectos (1984, p. 7).

A implantação dessa Lei em vez decontribuir com a reestruturação do sistemaeducacional piauiense, de fato intensificou oprocesso de perda da especificidadeeducativa do ensino médio, que não maisconseguiu proporcionar a formação científico-humanista, como também não promoveu aqualificação profissional tida como seu novocaráter formativo.

O Estado do Piauí ingressa noProjeto “Centro de Formação eAperfeiçoamento do Magistério – CEFAM”,participando como um dos primeiros Estadoscontemplados devido a dois fatores, que são:primeiro, a realidade deficitária do ensinofundamental (1º grau na época), com altastaxas de evasão e repetência, isso porque oobjetivo básico da escola normal é formar oprofessor deste nível de ensino; e segundo,a quantidade expressiva de professoresleigos e semi-qualificados em exercício, tantona zona urbana, quanto na zona rural, ondeo problema se agravava.

Segundo depoimento de MariaAdamir Leal3 , então diretora doDepartamento de Ensino Médio naSecretaria de Educação do Piauí (MORAIS,1984), a realidade da escola normalapresentava alguns pontos que dificultavama efetivação de uma ação inovadora doensino de formação de professor, como: aausência de um quadro de profissionais doensino que assumisse as inovaçõespropostas e o descompromisso da políticaeducacional da Lei n. 5.692/71 com aqualificação e aperfeiçoamento destesprofissionais.

Um outro ponto negativo, tambémapontado por Leal, era a falta de umreferencial para delinear “o perfil do professorda 1ª à 4ª série do ensino fundamental”,aspecto necessário à elaboração de umaproposta curricular. Como sugestão, Lealconsidera que tal perfil deveria orientar-sepelo Parecer n. 349, de 6 de abril de 1972,do Conselho Federal de Educação, nosseguintes aspectos:

- desenvolvimento de habilidades

2 Professora de Metodologia da Linguagem e de Psicologia da Criança, no Instituto de Educação “AntonimoFreire, desde 1968 (REVISTA EDUCAÇÃO HOJE, 1984).

3 Diretora do Departamento de Ensino do 2º grau na Secretária da Educação do Piauí, em 1984 (REVISTAEDUCAÇÃO HOJE, 1984).

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mentais e aquisição de cultura geral;

- desenvolvimento das habilidades etécnicas pedagógicas;

- compreensão da natureza e dodesenvolvimento da criança, e doprocesso de aprendizagem;

- compreensão dos amplos objetivosda educação e da problemáticaeducacional do Sistema de Ensino;

- desenvolvimento de atitudes básicasa atividades profissionais: estudo epesquisa; espírito inovador e criativo;esforço pelo seu aperfeiçoamento;senso de responsabilidade;receptividade às mudanças (1984, p.12).

Ainda como limite à transformaçãoda realidade das Escolas Normais, Lealaponta o não reconhecimento da profissãode professor, com salários baixíssimos, o quenão incentiva a permanência na profissão,prejudicando o ritmo do processo ensino-aprendizagem, uma vez que o profissional éforçado a exercer uma outra atividaderemunerada concomitante à docência, tendoem vista as suas próprias necessidades desobrevivência.

As ações governamentais com oobjetivo de promover a qualidade evalorização do magistério, no que competeao governo estadual, deparam-se com estarealidade problemática comum a todos osníveis e modalidades de ensino, fenômenoconstatado em diagnósticos de vários planosgovernamentais, os quais enfatizam, entreoutras dificuldades, as seguintes:

- níveis de renda familiar precários;

- necessidade de ingresso precocedos indivíduos na força de trabalho;

- mobilidade da população,especialmente no sentido rural/urbano;

- inadequação da rede escolar àsnecessidades concretas dapopulação, traduzida em insuficiênciae má localização espacial deescolas;

- culturalmente alienada peladefasagem curricular e falta deintegração entre conteúdos (PIAUÍ,SE, p. 19).

Dentro desta perspectiva de propormedidas, visando à superação dasdeficiências da formação do professor e àsua valorização profissional, são introduzidasnovas diretrizes políticas para estamodalidade de ensino no plano estadual entreos anos de 1986 a 1996, tendo como metaprimeira a valorização do magistério,principalmente, o magistério das primeirasséries do ensino fundamental, considerandodiagnóstico das deficiências da formação doprofessor, de sua situação funcional sem umplano de carreira salarial e de sua condiçãode não integração de não integraçãoprofissional na divisão do trabalhopedagógico na escola, entre outras, podendo-se citar as seguintes como as mais

representativas destas medidas:

- valorização dos profissionais daeducação, através da capacitaçãopermanente, melhoria salarial,atualização do Estatuto doMagistério e regularização dasituação funcional dos servidoressem regime jurídico definido. (PIAUÍ,SE, 1984, p. 17);

- inovação da sistemática decapacitação de professores(PIAUÍ,1988, p. 43);

- considerando os elevados índicesde professores leigos ou nãoqualificados para o ensino, oGoverno desenvolverá programasde qualificação sistemática viatreinamento, reciclagem e cursos dehabilitação [...] (PIAUÍ, 1988, p. 43);

- capacitação de professores etécnicos, visando a habilitação e aatualização através de cursos nasmodalidades presencial e utilizandomultimeios: televisão, videocassete,rádio e material impresso (PIAUÍ,1991, p. 35);

- realização de estudos, pesquisas eavaliação dos cursos de formação domagistério, das práticas docentes ede metodologia e forma de

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capacitação para o magistério de 1ºGrau (PIAUÍ, 1991, p.37).

Outras medidas tomadas nestemesmo período dirigem-se à realidadeeducacional mais ampla, procurando atingira relação da escola com a comunidade, nãoexclusivamente fixada na proposta deformação de professor, mas nasnecessidades dos segmentos diretamenteenvolvidos com as práticas educativas: oeducando, a escola e o professor. De formaque, para uma visualização da naturezadestas medidas oficiais, citamos as

seguintes:

- recuperação da credibilidade daescola pública através do seufortalecimento e modernização(PIAUÍ, 1988, p.42);

- promoção do atendimento demandaescolar por educação básicaatravés da ampliação, recuperaçãoe modernização do parque escolar.(PIAUÍ, 1988, p.42);

- democratizar a escola pública evalorizar os profissionais daeducação através da adoção depadrões de gestão descentralizada(PIAUÍ, SEPLAN, 1995, p. 39);

- priorizar a universalização do ensinofundamental visando a redução dodéficit de escolarização e ademocratização da escola pública,através da oferta de oportunidadeseducacionais (PIAUÍ, SEPLAN,1995, p. 39).

Como demonstram as medidasacima citadas, as propostas governamentaispassam a trabalhar as questões domagistério numa extensão mais ampla,ficando os problemas da formação deprofessor dissolvidos e/ou equiparados àrealidade dos demais profissionais daeducação.

Entre outros fatores, as políticasgovernamentais contribuem para que,paulatinamente, o curso de formação doprofessor – denominado habilitação para o

magistério no ensino médio – seja reduzidoa um epifenômeno no contexto educacional,o que se torna mais explícito na década denoventa, momento que essas políticas – emâmbito federal e estadual – tomam comoobjetivos prioritários a “erradicação doanalfabetismo” e a “qualidade do ensinofundamental”, chegando mesmo a sersomente citado no aspecto salarial e nanecessidade de promover cursos deatualização e reciclagem.

Assim, diante desta mudança nasdiretrizes políticas dos governos em relaçãoaos cursos de magistério no ensino médio,com a perda de sua especificidade, fatodecorrente com da implantação das reformasde ensino na década de 70 do século XX,intencifaca-se o processo de desestruturaçãoda proposta formativa de professor doInstituto de Educação “Antonino Freire”,mesmo com a implantação da proposta derevitalização do magistério, denominada deProjeto Centro de Formação eAperfeiçoamento do Magistério – CEFAM,que não consegue atinger os objetivosprevistos, o que faz com que a proposta deformação do professor, nesteestabelecimento de ensino, permaneça semum norteamento sistemático e de qualidadeem suas diretrizes pedagógico-educativas.

De uma forma até mesmo paradoxal,a literatura analisada neste estudo apresentauma perspectiva positiva de reestruturaçãoe manutenção da proposta formativa doprofessor nesta modalidade de ensino“normal”, mesmo considerando tanto aprecariedade da formação para a prática aque se destina, quanto a redução doreconhecimento social enquanto um espaçoformativo, encontrando ainda sentido naforma de atuar e de contribuir com a realidadeeducacional não só teresinense, mas em todoo Estado do Piauí.

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Linguagens, Educação e Sociedade Teresina Ano 11, n. 14 49 - 58 jan./jun. 2006

RASTROS DE MEMÓRIAS DAS PRÁTICAS ESCOLARES DAESCOLA CORONEL OLÍMPIO DOS REIS (1910)

DE SOCORRO - SP*

Laerthe de Moraes Abreu JuniorDocente da Universidade Federal de São João del-Rei

Tiradentes - MG

Fernando MontiniPedagogo, docente do ensino Fundamental em

Socorro, SP.

Resumo

Este trabalho apresenta uma investigação sobre aspráticas escolares de uma escola pública da cidadede Socorro, no interior de São Paulo. Trata-se daEscola Coronel Olímpio dos Reis, a mais antiga dacidade, fundada em 1910, como Grupo Escolar deSocorro. O objetivo foi localizar antigos professorese alunos da escola para que narrassem relatos daspráticas escolares da escola. Em seguida, estessujeitos, vistos como protagonistas da história daescola dispuseram materiais diversos guardados,mas nem sempre com o devido cuidado. São fotos,jornais, revistas, almanaques, boletins, cadernos elivros escolares que oferecem uma base para acompreensão da cultura escolar visto de dentro daescola. O material encontrado e recolhido é fonteimportante para a análise de como essa escola seconstitui como parte integrante no processo deformação da cidade a partir da república.

Palavras-Chave: Cultura material escolar. Práticasescolares. História e memória.

Abstract

This paper shows a research in a public school ofthe city of Socorro in São Paulo. The school, calledEscola Coronel Olímpio dos Reis is the oldest schoolin the city, funded in 1910. We tried to found ancientteachers and pupils of the school in the aim to relatewho the classes were done. In the next step, thosepeople, who are the protagonists of the history of theschool, given several kinds of material so as:newspapers, magazines, almanacs, notebooks andschool books, to understand the school culture seenfrom inside the walls of the school. This material isan important resource to judge who this school wascreated as a part of the process of the city formationin the beginning of the brazilian republic.

Keywords: Material school culture. Schoolpractices. History and memory.

* Recebido em: junho de 2006.

* Aceito em: junho de 2006.

Introdução

Este trabalho é o resultado de umapesquisa de rastros das práticas escolaresda Escola Coronel Olímpio dos Reis. A

gênese dessa escola remonta a meados doséculo XIX. O que poderia indicar apossibilidade de uma grande e variadaquantidade de documentos e registroshistóricos, na verdade se apresenta como um

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Se a ausência de dados concretos,encontrados em acervos e arquivos bemorganizados e bem guardados pode até sercompletada pelos depoimentos etestemunhos daqueles que vivenciaram osacontecimentos, os fatos e os processos, ouentão que estudaram ou pesquisaram essarealidade, assim mesmo é preciso entenderque a história é uma construção feita,também com os fragmentos e lacunas.

A história da educação, que por muitotempo, restringiu-se às discussões em tornodos aspectos legais e formais, dos processose dos sujeitos das esferas mais altas dopoder político, começa nos últimos vinte anosa valorizar experiências educacionaispontuais, tão diversas quanto singulares,como fonte insubstituível do estabelecimentoda real dimensão da cultura educacional e desuas relações com a vida social, cultural epolítica.

Vários autores se dedicam a estecampo de pesquisa definido por grande partedeles como cultura escolar, isto é, “um conjuntode normas que definem conhecimentos aensinar e condutas a inculcar, e um conjuntode práticas que permitem a transmissãodesses conhecimentos e a incorporaçãodesses comportamentos” (JULIA, 2001, p.10).Esse campo da cultura escolar por sua vez épreenchido pela presença (assim como pelaausência significativa) de materiais que dãoconcretude aos conhecimentos e as práticastrabalhados no âmbito da escolarização. Nestecontexto, Hébrard se dedica em uma de suaspesquisas à análise de cadernos escolares,pois “o caderno, tanto por sua inserção nahistória da escola quanto pela preocupaçãode conservação da qual foi objeto, écertamente um testemunho precioso do que

1 Este trabalho é o resultado de uma pesquisa de Iniciação Científica, financiada pelo CNPq e desenvolvidano Curso de Pedagogia da Universidade São Francisco de Bragança Paulista, SP com o apoio do Centro deDocumentação e Apoio à Pesquisa em História da Educação – CDAPH, da mesma instituição.

desafiante e penoso trabalho de coleta defragmentos e preenchimento de lacunas dedados muitas vezes fundamentais que seperderam no descaso com que a memóriaeducacional é tratada por seus responsáveis(educadores e educandos). Em situaçõescom esta e na maioria das vezes, opesquisador lida com impressões vagas oucom a superestimação das lembranças dossujeitos envolvidos, o que dificulta ainda maisa triagem daquilo que pode ser consideradosignificativo e relevante para a investigação.

Feita a ressalva, é preciso asseveraro quê de expressivo as práticas escolaresrepresentam das situações concretas vividasno âmbito educacional: as aulas e suapreparação, as lições e seus materiais; enfim,o ensino e a aprendizagem e os nexos com ocotidiano escolar de seus sujeitos é o que demelhor se explicita quando a pesquisa emhistória da educação parte de dentro dosprocessos e investiga as relações que seproduziram nesse ambiente cultural peculiar,mal conhecido e pouco explorado nasinvestigações do campo educacional.

A pesquisa empreendida que resultounesta publicação1 procurou localizar, identificare analisar a documentação referente às práticasescolares da história da Escola Coronel Olímpiodos Reis com a finalidade de contribuir para aformação da memória educacional não só dacidade como da região, e compreender de queforma os movimentos educacionais promovidospela República chegavam a locais afastadosdas capitais e dos grandes centros urbanos.

Cultura Material Escolar e PráticasEscolares

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pode ter sido e ainda é o trabalho escolar”(HÉBRARD, 2001, p. 121). Diz ainda que comoos cadernos ainda existem em grandequantidade (apesar do descarte de milhõesde exemplares ao longo dos séculos) são umimportante organizador do tempo escolar(HÉBRARD, 2001, p. 122). Neste exemplo docaderno, vê-se a importância de um dispositivotão corriqueiro e comum como agenciamentode controle e de organização das práticasescolares e ainda mais, vinculando-o àrealização da dimensão temporal, elementofundamental para a compreensão dosprocessos educativos. Já Alain Choppinpesquisa os manuais escolares enquantotransmissores de um sistema de valores, deuma ideologia e de uma cultura: “El manual sepresenta como el suporte, el depositario de losconocimientos y de las técnicas que en ummomento dado una sociedad cree oportunoque la juventud debe adquirir para laperpetuación de sus valores” (CHOPPIN, 2000,p. 109). Agora, vê-se o material escolarrepresentando a realização dos valores sociaisimprescindíveis para a formação da cidadania.

Há outros dispositivos que chamama atenção dos pesquisadores. Se para Anne-Marie Chartier os dispositivos têm umaamplitude conceitual que chega à fragilidade,torna-se necessária uma nova proposição:

Deixemos provisoriamente em suspensoo estatuto do conceito (será que háinteresse em condensar nesse mesmotermo uma instituição, um ritual, umaferramenta, uma tecnologia?) para ver oque seu uso permite aclarar, quando setrata de categorizar as práticas escolares(CHARTIER, 2002, p.13).

Para ela, os materiais (uma partefundamental dos suportes) contribuem paraorganizar o trabalho escolar, e com estavisão os pesquisadores têm um maioracesso ao funcionamento dos processoseducativos.

Nota-se que há uma convergência deinteresses entre os investigadores eestudiosos da cultura escolar: osconhecimentos e as práticas que semanifestam, a partir das relações que osagentes educacionais (educadores eeducandos) estabelecem com os suportesfísicos escolares, quer sejam cadernos,manuais ou outros dispositivos técnicosempregados dentro da escola. Por isso adefinição de um campo de pesquisachamado de cultura material escolar vemcontribuir de forma significativa para ostrabalhos sobre cultura escolar, sempretender roubar-lhe o destaque. A culturamaterial escolar parte desse conjunto deobjetos, ou se quiser de dispositivos, massua compreensão e seu sentido histórico seelaboram no plano das relações culturais enão somente na evidência concreta e nacomprovação ou condenação de suaeficiência técnica.

Assim, para pesquisar as práticasescolares, o plano da cultura material escolaroferece um panorama amplo, diversificadoe complexo, onde se estabelecem vínculosde significação a partir sim dos objetos, mastambém dos rastros e indícios que apontamo sentido social e cultural das açõesempreendidas ao longo da história.

A Escola Coronel Olímpio dos Reis e osMateriais Escolares

A Escola Coronel Olímpio dos Reisé a mais antiga escola pública da cidade deSocorro, SP. Fundada em 1910 como GrupoEscolar de Socorro, sua criação é o resultadoda reunião de duas escolas régias, uma parameninos (1846) e a outra para meninas(1866). Destas antigas escolas mal seconservam rastros de sua presença nacidade, estando reduzida, praticamente, a

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depoimentos orais a comprovação não só desua existência, como da importância nahistória da educação dessa região. Já oGrupo Escolar de Socorro, fundado em 1910num prédio de estilo neoclássico, tão ao gostoda moda das construções oficiais danascente República brasileira2 , estávisivelmente instalado no centro da cidadee sua presença é a materialização damemória educacional de Socorro. A históriada educação da cidade se confunde com aprópria história da escola, pois foi a únicareferência para várias gerações que tiveramacesso pela primeira vez à escolarização.Misto de patrimônio e mito, as lembrançassobre as práticas escolares, quando háausência substancial de documentaçãoacabam por serem entendida mais no planodas idealizações, e dos desejos do quesupostamente teria sido na vida dos cidadãosem sua formação escolar.

Assim este trabalho partiu não só doexame da documentação existente ainda noantigo prédio escolar – e foram poucos osachados significativos para a pesquisa –como da busca de sujeitos que pudessemcontribuir para a localização de testemunhossobre as práticas escolares da EscolaCoronel Olímpio dos Reis. Não foi grandesurpresa encontrar parte da documentaçãoespalhada pela cidade. E isto só foiconseguido após percorrer muitas pistas quenem sempre levavam a achados significativos.Ora havia pessoas que se recusavam aserem entrevistadas, ora aquelas queaceitavam conversar não traziam contribuiçãorelevante.

Entretanto, no meio desseconturbado caminho, havia uma pessoa degrande valia para o trabalho pretendido.Tratava-se de uma antiga aluna, depois

professora e, finalmente, diretora da escola.Elza Martha Fontana, após aposentar-se,dedicou-se a pesquisar a história da cidadede Socorro e este interesse, tambémenvolveu, naturalmente, a história da EscolaCoronel Olímpio dos Reis. Foi a partir docontato com ela que surgiram algunsdocumentos e fragmentos de indicadores daspráticas escolares.

A Documentação Encontrada

A documentação guardada na escolaé bastante incompleta e dispersa. Semorganização melhor que a simples indicaçãodo título naqueles materiais que possuemcapa, está dividida por depósitos e salasonde há, ou havia espaço de sobra, comonuma estante na cantina, ou em outra noauditório e ainda uma outra estante nabiblioteca. A maior parte da documentaçãotrata de registros de matrícula e de fichas deprofessores. A grande quantidade desse tipode documento se explica pela necessidadeda escola prover os pedidos de ex-alunos eex-professores sobre sua passagem naescola, tanto para fins curriculares no primeirocaso, quanto trabalhistas, no segundo. Nãohá cadernos, nem manuais escolares.Encontrou-se uma grande quantidade delivros empoeirados e sem uso no porão. Emsua maioria são livros de literatura e algunslivros didáticos, que fizeram parte dabiblioteca e foram retirados de lá, poisocupavam muito espaço. Curiosamente, nasecretaria da escola, em cima de um armário,há uma escarradeira, e ninguém soubeexplicar sua presença ali, nem identificar aépoca em foi utilizada como material escolar.

Há, em Socorro, um pequeno museumunicipal que conserva fotos, jornais e outros

2 O modelo para estas construções é o prédio da Escola Normal Caetano de Campos, inaugurado em 1894 naPraça da República da cidade de São Paulo (MONARCHA, 1997).

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materiais, mas que mostram de forma muitosuperficial ou quando não insignificante,o queforam as práticas escolares naquela escola.

Entretanto, na residência de ElzaFontana encontram-se materiaissignificativos, alguns dos quais nem mesmoela, que estuda a história da escola percebeuseu valor. Assim, se há uma parte dadocumentação guardada zelosamente noarquivo pessoal da antiga professora, há umquarto onde, em meio a velharias e coisasinúteis, encontram-se cadernos de alunos,manuais escolares, cadernos deplanejamento, entre outros documentos,espalhados pelo chão e já bastantedeteriorados pela ação do tempo.

Numa investigação sobre asrelações entre os arquivos pessoais e aautobiografia, Priscila Fraiz analisa adocumentação dos arquivos de Capanema.Apoiada em Foucault ele utiliza o termo gregohypomnemata3 para associá-lo à construçãoconsciente e deliberada que o ministro deVargas empreendeu em seu “arquivo-memória para a fixação de uma identidade”(FRAIZ, 2000, p.85). Aqui se vê como umaação como essa empreendida porCapanema, se por um lado oferece umalógica pronta que tenta conduzir ainterpretação do pesquisador, por outro ladooferece uma riqueza de materiais jáorganizados, o que permite uma relaçãodialógica e crítica com esse arquivo,favorecendo o trabalho do historiador.

No entanto, o caso da investigaçãodeste trabalho é outro. Como se trata de ummaterial sem organização, torna-se difícilperceber e, consequentemente, percorrer ovínculo lógico entre esses materiais e sua

importância no entendimento das práticasescolares o que deixa logo de início opesquisador em um emaranhado de dúvidase cautelas. Como esses materiais podemcontribuir para a construção sistemática deuma história das práticas escolares? De queforma eles são testemunhos válidos para atarefa pretendida? Deve-se trabalhar aosabor do acaso e seguir os rastros que setornarem mais evidentes?

Diante das dificuldades de opção,seguiu-se uma estratégia cautelosa. Foramselecionados poucos materiais, isto é,somente alguns rastros, para estabelecerponderações e reflexões sobre o significadoe a relevância desses materiais na relaçãocom o próprio procedimento adotado. É dignode nota destacar de antemão que a tarefaempreendida é apenas uma amostra do quepode ser trabalhado e, conseqüentemente,não compreende todas as dimensõespossíveis de serem utilizadas em pesquisasdesse gênero.

Rastros de Memória

Nesta seção estão relacionados doistópicos correspondentes à análise de cadamaterial selecionado.

1. Os documentos mais antigos

1.1 Os três documentos selecionadosinicialmente pertencem à própria família deElza Fontana. Todos os três referem-se à vidaescolar de Maria Benedicta Oliveira, mãe deElza. O primeiro é um “Boletim de recepçãodirigida a alumna”, datado de 16 de marçode 1911 e assinado na parte interna pelo

3 Segundo Fraiz: “Os hypomnemata se constituíam em cadernos pessoais de notas onde se registravam citações,fragmentos de obras, ações e exemplos testemunhados ou lidos, reflexões e debates ouvidos ou rememorados.Guia de conduta, mais do que apensa auxiliar de memória, os hypomnemata serviam de construção, para oindivíduo, de um “arquivo” de discursos de que se podia utilizar quando fosse necessário agir” (FRAIZ, 2000, p. 84).

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Director do Grupo Escolar de Socorro EuricoBorges de Almeida. Na capa há o desenhode um menino em trajes nobres franceses doséculo XVIII. Usa uma peruca branca com umlaço na parte de trás dos cabelos. Com aroupa típica daquela cultura: babado na golae nas mangas, meias brancas e sapatilhaescura, faz um reverência e porta um lequena mão direita. Pode-se perguntar o motivode tal imagem no boletim de uma escolapública brasileira e uma resposta plausívelpode estar na construção de um imagináriopautado na idealização da cultura estrangeiracomo modeladora de nossos “rudes eincivilizados” hábitos. A contracapa traz abandeira do Brasil no centro e em cima umapequena estampa com dois anjinhossentados lendo. Mais uma vez fica difícilcompreender o motivo de associação dasduas imagens. No máximo pode-se arriscara associação da imagem da criança queaprende com um ser celestial.

O mais valioso, porém é o texto dointerior do boletim. São 12 tópicos quecomeçam por: “1 – A ESCOLA é uma grandefamília. Ahi deve existir, para o bem de todos,a cordialidade e o respeito mútuo, que ligamos membros de uma mesma familia.” Eterminam com: “12 - A MAIS BELLA DASCORAGENS é aquella com que se diz aVERDADE. Sem a coragem não póde existira VERDADE; sem a verdade, nenhuma outraVIRTUDE.” Nota-se que o boletim é todo eleconstituído de preceitos morais que devemser cultivados na escola. Assim o primeirodocumento que a criança recebe ao entrar naescola é um manual de boa conduta. Aredação do texto condiz bem com apreocupação de europeização e deregeneração da população brasileira(SOUZA, 2000, p.60), pois a proposta vigentena época tinha também como objetivo aeducação de “virtudes morais” e asautoridades educacionais não acreditavam

que nossa cultura de per si fosse portadoresdesses “bons hábitos”.

1.2 O segundo documento é um boletim do3º ano do curso preliminar, também de 1911,em que consta na primeira coluna o lugar daaluna na escala. Das colocações possíveisde março a dezembro, esta obteve um 3º lugarem março, um 2º em agosto e nos restantessempre esteve em 1º. A segunda colunacorresponde à media dos exames. Não hádiscriminação das disciplinas cursadas.Apenas se percebe que houve exames emabril, setembro e dezembro e em todos elesa aluna Maria Benedicta tirou a nota máxima5 que no verso está explicitada num quadrodenominado “Significação das notas” como“Optima”.

1.3 Finalmente, o último documento é umdiploma referente à “approvação obtida noquarto anno” o que significa o “ certificado dehabilitação, visto ter concluido os estudos docurso preliminar”. O documento é datado em14 de dezembro de 1912 e assinado pelomesmo diretor Eurico Borges de Almeida. Ofato curioso é a idade da aluna. Nascida em3 de maio de 1897, Maria Benedicta terminouseu curso preliminar, o que é equivalente aocurso primário, ou à quarta série do ensinofundamental com 15 anos e 7 meses. Isto nosfaz refletir sobre a idade com que as criançascomeçavam seus estudos escolares. Numaépoca de grande analfabetismo na populaçãoe de falta de escolas (é só recordar que oGrupo Escolar de Socorro foi fundado em1910) é de supor as dificuldades de entradadas crianças na escola numa idade recuada.Quando Maria Benedicta entrou na escola?1910 ou 1911? Se tinha 13 ou 14 anos,importa menos que indagar como e se fizeraestudos anteriormente? Os registroshistóricos nos falam dos estabelecimentosprivados na casa de professores ou daspróprias famílias se encarregarem dasprimeiras letras, mas no caso pesquisado,

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somente o material encontrado é insuficientepara e concluir algo sobre a aprendizagemdesta jovem em sua primeira infância. Aprópria Elza, hoje com 80 anos tem uma vagaidéia de que sua mãe teria estudado antesna escola régia, e mais não sabe informar.

2. Cadernos de professora

Para este tópico foram selecionadosdois cadernos correspondentes ao trabalhodidático de Elza Fontana como professora deensino primário.

2.1 O primeiro é um caderno de 1950denominado “Semanário”. Dele constam osresumos dos conteúdos trabalhadossemanalmente. As aulas eram ministradas desegunda a sábado. O caderno se inicia coma semana de 13 a 18 de março e vai até 12de agosto, com uma interrupção nas fériasentre 25 de junho e 31 de julho. Depois dasemana de 7 a 12 de agosto de 1950, apágina seguinte apresenta o título de Classede Educação Infantil e se refere à semana de20 a 26 de abril de 1953. Na primeira colunadas matérias de Educação Infantil aparecem:Canto; Desenho; Cálculos; Contos; EducaçãoSanitária; Educação Moral; Declamação;Ginástica e, por último, Dobraduras. Depoisdesta página, as 103 páginas restantes docaderno, mais da metade estão em branco.

Logo de início surgem algumasponderações: Por que a professora parou deregistrar o conteúdo das aulas, se aindaestava no início do segundo semestre? Porque iniciou um novo trabalho de planejamentode outro tipo de ensino três anos mais tardee parou em seguida? E por que guardou essecaderno incompleto? São questões que omaterial não tem como contribuir pararesponder. Entretanto ele não é um materialsilencioso e pouco útil. Mesmo só compoucas páginas preenchidas, apresenta

muito das práticas da professora.

Vê-se em primeiro lugar que eramensinadas juntas as três primeiras sériesprimárias. Elza listava o conteúdo de cadauma, separadamente. Na última coluna, dapágina do caderno, a coluna dasobservações, há anotações variadas como:“Não foram dadas as aulas seguintes: a)cópia substituindo palavras por sinônimos (2ºano), b) História do município (3º ano); ouhá desenhos diversos: jarro, aparelhodigestivo, três patinhos e o número 3; e napágina da semana de 5 a 10 de junho há umcarimbo de visto feito e assinado pelo Diretore Auxiliar de Inspeção. As matériasrelacionadas na primeira coluna são bemdiversificadas e nem sempre se repetem namesma ordem ou estão presentes em todasas semanas: Leitura; Linguagem; Aritmética;História; Geografia; Noções; Geometria;Caligrafia; Desenho; Instrução moral; Canto(às vezes junto com Declamação, ou àsvezes esta aparece como matéria separada);Trabalhos manuais (aparece tambémalgumas vezes Dobraduras); Cálculos eGinástica que aparece na semana de 20 a25 de março e depois só nas 2 semanas deagosto, quando terminam as anotações de1950.

Não foi feito um exame minucioso decada matéria relacionada, mas nota-se oempenho da professora em registrar umconteúdo vasto e variado, diferente para cadasérie. No entanto, ele é o testemunho dapresença constante de um conhecidocurrículo, que durante boa parte do últimoséculo, permaneceu de certa forma estáticoe imutável até nossos dias. Esta permanênciaaponta muito firmemente para a necessidadeque o professor tem em estabelecerprincípios duradouros em seus domínios.

2.2 O segundo caderno é um material de 1962denominado “Diário de Lições do 4º ano

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masculino B”, 1962.

Diferente do anterior, não só porreferir-se a uma só turma – e neste casopercebe-se pela letra B que há mais de umaturma de 2º ano - como as aulas sãoministradas separadamente para meninos emeninas. Há uma outra diferença do anterior:a trancrição não só do conteúdo diário, comodos exercícios a serem feitos. Inicia-se nodia 19 de fevereiro de 1962 e termina antesdo final do ano letivo em 23 de outubro. Apágina seguinte, a última do caderno trazalgumas anotações a lápis encabeçadas porDiarista: 1 p. $ 2,00; 2 p. 7,00. Mensalista: 1p. $30,00; 2 p. $ 100,00. Logo abaixoaparecem 16 itens que se referem a umpossível conteúdo de geografia, pois o 1- éAmérica do Sul e o 16 – Região Centro-Oeste. O que seriam aquelas anotaçõesiniciais? P. seria abreviatura de período? Eaquele valor seria referente ao trabalho doprofessor? Certamente, são questões dedifícil resposta, mas que aguçam o interessee a curiosidade, justamente por seremanotações espontâneas e que têm umaaparência de registro autêntico daspreocupações cotidianas com o valor dosalário ou do dinheiro.

Neste caderno, nota-se o zelo daprofessora em diariamente organizar seutrabalho de forma meticulosa e paciente. Asaulas continuam a ser ministradas desegunda a sábado. Percebem-se, tambémrastros das práticas escolaresempreendidas. Todos os dias o trabalho se

inicia com um canto: Hino do Grupo; Hino àEscola; “Hino à Bandeira; Brasil Unido;Trabalhar; Avante companheiros”. Por estestítulos supõe-se que os cantos procuravamnão só enaltecer o civismo como tambémdesenvolver o sentido moral entre ascrianças.

Os conteúdos não se repetem nosmesmos dias da semana e se muitos sãoidênticos aos que aparecem no “Semanário”de 1950, há também variações como CantoOrfeônico, Higiene (separada de Ciências)e Educação Moral e novidades comoCalifasia4 e Religião. É oportuno indagar oque faz a matéria Religião aparecer noensino público, se seu conteúdo é católico enão abarca outras religiões5 ?

Também neste, como no caderno de1950, há preocupação de apresentar grandequantidade de conteúdos. É importanterefletir sobre todo esse trabalho detranscrição de exercícios no caderno,sabendo-se que a profª. (e os alunostambém, naturalmente) dispunha de livrosdidáticos de várias áreas do conhecimentopara a realização de muitos exercícios. Istopode nos dar uma pista sobre a utilizaçãodo tempo escolar com essas atividades:assoberbar os alunos com cópias erepetições de exercícios e assim fixar oconteúdo e também ocupar ao máximo aduração da aula de forma a evitar adispersão e a algazarra tão comuns emcrianças nessa faixa etária. Mais uma vez

4 Lê-se no Dicionário Houaiss que califasia é: “arte ou técnica de pronunciar as palavras de modo expressivoou elegante”. Num outro caderno, de uma ex-aluna guardado na coleção de Elza Fontana, há uma anotaçãocom letra de criança logo no alto da primeira página: “Califasia= poesia”. Daí se conclui que Elza substituiua antiga matéria de Declamação por Califasia. De fato é um nome pomposo e que causa mais impressão porsua erudição.

5 Alguns exemplos de conteúdo católico trabalhado pela professora: “Sinal da Cruz”; “Catecismo: Credo –Mandamentos – Sacramentos - Orações”; “Divisão do Catecismo – 1ª lição: Explicar quaresma”. É provávelque essas aulas seriam preparação para a 1ª comunhão. O que é de estranhar é a escola pública, que élaica em seus princípios, cumprir um papel, que compreende à igreja católica e usando o espaço, o tempoe o dinheiro públicos para tal finalidade.

