liberdade na cabeça

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LIB POR SILVIA ARAÚJO FOTOS SOLANGE ROSSINI Entrevista Negra Jhô 132 LET'S GO BAHIA

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A cabeleireira afro Negra Jhô superou uma infância difícil e hoje faz trança em famosos, é modelo de cidadania e ganhou título de beleza

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Page 1: Liberdade na Cabeça

LIBER-POR SILVIA ARAÚJOFOTOS SOLANGE ROSSINI

Entrevista Negra Jhô

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Page 2: Liberdade na Cabeça

negra, filha de ogum com Yansã, mãe solteira, avó, dona de

um sorriso cativante. Com autoestima elevada, negra Jhô usa

diariamente vestimentas africanas e turbantes coloridos. é forte

e se integra perfeitamente ao cenário do Centro Histórico ao

despojar-se na calçada em frente ao seu salão.

Casé e Mariana ximenes. Nos cabelos realiza

verdadeiras obras de arte, inspiradas em

técnicas próprias adquiridas desde a infância,

quando penteava as irmãs e as bonecas,

usando a sensibilidade, a curiosidade, assim

como o sangue e a raça africanos, dos quais

muito se orgulha.

Negra Jhô também se destaca na criação de

estilosos turbantes, mantendo com sucesso

a exposição Coroa de Ouro, com 21 peças,

no Museu Udo Knoff, no Pelourinho. Ela foi

símbolo do Carnaval em 2003 e é destaque

há nove anos no Bloco Olodum. Está em

badalados eventos como símbolo da cultura

e estética da mulher afrodescendente. Um

dos seus desafios é o trabalho social que

realiza no Centro Histórico, e que tenta levar

dignidade às crianças daquela região, a

partir da capacitação com trançado afro.

capacitação

DADELIBER-a caBeleireira afro negra Jhô superou uma infância difícil e hoJe faz trança em famosos, é modelo de

cidadania e ganhou título de Beleza

ela nasceu em um terreiro do candomblé, em quilombo da muribeca,

em são Francisco do Conde. no ano passado, ficou extremamente feliz,

pois foi brindada com o título de Cidadã de salvador e com o prêmio

da revista Contigo!, categoria beleza. “Para mim é forte demais, tanta

menininha de peitinho e corpinho arrumadinhos e eu arrebatei este

prêmio da Contigo!”, brinca ela com seu tom espontâneo e simpático.

valmira telma Jesus sacramento, 51 anos, é cumprimentada

praticamente por todas as pessoas que passam à sua frente, no

Pelourinho. Às crianças, ela sempre faz uma referência carinhosa:

“Como você está bonita hoje!” um tratamento bem diferenciado do

que sua madrasta lhe fazia, aos 5 anos de idade. na época, usava

vestidos largos e coloridos, tinha cabelos curtos e usava um pano

amarrado na cabeça. era depreciada e chamada de João. daí a origem

de seu nome. mas não ligava, deu a volta por cima. Criou os seus dois

filhos, afro Jhô, 30 anos, e Caio Jhê, 12 anos. Foi precursora em trançar

cabelos ao ar livre, em plena calçada do Pelô. tornou-se referência em

penteados afro. atendeu personalidades como Carlinhos brown, lázaro

ramos, daniela mercury, ivete sangalo, thiago lacerda, regina

na cabeça

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Page 3: Liberdade na Cabeça

Let’s Go - Você já trançou muita gente

famosa? Isso te envaidece?

Negra Jhô - Olha... Todas as pessoas que

entram aqui adiciono como celebridades.

Não me ligo em famosos. Ligo-me nesse dia

a dia porque a fama está dentro da gente

e se a gente não souber levar o índice de

fama, tira o pé do chão e se perde.

Let’s Go - Qual a concepção da

exposição de turbante que criou?

Negra Jhô - Esta exposição uniu o útil ao

agradável. O espaço com o momento. Eu

queria fazer fechar o ano com esta exposição

neste local bem bacana, o Museu Udo

Knoff. Já passaram mais de mil pessoas

visitando. A cada trabalho me concentrei,

me entreguei, criei o nome, fiz homenagens

às pessoas que representam algo pra mim,

como minha mãe, meu filho Afro Jhô,

zumbi dos Palmares, Carlinhos Brown.

Coloquei o material no chão e fui criando.

Não estudei para fazer algo direcionado. Foi

algo intuitivo. Depois que vejo a exposição

montada, eu fico assim: “Meu Deus... onde

fui?” Fui muito além do que se espera de

mim. A proposta vai pra outros estados e

países. Vamos trabalhar para isso.

