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La Salle - Revista de Educação, Ciência e Cultura | v. 14 | n. 1 | jan./jun. 2009 143 RESUMO: Este trabalho teve como objetivo a verificação de algu- mas das principais dificuldades que fa- lantes de língua portuguesa apresentam na execução da marcação não-manual da Língua Brasileira de Sinais e avaliar se, a partir de uma execução inadequa- da, poderá haver alguma interferência na estrutura da frase e, consecutiva- mente, a mudança de significado de pa- lavras e frases. PALAVRAS-CHAVE: LIBRAS, sintaxe espacial, marcação não-manu- al, aquisição da linguagem. Língua Brasileira de Sinais: as dificuldades encontradas por ouvintes na execução da marcação não-manual e sua interferência na mudança de significado Diego Teixeira de Souza * RESUMEN: Este trabajo tuvo como objetivo verificar algunas de las principales dificultades que hablantes de lengua portuguesa tienen en la eje- cución de la marcación no manual de la Lengua Brasileña de Señas y evalu- ar si, a partir de una ejecución inade- cuada, habrá alguna interferencia en la estructura de la frase y, por tanto, el cambio de significado de palabras y frases. PALABRAS CLAVE: LIBRAS, sintaxis espacial, marcación no manual, adquisición del lenguaje. * Graduando em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Membro do Centro de Estudos em Memória Cultural da PUCRS e da ABRALIN – Associação Brasileira de Lingüística.

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La Salle - Revista de Educação, Ciência e Cultura | v. 14 | n. 1 | jan./jun. 2009 143

RESUMO: Este trabalho tevecomo objetivo a verificação de algu-mas das principais dificuldades que fa-lantes de língua portuguesa apresentamna execução da marcação não-manualda Língua Brasileira de Sinais e avaliarse, a partir de uma execução inadequa-da, poderá haver alguma interferênciana estrutura da frase e, consecutiva-mente, a mudança de significado de pa-lavras e frases.PALAVRAS-CHAVE: LIBRAS,

sintaxe espacial, marcação não-manu-al, aquisição da linguagem.

Língua Brasileira de Sinais: asdificuldades encontradas por

ouvintes na execução da marcaçãonão-manual e sua interferência na

mudança de significado

Diego Teixeira de Souza *

RESUMEN: Este trabajo tuvocomo objetivo verificar algunas de lasprincipales dificultades que hablantesde lengua portuguesa tienen en la eje-cución de la marcación no manual dela Lengua Brasileña de Señas y evalu-ar si, a partir de una ejecución inade-cuada, habrá alguna interferencia enla estructura de la frase y, por tanto, elcambio de significado de palabras yfrases.PALABRAS CLAVE: LIBRAS,

sintaxis espacial, marcación no manual,adquisición del lenguaje.

* Graduando em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Membro do Centro deEstudos em Memória Cultural da PUCRS e da ABRALIN – Associação Brasileira de Lingüística.

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IntroduçãoNo processo de aquisição de uma segunda língua oral, é verificado que al-

guns aprendizes apresentam diversas dificuldades, tais como: conjugações ver-bais, ordem das sentenças, concordâncias etc. Tais dificuldades não estão longeda Língua Brasileira de Sinais, embora focada em outro âmbito.

Na língua de sinais, um dos problemas encontrados se refere à execução dasmarcações não-manuais. Essas fazem referência à posição de cabeça, movimen-tação corporal e expressão facial.

Em meio a esse contexto, o presente trabalho tem por objetivo levantar eanalisar algumas das principais dificuldades encontradas por falantes na execuçãoda marcação não-manual, apresentando uma análise crítica dos dados obtidos.

A escolha pelos tópicos abordados, abrangendo tipos de frases da língua desinais, marcações não-manuais e mudança de significado, deve-se ao fato de se-rem temas suscetíveis de dúvidas gerando, muitas vezes, a incompreensão porparte dos alunos.O que são línguas naturais?

O estudo científico da língua natural humana pode ser definido como lingu-ística, esta que, por sua vez, é a ciência que descreve línguas em todos os seusaspectos e, também, formula teorias de seu funcionamento. Mas, o que é língua?Qual é a diferenciação entre língua e linguagem?