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as aulas de educação física são registradasem pouquíssimas ocasiões e se as outrasmatérias como canto e califasia se fazem nasala de aula, é de se imaginar que os alunospassavam a quase totalidade de seu tempoescolar sentados em suas carteiras. Daí aênfase na realização dessa grandequantidade se tarefas.

O caderno apresenta um visto doDiretor em 26/4/1962 e é o único registro decontrole externo. Com isso pode-se tambémponderar: o caderno era uma necessidadeda profª ou uma tarefa obrigatória daprofissão naquela escola? Seja qual for suautilidade, e mesmo que tenha sido feito parao simples atendimento às normas escolares,ele chega aos dias de hoje como umdocumento singular e valioso para a históriada educação.

Conclusão

Conforme o pesquisador se debruçasobre as fontes primárias das práticasescolares como essas, ele se depara comum manancial muito rico de possibilidades.Como se tratam de registros de longaduração, mesmo que haja lacunas eausências significativas, o material ao qualse tem acesso proporciona um fluxo

inesgotável de relações. De alguma formaa cultura material escolar se aprende naprópria feitura de suas pesquisas, pois alocalização e a seleção de materiaissignificativos e as posterioresconsiderações e análises têm umadimensão tão real que atinge a própria figurado pesquisador. No contato direto com osmateriais, a relação entre a teoria e a práticapode adquirir um novo significado. Nomomento da investigação, momento único,dado que os materiais são sempresingulares, o pesquisador põe em chequesuas certezas, suas convicções e até seusconhecimentos, pois ele está diante de algonovo e inédito, algo que é de sua inteiraresponsabilidade se apropriar.

Este trabalho apresentou,propositalmente, apenas uma visão parcial decomo se investigar na área de cultura materialescolar. Assim, foi necessária uma seleçãopara trabalhar com cuidado numa área aindapouco explorada, e não é relevante que osdocumentos disponíveis sejam incompletose não atendam a todas as dimensões daspráticas escolares. Desta forma, muitosoutros materiais relevantes não puderam serconsiderados. Se isto pode parecer umalimitação, por outro mostra a fecundidade queesta área oferece para pesquisas em históriada educação.

Referências

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ARTHUR RAMOS E A ANÁLISE DA CRIANÇA - PROBLEMA (RIODE JANEIRO 1930-1940)*

Ronaldo Aurélio Gimenes GarciaDoutorando em Educação (UFSCar)

Bolsista do Programa Bolsa Mestrado daSecretaria de Educação do Estado de São Paulo.

Orientador Prof°. Dr°. Amarílio Ferreira Júnior

Resumo

A história da educação apresenta hoje uma amplitudemuito grande de temas de estudo, no entanto essahistoriografia perdeu a sua função teológica, o queempobreceu o seu sentido político e social no interiordas ciências da educação. É necessário retornar asua função sócio-política, sem contudo abrir mão dadiversidade temática conquistada. É com essaperspectiva que procuramos reconstituir criticamentea trajetória de Arthur Ramos junto ao Serviço de SaúdeMental do Rio de Janeiro, que fora instalado como parteda reforma educacional de Anísio Teixeira. Narealidade, foi uma experiência de curta duração, tendoem vista que a ditadura do Estado Novo de GetúlioVargas abandonou o referido projeto em função de umensino disciplinador e autoritário. O termo criançaproblema foi desenvolvido por Ramos para afastar aidéia, muito comum na época, de “anormal”. Segundoo autor a criança problema é fruto das precáriascondições sociais e culturais que o meio exerce sobrea personalidade dos menores. A função do serviço dehigiene mental seria prever distúrbios e recuperar ascrianças afetadas.

Palavras-chave: História. Educação. Arthur Ramos.Higiene Mental. Criança Problema.

Abstract

The education’s history presents nowadays a very bigbreadth of study’s subject. However this historiographylost the teleology functions, which impoverish thepolitical and social senses inside of the education’ssciences. It is necessary to recapture the social politicalfunction without the conquered diversity subject. It iswith this perspective that we look for reconstitutingcritically the Arthur Ramos career in Serviço de SaúdeMental do Rio de Janeiro that was installed like a partof the Anísio Teixeira educational reform. Actually, itwas a short experience because The Estado Novodictatorship by Getúlio Vargas government abandonedthe refereed project in function of a discipliner andauthoritarian teaching. The “problem child” term wasdeveloped by Arthur Ramos to remove the, verycommon idea in epoch of “abnormal”. According to theauthor the “problem child” is the result of the precarioussocial and cultural conditions that the place exercisesin the children’s personality. The function of the servicemental hygiene would be to foresee disturbance andto recover the affecter children.

Keywords: History. Education. Arthur Ramos.

Mental Hygiene. Problem Children.

1 Recebido em: junho de 2006. * Aceito em: junho de 2006.

Introdução

Nos anos de 1930-1940, importantesmovimentos no campo da educação, daeconomia e da vida política pareciam ganharfôlego, com o fim do governo clientelista doscoronéis e com a possibilidade da mudança

para um novo modelo de Estado eSociedade, diminuindo as diferenças sociaise desenvolvendo a prática democrática.Dentre estas propostas, estava a de AnísioTeixeira e da Escola Nova. Um ensaio dasidéias do pedagogo fora a reforma daeducação de 1934, na cidade do Rio de

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Janeiro. Como parte das mudançaspropostas para o ensino estava a criação doServiço de Higiene Mental, chefiado porArthur Ramos.

A idéia original era a de criar umserviço de apoio às escolas primárias,atendendo aquelas crianças queapresentavam problemas de adaptação aomeio escolar. Infelizmente o mencionadoserviço não chegou a fornecer os resultadosesperados pelos reformistas. Com ainstalação do Estado Novo todo projeto foideixado de lado, uma vez que o que sedesejava era uma educação ideologizante decaracterísticas autoritárias, próprias de umaditadura.

Existe hoje uma vasta bibliografia arespeito de Anísio Teixeira e do MovimentoEscola Nova, no entanto muito pouco foiproduzido sobre sua reforma educacional noRio de Janeiro. Em relação a Arthur Ramos,apesar de ter uma obra monumental emrelação ao curto espaço de tempo em queviveu, ainda não se explorou várias áreas dasua produção intelectual. Sobre o médicoencontramos estudos no campo dapsicologia e alguns na sociologia eantropologia. Quanto as suas idéias e projetospedagógicos, principalmente o Serviço deHigiene Mental, praticamente não há aindapesquisas significativas. Foi exatamenteesse silencio de historiografia educacionalque nos estimulou a pesquisar o tema,realizando aqui apenas algumas reflexõesintrodutórias.

A fonte do nosso estudo foi o livro “ACriança Problema” (1950) que Arthur Ramospublicou enquanto chefe do serviço deOrtofrenia e Saúde mental do município doRio de Janeiro. Trata-se de uma obra frutoda experiência de Ramos no atendimento aosestudantes das escolas primárias. É umestudo revelador na medida em que descrevecom riqueza de detalhes as diversas

concepções científicas da psicologia, dapsicanálise, da psiquiatria e também asconcepções pedagógicas, além de discorrersobre o funcionamento do Serviço de HigieneMental.

Devido aos objetivos desse texto,mais gerais e introdutórios da respectiva obrade Ramos, não iremos aprofundar asquestões da psicologia e da antropologia quedemandariam mais tempo e estudos maisverticais.

Esse artigo está dividido em trêsitens. O primeiro foi dedicado ao estudo dosproblemas teórico-metodólogicos da históriada educação. A seguir apresentamos algunsaspectos da vida, da obra e da conjunturahistórica da biografia de Arthur Ramos. Noúltimo item nos dedicamos mais à análise doconceito de Criança Problema e dofuncionamento do Serviço de Higiene Mentaldo Rio de Janeiro na década de 1930-1940.

História da Educação: Algumasdiscussões preliminares sobre o seuaspecto teórico-metodológico

É muito comum no meio escolar, oumesmo em determinados cursos dePedagogia, a visão de que a disciplinaHistória da Educação preenche apenas umespaço na grade curricular, sem apresentarcontribuições significativas para a vidaprática. Parte dessa concepção tem aindaaquela idéia que o positivismo no século XIXimprimiu a nossa matéria e que até hoje fazparte do senso comum. Trata-se daconceituação de história como reproduçãofiel do passado. Remete-se ao que passou,constrói o fato histórico a partir dedocumentos oficiais que registram osacontecimentos e descreve em ordemcronológica as épocas e períodos históricos.Assim está concluído o ofício do historiador.Visto dessa forma o senso comum é

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justificável.

Fora da Europa, onde nasceu opositivismo de Augusto Comte, o Brasil foi umdos países que mais influências recebeudessa corrente de pensamento. Paracomprovar isso não precisamos ir muitolonge, basta constatar que grande parte dosintelectuais republicanos do final do séculoXIX e início do XX eram adeptos do ideáriode Comte. Benjamin Constant, Júlio deCastilhos, André Rebouças, QuintinoBocaiúva, Rui Barbosa e outros. A celebreexpressão “Ordem e Progresso”, presente nocentro de nossa bandeira são um dosexemplos mais notórios da forte influência dopositivismo no país. O próprio projeto deeducação desse período refletia isso.

Nele se forjava projeto político autoritário:educar era obra de moldagem de um povo,matéria informe e plasmável, conforme osanseios de Ordem e progresso de umgrupo que se auto-investia como elitecom autoridade para promovê-los.(CARVALHO, 1984, p. 9).

O positivismo aqui encontrou terrasférteis para florescer, mesclou-se com osideais autoritários dos militares, com osinteresses excludentes das elites agrárias, ouseja, com o forte caráter conservador dasclasses dominantes brasileiras. A história eravista pelos discípulos de Comte como umconhecimento imparcial, cuja verdade estavanos documentos oficiais. Ao historiador nãocaberia interpretar história, apenasestabelecer os fatos relevantes numadeterminada ordem cronológica.

Esta tendência irá permanecer aolongo de grande parte do século XX,convivendo ao mesmo tempo com diversasoutras correntes teóricas como o Marxismo,a Escola dos Annalles e a Nova História, alémde contribuições e influências da antropologiade Gilberto Freire e da Escola HistóricaAlemã manifesta na obra de Sérgio Buarque

de Holanda.

Das referidas teorias do pensamentohistoriográfico, a que mais influênciasexerceu no país e que ainda é muito forte foia Escola Francesa, aqui representada pelosAnnalles, e mais recentemente, pela NovaHistória e suas vertentes: mentalidades ehistória do cotidiano. Com a fundação daUniversidade de São Paulo em 1934 e atentativa da elite paulista de constituir umcentro de excelência do pensamento, quefizesse oposição ao cooperativismoVanguardista, trouxe ao Brasil uma expediçãode intelectuais europeus de diversas áreasdo conhecimento para ajudar na formaçãodaquele ideal.

A maioria desses intelectuais erafrancesa, dentre eles Claude Levi-Strauss eFernand Braudel. Esse último, juntamentecom Lucien Lefvre e Marc Bloch foram osfundadores da Escola dos Annalles. Era umgrupo de historiadores interessados emreformular o pensamento historiográfico coma introdução de novos temas da históriasocial e econômica. Era uma forma de seoporem aos excessos da história política eda valorização do acontecimento. Tudo issosob forte influência positivista. É a chamadahistória do fato pelo fato que por aquiconhecemos como história factual,destacando os heróis nacionais, as datascomemorativas e os grandes feitos doshomens do poder. Braudel inovou ao proporas diferentes temporalidades do tempohistórico: o breve ou curto próprio dosacontecimentos; o de média duração ouconjuntural (épocas, períodos, etc) e o delonga duração, típica das transformaçõeslentas e das persistências no tempo, como éo caso das mentalidades e das culturas.

A Nova História que surgiu na Françanos anos de 1960 chegou mais recentementeno Brasil. Esta é na verdade uma herdeiradireta da produção dos Annales. Seus temas

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e procedimentos são desdobramentosteóricos que foram inaugurados por Lefvre eBloch (CARRION, 1997). Se por um lado, osAnnalles trouxeram uma renovação temáticae metodológica, inclusive com a ampliaçãodo conceito de documento (REIS, 2000),como qualquer vestígio humano, por outrodeixou de lado as questões políticas. Com ointuito de diferenciar-se dos historiadoresfactuais (Nóvoa apud REIS, 2000), osfranceses negligenciaram a questão política.Dessa forma, o discurso histórico adquiremuito mais uma característica de narrativa doque de contestação e conflito.

No campo da teoria marxista, noBrasil o pioneiro na área da historia foi CaioPrado Junior. Procurando utilizar osinstrumentos da análise Marxista nainterpretação do Brasil, o historiador paulistaconstrói um modelo explicativo fortementecalcado nas estruturas econômicas epolíticas. Apesar das críticas dirigidas à obrade Caio Prado, tida como ortodoxa e deforçar os dados empíricos no sentido demoldá-los em função do método teóricoadotado, ela foi um esforço no sentido deutilizar a história para compreender arealidade do presente. Busca-se na históriaos elementos que ajudam a compreender osproblemas atuais, dessa forma a disciplinapassa também a ter uma função social e umcompromisso político com o presente. Algoque as demais correntes teóricas deixaramde lado.

A partir dos anos de 1980, em funçãodos cursos de pós-graduação em história etambém da abertura política, novos centrosde estudos surgiram em função de temasinvestigativos. Esse foi o caso da linha depesquisa sobre o trabalho da Universidadede Campinas. Foi reunida importantedocumentação sobre a história do trabalhono Brasil. Além disso, houve também umarenovação teórico-metodológico, iniciando a

discussão no Brasil das obras de EricHobsbawm, E.P.Thompson, C.Hill e outroshistoriadores que se propunham a repensara aplicação do materialismo-histórico (DEDECCA, 2000) com outras categorias deanálise oriundas da antropologia, como acultura e as relações interculturais.

História da Educação: alternativaspossíveis

Segundo Eliomar Tambara (2000) ahistória da educação vive uma multiplicidadede temas, e devido a isso não conseguearticular-se de maneira lógica e que permitaa constituição de séries históricasexplicativas de períodos mais amplos. Naverdade, o que o referido autor reivindica é oque hoje a historiografia geral tambémpercebe, ou seja, a proliferação de estudosparticularizados e multifacetados que inibemo surgimento de grandes sínteses que reúnamestes estudos de uma maneira razoavelmentearticulada.

Além disso, outro problema queenfrenta a história da educação, é que aproliferação de temas diversos tem levado aum abandono do compromisso político dohistoriador da educação com a realidadesocial mais imediata. Pratica-se uma espéciede pesquisa pela pesquisa, como se isso

fosse o suficiente:

Outra forte interferência na esfera teórico-metodológica da História da Educação éa ausência de um caráter teológico namesma. Entendo que apenas umainserção na contemporaneidade justificaa investigação histórica e,particularmente a História da Educação.Não consigo entender a História daEducação pela História da Educação purae simplesmente. O historiador é um serno mundo com compromissos quehistoricamente lhe são inerente. E é estavinculação com a realidade o que fazmergulhar no passado para melhor

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compreender o presente. (TAMBARA,2000, p. 81).

Na maioria das vezes, o pesquisadortem escolhido a realidade que melhor seencaixe no seu modelo teórico-metodológico,quando na verdade deveria ser o mundo realque orientasse a escolha de um método ououtro, em função das suas características.

Grande parte desse novocomportamento no campo da pesquisahistoriográfica é apontada por alguns autores(LOPES, 1997; CARRION, 1997 e NUNES,1999) como a importação de modelosteóricos estrangeiros, como a Nova História,em função de modismos do mundoacadêmico. São abordagens teóricas deforte influência da historiografia francesa quenão possuem preocupações de naturezateleológica, nem mesmo de explicar asrelações de poder e o papel da ideologiadominante.

Instrumentalizada para dotar as pessoasde uma visão abrangente econscientizadora, a história, sob o rótulode nova história, também se colocou aserviço da “nova ordem”, retrocedendo deestudos abrangentes e politizados,mostrando o homem como agente dastransformações, para estudos inócuossobre o cotidiano do passado, tornando-se uma inofensiva viagem no tempo,acumulando informações curiosas,atraentes, circunstancialmente úteis e oque é principal, vendável para o grandemercado editorial. Com o seu tomsaborioso, literário, mesclando o informale o acadêmico e tangenciando o folclórico,a nova história eximiu a ciência históricade suas responsabilidades políticas.(LOPES, 1997, p. 13).

Algumas tendências no interior dachamada Nova História possuem umaconotação nitidamente neopositivista. Este eo caso dos estudos de Paul Veyne (1986),que define a história como sendo um“romance verdadeiro”. A história perde acondição de ciência, uma vez que para os

neopositivistas, o conhecimento para sercientífico deverá ser verificado e sobdeterminadas condições chegar sempre aosmesmos resultados. Esse não é o caso dahistória e de outras áreas do conhecimentosocial, portanto, trata-se, segundo essateoria, de um outro conhecimento nãoverificável:

Negadora da existência de leis na históriaou de quaisquer determinações mesmoque em última instância questiona aprópria objetividade do conhecimentohistórico, a existência da verdade nahistória, a totalidade do real, o progresso,a evolução. Especialista na história dofragmento, das curiosidades, do que nãomuda, do não essencial, do subjetivo, doirracional, jogou no depósito das velhariasos modos de produção, a luta de classes,as revoluções.(CARRION, 1997, p. 41).

Não se pretende aqui ressuscitarvelhos modelos teóricos, carregados deortodoxia e que sirvam de explicação a todasas realidades, inclusive encaixandoelementos empíricos forçosamente emdeterminados modelos, eleitos comoapropriados pela ideologia que se querafirmar. Por outro lado, o conhecimentohistórico, preocupado em descrever temasvariados como mera constatação oulevantamento de fatores curiosos de umaépoca, não satisfazem as necessidades deuma historiografia socialmente engajada naluta por uma educação de fato inclusiva edemocrática. Se por um lado há aproliferação de temáticas variadas, quepermitiu ao historiador ver o fenômenoeducacional sob diferentes perspectivas, poroutro lado, negligenciou sua finalidade sociale política. O ideal seria unir estas duasvertentes, analisando sob diversos prismasa história da educação sem abandonar ocompromisso social que dela se espera.

Arthur Ramos: aspectos de sua vida eobra e o contexto histórico em que viveu

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Antes de entrarmos propriamente naanálise do pensamento de Arthur Ramos,parece-nos importante o localizarmos em seutempo através de breve comentário sobre suavida e obra, além de contextualizar o períodohistórico em que o autor produziu suasreflexões. É na verdade um pequenopreâmbulo que nos ajudará a entender melhoras preocupações políticas e sociais deRamos em função de seu tempo, uma vez queseparar o intelectual do seu universo históricotorna muito mais difícil a compreensão dadireção de suas idéias e propostas deintervenção na realidade.

Vida e Obra

Arthur Ramos de Araújo Pereiranasceu na cidade de Pilar, no Estado doAlagoas, no dia 07 de julho de 1903 e faleceuem 1949. Podemos perceber que foi umavida extremamente curta para uma intensaprodução intelectual de múltiplos diálogos.Produziu obras que se encaixam em diversasáreas do conhecimento: medicina,antropologia, psicanálise, psicologia,pedagogia, dentre outros.

Até o final da década de 1910permaneceu em seu Estado natal, onde,concluiu o seu curso secundário em Maceió.Em 1921, ingressou na Faculdade deMedicina da Bahia, uma das instituições maisantigas do Brasil e um conceituado institutode ensino superior. Lá concluiu seu curso em1926. Desde essa época já se destacava,pois em 1927 recebeu o premio “AlfredoBrito” em virtude de um estudo quedesenvolveu nesse estabelecimento deensino.

Entre 1926 e 1947 viveu uma fase deintensa atividade intelectual, produzindo maisde 458 trabalhos (publicados ou não). Paraum país sem muita tradição universitária,distante dos grandes centros intelectuais,

trata-se de uma atividade intelectual notável.

Embora sua formação inicial fossemedicina legal, Ramos nunca deixou deinteirar-se da problemática teórica e científicade seu tempo, fazendo incursões em áreascomo a psicologia, a psicanálise e, maistarde, na antropologia. Era leitor assíduo deNina Rodrigues, antropólogo baiano, emantinha convívio com os importantesmembros da intelectualidade brasileira daépoca, como Gilberto Freire (autor de Casa-Grande, Senzala), Anísio Teixeira (pioneiro dapedagogia nova), Afrânio Peixoto pelo qualRamos tinha especial admiração, muitos oconsideravam como seu discípulo.

Entre 1935 e 1941, manteve intensacorrespondência com o antropólogo MelvilleHerskovits dos Estados Unidos(GUIMARÃES, 2004). Chegou inclusive avisitar o referido país a fim de ministrar cursose palestras sobre o negro brasileiro. Esseconvívio entre Ramos e a intelectualidade deseu tempo foi indispensável para o seuamadurecimento.

Na década de 40, Arthur Ramos,passa a dedicar-se intensamente na luta

política contra o racismo:

No Brasil, depois de seu retorno, ocatedrático da Universidade do Brasilpublicará, até o final da guerra, uma sériede artigos políticos, que engajam aAntropologia na luta contra o racismo ena reconstrução democrática do pós-guerra. Será essa militância que levará,posteriormente, Ramos à direção dodepartamento de Ciência Sociais daUnesco. (GUIMARÃES, 2004, p. 21).

Para Ramos que mergulhouprofundamente nas teorias de democraciaracial de Gilberto Freire, o Brasil poderia serconsiderado um exemplo para o mundo, umavez que aqui os conflitos inter-raciais teriamsido evitados graças à plena integração do

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colonizador europeu num processo de

mestiçagem intensa:

Arthur Ramos tinha as mesmas idéiasde Freire sobre a democracia brasileirae, assim como este, tinha contatosestreitos com os líderes negros do Rio eem São Paulo e era grande o seuprestígio no meio negro. Seu pensamentoinfluenciou muitos militantes até os anosde 1950, quando uma nova geração deintelectuais negros, liderada por GuerreiroRamos, romperá com as idéias domestre, assim como, nas ciênciassociais, uma nova geração seencarregará de sepultar os estudosculturalistas. (CORREIA apudGUIMARÃES, 2004, p. 23).

Ao longo de sua vida Ramos exerceuvários cargos públicos entre eles, o deCatedrático de Antropologia e Etnologia daUniversidade do Brasil, Chefe doDepartamento de Ciências Sociais daUNESCO, Professor de Psicologia Social daUniversidade do Distrito Federal, Chefe doServiço de Higiene Mental do Departamentode Educação do Rio de Janeiro.

É justamente sobre esse último cargoacima citado, que pretendemos estabeleceraqui algumas reflexões teóricas de caráterintrodutório. Quando dirigiu o Serviço deOrtofrenia e Higiene Mental, Ramos produziuuma série de estudos sobre as crianças emidade escolar e que eram alunos da redepública de escolas do Rio de Janeiro, que eranaquela época Distrito Federal. Ao que tudoindica, o referido serviço não teve uma vidamuito longa, pois com advento do EstadoNovo o mesmo foi praticamentedesmantelado:

Todo esse trabalho foi interrompidosubitamente no meio da avalanche dedestruição que desabou sobre a grandeobra de Anísio Teixeira na educação doDistrito Federal. Hoje o problema seráposto nos mesmos termos que no iniciodo nosso Serviço. (RAMOS, 1950, p. 8).

A referida atividade exercida por

Arthur Ramos fazia parte do programa dereforma do ensino, proposto por AnísioTeixeira na década de 1930. Como afirma opróprio educador, o mencionado serviço eraum desafio que estava muito além do seu

tempo:

A seção de ortofrenia e higiene mentalera uma mudança de plano. Era umensaio de educação moral científica. Erauma tentativa de controle da condutahumana. Era francamente, uma aventurapara o dia de amanhã. Em nenhum outroserviço, afirmávamos mais vigorosamentea nossa confiança na ciência. (TEIXEIRA,apud RAMOS, 1950, p. 9).

Em “A Criança Problema”, Ramospublicou alguns estudos desenvolvidosquando era Chefe do Serviço de HigieneMental. Esse presente trabalho faz parte deum dos cinco volumes de uma coleção cujotítulo seria “Higiene Mental na Educação”.Tanto Anísio Teixeira como Arthur Ramos eoutros importantes intelectuais brasileirosestavam preocupados em desenvolver aplena aplicação dos conhecimentoscientíficos na educação, ou seja, desenvolvermecanismos mais eficientes para aumentaro acesso à educação. No caso específico de“A Criança problema”, Ramos pretendeutilizar os avanços científicos na área dapsicologia social, da psicanálise e daantropologia na definição do problema, bemcomo na implantação de métodos de açãoprática.

O Contexto Histórico

Até a década de 1920, a elitecafeeira de São Paulo exercia o poderpolítico, dele se utilizando para manter osprivilégios da classe e a condição agrária dopaís. O imigrantismo europeu, que substituíao trabalho escravo nas fazendas de café, eraincentivado pela intelectualidade como formade promover a chamada política do

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embranquecimento da população. Noentanto, o fazendeiro de café ainda continuavaa tratar o trabalhador, agora livre, como seainda fora escravo. Daí as freqüentes revoltasde colonos pelo interior do país.

Aqueles que não se adaptam aotrabalho nas lavouras de café fugiam para ascidades especialmente para a cidade de SãoPaulo que na época iniciava seu processo deindustrialização com as chamadas indústriasde bens de consumo. A classe operária queentão se formava era constituída em suaesmagadora maioria de trabalhadores daEuropa, principalmente italianos. Segundoalguns autores como Ítalo Tronca (1990) eEdgar De Deca (2000), no final dos anos de1920, o operariado era uma classe emquantidade expressiva e com marcante papelpolítico, haja vista que em 1917 haviaorganizado uma greve geral.

Na área das políticas sociais, aatuação do governo oligárquico erapraticamente nula. As políticas de valorizaçãodos preços do café transferiam o prejuízo doscoronéis para os cofres públicos. O chamadoConvênio de Taubaté celebrou um acordoentre os produtores de café e os Estados deSão Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro,toda vez que sobrasse o produto, os governoscompravam as sobras e mantinham estávelo preço. Tudo isso a custa da ausência doEstado nos setores sociais. Não é por acasoque nesse período as revoltas sociaisexplodiram em diversas partes do país, comoCanudos (Norte da Bahia), Contestado(Paraná e Santa Catarina). Padre Cícero (noCeará), Revolta da Vacina (no Rio de Janeiro)e outras.

A educação, como parte daspolíticas sociais estava abandonada, oacesso a ela ainda era algo muito raro, paraa maioria das populações pobres do campoe da cidade. A famosa igualdade de todosperante a lei, instituída pela Constituição

Republicana de 1891, ainda não passava deficção. Segundo Carvalho (1989), somente nadécada de 1920, algumas propostas, como,a de Caetano Campos, colocavam a questãoeducacional em outros termos. Pensava-seagora em estimular a educação tanto comofator de progresso, como de controle damassa, visto que a escola poderia tornar-seum instrumento perigoso nas mãos dos maispobres:

Esta legião de excluídos da ordemrepublicana aparece então como freio aoProgresso, a impor sua presençaincomoda no cotidiano das cidades. Aescola foi, em conseqüência, reafirmadacomo arma de que dependia a superaçãodos entraves que estariam impedindo amarca do Progresso [...] Passa, noentanto, a ser considerada ‘armaperigosa’, exigindo a redefinição de seuestatuto como instrumento de dominação.(CARVALHO, 1989, p. 7).

Um país essencialmente agrícola,com uma elite muito preocupada com a suamanutenção, enquanto classe, só veio aperceber o valor da educação muitotardiamente. Visto que em 1930, parte daoligarquia dos Estados de Minas Gerais, Riode Janeiro, Rio Grande do Sul e Paraíba,rompem com São Paulo e instalam uma novaordem política. Esse período ficouhistoricamente denominado de Era Vargas(1930-1945).

A partir desse período inicia-se o quemuitos autores chamaram de a modernizaçãoautoritária. Visava-se promover aindustrialização do país através da forteintervenção do Estado planejando eexecutando políticas industrializantes. GetúlioVargas marcou de maneira definitiva oprocesso de industrialização do país. Comalgumas variações, podemos dizer que amaneira de administrar chamada dedesenvolvimentismo irá manter-se até o finalda ditadura militar. Somente nos governos de

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Fernando Collor e Fernando HenriqueCardoso é que esse modelo de Estadocomeça a ser desmontado com a venda dasempresas estatais e o ideal de se atingir umEstado mínimo de acordo com o receituáriode inspiração neoliberal.

No entanto, para os objetivos dessetrabalho, o que mais nos interessa é o períodoque vai de 1930 a 1940. A ascensão deVargas em 1930 trouxe um novo ânimo aosmeios intelectuais, pois o fim do governo doscoronéis representava a possibilidade deempreender novos projetos para o país emtodas as áreas, principalmente a daeducação. Foi nestas circunstâncias que omovimento denominado Escola Nova,liderado por Anísio Teixeira, Afrânio Peixoto,Fernando Azevedo e outros, lança em 1932o Manifesto dos Pioneiros da EducaçãoNova:

[...] é um marco desse movimento: aomesmo tempo em que questionava osmétodos tradicionais de ensino, buscavaafirmar, em uma sociedade como aobrigatoriedade, a gratuidade, a laicidadee a co educação. (LOPES; GALVÃO,2001, p. 23).

O governo de Vargas sempre foimarcado por períodos alternados de maiorliberdade e democracia até a rígidacentralização do poder, principalmente a partirde 1937 com o Estado Novo. É interessanteobservar que mesmo nos períodos de maiorabertura, Vargas nunca escondeu suatendência autoritária. Talvez por esse motivoseja possível explicar a introdução das idéiasdo escolanovismo no sistema de ensino doDistrito Federal, conduzido diretamente porAnísio Teixeira. Como já demonstramos emoutra parte deste texto, a experiência deTeixeira não irá muito longe. A crescenteconcentração do poder nas mãos de Vargasirá propor um modelo diferente de educação,mais atrelada ao poder do Estado e como

meio de manipulação das massas.

Arthur Ramos descreve com lucidez,na introdução de “A Criança Problema”, quaisseriam os objetivos desta educação

autoritária:

Com o advento do Estado Novo, uma falsaeducação nacionalista, de imposições erestrições, passou a substituir o conceitode liberdade vigiada, condição essencialpara o estabelecimento das verdadeirasregras de higiene mental. A Educaçãohumana e compreensiva nos moldestantas vezes pregadas neste Livro, foisubstituída pela pedagogia clássica dadisciplina rígida de interdições e coações.O serviço ainda tentou sobreviver a esseperíodo de sombras. Mas uma santainquisição de bravo censores – emboranão formulasse abertamente nenhumaalegação contra o Serviço – não lhepermitiu o funcionamento perfeito numaatmosfera de liberdade que é aquela ondese possa fazer realmente ciência.(RAMOS, 1950, p. 8).

Ramos reconhece que em um climade ditadura, a plena educação como projetohumanizante torna-se inviável, haja vista queas imposições do regime impedem o livredesenvolvimento da pesquisa científica.

Em seu livro “Educação é umDireito”, Anísio Teixeira parece perceber quea revolução de 30, ainda não haviarepresentado um avanço significativo naconstituição de uma nação livre:

A revolução de 30 marca um períodocrítico dessa integração, que se vaiconsumar, quinze anos mais tarde, como estabelecimento de uma constituiçãodemocrática e a conquista, ao que separece definitiva, do sufrágio universal. Atéentão, a máquina política, emboraformalmente democrática pudera sermanipulada pela chamada elite, que seassegurava, deste modo, umarepresentação política homogênea, istoé, limitada ao grupo dominante.(TEIXEIRA, 1967, p. 42).

A criança problema segundo Arthur

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Ramos

Nesse item iremos discutir algumasobservações de Arthur Ramos quando serefere à criança problema como conceitos,tipologias e estratégias de intervenção eoutros.

A obra “A Criança Problema” foipublicada diversas vezes. A edição aquiutilizada nessa análise foi a quarta (revista),publicada em 1950 pela Livraria e EditoraCasa do Estudante do Brasil do Rio deJaneiro. Está dividida em duas partes (Ascausas e problemas) e vinte capítulos,inclusive também introdução e conclusão.Trata-se de uma obra de fôlego, com maisde 400 páginas que procura dar conta de umassunto complexo e polêmico mesmo paraaquele período.

Conceito de criança problema: umpassado presente

Arthur Ramos, procura desde o iníciode seu estudo, diferenciar criança problemadas chamadas “anormais”, utilizando aquiuma terminologia da época. O próprio autorconsiderava que o termo “anormal” éimpróprio em todos os sentidos, ou seja,desde o início do século XX, Ramos jáverificava problemas na utilização daterminologia. Isso porque muitas criançascom qualquer problema de aprendizagem járecebiam esse rótulo, sendo que seu maiorproblema era de origem social ou familiar.

É incrível a contemporaneidade deRamos nesse aspecto, uma vez que aindahoje muitas crianças com dificuldades deaprendizagem são encaminhadas paraescolas de educação especial, sendo que narealidade, outros fatores, que não são deorigem orgânica estão interferindo no seuprocesso de aprendizagem. Quando se

discute, atualmente, a inclusão de criançasportadoras de necessidades especiais, logosurge o discurso de que elas não sãoeducáveis e, portanto não irão acompanhar

os tidos como “normais”.

Esta denominação – imprópria em todosos sentidos – engloba o grosso dascrianças que por varias razões nãopodiam desempenhar os seus deveres deescolaridade em paralelo aos outroscompanheiros, os normais. (RAMOS,1950, p. 13).

Pelos estudos realizados em maisde 2000 estudantes, ao longo de cinco anosde atividade do Serviço de Higiene Mental,Ramos constatou que somente uma pequenaporcentagem dos alunos apresentavaproblemas sérios de disfunçãoorgânica.”Aqueles escolares que, em virtudede defeitos constitucionais hereditários, oude causas várias que lhes produzem umdesequilíbrio das funções neuropsíquicas,não poderiam ser educados no ambiente daescola comum (RAMOS, 1950, p. 13).

