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12 Ambiente Urbano - fevereiro de 2009 ESPECIAL Lincoln Martins “Lixo a gente põe nos sacos de lixo, vêm os lixeiros, põem os sacos de lixo em caminhões, e o lixo desaparece da nossa vista. Desaparece da nossa vista, mas não desaparece de verdade porque nada no mundo desaparece. O lixo vai para um outro lugar, longe dos olhos. E a montanha vai crescendo, crescendo, sem parar. Até quando as montanhas de lixo poderão crescer?” O trecho extraído do texto O lixo, de Rubem Alves, traduz bem a re- alidade vivida pelo Brasil, onde as pessoas descartam seus lixos e não se dão conta do longo caminho que ele irá percorre até chegar aos lixões ou aterros sanitários. E é justamente esta falta de preocupação que gera dramas diários semelhantes aos vividos por Paulo Roberto da Silva, que há 17 anos é coletor de resíduos no município de Santo André, na Grande São Paulo. “As pessoas não respeitam a gente, não se preocupam com a nossa segurança”, afirma ele, que já sofreu acidentes por conta do lixo mal descartado por outra pessoa. “Cortei a perna e fiquei afastado por oito dias. Quando procurei o dono do lixo para contar o meu caso, ele disse que o problema era meu”, lembra. No trabalho de coleta, Paulinho, como é chamado pelos colegas, enfrenta riscos diários. No lixo, ele já encontrou pedaços de um corpo humano e até um feto. Em outra ocasião, chegou a ser ameaçado de morte. “Estava varrendo a rua após uma feira e tinha um carro estacionado que estava atrapalhando, quando fui pedir para retirarem o veículo, o dono saiu apontando uma arma e dizendo que ia me matar”, lembra o coletor. Para a gerente de coleta da cidade de Santo André, José Campos Nery, a po- pulação precisa se preocupar um pouco mais na hora de descartar o lixo. “Pelo relato dos coletores é fácil perceber que não há a separação adequada, o que gera acidentes. Quando forem descartar pensem no coletor, descartem de forma consciente”, salienta ela. Perigo no lixo Seringas, giletes de barbear, pedaços de vidros e outros objetos perfurocortantes podem ferir ou contaminar alguém quando incorretamente descartados no lixo. Lâmpadas fluorescentes e outro aparelhos eletrônicos são altamente prejudiciais à saúde.

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12 Ambiente Urbano - fevereiro de 2009

ESPECIAL

Lincoln Martins

“Lixo a gente põe nos sacos de lixo, vêm os lixeiros, põem os sacos de lixo em caminhões, e o lixo desaparece da nossa vista. Desaparece da nossa vista, mas não desaparece de verdade porque nada no mundo desaparece. O lixo vai para um outro lugar, longe dos olhos. E a montanha vai crescendo, crescendo, sem parar. Até quando as montanhas de lixo poderão crescer?” O trecho extraído do texto O lixo,

de Rubem Alves, traduz bem a re-alidade vivida pelo Brasil, onde as pessoas descartam seus lixos e não se dão conta do longo caminho que ele irá percorre até chegar aos lixões ou aterros sanitários. E é justamente esta falta de preocupação que gera dramas diários semelhantes aos vividos por Paulo Roberto da Silva, que há 17 anos é coletor de resíduos no município de Santo André, na Grande São Paulo. “As pessoas não respeitam a gente, não

se preocupam com a nossa segurança”, afirma ele, que já sofreu acidentes por

conta do lixo mal descartado por outra pessoa. “Cortei a perna e fiquei afastado por oito dias. Quando procurei o dono do lixo para contar o meu caso, ele disse que o problema era meu”, lembra. No trabalho de coleta, Paulinho, como

é chamado pelos colegas, enfrenta riscos diários. No lixo, ele já encontrou pedaços de um corpo humano e até um feto. Em outra ocasião, chegou a ser ameaçado de morte. “Estava varrendo a rua após uma feira e tinha um carro estacionado que estava atrapalhando, quando fui pedir para retirarem o veículo, o dono saiu apontando uma arma e dizendo que ia me matar”, lembra o coletor. Para a gerente de coleta da cidade de

Santo André, José Campos Nery, a po-pulação precisa se preocupar um pouco mais na hora de descartar o lixo. “Pelo relato dos coletores é fácil perceber que não há a separação adequada, o que gera acidentes. Quando forem descartar pensem no coletor, descartem de forma consciente”, salienta ela.