A priori, os linguistas lidam com línguas naturais. Segundo Lyons (1987), aindagação “o que é língua e linguagem?” traz a pressuposição de que cada umadas inúmeras línguas não-orais, distintas, é um caso especifico de algo mais geral.O estudioso da linguagem, o linguista, quer saber se as línguas naturais possuemem comum algo que não pertença a outros sistemas comunicacionais, humanoou não, de maneira que seja correto aplicar a cada uma delas a palavra “língua”,recusando a aplicação deste termo a outros sistemas comunicacionais.

De acordo com Saussure (1995, p.17):[...] língua não se confunde com linguagem: é somente uma parte determinada,essencial dela, indubitavelmente. É, ao mesmo tempo, um produto social dafaculdade de linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadaspelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos.

Já Chomsky apud Quadros e Karnopp (2004), afirma que: “Doravante consi-derei uma língua[gem] como um conjunto (finito ou infinito) de sentenças, cadauma finita em comprimento e construída a partir de um conjunto finito de ele-mentos”.

Para Chomsky, o conceito de língua pode ser analisado em duas abordagens:a língua externa e a língua interna. A primeira refere-se ao conceito difundido porBloomfield, relacionado à definição de langue por Saussure, associando o som à

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palavra e, consecutivamente, ao seu significado. Esse é um conceito técnico queconsidera as línguas como instâncias da linguagem externalizada. A segunda, alíngua interna, define a ‘noção de estrutura’ como parte da sentença estável, livrede expressões que podem variar de pessoa para pessoa.

Na sequência apresentaremos a língua de sinais como uma língua natural,utilizada em grupos específicos de usuários.

Línguas de sinaisAs línguas de sinais são línguas naturais utilizadas pelas comunidades surdas.

Durante muito tempo, essas línguas foram consideradas apenas gestuais ou pan-tomimais, incapazes de expressar conceitos abstratos. Hoje, ainda, há um grandepreconceito e desconhecimento sobre essas línguas, pois as pesquisas nessa áreasão limitadas e/ou inexistentes, prejudicando assim o seu conhecimento. No anode 1960, houve a publicação do livro Sign Language Structure (Willian Stokoe) emque ficou explícito que as línguas de sinais eram consideradas línguas naturais.Esse descobrimento auxiliou a inserção das línguas não-orais e seus usuários nauniversidade.

Stokoe apud Cruz (2008) diz que visto como um sistema completo, a línguade sinais é semelhante ao inglês ou a qualquer outra língua. Seus elementos com-binam uns com os outros, de modo visual em vez de auditivo.

Essas combinações, sinais, possuem significado como os vocábulos ou fone-mas. Suas construções combinam sinais que, por sua vez, acabam expressandoideias mais completas e complexas.

As línguas de sinais, como qualquer língua oral, possuem sua própria estru-tura, isto é, abarcam a gramática em seus diversos níveis: fonológico, semântico,sintático e pragmático. Quanto à sua estrutura, seus princípios gerais são iguaisaos das línguas orais e são próprias para a tradução de quaisquer assuntos e con-ceitos, sejam eles concretos ou abstratos.

De acordo com Quadros e Karnopp (2004), a diferença básica entre línguade sinais e línguas faladas diz respeito à estrutura simultânea de organização doselementos das línguas de sinais. Enquanto as línguas orais são lineares, isto é,apresentam uma ordem linear entre os fonemas, nas línguas não-orais, além dalinearidade, os fonemas são articulados simultaneamente.

Os sinais são formados por três parâmetros que não carregam significadosquando isolados. As unidades menores constituintes dos sinais são: configuraçãode mão, locação de mão e movimento. Uma configuração de mão e um mesmomovimento, mas com locação diferente, poderá resultar em uma mudança designificado, formando assim um par mínimo.

Estudos das línguas de sinais, realizados na década de 70, adicionam doistópicos ao estudo da fonologia de sinais: a orientação de mão e as marcaçõesnão-manuais.

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Aquisição da LIBRAS como L2O termo L2 refere-se a qualquer idioma aprendido posteriormente à língua

materna. Nesse tópico, abordaremos a LIBRAS como L2, pois essa pode seradquirida como segunda língua por ouvintes, carregando muitas vezes a caracte-rística de uma língua estrangeira.