A atual legislação e várias correntesda pedagogia afirmam que as escolasdevem adaptar-se para receber os alunoscom necessidades especiais. Um serviço deapoio deve ser constituído, com o objetivo dedar apoio ao pleno desenvolvimento doeducando nessa situação, porém estasmedidas ainda estão sendo lentamenteimplementadas.

Os testes de Q.I. (quoeficiente deinteligência) que hoje estão em desuso,porém até bem pouco tempo atrás eram muitoutilizados por escolas, médicos, psicólogos,etc, já eram criticado por Ramos, na décadade 1930. Segundo o autor, os testesdesenvolvidos inicialmente por Binet e Simonem 1907, acabaram por reduzir a área deatuação de profissional da educação namedida em que “a extrema atividadetestologizante [...] tem atravancado a

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pedagogia de nossos dias” (RAMOS,1950,p12). Mais uma vez a percepção crítica domédico alagoano surpreende, tanto pelasagacidade intelectual, quanto pelaantecipação de pontos de vista que somentealgumas décadas depois foram efetivadas.

Ao longo de todo o livro, ArthurRamos procura afastar a possibilidade deproblemas mentais nas chamadas criançasproblemas. A argumentação do intelectual éconstruída no sentido de atribuir ao meiosocial e cultural em que vive o menor comogrande responsável pelo comportamentoinadequado que apresenta na escola. Elechega mesmo a mencionar a carência afetiva:

... muitos casos classificados mesmocomo atraso mental, são realmente defalsos atrasos [...] as crianças ‘caudasde classe’ nas Escolas, insubordinadas,desobedientes, instáveis, mentirosas,fujonas... na sua grande maioria não sãoportadoras de nenhuma ‘anomalia’ moral,no sentido constitucional do termo. Elasforam ‘anormalizadas’ pelo meio. Comoo homem primitivo cuja ‘selvageria’ foiuma criação de civilizados também nacriança, o conceito de ‘anormal’ foi antesde tudo, o ponto de vista adulto, aconseqüência de um enorme sadismoinconsciente de pais e educadores.(RAMOS, 1950, p. 18).

O discurso acima descrito nãoparece ter sido escrito há mais de 70 anosatrás, ele se parece com qualquer outraargumentação da produção teórica dapedagogia mais recente. Talvez esteja aquium dos principais valores da história e emespecial da história da educação, ou seja,desmascarar falsas idéias, mitos epreconceitos em relação ao passado comoalgo sepultado e distante da atual realidade.Através do estudo da história podemosperceber o quanto o passado ainda sobreviveno presente e vice-versa, principalmente nocaso de Arthur Ramos que conseguiu emmuitos aspectos, antecipar-se a seu tempo.

Autores como Aquino (1996), DaTaile (1998) e outros que estudam o problemada indisciplina na escola consideram queexiste uma forte influência do contexto socialque interfere diretamente no comportamentodos educandos, daí a necessidade doeducador compreender essa realidade, paramelhor desenvolver estratégias de açãopedagógica. Embora falando do papel dohigienista mental, Ramos seguiu a mesmatrajetória dos autores anteriormente

mencionados, afirmando que:

O moderno higienista mental nas Escolasdeve fugir às classificações rígidas, quevisam, dar rótulos às criançasdesajustadas [...] o seu interesse deveser para o estudo do psiquismo normal edas influencias deformantes do meiosocial e cultural. (RAMOS, 1950, p. 19).

A fim de fugir da conotação “normal”e “anormal” que, como demonstrou Ramos éinsuficiente para categorizar uma criança comdificuldades de aprendizagem e deadaptação ao meio escolar, o autor criou oconceito da criança problema. O termoproblema está muito mais relacionado comas condições sociais que o menor vive e quedificulta a sua capacidade de atenção eaprendizagem. Ao longo do texto, o médicovem afirmando que o meio é o elementodecisivo, que molda o comportamento daspessoas, portanto elas não podem serresponsáveis diretas, no caso os estudantesdesajustados, pelas suas atitudes poucoaceitáveis. Essa forte responsabilidade docontexto sócio-cultural na personalidade daspessoas aproxima Ramos da idéia deRousseau (2001) de que o homem nascebom, porém a sociedade o corrompe.

Higiene mental e sua estratégia de ação

Os serviços de higiene mental sãoderivados das instituições européias,

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principalmente francesas, que remontam àsexperiências de Pinel e dos chamadossanatórios mentais. Na realidade, eram locaisde depósitos de seres humanos, todosmentalmente perturbados e, portanto,obrigados a viverem separados e apartadosdo convívio social. Esta atmosfera desofrimentos e torturas a que eram submetidosestes pacientes foi estudado por MichelFoucault em sua obra História da Loucura(1989).

O primeiro serviço de higiene mentalsurgiu nos EUA em 1907 e de lá se espalhoupara o mundo inteiro. No Brasil, o movimentode higiene mental chega em 1923 e funda aLiga Brasileira de Higiene Mental por GustavoRiedel. O mencionado serviço teria uma duplafunção, tanto terapêutica quanto preventiva.Sendo que para Ramos esta era a maisimportante. O público alvo era formado por

crianças, uma vez que:

Desde cedo se verificou que estava nainfância o principal campo de ação dehigiene mental. Se esta visa a prevençãodas doenças mentais e ao ajustamentoda personalidade humana, é para acriança que deve voltar suas vistas, poisaí estão os núcleos de caráter da vidaadulta. Ajustar a criança ao seu meio é oobjetivo básico, o trabalho inicial, a sercontinuado depois, no ajustamento doindividuo aos seus sucessivos círculosde vida. (RAMOS, 1950, p. 20).

O atendimento em higiene mentalestava estruturado no formato de uma clínica,com os seguintes profissionais: professores,assistentes sociais, professores visitadores,psicólogo, médico e psiquiatra. Váriosexames e testes eram realizados, com opsicólogo e pedagógico (aptidões), orgânicoe aqueles para verificar todos os tipos dedesajustamento emocional:

A higiene mental infantil tem assim osaspectos largos. O seu campo de açãoé imenso. O seu trabalho é duplo:preventivo e corretivo. Ela estuda o

desenvolvimento e formação nos hábitosda primeira e segunda infância,acompanha o escolar no período daescola primaria, assiste ao desabrocharda adolescência, prepara o jovem paraser a perfeita adaptação à vida adulta.(RAMOS, 1950, p. 21).

As clínicas de higiene mentalpossuem, portanto, uma ampla esfera deatuação e que visam exercer um forte controlesobre o comportamento dos educandos,moldando-os de acordo com os hábitossocialmente aceitáveis. Todo esse esforço emformar uma juventude mentalmente sadia,pode aparecer estranho em um país que nosanos de 1930 possuía a maior parte de suapopulação fora da escola, e que, portanto,não seria atendida por esse programa. Nesseaspecto, o autor não estabelece nenhumaobservação, embora na introdução de suaobra Ramos mencione a questão social noRio de Janeiro na época como o maiorobstáculo para o êxito do programa de SaúdeMental:

As causas geradoras de problemas seampliaram de maneira trágica, no Rio deJaneiro. Em primeiro lugar estão ascondições criadas pela própria guerra, oque pela segunda vez neste século, veioconvulsionar o mundo e complicar oproblema dos ajustamentos, pacíficosentre os homens. Em seguida estão aspróprias condições deficitárias, no Brasilem especial no Rio de janeiro. Crisealimentar. Crise de Habitações. Índicesassustadores de mortalidade emorbidade infantis. Fatores deficitáriosem todos os sentidos, que vieramcomplicar tremendamente o problema daassistência aos menores [...] Nunca ahigiene mental teve que lidar com tantosprimários, que converteram a capital dopaís, num grande feudo urbano,desprotegido e entregue a sua própriasorte. Com razão se poderia achar umaatividade desnecessária ou inócua. Umserviço mental que tivesse essas causaspróprias, tão grosseiras e tãodeprimentes. (RAMOS, 1950, p. 8).

Podemos perceber que o médico

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admite que uma sociedade em péssimascondições materiais, como a brasileira nesteperíodo, a atuação de um serviço de higienemental é praticamente sem efeitos. Tentaramoldar indivíduos miseráveis, em uma formade sociedade em crise e deficitária éinviabilizar este trabalho. Ramos pareceperceber isso com singular lucidez.

Como Arthur Ramos acredita que omeio social e cultural é determinante naconduta do indivíduo, relembrando o mitorousseauniano de que a sociedade é quecorrompe o indivíduo, a família e a suaestruturação são fundamentais para formarindivíduos ajustados. Mesmo nestes casos oserviço de higiene mental possui uma função:

Se a criança veio bem formada doambiente familiar, com ou sem a ajudadas clínicas de hábito, o ortofrenista nãotem mais do que continuar o trabalhoiniciado: to Keeps the normal... Se não,se surgem os casos-problemas, então ahigiene mental intervém, procurandoresolver e ajustar as dificuldades surgidas.(RAMOS, 1950, p. 22).

O serviço de higiene mental criadoem 1934 no Rio de Janeiro, em virtude dareforma de Anísio Teixeira na rede municipal,tinha como objetivo servir como uma espéciede apoio das escolas primárias. Toda criançaidentificada como criança problema deveriaser encaminhada para o respectivo órgãopúblico. Nelas, um estudo variado procuradetectar as causas do comportamento

desajustado da criança:

Nestas clínicas de hábito são estudadasprincipalmente as bases fisiológicas dapersonalidade, as atividades instintivasprimordiais, como fome, a sede, asfunções de eliminação, o sono o repouso,atividades de sexo, as primeirasmanifestações emocionais e afetivas, odesabrochar da inteligência. O higienistamental orienta essas funções naformação de hábitos normais, corrigindoos precoces desajustamentosencontrados. (RAMOS, 1950, p. 23).

Ao que tudo indica as chamadasclínicas de hábitos do Serviço de HigieneMental objetivavam exercer um rigorosocontrole sobre as crianças e jovens tidoscomo desajustados ou na iminência de algunsdesvios devido à influência do meio. Acondução da situação nestes termos, emborainicialmente bem intencionados, pode servira ideologias autoritárias no sentido de formarindivíduos plenamente ajustados e tambémfacilmente manipuláveis, na medida em quetodo o comportamento das pessoas passa aser monitorado.

Conclusão

Uma pesquisa que se debruça sobreum tema ligado à história da educação, porsi só exige uma justificativa de caráter teórico-metodológico que outras áreas da pedagogiapodem dispensar. Isso porque ao longo doensino de história da educação, formulou-sea falsa idéia de que esta disciplina sededicava ao estudo do que se passou semnenhuma relação com problemas maisurgentes e atuais, das ciências da educação.Nada mais ideológico do que esta falácia.Através do estudo de uma obra de ArthurRamos podemos perceber que muitos dosproblemas atuais da escola já eramdiscutidos nos anos de 1930, ou seja, há umaresistente permanência em nossosdiscursos, práticas e mesmo pontos de vista.

Quando descobrimos o passado nopresente, nós nos percebemos como merosagentes reprodutores de valores, idéias,atitudes e visões de mundo que embora pornós utilizadas não sejam notadas, dada amaneiras mecânicas e pouco reflexivas doque praticamos, ou melhor, dizendo, da nossapráxis social. Um outro importante papel dahistória da educação é provocar a reflexãocrítica e rever posturas.

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A análise da obra de Arthur Ramosfoi bastante oportuna, na medida em quehoje vivemos a crise da escola. Nossomodelo de escola ainda utiliza instrumentosde uma educação de elite para atender auma camada maior da população quevivencia valores e condições sociais muitoadversos, bem próximos daquela dospacientes de Ramos. A obra do intelectualalagoano mantém uma contradição que iráse repetir em outros momentos de seus

estudos sobre antropologia cultural.Podemos perceber que se por um lado oserviço de higiene mental representava umapoio importante ao trabalho educacional,reconduzindo as crianças à escola e criandomeios para a sua maior adaptação, poroutro lado, também permitia um abuso dopoder de controle sobre os indivíduos,gerando seres alienados e facilmentemanipuláveis por ideologias de diversas

naturezas.

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Linguagens, Educação e Sociedade Teresina Ano 11, n. 14 74 -84 jan./jun. 2006

INSTRUÇÃO PÚBLICA NO PIAUÍ:ENSAIOS DE SUA FORMALIZAÇÃO (Séculos XVIII e XIX)*

Antonio José GomesDoutor em História e Filosofia da Educação – PUC-SP

Professor Adjunto da UFPI/CCE/DEFE/PPGEde-mail: [email protected]

Claudia Cristina da S. Fontineles,Docente da Universidade Estadual do Piauí e do CEFET-PI

Doutoranda em História (UFPE)e-mail: [email protected]

Marcelo de Sousa NetoDocente da Universidade Estadual do Piauí

Doutorando em História (UFPE)e-mail: [email protected]

Resumo

O presente trabalho é resultado de pesquisabibliográfica e objetiva colaborar para melhorcompreensão da História da Instrução Pública doPiauí durante os períodos colonial e imperial. Foramutilizados estudos feitos por educadores ehistoriadores piauienses, na tentativa de traçar umperfil da educação no Estado nos citados períodos.Com processo de colonização sui generis, o Piauítem a evolução de sua educação formal diretamenterelacionada à ocupação de seu território, sendo suaexperiência educacional marcada pelo signo da faltade recursos financeiros e carência de professoreshabilitados para exercerem as atividades de ensinoformal, freando, portanto, a efetiva implantação deuma educação escolar nesta região.

Palavras-chave: Piauí. Instrução. Ensino.

Abstract

The present work is resulted of bibliographical researchand it objectifies to collaborate for better understandingof the History of the Public Instruction of Piaui duringthe colonial and imperial periods. Studies facts wereused by educators and historians piauienses, in theattempt of tracing a profile of the education in thementioned State us periods. With process ofcolonization sui generis, Piauí has the evolution of itsformal education directly related to the occupation ofits territory, being its educational experience markedby the sign of the lack of financial resources and lackof teachers paymasters for they exercise the activitiesof formal teaching, braking, therefore, the effectiveimplant of a school education in this area.

Keywords: Piauí. Instruction. Teaching.

* Recebido em: março de 2006. * Aceito em: maio de 2006.

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A produção acerca da História daEducação não tem sido uma das maisharmoniosas, uma vez que educadores ehistoriadores debatem as competências defazer História da Educação. No entanto, nãotemos a intenção de nos atermos àdiscussão que per se representa tema quedemandaria estudos mais amplos.Buscamos neste trabalho colaborar parauma melhor compreensão da História daInstrução Pública do Piauí, ao associar-seestudos desenvolvidos por educadores ehistoriadores locais, e assim, tentamosesboçar um perfil da educação no Piauí, emseus períodos colonial e imperial.

Com um processo de colonização suigeneris, o Piauí tem o desenvolvimento de suaeducação formal diretamente relacionado àocupação de seu território, sendo suaexperiência educacional marcada pelo signoda falta de recursos financeiros e carência deprofessores habilitados para exercerem asatividades de ensino, freando, portanto, aefetiva implantação de uma educaçãoescolar nesta região.

Mostrando-se muito limitado, oensino jesuítico no Piauí, possibilitou a buscade alternativas ao ensino oficial. Com umaeconomia baseava na pecuária, a sociedadepiauiense não necessitava de formação demão-de-obra qualificada pela escola,florescendo, assim, outras experiências,principalmente ligadas ao meio rural. Mostrarde que forma isso se manifestou e influencioua história político-social do estado do Piauíé igualmente uma das finalidades destetrabalho. Por isso, ao relacionar-se com omodelo econômico-social piauiense nosséculos XVIII e XIX, procurou-se colaborar

para a melhor compreensão da História daInstrução Pública do Estado.

Piauí: processo de colonização

Para que possamos compreender aconstituição do ensino formal no Piauícolonial e imperial, não podemos dissociá-lodo contexto histórico-econômico da época,pois não há como separar a Instrução Públicado processo colonizador Estado.

Em seus primeiros séculos deexistência política, o Piauí apresentou lentatransformação em sua estrutura econômica,o que influenciou na organização social doEstado. Analisar seu processo colonizadorse faz necessário em razão da série depreconceitos que foram constituídos no quese refere ao período colonial brasileiro, quetende a ‘simplificar’ estruturas extremamentecomplexas, como foi o Brasil colonial,reduzindo este a latifúndio, monocultura etrabalho escravo (CARDOSO, 1996).

A historiografia tradicionalconvencionou que a expansão da pecuária nosertão nordestino se relaciona unicamente aempresa açucareira na zona da matanordestina, que, em um segundo momento seespecializa, mantendo estreita relação com aprodução do açúcar. Somente em um terceiromomento, as fazendas de gado se desligaramdos engenhos (CARDOSO, 1996). O Piauí,teria surgido neste terceiro momento1 .

A região do atual estado do Piauí teveo início de sua ocupação na segunda metadedo século XVII, como passagem deexpedições entre Pernambuco e o Maranhão.Por volta de 1660, a região do Piauí começa

1 Apesar de não haver um consenso na historiografia piauiense, deve ser destacado que estudo da FundaçãoCEPRO (1979) aponta que a expansão do gado em solo piauiense não se liga à expansão da empresaaçucareira e sim à sua crise. A empresa açucareira esteve mais ligada à expansão dos currais ao instanteque liberou mão-de-obra.

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a ser objeto de penetrações mais intensas,principalmente por bandeirantes paulistasapresadores de índios2 e fazendeirosbaianos que combatiam os indígenas. Assim,

a primeira atração oferecida pelo Piauí é,pois, o índio, objeto de caça, que seprestava não somente a servir como mão-de-obra escrava, mas que era peçafundamental como elemento militar.(CEPRO, 1979, p.15).

O Piauí, em seu primeiro século, nãopossuía delimitações geográficas precisas,mas apresentava condições físicasexcelentes para a criação do gado – pastosnaturais, recursos hídricos e salubridade doclima – e relativa oferta de produtoscoletáveis de caça, facilitando asobrevivência da população, fatos atestadospela grande quantidade de tribos indígenas3

fixadas na região4 e a possibilidade depenetração linear do território que, diferentede facilitar a comunicação, facilitou suaexploração e fixação (CEPRO, 1979).

Faz-se importante lembrar que nãose tem uma definição precisa dos motivosque levaram a pecuária a ser um dos grandesresponsáveis pela colonização do Piauí, masa pesquisador Tanya Brandão (1999) sugerealgumas possibilidades, afirmando que, no

Piauí,

não se apresentaram muitas opções àvalorização do território. O extrativismovegetal e mineral tornava-se quaseimpossível em virtude das limitaçõesquanto ao potencial natural das drogas emetais nobres. Também a inexistênciade grandes extensões de solosagricultáveis e a distância a ser percorridaaté os portos marítimos, inviabilizavam ocultivo da cana para a fabricação doaçúcar. A escolha da pecuária comoatividade principal talvez tenha resultadoda observação aos caracteres físicosregionais e ao fato de os currais já viremadentrando o sertão. Mas é provável,ainda, que a capacidade da criaçãobovina de ocupar vasta área em temporelativamente exíguo, com reduzidonúmero de pessoas e pouco capitaltenham influído na escolha (p. 46-7).

O modelo econômico implantado noPiauí exigia pouca especialização de suamão-de-obra, em que a intervenção humanaera mínima. A instalação das fazendas degado exigiam, no entanto, amplas áreas deterras, surgindo assim extensos latifúndiosno Piauí, presença que ainda se faz sentir, eque para serem instaladas deveriam ser“conquistadas” dos povos indígenas que aquihabitavam. Observa-se, assim, anecessidade da formação de verdadeirosexércitos para implementarem “guerra justa”

2 Deve ser salientado que as bandeiras paulistas, pelo seu próprio caráter apresador, não se fixaram em solopiauiense, o que ocorreu pelos fazendeiros vindos da Bahia, sendo estes os primeiros agentes do povoamentodas terras piauienses, estimulado pela abundância de terras que poderiam ser reivindicadas como sesmariase a presença de alguma mão-de-obra que podia ser utilizada .

3 As principais tribos que ocupavam o Piauí, ou de que se tem noticias, no início de sua colonização, deacordo com Chaves (1998), eram: ‘Abetiras’, ‘Beirtas’, ‘Coarás’, ‘Nongazes’, ‘Rodoleiros’ e ‘Beiçudos’(cabeceiras do Gurguéia); ‘Anaissus’ e ‘Alongares’ (serra da Ibiapaba); ‘Arairés’ e ‘Acumês’(cabeceiras dorio Piauí); ‘Aranhis’ e ‘Cratéus’(cabeceiras do Poti); ‘Aroaquises’ e ‘Corapotangas’ (chapada da Mangabeiras);‘Aroases’(riacho Sambito); ‘Aroquanguiras’, ‘Copequacas’, ‘Cupicheres’, ‘Aranheses’, ‘Aitetus’ e ‘Corerás’(médio Parnaíba); ‘Bocoreimas’, ‘Corsiás’ e ‘Lanceiros’ (extensão do Gurguéia); ‘Coaretizes’ e ‘Jaicós’(valedo Gurguéia); ‘Cupinharós (rio Canindé); ‘Gamelas’, ‘Genipapo’ e ‘Guaranis’(margem do Parnaíba, antes dese retirarem para o Maranhão); ‘Gueguês’(região central do Estado); ‘Pimenteiras’(limites com Pernambuco);‘Prebetizes’(rio Uruçuí); ‘Putis’(foz do rio Poti); ‘Tremenbes’(baixo Parnaíba e delta do Parnaíba); ‘Ubatês’,‘Moatans’, ‘Junduins’, ‘Icós’ e ‘Urires’(serra do Araripe). As tribos que não fugiram do Piauí, foram exterminadas.

4 Também é importante lembrar que, mesmo com a presença das secas, fenômeno constante no Piauí, estaProvíncia tinha uma capacidade maior de resistência à seca, assim, seu gado era procurado para reconstruiros criatórios e outras áreas do nordeste após estiagens prolongadas.

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contra o indígena.

O que se observou é que “odesenvolvimento da economia pecuária sefaria a par com outra atividade, oapresamento de índios” e “a pecuáriapiauiense criou, para sobreviver e seconsolidar, uma capacidade deinfensibilidade às crises do mercadoconsumidor superior à capacidade de outrasáreas da pecuária nordestina” (CEPRO,1979, p. 20-2), com a exigência de pequenosinvestimentos e um sistema escravistapeculiar à sua realidade, marcada pelasubsistência do mercado e luta pela posseda terra5 .

Seu formato sui generis decolonização, associado a idéias sem muitapropriedade da sociedade estabelecida noPiauí, fez surgir concepções de que asrelações sociais no Piauí seriam maisbrandas e com pequena diferenciação, emque o vaqueiro e o fazendeiro pouco sedistinguiam. Longe de buscarmos aprofundardiscussão, gostaríamos de sinalizar para asimplicidade do raciocínio, que desconsiderauma série de peculiaridades da sociedadepiauiense de seus primeiros tempos, quepermaneceu por longo período entre cuidardo gado e combater os índios, que fezflorescer uma sociedade em que as funçõesmilitares de fazendeiros, vaqueiros eescravos se faziam muito presentes, levandoumas poucas centenas de homens adizimarem dezenas de tribos indígenas(CEPRO, 1979), fazendo surgir assim, umasociedade em que seu cotidiano nãoperpassa pelo ensino formal.

Experiências educacionais

Na Capitania, Província e Estado doPiauí, a educação formal nunca foi postacomo prioridade de seus governantes, e sedera “de modo lento, insuficiente para oatendimento da população e permeada decriações e extinções de escolas, devido aprópria organização da produção e dotrabalho neste Estado e ao modo como estevai se povoando” (LOPES, 1996, p. 39).

De acordo com Lopes (1996), ahistoriografia local não chega a um consensosobre o momento da implantação dasprimeiras escolas no Piauí, que mesmocontando com “efêmeras tentativas deescolarização, pode-se dizer que até o finaldo século XVIII inexistiram escolas no Piauí”(LOPES, 1996, p. 40).

No Piauí, os Jesuítas, de importantepapel na educação do Brasil Colônia, tiveramatuação muito limitada, das quais duasiniciativas destes podem ser apontadas. Em1711, os inacianos recebem em testamento39 fazendas de gado de Domingos AfonsoMafrense, em território piauiense, que logo semultiplicam. A princípio, as fazendas ocupama atenção dos religiosos que só em 1733,passam a se preocupar com a educação,conseguindo um alvará de funcionamento deum estabelecimento de ensino denominado‘Externato Hospício da Companhia de Jesus’,não logrando êxito em razão das dificuldadesde instalação, tais como, pobreza do meio,dispersão demográfica e distância dosnúcleos populacionais e dificuldades decomunicação. Uma segunda iniciativa

5 Devemos lembrar que o processo de devassamento das terras do Piauí foi marcado pela luta pela posse daterra, em que os grandes proprietários de terras, que tinham recursos para investir em seu início, se deparamcom a disputa de terras com vaqueiros, arrendatários e posseiros, marcando a expressão do valor da terrapara esta população, sinalizando no século XVIII para a vitória dos interesses locais de vaqueiros, posseirose arrendatários, dando início a toda uma oligarquia proprietária de terras e verdadeiramente piauiense.

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inaciana ocorre em 1749, organizando oSeminário do Rio Parnaíba, na atual cidadede Oeiras. No entanto, as lutas pela posse daterra e domínio das populações indígenas,além da persistência de dificuldades jáapontadas, motivam a transferência doseminário para Aldeias Altas, hoje cidade deCaxias (MA), deixando novamente o Piauí semnenhuma escola. (BRITO, 1996).

Para explicarmos a inexpressivaatuação dos Jesuítas na educação em solopiauiense, recorremos ao professor ItamarBrito, que aponta como motivos:

a) A tardia fixação da Ordem em territóriopiauiense. Havendo chegado ao Brasil em1549, só na segunda década do séculoXVIII se estabelecem no Piauí, movidospor interesses pecuniários: as fazendasde gado. b) A reorientação da Ordem emrelação às atividades desenvolvidas naColônia (1996, p. 14).

A fixação dos Jesuítas no Piauíocorre em um momento em que estesconcentravam esforços na criação deseminários, explicando assim a criação doSeminário do Rio Parnaíba, em lugar deescolas primárias e o fracasso da iniciativaface às condições adversas da Capitania(BRITO, 1996). Não obstante,

o ensino, com os conteúdos de leitura eescrita, e até de latim, pouco interessavaa uma população de vaqueiros e homensda terra. O ensino, dissociado darealidade, não oferecia atrativos ao povo,que não sentia a necessidade de tais

conhecimentos (FERRO, 1996, p. 58).

Apesar do fracasso Jesuíta, a coroasomente veio criar duas escolas primariasna Vila da Mocha, por meio do Alvará de 03de maio de 1757, sendo estas, de acordocom Pereira da Costa (1974), as primeirasescolas públicas do Piauí, uma destinadapara meninos e uma para meninas, estaúltima, acrescentando em seu currículo,atividades domésticas. Deve-se lembrar que

ambas não lograram êxito.

Também devem ser destacados osbaixos salários dos professores em toda aHistória da Educação no Piauí, uma vez

que pessoas habilitadas, quase sempreabastadas, não se propunham a exercera função. Assim, as cadeiras, seprovidas, em pouco eram abandonadas,donde as contínuas vacâncias a ofereceroportunidade a professores sem

habilitação. (NUNES, 1975, p. 56).

Não sendo estranho, em seu início,o pagamento dos professores em paneiros(cestos) de farinha, fato comum nastransações comerciais da época. Assim,estas primeiras escolas não obtiveram êxito,tendo sua curta existência atribuída à faltade professores habilitados para ministraremas aulas e a falta de recursos financeiros paraa manutenção das escolas (BRITO, 1996).

O que podemos também observar,de acordo com Lopes (1996), é que,

o ofício de professor público de primeirasletras não atraía as pessoas da época,por conta do tipo e trabalho, do status domesmo e do salário que recebia. Comoconseqüência as escolas que eramcriadas não funcionavam ou funcionavampor pouco tempo dada a ausência depessoas interessadas em ocupá-las. (p.52).

A preocupação do Estado com aeducação era mínima, na realidade sua ação

limitava-se a criar as escolas e pagar osordenados dos professores, semproporcionar condições defuncionamento às mesmas. Na verdade,a escola não interessava ao Estado, oqual a considerava com a mera finalidadede moralização e disciplinamento da

população. (LOPES, 1996, p. 53).

Evento que ilustra bem como seencontrava a educação no Piauí no séculoXVIII, é quando o primeiro presidente do

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Piauí, João Pereira Caldas, em 1759, nãoencontrando habitantes capazes deassumirem cargos no regimento de cavalariado Piauí, escreve ao Capitão-Mor do Pará eMaranhão, decepcionado com o estado deignorância em que vivia a populaçãopiauiense, sem nenhuma escola oficial,situação que em 1797 ainda persistia e levaa Junta de Governo da Capitania a apelarmais uma vez à Coroa para a criação de pelomenos uma cadeira de instrução primária,que teve como um de seus argumentos sera falta de escolas a responsável pela“rusticidade” e “ignorância” do povo.

O apelo feito pela Junta Governativaem 1797 não foi ouvido, como também nãoo foi o apelo feito em 1805. Somente em 1815são criadas três escolas de primeiras letrasna Capitania – uma na cidade de Oeiras, umana Vila de Parnaíba e uma na Vila de CampoMaior – escolas que, até onde as fontesconsultadas indicam, não chegaram afuncionar em razão da carência de recursosfinanceiros para a educação, conse-qüentemente com baixos salários oferecidose carência de professores habilitados.

A falta de pessoas habilitadas aomagistério, tem como um de seus fatores oisolamento do Piauí em relação ao restantedo país, face ao seu processo de colo-nização, em que os intercâmbios culturais,educacionais e até econômicos forammínimos com outras regiões. Deve serlembrado também que a economia baseadana pecuária não demandava formação demão-de-obra por intermédio da escola.Somente a administração pública necessitavadestes quadros (BRITO, 1996).

Como nos lembra MonsenhorChaves, “o povo, em geral, não se interessava

muito em que seus filhos aprendessem a lere a escrever. Por seu lado, os meninostemiam a escola, que não era absolutamenterisonha e franca” (1998, p. 33), em que o usode castigos físicos não era estranho. Omodelo pedagógico que tínhamos, baseava-se na autoridade do professor, que se valiade métodos como o bê-a-bá cantado e apalmatória (QUEIROZ, apud COSTA FILHO,2000), esta última sendo abolida oficialmentepela Reforma autorizada pela Lei n. 537, de2 de julho de 1864, mas sendo encontradoseu uso ainda no século XX.

Na realidade, o que percebemos éque, no caso da sociedade piauiense, “aescola tem pouco espaço nessa organizaçãosocial, onde o trabalho principal não exigiao saber formal (escolar) mas o do mando eda organização do trabalho na pecuária”(LOPES, 1996, p. 49).

Durante o Império, o quadro daeducação piauiense pouco mudou ou, emalguns momentos, piorou.

Com a Constituição de 1824, oImpério determina a gratuidade do ensino,mas se mostrou uma lei inócua. No Piauí,esta determinação foi agravada com adecisão da Assembléia Geral de adotar nasescolas das Províncias o método de ensinoLancaster6 , com o objetivo de atender a ummaior número de alunos com menorescustos. Método, contudo, desconhecido dospoucos professores da Província do Piauí.

Em 1824, os gastos com a educaçãooficial no Piauí eram mínimos, contandoapenas com três escolas primárias – Oeiras,Campo Maior e Parnaíba – e duas cadeirassecundárias de latim – Oeiras.

A educação no Piauí continuava

6 O método de Lancaster ou de Ensino Mútuo, buscava que o professor atingisse o maior número de alunosatravés do uso de monitores, que eram alunos mais adiantados que orientavam alunos mais atrasados.

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esbarrando em dois entraves já citados: faltade recursos para a educação e de pessoasqualificadas para o magistério.

Buscando atender as determinaçõesimperiais é feito um levantamento sobre aslocalidades que necessitavam de escolas deprimeiras letras. De acordo com os critériosestabelecidos foram criadas “escolas nasvilas e povoados Poti, Barras, Piracuruca,Piranhas e Jaicós, além de duas na cidadede Oeiras. Criam-se também na mesmaoportunidade três cadeiras de latim emOeiras, Parnaíba e Campo Maior” (BRITO,1996 p. 21). Em 1845, o Piauí contava com16 escolas públicas, de ensino primário, parao sexo masculino – 340 alunos – e três parao sexo feminino – 41 alunas (NUNES, 1975).

Nos primeiros anos de Teresina“quase que só os meninos da classe médiaiam às aulas da Província. Os meninos ricosestudavam de preferência nas escolasparticulares, onde o aproveitamento era maisrápido e sensível” (CHAVES, 1998, p. 33),cidade esta que contava com escolasparticulares de “afamada” reputação.

O Piauí, com uma educaçãoextremamente precária, encontrava nomovimento da Balaiada um outro momentode dificuldade. Envolvidas nas batalhas queatingiam grande parte do território piauiense,as autoridades desviavam atenção erecursos. Dentro deste quadro, a educaçãoé novamente abandonada e ademais ospoucos professores se envolveram de algumaforma com a guerra, abandonando as

escolas.

Dominada a ‘balaiada’ pelas tropas sobo comando do Cel. Luiz Alves de Lima eSilva, mais tarde Duque de Caxias, hojepatrono do Exercito brasileiro, a Provínciaestava praticamente sem escolaspúblicas, registrando-se apenas aexistência de algumas escolasparticulares. (BRITO, 1996, p. 22-3).

Em razão da precária situação doensino público no Piauí, surgiram inúmerasiniciativas privadas, que encontram na figurade Pe. Marcos de Araújo Costa uma de suassignificativas experiências. Em 1820, Pe.Marcos, descendente de família portuguesa,abandona a capital piauiense e organiza emsua fazenda de nome Boa Esperança, a 12km da antiga aldeia de Cajueiro – atualcidade de Jaicós – um estabelecimento deensino primário e secundário, recebendo,gratuitamente, alunos de diferentes classessociais, transpondo os limites do Piauí eatraindo alunos de províncias vizinhas.