Perigo no lixoSeringas, giletes de barbear, pedaços de vidros e outros objetos

perfurocortantes podem ferir ou contaminar alguém quandoincorretamente descartados no lixo. Lâmpadas fluorescentes

e outro aparelhos eletrônicos são altamente prejudiciais à saúde.

fevereiro de 2009 - Ambiente Urbano 13março de 2010 - Ambiente Urbano 13

Grandes vilões do lixo Perigosos e infectantes, materiais per-

furocortantes como seringas, giletes e lâminas de barbear podem também transmitir doenças graves. Pela legislação brasileira, esse tipo de material deve ser descartado em recipientes rígidos e veda-dos, resistentes a rupturas e vazamentos, com alças para o transporte, e devem ser identificados pelo símbolo de “substân-cia infectante”, acrescido da inscrição “Resíduo Perfurocortante” (Veja foto na reportagem). Mas somente hospitais e centros de saúde utilizam este recipiente. A gestora da Comissão Interna de Biosse-

Materiais perfurocortantesMuito utilizados pelos serviços de saúde, recipientes para coleta de objetos perfurocortantes são confeccionados em material

resistente (papelão couro) e podem ser entregues nos postos de saúde, que dispõem de coleta específica para este tipo de material.

gurança do Instituto Oswaldo Cruz, Maria Eveline Castro Pereira, lembra que recen-temente foi publicado um estudo sobre os resíduos potencialmente infectantes presentes no lixo urbano. “Verificou-se que é comum as pessoas descartarem agulhas, seringas, ampolas de medica-mentos, aparelhos de barbear e lâminas diversas sem o menor cuidado”, afirma. A pesquisadora alerta que, o ideal seria

que as famílias adquirissem um recipiente específico para este tipo de resíduos . Quando cheio, o recipiente poderia ser levado ao posto de saúde mais próximo que tem condições de fazer o descarte

correto destes materiais”, explica ela.Outro grande vilão presente no lixo

urbano são as lâmpadas fluorescentes. Cada uma contém 15 miligramas de mercúrio, metal pesado extremamente tóxico e cancerígeno, que é liberado na forma de vapor quando a lâmpa-da se quebra. Segundo o consultor ambiental e especialista em gestão de resíduos, Maurício Waldman, apesar da quantidade de mercúrio liberada ser pequena, multiplicada por milhões de unidades ela torna-se um perigo real. “Infelizmente inexiste legislação que proíba a disposição indiscrimi-nada de lâmpadas no lixo. Assim, os coletores estão sendo vítimas de uma contaminação por metal pesado, que é o caso do mercúrio, numa escala inimaginável”, alerta o especialista, lembrando que Brasil descarta no lixo algo entre 100 e 150 milhões de lâm-padas fluorescentes por ano.

“As pessoas não respeitama gente não se preocupam

com a nossa segurança”Paulo Roberto da Silva, coletor há 17 anos.

14 Ambiente Urbano - fevereiro de 2009

ESPECIAL

Quando o problema retorna para vocêWaldman adverte ainda que, além

dos coletores, o lixo mal descartado acarreta outros problemas de ordem pública. “A disposição incorreta dos

resíduos sólidos é a origem de sérios problemas sanitários e ambientais, como as emissões de gás metano e de chorume que geram graves danos”,

“Todomundo deve cuidarbem do lixo, para o próprio

bem das pessoas”Maurício Waldman, professor doutor e

especialista em gestão de resíduos.

Cuidados ao manusear uma lâmpada fluorescenteÉ preciso cuidado ao manusear esse tipo de produto, pois ao quebrar, ele liberamercúrio no ar. Saiba o que fazer nessa circunstância:

Não usar equipamento de aspiração para a limpeza;

Logo após o acidente, abrir todas as portas e janelas do ambiente, aumentando a ventilação;

Ausentar-se do local por, no mínimo, 15 minutos;

Após 15 minutos, colete os cacos de vidro e coloque-os em saco plástico. Procure utilizar luvas e avental para evitar contato do material recolhido com a pele; Com a ajuda de um papel umedecido, colete os pequenos resíduos que ainda restarem;

Coloque o papel dentro de um saco plástico e feche-o; Coloque todo o material dentro de um segundo saco plástico. Assim que possível lacre o saco ...plástico evitando a contínua evaporação do mercúrio liberado; Logo após o procedimento, lave as mãos com água corrente e sabão.

Fonte: www.coletaseletiva.gov.br

esclarece ele. Ele explica que apesar do dióxido

de carbono (CO2) ser o gás consi-derado carro-chefe do efeito estufa, o efeito do metano é 20 vezes mais

potente para o aquecimento global. “O chorume é, ao lado do plutônio e da dioxina, uma das três substân-cias mais perigosas produzidas pelo

homem”, explica.Segundo ele, qualquer t ipo de

r e s í duo d i spo s t o i nadequada -mente é agente de transtornos, impactando o meio ambiente em uma ampla escala de tempo e de espaço. “O importante é lembrar que todo mundo deve cuidar bem do lixo, para o próprio bem das pessoas”, enfatiza. Ela lembra que, em 2003, a ci-

dade de São Paulo gerava por dia cerca de 7,5 toneladas de resíduos de serviços de saúde do tipo infec-tante, químico e perfurocortante, que eram descartados juntamente com o lixo doméstico.