Quanto à aquisição da L2, basicamente existem três maneiras de aquisição daL2:

• a aquisição simultânea da L1 e da L2;• a aquisição espontânea da L2 e não simultânea;• a aprendizagem da L2 de forma sistemática.A aquisição simultânea da L1 e da L2 pode ocorrer com infantes que são

filhos de pais que utilizam duas línguas distintas ou utilizam uma língua diferentena comunidade onde residem. Já a aquisição espontânea poderá ocorrer em pes-soas que, depois de um tempo, acabam mudando-se para outro país de línguadiferente.

E, por último, a aquisição sistemática da L2 que se dá nas escolas de lín-guas estrangeiras. A diferenciação entre aquisição da L1 e a aquisição da L2 estáintrinsecamente relacionada com a forma de exposição do aprendiz. Quandouma criança é exposta à sua língua materna (L1), a aquisição ocorre de formanatural, isto é, espontânea. Por outro lado, a aquisição da L2 ocorre, muitasvezes, em um ambiente artificial e de forma sistemática, através das metodolo-gias de ensino.

Chamemos a atenção, quanto ao ambiente acadêmico, para tais variáveis: aaquisição da L1, a aquisição da L2, a idade do aprendiz, o tempo de exposição àL2 e o fato de estar incluído ou não nesta comunidade de minoria. O processo deaquisição, nesse contexto, ocorre de forma menos natural.

A educação sistemática envolve um processo distinto da aquisição da L1.Scliar-Cabral apud Quadros, 1997, observa que a não-exposição à língua nativa,no período de aquisição da L1, causa danos irreparáveis à organização psicosso-cial do indivíduo. Isso não ocorre na L2, pois uma pessoa que se expõe a umgrupo que fala um idioma diferente do seu, não corre risco de ter danos irrever-síveis em relação ao mecanismo da linguagem. Embora não conheça o idioma,ela já tem o domínio de uma língua que lhe garante o total funcionamento domecanismo linguístico.

Referente à importância das características da interação no ambiente emque ocorre o processo de aquisição de L2, Damhuis apud Quadros, 1997, apon-ta três aspectos de interação verbal que podem ser diferenciados: o input (arecepção), o output (a produção) e o feedback. O input é a linguagem oferecidapara o aprendiz por falantes nativos, professores ou por outros estudantes; osestudantes de L2 utilizam o input para formar hipóteses sobre a linguagem.O output é a linguagem utilizada pelos próprios discentes. Por meio da própriaprodução, os alunos poderão testar suas hipóteses. O feedback é a reação ofere-

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cida na conversação frente à produção do aprendiz; esse recurso ajuda o apren-diz a avaliar suas hipóteses.

O papel do input é inquestionável. Para que o discente possa ativar o desen-volvimento da língua é necessário o input auditivo e/ou visual.

Quadros (1997) afirma que no caso da aquisição da LIBRAS, o input visual éextremamente importante. O input visual deve ser explorado qualitativamente edeve ser avaliado o tempo necessário de exposição para que o processo de aqui-sição ocorra adequadamente.

Sobre o input, estudos sobre o ambiente linguístico ao qual o aprendiz estáexposto mostraram que o input recebido é não é suficiente para a aquisição dalinguagem.

Lydia White apud Andréa Mattos (2001) apresenta três problemas acerca doinput: a subdeterminação, a degeneração e a ausência de evidência negativa.A subdeterminação se refere ao fato de que vários aspectos da língua são subde-terminados pelo input, isto é, o conhecimento que a pessoa adquire da sua língua,chamado de competência linguística, inclui noções que não são óbvias no inputrecebido e que não são ensinadas diretamente. O conhecimento implícito subja-cente ao uso da linguagem vai muito além daquilo que uma pessoa qualquerestaria realmente exposta, e esse conhecimento não poderia ser adquirido atravésde estratégias gerais de aprendizagem ou habilidades de solução de problemas.A degeneração se refere ao fato de que o input que o aprendiz recebe nem sempreé perfeito. Na verdade, esse input é cheio de erros, hesitações e interrupções,incluindo frases agramaticais e formas parciais tanto quanto frases gramaticais.A ausência de evidência negativa, ou seja, ausência de informações explícitassobre que frases seriam agramaticais constitui outro problema para a aprendiza-gem da língua.