Segundo Anísio Brito (1922),paralelo à experiência de Pe. Marcos, existiaum ensino oficial que se encontravaparalisado, com escolas insuficientes ecarentes de professores e sem despertar omenor interesse dos poderes públicos.

Em mensagem aos deputados, pelapassagem da morte de Pe. Marcos, em 1850,o então Presidente da Província, AntônioJosé Saraiva, afirma: “A morte doreverendíssimo Padre Marcos, que encheude dor a todos os corações piauienses,fechou as portas da única casa de educaçãoque esta Província possuía” (apud NUNES,1975, p. 52).

Podemos destacar ainda aexperiência de Pe. Francisco Domingos deFreitas e Silva que, em sua propriedade, naatual cidade de Piripiri, funda uma escolaprimária e curso de latim. Além destes, outrossacerdotes desenvolveram trabalhos bemsucedidos, mas sem a mesma amplitude.

A experiência de Pe. Marcosestimula o surgimento de outras escolasmantidas por iniciativa privada de clérigos ede proprietários rurais interessados emoferecer as primeiras letras aos filhos. Assimsurgem vários professores ambulantes oumestres-escolas que ministraram aulas nascasas dos proprietários rurais ou em locais

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adaptados, sendo estas escolaspredominantemente rurais (BRITO, 1996).

Em importante trabalho de pesquisahistórica foi possível obter a informação de queno ano de 1844 a Província do Piauí contavacom, pelo menos, 28 escolas particulares:

Encontramos em papéis de 1844arquivados na Casa Anísio Brito o registrodestas escolas localizadas mais na zonarural que nas sedes municipais. EmValença, por exemplo, havia 9 escolasparticulares, em Barras 7, Piracuruca 3,em Príncipe Imperial 2, uma na sede eoutra em Pelo Sinal, Parnaguá com 7distribuídas pelos povoados assim: 4 emParaim, uma em Gilbués, uma emCurimatá e outra, certamente na sedemunicipal. Provavelmente tinham escolasparticulares em todos os municípios(NUNES, 1975, p. 48).

Para o professor Costa Filho (2000),as formas de ensino alternativas ao ensinoformal eram uma constante no Piauí do séculoXIX que, paralelamente ao ensino oficial,desenvolveram-se experiências capazes deatender aos interesses dos diferentes grupossociais. Exemplo é o sistema dos mestresambulantes que se deslocavam pelas cidades,vilas e povoados, ensinando ler, escrever econtar, além de outras práticas cotidianasnecessárias à sobrevivência individual ecoletiva. Para este autor, no século XIX, osistema oficial de ensino logrou êxito, poisatendeu aos interesses dos grupos sociais deelite, fim pelo qual foi criado.

De acordo com o professor ItamarBrito (1996), o ano de 1845 marca um novomomento da educação no Piauí, chamadode “Período de Estruturação”, com a possede Zacarias de Góis e Vasconcelos comoPresidente da Província.

Na administração de Zacarias deGóis, buscou-se pela primeira vez, por meioda Lei n. 198, de 4 de outubro de 1845,normatizar a rede escolar e dar-lhe estruturaadequada, criou-se o cargo de Diretor da

Instrução Pública, definiram-se os critérios defuncionamento da rede escolar e admissãode professores e, finalmente, instalou-se oprimeiro estabelecimento de instruçãosecundária da Província, o Liceu, em Oeiras,que recebeu o nome de Colégio Estadual doPiauí e hoje denominado Colégio EstadualZacarias de Góis, em homenagem a seufundador.

Também com Zacarias de Góis, éestabelecida a obrigatoriedade do ensino, de7 aos 10 anos para meninas e de 7 a 14 anospara meninos. Assim, a Província buscavasolucionar a irrisória matrícula e freqüência nasescolas públicas. No entanto, era “uma medidainócua, inexeqüível, pois os recursos humanose financeiros disponíveis não ofereciamcondições para a instalação e manutenção deuma rede escolar capaz de atender a toda apopulação nas faixas etárias mencionadas”(BRITO, 1996, p. 27).

Para Zacarias de Góis, a Reformainstituída pela Lei n. 198 possibilitou umadireção uniforme para o ensino e a criaçãode escolas de primeiras letras queoferecessem condições de funcionamento,assim como a criação de várias cadeiras deensino secundário. No entanto, “[Zacariasde] Góis e Vasconcelos sancionou e publicoua lei que havia apresentado à AssembléiaLegislativa, mas em verdade pouco faz pelasua execução” (NUNES, 1975, p. 51).

A criação e vida do Liceu ilustramcomo se encontrava o ensino no Piauí, jáiniciando sua existência com problemas nãoestranhos à realidade educacional piauiense,como falta de recursos para a instalação doestabelecimento e carência crônica de

professores:

até 1850 poucas cadeiras foram supridase as que chegaram a funcionar eraminstaladas na própria residência doprofessor e contavam com matrículairrisória, cerca de três alunos em média,

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segundo estimativa do PresidenteAntônio Saraiva. Em sua mensagem àassembléia Provincial, em 3 de julho de1851, Saraiva chega a afirmar: ‘Pode-sedizer que o Liceu existia apenas naLegislação’. (BRITO, 1996, p. 25).

A carência de professores encontraforte motivo nos baixos salários pagos,demonstrando o quanto este aspecto tem semantido na história educacional piauiense.

Com o objetivo de dar-lhe melhorescondições de funcionamento, em suaadministração, Saraiva aluga uma casa paraas atividades do Liceu, mas, transferida aCapital de Oeiras para Teresina, as aulasdesta escola retornam às casas dosprofessores. Logo após, este estabelecimentode ensino também é transferido e “continuavasua débil vida em Teresina” (NUNES, 1975, p.54), chegando a ser extinto em 1861, sórestaurado em 1867.

Devemos ainda fazer referência auma experiência de alfabetização de adultosvoluntária em Teresina, criada em 12 denovembro de 1869, na casa do Sr. DeolindoMendes da Silva Moura, com o objetivo dealfabetizar rapazes e homens feitos, comaulas noturnas. Não se sabe ao certo seu fim,mas que sua criação causou grandemobilização popular (CHAVES, 1998).

Outro evento que merece destaquefoi a movimentação para a fundação de umSeminário Menor em Teresina, que recebeapoio do Presidente da Província, então Dr.Luna Freire, mas que não foi adiante.

O que se observa é que durante oImpério, ocorreram sucessivas reformas doensino na Província sem, contudo, alterar suafisionomia, com vista a resolver seusproblemas, mas que sempre se deparavamcom a falta de recursos e carência deprofessores. Nas palavras do professor AnísioBrito, “Várias, inúmeras as reformas, diversasleis, modificando, alterando o ensino público.

Ensino obrigatório e outras providênciasconstruíram interessantes textos legais, nãologrando resultado positivo” (apud NUNES,1975, p. 59).

No que se refere à carência deprofessores, esta não era exclusividade doPiauí, o que resultou, já na primeira metadedo século XVIII, na criação de escolas normais.No Piauí, a primeira Escola Normal data de 3de fevereiro de 1865, em cumprimento à LeiProvincial n. 365, de 5 de agosto de 1864.

A primeira Escola Normal teve vidaefêmera. Odilon Nunes encontra na cobrançade uma ‘jóia’ – taxa – um dos motivos para oseu insucesso. Se “procura logo estimular osprofessores com uma vantajosa gratificação,mas instituiu uma jóia de 80$000 por ano quedeveria ser paga pelo aluno em quatroprestações” (NUNES, 1975, p. 294), aoinstante em que, em 1862, a escola particularde “afamada” reputação de Miguel de SousaLeal Borges Castelo Branco, cobrava umamensalidade de 2$000 (CHAVES, 1998).

O então Presidente da Província,Luna Freire, em relatório à AssembléiaLegislativa, em 1867, informa que, em virtudedesta ‘jóia’, na Escola Normal não haviaalunos matriculados, somente alunosouvintes, e mesmo posteriormente sendodispensada esta ‘jóia’, o curso normal nãofloresceu, “assim, com tamanha despesa enenhum rendimento, pois no ano de 1866não se apresentou nenhum aluno paraexames, foi extinta a escola normal pelaResolução n. 599, de 9/10/867, que restaura,entretanto, o Liceu, numa tentativa dedinamização do sistema escolar” (NUNES,1975, p. 294). A saída do Presidente daProvíncia, Dr. Franklin Dória, seu fundador,“determinou a morte da escola, que viviaexclusivamente do apoio incondicional queele lhe prestava” (CHAVES, 1998, p.36).

O Ensino Normal foi restabelecido

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em 1871, desta feita funcionando anexo aoLiceu e com currículo de três anos –originalmente o currículo era de dois anos.Esta segunda tentativa também teve vidabreve, sendo extinta por resolução de 1874.

Em 1882, uma nova tentativa é feita,agora com currículo de apenas dois anos,como forma de apressar a formação deprofessores, sendo extinta por meio deResolução de 1888.

De acordo com Odilon Nunes (1975),o insucesso das escolas normais durante oImpério se dá em função de sua“prematuridade”, que tem como causa originala fragilidade econômica, preconceitossociais e dispersão econômica. O Liceu,mesmo com seus problemas, atraía delongas distâncias os filhos de pais ricos. Noentanto, as filhas não podiam ficar longe dasvistas paternas, tendo acesso, quando muito,às primeiras letras ministradas em escolasparticulares, muitas em fazendas, sendodifundido este tipo de ensino pelo Piauí que,em muitos municípios, superavam o númerode escolas públicas.

Esperava-se que, com a República,houvesse um revigoramento do ensino noagora Estado do Piauí, iniciando-se pelaformação de professores. No entanto, apesardos insistentes apelos, o que era esperadonão ocorreu, pois os legisladores,

continuavam com suas vistas voltadaspara outros problemas e quando cuidavamdo ensino era para aplicar novas normasou fazerem reformas quase sempreinexeqüíveis, pois não encontravamressonância no espírito de umprofessorado leigo e de poucas luzes, sembastante conhecimento e formação paracompreendê-las. (BRITO, 1996, p. 34).

Conclusão

Ao olharmos para este breve massignificativo retrospecto de como vem se

constituindo a História da Instrução no Piauípercebemos que a falta de recursos e acarência de profissionais da educaçãoqualificados marcou o trajeto educacionalpiauiense, nos períodos colonial e imperial,observando-se, também, a consideráveldistância entre a estrutura legal e a estruturareal do ensino, aspectos inclusivedestacados pelo professor Itamar Brito(1996).

No último Relatório do períodomonárquico, apresentado em 1889, oPresidente Dr. Raimundo Vieira da Silva,

afirma:

As escolas públicas da Província, comexceção da Capital, são verdadeirosalbergues. Nelas não existem os utensíliosnecessários que dão alegria aos alunos evontade de ensinar ao professor. Emquase todas se nota o desânimo, oindiferentismo, o atraso, o aniquilamentoda instrução pública primária, devido ànegligência do nosso governo que não temsabido curar deste importante ramo doserviço público. (NUNES, 1975, p. 298).

O que percebemos é que tambémo ensino público não era prioridade, e que“o elemento de realidade estava posto pelasituação financeira da Província e a nãoprioridade da educação nas políticaspúblicas locais. Este fato é responsável pelolento espalhar-se da rede pública escolar epor suas idas e vindas, em termos de criaçãoe fechamento de escolas” (LOPES, 1996, p.54-5).

No entanto, para além dainexistência de recursos financeiros ecarência de professores qualificados,situação esta que vem perdurando e poucose modificou ao longo da história piauiense,o que mais prejudicou a estruturação daInstrução Pública no Piauí, foi a falta devontade política de governantes em criar umsistema de ensino público conjugado com oprocesso de desenvolvimento do Piauí.

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Referências

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O MESTRE-ESCOLA: CULTURA, SABERES ESCOLARES E ATRANSFORMAÇÃO DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

(GOIÁS 1930-1964)*1

. Fátima Pacheco de Santana Inácio

Doutoranda em Educação, vinculada ao grupo HISTEDBRUniversidade Estadual de Campinas – UNICAMP

Professora Assistente da Universidade Federal de Goiás - UFG, Campus de Catalão

* Recebido em: junho de 2006.* Aceito em: junho de 2006.

1 Parte deste texto foi aceito para ser apresentado no VI Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação,de 17 a 20 de abril/2006, em Uberlândia – MG.

Resumo:

O texto busca reconstruir a atuação dos mestres-escolas em Goiás, entre 1930 a 1964, buscando:identificar aspectos cotidianos das relaçõesestabelecidas com empregadores, com alunos, comfamiliares e com a sociedade onde viveram;estabelecer uma interlocução entre a dinâmica dotrabalho, ou seja, as especificidades desta ocupaçãoe as transformações encaminhadas pelo Estado, noperíodo, momento que possibilita identificar umaconcepção renovadora do ensino no país, comocondição para o desenvolvimento econômico doEstado. O enfoque privilegia temáticas voltadas paraa origem e relações de trabalho do mestre-escola; oprocesso de estadualização do trabalho do mestre-escola e sua remuneração salarial; os conteúdos epráticas pedagógicas do mestre-escola; o tempo e oespaço escolar utilizado nessa dinâmica educacional.

Palavras-chave: Mestre-escola, escolarização,saberes escolares, práticas pedagógicas.

Abstract:

This text searches to reconstruct the performance ofmaster-schools in Goiás, between 1930 and 1964,searching: to identify daily aspects of the relationsestablished with employers, students, relatives andthe society where they lived; to establish aninterlocution between the dynamic of the work, oreither, the specificities of this occupation and thetransformations directed by the State, in the period,moment that makes possible to identify a renewedconception of education in the country, as conditionfor the economic development of the State. Theapproach privileges themes come back for the originand relations of work of the master-schools; theprocess to become the state work of the master-school and his wage remuneration; the contents andpedagogical practices of the master-school; the timeand the school space utilized in that educationaldynamic.

Keywords: Master-school, education, school

knowledge, pedagogical practices.

Ao privilegiar a construção de umamemória da educação em Goiás, optandopelo trabalho com entrevistas, procurou-seevidenciar o mestre-escola como interlocutor

relevante para compreensão das mudanças,por entender que estas se fazem em umprocesso coetâneo com os projetos doEstado, influenciando e sendo influenciada

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e com a sociedade onde viveram; 2º-estabelecer uma interlocução entre adinâmica do trabalho, ou seja, asespecificidades desta ocupação e astransformações encaminhadas pelo Estadoentre os anos 30 até 64, período quepossibilita identificar uma concepçãorenovadora do ensino no país, comocondição para o desenvolvimento econômicodo Estado.

O relatório elaborado pelo governodo Estado de Goiás, em 1933, ao afirmar que“a educação, o progresso e civilização”aparecem articulados, mostra a opção pelaeducação, enquanto canal que possibilitariaa modernização do estado, conforme pode

ser observado na citação abaixo.

Dessa febre educativa contemporânea,tanto mais intensa quanto mais civilizadoé o povo em que ela se manifesta, derivaa razão por que a renovação pedagógica,o aperfeiçoamento do ensino, adinamização dos métodos escolares, quemonopoliza as energias, o saber e aexperiência de tantos educadores,psicólogos, filósofos, políticos, estadistase pensadores em todos os quadrantesdo planeta, está adquirindo oscaracterísticos de movimento mundial. Háuma espécie de apelo permanente,crescente e geral para a Escola.Entronizado pelo ideal de civilizaçãoinfinita, surgiu um soberano moderno,cujos domínios, como já disse alguém,se dilatam cada dia mais na consciência(sic) da humanidade, submetendo adedicação e o carinho dos homens – Estesoberano é a criança, a matéria prima dofuturo. (RELATÓRIO DE GOVERNO,1933, p. 9)2

Esta opção pela educação pode serentendida a partir de algumas tensõesexperimentadas na época. A construção deum novo paradigma educacional pelo Estadorespondia, por um lado, as tensões entreposições políticas distintas e, por outro, a

2 Encontrado no Arquivo Histórico de Goiás – Goiânia-GO.

por aquele processo.

O mestre-escola aparece comomediador de uma educação letrada parapequenas parcelas da sociedade, na maioriapertencente à elite, constituindo-se,enquanto elo de uma cultura oral, até o iníciodo século XX. A partir desse período vai-seconstruindo um discurso fortemente marcadopor um “otimismo pedagógico”, percebendoa expansão do ensino primário como aexigência para a construção de uma naçãomoderna. Nesse momento a propostaeducacional esteve articulada “a projetos dehomogeneização cultural e moral”(CARVALHO, 1998, p. 43) e à criação deuma identidade nacional que passou a serperseguida após a proclamação daRepública.

A presença do mestre-escola vaisendo reafirmada, assim, como parte de umpassado distante identificado com relaçõespolíticas, econômicas e sociais de um paísatrasado, que necessitava rapidamentemodernizar.

O mesmo discurso político tomavisibilidade pública em Goiás com aimplantação, na educação, de um projeto desubstituição do mestre-escola porprofessores normalistas. Apesar dessediscurso modernizador que via o mestre-escola como sinônimo de atraso social, suapresença ainda pode ser observada até oinício dos anos 70, revelando contradiçõese limites dos projetos políticos diversos queo Estado enfrentou na implementação dasmudanças para se modernizar.

Este artigo privilegia as entrevistasfeitas com mestres-escolas e ex-alunos,buscando: 1º- identificar aspectos cotidianosdas relações estabelecidas comempregadores, com alunos, com familiares

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consolidação de ameaças ao EstadoBurguês, decorrentes da presença doscomunistas, suas lutas e reivindicaçõessociais no Estado, que desenvolvematividades, influenciam e atraem,principalmente, o posicionamento dostrabalhadores urbanos em relação aos seuspatrões, exigindo respeito às conquistastrabalhistas recentes, e a exigência demelhores condições de trabalho e vida parao trabalhador rural.

Nesse sentido, Goiás, ao articular asrelações de ensino, que envolviam o mestre-escola, com questões ligadas ao governofederal, entrava, simultaneamente, nasespecificidades locais.

O Novo Dicionário, Aurélio (1975, p.916) define o mestre-escola como “Professorde instrução primária; mestre de meninos,mestre de primeiras letras: D. Tomásia, irmãdo mestre-escola da aldeia..., vivera na cortemuitos anos com o sábio mano.(HERCULANO3 , Lendas e Narrativas, II, p.257.)”. Esta definição confirma o que foiexplicitado anteriormente sobre a visibilidadeque é dada ao mestre-escola; o exemplo dadopelo autor do dicionário, ao buscar identificarsua definição, toma como exemplo umexcerto da literatura, de Portugal, mostrandoa corte portuguesa na colônia, quando omestre-escola era tido como um sábio, e suaimportância social se devia ao fato de ser eleum dos poucos que sabiam ler e escrever eter disponibilidade para ensinar a outros.Sendo assim, apreende-se que a identidadedo mestre-escola se concretiza no passadoe na atualidade sob perspectivas

diferenciadas. A leitura do verbete sugere queessa identidade, ao ser datada, tenha sidogradativamente (re)elaborada, conforme foivisto na introdução deste estudo.

O mestre-escola parece ter suaidentidade e inserção redefinida nasociedade brasileira no início do século XXa partir das transformações internas e geraisna forma como se concebeu o papel daeducação no desenvolvimento e progressoda nação.

O período pós-30, é privilegiado naconstrução desse debate, pois é nessemomento que ocorre uma dicotomizaçãoentre o período em que o mestre-escola eratido como elemento indispensável àconstrução de uma sociedade letrada e o queestá sendo posto como recorte temporaldeste estudo. O que se configura é asuperação das práticas pedagógicas domestre-escola, não no sentido de favorecersua qualificação, mas “na pura e simplessubstituição” desse educador por outroreferendado pelo diploma da Escola Normal.

Em Goiás, contrastando com essapostura, foi possível perceber que apresença do mestre-escola, como educador,persistiu por longo período, em um processocontemporâneo com o discurso deconstrução de uma nação modernaimbricada no capitalismo, que necessitavasubstituir o mestre-escola pelo professornormalista.

É no âmbito de um país que assumea modernização, via industrialização paraseu desenvolvimento, que, de forma

3 Alexandre Herculano (1810-77), escritor português. Descontente com o absolutismo monárquico, exilou-se naFrança, onde escreveu os seus melhores poemas, mas voltou a Portugal, em 1832, e continuou a fazer poesia,como A Voz do Profeta (1836) e A Harpa do Crente (1838). Dirigiu o jornal Panorama por volta de 1840, eganhou fama como historiador; publicou A História de Portugal, em quatro volumes, e História da Origem eEstabelecimento da Inquisição em Portugal. Cf. Folha de São Paulo: Nova Enciclopédia Ilustrada FOLHA. Vol.1. Folha de São Paulo, mar./dez. de 1996, p. 443.

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contraditória, constatamos a presença domestre-escola na Segunda República, noEstado Novo. Em um Brasil que se propõe aromper com as estruturas arcaicas e se voltarpara as novas conquistas tecnológicas, paraa industrialização, para um novodirecionamento da dinâmica rural, envolto porpolíticas e atitudes transformadoras as quais,no entanto, revelam-se muito maisconflituosas que a aparência do primeiromomento permite vislumbrar.

Essa presença do mestre-escola ea dinâmica por ele experimentada nesseprocesso de mudanças não puderam seracompanhadas em documentos oficiais,devido ao ocultamento desse agente,enquanto ator do processo educacional.Esse ocultamento é na verdade reflexo de“concepções conservadoras a respeito dasdesigualdades sociais” (MARTINS, 1992,p.14) que privilegiam determinados atoreshistóricos em detrimento de outros.

Identificar o mestre-escola significapercebê-lo, na dinâmica de suas vivênciase práticas educativas, vinculado à sociedade,não enquanto expectador, mas como umindivíduo ativo, participativo, que ao mesmotempo é agente e paciente de mudanças,sejam elas sociais, políticas, culturais emesmo econômicas, do período de 30/64,no Sudeste Goiano.

Origem e Relações de Trabalho doMestre-Escola

A origem deste mestre-escola,datada do Brasil Colonial, aparece naconstituição do Sudeste Goiano, no séculoXIX, na dinâmica da ocupação territorialpropiciada pelo sonho de posse e cultivo daterra, capaz de garantir a sobrevivência e olucro através das ações comerciais eintercâmbios possíveis com outras regiões,

principalmente o Triângulo Mineiro. Foi comesse propósito que, no Sudeste Goianoforam chegando, gradativamente,camponeses que constituíram a populaçãolocal, e junto com esses camponeses vieramos primeiros mestres-escolas que atuaramna região.

A existência dos primeiros mestres-escolas propiciou a configuração dosmestres-escolas posteriores, uma vez queos primeiros ensinaram aos seus alunos ealguns deles também assumiram,posteriormente, a “tarefa” de ensinar,principalmente pela escassez de pessoasletradas na região.

Uma primeira informação preciosaque as entrevistas realizadas trazem, dizrespeito às origens geográficas dos mestres-escolas goianos, apontando que os mestres-escolas, em atividade no Sudeste Goiano noperíodo 1930/1960, tinham suas raízesfamiliares no Estado de Minas Gerais.

O trabalho do mestre-escola eraexercido no meio rural e no urbano, havendoos que trabalharam nos dois locais. O âmbitoda pesquisa, o tratamento das fontes orais,possibilitou perceber que se tratava, aprincípio, de um trabalho desempenhado porhomens, no entanto, a partir dos anos 30,gradativamente eles vão desaparecendo dassalas de aula, dando espaço às mestras, quepermanecem até os anos 60. Era um trabalhotemporário e não um projeto a serdesenvolvido no transcorrer da vida, masalgo esporádico, provisório.

A fragilidade da relação de trabalhoera vivida como algo normal, considerandoque este era um elemento comum àsrelações de trabalho de qualquer atividadeno período. O exercício da profissão não eraprojeto de vida. Com relação ao estado civil,segundo as informações orais, 100% dasmestras, ao iniciar seus trabalhos docenteseram solteiras, considerando que houvesse

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exigência do deslocamento para outrosmunicípios ou fazendas, deveria estardisponível, o que afrontava moralmente omodelo de organização familiar da época. Ocasamento podia propiciar a permanênciaem uma determinada fazenda. Em muitoscasos, a permanência da mestra eracondicionada à possibilidade de trabalho,também para o marido, na mesma fazendaou nas proximidades. Quando ocorria algumadiscordância entre o patrão e o marido ambosdeixavam a fazenda, o que levava, aofechamento, às vezes temporário, da escola,enquanto se aguardava a chegada de um(a)outro(a) mestre(a)-escola.

No que diz respeito à relação dosmestres-escolas com a comunidade local, osmesmos eram respeitados, principalmentepor estarem a serviço de um determinadofazendeiro. O status do patrão incidia naaceitação e até mesmo funcionava comomecanismo de garantia do status do mestre-escola perante a comunidade local. A mestrasolteira, por exemplo, tinha a guarda de suamoral respaldada no fazendeiro que ao zelarpor sua integridade punha sempre à suadisposição um indivíduo de sua confiança,geralmente um rapazola, que aacompanhava em suas visitas à família,tendo em vista as grandes distâncias ruraisa serem percorridas até a residência de seusfamiliares.

Parte dos entrevistados reputaimportância a uma cultura que teriam trazidode Minas Gerais. A proximidade do SudesteGoiano com aquele Estado propiciou umainterlocução de valores, costumes, modosde vida e crenças.

Os motivos da vinda para o SudesteGoiano não são mencionados pelosentrevistados, mas inquiridos sobre suasorigens, revelam suas trajetórias de vida,quase sempre citavam o local e a data denascimento, entrando a seguir nas narrativas

sobre sua vida estudantil e posteriormentesuas experiências como mestres-escolas.Porém, é possível identificar em seus relatosque a maioria era filha de lavrador, e oriundasde famílias numerosas, precisavam trabalharpara ajudar na sua manutenção. As entrevistasmostram que as famílias dos mestres-escolastinham, no mínimo, cinco filhos, e estes, porsua vez, também acabavam por reproduzir omodelo. Era comum, no período, seja nasfamílias com maior poder aquisitivo ou não,a criação de uma grande prole, aliás, issopermitia mais braços disponíveis para otrabalho rural organizado em torno daagricultura familiar.

Nos dados coletados nas entrevistas,dois elementos chamaram nossa atenção, oprimeiro é que os mestres-escolas eram namaioria mestres-escolas do sexo feminino e,portanto, enfrentaram todas as diversidadesacima mencionadas, com agravante de aindaprecisar trabalhar para ajudar o marido nopróprio sustento e na manutenção dos filhos.Constata-se assim que o Sudeste Goiano,nesse aspecto, reafirma o que vinhaacontecendo em nível nacional, poisgradativamente foi ocorrendo a substituiçãode mão-de-obra masculina pela feminina noque se refere às práticas docentes. A mão-de-obra masculina rural volta a centrar-se naagricultura e na pecuária.

O trabalho como professora, além dodoméstico, gradativamente vai se tornandoaceitável na região, fato que já vinhaocorrendo não só em Goiás, mas em todo oBrasil. Em períodos anteriores apenas ohomem trabalhava para garantir o sustento dafamília, prática comum na região, à medidaque novas necessidades vão sendo criadaspelas mudanças sociais, torna-se necessáriaa contribuição do trabalho remunerado damulher, sem significar, muitas vezes, pecúliopara a família, mas garantia de sobrevivência.

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As falas a respeito do período sãoreveladoras de uma vontade de substituiçãodo homem pela mulher nas práticas docentes,justificada pelo discurso de ser a mulher maismeiga, terna, capaz de conduzir melhor aaprendizagem das crianças através das suasqualidades, por natureza, femininas. O queesse discurso procurava esconder eraprincipalmente o aspecto salarial envolto naquestão da educação escolar, os salárioseram muito baixos, principalmente, secomparados ao de outras profissões doperíodo. Os baixos salários, praticados nomercado de trabalho goiano, não eramsuficientes para um chefe de família mantersua prole e o homem era o principalresponsável pela manutenção econômica dolar. Assim, a mulher, ao assumir as atividadesdocentes, quase que retirava do Estado apreocupação com o retorno financeiro dessetrabalho, uma vez que a sua finalidade seriaapenas de complementar as rendas do lar.

É interessante observar que osartigos publicados na Revista de Educação,cuja primeira edição data de 1937, fazemreferência à professora primáriacomparando-a a elementos da natureza: “Aprofessora deve ser como essas grandesalmas que espalham suave calma e bem estara seu redor, como as árvores frondosasprojetam sombra e frescura sob o sol

causticante.”4 E ainda:

Na nossa população infantil, em que 90%dos alunos não recebe em casa educaçãoconveniente, pois seus pais nãoconhecem os princípios educacionais,cabe então, à professora primária, a nobree árdua tarefa de educá-las, procurandoconhecer e aperfeiçoar as aptidões ecorrigir os defeitos.Eis, colegas, pequeno parecer da missão

sublime de que se reveste a professoraprimária de hoje, e as mães de amanhã,no aperfeiçoamento da obra prima danatureza, que são esses pequeninosseres que nos cercam.5

A citação revela a concepção queestava sendo construída a respeito dasatividades do trabalho do professor,atribuindo uma identidade ao trabalhorealizado no espaço escolar, como umavocação feminina. Quanto à questão salarial,não quer dizer que o Estado, em algummomento, sentiu-se totalmente responsávelpelo retorno financeiro do professor do sexomasculino e o pagava adequadamente.Havia certo desconforto denunciado na falade autoridades políticas a esse respeito, quede certa forma foi, gradativamente, superadoà medida que o magistério vai sendoassumido pelas mulheres. Através deconversas informais6 foi possível identificara existência de preconceito por parte depessoas comuns em relação ao mestre-escola do sexo masculino, taxado muitasvezes de preguiçoso, de incapaz de pegarno cabo da enxada, por isso dedicava seutempo à instrução escolar.

Paulatinamente a diferenciaçãoentre letrados e não letrados vai seacentuando, aparecendo como um recorte,que passa a dividir a comunidade local,criando um início de preconceito, sendo umadivisão que não dicotomiza comdiferenciações econômicas, tendo em vistaque geralmente se entrecruzam, pois parteconsiderável dos primeiros alunos quefreqüentavam a escola são filhos deproprietários de terras.

As falas de quatro entrevistadosapontam como justificativa para a não

4 Revista de Educação. Ano V, nºXII, Set./Out. 1940. p. 11.

5 Revista de Educação. Ano I, Num.2 – Nov./Dez. 1937. p.43. 6 Trechos dos diálogos estabelecidos permitem essa leitura.

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continuidade dos estudos, por parte dosmestres-escolas, o trabalho na agricultura,que todos, alunos e professores, estavamenvolvidos. Essas atividades eramacessórias, mas necessárias enquantocomplementação de renda por parte doprofessor.

Ao relatar sobre seu envolvimentocom as atividades escolares, como mestras,as senhoras entrevistadas trazem para ocenário também o trabalho doméstico que,provavelmente, estavam envolvidas todas asdemais mestras casadas do período, ou seja,o trabalho não se resumia às atividades desala de aula, ele também era compartilhadocom os afazeres domésticos, com a vidacomo esposa e mãe.

Em outro momento, a Sra.Sebastiana, em sua fala, expressa umarelação que minimiza e desqualifica suaatuação como educadora, ao afirmar que ela“só insinava o bê-a-bá, aquilo que eu sabia”(informação verbal)7 . Na nossa avaliaçãoessa fala assume o discurso oficial,apresentado pelo governo goiano,identificando o mestre-escola comoinadequado para as funções que exerciam.

Ao menosprezar o trabalho queexecutava, a entrevistada expressaaspectos de um discurso hegemônico emque sua substituição foi necessária e queessa atividade de ensino era insignificantepara um processo educativo. Pode-seentender que este debate expressa aredefinição que a profissão do mestre-escola sofreu no período de construção deuma educação moderna em Goiás.

As Escolas Particulares e o Mestre-Escola

A existência de escolas particularesera comum na sociedade da época,principalmente entre os anos trinta e quarenta,período em que o Estado de Goiás ainda nãohavia assumido, na prática, suaresponsabilidade no sentido de expandir, demaneira satisfatória, a demanda pela redepública de ensino. No que se refere àdemanda do Sudeste Goiano por instruçãoescolar, aqueles que tinham melhorescondições financeiras arcavam com o ônusda escolarização.

A prática de contratação de mestre-escola por fazendeiros, para ensinar seusfilhos, não ocorria somente devido àsdificuldades e custos na manutenção dosmesmos na cidade. Provavelmente apresença do mestre-escola em suapropriedade lhe trouxesse mais status sociale ainda garantisse a permanência de seusfilhos sob seus domínios, controle eautoridade. Enquanto algumas mestrasafirmam que eram contratadas apenas paraministrar aula para os filhos dos fazendeiros,outras dizem que, nas suas atividadesdocentes, atendiam, além dos filhos dosfazendeiros, filhos de outros trabalhadoresque estavam nas fazendas.

Esses diferenciados tipos de“contratos” docentes, ao que parece, só vaiser superado, significativamente, à medidaque ocorre a estadualização do ensino, e queo mestre-escola passa a ser contratado pelaPrefeitura, o que impõe condições eexigências para abertura de escolas nasfazendas, regulamentando certo número decrianças, para freqüentar a escola. Oregulamento previa cerca de 40 alunos, porémesse número varia de 20 a 60 alunos,conforme os entrevistados.

7 Entrevista realizada com a sra. Sebastiana, em 12/02/2003, às 17h45min.

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A Estadualização do Trabalho do Mestre-Escola

Assim, o regulamento estadual deGoiás, que normatiza o ensino primário de1930, apresenta no decreto nº 10.640 de 10de fevereiro de 1930, artigo 80, a exigência

para criação de escolas:

Em toda localidade onde houver quarentaou mais crianças em idade escolar, serácriada, a juízo do governo, uma escolapara o ensino primário, e, se forem emnúmero superior, serão criadas tantas,quantas necessárias. § único. Asescolas isoladas (ruraes e urbanas) serãode 1ª. 2ª e 3ª classes, quando afreqüência for no mínimo de 60, 40 e 20alumnos, respectivamente, e masculinas,femininas ou mistas. (REGULAMENTODO ENSINO PRIMÁRIO de 1930).8

A intervenção do Estado no ensinoprimário condiciona o funcionamento da escolaa um determinado número de alunos. Há,portanto, pressões sobre os fazendeiros paraque seja ampliado o número de alunos paraabertura de escolas, no entanto, parece havercerta convivência entre os dois modelos deescolas, até meados dos anos 40.