Let’s Go - Desde quando você usa

vestimenta afro?

Negra Jhô - Quando era pequena eu via

o filme de Tarzan. Ele é um homem branco,

mas foi criado na áfrica. Quando passava

a parte da áfrica eu ficava louca, o que via

mexia comigo e dizia: “Meu Deus, um dia

ainda vou me vestir assim. Eu tenho que

permanecer minha vida toda assim”. Aí

me chamavam de maluca. Olha eu aqui,

fazendo o que eu sempre almejei. Eu me

visto assim no meu dia a dia. Adoro cores

que chamam atenção, vermelho, laranja...

Nasci dentro do candomblé, sigo a religião

de matriz africana e fiz aqui na exposição

um turbante inspirado na natureza.

Entrevista Negra Jhô

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Page 4: Liberdade na Cabeça

negra Jhô assina estilosos turbantes da exposição Coroa de ouro, com 21 peças, no museu udo Knoff, no Pelourinho

Let’s Go - O que a religião representa para você?

Negra Jhô - A religião é a humildade, a sabedoria, não discriminar quem está ao seu lado. É o que você cultua, no que você crê. Pra mim um copo de água é uma religião porque a água tanto mata quanto salva. Ela é a benção, o respeito.

Let’s Go - Como se sente Cidadã de Salvador? Inclusive, 2011 foi um ano de reconhecimento, como cidadã. E a revista Contigo! também lhe reconheceu na área Beleza...

Negra Jhô - Foi um ano muito bom, aclamado, cheio de títulos. Estou feliz com o reconhecimento, com este meu jeito sou vista como cidadã de Salvador, pois amo esta cidade e me sinto parte dela. A Contigo! também foi gratificante, muito forte arrebatar um título deste, pois num mundo em que se valoriza meninas com peitinho e corpinho arrumadinhos, eu fui escolhida.

Let’s Go - Qual o movimento que você está fazendo para conseguir montar o centro de arte, cultura e estética?

Negra Jhô - Eu sei que vou conseguir em 2012 um espaço maior para implantar os meus cursos e oficinas de penteado, dança afro, turbantes e culinária, exposições. Hoje realizo as atividades nas instituições e associações que me contratam ou convocam. Espero que o ano seja de mudanças. Tenho fé.

Let’s Go - Como você desenvolve seu trabalho social? Como contribui para combater a pobreza no Centro Histórico?

Negra Jhô - Eu tenho vários filhos que não pari. Muitos me chamam de mãe, avó, tia. Eu tenho um trabalho social. Aliás... nem sei o que faço... O povo diz assim: “Ah! o seu salão”. Não é um salão é uma casa de amor. Eu dou colo, eu dou carinho, vou pra delegacia, para os hospitais, para a sinaleira (divaga). Eu tenho um instituto e vou renovar a minha documentação para angariar verbas porque já cansei de tirar de onde não tem. Pois tudo que a gente faz tem um custo. Tenho um projeto, o Eterna Juventude, de oficinas de maquiagem e dança com mulheres idosas que sofreram a vida toda. Tudo isso fazemos num grupo com pessoas que têm idade de ser a minha avó e a gente se depara com a mesma idade.

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Page 5: Liberdade na Cabeça

Temos ainda um trabalho social

com meninos de rua, conversamos com eles e

tentamos tirá-los da rua. Damos a liberdade, carinho.

Let’s Go - Você também teve uma infância

muito sofrida ?

Negra Jhô - Já passei necessidade, dormi com

fome, apanhei muito para sobreviver. Eu não me

vencia, sempre reagia, sempre fui atrás de meus

direitos, de melhorar minha vida e as de meus

irmãos. Sempre gostei de roupa grande, larga,

colorida, como não tinha cabelo, os meninos

me colocaram o nome de João, eu usava meus

turbantes.

Let’s Go - Mas você superou tudo isso? Como

ficou sua autoestima?

Negra Jhô - Eu me senti na sorte, na ousadia

de guerrear, de crescer, de mostrar a minha força,

a minha liderança. Eu sou blindada pelos meus

valores. O que me diziam não me abalava, ao

contrário, me fortalecia. Dei a volta por cima. Tenho

formação em Auxiliar de Comunicação, trabalhei

como auxiliar de embalagem, já cozinhei, lavei, fiz

congelamento. E faria tudo de novo se precisasse.

a baiana nascida no quilombo da muribeca, em são Francisco do Conde, é cidadã soteropolitana e símbolo de beleza

Entrevista Negra Jhô

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