Segundo Chomsky, a aquisição da linguagem está intrinsecamente ligada àhipótese da Gramática Universal. O autor propôs que a Gramática Universal temuma base biológica, ou seja, mecanismos inatos da mente que permitem a aquisi-ção da linguagem. Esses mecanismos constituiriam os princípios e parâmetros daGramática Universal e estariam presentes na forma de estruturas mentais inatas,que foram chamadas de Dispositivo de Aquisição da Linguagem. Esse dispositi-vo conteria os princípios universais inerentes a todas as línguas humanas e tam-bém os parâmetros universais que permitem suas variações e, por isso, seria res-ponsável por construir a competência linguística a partir dos dados linguísticosdo input.Diferenças entre aprendizagem e aquisição

Essa hipótese está fundamentada na premissa de que aprendizagem e aquisi-ção são dois fenômenos distintos, com fins diferentes, podendo ocorrer simulta-neamente, uma não sendo causa da outra. A aprendizagem não se transforma em

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aquisição. Então, qual será a distinção entre esses dois fenômenos? A aquisição éum processo que ocorre no subconsciente, funcionando por necessidade de co-municação, como impulso vital, uma função que o cérebro não pode evitar cum-prir, quando exposto aos impulsos auditivos identificados como mensagem codi-ficada de uma língua.

Segundo Carla Murad (2004, p.39.), “Aprendizagem significa saber as regras,ter consciência delas, poder falar sobre elas, exigindo, portanto, um esforço cons-ciente”.

Em suma, uma significa saber utilizar a língua, enquanto a outra é sabersobre a língua.

Existem teorias que supõem que enquanto as crianças ‘adquirem’ uma lín-gua, os adultos só podem ‘aprender’ o conhecimento sobre a língua através douso desta. Tal hipótese que distingue aquisição de aprendizagem pressupõe queadultos também adquirem uma segunda língua, quase com a perfeição dos na-tivos, sem nenhum conhecimento consciente das regras gramaticais. Ademais,essa hipótese afirma que a aquisição é um processo poderoso em adultos, afir-mativa autenticada pelas observações e estudos dos casos que indicam que es-ses dois fenômenos são processados diferentemente, cada um com a sua fun-ção específica.

No processo inicial do aprendizado, é comum os aprendizes apresentaremdificuldades na produção. Tais dificuldades vão desaparecendo assim que o estu-dante adquire tal língua.

Expressões não-manuaisTais expressões referem-se aos movimentos de face, olhos, cabeça ou tron-

co. As expressões não-manuais (Quadro I) possuem dois papéis de diferenciaçãonas línguas de sinais: marcação de construções sintáticas – como marcação detipos frasais da LIBRAS – orações relativas, topicalizações, concordância, foco ediferenciação entre os itens lexicais.

As expressões não-manuais que constituem componentes lexicais marcamreferência específica, referência pronominal, partícula negativa, advérbio e grauou aspecto.

No próximo item, abordaremos os tipos de sentenças existentes na LIBRASe suas particularidades.

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RostoParte superior

• sobrancelhas franzidas• olhos arregalados• lance de olhos• sobrancelhas levantadas

Parte Inferior• bochechas infladas• bochechas contraídas• lábios contraídos e projetados e sobrancelhas franzidas• correr da língua contra a parte inferior interna da bochecha• apenas bochecha inflada• contração do lábio superior• franzir nariz

Cabeça• balanceamento para frente e para trás (sim)• balanceamento para os lados (não)• inclinação para a frente• inclinação para o lado• inclinação para trás

Rosto e cabeça• cabeça projetada para a frente, olhos levemente cerrados, sobrancelhas franzidas• cabeça projetada para trás e olhos arregalados

Tronco• para frente• para trás• balanceamento alternado dos ombros• balanceamento simultâneo dos ombros• balanceamento de um único ombro

Fonte: Ferreira-Brito e Langevin, 1995, apud Quadros e Karnopp, 2004.