É possível acompanhar no “Boletim”,órgão de imprensa da Prefeitura Municipalde Catalão, que trazia os atos oficiais doprefeito, como em meados dos anos 40, aocorrência de uma série de atos do municípiotransferindo os “professores rurais”, novadenominação dos antigos mestres-escolas,de uma fazenda para outra.

Ao transferir a sede de uma escolarural de uma fazenda para outra, a Prefeituracomeça a usar como estratégia a exigência,para o funcionamento da escola, de certonúmero de alunos. Quando este requisito nãoé obedecido, a escola é transferida para

8 Encontrado no Arquivo Histórico de Goiás. Goiânia – GO.

outra propriedade onde o número de alunosé considerado satisfatório, visando umamaior produtividade da escola.

O decreto nº 12 de 24 de maio de1943, da Prefeitura Municipal de Catalãoclassifica as escolas rurais em setecategorias pelo número de alunos,vinculando o vencimento do professor ao tipode escola que leciona.

Considera-se que, pelo fato deatribuir uma classificação quantitativa, essemecanismo se tornava elemento que o poderpúblico usava, não apenas por medida deeconomia, mas que apontava para umaincorporação maior de pessoas ao sistemade ensino, onde seria possível cumprirobjetivos previstos pelo Estado, no período,para a educação.

Para o poder público “nem sempre”justificava abrir escola em uma região ondea demanda pela mesma era consideradainsuficiente.

Contratos de Trabalho e Relações Sociaisdo Mestre-Escola

As informações referentes acontratos de mestre-escola por fazendeirotrazem em si algumas questões que revelamos problemas enfrentados noestabelecimento dessas relações detrabalho, pois, segundo as informaçõesobtidas, apresentadas na tabela I,aproximadamente 82% desses mestres-escolas, a partir de 1950, eram mulheres, asquais iniciavam suas atividades docentescom idade entre quatorze a dezoito anos, ouseja, entravam para o mercado de trabalhomuito jovem e com a incumbência de realizá-lo longe da família.

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A sociedade daquele período, debase patriarcal, ainda se mantinha fechada,com os valores morais medidos pela palavrado homem e pelas virtudes das mulheres, oque implicava no resguardo da purezafeminina, compreendida nos limites de sua“virgindade”, enquanto solteira. Os paisdificilmente estariam dispostos a abrir mãoda presença das filhas, de sua guarda eproteção; com isso é possível visualizar asdificuldades do contrato de trabalho entre ospais das mestras e os fazendeiros. Sendouma sociedade marcada pela oralidade e atradição, a presença feminina em umaatividade pública necessitava ser mediadapor algumas exigências de cunho moral.

O fato da sede da fazenda quasesempre ser habitada pelos proprietários, suaprole e outros membros da família, tais comopais e irmãos solteiros do fazendeiro,abrigando ainda peões solteiros queestivessem realizando trabalhos temporáriosna fazenda, e ainda as mestras, na verdademeninas-moças, propicia uma compreensãoda complexidade dessas relações.

O fazendeiro ao contratar umamestra assumia o compromisso de zelar porsua integridade física e moral. Os pais damestra delegavam a vigilância sobre suaconduta moral para o fazendeiro. Cabelembrar que a sociedade brasileira, na épocase pautava rigidamente pelas questõesmorais e religiosas, portanto qualquer ato quemanchasse a integridade moral dessasmoças viria a público e geraria conflitos inter-familiares. Como a casa sede era habitadapor pessoas com diferentes vínculos com ofazendeiro, a vigilância era redobrada,lembrando que seu prestígio e status tambémestavam em jogo.

Ao serem perguntados sobre otempo de permanência dos mestres-escolasnas fazendas, os entrevistados responderamque durava em torno de alguns meses a

pouco mais de um ano. Esta afirmação noslevou a questionar os motivos de tão curtapermanência num local, que aparentemente,era muito bom, de fácil convivência. Nessecontexto, verificaram-se posicionamentosdiferenciados entre as ex-mestras.

O Mestre-Escola e a Questão Salarial

As entrevistadas deixaramtransparecer certo “desprendimento” edesconhecimento em relação ao saláriorecebido, do valor do trabalho no mercado,como se o mesmo não fosse realmenteimportante e necessário para suamanutenção e de sua família. Cabe observarque, as novas exigências, por parte doEstado, em relação ao professor, buscaramsalientar a importância de seu papel social,sem, no entanto, conceder-lhe um retornofinanceiro condizente com suas “novas”responsabilidades, gerando uma percepçãode que o salário estaria em segundo planona vida da mestra, quando, na realidade, asituação financeira as obrigava a deixar afamília, enfrentar o desconhecido, correrriscos ao ter que conviver com pessoasdiferentes, na fazenda.

Nem todas as entrevistadassentiram-se constrangidas ao falar sobre osalário que recebiam. A sra.Valdirene, aofalar do salário que recebia pelo seu trabalhocomo professora ao ser contratada, afirma:“Ah, naquela época, ah minina eu nem melembro se era cum vale, num era cum valemais era cruzeiro, num sei que dinheiro queera naquela época, era poco dimais, a cemmil réis, cem mil réis, lembrei agora”(informação oral)9.

Os balancetes consultadosencontrados na Prefeitura Municipal deGoiandira, assim como as portarias,

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referentes ao ano de 1932, mostram que oprofessor aparece com o menor salário dafolha de pagamento.

O vencimento de um professor erainferior ao de todas as demais categorias,fato que pôde ser comprovado nas demaisfolhas de pagamento pesquisadas, nas quaisfoi possível identificar ainda vencimentosdiferenciados entre os professores queatuavam no grupo escolar, e os quecompunham a categoria de adjuntos ouministravam aulas na zona rural. Forampesquisadas também mostras de balancetesdos anos de 1952, que comprovam acrescente desvalorização do trabalho doprofessor em relação a outras categorias detrabalhadores.10

Na busca de maiores informações arespeito dos salários recebidos, o quesignificavam esses salários em termo deaquisição de bens, o que se podia comprarcom os mesmos, e de que forma eramdespendidos, as respostas das mestrasquase sempre eram as mesmas. A Sra.Antônia faz o seguinte comentário: “A ropa,dava pra compra ropa (risos) dava pracomprá, eu ajudava em casa tamém...”(informação verbal)11 . A fala anterior e o modocomo foi expresso revela que o salário nãoera muito, mas condizia de certa forma comas expectativas que tinham a respeito domesmo, era suficiente para suprir aspequenas necessidades pessoais e deconsumo da época.

O fato de morar na roça, trabalhar porconta do fazendeiro, em termos de alojamentoe alimentação, levava a crer que o saláriorecebido era suficiente principalmente quando

o mesmo também dava pra ajudar a família eainda comprar as roupas e os artigos básicosde que necessitava.

Talvez os risos da Sra. Antôniapossam ser entendidos a partir do exercícioda memória que ao mesmo tempo em queafirma ser o salário suficiente para suprir aspequenas necessidades que possuía nopassado, hoje, com as necessidade de umasociedade de consumo, seria consideradoextremamente pequeno. Naquele período,talvez, ela não ambicionasse grandes coisas,nada além da garantia de uma modestasobrevivência. Pode-se também levantar ahipótese de que o mestre-escola não tivesseclareza da situação de exploração em quevivia, revelando uma alienação das lutas,conquistas da categoria.

É importante chamar atenção parao fato de que, na época, o trabalho realizadonem sempre era pago em forma de umsalário definido, mas com produtos deconsumo, uma vez que a economia regionalnão era totalmente monetarizada. Partesignificativa dos trabalhadores locais tinhaseus vencimentos vinculados a produtos deconsumo, tais como arroz, feijão, banha deporco, etc. Os mestres-escolas, em muitoscasos recebiam seus vencimentos emespécies semelhantes: gêneros alimentícios(quando eram casados), artigos de tear(geralmente quando se tratava de mestra-escola solteira) produzidos pelas mães dascrianças etc, variando de acordo com aspossibilidades dos usuários de seus serviços.

Essa prática de troca de serviçospor gêneros alimentícios ou mesmo poroutros produtos era uma ação considerada

9 Entrevista realizada com a sra. Valdirene, em 23/08/2000, às 14h.10 Documentos encontrados no Depósito da Prefeitura de Goiandira. Pastas: Balancetes e Portarias da Prefeitura

de Goiandira de 1932, 1945, 1952, 1963.11 Entrevista realizada com a sra. Antônia, em 09/06/2003, às 13h10min.

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comum pelos habitantes locais no período,compondo de certa forma a cultura local. É,ainda hoje, uma prática entre os chamados“catireiros”, algumas mudanças foramintroduzidas. Nos dias atuais essa práticaassume a dimensão da troca que demandalucros, ou seja, o indivíduo realiza a troca nãoporque necessita de determinado objeto ougênero alimentício, mas vislumbrando apossibilidade do objeto adquirido possuirvalor de troca no mercado.

Caso semelhante, ao analisadoanteriormente, é o do sr. Antônio, esposo dasra. Sebastiana que, segundo depoimentoda mesma, recebia pelo seu trabalho comoprofessor, até mesmo, a autorização dautilização de terras de pais de alunos para oplantio de lavouras.

O fazendero lá tinha certa complacênciaporque ele num, as terras dele era dadapra quem plantasse [...] era dada a meiae cê planta uma quarta de arroz, aquiloque deu, se deu deiz saco, vinte saco, ametade é sua a metade é dele, i pra oAntônio não ele já dava ou os filho deleestudava na escola, ou ele deu dava pranóis, [...] arrendava a terra, acho que eraisso, uns vinte por cento, uma coisaassim, num lembro muito bem como éque era não, só sei que ele num cobravaa meia não, a gente dava, tinha que dáum tanto pra ele mais era mais poco,intão lá dava o milho, o arroz, o feijão eradividido com ele, agora o que nóisplantasse por fora não, algodão, mindoimtudo que ele tinha direito ele plantava, issoa gente colhia pra gente. (informaçãoverbal).12

A fala da entrevistada revela aexistência de mestres-escolas que eramincorporados como agregados nas fazendas,em alguns casos colocavam a atividade deensino em segundo plano ou mesmo aabandonavam devido à exigência do trabalho

rural, optando por dedicar-se apenas aoplantio, ou seja, não havia um perfilprofissional que definia a identidade doprofessor.

Outra informação interessante,referente à questão salarial, aparece na falada sra. Valdirene, quando afirma que nemsempre recebia pelo trabalho que executava,pois

o professor ia pra fazenda ele tava ali erapra pra trabalhá, durante o dia elelecionava para uns alunos [...] menorese aqueles mais velhos que tavatrabalhando na roça, era gente de vinteanos, vinte e dois anos que não pudiaestudá durante o dia quando era de noiteo professor tinha que dá aula pra ele maisnão tinha remuneração, não recebia nada,eu mesma fui uma dessas eu trabalheieu ganhava só pelos alunos pequenos,só pelas crianças pequenas...(informação verbal).13

Nota-se que as relações de trabalhonão eram definidas apenas pelo órgãoempregador, mas também, pelasnecessidades impostas pela comunidadelocal onde o trabalho era realizado, pois,neste caso, trata-se de uma mestracontratada como professora da rede públicamunicipal de ensino, para atuar na zona rural.O mestre-escola não era reconhecidoenquanto profissional, cujo perfil garantisseo cumprimento de uma jornada de trabalhocondizente com seu salário, ao contrário, eratido como um trabalhador medíocre e deformação deficiente, portanto nada mais justoque estivesse à disposição para ensinar o quesabia, independente do retorno financeiro, oque reforça o aspecto da história da profissãodocente, no qual o professor aparece comoalguém abnegado, a serviço do progressosocial e cultural do país.

12 Entrevista realizada com a Sra. Sebastiana, em 12/02/2003, às 17h45min. 13 Entrevista realizada com a Sra. Valdirene, em 23/08/2000, às 14h.

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As ex-mestras entrevistadas, aorememorar a respeito das jornadas detrabalho que se adequavam às necessidadeslocais, explicitam suas memórias de formasdiferentes, em alguns casos apresentam umavalorização do trabalho realizado de forma,inclusive, abnegada, compondo uma maneirade dar sentido às vivências passadas atravésda composição de um enredo que articulacom o presente de pessoa aposentada,residente na cidade. Um outro campo delembranças apresenta a identificação doprocesso como exploração que sofreram,parecendo indicar uma apropriação deexperiências incorporadas em outrosperíodos da vida, principalmente, quando aeconomia se torna essencialmentemonetarizada.

Esse segundo aspecto aparece deforma transparente na fala da Sra. Valdirene:

Intão a gente trabalhava durante o diapago pela Prefeitura pra lecioná para ascrianças e a noite tinha que lecioná paraos adultos, qué dizê que eu alfabetizeimuito adulto naquela época, mais numganhei nada, era mesmo, mais fiz o quepude, ajudei, fico feliz em sabê que elesaprenderam, tinha analfabeto dimais,tinha velhos coitados que num teveoportunidade de estudá quando eracriança ia pra lá também pra pegá umaaulinha e aprendê assiná pelo menos onome. (informação verbal).14

Os entrevistados mesmo dotados desentidos de abnegação, pelo trabalhorealizado ou de um trabalho feito medianteexploração, raramente falaram dos casos deconflitos com os fazendeiros. Assim, quandoperguntados, por exemplo, pela granderotatividade de mestres-escolas nasfazendas, as memórias apontam como sendo

um componente natural do período. Os relatosnão trazem elementos ou fatos específicos emque estiveram envolvidos, o que evidencia aexistência de um diálogo construído, pelo fatode muitos ainda morarem na região ondetrabalharam o que denota a existência,mesmo que oculta, de mecanismos de

controle social

Conteúdos e Práticas Pedagógicas doMestre-Escola

O mestre-escola ensinava a ler,escrever e a contar. Dizer desta forma fazpensar que o mestre-escola realizava seutrabalho em poucos meses, o que de certamaneira justificava sua presençadesnecessária. Havia, porém, a exigência deque seus ensinamentos precisavam esgotaros conteúdos de determinados livros,chamados popularmente por Primeiro Livro,Segundo Livro, Terceiro Livro, Quarto Livro,os quais correspondiam ao ensino primáriojuntamente com a cartilha, Cartilha daInfância, como era intitulada, escrita porThomaz Galhardo, que em 1949 estava emsua 166ª edição15 , e em seguida iniciavamos estudos dos manuscritos.

Os entrevistados, nesta pesquisa,deixaram transparecer em seus relatos aprática de introdução às leituras demanuscritos ocorrendo juntamente com osestudos posteriores ao Primeiro Livro. Osmanuscritos poderiam ser redigidos pelopróprio mestre-escola ou compor umacoletânea de manuscritos publicados com afinalidade de serem instrumentos de leiturados alunos. Sobre o assunto, é exemplar a

14 Entrevista realizada com a sra. Valdirene, em 23/08/2000, às 14h.15 Galhardo (1949).

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fala da sra. Sebastiana16 ao afirmar que

as cartas que ele (o mestre-escola)recebia dava pros aluno lê. Ou as deleou quem mandasse pra ele né. Eu pegavaas cartas e lia todas as cartas das filhasdeles. Toda veiz que eu lia as cartas delaseu chorava, de tanta emoção que dava.E eu num gaguejava pra lê não, e eu malsabia lê e eu lia muito, gostava de lê.(Informação verbal)

Nota-se, no depoimento, doisaspectos interessantes, o primeiro dizrespeito à criatividade do mestre-escola, poisao permitir a leitura de sua correspondênciapessoal provocava no aluno um interessemaior pelo conteúdo e conseqüentementeatingia o objetivo do exercício da leitura deaproximação afetiva entre o mestre-escolae o educando, propiciada através destaleitura.

Tudo indica que a obra classificadacomo Primeiro Livro, Segundo Livro, TerceiroLivro e manuscritos, citados anteriormente,compõem a coletânea de livros escrita porAbílio César Borges, o Barão de Macaúbas,adotada inicialmente por uma “pequenacidade goiana, [...] logo depois daproclamação da república...” 17 cujo resumoaparece descrito em artigo publicado naRevista de Educação.

Ao descrever os conteúdos de cadaum dos livros, o autor do artigo demonstrasincero respeito pelo trabalho apresentadona obra, não deixando de salientar os valoresculturais, morais e religiosos que deveriamnortear todo o conhecimento a ser ministradoao educando. Nota-se, também, que não háuma seriação dos conteúdos, mas umaseqüência a ser seguida mediante odesempenho individual de cada aluno.

Os aspectos da obra do Barão deMacaúbas demonstram que a mesma foielaborada seguindo os pressupostosarticulados pela elite brasileira, que pretendiaem sua “política nacional de educação”articular, através de um projeto, um“receituário” que garantisse a “formação danacionalidade”. Carvalho (1998, p. 44), aoanalisar esse projeto denuncia seu caráterautoritário ao afirmar que

nele foram repropostas representaçõesdo ‘povo brasileiro’ como carência,passividade e amorfia. Nele se propôs aescola como instância dehomogeneização cultural por via dainseminação de valores e da formaçãode atitudes patrióticas. Nele seconstituíram as ‘elites’, atribuindo-se umpapel diretor de qualquer transformaçãosocial. Nele se delineou a figura doEstado como gerenciador principal das‘elites’ na promoção da ‘unidade nacional’,exaltando-se, com isso, ‘as virtualidadescriadoras da intervenção deliberada, e docontrole coercitivo através de um poderburocrático’. Nele se elaborou o queLamounier chama de ‘visão paternalistaautoritária do conflito social’,característica do modelo de ‘ideologia doEstado’ que constrói: a ‘idéia deerradicação total do conflito pela adoçãodo modelo político (técnico) apropriado.

Ao que parece essa “ideologia doEstado” atingiu o Sudeste Goiano elegendocomo um dos seus vetores a coletânea doBarão de Macaúbas.

Considerando que apenas osconcluintes dos estudos dos livros e dosmanuscritos eram reconhecidos como aptosàs séries posteriores, caso tivessemcondições financeiras e interesse emprosseguirem seus estudos em outra regiãodo país, é possível perceber que apermanência do mestre-escola na fazenda

16 Entrevista realizada com a sra. Sebastiana, em 12/02/2003, às 17h45min.17 Revista de Educação, Ano 3º, Nº 9, nov./dez. 1939. p. 06.

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se fazia necessária por um período bem maiorque os relatados.

Outro aspecto que se construiu,enquanto expectativa de entendimento dadinâmica do ensino, foi adentrar no universodos conteúdos ensinados que mediavam asrelações de aprendizagem. A este elementoimputou-se grande importância,considerando que se tornaria um “lócus”privilegiado de intervenção do Estado coma finalidade de reorientar a prática, visandoà formação de um novo cidadão.

Os relatos das entrevistas mostramque, com relação aos conteúdos, haviaflexibilidade, o que permitia ao mestre-escolarealizar suas opções de ensino, limitadasapenas pelos poucos recursos disponíveisna época, uma vez que o único objetivo eraensinar as primeiras letras.

Na entrevista feita com a sra. Ana18 ,aparece a questão da religiosidade ao relatarque, quando trabalhava em uma fazendacomo professora, ocupava uma parte dotempo da aula ensinando as crianças a rezare sendo Católica havia ensinado a oraçãodo anjo da guarda, porém, os donos dafazenda eram adeptos do Espiritismo19 ,prática comum na região naquele período, eque em uma “conversa” lhe foi sugerido mudara oração que passou a ser a do Pai Nossosob a justificativa de ser aquela que Jesusensinou.

No depoimento aparece ocerceamento da liberdade religiosa, a partirdo qual, nota-se, é possível apreender comoos diferentes conteúdos podiam ser

alterados mediante a ingerência dofazendeiro, tendo em vista as diferentesopções, inclusive religiosas, feitas em cadafazenda.

Essa situação de ingerência podiaser um pouco amenizada quando o mestre-escola era casado e por isso tinha suacasinha pra morar com a família, o queprovocava certo distanciamento da vigilânciae controle do fazendeiro.

Através do que foi expostoanteriormente é possível identificar umadiversidade de situações e experiênciasrelacionadas com a prática educacional domestre-escola. Nesse sentido a situaçãomais adequada parece ser aquela em que aescola funcionava em um outro espaço quenão fosse ligada à casa grande da fazenda,residência do fazendeiro e seus familiares edo próprio mestre-escola, nem a do mestre-escola quando casado. Outros obstáculos edificuldades existiam mesmo nesta condiçãoaparentemente ideal.

À medida que as primeiras escolasrurais começam a ser construídas, constata-se ainda o poder de decisão do fazendeiro,pois elas passam por um processo denegociação entre a prefeitura e o fazendeiro,conforme apontam algumas entrevistas.

Dessa forma, uma primeiraexigência era que o fazendeiro doasse umterreno para a construção da escola. Ahospedagem do professor era feita medianteconcessão de uso da casa ou de cessão deum terreno para que a moradia fosse feita.Alguns favores quotidianos como transporte

18 Entrevista realizada com Sra. Ana, em 22/04/2003, às 14h.19 A divulgação do Espiritismo na região teve como aliada a grande necessidade das pessoas por tratamento

médico. Mediante as doenças, a falta de médicos na região e recursos para buscar tratamento médico emoutras regiões do Estado de Goiás e do país, as pessoas se submetiam ao tratamento espiritual, às raizadase a outros tipos de medicamentos que o “médium” orientasse. (Informações obtidas através de conversasinformais)

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e alimentação acabavam se tornandoestratégias de ingerências e controle doprocesso.

A introdução de mecanismos dereordenamento dos conteúdos oferecidos foium processo lento. A legislação federalacabava sendo negada no cotidiano dasescolas, tendo em vista a dinâmica político/eleitoral, de cidades como Goiandira eCatalão que interferia no processo deinstitucionalização, iniciado nos anos trinta.

Uma das estratégias utilizadas pelogoverno estadual, como mecanismo decontrole das atividades escolares, foi aregulamentação do trabalho dos inspetoresescolares, responsáveis por acompanhar oprocesso de ensino-aprendizagem.

Os primeiros inspetores escolaresselecionados, pelo processo de escolha,mantinham relações sociais que se diluíamnas estruturas do poder da própria cidadeonde atuavam, sendo que, aos poucos, suapresença no interior das escolas vai seconstituindo como elemento identificador deuma vigilância do processo educacional.

No tocante à disciplina20 , exigidapara o processo de aprendizagem,observam-se práticas que também seapresentavam diluídas nos costumes daépoca, respeitando a tradição local. Algumasentrevistas apontam que era comum ainterferência do proprietário da fazenda namanutenção da disciplina escolar.

O uso da punição utilizada como

20 Segundo Foucault (1986, p. 153), o poder disciplinar é com efeito um poder que, em vez de se apropriar e deretirar, tem como função maior “adestrar”; ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais emelhor. Ele não amarra as forças para reduzi-las; procura ligá-las para multiplicá-las e utilizá-las num todo.Em vez de dobrar uniformemente e por massa tudo o que lhe está submetido, separa, analisa, diferencia,leva seus processos de decomposição até às singularidades necessárias e suficientes.

21 Cabe ressaltar a compreensão da palavra punição, a partir do pensamento de Foucault (1986), que a definecomo tudo o que é capaz de fazer as crianças sentirem a falta que cometeram, tudo que é capaz de humilhá-las, de confundi-las.

mecanismo de manutenção da ordem, dadisciplina, dos bons hábitos, na construçãodo civismo, é rememorado com incômodopelas entrevistadas, um exemplo a ser citadodiz respeito às memórias referentes ao usoda palmatória.

A tradição da época transferia aautoridade do pai ao mestre-escola. Serenérgico significava fazer uso constante decastigos corporais e pressão emocional queconduzissem à exposição do aluno-infrator,perante seus colegas, de forma a ridicularizá-lo. Assim, a ação punitiva21 , no ambienteescolar, é utilizada como mecanismo deinibição das atitudes consideradasinadequadas e como sinônimas de garantiade aprendizagem.

Nesse contexto tem-se o uso dapalmatória pedagógica, o qual remonta aos

primórdios da educação brasileira,

que se apregoava estar proibida desde1827, foi usada até o terceiro decênio doséculo atual. Os regulamentos de 1835e 1856 reintroduziram o uso da palmatórianas escolas, o primeiro dosando aspalmatoradas a ‘seis bolos’ e o segundorecomendando ‘uso moderado’ [...], atéuma década atrás as supervisoraspedagógicas recolheram-nas em escolasdo interior. (SILVA, 1975, p. 199).

A permanência do uso da palmatória,em vigor na educação brasileira até os anos60, revela que os valores e as práticasculturais não são extintos por decretos-leis.O uso da palmatória só é superado nomomento em que ocorre uma alteração tanto

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na formação do professor quanto nasociedade, quando são introduzidasmudanças culturais que passam a condenaresta prática.

Em 1960 a utilização da palmatóriaainda era uma realidade no Estado de Goiás,o que de certa forma está de acordo com osrelatos das mestras que afirmam ter utilizadoa mesma até por volta dos anos cinqüenta,início dos sessenta, quando passaram a teroportunidade real de buscaremaperfeiçoamento através de cursos deformação, oferecidos a professores leigosque desejassem continuar na profissãodocente. Percebe-se, assim, o momento emque a prática educativa do mestre-escolapassa a sofrer transformações e, como nãopoderia ser diferente, irá influenciar asociedade local, provocando mudanças.

Note-se que a influência dopensamento escolanovista, no cenárioeducacional, já estava em voga no Brasildesde os fins do século XIX e em Goiás jávinha sendo introduzido desde os anos de1920, e que o mesmo se contrapunhatotalmente a esse tipo de comportamento, oconsiderado ultrapassado e totalmentenocivo ao desenvolvimento do aluno. EmGoiás o ideário escolanovista foi amplamentedivulgado pós-30, durante o governo PedroLudovico Teixeira, através da realização decongressos educacionais e da criação daRevista de Educação fundada nesseperíodo.

A mentalidade sobre o que era serbom professor, na época, na região, estavacentrada na figura do professor enérgico,elemento que ainda hoje compõe a culturaescolar, não só local. Manter a disciplina emsala de aula ainda é sinônimo decompetência.

Segundo Sousa (1998, p.86) o uso da

palmatória e o castigo físico eram

condizentes com a única forma socialreconhecida de manifestação daautoridade, espelhava a brutalidade dasrelações de domínio da época, napolítica, no trabalho, no exército, nafamília e no casal; a palmatória, noimaginário social, comportava-se comoum emblema da profissão docente,enquanto expressão do direito legítimode comando, uma espécie de créditomoral suplementar emprestado aos

mestres pelas famílias.

Tempo e Espaço Escolar

O horário das aulas adequava-se aoritmo do trabalho geral da fazenda, assim, omestre-escola além de atender aos alunosque não estavam ainda em idade detrabalhar, no caso as crianças, tinha ocompromisso de ministrar aulas, em outrohorário, para os que trabalhavam na lavoura,na criação de animais, na moagem de cana,enfim nas atividades agro-pastoris realizadasno dia-a-dia.

Outro elemento que chamouatenção nas entrevistas faz referência àorganização das salas de aula. Asdificuldades enfrentadas pelos mestres-escolas iniciavam com a formaçãoheterogênea da turma, alunos de diversasidades, desde os sete aos vinte poucos anos,em diferentes níveis de escolarização.Enquanto alguns estavam iniciando oprocesso de aprendizagem outros estavammais adiantados e isso não significava queos mais velhos estivessem entre estesúltimos. A organização da sala era feitasegundo o critério de cada mestre-escola eda disponibilidade de espaço que a salaoferecia.

Nota-se a utilização do métodoindividual, cujo procedimento aconteciaatravés do acompanhamento individual doaluno no processo ensino-aprendizagem, ouem pequenos grupos, sendo possível aosgrupos menos adiantados o acesso aos

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conhecimentos dos mais adiantados. Adistância entre os grupos de alunos, divididospor “séries”, ocupando um mesmo espaço,nem sempre corroborava para oafastamento, necessário, entre os grupos, aobom desempenho do mestre-escola. Emmuitos momentos o mestre-escola eraobrigado a alterar o desenvolvimento de umaatividade para interferir em outra, na tentativado domínio da turma, pois nem sempre asameaças de castigos, ou mesmo, suasexecuções eram suficientes para controlar,o tempo todo, os alunos.

Além do aspecto da adaptação àsala de aula, por vezes improvisada, outroelemento que chama atenção é o fato domestre-escola, quase sempre, mesmorecebendo uma quantia que mal dava parasuprir suas necessidades, ainda se ver nasituação de usar seus parcos recursosfinanceiros para comprar material para ascrianças, cujos pais não dispunham dedinheiro para a aquisição do materialnecessário ao desenvolvimento das aulas,fato que ocorria com filhos de agregados ede outros funcionários da fazenda.

Os relatos sugerem a existência deum compromisso, se não legal, pelo menosmoral, de apoio às escolas criadas pelaPrefeitura, no sentido de dar condições defuncionamento as mesmas através dadoação dos materiais didáticos necessáriosao desenvolvimento das atividadesescolares, que, na verdade, nem sempreeram cumpridos. A falta de materiaisdidáticos e infra-estrutura tornava impossívela prática das atividades escritas, resultandono que a sra. Ana descreve como “ficava sóno gogó” o que significa que as aulasacabavam sendo realizadas oralmente. Ocompromisso público revelava-se eficazapenas no pagamento aos professores, agarantia de desenvolvimento das aulasficava a critério da criatividade, do improviso

do professor, o que demonstra que o poderpúblico não se sentia responsável pelamanutenção efetiva da escola, aresponsabilidade acabava recaindo noprofessor.

Naquele momento o caixa escolar jáera motivo de risos, como expressa a sra.Ana que não se conteve ao lembrar dainutilidade do caixa escolar, durante operíodo em que fora mestra. Criado com ointuito de angariar fundos para viabilizar ascarências das escolas, o caixa escolar nadamais era, e é, um mecanismo utilizado peloEstado a fim de buscar recursos que suprama sua efetiva falta de investimentos nas reaisdemandas da escola no seu cotidianoescolar. O caixa escolar nem semprefuncionou, pois, como seu provimentodependia da doação espontânea de dinheiro,quase sempre se mantinha vazio. Mesmonos momentos em que sua obrigatoriedadefoi afirmada não se sabe de alguém quetenha sofrido punição por não ter contribuído,o que seria inaceitável, pois sendo pública,a escola deveria ser mantida pelos cofrespúblicos em todas as circunstâncias.

Além dos elementos essenciais paraa garantia mínima das atividadeseducacionais realizadas pelo mestre-escola,interessante se torna discutir como aspráticas escolares do mestre-escola seefetivavam, quais métodos eram utilizados noencaminhamento da leitura, da escrita, dasatividades matemáticas. A primeiraobservação a ser feita é que falar em métodosignifica usar uma terminologia que o mestre-escola identifica como “sistema”, “jeito”,“modo de ensinar”.

Ao conceito de método didáticoantepunha-se o de modo. Chasteau,pedagogo francês do século passado,tinha, como método, o caminho a seguirpara a comunicação do saber e modo, amaneira por que se organizava a escola

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do ponto de vista do agrupamento dosalunos e da distribuição do material.(SILVA, 1975, p.102, grifos do autor)

Nesse sentido pode-se inferir que omodo e método são elementos que seentrecruzam na perspectiva da práticaeducacional do mestre-escola, quando seobserva que, para ensinar, o mestre-escolaprocurava dispor os alunos da forma maisprática possível a fim de facilitar-lhe oencaminhamento das atividades de acordocom cada grupo de aluno e seus respectivosníveis de ensino. Depreende-se que, desdea organização do espaço, a sala de aulaadaptada, mesmo de forma precária, a idéiaera de proporcionar um ambiente o maispromissor possível ao processo deaprendizagem escolar.

A preocupação do mestre-escolaem organizar o espaço físico em que as aulasseriam ministradas pautava-se,principalmente, na acomodação eaprendizagem dos alunos.

Ao rememorar a forma comoencaminhava as aulas a partir daorganização da sala de aula, a sra. Valdireneaproveita para desabafar e dizer que era umaforma horrível de se trabalhar. Essaafirmação pauta-se no momento posterior, noqual, após ter trabalhado por dezenove anosna zona rural, ela assume uma cadeira deprofessora no Grupo Escolar de Nova Aurora,ainda com apenas a quarta série primária,tendo a oportunidade de pertencer a umaescola estruturada, cuja organização passapela separação de salas de aula por turma, oque significa trabalhar com alunos de umadeterminada faixa etária, dirigir o mesmoconteúdo para todos e contar com a presençade uma diretora, uma autoridade a quemprestar contas do trabalho realizado, e

também alguém com quem discutir asdificuldades encontradas, receberorientações, ou seja, ter acesso a tudo aquiloque antes, enquanto professora de EscolaIsolada, não tinha. A memória traz a leiturado passado analisada sob a ótica dadepoente, da experiência posterior, momentocompreendido como de melhor condição detrabalho.

A presença da diretora indica umacondição de trabalho diferente, pondo emquestão uma vigilância sistematizada dascondições e objetivos de ensino.