Quadro I: Expressões não-manuais da LIBRAS

Tipos de frases na LIBRASAs línguas de sinais utilizam as expressões faciais e corporais para estabele-

cer os vários tipos de frases, semelhante às entonações da língua portuguesa. Paraperceber a tipologia da frase, isto é, se a sentença é afirmativa, exclamativa, inter-rogativa ou negativa, o sinalizador precisa estar atento às expressões faciais ecorporais que, geralmente, estão associadas simultaneamente com outros sinaisda frase ou com toda a frase.

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Forma afirmativaNesse tipo de frase, a expressão facial se mantém neutra. Podemos exempli-

ficar tal afirmação, através da ilustração abaixo:

Forma interrogativaDiferentemente da forma afirmativa, a frase interrogativa possui algumas

expressões faciais que a difere dos demais tipos frasais. Geralmente, na formainterrogativa as sobrancelhas permanecem franzidas e essa expressão é acompa-nhada por uma ligeira inclinação da cabeça.

Observe o desenho a seguir:

Forma exclamativaA forma exclamativa é caracterizada pelo levantamento das sobrancelhas e

pelo ligeiro movimento de cabeça que se inclina para cima e para baixo. Essapode ser precedida por um intensificador representado pelo fechamento da bocacom um movimento para baixo.

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Forma negativaA sentença negativa possui algumas particularidades, pois pode ser represen-

tada de três maneiras diferentes:• Acrescida do sinal NÃO à frase afirmativa: nessa forma o sinalizador ape-

nas insere o movimento de negação, sinalizado pelo movimento de cabeça, si-multaneamente com a execução do sinal.

• Pode ser executado com a incorporação de um movimento contrário oudesigual ao sinal negado.

• Esta última maneira de execução da forma negativa pode ser realizada comum aceno de cabeça que pode ser feito simultaneamente com a ação que estásendo negada.

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Forma negativa/interrogativaTal frase é sinalizada com as sobrancelhas franzidas e um aceno de negação,

realizado pela cabeça.

Forma exclamativa/interrogativaA sinalização deste tipo de frase se dá pelo levantamento das sobrancelhas e

pela inclinação da cabeça.Ao longo deste estudo, observamos que a organização espacial da LIBRAS

apresenta possibilidades de estabelecimento de relações gramaticais no espaço,através das diferentes formas vistas.

Metodologia da pesquisaPara o desenvolvimento deste estudo, foram realizadas pesquisas bibliográfi-

cas, entrevistas e filmagens. A primeira fase, pesquisas bibliográficas, teve comoobjetivo a construção do referencial teórico que, por sua vez, abrange algunscampos da linguística: a aquisição da linguagem, a fonologia da Língua Brasileirade Sinais e a sintaxe espacial. As entrevistas tiveram um papel importante nolevantamento das dificuldades que adultos ouvintes apresentam na realização dasmarcações não-manuais; e, finalmente, as filmagens que proporcionaram a análi-se das execuções das marcações não-manuais por ouvintes.

SOUZA, Diego Teixeira de

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Amostragem e levantamento de dadosA amostra da pesquisa foi constituída por discentes do nível inicial do curso

de LIBRAS, oferecido pela Faculdade de Educação da Pontifícia UniversidadeCatólica do Rio Grande do Sul, no segundo semestre de 2008. Para a composiçãodessa amostra, foram entrevistados 21 alunos de ambos os sexos.

A tabela abaixo mostra o número de informantes do sexo masculino e femi-nino participantes da pesquisa: levantamento das dificuldades encontradas porouvintes na aquisição das marcações não-manuais.

Total de informantes de acordo com o sexo

1 Houve informantes que apontaram mais de uma marcação não-manual.

Para o levantamento dos dados, primeiramente, foram analisadas as respos-tas oriundas do instrumento direcionado aos alunos. Nesse instrumento, foi pos-sível detectar que a maior dificuldade que estudantes ouvintes apresentam estárelacionada à aquisição da expressão facial e à aquisição do movimento corporal.Grande parte dos informantes afirma que tais marcações não-manuais são difí-ceis, pois na língua oral tais expressões e movimentos podem ou não transmitir/enfatizar uma idéia. Ademais, afirmam que na oralidade a expressão facial e/ou omovimento corporal podem estar ausentes em diversas situações comunicacio-nais, mas não podem estar ausentes na comunicação por sinais, isto é, na LínguaBrasileira de Sinais.