O tempo escolar presente nasnarrativas possui configurações distintas deum determinado período histórico para outro,uma vez que “o tempo escolar não pode [...]ser desligado das relações e tempos sociaisdos quais a escola participa ativamente...”(FARIA FILHO, 2000, p.77). Durante os anostrinta e início dos quarenta, o tempo escolaraparece vinculado aos espaços rurais emque os mestres-escolas estavam atuando,o que demonstra uma variação de fazendapara fazenda. Segundo o Sr. Pedro(informação verbal)22 , nesse período, aduração do ano letivo estava vinculada aotempo de permanência do mestre-escola nafazenda. A aula acontecia o dia todo, aquelesque quisessem estudar e que não residissemnas proximidades da “escola” tinham quesair, de casa, preparados, levando suasrefeições, pois só ao entardecer retornariam.Não tinha um horário fixo para começar aaula, o mestre-escola iniciava assim que osprimeiros alunos chegavam, e como o ensinoera individualizado, isso não alterava oatendimento posterior aos demais. Muitaspessoas, no entanto, não conseguiamfreqüentar esta escola, seja pelas tarefasdomésticas, no caso das mulheres, ou o

22 Entrevista realizada com o sr. Pedro, em 26/07/2003, às 16h.

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trabalho no campo, para os homens, seja,ainda, por outro tipo de dificuldade como ofato da escola, nesse momento, ser particularem grande parte da zona rural.

A expansão das escolas isoladasno meio rural, a partir dos anos quarenta,subsidiadas pelo poder público, através dopagamento dos mestres-escolas, fez comque o tempo escolar passasse a serdeterminado através da regulamentação doano letivo baseado em meses. Foi estipuladoo tempo do descanso através das fériasescolares. O tempo da aula foi diminuídopara cerca de cinco horas, incluindo orecreio, lembrando que o tempo não era odo relógio e sim aquele espaço entre o depoisdo almoço e a hora do jantar, almoço queocorria geralmente por volta das dez horase o jantar em torno das quatro horas. Umaperiodização determinada, de certa forma,facilitará o acesso à escola, mesmo paraaqueles que precisavam trabalhar e quequeriam freqüentar a escola.

O esforço de uma classe social emfreqüentar a escola pode ser entendido comoindividual e social, assumido por aqueles quesentiam a importância de conhecer o mundoletrado e suas formas de expressão. Oesforço individual pode ser percebido naatuação dos que, mesmo diante dasdificuldades, continuavam buscando ainstrução escolar, não seguindo o exemplodaqueles que não queriam estudar e sededicavam apenas ao trabalho agrícola e àpecuária. Essa atitude de não estudardesencorajava outros que acabavam sedeixando conduzir por esse discurso e pelasadversidades reais em relação à instrução.Com isso é possível justificar parte daconstante evasão escolar existente no

período, ou mesmo as idas e vindas dosalunos que ingressavam no início do ano, nãoconcluíam e retornavam no ano seguinte paracursar a série iniciada no ano anterior. Oesforço social pode ser entendido a partir daanálise conjuntural que exigia a presença deum número maior de braços a se dedicarem,principalmente, à lavoura, e que de certaforma eram dispensados de parte dessasatividades para que pudessem freqüentar aescola.

Considerações Finais

Ao longo da pesquisa foi possívelidentificar momentos de transformações,sendo implementados, tanto no querepresentava ser um mestre-escola como nassuas práticas pedagógicas nos anos trinta equais representações que vão sendodelineadas ao longo dos anos quarenta ecinqüenta, perceptíveis na atuação do mestre-escola, frutos das mudanças sociais, políticase econômicas que o envolvia e do grau deimportância que a escola vai assumindo paraa comunidade local.

Ao analisar o trabalho do mestre-escola considera-se que este estevesubmetido às diversas transformações. Acategoria manteve-se vinculada as mudançassociais, políticas e econômicasimplementadas pelo Estado de Goiás, como,por exemplo, as transformaçõesexperimentadas na produção agrícola. Acompreensão que se buscou, ao estudaressa categoria de trabalhador, foi que oEstado, ao implementar mudanças nosistema escolar, assume o ordenamento econtrole dessa profissão.

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Referências

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FARIA FILHO, L. M. de. Dos Pardieiros aos Palácios: cultura escolar e urbana em Belo Horizonte na PrimeiraRepública. Passo Fundo: UPF: 2000. 213 p.

FOUCAULT, M. Vigiar e Punir. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1986. 277 p.

GALHARDO, Thomaz. Cartilha da Infância:ensino da leitura. 166. ed. Rio de Janeiro: Paulo de Azevedo, 1949.

MARTINS, J. de S. Subúrbio: vida cotidiana e história no subúrbio da cidade de São Paulo: São Caetano, do fimdo Império ao fim da República Velha. São Paulo: HUCITEC, 1992.

SILVA, N. R. de A. e. Tradição e Renovação Educacional em Goiás. Goiânia: Oriente, 1975. 345p.

SOUZA, R. F. de. Templos de Civilização: um estudo sobre a implantação dos Grupos Escolares no Estado de

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POLÍTICA DE EXPANSÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO PIAUÍ:MASSIFICAÇÃO E/OU INTERIORIZAÇÃO PARA INCLUSÃO?*

Teresinha de Jesus Araújo Magalhães NogueiraProfessora substituta da UFPIMestre em Educação – UFPI

[email protected]

Resumo

Busca-se neste artigo analisar a expansão daeducação superior no contexto das mudançaspolítico-sociais quanto à sua qualidade social para acidade de Corrente – Piauí, na década de 1990.Diante do caráter minimalista e desregulamentadordessas políticas, questiona-se: Está a política deexpansão possibilitando a inserção social e/ou amassificação da educação? Tem-se como referencialteórico sobre a educação superior Fávero (1980),Chauí (2001), Gentilli (2001), Pimenta; Anastasiou(2002). Sendo uma pesquisa qualitativa, utilizaram-se depoimentos sob orientações da história oral deThompson (2002), Le Goff (2003) e outros. Com basenos novos sujeitos e objetos da Nova HistóriaCultural, analisaram-se relatos orais de alunos eprofessores da Universidade Estadual do Piauí –UESPI. Observa-se que esta política de expansão,apesar de seu caráter de massificação, possibilitou aconstrução de uma nova história da educação superiornessa região por novos sujeitos, promovendo ainserção social destes, desconstruindo o caráter elitistada educação superior.

Palavras-chave: Educação. Expansão. Políticasocial.

Abstract

This article seeks to analyze the expansion of theuniversity education in the context of the politicosocialchanges referring to its social quality for the city ofCorrente – Piauí, in the decade of 90. In face of theminimalist and desregulatory character of thesepolitics, it is questioned: Is the expansion politicsmaking possible the social insertion and/or themassification of the education? As theoreticalreferences were held Fávero (1980), Chauí (2001),Anastasiou (2002) and others. Depositions were usedunder the direction of the oral history of Thompson(2002), Le Goff (2003) and others. Oral stories ofpupils and professors of the State University of Piauí– UESPI were analyzed. It is observed that theseexpansion politics, although having a character ofmassification, made possible the construction of anew history of the university education in this region,promoting the social insertion, desconstructing theelitist character of the university education.

Keywords: Education. Expansion. Social Politic.

*Recebido em: novembro de 2005.* Aceito em: abril de 2006.

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Introdução

Tendo em vista que a sociedadebrasileira tem como elemento regulador umEstado capitalista, as políticas deste Estadoobjetivam desenvolver e consolidar a ordemcapitalista, favorecendo os interessesprivados em detrimento dos interessescoletivos. Saviani (1999) considera que oEstado capitalista impõe um “caráter anti-social” à “política econômica”. Entretantoobserva-se que, contrariamente aopretendido, essa política atua no sentido dedesestabilizar “a ordem capitalista”, fazendo-se necessárias “políticas sociais” paracontrabalançar essa situação. Desenvolvem-se “políticas sociais”, nas diversas áreas,como saúde, previdência e assistência social,cultura, comunicação e também a educação.

A política educacional brasileiracompõe um conjunto de medidas que oEstado adota para a educação no País.Essas medidas se situam na área social,configurando-se como uma “política social”.Devido ao caráter econômico centrado nasociedade privada dos bens produzidoscoletivamente, a produção social dasriquezas torna-se interesse privado,subordinando-se à classe que detém ocontrole desses meios de produção.

Portanto, considerando a educaçãocomo prática social inserida nesse contexto,busca-se refletir sobre a função social daspolíticas de expansão da educação superiorno estado do Piauí, mais especificamentesua interiorização até a cidade de Corrente,reconhecendo a universidade como uma“instituição social multissecular”.

Em uma análise e reflexão acercadessa política de expansão da educaçãosuperior no contexto das mudanças político-sociais, partiu-se dos seguintesquestionamentos: Está a política dos

seguintes expansão da educação superior noestado do Piauí possibilitando a inserçãosocial e/ou a massificação da educação?Qual a importância da política de expansãoda educação superior para cidade deCorrente? Qual a função da universidadenesse contexto?

Por meio de uma abordagemqualitativa, partiu-se de uma visão da NovaHistória Cultural, realizando-se uma pesquisade campo por meio de entrevistas semi-estruturadas, a forma metodológica maisusual de obtenção de dados na história oral.Utilizou-se também história oral de vida deex-alunos da UESPI- Campus de Corrente,PI. Os relatos orais possibilitaram arepresentação das paisagens,proporcionando um esboço das diversassituações vividas e fazendo emergirquestionamentos, em suas respostas e apercepção dos sentimentos em suas diversasconfigurações. Têm-se configurações, navisão de Norbert Elias (1970), como qualquersituação concreta de interdependência.

Nesse sentido, procurou-se analisaros depoimentos orais de professores,coordenadores e ex-alunos (atores sociaisda interiorização da educação superior), oque possibilitou compreender as inter-relações construídas no decorrer dashistórias narradas e as tendências daspolíticas da educação superior, fazendo-seum breve histórico dessas tendências e daexpansão da educação superior até a cidadede Corrente-PI, com ênfase na qualidadesocial dessa educação, por meio do olhar deseus protagonistas.

A seguir esboçam-se análisesconstruídas no processo de investigação apartir das quais foi possível se chegar aalgumas considerações sobre a política deexpansão da educação superior bem comoperceber sua qualidade social, tendo porbase a investigação realizada na

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microrregião do Extremo Sul do Piauí,representada pela cidade de Corrente. Tem-se o trabalho dividido em dois momentos: oprimeiro apresenta abordagem histórica dastendências da política educacional brasileiraenquanto o segundo traz uma análise sobrea educação superior em Corrente, sob o olharde seus protagonistas.

Tendências da Política EducacionalBrasileira: olhando a história

Percebe-se uma tendência napolítica educacional brasileira que apontapara um discurso que, segundo Oliveira(1998, p. 44), pode ser considerado “[...]‘neoliberal da defesa da educação como viade acesso à modernidade’ como elementoaglutinador das principais tendências quetomam corpo no cenário da educação”. Aadoção dessas políticas consideradasneoliberais deu-se a partir da crise docapitalismo nos, anos 70, com aintensificação do processo de mundializaçãodo capital financeiro, ocorrida principalmentena década de 1990, passando o mercado aser o portador de racionalidade econômicae a ser considerado como “[...] princípiofundador, unificador e auto-regulador dasociedade global competitiva [...]”(DOURADO; OLIVEIRA; CATANI, 2003, p.17).

Isso significa a formação de ummundo de trabalho e de produção queexpressa as significativas transformaçõesque são oriundas do “[...] incremento dasrelações sociais capitalistas e traduzidas,nessa virada de século, pelo expressivoavanço tecnológico e pela globalização docapital e do trabalho. Essas transformaçõessocietárias redimensionam o papel daeducação e da escola” (DOURADO, 2001,

p. 49).

Nesse contexto, as agênciaseducacionais são vislumbradas como elosde socialização de conhecimentos técnico-científicos, que vem sendo historicamenteproduzidos pelo desenvolvimento dehabilidades e competências sociais que,segundo Frigotto (1998, p. 15), está emsintonia com o setor produtivo: “educaçãoformal e a qualificação formal são situadoscomo elementos de competitividade,reestruturação produtiva e da‘empregabilidade’.”

É nesse cenário, cujo processo dereforma do Estado assenta-se namodernização, racionalização e privatização,com o mercado como portador da“racionalidade sociopolítica conservadora”(DOURADO, 2001), que se desenvolvempolíticas educacionais, possibilitando oprocesso de reforma do sistema educativono Brasil. Acontecem também nesse contextoas reformas da educação superior e, emespecial, da educação pública.

Devem-se levar em conta essasmudanças conjunturais que, de certa forma,influenciaram as políticas e gestão daeducação superior. Instituições como oEstado vem se esvaziando em suas políticassociais, manifestando seu poder nasrepresentações de segmentos privilegiados.As leis são determinadas pela economia domercado (SEVERINO, 2003).

Um olhar para a história revela que acooperação internacional para a educaçãobrasileira inicia-se a partir dos anos de 1930,período considerado por Fonseca (1998, p.88) como “[...] um estágio de intensaintegração entre associações de educadores,brasileiras e norte-americanas”.

O ideal de universalização do ensinobásico no início dos anos 60 influencia a Leide Diretrizes e Bases da Educação de 20 de

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dezembro de 1961 (Lei 4.024), querepresentou a vitória das forçasconservadoras e privatistas, levandotambém a prejuízos quanto à distribuição dosrecursos públicos e à ampliação deoportunidades educacionais (SHIROMA,2004).

Posteriormente, o governoprovidencia a Lei nº 4.464/65 pararegulamentar, na época, a organização, ofuncionamento e a gestão dos órgãos derepresentação estudantil, assim comotambém as assinaturas dos acordoschamados MEC-USAID1 . As universidadesconstituem-se em espaços de resistênciamanifesta ao regime.

Em julho de 1968, foramdesenvolvidos estudos pelo Grupo deTrabalho criado por decreto do PresidenteMarechal Arthur da Costa e Silva, que delegoua esse grupo pesquisar e elaborar umaproposta de reforma universitária. Segundoo decreto, os estudos objetivavam garantir“’[...] eficiência, modernização e flexibilidadeadministrativa’ da universidade brasileira,tendo em vista a ‘formação de recursoshumanos de alto nível para o desenvolvimentodo país’” (SAVIANI, 1988, p. 81). Esse estudodeu origem ao Projeto que, por sua vez,riginou a Lei 5.540/68.

Tal lei é um produto do regime políticodo contexto da época, caracterizado pelosreflexos do golpe militar de 1964. SegundoFlorestan Fernandes, os interesses do grupo:

[...] não encarna a vontade da Nação,mas dos círculos conservadores queempalmaram o poder, através de umgolpe de Estado militar. Por maisrespeitáveis ou bem-intencionados quesejam os seus componentes, eles seconverteram, individual e coletivamente,

em delegados dos detentores do poder eem arautos de uma reforma universitáriaconsentida. (FERNANDES, 1975, p.202).

Com a Lei 5.540/68 e,posteriormente o Ato Institucional nº. 5, de13 de fevereiro de 1969, há a consumaçãode uma ruptura política no âmbito educacional,sendo o setor estudantil afastado de maneiradeliberada do regime.

Tem-se aí uma estrutura de ensinosuperior preconizada pela reforma, pois a leiinstitui a departamentalização, a matrículapor disciplina, o regime de créditos, entreoutros dispositivos administrativos epedagógicos, com um propósito políticoprofundo de causar a desorganização dosalunos, espalhando-os por turma, e dessaforma desmobilizando um grupo antes coesodurante todo um curso.

A expansão da universidade, naprática, ocorreu por uma abertura de formaindiscriminada, conforme autorização doConselho Federal de Educação, havendo aexpansão de escolas privadas.

Foram inúmeras as possibilidadesque levaram a se instalar no país uma vastarede de estabelecimentos privados de ensinosuperior, a partir de 1968, pois foramestimulados pelo governo por meio desubsídios diretos ou indiretos, como aisenção de impostos, além da ausência defiscalização por parte do MEC. Dessa formahouve a expansão indiscriminada da redeparticular e redução da rede pública.

A Universidade aparece naConstituição de 1988, Art. 207, o qual serefere a essa instituição como dotada deautonomia, para cuja identidade torna-seessencial a indissociabilidade entre ensino,

1 Conjunto de doze acordos firmados entre o Ministério da Educação e Cultura e a Agency for InternationalDevelopment, no período de 1964 e janeiro de 1968, que comprometeu a política educacional brasileira àsdeterminações de técnicos norte-americanos.

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pesquisa e extensão, tornando-se este o perfildas universidades públicas, principalmenteas federais. De acordo com Carlos JamilCury (2002, p. 31), esse modelo de “[...]‘grande Universidade’ será posto em causapor administradores dos sistemas que porãoem questão os custos de sustentação dasuniversidades face a este modelo no modode ser universidade”.

Com a Constituição atual, sãoincorporadas reivindicações relativas aoensino superior, tais como a autonomiauniversitária, a indissociabilidade entreensino, pesquisa e extensão, garantia degratuidade nos estabelecimentos oficiais,assegurando também o ingresso porconcurso público e regime jurídico único. Comisso, passou-se a reivindicar a expansão dasvagas das universidades públicas.

A Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de2001, instituiu o PNE - Plano Nacional deEducação, que, no âmbito do ensino superior,deixa explícita a diferença entre “universidadede pesquisa” e “Universidade de ensino”.Conforme Saviani, o PNE prevê a ampliaçãoda oferta de ensino público em 200% dasvagas públicas nos próximos dez anos. Maso que se percebe é que não foi previstonenhum investimento público adicional nessaárea.

O Plano Nacional de Educaçãotambém estipula um aumento de 30% dosjovens na faixa etária de 17 e 24 anos, até2011, que deverão estar cursando o ensinosuperior; a ampliação das vagas nasuniversidades públicas em 40%; facilidadede acesso, até 2011, de jovens carentes aoensino superior. Porém, observa-se queapenas 9% dos brasileiros nessa faixa etáriaestão cursando este ensino e que o númerode matrículas aumentou 82,9% entre 1998e 2003, mas ainda está distante doestipulado pelo PNE (ALMANAQUE ABRIL,2005).

Assim, percebe-se o sistema deeducação superior como um conjuntodiversificado de instituições que atendem àsdiferentes demandas e funções, sendo queas universidades se constituem, a partir dareflexão e da pesquisa, como o “principalinstrumento de transmissão da experiênciacultural e científica acumulada pelahumanidade” (BRASIL-PNE, 2003, p. 54).

A Lei de Diretrizes e Bases daEducação Nacional Nº. 9.394/96 possibilitouque o sistema se tornasse mais heterogêneo,pois possibilitou uma variedade deinstituições de ensino superior. São elas:universidade – caracteriza-se por autonomiadidática, administrativa e financeira, pordesenvolver ensino, extensão e pesquisa,contando com um número expressivo demestres e doutores; Centro universitário –caracteriza-se por atuar em uma ou maisáreas, com autonomia para abrir e fecharcursos e vagas de graduação e ensino deexcelência; Faculdades integradas – reúneminstituições de diferentes áreas doconhecimento e oferecem ensino, às vezesextensão e pesquisa; Institutos ou EscolasSuperiores – atuam em área específica doconhecimento e podem ou não fazerpesquisa, além do ensino, dependendo doConselho Nacional de Educação paracriação de novos cursos.

Desta forma percebe-se cada vezmais a tendência de se tentar inserir asinstituições na lógica do mercado. O Brasile praticamente todos os países latino-americanos passam por profundastransformações durante as décadasneoliberais, iniciadas no Brasil em 1989, comas eleições de Fernando Collor. Nessecontexto, surgem questionamentos acercadas políticas de expansão da educaçãosuperior. Pois, ao procurar atender às políticasinternacionais, a universidade perde seupapel reconhecido historicamente, que é o de

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ser uma “instituição social multissecular”? NoPiauí, como vêm se realizando essaspolíticas?

A educação superior no Piauí, deacordo com a Fundação Centro de Pesquisa(2003), apresenta-se com duasuniversidades e um centro tecnológicosuperior públicos e vinte e quatro faculdadesparticulares. Segundo dados de 2002(CEPRO, 2003), tem-se ao todo 236 cursosde nível superior oferecidos, sendo que89,0% ministrados pelas instituições públicase 11,0%, pelas particulares. Coloca-se emevidência a Universidade Estadual do Piauípelo maior número de cursos oferecidos (161em 2001). De acordo com a Fundação Cepro

(2003, p. 61-62), a UESPI

[...] em 2002 estava presente em nadamenos do que em 30 municípiospiauienses, tendo oferecido 7.031 vagase matriculado, nesse mesmo ano, cercade 18.622 alunos. Como destaque,implantou os cursos de Medicina e deFisioterapia e o sistema de cursos deformação específica ou seqüenciais. [...]No âmbito privado [...] o número de oitofaculdades existentes em 2001 foitriplicado em um único ano, resultando,em 2002, na existência de 24estabelecimentos, dos quais cerca de90% estão situados na capital

De acordo com os dados daFundação Centro de Pesquisa, pode-sevisualizar no Piauí uma expansão do ensinopúblico, por meio de um crescimento emnúmero de campi e cursos, bem maior do queo crescimento do ensino privado,diferentemente do que se vem delineando emnível nacional. Esse crescimento foi maior naUniversidade Estadual.

Saviani (1999, p. 85) considera quea política de ensino superior está baseada

na dualidade entre

[...] ‘universidade de pesquisa’,constituída por poucos centros de

excelência mantidos diretamente oufortemente subsidiados com recursospúlicos , e ‘universidade de ensino’,constituídas por uma ampla ediversificada gama de instituiçõespúblicas, semipúblicas e privadas comou sem fins lucrativos, as quaisabsorvem a grande maioria do alunado.

Percebe-se que no Brasil o aumentode vagas no ensino superior ocorre pela viade expansão da rede privada de ensino. Noentanto, como se vê nos dados daFUNDAÇÃO CEPRO, a expansão daeducação superior no Piauí, apesar detambém ocorrer pela iniciativa privada, temsido mais intensa pela UniversidadeEstadual, presente em lugares inusitados,cidades sem infra-estrutura, enfim nos maisdistantes rincões do Piauí, chegando até aoextremo sul.

Dessa forma, fez-se uma análise daeducação superior em seu processo deexpansão na cidade de Corrente,representando a Microrregião do Extremo SulPiauiense. Questionou-se como vemacontecendo essa expansão da educaçãosuperior nessa região, sentido da promoçãoda incluisão social.

A educação superior em Corrente:interiorização com inclusão social

Shiroma, Moraes e Evangelista(2004) evidenciam que na década de 90, apolítica educacional, quanto ao ensinosuperior, favoreceu a expansão da ofertapública, mas também tornou possível atransferência de recursos públicos parainstituições privadas de ensino superior,levando a rede particular a atender 66,7% dosalunos. Desse modo, podem ser identificadasalgumas intenções das políticas configuradasnas Leis, as quais justificam a implantação

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da educação superior e seus objetivos:

O primeiro era de assegurar a ampliaçãoda oferta do ensino fundamental paragarantir formação e qualificação mínimaà inserção de amplos setores das classestrabalhadoras [...] O segundo, o de criaras condições para a formação de umamão-de-obra qualificada para osescalões mais altos da administraçãopública [...]. (SHIROMA; MORAES;EVANGELISTA, 2004, p. 36).

Nesse sentido, ocorre na década de1990 o que Chauí (2001) denomina de“universidade operacional”, voltada paratransmissão de conhecimento de maneirarápida, proporcionando uma habilitação paragraduados cuja preocupação é atender àdemanda do mercado de trabalho, “[...]busca-se restringir o papel da universidadeao treinamento, adestramento”(PIMENTA;ANASTASIOU, 2002, p. 169-170). Observa-se que é nesse contexto que ocorre oprocesso de expansão da universidade noBrasil e no Piauí.

Em seu aspecto político, o Brasilexige uma expansão de forma acelerada emnível de educação superior. Essa expansão,por sua vez, está voltada para a quantidade,baseando-se na extensão do sistema, sempreocupar-se com diretrizes históricasrepresentadas pela indissociabilidade entreensino, pesquisa e extensão. Parapesquisadores como Dourado e Catani(1999) e Saviani (1999), essa expansão tempor objetivo atender às demandas para estenível de ensino, sem garantir ademocratização e a qualidade.

Quanto à cidade de Corrente, qual oobjetivo dessa expansão? Está a expansãoaté o extremo sul do Piauí (Corrente)garantindo a democratização e a qualidade?

Procurou-se, entretanto, nãopropriamente responder aosquestionamentos, mas sim propor reflexões

sobre a expansão da educação superior atéCorrente por meio do olhar de seusprotagonistas, em seus relatos, em suasmemórias, pois “[...] os relatos vão devolver ahistória através de suas palavras conferindo-lhe um passado, traçando identidades”(THOMPSON, 2002, p. 337).

Segundo Ferreira e Grossi (2004), éatravés dos hábitos, das práticas cotidianasque se modificam lentamente e das relaçõese tensões que acontece o emergir da história.Portanto a história da expansão e aimportância social desse processo parte davisão dos protagonistas, precisamente dosestudantes e profissionais da UESPI -Campus de Corrente.

A cidade de Corrente está distante874 Km da capital - Teresina e faz parte daMicrorregião das Chapadas do Extremo SulPiauiense (IBGE, 2000). A distância deCorrente para os grandes centros tem levadoa comunidade a construir uma históriasingular de luta pela educação em todos osníveis. Em busca de uma análise do processohistórico de interiorização, colocam-se relatosorais; que representam, segundo Ferreira eGrossi (2004, p. 47), “[...] paisagens onde seesboçam algumas das questões, afetos eproduções que estão mobilizando certaexistência [...]”.

A existência da qualidade social daeducação superior naquela cidade pode serpercebida em entrevistas realizadas comcoordenadores (3 sujeitos) e nas históriasde vida de ex-alunos das duas primeirasturmas da UESPI (7 sujeitos), transcrevendo-se nesse artigo três depoimentos oraisdesses ex-alunos.

Nos relatos orais abaixo transcritos,podem ser percebidos os diversos aspectosrelacionados à educação superior nessaregião, tais como: a história da universidadenaquela cidade, a importância da educaçãosuperior e seu impacto na educação básica,

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as transformações ocorridas na vida dosseus protagonistas, tanto em âmbito pessoalcomo comunitário, a inclusão social dessessujeitos possibilitando a participação comoconstrutores de sua história, como sereshistóricos. “Mas esse ser histórico só existe,só se constrói, de modo social, na relaçãocom os demais seres humanos” (PARO, 2001,p. 9). Sobre alguns desses aspectos, assimse expressa a ex-aluna da 1ª turma do curso

Pedagogia em Corrente :

A UESPI enquanto instituição de ensinosuperior teve sua primeira turma iniciadaem 1993 com o primeiro vestibular, daíentão, mesmo contando com a primeiraturma da Universidade Federal, nós jápodemos ver que mudanças vêmocorrendo e elas são notórias, porque atéentão quem podia estudar em Correnteera quem podia ir para Teresina, ou paraBrasília, ou Salvador, Recife e com muitadificuldade. Hoje nós podemos ver queesse quadro tem mudadosignificativamente, isso é importânciasocial porque, quando nós temos ummaior número de pessoas graduadas emuma comunidade, nós podemos ver quea qualidade dos serviços prestados poresses profissionais a essa comunidadesão de uma qualificação bem mais nítida.Aqui em Corrente a educação mudou,tem mostrado uma nova cara , mudou operfil dos professores. Quem eraprofessor de Corrente? Pessoas com ocurso Normal, ou que não tinham naquelaépoca o segundo grau, hoje ensinomédio, ou por indicação política [...] hojetemos um número reduzido de pessoasque não tenham nível superior [...] é umaUniversidade respeitada, a gente sabeque a UESPI se expandiu muito, que sereclama da qualidade de ensino [...]Corrente conta hoje na UESPI com quatromestres na área de educação, doismestres na área de agronomia e um naárea de zootecnia, um doutor na área dezootecnia. É um quadro privilegiado, issomostra que é uma instituição importantee que tem impactado nas transformaçõesem busca da melhor qualidade de vidadesse povo (DEPOIMENTO DE UMA EX-ALUNA – ATUAL PROFESSORA DAUESPI).

Observa-se no exposto que a

universidade tem proporcionado autonomia,inclusão social, ou seja, a cidadania, comsujeitos autônomos, participativos. Percebe-se que a entrevista, considerada como algo,que segundo Dagnino (1994, p. 107) nãosendo definida e delimitada previamente “[...]responde a dinâmica dos conflitos reais, taiscomo vividos pela sociedade numdeterminado momento histórico”,possibilitando uma visão do real.

Transcrevem-se outros depoimentosorais nos quais se percebe a importância daexpansão da Universidade, mostrando maisuma vez seus reflexos na educação básica,na qualificação dos profissionais daeducação, na formação identitária dessesprofissionais e na realização de um sonhoconsiderado impossível, o de um curso degraduação voltado não só para atender a elitede Corrente, mas aos filhos (as) devaqueiros, domésticas, entre outras pessoasque jamais teriam como sair em busca de

uma educação superior.

Eu acho que a expansão da universidadede Corrente foi de grande importânciapara o ensino de Corrente, para a vidasocial dos correntinos. Houve umamudança de vida do pessoal de Corrente,eu mesmo sou um dos exemplos. Euantes não tinha uma casa para morar,não tinha um emprego, eu hoje conseguiuma qualidade de vida melhor devido aoestudo que consegui através dessauniversidade. Como já falei para você eufiz uma pós-graduação nessauniversidade, devo tudo a essauniversidade. [...] Se você fizer umapesquisa hoje em Corrente, para você vêcomo está o grau de instrução do corpodocente de Corrente, você vai perceberque quase todos os professores têmcurso superior, em todos os níveis deensino, tanto o ensino privado como oensino público municipal e estadual. Paraatender a proposta do MEC osprofessores estão correndo atrás de suasqualificações [...] Temos hoje umauniversidade estadual de qualidade e umafaculdade particular também de qualidade(DEPOIMENTO DE UM EX-ALUNO DAUESPI – ATUAL PROFESSORA O

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ESTADO E MUNICÍPIO).

Ao se analisar esse depoimentopercebe-se o que Brandão (2005) consideracomo interpretação equivocada do art. 62 daLDB, quando o professor diz que “Para atenderà proposta do MEC, os professores estãocorrendo atrás de suas qualificações”.Considera-se louvável defender a melhoria daqualidade e o nível de formação profissionaldos docentes, no entanto não se pode fazercrer que os profissionais já atuantes naeducação infantil e no ensino fundamentalteriam que ter a formação de nível superior.Observa-se de um modo geral que há umentendimento de que a lei obriga todos osprofessores a concluir um curso superior.

Coloca-se também uma parte dahistoria oral de vida de uma ex-aluna daUESPI (1ª turma Pedagogia), tendo “históriaoral de vida” na concepção de Meihy (2002,p. 130) tratando-se da “[..] narrativa doconjunto da experiência de vida de umapessoa”. Assim, pegou-se parte daexperiência de vida dessa aluna atualprofessora substituta da UESPI – Campusde Corrente:

Minha história de vida é muito parecidacom a história de vida de algumaspessoas que fazem parte da UESPI. Eunasci no interior, estudei em escola dointerior, em seguida vim para a cidade,morei em casa de família para estudar.[...] hoje eu trabalho como supervisorapedagógica no ensino municipal, quetambém é um fruto pelo estudo realizadoaqui na Universidade Estadual do Piauí.[...] Outro aspecto muito positivo dauniversidade foi a criação dos cursos depós-graduação, Docência Superior e hojejá estou me escrevendo para fazer aSupervisão Pedagógica que vai sertambém implantada aqui na UESPI. [...]Falando da qualidade social da UESPI,muitas críticas muitas vezes existem,mas eu acredito muito na qualidade dainstituição [...] A UESPI aqui em Correntemudou a vida de muitas pessoas,inclusive a minha, porque sem a UESPIeu não teria a oportunidade de fazer umagraduação [...] [...] Eu agradeço assim,

de coração a expansão da UESPI, quedeu oportunidade não só para mim, masa muitas pessoas (DEPOIMENTO – EX-ALUNA DA UESPI – 1ª TURMAPEDAGOGIA).

Observa-se na fala dessas pessoas,em seus gestos e emoções, que a entrevistaoral proporciona ao pesquisador, que osalunos entrevistados consideram que aexpansão da educação superior como algode grande relevância em suas vidas,proporcionando-lhes qualidade de vida einserindo-os nas diversas atividades sociaisantes percebidas como fora de alcances.

Teresinha Rios (2001) defende quea melhor qualidade é a “qualidade ausente”,aquela de que se está à procurar e que temum caráter utópico. Segundo Galeano (1994,p. 310), é aquela que, por mais que secaminhe, jamais se alcançará, pois ela éutópica: “Para que serve a utopia? Serve paraisso: para caminhar”. Esse sentido utópico,existe para as pessoas das fazendas, quejamais haviam ousado pensar em um cursosuperior. Hoje são filhos de vaqueiros, masagrônomos, pedagogos, advogados,professores qualificados por expansão quedesfez a utopia.

Considerações Finais

Não se pode desconsiderar o caráterelitista das políticas da educação superior,nem tampouco deixar de reconhecer qu eestão voltadas para adequar a universidadeao mercado, que, no caso do Brasil,corresponde ao “milagre econômico” dosanos 1970, ao processo conservador deabertura política dos anos de 1980 e aoneoliberalismo dos anos de 1990. Mas,segundo Hélgio Trindade (2001, p. 22), “auniversidade preservou-se como instituiçãosocial por ter atendido a essas demandassocietárias nas diferentes fases históricas”.

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Assim, a universidade, por serorganizada no interior da sociedade, não seaparta da mesma no que diz respeito a suaconstituição histórico-geográfica. Ela procuraapresentar-se como instituição autônoma,procurando, de forma crítica, construir etransmitir conhecimento e cultura por meio dapesquisa e do ensino. No entanto, urge umacompreensão das diferentes dinâmicasuniversitárias e das tendências das políticaseducacionais, para que se possam buscarnovos caminhos para que a universidadeatenda às diversas necessidades que lhessão externas, sem, contudo, perder sua funçãosocial.

Em Corrente, percebe-se que apolítica de expansão da educação superiornão foge às características comuns daspolíticas da década em que foi historicamenteconstruída, mas a dinâmica de cada relaçãoe a capacidade que a educação tem de ser

inerente a cada sociedade e de se construirconforme esses anseios possibilitaramtransformações de vida, talvez pela formasingular como o povo de Corrente se relacionacom a educação e cultura. A educaçãocumpre assim sua missão de “[...] transformarsujeitos e mundos em alguma coisa melhor,de acordo com as imagens que se tem deuns e outros [...]” (BRANDÃO, 2004, p. 12).