A tabela abaixo mostra as marcações não-manuais apontadas pelos infor-mantes e o número de ocorrências.

Levantamento do número de ocorrências1

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A observação desses casos nos leva a concluir que os aprendizes ouvintes, deLIBRAS, apresentam maior dificuldade na aquisição da expressão facial, pois, naLíngua de Sinais, tal marcação não-manual é de fundamental importância para oentendimento real do sinal, sendo que a entonação em Língua de Sinais é feitapela expressão facial, diferentemente das línguas oral-auditivas.

Em um segundo momento, foi aplicado um novo instrumento compostopor seis tipos de orações, sendo elas:

1. Forma Afirmativa:El@ professor.

2. Forma Interrogativa:Você casad@.

3. Forma Exclamativa:Carro bonit@.

4. Forma Negativa:Eu ouvir não.

5. Forma Negativa/Interrogativa:Casad@ você não.

6. Forma Exclamativa/Interrogativa:Você casar.

Nesse mesmo instrumento, foram dadas duas palavras: silêncio e parar.Os discentes deveriam sinalizar estas sentenças e vocábulos para que se pu-

dessem averiguar suas expressões faciais e se algum equívoco em tais expressõesacarretaria em uma mudança de significado nos vocábulos e/ou sentenças.

A partir da análise desse instrumento, pode-se chegar a algumas conclusões.Tais conclusões serão explicitadas no próximo item.

Considerações finaisA presente pesquisa teve como objetivo o levantamento e a análise dos da-

dos obtidos por aprendizes ouvintes de LIBRAS, quanto à dificuldade na execu-ção das marcações não-manuais e sua implicação na mudança de significado.

Através desses resultados, pode-se constatar que: os aprendizes ouvintes deLIBRAS apresentam dificuldades na execução da marcação não-manual em sen-tenças interrogativas, geralmente quando associadas a outras formas, como a for-ma exclamativa e a forma negativa. Embora os demais sinais não-manuais sejam

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realizados de forma, muitas vezes, equivocada, quando essas são de forma sim-ples, como: afirmativa, negativa, exclamativa, não há um comprometimento dosignificado na sentença. Mas quando associadas a outras formas, o equivoco naexecução da expressão facial provoca uma mudança no significado da sentença,passando esta a pertencer à outra classe.

Outra dificuldade está relacionada à expressão facial na marcação de algumaspalavras. Neste trabalho, utilizamos dois vocábulos: silêncio e parar. O primeirodeve ser sinalizado com o dedo indicador sobre a boca, juntamente com a ex-pressão facial calma e serena. Mas se pode perceber que alguns dos informantesexecutaram o mesmo sinal utilizando um movimento mais rápido e com umaexpressão de zanga, alterando, assim, seu significado para “cale a boca!”. A segun-da palavra deve ser executada com a mão aberta, juntamente com o movimentobrusco e com expressão séria; contudo, houve informantes que sinalizaram o mes-mo sinal com um movimento lento e com uma expressão facial de tranqüilidade.Nesse caso, tal palavra passou a significar “calma”. Como podemos observar, amarcação não-manual, mais especificadamente, a expressão facial, é encarregada delevar, em algumas sentenças e palavras, a carga semântica e sintática.

Quanto aos informantes, não se constatou nenhuma diferenciação na pro-dução da marcação não-manual entre pessoas de sexo feminino e masculino.

Tais conclusões se confirmam ao comparar as produções dos alunos com asproduções da professora, neste caso surda. Ao analisar as sinalizações dos apren-dizes e as sinalizações da docente, ficou claro que a expressão facial é uma dasmaiores dificuldades que os ouvintes, mais especificadamente, utentes de línguaportuguesa, apresentam no processo de aquisição da LIBRAS. Cabe reforçar queos ouvintes aprendizes de LIBRAS devem desenvolver de forma mais apurada oinput visual, pois este possui um papel fundamental para o desenvolvimento daLíngua Brasileira de Sinais como L2.

Podemos afirmar que além dos parâmetros, estudados em capítulos anterio-res, a LIBRAS conta com uma série de componentes não manuais, que em algu-mas vezes, podem definir ou diferenciar significados entre sinais.

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Língua Brasileira de Sinais: as dificuldades encontradas por ouvintes ...

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