Logo, apesar de seu caráter demassificação, pois não houve crescimentoproporcional da infra-estrutura deatendimento como construção ou reforma dasbibliotecas, de salas de aula, laboratórios,entre outros, observa-se que a interiorizaçãoda UESPI promoveu a possibilidade daconstrução de uma nova história da educaçãosuperior na região de Corrente. Em tal história,contada por novos atores, pode-se parceber.segundo as palavras de Lopes (1989), a

construção de uma história vista de baixo.

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Linguagens, Educação e Sociedade Teresina Ano 11, n. 14 116 -131 jan./jun. 2006

BENEDITO JUNQUEIRA DUARTE E O DEPARTAMENTO DECULTURA DE SÃO PAULO: CONSTRUINDO IMAGENS DE UMA

‘PAULICÉIA’ CULTURAL (1935-38) *1

Carolina da Costa e SilvaMestranda – FE/USP

* Recebido em: junho de 2006.

* Aceito em: junho de 2006.

1 Texto apresentado no VI Congresso Luso-brasileiro de História da Educação, realizado entre 17 a 20 de abril de 2006, na UniversidadeFederal de Uberlândia - MG.

Resumo

Este estudo vincula-se à pesquisa de mestrado financi-ada pela Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagó-gicas da Secretaria de Estado da Educação de SãoPaulo (CENP/SEESP), “Benedito Junqueira Duarte e oDepartamento de Cultura e Recreação de São Paulo: avisibilidade escolhida das políticas educacionais (1935-38)”. Pretende reconstruir a atuação de B. J. Duarteenquanto fotógrafo e cinegrafista do Departamento deCultura e Recreação (D.C.R.), contratado por seu dire-tor, Mário de Andrade, para documentar as práticasculturais e experiências educacionais desenvolvidas nacidade de São Paulo, vinculadas ao projeto político-cul-tural que o escritor e outros intelectuais inseridos namunicipalidade (como Paulo Duarte e Sérgio Milliet)conceberam para a cidade de São Paulo neste mo-mento. Isto é, centrar a atenção na trajetória de B. J.Duarte enquanto fotógrafo e cinegrafista que esteve aoserviço da “ilustração” paulista a fim de percebermos aconstrução de representações fotográficas e filmadasacerca das políticas culturais e educacionais deste gru-po. Busca-se situar e compreender essas questões notecido histórico-social e cultural do período, bem comocompreender as políticas educacionais encarnadas nosParques Infantis como parte de uma política culturalmais ampla para cidade. O período estudado refere-seaos anos 1935 a 38, quando a “ilustração” paulista ocu-pou o poder político do governo do Estado de São Pau-lo e do município de suas capital, bem comocorresponde ao ingresso do fotógrafo no D.C.R. Com oapoio do irmão, Paulo Duarte, Benedito foi convidadopor Mário Andrade para construir representações foto-gráficas sobre práticas culturais e educacionais desen-volvidas na cidade. Entendemos que as representaçõesconstruídas por Benedito Duarte foram encomendadaspor seus contratantes para figurarem como visibilida-des escolhidas das políticas públicas de educaçãomunicipal a serem divulgadas na imprensa paulista enacional, durante a segunda metade da década de 1930.

Palavras-chave: Benedito Duarte. Departamento deCultura de São Paulo. Parques infantis. Imagens.

Resumen

Este estúdio pertenece a la investigacion del masterfinanciada por la Coordenadoria de Estudos e NormasPedagógicas da Secretaria de Estado da Educaçãode São Paulo (CENP/SEESP), “Benedito JunqueiraDuarte y el Departamento de Cultura y Recreo de SãoPaulo: la visibilidad elegida de las políticas educacio-nais (1935-38)”. Se prepone reconstruir el trabajo deB. J. Duarte como fotógrafo e cine grafista del Depar-tamento de Cultura y Recreo (D.C.R.), que fue contra-tado por su director, Mario de Andrade, para documen-tar las prácticas culturales y experiencias educativasejecutadas en la ciudad de São Paulo, enlazadas alproyecto político cultural que el escritor y otrosintelectuales insertados en el gobierno del alcalde Fa-bio Prado (como Paulo Duarte e Sérgio Milliet) habíanconcebido para la ciudad en este momento. Eso es,centrar la atención en la trayectoria de B. J. Duartemientras fotógrafo y cine grafista que estuvo al serviciode la “islustración” paulista para percibirmos laconstrucción de representaciones fotográficas yfilmacas concernientes a las políticas culturales yeducativas de éste grupo. Busca se situar y comprenderlas políticas educativas encarnadas en los ParquesInfantiles com porción de una política cultural más am-plia para la ciudad. El período estudiado se refiere a lisaño de 1935-38, cuando la “ilustración” paulista estuvoen el gobierno del Estado de São Paulo y de su capi-tal, asi como corresponde a la admisión de lo fotógra-fo-cine grafista en el D.C.R. Por medio de la ayuda desu hermano, el intelectual Paulo Duarte, Benedito fueinvitado por Mario de Andrade para construirrepresentaciones respecto a práticas culturales yeducativas ejecutadas en la ciudad. Entedemos quelas representaciones construídas por visibilidad elegi-da de las políticas públicas municipales de educaciónque serian divulgadas en la prensa paulista y brasileña,a mediados de lo decenio de 1930.

Palabras-llave: Benedito Junqueira Duarte. Departa-mento de Cultura. Parques Infantiles. Imágenes.

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Este texto, integrante da pesquisa demestrado em andamento, circunscrita nointervalo entre 1935 a 1938, objetiva discorrersobre o trabalho de Benedito JunqueiraDuarte como fotógrafo e cinegrafista noDepartamento de Cultura e de Recreação(D.C.R.) da Prefeitura do Município de SãoPaulo, no período em que os chamados“ilustrados” e alguns artistas modernistascolaboraram de perto na administraçãomunicipal do Prefeito Fábio Prado, bemcomo na gestão do interventor do Estado deSão Paulo, Armando de Salles Oliveira. Aatenção se deterá sobre a criação da Seçãode Iconografia vinculada a esteDepartamento, e sua relação com a produçãode imagens fotográficas e filmicas a respeitodo discurso educacional sobre os parquesinfantis paulistanos. Antes de tudo, torna-senecessário esclarecer como se deu osurgimento da idéia de criação do D.C.R. esua relação com os “ilustrados” e os artistasdo movimento modernista para, desta forma,compreender a atuação de B. J. Duartedentro dessa municipalidade.

“Ilustrados” e modernista: pensando umprojeto cultural para São Paulo.

Em sua dissertação de mestrado, ahistoriadora Elizabeth França Abdanurlembra que os “ilustrados” foi um grupo deliberais da elite paulista (Júlio de MesquitaFilho, Armando de Salles Oliveira, Fernandode Azevedo, Paulo Duarte, Fábio Prado eoutros), ligado ao Partido Democrático que,depois da Revolução de 1932, esteverepresentado no governo do Estado de São

Paulo e na administração municipal de suacapital, entre os anos de 1933 e 1937. Nesteinterregno, prepararam as bases de umprojeto de “unidade nacional” a partir de SãoPaulo que resolveria, segundo eles, osproblemas políticos e conflitos que asociedade brasileira apresentava naquelemomento (ABDANUR, 1992, p. 4). Nesteprojeto político, a educação e a cultura eramconsiderados pontos estratégicos.

Para eles, a educação representavauma força capaz de reformar a sociedade,de mudar os rumos da política nacional(PRADO, 1986, p. 174); acima de tudo, uminstrumento imprescindível deaperfeiçoamento e formação de uma elitedirigente paulista e técnicos especializadoscapazes de governar o Estado de São Pauloe seus municípios com maior habilidade eeficiência. Neste sentido, os “ilustrados”,inseridos no governo do interventor, Armandode Salles Oliveira, fundariam a Escola Livrede Sociologia e Política, em 1933, cujoobjetivo seria o de promover “oaperfeiçoamento do governo da nossa terra”através da “formação de uma elite numerosae disciplinada, sobretudo de administradorese funcionários técnicos para o serviçopúblico”2 ; um ano depois, criariam aUniversidade de São Paulo, instituição que,segundo o jornalista “ilustrado” Júlio deMesquita Filho, seria responsável por formar“a elite orientadora” encarregada deorganizar “um ensino secundário capaz desuscitar valores e capacidades em condiçõesde constituir uma sólida elite dirigente” 3 .

Outrossim, figurava parte desseprojeto político a criação de uma instituiçãopública dedicada, como lembraria Paulo

2 Informações sobre a Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo. Separata do n. XV da Revista doArquivo Histórico Municipal de São Paulo. São Paulo, 1935. In: ABDANUR,1992, p. 17.

3 O discurso do dr. Júlio de Mesquita Filho. Revista do Arquivo Histórico Municipal, São Paulo, Departamentode Cultura, fevereiro/1937, v. XXXII. In: Abdanur, idem., p. 19-20

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Duarte, a “organização brasileira de estudosde coisas brasileiras e de sonhos brasileiros”(1971, p. 50).

Idealizada nos fins da década de1920 por um grupo formado de artistas,intelectuais e jornalistas ligados em maior oumenor grau ao Partido Democrático – entreeles, Paulo Duarte, Mário de Andrade, SérgioMilliet, Rubens Borba de Moraes, RandolfoHomem de Mello, Tácito de Almeida, AntonioCarlos Couto de Barros, Henrique da RochaLima – tal instituição seria concretizada nafigura do Departamento de Cultura e deRecreação, criado em 1935, durante agestão de Fábio da Silva Prado, pelo Ato nº861, de 30 de maio de 1935 4 . Seu ‘mentor’,o então chefe de gabinete da Prefeitura,Paulo Duarte, partindo das sugestõesapresentadas por Fernando de Azevedo,Paulo Barbosa, André Dreyfus, AlmeidaJúnior, Sampaio Dória, Mário de Andradeentre outros, estrutura o Departamento em“Divisões e Seções”, conforme segue:

Divisão de Expansão Cultural(diretor Mário de Andrade): Seção de Teatroe Cinema; Seção de Rádio-Escola;

Divisão de Documentação Históricae Social (diretor Sério Milliet); Seção deDocumentação Histórica; Seção deDocumentação Social; Seção de Iconografia 5 ;

Divisão de Bibliotecas (diretorEurico de Góes):

Divisão de Educação e de Recreios6 (diretor Nicanor de Miranda): Seção deParques Infantis; Seção de Campos deAtletismo, Estádio e Piscinas; Seção de

4 “Acto n. 861 de 30 de maio de 1935”.In: Revista do Arquivo Municipal de São Paulo, Departamento deCultura, ano 1, v. 12, maio/1935, p. 230-31 e p.241.

5 A Seção de Iconografia foi criada posteriormente ao Ato 861, por volta de 1936 ou 1937.6 Esta Divisão foi criada em março de 1934, através do Ato n. 590, portanto, antecede à Criação do Departamento

de Cultura. In: “Acto n. 590 de 26 de março de 1934” in: Revista do Arquivo Histórico Municipal de SãoPaulo, Departamento do Expediente e do Pessoal, agosto/1934, v. III.

Divertimentos Públicos;Conforme lembrou Antônio Cândido,

tal Departamento destacou-se pelaimportância dada às práticas de pesquisa,divulgação e ampliação máxima da fruiçãodos bens culturais, desde o requinte dosquartetos de corda até o incentivo àsmanifestações folclóricas, desde a pesquisasociológica e etnográfica até a recreaçãoinfantil pedagogicamente orientada(DUARTE, 1971, p. XVI).

O escritor Mário de Andrade, além dechefiar a Divisão de Expansão Cultural,ficaria responsável pela direção do próprioD.C.R. No que toca aos objetivos destainstituição, estes constam do artigo primeirode tal Ato:

a) estimular e desenvolver todas asiniciativas destinadas a favorecer omovimento educacional, artístico ecultural;

b) promover e organizar espetáculos dearte e cooperar em um conjuntosystemático de medidas, para odesenvolvimento da arte dramática, e,em geral, da música, do canto, dotheatro e do cinema;

c) pôr ao alcance de todos, pelosserviços de uma estação radio-diffusora,palestras e cursos populares deorganização literária ou scientifica,cursos de conferencias universitárias,sessões literárias e artísticas, emfim,tudo o que possa contribuir para oaperfeiçoamento e extensão da cultura;

d) crear e organizar bibliothecaspublicas de forma a diffusão da culturaem todas as camadas da população;

e) organizar, instalar e dirigir parquesinfantis, campos de athletismo, piscinase estádio da cidade de São Paulo, paracertames esportivos nacionaes ou

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internacionaes;

f) fiscalizar todas as instituiçõesrecreativas e os divertimentos públicos,de caracter permanente ou transitório,que forem estabelecidos no Município;

g) recolher, collecionar, restaurar epublicar documentos antigos, material edados históricos e sociaes, quefacilitarem as pesquizas e estudos sobrea história da cidade de São Paulo, suasinstituições e organizações em todos osdomínios da actividade 7 .

Seria, precisamente, por conta destapreocupação em “recolher” e “publicar”documentos antigos8 e dados histórico-sociais para estudos e pesquisas sobre acidade de São Paulo que B. J. Duarteingressa no D.C.R., passando desta maneiraa atuar de perto neste projeto culturalconcebido por “ilustrados” e modernistas.

A ‘Paulicéia’ sob o olhar “ilustrado”: B.J. Duarte e o discurso sobre a cidadeatravés das imagens.

Ainda há poucas pesquisasrealizadas sobre B. J. Duarte e sua relaçãocom a história da fotografia em São Paulo(com exceções dos trabalhos historiográficosde Telma Campanha de Carvalho (1999),Mônica Junqueira Camargo e RicardoMendes (1992) e de Boris Kossoy (2004), nãoobstante a sua importante participação namesma. Se se pesquisar a respeito dahistória do fotojornalismo paulista, a sua figuradesponta como um dos mais destacadosrepórteres fotógrafos de São Paulo destecontexto; por outro lado, se investigarmos arespeito do lugar que ocuparia a fotografiano interior do movimento modernista

7 “Acto n. 861 de 30 de maio de 1935”.op. cit, p. 229. Grifo nosso.8 De acordo com o parágrafo único da art. 64, do Ato 861, entende-se por documento antigo “todo aquelle

existente no archivo municipal de trinta e um annos para traz”. Ou seja, que tenha sido produzido no ouanteriormente ao ano de 1904 e que estavam sob a guarda do Departamento do Expediente da Prefeiturado Município de São Paulo.

brasileiro, neste mesmo período, descobrir-se-ia que B. J. Duarte teria sido um dosdefensores do reconhecimento do estatutoartístico da fotografia no Brasil, posto que,para alguns artistas modernistas (comoOswald de Andrade, por exemplo), aiconografia fotográfica era tida como“subarte” (CAMARGO; MENDES, 1992, p.36-38).

Contudo, Benedito Duarte não fariacarreira apenas no campo fotográfico, mastambém no cinematográfico. Iniciaria acarreira de cinegrafista ainda na década de1930, nos primeiros anos de funcionamentodo D.C.R.; anos mais tarde, se tornaria críticode cinema dos veículos O Estado de S. Paulo(1946-50), Folha de S. Paulo (1956-66) eRevista Anhembi (1950-62). A partir dos anos1950, investiria na carreira dedocumentarista científico, passando aproduzir centenas de documentários médicosacerca de operações cirúrgicas realizadaspelo Hospital das Clínicas e pelo HospitalSírio Libanês, em São Paulo (entre os maisfamosos está o registro do primeirotransplante de coração realizado na Américado Sul, em 1968, pela equipe do Dr. Zerbini).A atividade exercida no campo dodocumentarismo científico proporcionaria aB. J. Duarte reconhecimento nacional einternacional, sendo diversas vezesagraciado com premiações no Brasil e noexterior. Entre os estudos que abordam suaprática como cinegrafista e como crítico decinema figuram os do crítico de cinemaRubens Machado Jr (2004) e do sociólogoAfrânio Mendes Catani (1991).

Para efeito deste artigo, nosso olhar

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será lançado sobre a atuação de Beneditono D.C.R., especificamente no período entre1935-38, ocasião em que foi convidado pelosgestores “ilustrados” e modernistas paracumprir uma tarefa especial dentro dessainstituição. Contudo, cumpre-se importantemencionar rapidamente a trajetória pessoaldo fotógrafo-cinegrafista a fim de quepossamos perceber o motivo da escolha deBenedito Duarte para organizar um dos maisantigos e importantes acervos iconográficosda cidade de São Paulo.

Benedito Junqueira Duarte nasceuem 1910, em Franca, no Estado de SãoPaulo. Quando garoto, recebe o convite dotio José Ferreira Guimarães, destacadofotógrafo dos tempos do Império Brasileiro 9 ,para ir viver com ele e com a tia nos arredoresde Paris, na França. Já no início da décadade 1920, então contando com dez anos deidade, B. J. Duarte embarca para a França,lá vivendo por sete anos. A convivência como tio, apesar de efêmera por conta de seufalecimento, mudaria para sempre seudestino.

Durante essa convivência queduraria dois anos, Guimarães ensina-lhe aspráticas do fazer fotográfico-artístico,principalmente o gênero ‘retrato artístico’. Talestágio foi fundamental para o garotoconseguisse, após a morte de FerreiraGuimarães, emprego como aprendiz defotógrafo em um dos mais prestigiadosestúdios fotográficos europeus, o StudioReutlinger, um seleto clube de artista-fotógrafos da Europa, onde permaneceria

entre 1924 a 1928. Neste ambiente, B. J.Duarte conheceria artistas destacados dafotografia e do cinema da avant-gardeeuropéia como o fotógrafo surrealista ManRay e os cineastas Jean Renoir, René Clair,Germaine Dulac, Marcel L’Herbier e AlbertoCavalcanti, todos amigos e clientes de Mr.Reutlinger. Sua passagem neste estúdiorepresentou a continuidade da aprendizageminiciada pelo tio Guimarães. Sobre ela, B. J.

Duarte diria, em seu livro de memória, que:

Aprendi muito com a gente dos estúdiosde Mr. Reutlinger nos quatro anos em queestagiei neles [... ] Se tão depressa evoluína profissão foi porque lá fora com basemuito sólida de conhecimentosfotográficos, graças à assistência,influência e integridade de meu tio Guy[...] Com o pessoal de Mr. Reutlinger,nesse “atelier” que tivera seus temposde grande glória e popularidade, aprendias técnicas mais atuais da fotografia deentão e dessas para as do cinema houveapenas um passo que tive de dar, já agorano Brasil, anos depois. (1982, v. 1, p. 54)

Em 1929, contando com quase vinteanos de idade, B. J. Duarte retornaria ao Brasilnum momento de lutas políticas bastanteacirradas entre os partidos RepublicanoPaulista (P.R.P.) e o Democrático (P.D.). Nointuito de dar visibilidade às idéias e aosprojetos do P.D., os “ilustrados” aproveitariamsua experiência fotográfica e o contrataria paraatuar nas instâncias de veiculação ideológicadesse grupo.

A primeira ‘instância’ em que B. J.Duarte trabalharia seria o Diário Nacional,

9 “José Ferreira Guimarães (1841-1924), português do Minho, permaneceu ativo na Capital do Império por mais dequarenta anos, entre o princípio da década de 1860 e os meados da de 1900. Um dos poucos a receberpermissão de D. Pedro para anunciar-se, como “Photographo da Caza Imperial” . Neste largo período de atividadeprofissional Guimarães amealhou razoável fortuna, reuniu vários títulos de nobreza. Decidiu aposentar-se doofício e residir na França, para onde se transferiu com a esposa, Virgínia Prata Guimarães, tia do pai deBenedito Junqueira Duarte, daí a origem do parentesco”. (KOSSOY, B. Luzes e sombras da metrópole: umséculo de fotografias em São Paulo (1850-1950). In PORTA, P. História da cidade de São Paulo. A cidade noImpério 1823-1889, v. 2, São Paulo: Paz e Terra, 2004.

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órgão oficial do P. D. e que fazia oposiçãoao P.R.P., cujo redator-chefe era nada mais,nada menos, que seu irmão mais velho, o“ilustrado” Paulo Duarte. Neste órgão, em quepermaneceria até 1933, o fotógrafotrabalharia numa linha da fotografia que, atéentão, jamais tinha vivenciado: o

fotojornalismo:

Ao retornar ao Brasil, após cerca de oitoanos de estágio na Europa, eu conheciabem a fotografia artística, notadamenteo gênero “Retrato”, mas era totalmentejejuno à fotografia aplicada ao jornalismo[...]. De um momento para o outro, jáestava eu em meio das lutas travadasentre o P.R.P. e o P.D., militando em jornalde oposição – Diário Nacional –, fazendoreportagens fotográficas diversas,algumas delas a me conduzirem asituações perigosas como aquela em queme vi envolvido [...]. (1982, v. 1, p. 66).

Contudo, na segunda metade dadécada de 1930, B. J. Duarte atuariasimultaneamente em três diferentes instânciasnotoriamente “ilustradas”.

A começar pela Revista São Paulo,veículo diretamente ligado ao governo doEstado de São Paulo, que circularia no anode 1936. Tratava-se de uma revista que estavaao serviço da propaganda ideológica dointerventor Armando de Salles Oliveira, de forteapelo ao regionalismo e ‘desenvolvimentismo’paulista. Inspirada nos modelos dafotomontagem dadaísta, a revista, conformeBoris Kossoy, investe pesadamente nafotografia e nos recursos visuais de forma areforçar seu apelo político-ideológico (2004,p. 429). Na Revista São Paulo, B. J. Duarte –ao lado dos escritores modernistas MenottiDel Picchia e Cassiano Ricardo e do fotógrafoTheodor Preising – constrói representaçõesde um Estado que, segundo o olhar “ilustrado”,se colocava à frente dos demais estadosbrasileiros no que se referia à economia,

cultura e educação. Essas representaçõesconstruídas a partir do olhar de Benedito Duartee de Preising, somadas aos artigos dosredatores Picchia e Ricardo exaltando as‘grandezas’ de um “governo bandeirante”,mereceria um breve comentário em telegramado então ministro da educação, GustavoCapanema, para o interventor Armando deSalles Oliveira: “agradeço à V. Êxcia. [a]gentileza [de] remessa [de] alguns exemplares[da Revista] São Paulo, primorosa publicaçãoque espelha tão nitidamente o alto nível culturale econômico desse Estado10”

Sobre sua experiência na São Paulo,o fotógrafo conta que:

Com Preising viria eu a trabalhar, achamado de Cassiano Ricardo, MenottiDel Picchia, juntos em 1934-35, a editara revista “S. Paulo”, em que pela primeiravez na imprensa brasileira, sereconhecia o valor informativo e didáticoda imagem fotográfica. A “São Paulo” erao espelho da atividade de nosso Estado,manejado por seu governador de então,Armando de Salles Oliveira, um doshomens mais lúcidos e empreendedoresque o Brasil já conheceu. Essa revista,mensal e impressa em rotogravura, empapel de grande formato, servia-se dafotografia como seu principal meio decomunicação, reduzindo os textos à suaexpressão mais simples... (1982, v.1, p.73).

A segunda instância “ilustrada” ondeatuaria seria a da municipalidade de FábioPrado. Contratado pelo D.C.R., Beneditoassumiria a tarefa de recolher, colecionar erestaurar fotografias antigas de São Paulo,bem como documentar em material fotográficoe fílmico os vários aspectos da administração“ilustrada” do prefeito Fábio Prado:

Meus contatos com Fábio Prado seiniciaram quando era prefeito de SãoPaulo, ao fundar o seu Departamento deCultura e que pela mão de Mário de

10 Revista São Paulo, 1936, vol 3.

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Andrade (e às ocultas de meu irmão Paulo,então assessor direto de Fábio Prado) eume vira nomeado para um cargo técnicoem que a fotografia e o cinema poderiamter grande significação. E tiveram mesmo.Não apenas se organizou um arquivo dedocumentação fotográfica dotado deequipamento moderno então, comotambém se tentou, pela primeira vez numaprefeitura brasileira, colocar o documentofoto-cinematográfico a soldo de uma

cidade e a serviço de sua história. (1982,v. 2, p.104).

Além da Revista São Paulo e doD.C.R., o fotógrafo atuaria em outra instânciaideológica dos “ilustrados”. Ocasionalmente,discorria sobre a fotografia no cadernoSuplementos em Rotogravura, seção dojornal O Estado de S. Paulo. Aliás, foi nestainstância “ilustrada” que B. J. Duartepublicaria um texto hoje antológico sobre o

lugar da fotografia no movimento modernista,denunciando em 1937 o não-reconhecimento

de seu estatuto artístico e o melancólicoquadro cultural-artístico em que a fotografiaestava inserida no Brasil:

O I SALÃO DE MAIO11 E APHOTOGRAFIA

Quem, por acaso, resolvesse delinear umestudo crítico ou analítico sobre o que temsido ou o que seja a fotografia em nossoâmbito de vida, qual sua posição nos

círculos artísticos, já não digo no Brasil,mas apenas em S. Paulo, desde logo seacharia em sérias dificuldades na colheitade dados e no traço dos perfis a seremesboçados. Tal atividade não logrou, demodo estável, afirmar-se em nosso meio,nem tem atraído como deveria atrair, tantamentalidade moça e audaciosa, que aoutros campos se dirige, sem um olharse quer à arte do branco e preto.

Não temos ainda uma publicaçãoespecializada, nenhum nome ainda sefirmou no conceito público [...] Por que aaversão? Qual a causa desse desdém?Respondam os Deuses, porque nós,míseros mortais, não temos força nemautoridade para tanto.

Fotomontagem dadaísta produzida por B. J. Duarte e Preising. Revista São Paulo,1936, v. 10. Acervo: PMSP/ SMC/ Biblioteca Municipal Mário de Andrade

11 Evento realizado em maio de 1937 que visava expor trabalhos de pintores e escultores ligados ao movimentomodernista como Lasar Segall, Quirino da Silva, Hugo Adami, Cândido Portinari, Gervásio Furest entre outros.

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Na Europa, nos EUA, em que a fotografiaconquistou brilhantemente foros decidade, penetrando palmo a palmo, emtodos os campos da Arte e da Cultura,homens como Steichen, que maneja umraio de luz, como o escultor um bloco deargila, Man Ray,o caleidoscópiosurrealista, Abbé, o fotógrafo andarilho,viram seus nomes transporem asfronteiras internacionais, viram revistas,especializadas ou não, disputarem suasproduções, viram-se admirados pormultidões nos salões de arte [...]

De São Paulo, que com os olhos docoração te acolhido tanta iniciativa, quetem apoiado tanta idéia nova, é precisoque parta o primeiro aceno em prol dadesprezada arte monocrômica. Se mefosse dado sugerir alguma coisa, alvitrariaaos organizadores do Salão de Maio, queesse no próximo ano acolhesse em seubojo de boa vontade, quisesse expor àluz o maravilhoso encanto de umacomposição bem equilibrada ou a maciezde um “flou” numa paisagem bem“angulada”. (VAMP 12 ) (DUARTE, 1937apud KOSSOY, 2004, p. 443).

Este ‘desabafo’ de B. J. Duartesinaliza que, no auge do movimentomodernista (década de 1930), a fotografia,enquanto manifestação estética, não tevelugar entre as artes desse movimento, aopasso que na Europa e nos EUA essacondição já se encontrava superada.

Contudo, se não houve oreconhecimento do estatuto artístico dafotografia pelo movimento, o mesmo não sepode dizer quanto à valorização de suanatureza documental por parte de intelectuaiscomo Mário de Andrade e Sérgio Milliet, quea viam como valioso instrumento dedocumentação e cultivo de coisas nacionais(KOSSOY, 2004, p. 446). Descobrir as raízesda nacionalidade, valorizar a história e aheterogeneidade de seus personagens, olharpara a produção regional-brasileira da cultura,arte e música através de uma nova perspectiva:era a bandeira do projeto modernista. Não por

acaso que, como administrador cultural noD.C.R., Mário de Andrade enxerga nafotografia uma maneira de dar corpo a essanova perspectiva, utilizando-a enquantoinstrumento de pesquisa etnográfica e comomeio de recuperação e formação de umacervo sobre a memória iconográfica dacidade de São Paulo. Sem dúvida, suapercepção da necessidade de se preservar opatrimônio fotográfico-documental é inovadorapara aquela época (idem, p. 434).

Imagens da cidade e A Cidade da Imagem:a construção da memória e a organizaçãodo acervo iconográfico para a“paulicéia”.

Em seu depoimento, Benedito contaque o D.C.R. adquire, por volta de 1936, umacoleção de negativos que remontam doséculo XIX e início do XX, contendo imagensproduzidas por Militão Augusto de Azevedo,Guilherme Gaensly, Valério Vieira entreoutros. Para executar esse projeto derecuperação e preservação do materialfotográfico, Mário de Andrade aproveita evaloriza a prática fotográfica de B. J. Duarte,de sorte que o contrata para chefiar uma novaseção criada no interior da Divisão deDocumentação Histórica e Social, a Seçãode Iconografia. Sobre tal criação e como sedeu sua contratação para desenvolver talprojeto, o fotógrafo conta que:

Meu irmão era assessor jurídico do prefeitoFábio Prado, meu irmão Paulo [Duarte].Um dia ele me telefonou dizendo – “olha,quero que você venha aqui ver umas coisasque nós compramos”. Eram caixotes denegativos embrulhados em palha. Eramnegativos que iam desde 24x30 cm até9x12 cm. Ele havia comprado do [Aurélio]Becherini – ele foi o primeiro fotógrafo dejornal de São Paulo [...] e o Becherini

12 “Vamp” era seu pseudônimo.

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começou a fotografar São Paulo nãoapenas com o desejo evidentemente dedocumentar uma época, mas paradocumentar relatórios, seja para aPrefeitura, seja do próprio [governo do]Estado, na Secretaria de Obras Públicas[...]. Becherini também comprou chapasantigas do velho Valério, Militão, Gaenslyetc. Guardou aquele patrimônio todo. Eleera muito amigo do Paulo. Um dia ele [...]propôs ao Paulo comprar aquilo e o Paulo,com aquele espírito dele, viu logo o valordaquelas chapas de antes do século [XX],fins do XIX e até 1930 e nessa épocaestava sendo fundado o Departamento deCultura [...]. E o Mário de Andrade mandoutransportar esses caixotes que estavamem local úmido, muitos deles se perderamtotalmente, para a sede do Departamentode Cultura que era um dos pavilhões doMercado Municipal. E lá ficaram pelomenos em local seco. Mas ele - não seise inspirado por esse patrimônioiconográfico valiosíssimo - ao organizaro Departamento, cria o Serviço deIconografia [...]. Muita gente perguntava oque significava iconografia, inclusive eu,que não sabia direito o que era, e ele[Mário] me dava explicações. Nomeou-mepra lá. [...] Eu comecei, então, adesencaixotar aquilo e fiquei deslumbradocom aquelas fotografias lindas – até hojesou, bem enquadradas, de uma nitidezabsoluta. Aquelas objetivas antigas faziammilagres! Tive a idéia, então, de mandarfazer um resguardo, um móvel exclusivosó para elas. Imaginei gavetões de ácidoinoxidável de arquivos, com ranhuras paraelas serem classificadas sem que umastocassem nas outras, para ter ventilação,evitar mofo e o contato com a gelatinamuitas vezes em decomposição.

(Depoimento MIS)

Como chefe da Seção de Iconografia,assume a tarefa de recuperar e organizar essadocumentação antiga; ademais, caberia a eleo trabalho de registro fotográfico e fílmico das

atividades desenvolvidas pelo D.C.R. e pelaprópria administração municipal, de modo quese formasse e estruturasse um acervoconsistente dessa variada produção(KOSSOY, 2004, p.436). Além dapreocupação em documentar obras e políticasculturais, fazia parte das preocupações do“administradores modernistas” - o diretor doDepartamento Mário de Andrade e do diretorda Divisão de Documentação Social eHistórica, Sérgio Milliet (cunhado de Benedito)- documentar aspectos sociais, étnicos econdições de vida existentes na Cidade deSão Paulo 13 . Desta maneira, documentam-se através de fotografias e em imagensfílmicas vários aspectos, por exemplo, dosparques infantis: atividades pedagógicas eassistenciais, instalações e perfil das criançasusuárias (MACHADO JR, 2004, 494).

A respeito das fotografias e vídeosque B. J. Duarte teria produzido entre 1935-38, a pedido dos “ilustrados” e dos“administradores modernistas” da Prefeitura,a atual Seção Arquivo de Negativos (antigaSeção de Iconografia) da SecretariaMunicipal de Cultura informou que ainda nãoexiste um levantamento sistemático de suaprodução fotográfica, daí a dificuldade em serter um número exato da mesma. Contudo, háa possibilidade de estimar-se a quantidadedessa produção a partir de um levantamentoatravés de pesquisa no Acervo Digital doArquivo de Negativos da Divisão deIconografia e Museus, do Departamento doPatrimônio Histórico da Secretaria Municipalde Cultura 14 . Esta feita, chega-se ao númerode 904 (novecentos e quatro) fotografias

13 Parte dessa produção pode ser conferidas no site Biblioteca Multimídia do Instituto Embratel através doendereço http://200.244.52.177/embratel/main/mediaview/homepage?context=embratel . Procurar porBenedito Junqueira Duarte em “pesquisa avançada”. Vale lembrar que o crédito das imagens é da “Divisãode Iconografia e Museus do DPH” e não da “Biblioteca Mário de Andrade”, conforme consta no site.

14 PMSP/SMC/DPH/DIM/Seção Arquivo de Negativos. Este acervo não está disponível pela Internet, e sim paraconsulta local.

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cadastradas no interregno de 1935-38, cujastemáticas abordam desde o registro demonumentos históricos espalhados pelacidade, vistas aéreas, igrejas e casarõesantigos, institutos educacionais (EscolaNormal, Faculdade de Direito do Largo de S.Francisco e Escola de Comércio), grandesedificações (edifícios Martineli, Nho-nhôMagalhães, da Caixa Econômica Federal,Pirapitingui, Estação da Luz etc). A partir destasondagem, notamos a visibilidade que os“ilustrados” pretenderam dar às instituiçõese programas dos âmbitos dos governosestadual e municipal: a Penitenciária e oBanco do Estado, reformas urbanas,Orquidário do Estado, Viveiro Municipal,Biblioteca e Discoteca Pública, BibliotecaCirculante, cortiços e os espaço de educaçãoformal (Faculdade de Direito do Largo de SãoFrancisco, Escola Normal Caetano deCampos e grupos escolares) e os extra-escolares (parques infantis).

Dentre essa documentaçãoiconográfica disponível, uma grande parcelaé pertinente aos parques infantis. Deste total,263 referem-se ao registro dos parquesinfantis da Lapa, Ipiranga e D.Pedro II,totalizando 29% das imagens fotográficasencomendadas pelo D.C.R. nesse período.Este percentual reflete a importância dada aestes espaços educativos extra-escolaresjunto ao projeto político dos gestores“ilustrados” e modernistas da Prefeitura daCidade de São Paulo. Torna-seimprescindível lembrar que, além dessasfotografias, B. J. Duarte teria dirigido, em1936, um curta-metragem intitulado ParquesInfantis de São Paulo - o que reforçaria a idéiade que, sob a encomenda dos gestores doD.C.R.., o fotógrafo-cinegrafista teriaproduzido um importante conjunto de

iconografias sobre a educação municipal demodo que se desse grande visibilidade a umdos pontos estratégicos do projeto político“ilustrado”, ou seja, às políticas educacionaisdesenvolvidas no âmbito do Departamento.

Outrossim, tais parques eramconsiderados o projeto mais relevante daDivisão de educação e Recreios. Instaladosnesses bairros operários, tendo comofreqüentadores os filhos de trabalhadores,objetivavam “collaborar na obra depreservação e de previsão social e contribuirpara a educação hygienica das crianças” 15 .Vistos como “instituições extra-escolares”,posto que funcionaria como complemento àeducação oferecida nos grupos escolarespara crianças pobres, teria como finalidade“trazer ao conhecimento da criança oselementos da vida física, moral e intelectual,sob forma exclusivamente recreativa”

(MIRANDA, 1936).

O cinema e a fotografia construindo aimagem da educação na ‘Paulicéia’“ilustrada”. A contribuição de B. J. Duarte.

O curta-metragem Parques Infantisde São Paulo, editado em preto e branco,com doze minutos de duraçãoaproximadamente, produzido em filme de 35mm e sonorizado - o que deve ter exigidoconsiderável gasto financeiro por parte doD.C.R. já que, segundo o próprio fotógrafo-cinegrafista, utilizar tais recursos técnicosneste momento demandava custos altos. Emsetembro do mesmo ano, o curta sofreriaintervenções da censura do governo Vargas16 , contudo não impediria de ser exibido na

15 Acto n. 861 de 30 de maio de 1935”.op. cit, p. 235. 16 Fonte: CENS/I ; JIMS/OESP ; 15.10.1936.23

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Sala Odeon, em São Paulo, e no Rio deJaneiro, no Plaza 17.

Os créditos que aparecem no iníciodo curta-metragem são reservados aoD.C.R. e ao Diretor da Divisão de Educaçãoe Recreios, Nicanor de Miranda. Ao som de“O Quinteto”, do compositor Carlos Gomes,

um locutor não identificado narra como seriaa rotina das crianças freqüentadoras dosparques infantis:

Ao entrarem, são os pequenossubmetidos previamente a uma inspeçãomédica, isolando-se os portadores demoléstias contagiosas e dando-lhesassistência. Após a matrícula, cadacriança tem uma ficha médica,psicológica e social. Às primeiras horasda manhã e às últimas da tarde realizam-se aulas de educação física porinstrutores especializados. Eis aqui ospequenos e seus movimentos.

Durante a aula e após esta, alguns jogosinfantis cuidadosamente escolhidos eorganizados e que tanta alegria trazemaos petizes. Muitas das crianças quefreqüentam os parques são vítimas deuma alimentação deficiente. ODepartamento de Cultura estudacarinhosamente este problema e eis oque é feito para remediar este mal[distribuição de copo com leite].

As crianças não devem ficar expostashoras seguidas ao sol, pois é sabido queo sol em excesso, ao invés de beneficiar,prejudica a saúde.

Á sombra dos galpões ou das árvores,praticam jogos tranqüilos e recreaçõeseducativas.

No parque, as crianças tambémtrabalham, se trabalham! Trabalham comose estivesse jogando com a mesmaespontaneidade e o mesmo prazer.Trabalham como se estivessembrincando!Entre as primeiras necessidades dascrianças que vivem na metrópole estãoo ar e o sol.A recreação por meio de aparelhos é umadas mais apreciadas. O instinto de

17 Fonte: Arquivo Cinemateca Brasileira

balançar é comum às crianças de todasas idades e de todos os países...Que prazer a água proporciona à criança!Além de ser a natação um esplendidoexercício, é o esporte higiênico porexcelência. Além de 800 copos com leitedistribuídos diariamente, a assistênciaalimentar é acrescida de frutas. Com quêgosto as crianças as saboreiam!Visitando os filtros distribuidores de águapara a cidade de São Paulo,periodicamente são levadas a efeitoexcursões às fábricas, ao parque daindústria animal, ao Museu do Ipiranga,às usinas de leite e a outros logradouros,de cuja visita os pequenos possam tirarproveito intelectual. Especial cuidadomerece as atividades dramáticas. Eisaqui uma cena da Nau Catarineta, bailadotradicional popular inteiramenteesquecido em São Paulo e que oDepartamento de Cultura está fazendorenascer no seio do povo.

Cada atividades rítmicas incluem-setambém na organização geral doServiço. Além de ser um complementoda cultura física, elas educam a atitudee o gesto.

Todos os meses realizam-se festivais quevisam estreitar a camaradagem entre ospequenos dos vários parques.

Aula de ginástica em parque infantil, 1937.Autor: B. J. Duarte.Acervo: IEB/USP.

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Transportados em bondes, aproveitamtambém para fazer um lindo passeio pelacidade pois muitas destas criançasjamais saíram do seu bairro (Acervo:Cinemateca Brasileira).

As imagens expostas acima nãoforam tomadas a partir dos fotogramas dodocumentário, contudo, dialogam com asimagens fílmicas na medida em que o olharB. J. Duarte busca manter uma similitude nosdiscursos das imagens fotográfica e fílmica.Em paralelo ao texto proferido (de possívelautoria do diretor da Divisão de Educação,Nicanor de Miranda), o olhar de Beneditopretendeu apresentar os parques infantis –utilizando, para tanto, de seu requintadorepertório estético adquirido na França e emSão Paulo – como um espaço onde arecreação, o cuidado e a educação erampráticas diárias e indissociáveis: assistênciamédica e pedagógica de profissionaishabilitados às crianças parqueana: examesfísicos e antropométricos, alimentação a basede frutas e leite, a prática da cultura física edo folclore brasileiro através do teatro ou damúsica. Observa-se, por outro lado, apouquíssima ênfase que o fotógrafo-cinegrafista reserva à figura das educadorassanitárias, cuja presença é quase

desapercebida ao longo do documentário.

Um outro aspecto interessante daseleção operada pelo olhar de B. J. Duarteseria com relação aos momentos deludicidade nos parques. A impressão que nosfica é a de que os meninos gozariam demaior reserva de momentos lúdicos secomparados aos das meninas. Nas cenasque mostram brincadeiras e banho depiscina, predominam a figura masculina,embora conste a presença feminina emmenor quantidade. Além disso, o olhar docinegrafista mostra que a menina parqueanaera educada para executar habilidadesdomésticas: tricô, crochê, bordado etc. Noque toca aos tipos étnicos das criançasparqueanas registradas, nota-se presençapredominante das crianças de pele branca.

Se, do ponto de vista sociológico, oolhar de Benedito acabou por revelar apredominância de crianças brancas e do sexomasculino nos parques, tal panorama já forapercebido e até mesmo levantado pelotécnico de pesquisas sociais da Divisão deDocumentação Social e Histórica do D.C.R.,Samuel H. Lowrie, em um estudo em que tratada ascendência das crianças freqüentadorasdos parques infantis, publicado na Revista doArquivo Municipal em 1937, no qualpretendeu mostrar estatisticamente talsituação: em 1937, se a porcentagem decrianças parqueanas do sexo masculino63%, a do sexo feminino era de apenas 37%;com relação ao percentual em relação à ‘corda pele’ dessas crianças, 97% foramregistradas como “brancas” e 3%, como“parda” ou “negras” (LOWRIE, 1937). Istoposto, notamos uma certa confluência dosolhares de S. Lowrie e do fotógrafo.

No tocante as fotografias que B. J.Duarte teria registrado sobre os parquesinfantis, podemos perceber a intriganteseleção das temáticas operadas por seuolhar. O Quadro 1 procura mostrar, do ponto

Bailado Nau Catarineta no Parque Infantil D. PedroII. Fotógrafo: B. J. Duarte. Revista São Paulo,1936, vol 5.

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de vista quantitativo, as temáticas registradaspelo fotógrafo:

Este quadro nos convida a inferir queB. J. Duarte, operando sob ordem do D.C.R.,procurou dar maior visibilidade ao ParqueInfantil D. Pedro II. Contudo, essa afirmaçãotem de ser feita com extrema cautela, postoque estamos nos baseando numadocumentação que resistiu enquanto acervomunicipal. Há muito, ainda, que se investigara respeito do número de registros realizadosoficialmente pelo fotógrafo para, a partir daí,se chegar à conclusão de que o D.C.R. teriaescolhido o D. Pedro II para ser o “estandarte”da educação extra-escolares dos parquesinfantis.

Com relação às temáticasregistradas, percebe-se que o fotógraforegistrou em maior quantidade as atividadesrelacionadas à cultura física (62 fotos),seguida das atividades dramáticas (34 fotos),refeições (30 fotos), brincadeiras livres (26fotos) e orientadas (23 fotos). Numaperspectiva mais ampla, a maior parte dasfotografias mostra as variadas atividadespedagógicas sendo realizada com ascrianças parqueanas: brincadeiras a partir dediversificados objetos e suportes, práticas deleitura, pintura e esportivas, entre outras. B.J. Duarte procurou dar visibilidade àsatividades relacionadas à saúde e higienedo corpo das crianças, de modo que fizesseremeter à idéia de “robusteza infantil” ou de“eugenia”, pulsantes neste momentohistórico.

Esta foi, de maneira bastantesintetizada, a contribuição de B. J. Duartepara campo da história da educação paulista.Seu olhar refinado por conta de suaexperiência na fotografia artística e, emseguida, no fotojornalismo, capturou diversosaspectos da cultura e dos fazeres escolaresdos parques infantis, durante aadministração de Mário de Andrade no

Departamento de Cultura e Recreação.

Em meados da década de 1930,assume papéis simultâneos em instâncias“ilustradas” diferentes: como “caçador deimagens”, a busca frenética por registrar ocrescimento e o dinamismo cultural-econômico da ‘Paulicéia’, ao sabor do desejode seus contratantes; como “artista”, a lutapela valorização da fotografia enquantomanifestação artística e o descontentamentoem ver sua “arte monocrômica” desprezadapor setores do movimento modernista,calcados na “arte” de Di Cavalcanti, CândidoPortinari, Lasar Segall, Vitor Brecheret, Tarsilado Amaral entre outros. Tal descaso para coma fotografia levaria B. J. Duarte, ao lado deEduardo Salvatore, Thomas Farkas, JoséMedina, Randolfo Homem de Mello etc, acriarem, em 1939, um espaço queaglutinasse interessados e profissionais emnome da “arte fotográfica”: o Foto ClubeBandeirantes (que se transformaria, em1945, no Foto-Cine Clube Bandeirantes).Por tudo isso, torna-se relevante acontribuição de para a história da fotografiabrasileira (KOSSOY, op. cit., 437).

Benedito não concebia suaprodução como um simples registro históricosobre algo. Percebia as imagens fotográficase fílmicas como uma manifestação artística,como obra de arte, à busca da “composiçãobem equilibrada”, ou “a maciez de um ‘flou’numa paisagem bem ‘angulada’”. Destamaneira, B. J. Duarte não só compõe aimagem educacional na condição defuncionário público, mas na de um artistadiante de sua obra: a preocupação nacomposição dos elementos na imagem, asfunções dos ângulos e das formas, tomadasde baixo para cima, a ênfase naexpressividade dos sujeitos capturados,principalmente ao se tratar de crianças. Foicom este refinamento do olhar que ofotógrafo-cinegrafista construiu sua narrativa

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Temática registrada P.I.* D.Pedro

Atividade: ginástica 45

Apresentações: dança e teatro 27

Refeições 7

Atividades: brincadeiras livres c/ ou s/ aparelhos 20

Atividade: brincadeiras orientadas 19

Atividade: natação 10

Testes e exames médicos 11

Grupo de crianças 8

Atividade: jogos de tabuleiro -

Diretoria infantil do Parque Infantil 1

Atividade: jogos esportivos 4

Jardinagem -

Atividade: leitura 2

Ênfase - crianças estrangeiras 2

Atividade: blocos lógicos de madeira -

Prédio / instalações físicas 2

Atividade: desenho e pintura 3

TEMÁTICA DAS FOTOGRAFIAS – POR PARQUE INFANTIL

* P.I. = Parque Infantil

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iconográfica acerca das políticaseducacionais do D.C.R.

Portanto, é preciso reconhecer aimportante contribuição da produçãoiconográfica de B. J. Duarte como fonte paraa história da educação em São Paulo, namedida em que ela possibilita múltiplos

olhares sobre aspectos de culturasescolares e de práticas, bem como arespeito das representações de políticaseducacionais cuidadosamente construídaspela agência ou instância contratante e,sobretudo, pelo olho que opera por detrásda câmera.

Referências

ABDANUR, E. F. Os “ilustrados” e a política cultural em São Paulo. O Departamento de Cultura na gestãoMário de Andrade (1935-38). Dissertação de Mestrado, Unicamp, 1992.

CAMARGO, M. J.; MENDES, R. Fotografia: cultura e fotografia paulistana no século XX. São Paulo: SecretariaMunicipal de Cultura, 1992.

CAMARGO, Mônica Junqueira e MENDES, Ricardo. Fotografia: cultura e fotografia paulistana no século XX.São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura, 1992.

CATANI, Afrânio Mendes. Cogumelos de uma só manhã. B. J. Duarte e o Cinema Brasileiro. Anhembi:1950-1962. Tese de Doutorado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, vols 1, 2 e 3, SãoPaulo, 1991.

DUARTE, B. J. À luz fosca do dia nascente. Crônicas da memória, v. 1. Massao Ohno – Roswitha Kempf,1982

______.Caçadores de imagens. Nas trilhas do cinema brasileiro. Crônicas da memória vol 2. São Paulo:Massao-Ohno, 1982.

DUARTE, Paulo. Mário de Andrade por ele mesmo. São Paulo: Edart, 1971.

KOSSOY, B. Luzes e sombras da metrópole: um século de fotografias em São Paulo (1850-1950). In: PORTA,P. História da cidade de São Paulo. A cidade no Império 1823-1889, v. 2, São Paulo: Paz e Terra, 2004.

LOWRIE, S.H. Ascendência das crianças registradas no Parque Infantil D. Pedro II. In: R.A.M., Departamentode Cultura, São Paulo, v. 39, 1937, p. 261.

MACHADO JR, Rubens. São Paulo e o seu cinema: para uma história das manifestações cinematográficaspaulistanas (1899-1954). In: PORTA, P. História da Cidade de São Paulo: a cidade no Império 1823-1889, v.2, São Paulo: Paz e Terra, 2004.

MIRANDA, Nicanor. “Plano inicial da Seção de Parques Infantis”. Revista do Arquivo Municipal de SãoPaulo, Departamento de Cultura, ano 2, v. 21, mar/1936, p. 95-98.

PRADO, M. L. A Democracia Ilustrada: o Partido Democrático de São Paulo (1926-1934). São Paulo: Ática,1986

Revista do Arquivo Histórico Municipal de São Paulo, Departamento do Expediente e do Pessoal, v. III,agosto/1934.

Revista do Arquivo Municipal de São Paulo, Departamento de Cultura, ano 1, v. XII, maio/1935

______, ______, ano 2, v. XXI, mar/1936

______, ______, São Paulo, v. XXXIX, 1937

Revista São Paulo. São Paulo, 1936.

Depoimento de B. J. Duarte concedido a Boris Kossoy, Hans Günter Fleig, Moracy de Oliveira e Máximo Barroem 14.05.1981. Programa de História Oral – Fotografia Paulista – Museu da Imagem e do Som / SP.

Fotografias “tipo/negativo”:1A-270 A. Acervo: PMSP/SMC/DPH/DIM/SAN.

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“Parques Infantis de São Paulo” (1936). Curta-metragem 35mm, PB. Produção: Ross Rex Filme e

Departamento de Cultura. Direção: B. J. Duarte. Acervo: Cinemateca Brasileira

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Resumos

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MACÊDO, M. Memórias de Professoras Primárias no Cotidiano dasEscolas Públicas Estaduais da Zona Urbana e Rural de Teresina (PI):1960 – 1970. 2005. Dissertação (Mestrado em Educação) – Centro de Ciênciasda Educação, Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2005.

RESUMO

Esta dissertação analisa a participação da professora primária no contexto educacionalbrasileiro,em especial no município de Teresina (PI), com o objetivo de resgatar memórias deprofessoras primárias no cotidiano escolar, que se encontravam em sala de aula nas décadasde 60 e 70 do século XX, período de implantação das Leis 4.024/61 e 5.692/71,que causaramgrande impacto no sistema educacional brasileiro. Isso nos levou a querer compreender queinfluências tiveram essas Leis nas práticas pedagógicas das professoras primárias. Nodesenvolvimento deste estudo, identificamos fatores que motivaram, dificultaram e facilitaramos avanços e retrocessos do contexto educacional e societário, em âmbito nacional, regional elocal.Na busca de uma melhor compreensão quanto ao cotidiano, à cultura escolar e memóriasde professoras primárias, à sua formação pessoal e profissional, ao seu ingresso no magistérioe às práticas pedagógicas, recorremos às influências de estudiosos como Heller, Certeau, Nóvoa,Halbwachs, Bosi, Souza, Ferro, e outros. A pesquisa é de natureza histórica e enfoca o ensinoprimário, hoje denominado ensino fundamental, retratando, assim, a realidade educacional doBrasil, em especial do Piauí, diante das continuidades e descontinuidades ocorridas na áreada educação. Metodologicamente nos fundamentamos na História Cultural de Roger Chartier,que orientou a escolha que fizemos em trabalhar com memórias de professoras primárias,oportunidade que tivemos de construir uma história com a participação das própriasprotagonistas. Utilizamos a história oral a fim de coletarmos diretamente das fontes, através deentrevistas semiestruturadas, informações que subsidiaram a construção desta dissertação.Tendo vez e voz, as seis professoras escolhidas como sujeitos da pesquisa, por critérios maisqualitativos que quantitativos, são mulheres professoras, aposentadas, compreendendo umafaixa etária dos 60 aos 84 anos de idade, e que estiveram em sala de aula no período delimitadopara nosso estudo. Informaram-nos sobre sua formação pessoal e profissional, sua escolha eingresso no magistério primário, bem como suas práticas pedagógicas no cotidiano escolar,explicitando, assim, comportamentos e sentimentos construídos e vivenciados através de suasexperiências pessoais e profissionais. Os conteúdos das entrevistas nos remeteram àsdiscussões de fatores políticos, sociais, culturais, históricos, inclusive de gênero, que permeiama profissão docente, em especial o magistério primário. Os resultados da pesquisa nos deramuma visão ampla dos fatos e acontecimentos da educação, da importância que as professorasprimárias tiveram e têm na história da educação, não podendo, assim, ser relegadas a umplano secundário e, muito menos, silenciadas na historiografia da educação brasileira.

Palavras-Chave:Memória. História. Professora primária. Cotidiano escolar

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PENNO, S. M. K. A Trajetória da Instituição Educativa Evangélica maisAntiga no Estado do Piauí: Instituto Batista Correntino. 2005. Dissertação(Mestrado em Educação) – Centro de Ciências da Educação, UniversidadeFederal do Piauí, Teresina, 2005.

RESUMO

Esta dissertação apresenta a exposição de estudos realizados sobre a temática História dasInstituições Educativas no Piauí, cuja investigação tem como objeto de estudo o ‘Instituto BatistaCorrentino’ e centra-se no período compreendido entre 1904 (época que corresponde àimplantação da primeira instituição evangélica no Piauí) e 2004 (ano em que os batistas brasileiroscomemoraram os 100 (cem) anos de trabalho organizado no Estado). Assim, objetiva areconstituição da trajetória histórica da Primeira Escola Evangélica no Estado, considerandoas implicações históricas e culturais da zona rural, as relações que se estabelecem entre tempoe espaço e as relações estruturais presentes na História Educacional Brasileira. O InstitutoBatista Correntino – IBC, anteriormente conhecido como Instituto Batista Industrial, destaca-sede outras instituições estudadas por sua orientação religiosa e pela sua prática pedagógicamarcada pela ação de missionários norte-americanos no campo piauiense. A pesquisa temcunho historiográfico pioneiro e exploratório, com embasamento teórico-metodológico a partirda orientação da História Cultural. O estudo busca dar voz aos atores do processo educacional(professores, alunos e comunidade envolvida), privilegiando registros autobiográficos e registrosde memória oral. Na busca de diálogo entre os diferentes atores envolvidos, a pesquisa tece osfios da história, enriquecida pela visão de teóricos, como: Thompson (história oral), Certeau eLefebvre (cotidiano); W. Benjamin (narrativa), Hunt (História Cultural), Maria Cecília C. Souza(memória de escola), dentre outros. Ao se deter numa situação concreta de análise das condiçõesda prática pedagógica, busca-se lançar luz sobre a dinâmica da apropriação do conhecimentopor seus agentes dentro do tempo e do espaço geográfico e social na dimensão do cotidiano.Ao reconhecer-se a contradição que permeia o mundo social, seus antagonismos e conflitos, épossível perceber-se também o espaço, não só como instrumento de dominação e de poder,mas também como instância de apropriação de múltiplos significados, extremamente dinâmicoe em processo de contínua construção. Considera-se que esta reflexão além de apontar acomplexidade do tema, envolve relações entre questões culturais e transcontinentais. Enfim,com um olhar mais atento diante deste contexto, busca-se preencher as lacunas existentes naHistória da Educação Brasileira: especificidades regionais articuladas com a trajetória da‘Instituição Evangélica mais antiga no Estado do Piauí’.

Palavras-chave: História da Educação. Instituições Escolares. Protestantismo. Memória.Cultura Escolar.

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FERRO, L. B. Educação e saúde: o ensino odontológico no Piauí – história,memória e realidade. 2005. Dissertação (Mestrado em Educação) – Centrode Ciências da Educação, Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2005.

RESUMO

O presente trabalho é um estudo sobre a história do ensino da Odontologia no Estado do Piauí.Está inserido num projeto de pesquisa mais amplo “Memória da UFPI: Vários Olhares”, queobjetiva resgatar a história da Universidade Federal deste Estado. Trata-se de pesquisa naárea de História da Educação fundamentada na NovaHistória Cultural, através de autores comoRoger Chartier, Jacques Legoff, PeterBurke. A análise do cotidiano do ensino, da cultura escolare das memórias de professores e alunos recebe influência dos estudos de Michel de Certeau,Antônio Novoa, Cecília Cortez. O recorte temporal estende-se de 1947 a 2005. Para tanto estãosendo consideradas fontes como, registros oficiais (documentos), artigos de jornais edepoimentos orais de professores e alunos, material iconográfico. Inicialmente apresentou-seuma retrospectiva da odontologia e seu ensino no Brasil. A história do curso de Odontologiacoloca-se de maneira relevante, como um dos cursos precursores da UFPI, desde a formaçãodo “Movimento pró-Faculdade de Odontologia do Piauí” nos idos de 1947, passando por todasas movimentações e articulações para que no ano de 1961 fosse iniciado o primeiro curso daárea da Saúde no Piauí. Fica evidenciado através do processo de estadualização da faculdadea árdua batalha para o reconhecimento do curso perante o Ministério da Educação.Todos estesfatos são partes da memória não só do ensino odontológico, mas também da própriaUniversidade Federal do Piauí que nasceu fruto do sucesso e da aglutinação das faculdadespreexistentes. A instalação da faculdade de Odontologia do Piauí foi cercada por diversaspeculiaridades. Passou mais de uma década de articulações e planejamento até sua fundação;foi criada como instituição particular; demandou um grande aporte de recursos financeiros paraseu efetivo funcionamento, e posteriormente reconhecimento. O governo estadual, reconhecendoa importância e a necessidade do ensino superior para os moradores do Piauí assume aresponsabilidade pelo funcionamento do curso, e o estadualiza, providenciando a estrutura paraque o curso seja então reconhecido oficialmente, o que só ocorre alguns anos após a conclusãoda primeira turma. No final dos anos 60 a então faculdade estadual de Odontologia do Piauíjuntamente com outras quatro faculdades existentes, Direito, Filosofia, Medicina, e Administração,formam, no ano de 1971, a Universidade Federal do Piauí, a primeira Universidade a se instalarem terras Piauienses. Esta dissertação reconstrói e analisa este processo.

Palavras-Chave: História da Educação. Ensino Odontológico. Ensino Superior.

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Sousa, J. B. de. Picos e a Consolidação de sua Rede Escolar: do GrupoEscolar ao Ginásio Estadual. 2005. Dissertação (Mestrado em Educação) –Centro de Ciências da Educação, Universidade Federal do Piauí, Teresina,2005.

Resumo

Esta dissertação é um estudo em História da Educação e tem como objetivo a investigação doprocesso de consolidação da rede escolar na cidade de Picos (PI). Pretendemos com estapesquisa recompor a trajetória do ensino Picoense, ampliando o conhecimento da história daeducação local, suscitando novas questões e, por conseguinte, novas pesquisas. O recortetemporal de análise é o período de 1929 a 1949. Em 1929, foi fundado o Grupo Escolar CoelhoRodrigues. Em 1949, surgiu o Ginásio Estadual Picoense. Durante o período abordado, tambémsão estudados o ensino municipal e o ensino privado, focalizando a fundação de outras escolas,como o Grupo Escolar Landri Sales e o Instituto Monsenhor Hipólito. No processo deinvestigação das instituições educativas, são analisadas as práticas escolares e a profissãodocente, bem como a relação entre escola e comunidade. As fontes utilizadas neste trabalhoestão, em sua maioria, preservadas no Arquivo Público Estadual e no Museu Ozildo Albano.Além destas, utilizamos livros de memórias e depoimentos orais de ex-alunos e ex-professoresdas escolas investigadas. Como referencial teórico de análise, baseamo-nos em autores dahistória cultural, como Vainfas, Le Goff, Chartier, Certeau, e em estudos da cultura escolar, comoDominique Julia e Sousa.

Palavras-chave: Instituição escolar. História da Educação. História da Educação no Piauí.Memórias.

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LINGUAGENS, EDUCAÇÃO E SOCIEDADEREVISTA SEMESTRAL DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA UFPI

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a) Livro (um só autor):

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17.ed. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1987.

MENDES SOBRINHO, J.A. de C. Ensinode ciências naturais na escola normal:aspectos históricos. Teresina: EDUFPI,2002.

b) Livro (até três autores):

ALVES-MAZZOTTI, A. J.;GEWANDSZNAJDER, F. O métodocientífico nas ciências naturais esociais: pesquisa quantitativa equalitativa. 2. ed. São Paulo: Pioneira,2002.

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c) Livros (mais de três autores):

RICHARDSON, R. J. et al. Pesquisasocial: métodos e técnicas. São Paulo:Atlas, 1999.

d) Capítulo de livro:

CHARLOT, B. Formação de professores: apesquisa e a política educacional. In:PIMENTA, S. G.; GHEDIN, E. (Orgs.).Professor reflexivo no Brasil: gênese ecrítica de um conceito. São Paulo: Cortez,2002. p. 89-108.

e) Artigo de periódico:

IBIAPINA, I. M. L de M.; FERREIRA, M. S.A pesquisa colaborativa na perspectivasócio-histórica. Linguagens, Educação eSociedade, Teresina - PI, n. 12, p. 26-38,2005.

f) Artigo de jornais:

GOIS, A.; Constantino. L. No Rio, instituiçõescortam professores. Folha de S. Paulo, SãoPaulo, 22 jan. 2006. Cotidiano, caderno 3,p. C 3.

g) Artigo de periódico (eletrônico):

IBIAPINA, I. M. L de M.; FERREIRA, M. S. Apesquisa colaborativa na perspectiva sócio-histórica. Linguagens, Educação eSociedade, Teresina - PI, n. 12, p. 26-38,2005. Disponível em <http://www.ufpi.br>mestreduc/Revista.htm.Acesso em: 20 dez. 2005.

h) Decreto e Leis:

BRASIL. Constituição (1988). Constituiçãoda República Federativa do Brasil.Brasília, DF: Senado, 1988.

i) Dissertações e teses:

BRITO, A. E. Saberes da prática docentealfabetizadora: os sentidos revelados eressignificados no saber-fazer. 2003. Tese

(Doutorado em Educação) – Centro deCiências Sociais Aplicadas, UniversidadeFederal do Rio Grande do Norte, Natal, 2003.

j) Trabalho publicado em eventoscientíficos.

ANDRÉ, M. E. D. A. de. Entre propostas ...uma proposta pra o ensino de didática. In:ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA EPRÁTICA DE ENSINO, VIII, 1996,Florianópolis. Anais .... Florianópolis:EDUFSC, 1998. p. 49.

10 – A responsabilidade por erros gramaticaisé exclusivamente do(s) autor(es),constituindo-se em critério básico para apublicação.

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Endereço para envio de Textos:

Linguagens, Educação e SociedadeUniversidade Federal do Piauí

Centro de Ciências da EducaçãoPrograma de Pós-Graduação em

Educaçã[email protected] da IningaTeresina – Piauí

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ENDEREÇO DOS AUTORES

Antonio José GomesUniversidade Federal do Piauí (UFPI)UFPI/CCE/DEFCampus IningaCEP: 64.040-730Teresina-PIE-mail: [email protected]

Carmen Lúcia de Oliveira CabralUniversidade Federal do Piauí/ CCEPós-Graduação em EducaçãoCampus IningaCEP: 64.040-730Teresina-PIE-mail: [email protected]

Carolina da Costa e SilvaUniversidade de São PauloFaculdade de Educação/ Mestrando em EducaçãoRua Francisco Portilho de Melo, 27CEP: 08121-030São Paulo - SPE-mail: [email protected]

Cláudia Cristina da Silva FontinelesUniversidade Estadual do Piauí (UESPI)Centro Federal de Educação Tecnológica(CEFET-PI)Teresina-PIE-mail: [email protected]

Elomar TambaraUFPelRua Alberto Rosa, 154CEP: 96010-770Pelotas-RS

Fátima Pacheco de Santana InácioUniversidade Federal de Goiás – UFGCampus de Catalão.Res. Rua Manoel Quirino Garcia, nº 45.Goiandira – GoCEP: 75.740-000

Fernando MontiniSocoro-SP

Laerthe de Moraes Abreu JuniorUniversidade Federal de São João del-Rei.Res. Rua Padroeiro Santo Antonio, 319CEP: 36325-000Tiradentes-MGE-mail: [email protected]

Marcelo de Sousa NetoUniversidade Estadual do Piauí (UESPI)Campus Torquarto NetoRua Hoão Cabral, s/nTeresina-PIE-mail: [email protected]

Maria Madalena Silva de AssunçãoRua Ludgero Dolabela, n° 249, apt° 601GutierrezBelo Horizonte-MGCEP: 30.430-130E-mail: [email protected]

Ronaldo Aurélio Gimenes GarciaPrograma de Pós-Graduação em EducaçãoUniversidade Federal de São Carlos (UFSCar)Resid. Rua José Deocleciano Ribeiro, 4500Jardim Noêmia, Franca – SPCEP: 14403-762

Teresinha de Jesus Araújo MagalhãesNogueiraCampus da IningaCEP: 64.040-730Teresina-PIE-mail: [email protected]

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍCENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO “PROF. MARIANO DA SILVA NETO”

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

FORMULÁRIO DE PERMUTA

A Universidade Federal do Piauí (UFPI), por meio do Programa de Pós-Graduação em Educação(PPGEd) está apresentando o Número , da Revista Linguagens, Educação, Sociedade e solicitao preenchimento dos dados a seguir relacionados:

Identificação Institucional

Nome: __________________________________________________________________________

Endereço: _______________________________________________________________________

_______________________________________________________________________________

CEP:________________ Cidade: ______________________________ Estado: ___________

Contatos

Telefones: _______________________________________________________________________

Fax: ____________________________________________________________________________

Home-page: _____________________________________________________________________

e-mail: __________________________________________________________________________

( ) Há necessidade institucional de continuar recebendo a Revista Linguagens, Educação, Socie-

dade como doação (sujeito a análise e confirmação).

( ) Há necessidade institucional de continuar recebendo a Revista Linguagens, Educação, Socie-

dade como permuta.

Em caso positivo, indicar, a seguir: título, área e peridiocidade da revista a ser permutada._________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

_______________________________________________________________Assinatura do Representante Institucional

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨Encaminhar este formulário devidamente preeenchido para o endereço a seguir:

Universidade Federal do PiauíCentro de Ciências da Educação “Prof. Mariano da Silva Neto”

Programa de Pós-Graduação em educação (PPGEd) - Sala 416Campus Universitário “Ministro Petrônio Portella” - Ininga

TELEFAX: (86) 3237-127764.049-550

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REVISTA: LINGUAGENS, EDUCAÇÃO E SOCIEDADEUniversidade Federal do Piauí

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Professor: ( ) Educação Básica ( ) Educação Superior ( ) Outros:.............................................

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Imp. na Gráfica da UFPI